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O povo que planta e pesca,

Canta, dança e faz festa


no seu pedaço de chão,

Abastece a sua mesa e


agradece a natureza em
qualquer religião.

Seu lugar, seu oratório.

Tirar o seu território é


calar a tradição.

Luís Perequê

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Realização: Coordenação de Campo / Povos:
Associação Comunitária Indígena Guarani Anna Maria Andrade, Cristiano Lafetá, Gabriela
(ACIGUA) Comunidade Guarani Mbya da Aldeia Itaxi Muruá
Mirim
Associação de Moradores do Quilombo Campinho Pesquisadores de Campo (FCT) / Povos:
(AMOCQ) Alexandre Karai Benite, Ana Carolina Santana
Associação de Moradores de Paraty Mirim (AMPM) Barbosa, Ariane Rosa Martins, Carolina Santos,
Associação Comunitária Indigena da Araponga Fabiana Ramos, Ivanildes Pereira, Luisa Vilas Boas
(ACIAR) Comunidade Guarani Mbya da Aldeia Cardoso, Francisco Xavier, Guilherme Euler, Lohan
Guyratapu dos Santos, Sergio Reis, Vagno Martins, Julio
Observatório de Territórios Sustentáveis e Garcia Karai, Santiago Bernardes
Saudáveis (OTSS)
Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Coordenação de Comunicação:
Reis, Paraty e Ubatuba (FCT) Vinícius Carvalho, Eduardo Di Napoli, Felipe
Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Scapino, Vanessa Cancian, Tiê Passos

Coordenação geral: Coordenação de Governança e Gestão:


Fabiana Miranda Leonardo Freitas, Aline Tavares, Alessandra
Bortoni Ninis
Coordenação de Campo / Carapitanga:
Anna Maria Andrade e Gabriela Muruá Coordenação de Justiça Socioambiental:
Marcela Cananea, Thatiana Lourival
Pesquisadores de Campo / Carapitanga:
Ariane Rosa Martins, Alexandre Karai Benite, Validadores / Movimentos Nacionais:
Carolina Santos, Julio Garcia Karai, Lohan Paulo Julio Garcia Karai, Comissão Guarani Yvyrupa
dos Santos, Ronaldo dos Santos (CGY)

Textos:
Marcela Cananea, Coordenação Nacional de
Comunidades Tradicionais Caiçaras (CNCTC ÍNDICE
Gabriela Muruá, Anna Maria Andrade, Fabiana Ronaldo dos Santos, Coordenação Nacional de
Miranda, Santiago Bernardes Articulação das Comunidades Negras Rurais

Revisão Técnica:
Quilombolas (CONAQ)
Projeto Povos ................................ 08
Vinícius Carvalho, Anna Maria Andrade e Gabriela Entrevistados / Agradecimentos:
Muruá Álvaro Martins, Ariane Rosa Martins, Daniele Elias Entendendo o Pré-Sal ............................ 10
Mapas:
dos Santos, Décio Elias de Lara, Eva Jera Benite,
Fabio Junior Alves da Silva, Joaquim Karai, João Como esses mapas são feitos ................ 14
João Oswaldo Cruz, Nicholas Saraiva, Tiê Passos Paulo Amorim dos Santos, Julio Garcia Karai,
Jurassi Cristo Pereira, Karai Tataedy Oka (cacique
Como usar esses mapas a favor das
Fotos:
Anna Maria Andrade, Eduardo Di Napoli, Felipe
“Augustinho”), Manoel Alves da Silva, Nino Benite
da Silva, Odete Maria da Conceição, Para Mirim
comunidades .......................................... 16
Scapino, Gabriela Muruá, Tiê Passos (“Marciana Oliveira”), Renato Vieira da Silva,
Ronaldo dos Santos, Silvana Alexandrino, Vagner
Projeto Gráfico e Edição de Imagens:
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos
Nascimento, Vera Rita dos Santos. Territórios do Carapitanga ............ 19
EM MEMÓRIA: Quilombo do Campinho .......................... 32
Diagramação: Cacique Miguel Benite (Itaxi Mirim), 1901-2021
Eduardo Di Napoli, Tiê Passos Silvana Maria Alexandrina (Paraty Mirim), 1940- Tekoa Araponga e Itaxi-Mirim ................ 52
2020
Ilustrações e infográficos: Odete Maria da Conceição ( Quilombo do Campinho Comunidade Caiçara do
Tiê Passos 1949- 2020)
Paraty Mirim ........................................... 76
Tradução de entrevistas em Guarani:
Alexandre Karai Benite

Transcrição de Entrevistas: MAPAS


Heloísa Vianna
OTSS - EQUIPE PROJETO POVOS Carapitanga ............................................ 20
Coordenação Geral:
Quilombo do Campinho .......................... 50
Edmundo Gallo e Vagner Nascimento Tekoa Araponga e Itaxi-Mirim ................ 70
Coordenação de Gestão Territorializada:
Fabiana Miranda
Comunidade Caiçara do
Paraty Mirim ........................................... 94

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N ó s , o s po v o s tr a d i c i o n ais
d e Angr a d o s R ei s , Pa rat y
e Ub a tu b a , d i z end o
Pela primeira vez,
qu a nto s s o m o s , c o mo
nós por nós mesmos.
v i v em o s e o qu e b u s c am o s
pa r a a pl ena r ea l i z a ç ã o
d o s no s s o s d i r ei to s .
Projeto Povos:
Território, Identidade e Tradição
Onde o Projeto
Conheça a mais abrangente iniciativa de cartografia social já
realizada na Bocaina. Protagonizada pelas próprias comunidades, Povos ocorre?
caracterização envolve territórios indígenas, quilombolas e caiçaras
de Angra dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP) O Projeto Povos ocorre nos municípios de Uma observação importante é que esta
Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba. Para sua organização em agrupamentos de territórios
realização, foram definidos 11 agrupamentos – ou microterritórios - não quer dizer
Qual é exatamente o território O Projeto Povos utiliza metodologias de territórios que reúnem laços culturais, que as comunidades caracterizadas não
tradicionalmente ocupado pelos de cartografia social que permitem às ambientais e territoriais comuns. É o caso, tenham fortes e profundos laços com outras
quilombolas? Quais são as condições de comunidades desenhar, com ajuda de por exemplo, do agrupamento de territórios comunidades. Ou seja, essa divisão apenas
saneamento dos indígenas? E quais são os profissionais, mapas dos territórios que tradicionais do Carapitanga, que partilham ajuda a organizar os trabalhos de campo do
desafios dos caiçaras em relação ao acesso ocupam. Este tipo de mapeamento social a mesma Sub-Bacia Hidrográfica em Paraty projeto.
à educação? Estas são apenas algumas geralmente envolve populações tradicionais (RJ).
das informações que serão reveladas pelo e é um instrumento utilizado para fazer
Projeto Povos, iniciativa que vai colocar de valer os direitos desses grupos frente a
vez, no mapa do Brasil, os territórios de grandes empreendimentos, problemas
64 comunidades e localidades tradicionais relacionados à grilagem de terras e ao não
indígenas, caiçaras e quilombolas de Angra cumprimento de leis que dizem respeito à
dos Reis (RJ), Paraty (RJ) e Ubatuba (SP). delimitação de terras indígenas, à titulação
de territórios quilombolas
Reivindicação histórica do Fórum de e à regularização fundiária
Caracterização Paraty
Comunidades Tradicionais (FCT), a de territórios caiçaras,
realização do Projeto Povos é uma de 64 territórios entre outros.
exigência do licenciamento ambiental tradicionais
federal, conduzido pelo Ibama, para Além de informações
a produção de petróleo e gás pela
ocorre até 2023 técnicas, os mapas sociais
Petrobras na Bacia de Santos. Quem são construídos de forma
executa é o Observatório de Territórios participativa e apresentam o cotidiano de
Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS), uma comunidade em linguagem simples
uma parceria entre o FCT e a Fundação e acessível. Neles, são colocados espaços
Oswaldo Cruz (Fiocruz). de roças, rios, lagos, casas, equipamentos
C caiçaras
sociais como unidades de saúde e escolas
i indígenas
Participam também a Coordenação Nacional e outros elementos que as populações
Q quilombolas
de Articulação das Comunidades Negras envolvidas considerem importantes. Aliás,
Rurais Quilombolas (CONAQ), a Comissão são as comunidades que decidem o que
Guarani Yvyrupá (CGY) e a Coordenação querem caracterizar. No Projeto Povos, Ubatuba Paraty Angra dos Reis
Nacional de Comunidades Tradicionais nenhuma informação é tornada pública SP RJ RJ
Caiçaras (CNCTC), que completam o conselho sem a prévia autorização das comunidades
do projeto com a missão de garantir que envolvidas e das representações nacionais
todos os direitos das comunidades sejam dos povos e comunidades tradicionais
respeitados. (Conaq, CGY e CNCTC).

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Como estes mapas 4) Refletindo o
Território

são feitos?
Depois, é hora de apresentar à comunidade
a primeira versão do mapa final e validar
com os participantes cada dado coletado.
Um momento, também, para corrigir
eventuais erros e acrescentar informações
Com a participação de pesquisadores indígenas, caiçaras e quilombolas, importantes que não tenham aparecido nas
o Projeto Povos mapeia só o que as comunidades querem caracterizar. etapas anteriores.
Conheça, passo a passo, como se dá essa construção coletiva.
5) Nosso mapa
Ícones dos mapas do Projeto POVOS

1) Chegança 2) Mapa Falado A última etapa se divide em dois momentos.


O primeiro consiste em revisitar o material
produzido durante toda a caracterização
Realizada com a participação do Fórum Nessa atividade, a comunidade é convidada e validar coletivamente o mapa final. Em
de Comunidades Tradicionais (FCT), a fazer um desenho livre, em um papel em sequência, a comunidade define quais
a “chegança” é o passo inicial da branco, representando seu território. Neste informações quer que se tornem públicas e
caracterização. Ela envolve lideranças e desenho, o território e seus elementos vão quais prefere que sejam de uso restrito da
articuladores locais para esclarecer dúvidas surgindo a partir do exercício da memória comunidade.
sobre o projeto e para garantir que os mapas e da definição, pela própria comunidade,
sejam construídos por muitas mãos. do que ela quer e acha importante que seja
caracterizado.

3) Localizando o
território no mapa
A etapa seguinte consiste na transposição
do mapa falado para uma foto de satélite, 6) Ganhando o
localizando os elementos do desenho em
uma base georeferenciada. Nesta etapa,
mundo
o objetivo principal é garantir que os Percorrido esse caminho, o material
participantes consigam dimensionar seu segue para impressão e é devolvido para
território em um mapa e visualizar demais as comunidades. Também validadas pelas
delimitações territoriais já estabelecidas comunidades e suas representações
por órgãos governamentais, como nacionais, as publicações finais são
Unidades de Conservação e demarcações já distribuídas para bibliotecas e órgãos de
realizadas. governo e da sociedade civil cuja atribuição
seja zelar pelos direitos dos povos e
comunidades tradicionais da Bocaina.

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Como usar estes
mapas a favor das Segurança
comunidades alimentar e
nutricional:
O projeto permitirá às comunidades
ampliarem seus conhecimentos sobre as
Os mapas construídos pelas comunidades são instrumentos de espécies agrícolas manejadas por elas e
promoção de direitos. Entenda algumas das formas como eles podem também por suas comunidades vizinhas.
Isso fortalece o conhecimento do território
ser utilizados para a defesa dos territórios tradicionais e facilita possíveis trocas de sementes e de
técnicas de plantio.

Garantia de Práticas de saúde:


territórios: O projeto permitirá também às comunidades
O projeto não assegura que haverá titulação, ampliarem seus conhecimentos sobre as
demarcação ou regularização fundiária de práticas de cuidado corporal e espiritual
territórios tradicionais. Mas irá contribuir utilizadas por ela e por suas comunidades
para que as reivindicações das comunidades vizinhas. Isso também facilita possíveis
cheguem aos órgãos competentes trocas de sementes e de conhecimentos
responsáveis por fazer isso. em relação a procedimentos de cura e
prevenção a partir das plantas medicinais.

Acesso a políticas Qualificação de


públicas: Fortalecimento do
licenciamento FCT:
ambiental:
O projeto também não construirá
infraestruturas nas comunidades, mas vai O mapa feito pela comunidade contribuirá
contribuir para levar ao conhecimento dos Outra conquista importante é que estes também para fortalecer as bandeiras
governos e órgãos públicos qual é a situação dados passarão a ser consultados pelo de luta do Fórum de Comunidades
de cada comunidade em relação a serviços Ibama quando houver uma nova solicitação Tradicionais nas áreas de Turismo de
e equipamentos públicos nas áreas de de licença ambiental para grandes Base Comunitária, Educação Diferenciada,
educação, saúde, saneamento, trabalho e empreendimentos que possam impactar as Saneamento Ecológico, Economia Solidária
renda, entre outras decididas pelas próprias comunidades tradicionais de Angra dos Reis, e Agroecologia e a combater todas as
comunidades. Paraty e Ubatuba. formas de racismo e violência contra as
comunidades.

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Unidos pela água
A bacia do Rio Carapitanga integra quatro comunidades tradicionais:
duas aldeias Guarani Mbya (aldeia Araponga e Itaxi Mirim), Quilombo
do Campinho e Comunidade Caiçara de Paraty Mirim. Este território
está sobreposto pela Área de Proteção Ambiental Cairuçu, unidade
de conservação criada em 1983 e formada por uma área continental
e mais 63 ilhas, abrangendo um total de 34.690,72 hectares. O nome
dado a este conjunto de territórios se inspira no rio Carapitanga, que
passa pelas quatro comunidades caracterizadas pelo Projeto Povos.

Antigamente a
O Rio Carapitanga é um dos elementos
gente chamava que mais expressa a unidade entre o modo
como Rio Grande. Por de vida tradicional dessas comunidades,
“O Rio a gente usava pra pescar, né? Pra Seu Álvaro, também quilombola do Quilombo
ele ser até mesmo um aproximando suas práticas, costumes e
pescar, pra fachear... Tinha um sistema do Campinho, explica um pouco dos usos do
rio grande, né? Aí depois saberes. No Projeto Povos, os relatos dos
que a gente fazia pra poder pegar peixe pra rio:
com a passagem da Rio- griôs, pajés, caciques, mestres e mestras gente comer, e até mesmo pra ajudar.
nos contaram um pouco das histórias, dos
Santos, esse Rio Grande A gente saía para o rio à noite pra poder
usos e vivências no Rio Carapitanga. fachear. Eu lembro que, na época de eu
se tornou Rio Carapitanga. Dona Vera, caiçara de Paraty Mirim, pequeno, antes da Rio-Santos, depois que Era pra tudo: o rio
Esse rio cerca aqui toda relatou, em entrevista, que parte dos peixes escurecia é que a gente ia. Ele dava um aqui era pra lavar
a comunidade, ele vem pescados por ela estão localizados nos peixe chamado cascudo. O pessoal gostava
roupa, o rio aqui
começando da comunidade braços do rio Carapitanga. Assim como o muito de fachear e de pegar pra trazer pra
era pra tomar banho, o
cozinhar. E seria a nossa janta” (João Paulo
lá do Patrimônio, siri, uma de suas principais fontes de renda.
Amorim dos Santos, 65 anos, Quilombo do rio aqui era pra fachear,
Já Seu Décio, também caiçara de Paraty
descendo, passando pela Mirim, relatou que costuma pescar peixes Campinho, 2019) pegar cascudo durante o
Independência, e esse rio que “se criam no rio (e) crescem no mar”. dia. Então esse rio aqui é
vai desaguar no Paraty A pesca no rio também foi muito comum um rio que ele teve muita
Mirim entre os quilombolas do Campinho, mas,
utilidade pra gente, o
com a construção da BR101, essa prática foi
João Paulo Amorim dos Santos, 65 perdendo força.
rio aqui é um rio muito
anos, Quilombo do Campinho, 2019 sagrado pra gente
22 23
Por exemplo, muitas das falas
apontam para a alta poluição do
rio com a chegada da BR101 e,
consequentemente, com o aumento
da urbanização em torno dos
territórios tradicionais.

Foram relatados os casos de


assoreamentos de partes dos rios e
as enchentes também consequentes
da construção da BR101 e do
A matriarca da comunidade caiçara processo de urbanização. Segundo
de Paraty Mirim nos contou que: Seu Álvaro: “eu acho que muitos nem
sabem o nome desses poços, os mais
velhos aqui sabem, mas a maioria
(antes) a água nem sabe onde é, porque o rio tá tão
era tudo do rio, assoreado hoje que nem tem mais
mas agora ela tá poço (...)”
contaminada, né? Eu creio
Em 2019, O Sítio Misto de Paraty e
que sim, né? porque tem
Ilha Grande tornou-se Patrimônio
muita, muita coisa aí pra Mundial da Unesco e a cultura
Apesar da importância do rio comunidades fazem. O crescimento
frente. Agora já juntou viva presente nas comunidades
Carapitanga, as comunidades populacional na região e o descuido muita gente, a gente não indígenas, quilombolas e caiçaras
identificam mudanças no território com o rio estão impactando o sabe o esgoto pra onde que ocupam esses territórios
foram fundamentais para esse
que colocam em risco a qualidade sistema sociocultural e ecológico que que vai... né?
da água, a diversidade de espécies depende dessas águas. reconhecimento. Espera-se que
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos, reconhecimentos dessa natureza
e os usos tradicionais que as
Paraty Mirim, 2019 possam contribuir para proteger os
territórios tradicionais e combater
A gente até tenta não Joga animal, joga lixo dentro os problemas históricos que veremos
Para as comunidades tradicionais, a seguir, de omissão dos órgãos
beber a água do rio do rio. Então hoje a gente já
a natureza não é apenas importante públicos, grilagem de terras,
porque foi crescendo, evita de beber da água desse devido ao uso dos recursos. Ela é a especulação imobiliária, restrições
né? Acho que não é só aqui Garapitanga, porque se formou base dos modos de vida e, para ambientais e criminalização de
nessa comunidade [Campinho], outra comunidade pra cima da muitos, a natureza é sagrada. Por práticas tradicionais e tantos outros
mas em toda a região. Vai gente, da onde a água vem. O isso, as práticas cotidianas são fatores de pressão menos visíveis
crescendo a comunidade, e peixe ainda muitas pessoas realizadas com respeito, cuidado de desagregação socioambiental
a pessoa já não tem aquele ainda comem do peixe do rio e e reverência. Dessa maneira, todo gerada pelo atual modo de produção
impacto negativo ao ambiente e às
cuidado que tinha com o rio. toma banho e consumo de nossa sociedade.
práticas tradicionais podem trazer
consequências também psicológicas
Alvaro Martins, 70 anos, Quilombo do
e espirituais.
Campinho, 2019

24 25
Antes, quando meus
pais chegaram
aqui, era melhor. Tinha
muito peixe: cascudo,
bagre, robalo, tilápia. Os
peixes parece que foram
sumindo, teve uma grande
destruição de peixe.
O rio tá raso, não tem
mais poço onde o peixe
fica. Enchente também
destruiu uma criação de
traíra, então só tem traíra
agora. E pra nós, [o rio]
é uma praia também.
É onde as crianças vão
tomar banho. Tinha menos
população aí pra cima
antes, desce muito lixo
e prejudica a gente essa
situação
Joaquim Karai, 55 anos, Itaxi, 2021

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Resumo das ações
do Projeto POVOS
nos territórios do
Carapitanga

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Resultados
por território
tradicional
30 31
Quilombo Campinho
da Independência
“Ao final do século XIX, com a decadência do regime escravocrata,
a história do Quilombo Campinho da Independência começa a ser
escrita por três mulheres: Vovó Antonica, Tia Marcelina e Tia Maria
Luíza que, com base no regime matriarcal, conduziram o processo de
desenvolvimento local.” (Ronaldo dos Santos)

Com a construção da Rodovia Rio-Santos


Acho que documento
e a chegada da especulação imobiliária,
nos anos 70, a comunidade se reorganizou
em primeiro lugar. Isso
tendo como foco a luta pela garantia de também acontece com a
seu território. Ele foi conquistado com a terra, a pessoa que tem
entrega do título de propriedade definitiva
das terras pelo Governo do Estado do Rio
terra e tem documento Mulheres do Campinho durante ações emergenciais de apoio ao enfrentamento da COVID-19

de Janeiro no dia 21 de março de 1999 (Dia não fica sempre com o pé


Internacional de Luta pela Eliminação da atrás. Muitas das vezes Agricultura e
Discriminação Racial). O Quilombo Campinho
falavam: “gente, pessoal
da Independência tornou-se, então, o
do Campinho aí, vocês vão
Extrativismo
primeiro quilombo titulado na história do
estado do Rio de Janeiro. A comunidade ter que ir pra Amazônia”. As práticas de agricultura foram
está localizada entre os povoados de
E eu: “pô, mas gente, pra selecionadas, pelos quilombolas do
Pedras Azuis e Independência, a 13 km
do município de Paraty. Com uma área de Amazônia?? Pra onde a Campinho, como os elementos mais
importantes a serem caracterizados
aproximadamente 287 hectares, é banhado gente vai, cara?” pelo Projeto Povos na comunidade. Os
pelo Rio Carapitanga e abriga cerca de
Então as pessoas tinham participantes, em sua maioria Griôs, são
170 famílias quilombolas divididas por 13
Núcleos Familiares. aquela dúvida: pra onde defensores das roças e do extrativismo e
consideram sua proibição ou impedimento
que a gente vai, pra onde uma das grandes perdas da cultura
não vai? Depois quando tradicional quilombola. Ainda assim, o
chegou a titulação da Quilombo do Campinho vem sendo um
As pessoas que precursor no território da Bocaina na
terra, eu acho que senti
vivem na sociedade construção de sistemas produtivos que
mais firmeza.” estabelecem o diálogo entre o conhecimento
e não têm um documento tradicional e o conhecimento científico
não são ninguém na vida. Seu Álvaro Martins, 70 anos, Quilombo presente nos movimentos de agroecologia.
do Campinho, 2019

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Método de Plantio Pousio ou adubo do roçado
Eu lembro que na
época dos meus pais,
A escolha do espaço da depois de roçado
roça e derrubado, [tinha que]
queimar, né? Mas com o
Ah, o espaço, a gente
passar do tempo nós viemos
escolhe hoje um
a adquirir outra forma de
espaço fora de fonte
trabalhar, que não é queimar
d’água, onde passa rio, até
mais a terra, queimar o mato
mesmo porque tem as regras,
pra poder plantar. A gente
né? de não descampar a
roça aquele mato. Se torna
proximidade do rio, ali as
bem mais difícil, mas é uma
nascentes d’água, que é uma
maneira que a gente tem
das coisas que a gente deve
para proteger até mesmo a
se preocupar para não estar
terra. Em vez de queimar, a
descampando.”
gente faz as fileiras no canto
João Paulo Amorim dos Santos, 65 da roça, para que ela possa
anos, Quilombo do Campinho, 2019
até depois, com o passar do
tempo, estar apodrecendo,
O preparo da terra que aqueles matos, aquelas
madeiras, elas se tornam um
A primeira etapa é adubo para a terra.”
você preparar a terra. João Paulo Amorim dos Santos, 65
Você tem que roçar anos, Quilombo do Campinho, 2019
a área onde vai plantar, e aí
depende muito da área que A lua e a plantação
você vai trabalhar: às vezes
pode ser uma capoeira fina, Desde a época dos
que você só vai usar a foice meus pais que eles
ali pra roçar; e se for uma usam plantar na
capoeira grossa, vai ter que, minguante ou então na lua
além de usar a foice, vai ter nova. É melhor porque a lua
que usar o machado, pra ela tem uma força muito
poder derrubar.” grande, né? Na lua minguante
João Paulo Amorim dos Santos, 65 você sente, aquilo mexe
anos, Quilombo do Campinho, 2019 no seu corpo, né? Com a
plantação não é diferente, a
plantação, ela se fortalece
mais.”
João Paulo Amorim dos Santos, 65
anos, Quilombo do Campinho, 2019
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Plantamos Práticas de Cura e
Abacaxi Carambola Jambo Cuidado
Abóbora Moranga Chuchu Jambo Branco
Abóbora Sapo Chuchu branco Jamelão
Açaí Cidra Jiló branco e verde Como mostram os relatos dos moradores
Acerola Coco da Bahia Juçara do Quilombo Campinho, as práticas de
Alecrim Coco do palmito margoso Laranja Lima
cura e cuidado estiveram presentes desde
Alecrim do Campo Coco Ferrugem Laranja Pera
a construção desse território junto às
Limão (cravo; galego; siciliano; suas matriarcas. Essa ancestralidade é
Alface crespa Coco Indaiá tahiti)
É importante, né? Até demonstrada, ainda hoje, pelo manejo de
Mamão (formosa; nativo; pa- mais de 40 variedades de ervas e plantas
Alface (Lisa e Roxa) Coco natal paia) porque a gente ali
medicinais. A parte da planta utilizada
Mandioca (aipim preta; branca;
Amora Coentro liso preta; rosa; roxa; vassourinha) plantando, a gente vai na receita e as técnicas de preparo são
Amora de cacho Coentro selvagem Milho de canjica comer um produto saudável, diversas e constituem um rico sistema de
Araçá Copaiba Milho palha roxa conhecimentos transmitidos ao longo do
um produto que a gente sabe
Araçá Boi Couve dura e manteiga Mixirica (carioquinha) tempo, de geração em geração.
Arroz Crotalária Mixirica ponkan como foi produzido, como
Banana (3 quinas; D’água; da
Terra; Maçã, Marmelo; Nanica; Cupuaçu Palmeira Real
foi plantado, que não tem O conhecimento das parteiras também faz
Ouro, Prata)
agrotóxico. Então a gente parte desse conjunto de práticas de cuidado.
Feijão (carioquinha; liso; mulatinho; Pimenta (Dedo de Moça; Reino; Até bem pouco tempo, todos os nascimentos
Batata-doce branca e roxa porco; preto; roxo) Malgueta; Malaguetão; Roxa) plantando, a gente sabe o que no Quilombo do Campinho eram conduzidos
Brócolis Gengibre Pitanga
não tá metido com veneno, por elas. Embora hoje não sejam colocados
Cabeludinha Goiaba branca e vermelha Pupunha
Cacau amarelo e roxo Graviola Quiabo que vem a ser prejudicial à em prática, os conhecimentos de como
fazer um parto seguro permanecem vivo na
Cambucá Grumixama Taboa nossa saúde.” comunidade.
Cambuci Inhame rosa e roxo Taioba
Cana (Amarela Roxa; Caiana Jabuticaba Urucum João Paulo Amorim dos Santos, 65
Amarela; Preta) anos, Quilombo do Campinho, 2019

Agricultores e agricultoras vêm buscando,


também, garantir dentro do território a
reprodução de variedades e sementes
crioulas de milho, aipim e mandioca por
meio de trocas internas e com outras
comunidades, além de manter matrizes
de espécies arbóreas como estratégia de
manejo agroecológico, comprando de fora
apenas sementes de hortaliças.

Segundo relatos, a sustentabilidade da


comunidade sempre foi baseada nos
princípios da solidariedade e reciprocidade
(como na agroecologia), e os trabalhos
seguem sendo realizados em regime de
mutirão.

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Dona Madalena Cana do Brejo Diurético
Infecção Urinária Gastronomia
faleceu, era uma Copaíba (folhas) Cicatrizante
de nossas últimas Circulação
Café (folhas) Dor de Cabeça Boa parte desta produção agroecológica
parteiras vivas, e uma de abastece o restaurante comunitário do
Urucum Corante
nossas últimas rezadeiras Colesterol Quilombo do Campinho. Inaugurado em 2007,
também. Agora temos Laranja (folhas) Resfriado (Vitamina C) o restaurante é um dos principais espaços
Pitanga (folhas) Antibiótico, contém
poucas mulheres que fazem ferro de referência na organização comunitária,
pois gera trabalho, distribui renda, fomenta
esses serviços, serviços de Taioba Piriri
Goiaba (suco feito do - a produção agroecológica, mantém a relação
fé eu digo. Tia Zaquina, tia broto) solidária de comércio com pescadores das
Bernarda - demos o nome Babosa Infecção no Útero comunidades do entorno e coloca na mesa
do posto de saúde [em sua Algodão Queimadura grave
uma culinária típica produzida de forma
Amora Limpar a casa
homenagem], tia Madalena Aroeira Dor de Cabeça
sustentável.

eram todas rezadeiras e Capim Colônia Cólica


curandeiras. Já não temos Novalgina Queimação no esto-
mago Culinária tradicional
tantas mulheres que façam Cabeludinha -
esse acolhimento e quase Capim Limão - Azul Marinho (peixe Farinha de mandioca
com banana verde)
ninguém da família levou Camomila -
Limão - Batata doce cozida Galinha Caipira com
adiante” Macarrão
Chapéu de couro -
Beju doce com coco Mandioca Cozida
Ariane Rosa Martins, 24 anos, Terramicina -
Beju Salgado Mata Atlântica (Caipiri-
Quilombo do Campinho, 2019 Quebra-cavalo - nha de Juçara)
Alfavaca - Bolo de Banana Milho Cozido
Santa Maria - Bolo de mandioca Pavê de banana da
Arnica - terra
Cocada Peixe a moda
Plantas e ervas medicinais Quebra-Pedra -
Doce de abóbora com Suco de Juçara
Vassoura -
coco
Picão -
Doce de mamão
Ervas Para que é bom Peru de Quati -
Alecrim do Campo -

Canela de velho Artrose

Jambo Diabete
Jamelão Diabete
Pata de vaca -
Moranguinho -
Carqueja -
Sabugueiro * Irritação da pele *
Seca sarampo
Mil folhas Infecção de Garganta
Tansagem Infecção de Garganta
Cipó Caboclo -
Gervão Roxo -
Guaco Xarope, piolho e co-
ceira

38 39
40
Culinária tradicional Artesanato 41
Nos convenceram
que as casas
tradicionais, de pau
a pique, remetiam à
pobreza, tudo isso para
que abandonássemos
nossos conhecimentos.
Hoje uma ecovila cobra
caro para dar um curso de O manejo da juçara envolve cuidado e seleção dos frutos
para o processamento da polpa.

final de semana, com as


mesmas técnicas.” O Turismo de Base
Comunitária no
Ronaldo dos Santos, 42 anos, Quilombo
Atividade de troca de saberes com uso da Taboa no artesanato tradiconal quilombola. do Campinho, 2019 Quilombo do Campinho
é uma ferramenta de
Artesanato saber qual lua aponta no céu pois, nas
palavra de um comunitário: “tem lua boa e Turismo de Base
luta, de resistência, de
permanência no território
A produção de artesanato no Quilombo do
Campinho está ligada, em sua origem, ao
lua ruim para cortar”. Barrear as casas dá
um trabalho enorme, de modo que esse dia
Comunitária porque a gente está
processamento de alimentos agrícolas, à se torna um acontecimento no quilombo e A Associação de Moradores do Quilombo gerando renda para as
muitos iam contribuir no mutirão.
produção de farinha e à construção de casas. do Campinho (AMOQC) é quem organiza e
famílias que moram ali.
Teve início com a feitura de tapitis, peneiras, integra todas as práticas relatadas acima
apas, balaios, pilões, esteiras, mesas, por meio do Turismo de Base Comunitária.
Mostrando um pouco
bancos, etc. Em um segundo momento, que Materiais usados nas O Viveiro de Mudas, a Casa de Farinha, os da nossa cultura, da
persiste até hoje, os artesãos começaram a casas e artesanatos Núcleos Familiares, a Casa de Artesanato, nossa história, em como
trabalhar também novos objetos e a utilizar os Sistemas Agroflorestais, a contação
materiais como sementes, bambus, fibras de Material Usos de história com os Griôs e a Roda de
a gente vem resistindo
bananeiras e palmeiras, além das matérias- Sapê Cobertura das casas Jongo compõem o Roteiro Etno Ecológico desde o final do século
primas já utilizadas tradicionalmente, como
Bambu Estrutura do pau-a-pique
que articula direta e indiretamente XIX até os dias de hoje na
cipós, madeiras e taboa. (envaro) - Artesanato os quilombolas em torno da produção
Jacatirão Estrutura das casas econômica solidária.
comunidade, mantendo
O desenvolvimento do artesanato representa Canela Amarela Estrutura das casas - a nossa cultura, o nosso
Pilão - Artesanato
atualmente uma importante fonte de renda Canela Preta
modo de ser, o nosso
na comunidade. Alicurana
Cedro Estrutura das casas - dia a dia. Hoje em dia a
Artesanato
Taquara Estrutura do pau-a-pique
juventude está presente
(envaro) - Peneira - Jaca na comunidade, a gente
Habitação - Tapiti
tem o jongo, o samba, tem
Cipó Imbé Amarração do pau a
No passado, todas as casas do quilombo pique e do sapê - Artesa-
eram feitas de estuque.
nato o hip hop.
Cipó Timumpeva Artesanato
Para retirar da mata as madeiras que
Taboa Esteira Daniele Elias, 30 anos, Quilombo do
servem para estruturar as casas, é preciso Artesanato Campinho, 2019
42 43
Festas e Eventos Ainda hoje, os quilombolas do Campinho
mantêm um calendário anual de
celebrações, festas e eventos e pode-
A importância e orgulho das relações se afirmar que a produção cultural
comunitárias dentro do Quilombo do desenvolvida pela comunidade representa
Campinho apareceram em diversos uma potência no contexto municipal de
momentos da caracterização. Um elemento Paraty. A comunidade realiza rodas de
importante mencionado nas entrevistas jongo, rodas de samba e de capoeira na
foi a memória de festas religiosas e dos programação desses eventos, além de
bailes que garantiam alegria e diversão aos contar com uma banda de rap quilombola, o
quilombolas de antigamente. Entre as festas Realidade Negra.
mais lembradas e que hoje não ocorrem
mais, mencionaram Santa Cruz e Folia de Entre os eventos realizados todo ano pela
Reis. Também contaram que, em algumas comunidade estão incluídas as celebrações
casas, as festas costumavam ser animadas de São Benedito (em abril), Bom Jesus (em
pelo som de batuques, em referência direta agosto) e o Evento da Consciência Negra (em
aos modos africanos de festejar e realizar novembro).
rituais religiosos.

O carnaval que tinha


o Campinho era os
três dias de folia no
campo. Começava, assim,
três horas da tarde, quatro
ia até seis. Todo mundo ia
pra casa, tomava seu banho,
jantava (...) “vai ter na casa
da Bernarda ou (tinha no)
Pequenino”, o baile era os
três dias, até amanhecer.
Olha, não tinha confusão,
tinha café, tinha as coisas
pra gente tomar café, sabe?
Era muito gostoso mesmo o
passado, muito mesmo...
Dona Odete, 71 anos, Quilombo do
Campinho, 2019

44 45
processo, por exemplo, de
é possível fazer a roça autonomia da comunidade, é
nas áreas já abertas, um conflito de lei na realidade
Conflitos que acontece, mas o que a
que são áreas de uso,
mas é sempre uma dúvida gente faz aqui é avançar com
Segundo os entrevistados, a criminalização
do manejo tradicional agrícola e extrativista, porque né, embora essa [seja] autorização, quando a gente
juntamente com o alto processo de
uma comunidade quilombola avança por autorização, tem
urbanização do território da Bocaina, têm
titulada dentro de uma uma coisa autorizada pela
dificultado a continuidade do modo de vida e
da cultura quilombola. unidade de conservação em unidade, não corre o risco
nível sustentável, é possível de ser multado porque você
Um dos principais focos de conflito ainda
fazer a roça. Mas o grande tem um documento de um
se relaciona à sobreposição do território
problema é: se passa polícia órgão ambiental que gerencia
tradicional com unidades de conservação
o território e autoriza. Isso
Educação criadas sem processos de consulta
prévia com a comunidade. Segundo os
ambiental, que agora tem uma
acontece muito pra uso de
unidade aqui, e vê abrir uma
Diferenciada entrevistados, isso levou à criminalização
madeira caída no mato,
de roças, do manejo agroextrativista e da nova área de uma mata com
O debate sobre a Educação Diferenciada no caça sem que fosse resguardado o direito à o processo de regeneração pra usar a madeira caída a
Quilombo do Campinho vem dos anos 2000, autonomia dos quilombolas de realizarem
já avançada é possível deles gente pega uma autorização,
período imediatamente após a titulação do práticas que remetem ao seu modo de vida
multarem, já ocorreu isso vai lá se compromete em
território, que se deu em 1999. Isso se deu tradicional.
pelo entendimento que se tinha de que a aqui recentemente. Até plantar outras madeiras e
escola presente no território desde a década
porque nessas sobreposições tal, e a APA Cairuçu dá uma
de 70 do Século XX era uma escola branca, Conflito Descrição
de leis: por um lado uma autorização pra gente, aí
eurocentrada, além de urbana, e que por
isso fazia parte da construção histórica
Perda das Parteiras/Ben-
zedeiras comunidade titulada, que tem a gente tá resguardado, se
do racismo estrutural que condiciona a
Perda da Cultura Perda das práticas de
seu território homologado, chegar qualquer fiscal de
comunidade ao processo de autonegação construção de
Tradicional casas de estuque
dentro de uma unidade outro órgão e tal a gente
e desestruturação. Compreendido isso, Perda dos terreiros de
afirmava-se que a gestão do território matriz Africana de conservação de uso tem um documento ali que tá
dependia tanto do autorreconhecimento e do Demarcações oficiais não
sustentável, deveria ter uma respaldando a gente.
correspondem ao terri-
pertencimento, quanto da segurança jurídica tório tradicionalmente
da propriedade, recém conquistada. ocupado do Quilombo do certa autonomia, mas aí Vaguinho, Quilombo do Campinho, 48
Campinho
Hoje, 20 anos depois, a Escola Municipal Criminalização das prá- tem a lei da Mata Atlântica anos
do Campinho já é considerada uma escola ticas de roças e extração
Modo de produção, de madeira que é bem restritiva, se o
quilombola, com oferta de ensino da urbanização
Educação Infantil ao segundo segmento do
e política desenvolvi- Rodovia Rio Santos
(BR101)
cara pegar lá pela lei da
mentista
Ensino Fundamental. Esta é uma conquista Incorporação dos Quilom- Mata Atlântica, toda área
bolas como mão de obra
recente do movimento social e avança barata nos condomínios de regeneração da mata é
na consolidação de uma experiência de de luxo (ex: Laranjeiras)
educação no país que reconhece e articula Especulação Imobiliária proibido o corte, aí fica esse
a educação do território com a educação Drogas conflito de lei. Existe esse
escolar. Infraestrutura Saneamento inadequado

46
O manejo e o processamento da polpa da juçara no Quilombo
do Campinho envolve homens, mulheres e crianças. Além
de alimento saudável na mesa dos quilombolas, a polpa da
juçara se tornou uma importante fonte de renda familiar

48 49
50 51
Tekoa Guyraitapu
Como ele explica, a nação Guarani está
conectada por seu sangue, espírito, língua
e por seu vínculo sagrado com a natureza.

(Araponga) e
Dessa maneira, todo território onde vive ou
passou um guarani é considerado Território
Guarani.

Tekoa Itaxi Mirim Ao todo vivem na TI Araponga 13 famílias


Guarani Mbya, em um total aproximado de
Da etnia Guarani
somos todos parentes,
parentes de todos

Localizadas em Paraty/RJ, as Aldeias Araponga e Itaxi Mirim são 55 indígenas. Na TI Itaxi Mirim são em torno Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia Sapukay,
de 49 famílias e 260 indígenas. É importante 37 anos
Terras Indígenas (TI) tradicionalmente ocupadas por povos Guarani destacar que esses números se alteram com Araponga é um pássaro geralmente
Mbya. A TI Parati Mirim (onde se situa a aldeia Itaxi Mirim) possui uma frequência dada a transitoriedade entre os encontrado no Brasil, no Paraguai e na
indígenas guarani por todo seu território de
área regularizada de 79,1997 hectares e a TI Araponga de 213,2033 direito. Eva Benite, liderança Guarani Mbya
Argentina, justamente os territórios por
onde Seu Augustinho passou.
hectares. Ambas estão com pedido de ampliação em fase de estudo. de Itaxi Mirim, nos contou, por exemplo, que
nasceu no Paraná, mas que seus pais eram
No caso da TI Araponga, segundo relatos dos seus moradores, este da Argentina. Seu Augustinho, Cacique da Bom, um dia veio o
território possui mais de 275 hectares. Aldeia Araponga, explica também um pouco pessoal de São Paulo
da história de sua família: (aldeia Tenondé Porã)
pra Araponga, veio o Jejokó,
seu Altino, veio o Kambá
Muito obrigado por Pyku, Manoel Lima e Nivaldo,
chegarem até minha foi um grande encontro de
aldeia, eu agora tenho caciques. Começamos a
99 anos. Minha mãe e meu conversar e ai eu comecei a
pai vieram lá do Paraguai, já falar: ‘na língua português é
eu nasci aqui em Brasil. Nós Araponga mas, como eu sei,
guaranis, as minhas famílias eu chamo de Guyraitapu, isso
todas são de Chapecó/SC, daí eu ouvi lá na Argentina’. O
eu casei lá para Argentina e pessoal falando: ‘ah, esse
voltei. Meus filhos são todos pássaro é Guyraitapu, isso é
do Brasil, quando voltei eu um pássaro batendo pedra’,
andei por todos os lugares, diziam eles. Daí eu lembrei e
fui para Uruguai, passei pelo disse a eles: ‘e por isso nós
Rio Grande do Sul, Santa Guaranis vamos chamar essa
Catarina, Paraná, São Paulo e Aldeia de Guyraitapu”
Rio de Janeiro, agora eu estou
aqui no Rio de Janeiro há 45 Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100
anos. anos, Araponga, 2019

Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100


anos, Araponga, 2019
52 53
para lá (...) e meu pai A violência Juruá
decidiu “vou tentar saber Os Guaranis Mbya foram saqueados na
sobre essa aldeia onde colonização e, ainda nos dias de hoje, pelos
sua avó morou e vamos juruás. Juruá é o nome pelo qual os guarani
chamam os não indígenas. Por isso, querem
caminhar para lá”. (...) que sejam devolvidos os seus territórios de
Tivemos que ficar mais direito:
próximos e daí ficamos
Que possamos ter
na aldeia em Bracuí
força e boa vontade
(Angra dos Reis). Saímos
dos juruás para poder nos
de Bracuí e fomos para
dar algo que eles mesmos
a aldeia Araponga onde
tiraram de nós.
está o pajé seu Agostinho,
Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100
e lá ficamos mais dois anos, Araponga, 2019
anos até que conseguimos
Para essa aldeia
passar para essa terra. E
ir para frente no
Maria Angela Jaxuka Mibi Rete, 102 anos, e Xeramoi Miguel Karay Tataxi Benite, 121 anos, são os fundadores de Itaxi Mirim - 2019 até hoje estamos aqui.
melhor caminho,
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
Outro elemento importante apresentado por
conhecido como capoeirão, Mirim, 2019 é difícil se for só uma
ele foi a relação entre o território escolhido
ficamos durante dois pessoa lutando para
e a divindade Nhanderu (Deus). É ele que Segundo o Livro “Protocolo de consulta
indica, por meio de sinais e sonhos, para anos por lá. Daí meu pai prévia da Tekoa Itaxî Mirim”, feito pela isso, pois chefe juruá
onde deve seguir cada pessoa guarani mbya. sonhou novamente para associação de Itaxi Mirim: (Presidente) é quem
No caso da aldeia Itaxi Mirim, Eva também
continuarmos a nossa está decidindo isso, e
nos relata um pouco dessa relação espiritual “O nome Itaxi significa pedra branca (...)
e ancestral com o território ocupado: caminhada através de Este nome é uma referência à grande pedra
está cada vez mais difícil
uma luz, nós seguimos existente na BR 101, próximo à entrada da ter esse aumento das
para o Espirito Santo na
cidade de Paraty (...) onde existe um mirante nossas terras. Os juruás
voltado para o centro histórico de Paraty,
aldeia perto de Aracruz, não estão querendo dar
Eu vim de Paraná que tem um cruzeiro em seu topo. Segundo
mais pedaços de nossas
quando tinha 12 ficamos mais dois anos os antigos, o aldeamento original era nas

por lá. Quando estávamos


imediações desta pedra, que era conhecida próprias terras, eles
anos. Tivemos que vir como Itaxi, e que a pedra ficava branca sob
estão acabando com as
porque meu pai não lá, minha vó, ainda estava neblina. Desta forma, a aldeia foi batizada
viva, Dona Maria dos como Itaxi Mirim, ou seja, pedra branca matas e depois falam que
estava bem de saúde, pequena, como um aldeamento reduzido dos nós estamos acabando
não sabíamos como Santos, (disse): “meu descendentes da Itaxi original. (ACIGUA,
filho, tem uma terra para com as matas e por isso
resolver. Daí, pelo sonho 2018)”
não querem nos dar mais
dele, começamos a nossa lá onde eu vivi e o Deus
está iluminando seu terras”.
caminhada: viemos para Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
São Paulo, onde era caminho para vocês irem Mirim, 2019
54 55
Agricultura e manejo extrativista:
Para os Guaranis Mbya, a perda de sua
cultura é uma preocupação e o contato com Roça
a cultura Juruá dificulta a permanência
de seus modos de vida. Para Eva, a única Abóbora (Pescoço, Jacaré
redonda, Moranga e Pequena) Algodão
forma de diminuir a destruição e garantir a
Cará (Roxo e Branco) Banana (Maçã, Manteiga, Nanica,
permanência da cultura ancestral Guarani Ouro, Prata, Roxa)
Feijão (Branco, Cipó, Preto, Verme-
Mbya é a ampliação de seus territórios: lho) Coco
Açaí Feijão (Carioca, de Corda, Preto)
Amendoim (Branco / Branco e Ver- Fumo (tabaco)
Hoje em dia melho / Vermelho) Goiaba
Banana (Naninca, Ouro, Prata, Roxa)
estamos cada Batata mandioca
Graviola

vez mais crescendo as Batata-doce (Amarela, Roxa, Roxa e Aldeia Jabuticaba


Itaxi
famílias, parentes, e por Branca, Roxinha)
Jambo
isso nosso maior desejo Cana (Preta, Roxa, Vermelha)
Jussara
Laranja
Limão
é aumentar a nossa terra Mandioca (Amarelinha, Branca, Mamão
Menor)
não só para nós, mas sim Aldeia Milho - avati hete i (Amarelo, Branco,
Mandioca

para todos! Um lugar para Araponga Misturado, Pipoquinha, Preto, Roxo,


Roxo Maior, Vermelhinho
Mexerica
Milho
plantar porque já não Pente de Macaco Pitanga
temos mais espaço para Pindó Pokã
Pupunha
plantios, as áreas que Urucum
temos já não estão muito Goiaba
Jabuticaba
férteis. E, junto, mostrar Laranja
para as futuras gerações Limão (2 tipos)

o nosso modo de vida. Nós Mamão


Jambo
queremos mais terras, Pitanga
onde tenha mata para que Coco
Ingá
possamos ter as plantas Graviola
medicinais e também
usufruir das matérias
primas, nascentes de
águas quase não temos
mais e tudo isso está
sendo dificultado por eles
[os juruás].
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
Mirim, 2019
56
Julio Karai, liderança da Aldeia Sapukay, nos
explicou um pouco os tempos de plantação e
Pesca
colheita da cultura guarani mbya:

Comunidade O que pesca

Acará
Bagre
Arapyau é o tempo Caranguejo Comunidade O que pesca
novo, é o recomeço Guaiamum
Sururu
de ciclo. Começa a partir Lagosta
Lambari
Lambari
do primeiro semestre do Aldeia Itaxi Mirim
Maria Mole Aldeia Araponga
Guaiamum
Caranguejo
ano, de janeiro a junho, e Pitu
Bagre
Robalo
no segundo semestre do Sururu
Acará
ano entra Arayma, que Tilápia
é o tempo antigo. E aí Traíra

todas aquelas coisas que


plantamos são colhidas,
porque o tempo é antigo, é
de colheita. E tempo novo,
onde todas as coisinhas se
renovam: floresta, plantio.
Como ano novo, né? É o
tempo novo, Arapyau.
Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia
Sapukay, 37 anos

Animais nas comunidades


Comunidade Criação Caça

Capivara
Cotia
Gambá
Galinha Jacu

Aldeias Ganso Macuco


Araponga Garnizé Nambu
e Itaxi Mirim
Pato Paca
Porco do Mato
Quati
Saracura
Tatu

58 59
Opy (Casa de Reza) Festas,
e Oo (Moradia) Celebrações e
Danças
Opy é Casa de Reza. Toda tekoa guarani
tem que ter. “É nossa principal sala de O Coral Guarani
aula, praticar a cultura nhadereko. Tekoa O Coral de crianças Guarani Mbya da
é o lugar onde vive a cultura, os modos de Aldeia Araponga se chama Ka’guy ovy, que
viver e ser.” (Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia significa: “Mata verde fechada e intensa,
Sapukay, 37 anos) grande floresta”

Em Guarani Oo significa casa. As casas nas


Dança dos Xondaros
aldeias são em sua maioria estruturas que
misturam diversas técnicas de construção,
A dança dos Xondaros é realizada para
porém as mais comuns são as estruturas
preparar o corpo dos guerreiros.
de pau-a-pique e de bambu, algumas
misturadas com alvenaria. Antes, a Práticas de Sobre a perda da
sabedoria dos pajés e dos
cobertura das casas era feita de guaricanga
e até hoje ainda se usa a cobertura de
cuidado/Saúde ancestrais Tem também a
cavaco, feita de madeira. As práticas de cuidado e cura das Aldeias
dança do Xondaro.
são verdadeiros tesouros do conhecimento
ancestral Guarani Mbya. Isso é de muito mais muito
Nossas aldeias tempo, é do tempo dos
Sobre ser parteira e o estão parecendo primeiros pajés, de muito
fim dessa prática as casas de juruás, os tempo mesmo! Xondaro
Desde criança eu pajés de antigamente não é só uma pessoa, tem
fumo, faço reza estão quase todos mortos, vários Xondaros, um que
nas crianças e sou nossos avós também. tinha uma vara para bater
parteira. Eu, desde pequena,
Algumas já perderam seus e a outra para proteger a
já acompanhava o parto. Até
hoje tem 28 crianças que eu pais ou avós, mas nunca porta da casa de reza
ajudei a nascer. Mas hoje em os espíritos dos avós, Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100
dia as mães estão com medo mães e pais irão morrer. anos, Araponga, 2019
das parteiras e por isso eu Elas nunca vão partir,
não mexo muito mais agora
e elas também vão mais para é nelas que precisamos
o hospital. Aqui mesmo tem levantar as mãos pedindo
apenas três partos que eu fiz. força e coragem usando
Já olhar eu olho e até ajudo o cachimbo com muitas
nos remédios caseiros para
passar as dores. sabedorias
Para Mirim “Marciana”, 92 anos, Para Mirim “Marciana”, 92 anos,
Araponga, 2019 Araponga, 2019
60 61
Dança
62 do xondaro Casa de reza
63
Nhemongarai: Turismo de Base
Comunitária (TBC)
Celebrações
Algumas dessas práticas festivas, como
Nhemongarai estão atrelados aos tempos
o Batismo do Milho, o Coral Guarani e a
de plantio e colheita. Alguns exemplos de
Dança do Xondaro, podem ser presenciadas
celebrações mencionadas pelos Guarani
por juruás nos roteiros turísticos de base
Mbya são: Batismo dos nomes das crianças,
comunitária que geram trabalho e renda
batismo do mel, batismo do milho e batismo
valorizando o modo de vida tradicional e
da erva mate. Segundo Eva Benite, na Itaxi
sua relação sustentável e saudável com a
também são realizados batismos de peixes.
natureza. Mas nem sempre esses rituais são
“O lambari é um peixinho muito sagrado”.
abertos a convidados de fora em todas as
A cerimônia da flecha também é realizada:
aldeias.
para cada Xondaro, uma flecha é batizada.

Além das celebrações, estão presentes


O primeiro nos roteiros: idas aos atrativos naturais
semestre do ano preservados pelas Aldeias, tais como banho

tem o significado do de rio e cachoeiras; visitas à casa de reza


e outros lugares sagrados, como as ruínas,
batismo, porque o tempo as roças e espaço das ervas medicinais.
é novo, arapyau, todas Tem também comidas típicas e artesanatos

as almas e as coisas se da cultura Guarani. Os roteiros das Aldeias


estão indicados na Rede Nhadereko, o
renovam. É nesse sentido núcleo de Turismo de Base Comunitária do
que em todo primeiro Fórum de Comunidades Tradicionais.

semestre do ano começam


todos os tipos de batismo:
batismo do milho, dos
nomes das crianças, do
mel, das coisas né?
Julio Garcia Karai Xiju, Aldeia
Sapukay, 37 anos

64 65
Conflitos Relatos TI Itaxi
Mirim
Comunidade Conflito Problemas Descrição
Sobre a precariedade da
Vizinho O vizinho solta os cavalos para pastar no território saúde:
da Aldeia, eles estragam as roças

Território
Grilagem e
Estacionamento Estacionamento de Juruá
E também falando
Irregular sobre a saúde dos
Alagamento pelo
aterramento Barramento da estrada alagou o terreno da aldeia não-índios, não temos
Desvio de Água Usam água da aldeia nenhum carro que nos
da TI
Retirada ilegal de Conflito com vizinhos por retirada ilegal de ma-
atenda para que possamos
madeira deira
ir buscar remédios ou
Conflito com vizinhos que não permitem que os
Recursos
Naturais
Pesca indígenas pesquem nos levar para tomar
Aldeia Itaxi
- Entra caçador e madeireiro remédios, pois isso é
Mirim - Roubo de mudas de bananeira muito importante para
Antes pescavam na Baia de Paraty Mirim e Saco
Proibição de pesca de Mamanguá todos nós. Já que não
Saneamento Situação precária dos banheiros, falta de sanea-
mento e abastecimento de água
temos mais como usar
plantas medicinais das
Ausência de remé-
Infraestru-
tura
Saúde dio e transporte
para saúde
nossas próprias matas,
devíamos ter, pelo menos,
BR101 e estrada de Estrada corta a aldeia.
acesso ao Paraty Crianças são atropeladas e jovens saem sem con- transporte para a saúde
Mirim sentimento dos pais
Sobre saúde, educação e a
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
O contato com a cultura Juruá faz com que subs-
tâncias lícitas e ilicitas que geram vícios graves Mirim, 2019 BR101:
Outros Uso de drogas para a saúde cheguem até a juventude Guarani
Mbya
Conflito com ca-
Sobre a precariedade do A saúde e a
Recursos çador Juruás que caçam em território Guarani Mbya saneamento: educação são o
Naturais Antes pescava na Baia de Paraty Mirim e Saco de
Proibição de pesca Mamanguá que mais nos afeta e é
Aldeia Ara-
ponga Saneamento Situação precária dos banheiros. Falta de sanea-
mento e abastecimento de água Nós temos muito difícil. Também
Infraestru- Estrada Estrada de acesso à Aldeia dificuldades muito temos a estrada que corta
tura
Saúde Diminuição de Pessoal e falta de recursos
grandes na aldeia com a a aldeia, passa carros a
Escola Ausência de professores
água. As caixas são muito todo momento e é muito
antigas, precisamos de ruim, não temos também
mais caixas para algumas onde mais procurar lenhas
casas. Os banheiros estão e isso está sendo muito
precisando de reformas difícil.
Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi Eva Jera Miri Benite, 50 anos, Itaxi
Mirim, 2019 Mirim, 2019
66 67
Relatos TI
Araponga

Sobre a precarização das


estradas:

Tem o problema da
estrada também
que eu falo, falo e falo
mas nenhum juruá me
ajuda

Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100


anos, Araponga, 2019

Sobre saneamento:

A cachoeira que
temos não usamos
quando chegamos
aqui porque tinha uma Sobre a precariedade da
nascente que nossos saúde:
antepassados usavam,
No Polo Base
a cachoeira mesmo só
não tem mais
usa os juruás e alguns
segurança, não tem
que vão tomar banho.
ninguém para atender
Para nós o problema é
telefone. A equipe de
quando tem muita gente
saúde trabalha dobrado
lá pra cima e assim teria
desde a SESAI. Eles que
problemas porque se
marcam consulta, fazem
tiver muita gente acima
várias coisas que antes O artesanato é uma importante fonte de renda para as
do rio vinha doença e por
havia alguém da área comunidades indígenas. Além de belíssimas cestarias e
isso antigamente tinha
administrativa para fazer adereços feitos em miçanga, os bichos feitos de cacheta
doenças. e pintados com ferro quente são uma marca étnica do
Karai Tataedy Oka “Augustinho”, 100 Vera Xunu “Nino Benite”, 38 anos, artesanato guarani.
anos, Araponga, 2019 Araponga, 2019

68 69
70 71
72 73
74 75
Comunidade
Caiçara do Paraty
Mirim
A história da Comunidade Caiçara de Paraty Mirim é marcada pela
resistência de 30 núcleos caiçaras que vêm sendo obrigados a
conviver em seu território com a especulação imobiliária e a ocupação
desordenada causadas pelo turismo predatório de massa.

Paraty Mirim é um território de beleza


particular. Abriga a foz do Rio Carapitanga,
História
chamado ali de Rio Paraty Mirim, conta com No período colonial, Paraty Mirim fez parte
a presença marcante da mata atlântica e de uma importante fazenda produtora de
com um ambiente costeiro recortado por açúcar e sua praia serviu de porto marítimo
baías de águas mansas, praias e ilhas, para embarque e desembarque de negros
dentre elas a Ilha da Cotia, Algodão e a escravizados e mercadorias como cachaça
pequena Ilha das Almas. O manguezal é e ouro. Esse território foi ocupado por
berçário de diversas espécies de peixes indígenas e, posteriormente, pelos caiçaras.
e crustáceos e nas áreas alagadiças Segundo nos relata de Dona Silvana,
há caxetais. A natureza proporcionou à matriarca de Paraty Mirim:
comunidade caiçara a possibilidade de
constituir um modo de vida no qual as fontes
A minha vó, mãe da
de alimento, diversão, renda e moradia
minha mãe, que era
estão vinculadas ao manejo sustentável dos
recursos naturais.
índia. A gente tem
uma ascendência de índio: a
O território está sobreposto pela APA minha filha é igual uma índia,
Cairuçu e pela Área Estadual de Lazer de ela parece igualzinha uma
Paraty Mirim. Além disso, possui 8 Sítios tal de Dona Lídia que tinha
Históricos e Arqueológicos tombados pelo aí, uma índia, e o meu filho
Iphan, dentre eles o Complexo Arquitetônico André, ele tinha apelido até
Ruínas de Paraty Mirim e a Igreja de Nossa de Aritana, esse é morto.
Senhora da Conceição, construída em 1721, Todos os filhos se parecem
e que sedia o festejo mais importante da com índio
comunidade todo ano, no mês de dezembro.
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
Paraty Mirim, 2019
76 77
Roça e alimentação A gente aprende a fazer Principais variedades
caiçara roça com nossos pais: cultivadas nas roças?

As roças, caças e manejo agroextrativista de As práticas tradicionais vinculadas aos recursos naturais da mata atlântica fazem parte
Paraty Mirim fizeram parte de um “tempo A gente desde dez da memória desses mais velhos, um rico conhecimento que vem se perdendo. Atualmente
bom”, aquele em que o caiçara não era anos trabalhava na em Paraty Mirim há roças principalmente em locais mais afastados da praia. Já os quintais
criminalizado por praticar suas atividades caiçaras, em todo o território, seguem com muitos pés de árvores frutíferas como: mamão,
tradicionais. Segundo relatos, a chegada das
roça, todo mundo. Minha abacate, jabuticaba, grumixama, pitanga, jambo, jaca, caju amarelo, caju vermelho, limão
Unidades de Conservação, na década de 70, mãe teve dezesseis filhos, galego e cravo, lima, laranja pêra, laranja bahia, pokã, mexerica, fruta pão, acerola, abacaxi,
iniciou essa “pressão” sobre o ato de plantar todo mundo trabalhou ameixa (nêspera), côco, diversos tipos de banana (prata, da terra, pacubita, ouro, roxa), manga
que foi se intensificando com a chegada da e goiaba.
Unidade de Policiamento Ambiental (UPAm)
na roça, aprendendo
em 2012. tudo que era de roça, de
Planta Época de plantio Fases da lua
estudo não, que naquela
época nem escola tinha Cana “Antes plantava bastante, mas agora planta bem pou-
co”
Antigamente não pra gente. A gente só Julho, agosto e setembro.
era proibido, a aprendeu a trabalhar… Milho
Colheita: 6 meses após plantio.
gente podia sobreviver é bastante coisa, é Fevereiro, março, abril é o melhor período.

com caça, comia as coisas importante Feijão Agosto e setembro também dá para plantar. “Lua ideal para plantar é
a Lua Minguante”.
que criava e quando tinha Colheita: 3 meses após o plantio.
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
uma caça a gente comia, Paraty Mirim, 2019
Mandioca Brava
Aipim Vassourinha
Agosto e setembro: “dá muita vara, cresce muito, mas “Não pode plantar nem
não dá raiz ou é pouca raiz” três dias antes da Lua
mas agora ninguém mais Aipim Vermelhinha Cheia, nem três dias
Maio, junho e julho: “dá raminha pequena e raiz”. depois, pois é uma lua
mata caça. Era muito boa Aipim preta muito clara, então dificul-
Aipim Amarela ta e dá bicho”.
[a carne da cotia], só que Aipim São José
Colheita: 1 ano após plantio.

hoje ninguém mais faz Batata doce roxa Dicas de Plantio:

caça, não pode, é proibido. Abóbora “As plantações devem ser feitas, em sua maioria, na
época das águas porque chove mais”.
Agora é proibido queimar, Quiabo
“Horta precisa regar de manhã e à tardezinha”.
proibido derrubar, roçar,
a gente não pode mais
mexer com o mato
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
Paraty Mirim, 2019

78 79
A alimentação tradicional apontada pelos
caiçaras de Paraty Mirim é constituída por
itens provenientes da roça como batata- Eu acho que a gente
doce, a farinha de mandioca, biju, o café de
tem que trabalhar
cana, paçoca de banana e bolo com farinha
de mandioca; da criação, com ovos e carne enquanto pode, derrubar,
de galinha; e também produtos da pesca roçar, plantar pra colher,
com diversas formas de preparo, como o
pra comer, né? Porque
peixe escalado (seco e salgado), tainha e
parati fritos ou cozidos, pirão de peixe. E se não fizer da roça, as
há também receitas mais elaboradas como coisas vão ficando cada
bolinho de aipim com carne moída e azul
vez piores, tudo caro. Não
marinho.
Fazer farinha é uma atividade que leva
pó. Aí depois você coloca tem um bom emprego,
tempo e tem várias etapas. Geralmente
quem faz farinha tem seus próprios pés de
a forma no forno, joga no Ameaça às práticas então tem que plantar
mandioca. A primeira etapa da produção forno e faz a farinha. Vai tradicionais da roça pra colher. No
de farinha é o plantio das ramas. Depois mexendo, eu mexia com mercado tudo com veneno.
de colhida, a mandioca passa por um Tive que parar, A gente plantando e
rodo, agora é a palheta.”
processamento, como explica Dona Silvana.
porque eu sozinho colhendo é natural, o
A produção de farinha em seu molde mais
tradicional envolve o uso de artefatos feitos
Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
Paraty Mirim, 2019
não dava conta, meu gosto é diferente, as
pelos próprios caiçaras, como os tipitis, pai morreu, minha mãe bananas do mercado que
balaios, cochos, roda ou rolete e rodo. morreu... a gente compra não têm
Alimentação tradicional Hoje em dia, ninguém doce. E a que a gente
O feitio da farinha de quer trabalhar na roça
mandioca colhe da roça é uma
mais, hoje é tudo barco, o banana doce, saudável pra
Colhia o feijão da pessoal faz frete na praia.
Você arranca a gente comer.”
roça pra comer, tá difícil.”
mandioca, traz
plantava milho, plantava
pra casa. Esse aqui é Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty Dona Silvana Alexandrino, 87 anos,
mandioca, plantava cana, Mirim, 2019 Paraty Mirim, 2019
o processo: raspa a
banana, fazia horta.
mandioca, tira a casca Para os antigos, as práticas tradicionais não
Criava galinha, comia ovo são fonte apenas de renda, elas integram
dela, lava, seva no rolete, Eu sou feliz,
caipira da galinha caipira, seu modo de vida, que valoriza alimentos
imprensa, que é num sem venenos e uma convivência solidária
sossegado. Cidade
fazia café de cana, moía no
tipo um tapiti, pra secar entre os vizinhos:
grande não, eu não
engenhinho de madeira, a
a massa. A gente tinha preciso morar em cidade.
gente fazia e tomava, fazia
que imprensar ela bem, [Eu gosto de] trabalhar na
farinha da roça. Era muito
deixa secar [umas] duas roça, tem que ser na roça.
bom!”
horas e meia. Aí eu levo
pra peneira, sobra aquele Dona Silvana Alexandrino, 87 anos, Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Paraty Mirim, 2019 Mirim, 2019
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Pesca é difícil, ele vai levar você
A pesca é parte do modo de vida dos
pra depois do Algodão, aí
caiçaras. Eles convivem com as águas, se ninguém te buscar de
doce e salgada, e são ensinados, desde barco, você fica à deriva
muito cedo, a lidar com os perigos do rio
lá na baía de Ilha Grande.
e do mar. Um pouco diferente das roças, a
pesca artesanal segue viva no território, Então é bem perigoso!”
sendo praticada por homens e mulheres que
enxergam nessas águas a extensão de suas Renato Vieira da Silva, 33 anos, Paraty
casas. Mirim, 2019

Ah, aprendi A diversidade de peixes consumidos pelos caiçaras de Paraty Mirim revela a eficiência dos
conhecimentos tradicionais associados à pesca para garantir segurança alimentar, mesmo
com meu pai. Eu mergulhava no quando faltam os peixes de valor comercial para venda. A característica do ambiente marinho
Eu era novo, era muito fundo e era tanto de Paraty Mirim, com a foz do Rio e a presença do mangue, influencia a atividade pesqueira,

pequenininho, ainda não peixe bonitinho. Falei: diversificando os ambientes e técnicas de captura.

tinha experiência. Aí meu ‘vou matar? Não vou


O que pesca Modalidade de pesca
pai levava pra pescar: ‘ah, matar, não’, aí desisti.
lança aqui ó, rema aqui, É muito lindo o peixe no Camarão Branco,
Rosa, 7 Barbas
Pesca dentro da baía e no manguezal com tarrafa, rede, jereré; o 7 Barbas pesca
dentro e fora da Baía.
ó joga a rede aqui, não fundo do mar, o mais lindo Lagosta Pesca de canoa costeando o costão rochoso (rede de espera no costão ou no meio da
baía)
agarra aqui, aí laçava o é um coral. No fundo do Marisco Pedras
pé na rede, ó cuidado’. Eu mar a gente vê, passa a Caranhota Peixe de costeira, pega com rede, arpão, linha

tinha cinco anos, ia pro mão assim, é lindo o fundo Cavala


Sororoca
mar e ficava pegado com do mar. No costão vê as Chicharro, Cara-
-Pau, Xerelete
os peixes” coisas mais lindas do Anchova Pesca em toda a baía com rede, linha, cerco

mundo, tem muito peixe, Corvina


Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Mirim, 2019 peixe desse tamanhinho Pescada
Bicuda
assim [aproxima os dedos Robalo e Cambira Pega na costeira e no rio com rede, linha, arpão
A pesca artesanal e a bem pertinho], vem na Tainha Entre maio e agosto, na desova. Pega com rede.
relação profunda do Parati Tem o ano inteiro. Pega dentro da baía na rede; e no rio pega no mergulho
caiçara com a natureza: cara da gente. É muito Badejo
bonito. Garoupa Pega perto da costeira com linha e arpão;
Sapateiro Vermelho, Garoupa e Badejo pega também no covo ou jereré
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
O vento é o famoso Mirim, 2019
Vermelho
Carapicu, Caratin- Linha e rede
sudoeste, quando ga, Carapeba
Espada Perto da costeira, com rede e linha
ele vira, ele não vem Perajica Rede
fraco, e quando você tá Sardinha Rede e tarrafa

na baía aqui, de canoa, de Lula Pesca perto da costeira, dentro e fora da baía, com zangarelho. De noite ou de ma-
drigada
caiaque, pra você romper Siri Covo ou jereré

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Dona Vera explica como usa o jereré (ou
2) Criminalização da [Meus irmãos]
puçá) pra coleta de siri, uma importante
pesca tradicional
atividade tradicional que garante a Tá acabando tudo, foram para Angra
segurança alimentar dos caiçaras.
diminuiu muito, trabalhar (em) barco de
porque tinha muito e Pescava antes no arrastão...
Tem uma cordinha. agora quase não tem. Até arpão, mas hoje
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Eu amarro a corda o camarão que sempre não uso mais arpão. Mirim, 2019

na rede e amarro o peixe tinha, agora quase não Proibiram de usar arpão.
tem mais também, tá bem Não pode, só com rede. 3) Pesca de Arrasto
(a isca). Aí boto pro fundo
e fico esperando um fraquinho. É difícil porque No fundo do mar não mata
pouco. Depois eu puxo e o a gente vive mais da mais nada.” A pesca de arrasto tem sido outro desafio
ao pescador artesanal. Os arrastões se
siri tá agarrado no peixe, pesca.” aproximam da costa, território das canoas
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
aí eu pego [risos]” Vera Rita dos Santos, 63 anos, Paraty
Mirim, 2019 artesanais, para pescar camarão.

Mirim, 2019
Vera Rita dos Santos, 63 anos, Paraty
Mirim, 2019
Segundo relatos, a diminuição do pescado é
Foi acabando,
ocasionada pelo aumento da pesca industrial
e do tráfego de embarcações do Pré-sal e
acabando [os
O cerco fixo flutuante também é uma técnica
que os caiçaras de Paraty Mirim dominam,
pela criminalização de algumas modalidades peixes] aqueles barcos
porém, devido às características da baía,
de pesca. Isso tem impossibilitado que arrastando acabaram
pescadores artesanais consigam sustentar-
devem ser colocados um pouco mais
se com essa prática tradicional e levado
tudo. Quando abre a pesca
afastados. A Ilha do Algodão possui pontos
de cerco, e na saída da baía rumo ao Saco do
diversos moradores a trabalhar em outras de arrasto de camarão
Mamanguá existe outro.
atividades vinculadas ao turismo de massa. na baía de Paraty Mirim,
as traineiras levam tudo,
não sobra nada para os
Os desafios da pesca
artesanal: Tem vezes que meu caiçaras.”
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
filho trabalha um Mirim, 2019
1) Diminuição do pescado dia pra um, um dia pra
outro, porque só da pesca
está muito fraco. Um filho
Sardinha tinha
meu trabalha no Calhaus
muito. Acabou”
de caseiro e outro na
Essa frase é repetida exaustivamente
marina, os dois trabalham
pelos pescadores e moradores da região. de lancha.”
Os pescadores cobram providências das
autoridades competentes para salvar a Dona Vera, Caiçara da Comunidade de
pesca artesanal e a cultura caiçara. Paraty Mirim, 63 anos
84 85
86 87
Derramamento de Práticas de cuidado
Petróleo
/ Saúde
Além de remédios caseiros feitos com ervas
Nossa [se tiver um (ainda muito utilizadas), antigamente as
vazamento] aí que práticas de cuidado envolviam também rezas
acaba com tudo. Aí que e simpatias para proteger e curar crianças e

vai ser difícil pra gente adultos.

mesmo, que já tá fraco o


peixe, já quase não tem Usos das ervas medicinais
mais”
Ervas Para o que
Vera Rita dos Santos, 63 anos, Paraty é bom
Mirim, 2019
“Dor de barriga
“Quando a gente tá com
dor na barriga, pega é
um matinho que a Dona
Precisava melhorar Estomalina Silvana tem lá, fala que é
“”estomalina”” o nome do
essa situação, esse remédio, e faz o chá” (Dona
Vera)”
negócio de petróleo aí que
“Tosse
tá caindo na água... Se Receita de xarope: “”cozinha
Guaco, pitan- tudo numa panela, depois passa
acontecer aqui vai acabar ga, alfavaca, no escorredor, põe o açúcar, põe
limão, cidreira. no fogo mais, põe um pouquinho
com tudo. O pescador não de mel, e faz o xarope, é muito
bom pra tosse!” (Dona Silvana)”
vai pescar mais porque
Chapéu de
não tem como pescar, coro Pedras no rim

mata tudo.” Chapéu de


coro com ter- Pressão alta
ramicina
Décio Elis de Lara, 63 anos, Paraty
Cidreira Pressão alta
Mirim, 2019
Camomila Febre
Erva doce Febre
Pitanga Febre
“Para machucado:
“soca terramicina com sal,
santa maria, faz emplastro.
Outro dia eu caí, machuquei
o joelho, fiquei com o joelho
Terramicina e desse tamanho. Fiz o emplastro
santa maria com aquele mato socado, botei
álcool, sal e amarrei, fiquei aqui
com a perna esticada, no outro
dia tava melhor. (Dona Silvana)”

Hortelã Xarope para tosse


Para dor de barriga. Socado
Boldo para tomar frio ou chá
Trançagem Xarope para tosse

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Festa de Nossa antigamente era levantado
Senhora da uma semana antes da
Conceição festa. Tinha bingo, leilão
de assados, bolo, o
Paraty Mirim é uma localidade muito
pessoal doava as coisas
importante historicamente no processo de pra festa. Antes o festeiro
ocupação do território paratiense. Contam dava almoço, era frango,
os moradores caiçaras que a igreja local é a
mais antiga do município, e que em Paraty
carne, peixe, feijão e
Mirim desembarcou boa parte dos africanos farinha, que paratiense
trazidos para trabalhar nas lavouras de cana não passa sem farinha. No
e café, mesmo depois de proibido o tráfico
sábado à noite, depois da
negreiro. A padroeira da comunidade, Nossa
Senhora da Conceição, é celebrada todo dia celebração na igreja, era
08 de dezembro. Durante décadas, o festejo o baile da festa, o forró.
foi uma das mais importantes celebrações
Antes era tocador daqui
da região e atraía famílias que vinham de
toda parte: Saco do Mamanguá, Pouso da
mesmo, meu irmão tocava
Cajaíba, Praia Grande da Cajaíba, Ponta violão, tinha pandeiro. O
Grossa, Ilha do Algodão, Funil, Pedreira, e Luís Antônio, o Ananias
de localidades mais afastadas da costeira,
como o Campinho. Ao lado da igreja tem
cantava, o Celinho. E tem
um caminho que até hoje é chamado de barraquinha com cerveja,
“caminho da procissão”, cunhado por ser vinho, quem bebe tem
utilizado na circulação dos devotos com
a santa no andor. A comunidade caiçara
cachacinha também. No
de Paraty Mirim quer restaurar a igreja e domingo de manhã é a
incluir a festa da padroeira no calendário missa e depois continua
do município para manter e celebrar a sua
história e seu patrimônio cultural.
a festa. E tem a disputa
final do torneio de futebol.
Essa praia aí você não
passava de tanta canoa
A igreja mais velha e embarcação que vinha
que tem aqui é o pessoal de fora. Vinha
essa. A gente quando e encostava aqui. Hoje já
era festeiro montava não tem mais, mas antes
uma equipe, umas 8 isso aqui lotava”
a 10 pessoas, e cada
setor de trabalho era Manoel Alves da Silva, 66 anos, e
Jurassi Cristo Pereira, 62 anos, Paraty
um camarada. O mastro Mirim, 2021
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Os partos antigamente... Artesanato
Tradicional
Eu moro nessa O que é feito Matéria
prima
casinha aqui,
Móveis Guapuruvu
só essa casa aqui é de Casa
Angelim
Caquera
estuque, ela está com Canoa Bicuibas
Cipo
cinquenta anos! Eu fiz Remo Taquaruçu
Caixeta
Cestos, barquinhos
essa casinha aqui pra luminária etc
Taquara de Lixa

ganhar esse filho caçula


que nasceu aqui. Todos
eles nasceram aqui.
Ninguém [fez meu parto],
a gente ganhava sozinha,
era o calor de querosene,
não tinha luz. Deus me
deu muita força, minha
filha.
Dona Silvana, caiçara e erveira de
Paraty Mirim

Conflitos
Conflito Descrição

Zona Populacional Caiçara (Zoneamento APA Cairuçu) com ocupação de


grileiros e casas de veraneio
Especulação imobiliária e
grilagem de terra Coqueiral e estacionamento de não-caiçara
Construção de condomínio de casas não caiçaras
Turismo de Massa: trabalho precarizado, esgotamento da infraestrutura
Território e Recursos Natu- local e poluição ambiental
rais
Criminalização das práticas tradicionais (UPAm).
Arrasto e descarrego de peixes por traineiras
Proibição das práticas e usos tradicionais: roça, caça, agroextrativismo e
Recursos Naturais algumas modalidades de pesca.
Possível derramamento de óleo no território pesqueiro
Péssimas condições de uso da estrada que acessa a comunidade
Infraestrutura
Enchentes recorrentes por conta da ocupação desordenada

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