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Filosofia do Direito
Clodomiro Bannwart
Pós-Doutor em Filosofia. Graduado em Direito e em Filosofia. Professor do
Programa de Mestrado em Direito na Universidade Estadual de Londrina.
Professor no Saraiva Aprova.
Sumário
1. Matrizes do pensamento na Filosofia do Direito: 1.1. Filosofia e Direito: uma
relação de proximidade; 1.2. A contribuição da Filosofia ao Direito; 1.2.1. A
tradição judaica; 1.2.2. A tradição grega; 1.2.3. A tradição romana; 1.3. A
delimitação entre razão teórica e razão prática; 1.3.1. A razão teórica; 1.3.2. A
razão prática; 1.4. Nascimento da Filosofia e da Filosofia do Direito; 1.4.1. Razão
teórica; 1.4.1.1. Epistemologia; 1.4.1.2. Lógica, retórica e argumentação; 1.4.2.
Razão prática; 1.4.2.1. Política; 1.4.2.2. Ética; 1.4.2.3. Direito; 1.4.2.4. Razão
prática e tragédia; 1.5. No coração da ética: ensinamentos contemporâneos; 1.6.
Paradigmas filosóficos, jurídicos e sociológicos; 1.6.1. Paradigmas da razão
teórica; 1.6.1.1. Paradigma da essência; 1.6.1.2. Paradigma do sujeito; 1.6.1.3.
Paradigma da linguagem; 1.6.1.4. Síntese; 1.6.2. Paradigmas da razão prática;
1.6.2.1. Ética teleológica; 1.6.2.2. Ética teológica; 1.6.2.3. Moral deontológica;
1.6.2.4. Moral pós-convencional; 1.6.3. Paradigmas das teorias sociais; 1.6.3.1.
Paradigma da teleologia; 1.6.3.2. Paradigma da antropologia; 1.6.3.3. Paradigma
da filosofia da história; 1.6.3.4. Paradigma das sociedades complexas; 1.6.4.
Paradigmas do direito; 1.6.4.1. Jusnaturalismo; 1.6.4.2. Positivismo jurídico;
1.6.4.3. Pós-positivismo; 1.7. O nascimento da dicotomia entre legalidade e
legitimidade; 1.8. Teoria de Platão; 1.9. Teoria sofista; 1.10. Teoria de Aristóteles;
1.11. Teoria de Santo Agostinho; 1.11.1. A lei eterna; 1.11.2. A liberdade da
vontade; 1.12. Teoria de Tomás de Aquino – 2. Escolas do pensamento jurídico
ocidental: 2.1. Evolução histórica do conceito de direito natural; 2.2. Da teleologia
à antropologia: a ideia de contrato; 2.3. A lei natural: da natureza objetivada à
razão humana; 2.4. Teoria de Hugo Grócio; 2.5. Teoria de Hobbes; 2.6. Teoria de
Pufendorf; 2.7. Teoria de Locke; 2.8. Teoria de Rousseau; 2.9. Teoria de
Montesquieu; 2.10. Fundamentos históricos do positivismo jurídico; 2.10.1. Escola
histórica; 2.10.2. Escola da exegese; 2.11. Positivismo jurídico; 2.11.1.
Normativismo de Hans Kelsen; 2.11.2. A norma fundamental; 2.12. Carl Schmitt;
2.13. Realismo jurídico; 2.13.1. A teoria de Alf Ross; 2.14. Reações ao positivismo
jurídico; 2.14.1. Teoria do neokantismo; 2.14.2. Pensamento jusfilosófico brasileiro.
A teoria tridimensional do direito de Miguel Reale; 2.14.3. Gustav Radbruch; 2.15.
Variações do positivismo jurídico; 2.15.1. Herbert Hart; 2.15.2. Norberto Bobbio
– 3. Direito e moral: 3.1. Ética utilitarista; 3.1.1. John Stuart Mill; 3.2. Teoria de
Immanuel Kant; 3.3. Princípio universal do direito – 4. Direito: coação e
correção: 4.1. Direito e coação; 4.2. Direito e correção – 5. Direito e ciência: 5.1. A
ciência moderna; 5.2. Ciência do Direito como teoria da interpretação; 5.3. Crítica
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Fé Natureza Autoridade
■ 1.4.1.1. Epistemologia
A Filosofia surge, segundo Aristóteles, do thauma, traduzido por espanto,
perplexidade. A Filosofia é originária daquilo que capta a nossa atenção e nos põe a
refletir, indagar e apontar respostas. A Filosofia não nasce de um superpoder cognitivo,
mas da percepção sensorial, do olhar atento à natureza (Physis). A natureza desponta
como cosmos (o todo ordenado), manifestando, num primeiro momento, encanto e
beleza (dimensão estética). Daí o termo cosmética, associado àquilo que realça a beleza.
Num segundo momento, a natureza impõe um questionamento fundamental: qual o
princípio (arché) mantenedor dessa ordem? Essa é uma indagação que exige
conhecimento (dimensão epistemológica), e as respostas que os filósofos deram a esse
perturbador questionamento são inúmeras e inconclusas. Da natureza se depreende outra
importante observação, assinalada por Aristóteles: não há nada na natureza destituído de
finalidade; na natureza tudo concorre à realização de um determinado fim. Ou seja, a
natureza realiza um fim (telos) que lhe é imanente. Desta pauta inicial da Filosofia, três
importantes palavras devem ser registradas, pois guardam relação com o
Direito: ordem (cosmos), fim (telos/teleologia) e princípio (arché).
■ 1.4.2.1. Política
A natureza, como vimos, é tomada como centro referencial da atividade filosófica, a
ponto de a reflexão da ordem esculpida no cosmos ser transferida ao mundo social. A
pergunta sobre a possibilidade de poder haver uma ordem social no microcosmo
da Polis, semelhante à ordem inscrita no cosmos, deu ensejo ao nascimento da Filosofia
Política.
■ 1.4.2.2. Ética
Nessa mesma perspectiva, o questionamento foi direcionado à ação humana,
indagando se esta é fruto do acaso e da contingência ou se é passível de ser enquadrada
em uma possível ordem, semelhante à ordem cósmica. O homem como parte da
natureza se impõe, nesse sentido, questionamentos de fundo existencial: qual o fim
último (telos) de suas ações? As várias ações realizadas diuturnamente visam à
concretização de que propósito e fim? A ação humana é passível de enquadramento em
uma ordem social? Tais questionamentos conduziram ao nascimento da reflexão acerca
da Ética (ethos).
■ 1.4.2.3. Direito
Levando em consideração a possibilidade de uma ordem social (política), na qual as
ações humanas se interconectam por meio de uma base comum (ethos), o Direito surge
como condição de realização da lei (nomos). A palavra nomos expressa sentido e lei. Os
gregos não utilizavam o termo auto nomos, como é empregado na Modernidade,
sobretudo a partir de Kant. Autonomia (auto nomos) é a capacidade de o sujeito dar a si
próprio o sentido de sua ação. Trata-se do duplo posicionamento do sujeito que assume
a função de legislador e de súdito das suas próprias leis. Para os gregos, o nomos é a lei
que proclama o sentido último da ação coletiva (política). Na lei está a validade
normativa extensiva a todos os cidadãos da Polis. É a lei que impõe coletivamente e,
ao mesmo tempo, expressa o núcleo comum de pertencimento assegurado pelos valores
partilhados comumente no ethos.
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A ação humana é o espaço em que a ordem da natureza não fixou uma economia
restrita, determinista. É o espaço em que o homem faz uso da sua liberdade para
construir uma ordem artificial, sempre com o olhar voltado à ordem natural. Ele sabe
que está abandonado à sua própria sorte. Nem a natureza nem os deuses Olímpicos o
auxiliam nessa empreitada de conferir ordem às suas ações pessoais, ordem à sociedade
e, ainda, construir um ordenamento jurídico.
A razão prática opera em uma zona de instabilidade e de permanente contingência,
completamente ausente da ordem natural e de qualquer princípio lógico. Nela impera a
liberdade, cabendo ao homem dela se valer para construir culturalmente sua ordem
social e jurídica. Antes mesmo de a Filosofia ganhar estatura e maturidade teórica,
Homero já alertava que a dimensão mais essencial do ser humano é a sua ação, porém, a
mais perigosa. Nele reside a capacidade de deliberação, escolha e decisão. E toda
decisão é um movimento de ação cindida nela própria que desperta escolhas. E escolhas
equivocadas podem transformar o homem no palco em que ele encena a sua própria
tragédia. Liberdade e tragédia rimam para os gregos; daí a necessidade de a ética, com
seus valores, costumes e tradições, corroborar na construção de uma ordem social e
jurídica capaz de afastar a tragédia.
O núcleo essencial da razão prática recai na ética. Aqui deve haver o cuidado de não
confundir o termo ethos da tradição grega com o termo latino mores. Até por uma
questão cronológica, a expressão “mores” aparece mais tarde, cunhada por Cícero,
segundo dados bibliográficos.
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Ética teleológica
Ontologia Jusnaturalismo Teleologia
Ética teológica
Antropologia
Sujeito Moral deontológica Juspositivismo
Filosofia da História
■
■ 1.6.4.1. Jusnaturalismo
A natureza é o ponto de referência para o jusnaturalismo, visto que ela é portadora de
ordem, cabendo ao homem ocupar uma posição justa dentro dessa ordem. A ordem
jurídica construída pelo homem deve espelhar-se na ordem natural. Na Idade Média,
compreende-se que a ordem que rege universalmente a natureza vem de Deus, portanto,
o fundamento é divino. Na Modernidade, a ordem natural é reconhecida na
subjetividade humana. É por meio da razão, parte essencial da natureza humana, que se
reconhecem os direitos naturais, os quais estão inscritos de forma racional na natureza
externa.
■ 1.6.4.3. Pós-positivismo
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mundo inteligível, onde tudo é perene, imóvel, imutável e permanente. Este último é
o mundo suprassensível, no qual repousam os conceitos lógicos acerca da verdade, da
beleza e da justiça. Não é difícil notar que a justiça é buscada em um mundo
metafísico, no plano imutável da lógica, ao passo que o direito, enquanto conjunto de
normas e prescrições sociais, é construído e reconstruído em meio à mutabilidade
contingencial da vida. A justiça opera em uma base lógica, e o direito é produto da
dialética. Como conectar esses dois mundos e garantir a legitimidade da lei jurídica com
base na justiça?
A mediação entre os dois mundos é realizada por meio do condicionamento da lei ao
imitar a justiça essencial assegurada no mundo das Ideias. Para Platão, a lei deve buscar
sua legitimidade fora dela (mundo das Ideias), mas sem deixar de fazer referência ao
interesse da cidade (polis) e ao bem comum (ética). A cidade é vista, por um lado, como
um microcosmo da natureza que dispõe de finalidades específicas a cada coisa, e, por
outro, como ampliação da alma humana. Assim, o princípio fundamental da justiça em
Platão é dar a cada um o que é seu, de acordo com a sua natureza. A justiça torna-se
possível na medida em que cada um possa desempenhar na sociedade a atividade que
lhe é peculiar em consonância à aptidão manifesta na natureza de sua alma. Exercer de
maneira excelente a função peculiar da alma é o que caracteriza a virtude humana. A
justiça perpassa, então, a noção de virtude em harmonia com a totalidade da natureza
ordenada (cosmos).
linhas gerais, os sofistas impugnaram a ideia de que por trás da lei positiva encontra-se
a lei natural. Aproveitando-se da emergência da democracia no século V a.C., os
sofistas souberam priorizar o uso da palavra no debate público e o poder da retórica
como método de convencimento. Valorizaram o homem e a utilização de argumentos
racionais (logos). Se a lei é fruto de uma convenção, esta por sua vez é particular e
depõe contra a universalidade e totalidade da natureza. A expressão de Protágoras “É a
medida de todas as coisas” sintetiza bem a posição sofística.
■A lei natural é uma decorrência da Lei Eterna e possível de ser compreendida pelo
homem, visto que o ser humano, por ser racional, participa da criação e consegue
reconhecer a ordem da lei eterna.
■A lei humana é a criada pelo homem para a regulação de sua vida na comunida
A lei humana é a criada pelo homem para a regulação de sua vida na comunidade
política ou Estado. Ao conceder ao homem o direito de legislar, Aquino chama
atenção para o fato de que a lei criada (positiva) não pode estar em desacordo com
a lei natural e a lei eterna. Portanto, se a lei eterna e a lei natural revelam a
disposição racional das coisas na ordem da criação, não pode a lei humana
expressar a vontade humana, antes deve apreender a disposição racional que
permite conferir o bem comum. Aquino vê o mundo disposto racionalmente, sendo
para ele a razão e não a vontade que deve aferir legitimidade à lei positiva.
justificar o nascimento da vida social e civil é o contrato. O direito a partir daí passa a
ser lido, explicado e tematizado em uma perspectiva contratualista.
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À luz do código, competia aos operadores do direito tão somente procurar a solução
dos problemas jurídicos na literalidade expressa nos artigos do código, deixando de
considerar outras importantes fontes para o direito, como os costumes, a jurisprudência
e a doutrina. Norberto Bobbio ressalta que a “escola da exegese deve seu nome à técnica
adotada pelos seus primeiros expoentes no estudo e exposição do Código de Napoleão,
técnica que consiste em assumir pelo tratamento científico o mesmo sistema de
distribuição da matéria seguida pelo legislador e, sem mais, em reduzir tal tratamento a
um comentário, artigo por artigo, do próprio código” (BOBBIO, 2006, p. 83). A escola
da exegese representou, nesse sentido, uma limitação do trabalho da ciência jurídica e
teve enorme influência na primeira metade do século XIX.
Algumas características importantes a respeito da escola da exegese, na leitura de
Norberto Bobbio, e que ajudam na resolução de questões da prova da OAB, são:
a) A desvalorização dos direitos naturais. Não há uma negação explícita dos
direitos naturais por parte dos exegetas, porém eles acreditam que os direitos naturais
são formados por princípios absolutos, por demais vagos e abstratos, e que pouco
contribuem ao jurista quanto à sua aplicabilidade prática. É possível aferir relevância
aos direitos naturais somente quando puderem ser incorporados à lei, ao direito
positivo. A escola da exegese impugna a ideia corrente de que o direito positivo deve
se valer dos direitos naturais. Os exegetas, ao contrário, avalizam que os direitos
naturais são passíveis de concretização somente se assimilados a uma legislação
escrita (direito positivo).
b) Defendem a concepção segundo a qual a norma, para ser jurídica, deve ser
imposta pelo Estado. É a compreensão de que o direito é fruto do caráter
obrigatório imposto pelo Estado. Cabe ao legislador a tarefa de selecionar, dentre
tantas normas – éticas, morais, culturais, religiosas etc. –, aquelas que serão
assimiladas como obrigatórias e sancionadas pela lei escrita. A lei, em razão do seu
caráter obrigatório e estatal, deve estar acima de todas as demais normas, sendo
interpretada na estreita literalidade de seu texto.
c) Valorizam a lei fundada na intenção do legislador, ou seja, ao aplicar a lei e
esta deixar uma lacuna, a interpretação desta lacuna deve se ocupar em saber qual foi
a real intenção do legislador no momento da feitura da lei, sendo, inclusive, tarefa do
intérprete desvendar a vontade presumida do legislador. Tudo isso em respeito a este.
d) O exegeta identifica o direito com o texto da lei, tendo como máxima “os textos
acima de tudo!”. Considera como direito o que está escrito na lei, não devendo a
interpretação se afastar do texto da lei.
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Kelsen é um pensador do século XX, porém suas ideias não podem ser lidas sem o
pano de fundo do século XIX. Uma boa síntese com o escopo de introduzir o
pensamento de Kelsen fora realizada por Gianluigi Palombella. “Se o direito até
Kelsen fora inteiramente atraído para a órbita do Estado, agora o Estado é inteiramente
atraído para a órbita do direito” (PALOMBELLA, 2005, p. 166). O Estado, para Kelsen,
é considerado produto da construção jurídica.
nesse sentido, um normativista. O Estado deve ter sua atuação regulada por normas
portadoras de objetividade. Contudo, Kelsen não abre mão (não desiste) de entender o
direito como resultado da vontade do legislador, o que o coloca muito próximo ao
positivismo tradicional. Se a fonte do direito é a vontade e não a razão, então é preciso
justificar como essa vontade pode adquirir um caráter objetivo, sem correr o risco de a
mesma ser mera expressão da subjetividade manifesta em nome do Estado. Ou ainda,
em se tratando da aplicação do direito, evitar o psicologismo daquele que
instrumentalmente opera a norma ao caso concreto.
fundamental como norma necessária, ainda que hipotética, para legitimar a validade
jurídica de todas as normas que formam o ordenamento jurídico. A norma fundamental
é a que assevera a eficácia não só das normas em geral, mas da própria Constituição
construída historicamente.
O realismo jurídico é, portanto, uma postura crítica ao formalismo e,
consequentemente, ao próprio Kelsen. Nos Estados Unidos, o realismo jurídico serviu
de base ao movimento que, mais tarde, na década de 1960, seria conhecido por Critical
legal studies, tendo como importante representante o brasileiro Roberto Mangabeira
Unger. Na Escandinávia, o realismo jurídico ganha projeção com o jurista dinamarquês
Alf Ross.
Em linhas gerais, os pontos mais importantes do realismo jurídico apontam para uma
concepção jurídica menos formalista e idealista e mais factual e empírica, além de
deslocaram a base do direito do legislador para os tribunais. Para o realismo, o direito
é o que é em função dos julgamentos judiciários formulados de maneira instrumental e
funcionalista para atender a políticas de governo. Os realistas voltaram a atenção para a
“natureza do raciocínio elaborado pelos juízes” na hora da decisão. Ainda que o direito
seja composto de regras que ajudam a balizar a decisão dos juízes, não significa que seja
possível esperar dos juízes decisões previsíveis. Os realistas mais céticos em relação à
decidibilidade judicial afirmam não haver critérios que permitam esperar uma decisão
objetiva; antes, ao contrário, as decisões dos tribunais se reduzem a escolhas arbitrárias
dos juízes.
E as regras jurídicas não ajudam a evitar decisões discricionárias porque elas são
construídas com o auxílio de termos vagos e indeterminados que, ao serem aplicadas
aos casos concretos, abrem um leque muito grande de escolhas ao juiz, que acaba
reverberando em arbitrariedades. “O direito, concluem os realistas, não vive nas
palavras do legislador, nem nas coletâneas da jurisprudência, mas nas ações concretas
dos tribunais e no comportamento dos juízes que fazem o direito” (BILLIER, 2005, p.
256).
Os realistas americanos, em parte influenciados pela filosofia do Empirismo
Lógico do primeiro Wittgenstein, adotaram uma posição de repúdio a toda e
qualquer metafísica, motivo pelo qual criticaram o formalismo de Kelsen como
construção teórica destituída de lastro empírico. A primazia pelo empírico colocou os
realistas próximos a uma ciência descritiva que apenas se ocupa de descrever as coisas
como elas são (ser) e não a partir de como deveriam ser (dever-ser).
normas que detém força obrigatória. “Um sistema jurídico nacional, considerado como
sistema válido de normas, pode consequentemente ser como um conjunto de normas
que sejam realmente operacionais no espírito do juiz, porque elas são percebidas por ele
como socialmente obrigatórias e, portanto, obedecidas” (ROSS, apud BILLIER, 2005,
p. 264).
uma ética teleológica, mensurada pelos fins, na medida em que estes fins são buscados
em função da utilidade que possuem.
determinação da vontade, segundo uma lei que a razão dá a si mesma de modo a priori.
Essa lei dada a priori pela razão é o imperativo categórico. “Age de tal forma que
máxima de tua ação possa se enquadrar em uma lei universal”; isso significa, segundo
Kant, que a vontade, como faculdade humana, ao agir determinada pela razão,
estará em condições de concretizar a ação moral.
Porém, a vontade humana não é perfeita, uma vez que em nós, humanos, não há uma
identificação perfeita entre vontade e razão. A vontade humana é subjetivamente
contingente e só age em consonância à determinação objetiva da razão mediante
obrigação (caráter deontológico). A mediação do imperativo categórico, enquanto
princípio objetivo e obrigante para uma vontade, consolida o perfil da vontade humana,
que não é perfeita, mas está a caminho desta. Certamente que o imperativo categórico
somente adquire sentido tendo por base a imperfeição da vontade humana. A
incompletude desta proporciona condições para que se argumente a favor da coerção
racional da vontade como caminho necessário para a realização de uma ação moral
(vide 2.11.1).
5. DIREITO E CIÊNCIA
Na Antiguidade grega, o direito era visto como área de reflexão situada no âmbito da
razão prática, e o discurso acerca da esfera jurídica era um discurso prático associado à
ética e à política. A ação ética, assim como a ação jurídica, eram muito mais
dependentes de orientações prudenciais do que propriamente de reflexões teóricas.
No contexto romano, o direito passou a ser visto como técnica de resolução de
problemas, havendo a compreensão de que seria necessário um estudo mais
aprofundado dos textos legais, assegurando-lhes coerência e, ao mesmo tempo,
autoridade para que pudessem se impor socialmente. O direito deixa de ser mera
conduta de prudência e se converte em um saber dogmático.
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Para Bobbio, “o fato novo que assinala a ruptura do mundo moderno diante das
épocas precedentes é exatamente representado pelo comportamento diverso que o
homem assumiu perante a natureza” (BOBBIO, 2006, p. 135). E o direito, à medida
que se aproximou da ciência, acabou por incorporar ao seu sistema a pretensão de que
as normas jurídicas obtivessem correspondência ao âmbito lógico, epistemológico e
metodológico. A utilização da lógica científica aplicada à metodologia das ciências
sociais, como é o caso do direito, foi uma ideia corrente no século XIX. O positivismo
jurídico foi o sustentáculo dessa experiência ao pretender que uma sentença judicial, por
exemplo, fosse resultado de um procedimento mecânico, matematizado, lógico e,
portanto, científico. Caberia ao juiz partir do texto de lei e realizar uma operação
lógico-dedutiva para alcançar o caso concreto, encaixando-o à norma, em um processo
denominado subsunção (Do ponto de vista jurídico a subsunção é quando o caso
concreto se enquadra à norma legal em abstrato. É a adequação de uma
conduta ou fato concreto (norma-fato) à norma jurídica (norma-tipo)).
A aplicação da lógica formal ao direito remonta à composição silogística de
Aristóteles e implica, ademais, considerar o direito um sistema formal, cujas normas são
estruturadas por princípios lógicos, destituídos de qualquer aspecto valorativo. Essa
concepção formalista de direito consubstanciou alguns parâmetros de
interpretação.
■Interpretação gramatical é a utilização das regras gramaticais para extrair
o significado do texto de lei.
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que não se confunde com o campo do puro conhecimento” (OLIVEIRA, 2012, p. 132).
(Vide 1.3.1 e 1.3.2.)
Siches entende que o direito se forma entremeado aos pressupostos valorativos, os
quais se impõem historicamente. Significa afirmar que os valores são modificados com
o tempo e transformam a carga semântica das normas jurídicas. Assim, as normas serão
sempre passíveis de mudanças e transformações que as deixam reféns do processo
dialético da vida, ao mesmo tempo que as circunstâncias fáticas são distintas entre si.
As normas não podem estar desprendidas do contexto social e valorativo a que servem,
tendo ainda de ser adaptadas aos casos singulares, particularizando-se na peculiaridade
de cada caso concreto.
A aplicação da lógica do razoável necessita levar em consideração o contexto
histórico e valorativo que o direito opera, analisar os valores implicados nos casos
fáticos, suas possibilidades e limites, mensurar a relação dos valores aos fins
propostos, enfim, fazer uma interpretação construtiva que privilegie o caso concreto,
colocando-o como elemento referencial diante da norma.
e políticos, os quais protegem o indivíduo de todo e qualquer ataque que possa diminuir
ou anular a sua dignidade.
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