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PARTE I

INTRODUÇÃO GERAL

Gramática: definição
Gramática é uma palavra de origem grega formada a partir de grámma, que quer dizer letra. Originalmente,
gramática era o nome das técnicas de escrita e leitura.
Posteriormente, passou a designar o conjunto das regras que garantem o uso modelar da língua, a chamada
gramática normativa, que estabelece padrões de certo e errado para as formas do idioma. Gramática também é,
actualmente, a descrição científica do funcionamento de uma língua. Nesse caso, é chamada de gramática descritiva.
A gramática normativa estabelece a norma culta, ou seja, o padrão linguístico que socialmente é considerado
modelar e é adoptado para ensino nas escolas e para a redacção dos documentos oficiais.
Há línguas que não têm forma escrita (como algumas línguas indígenas brasileiras e não só). Nesses casos, o
conhecimento linguístico é transmitido oralmente. As línguas que têm forma escrita, como é o caso do Português,
necessitam da gramática normativa para que se garanta a existência de um padrão linguístico uniforme no qual se
registre a produção cultural.
Conhecer a norma culta é, portanto, uma forma de ter acesso a essa produção cultural e à linguagem oficial.

Gramática: divisão
A Gramática divide-se em…
- Fonologia (dimensão fonológica) - estuda os fonemas ou sons da língua e a forma como esses fonemas dão
origem às sílabas. Fazem parte da fonologia a ortoepia ou ortoépia (estudo da articulação e pronúncia dos vocábulos),
a prosódia (estudo da acentuação tónica dos vocábulos) e a ortografia (estudo da forma escrita das palavras/ conjunto
de normas que define a utilização dos sinais gráficos); estuda os sistemas sonoros da língua.
- Fonética (dimensão fonética) - estuda os sons da fala, especialmente no que diz respeito à sua produção,
transmissão e recepção e pode subdividir-se em fonética acústica que estuda as propriedades físicas dos sons da fala,
fonética articulatória que estuda o modo como os sons da fala são produzidos pelos órgãos do aparelho fonador, e em
fonética auditiva, que estuda o modo como se dá a percepção dos sons da fala pelo ouvido humano.
- Morfologia (dimensão formal) - estuda as palavras e os elementos que as constituem. A Morfologia analisa a
estrutura, a formação e os mecanismos de flexão das palavras, além de dividi-las em classes gramaticais.
- Sintaxe (dimensão funcional) - estuda as formas de relacionamento entre palavras ou entre orações. Divide-
se em sintaxe das funções, que estuda a estrutura da oração e do período, e sintaxe das relações, a qual inclui a
regência, a colocação e a concordância.
- Morfossintaxe (dimensão formal e funcional) - estuda as categorias gramaticais a partir de critérios extraídos
da morfologia e da sintaxe. A classificação morfológica de uma palavra só pode ser feita eficientemente se se observar
a sua função nas orações. Esse facto demonstra a profunda interligação existente entre a morfologia e a sintaxe. É por
isso que se tem preferido falar actualmente em morfossintaxe, ou seja, a apreciação conjunta da classificação
morfológica e da função sintáctica das palavras.
- Semântica (dimensão significativa) - estuda a relação de significação nos signos1 e da representação do
sentido dos enunciados; estuda as mudanças ou as translações sofridas, no tempo e no espaço, pela significação das
palavras.

1
Semiologia: segundo Ferdinand de Saussure, ciência geral dos signos que estuda todos os fenómenos culturais como se fossem sistemas de signos, isto é,
sistemas de significação. Em oposição à linguística que se restringe ao estudo dos signos linguísticos, ou seja, da linguagem, a semiologia tem por objecto qualquer
sistema de signos (imagens, gestos, vestuários, ritos etc.). Os autores norte-americanos preferem a expressão semiótica (Ferreira, 2004).

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- Lexicologia (dimensão significativa) - parte da gramática que se ocupa do valor etimológico e das várias
acepções das palavras; estuda os elementos de formação das palavras; estuda a evolução do léxico.

Gramática: objecto de estudo


A gramática dedica-se, justamente, ao estudo das frases, das palavras, das suas formas, das suas funções e
das suas significações.
A gramática estuda, pois, a língua, privilegiando dimensões formais, funcionais, significativas, fonológicas e
fonéticas.

Comunicação: conceitos básicos


Comunicação é todo acto onde a pessoa procura exprimir ao outro tudo o que sabe, pensa ou deseja, de
maneira que o “outro” entenda e participe de suas aspirações; é o acto de transmitir e receber mensagem pela
utilização de sinais e de símbolos.

Entre outros, são objectivos da comunicação os seguintes:


- Exprimir sentimentos. Ex.: Que bela viagem ele vai fazer!
- Aconselhar, persuadir, fazer um pedido, dar uma ordem. Ex.: Vai viajar com ele!
- Dar informações. Ex.: A viagem vai ser de comboio.
- Estabelecer, manter ou cortar o contacto. Ex.: Ouves?
- Criar uma impressão de beleza. Ex.: E o comboio deslizou, com descanso como se passeasse para seu regalo sobre
as duas fitas de aço, associando e gozando a beleza da terra e do céu. (Eça de Queirós, A Cidade e as Serras)

Comunicação unilateral. A comunicação é unilateral quando estabelecida de um emissor para um receptor sem
reciprocidade. Os meios de comunicação social como o jornal, a rádio e a televisão que difundem mensagem sem
receber resposta são exemplos deste tipo de comunicação.

Comunicação bilateral. A comunicação é bilateral no caso de se estabelecer uma alternância de papéis entre o
emissor e o receptor realizando-se assim, um intercâmbio de mensagens.

Ruído. Entende-se por ruído tudo aquilo que perturba a perfeita transmissão e recepção da mensagem. São
exemplos de ruídos, a interferência de terceiros numa conversa, as gralhas etc.

Redundância. Entende-se por redundância a existência, numa mensagem, de um número de elementos maior
do que o estritamente necessário à transmissão de um conteúdo informativo. Estes elementos em excesso podem
contribuir ao tornar mais clara e inteligível a mensagem.
A redundância manifesta-se de diversas formas:
- sintácticas: Nós estudamos. (O pronome nós é redundante pois marca da primeira pessoa do plural já está
presente na terminação do verbo.)
- gestuais: Não quero a sopa. (A frase é acompanhada por um movimento da cabeça).
Quando a redundância é excessiva a linguagem torna-se confusa e diz-se prolixa; quando a redundância é
insuficiente a linguagem diz-se lacónica e pode tornar-se ininteligível (sobretudo se o excesso de laconismo suprime
elementos essenciais).

Cacofonia: má sonância, resultante da disposição das palavras. Ex.: Alma minha; não pode o Gama mais.
Hiato: dissonância, resultante do emprego de vogais sucessivas. Ex.: Correu-o o Orlando; Maria vá à arca.
Eco: repetição seguida dos mesmos sons. Ex.: Os pardais tais como os pinta Junqueiro; o pai sai e vai com ele;
quando mando, tenho empenho.

Colisão: sequência de consoantes ásperas. Ex.: O rato roeu a rolha da garrafa do rei da Rússia; pelos montes,
verdejantes quintas, sombreadas de viçosas árvores.

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Língua: conceitos básicos
Na origem de toda a actividade comunicativa do ser humano está a linguagem, que é a capacidade humana de
comunicar por meio de uma língua.
Língua é um sistema de signos convencionais usados pelos membros de uma mesma comunidade. Em outras
palavras: um grupo social convenciona e utiliza um conjunto organizado de elementos representativos.
Um signo linguístico é um elemento representativo que apresenta dois aspectos: um significante e um
significado, unidos num todo indissolúvel. Signo linguístico é a união indissolúvel de um significante e um significado. Ao
ouvir a palavra árvore, reconhece-se os sons que a formam. Esses sons se identificam com a lembrança deles que está
presente em sua memória. Essa lembrança constitui uma verdadeira imagem sonora, armazenada em seu cérebro - é o
significante do signo árvore. Ao ouvir essa palavra, logo se pensa num "vegetal lenhoso cujo caule, chamado tronco, só
se ramifica bem acima do nível do solo, ao contrário do arbusto, que exibe ramos desde junto ao solo". Esse conceito,
que não se refere a um vegetal particular, mas engloba uma ampla gama de vegetais, é o significado do signo árvore -
e também se encontra armazenado em seu cérebro.
Ao empregar os signos que formam a língua, deve-se obedecer a certas regras de organização que a própria
língua oferece. Assim, por exemplo, é perfeitamente possível antepor-se ao signo árvore o signo uma, formando a
sequência uma árvore. Já a sequência um árvore contraria uma regra de
organização da Língua Portuguesa, o que faz com que seja rejeitada.
Perceba-se, pois, que os signos que constituem a língua obedecem a
Por mais original e criativa que seja, no
padrões determinados de organização. O conhecimento de uma língua entanto, cada fala (cada escrita) deve
engloba não apenas a identificação de seus signos, mas também o uso estar contida no conjunto mais amplo que
adequado de suas regras combinatórias. é a Língua Portuguesa; caso contrário,
Como a língua é um património social, tanto os signos como as estará a deixar-se de empregar a Língua
Portuguesa e não será mais
formas de combiná-los são conhecidos e acatados pelos membros da compreendido pelos membros da
comunidade que a emprega. Individualmente, cada pessoa pode utilizar a comunidade.
língua de seu grupo social de uma maneira particular, personalizada,
desenvolvendo assim a fala (não se confunda com o acto de falar; ao escrever de forma pessoal e única também
manifesta-se a fala, no sentido científico do termo). Por mais original e criativa que seja, no entanto, cada fala deve
estar contida no conjunto mais amplo que é a Língua Portuguesa; caso contrário, estará a deixar-se de empregar a
Língua Portuguesa e não será mais compreendido pelos membros da comunidade.
Estudar a Língua Portuguesa é tornar-se apto a utilizá-la com eficiência na produção e interpretação dos textos
com que se organiza a vida social. Por meio desses estudos, amplia-se o exercício de sociabilidade - e,
consequentemente, de cidadania, que passa a ser mais lúcida. Ampliam-se também as possibilidades.
Fala – uso individual da língua, aberto à criatividade e ao desenvolvimento da liberdade de compreensão e
expressão.
Fonema - unidade mínima distintiva no sistema sonoro de uma língua.
Som – emissão de voz; sensação auditiva criada por um fenómeno acústico.
Morfema - elemento linguístico mínimo que tem significado. Chama-se morfema dependente ou forma presa à
forma que, sozinha, não pode constituir enunciado, como, por exemplo, os afixos; chama-se morfema independente ou
forma livre à palavra.
Palavra - unidade mínima com som e significado que pode, sozinha, constituir enunciado.
Discurso é a mensagem-produto do exercício linguístico (realizado como frase ou sequência de frases).
Texto é todo o enunciado falado ou escrito que constitui um todo unificado e coerente dentro de uma
determinada situação discursiva. Assim, o que define o texto não é a sua extensão (pode, eventualmente, ser uma só
palavra, uma frase, um diálogo, períodos correlacionados na escrita), mas o facto de que é uma unidade de sentido em
relação a uma situação, a um momento de vida.
Vocabulário é o conjunto de palavras que ocorre num determinado contexto ou numa área específica de saber,
como profissional, científica ou técnica. Pode-se, por exemplo, inventariar todo o vocabulário da área da engenharia
náutica, da biologia ou do direito. Podemos ainda fazer um levantamento do vocabulário predominantemente na
produção literária de um determinado autor.

EXEMPLOS EXPLICAÇÃO
petróleo, poço, reservatório, perfilagem, sonda, Este conjunto de palavras integra o vocabulário técnico da área
complementação, elevação, escoamento, terrestre, marítimo de engenharia petrolífera.
lei, decreto, acórdão, legislação, código, jurisprudência, parecer, Este vocabulário pertence ao domínio profissional e técnico do
arbitragem, procuração, edital, processo direito.
amor, pátria, tempo, engano, humano, vida, peito, sorte, glória, Na lírica de Camões, poder-se-á inventariar o vocabulário mais
fama, honra, senhora, mulher, pena, prazer, fortuna recorrente.

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Linguagem
Linguagem é todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre indivíduos e que pode ser
percebido pelos diversos órgãos dos sentidos. Distingue-se em três tipos:
. Linguagem verbal, que é realizada pela palavra (falada ou escrita);
. Linguagem não-verbal, que utiliza outros sinais:
+ sons (linguagem sonora),
+ gestos (linguagem gestual),
+ símbolos (linguagem simbólica – a pomba representa a paz),
+ ícones (linguagem icónica – desenhos em placas na via pública significando castelo, escola etc.);
. Linguagem mista, que utiliza palavras e outros sinais, ou seja, é simultaneamente verbal e não-verbal –
banda desenhada, cartaz publicitário etc.

Comunicação/ acto de fala: elementos


- Emissor ou locutor (a fonte da comunicação).
- Receptor ou interlocutor (o destinatário da comunicação).
- Mensagem: cadeia sonora produzida pelo emissor e que contém as informações a transmitir.
- Código: conjunto dos sinais (signos) e das regras que permitem ao emissor combinar esses signos para
organizar a mensagem.
- Canal: meio físico (vibração do ar, papel, ondas hertzianas, cabos eléctricos etc.) através do qual circula a
mensagem e que permite o contacto entre os participantes.
- Contexto…
… situacional: a situação em que acontece o acto da fala;
… referencial: o conteúdo do acto da fala (a informação);
… verbal: o léxico utilizado no acto da fala.

Língua: código oral e código escrito


CÓDIGO ORAL CÓDIGO ESCRITO
O emissor, que está presente fisicamente (pelo menos
através da voz), utiliza sobretudo frases curtas que podem
O emissor normalmente está ausente;
1ª ser muitas vezes cortadas e portanto inacabadas; são
frequentes as repetições, hesitações e exclamações de
palavras e as formas contraídas;
2ª As orações são comumente ligadas por coordenação; As orações são comumente ligadas por subordinação.
3ª Entoação; pausas na voz; ritmo da fala; gestos. Sinais de pontuação; ritmo da escrita;
Frases mais longas e aperfeiçoadas com vocabulário
4ª Menos rigor no cumprimento das regras gramaticais.
escondido; maior rigor gramatical.
5ª Bordões de fala (digamos; justamente…) ---
Na situação de comunicação do Código escrito, o emissor e
o receptor encontram-se separados no tempo e no espaço,
O Código oral produz-se num determinado momento e podendo mesmo não se conhecer, como quase sempre
OBS
num lugar preciso que os dois interlocutores conhecem. acontece na situação escritor/ leitor. Em consequência disso,
a língua escrita deve incluir obrigatoriamente bastantes
informações para evitar problemas de compreensão.

Texto não literário e texto literário


Um texto não literário informa sobre um acontecimento de modo objectivo, seguindo a norma e com carácter
utilitário.
Um texto literário usa uma linguagem subjectiva e conotativa, recria uma realidade, afasta-se da norma
tornando-se mais difícil de ser compreendido.

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TEXTO NÃO LITERÁRIO TEXTO LITERÁRIO
1ª Predomina a função informativa. Predomina a função poética da linguagem.
2ª Predomina a linguagem denotativa. Predomina a linguagem conotativa.
3ª Tem intenção imediata e utilitária. Tem intenção estética (despertar emoção e prazer).
É objectivo, verdadeiro e unissignificativo (cada palavra É subjectivo, verosímil e plurissignificativo (aberto a várias

possui um só significado). interpretações).
5ª Utiliza linguagem normal. Utiliza linguagem cuidada.
6ª O significante apaga-se; o que interessa é o conteúdo. O significante pode ter muita importância.
7ª O texto não literário diz. O texto literário sugere.

Formas naturais de literatura


As formas naturais de literatura são três: narrativa, lírica e dramática.
A forma narrativa valoriza a acção que deve ser contada.
A forma lírica valoriza o sentimento que deve ser expresso.
A forma dramática valoriza a acção que deve ou pode ser representada.

FORMA NARRATIVA FORMA LÍRICA FORMA DRAMÁTICA


Centrada na expressão de sentimentos / Centrada na relação emissor/ receptor:
1ª Centrada na 3ª pessoa: ele/ ela;
centrada na 1ª pessoa: eu; eu-tu
sentimentos atribuídos ao sujeito lírico /
predomínio das funções informativa e predomínio das funções apelativa e
2ª predomínio das funções expressiva e
poética da linguagem; informativa da linguagem;
poética da linguagem;
expressão do mundo interior: exprimem-
expressão predominante do mundo expressão predominante do mundo
3ª se estados da alma e sentimentos de
exterior: conta-se uma história; exterior: representa-se uma linguagem;
emissor;
4ª predomínio da objectividade; predomínio da subjectividade; predomínio da objectividade;
cenário e vestuário em lugar da
5ª descrição pormenorizada abundante; pormenores descritivos;
descrição;
situada numa época; tempo longo e não
6ª atemporal; situada numa época: tempo curto e linear;
linear;
7ª texto para ser lido; texto para ser lido; texto para ser representado;
ausência quase completa de elementos abundância de elementos não
8ª ausência de elementos não linguísticos;
não linguísticos; linguísticos: gestos, mímica, luzes etc.
conto, novela, romance, epopeia. formas diversificadas: ode, hino, canção, drama, comédia, tragédia, teatro épico,

soneto ... farsa…

Prosa e poesia
Prosa: forma de discurso oral ou escrito que não obedece às normas da métrica e da rima; forma de escrever
em linhas contínuas.
Poesia: composição (de texto) em verso em que se exprimem emoções ou sentimentos segundo uma
organização rítmica das palavras, aliada a recursos estilísticos e imagéticos.

PROSA POESIA
EM PROSA/ PROSA
VERSIFICADA LITERÁRIA NÃO LITERÁRIA INTEGRAL
VERSIFICADA
1ª Em verso Não versificada Não versificada Não versificada Versificada
expressão do "não estrutura frásica estrutura frásica expressão do "eu"
2ª expressão do "eu"
eu" apurada corrente
linguagem conotativa
3ª linguagem denotativa linguagem conotativa linguagem denotativa linguagem conotativa
não provoca emoção marcas pessoais do
4ª --- provoca emoção poética provoca emoção poética
poética autor
5ª --- representa o real --- realidade exterior interiorizada realidade exterior interiorizada
rica nos níveis fónico,
6ª --- --- --- ---
morfossintáctico e semântico
7ª --- --- --- --- desvio máximo da norma

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História e geografia da Língua Portuguesa
O Português ou Língua Portuguesa é, hoje, uma das línguas mais faladas no mundo. Aparece em 5º lugar,
logo a seguir ao Chinês, ao Inglês, ao Russo e ao Espanhol, sendo falada por cerca de 250 milhões de pessoas,
espalhadas pelos cinco continentes.
A formação, o desenvolvimento e a expansão da Língua Portuguesa estão vinculados à história dos povos que
a criaram e ainda hoje a empregam e transformam.
O Português é uma língua neolatina ou novilatina ou românica, pois foi formado a partir das transformações
verificadas no Latim levado pelos dominadores romanos à região da Península Ibérica. Em seu desenvolvimento
histórico, podem ser apontados os seguintes períodos:

a) Protoportuguês - do século IX ao século XII. A documentação desse período é muito rara: são textos
redigidos em Latim Bárbaro, nos quais se encontram algumas palavras portuguesas;

b) Português Histórico - do século XII aos dias actuais. Esse período subdivide-se em duas fases:
- fase arcaica: do século XII até ao século XV. Nessa fase, houve inicialmente uma língua comum ao noroeste
da Península Ibérica (regiões da Galiza e norte de Portugal), o Galego-Português ou Galaico-Português, fartamente
documentado em textos que incluem uma literatura de elevado grau de elaboração (a lírica galego-portuguesa). Com a
separação política de Portugal e sua posterior expansão para o sul, o Português e o Galego se foram individualizando,
transformando-se o primeiro numa língua nacional e o segundo num Dialecto Regional.
- fase moderna: do século XVI aos dias actuais. Deve distinguir-se o Português Clássico (séculos XVI e XVII)
do Português Pós-clássico (do século XVIII aos dias actuais). Na época do Português Clássico, tiveram início os
estudos gramaticais e desenvolveu-se uma extensa literatura, em grande parte influenciada por modelos latinos. No
período pós-clássico, a Língua começou a assumir as características que hoje apresenta.

A partir do século XV, as navegações portuguesas iniciaram um longo processo de expansão linguística.
Durante alguns séculos, a Língua Portuguesa foi sendo levada a várias regiões do planeta por conquistadores, colonos
e emigrantes.
Actualmente, a situação do Português no mundo é aproximadamente a seguinte:
a) em Portugal e no Brasil, é Língua Nacional;
b) em alguns países como Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Macau
(Ásia), é a Língua Oficial, o que lhe confere unidade, apesar da existência de variações regionais e da convivência com
idiomas nativos;
c) em certas regiões da Ásia (Goa, Damão, Diu) e da Oceania (Timor), é falado por uma pequena parcela da
população ou deu origem a dialectos2.

Língua: unidade e variedade


A Língua Portuguesa, cuja difusão se foi operando ao longo dos séculos nas mais diversas partes do mundo,
apresenta variações verificadas em todos os níveis - fonético, morfológico, lexical, sintáctico e semântico.
Estas variações decorrem de múltiplos factores:
- Variações históricas ou diacrónicas. São as variações ao longo dos tempos. Observa-se uma diferença
considerável entre o Português de hoje e o de há vários séculos em nível da pronúncia, do léxico etc.
- Variações geográficas ou diatópicas. O Português Falado e Escrito no Brasil ou em África apresenta
características próprias que o diferenciam da língua falada em Portugal. Estas diferenças verificam-se também no
Português Falado nas várias regiões do nosso país.
- Variações socioculturais ou diastráticas. O nível social e cultural do falante, a idade, o sexo implicam
igualmente variações linguísticas.
- Variações diafásicas. Cada falante adequa a língua à situação de comunicação, à relação que tem com o seu
interlocutor, ao assunto tratado etc. Estas variações diafásicas são geralmente designadas por registos ou nível de
língua.
A existência desta multiplicidade de variações da Língua Portuguesa não é suficiente, no entanto, para impedir
a sua unidade. Na realidade, a unidade é garantida por uma das suas realizações - a língua padrão. Esta, actuando

2
Crioulo: um outro modo da presença lusófona em África, na Ásia e na Oceânia, através dos vestígios da sua estrutura, seja em nível da gramática seja em nível do
léxico.
Dialecto: variante regional de uma língua cujos traços característicos são visíveis essencialmente em termos fonéticos e lexicais.
Pode-se, por outro, dizer que dialectos são as subdivisões da língua que apresentam características próprias consoante a região do país onde é falada. São estas
características verificadas tanto em nível de pronúncia como de vocabulário, que permitem identificar a região de origem de um Português do Minho, do Alentejo,
dos Açores etc.
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como modelo, como norma, desempenha uma função unificadora. Assim se explica que um português compreenda
sem dificuldade o falar de um brasileiro ou de um angolano (ou vice-versa), ou ainda que um cunenense entenda um
malangino.

Língua: registos
Apesar das variedades, é patente na língua uma base comum que se converte num código conhecido e
partilhado por todos os falantes de uma mesma comunidade, permitindo a comunicação entre todos – a língua padrão
ou norma ou registo corrente.
Quem mais contribui para a normalização linguística é a escola, os meios de comunicação social e a literatura.
É a língua padrão que é exigida habitualmente nas relações sociais de carácter profissional ou oficial (entrevista de
trabalho, carta de pedido de emprego, relatório, prova de concurso público…). A norma deve, pois, ser adquirida
durante a vida escolar, já que o seu domínio é essencial como forma de ascensão social e profissional.
Em relação à norma (ou registo corrente), cada um dos outros registos constitui um desvio, uma variação.
Vejamos alguns desses registos:
. Registo familiar: emprega-se em situações informais (em família, com amigos…), não se afastando muito da
língua corrente. Faz uso de vocabulário e sintaxe simples e pouco variados.
. Registo cuidado: emprega-se em situações mais formais (em discursos parlamentares, em conferências…).
Usa um vocabulário mais seleccionado e uma construção frásica mais elaborada.
. Registo popular: este registo está geralmente associado a um baixo grau de instrução; faz uso de um
vocabulário muito próprio, afastando-se frequentemente das regras da gramática normativa. O registo popular pode
recorrer a:
- regionalismos: usos da língua característicos de determinada região, em nível do vocabulário, da construção
frásica, da pronúncia…;
- gíria: código construído por determinados grupos sociais ou profissionais (por exemplo, a gíria futebolística e
a gíria académica), sendo dificilmente compreendido por quem não pertence ao grupo;
- calão: caracteriza-se pela utilização de termos considerados grosseiros ou obscenos.

Estrato, substrato, superstrato e adstrato


Estrato: a língua romance
A língua que se forma em determinada região, impondo-se às que já existem, e que depois se sobrepõe à dos
invasores que porventura surjam, chama-se estrato. Entende-se por romance a fusão do Latim Vulgar com os falares
autóctones.

Substrato: o Céltico
No entanto, as línguas antigas não desaparecem sem deixar marcas, nomeadamente através das palavras que
ficam. Em Portugal, o mais importante substrato é o Céltico. Dele nos ficaram palavras como: caminho, camisa, légua,
tona.
Outras línguas eram faladas através da Península Ibérica, mas em muito menor escala e, por isso, de
importância muito menor como substrato: o Íbero, o Lígur, o Fenício, o Grego.

Superstrato: o Germânico e o Árabe


Superstratos são as línguas que vêm depois de consolidado o estrato. Coexistem com a local, mas acabam
por desaparecer. Porém, deixam também as suas marcas.
Em Portugal temos o superstrato Germânico (sec.V), que nos deixou palavras como: arreio, baluarte, ganhar,
guarda, guerra, guisa, luva, orgulho, roubar, sala.
E ainda o superstrato Árabe (sec.VIII), de que temos inúmeras palavras, muitas delas começadas por al:
albufeira, alecrim, alface, alfaiate, Alguarve, alguidar, arroz, azul, garrafa, mesquinho, oxalá, xadrez, xarope.
Adstrato: o Galego
Há uma relação de adstrato quando duas línguas, coexistindo no mesmo espaço geográfico ou em espaços
vizinhos, se influenciam, mas em pequeno grau, mantendo cada qual a sua vida própria. O Português e o Galego são
adstratos; do mesmo modo são adstratos o Espanhol e o Catalão.

Léxico: origem e transformação


O léxico de uma língua corresponde à compilação de todas as palavras ou constituintes que possam ter um
significado. Portanto, fazem parte do léxico, não só palavras usuais, como também arcaísmos ou neologismos. Os

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prefixos e sufixos derivacionais ou flexionais constituem também parte do corpus lexical.3

A maioria das palavras da Língua Portuguesa veio (para o Português) por via popular: foi o povo que as captou
do falar romano na Península (por vezes já com deturpações fónicas) e as foi transformando segundo os princípios
seguintes…
… do menor esforço: o povo tem a tendência para modificar os fonemas de pronúncia mais difícil;
… da lenta evolução: as modificações processam-se muito lentamente;
… da inconsciência: o povo não se apercebe das modificações que vai fazendo, em virtude da lentidão do
processo.
As alterações sofridas pelos fonemas (sons articulados) ao longo dos tempos são chamadas fenómenos
fonéticos.
Alguns destes fenómenos fonéticos são:

- Por queda, supressão ou elisão de sons


+ Aférese: supressão de um fonema no princípio das palavras.
atonitu – tonto / episcopu – bispo / ainda – inda (registo coloquial e popular) / está – tá (registo coloquial e popular)
+ Sincope: supressão de um fonema no interior das palavras.
cálido – caldo / lanam – lã / opera – obra / rivu – rio / para – pra (registo coloquial e popular)
+ Apócope: supressão de um fonema no fim das palavras.
amat – ama / dare – dar / rosam – rosa / sic – si – sim
+ Haplologia: supressão de uma sílaba pelo facto de estar próxima de outra igual ou semelhante, dentro da
mesma palavra.
caridade+oso – caridadoso – caridoso

- Por adição de fonemas/ sons


+ Prótese: acréscimo de um fonema no princípio das palavras.
nanu – anão / scribere – escrever / spasmum – espasmo / spiritu – espírito
+ Epêntese: acréscimo de um fonema no interior das palavras.
blatta – brata – barata / credo – creo – creio / stella – estrela
+ Paragoge: acréscimo de um fonema no fim das palavras.
ate – antes / nube – nuvem / amore – amor – amore (popular) / martyre – mártir – martire (martre < popular).

- Por alteração ou permuta de fonemas/ sons


+ Vocalização: uma consoante passa a vogal.
actu – auto / octo – oito / pecto – peito / regnu – reino
+ Assimilação: um fonema torna outro fonema semelhante ou igual a si próprio (assimilação incompleta ou
completa), ou melhor, dois fonemas contíguos tornam-se iguais.
septe – sette – sete (o t assimilou o p: assimilação regressiva)
nostru – nosso (o s assimilou o t: assimilação progressiva)
chamam-lo – chamam-no (assimilação incompleta: progressiva)
+ Dissimilaçao: é a modificação ou o desaparecimento de um fonema para evitar a presença de dois fonemas
iguais na mesma palavra; ou melhor, dois fonemas contíguos tornam-se diferentes.
anima – anma – alma / liliu – lírio / rotundu – redondo
+ Palatalização: transforma em palatal um fonema ou grupo de fonemas.
flama – chama / pluvia – chuva / clamare – chamar / genuclu – geolho – joelho / venio – venho / filiu–filho / hodie–hoje
+ Nasalação: transformação de um fonema oral em nasal por influência de outro fonema nasal.
lana – lãa – lã / canes – cães / fine – fim / leone – leão / manus – mãos / ne – nem / mihi – mim / manu – mão
+ Desnasalação: perda da nasalação.
cena – cëa – ceia / luna – lũa – lua / bona – bõa – boa
+ Metátese: transposição de um fonema na palavra ou na sílaba, ou melhor, transposição dum fonema dum
lugar para outro.
primariu – primairo – primeiro / semper – sempre / feria – feira
+ Contracção (crase ou sinérese): aglutinação de duas vogais contíguas numa só (crase) ou num ditongo
(sinérese); a contiguidade das vogais explica-se pela queda de uma consoante.
pede – pee – pé / lege – lee – lei
+ Sonorização ou abrandamento: mudança das consoantes surdas intervocálicas para as sonoras
correspondentes.
acetu – azedu / mutu – mudo / napu – nabo / ciconia – cegonha / hac hora – agora / vicinho – vizinho

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Bem perto do léxico, está o vocabulário que é o conjunto de palavras que ocorre num determinado contexto ou numa área específica de saber, como profissional,
científica ou técnica (engenharia náutica, biologia, direito, filosofia etc).
Outubro de 2022, Pela Coordenação do Curso de Língua Portuguesa
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- Por analogia e etimologia popular
+ Analogia: relacionando duas palavras, geralmente pertencentes à mesma classe, e com certa ligação
etimológica:
estis – sois, por uma analogia com sumus – somos
vester – vosso, por uma analogia com noster – nosso
tuus – teu, por uma analogia com meus – meu
+ Etimologia popular: o povo, perante uma palavra nova, relaciona-a instintivamente com outra, ou outras,
fonicamente semelhantes, guiando-se, assim, por uma falsa etimologia. Ex.: A palavra “viatura” proveio do francês
voiture. Como é que voiture – “viatura”? Por influencia das palavras conhecidas “via” e “viagem”.

Palavras convergentes e palavras divergentes


A palavra está em constante evolução. Assim, as palavras vão sofrendo alterações ao longo dos tempos.
Essas alterações podem ocorrer por duas vias: a via popular (que provoca modificações mais acentuadas nas palavras)
e a via erudita (que mantém uma grande semelhança com o étimo da palavra).

Há duas situações que podem ocorrer:

. o mesmo étimo dá origem a palavras com formas diferentes – palavras divergentes:


LATIM VIA POPULAR VIA ERUDITA
Actu auto ato
Adversu averso adverso
Arena areia arena
Digitu dedo dígito
Directu direito directo
Duplu dobro duplo
Legale leal legal
Lucru logro lucro
Macula mágoa/mancha/malha mácula
Materia madeira matéria
Parabola palavra parábola
Planu chão plano
Plenu cheio pleno
Recitare rezar recitar
Solitariu solteiro solitário

. étimos diferentes dão origem a palavras com a mesma forma – palavras convergentes:
COMO como conjunção ou advérbio, deriva de quomodo
como forma verbal, de comedo
FIO como forma verbal, deriva de fidu
como substantivo, tem origem em filu
RIO como forma verbal, tem por étimo rideo
como substantivo, provém de rivu
SÃO como adjectivo, provém de sanu
como forma verbal, deriva de sunt
VÃO como adjectivo, provém de vanu
como forma verbal, de vadunt

Outubro de 2022, Pela Coordenação do Curso de Língua Portuguesa


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