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TEORIAS DO DISCURSO E DA PRODUÇÃO DE SENTIDO NO CINEMA E NAS ARTES DO VÍDEO


A LÍNGUA / LINGUAGEM DA ANÁLISE DO DISCURSO

Coletânea de textos II: “A Língua de Saussure e a Língua dos


Estudos do Discurso”
I) O discurso

(BRANDÃO, Helena Nagamine. Analisando o Discurso. Artigo publicado em


http://www2.eca.usp.br/Ciencias.Linguagem/Brandao_AnalisandoODiscurso.pdf)

Atualmente o estudo da língua sob a perspectiva discursiva está bastante


difundido, havendo várias correntes teóricas. Vamos nos ocupar a partir de agora de
uma dessas tendências, aquela que ficou conhecida como “escola francesa de análise
do discurso” (que costuma ser abreviada AD). Ela surgiu na década de 60- 70 na França,
país que tinha forte tradição escolar no estudo do texto literário, influenciando depois
estudiosos brasileiros. A década de 60 foi um período bastante agitado do ponto de vista
político e cultural tanto no nosso país como lá fora: no Brasil, por ex., tivemos os festivais
da MPB (onde se revelaram grandes talentos como Chico Buarque, Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Gal Costa etc.), as manifestações políticas contra a ditadura militar (golpe
de 1964); na França, houve o movimento estudantil de 1968 em que os estudantes
universitários saíram às ruas pedindo reformas no ensino. A análise do discurso
francesa procurou entender esse momento político analisando os discursos que foram
então produzidos; ela se debruça inicialmente sobre os discursos políticos com posição
bem marcada (discurso de esquerda X de direita). Para analisar esses discursos, a AD,
definida inicialmente como “o estudo linguístico das condições de produção de um
enunciado” não se limita a um estudo puramente linguístico, isto é a analisar só a parte
gramatical da língua (a palavra, a frase), mas leva em conta outros aspectos externos à
língua, mas que fazem parte essencial de uma abordagem discursiva: os elementos
históricos, sociais, culturais, ideológicos que cercam a produção de um discurso e nele
se refletem; o espaço que esse discurso ocupa em relação a outros discursos
produzidos e que circulam na comunidade.

Assim, para a AD, a linguagem deve ser estudada não só em relação ao seu
aspecto gramatical, exigindo de seus usuários um saber linguístico, mas também em
relação aos aspectos ideológicos, sociais que se manifesta através de um saber sócio-
ideológico. Para a AD, o estudo da língua está sempre aliado ao aspecto social e
histórico.
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A LÍNGUA / LINGUAGEM DA ANÁLISE DO DISCURSO

II) A Língua de Saussure

II. 1) Língua (langue) X Fala (parole)

(BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas: Editora


da Unicamp, 2012)

Qualquer estudo da linguagem é hoje, de alguma forma, tributário


de Saussure, quer tomando-o como ponto de partida, assumindo
suas postulações teóricas, quer rejeitando-as. No nosso caso a
referência a Saussure deve-se, sobretudo, a sua célebre concepção
dicotômica entre lingua e fala. Embora reconhecendo o valor da
revolução linguística provocada por Saussure, logo se descobriram
os limites dessa dicotomia pelas consequências advindas da
exclusão da fala do campo dos estudos linguísticos.

II. 3) Linguística da Língua e Linguística da Fala

(SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Capítulo IV: Linguística da


Língua e Linguística da Fala. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 26-28)

O estudo da linguagem comporta, portanto, duas partes: uma, essencial, tem por objeto
a língua, que é social em sua essência e independente do indivíduo; (...) outra,
secundária, tem por objeto a parte individual da linguagem, vale dizer, a fala (...).

Sem dúvida, esses dois objetos estão estreitamente ligados e se implicam mutuamente;
a língua é necessária para que a fala seja inteligível e produza todos os seus efeitos;
mas esta é necessária para que a língua se estabeleça; historicamente, o fato da fala
vem sempre antes. Como se imaginaria associar uma ideia a uma imagem verbal se
não se surpeendesse de início esta associação em um ato de fala? Por outro lado, é
ouvindo os outros que aprendemos a língua materna; ela se deposita em nosso cérebro
somente após inúmeras experiências. Enfim, é a fala que faz evoluir a língua: são as
impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hábitos linguísticos.
Existe,pois, interdependência da língua e da fala; aquela é ao mesmo tempo o
instrumento e o produto desta. Tudo isto, porém, não impede que sejam duas coisas
absolutamente distintas.

A língua existe na coletividade sob a forma duma soma de sinais depositados em cada
cérebro, mais ou menos como um dicionário cujos exemplares, todos idênticos, fossem
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repartidos entre os indivíduos. Trata-se, pois, de algo que está em cada um deles,
embora seja comum a todos e independa da vontade dos depositários. (...)

De que maneira a fala está presente nesta mesma coletividade? É a soma do que as
pessoas dizem, e compreende:

a) combinações individuais, dependentes da vontade dos que falam; b) atos de fonação


igualmente voluntários, necessários para a execução dessas combinações.

Nada existe, portanto, de coletivo na fala; suas manifestações são individuais e


momentâneas. (...)

Por todas essas razões, seria ilusório reunir, sob o mesmo ponto de vista, a língua e a
fala. O conjunto global da linguagem é incognoscível, já que não é homogêneo, ao
passo que a diferenciação e subordinação propostas esclarecem tudo.

Essa é a primeira bifurcação que se encontra quando se procura estabelecer a teoria


da linguagem. Cumpre escolher entre dois caminhos impossíveis de trilhar ao mesmo
tempo; devem ser seguidos separadamente.

Pode-se, a rigor, conservar o nome de Linguística para cada uma dessas duas
disciplinas e falar de uma Linguística da fala. Será, porém, necessário não confundí-la
com a Linguística propriamente dita, aquela cujo único objeto é a língua.

Unicamente desta última é que cuidaremos, e se por acaso no decurso de nossas


demonstrações, pedirmos luzes ao estudo da fala, esforçar-nos-emos para jamais
transpor os limites que separam os dois domínios.” (p. 26-28)

II. 2) Elementos externos e elementos internos da linguagem

(SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Linguística Geral. Capítulo V: Elementos


Internos e Elementos Externos da Língua. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 29-36)

Nossa definição da língua supõe que eliminemos dela tudo o que lhe seja estranho ao
organismo, ao seu sistema, numa palavra: tudo quanto se designa pelo termo
“Linguística externa”. Essa Linguística se ocupa, todavia, de coisas importantes, e é
sobretudo nelas que se pensa quando se aborda o estudo da linguagem.

Incluem elas, primeiramente, todos os pontos em que a Lingüística confina com a


Etnologia, todas as relações que podem existir entre a história duma língua e duma raça
ou civilização. Essas duas histórias se associam e mantêm relações recíprocas. Isso
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faz recordar um pouco as correspondências verificadas entre os fenômenos linguísticos


propriamente ditos (ver p. 15 s.) Os costumes duma nação tem repercussão na língua
e, por outro lado, é em grande parte a língua que constitui a Nação.

Em segundo lugar, cumpre mencionar as relações existentes entre a língua e a história


política. Grandes acontecimentos históricos, como a conquista romana, tiveram
importância incalculável no tocante a inúmeros fatos linguísticos. (...)

Isto nos leva a um terceiro ponto: as relações da língua com instituições de toda espécie,
a Igreja, a escola, etc. Estas, por sua vez, estão intimamente ligadas ao
desenvolvimento literário de uma língua, fenômeno tanto mais geral auanto é
inseparável da história política. (...)

Enfim, tudo quanto se relaciona com a extensão geográfica das línguas e o fracionmento
dialetal releva da Linguística externa. Sem dúvida, é nesse ponto em que a distinção
ente ela e a Linguística interna parece mais paradoxal, de tal modo o fenômeno
geográfico está intimamente associado à existência de qualquer língua; entretanto, na
realidade, ele não afeta o organismo interno do sistema. (...)

A Linguística externa pode acumular pomenor sobre pormenor sem se sentir apertada
no torniquete dum sistema. (...)

No que concerne à Linguística interna, as coisas se passam de mdo diferente: ela não
admite uma disposição qualquer; a língua é um sistema que conhece somente sua
ordem própria. Uma comparação com o jogo de xadrez fará compreendê-lo melhor.
Nesse jogo, é relativamente fácil distinguir oexterno do interno; o fato de ele ter passado
da Pérsia para a Europa é de ordem externa; interno, ao contrário, é tudo quanto
concerne ao sistema e às regras. Se eu substituir as peças de madeira por peças de
marfim, a troca será indiferente para o sistema; mas se eu reduzir ou aumentar o número
de peças, essa mudança atingirá profundamente a “gramática” do jogo. Não é menos
verdade eu certa atenção se faz necessária para estabelecer distinções dessa espécie.
Assim, em cada caso, formular-se-á a questão da Natureza do fenômeno, e para
resolvê-la, obsevar-se-á esta regra: é interno tudo o que provoca mudança no sistema
em qualquer grau.”
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II. 3) Saussure e o Discurso

A linguística, eu ouso dizer, é vasta. Particularmente, ela comporta duas partes: uma
que é mais próxima da língua, depósito passivo, outra que é mais próxima da fala, força
ativa e verdadeira origem dos fenômenos que se percebem em seguida, pouco a pouco,
na outra metade da linguagem (ELG, 2004, p. 273).

...mas o que separará o discurso da língua ou o que, num dado momento, permitirá
dizer que a língua entra em ação como discurso?” (Saussure, em Starobinski, 1974, p.
12)

Mas o que é a língua separada do discurso? O anterior ao discurso é realmente a língua,


ou não seria de preferência um discurso antecedente? A língua, simples repertório de
conceitos isolados, separada do discurso (da fala) é uma abstração. A audácia de
Saussure consiste em tratar essa abstração como uma matéria-prima. Não teria havido
língua – para o linguista – se os homens não tivessem anteriormente discursado.
(Starobinski, 1974, p. 12)

O discurso, a parole, não deriva imediatamente da língua, deriva imediatamente de outro


discurso anterior [...] em conseqüência, o criador do poema não é primordialmente o
poeta que o redige, é um discurso outro, o discurso do outro, “inter-dito”. (Lopes, 1997,
p. 87)

Bibliografia

BRANDÃO, Helena Nagamine. Analisando o Discurso. Artigo publicado em


http://www2.eca.usp.br/Ciencias.Linguagem/Brandao_AnalisandoODiscurso.pdf

BRANDÃO, Helena Nagamine. Introdução à Análise do Discurso. Campinas:


Editora da Unicamp, 2012

LOPES, E. A Identidade e a Diferença: raízes históricas das teorias estruturais da


narrativa. São Paulo: Edusp, 1997.

SAUSSURE, F. Curso de Lingüística Geral. 22 Ed. São Paulo, SP: Editora, Cultrix,
2000.

________________. Escritos de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 2002.

STAROBINSKI, J. As Palavras Sob as Palavras: os anagramas de Ferdinand de


Saussure. São Paulo: Perspectiva, 1974

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