Você está na página 1de 5

22 KARL LARENZ, Metodologia da ciência do direito, p.130.

§ 1º

Conceito de Direito

Pensar um objeto e conhecer um objeto não são a mesma coisa 23 .


IMMANUEL KANT

Direito é, pois, a realidade que possui o sentido de estar ao serviço do


valor jurídico, da Ideia do Direito 24 .
GUSTAV RADBRUCH

1. Etimologia da Palavra Direito


As palavras, termos e expressões em Direito têm singular
significação. Metaforicamente, o estudante de Direito fará uma
extraordinária jornada durante cinco anos, ficando imerso em meio à
descoberta, conhecimento e construção de um universo jurídico.
Cada passo será marcado pela aquisição de vocabulário, sem
jamais perder os atributos da leveza, elegância e eloquência.
E eis aqui, o seu primeiro desafio: o que significa “direito”?
Etimologicamente, a palavra direito deriva dos vocábulos do
baixo-latim rectum e directum, tendo sua origem na raiz reg, que
traduz a ideia de movimento em linha reta e daí advieram muitas
palavras, tais como rei, reger, regime, régua, relha, dirigir25 e se
afigura como uma verdadeira metáfora, uma vez que designa aquilo
que é reto, isto é, que se encontra conforme às regras, exprimindo,
assim, uma noção preliminar de dever ser. E rectum, diferentemente
de directum, tinha um sentido mais moral do que jurídico, tanto que
também significava, apropriadamente, o bem moral, o justo, a
razão26. Ambos vocábulos influenciaram, historicamente, a maioria
dos idiomas modernos: direito (português), diritto (italiano), derecho
(espanhol), droit (francês), drejtë (albanês), dret (catalão), dereito
(galego), dreapta (romeno), dritt (maltês), right (inglês), recht
(alemão), rechts (holandês). Além desses vocábulos, há outro termo
latino para designar o direito: ius (ou jus27), do qual deriva justiça,
juízo, juiz, julgar, jurar, perjurar, julgamento, jurídico, judicial,
judiciário, jurisdição, jurisprudência, jurisconsulto, entre outros28.
Malgrado a riqueza cultural aqui exposta, nenhum dos vocábulos
consegue definir, com precisão, o que vem a ser o Direito.. Para
agravar ainda mais essa situação, a palavra Direito traduz um
significado afetivo favorável o que, por si só, acarreta uma grande
imprecisão, especialmente porque se abrange ou se ignora de sua
denotação todos os fenômenos conforme o significado afetivo
favorável ou desfavorável29. Divergem os juristas, filósofos,
sociólogos e outros pensadores sobre o seu verdadeiro conceito.
Justifica-se a polêmica do conceito do Direito, ainda, levando em
consideração a correlação entre o Direito e a moral. Se de um lado
as teorias positivistas defendem a total separação entre o Direito e a
moral, as teorias não positivistas defendem a sua vinculação, o que
determinaria um conceito contendo, pois, elementos morais30. A
este respeito, HERBERT HART dedicou uma obra integralmente à
busca do conceito do Direito que, por meio do viés crítico e
apoiando-se na vertente normativa, procurou redefini-lo, elucidando-
o pela união de regras primárias (normas de conduta,
correspondendo a uma forma singela de controle social) e
secundárias (regras de reconhecimento, de alteração), tendo como
ponto de partida as falhas da concepção tradicional do Direito, em
especial a tradicional concepção do Direito com gênese nas ordens
coercitivas do soberano31. Essa obra, lançada em 1961, foi deveras
impactante, dando origem a uma multiplicidade de publicações que
nem de longe foram convergentes, com destaque especial ao maior
crítico dessa teoria, RONALD DWORKIN, para quem, à luz de uma
perspectiva pragmática e sem se desviar do jusmoralismo, o Direito
está assentado nos costumes sociais, no consenso político e na
moral de um povo32. Entre nós, tentando superar os problemas
quanto à conceituação do Direito, ANDRÉ FRANCO MONTORO,
propôs a concepção analítica do Direito a partir de cinco distintas
realidades: justiça, lei, faculdade, fato social e ciência33 e MIGUEL
REALE, por sua vez, edifica uma solução sintética, consistente na
tridimensionalidade do Direito: fato, norma e valor que se interligam
e se correlacionam34. Já se afirmou, aqui, que o Direito é um
fenômeno essencialmente cultural. Ele é fruto da intervenção
humana, dentro de um universo de objetos e coisas que não são
feitos pela natureza, mas que, como genuína expressão de
intencionalidade humana, tem sua gênese na criação humana e
todos eles possuem um sentido, uma significação, um propósito35.
Bem por isso, acreditamos que o conceito do Direito, assim como
qualquer outro instituto que detenha a mesma natureza cultural,
somente será perfeitamente compreendido se o construirmos a
partir de uma prévia ideia elementar, que decorre da experiência e
tradição cultural humana.

2. Ideia Elementar de Direito


Conhecer é conquistar uma verdade que supomos encontrar-se fora
de nós. Dentre as possibilidades do conhecimento, sobreleva citar
duas distintas categorias: senso comum (conhecimento vulgar) e
conhecimento científico (ou técnico).
A primeira hipótese nasce de maneira espontânea em nosso
meio social e nos fornece a maior parte das noções de nosso
cotidiano, ao passo que a segunda, é aquela edificada por uma
linguagem essencialmente artificial e peculiar, desenvolvida por um
forte rigor metodológico. Em ambas as possibilidades do
conhecimento, há sempre uma correlação imprescindível: um sujeito
e um objeto. Por meio do senso comum é em geral pensado um
objeto e, em segundo lugar, nasce intuitivamente uma ideia.
Somente após a formação de uma ideia é que se tornaria possível
se chegar ao conhecimento científico e, pois, permitir ao cientista a
elaboração de conceitos.
Assim, qualquer estudante universitário que pretenda trilhar os
caminhos do conhecimento científico deve conhecer uma noção
preliminar da realidade que o cerca, irradiando, assim, uma ideia
elementar para, posterior e metodologicamente, promover a
construção de um conceito técnico integrador do objeto pensado.

Você também pode gostar