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SINTONIA DAS MARÉS

Após dias no mar


e era sempre assim
o pai chegava marulhado
alijando-se das mil escamas
enredando nossa mãe e nós
por entre suas malhas de
ternura.

Depois, indo ao velho


Motorádio
a mãe espirituosa
sintonizava-se
entre ondas médias e curtas

sempre repousando um copo


d’água limpa
em oblação
ao Todo Poderoso Deus Peixe.

Flávio de Araújo, poeta da


Praia do Sono.

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FICHA TÉCNICA OTSS – EXPEDIENTE FIOCRUZ:

Realização: Coordenação Geral:


Comunidade Caiçara da Trindade Edmundo Gallo (Fiocruz), Vagner do Nascimento (Fórum
Comunidade Caiçara da Praia do Sono de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty
Comunidade Caiçara da Ponta Negra e Ubatuba)
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis,
Paraty e Ubatuba (FCT) Coordenação de Gestão Territorializada:
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Fabiana Miranda
Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis
(OTSS) Colegiado de Coordenação Estratégica:
Edmundo Gallo, Vagner do Nascimento, Fabiana
Coordenação Geral Povos: Miranda, Marcela Cananea, Julio Garcia Karai, Indira
Fabiana Miranda Alves França, Sidélia Silva, Leonardo Freitas, Ana Maria
Correia, Mauro Gomes, Vinícius Carvalho.
Coordenação de Campo | Sul de Paraty:
Cristiano Lafetá Coordenação de Campo | Povos:
Allan Yu Iwama, Anna Maria Andrade,
Pesquisadores de Campo | Sul de Paraty: Cristiano Lafetá
Raquel Albino, Jadson dos Santos
Pesquisadores de Campo (FCT) | Povos:
Textos: Ana Carolina Santana Barbosa, Fabiana Ramos,
ÍNDICE
Cristiano Lafetá, Anna Maria Andrade, Fabiana Miranda, Gabriel Nogueira, Guilherme Euler, Julio Garcia Karai,
Gabriela Murua e Allan Wu Ivanildes Kerexu Pereira, Jardson dos Santos,
Luisa Vilas Boas Cardoso, Priscila Azevedo, Raquel Projeto Povos ..............................................................08
Revisão Técnica: Albino, Santiago Bernardes Entendendo o Pré-Sal .................................................10
Vinícius Carvalho, Helena Tavares,
Anna Maria Andrade Assessoria Jurídica: Como estes mapas são feitos .....................................14
Thatiana Lourival Como usar esses mapas a favor da comunidade .......16
Mapas:
Janaina Cassiano dos Santos, João Oswaldo Cruz, Validadores | Movimentos Nacionais:
Nicholas Saraiva, Tiê Passos Julio Garcia Karai, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)
Territórios caiçaras do Sul de Paraty .........................18
Marcela Cananea, Coordenação Nacional de
Fotos: Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC) Introdução .....................................................................22
Anna Maria Andrade, Eduardo di Napoli, Felipe Scapino,
Cristiano Lafetá, Acervo das comunidades
Ronaldo dos Santos Coordenação Nacional de Trindade ........................................................................36
Articulação das Comunidades Negras Rurais
Quilombolas (CONAQ) Praia do Sono ................................................................72
Projeto Gráfico e Editoração de Imagens:
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos Ponta Negra ..................................................................98
Catalogação na fonte
Diagramação: Fundação Oswaldo Cruz
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde Mapas
Biblioteca de Saúde Pública
Ilustrações e infográficos:
Territórios tradicionais caiçaras
Tiê Passos no microterritório Sul de Paraty ...................................20
Transcrição de Entrevistas:
P964p Projeto Povos: Território, Identidade e Tradição. Territórios Caiçaras
do Sul de Paraty / Observatório de Territórios Sustentáveis e
Trindade .........................................................................68
Heloísa Vianna Saudáveis da Bocaina. Fórum de Comunidades Tradicionais.
Fundação Oswaldo Cruz. ─ Rio de Janeiro : Observatório de
Trindade .........................................................................70
Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, 2023.
123 p. : il. color. ; fotos ; mapas Praia do Sono ................................................................97
Ponta Negra .................................................................120
1. Povos Indígenas. 2. Quilombolas. 3. Caiçaras. 4. Saneamento.
5. Educação. 6. Licenciamento Ambiental. 7. Política Pública.
8. Segurança Alimentar. 9. Pré-Sal. 10. Petróleo. I. Título.

CDD – 22.ed. – 980.41

ISBN 978-65-87063-27-0

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Projeto Povos:
Território, Identidade e Tradição
Onde o Projeto
Conheça a mais abrangente iniciativa de cartografia social já
realizada na Bocaina. Protagonizada pelas próprias comunidades, Povos ocorre?
caracterização envolve territórios indígenas, quilombolas e caiçaras
de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP) O Projeto Povos ocorre nos municípios de Uma observação importante é que esta
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Para sua organização em agrupamentos de territórios
realização, foram definidos 11 agrupamentos – ou microterritórios - não quer dizer
Qual é exatamente o território O Projeto Povos utiliza metodologias de territórios que reúnem laços culturais, que as comunidades caracterizadas não
tradicionalmente ocupado pelos de cartografia social que permitem às ambientais e territoriais comuns. É o caso, tenham fortes e profundos laços com outras
quilombolas? Quais são as condições de comunidades desenhar, com ajuda de por exemplo, do agrupamento de territórios comunidades. Ou seja, essa divisão apenas
saneamento dos indígenas? E quais são os profissionais, mapas dos territórios que tradicionais do Carapitanga, que partilham ajuda a organizar os trabalhos de campo do
desafios dos caiçaras em relação ao acesso ocupam. Este tipo de mapeamento social a mesma Sub-Bacia Hidrográfica em Paraty projeto.
à educação? Estas são apenas algumas geralmente envolve populações tradicionais (RJ).
das informações que serão reveladas pelo e é um instrumento utilizado para fazer
Projeto Povos, iniciativa que vai colocar de valer os direitos desses grupos frente a
vez, no mapa do Brasil, os territórios de grandes empreendimentos, problemas
64 comunidades e localidades tradicionais relacionados à grilagem de terras e ao não
indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra cumprimento de leis que dizem respeito à
dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). delimitação de terras indígenas, à titulação
de territórios quilombolas
Reivindicação histórica do Fórum de
Caracterização e à regularização fundiária Paraty
Comunidades Tradicionais (FCT), a de territórios caiçaras,
realização do Projeto Povos é uma de 64 territórios entre outros.
exigência do licenciamento ambiental tradicionais
federal, conduzido pelo Ibama, para Além de informações
a produção de petróleo e gás pela
ocorre até 2023 técnicas, os mapas sociais
Petrobras na Bacia de Santos. Quem são construídos de forma
executa é o Observatório de Territórios participativa e apresentam o cotidiano de
Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma comunidade em linguagem simples
uma parceria entre o FCT e a Fundação e acessível. Neles, são colocados espaços
Oswaldo Cruz (Fiocruz). de roças, rios, lagos, casas, equipamentos
C caiçaras
sociais como unidades de saúde e escolas
i indígenas
Participam também a Coordenação Nacional e outros elementos que as populações Q quilombolas
de Articulação das Comunidades Negras envolvidas considerem importantes. Aliás,
Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão são as comunidades que decidem o que
Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação querem caracterizar. No Projeto Povos, Ubatuba Paraty Angra dos Reis
Nacional de Comunidades Tradicionais nenhuma informação é tornada pública SP RJ RJ
Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho sem a prévia autorização das comunidades
do projeto com a missão de garantir que envolvidas e das representações nacionais
todos os direitos das comunidades sejam dos povos e comunidades tradicionais
respeitados. (Conaq, CGY e CNCTC).

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10
Como estes mapas 4) Refletindo o
Território

são feitos?
Depois, é hora de apresentar à comunidade
a primeira versão do mapa final e validar
com os participantes cada dado coletado.
Um momento, também, para corrigir
eventuais erros e acrescentar informações
Com a participação de pesquisadores indígenas, caiçaras e quilombolas, o importantes que não tenham aparecido nas
Projeto Povos mapeia só aquilo que as comunidades querem caracterizar. etapas anteriores.
Conheça, passo a passo, como se dá essa construção coletiva.
5) Nosso mapa
Ícones dos mapas do Projeto POVOS

1) Chegança 2) Mapa Falado A última etapa se divide em dois momentos.


O primeiro consiste em revisitar o material
produzido durante toda a caracterização
Realizada com a participação do Fórum Nessa atividade, a comunidade é convidada e validar coletivamente o mapa final. Em
de Comunidades Tradicionais (FCT), a fazer um desenho livre, em um papel em sequência, a comunidade define quais
a “chegança” é o passo inicial da branco, representando seu território. Neste informações quer que se tornem públicas e
caracterização. Ela envolve lideranças e desenho, o território e seus elementos vão quais prefere que sejam de uso restrito da
articuladores locais para esclarecer dúvidas surgindo a partir do exercício da memória comunidade.
sobre o projeto e para garantir que os mapas e da definição, pela própria comunidade,
sejam construídos por muitas mãos. daquilo que ela quer e acha importante que
seja caracterizado.

3) Localizando o
território no mapa
A etapa seguinte consiste na transposição
do mapa falado para uma foto de satélite, 6) Ganhando o
localizando os elementos do desenho em
uma base georeferenciada. Nesta etapa,
mundo
o objetivo principal é garantir que os Percorrido esse caminho, o material
participantes consigam dimensionar seu segue para impressão e é devolvido para
território em um mapa e visualizar demais as comunidades. Também validadas pelas
delimitações territoriais já estabelecidas comunidades e suas representações
por órgãos governamentais, como nacionais, as publicações finais são
Unidades de Conservação e demarcações já distribuídas para bibliotecas e órgãos de
realizadas. governo e da sociedade civil cuja atribuição
seja zelar pelos direitos dos povos e
comunidades tradicionais da Bocaina.

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Como usar estes
mapas a favor das Segurança
comunidades alimentar e
nutricional:
O projeto permitirá às comunidades
ampliarem seus conhecimentos sobre as
Os mapas construídos pelas comunidades são instrumentos de espécies agrícolas manejadas por elas e
promoção de direitos. Entenda como eles podem ser utilizados para também por suas comunidades vizinhas.
Isso fortalece o conhecimento do território
a defesa dos territórios tradicionais e facilita possíveis trocas de sementes e de
técnicas de plantio.

Garantia de Fortalecimento Práticas de saúde:


territórios: da educação O projeto permitirá também às comunidades
O projeto não assegura que haverá titulação,
demarcação ou regularização fundiária de
diferenciada ampliarem seus conhecimentos sobre as
práticas de cuidado corporal e espiritual
Esta publicação e os mapas gerados pela
territórios tradicionais. Mas irá contribuir utilizadas por ela e por suas comunidades
cartografia social podem ser usados
para que as reivindicações das comunidades vizinhas. Isso também facilita possíveis
nas escolas pelos professores para
cheguem aos órgãos competentes trocas de sementes e de conhecimentos
aproximar os conteúdos curriculares à
responsáveis por fazer isso. em relação a procedimentos de cura e
realidade vivida pelos estudantes em suas
prevenção a partir das plantas medicinais.
comunidades.
Acesso a políticas
públicas: Fortalecimento do
O projeto também não construirá
Qualificação de FCT:
infraestruturas nas comunidades, mas vai licenciamento O mapa feito pela comunidade contribuirá
contribuir para levar ao conhecimento dos
governos e órgãos públicos qual é a situação
ambiental: também para fortalecer as bandeiras
de luta do Fórum de Comunidades
Outra conquista importante é que estes
de cada comunidade em relação a serviços Tradicionais nas áreas de Turismo de
dados passarão a ser consultados pelo
e equipamentos públicos nas áreas de Base Comunitária, Educação Diferenciada,
Ibama quando houver uma nova solicitação
educação, saúde, saneamento, trabalho e Saneamento Ecológico, Economia Solidária
de licença ambiental para grandes
renda, entre outras decididas pelas próprias e Agroecologia e a combater todas as
empreendimentos que possam impactar as
comunidades. formas de racismo e violência contra as
comunidades tradicionais de Angra dos Reis,
comunidades.
Paraty e Ubatuba.

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CAI«ARAS DO

18 19
20 21
22 23
Caiçaras do Sul
de Paraty
A caracterização dos Territórios Caiçaras do Sul de Paraty é resultado
de um processo de pesquisa-ação realizado com o protagonismo das
comunidades caracterizadas, que contam suas histórias, narram seus
modos de vida e mapeiam seus territórios de vida.

Os territórios tradicionais localizados mais As três comunidades enfrentam a


ao sul de Paraty são marcados por um especulação fundiária, com a presença
litoral bastante recortado – com costões de grileiros e veranistas. O caso de
rochosos, muitas entrâncias, pequenas baías Trindade é emblemático, pois a grilagem é
e enseadas – e por morros que chegam a institucionalizada por empresa de sociedade
ultrapassar os 1.000 metros de altitude anônima. Praia do Sono e Ponta Negra
(Pico do Cairuçu), formando íngremes vales enfrentam o assédio da família Tanus, que
por onde descem rios e riachos. Reúne alega ser dona de quase toda a península da
as comunidades caiçaras de Trindade, Juatinga/Cairuçu.
Laranjeiras/Vila Oratório, Praia do Sono e
Ponta Negra; além de praias hoje inabitadas, O condomínio Laranjeiras é outro fator de
como Antigos, Antiguinhos, Galhetas e Brava conflito na região, limitando o ir e vir e
da Trindade. impondo restrições e constrangimentos aos
comunitários das três comunidades.
Trindade, Praia do Sono e Ponta Negra são Todo o microterritório é sobreposto pela
três comunidades caiçaras e compartilham Área de Proteção Ambiental (APA) de
aspectos socioculturais, socioeconômicos Cairuçu. Trindade é parcialmente sobreposta
e socioambientais. Estão intimamente pelo Parque Nacional da Serra da Bocaina.
relacionadas ao ambiente, sendo impossível Já a Praia do Sono e Ponta Negra são
dissociar os elementos próprios da cultura totalmente sobrepostas pela Reserva
daqueles ambientais. A Mata Atlântica, as Ecológica Estadual da Juatinga.
restingas, os mangues e o mar contam muito
sobre o modo de vida caiçara, suas técnicas O próximo capítulo apresenta uma visão
de pesca, a forma como manejam a floresta geral dos territórios do Sul de Paraty,
e se relacionam com os bens naturais. com dados sobre infraestrutura, serviços
públicos e Unidades de Conservação (UCs)
sobrepostas. A seguir, há o aprofundamento
da caracterização e a cartografia social de
cada uma das comunidades.
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RESULTADOS População
GERAIS Os dados de população são
apresentados por estimativa dos
As comunidades aqui entrevistados em cada comunidade.
apresentadas possuem muitas Foi feita uma ponderação
características em comum. demográfica com dados do Censo
2010 (IBGE), da Estratégia Saúde da
Tratam-se de territórios
Família (SUS/Pref. de Paraty) e da
caiçaras bastante preservados, Assistência Social (SUAS/Pref. de
com suas populações de Paraty). Importante destacar que o
pescadores-agricultores número de pessoas não-tradicionais
vivendo em sintonia com a não reflete o número de construções/
natureza e reproduzindo sua casas de veraneio e locação por
temporada, construídas e operadas
cultura e seus modos de ser
por não tradicionais.
e fazer. Neste capítulo, são
trazidos alguns elementos Os números flutuam em épocas do
gerais da caracterização dos ano e por migração (por casamento
territórios tradicionais de e separação) interna à península
da juatinga. A pandemia também
Trindade, Praia do Sono e
resultou na volta de antigos
Ponta Negra, especialmente na moradores às comunidades.
qualificação da infraestrutura Ressalva-se a importância de
e dos serviços presentes. Em realizar o “censo caiçara” no
seguida, há o aprofundamento território sobreposto pelo que é
da pesquisa em cada uma das REEJ - reserva ecologica da juatinga.

comunidades.

TABELA: POPULAÇÃO ESTIMADA EM


CADA COMUNIDADE DO MT

Total estimado Caiçaras (estimado) Outros (estimado)

Trindade 1.600 pessoas 900 pessoas 700 pessoas

Praia do Sono 450 pessoas 400 pessoas 50 pessoas

Ponta Negra 250 pessoas 240 pessoas 10 pessoas

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Infraestrutura EDUCAÇÃO DIFERENCIADA

e políticas
Em Paraty, há um Coletivo atuante de
Educação Diferenciada , que é uma ini-
públicas ciativa do Fórum de Comunidades Tradi-
cionais de Angra, Paraty e Ubatuba (FCT),
e que atua com apoio do OTSS, do Insti-
SAÚDE tuto de Educação da Angra dos Reis da
Trindade possui um posto-polo (UBS) Universidade Federal Fluminense (IEAR/
com equipe da Estratégia Saúde da UFF), UFRJ , do Colégio Federal Pedro II
Família (ESF); a Praia do Sono em- (CPII), da Secretaria Municipal de Educa-
presta a sede de sua associação de ção de Paraty e de professores e pesqui-
moradores para uso como posto de sadores entusiastas da causa.
saúde, durante as visitas da equipe
do ESF. Na Ponta Negra, foi recen- O Coletivo tem forte atuação junto à
temente inaugurada uma sala em escola municipal Martim de Sá, na
uso como posto. As equipes do ESF Praia do Sono, onde, juntamente com
visitam a Ponta Negra e a Praia do a escola do Pouso da Cajaíba, foram
Sono com periodicidade semanal. Há implantadas atividades de educação
agentes comunitários de saúde nas diferenciada caiçara, respeitando-se
três comunidades. Porém, as visitas a cultura e o modo de vida locais. É
das equipes da ESF sofrem influência conquista do movimento social a am-
tanto de efeitos climáticos e da nave- pliação da oferta de turmas nessas es-
gabilidade, quanto da própria gestão colas, com a implantação do segundo
municipal de saúde – especialmen- segmento do ensino fundamental (6º
te na contratação, temporária, dos ao 9º ano), possibilitando às crianças
agentes comunitários. e jovens uma permanência maior em
suas comunidades e contribuindo para
O conhecimento tradicional do uso a manutenção de suas famílias em
de ervas, raízes e paus para o cui- seus próprios territórios.
dado com a saúde ainda é praticado. A participação efetiva do FCT em Negra é insuficiente para a demanda
Ainda há a realização de partos “em “O terreno onde hoje processos de controle social, com de todo o ensino fundamental (1 e 2),
casa”, com apoio de parteiras locais. funciona a Escola Municipal destaque para a Conferência Municipal exigindo-se a construção de novas
Porém, os relatos contam sobre as Saulo Alves da Silva (em de Educação, garantiu a educação salas de aula.
dificuldades em registrar crianças Trindade), havia sido emprestado diferenciada caiçara como diretriz
não nascidas no hospital ou sob su- para a prefeitura, pelo meu pai, o do Plano Municipal de Educação de As três comunidades demandam
pervisão de médico-obstetra. Manuel Lopes, para a construção da Paraty. Além disso, os exemplos de implantação de creches e escolas
primeira sala de aula provisória. À conquistas da Praia do Sono e do Pouso de educação infantil (até os 6 anos).
época, a promessa do município era da Cajaíba inspiraram política pública Para continuar os estudos no ensino
a de construir a escola, em prédio e garantiram, mais recentemente, a médio, os jovens das três comunidades
definitivo, em outro lugar da vila. implantação do segundo segmento devem se deslocar até o Centro de
Porém, na primeira década deste do ensino fundamental também à Paraty, para estudar em escolas da
século, a prefeitura construiu o escola municipal da Ponta Negra e da rede estadual de ensino, tais como o
prédio atual neste terreno” Trindade. A estrutura escola da Ponta CEMBRA e o CIEP Dom Pedro II.

28 Taís Lopes, membro da diretoria da AMOT 29


CAMINHOS

O acesso à Trindade é feito por estrada Após as chuvas de abril de 2022,


asfaltada, em descida íngreme, com a condição da estrada de acesso
curvas acentuadas, sem acostamento. É a Trindade ficou ainda pior. Para
considerado um acesso perigoso pelos evitar acidentes, os ônibus da linha
moradores e turistas. Já o acesso às municipal foram substituídos por
comunidades da Praia do Sono e da microonibus, que, em quantidade
Ponta Negra é feito, principalmente, por e horários insuficientes, não dão
barco, a partir de cais do condomínio conta da demanda. A situação é ainda
Laranjeiras. Para chegar ao cais, mais preocupante com a chegada da
moradores e turistas são obrigados a temporada de verão. Trabalhadores
utilizar serviço de van ofertada pelo do comércio, pousadas e demais
condomínio, que impede a entrada serviços turísticos de Trindade,
de carros particulares e pedestres. que não moram na vila e dependem
Outra forma de acesso é por trilhas, do transporte, não conseguem
que são mantidas pelas comunidades chegar no trabalho no horário
com apoio de guardas ambientais do e, tal situação, tem obrigado os
Inea. O caminho a pé até a Praia do empregadores locais a contratar
Sono leva de 40 minutos a uma hora. Já transporte suplementar privado.
para chegar à Ponta Negra, é preciso objetivo de disseminar as tecnologias e Em Trindade, há coleta regular de re-
disposição para uma caminhada que SANEAMENTO contribuir para o saneamento na co- síduos sólidos. Praia do Sono e Ponta
pode ultrapassar 4 horas. munidade. Na Ponta Negra, o esgoto Negra contam com coleta realizada por
Não há redes de coleta de esgoto opera- doméstico é jogado em fossas comuns e barco, em calendário nem sempre res-
TRANSPORTE das por empresa pública ou concessão valas de infiltração, sem qualquer tra- peitado, devendo os moradores levar o
em nenhuma dessas comunidades. Em tamento. Por solicitação da associação lixo em botes até a embarcação maior,
Há linhas de ônibus que ligam o Trindade, após mobilização popular mo- de moradores, está em andamento um que é obrigada a dar a volta em toda a
centro de Paraty a Trindade e a tivada por morte de criança por doença projeto da prefeitura para a implantação península, por não poder desembarcar e
Laranjeiras. Não há serviço público de veiculação hídrica, a própria comu- de biodigestores, para o tratamento do transbordar os resíduos para caminhões
de transporte náutico para a Praia do nidade, contando com apoio externo, esgoto doméstico na Ponta Negra. Outro de coleta no condomínio Laranjeiras.
Sono e para a Ponta Negra. implantou uma rede de coleta de esgoto problema relacionado ao saneamento é
e uma estação de tratamento. Porém, a questão das chamadas “águas cinzas”, Os comunitários informam que a maior
Os valores cobrados pelos
a estação de tratamento de esgoto que não são vistas como sujas e são parte dos resíduos gerados são reci-
barqueiros particulares, mesmo que
(ETE) nunca chegou a funcionar, sendo despejadas diretamente sobre o solo e cláveis (os restos orgânicos alimentam
tenham valores diferentes para os
embargada tanto pelo Inea (por falta nos cursos d’água. galinhas ou são usados como adubo);
moradores, ainda são caros para o
de licenciamento), quanto pelo PNSB/ porém, não há coleta seletiva e, no caso
padrão de vida e as necessidades
ICMbio (por estar em área do parque). Os sistemas de abastecimento de água das comunidades do Sono e da Ponta
cotidianas do ir e vir.
Na Praia do Sono, há sistemas ecossa- das três comunidades foram implanta- Negra, a possibilidade de coleta seleti-
nitários (fossas de evapotranspiração, dos pelas próprias e, hoje, contam com va esbarra na negativa do Condomínio
zona de raízes e outras tecnologias) manutenção de comunitários com as- Laranjeiras em receber os resíduos e
implantadas pelo OTSS em algumas re- sistência técnica de empresa contratada realizar, ali, o transbordo.
sidências, na escola e na sede da AMO- pela prefeitura, por meio do recém-cria-
Sono, como projeto de pesquisa e com o do Departamento de Água e Esgoto de
Paraty (DAE).
30 31
Desde a criação do SNUC, Portaria do ICMBio nº 533, de 24 de
gestores da UC e representantes maio de 2018. A UC se sobrepõe a
das comunidades debatem sua todo o microterritório.
recategorização, sem, no entanto,
terem chegado a um consenso sobre PNSB
qual categoria seria a mais adequada
no sentido de garantir a salvaguarda O Parque Nacional da Serra da
socioambiental das comunidades Bocaina (PNSB) é uma Unidade de
sobrepostas. Atualmente, seu Conservação de Proteção Integral
conselho consultivo encontra-se gerida pelo ICMBio. Foi criado
inativo, segundo site do próprio INEA durante o regime militar pelo
e não possui plano de manejo. A UC Decreto Federal 68.172, em 1971. O
está sobreposta às comunidades da vasto território de 134.000 hectares
Praia do Sono e da Ponta Negra. – reduzido no ano seguinte para
104.000 hectares (Decreto Federal
APA DE CAIRUÇU 70.694/72) – abrange diversas
cidades históricas paulistas (São
A Área de Proteção Ambiental de José do Barreiro, Areias, Ubatuba
Cairuçu (APA de Cairuçu) é uma e Cunha) e fluminenses (Paraty e
Unidade de Conservação federal Angra dos Reis) em territórios de
gerida pelo Instituto Chico Mendes grandes altitudes, atingindo cerca de
de Conservação da Biodiversidade 2.000 metros acima do nível do mar.
(ICMBio). Ela foi criada em 27 de Seu plano de manejo foi concluído
dezembro de 1983 pelo Decreto em 2001 e aprovado em 2002 pela

Unidades de Trata-se de uma UC implantada


Federal Nº 89.242, e ocupa uma área
de 33.800 hectares, integralmente no
Portaria IBAMA nº 112/2002.

Conservação
O PNSB se sobrepõe parcialmente
anteriormente à criação do município de Paraty. É uma UC de Uso
ao território de Trindade, abarcando
Sistema Nacional de Unidades Sustentável que abarca toda a porção
as praias do Meio e do Caixa d’Aço e
de Conservação (SNUC) e cuja sul do município, a partir da margem
REEJ áreas da vila, incluindo construções
categoria não se enquadra a tal direita do rio Mateus Nunes, além de
como o mercado de peixes e a
A Reserva Ecológica Estadual sistema. Seu propósito original foi o 63 ilhas pertencentes a Paraty.
estação de tratamento de esgoto,
da Juatinga (REEJ) é uma Unidade de preservar o modo de vida caiçara
O plano de manejo da APA de Cairuçu que se encontra desativada e sob
de Conservação (UC) gerida pelo e o ambiente natural essencial à sua
foi atualizado de forma participativa embargo (ver mais sobre o PNSB no
Instituto Estadual do Ambiente do reprodução. Porém, a gestão da UC,
no âmbito de seu conselho gestor, capítulo específico da caracterização
Rio de Janeiro (INEA). Ela foi criada historicamente, impôs restrições
com atuação expressiva das de Trindade).
em 30 de outubro de 1992 pelo e penalizações às comunidades,
com a criminalização de práticas comunidades sobrepostas e apoio Nas próximas páginas, seguiremos
Decreto Estadual nº 17.981, e ocupa
tradicionais, tal como o manejo técnico do próprio ICMBio, sem os caminhos das comunidades,
uma área de 9.959,67 hectares,
de roças pela técnica do ‘pousio’, a intermediação de consultorias trazendo os resultados do processo
integralmente no município de Paraty,
além disso, a UC é restritiva à novas externas. Tal revisão do plano foi de caracterização em cada uma
mais especificamente na península
construções, sendo considerada “não motivada pelo Decreto Federal delas, organizadas em grupos
da Juatinga ou do Cairuçu (o nome
edificante”. nº 8.775, de 11 de maio de 2016, conforme trabalhados nas oficinas,
da península varia conforme o
e a redação final, com o novo da seguinte forma: 1. Trindade; 2.
interlocutor).
zoneamento, foi aprovada pela Praia do Sono; e 3. Ponta Negra.
32 33
Resumo das ações do
Projeto POVOS nos
territórios caiçaras do
sul de Paraty

34
Resultados
por território
tradicional
Alexandre Lopes, mestre canoeiro da Trindade

36 37
Trindade
Trindade é uma comunidade caiçara
localizada no extremo sul do estado do Rio
de Janeiro. É a maior de Paraty, com mais de
1.500 moradores, e composta pelas praias
Brava da Trindade, do Cepilho, de Fora, dos
Ranchos, do Meio e do Caixa d’Aço. Após
essa praia, há a piscina natural do Caixa
d’Aço
e a Pedra da Cabeça do Índio, que marca a
fronteira com o estado de São Paulo.
38 39
A vida aqui nossa, nós A história recente da Trindade é uma história de muita
vivemos aqui na roça. luta e resistência contra a especulação fundiária e
Meu pai era caiçara. Ele o racismo ambiental. Na mesma época em que a BR
pescava, ele fazia farinha, ele caçava. 101 era aberta e cortava as comunidades de Angra
Era o serviço do meu pai. Depois meu dos Reis, Paraty e Ubatuba, representantes de uma
pai morreu, e eu fiquei com minha empresa multinacional, composta de acionistas
mãe, meus irmãos e continuava a anônimos, iniciaram uma investida contra os
mesma coisa - como caiçara. A gente trindadeiros, dizendo-se dona de toda área entre o
fazia farinha, a gente pescava, a TEMPOS E Morro do Cepilho e a Praia dos Ranchos (praticamente
gente cortava arnica para a gente
vender, para sobreviver. Era a vida
ESPAÇOS toda a área habitada naquele momento).

da gente, a vida era essa, não tinha Prática comum dos grileiros à época, levaram búfalos
outro emprego. Marisco, tirava muito Na época da briga com que pisavam as roças e assustavam os moradores. E
marisco. Meu pai tirava a canoa. A a companhia [contra a também ameaçaram os caiçaras com jagunços armados
casinha era uma casinha de sapê e especulação fundiária – e papéis forjados. As ameaças levaram muitos
quando a casa ficava velha, a gente fins da dec. 1970], Trindade era trindadeiros a vender terras por valores simbólicos ou
fazia outra. E fomos vivendo assim. habitada há 450 anos. Agora tá com mesmo a abandonar suas casas e quintais, refugiando-
Depois que entrou a Companhia, aí o 500 anos de habitação, a Trindade se na mata e em cavernas entre Paraty e Ubatuba.
pessoal foi vendendo, foram saindo. (...) [estamos aqui] desde sempre,
Alguns ficaram e alguns saíram, então essa geração já conhecia a
porque tinha que sair mesmo, porque geração antiga, antes dessa que
ameaçaram e tudo. E a gente ficou e eu conheci já existia outra geração
ficou na luta. A luta para a gente é a mais antiga ainda. É misturado, tem
mesma, que era caiçara. A gente vive descendência de índio e de… uns
disso, a gente não vive de outra coisa dizem que é de alemão, outros dizem
porque a vida da comunidade é essa: que é de inglês. Dizem que tem essa
é pescar, é tirar marisco” descendência deles”

Dona Carmira Rosa de Oliveira, agricultora, pescadora, Seu Vitor Cardoso do Carmo, pescador, mestre
marisqueira, vendedora de gelo e artesã de Trindade, canoeiro e artesão de Trindade, 72 anos
86 anos

Trindadeiros em ato pela permanência em seu território na década de


70. Rever esta legenda....

40 41
Porém, a história da Trindade não [Meus bisavôs eram] tudo
começa com a abertura da BR 101, do Cachadaço. Tem um aí
nem com o assédio do modo de que é uma história literária,
desenvolvimento hegemônico sobre uma história literária que muita
seu território. A geografia local, gente fala... Fala que pegou no laço,
propícia à pesca e rica também em que era índia e que ele amarrou
água doce, é ocupada desde sempre. e trouxe. Tem essa história aí na
Primeiro, por Tupinambás, depois família. Com a minha tataravó, que
europeus colonizadores e africanos rolou essa história aí. (...) Meu avô,
escravizados. Dessa mistura, nasceu por exemplo, é bem claro, olho claro,
o caiçara, pescador-agricultor, com olho azul, estereótipo europeu. E a
seus ranchos e casas de farinha, minha avó não, é bem índia. Eu sou
unidos às técnicas apreendidas mais claro, puxei mais o meu avô”
e compartilhadas entre os povos
e formando uma cultura única. Davi de Paiva, jornalista de Trindade, 37 anos
Os trindadeiros circulavam por
Uma história bem legal da A chegada da multinacional
caminhos marítimos e trilhas entre
A vida era sustentada pela pesca, Trindade é que os caiçaras Adela, em fins de 1970, marca
as matas, relacionando-se com
pelas roças e pela caça. O pouco fizeram pressão para não a necessidade de organização
outras comunidades da vasta região
que não produziam, coisas como sair daqui e os que saíram, muitos comunitária para a resistência e luta
da Bocaina.
querosene de lampião e sal, eram retornaram. É diferente de talvez pela permanência do trindadeiros em
compradas nas cidades de Paraty outros lugares em que as pessoas seu território. Tal empresa passou,
e Ubatuba, em troca de farinha e venderam e foram embora. Até teve anos mais tarde, por um processo
Pista de skate construída pela Associação de Moradores peixe. Essa é uma história comum à muita venda, por isso tem muita de fusão, com outra multinacional,
de Trindade em área retomada da TDT.
maioria das comunidades da região, gente morando aqui. Mas quem chamada Brascan, e desse processo
que esteve isolada do país desde vendeu, vendeu metade, vendeu nasceu a Trindade Desenvolvimento
fins do Sec. XIX, devido ao declínio parte do seu quintal, terreno, mas Territorial (TDT), que, até os dias de
econômico da região pela abertura continua aqui. Então, grande parte hoje, “importuna” a vida dos caiçaras
de novos portos em outros lugares do comércio, se você for ver, é do de Trindade.
e pela implantação de ferrovias que trindadeiro. Ou está alugado, ou
passavam longe dali, até a abertura arrendado por um tempo, ou tem O primeiro acordo da chamada
da BR 101, na década de 1970. alguém trabalhando pra ele, mas é Companhia com os Trindadeiros
dele, do trindadeiro, então é uma data de 1982. Por esse acordo, ficou
coisa legal” definido o que seria da empresa e
o que era de direito dos caiçaras.
Robson Dias Possidonio, pescador de Porém, a história não acaba aí, como
Trindade, 41 anos
relata o jornalista de Trindade Davi
de Paiva, que milita no movimento
Trindade Vive, surgido a partir do
assassinato de um jovem local.

42 43
{O senhor já morou em outros lugares? Já É, desde 82, quando então poucos anos. E, aí, eles foram tirar o
saiu daqui?} foi feito esse acordo, que menino dessa morada, desse limite,
ficou essa história que houve uma discussão e acabou com
Morei em Ubatuba 3 meses só e
parte da Trindade seria transferida ele sendo assassinado por esses
voltei de novo.
para TDT. Foi reconhecido o direito policiais a serviço, supostamente,
{Foi naquela época da companhia?} dos caiçaras e a TDT ficou com a dessa empresa que se diz dona do
maior parte do território. Só que território durante todos esses anos.
Na época da companhia.
aí, reza a lenda que eles tinham E que nunca se apresentou para a
{Todo mundo teve que sair e depois voltou penhorado essa terra para fazer um comunidade, nunca teve um diretor
pra lutar?} empréstimo no banco, que não foi que conversou”
pago. E o banco tomou as terras; e
É, viemos pra cá, que aí entramos na Davi de Paiva, jornalista de Trindade, 37 anos
esse banco, supostamente, depois
briga de novo pra gente ter direito
faliu também. É uma massa falida.
a terra que é nossa, sempre foi
Mas, apesar disso, sempre houve
nossa essa terra aqui. Batalhamos e
aquela honradez do caiçara de, como
conseguimos.
ele fez o acordo, o que era da TDT
{Tá na batalha até hoje?} era da TDT, o que era do caiçara
era do caiçara. E aí essa empresa –
Até hoje, até hoje estamos na
depois a gente não sabe direito, não
batalha. Graças a deus o difícil
sei citar nomes especificamente,
a gente conseguiu. Porque eles
dos donos, né?. Mas a questão é que
queriam o filé mignon, essa área
essas áreas ficaram durante muito
aqui. Essa área dali, de onde eu moro
tempo seguras por funcionários
ali até a praia do Meio, na divisa
dessa empresa, que a gente não
dele. Aí nós conseguimos ficar nessa
sabia direito quem que era. (...) E
parte aqui; ele não queria acordo
aí, em 2016, numa área de limite
coletivo de jeito nenhum.
entre a comunidade e a área dessa
Ele queria botar a gente lá na Praia empresa, no morro, um jovem fez
Brava. Queria que nós fizéssemos o uma casa lá e começou a sofrer um
acordo, mas só se fica até a Brava. Você assédio de funcioários da empresa,
acha que até a Brava é ponto de pesca e de policiais militares que estavam
pra gente? Se tivesse lá hoje não saía a trabalho da empresa. E, aí, essa
nada. De não dava pra sair com a canoa empresa teria mandado então que os
pra pescar, pra fazer nada. policiais, os seguranças da empresa,
fossem retirar esse jovem – que
Seu Vitor Cardoso do Carmo, pescador, mestre se chama Jaison Caíque Sampaio,
canoeiro e artesão de Trindade, 72 anos
conhecido como “Dão”, de vinte e

44 45
O assassinato gerou comoção Outro marco importante na história Entre os anos de 2014 e 2016, foi
na comunidade que, reunida, de Trindade e sua organização realizada uma cartografia social
retomou áreas da TDT, derrubou comunitária é a chegada do PNSB/ da pesca artesanal de Trindade ,
cercas e construções de apoio aos ICMBio. Criado nos “anos de que teve como motivação principal
seguranças, e implantou projetos chumbo”, o parque chega com ações contestar ações do Parque Nacional
de ocupação cidadã dos terrenos. efetivas em Trindade somente em da Serra da Bocaina contra a
Foi criada a praça Dão, onde está a 2008. Uma revisão de seus limites o atividade da pesca artesanal e as
Escola do Mar, que trabalha, com as estendeu para áreas da vila e a UC moradias na Enseada do Caixa
crianças, os elementos da cultura de proteção integral se sobrepôs D´Aço, durante o processo de revisão
caiçara, como o feitio de canoa às praias do Meio e do Caixa d’Aço, do plano de manejo do parque.
e a costura de redes de pesca e, e também sobre espelho d’água da A partir da cartografia social os
ainda, uma casa de farinha ativa. baía de mesmo nome. A chegada caiçaras de Trindade reafirmaram
A Prefeitura de Paraty, à época, da UC marcou a necessidade de que a pesca artesanal na Enseada
anunciou a desapropriação deste organização dos pescadores e do Caixa D´Aço é uma atividade
terreno próximo à Praia de Fora, em operadores de passeios turísticos tradicional e é relevante para a
favor do uso comunitário, o que não (naquela época, eram as mesmas identidade caiçara, constando dessa
foi feito até o momento da redação pessoas e as mesmas embarcações). forma no plano de manejo do Parque.
desta publicação. A comunidade Daí, foi criada a Associação de Com base na cartografia e em
construiu, ainda, uma pista de skate Barqueiros e Pescadores Artesanais outros estudos, o Ministério Público
em outra área “da Companhia”, de Trindade (ABAT). E, também foi Federal expediu a Recomendação
próxima à praia do Cepilho. Tanto criada uma ONG para a defesa das MPF 001/2017 para que o PNSB
a praça Dão, com a Escola do Mar, famílias que viviam no Caixa d’Aço. instituísse Termos de Compromisso,
quanto a pista de skate e outros Hoje, duas famílias resistem por lá. visando a Manutenção do território
equipamentos de educação, cultura tradicional das famílias residentes e
e lazer são geridos pela Associação Foram anos de negociações; os a Manutenção da pesca artesanal na
dos Moradores de Trindade (AMOT). trindadeiros passaram a conhecer Enseada do Caixa D´Aço.
sobre a legislação ambiental, o Em junho de 2021, o ICMBio iniciou
SNUC e a participar ativamente o processo de construção do Termo
dos conselhos das UCs da região, de Compromisso com uma das duas
exercendo o controle social. famílias residentes no local. E na
reunião do Conselho Gestor do
PNSB dia 21/09/2022 foi aprovado
o referido Termo que segue para
as instâncias do ICMBio Brasilia
para análise e homologação,
constituindo um marco para as
situações históricas de conflito entre
o PNSB e famílias tradicionais. O
TC da segunda família já está sendo
construído.

Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
legal para essa foto.

47
De uma forma geral, a gente você ir pescar, pra outro lado você não A história da Trindade continua sendo escrita
precisa desse espaço que ia pescar não. Já levei surra por sair por sua gente de luta. A pandemia permitiu
ultrapassa o nosso território pro lado de cá pra pescar. Verão, que é uma avaliação coletiva do sentido histórico da
aqui. Então, a gente pesca tanto pro tempo bom, só que dá muita trovoada,
comunidade; jovens reabriram roças, recuperaram
lado do Camburí quanto pro lado dá vento forte, pode virar a canoa.
casas de farinhas, voltaram ao mar para a pesca
de Laranjeiras, Sono, Ponta Negra,
artesanal. E, assim, a cultura caiçara segue se
Juatinga, a pesca artesanal da Trindade. Então, é um lugar seguro pra pescar,
Se a gente vai pescar garoupa, vai tem uma importância. Agora nessa reproduzindo em Trindade.
pescar lá no Saco Grande, na Ponta época [inverno], Sono, Ponta Negra,
Negra, vai pescar na laje daqui da eles estão com o cerco tudo em terra.
Laranjeiras, enfim. Agora, a importância Pra nós aqui, a gente chama o peixe de
específica da baía do Cachadaço é que é arribada, é o peixe que dá nessa época
onde a gente consegue pescar sempre. agora. Agora pra lá, lá fora tem algum
Olha: o mau tempo está entrando e cerco? Não tem cerco essa semana
eu só tirei a minha rede ontem; o Noé lá. O Adilson estava com o cerco, nós
ainda vai tirar a rede dele hoje, o mau estávamos pra tirar lá na Ponta Negra,
tempo já está aí, em qualquer outro porque é mais difícil de correr peixe
lugar já não pesca mais. Você soube nesse sentido daqui pra lá, agora o
que vai arruinar o tempo, você já tem peixe corre pra cá. Que a gente chama
que tirar a rede antes. Então, nesses de arribada, pode vir nessa porteira
meses que nós estamos [inverno], a toda aí quem pegou tainha no cerco,
gente não pesca na Galheta, não tem nós pegamos tainha em cerco. Por
jeito de pescar na Galheta, só ali. Ali, conta do lugar, do jeito, arribada que
onde eu sei que, se a minha filha, Maria a gente chama, é uma volta do peixe.
Flor, que tem 8 anos, se ela quiser sair Então tem a importância da segurança
com a irmã dela mais velha, pra pescar e a importância do tempo, pra pescaria,
lula na canoinha que ela já tem, eu sou a pescaria artesanal depende desse
seguro de deixá-la pescando no verão. espaço. Ele é pequeno, se olhando pro
Pescar lula, eu por perto, posso deixar território da Trindade, mas corresponde
ela lá pescando, ali eu confio. (...) [o por 80% da pesca. Eu falava até 50, 60%
Cachadaço] é uma escola, é um lugar de e os pescadores falavam assim, isso foi
aprendizado, é onde eu posso ensinar muito legal: “Mas como assim?”, “Olha
às minhas filhas, é onde eu fui ensinado só, presta atenção, onde você pesca o
e é onde um senhor mais velho vai ano inteiro? Onde você pesca assim?”.
pescar, porque ele sabe que se vier um E a gente foi fazendo a conta e é
tempo ruim... Eu cresci assim, você vai exatamente isso, de 80% a pesca. Então,
pescar no Focinho da Ponta, que é a sem a Baía do Cachadaço, pra gente,
Cabeça do Índio, vai pescar no Saco da acaba a pesca, não tem como, a gente
Ponta, qualquer coisa, ou entra pro Saco fala se fiar, se garantir com um espaço
da Ponta ou entra pra caixa, a caixa onde você não vai ter nem o tempo todo
é a piscina. Então você saía de casa e pra pescaria, nem a segurança que a
seus pais já diziam: “Entre pra caixa, gente tem ali pra pescar, vem tudo daí”
entra pra caixa!”. Já sabia, e deixavam

48 49
Bieca (em memória). buscar data de nascimento e de morte

50 51
Pescador e liderança comunitária da Trindade, Robson Possidônio.

ORGANIZAÇÃO
TERRITORIAL
O território reconhecido de Trindade manejo da APA, em seu zoneamento,
parte do entroncamento da estrada indica como ‘zonas de uso coletivo’
de Trindade com a de Laranjeiras e as áreas que seriam da TDT, segundo
se estende até a pedra da Cabeça do o acordo de 1982. Assim, o plano
Índio, na divisa com estado de São garante à comunidade a gestão
Paulo/Ubatuba; inclui Morrão do coletiva de tais espaços, tanto para a
Cepilho e demais áreas continentais sua reprodução cultural, quanto para
em morro sobre a vila, como os o financiamento das atividades da
morros da Tapinha, do Caracol AMOT (gestão do estacionamento).
e a pedra do Meio Dia. No mar,
as áreas de pesca chegam até a Há também as áreas destinadas à
Ponta da Juatinga, por um lado, roça tradicional e ao uso tradicional
e a comunidade do Camburi, por da mata, resguardando os direitos
outro. Porém, as áreas de uso e as caiçaras sobre seu território.
relações afetivas, socioculturais e
socioeconômicas dos trindadeiros
com outras comunidades tradicionais
extrapolam tais limites e mesmo
a área de abrangência do Projeto
Povos. Relatos da pandemia
informam sobre trocas de alimentos,
por exemplo, com o Quilombo
do Campinho da Independência
e revelam fluxos relacionais
mais profundos entre as várias
comunidades tradicionais da região
de Mata Atlântica sul-fluminense e
norte-paulista.

A comunidade é totalmente
sobreposta pela APA de Cairuçu e
parcialmente pelo PNSB, ambas
UCs federais geridas pelo ICMBio.
Com participação ativa dos caiçaras
de Trindade, a revisão do plano de

52 53
PESCA, AGRICULTURA E EXTRATIVISMO Eu faço a canoa. Faço canoa
grande pra remar. Faço as
canoinhas pequenas pra
vender. Essa aqui já é um amigo meu
Pesca que faz, o Donizete. É uma arte que
ele faz, essa canoinha aqui ó. Muito
Elemento essencial do modo de Trindade, um mercado de peixes, que bonito, ele faz lá. Ele faz e cobra
vida caiçara, a pesca em Trindade está sendo reformado com recursos 20 reais por canoinha dessa. É uma
se utiliza de métodos e técnicas de compensação ambiental (TAC) por arte, e, olha, eu não faço uma dessa.
consagradas na região, tais como acidente da indústria do petróleo Se pedir pra fazer, eu não faço. Muito
os cercos flutuantes, a rede na Baía da Guanabara. Tal recurso bonita, linda essa canoinha. (...)
de espera e o espinhel. Há, na proveniente do TAC é gerido pelo . Mas eu faço canoas, a grande, a
comunidade, mestres canoeiros Funbio. pequena, pra uso assim. Faço rede
e ‘fazedores’ de redes (uma para pra mijuada, rede pra cerco, rede pra
cada espécie de pescado e época espera da corvineira lá fora; espinhel
do ano). O maritório é espaço de eu também faço. Pra tudo eu faço, eu
uso coletivo e compartilhado com já tive cerco. Há uns 30 anos, 40 anos
outros territórios. Os locais para atrás eu tive cerco, aí acabamos. Eu
o cerco flutuante são familiares não tenho mais, o pessoal tem. O
ou comunitários. Há, na vila de Jair que trabalhou comigo, comprou
uma agora. A gente trabalhou
de sociedade com cerco. Ele tem
ainda, eu acabei. Já meus filhos
trabalham com turismo e peixe, de
rede também. Pesca da tainha, tão
esperando. Tão ansiosos pra chegar
a tainha. (...) É, eu gosto de pescar.
Faço mais por gosto. Eu aposentei
também, mas a gente precisa pescar.
No verão eu ganho dinheiro com
peixe. Eu gosto de pescar muito de
linha, de anzol, das costeiras mesmo.
Garoupa, o peixe que eu mais gosto
de pescar é garoupa.”

Seu Vitor Cardoso do Carmo, pescador, mestre


canoeiro e artesão de Trindade, 72 anos

Seu Vitor Cardodo do Carmo, pescador, 72 anos

54 55
Trinadeiros no manejo do cerco

56 57
ROÇA USO
As roças sempre fizeram parte TRADICIONAL
da vida dos caiçaras, porém, pela
criminalização de algumas práticas
DA MATA
imposta pelas UCs, algumas áreas Os trindadeiros fazem o uso tradi-
de agricultura foram se perdendo. A cional da floresta em seu território.
pandemia representou uma retomada Dela tiram material para artesanato,
dessa prática, assim como trouxe madeira para confecção de canoas e
interesse dos jovens também em remos, paus e ervas para o cuidado
relação à pesca. com a saúde. Historicamente, fize-
ram uso da caça, como fonte alterna-
tiva de proteína, em épocas especí-
ficas do ano e respeitando os ciclos
A roça é uma tradição da de reprodução dos animais. O mapa
minha família, dos meus construído neste processo de ca-
avós, principalmente do racterização aponta, ainda, algumas
Américo Rosa. Sempre quando áreas de caça, como forma de memó-
criança a gente ia na roça, chegava ria do modo de vida.
lá, meu avô sentadinho da cadeira...
e a gente foi absorvendo essas
imagens; não sei se foi passado por
genética, mas a gente observava ali.
E aí eu disse: ‘é isso que eu quero
pra minha família; é esse modo de
vida que eu quero pra mim’. E eu
via, né?, minha avó fazendo farinha,
ia lavar a mandioca com meu avô
na cachoeira, porque não tinha
encanamento e hoje eu coloquei
o encanamento. Mas eu ia lá, via
lavando a mandioca, raspando a
mandioca, eu era criança... e nisso,
isso ficou imortalizado dentro de
mim. E com a volta pra Trindade,
essa volta do cerco, isso foi me
estimulando a querer esse tipo de
vida”

Iliel Teixeira Rosa, agricultor, pescador e


barqueiro de turismo, membro da AMOT e da
ABAT, 37 anos

58
TURISMO destacou a liderança comunitária e
pescador Robson, praticamente todo
PRÁTICAS DE
o comércio voltado ao turismo é de CUIDADO E SAÚDE
Dona Carmira, de 86 anos, contou trindadeiros, ou o imóvel pertence
à equipe de pesquisadores, em aos caiçaras locais ou está arrendado A gente tem farmácia
entrevista, que começou a se tornar para exploração por outras porque não tem mais de
comerciante vendendo gelo para pessoas. Todos os interlocutores onde tirar remédio”
os pescadores e mariscos para os entrevistados são enfáticos ao
turistas. E então, com o incremento afirmar que o turismo é a principal Dona Carmira Rosa de Oliveira, agricultora,
pescadora, marisqueira, vendedora de gelo
do turismo, seus filhos abriram um fonte de renda da comunidade, e artesã de Trindade, 86 anos
mercadinho e ela foi reformando seja com restaurantes, quiosques,
sua casa até transformá-la em pousadas, campings e locação de
Porque a comida de
pousada. Essa história é comum chalé, seja na prestação de serviços
antigamente era tudo
a muitos trindadeiros. A família de guia ou no transporte náutico. A
natural, era tudo da terra.
do pescador Seu Vítor também travessia para a piscina natural é
Tudo, tudo. Então não tinha doença,
mantém uma pousada. E, assim como realizada por associados da ABAT.
não tinha. Não morria ninguém aqui.
Quando morria, era porque ficava
velho. Hoje em dia você está se
envenenando. Tudo o que você come,
Piscina Natural do Caixa d’Aço tem veneno. Se não for da roça, tá
tudo envenenado. Então a pessoa
tinha saúde”. Dona Odete, caiçara de
Trindade, 80 anos.

É, porque ninguém tinha doença. Não


tinha pressão alta, ninguém falava de
diabete. E agora é diabete, pressão
alta. A água aqui é meio salgada. Eu
era bem pequena, a gente vinha da
cidade, chegava aqueles homens,
chegava na beira desses córregos
do caminho aí, cortava umas folhas
grandes, pegava aquele peixe seco
que tinha comprado lá na cidade,
botava o peixe na folha, que era o
prato, e comia ali na estrada mesmo”

Dona Carmira Rosa de Oliveira, agricultora,


pescadora, marisqueira, vendedora de gelo
e artesã de Trindade, 86 anos

60 61
FESTAS E CELEBRAÇÕES ASSOCIAÇÕES social, das ações e projetos voltados
ao desenvolvimento e implantação
COMUNITÁRIAS de tecnologias sociais em turismo
Formas de expressão Festas e celebrações Modos de fazer de base comunitária, agroecologia,
Há, em Trindade, diversas saneamento e educação diferenciada.
Teatro Companhia Pesca da tainha
Rosa Carmo Queiros Festejo Caiçara associações comunitárias, com Ainda, conta com o apoio e
O festejo tem sua Arrastões
abertura na igreja destaque para a AMOT e a ABAT; assessoria da coordenação de
Artesanato de
Timbupeva (fibra), Cerco além outras associações criadas justiça socioambiental do OTSS na
Folia de Reis
taquara e cipó – a partir de cisões e conflitos negociação dos conflitos e para a
cestaria Marisco (inverno) - compartilhado – “vai
Corrida de Canoa dividindo os sacos de mariscos” internos. A mais forte delas, que garantia da reprodução sociocultural
Futebol e surf da vida trindadeira. Trindade é,
Feitura da farinha participou ativamente do processo
Feitura da farinha
Pesca tradicional de caracterização, é a Associação também, um dos roteiros destacados
Puxada de canoa Puxada de canoa - união/mutirão - é preci- em Defesa do Povo Tradicional de da Rede Nhanderekó de TBC do FCT.
Proteção de "tribo" - so saber a época certa, conhecer a madei-
laços familiares ra e saber fazer a canoa Trindade (ADPT).
Festa da tainha
Tintura de rede com a aroeira
A nossa organização mãe,
Feitura de rede ou principal, é a AMOT.
Ela foi criada basicamente
Montagem do cerco
por mulheres, lá em 80, 82 ou 86,
um negócio desse daí, e bem no
momento crítico que a Trindade
passava e a gente tinha acabado
de fazer o acordo entre a TDT e a
Trindade e o pessoal precisava de
uma organização. Então a gente
sempre se apoiou na AMOT, é muito
importante pra comunidade. A ABAT,
foi criada na década de 90, de fato
ela só foi registrada no cartório
mesmo em 2007, porque a gente
começou a fazer passeios de barco
com os barcos que a gente pescava”

Robson Dias Possidonio, pescador de


Trindade, 41 anos

BANDEIRAS DE
LUTA DO FCT
Lideranças caiçaras da Trindade
são atuantes no FCT e participam,
desde a fundação do movimento

62 63
Ameaças causadas por grandes empreendimentos, “Mexilhão tinha bastante, viu. Tinha
bastante marisco nas costeiras. Talvez
turismo predatório e especulação imobiliária por ele ser, dizem, que ele é o pulmão
do mar, né, que ele faz a filtragem, tal-
vez ele sinta. Então, quando a água está
Algumas ameaças e os conflitos não podia ter nada que impactasse,
muito poluída, acaba afetando o próprio
reais vividos pela comunidade de sabe toda aquela coisa? Gente
marisco. Às vezes, ele está acostumado
Trindade: com motor e tal, e falamos: “Não,
com algum tipo de poluição e aí vem
peraí, a gente está trabalhando aqui
• ADELA / TDT – “grilagem de terra algo como o petróleo, como o esgoto,
há muito tempo, com pesca, com
por CNPJ” – histórico de luta que etc. Acaba prejudicando o marisco.
turismo e como assim chega isso
culmina no assassinato do jovem Minha mãe não comia o marisco do
do nada?”. Foi quando montamos
caiçara Jaison dos Santos, o Dão (que cepilho, porque era onde tinha muita
nossa proposta, que era um grupo
passou a dar nome à área retomada visitação. A galera não gostava muito
organizado, a gente depende disso e
pela comunidade que se transformou de comer o marisco do cepilho”
vamos ver qual é a solução”
em praça de uso coletivo de ações
liel Teixeira Rosa, pescador, barqueiro de
educativas, à Escola do Mar e a Robson Dias Possidonio, pescador de
turismo no Cachadaço e agricultor do morro
Trindade, 41 anos
práticas de esportes e lazer). do Cepilho. 38 anos.

• PNSB/ICMBio – UC de Proteção • Grandes empreendimentos em


Integral que impõe barreiras à potencial que colocam em risco, em
• Crescimento desordenado da vila ,
reprodução cultural caiçara e à destaque para os relacionados à cadeia
em direção ao morro, com a venda
implantação de equipamentos produtiva de gás e petróleo; também o
indiscriminada de terrenos e a baixa
públicos, tal como a Estação de turismo de massas e turismo de elite
fiscalização do poder público.
Tratamento de Esgoto. (resorts e condomínios de luxo)

• Duplicação da BR 101: processo de


É porque eu acho que isso é concessão da rodovia encontra-se em
Foi em 2012 [que o PNSB uma coisa [impactos causa- curso e gera preocupação entre as
derrubou os quiosques dos pela cadeia produtiva do populações tradicionais da região.
da Praia do Meio], mas petróleo] que não é só pra Trindade, é
esse processo começou desde 2008, pra todos os lugares. Com certeza, di- • Um grande projeto de alteração
quando eles chegaram. Passaram a ferente de outros lugares, talvez como da dinâmica econômica de toda
linha dizendo: “Olha, aqui é a linha a Juatinga, onde interfere bastante a a baia da Ilha Grande vem sendo
do Parque, e aí pra dentro não pode coisa do trajeto, do barco passando ali. discutido no governo federal e há
ter nada”, e tal. Foi quando a gente A gente até vê os navios, mas está mui- projeto de lei apresentado no Senado
começou também a discussão: ‘Peraí, to lá fora, mas se a gente pensar num Federal que busca flexibilizar as
como assim ‘não pode’?’, isso foi futuro que pode ser próximo, ou um regras/categorias de unidades de
uma coisa importante da questão da futuro um pouco mais longe, mas as- conservação da região. Proposta em
organização. Acho que se a gente sim, de um certo derramamento, todo sintonia ao modo de desenvolvimento
não tivesse se organizado naquele mundo vai ser prejudicado. E aí não vai hegemônico, o chamado Projeto
momento, até por conta de que a ser prejudicado só a pesca, porque uma Cancún Brasileira também é
gente não tinha conhecimento das praia com petróleo ninguém chega (...) apontado pelos entrevistados como
leis, a gente teria aceitado talvez prejudica a pesca, o turismo, prejudica mais uma das ameaças ao modo de
a saída. Porque dentro do Parque a vida toda”. Robson Dias Possidonio, vida tradicional na região.
64 pescador de Trindade, 41 anos. 65
O QUE FOI MAPEADO

Alguns anos antes do Projeto Lugares destacados na primeira reunião


Povos chegar a Trindade, a com a comunidade

comunidade já havia desenhado a


Pedra do mirante (lugar de vigia / espia) -
sua Cartografia Social, construída ponto estratégico na época da luta com a
grilagem
com o protagonismo de: ABAT,
ONG Cachadaço Bocaina Mar, FCT Pedra da Tartaruga; pedra do Sapo; pedra da
Cabeça de Índio; costão; ponta do Cepillho;
e OTSS; e apoio e participação ilha da Raspa
da AMOT e da Associação de
Praça de interface com PNSB na
Defesa do Povo Tradicional de Praia do Meio (implantação do parque)
Trindade. Este processo gerou
Praça Dão - ZUCOL (APA de Cairuçu)
o boletim “Cartografia Social de
Trindade – a pesca artesanal da Casas de farinha familiares
comunidade tradicional caiçara”
Casa de farinha comunitária
(dezembro/2016). O resultado serviu junto à Escola do Mar
como instrumento de negociação com
Escola do Mar
o PNSB, para a permissão da prática
da pesca artesanal e do transporte Praias: Brava, Cepilho, de Fora, dos Ranchos,
do Meio, do Caixa d'Áço
turístico na baía do Cachadaço.
Cachoeiras (listar)

Durante a passagem do Projeto


Povos pelo território trindadeiro, os
participantes decidiram revalidar
o trabalho de cartografia já feito e
atualizá-lo, indicando outras áreas
de uso tradicional e expandindo os
itens mapeados. Foram revistos
os nomes dados aos locais de
referência, tais como pedras, costões
rochosos, lajes e parcéis. Locais
comunitários para colocar cercos
flutuantes também foram revistos.

O mapa falado de Trindade aponta


usos em toda a faixa costeira de
Laranjeiras ao costão do Camburi; e,
além disso, destaca áreas de roça e
manejo da floresta.

66 67
68 69
70 71
72 73
Praia do Sono
A um tempo atrás era tudo muito bom
vovô fazia rede e vovó cuidava da casa e
quando iam pra roça toda família ajudava.
A farinha que eles faziam
iam na cidade vender,
um dia inteiro de caminhada pra suas compras fazer.
Mas nós não imaginávamos
que existiam tanta maldade
no coração das pessoas que viviam na cidade,
chegaram cheias de ódio
muita raiva e rancor
querendo nos tirar
o que tínhamos de mais valor.
Mas nós nos reerguemos e nos colocamos de pé
as mulheres se uniram e
suas forças juntaram e
botaram pra correr
os que tanto nos perturbaram.
Esse conto é verdadeiro
foi minha mãe que me contou
ela ainda era pequena
quando tudo se passou.
E eu sou muito feliz de viver nessa terra
porque sendo ainda criança,
Continuo lutando por ela.
Julia Katherine Conceição Jesus da Anunciação (2006 – 11 anos de idade)

74 75
TEMPOS E O declínio econômico da região, em
fins do Sec. XIX, levou ao abandono
Foto histórica da Praia do Sono, com meninas caiçaras.
Gilberto Marques (acervo)

ESPAÇOS das fazendas. As pessoas, que viviam


por ali permaneceram, formando
pequenos núcleos familiares,
Em toda a península da juatinga, há isolados entre o mar e a floresta. Tal
casos ricos em episódios narrando isolamento criou uma forte relação
naufrágios de navios bem antigos e entre a população e o ambiente.
ataques piratas. Fala-se em um navio
alemão que teria afundado por ali
e cujos marinheiros sobreviventes “Quase tudo era construído,
permaneceram no local, se casando produzido, plantado ou coletado
com mulheres indígenas tupinambás no mar e na mata ao redor das
que viviam em todo o território. comunidades. Ao mesmo tempo
Fala-se, também, de casamentos trocavam seus produtos pelo que
entre portugueses e indígenas, não podiam produzir nas cidades
além da presença de africanos próximas. Por esse motivo,
escravizados que trabalhavam para nunca deixaram de ter contato
senhores de fazendas de cana e com as cidades vizinhas, além
banana que se espalhavam pela de participarem das atividades
região durante o período colonial. econômicas da região. A organização
caiçara era feita pelo compadrio e o
Essa é também a história da Praia parentesco. As relações de trabalho
do Sono, que remonta aos primeiros eram feitas por mutirões e troca
séculos da colonização portuguesa de dias e a família sempre teve um
no Brasil. As famílias mais papel muito importante.”
antigas da comunidade registram
Cortines, Anna Cecília; Nogara, Paulo;
antepassados vivendo no território
et al. A Vida no Sono. Estudo de 2011,
há mais de 180 anos. que busca embasar o processo de
recategorização da REEJ

Aqui tem índio, igual na


Ponta Negra. Como eu
falei, meus bisavôs eram
índios. Eu acho que os alemães,
os portugueses passaram por aqui
de navio. E namoraram as índias,
porque tem uma mistura de loiro. É,
é … (risos). Tem muita mistura de
loiro com índio”

Dona Lucilene de Castro, moradora da Praia


do Sono, 59 anos

76 77
A vida seguia entre o mar e a mata, ele abrangeu o Sono, os Antigos, os Já as falas abaixo são de uma Ali, a situação é bem
pesca e roça, até que, na década Antiguinhos e Ponta Negra. E fez transcrição de áudio enviado complexa, porque quem
de 1970, foi construída a BR 101, aquele documento lá que é forjado, pelo WhatsApp pelo morador da fez o licenciamento para
rodovia Rio-Santos. Junto com a né? Inventado…” Praia do Sono, militante do FCT instalação do condomínio foi a antiga
estrada, chegou nova atividade e da Coordenação Nacional de FEEMA, que era um órgão ambiental
econômica, o turismo. E, também, Comunidades Tradicionais Caiçaras do Estado do Rio, que tinha vários
surgiram desafios e focos de conflito, Nós enfrentamos eles aqui. (CNCTC) e pesquisador-comunitário outros órgãos e, depois, já nos
como as unidades de conservação e As polícias, os jagunços no OTSS, atuante no Projeto Povos, anos 2000, juntaram foram todos
o assédio da especulação fundiária, dele que ele trouxe pra Jardson dos Santos: e foi criado o INEA. E, obviamente,
representado, na Praia do Sono, cá também. Aí nós enfrentamos eles fizeram vários crimes, né? O
por dois atores principais: a família eles, botamos pra correr na base da condomínio, o empreendimento,
Foi junto com a rodovia
Gibrail Tanus e o Condomínio surra de urtiga... e nunca mais ele cometeu vários crimes ambientais
Rio-Santos, aqui chegou
Laranjeiras. Abaixo, relato de apareceu aqui no Sono. Hoje graças e socioambientais e socioculturais
ali por 1974. O Condomínio
moradora da Praia do Sono sobre a Deus nós estamos na paz aqui e etc. E também econômico, até
[Laranjeiras] chega aqui mais
o conflito com a família Tanus; e, (...) Na época foi o advogado Jarbas porque ali era uma área de troca,
ou menos em 78, 79, para se
em seguida, relato do pesquisador [Macedo de Camargo Penteado], que em que as pessoas faziam as trocas;
estabelecer. Aí um pouquinho antes
comunitário Jardson dos Santos era o advogado da Trindade. Aí tinha uma área de ir e vir, acesso à praia,
da APA de Cairuçu, uma unidade
sobre a história do Condomínio o jornalista lá, que era o Foster. acesso ao patrimônio da União… e
de conservação federal, que foi
Laranjeiras. Um pessoal lá que trabalhava, e ali são cinco praias privatizadas;
instituída em 83. Um detalhe
vieram pra cá e como diz a moda, eles falam que não é, mas é... até
importante, também, é que nos anos
compraram a nossa briga com o porque estão dentro da propriedade
E na época da briga do 70 foi feito um desenho do Parque
Gibrail. Aí nisso daí depois já se privada e, para passar, você tem que
Gibrail ficaram dezessete Nacional. O primeiro desenho do
meteu o Estado no meio, também obedecer às regras impostas pelo
famílias. Dezessete parque pegava recortes aqui, um
brigando contra o Gibrail, a nosso empreendimento e não... que não é
famílias, que quer dizer dezessete pedaço grande aqui de Laranjeiras”
favor. Foi aonde graças a deus, realmente do poder público, né?!”
casas. Porque tudo morava junto podemos dizer que ganhamos a [O decreto de criação do PNSB previa uma área de 174
com os pais. Numa casa só morava causa. Nós ganhamos a causa por mil hectares, que foram reduzidos a 104 mil hectares
duas, três famílias. Então quer dizer causa disso daí, que o pessoal entrou no ano seguinte]
Condomínio Laranjeiras
que no momento que foi liberado com advogado a nosso favor e tudo.
hoje tem bastante casa. Cresceu! E daí pra frente nós temos o nosso
Aqui cresceu. E outro, que ninguém O Parque Nacional da Serra
sossego (risos).”
podia construir também, na época do da Bocaina, no começo dos
Gibrail. Então quer dizer que tinha anos 70, eles fizeram um
Dona Lucilene de Castro, moradora da Praia
pouca casa. Hoje não, graças a deus do Sono, 59 anos dente e tiraram Laranjeiras, a parte
que Sono está movimentado, todo que viria a ser esse empreendimento
mundo construiu. Muito bom assim. do final dos anos 70. E com isso,
E antes do Gibrail tinha mais família. o Parque pegou até um pedaço
Antes, quando o Gibrail chegou no de Trindade, mas não pegou esse
Sono já tinha morador aqui dentro. pedaço de Laranjeiras, porque aí
Há muito tempo. A história é que talvez seria um pouquinho mais
ele comprou a fazenda Santa Maria, difícil fazer um empreendimento
então quer dizer que ele era dono da desse, né? Então, você vê, é um
fazenda Santa Maria. Foi de lá que detalhe importante também, que
muita gente desconhece”
78 79
Dona Ismênia, em frente à casa de farinha do seu Alziro e da dona Aurora.
E aí começaram também a
Foto: Gilberto Marques
realmente cercear alguns
direitos... da passagem
liberada, por exemplo, a qualquer
Enfim, quando o condomínio hora; e também de material de
chega já começa a impor construção... até de móveis, de
algumas regras de controle compra de mercado... uma série de
e tal. Bem, bem complicado. E me coisas assim... e dos anos 2000 para
lembro que as primeiras casas cá começou a ter muito conflito com
foram surgindo tal; começaram a os barqueiros da comunidade, né?
fazer aquela marina ali, que era Com os moradores e turistas e tal.
uma antiga laguna... começou ser Chegou ao ponto de agressão ali por
transformada numa marina; e parte dos seguranças do condomínio
quanto mais o condomínio foi se privado contra a moradora aqui, uma
estabelecendo, foram se apropriando caiçara aqui do Sono, e na qual o
daquela área ali, e realmente foram condomínio processou 23 pessoas
expulsando, de alguma forma, os aqui da comunidade e uma dessas
caiçaras que moravam ali - me pessoas, inclusive, teve que acessar
lembro que meu tio morava na beira um habeas corpus para poder passar
da praia, inclusive tinha os ranchos dentro da van do condomínio, não é
ali e tal... e essas pessoas foram nem uma passagem exclusiva, não.
passadas lá para cima, para um local Foi uma passagem mesmo assim
que o condomínio, também, que deu controlada, mesmo com o habeas
o nome; forjou um nome chamado corpus, ainda assim controlada pelo
Vila Oratório, né? E se apropriou condomínio”
do nome Laranjeiras, que era a
antiga Fazenda. Segundo eles, eles
compraram a antiga Fazenda total.
E com isso, também, falaram que
deram os lotes para as pessoas fazer
cultivo de roças, no meio da Mata.
É que as pessoas eram caiçaras e
agricultores familiares também;
viviam da roça mesmo e fizeram
as casinhas também nesse local
chamado Vila Oratório, que, em tese,
são as pessoas que trabalham para
os condôminos, para o condomínio,
no caso. E hoje esse localzinho
praticamente é tudo condomínio
também. Muitos já venderam...E tem
uns conflitos bem importantes ali até
atualmente, né?”
80 81
ORGANIZAÇÃO TERRITÓRIO
TERRITORIAL Estende-se de Laranjeiras à Praia
A praia da comunidade do Sono dos Antigos; e do litoral ao Morro
tem pouco mais de 1.200m de do Barrocão (ou pico da Jamanta) e
extensão, partindo do canto bravo aos fundos do Saco do Mamanguá.
até o canto da barra. Logo acima Existe uma relação histórica entre
da faixa de areia, uma ‘rua’ de os caiçaras da Praia do Sono e os
amendoeiras marca o caminho por caiçaras das vilas e localidades do
entre quiosques, restaurantes e Saco Mamanguá. O uso de recursos do
áreas de campings. Também nesta mangue, como a caixeta, faz parte da
faixa estão os ranchos de pesca, o tradição cultural da Praia do Sono.
rancho dos barqueiros que fazem a
travessia até a rampa do condomínio,
área para conserto de rede e o tacho SITUAÇÃO
de tingimento das redes – técnica FUNDIÁRIA
tradicional mantida na Praia do
Sono, mesmo com a chegada de Toda a vila caiçara da Praia do Sono
novos materiais para a confecção dos encontra-se em situação litigiosa
apetrechos de pesca. de propriedade, com ação judicial
em fase de análise pelo STF, movida
Paralelos ao caminho das pelo Estado contra a família Tanus,
amendoeiras e à praia, há, ainda, reivindicando as terras como
outros três caminhos e, ligando- públicas. O Plano de Manejo da
os, há trilhas perpendiculares, APA de Cairuçu reconhece as áreas
margeando quintais e campings com de uso e moradia dos caiçaras da
limites marcados por cercas vivas. Praia do Sono, incluindo áreas de
Três dessas trilhas se estendem uso tradicional da mata e roças. Um
em direção ao morro, seguindo o projeto motivado por condicionante do
rio da Barra e outros riachos. De licenciamento ambiental do Pré-Sal,
costas para o mar, a trilha mais à exigido pelo IBAMA e realizado pela
esquerda segue em direção à antiga APA de Cairuçu (em curso), busca
estrada do Sono (que desmoronou no mapear a situação fundiária de toda a
começo dos anos 1990), passando por UC.
roças e casas de farinha. As outras
duas sobem o Morro da Barra, se
encontrando no alto e seguem em
direção do pico do Barrocão, como é
chamado na comunidade, ou pico da
Jamanta, como ficou conhecido mais
recentemente. Este pico chega a
mais de1082m de altitude.

82
Seu Juquinha consertando a rede e crianças brincando ao fundo.
Foto: acervo OTSS

84 85
PESCA, Você vai cercar tainha na
canoa, o peixe nem percebe
AGRICULTURA E que você está cercando.
USO TRADICIONAL Você vai devagarinho no remo, você
não pode nem puxar muito “avocado”
DA MATA pra não fazer barulho na água,
você vai devagarinho. Então, você
As técnicas tradicionais da pesca A prática da escalada e salga do consegue cercar o peixe sem ele
seguem vivas na comunidade caiçara pescado, destacada pelos varais perceber, agora o bote a gente já
da Praia do Sono. As relações sociais de peixe seco, é ancestral e está percebe, mas o pessoal gosta do bote
na pesca artesanal revelam fluxos de relacionada à preservação do porque é rápido, entendeu? Mas, às
trocas simbólicas e materiais entre alimento, vindo dos tempos em vezes, perde muito peixe por isso. E
as muitas comunidades caiçaras da que a vila não era abastecida por você vê que na Trindade, o pessoal
região da Bocaina. Canoas, remos, energia elétrica. Essa prática segue, lá eles não cercam peixe de bote.
redes, cabos e demais petrechos mesmo após a chegada da luz, e É tudo na canoa também, eles não
são confeccionados e vendidos ou se estabelece como importante gostam de bote pra cercar peixe,
trocados pelos pescadores entre si. elemento da cultura caiçara da Praia eles só trabalham na canoa. Por isso
do Sono. que eles reclamam que o pessoal
Na Praia do Sono, há mais de 10 vai daqui pra lá pescar, o pessoal da
pontos de cerco, além de diversas Ponta Negra, vão pra lá porque vão
áreas para outros tipos de pesca. de bote, então espanta muito peixe.
Grande parte da produção pesqueira Eles ficam bravos, não gostam,
é para a subsistência e o comércio porque eles lá trabalham na canoa”
local voltado ao turismo (quiosques
e restaurantes). Um pequeno Seu Eni Manoel Albino, pescador da Praia
excedente é vendido para peixarias do Sono, 57 anos
do centro de Paraty.

Os conflitos históricos enfrentados


pela comunidade levaram a uma
considerável redução da agricultura
e do uso tradicional da mata. Não há
mais casa de farinha ativa e as roças
remanescentes servem somente à
subsistência. Planta-se: mandioca,
milho, feijão, cana, cará, batata doce,
inhame, abacaxi, cítricos e outras
frutas.

Seu Jorge consertando a rede com varal de peixes ao fundo.

86 87
Abaixo, trecho de entrevista com a
dona Iracema dos Santos, caiçara da
criou os filhos. Tinha mãe aí de
sete filhos, nove, dez… Todo mundo
PRÁTICAS DE
Praia do Sono que nasceu em 1931: trabalhando na roça. Todo mundo CUIDADO E SAÚDE
criou os seus filhos.
Dona Iracema dos Santos conta como
E como era a vida antes? Com era o cuidado com a saúde quando
E onde você acha que aqui tem
sua mãe; qual é a diferença que a não existia política pública para o
menos hoje? As pessoas estão
senhora sente para o que é agora? atendimento e os conhecimentos dos
usando o produto da roça? A senhora
mais velhos eram valorizados:
acha que tem menos pesca?
É muito diferente, é diferente.
E quando alguém ficava doente,
Naquele tempo, a gente … Era um É… Nesses tempos agora as pessoas Dona Iracema?
tempo muito difícil, né? Cansativo querem mais serviço em terra, né?
pro povo, era difícil. Aqui mesmo Trabalhar mais fácil. E aí já complica Quando fosse coisa assim, uma dor
não tinha como a pessoa pegar um mais porque as pessoas que falam de barriga, uma febre, a pessoa já
dinheiro, ganhar um dinheiro. Ia para que as coisas vão melhorar, num sabia que remédio ia usar. Porque
Santos, para o Rio, todo o lado aí, momento, se torna pior. Porque já os mais velhos, os mais velhos que
para Ilha Grande. Meu pai mesmo falta o dinheiro, tudo caro. Já faltou a gente, já tinham experiência do
trabalhou muito tempo em Santos. dinheiro naquele tempo, mas se remédio a pegar, né? Para uma dor
Vocês eram tudo pequeno e ele foi colhia mais da roça do que comprava. de barriga, para uma febre, para
para Santos trabalhar. Quando tinha Plantava feijão, plantava tudo o uma dor de cabeça e coisas assim.
para mandar dinheiro para casa, ele que precisava. E a roça era só para Já hoje não, hoje a pessoa sente um
mandava. Quando não tinha, ele não plantar mandioca mesmo, para fazer pouquinho e já vai logo para Paraty.
mandava. Ou ele mesmo vinha trazer. farinha. Feijão e as outras coisas,
Trazia um dinheirinho aí, deixava tudo se plantava. Era difícil quem Tinha muito remédio caseiro, né?
para a gente e ia de novo. Por muitos comprava. O dinheiro pouco que Erva, né?
anos da vida dele. E a necessidade ganhava era para comprar roupa,
que a gente passava no intervalo que para pagar alguma coisa que a gente Tinha santa maria, maria preta, coisa
ele não tinha dinheiro? Comia mesmo devia. Já hoje não, hoje o pessoal de machucadura, erva de passarinho.
a banana, a batata da roça. passa melhor, mas dinheiro também Quanta erva de passarinho eu tomei.
já falta, né? Tá mais difícil as coisas. Minha mãe coloca e espremia para eu
A farinha, o peixe…
tomar.

É que aqui sempre foi uma praia de


A senhora acha que tem menos
fartura de peixe. Nunca faltava, era
dessas plantas por aqui?
difícil quando faltava o peixe. Aí a
gente tudo se criou assim mesmo,
Eu acho que sim, porque eu tô
com toda a pobreza, mas, graças a
caminhando, saindo por aí, mas
deus, tá todo mundo aí, né? Quem já
quase não vejo, não. Só vejo mesmo
foi, foi porque chegou a hora mesmo
algumas coisas que a gente planta
de ir. Mas passar necessidade,
aí, que as crianças plantam. Mas, de
passar fome assim… Ninguém. Não
primeiro, todas as pessoas saíam
teve isso não, graças a deus. Com
para o mato pegar suas folhas para Dona Lucilene
toda a pobreza, mas todo mundo
fazer os remédios.
Seu Nilo, referência da cultura e da luta da Praia do Sono.
88 Foto: acervo da comunidade 89
FESTAS E ASSOCIAÇÕES
CELEBRAÇÕES COMUNITÁRIAS
Formas de expressão Modos de fazer
• Associação de Moradores
Originários da Praia do Sono
Pilota = pedra Cercos (ver lugares) (AMOSono) é ativa e atuante;
Bitocão/baita = grande Varal de Peixe Seco
Jundu Paçoca de Banana • Criação de grupo de mulheres da
Cambote = tombo Praia do Sono se deu durante do
Mundéu (armadilha de caça)
Peral processo de caracterização;
Esparrela de passarinho
Luzerna = fogo grande
“de primeiro” = antigamente
Arapuca de passarinho • Associação de barqueiros que
organiza e gerencia a travessia de
ACESSO A
SERVIÇOS
Grude de passarinho
Afiuzo = espera
Tingimento de rede com aroeira ou chorão moradores e turistas ente a rampa
Facho ou fachilete = lanterna e a quaresmeira no condomínio Laranjeiras e a praia; PÚBLICOS E
RENDA
Andejo = andarilho Gereré (pesca de siri)
Barraqueiro = turista Puçá (pesca de camarão) • Grupo de Bordadeiras que
Folia de Reis Zangareio (pesca de lula)
promovem oficinas de bordado
na comunidade. Os bordados • Educação: Escola fundamental
Bordado
Celebrações representam a cultura caiçara da até o 9º ano (conquista recente
Limpeza de tainha da cachoeira – escalar a tai-
nha ou consertar o peixe Praia do Sono e são premiado em da comunidade é a implantação
Folia de Reis
diversos festivais. do segundo segmento do ensino
Comedor de farinha de milho Corrida de canoa fundamental na escola, por meio do
FestiJuá • Grupo de mulheres de luta pela Coletivo de Educação Diferenciada de
Festas da Igreja Protestante educação diferenciada caiçara e que Paraty).
conquistou o direito à educação para
Festival de Inverno
a comunidade. • Saúde: Posto de saúde ocupa a
sede da Associação de Moradores
• Rádio Caiçara - rádio comunitária Originários do Sono (AMOSono), com
gerida pelo Zaquel, que é deficiente presença de ESF.
visual, sintonizada pela FM 88,3.
• Saneamento: Implantação de
saneamento ecológico piloto, pelo
OTSS, em algumas residências
caiçaras (as mais próximas ao rio),
na escola e sede da AMOSono. A
Coleta de lixo ocorre de forma
irregular por barco contratado pela
prefeitura e com rota “por fora” da
península do Cairuçu (por proibição
de passagem dos resíduos pelo
Condomínio Laranjeiras).
90 91
Tradição do futebol de areia, cujo momento maior é o FestiJuá.

92 93
Ameaças causadas por grandes empreendimentos, que eles matavam antes, porque não
tem, os peixes parecem que estão se
turismo predatório e especulação imobiliária acabando, estão diminuindo muito.

Fala a respeito do relato sobre o todo mundo se alimenta do cerco. Todo mundo fala isso mesmo, que o
impacto do turismo de massas sobre O falecido Antônio sempre falou peixe diminuiu muito.
a cultura caiçara na Praia do Sono: pra mim que essa rapaziada, essa
garotada agora, adolescente, foram Mas eu ainda acho que quando nós
tudo criado com peixe de cerco. pescávamos na traineira não tinha
Nem é todo mundo que essa aparelhagem que tem agora,
pesca, aqui no Sono agora Porque não tem açougue, é o cerco.
As pessoas pegam peixe de manhã o sonar, radar, a gente tinha muito
tem pouco pescador, mal uma sondazinha preta e branca
muito pouco. Essa rapaziada agora pro almoço, a tarde pega pra janta,
uns chegam a salgar o peixe pra que só marcava o peixe no fundo,
ninguém quer saber mais de pesca, você via aquela manchinha preta,
você chama pra arriar o cerco secar pra vender também. Então todo
mundo se alimenta do cerco, é uma você sabia que era peixe. Se tivesse
ninguém vai. Ninguém quer saber de um bico você sabia que era parcel,
pesca depois que entrou o turismo o fonte que a gente tem pra consumo.
então a gente matava quando você
pessoal esqueceu da pesca. Porque o via, igual o “piloteiro”, o vigia, o
turismo é bom, você ganha dinheiro, Você acha que antes estava mais
forte? barco ficava lá com a lanterna a noite
mas a gente não pode esquecer da toda, então você via na ardentia o
pesca também, se a gente parar peixe, a sardinha. O peixe queimava
de pescar aí acaba o peixe da Antes era mais forte, dava mais
peixe. Agora dá pouco, mas antes na ardentia, você via aquele clarão,
comunidade” então a gente cercava assim. Agora
eu lembro, quando eu era menor,
trabalhava com meu pai, às vezes não, os mestres de barco hoje em
Seu Eni Manoel Albino, pescador da Praia
do Sono, 57 anos a gente passava o dia todo tirando dia, pula dentro da cabine, no sonar,
peixe da rede. Era muito peixe, agora só cerca o peixe no sonar, então o
deu uma diminuída. Tipo igual o galo, peixe que está aqui em 1.500 metros
Segue abaixo um trecho de entrevista daqui pra frente ele já sabe que o
com o pescador Eni Manoel Albino, que a gente chamava o galo grande,
a gente matava muito no mês de peixe está lá, já sabe a quantidade
respondendo a perguntas sobre de peixe que tem. Então isso tudo vai
a pesca industrial e o tráfego de novembro, dezembro, matava muito
peixe galo, olhudo, tipo o carapau acabando, antes o maior barco que
petroleiros e seus impactos na pesca tinha pra pescar era 70 toneladas,
artesanal: mesmo, que antes dava muito mais.
Agora o único peixe que dá de fartura 60 toneladas. Hoje não, é barco
pra nós aqui é o carapau, mas não dá de 200, cento e poucas toneladas,
E essa pesca do cerco ela serve para tanto quando dava antes, o bonito, a então imagina aquilo tudo de barco
consumo da família e também vocês cavala, a sororoca, nossa era muita igual tem no sul? Aqueles navios,
comercializam? quantidade de peixe. Até a tainha carregados de cabo, matam os
mesmo, eu lembro que o papai que grandes, matam os pequenos,
É, a gente vende o peixe pra Paraty pescava com a rede tainha, o papai, matam tudo. Aí vai acabando, vai
e também pra gente, pro consumo o seu Antônio, matavam muito peixe diminuindo.
aqui da comunidade, nosso, da mesmo. Agora a gente mata, mas
família. Eu costumo falar que o cerco é pouco, não mata em quantidade Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
aqui no Sono é o açougue, porque legal para essa foto.

94 95
O QUE FOI
MAPEADO
A comunidade caiçara da Praia
do Sono trouxe para os mapas os
lugares mais simbólicos de sua
cultura. Destacam-se espaços
coletivos relacionados à atividade
pesqueira, como as áreas para
esticar varais de peixe, do tacho para
tingimento das redes (o tingimento
é feito com cascas da aroeira ou da
quaresmeira) e dos ranchos para
guardar barcos e petrechos.

Outros pontos mapeados que estão


relacionados à pesca são as pedras,
costões, lajes, parcéis e ilhas que
têm relação com pesqueiros ou
servem de referência à navegação.
Importante destacar que vários
desses lugares tiveram seus nomes
alterados ao longo do tempo ou têm
nomes diferentes na Praia do Sono
e na Ponta Negra, por exemplo.
Algumas pedras receberam nomes
de pessoas que passaram algum
“perrengue” próximo a elas.
No continente, foram destacados
caminhos que levam a roças e
a outras comunidades, além de
algumas construções destacadas,
como a escola, a sede da Associação
de Moradores e a igreja evangélica.
Ao todo, 96 itens foram colocados
no mapa da Praia do Sono, entre
eles: pontos turísticos, cachoeiras,
mirantes e roças.

Landinho, pescador da Praia do Sono.

96 97
98 99
PONTA
NEGRA
A cultura caiçara, daqui da Praia Negra, de todo o lugar
aqui das costeiras, sempre foi isso. É pesca. Pesca de
cerco flutuante. Pesca de todo tipo... artesanal, né? E
é roça também, que a gente planta de tudo um pouco. E eu faço
artesanato com as coisas da mata. E tudo o que a gente precisa,
pra pesca, pra roça, pro artesanato, a gente busca na mata. Essa
é a nossa cultura, né? E agora, pra viver, tem também o turismo,
que foi chegando. E tem um pessoal aí, que vive de alugar de
casa, de restaurante... eu mesmo, vendo meu artesanato pros
turistas e também pra enfeitar as casas, os restaurantes”

Seu Francino Marcelo dos Santos, 65 anos.

100 101
TEMPOS E Um dos interlocutores entrevistados
pelo Povos, o comerciante Teteco
Hoje a principal atividade
é turismo e, nele, o que
ESPAÇOS (Adenício dos Remédios), afirma que gera renda é o transporte
sua família está na Ponta Negra des- Eu não sei de onde vieram da Laranjeiras para a Ponta Negra.
A Ponta Negra, ou Praia Negra, como de o seu tataravô e que a cachoeira do meus avós. O meu avô eu Depois vem o aluguel de casas e
defendeu um dos entrevistados neste Moisés, um ponto de referência local, conheci, meu bisavô eu não chalés e restaurantes. Hoje também
processo de caracterização, é uma co- teria esse nome em homenagem a conheci. O meu bisavô era senhor de tem muito o serviço da trilha, os
munidade voltada ao sul e está próxima ele. A mãe do Teteco, dona Adilarda escravos, ele tinha não sei quantos trekkings, principalmente para levar
à ponta leste da península da Juatinga/ de Alcântara Jesus dos Remédios, é escravos. Agora, o meu avô não tinha o turista para o Saco Bravo”
Cairuçu. Sua pequena praia está entre nascida em 1938, na Ponta Negra. escravo. Eu conheci meu avô, meu
duas pontas, costões rochosos e sob avô morreu velhinho, morreu quase Adenício dos Remédios, comerciante da
Ponta Negra, 50 anos
um vale íngreme. Dela, quase não se com cem anos - daí para lá. Agora,
veem as casas e demais construções Nasci na Ponta Negra com de onde veio? Porque aqui mesmo
da vila caiçara. O acesso é feito prati- parteira, de parto normal. na Ponta Negra, é o seguinte, não
camente pelo mar, visto que as trilhas Minha mãe e meu pai tinha morador. O tempo dos meus
que levam até lá passam por subidas e nasceram lá também. Meu pai é de avós, do meu bisavô, do meu pai, não
descidas de altos morros e demandam 1928 e minha mãe de 1938. Tinham tinha morador aqui dentro. Aí entrou
forte preparo físico de quem se aventu- dez anos de diferença entre eles. É uma família aqui dentro, que eu não
ra por elas. bem possível que meus avós tenham sei de onde entrou essa família. A
nascido lá também. Porque eu acho gente procurou saber deles, dos
As construções da vila da Ponta Negra
que a minha família é a mais antiga mais velhos, do meu avô… Quando
acompanham o rio, que desce pelos
da Ponta Negra. A gente tem uma criança, a gente procurou saber
canais de drenagem e vales do conjunto
referência interessante lá na família, deles, de onde veio essa família, se
de montanhas da península. Ela está
porque fala assim, cachoeira do veio de Ubatuba, se veio de lá de
aos pés do pico do Cairuçu e o mais
Moisés lá na Ponta Negra, sabe? E São Sebastião, se veio de Caraguá,
alto, que ultrapassa os 1.000 metros de
Moisés era o bisavô da minha mãe” se veio aqui de Guará, se veio de
altitude. Trata-se de uma vila recôn-
dita, local ideal como esconderijo de Angra dos Reis ou de outro lado. Mas
Adenício dos Remédios, comerciante da
piratas em tempos coloniais ou de refú- Ponta Negra, 50 anos
entrou uma família aqui”
gio do “corre-corre” de dias atuais. Seu Nelson José da Costa,
agricultor e pescador da Ponta Negra,
Sua formação se assemelha às demais Já o pescador Nelson da Costa
por volta dos 80 anos
comunidades caiçaras da região, com é categórico em afirmar que os
presença de moradores que vivem no primeiros a ocupar a região vieram
A Ponta Negra foi a última
local há mais de 150 anos. Há contra- bem depois, e se assentaram no
comunidade a ter rede de energia
dições perceptíveis entre as histórias caminho da cachoeira do Saco Bravo,
elétrica implantada, no ano de 2017.
contadas por diferentes interlocutores um poço voltado à leste, na ponta da
Até pouco tempo atrás, o turismo
quanto à ocupação original da Ponta península.
era restrito a pequenos grupos e não
Negra. Porém, como a noção de pro- se apresentava como principal fonte
priedade sobre a terra é algo relativa- de renda. Porém, com a chegada da
mente novo na região, pode-se afirmar luz e a “descoberta” da cachoeira do
que há uma grande comunidade caiçara Saco Bravo, a comunidade passou a
da Juatinga, que une, em irmandade, receber mais turistas e não somente
todas as comunidades da península. na temporada de verão.
102 103
OCUPAÇÃO Segundo o estudo “A Vida na Ponta
Negra” 1 , de 2011, realizado como
Além de estar sobreposta pela REEJ,
a Ponta Negra também é sobreposta
Segundo o estudo de 2011, havia
na Ponta Negra o total de 122
TERRITORIAL forma de subsidiar a recategorização pela APA de Cairuçu, sendo que construções. Passados onze anos,
da REEJ/Inea (recategorização, esta, o plano de manejo desta última estima-se que as construções tenham
O território da Ponta Negra se estende até hoje não finalizada), naquele ano (cuja atualização se deu de forma ultrapassado o número de 150. Para
da Praia dos Antigos ao Cairuçu das a situação fundiária era: participativa no âmbito do conselho) efeito de comparação, seguem os
Pedras, incluindo o Saco Bravo e ilhas; reconhece a vila Caiçara e áreas de dados de 2011, com comentários
no continente, sobe o morro até o pico a) O domínio das terras é na sua uso tradicional da mata e roças. atuais (não está considerada a
do Cairuçu. Nos morros e próximo aos maioria na forma de posses. tragédia de abril de 22):
caminhos tradicionais da Juatinga, há
áreas de roças e de uso da floresta, b) Há um pequeno número das
como apontado no mapa produzido posses que têm escritura (documento DADOS DE 2011 DADOS ATUAIS (ESTIMADOS)
pela comunidade. que torna válido um contrato).
64 casas de nativos, sendo 56
Aproximadamente 150 construções no total
Assim como a Praia do Sono, a para moradia e 8 para aluguel
c) Alguns particulares detêm
comunidade está sobreposta por terra escrituras registradas em Cartório
privada reivindicada pela família Tanus que representam grandes áreas, 2 restaurantes/bares 5 restaurantes, bares ou quiosques e 1 padaria
(grilagem). Em 2022, a comunidade na sua maioria em cima de áreas
esteve na expectativa do processo ocupadas por comunidades caiçaras. 12 ranchos de pesca 12 ranchos de pesca
movido pelo Estado contra a família
Tanus voltar à pauta do Supremo d) Por conta do interesse econômico
3 áreas de camping 6 áreas de camping
Tribunal Federal. Também em 2022, e turístico, essa situação tem gerado
foi realizado estudo sobre a situação conflitos sérios e tem exposto as
fundiária, ainda não publicado. comunidades a pressões para deixar 5 casas de farinha 3 casas de farinha

suas terras de origem.


O que fez vir morar na 1 escola municipal 1 escola municipal
cidade, que teve esse êxodo
a partir da década de 80,
1 sede Associação Moradores 1 sede Associação Moradores
dali, foi a questão da educação, da
escola. Muitos vieram para Paraty
para poder ter os estudos. Então, a 2 igrejas 2 igrejas
gente fica assim, indo e voltando.
(...) Tenho 11 irmãos, nós somos 12 0 posto de saúde 1 posto de saúde
filhos, 11 homens e uma mulher.
Todos nascidos na Ponta Negra de
parto normal também. Hoje, assim,
vivendo 365 dias no ano, o tempo
todo lá na Ponta Negra, só tem dois.
Que todo mundo veio pra cidade, pros
filhos estudarem, né?”

Adenício dos Remédios, comerciante da


Ponta Negra, 50 anos

104 105
Desastre climático
Em abril de 2022, fortes chuvas A tragédia marcou toda a comunidade
provocaram escorregamentos de que, consternada, se mobilizou
encostas, alagamentos, isolamento pelo apoio e a solidariedade de
de diversas comunidades e muita toda a cidadania paratiense e de
destruição em todo o litoral sul do todo o Brasil. Além da tristeza pela
estado do Rio de Janeiro e norte do perda de toda a família de Lucimar,
estado de São Paulo. a comunidade ainda viu várias
outras casas desabarem e móveis,
Em Paraty, a Ponta Negra foi a
eletrodomésticos, instrumentos
comunidade mais atingida, com
para confecção de artesanato e
muitas casas soterradas ou
petrechos de pesca, ferramentas
arrastadas pela lama que desceu
de roças e comércios voltados ao
com força bruta pelos vales da
receptivo turístico se perderem
comunidade. A tragédia foi marcada
nas enxurradas. Campanhas para
pela morte de uma família inteira:
arrecadação de alimentos, água,
a mãe, Lucimar de Jesus Campo
medicamentos e outros itens de
e seus sete filhos, com idades
necessidade básica foram lançadas
entre 2 e 17 anos – João, Estevão,
e a solidariedade dos brasileiros
Yasmim, Jasmim, Dorqueu, Luciano e
chegou à comunidade, para diminuir a
Lucimara. A família vivia em uma casa
dor e os prejuízos causados.
de pau-a-pique, que foi soterrada.
Passados sete meses da tragédia,
a Associação de Moradores Nativos
e Amigos da Praia Negra informa
que ainda aguarda o laudo técnico e
início das obras de contenção, pela
prefeitura de Paraty.

Estevão de Jesus Campo, um dos meninos que faleceu na tragédia

106 107
Pensar em uma legenda legal para essa foto. ensar em uma legenda
legal para essa foto.

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Economia local e práticas de subsistência: um quilo de açúcar para fazer o
café. E o resto era café de cana. A
pesca, agricultura e extrativismo gente criava, plantava café, colhia
café, não comprava. Hoje não. A
A Ponta Negra é uma comunidade Só o Juarez e o Adilson... farinha, depois de a terra dar, vai
cuja vocação turística vem se mais ninguém tem casa comprar em Paraty a quinze conto.
intensificando nos últimos anos. de farinha aqui não. Sabe Daqui primeiro comia da roça, não
Porém, a pesca segue sendo uma por causa de quê? No tempo do precisava de nada disso. Comia
das principais fontes de alimento e meu pai, no tempo dos meus avós, aipim, comia batata, comia - não sei
renda. a gente comia coisa da roça pura. se vocês conhecem - o cará, a taioba.
E hoje a gente precisa comprar no Tirava tudo da roça. Hoje não, tem
Os pescadores da Ponta Negra comércio, e já vem tudo cheio de que ir para Paraty comprar”
vendem o pescado para peixarias química. Feijão, abóbora, melancia…
Seu Domingos José da Costa, agricultor,
no município de Paraty. Relatos é tudo secado em estufa, essas pescador e artesão da Ponta Negra
afirmam que o preço pago é muito coisas. Mas antes não, tudo vinha
baixo, porém, não há alternativa lá da roça. Coisa boa vinha de lá.
para o escoamento do excedente Melhorou por uma parte e piorou por
da pesca. Nos últimos anos, houve outra. Aí teve isso. Deixe eu te falar
uma retomada de áreas de cerco, uma coisa, o que está acontecendo
principalmente após a pandemia. dentro dos lugares, não é só aqui.
É em tudo quanto é parte. Acabou a
roça, ninguém planta cana, ninguém
Roça tradicional planta café, ninguém faz nada. E de
primeiro não, minha mãe quebrava
De acordo com depoimentos,
o café com a pedra. Socava com a
principalmente dos entrevistados
pedra de vez para poder torrar. A
mais velhos, apresentam certo
gente fazia o café, entendeu como
ressentimento com a juventude
é? Hoje não. Hoje bate lá em Paraty
que não quer mais plantar. Porém,
para comprar um quilo de café, dois
durante o processo de cartografia
quilos de café, e o café não dá tinta.
social do Povos, foram apontadas
E por que não dá tinta? Porque tá
diversas novas áreas de roça,
tudo misturado com outras coisas.
“reconquistadas” ou reabertas
E o feijão? Quando eu falo para o
durante a pandemia.
pessoal daqui, eles ficam olhando
para minha cara, dando risada. Eu
falo “é porque não aconteceu com
vocês”. O terreno daqui tirava o
feijão da roça, tirava a mandioca
da roça, a farinha, a cana… A gente
moía a cana, nós fazia engenho para
moer cana, não comprava açúcar.
O meu pai, na casa dele, comprava

110 111
Abaixo trecho de entrevista com o Ainda tem alguém que faz coivara Tem, tem algumas. Uma fruta que De arpão não?
artesão Francino Marcelo dos Santos, por aqui? dá no cipó também, que é quase
de 65 anos, sobre sua vida, o manejo como uma uva, abutua. Também é Não, de mergulho.
da floresta para o artesanato, a É, como se diz, tem algum. Porque o muito boa. A fruta do guacá também
pesca e roça. sapê você precisa da coivara. O sapê é muito útil pra comer. Ela é muito E essa que “arpoa” de cima da
é o seguinte, o sapê primeiro você ácida, mas ela é boa. pedra?
tira o primeiro ano, o segundo você
O que vocês têm aqui da mata que já tem que queimar, se não queimar Dá pra fazer suco? Isso aí, também, é uma coisa que
é manejado? Pra fazer canoa, pra a tendência dele é morrer e acabar. é bom a gente deixar claro, que
tingir rede? Então você queima ele. A mata toma Dá, tranquilo. isso aí era mais do passado. O povo
ele. antigo que nem meu pai que era
Então, essa parte eu vou deixar Isso, isso. E o que mais? Assim, Tem algum uso, além do artesanato, mais veterano daqui do lugar, então
com o Juarez. Negócio de canoa, também um manejo pra tirar o cipó. dessas madeiras, das coisas da ele gostava muito dessa atividade.
pintura de rede aí... eu deixo pra ele, Porque o cipó é uma coisa que a mata? Tem alguém aqui que ainda De sair de cima da pedra, de canoa,
porque ele trabalha com isso aqui gente tem que tirar, vai tirando aos faz canoa? e sempre com um arpão pra fisgar
há tempo. Eu vou conseguir destacar pouquinhos. Não pode tirar tudo de o peixe. Agora hoje eu não sei onde
a minha parte, que eu trabalho com uma vez, se tirar acaba. Aí a gente O Juarez. O Juarez faz canoa, faz tem mais isso, hoje pode fisgar de
artesanato. Eu sou artesão, então sai, eu vou aqui na Ponta Negra, eu remo, faz gamela. mergulho.
eu uso cipó da mata, cipó timbopeva, ando por aí tudo, vou até lá em cima,
pra fazer a cesta, pra fazer fruteiro, no mato do Gibrail. Vou na parte aqui E roça? Entendi. E na sua roça tem o quê?
luminária, essas coisas. E trabalho até o Maximiano, vou aqui na Vagem.
com madeira também pra fazer os Enfim, eu ando na mata inteira, onde Roça eu tenho também. Inclusive eu Na minha roça tem um bocado de
pés da fruteira, que é peroba. tem eu vou buscar. trabalho na roça. Hoje em dia eu… coisa. A planta principal que eu
Antes de ontem eu tava falando lá planto é a mandioca, pra farinha.
E a gente pode ver depois, esse E tem uma época do ano que é com os meninos lá na piscina do Saco Aipim, banana, tem cará, tem batata
artesanato? Tem dele por aí? melhor? Bravo. Eu nunca pensaria na minha doce, tem inhame, taioba, feijão
vida de um dia ser monitor, e hoje eu também. Abacaxi também. Abacaxi
Tem, tem aqui a fruteira, a fruteira Não, o ano inteiro. É só tirar o que sou. Depois do curso que a gente fez eu não como, eu gosto de plantar
grande. Tem ali no Careca também. A tá maduro, não pode tirar o que tá aqui, aí na sede, com o pessoal do (riso). Agora a gente tem maracujá,
luminária também tem ali no Careca. verde. Que o verde não aproveita, é Inea, e a gente como se diz, pegou o plantei também. Maracujá é muito
Tem kulelê também e por aqui só o maduro. crachá de monitor. Hoje eu trabalho bom pra suco, e hoje em dia, por
também pela comunidade, tem muita com turista. Aí eu trabalho com aqui o pessoal tem bar, já é pra
por aí. Mas tem por aqui na praia E nessas suas caminhadas, tem visto turista, trabalho com artesanato, caipirinha.
é mais perto pra você ver. E o que muito bicho? trabalho na roça e de vez em quando
mais? Também faço oficina de sapê eu dou umas pescadas também. Eu
também, trabalho. Tem. Com tudo isso que hoje está gosto de pescar.
escasso, porque a desmatança é
E o sapê ainda tem? muita. O exploramento de bicho é Pesca de onde? De linha ou de rede?
muito, mas ainda tem muito. Ainda
O sapê tem pouco, aqui tem pouco. encontra muito aí. De pedra, como se diz, tanto faz de
Onde tem mais é lá em casa, no sul linha na mão como de vara também.
das pedras. E de fruta? Tem alguma fruta que Eu gosto muito.
coleta da mata atlântica?

112 113
Área de roça da Ponta Negra. Imagem de drone. Acervo OTSS

114 115
ASSOCIAÇÕES FESTAS E Manejo de cerco flutuante no maritório da Ponta Negra

COMUNITÁRIAS CELEBRAÇÕES
• Associação de Moradores Nativos Formas de expressão
e Amigos da Praia Negra é ativa e
Contos caiçaras, causos
atuante.
Comidas típicas
• Guias e condutores turísticos
Tinha parteiras,
locais organizados e formados, hoje não tem mais
principalmente para passeios até Umbigo enterrado sob o Cambucá
a cachoeira do Saco Bravo, com
Brinquedos feitos pelas crianças
supervisão da REEJ/Inea. com isopor e outros materiais
que chegam na praia –
• Associação Cairuçu aluga casa barquinhos; carrapetas

na comunidade como sub-sede Totoa – escorregador com


parte da folha de palmeira
e local de realização de projetos
voltados à infância. O projeto é Celebrações
chamado pela associação (mantida
Folia de Reis
pelos condôminos de Laranjeiras)
FestJuá / Fut Juá
de Centro de Educação Integrada
Festival Maré
Cairuçu (CEIC Ponta Negra). Cheia de Cinema

Modos de fazer

Pesca: cerco flutuante, mijuada;


feiticeira; caniço; linha; espinhel;
mergulho; rede artesanal

Extração do guia

Cestaria, artesanatos; tapetes: seu


Francisco, dona Dália, Simone

Coletivo de mulheres faz artesanato de


bico com chita (mobilies)

Roça: farinha de mandioca, inhame,


cará, feijão, cana, banana, hortaliças e
pomar (complemento para a pesca)
Fogão à lenha

Tinta para pesca – uso da quaresmeira e


da aroeira para tingimento da rede

Puxada de canoa – Ingá, Timbauíba

Uso do Sapê

116 117
CONFLITOS E • APA de Cairuçu e Reserva Estadual
Ecológica da Juatinga: já não mais
Amanhecia, na época do
inverno, cheio de piche na
que você está fazendo a entrevista,
eu quero dizer uma coisa para você.
AMEAÇAS AO representam ameaça ao modo de praia. Muitas vezes você Agora aqui nós estamos vendo, de
MODO DE VIDA vida, porém, há um temor de que
a recategorização da REEJ leve à
não podia andar na praia, tinha que
tirar. Muitas vezes eu peguei pá
uns anos para cá, uma calmaria de
mar. O mar, ele se arrevolta, agora
criminalização de algumas práticas com os meus filhos pra ir limpando de tarde ou amanhã de manhã ele tá
• Família Tanus: neto de Gibrail se- e/ou à redução dos territórios de uso a praia com piche, porque ficava mais assim… E, de primeiro, eram
gue com ações em ameaça à perma- dos caiçaras. aquela mancha de óleo. Não podia oito dias.
nência da comunidade em seu ter- andar, o pessoal ficava com o pé tudo
ritório, porém, hoje, essa ameaça é • Pesca industrial: antecipa os manchado, com o piche na praia, O mar mudou, o senhor acha?
menos sentida, principalmente entre cardumes e tem sido apontada como muita coisa”
os jovens que não viveram o período uma das responsáveis pela redução Mudou tudo! A coisa mudou tudo,
Vanderlei Souza Chaves (Lelei), pescador e
de maior assédio sobre o território. do estoque pesqueiro nos maritórios mas tudo mesmo.
comerciante da Ponta Negra, 60 anos
Em 2022 a comunidade esteve na da pesca artesanal.
expectativa do processo movido pelo E o senhor acha que é por quê?
Estado contra a família Tanus voltar à • Presença de grandes navios Abaixo, trecho de entrevista com Que mudou tanto assim? O clima ou
pauta do Supremo Tribunal Federal. passando “por fora” da ponta da Seu Nelson, pescador da Ponta o quê?
Juantinga, especialmente navios Negra, sobre a rede que ele utiliza
• Condomínio Laranjeiras: constante petroleiros que impactam a pesca. e as mudanças observadas no Ah, um outro diz “é o clima”, outro
violação do direito de ir e vir; ameaça comportamento do mar e do clima. diz “mas é a época, que vai deixar
por ampliação de área e implantação • Relato de medo de vazamento de existir e não sei o quê”, o outro
de Reserva Particular do Patrimônio de petróleo e outros acidentes diz “é que vai voltar atrás e não
Natural (RPPN) pelo condomínio; relacionados à cadeia produtiva de A rede ali foi o senhor quem fez, seu sei o quê”. É porque já estamos no
criminalização de comunitários que petróleo e gás. Nelson? fim do mundo, ou então no fim da
lutam por seus direitos ao livre picada. Quando pensar que não, se
trânsito, à pesca e usos do território A rede é minha esposa que faz. apaga tudo aí, um monte de gente aí.
sobreposto pelo condomínio. Segundo o que as escrituras falam,
Aquela ali, ela vem dessa cor vai ficar um monte de gente sofrendo
mesmo, ou ela é tingida? nesse mundo. Porque, de primeiro,
eram oito dias, para o sudoeste
De lá ela vem dessa cor, agora, se batendo... Bambu cantava lá na
eles tingem lá na fábrica eu não sei. praia, no bambueiro, lá na praia.

Tira e coloca num rolinho e vai


enrolando, né? Bota na lata…

É, é, vem em tira.

É como se fosse um tapete, né seu


Nelson?

É, é a mesma coisa que um tapete.


Eu quero dizer uma coisa para você,

118 119
O QUE FOI MAPEADO

Os participantes da Ponta Negra mapearam 115 itens, entre pesqueiros,


áreas de roça, pontos turísticos e lugares importantes à história e
reprodução cultural da comunidade caiçara. Algumas práticas tradicionais
foram apontadas, tais como a agricultura por pousio e coivara e o uso
tradicional da mata para o artesanato e a confecção de petrechos da
pesca. A sede da associação de moradores estampa alguns desses lugares
mapeados, demonstrando o valor dado a eles pela comunidade. O mapa
produzido evidencia elementos da cultura caiçara em sua relação com a
natureza, as matas, pedras e costões e o mar.

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www.otss.org.br

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