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Territórios do Norte de Ubatuba

O povo que planta e pesca,


2021

Canta, dança e faz festa


no seu pedaço de chão,

Abastece a sua mesa e


agradece a natureza em
qualquer religião.

Seu lugar, seu oratório.

Tirar o seu território é


calar a tradição.

Luís Perequê

2 3
Realização:
Associação dos Remanescentes do Quilombo do Diagramação:
Camburi (ARQC) Eduardo Di Napoli, Tiê Passos
Associação dos Moradores e Amigos do Camburi
(AMA Camburi) Ilustrações e infográficos:
Associação de Moradores do Bairro da Picinguaba Tiê Passos
( AMBP)
Associação de Barqueiros e Pescadores da Transcrição de Entrevistas:
Picinguaba ( ABPP) Heloísa Vianna
Associação de Barqueiros e Pescadores
Tradicionais de Picinguaba (ABPTP) OTSS - EQUIPE PROJETO POVOS
Associação Comunitária dos Remanescentes do
Quilombo da Fazenda (ACRQF) Coordenação Geral:
Associação de Moradores da Almada ( AMA) Edmundo Gallo e Vagner Nascimento
Associação dos Bananicultores e Produtores
Rurais da Comunidade Tradicional do Sertão do Coordenação de Gestão Territorializada:
Ubatumirim ( ABU) Fabiana Miranda
Associação Caiçara Nativos da Praia de ÍNDICE
Ubatumirim (ACNPU) Coordenação de Campo / Povos:
Associação de Moradores do Cambucá (Amoca) Anna Maria Andrade, Cristiano Lafetá, Gabriela Projeto Povos ..............................................................08
Comunidade Caiçara do Estaleiro Muruá
Observatório de Territórios Sustentáveis e
Entendendo o Pré-Sal .................................................10
Saudáveis (OTSS) Pesquisadores de Campo (FCT) / Povos: Como estes mapas são feitos .....................................14
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Alexandre Karai Benite, Ana Carolina Santana Como usar esses mapas a favor da comunidade .......16
Reis, Paraty e Ubatuba (FCT) Barbosa, Ariane Rosa Martins, Carolina Santos,
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Fabiana Ramos, Ivanildes Pereira, Luisa Vilas Boas
Cardoso, Francisco Xavier, Guilherme Euler, Lohan Territórios do Norte de Ubatuba ................................18
Coordenação geral: dos Santos, Neimar Lourenço, Sergio Reis, Vagno Camburi .......................................................................34
Fabiana Miranda Martins, Julio Garcia Karai, Santiago Bernardes
Cabeçuda e Areia ........................................................50
Coordenação de Campo / Norte de Ubatuba: Coordenação de Comunicação: Picinguaba e Vila Palmira ...........................................64
Cristiano Lafetá Vinícius Carvalho, Eduardo Di Napoli, Felipe Quilombo da Fazenda ..................................................86
Scapino, Vanessa Cancian, Tiê Passos
Almada ........................................................................104
Pesquisadores de Campo / Norte de Ubatuba:
Ana Carolina Santana Barbosa, Guilherme Euler, Coordenação de Governança e Gestão: Praias (Estaleiro, Ubatumirim (praia), Justa,
Ivanildes Pereira, Luisa Vilas Boas Cardoso, Leonardo Freitas, Aline Tavares, Alessandra Cambucá e Vilas da Índia, Gaivota, Rolim e Barbosa .................................120
Santiago Bernardes, Neimar Lourenço Bortoni Ninis
Sertão do Ubatumirim .................................................144
Textos: Coordenação de Justiça Socioambiental:
Cristiano Lafetá, Anna Maria Andrade, Gabriela Marcela Cananea, Thatiana Lourival
Muruá, Fabiana Miranda, Santiago Bernardes
MAPAS
Validadores / Movimentos Nacionais:
Revisão Técnica: Julio Garcia Karai, Comissão Guarani Yvyrupa Norte de Ubatuba ........................................................20
Vinícius Carvalho, Anna Maria Andrade ,Cristiano (CGY) Maritório ......................................................................22
Lafetá Marcela Cananea, Coordenação Nacional de
Camburi .......................................................................48
Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC)
Mapas: Ronaldo dos Santos, Coordenação Nacional de Cabeçuda e Areia ........................................................62
João Oswaldo Cruz, Nicholas Saraiva, Tiê Passos Articulação das Comunidades Negras Rurais Picinguaba e Vila Palmira ..........................................82
Quilombolas (CONAQ)
Quilombo da Fazenda ..................................................102
Fotos:
Anna Maria Andrade, Cristiano Lafetá, Cristiano EM MEMÓRIA: Almada ........................................................................118
Braga, Eduardo Di Napoli, Felipe Scapino, Tiê José Pedro Vieira “Zé Pedro”, Quilombo da Praias (Estaleiro, Ubatumirim (praia), Justa,
Passos Fazenda (1938- 2021)
Cambucá e Vilas da Índia, Gaivota, Rolim e Barbosa .................................138
Francisca dos Santos, Comunidade da Cabeçuda
Projeto Gráfico e Editoração de Imagens: (1931 -2021) Sertão do Ubatumirim .................................................158
Eduardo di Napoli, Tiê Passos

4 5
N ó s , o s po v o s tr a d i c i o n ais
d e Angr a d o s R ei s , Pa rat y
e Ub a tu b a , d i z end o
Pela primeira vez,
qu a nto s s o m o s , c o mo
nós por nós mesmos.
v i v em o s e o qu e b u s c am o s
pa r a a pl ena r ea l i z a ç ã o
d o s no s s o s d i r ei to s .

6 7
Projeto Povos:
Território, Identidade e Tradição
Onde o Projeto
Conheça a mais abrangente iniciativa de cartografia social já
realizada na Bocaina. Protagonizada pelas próprias comunidades, Povos ocorre?
caracterização envolve territórios indígenas, quilombolas e caiçaras
de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP) O Projeto Povos ocorre nos municípios de Uma observação importante é que esta
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Para sua organização em agrupamentos de territórios
realização, foram definidos 11 agrupamentos – ou microterritórios - não quer dizer
Qual é exatamente o território O Projeto Povos utiliza metodologias de territórios que reúnem laços culturais, que as comunidades caracterizadas não
tradicionalmente ocupado pelos de cartografia social que permitem às ambientais e territoriais comuns. É o caso, tenham fortes e profundos laços com outras
quilombolas? Quais são as condições de comunidades desenhar, com ajuda de por exemplo, do agrupamento de territórios comunidades. Ou seja, essa divisão apenas
saneamento dos indígenas? E quais são os profissionais, mapas dos territórios que tradicionais do Carapitanga, que partilham ajuda a organizar os trabalhos de campo do
desafios dos caiçaras em relação ao acesso ocupam. Este tipo de mapeamento social a mesma Sub-Bacia Hidrográfica em Paraty projeto.
à educação? Estas são apenas algumas geralmente envolve populações tradicionais (RJ).
das informações que serão reveladas pelo e é um instrumento utilizado para fazer
Projeto Povos, iniciativa que vai colocar de valer os direitos desses grupos frente a
vez, no mapa do Brasil, os territórios de grandes empreendimentos, problemas
64 comunidades e localidades tradicionais relacionados à grilagem de terras e ao não
indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra cumprimento de leis que dizem respeito à
dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). delimitação de terras indígenas, à titulação
de territórios quilombolas
Reivindicação histórica do Fórum de e à regularização fundiária
Caracterização Paraty
Comunidades Tradicionais (FCT), a de territórios caiçaras,
realização do Projeto Povos é uma de 64 territórios entre outros.
exigência do licenciamento ambiental tradicionais
federal, conduzido pelo Ibama, para Além de informações
a produção de petróleo e gás pela
ocorre até 2023 técnicas, os mapas sociais
Petrobras na Bacia de Santos. Quem são construídos de forma
executa é o Observatório de Territórios participativa e apresentam o cotidiano de
Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma comunidade em linguagem simples
uma parceria entre o FCT e a Fundação e acessível. Neles, são colocados espaços
Oswaldo Cruz (Fiocruz). de roças, rios, lagos, casas, equipamentos
sociais como unidades de saúde e escolas C caiçaras
Participam também a Coordenação Nacional e outros elementos que as populações i indígenas
de Articulação das Comunidades Negras envolvidas considerem importantes. Aliás, Q quilombolas
Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão são as comunidades que decidem o que
Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação querem caracterizar. No Projeto Povos,
Nacional de Comunidades Tradicionais nenhuma informação é tornada pública Ubatuba Paraty Angra dos Reis
Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho sem a prévia autorização das comunidades SP RJ RJ
do projeto com a missão de garantir que envolvidas e das representações nacionais
todos os direitos das comunidades sejam dos povos e comunidades tradicionais
respeitados. (Conaq, CGY e CNCTC).

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Entendendo o O que é o Produção média de

Pré-Sal
petróleo no Pré Sal
Pré-sal?
BARRIS POR DIA
O Brasil não era considerado um país
1,5MILHÃO
importante na produção mundial de petróleo
até a descoberta do Pré-sal, em 2007. 1MILHÃO

Pré-sal é um tipo de petróleo extraído de 500MIL

O Projeto Povos é resultado de uma condicionante do licenciamento camadas profundas embaixo do mar. Como 41MIL

ambiental federal para a exploração de petróleo e gás na camada do se vê na ilustração abaixo, esse petróleo 2010 2014 2016 2018
Pré-Sal na Bacia de Santos. Mas você sabe o que isso tem a ver com as está localizado em um agrupamento de
rochas localizadas em águas ultra profundas
comunidades tradicionais? em baixo de uma camada de sal, por isso
pré-sal. Ou seja, “antes do sal”.

Para que um grande empreendimento possa


ser construído, ele precisa antes receber
O que é o petróleo?
uma licença ambiental que é concedida
O petróleo é um recurso natural muito
pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente
importante na produção de energia em
e Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
todos os países do mundo. Além de ser
Para receber essa licença, quem constrói o
combustível utilizado nos veículos de
empreendimento tem que cumprir também
transporte – carro, ônibus, caminhão, avião
uma série de condições para mitigar
– ele também está presente no plástico
ou compensar seus impactos sociais e
que compõe muitos dos equipamentos
ÁGUAS SUPER PROFUNDAS FUNDO DO MAR 2.000 m
ambientais.
eletrônicos (como celulares, computadores)
e eletrodomésticos, além de ser
muito utilizado em embalagens.
O Projeto Povos é uma
Pré-sal é Tem petróleo também em
destas condições, e foi COMPOSTA DE AREIA E ROCHA CAMADA PÓS SAL 3.000 m
exigido da Petrobras um tipo de cosméticos (como batons), pasta
de dente e até em roupa.
pelo Ibama para que as petróleo
comunidades tradicionais
da Bocaina possam extraído de
entender e se manifestar camadas
sobre potenciais
impactos da exploração
ultraprofundas FORMADO A MILHÕES DE ANOS,
CAMADA DE SAL 5.000 m
embaixo do
APÓS SEPARAÇÃO DOS CONTINENTES
de petróleo na Bacia
mar
1984 2018
de Santos sobre seus
territórios. Outro objetivo
é disponibilizar mais
informações sobre as PÓS-SAL PRÉ-SAL
CAMADA PRÉ SAL 7.000 m
4.108 77 POÇOS
FORMADO ANTES DA CAMADA DE SAL
comunidades para que suas reivindicações
possam ser levadas em conta pelo Ibama
POÇOS PETRÓLEO
1,5MILHÃO
quando houver algum novo pedido de licença
para grandes empreendimentos na região. 500 MIL
BARRIS POR DIA BARRIS POR DIA

10 11
Onde fica o Pré-sal? Europa

África África
África África
GONDWANA
América
do Sul
América América América
do Sul do Sul do Sul
PRÉ SAL

130 MILHÕES 115 MILHÕES 110 MILHÕES 100 MILHÕES HOJE


ANOS ATRÁS

Bacia do
Espírito Santo O que isso E, também, alterações terrestres tais

significa para as como o aumento do número de pessoas


vindas de fora, que chegam para trabalhar
comunidades? na exploração de petróleo sem que haja,
por vezes, uma melhoria equivalente na
É tão grande a estrutura necessária para infraestrutura local como mais hospitais e
Bacia
a exploração do petróleo no mar que faz escolas.
de Campos
com que o Pré-sal seja definido como um
Megaempreedimento, já que ele altera
a dinâmica social, econômica, cultural e
Como o
ambiental das cidades litorâneas onde ficam licenciamento do
Bacia
de Santos
Reservatórios
do pré-sal
as reservas do Pré-sal.
Pré-sal funciona?
Isso significa dizer que, além do risco de
800 quilômetros Megaempreedimentos como o Pré-sal
vazamentos, a estrutura do Pré-sal gera
de comprimento e como consequências alterações no território
precisam cumprir dois procedimentos
legais para poderem se instalar em
200 quilômetros marinho como, por exemplo, o aumento do
uma região. O primeiro é a Avaliação de
de largura número de grandes embarcações, mudanças
Impactos Ambientais e o segundo é o
no comportamento de cardumes e ampliação
Processo de Licenciamento Ambiental.
de portos para atender a demanda de
Bacia A partir daí é feito o Estudo de Impacto
de Pelotas transporte.
Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto
Ambiental (RIMA), que ajudam o Ibama a
Tempo médio de construção
decidir se dá ou não a licença.
de poços marítimos
Depois, é necessário realizar
2,5X RÁPIDO
A área de influência do pré-sal mede cerca O que tem no audiências públicas para ouvir o que
a população e o poder público têm a
de 800 quilômetros de comprimento e
200 quilômetros de largura e está entre
pré-sal? dizer sobre o empreendimento. No
os estados de Santa Catarina e Espírito território da Bocaina, essas audiências
Para se ter uma noção do que significa a aconteceram nas Etapas 1, 2 e 3 do Pré-
Santo, passando, também, por territórios
descoberta do pré-sal, é possível que o sal. Sim, já estamos na etapa 3 desse
tradicionais localizados no litoral norte de
Brasil duplique sua produção de petróleo empreendimento.
São Paulo e sul do Rio de Janeiro.
em aproximadamente 10 anos. Entre 2006

O volume produzido por poço no pré-sal


e 2007, as reservas do país somavam cerca
de 14 bilhões de barris de petróleo. Com
2010 2018 Esses procedimentos têm como objetivo
avaliar os impactos causados pelo Pré-sal
da Bacia de Santos, onde estão essas 310 DIAS 127 DIAS
essa descoberta, é possível que as reservas e propor condicionantes e compensações
populações, está muito acima da média
atinjam entre 50 a 80 bilhões de barris. Cada que amenizem ou compensem os impactos
da indústria de óleo e gás. Dos dez poços
barril de petróleo tem o volume aproximado 1 ANO ambientais e sociais causados pela sua
com maior produção no Brasil, nove estão
de 158,98 litros. instalação.
localizados nessa área.

12 13
Como estes mapas 4) Refletindo o
Território

são feitos?
Depois, é hora de apresentar à comunidade
a primeira versão do mapa final e validar
com os participantes cada dado coletado.
Um momento, também, para corrigir
eventuais erros e acrescentar informações
Com a participação de pesquisadores indígenas, caiçaras e quilombolas, importantes que não tenham aparecido nas
o Projeto Povos mapeia só o que as comunidades querem caracterizar. etapas anteriores.
Conheça, passo a passo, como se dá essa construção coletiva.
5) Nosso mapa
Ícones dos mapas do Projeto POVOS

1) Chegança 2) Mapa Falado A última etapa se divide em dois momentos.


O primeiro consiste em revisitar o material
produzido durante toda a caracterização
Realizada com a participação do Fórum Nessa atividade, a comunidade é convidada e validar coletivamente o mapa final. Em
de Comunidades Tradicionais (FCT), a fazer um desenho livre, em um papel em sequência, a comunidade define quais
a “chegança” é o passo inicial da branco, representando seu território. Neste informações quer que se tornem públicas e
caracterização. Ela envolve lideranças e desenho, o território e seus elementos vão quais prefere que sejam de uso restrito da
articuladores locais para esclarecer dúvidas surgindo a partir do exercício da memória comunidade.
sobre o projeto e para garantir que os mapas e da definição, pela própria comunidade,
sejam construídos por muitas mãos. do que ela quer e acha importante que seja
caracterizado.

3) Localizando o
território no mapa
A etapa seguinte consiste na transposição
do mapa falado para uma foto de satélite, 6) Ganhando o
localizando os elementos do desenho em
uma base georeferenciada. Nesta etapa,
mundo
o objetivo principal é garantir que os Percorrido esse caminho, o material
participantes consigam dimensionar seu segue para impressão e é devolvido para
território em um mapa e visualizar demais as comunidades. Também validadas pelas
delimitações territoriais já estabelecidas comunidades e suas representações
por órgãos governamentais, como nacionais, as publicações finais são
Unidades de Conservação e demarcações já distribuídas para bibliotecas e órgãos de
realizadas. governo e da sociedade civil cuja atribuição
seja zelar pelos direitos dos povos e
comunidades tradicionais da Bocaina.

14 15
Como usar estes
mapas a favor das Segurança
comunidades alimentar e
nutricional:
O projeto permitirá às comunidades
ampliarem seus conhecimentos sobre as
Os mapas construídos pelas comunidades são instrumentos de espécies agrícolas manejadas por elas e
promoção de direitos. Entenda algumas das formas como eles podem também por suas comunidades vizinhas.
Isso fortalece o conhecimento do território
ser utilizados para a defesa dos territórios tradicionais e facilita possíveis trocas de sementes e de
técnicas de plantio.

Garantia de Práticas de saúde:


territórios: O projeto permitirá também às comunidades
O projeto não assegura que haverá titulação, ampliarem seus conhecimentos sobre as
demarcação ou regularização fundiária de práticas de cuidado corporal e espiritual
territórios tradicionais. Mas irá contribuir utilizadas por ela e por suas comunidades
para que as reivindicações das comunidades vizinhas. Isso também facilita possíveis
cheguem aos órgãos competentes trocas de sementes e de conhecimentos
responsáveis por fazer isso. em relação a procedimentos de cura e
prevenção a partir das plantas medicinais.

Acesso a políticas Qualificação de


públicas: Fortalecimento do
licenciamento FCT:
ambiental:
O projeto também não construirá
infraestruturas nas comunidades, mas vai O mapa feito pela comunidade contribuirá
contribuir para levar ao conhecimento dos Outra conquista importante é que estes também para fortalecer as bandeiras
governos e órgãos públicos qual é a situação dados passarão a ser consultados pelo de luta do Fórum de Comunidades
de cada comunidade em relação a serviços Ibama quando houver uma nova solicitação Tradicionais nas áreas de Turismo de
e equipamentos públicos nas áreas de de licença ambiental para grandes Base Comunitária, Educação Diferenciada,
educação, saúde, saneamento, trabalho e empreendimentos que possam impactar as Saneamento Ecológico, Economia Solidária
renda, entre outras decididas pelas próprias comunidades tradicionais de Angra dos Reis, e Agroecologia e a combater todas as
comunidades. Paraty e Ubatuba. formas de racismo e violência contra as
comunidades.

16 17
TERRITÓRIOS DO

18 19
20 21
22 23
Caminhos e costumes
Esta publicação compreende a caracterização dos territórios
tradicionais do litoral norte paulista localizados entre a divisa com
o estado do Rio de Janeiro, ao norte, e as localidades do Cambucá
e da Praia da Justa, ao sul; compreendendo praia e sertão. Engloba
15 comunidades/localidades, entre caiçaras e quilombolas, que, em
comum, possuem relação ancestral com a terra, a roça, a mata e o
mar.

O processo de caracterização demonstrou avôs e bisavôs já ocupavam os territórios.


os fluxos de relações simbólicas e trocas Contam, também, histórias das pessoas que
dessas comunidades entre si e, delas, com chegaram e saíram por trilhas que ligam
outros territórios da área de abrangência do as comunidades a outras localidades de um
Projeto POVOS. Foram apontados trilhas e vasto território de Mata Atlântica.
caminhos de servidão que, historicamente,
ligam o norte de Ubatuba aos municípios
de Paraty, no estado do Rio de Janeiro; (...) mas o que eu quero
e a Cunha e São Luís do Paraitinga, em dizer pra você é que nós, sendo
São Paulo; além de rotas marítimas para nativos de Picinguaba, antes
comércio e troca de mercadorias entre as da BR, antes dessas coisas, o
comunidades e o centro da cidade. que acontecia? Nós vivíamos da de pescar, como proibição de devemos fazer? Sendo que a
Pelos caminhos tradicionais, circulam pesca e vivíamos da lavoura... plantar... não é? Através do vida mudou pra pior depois que
histórias, saberes e técnicas; formam-se e era super abundante, a Ibama, da Florestal... até que tudo isso veio pra nossa vida,
famílias e sítios; estruturam-se territórios
vida era melhor, a vida era nós somos educados sobre o né? Mas até nós, os caiçaras
tradicionais. As histórias de vida nos
mais tranquila, não tinha meio ambiente, sabemos que é tradicionais, vivíamos muito
contam como se constituíram vilas e como
tanta doença, não tinha tanta muito importante pra nós, mas bem e estamos nos esforçando
se formaram comunidades. Algumas
poluição... não é? Aí depois que só que veio muita prejudicação pra viver melhor ainda, não é?
comunidades desenharam mapas históricos
entrou a BR, que veio pra cá, pra nós... hoje não podemos ter
que remontam ao século XIX. Há também
aí já vieram as proibições e, Seu Amarildo dos Santos, Sertão da
histórias que vêm “de muito antigamente”. documento da nossa terra, não
começou a vida já a mudar um Picinguaba, 57 anos
Senhores e senhoras “mais velhos”, mestres podemos ter... é... tudo errado
e griôs caiçaras e quilombolas – que ali pouco. Mas até aí o povo vivia da pra nós... tá tudo, assim...
pescam, plantam, manejam a floresta, fazem pesca e vivia da lavoura... e não mudando tudo, assim, a nossa
artesanato, música, dança, canoa, remo, tinha os problemas que estão vida de uma forma errante, né?
cerco – contam histórias de como seus tendo hoje, como proibição Só que fazer o quê? Que que nós

24 25
“(...) quando nós especulação imobiliária, veio
plantávamos e pescava, os grileiros, grilando a terra
a gente fazia trocas, um dos caiçaras e dos quilombolas,
trocava seu alimento com a especulação imobiliária, os
aquele que não tinha, quem poderosos querendo nos engolir
tinha farinha trocava com vivo e a gente ficou numa
o peixe, quem não tinha o situação difícil, onde chegou um
peixe trocava com a banana tempo em que nós achávamos
e assim sucessivamente. que nós tínhamos que sair para
Então, vivíamos de troca! Nós que essas pessoas pudessem
tínhamos tudo na roça, na ficar.”
cidade comprava pouca coisa. Laura Braga, Quilombo da
Com a chegada da BR, a nossa Fazenda, 64 anos.
vida ficou um pouco bagunçada,
a BR chegou justamente com
uma bagagem muito grande, aí
A estrada e os
essa troca já não existia mais, conflitos
esse plantio já não existia mais,
a pesca já não existia mais (...) A noção “caminho” é também
E a BR trouxe uma bagagem, definidora de um marco temporal
ela trouxe coisas boas e determinante à resistência e
ruins também. Ela trouxe permanência das comunidades em
comunicação que não tínhamos seus territórios: a chegada da BR
101, na década 1970. Os relatos
(...) ela trouxe energia, ela
coletados revelam o medo em seguir
trouxe a estrada, porque antes
com as práticas tradicionais e seus
a gente não tinha nenhum meio
modos de vida; a perda da tradição
de transporte, nós fazíamos
de transmissão de saberes de
uma caminhada para Paraty de forma oral, com os pais não mais
9 horas, fazíamos até Ubatuba ensinando aos filhos as múltiplas
de 12 horas, então era bem artes relacionadas à vida entre mar
difícil mesmo, ninguém nem e floresta. A insegurança relacionada à
saía. Se alguém ficava doente permanência nos territórios e à própria
ou alguém precisava de um possibilidade de reprodução do modo de
médico ou alguém de uma vida é evidenciada, nas entrevistas, por
parteira, a gente tinha que falas veladas; e na quantidade de áreas
apontadas como “antigas” nos mapas
se virar por aqui mesmo com
construídos.
nossas plantas medicinais e
Tratam-se de espaços historicamente
com parteira do local mesmo, utilizados para as roças; para o manejo
então a BR ela trouxe esse florestal; para o extrativismo de alimentos
benefício, né? Mas ela também e de material para artesanato, canoa,
trouxe coisas ruins, veio a remo etc. Há também apontamentos

26 27
de ruínas de construções utilizadas no está o Turismo de Base Comunitária
processo produtivo e do trabalho das (TBC), que traz como atrativos, além
comunidades tradicionais, tais como casas das trilhas e da beleza natural, as
de farinha e ranchos. visitas de reconhecimento das práticas
tradicionais como práticas agroecológicas;
Outro impacto relevante causado a gastronomia local, baseada na pesca
pelo processo de desenvolvimento e na roça; as histórias contadas pelos
hegemônico, trazido pela estrada e mestres e griôs, que são ouvidas,
como consequência da implantação de também, pelos mais jovens locais; a
grandes empreendimentos, é a migração organização da juventude em torno dos
aos centros urbanos. Tradicionalmente, “serviços prestados”, que os leva a refletir
as famílias caiçaras e quilombolas se e conhecer sua história; as apresentações
constituem em núcleos; à medida em que culturais de grupos de fandango, jongo
os filhos e filhas vão se casando, novas e outras expressões tradicionais; as
casas são construídas próximas à casa corridas de canoa caiçara, entre outros.
dos pais e os quintais são compartilhados.
Porém, com a proibição de novas O processo de caracterização buscou
construções, da ampliação de áreas de demonstrar e apoiar a organização
roças, da criação de galinhas e porcos etc; comunitária em processos que ainda estão
pelo medo causado pela criminalização em curso, como o ordenamento do TBC
das práticas tradicionais, os filhos na comunidade caiçara da Picinguaba
buscam trabalho e moradia nos centros e Ilha das Couves – acordo que envolve,
urbanos; afetando, assim, a transmissão ainda, as comunidades da Almada,
de conhecimentos e gerando perda de Estaleiro e Ubatumirim; a participação
identidade. na construção do Plano de Manejo da
APA Marinha do Litoral Norte de SP; e a
negociação da comunidade quilombola da
Caminhos da Fazenda com o Parque Estadual da Serra
do Mar para a estruturação e operação
resistência do TBC e o reconhecimento das práticas
agroecológicas.
As trilhas e caminhos percorridos desde
sempre por esses povos aparecem, No próximo tópico, seguiremos os
agora, como uma importante ferramenta caminhos das comunidades, trazendo os
em sua resistência, para superar os resultados do processo de caracterização
conflitos socioambientais e enfrentar os em cada uma delas, organizadas em
impactos dos grandes empreendimentos. grupos conforme trabalhados nas oficinas,
As comunidades, organizadas em da seguinte forma:
associações e articuladas ao FCT,
apresentam soluções aos conflitos em 1. Quilombos: Camburi; Quilombo da
diálogo constante com o Ministério Fazenda; Localidades da Cabeçuda e
Público, os órgãos ambientais federal, Areia; 2. Picinguaba; Vila Palmira; 3.
estadual e municipal, a prefeitura e outros Grupo Praias e Vilas: Ubatumirim, Justa,
atores sobre os territórios. Cambucá e Vilas; Estaleiro; Almada; 4.
Dentre as soluções apresentadas, Sertão do Ubatumirim.

28 29
Resumo das ações do
Projeto POVOS nos
territórios do Norte de
Ubatuba

30 31
Resultados
por território
tradicional

32 33
Camburi
O território do Camburi abriga as
comunidades litorâneas mais ao norte do
estado de SP e sua história remonta ao
Século XVIII com a chegada de fazendeiros
europeus e africanos escravizados,
conforme o “Relatório Técnico-Científico
sobre os remanescentes da comunidade
do Quilombo do Cambury”, do Instituto de
Terras de São Paulo (Itesp, 2002).

34 35
Nele, vivem quilombolas e caiçaras entre eles, eles também No acesso principal ao Camburi, de poder ter o privilégio
que se instalaram no local ainda
trocavam de moradias em encontra-se o ponto de integração
de morar em uma
no século XIX. Os quilombolas são das linhas de transporte urbano de
descendentes de antigos núcleos todo canto do Camburi. Ubatuba com as linhas de Paraty, comunidade tão rica de
de escravos da região e possuem Tem histórias que eles onde há também um bar. Do outro história e natureza”
relações familiares e afetivas com moraram em cada lado da rodovia, está estacionamento
outros quilombos, tais como o Queli Lúcio Iartelli, Quilombo do
cantinho do Camburi, e acesso à cachoeira da Escada.
Camburi
Campinho da Independência, em Logo no início da “descida” pela
Paraty, e o Quilombo da Fazenda,
na praia, no morro, do
estradinha que leva aos núcleos
em Ubatuba. Já os caiçaras, que lado da cachoeira, etc... familiares, passamos por uma
também se encontram ali há gostavam de morar em agrofloresta recheada de palmeiras
gerações, têm vínculos identitários e todo lado (rs).O Quilombo juçara e várias outras espécies
origem ligados a comunidades como de frutas, paus e ervas da Mata
Trindade, em Paraty, Praia Brava do
pra mim é minha história
Atlântica. O caminho vai revelando
Camburi e Picinguaba, em Ubatuba, de vida, é o que eu vivo e riachos e corredeiras, passando por
entre outras. que os meus irão viver” trilhas e caminhos de servidão que
dão acesso às moradias e quintais
Queli Lúcio Iartelli, Quilombo do quilombolas, até chegar à praia,
O Quilombo do Camburi
onde também estão uma antiga
Camburi, pra Os relatos locais informam que capela, o campo de futebol, a escola,
mim, é meu território! os usos tradicionais ultrapassam o posto de saúde, o Centro Cultural e
o cemitério.
onde meus antepassados os limites estabelecidos pelos
órgãos oficiais (Itesp, Incra,
moraram e cultivaram Fundação Florestal de SP e
alimentos, onde hoje vejo ICMBio), estendendo-se serra
Somos todos
que está tudo se perdendo acima, em direção às nascentes familiares
aos poucos... especulação dos rios e riachos que abastecem independente de praia e
imobiliária, com o turismo as comunidades, com a utilização morro; está no sangue e
de recursos da mata em áreas
de massa devastando tudo que hoje estão sobrepostas pelo
na luta. Então, pra mim,
aquilo que preservaram Parque Estadual da Serra do Mar eu não faço diferença de
com tanto carinho. Meus (PESM/FFSP) e Parque Nacional da praia e quilombo, porque
avós contam até hoje que Serra da Bocaina (PNSB/ICMBio). o que a praia tem são os
As trilhas de acesso, anteriores à
aquela época era rico peixes, turismo para se
chegada da BR, levam à Trindade, à
(fartura) em tudo que Praia Brava e conectam-se a outras manter no decorrer do
tinham, alimentos entre trilhas e caminhos, de destinos mais ano, e o que o quilombo
peixe, roçado, plantas distantes. A Praia Brava é importante tem que é a terra onde faz
local de uso da comunidade do
medicinais, criações de o roçado e agrofloresta,
Camburi e da localidade da Cabeçuda
animais... eles sempre (próxima a ser descrita). Nela há
enfim...E isso pra mim é
trocavam alimentos atividades de pesca, turismo, prática uma vivência maravilhosa
do surf, entre outros.

36 37
Lugares da Comunidade
Tipo Descrição
Rio Camburi

Trilha da Pedra Chata


Trilha Cachoeira Camburi
Trilha Cachoeira do Tombador
Trilha Canto da Bica
Trilha da Praia Brava
Trilha
Trilha do Baú
Trilha do Curisco
Trilha Jatobá
Trilha Sapateiro
Trilha Trindade
Cachoeira Três Poços
Cachoeira Três Pocinhos
Cachoeiras
Poço do Amor
Cachoeira da Escada
Barra/Foz de rio Canto da Barra

do Gilmar
Casa de Farinha
Casa de Farinha
Cerco do Inglês
Cerco Flutuante
2 (dois) cercos identificados, sem nome
Pesqueiro Pedra do Índio
Pesqueiro Andorinha
Pedra chata
Costeirinha
Pesqueiros
Grosa
Areado
Pesqueiro Costão Preto
9 (nove) pesqueiros identificados, sem nome
Ranchos 2 (ranchos) caiçaras
Mina Extração de barro para confecção de panelas do seu Inglês
Atividade Econômica Antiga serraria
Local histórico Cemitério
38 39
Pesca, agricultura O seu Inglês falava Habitação e organização territorial
assim: ‘tinha muita
e extrativismo fartura. Fartura era tanta
O Camburi se estrutura em núcleos Na praia, há alguns ranchos de pesca
que o dinheiro estragava. familiares, com quintais tradicionais no canto direito (de quem olha para
Caiçaras e quilombolas pescam,
A gente ia na cidade (agroecológicos) entre as casas dos o mar), que servem aos pescadores
plantam e coletam nos territórios
e no maritório do Camburi “desde
vender farinha, vender parentes. Ali vivem cerca de mil locais. A maior parte das estruturas

sempre”. Porém, por restrições peixe, e voltava com o pessoas. Ainda é possível encontrar destinadas ao turismo também se
construções tradicionais em pau-a- encontra próxima à praia, mas há
impostas pelas UC’s, parte das dinheiro, que não tinha pique, casas de farinha familiares e algumas casas e hospedagens junto
práticas tradicionais de pesca, serventia aqui. As notas pequenos roçados de subsistência. à mata, em área do quilombo.
roçado e extrativismo está em risco.
estragavam com o tempo
O Quilombo do Camburi, assim Santiago Bernardes, membro da equipe
como diversas outras comunidades Povos, caiçara e morador do Camburi
da região da Bocaina, foi palco de
trabalho do “Projeto Juçara”, que
buscou resgatar práticas tradicionais
de manejo florestal e dar significado
a tais práticas, trazendo o linguajar
acadêmico e promovendo, assim, a
agroecologia na região. O Quilombo
maneja algumas agroflorestas, de
onde são coletados alimentos e
insumos ao artesanato e à confecção
de instrumentos para a pesca.

O quadro abaixo apresenta algumas


das espécies vegetais plantadas e/ou
manejadas no Camburi:

Juçara
Mandioca
Cambuci
Cana
Abacaxi
Cará
Batata
Feijão
Banana
Milho
Agrofloresta (mais de 20
espécies, entre arbóreas,
adubos verdes e frutíferas)

40 41
Práticas de Festas e
cuidado e saúde Celebrações
Os relatos da caracterização falam
Festa do café de cana: a
sobre o uso de ervas medicinais e os
celebração da antiga cultura
cuidados com a saúde dos povos do
agrícola do plantio de café e
Camburi. Ainda hoje se preservam os
cana, pois não tinha açúcar
saberes do poder de cura da mata,
e adoçava-se o café passado
das ervas, paus e raízes. Porém,
com caldo de cana quente. É
após a chegada da BR, que facilita a
tradicionalmente realizada em
ida ao atendimento médico no centro
novembro.
cidade; e com a presença de equipes
da Estratégia Saúde da Família e
Festival das Culturas
Posto de Saúde, parte das práticas
Tradicionais: realizado em
tradicionais ameaça desaparecer.
julho, reúne indígenas,
caiçaras e quilombolas.
Entrevistas realizadas com griôs
e mestres, os “mais velhos”, no
Festa da Consciência Negra,
Camburi e em outras comunidades
em 20 de Novembro
do Norte de Ubatuba, informam
de um tempo em que se adoecia
menos e de cuidados mais fáceis e
afetuosos.

Associações
Comunitárias
O Camburi está organizado em
duas associações: “Associação dos
Remanescentes do Quilombo do
Camburi” (ARQC); e “Associação de
Moradores e Amigos do Camburi”
(AMAC Camburi). Ambas as
associações estão ativas, possuem
sedes e reúnem-se com frequência
para debater as questões das
comunidades

42 43
Ameaça causada Acesso a Serviços Bandeiras de
pela abertura Públicos e Renda Luta do FCT nas
da BR 101 comunidades
• Posto de saúde com funcionamento
O território do Camburi é regular e presença de equipe da ESF A agroecologia – ou agricultura
cortado pela BR 101. Como tradicional – é praticada no Camburi.
apontado nos mapas da • Na comunidade há uma escola Os agricultores contribuem com
cartografia social, os usos de educação infantil e ensino os debates e partilhas promovidos
tradicionais da mata; o acesso fundamental I. As crianças e jovens pelo FCT. A pesca artesanal também
às nascentes; e os caminhos do Camburi frequentam a escola do está representada no Camburi,
que levam a outros quilombos Puruba, no fundamental II e devem estabelecendo a relação mata e mar
e a outras comunidades ir para o Centro para continuar os tão comum na região. Além disso, o
caiçaras com quais as famílias estudos no ensino médio. TBC é incentivado com formação de
do Camburi têm relação guias jovens locais, visitas guiadas
histórica, evidenciam o efeito • Transporte público municipal – o ao quilombo e contação de histórias
maléfico da estrada ao servir ônibus chega até o Posto de Saúde, com griôs, entre outras atrações
como limitador geográfico. já próximo à praia. Na entrada da do roteiro. O Camburi recebe,
Há, também, a limitação ao comunidade, onde começa a precária ainda, o apoio da coordenação
acesso à Toca da Josefa, local estrada de acesso que leva ao de Justiça Socioambiental do
de importância histórica, quilombo e à praia, há, também, o OTSS na negociação de conflitos
tanto para o Camburi, quanto ponto final de duas linhas, sendo com unidades de conservação e/
para outras comunidades, uma de Ubatuba e outra de Paraty – ou especuladores imobiliários/
como a Trindade. A estrada é onde as duas linhas se conectam, fundiários.
é também responsável pela integrando os dois municípios.
ampliação da especulação
imobiliária e do turismo de • Sistemas familiares de saneamento
massas, além da implantação implantados pelo PESM, com recurso
de UC’s de proteção integral, do Fundo de Recursos Hídricos
que, ao praticar ‘racismo (FEHIDRO) no Quilombo.
ambiental’, criminaliza práticas
e usos tradicionais sobre os • Coleta de lixo regular, porém a
territórios. comunidade informa que, durante a
temporada de verão, a coleta não da
conta do volume gerado.

44 45
Em 2004, foi Especulação
elaborado o Plano
UCs sobrepostas de Uso Tradicional do
imobiliária
e criminalização Camburi (PUT), que A área reconhecida do Quilombo
estabeleceu sub-zonas
de práticas
garante a posse coletiva da terra
(ainda não titulada), que está
nas quais atividades como
tradicionais moradia, agricultura e
organizada em núcleos familiares.
Porém, há relatos históricos da
O território tradicional do Camburi extrativismo podem ser especulação fundiária na região e
está, em sua totalidade, sobreposto realizadas a partir de os limites traçados para o quilombo
pelo Parque Estadual da Serra alguns condicionantes. são contestados pela comunidade.
do Mar (UC de Uso Restritivo) e, Na área da praia, é visível a ação
O Plano de Manejo do de especulação tanto imobiliária,
parcialmente, sobreposto pelo
Parque Nacional da Serra da PESM (2006) prevê quanto fundiária; a presença
Bocaina (UC de Proteção Integral). o desenvolvimento de estacionamento e “camping”
As unidades de conservação afetam sustentável através privados e de propriedade de “gente
diretamente o modo de vida neste de fora” torna evidente a perda
da regulamentação do substantiva de área territorial para
território. Ainda que o Plano de
Manejo do PESM, de 2006, reconheça
extrativismo como uma as práticas tradicionais. Há, no
a área do quilombo como Zona das atividades prioritárias quilombo e na área da praia, casas
Histórico Cultural Antropológica para a geração de renda de veranistas e “forasteiros”.
(ZHCA) - o que permite acordos de local e regional, uma vez
manejo tradicional – a relação das
que a utilização destes Pré-Sal e
comunidades do Norte de Ubatuba
com a UC é conflituosa desde a recursos está na base outros grandes
anexação do Núcleo Picinguaba, da construção cultural e empreendimentos
em 1984. Comunitários afirmam social das comunidades
ser necessária a atualização e Os pescadores do Camburi sentem
locais”.
revisão dos estudos e denuncia, os impactos das atividades da cadeia
ainda, que o Plano de Manejo tem Julia S Vilela, Amanda R Faro, Eliane produtiva de petróleo e gás não de
mais de 10 anos e não passou por Simões. Elaboração participativa maneira objetiva e direta, mas por
revisão, como preveem as regras do do Acordo de Manejo de produtos expressões reveladas de medo de um
florestais de origem vegetal utilizados
Sistema Nacional de Unidades de possível derramamento do petróleo
para o artesanato em Camburi,
Conservação (SNUC). Ubatuba-SP. Universidade Federal de carregado em navios que, mesmo
São Carlos e Núcleo Picinguaba do passando fora do campo de visão,
PESM.”
têm suas rotas de “entrada e saída”
na Baía da Ilha Grande bem próximas
ao maritório do Camburi. Há relatos
de diminuição do estoque pesqueiro
nos últimos anos. Camarões e
tainhas estão sumindo, segundo os
pescadores do Camburi.

46 47
48 49
Cabeçuda e
Areia
A história da chamada ‘fazenda Cabeçuda’
remonta ao século XVII, quando três
amigos portugueses constituíram
fazendas na região, expulsando os
indígenas que ali viviam e trazendo
pessoas escravizadas para servi-los. “Da
Fazenda até o Camburi, fizeram fazenda
de cana e café”. Segundo os relatos da
localidade, além da Cabeçuda, foram
formadas as fazendas da Picinguaba
(depois chamada fazenda da Caixa) e a do
Camburi (hoje, Quilombo do Camburi).

50 51
Nas décadas seguintes, os vinte, vinte e dois, vinte e cinco
descendentes dos primeiros anos, eram três amigos que
ocupantes da Cabeçuda se vieram de Portugal. Então eles
mantiveram nas terras, mesmo chegaram aqui e descobriram as
após a abolição da escravatura e a terras... era uma terra, assim,
decadência econômica na região. que só havia índio... porque os
Do tronco original, a família Freitas índios foram os primeiros a serem
chega à sua 6ª geração. Ainda no
brasileiros. O pessoal africano
veio depois que os portugueses
“tempo dos portugueses”, existia,
construíram as fazendas.
ali, uma carvoaria, que abastecia
[...]
navios ancorados na região de
Então, voltando atrás, falando dos
Trindade. A relação com os navios nossos troncos: esses portugueses
portugueses envolvia ainda o vieram em três, então, o que
transporte de tropas, que serviam às eles fizeram? Pegaram desde a
fazendas e pequenas vilas. Fazenda, que hoje é a Fazenda da
Caixa, porque a Fazenda da Caixa
A construção da BR 101, na década foi hipotecada pelo Sinclair [Saint
de 1970, a implantação do PESM nos Clair Bustamante]. Esse Sinclair
anos seguintes e um escorregamento passou três terços da terra, não
de terra na década de 1990 são foi a fazenda inteira, pra poder
marcos decisivos a impactar o modo fazer o casamento da filha dele,
de vida da Cabeçuda. Atualmente, que ele não tinha dinheiro porque
a comunidade é dividida em três já tinha acabado a escravidão
núcleos, sendo o mais significativo o
[...]
Maria Alves Paiva Neta, que é
conjunto de casas que se espalha por
neta, ela não é nem a filha do
um vale, com acesso pela BR 101, e
dono, que veio já depois que ele
de onde partem trilhas que levam a
já tinha as fazendas prontas.
pesqueiros como a Ponta da Cruz e a Então esses três vieram, um que
Ponta da Cabeçuda, e à praia Brava é o dono daqui, o que era o dono
do Camburi. Os outros dois núcleos da Fazenda da Caixa, que vem
estão mais próximos à estrada da pra Maria de Paiva e o dono do
Picinguaba e, de um deles, parte a Camburi. Então eles combinaram:
trilha que chega à praia da Fazenda. e fizeram da Fazenda da Caixa pra
cá até o Camburi era tudo cana,
café, sabe?
História da [...]
Cabeçuda: Eu não sei se eles eram irmãos
ou se eram muito amigos. Eles
fizeram as fazendas deles, foram
Quem chegou aqui foram
plantando. Mas esses donos da
os nossos troncos, que
terra morreram e veio a geração
eles vieram em mil setecentos
deles que são os filhos, o Evaristo
e pouco. Quando eles chegaram
de Freitas, o José Antonio de
aqui, eles tinham mais ou menos

52 53
Freitas, que é o nosso tronco, que pequenininha. a minha ordem... aí começaram vieram os netos já vieram os netos
veio lá de Portugal junto com os [...] de lá, pá, pá, um com outro e a dos netos já houve outro corte
dois, que um ficou na Fazenda Aí o do Camburi queria fazer foice saía faísca, e a Maria de porque também aí já queriam, né?
da Caixa, outro ficou com a terra a partição das terras, só que Paiva atrás com o cavalo dela, ah, vamos separar, cada um o seu
daqui e outro ficou com a terra do ele queria que Cabeçuda fosse bem quieta na dela... com a e tal, vamos fazer... aí já tiraram
Camburi, eles dividiram. Por que Camburi também; e o de lá queria bandeirinha... aí vieram e pá uma parte pro filho do Evaristo,
que eles dividiram? Vou contar a que fosse Picinguaba. Então e tal... quando chegaram bem pra filha do Evaristo, então eles
história agora: no tempo de José Maria Alves de Paiva Neto, que aqui onde é o trevo, tinha uma foram repartindo as terras. A
Antonio de Freitas, eles eram era nobre lá de Portugal, sei lá... pedra com uma ponta... aí o do última partição que teve foi na
muito unidos, então deixaram tudo ela já tinha vindo pra cá... e a Camburi falou assim: é aqui, aqui geração do meu pai, que já tinha
junto, mas depois que vieram os palavra dela era uma ordem, era é a divisa... daqui vai ficar como o Incra, e acabou. Mas a Cabeçuda
filhos e eles se desentenderam... como se fosse uma ordem de juiz, Camburi... o da Cabeçuda falou era muito grande.
[...] o que ela falasse tava falado. Ela assim: aqui eu não aceito, toca Dona Neuzita de Oliveira,
Aí que entra a história da Maria de tinha uma bandeirinha branca e pra frente... porque o outro do cerca de 80 anos
Paiva um cavalo branco, então tudo que Camburi já tava se cansando...
(...) precisava, tinha que correr com só que o da Cabeçuda falou
o Antonio de Freitas, ele teve ela porque era tudo Picinguaba. assim: não, eu não aceito, toca
um único filho, na certidão de Então ela falou assim: vamos pra frente... aí a Maria de Paiva
nascimento dele, ele diz: eu só fazer o seguinte, já que vocês não falou nada, que tocasse que
tive um filho, Evaristo de Freitas, tão na demanda de vocês dois, tinha que ser da ordem dela, né?
que vem pra nossa geração, que vamos fazer um duelo? escuta só aí toca pra frente que aqui eu
faz a nossa geração toda... a história da Cabeçuda é essa, não aceito, aí tocou lá foi, toc,
[...] vamos fazer um duelo? aquele toc até quando chegou no alto
Então, eu vou contar a história que ganhar, ganhou e aquele que do Camburi, passando a barrada
deles. Eles começaram a se perder, perdeu... e eles eram Praia Brava, chegou no alto, onde
desentender porque morreram os muito valentes, os dois... aí o tem um taquaruçú... Maria de
velhos e passaram pros filhos, dos outro falou assim: pra mim tá tudo Paiva suspendeu a bandeira e
filhos vieram passando pros netos, bem, eu pego o duelo, e o outro: disse assim: é aqui... aqui vai ficar
bisnetos, tataranetos e chegando ah, eu também, então vamos nesse Cabeçuda e aqui vai ficar Camburi.
até nós... duelo... aí marcaram o duelo entre Quando ela levantou a bandeira
[...] os dois, o da Cabeçuda com o do eles tiveram que parar o duelo.
O filho do Antonio com os filhos do Camburi... aí Maria de Paiva pegou Então daqui pra cá fica Cabeçuda
outro começaram a desentender. e falou assim: vai ser foice com e daqui pra lá fica Camburi...
Porque quando os velhos vieram, foice... Cabeçuda se chama Cabeçuda por
os três troncos, eles botaram [...] quê? porque do dono daqui era
Picinguaba até chegar na divisa Aí marcou o duelo praquele muito cabeçudo, quando ele falava
de Laranjeiras. Então era tudo dia, quando chegou o dia, eles que queria aquilo, era aquilo
Picinguaba... Camburi era amolaram bem a foice, bem mesmo, sabe?
Picinguaba, Fazenda da Caixa era amoladinha que eles batiam e [...]
Picinguaba, engenho de cana... saía faísca. Aí falou assim: ó, Então a palavra Cabeçuda quer
aquela praia grande que cê vê vai começar... lá daquele canto, dizer: homem valente, homem que
lá, que é a Praia da Fazenda, era lá onde fica um coqueiro... o luta...
a Praia Grande da Picinguaba, rio, vai ficar rio pra lá, né? Rio [...]
e a Praia da Picinguaba se Picinguaba... e pra cá, vocês vão aí ficou, né? como Cabeçuda... aí
chamava Prainha, porque ela era pegar o duelo até onde eu der vieram os outros herdeiros, já

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Lugares da Comunidade
Tipo Descrição

Morro Morro da Despedida

Rio do Camarão
Rio Rio do Café Burro
Rio da Pedra Branca
Toca Toca do Urubu
Campo Campinho de Futebol
Casa de Farinha Antigas Casa de Farinha (duas)
Estrada Antigo acesso ao Camburi
Rancho Antigo rancho de canoa (área)
Ruína de casa em terreno tradicional 1
Ruínas
Ruína de casa em terreno tradicional 2
Trilha Picadão da Praia Brava
Áreas de Roça Indicação de roça atual e roças antigas

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Pesca, agricultura Roças, plantio de “...Hoje tá chovendo, o mar
tá revoltado, o mar se agita
Casca de Ipê Roxo é um
santo remédio, igual o
e extrativismo subsistência e muito, não dava... aí ele ia: ‘bota Jatoba”
Dona Chica,
água no fogo aí, Conceição, que
manejo florestal eu já volto’. Aí ele saía, quando mais de 70 anos
A história da Cabeçuda e da Areia voltava, voltava com o jacú na
é recheada de casos de pesca, • Feijão Guandu mão... mas era sobrevivência,
da caça de subsistência, das • Feijão Rajadinho entendeu? Não matava por
roças tradicionais e do manejo querer... era pra ter uma mistura
• Milho pra comer, sobrevivência, né?
florestal. Porém, com as restrições
• Abacaxi Não era pra dizer assim: ah,
ambientais, parte dessas práticas se
perdeu ou foi reduzida. • Cará tô matando pra me divertir,
• Batata entendeu? pra ver morrer, tombar,
não. É igual o fogo: ele colocava
• Inhame fogo na roça, mas ele tinha todo o
...não planta mais • Mandioca trabalhinho dele, entendeu? Hoje
porque agora, se nós • Café eu fico olhando o meio ambiente
formos plantar, nós vamos • Goiaba falando assim: ah, porque não sei
o que... não, eles plantavam, sim,
parar onde? Nós vamos • Cacau mas por causa da necessidade
parar presos. • Fruta pão deles, sobrevivência... porque se
Dona Chica, • Cambucá não plantasse, se não pescasse,
mais de 70 anos • Abacate se não tinha uma caça, morria de
fome”.
• Limão Dona Conceição,
• Cereja mais de 70 anos
• Banana
• Fruta do Conde Práticas de
• Jaca
• Manga
cuidado / Saúde
• Jambo Relatos apontam antiga parteira da
• Jabuticaba Almada, “que fazia parto do Camburi
• Juçara até Bertioga”. O trecho de entrevista
• Pupunha abaixo revela um fato curioso sobre a
• Plantio de “árvore de lei” - existência de um parteiro na região.

madeira de construção
• Plantio de árvores Não, lá no Camburí...
no Camburí tinha uma
pioneiras
[parteira]; aqui tinha um homem...
• Manejo: Ingá, Timbuíba e o avô dessa menina aí... [Vanessa],
Figueira – servem pra canoa que chamava... ele era parteiro
• Cipós e madeira para [risos]
Dona Chica,
artesanato mais de 70 anos

58 59
Habitação e Acesso a Serviços UCs sobrepostas
organização Públicos e Renda e criminalização
territorial Por estarem impossibilitados
de práticas
Na Cabeçuda, as casas são simples
de seguirem com as práticas tradicionais
tradicionais, os comunitários buscam
e bem acabadas. A comunidade está
renda trabalhando com o turismo em PESM – ameaça constante de despejo
organizada em três núcleos, assim
Associações
outras comunidades ou no Centro de e demolição de casas; proibição de
nomeados: Antônio Freitas (1 casa),
Ubatuba. reformas das casas existentes e
Damásio (12 casas) e Oliveiras (23
casas). Este último, mais adensado, Comunitárias Há ligação com a rede de energia
novas construções; criminalização
das práticas tradicionais de roça,
é acessado a partir da BR 101. Ele se
e a coleta de lixo é feita em pontos pesca e manejo florestal.
concentra no fundo de um vale onde As comunidades da Cabeçuda e da de entrega (lixeiras) na beira da
está o começo de uma trilha que leva Areia não possuem associações BR. Não há qualquer equipamento
a pesqueiros tradicionais. comunitárias, mas participam público, tais como escola e posto de
A Areia é representada por uma de atividades das associações do saúde.
pequena vila, às margens da BR 101, Camburi e da Picinguaba. A partir
numa localidade também conhecida do Projeto POVOS, passaram a
como KM 9,com seus quintais
tradicionais, onde pode se encontrar
participar de atividades promovidas
pelo FCT e outros projetos do OTSS.
Ameaça causada
pomares e hortas. pela abertura BR
Ambas as localidades estão
ameaçadas pelo zoneamento do 101
PESM, que indica o território como
Zona de Ocupação Temporária Bandeiras de Houve, na década de 1990, um
(ZOT). Por isso, existe o medo em Luta do FCT nas escorregamento de encosta que
soterrou casas, quintais e roças,
construir e reformar casas, sob
pena de multas e desapropriações. comunidades assoreou rios e fez desaparecer
Como as comunidades quilombolas cachoeiras. O escorregamento é
e caiçaras da região da Bocaina têm o motivo alegado pelo PESM para
A partir do mapeamento, o apoio à
sua organização comunitária por definir a área como ZOT .A estrada
promoção da Justiça Socioambiental
núcleos familiares, a proibição de cria uma cisão entre os locais de
do FCT está em contato com as
novas construções provoca o êxodo moradia e as matas tradicionalmente
comunidades para negociações e
e a consequente perda de identidade manejadas.
mediações de conflito junto ao PESM
cultural.

60 61
62 63
Picinguaba
e Vila
Palmira
Picinguaba é uma localidade caiçara situada
no quilômetro 7 da BR 101, bem próximo
à divisa estadual entre São Paulo e Rio de
Janeiro. A Vila Palmira pertence à Picinguaba,
está localizada no caminho que dá acesso à
praia, entre o mar e os vales do sertão de
Picinguaba. Conforme contam os moradores,
essa localidade foi habitada desde o início da
ocupação nessa região.

64 65
Há também em Picinguaba membros Também na vila próxima à praia área que vai desde o canto da
da família Ferreti e Marcolino, duas estão casas de veraneio, que Bica, passando pela Vila Palmira
entre as várias famílias de colonos apontam a ameaça das especulações e Areia, e subindo pelo Sertão do
italianos que aportaram na região na imobiliária e fundiária e do turismo Cubatã até o Morro da Forquilha. As
A genealogia de uma das famílias virada do século XIX, e que deixaram de massa. A vila cresce, subindo por terras que ainda se encontravam
mais antigas da comunidade apontou muitos descendentes em diversas trilhas e caminhos de servidão: são 8 sob domínio de descendentes da
a existência de pelo menos sete comunidades do norte de Ubatuba. ruas principais, nomeadas por letras família portuguesa foram usadas
gerações em Picinguaba, ou seja, A população aproximada da Vila de A a H, e embora sejam chamadas como garantia de um empréstimo
os atuais moradores descendem de de Picinguaba é de 100 famílias, de ruas, são caminhos estreitos que acabou não sendo quitado. A
pessoas que viveram há pelo menos segundo cadastro do Posto de Saúde para circulação de pedestres, com fazenda, então, foi hipotecada e
150 anos atrás (por volta dos anos local. Na Vila Palmira, considerando exceção de algumas ruas mais ficou sob domínio do Estado de São
1870). a população que ocupa toda a largas onde os carros conseguem Paulo sob administração da Caixa
extensão da estrada de acesso à Vila, subir até certa altura. Econômica, dando origem ao nome
A família em questão é de Benedito são aproximadamente 30 famílias. “Fazenda da Caixa” (Fonte: ITESP).
Correa da Silva (e seus parentes), Seguindo pela estradinha de acesso A área onde hoje se encontram os Importante destacar que o Sertão
conhecido como “seu Pu”, que à vila da Picinguaba, percorre-se moradores da Vila Palmira inclui de Cubatã era área agrícola de João
completou 88 anos em 2020 e já é parte do território da Vila Palmira, também uma localidade chamada Iria, já mencionado na genealogia
trisavô. Ele conta que seu avô João de onde saem trilhas que vão até o Areia. Areia está localizada numa de Seu Pu, e de quem descende boa
Iria, um senhor negro descendente rio Picinguaba e o mangue. baixada, com áreas de charco e parte dos moradores atuais da Vila
de pais escravizados, cultivava áreas taboal próximas ao mangue que de Picinguaba.
no sertão do Cubatã (localidade que Historicamente, segundo relato acompanha o leito do Rio Picinguaba.
faz parte do sertão de Picinguaba). coletado em oficina do projeto Historicamente, a comunidade
João Iria morava na vila de POVOS, o território caiçara da Essa área fazia parte da Fazenda caiçara de Picinguaba e Vila Palmira
Picinguaba, e era pai de Capitulino Picinguaba abrange desde a Vila Picinguaba original, que abrangia se consolidou vivendo do trabalho
e Vangelina, que deixaram muitos Palmira até a “prainha”, como era toda a extensão da praia da Fazenda associado aos recursos disponíveis
descendentes e são importantes conhecida a praia onde está situada e subia pelo sertão até a divisa que no território: pesca, agricultura,
referências da memória histórica a Vila de Picinguaba. Ao longo dos separa os estados de SP e RJ, na caça e extrativismo. Até o início
de Picinguaba que permanece viva anos, com o aumento da importância cumeeira dos morros da Forquilha, da década de 1980, a paisagem
entre os mais velhos. da pesca como fonte de renda, o Cuscuzeiro e Bico do Papagaio. de Picinguaba era marcada por
núcleo populacional se adensou extensas áreas de roça e sapezal
Outro ponto revelado pela próximo à praia, onde se formou uma O título original da fazenda que cobriam toda a parte alta dos
genealogia familiar é que a vila que sobe pelas encostas dos Picinguaba provém da doação de morros.
comunidade de Picinguaba se morros que cercam a pequena baía terras feita pela administração
constitui a partir de intercasamentos de Picinguaba, entre a Ponta das colonial à uma família portuguesa. A proibição da atividade agrícola e
com pessoas vindas de localidades Andorinhas e a ponta direita da Praia Porém, desde o século XIX, há o aumento da renda proveniente do
próximas, como Almada, Trindade, do Lanço. Na Vila de Picinguaba registros de famílias caiçaras e turismo alteraram completamente
Laranjeiras, Fazenda, Patrimônio estão situados a escola, o posto quilombolas vivendo na Fazenda a paisagem: as roças e sapezais
e Camburi. Dessa forma, as de saúde e os principais pontos de Picinguaba. desapareceram dando lugar à
comunidades caiçaras e quilombolas comércio que servem aos moradores vegetação florestal e muitas casas
da região foram se misturando e e aos turistas. Ao longo do século XX, a fazenda de veraneio.
criando uma densa rede de relações foi sendo desmembrada, e um
de parentesco. grileiro conhecido como Waldir
de Affonseca cercou uma extensa

66 67
No entanto, essa divisão foi implantar um roteiro de Turismo importantes também porque
equivocada porque não reconheceu de Base Comunitária que integra carregam significado e história,
a tradicionalidade da ocupação atrativos na vila de Picinguaba e nas demonstrando a apropriação prática
na Vila Palmira. Em 2019, depois Ilhas. e simbólica que os caiçaras da
de sofrer com penalidades por Picinguaba fazem do seu território.
crime ambiental e lutar por seus Uma rede de parceiros articulada
direitos de ocupação, as famílias pelo FCT colaborou em alguns
da Vila Palmira conquistaram o momentos desse processo, incluindo
Se a gente for reconhecimento como ZEIS - Zona apoio técnico do OTSS, da Travessia
Picinguaba em tupi-
puxar as coisas Especial de Interesse Social pela e aporte financeiro do Linha D’água.
guarani significa
prefeitura de Ubatuba, devido a Este processo contemplou, ainda, a
que a gente sabe, é presença histórica de caiçaras na Reduto de Peixes.
operação dos serviços de travessia
dois dias pra escrever. área. turística para a Ilha das Couves Criada em meados do
Porque tem muita coisa por outras comunidades da região,
século XVIII, local que
embaixo do tapete. Não de O maritório de ambas as notadamente: Almada, Estaleiro e
fascina entre o mar e a
comunidades é sobreposto pela APA Ubatumirim.
coisa mal, mas de coisa montanha, com gaivotas
Marinha do Litoral Norte (APALN/
familiar. Quantas pessoas FFSP). A comunidade caiçara de Picinguaba e coloridas canoas. Praia
já moraram aqui e não e Vila Palmira identificou, durante
tranquila de areias claras,
morreram? Sem alternativa, os caiçaras o processo de caracterização, uma
águas verdes e calmas,
Seu Pu, 87 anos, Picinguaba, 2019 passaram a se dedicar cada vez mais série de “topônimos” ou “lugares
à atividade de turismo. Nos anos nomeados” do seu território. Esses abriga uma comunidade
90, alguns caiçaras de Picinguaba espaços trazem memórias de tradicional de Pescadores
começaram a fazer a travessia acontecimentos, são indicadores e é tombada pelo
A Picinguaba e a Vila Palmira turística para a Ilha das Couves, de uso e ocupação, e servem
foram sobrepostas pelo Parque ainda nos próprios barcos de pesca. de referência para descrever
Patrimônio Histórico”
Estadual da Serra do Mar (PESM) Ao longo dos anos 2000, a atividade espacialmente o território. São Patrícia da Silva Santos, 44
sob administração da Secretaria anos, 2019
foi crescendo até que, na temporada
Estadual de Meio Ambiente. A 2016-2017, acompanhando a chegada
unidade de conservação de proteção do turismo de massa na porção norte
integral foi criada em 1977 sem do município de Ubatuba, a Ilha das
nenhum processo de consulta às Couves passou a receber milhares
comunidades tradicionais da região. de visitantes por meio de operadores
Em 1983, o CONDEPHAAT tombou de diversas localidades.
a vila de Picinguaba e as ilhas da
região como patrimônio histórico. Com intuito de conter o turismo
Em 2006, a Vila de Picinguaba foi predatório, a comunidade de
incluída no plano de manejo do PESM Picinguaba se organizou a partir
como Zona Histórica, Cultural e de sua associação de moradores,
Antropológica (ZHCAn); enquanto a e junto com as associações de
Vila Palmira foi colocada na Zona de barqueiros protagonizou um
Ocupação Temporária (ZOT). processo de ordenamento do
turismo em seu território, buscando

68 69
Lugares da Comunidade

Tipo Descrição

Cachoeira do Lelé
da praia do Canto
do Praiado
Trilha do Morro do Baú
do Saco da Baleia
antigo caminho de servidão
Porto antigo do Tutu
Rio Picinguaba
do Canto
Lanço
Praia
Meio
Porto do Engenho
do seu Oswaldo
Roça antiga
do Vito
Casa de Farinha
do Pipoca
antiga
Sítio antropológico Antigo cemitério indígena e sambaquis
Saco do Xixi (antiga área de roça), Trinta Reis, Ponta
do Leste, Saco do Assovio, Saco do Xixi de Dentro, Saco
Pesqueiros do Xixi de Fora, Saco da Carapuça, Ponta do Tamborete
(pesca de sororoca), Toca da Velha, Furado, Buraco do
Thiago, Vieira das Pipocas, Figueira, Bananeira, Parcel
do Miguel, Laje Morfina, Lage do Assovio
Ilha Rapada
Ilhote das Couves
Ilhas e Ilhotes Ilhote da Carapuça
Ilhote da Comprida
Ilha da Peça

70 71
A minha tia-avó, a tia minha avó… convivi com a
Assim como outras localidades Ninha, que era irmã da minha avó e ela faleceu e
do Sertão da Picinguaba, a Vila
Palmira, morreu com 98. nós ficamos na terra”
Palmira encontra-se, segundo o
Plano de Manejo do PESM, em Zona
Minha tia Palmira que
Jurlene Saturnino Mariano, 57 anos,
de Ocupação Temporária. Os relatos era a dona da terra aqui Picinguaba
coletados entre os moradores onde moramos, que era a
apontam os usos históricos sobre o terra tradicional que nós
Vila Palmira território há gerações.
estamos aqui há muitos
Pelo zoneamento imposto pelo Plano
de Manejo do PESM, os caiçaras
da Vila Palmira estão proibidos de
anos. Nasci e me criei
meus pais já são manter os usos tradicionais sobre
Me criei aqui na aqui, que sou neto dela. o território, como construção de
falecidos, né? são Vila Palmira. Nasci Só que, nós que estamos ranchos, plantio de roças, e nem
nascidos aqui... em 1971, no dia 18 de aqui esses anos todos, permite a construção ou reforma
morreram, a minha mãe fevereiro; a minha avó nós não podemos fazer de casas, sendo constantemente
com setenta e dois anos, é nascida na Cidade de nada. E por quê? Porque
ameaçados por ações demolitórias e
de reintegração de posse ao Estado.
meu pai com oitenta e Paraty e veio para Vila a lei ambiental não deixa
quatro... todos nativos do Palmira, que os pais dela a gente construir nada
lugar [...] onde é a Vila já eram daqui. Aí, se criou para os nossos filhos;
Palmira hoje, os meus aqui na terra e conheceu eles multam, querem
avós moravam, moraram meu avô Cezenande Bento apreender os materiais…
em vários lugares ali... e formaram uma família, então a gente tá passando
né? desde o lugar mesmo que é o pai, José Bento por essa dificuldade. Mas
que o meu pai nasceu foi Lopes, que tá com 78 anos a minha avó vivia de fazer
ali onde a minha irmã de idade hoje e o meu a roça, de fazer a farinha,
mora... ali perto da subida tio, Benedito Bento, que plantação de mandioca,
da vila, né? no morro ali... faleceu com 76 anos, onde banana, nessa terra
aí depois moraram ali ele vivia também da terra, onde ela criava muitas
onde teve o acidente com a de modo tradicional. galinhas, criava porcos,
barreira ali no portinho... A terra que era da minha pato… E hoje nós não
e aí meus avós faleceram avó ficou com o meu pai podemos fazer esse tipo
ali e meu pai quando e o meu tio. O meu avô de coisa porque o parque
casou, desde cinquenta e Cezenande morreu com não deixa... Nós temos
dois, foi morar ali onde eu 98 anos, a minha avó a terra e não podemos
moro, na Vila Palmira...” Palmira, da Vila Palmira, sobreviver da terra. A
morreu com 105 anos. vila Palmira é antiga,
Jurlene Saturnino Mariano, 57 anos,
Picinguaba de muitos anos, desde a

72 73
Pesca, agricultura Tem o artesanato Associações Moradores de Picinguaba (AMBP).
A AMBP é bastante atuante,
e extrativismo com remo, faz Comunitárias ocupa cadeiras reservadas às
canoinha, canoa grande. comunidades tradicionais em
Seu Filhinho faz, o filho A comunidade de Picinguaba conselhos municipais e já compôs
A cartografia realizada pela dele tá aprendendo. Tinha possui desde a década de 80 Conselho Gestor da APAMLN; cobra
comunidade mostra um forte uso do frequentemente o poder público
roça, mas o parque não uma associação de moradores.
maritório. Pedras, pontas, sacos, Ela foi fundada com o nome de quanto ao fornecimento adequado
costões, ilhas, lajes e parcéis são deixou, parou. A roça que dos serviços na comunidade e
Sociedade de Amigos do Bairro
nomeados. A pesca, neste território, tem é do Seu Filhinho” de Picinguaba (SABP) e depois coordena o processo de ordenamento
emprega diversas técnicas e passou a se chamar Associação de turístico em Picinguaba e na Ilha das
Daniel Evaristo Gonçalves,
petrechos como cercos flutuantes, Pescador Couves.
pesca de linha, emalhe, pesca de
lula e subaquática. Na costeira Em 2017 foi criada a Associação
esquerda da baía de Picinguaba de Barqueiros e Pescadores
existem 2 cercos flutuantes, um do de Picinguaba (ABPP) e no ano
Seu Caxaba e outro do Seu Rubici. O seguinte foi criada a Associação
cerco flutuante é uma modalidade de Barqueiros e Pescadores
coletiva de trabalho realizada, ainda Tradicionais de Picinguaba.
hoje, em canoas.
Desde 2018, as três associações se
Até os anos 1980, a Picinguaba ainda uniram para fortalecer o processo
possuía áreas agrícolas ativas, de organização do Turismo de Base
com plantação de mandioca, cana, Comunitária em Picinguaba.
milho e banana. Atualmente existem
alguns quintais de frutíferas,
hortaliças, temperos e plantas
medicinais. No sertão de Cubatã,
ainda há áreas agrícola históricas
que permanecem sendo cultivadas
por descendentes de João Iria,
porém, o agricultor relatou que foi
multado pelo órgão ambiental em
sua área ancestral de plantio.

A mata também provê recursos


utilizados pelos caiçaras na
confecção de peças para diversos
usos, além de artesanatos para
venda.

74 75
Bandeiras de Luta com alguns equipamentos de
infraestrutura e, em 2019, incluiu
Ameaça Turismo
do FCT o festejo em seu calendário oficial causada pela predatório e
A comunidade da Picinguaba
de eventos. A comunidade também abertura BR especulação
participa e fortalece as atividades
recebe edições das Corridas de
Canoa Caiçara, realizadas pela
101 imobiliária
do FCT, se fazendo presente no Associação de Amigos e Remadores
Grupo de Trabalho da Pesca (GT de Canoa Caiçara (AARCA). Na Vila
Então, a minha
Pesca) desde o início do Projeto de Palmira, é realizada uma festa família, aqui Por que falamos
Fortalecimento da Pesca Artesanal. nesse lugar,
comunitária, de forma cooperativa, em uso? Porque
Atuando no ordenamento do turismo onde todos colaboram.
da Ilha das Couves, no GT Pesca e
o pessoal vivia de o TAUS é um documento
buscando a regularização fundiária lavoura. O pessoal ligado ao uso. Esse uso
via TAUS, a Picinguaba promove, Acesso a Serviços vivia de roça... não é só para o turismo. É
por meio de suas associações, a Públicos e Renda bananal... tinha o território vivo caiçara. O
defesa de seu território tradicional
e a Justiça Socioambiental, em
fartura... não é? Hoje título coletivo é pra todos”
• Escola de Educação Infantil e
consonância aos princípios da as pessoas não podem Patrícia Silva, caiçara da Picinguaba
Ensino Fundamental EMEF Professor
economia solidária. Durante o Iberê Ananias Pimentel. Atende plantar, não podem
processo de caracterização o FCT se as comunidades de Picinguaba, pescar... e tirou as
aproximou da escola da Picinguaba e Fazenda, Cabeçuda e Vila Palmira. pessoas que vivam O mapa da Picinguaba evidencia a
da Secretaria Municipal de Educação A segunda etapa do ensino especulação imobiliária ao apontar
e contribuiu para a formação do da roça, começaram
fundamental (6º ao 9º anos) é áreas ocupadas por grileiros e
Coletivo de Educação Diferenciada oferecida apenas na escola EM José
a morrer... foi casas de veranistas. Como um
em Ubatuba. Belarmino Sobrinho, no Puruba; noventa e... dois... dos resultados cumulativos de
• Posto de Saúde e equipe da ESF; no carnaval de mil processos junto ao FCT – como o
Festas e • Acesso a redes de energia; novecentos e noventa próprio Projeto Povos, e outras
celebrações • Necessidade de estudo sobre o
esgotamento sanitário: melhorias do
e dois ou noventa
ações nos GTs Pesca e TBC e
apoio da coordenação de Justiça
A Picinguaba realiza, todos os anos, sistema e implantação de sistemas e seis, noventa e Socioambiental do OTSS – destaca-
no mês de junho ou julho, um festejo onde não há, incluindo sistemas de seis, foi quando se a organização comunitária
para celebrar a cultura caiçara. saneamento ecológico na Ilha das deu aquela barreira para a reivindicação de Termos de
Couves; Autorização de Uso Sustentável
O tamanho e duração pode variar
• Coleta de resíduos sólidos é
[desmoronou] e matou (TAUS) de áreas da União na orla da
de 1 a 3 dias de festa. Os festejos
têm música ao vivo e contam com insuficiente, especialmente durante a minha família toda” Picinguaba e nas ilhas que compõem
a participação de grupos culturais a temporada de turismo; seu maritório, o que corresponde à
Seu Amarildo dos Santos,
da região, incluindo os grupos de • Linha de ônibus municipal em aprox. 60 anos regularização fundiária em áreas da
fandango caiçara. Barracas de horários insuficientes; União. Na segunda metade dos anos
comidas e bebidas são montadas • Estrada de acesso em precárias 2010, a Ilha das Couves sofreu com o
pela comunidade. Procura-se condições de conservação; ‘boom’ do turismo de massas.
oferecer pratos típicos da região, • Renda obtida principalmente com
com muito peixe. A prefeitura o turismo, pesca e prestação de
eventualmente apoia a comunidade serviços gerais e artesanato.

76 77
UCs sobrepostas
e criminalização
de práticas
tradicionais
Além do já colocado sobre a
questão da Vila Palmira em relação
ao zoneamento do PESM, outra
potencial ameaça ao modo de vida
caiçara na região é a presença
da APA Marinha do Litoral Norte
(APAMLN/FFSP), que impõe
restrições à pesca e ao turismo. A
comunidade participa do processo
de discussão do Plano de Manejo da
APA e propõe soluções para usos do
maritório da Picinguaba.

78 79
Pré-Sal e
outros grandes
empreendimentos
Os grandes empreendimentos que impactam o modo de
vida caiçara foram pauta de debates tanto do processo
de caracterização, quanto das reuniões e oficinas dos
projetos dos GTs Pesca Artesanal e TBC, que envolveram
a comunidade da Picinguaba. Sobre a cadeia produtiva
de petróleo e gás, surgiram apontamentos não apenas
sobre os pontos de extração licenciados pelo Ibama,
mas também sobre operações da cadeia logística e de
transporte associada, como o chamado ship-to-ship, que
é a transferência de petróleo de um navio a outro em
alto-mar. São evidentes – pelos relatos, atas e demais
documentos frutos da atuação organizada da comunidade
e movimentos sociais – impactos sobre a pesca, os
direitos territoriais, a saúde (incluindo a saúde mental,
visto os relatos de medo de possíveis vazamentos) e a
reprodução sociocultural dos modos de vida tradicionais
na Picinguaba.

80 81
82 83
84 85
Quilombo
da Fazenda
O território de uso pelos quilombolas da
Fazenda abarca toda a praia da Fazenda e as
áreas de mangue, restinga, jundu, caxetal e
taboal ainda do lado do litoral da estrada. Do
outro lado da BR, entende-se até o Pico do
Cuscuzeiro na divisa com o bairro do Corisco,
em Paraty. Engloba da localidade do Cubatã ao
Canto da Paciência, incluindo a Ponta Baixa, a
Praia da Conchas, o Costão da Toca do Mero e o
Seu Zé Pedro, líder
Saco das Taquaras. griô do Quilombo
1938 - 2021

86 87
sobreviveram da agricultura e timbopeva e da taquara; balaios, dura, demolindo as casas, impondo
História do da pesca, cultivaram a prática de canoinhas, barquinhos, pequenos limites nos costumes tradicionais

Quilombo roça de coivara (podas e queima),


plantavam feijão, milho, mandioca,
remos e aves eram feitos do tronco
de caxeta. Fabricavam também
e suas culturas com a roça, pesca
e construção de casas. Em 2005,
No passado, desde fins do século abacaxi, café, cana, banana, etc. Nas canoas grandes, cujas tiradas através de um laudo antropológico,
XVI até 1843, havia uma grande áreas alagadas, plantavam arroz; eram iniciadas na floresta e depois as famílias da Fazenda, junto com
fazenda de produção de café e nos quintais, árvores frutíferas; tudo puxadas para a comunidade, onde as uma antropóloga, criaram uma
cana, onde foi construído um antigo era produzido para subsistência. finalizavam e, depois, levavam para árvore genealógica em que constou
engenho de cana de açúcar, com O café secado e moído na hora era praia descendo o rio da Fazenda, que a descendência como remanescentes
maquinários fabricados na Inglaterra feito e tomado com caldo de cana. na época era navegável. dos negros escravizados. Em 2006,
e trazidos por navios que atracaram Suas casas eram feitas de barro com a comunidade foi reconhecida pela
na praia da Fazenda; da praia, o trançado de bambu amarrados com Ali não havia hospital. Recorriam Fundação Palmares como Território
maquinário foi transportado por cipó imbé. Cozinhavam, no fogão a a curandeiras, benzedeiras e Quilombola. Nesse mesmo ano, o
barcos pequenos que subiam o rio lenha, as caças e pescados, que eram parteiras, que usavam o saber das Parque foi obrigado a implantar um
Fazenda. A estrutura do engenho passados na salmoura e secados ao ervas medicinais plantadas nos plano de manejo que promovesse
foi construída por mãos negras que sol. Não havia energia elétrica. A quintais. Também tinham templos o fortalecimento da cultura dos
vieram escravizadas da África e a iluminação era à vela e lamparina de religiosos, igrejas católica e povos tradicionais, porém ele não
propriedade pertencia a Manoel querosene, compradas nas raras idas evangélica e terreiros de umbanda. funciona. Em 2007, os quilombolas,
Alves de Paiva, que após seu ao Centro da cidade. Eles produziam juntamente com outras comunidades
falecimento, deixou sua herança para tudo na comunidade. O excedente, Na década de 70, foi construída a da região, ocuparam a sede do
sua esposa Ana Maria de Paiva. vendiam na cidade. Eram 12 horas de Rodovia Rio Santos, que causou Parque para conseguir autorização
caminhada por trilha até o Centro de grande impacto ambiental e tudo para implantação de energia elétrica.
Em 1889, antes de falecer, pediu Ubatuba e 8 horas para o centro de mudou. Surgiram os conflitos com a A ocupação foi concluída com
para seu único parente ficar com Paraty. especulação fundiária e imobiliária, sucesso. Ainda assim, seguem outros
sua fazenda e deixar os negros o turismo de massa, a grilagem de conflitos.
escravizados livres. Ao passar dos Muitas comunidades tradicionais terras e as unidades de conservação Texto: Cristiano Braga – quilombola da
anos, chegou um grileiro italiano tinham que passar pela antiga de proteção integral. Em 30 de Fazenda, membro da equipe OTSS
chamado Sant Clair, que apresentou fazenda. E muitos comunitários, agosto de 1977, o Parque Estadual
uma carta falsa dizendo que a cansados da viagem, ficavam da Serra do Mar se sobrepôs à
fazenda era dele. Conseguindo hospedados na casa grande, casa do comunidade, com o argumento de
a posse, levou 45 famílias de falecido seu Leopoldo Braga. Nessa que a sua criação traria proteção e
imigrantes de italianos para época, entre os caiçaras, indígenas emprego para os povos tradicionais.
trabalhar para ele. Sant Clair fez um e quilombolas não se vendia nada: A comunidade cedeu seu território
empréstimo, mas não podendo cobrir tudo era trocado. Trocavam o peixe assinando uma carta de acordo.
a dívida, a Caixa (CEF) hipotecou a pela farinha ou outro alimento do Acreditaram que a gestão do Parque
fazenda, que passou a ser conhecida interesse da pessoa; quem não tinha iria garantir a proteção de seu
como Fazenda da Caixa. Alguns nada para trocar oferecia a mão de território e cultura, como alega
tradicionais trabalhavam nessa obra. Também formavam entre eles o Sistema Nacional de Unidades
fazenda. A Caixa permitiu a alocação e elas grandes mutirões e juntos de Conservação (SNUC), mas essa
de 12 famílias nas décadas de 50 a trabalhavam na roça e trocavam história foi bem diferente.
60. sementes criolas. Eram produzidos
artefatos como: cestaria e balaios Em 1980, segundo relatos, o PESM
Esses pequenos núcleos familiares feitos da fibra da tabo, do cipó iniciou seu projeto de uma maneira

88 89
Ocupação e usos parecer sobre o laudo apresentado
pelo Instituto de Terras do mesmo
para que a Secretaria do Meio
Ambiente do Estado de SP “libere o
do território estado. parecer que está tramitando há mais
de 10 anos”. A geografia, generosa
O território de uso pelos quilombolas O plano de manejo do PESM inscreve em cursos d’água, como os rios da
da Fazenda abarca toda a praia da parte do território do Quilombo Fazenda, Picinguaba e Paciência,
Fazenda e as áreas de mangue, da Fazenda como Zona Histórica, faz do Quilombo local ideal para Eu vivo na Fazenda
restinga, jundu, caxetal e taboal Cultural e Antropológica (ZHCA), agricultura familiar e tradicional. há 71 anos. Que é
excluindo do zoneamento todo o lado A comunidade se reconhece como
ainda do lado do litoral da estrada. a minha idade, né? Desde
Do outro lado da BR, entende-se da praia, a Ponta Baixa e o Cubatã, agricultora-pescadora e realiza
desconsiderando que a comunidade o manejo florestal como parte que nasci. Minha mãe
até o Pico do Cuscuzeiro na divisa
com o bairro do Corisco, em Paraty. quilombola sempre usou essas áreas essencial à reprodução de seu modo nasceu aqui também e
Engloba da localidade do Cubatã como territórios de pesca, coleta de vida. O uso histórico para a pesca morreu com 104 anos.
de materiais para artesanato e se deu por diversas técnicas, tanto
ao Canto da Paciência, incluindo a (...) Meu pai nasceu no
Ponta Baixa, a Praia da Conchas, o confecção de artefatos e petrechos. nas águas doces - com o devido
cuidado e respeito aos berçários de
Campinho”.
Costão da Toca do Mero e o Saco das
Taquaras. O laudo antropológico realizado reprodução dos peixes, quanto no Seu Roberto Braga, Quilombola
pelo Itesp amplia os limites maritório da Fazenda. da Fazenda, 71 anos
Embora reconhecida como do quilombo, reconhecendo as
práticas e usos tradicionais sobre o
comunidade quilombola – certificada
pela Fundação Palmares pela ambiente costeiro. Porém, mesmo Lugares da Comunidade
portaria 02/2006 – a Fazenda não este laudo pode ser contraposto ao
tem seu território titulado, visto mapa construído neste processo de Tipo Descrição
que o processo segue em análise caracterização, já que, por exemplo,
pela Secretaria de Meio Ambiente do o chamado Canto da Paciência (lado do Cuscuzeiro ou do Corisco

Estado de SP, que demora em emitir direito da praia de quem olha para o do Poço da Rasa
mar) está fora dos limites propostos do Jatobá
pelo Itesp. Trilha do Sapateiro
Picadão da Barra
O Quilombo da Saco das Taquaras
Entre 2018 e 2019, um grupo de
Fazenda pra mim é pesquisa da Universidade Federal
Picadão da Celeste

um símbolo de resistência Fluminense (UFF) realizou um


do Cubatã
Poço da Rasa
e de luta; é o nosso trabalho de Cartonomia Social no Toca da Onça
território, onde firmarmos Quilombo da Fazenda. Os mapas
Cachoeira
Cachoeira da Ritinha
construídos neste processo usaram
nossas raízes para gozar Cachoeira Canoa
a base cartográfica do estudo Rancho do Braga (coletivo)
da liberdade, conservando antropológico do Itesp. Segundo Canto de praia Canto da Paciência
nossos costumes os pesquisadores, “a Cartonomia Canto da Paciência
Localidades Cubatã
tradicionais” da Fazenda veio para suprir a ação
Ponta Baixa
Cristiano Braga, Quilombola, 32 anos judicial” movida pela comunidade
Saco Saco das Taquaras
Picinguaba
Rio Da Fazenda
Da Paciência

90 91
Pesca, agricultura áreas de pesca e locais de mata onde
são realizadas coletas de material
Habitação e
e extrativismo para confecção de artefatos de organização
diversos usos. territorial
É... tem que ter (...) Então, rapaz, O Quilombo da Fazenda está
emprego, porque hoje em dia tá organizado em núcleos familiares,
roça só assim pra fazer meio complicado te falar com conjuntos de casas próximas,
alguma coisa, mas pouco, qual é a fonte de renda... cercadas por pequenas roças de Infelizmente a
né? não pode também porque antes era pesca,
subsistência e áreas de uso comum pesca quilombola
das famílias. Há, ainda, espaços de
esquecer da roça, tem de mas também tá tudo no mar foi criminalizada
usos comunitários, como campo de
ter... tem de ter a roça assim envolvido com meio futebol, prédio da antiga escola, Casa pelo Estado de São
que é o principal... só que ambiente...” de Farinha Comunitária e as trilhas e Paulo (seja através do
pra viver da roça mesmo, rotas do TBC. Zoneamento Ecológico
Seu Roberto Braga, 71 anos
hoje em dia tá meio Econômico, seja pelo
complicado, não tá assim Parque) de tal forma que
tão fácil...” os mesmos estão deixando
Seu Roberto Braga, 71 anos de praticá-la correndo
o risco de perder essa
As famílias que deram origem cultura tradicional desses
ao Quilombo da Fazenda são
povos, com forte impacto
agricultoras, pescadoras e manejam
as florestas. As histórias contadas
na saúde alimentar das
pelos griôs falam de casamentos atuais e futuras gerações.
entre agricultores e agricultoras Nesse momento, eles
familiares locais (trabalhadoras e precisam da liberação das
trabalhadores da antiga Fazenda
Picinguaba), de Cunha e Paraty.
artes de pesca artesanal
sustentável, aprimorando
As roças familiares continuam, as legislações ambientais
apesar de que muitas pessoas da pesca dos diversos
tenham ido buscar trabalho e
entes federativos que
sustento “na cidade”. Também segue
a prática da pesca de subsistência. impactam no seu modo de
vida.”
Os mapas mostram casas de farinha
espalhadas pelos núcleos familiares, Relatório Técnico-Científico da
junto aos quintais tradicionais Cartografia Social Do Território Do
Quilombo Da Fazenda Picinguaba –
quilombolas. Também apontam as Ubatuba – SP

92 93
• Festa do Azul Marinho
(prato típico da região).
Bandeiras de Luta
• Festa de São Pedro. do FCT
• Folia de Reis.
• Festa do Divino. O Quilombo da Fazenda oferece
roteiro de TBC como integrante da
Associações Rede Nhanderekó e com o apoio do

Comunitárias FCT. Sediou, em janeiro de 2020, uma


partilha que reuniu comunitários
A comunidade quilombola da para um debate sobre planos de Roda de conversa com
Fazenda se articula por meio negócios e governança do TBC. Os griôs
de sua Associação Comunitária jovens participam das atividades do nas quais moradores quilombolas
dos Remanescentes do Quilombo Núcleo Jovem do FCT e atuam como contam como era a vida antes,
da Fazenda (ACRQF) e participa guias locais. durante e depois da implantação do

Práticas de
ativamente das ações do Fórum de parque e da rodovia Rio-Santos
Comunidades Tradicionais (FCT). O roteiro de TBC do Quilombo da
cuidado e Saúde A Associação é responsável pela Fazenda está associado a outra
organização e protagonismo dos das bandeiras do FCT, que é a
• O Jatobá, símbolo do Quilombo da quilombolas na operação do TBC, Agroecologia, ao apresentar os Vivência com artesão
Fazenda, é rico em propriedades em diálogo constante com o PESM. seguintes atrativos: Com oficina de artesanato tradicional
medicinais, sendo utilizado de Todo ano, a comunidade luta para quilombola;
diversas formas. O mais usual ter o direito de operar a lanchonete
é a retirada de cascas de seu comunitária e o estacionamento Agrofloresta
tronco para a confecção de tônicos no Centro de Visitantes do Núcleo e quintais tradicionais
fortificantes, estimulantes da Picinguaba do PESM, na praia da (agroecológicos) com café da roça; Oficina de
digestão e expectorante. Fazenda. construção de pau-
• Recurso das ervas medicinais. a-pique
• Ainda há a benzedeiras e Casa de farinha
curandeiros. tradicional (bio-construção) realizada em uma
construção tradicional;
• Já não existem parteiras. com feitura de farinha de mandioca
em seu modo tradicional;
Festas e
Celebrações Casa de Farinha
Comunitária
Oficina de culinária
tradicional
• Festa da Juçara, em julho. com centenária roda d’água capaz de com destaque para a salada de
• Festa da Cultura Negra, em mover diversos maquinários voltados umbigo de bananeira
novembro. à produção, não só da farinha de
• Grupo de Jongo. mandioca, como também à moagem
• Grupo “Ô de casa”, formado por de café e cana, entre outros;
adultos, jovens e crianças, resgata Trilha do Poço da
vários tipos de danças e ritmos como Rasa; Trilha do
jongo, ciranda, maracatu, caranguejo Jatobá; e Trilha do
e arara. Corisco
94 95
Pico do Cuscuzeiro

Trilha que faz parte da história da


comunidade e da região, pois, antes da
rodovia BR-101, era o principal caminho
até Paraty. Pela trilha era escoada a
produção de álcool e açúcar do engenho
da antiga Fazenda Picinguaba. A trilha
também era utilizada para o escambo, ou
seja, trocas entre os moradores da região
de Ubatuba e Paraty. O caminho passa por
mais de 20 cursos d’água, muitos deles
afluentes do rio Fazenda, com floresta
bem preservada.

96 97
Acesso a Serviços sépticas). A rede de energia
abastece os núcleos familiares
Ameaça causada pela
abertura da BR 101
Os passarinhos
Públicos e Renda estão migrando
desde 2007. Tradicionalmente, a
comunidade quilombola garantia sua • A estrada corta o território das áreas griladas para
Serviços públicos segurança e soberania alimentar quilombola ao meio, separando a as áreas onde estamos
ao manejar a floresta, botar roças, praia do sertão. resistindo.”
O núcleo principal do Quilombo produzir farinha e pescar, tanto no
possui o prédio de uma escola Marcelena Assunção, quilombola,
rio quanto no mar: “Pesca que não • Assoreamento do rio da Fazenda, cerca de 45 anos
que está desativada e, hoje, praticamos mais: Picaré, lanço, de que era usado como via de
serve à comunidade como linha na costeira ou no rio, currico transporte e de ligação do sertão Artesanato
espaço comunitário, com sala no rio”, informa o agente de campo com o mar.
para atividades para as crianças Construída em 2012 em mutirões
Guilherme Euler, jovem quilombola
(quilomboteca, confecção de e com apoio do projeto Tecendo
da Fazenda.
instrumentos etc), sala de reuniões, Turismo predatório e Saberes, do Instituto Capiá, a
depósito e cozinha comunitária onde especulação imobiliária Casa de Artesanato Comunitária
são feitos os alimentos servidos
Renda fica junto à Casa de Farinha/Roda
Na localidade do Canto da Paciência, d’água. Na Casa, visitantes podem
aos visitantes nos roteiros de TBC
Atualmente, grande parte dos há diversas casas de veraneio que, conhecer e comprar itens artesanais
e em oficinas, partilhas e reuniões
quilombolas trabalham como apontadas no mapa, indicam conflito confeccionados com materiais
comunitárias. Próximo à escola/
empregados em negócios voltados com a grilagem de terra associada da natureza, como taboa, cipós
centro comunitário, está o posto de
ao turismo, seja em quiosques e ao turismo predatório. A presença de timupeva e imbé, fibra de bananeira,
saúde, com atendimento semanal e
pousadas em outras comunidades forasteiros é tolerada pelo PESM, o caxeta, taquara e madeira. Em 2018,
que serve de base para a equipe da
da região, como a Almada, seja que demonstra, segundo relatos, o foi montada uma casa de artesanato
Estratégia Saúde da Família (ESF).
no Centro de Ubatuba, em hotéis, racismo ambiental pelo tratamento na praia.
restaurantes e no comércio em desigual.
As crianças do quilombo estudam
em duas escolas da região: geral. Há também o emprego
Picinguaba (Fundamental I) e Puruba doméstico, em casas de veraneio.
(Fundamental II). O ensino médio só
é ofertado em escolas do Centro de O Quilombo da Fazenda vem
Ubatuba. trabalhando alternativas para a
geração de trabalho e renda e a
O serviço público de transporte busca por reconquistar a soberania
é ineficiente e o ônibus entra no alimentar por meio dos programas
Quilombo em poucos horários ao de TBC e promoção da Agroecologia.
longo do dia. Fora desses horários, Seguem, também, em constante
os quilombolas devem caminhar os negociação com o PESM para que
cerca de 3km, por rua de terra, até a não sejam criminalizados por suas
BR para pegar o ônibus até o Centro práticas tradicionais.
ou outras comunidades.
Práticas como o Picaré e demais
No quilombo não há rede de esgoto, usos tradicionais dos mangues e rios
mas as casas possuem sistemas estão criminalizadas, assim como
individuais de saneamento (fossas o arrasto de praia e a confecção de
canoas.

98 99
UCs sobrepostas e
criminalização de práticas
tradicionais

Todo o Quilombo da Fazenda está sobreposto pelo


PESM/FFSP e parte dele é sobreposto pelo PNSB/
ICMBio. Os relatos falam da criminalização das
práticas tradicionais e do medo em seguir com as
roças e a pesca.

Desde 2016, uma Ação Civil Pública pleiteia a


titulação definitiva do Território Quilombola.
Ainda, está em negociação a transformação
de parte do território em Reserva de
Desenvolvimento Sustentável (RDS).

100 101
102 103
Almada
Nossa caminhada pelos territórios
tradicionais do Norte de Ubatuba
chega à Almada, comunidade
caiçara de forte tradição pesqueira.
Percorrendo a estradinha que
dá acesso às praias da Almada e
do Engenho, a partir da BR 101,
já se percebe sua organização
comunitária: placas instaladas pela
Associação de Moradores e Amigos
informam aos turistas as regras de
convivência e os convida a conhecer
a cultura dos habitantes locais.

104 105
A comunidade se os equipamentos públicos,
como posto de saúde e depósito
Lugares da Comunidade
da Almada é
comunitário; e o Museu e Centro
importante para mim por Cultural Caiçara da Almada.
conta do aprendizado Tipo Descrição
e da união com essa Ainda ali estão casas de veraneio,
destacando-se uma que serve de
comunidade. Aqui Almada
base à exploração privada de uma
procuramos viver sempre das ilhas do maritório da Almada.
Praias Engenho
Brava
em harmonia. E sempre Com forte vocação turística, caiçaras
Lança Cavala
na luta pelo protagonismo e forasteiros dividem as áreas de
Área de interesse cultural de uso múltiplo: festa do
do território discutimos quiosques, casas para locação por camarão, local de ranchos, corrida de canoa, en-
Área Comunitária contros religiosos, aniversários e estacionamento
temporada e pousadas. Mas não
também boas práticas só de turismo vive a Almada. Ali
destinado ao TBC, espaço cultural e museu caiçara
e culturas (...) zelamos na praia também estão os ranchos
Pedra da costeira Separa as praias do Engenho e da Almada
Mariculturas Familiar e Comunitária
por essa comunidade com equipamentos e petrechos, que
Lajes e parceis Ver mapa
tradicional, nos demonstram a resistência da pesca
Ponta do Sul
artesanal.
fortalecemos em relação Outros Pesqueiros Buraco das Andorinhas
à agricultura e à pesca Saquinho
mantendo a geração de Vejo a comunidade Ilha da Pesca
renda (...) zelamos pelo como uma família, Ilhas – pesqueiros, TBC e
Ilha dos Porco Pequena
locais de roças históricas, com Ilha Redonda
mar que também é nosso bem organizada, e que moradia e/ou rancho caiçara
Ilha dos Negros
território (ou maritório), mesmo com seus defeitos Ilha das Couves
nosso território de pesca mantém, desde os mais
no qual agregamos várias antigos, uma forte união
modalidades da pesca tão diferente do que vejo
artesanal, algumas das em outras comunidades.
práticas mais antigas E isso, pra mim, a torna
que existem deixadas por muito especial. E acho que
nossos ancestrais”. conseguimos passar isso
Márcio Roberto dos Santos para quem nos conhece,
(Chico), caiçara da Almada e o objetivo é passar essa
A comunidade está distribuída entre herança para os mais
as praias da Almada e do Engenho, jovens daqui”
que são separadas por pedras; inclui,
Edson Leopoldo dos Santos
ainda, as praias Brava da Almada e
(Edinho), caiçara da Almada
Lança Cavala. Junto às praias da
Almada e do Engenho, encontram-

106 107
Teve um tempo aí,
uns anos atrás, que
o pessoal [pescava] mais
pra consumo mesmo, né?
Agora, com a pesca do
cerco, já virou uma parte
que você consegue ainda
vender o peixe”
Joel, 48 anos

Práticas de
cuidado e Saúde
Dona Dolores conta que teve 12
filhos, todos com o auxílio de uma
parteira chamada Maria Balbina,
nascida no Sertão do Ubatumirim e
que vivia na Picinguaba. Ela também
diz que “agora tem mais doença do
Pesca, agricultura Porque aqui a que antigamente” e explica: “eu

e extrativismo mulherada sempre acho que por causa da alimentação,


né?”. Dona Dolores reconhece que,
trabalhou na roça... né?
atualmente, a alimentação não é tão
A comunidade caiçara da Almada mamãe trabalhou muito na saudável quanto era antes; que hoje
segue com as práticas da pesca roça... os homens faziam a tem umas coisas, “margarina que
artesanal e reivindica antigas áreas
roça e quem cuidava eram fala, né?”, que não tinha antes da
de roça. Seu maritório é reconhecido estrada.
pelos nomes dados aos pesqueiros as mulheres... entendeu?
e, nele, encontram-se cercos e vinha na época de fazer Ela e Dona Cida informam que
maricultura tradicional. a roça, né? faziam a roça quando se pegava um resfriado,
e caíam no mar, porque ou se tinha uma dor de barriga, se
Plantei muito na pescavam, né? iam pra colhia alguma planta e se fazia um
época quando chá, que curava. Elas dizem que
pesca... e as mulheres seguem tomando esses chás e que
cheguei aqui... tinha muita que cuidavam, carpiam,... deram aos filhos e dão aos netos.
mandioca, tinha cana, minha mãe quantas
tinha feijão, tinha milho... farinhas não fez sozinha,
tinha muita criação” nossa deus...”
Seu Mandico, 78 anos Dona Cida, 66 anos

108 109
Entrevistas de tempo, a minha mãe
agentes de campo falava isso: onze anos sem
a Folia vir pra roça... aí
teve outro padre, que veio
E a Folia? Conta um pra paróquia de Ubatuba
pouco pra gente da Folia.
Quando chegava, como tomar conta. Ele foi lá
era? na terra dele, mandou
Festas e fazer uma pombinha do
Celebrações A Folia era o maior Divino, né? de bronze...
divertimento do aí colocaram na bandeira
A Associação da Almada mantém povo antigo, era e ele mandou que a
um centro cultural, chamado Museu
a festa da pobreza do Folia saísse pra roça.
Caiçara, onde expõe artefatos
ligados à sua cultura. É também povo antigo. O mestre da Quando a Folia chegou, o
um espaço de reuniões onde foram Folia que era o Macuco, falecido Macuco cantou:
realizadas oficinas do Projeto cê lembra, né? O Antônio ‘esse um que aqui veio
POVOS e a Reunião Ampliada do FCT,
Macuco escutava essa foi feito agora de novo /
no segundo semestre de 2019.
A comunidade recebe edições de
conversa do pessoal; aí o padre João quem fez
corrida de canoa, realizadas pela ele versava... peraí, deixa para contentar o povo /o
Associação dos Amigos e Remadores eu me lembrar dos versos padre de Ubatuba fez uma
da Canoa Caiçara (AARCA). Para a que ele versava assim... grande nobreza / mandou
corrida, é utilizada área comunitária
junto à praia da Almada. Na mesma
elogiando a Folia e o o Divino pra roça que é
área, realiza-se a Festa do Camarão, público, né? Ele estudava a festa da pobreza’... aí
importante evento que reúne as o verso e cantava, fazia pronto, aí era uma festa
comunidades da região. O espaço o verso na hora. Mas era só. Irmandino Barbosa dos Santos
também é utilizado como lugar para
rancho, para festas de aniversários
uma festa, é a festa da
dos comunitários e estacionamento pobreza, né? Aí, quando E dançava o quê?
que serve ao turismo de base foi uma ocasião, roubaram
comunitária. aquele passarinhozinho Dançava as
Em entrevista à equipe de nossas músicas...
da bandeira, que era de
pesquisadores de campo, o mestre
caiçara da Praia Brava da Almada, metal.... roubaram e a canaverde, canoa... bate
Seu Mandico, falou sobre as festas Folia não tinha. Aí veio um pé... muito divertido...
antigas, os festejos do Divino padre e, também, proibiu, não tinha esse negócio de
Espírito Santo, e das diversões de
não queria que a Folia povo de fora, não vinha
seu tempo. Ele também mostrou
como parte dessa cultura vem se
saísse, nem ele conhecia a ninguém de fora
perdendo por influência externa. Folia. Aí levou um bocado Irmandino Barbosa dos Santos

110 111
Associações A associação é Bandeiras de esse povo. A
Comunitárias a única coisa Luta do FCT nas Almada para mim é
que gera renda pra tudo, a ligação que tenho
A Associação dos Moradores e
comunidade, né?, assim,
comunidades com a natureza, com o
Amigos da Almada tem forte
atuação em defesa dos direitos e no coletivo; todo dinheiro mar, é o melhor que vou
que é arrecadado ali A Almada tem vocação turística e a levar dessa vida, meu
da organização comunitária. Está
comunidade vem participando das
articulada ao FCT e à Coordenação [no estacionamento atividades da Rede Nhanderekó de
umbigo está enterrado
Nacional de Comunidades aqui, minhas raízes estão
comunitário] vai pra TBC. Também são atuantes no GT
Tradicionais Caiçaras (CNCTC) e
participa ativamente das atividades
associação. E é onde a Pesca do FCT. A comunidade conta fincadas nessa terra
dos movimentos sociais. Ela também gente faz essas obras aí... com o apoio da coordenação de Hellen Diana, 32 anos
Justiça Socioambiental do OTSS nas
mantém um Espaço Cultural e Museu e alguns eventos que no negociações que visam a garantia
Caiçara, que serve tanto como caso precisem de verba, dos direitos territoriais, com a
um centro de visitantes, quanto
espaço para reuniões e oficinas.
né?... e onde a gente faz a reprodução dos modos de vida e das

Além de também gerenciar a área Festa do Camarão, então práticas tradicionais.

comunitária, que serve à Festa do hoje a associação, assim,


Camarão e outros eventos, como as em termos financeiros, Hoje não se
corridas de canoa caiçara, realizadas
não seria nada sem o consegue viver
pela AARCA – Associação dos Amigos
e Remadores da Canoa Caiçara. estacionamento. Não teria somente da pesca pois
verba nenhuma, não teria existem muitas leis que
recurso nenhum se não contrariam nosso meio
fosse o estacionamento, de vida, pescador hoje
então ele é nosso braço é bandido, isso é muito
direito, nosso parceiro” triste pois os costumes
vão se perdendo. Plantar
Joel,48 anos
não se pode mais, caçar é
proibido, pescar está cada
vez mais restrito... Estão
querendo nos extinguir
e acham que nós não
sabemos, mas seguimos
firmes e unidos lutando
para sermos respeitados.
Ser caiçara hoje para
alguns é vergonha, mas
eu já amo essa cultura,

112 113
Acesso a Serviços uso comunitário, junto à praia da
Almada, que vive longa disputa
Públicos e Renda judicial provocada por forasteiro
que se diz dono da área pública
Os entrevistados informam que a
renda vem do turismo e da pesca. A
e de uso tradicional caiçara. A
Pré-Sal e
comunidade tem um posto de saúde
comunidade conta com o apoio do
FCT, com intermediação do MPF outros grandes
e acompanhamento da Estratégia
Saúda da Família. Há transporte
e da Defensoria Pública da União empreendimentos
para a obtenção de Termo de
público e transporte escolar, visto
que não há escola. Foi implantado
Autorização de Uso Sustentável ah, influencia,
projeto de saneamento com
(TAUS) sobre território da União, sob eu acho que [o
responsabilidade da Secretaria de
financiamento do Fundo de Recursos pré-sal] tem
Patrimônio da União (SPU).
Hídrico (FEHIDRO) nas casas dos influência, eu acho que
caiçaras. Porém, a comunidade
tem influência muito
reivindica que as casas de veraneio
tenham sistemas de saneamento
Pesca Industrial grande, cara, nisso aí...
adequados, a exemplo do que foi eu não sou especialista
implantado em suas moradias. Pesca industrial na área, mas eu penso
Como fonte de renda e solidariedade
antecipa os que tem muito peixe que
com outras comunidades, os
interlocutores da Almada indicam
cardumes, que migrou pra outra região
a contratação de comunitários da não chegam a entrar na por conta disso. O impacto
região na Festa do Camarão e nos baía como antigamente. é grande, se pegar esses
quiosques de caiçaras no verão. A pesca da tainha está navios gigantes, o impacto
ameaçada” é grande, eu acho que
Turismo Joel,48 anos
teve peixe que migrou
predatório e pra outros locais. Eu
especulação UCs sobrepostas lembro que a sardinha,
imobiliária e criminalização na minha época, aqui
• Presença do turismo de massa de práticas na baía, vinham vários
associado à especulação imobiliária, tradicionais barcos grandes, pra pegar
com muitas casas de veraneio
sardinha, hoje não tem
mapeadas. • O PESM sobrepõe o território
• Caiçaras exploram quiosques, tradicional e indica, pelo
mais... não tem mais
restaurantes e pousadas em zoneamento imposto no plano sardinha aqui... na minha
concorrência com “forasteiros”. de manejo, as áreas onde há visão a sardinha foi um
• A comunidade sofre ameaça construções como Zona Histórica, dos peixes que migrou
de grileiros que movem ação Cultural e Antropológica (ZHCAN).
de reintegração de posse sobre • APA Marinha do Litoral Norte
pra outro lugar por conta
área pública da União. Trata-se (APAMLN/FFSP) sobrepõe o disso”
de um dos principais espaços de maritório tradicional da Almada. Joel,48 anos

114 115
116 117
118 119
Praias do
Ubatumirim,
Estaleiro e
Justa; Vilas
Gaivota,
Rolim, da
Índia e
Barbosa; e
Cambucá
120 121
Vejo a minha Lugares da Comunidade
comunidade
Ubatumirim como Comunidades Tipo Descrição
uma região de
extrema importância Mangue Mangue

para preservação e Trilha


antiga da Praia da Fazenda
para a estrada da Almada
identificação da cultura Caminho de servidão antigo acesso ao Estaleiro
caiçara. Ubatumirim é Laje
Grande
da Mofina
uma comunidade que Estaleiro duas áreas
vem crescendo de forma Roça antiga
duas áreas
desordenada. Mesmo Ponta da Cruz
Pedra de Pintamar
assim, mantém práticas Cemitério Santa Isabel
ancestrais que atravessam Projeto Social antigo Menino e o Mar

gerações resistindo a Rio Inhanqui


Ubatumirim
transformações no modo Rio
Iriri
de vida. A pesca artesanal, Ubatumirim Praia Rancho 2 (ranchos) caiçaras
Rancho coletivo 1 rancho coletivo
a roça, artesanato, o modo Trilha Canto do Ubatumirim
de falar (oralidades), Núcleos familiares núcleos caiçaras das 4 vilas da reg. Ubatumirim

construção de canoas, Porto de Areia Porto de areia na Vila Gaivota


Ruas as ruas das vilas foram nomeadas
fabricação de farinha Vilas 1 atual
Casa de farinha
artesanal, confecção de 1 antiga
1 atual
instrumentos do fandango, Roças
apontamento de áreas de roça antigas
festas religiosas, entre Roça antiga
duas áreas

outras atividades que duas áreas


Casa antiga Antiga casa Aurélia Ferreira
caracterizam essa Antiga Casa do Telégrafo
Telégrafo
comunidade e torna Poste Telégrafo
Ilha Ilha das Pombas
essa região completa e Praia da Justa
Praia Praia do Surutuba
muito importante para a Rancho antigo Antigo rancho Altivo
permanência de futuras Rancho
Rancho de pesca coletivo
Rancho do Isaías
gerações (...) Importante Trilha Trilha Justa-Puruba
preservar o pensamento Justa-Cunha (Trlha do antigo telégrafo)

de pertencimento, para Rio


Cachoeira
Rio Quiririm
do Preto (ou da Antena)
enfrentar a árdua e Cambucá
Trilha Trilha da Cachoeira do Preto
contínua luta desse povo” Marco Portão do PESM

Mário Gato, caiçara, 45 anos

122 123
‘bom’, mas, assim, de usava a mesma trilha utilizada
por seus pais e avôs no passado,
preservação da cultura,
mas com outro objetivo: ir brincar
que foram as populações na praia e participar das ações do
caiçaras; que abrange, projeto social “O Menino e o Mar”.
que são os três povos
Este projeto ocupava uma
juntos... não dá pra falar
área grande, com construções
de caiçara e não falar do modernistas, e ações nos campos
índio, não dá pra falar da cultura, do esporte e do lazer.
de caiçara e não falar do Em frente ao antigo projeto, fica o
negro africano... não dá cemitério, onde estão enterrados
os antepassados de muitos
pra falar do caiçara sem comunitários da região. Hoje, o
falar do europeu... então, Estaleiro, assim como a praia do
constituiu todo um... uma Ubatumirim, está recheado de
história através de uma quiosques que atendem aos turistas,
principalmente na alta temporada de
Este é um agrupamento de A história, assim, mescla de povos, que hoje
comunidades e localidades caiçaras verão. Muitos desses quiosques são
do lugar... é uma é o povo caiçara” operados pelos caiçaras, apesar de
que reúne as praias do Estaleiro,
Ubatumirim e Justa; e as vilas coisa bem complexa, né? Mário Gato, caiçara, 45 anos existirem alguns de “gente de fora”.
Barbosa, Gaivota, Rolim e da Índia, Porque, desde antes da
Estaleiro e Ubaturmirim estão
além da localidade do Cambucá. chegada dos exploradores A trajetória do Projeto POVOS por
Aqui estão todas as características, este agrupamento inicia-se no divididos pelo rio Ubatumirim
aqui já existia um povo e sua foz. Ao longo das duas
expressões e modos de ser e fazer território tradicional do Estaleiro,
da cultura caiçara e, também, as
que já dominava através uma comunidade caiçara de praias, é possível verificar casas
ameaças reais à reprodução de seu do conhecimento, da pescadores artesanais e agricultores de veraneio tomando espaço de
restinga e mangues. Nos “fundos”
modo de vida. Por entre trilhas sabedoria, do modo familiares. Conforme dito por um
e caminhos, no sertão, na mata, interlocutor local, a comunidade das duas comunidades, ainda em
de vida, que eram os área de baixada e do lado do litoral
nos costões, no mar; pelas ilhas, é muito antiga e totalmente
lajes e parcéis – nestes caminhos
Tupinambá, né? e isso integrada a outras da região, como em relação à estrada, existem
tradicionais, rasgados pela rodovia – após a colonização... início o Ubatumirim. A importância do loteamentos que denunciam a
trafegam canoas, cipós, redes, cabos, de colonização, que foi de Estaleiro é sentida em todo o norte especulação imobiliária. Também
de Ubatuba, pois era de lá que saía ali estão as vilas, de formação
cestos, artesanatos, rabecas, danças uma forma muito triste, mais recente, mas onde vivem
e festas, em luta de permanente o chamado “barco do padre” que,
resistência e preservação.
né? com a chegada dos antes da abertura da BR 101, levava caiçaras que sempre estiveram na
europeus que exploraram pessoas e produtos da roça e pesca região, vivendo da pesca, da roça
Mário Gato, caiçara do Ubatumirim, os índios, que trouxeram para o mercado no centro da cidade. e do manejo florestal. As vilas se
ligam, por suas pessoas, à Praia da
articulado aos movimentos sociais os negros africanos Por conta disso, o Estaleiro é fim e
Justa, que só é acessível por trilha.
e culturais, “fazedor” de rabeca começo de trilhas importantes, como
de forma brutal... mas conta um jovem agente de campo do Na Justa, caiçaras compartilham
e canoa, tocador e dançarino de
fandango, define assim a sua trouxe um lado... é, não Quilombo da Fazenda. Ele relembrou ranchos e pesqueiros. Do outro
genealogia: sei nem se é certo falar seus tempos de criança, quando lado da estrada, está a localidade

124 125
do Cambucá, onde a maioria das
famílias tem parentesco com os
Pesca, agricultura um camarada, como no
meu caso, for fechar o
quilombolas da Fazenda. Foi no e extrativismo quiosque... eu vou ter que
Quando a gente
Cambucá que foram coletadas ia mudando
algumas das histórias que unem o ir pescar, porque o cara as áreas de plantio,
A gente tinha
norte de Ubatuba a Cunha e Paraty; com sessenta anos não uma área ficava ali
caiçaras a quilombolas e caipiras. roça, meu pai, eu
vai conseguir emprego na sem ninguém mexer
Histórias que demonstram a riqueza fui criado um pouquinho
cidade. Então você tem por cinco anos. Nesse
da diversidade cultural da Bocaina, dentro de um caixote de
a unir os povos tradicionais da Mata que pescar um peixe pra tempo, cresce umas
madeira no aceiro da roça
Atlântica no sudeste brasileiro. você vender, sei lá, fazer arvorezinhas, né?! E
pra minha mãe e meu pai
Os caiçaras se uma troca pra você poder aí, já não pode cortar
limparem, né? A plantação
resolvem. Brigam sobreviver... então a pesca mais”
que era... cultivava
uma hora; se beijam logo é um negócio chave na Dona Maria Geralda, Cambucá, 78
mandioca pra farinha; anos
depois. Mas com os ricos vida do caiçara”
plantava umas batatas
de fora é diferente, né? doces, coisa assim... E Vanil Antônio Teixeira, Vila Gaivota
e Praia da Justa
Tem um medo, não sabe eu fui criado, cresci ali
como lidar” um pouquinho, ali dentro Apesar do histórico de criminalização
Dudu, Estaleiro
daquele caixote pra eles ambiental das práticas tradicionais,
Minha família, cuidarem da roça, eu no Cambucá, na Justa e nas quatro
meus avós todos, lembro onde a gente tinha
vilas é possível identificar, ainda,
áreas de roça. Os relatos também
são todos daqui da região. a roça, né?” informam do manejo florestal, do
Não conheço ninguém plantio consorciado e usos diversos
Vanil Antônio Teixeira, Vila Gaivota
que não seja daqui. e Praia da Justa da mata. Ainda, os moradores das
Tudo é Ubatumirim, Vilas e do Cambucá, assim como
Justa, Estaleiro... Mas a A roça pra mim, os que estão mais próximos da

família mais antiga que hoje, praticamente praia, seguem pescando e tirando
seu sustento do mar. Os mapas
continua aqui mesmo, não tem importância...
apontam roças atuais e antigas
na Vila Gaivota, é a tem importância pro áreas de roças, assim como antigas
família Santos, da Dona pessoal do sertão. Aqui casas de farinha e ranchos em uso

Ondina Narcisa. Aí tem na praia a gente não tem e desativados. Demonstram, ao


mais... agora, pesca é um mesmo tempo, a ameaça sobre o
a Vila Rolim, por causa modo de vida e a soberania alimentar
do Doutor Rolim, pai fator grande pra gente, desses povos e a resistência de suas
do Wando, do Bruno, porque se tirar pesca, práticas tradicionais. São diversas

da família Rolim. A Vila como é que a gente vai as técnicas de pesca praticadas,

Barbosa tem a referência fazer se o turismo não a depender do pesqueiro e da


espécie almejada, em um maritório
do Juarez. vier? Se a gente, se
compartilhado.

126 127
Habitação e P2: Ervinha, né?
N: É, simpatia... aquele tempo (nós
organização vivíamos) de simpatia, essas coisas,

territorial
né, mãe?
MG: É...
P1: E tinha pouca doença também,
• Vilas caiçaras – sítios familiares. né? Ou não?
N: É, não, não tinha doença...
• Áreas cercadas por P1: Como era a alimentação nessa
“incorporadoras imobiliárias”, época? O que vocês comiam?
chamadas pelos moradores de MG: Ah, quando tinha peixe a gente
loteamento “dos de fora”, denunciam comia, né? [risos] Aí quando não
a especulação imobiliária sobre as tinha, eu saía a caçar.
áreas de baixada, planas e próximas N: Ela caçava e pescava.
à praia e a à rodovia, ameaçando MG: [risos] Aí eu saía a caçar, saía a
áreas de mangues e restingas e o pescar... aí cozinhava.
próprio modo de vida caiçara. P2: Trazia a mistura...
P1: Tudo vinha da natureza.
N: Cozinhava, fazia farinha e era
aquela nossa comida... era pirão e
Práticas de peixe.

cuidado e Saúde MG: É, e eu fazia farinha.

O recorrer às benzedeiras e aos


curandeiros aparece nas falas como
algo do passado, que se perde com o
tempo. Assim como a realização de
parto em casa e do ofício de parteira,
como indica este trecho da conversa
entre Dona Maria Geralda e sua filha,
Neide:

Pesquisador Comunitário 1: E quando


ficava doente?
Neide: E não é que não ficava
doente?!
Maria Geralda: É, quando dava...
P1: Não ficava, né?
N: Ficava doente mas curava dentro
de casa mesmo...
MG: Remedinho caseiro mesmo, ali...
N: Né, mãe?

128 129
Festas e tinha mesmo. Era comum
tocadores de rabeca,
Celebrações viola machete, adufe
As comunidades caiçaras, do norte em todas as praias isso.
do Paraná ao sul do Rio de Janeiro, Então fandango era o
celebram sua cultura com música, resultado desse trabalho.
danças e festas. Fazedores de seus
próprios instrumentos, habilidosos
Também tinha o fandango
das artes manuais, são também nas festas religiosas;
exímios “festeiros”. O trecho abaixo nessas festas de São João,
traz a história do fandango caiçara, Santo Antônio, São Pedro
sua associação com a religiosidade
e seu lado profano. Fala também
era muito comum. Nas
de seu fortalecimento, recente, em festas, pela devoção, é
Ubatuba. muito forte e era muito
comum ter capelinhas
Fandango caiçara é nessas praias, sertões..
uma manifestação Era muito comum também
musical que está os bailes começarem e
associada ao modo de vida amanhecer o dia; com
das populações caiçaras, seus bate-pés, as suas
que era o pagamento miudezas, né? A chiba,
do trabalho coletivo. As a marrafa, a tontinha, a
pessoas que se reuniam ciranda, o caranguejo e
para puxar canoa, por outras danças. A história
exemplo, pagavam com o do fandango ela é muito
fandango; que construíam antiga. Desde período de
uma casa de pau a pique, colonização, do tempo da
então o pagamento era o formação da população Corrida de Canoa
fandango. Então ele era caiçara. Através de uma
um resultado do trabalho luta de resistência, Caiçara
coletivo mesmo. Era uma trouxemos à tona de novo Valorização das artes e ofícios
celebração, né? Tem o fandango; e estamos caiçaras: crianças, jovens, mulheres
algum trabalho coletivo levando de novo para as e homens participam das corridas
caiçaras e, junto a elas, contam
na roça, por exemplo, comunidades”
casos e histórias, tocam e dançam; e
pagavam festejando, Mário Gato comem do que vem do mar, da terra
porque dinheiro não e da mata, compartilhando saberes.

130 131
Bandeiras de Acesso a Serviços Ameaça causada
Luta do FCT nas Públicos e Renda pela abertura da
comunidades BR 101
Todas as comunidades são atendidas
por serviço de transporte municipal;
As comunidades do Estaleiro e e, como não há escolas, há o
da praia do Ubatumirim possuem transporte escolar para as crianças
Olha, meu
associações comunitárias frágeis, estudarem nas escolas do Sertão do camarada, da BR
que demandam um trabalho de Ubatumirim (infantil e fundamental I) 101, vou falar pra você,
fortalecimento, com regularização e do Puruba (fundamental II). houve uma mudança
de documentos e reestruturação Relatos dos comunitários,
de sua composição e diretoria.
muito radical, no sentido
especialmente do Cambucá, falam de
A praia da Justa e as Vilas não jovens em busca por trabalho como tradicional, assim...
estão organizadas em associações prestadores de serviços ao turismo até hoje, né? cada ano
comunitárias, porém participam de no Centro de Ubatuba. Alguns que passa, você vê a
atividades comunitárias da praia do caiçaras trabalham como servidores
transformação cada vez
Ubatumirim. O Cambucá possui uma públicos.
associação atuante. mais. Não só na chegada,
Há, também, a busca por emprego na inauguração da Rio-
Pescadores artesanais deste e renda, especialmente durante a Santos, em 1974, até 1976,
agrupamento de comunidades temporada de verão, em quiosques,
mas nos dias de hoje tá
caiçaras participam do GT Pesca do restaurantes e pousadas em outras
FCT e tiveram atuação relevante no comunidades da região.
mudando muito e de uma
Projeto de Fortalecimento Pesqueiro, Nas praias, os caiçaras têm suas forma muito rápida. E
realizado em parceria com o instituto pousadas, casas para locação que se a gente fizer uma
Linha d’água. de temporada, quiosques e intervenção no sentido
restaurantes, que concorrem com
Caiçaras que são donos de outros geridos por não-caiçaras.
cultural, assim, do modo
quiosques e meios de hospedagem, de vida, a gente vai perder
e que operam passeios de barcos, A pesca é, ainda, fonte de sustento cada vez mais”
participam de atividades da rede para algumas famílias, tanto
Nhanderekó de TBC, com destaque moradoras das vilas, quanto das
para as partilhas realizadas como duas praias.
parte do Projeto POVOS. Mário Gato, Ubatumirim

Mais recentemente, houve a


aproximação dessas comunidades As obras da BR 101 provocaram
nas discussões em torno da assoreamentos e mudança de
educação, visando formar o Coletivo curso dos rios, especialmente na
de Educação Diferenciada de comunidade do Estaleiro.
Ubatuba.

132 133
Ameaça à pesca chegada de técnicas de
pesca que às vezes afasta
artesanal a pesca tradicional. Enfim,
relacionada à então são fatores muito
BR101 complexos de lidar. É
difícil lidar com isso...
Eu acho que é um por isso que tem que
bom exemplo, ser... por isso na prosa
principalmente a pesca – de que a gente, assim, a
falando da transformação pesca artesanal, ela corre
da chegada da Rio-Santos risco de desaparecer. É
– hoje, a pesca vem lancha, né, que facilitou a
diminuindo cada vez mais. mobilidade, o transporte
Então, isso não é bom; do caiçara, então isso
isso é super negativo. também trouxe. Mas foi
Você vê principalmente muito prejudicial, assim,
nos dias de hoje, né? à pesca artesanal. Como
Um dos fatores foi a tô falando, são vários
diminuição de pescado; fatores... a indústria
e o que traz a diminuição pesqueira, luzes na beira
de pescado? um monte da praia, construção, o
de coisa: primeiro, a esgoto, enfim... então,
falta de prática, assim, isso traz a diminuição
da participação do jovem do pescado, que afasta o
se interessar por pesca, jovem de praticar a pesca
mas não porque eles não artesanal.”
querem, é por falta de Mário Gato, 44 anos

estímulo, mas dentro


desse estímulo, é a falta
de pescado... é a pressão
de leis que proíbem,
que inibem a prática da
pescaria artesanal; é
a pesca industrial; é a

134 135
Turismo • Áreas cercadas por
“incorporadoras imobiliárias”,
predatório e chamadas pelos moradores de

especulação
loteamento “dos de fora”, denunciam
a especulação imobiliária sobre as
imobiliária áreas de baixada, planas e próximas
à praia e a à rodovia, ameaçando
áreas de mangues e restingas e o
próprio modo de vida caiçara.
...inclusive, hoje,
eu sou meio... falo • As comunidades caiçaras do
mesmo. Eu falei pra você, Estaleiro e do Ubatumirim, inclundo
né?... você falando muito, as vilas que estão do lado do litoral
você tem muito mais em relação à BR, apresentam,
talvez, os casos mais evidentes da
chance de errar do que especulação fundiária e imobiliária,
você ficar calado e ouvir... dentre todas as comunidades do MT.
então eu falo mesmo, falo
e tenho ciência disso... o
UCs sobrepostas
lugar que meu pai e minha
mãe plantaram, fizeram e criminalização
a roça, e não só meu pai de práticas
e minha mãe, meus tios... tradicionais
hoje, tem família que bate
no peito que é dono... O Cambucá limita-se à área de
e tem filhos da mesma preservação permanente do PESM,
onde há um portão que segrega
idade nossa e eu pago
áreas de antigo uso comunitário na
quem vai mostrar que eles chamada “Base Cambucá”, do parque
criaram filho igual eu fui estadual. Ali havia uma fazenda.
criado no aceiro daquela Ainda há ruínas de moradias, muros
de escravos, antigo forno de farinha.
roça... então a pessoa não
Na fazenda, havia plantação de
fala com a consciência, diversas espécies de grãos e cereais,
entendeu? ah, não, que lá tubérculos e outros; além de uma
é meu, que lá era nosso...” serraria. Também se explorava a
seringa para retirada de borracha.
Vanil, Vila Barbosa e Justa

136 137
138 139
140 141
142 143
Sertão do
Ubatumirim
A última parada da nossa caminhada
pelos territórios tradicionais do Norte
de Ubatuaba é o Sertão do Ubatumirim,
onde vivem mais de 150 famílias caiçaras,
que reproduzem técnicas e saberes das
roças tradicionais e do manejo florestal,
representando de forma exemplar a
relação do caiçara com a terra e a mata.

144 145
Talvez o lugar que melhor represente
mapeamento pra mim é
a relação de usos que os caiçaras
têm entre a mata e mar, o território por conta da definição das
do Sertão do Ubatumirim é habitado roças, das nossas casas.
por pessoas vocacionadas ao Quando o Parque chegou
extrativismo madeireiro e não
até as comunidades, nós
madeireiro para confecção de
objetos voltados à pesca, artesanato já estávamos aqui, nossos
e confecção de instrumentos pais, avós e até nossas
musicais (fandango). É composto tataravós. Aqui é uma
pela formação de quatro vales que das poucas comunidades
descem abruptamente da Serra do
Mar, formando grandes canais de
tradicionais que ainda
drenagem de água doce férteis à restam. Nossa agricultura
agricultura. é forte e devemos manter
isto, pois é daqui que
No Sertão do Ubatumirim vivem
agricultores familiares que, com
tiramos nosso sustento e
suas roças e quintais tradicionais renda. Por isso o bairro
e manejo agroflorestal, praticam é tão importante para
a agroecologia desde muito antes mim... minha história
do termo ser cunhado. Do que
está toda enraizada aqui.
produzem, estabelecem as trocas
com as demais comunidades da Devemos aprender a
região. As relações familiares e conviver com as mudanças
históricas dessas comunidades entre de nosso bairro, mas não
si é expressa em conversas com
devemos permitir que
representantes da Associação de
Bananicultores do Ubatumirim (ABU),
tirem toda nossa história
que demonstram a cadeia produtiva de vida e tradição”.
e de trocas entre seus associados e
Ana Rosa dos Santos Barbosa,
demais comunidades. presidente da Associação de
Bananicultores do Ubatumirim (ABU)

O Sertão do
Ubatumirim é muito
importante pra mim,
pois aqui foi onde nasci,
criei meus filhos, assim
como meus antepassados.
A importância do

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Lugares da Comunidade
Tipo Descrição

Associação de produtores ABU

Espaço comunitário de Barraca da Associação em Eventos


eventos Espaço de Eventos
Cachoeiras Cachoeira do Tombador
Estrada do Barriquinha
Estrada Felipe Neri
Simeão Peres
Rua Antônio Clementino
Rua Benedito Braga
Vias de acesso aos sítios
Rua do Carmelindo
familiares
Rua dos Coqueiros
Rua Nélio dos Santos
Rua São Jorge
Rua Ulisses Guimarães
Picadão da Barra
Dalva, Nié, Agrício, Romão, Salustiano,
Casas de Farinha Margarida Peres, Alcendino, Saturnino,
Laíde, Jandão, Miguel e Nequinho.
Caxetal Caxetal Barriquinha
Morro Lajeado
Trilha Rota de bike

148 149
Habitação e Práticas de
organização cuidado / Saúde
territorial A comunidade faz uso regular de
plantas medicinais. Há um vasto
Mais de 150 casas de caiçaras foram conhecimento comunitário sobre Algumas festas
mapeadas ao longo do processo de ervas, paus, raízes, entre outros, católicas, como
cartografia social; junto às casas, para uso em saúde. Há, no Sertão
estão roças e áreas de criação de a festa Junina, não
do Ubatumirim, um Ervário Caiçara,
galinhas e porcos. Os sítios estão onde são plantadas diversas acontecem mais. Mas
espalhados pelos quatro vales que espécies de plantas usadas como temos as festas de
formam o território do Sertão do fitoterápicos. O Ervário ainda colheitas, como as festas
Ubatumirim, estendendo-se do trevo desenvolve pesquisa, produz tinturas
de acesso na BR 101, ao interior
da mandioca e da juçara”
e chás e promove cursos, oficinas
da bacia hidrográfica do Sertão do Ana Carolina, 40 anos
e rodas de conversa sobre os usos
Ubatumirim. tradicionais das plantas no cuidado
da saúde.
Há um centrinho do bairro, onde
estão escola, posto de saúde, Antiga parteira da comunidade
mercadinho e restaurante. realizou mais de 5 mil partos em
Há também um espaço de uso toda a região. Recentemente, a mãe
comunitário, onde são realizadas de um dos comunitários atuantes no
as festas e confraternizações processo de caracterização venceu a
relacionadas aos tempos das roças. burocracia para conseguir registrar
Em meio aos sítios tradicionais, bebê nascido em casa.
encontram-se outros, de veranistas,
mais voltados ao lazer das pessoas Festas e
“de fora”.
Celebrações
O relato do Fandango, apresentado
no capítulo sobre as comunidades
do agrupamento “praias”, ilustra
também a cultura do Sertão do
Ubatumirim

Fala-se que antigamente a Folia do


Divino passava por ali.

Atualmente, realizam a festa da


mandioca, em área de uso público,
próxima à ABU.

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Associações Desde a chegada do PESM e do PNSB,
em meados da década de 1980, a Poucos lugares conseguem
Comunitárias comunidade caiçara do Sertão do reunir os atributos existentes
Ubatumirim vive em embates com as nesta comunidade: produção
UCs, que agem de forma a impedir o orgânica tradicional e bem
A Associação dos Bananicultores e
desenvolvimento de suas atividades estar socioambiental. Uma série
Produtores Rurais da Comunidade
culturais de convívio com a terra e de iniciativas voltadas para o
Tradicional Caiçara do Sertão do
o manejo tradicional dos recursos desenvolvimento da produção e
Ubatumirim (ABU) é uma associação
naturais. comercialização de seus produtos
criada em 1985, em um contexto de
foi implantada neste período, porém
defesa dos territórios tradicionais
Atualmente, há uma maior hoje a comunidade tem consciência
desta comunidade caiçara frente
compreensão sobre a importância de que precisa aperfeiçoar seus
às dificuldades de manutenção
destas práticas tradicionais, em processos de trabalho para o
de seus tradicionais bananais e
especial a produção agroecológica, enfrentamento das necessidades do
roças itinerantes. Estas práticas
para a conservação da mata mercado, ampliando sua capacidade
tradicionais de cultivo e manejo
atlântica. Este importante papel das de gestão, profissionalização e
presentes em seu território, embora
comunidades tradicionais para a estrutura.
sustentáveis, são muitas vezes
conservação do meio em que vivem
antagônicas às formas hegemônicas
direciona suas lutas no sentido de Além da ABU, há ainda duas
de formular e normatizar políticas e
garantir seu direito à produção de associações comunitárias de
instrumentos legais que não atendem
alimentos de qualidade, zelando moradores que encontram-se
às necessidades locais e precisam
pelo seu maior patrimônio, a Mata desativadas.
ser revistas. Este é um objetivo
Atlântica.
que integrantes da comunidade
buscam por meio de sua participação
Após um período de paralisação, por
em fóruns, conselhos, eventos e
diversos motivos, a ABU retornou
comissões, demonstrando que é
as atividades em 2013 em parceria
possível produzir com qualidade,
com o Instituto de Permacultura e
sem utilização de insumos químicos
Ecovilas da Mata Atlântica (IPEMA),
e em consórcio com a natureza.
que já vinha desenvolvendo o
Produzir conservando, este sempre
Projeto Juçara na comunidade,
foi o modo de vida da comunidade,
constituindo o grupo de Juçareiros,
e que precisa ser respeitado e
(que hoje compõem grande parte
incentivado.
dos associados e diretores). Este
projeto estimulou a organização
comunitária e o manejo sustentável
da palmeira Juçara para produção
de polpa alimentar. Alimento rico
em propriedades nutricionais e
que ajuda ainda na proteção desta
espécie de palmeira natural da Mata
Atlântica e em risco de extinção.

152 153
Bandeiras de no campo da sociobiodiversidade, a Acesso a Serviços Plantado
Luta do FCT nas comunidade do Sertão do Ubatumirim Públicos e Renda • Juçara
foi severamente impactada por ação
comunidades de gestão irresponsável de uma
• Cambuci
• Escola de educação infantil e
unidade de conservação de proteção
fundamental I (até o 5º ano)
• Agroecologia: o Sertão do integral. Passados anos de uma • Banana
Ubatumirim representa um dos • Posto de Saúde
ação que levou ao fechamento de
melhores casos de reconhecimento marcenaria, ao embargo de roças
• Ônibus até o centrinho – porém • Mandioca
insuficientes
da agricultura tradicional como e à criminalização de agricultores,
• Agricultura familiar, reunida em
• Mamão
agroecológica, demonstrando que respondem até hoje perante a
empiricamente o funcionamento justiça (“assinam a carteirinha”), os
torno da ABU • Limão e outras cítricas
dos agro-eco-sistemas pelos modos • Prestação de serviços
comunitários ainda têm receio de
tradicionais de relação com a
• Abóbora
falar sobre suas práticas.
• Cará
natureza.
• A coordenação de justiça
Pesca, agricultura
• Cará roxo
• Ainda que a prática tradicional socioambiental do FCT apoia a e extrativismo
seja ambientalmente sustentável, comunidade do Sertão do Ubatumirim • Pupunha
como comprovam diversos estudos na negociação dos conflitos.
A agricultura familiar é a base • Taioba
do sustento e da organização do
Sertão do Ubatumirim; bem como • Couve
o extrativismo florestal madeireiro
• Hortaliças
e não-madeireiro. Os pescadores
artesanais de toda a região utilizam • Cana de Açúcar
as canoas e remos feitos pelos
mestres do Sertão.
• Feijão
• Araçá-boi
Além das espécies plantadas e
manejadas listadas abaixo, há, ainda, • Milho
criação de galinhas, porcos e abelhas
• Batata doce
nativas que não têm ferrão.
• Palmito pupunha
• Cambucá
• Agrossistema
(múltiplas espécies)

154 155
Turismo
UCs sobrepostas predatório e
e criminalização especulação
de práticas imobiliária
tradicionais Os mapas apontam a presença de
sítios e casas de veraneio.

PESM/FFSP e PNSB/ICMBio
sobrepostos ao território tradicional,
com forte criminalização de suas Ameaça causada
práticas.
pela abertura da
Comunidade talentosa para a BR 101
marcenaria, carpintaria e artesanato
em madeira; são “manejadores
tradicionais” da floresta, que tiveram Semelhante a todo o MT, com menor
suas práticas criminalizadas impacto. Ainda assim, a estrada
separa o sertão da praia, embora a
história, os costumes e a tradição
sejam as mesmas de um lado e
outro.

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NORTE DE UBATUBA

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