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A produção literária de

Rogério Andrade Barbosa


da temática africana e
afro-brasileira a outros temas
Eliane Debus
Tatiana Valentin Mina Bernardes
Rosilene Koscianski da Silveira
Arlete de Costa Pereira

(Organizadoras)

A produção literária de
Rogério Andrade Barbosa
da temática africana e
afro-brasileira a outros temas

1º Edição
Tubarão – 2018
www.graficacopiart.com.br
copiart@graficacopiart.com.br
Tel.: 48 3626.4481

Conselho Editorial Sob coordenação da


Série Pandora; n. 3 Gráfica e Editora Copiart
Renata Junqueira de Souza (Unesp) Capa
Max Butlen (Universidade de Cergy- Rita Motta, com foto de Zâmbia Osório
Pontoise)
Marie Helene Torres (UFSC) Diagramação:
Diana Navas (PUCSP) Rita Motta
Diógenes Buenos Aires (UESPI)
Revisão:
Daniela Segabinazi (UFPB)
Bianca Santos, Chirley Domingues
Hélder Pinheiro (UFCG)
Impressão:
Gráfica e Editora Copiart

P964 A produção literária de Rogério Andrade Barbosa : da temática


africana e afro-brasileira a outros temas / Eliane Debus... [et al]
(organizadoras). –1. ed. – Tubarão (SC) : Copiart, 2018.
256 p. – (Pandora; n.3)

ISBN: 978-85-8388-102-5
Inclui referências

1. Barbosa, Rogerio Andrade, 1947- – Crítica e interpretação.


2. Literatura infantojuvenil africana – História e crítica. 3. Livros e
leitura. 4. Comunicação oral. 5. Produção literária africana.
I. Debus, Eliane. II. Série.
CDU: 82.09

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071


Sumário

Dos contos de lá e de cá, muitas histórias para


contar: a pesquisa sobre a produção literária de
Rogério Andrade Barbosa.........................................................13
Eliane Debus
Tatiana Valentin Mina Bernardes
Rosilene Koscianski da Silveira
Arlete de Costa Pereira

Um professor brasileiro na Guiné-Bissau: entre o


ensinar e o aprender....................................................................25
Chirley Domingues
Eliane Debus

Entrevista com Rogério Andrade Barbosa......................29


Eliane Debus
Tatiana Valentin Mina Bernardes

Os livros de temática africana e


afro-brasileira para a infância e juventude

Bichos da áfrica: vovô Ussumane


e suas histórias................................................................................ 37
Fernanda Gonçalves
Os animais da áfrica: histórias contadas por
um griot................................................................................................41
Fernanda Gonçalves

Bichos da África 3: a história dos cães e da


tartaruga.............................................................................................44
Fernanda Gonçalves

Bichos da áfrica 4: mais histórias de um griot.............. 47


Fernanda Gonçalves

Aventuras de Askar e Mayran no deserto.......................50


Arlete de Costa Pereira

Brincadeiras de diferentes lugares......................................53


Arlete de Costa Pereira

Para conhecer a lenda da Serpente Píton........................56


Anne Marie Tribess Onesti

A tradição oral, memórias de uma história


ancestral............................................................................................. 59
Tatiana Valentin Mina Bernardes

Fuuuuuuu shuiiiii, o segredo da natureza.............62


Tatiana Valentin Mina Bernardes

O gato amigo do rato e o jabuti voador: contos


de Uganda..........................................................................................64
Simoni Conceição Rodrigues Claudino

Contos para crianças brasileiras........................................... 67


Arlete de Costa Pereira

Kumbu e Buanga: contos para além do “Ao redor


da fogueira”.......................................................................................70
Luana de Araújo Carvalho
Descobrindo o passado............................................................... 72
Simoni Conceição Rodrigues Claudino

Guiados pela serpente................................................................. 74


Marinaldo de Silva e Silva

Lendas e fábulas narradas em Luanda............................... 76


Fernanda Gonçalves

Mandela, a história do homem que lutou pelo


direito à liberdade do povo africano................................... 79
Giselli de Oliveira da Silveira

Memórias da Vila do Curiaú.................................................... 81


Tatiana Valentin Mina Bernardes

Viajando por Galápolis...............................................................83


Luana de Araújo Carvalho

Os pássaros e a maravilha do voo........................................ 87


Luana de Araújo Carvalho

O passeio no Parque Nacional de Tsavo.......................... 90


Thayse da Costa Machado

Três adivinhas, pra além do “o que é o que é”..............92


Simoni Conceição Rodrigues Claudino

O continente africano de A a Z............................................. 95


Tatiana Valentin Mina Bernardes

O guardião das festas populares............................................ 97


Thamirys Frigo Furtado

Aldeões corajosos e a princesa real....................................99


Arlete de Costa Pereira

Os animais e suas características.......................................101


Viviane de Carvalho
Os animais têm muito a ensinar-nos............................... 104
Lisandra Banhuk de Campos

O povo dita a história............................................................... 106


Marinaldo de Silva e Silva

Os bravos pigmeus..................................................................... 108


Vinícius Pereira

Uma história que minha avó me segredou!...................110


Ingobert Vargas

O ratinho que tecia histórias................................................. 113


Vinícius Pereira

O teatro de bonecos: mamulengo........................................115


Elika da Silva

Países irmãos................................................................................. 118


Thayse da Costa Machado

Uma ideia cheia de luz............................................................. 120


Daniela Martins

Um coelho esperto e outro nem tanto!............................122


Simoni Conceição Rodrigues Claudino

A saga do grande imperador mandinga do Mali........124


Vinícius Pereira

Que sobrinho esperto! – disse o lobo................................126


Simoni Conceição Rodrigues Claudino

Tributo ao velho Chico.............................................................129


Silvana Gili

Romãozinho: o menino arteiro............................................ 131


Maria Laura Pozzobon Spengler
Promessa para caboclo-d’água é dívida!.........................134
Arlete de Costa Pereira

O pescador e o seu amor.........................................................136


Thamirys Frigo Furtado

Uma bordadeira e muitas histórias interessantes


para contar!.....................................................................................138
Cíntia Rodrigues de Andrade Assunção

Bem-vindo a Ruanda................................................................ 140


Marinaldo de Silva e Silva

Um conto um tanto estranho................................................142


Aline Effting

Dingono: um pigmeu que sabe quem é............................144


Rosilene Koscianski da Silveira

Kalahari: a morte em iminência.......................................... 147


Rosilene Koscianski da Silveira

O deserto de Kalahari............................................................... 150


Elika da Silva

Um retrato do folclore..............................................................153
Viviane de Carvalho

Danite e o leão: um conto das montanhas da


Etiópia................................................................................................ 155
Caroline Carvalho

Cada grão de poeira é importante em um chão


sagrado..............................................................................................158
Maria Laura Pozzobon Spengler

Soyas de sun tataluga: histórias que me contaram


em São Tomé e Príncipe......................................................... 160
Kainara Ferreira
A tradição das palavras............................................................163
Tatiana Valentin Mina Bernardes

Irmãos Zulus..................................................................................165
Aline Effting

No museu do cairo...................................................................... 167


Josiane Chini Baptista

O anel de Tutancâmon.............................................................169
Arlyse Silva Ditter

Uma aventura na cidade.......................................................... 173


Elisa Maria Machado Lima

A caixa de segredos, de Rogério Andrade Barbosa:


a memória como herança....................................................... 175
Eliane Debus

A sedução das narrativas bebidas na oralidade......... 180


Eliane Debus

O Brasil narrado pela voz de Rogério Andrade


Barbosa.............................................................................................182
Maria Laura Pozzobon Spengler

Em busca da felicidade..............................................................185
Tatiana Valentin Mina Bernardes

Memórias de uma ilha assombrada...................................188


Ingobert Vargas

A esperteza do saltão..................................................................191
Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi

Um sonho de liberdade.............................................................193
Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi
Para conhecer a poesia na áfrica.......................................195
Maria Laura Pozzobon Spengler

Outros Temas

Os folguedos da Ilha da Magia.............................................199


Arlete de Costa Pereira

O menino revolucionário.......................................................202
Elika da Silva

Um misterioso carnaval..........................................................204
Cristina Cardoso Rodrigues

As aventuras de toninho e seu avô.................................... 207


Lisandra Banhuk de Campos

Clonagens e tradição................................................................209
Marinaldo de Silva e Silva

Comunicação elegante.............................................................. 211


Marinaldo de Silva e Silva

O primeiro amor..........................................................................213
Luana de Araújo Carvalho

A poesia dos contos de esquimós........................................215


Felícia de Oliveira Fleck

Por que os homens não me escutam?.............................. 217


Liliane Alves da Silva

De um passeio a uma “prisão”: a língua de sinais


como sobrevivência....................................................................219
Simoni Conceição Rodrigues Claudino
Uma peça de teatro para aprender a cuidar da
natureza............................................................................................221
Maria Laura Pozzobon Spengler

Uma história de amor entre Hinemoa


e Tutanekai..................................................................................... 223
Arlete de Costa Pereira

Sangue de índio........................................................................... 226


Marinaldo de Silva e Silva

Movimento estudantil: agosto de 1992............................ 228


Elika da Silva

Mistérios em ouro preto: sobre uma jaqueta, ser


escritor e uma cidade histórica............................................231
Zâmbia Osório dos Santos

No interior da amazônia: sobre ribeirinhos,


caboclos e lendas indígenas.................................................. 234
Zâmbia Osório dos Santos

Cícero e a busca por direitos.................................................237


Rosilene Koscianski da Silveira

A múmia do gelo e seus segredos......................................240


Eliane Debus

Voo pleno em liberdade........................................................... 242


Eliane Debus

Aventuras e descobertas na Pedra da Gávea............... 244


Arlete de Costa Pereira

O sumiço das tartarugas......................................................... 246


Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi

A magia de muiraquitã............................................................ 248


Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi
Dos contos de lá e de
cá, muitas histórias
para contar: a pesquisa
sobre a produção
literária de Rogério
Andrade Barbosa

Eliane Debus1
Tatiana Valentin Mina Bernardes2
Rosilene Koscianski da Silveira3
Arlete de Costa Pereira4

1
Doutora em Letras – Professora UFSC
2
Mestranda em Educação – PPGE-UFSC
3
Doutora em Educação – PPGE-UFSC
4
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
A presente publicação resulta de uma pesquisa sobre
a produção literária para infância e juventude do escritor
carioca Rogério Andrade Barbosa, realizada pelos membros
do Grupo de Pesquisa em Literatura Infantil e Juvenil e
Práticas de Mediação Literária (Literalise), do Centro de
Ciências da Educação (CED), da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC) durante o período de 2015 a 2017.
A pesquisa objetivou o mapeamento, a leitura e a resenha
do conjunto da obra do escritor cuja ênfase recai sobre a
temática africana e a afro-brasileira.
Os primeiros livros de Rogério Andrade Barbosa
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

para a infância foram publicados em meados da década


de 1980, quando o escritor retornou de um período de
imersão no continente africano, em Guiné Bissau, como
voluntário das Nações Unidas. Das últimas três décadas
para cá, sua produção literária totalizou 85 títulos no
primeiro semestre de 2017.
14

Rogério Andrade Barbosa é graduado em Letras pela


Universidade Federal Fluminense (UFF), pós-graduado,
nível de especialização, em Literatura Infantil Brasileira pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), exercendo
magistério por vários anos, inclusive na Guiné Bissau.
O escritor atua de forma direta nos programas de incentivo
à leitura, proferindo palestras e organizando oficinas de
leitura literária, com destaque para a temática africana e
afro-brasileira. Nesse sentido, contribui significativamente
com sua escrita e ações para a formação do leitor
literário, em particular no que diz respeito à valorização e
compreensão acerca da diversidade étnico-racial.
A temática africana e afro-brasileira na literatura
infantil e juvenil tem-se destacado no Brasil a partir da
aprovação das Leis n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003,
e n. 11645, de 10 de março de 2008, bem como da
implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (BRASIL,
2004), que instituem o estudo da cultura e história
africana, afro-brasileira e indígena como obrigatórias nos
currículos da educação básica. Desse modo, segundo
Passos (2012), as leis em referência complementam-se e
alteram a Lei n. 9394, de 1996, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB), colocando o direito à educação
e à diversidade no mesmo patamar como uma política
afirmativa de Estado.
Do mesmo modo, também os estudos literários têm,
nos últimos anos, apresentado uma noção de literatura de
forma mais ampla e concentrado esforços nas pesquisas que
contemplam os grupos emergentes. Esse fato é anunciado
ainda na década de 1990, no documento “Avaliação e
Perspectivas: Curso de Letras” (CNPq), elaborado por

Apresentação
Gotlib (1994). Estaria nesses grupos emergentes a literatura

15
feita por mulheres, a literatura popular (oral e de cordel), a
literatura africana e a literatura infanto-juvenil.
Essa constatação acentuou-se nos últimos anos e,
no caso específico de nosso estudo, podemos dizer que
a literatura infantil e a temática africana entrelaçam-se e
tornam-se uma tendência na escrita dos livros e nos estudos
e pesquisas sobre eles. E, por certo, a Lei n. 10.639 contribui
para essa disseminação, quando exige a obrigatoriedade
do ensino da cultura africana e afro-brasileira nas escolas.
A lei ainda destaca, no artigo 26-A, parágrafo primeiro, que
o conteúdo programático incluirá o “[...] estudo da História
da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a
cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade
nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas
áreas social, econômica e política pertinente à História
do Brasil” (BRASIL, 2003) e no artigo 26-A, parágrafo
segundo, que esse conteúdo deverá ser trabalhado “[...] em
especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura
e História Brasileira.” (BRASIL, 2003). Posteriormente, a
Lei n. 11.645, de 10 de março de 2008, vem reafirmar
a obrigatoriedade do estudo da história e cultura afro-
brasileira nos currículos dos ensinos fundamental e médio
e inclui as mesmas orientações para a temática indígena.
Em 2004, o Conselho Nacional de Educação (CNE)
instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que devem
ser observadas pelas instituições de ensino que atuam nos
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

níveis e modalidades da educação brasileira e, em especial,


por instituições que desenvolvem programas de formação
inicial e continuada de professores. De acordo com as
diretrizes, artigo primeiro, parágrafo primeiro,

As Instituições de Ensino Superior incluirão nos


conteúdos de disciplinas e atividades curriculares
16

dos cursos que ministram a Educação das


Relações Étnico-Raciais, bem como o tratamento
de questões e temáticas que dizem respeito aos
afrodescendentes, nos termos explicitados no
Parecer CNE/CP 3/2004. (BRASIL, 2004).

Isso significa que as instituições de ensino superior


passam obrigatoriamente a incluir esses conteúdos em seus
currículos, sendo que o cumprimento das diretrizes é um
quesito a ser considerado nas avaliações de condições de
funcionamento. Trata-se de um conjunto de orientações,
princípios e fundamentos cuja meta explicitada no artigo
segundo é “[...] promover a educação de cidadãos atuantes e
conscientes no seio da sociedade multicultural e pluriétnica
do Brasil, buscando relações étnico-sociais positivas, rumo
à construção de nação democrática.” (BRASIL, 2004).
Nesse aspecto, a literatura aqui apresentada nas obras de
Barbosa cumpre um importante papel de valorização da
identidade, história e cultura dos afro-brasileiros.
Outro documento importante a ser considerado no
estudo da temática é o Plano Nacional de Implementação
das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2009).
O referido plano objetiva colaborar para que todo o
sistema de ensino e as instituições educacionais cumpram
as determinações legais, enfrentando todas as formas
de preconceitos, racismo e discriminação, e garantam
a todos os sujeitos o direito de aprender com equidade,
promovendo uma sociedade mais justa e igualitária.
Para cumprir os objetivos determinados no plano, são
apresentados seis eixos estratégicos: 1) fortalecimento
do marco legal; 2) política de formação para gestores e
profissionais de educação; 3) política de material didático
e paradidático; 4) gestão democrática e mecanismos

Apresentação
de participação social; 5) avaliação e monitoramento; e

17
6) condições institucionais. Também destaca as atribuições
e responsabilidades entre os diferentes atores da educação
brasileira, desde o Governo Federal, Estadual, Municipal
até os conselhos e fóruns. Orienta um conjunto de ações
específicas a cada nível de ensino ou modalidade, no
sentido de garantir e efetivação das legislações que tratam
da temática.
No âmbito das produções acadêmicas, destacam-se
no cenário atual vários estudos e pesquisas, principalmente
nas áreas de Letras e Educação, que buscam refletir e
problematizar as narrativas que trazem como temática a
cultura africana e afro-brasileira. Segundo Debus (2007),
podemos destacar o artigo de cunho historiográfico de
Gouvêa (2005), com análise sobre as representações
sociais do negro na literatura de recepção infantil no Brasil,
nos 30 primeiros anos do século XX. Diante do mito da
democracia racial e da visão etnocêntrica, os personagens
são marcados pelo desejo de embranquecimento. Abarca
ainda os estudos de Sousa (2003), voltados aos títulos
produzidos em meados da década de 1980, marcados por
representações afirmativas da identidade negra. E, ainda,
a pesquisa de Oliveira (2003), que dedicou os estudos
sobre as personagens negras na literatura infanto-juvenil
brasileira nas publicações entre 1979 e 1989 e evidenciou
três aspectos: a denúncia sobre a situação social, a denúncia
da existência do preconceito racial e a descrição da beleza
“marrom” e “pretinha” dos protagonistas com a intenção
de propagar o mito da democracia racial, segundo a autora.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Os estudos descritos exemplificam a variedade de


pesquisas significativas produzidas por pesquisadores de
diversos campos do conhecimento na tentativa de analisar
as publicações e a circulação mercadológica de livros de
recepção infantil que trazem a temática étnico-racial. Desse
modo, a literatura ganha papel fundamental nos processos
18

educativos e determina questões políticas e sociais para a


formação de cidadãos democráticos, críticos e agentes em
uma sociedade pluriétnica e multicultural. Verifica-se um
aumento na produção de títulos que abordam a temática
étnico-racial e torna emergente para a sociedade brasileira
a investigação sobre temas que discutam a história e
cultura africana e afro-brasileira. Esses estudos, além de
contribuírem para o reconhecimento e a disseminação da
produção literária sobre a temática, exigem do mercado
editorial um olhar apurado sobre os títulos infanto-juvenis
que são publicados.
Debus (2017, p. 33) destaca que os títulos sobre a
temática étnico-racial que circulam no atual mercado
editorial brasileiro podem ser divididos em “[...] três
grandes categorias: 1) literatura que tematiza a cultura
africana e afro-brasileira; 2) literatura afro-brasileira; e
3) literaturas africanas.”. Segundo a autora, a primeira
categoria traz como temática a cultura africana e afro-
brasileira, sem focalizar a autoria, mas sim o que tematiza.
A segunda é produzida por escritores afro-brasileiros
e a terceira de autoria africana. As literaturas africanas
podem resultar em outras subcategorias, como: literaturas
africanas de diferentes línguas (portuguesa, francesa,
inglesa, outras); a segunda: literaturas africanas de
língua portuguesa (Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau,
Moçambique, São Tomé e Príncipe). Debus (2017) afirma
ainda que a primeira categoria, literatura que tematiza
a cultura africana e afro-brasileira, é a que se sobressai,
embora as demais categorias também tenham crescido
nos últimos anos, com um conjunto de escritores negros.
É também nessa categoria que situamos Rogério Andrade
Barbosa e a maior parte de sua produção literária que aqui
apresentamos.

Apresentação
Conforme enunciamos, o trabalho de pesquisa e

19
produção desta publicação foi realizado pelos membros
do Grupo Literalise, entre 2015 e 2017. Nessa trajetória,
uma das oportunidades mais relevantes consubstanciou-
se no encontro entre o autor e o grupo, um espaço-tempo
privilegiado de formação que, por sua vez, possibilitou
uma entrevista, oficinas de contação de história e o
compartilhamento de suas viagens e vivências.
Os membros do grupo dedicaram-se a analisar os
títulos do escritor, tarefa que se iniciou com o levantamento
de sua produção literária para, em seguida, realizar uma
busca em bibliotecas públicas e privadas. Os livros não
localizados nesses espaços foram adquiridos, contemplando
todos os 85 títulos do autor. De posse do acervo, realizamos
a distribuição dos livros entre os membros do grupo, para a
realização da leitura, análise e elaboração das resenhas. Na
ocasião, também foram planejados os critérios de análise
para resenhar os livros, considerando-se as contribuições
que os títulos proporcionam à formação literária do leitor,
as abordagens presentes nas narrativas, a valorização e o
respeito acerca das diferenças entre as pessoas e grupos
culturais, e a diversidade étnico-racial, social e cultural
presentes nas sociedades. Procedemos à leitura, apreciação
e à resenha dos títulos organizando o material em duas
partes diferenciadas: a primeira parte reúne “Os livros
de temática africana e afro-brasileira para a infância”; e
a segunda parte reúne resenhas relacionadas a “Outros
temas”. Antes de apresentar os dois capítulos, trazemos
ao público a resenha de La-Le-Li-Lo – Luta: um professor
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

brasileiro na Guiné-Bissau, livro de Rogério Andrade Barbosa,


elaborada por Chirley Domingues e Eliane Debus e uma
entrevista realizada por Eliane Debus e Tatiana Valentin
Mina Bernardes com o escritor em 2015.
A primeira parte, intitulada “Os livros de temática
africana e afro-brasileira para a infância”, apresenta os 63
20

livros resenhados e a segunda parte reúne “Outros temas”,


em que são apresentados 22 livros resenhados.
Todo o trabalho de pesquisa e elaboração teórica,
realizado pelo grupo Literalise, possibilitou-nos refletir
sobre a literatura infantil e juvenil de temática africana
e afro-brasileira, sua problematização e suas implicações
nos processos de produção do mercado editorial e nas
possibilidades que a linguagem literária pode desenvolver
para a promoção de ações e propostas antirracistas nas
instituições educativas. Consideramos a produção de
pesquisas que envolvam a temática sobre a história e
cultura africana e afro-brasileira imprescindível para
possibilitar a discussão e reflexão em todas as esferas da
sociedade brasileira, interferindo nas políticas públicas,
sociais e educativas.
Acreditamos que tais pesquisas possam contribuir
para o reconhecimento, valorização e divulgação da
produção literária sobre a temática e esperamos que esta
publicação auxilie na ampliação das discussões sobre
as possibilidades do trabalho com o livro literário e a
educação das relações étnico-raciais.

Referências
BRASIL. Presidência da República. Parecer CNE/CEB
n. 07/2010, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais
Gerais para Educação Básica. Disponível em: <http://portal.
mec.gov.br/dmdocuments/rceb007_10.pdf>. Acesso em:
4 out. 2007.
______. Ministério da Educação. Plano Nacional de
Implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para
o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

Apresentação
Africana. Brasília: MEC/SECAD/SEPPIR, 2009. Disponível

21
em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_
docman&view=download&alias=10098-diretrizes-
curriculares&Itemid=30192>. Acesso em: 8 dez. 2017.
______. Presidência da República. Lei Federal n. 11.645, de 10
de março de 2008, que altera a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, modificada pela Lei n. 10.639, de 9 de janeiro
de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira
e Indígena”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm>. Acesso em:
4 out. 2017.
______. Presidência da República. Parecer CNE n. 02/2007,
quanto à abrangência das Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino
de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/pceb002_07.pdf>.
Acesso em: 4 out. 2017.
______. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e
Africana. Brasília: MEC/Secad, 2004. Disponível em: <http://
www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2012/10/
DCN-s-Educacao-das-Relacoes-Etnico-Raciais.pdf>. Acesso
em: 29 set. 2017.
______. Ministério da Educação. Parecer homologado. Parecer
CNE/CP n. 003/2004 e Resolução n. 01/2004, que instituem
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

e regulamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para


a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>. Acesso
em: 4 out. 2017.
______. Presidência da República. Lei Federal n. 10.639,
22

de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei n. 9.394, de 20


de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da
educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede
de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 4 out. 2017.
DEBUS, Eliane. A representação do negro na literatura para
crianças e jovens: negação ou construção de uma identidade?
In: Imaginário, identidades e margens: estudos em torno da
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______. A temática da cultura africana e afro-brasileira
na literatura para crianças e jovens: lendo Joel Rufino dos
Santos, Rogério Andrade Barbosa, Júlio Emilio Brás, Georgina
Martins. Florianópolis: NUP/CED/UFSC, 2017.
GOTLIB, Nádia. A historiografia feminista: algumas questões
de fundo. In: FUNCK, Susana B. (Org.). Trocando idéias
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Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 1, p. 77-89, jan./abr.
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SOUSA, Andréia L. Nas tramas das imagens: um olhar
sobre o imaginário da personagem negra na literatura infantil
e juvenil. 2003. Dissertação (Mestrado em Educação) –

Apresentação
Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo.

23
Um professor
brasileiro na
Guiné-Bissau: entre o
ensinar e o aprender

Chirley Domingues5
Eliane Debus6

Rogério Andrade Barbosa começou a escrever para


crianças após o seu retorno como professor voluntário
das Nações Unidas na Guiné Bissau. A experiência
docente do jovem professor no final da década de 1970
naquele país está registrada no livro La-Le-Li-Lo-Luta: um
professor brasileiro na Guiné-Bissau, no qual ele faz um
relato sensível sobre suas vivências com outros jovens

5
Doutora em Educação – PPGE-UFSC
6
Doutora em Letras – Professora UFSC
voluntários, sua relação com o espaço e tempo daquele
país, que se reconstruía após um longo período, em que os
direitos e as lutas pela independência foram violentados.
Com pouco conhecimento sobre o país, o jovem
recém-formado partiu com a certeza de que viveria uma
experiência “[...] enriquecedora em termos existenciais,
políticos e profissionais” (BARBOSA, 1984, p. 13). Tal
certeza se confirmou já nos primeiros meses, quando
Rogério deparou-se com uma nação que ainda se
organizava após anos de uma árdua e resistente luta pela
independência, conquista que deixou para o povo uma
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

certeza, a de que a educação era fator prioritário para a


reconstrução nacional.
Entre a expectativa do encontro com o desconhecido
e o contato com a dura realidade, em que as privações eram
comuns, o relato do jovem professor brasileiro, com um
discurso claro e simples, porém rico em detalhes, revela-
26

nos uma experiência marcada por muitas descobertas.


Ao chegar à capital de Guiné-Bissau, Rogério Barbosa
surpreendeu-se com os guineenses, um povo humilde,
porém disciplinado e afetuoso, marcado pelo legado do
colonialismo explorador e, de certa forma, desumano,
que desconsiderou a cultura e negou a todos o acesso à
educação.
As privações e o sofrimento, porém, não tiraram desse
povo a sua determinação. Apesar de todo o sofrimento e
da miséria do país, onde um simples item de higiene, como
uma pasta de dente ou um sabonete, era disputado por
uma multidão, os homens e as mulheres de Guiné-Bissau
não esmoreciam e revelavam nos gestos, nas palavras e
nas atitudes que a liberdade conquistada seria a grande
herança para as futuras gerações.
Ao final dos dois anos em que esteve em Bissau como
professor voluntário, Rogério Barbosa voltou ao Brasil com
a certeza de que a miséria e o sofrimento não abalaram a
dignidade dos guineenses. E foi essa a lembrança que o
jovem professor brasileiro trouxe do continente africano,
onde, segundo ele, passou os melhores anos da sua vida
e onde ele pôde testemunhar “[...] de perto a vontade e
o esforço de um povo para a reconstrução de sua amada
pátria” (BARBOSA, 1984, p. 119).
O livro La-Le-Li-Lo-Luta: um professor brasileiro na
Guiné-Bissau, primeira publicação de Rogério Andrade
Barbosa, é um registro memorável de sua incursão pelo
continente africano, em particular pela Guiné-Bissau, que

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


possibilita-nos conhecer as dificuldades e os obstáculos
vencidos para a (re)construção daquele país.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. La-Le-Li-Lo-Luta: um

27
professor brasileiro na Guiné-Bissau. Rio de Janeiro: Achiamé,
1984.
Entrevista com
Rogério Andrade
Barbosa7

Eliane Debus8
Tatiana Valentin Mina Bernardes9

Eliane e Tatiana: Você é graduado em Letras na


Universidade Federal Fluminense e realizou pós-graduação
em Literatura Infantil Brasileira na Universidade Federal
do Rio de Janeiro. Essa formação contribuiu para o seu
exercício de escrita de que forma?

Rogério: O curso de Letras e a pós-graduação nortearam


o meu caminho pelo mundo da escrita, aprofundando,
principalmente, as minhas leituras.

7
Entrevista publicada em Abiodum. Vol. 9, n. 1, 2017.
8
Doutora em Letras – Professora UFSC
9
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
Eliane e Tatiana: Você foi voluntário das Nações Unida
em Guiné-Bissau na década de 1980. Essa experiência
favoreceu a sua produção escrita? Como?

Rogério: Eu classifico a minha vida em duas etapas: a.GB


(antes da Guiné-Bissau) e d.GB (depois da Guiné-Bissau),
pois foi no continente africano que me apaixonei pelos
contos tradicionais.

Eliane e Tatiana: Você tem mais de 80 títulos para o


público infantil e juvenil publicados e em circulação no
mercado editorial brasileiro. Você teria um título que se
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

destaca em vendas ou que se destacou em determinado


período especificamente?

Rogério: Por incrível que pareça, o meu primeiro título:


Bichos da África 1: lendas e fábulas foi, e continua a ser, o meu
livro mais vendido. Já ultrapassou a casa de um milhão de
30

exemplares e foi traduzido para o inglês, para o alemão e


para o espanhol.

Eliane e Tatiana: Quando e como apareceu o seu interesse


por (re)escrever histórias africanas e afro-brasileiras?

Rogério: Surgiu da minha experiência como professor na


Guiné-Bissau, que me fez aprofundar pesquisas, viagens
e recolhas pelo Brasil e pelos países africanos de língua
oficial portuguesa.

Eliane e Tatiana: Qual a influência dos Griots na produção


de suas obras?

Rogério: No Brasil, ainda se faz muita confusão com o


papel dos Griots, que, na verdade, são profissionais da
palavra. Verdadeiros menestréis que serviam e ainda
servem a poderosos governantes. Uma profissão, a de
contador de histórias, que é e só pode ser passada de
pai para filho. Ao contrário dos narradores tradicionais,
espalhados pelas aldeias e cidades do continente africano.
Geralmente, pessoas mais velhas: pais, tios e avôs,
detentores de um amplo repertório de lendas e fábulas.
Todos eles influenciam a minha forma de escrever.

Eliane e Tatiana: Qual a importância da literatura


africana e afro-brasileira para a formação leitora na luta
pela superação das discriminações, dos preconceitos e do
racismo?

Rogério: O livro, numa sociedade multicultural como a

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


nossa, tem de ser como um espelho, no qual o leitor se
reconheça, com personagens e ilustrações que abordem o
nosso caldeirão étnico.

Eliane e Tatiana: A produção literária brasileira reflete a


história da nossa sociedade, estereótipos e preconceitos
contra o negro aparecem de maneira sutil ou explícita.

31
Em sua opinião, como a literatura pode colaborar para a
formação leitora crítica e antirracista?

Rogério: A imagem do negro nos livros durante muitos e


muitos anos foi totalmente estereotipada. A personagem
mais emblemática foi, e continua a ser, a Tia Nastácia,
de Lobato. A nossa literatura atual, embora algumas
publicações insistam em manter, veladamente ou não,
antigos ranços, melhorou bastante. Eliminar totalmente
estereótipos e preconceitos tão arraigados em nossa
sociedade ainda demandará um bom tempo.

Eliane e Tatiana: As obras de literatura infantil e juvenil


contribuem para a formação leitora proficiente, e as que
abordam questões étnico-raciais podem ajudar no debate
sobre a discriminação racial. Qual sua opinião a esse
respeito?
Rogério: A literatura infantil e juvenil tem um papel
fundamental no combate ao racismo e à intolerância racial.

Eliane e Tatiana: A leitura traz elementos da realidade,


questões sociais, históricas, políticas, culturais, sentimentais
e emocionais. Suas obras trazem elementos da realidade
da sociedade brasileira. Qual a importância da abordagem
dessas temáticas na literatura? E como é escrever livros
baseados em histórias sociais?

Rogério: Eu sempre digo que não sou um autor de


historinhas água com açúcar. Por viver num país tão
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

desigual, em meus livros, principalmente nos juvenis,


sempre que possível, eu gosto de abordar temas como
a violência, a prostituição infantil, pedofilia, fanatismo
religioso, desigualdade social etc.

Eliane e Tatiana: Como acontece o seu processo de criação,


32

de produção e de escrita da obra? Qual periodicidade da


sua produção literária? Você possui alguns manuscritos
que não foram publicados ou finalizados? Como identifica
os critérios para decidir qual história enviar para a editora?

Rogério: Primeiro, eu preciso ter uma ideia, que pode


surgir de uma das minhas inúmeras viagens pelo mundo
afora; a matéria de um jornal; a leitura de um livro; um
filme; uma dança folclórica brasileira; e, também, na
recolha de contos tradicionais, seja no Brasil ou na África.
Daí, eu elaboro uma sinopse de três a cinco linhas com
princípio, meio e fim. Depois, pesquiso os temas que vão
nortear a história. E tento escrever a primeira página, que
no meu caso, é crucial. Se eu consigo vencer a primeira
página, vou em frente. E, agindo assim, raramente, desisto
de um projeto. Se for para o público infantil, ou seja, com
menos páginas, consigo escrever até três livros em um ano.
Os juvenis me tomam mais tempo; escrevo um ou dois
anualmente. Mas depende muito. Tem anos que escrevo
bastante. Outros, bem menos. Mas nunca me faltam ideias.
Por isso, não me angustio nem sofro. Sei que, no momento
certo, sempre aparecerá um motivo para eu escrever.

Eliane e Tatiana: Você acredita que a Lei n. 10.639, de


2003, tem contribuído para a disseminação da temática
africana e afro-brasileira na literatura infantil e juvenil?

Rogério: A lei foi de suma importância. Levou a discussão


de um tema praticamente “apagado” de nossa história para

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


dentro das salas de aulas. E fez com que o mercado editorial
passasse a interessar-se e a lançar inúmeras publicações
sobre a temática afro-brasileira e africana.

33
Os livros de
temática africana
e afro-brasileira
para a infância
e juventude
Bichos da áfrica:
vovô Ussumane
e suas histórias

Fernanda Gonçalves10

O livro Bichos da África: lendas e fábulas (2001) é o


primeiro dos quatro títulos lançados pelo autor Rogério
Andrade Barbosa, os quais compõem uma coleção cujas
histórias são contadas pelo vovô Ussumane, um sábio griot
que transmite oralmente as histórias do povo africano.
Nesse contexto, a tradição oral cumpre um importante
papel, que se assemelha ao da biblioteca e de arquivos em
outras conjunturas.
Estruturalmente, o livro é organizado em 16 páginas;
no início, encontra-se uma breve explicação acerca da
importância da história oral nas sociedades africanas,
escrita por Glória Pondé. Ele é composto por duas fábulas

10
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
intituladas: “A Mosca Trapalhona” e “A Tartaruga e o
Leopardo”. Nelas, os animais assumem centralidade nos
papéis, comparados a defeitos e virtudes humanas, o que
é próprio do gênero, que se define justamente como uma
narrativa curta cujos protagonistas costumam ser animais,
apresentando uma moral e ensinamentos (VALE, 2001).
O título conta ainda com as ilustrações de Ciça Fittipaldi,
que colorem as histórias com traços bastante peculiares,
ligados à cultura africana.
A primeira fábula intitulada “A Mosca Trapalhona”
narra a história de uma mosca que, com boa intenção,
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

foi avisar à cobra, que estava dormindo em cima de um


monte de lenha, que havia pessoas chegando. A intenção
era alertá-la quanto ao perigo de ser capturada. A cobra
rapidamente se escondeu dentro da toca de um rato que,
quando a viu, fugiu às pressas pela saída de emergência.
O rato esbarrou num faisão, que assustou o macaco, que
38

assustou o elefante. O grandalhão apavorado esmagou tudo


que encontrou pelo caminho, pisando acidentalmente em
um ninho de ntiétié, ave com penas vermelhas como fogo.
Ela ficou zangada e colocou fogo em tudo. o veado que
passava pelas redondezas acabou queimando as patas, saiu
correndo para o rio para refrescar-se, mas esqueceu de
avisar às mulheres que ali se banhavam para se vestirem.
Elas se queixaram com o chefe da aldeia. Todos os animais
foram chamados por ele para esclarecer tal história, até que
descobriram que, na verdade, a culpa era da mosca, que
quis fazer o bem, avisando à cobra, mas acabou fazendo o
mal. No fim, ela foi perdoada.
Na segunda fábula, chamada “A Tartaruga e o
Leopardo”, vovô Ussumane explica sobre a importância
dos conhecimentos adquiridos por um verdadeiro caçador,
como os hábitos dos animais da floresta, entre outros. Narra,
então, a história da tartaruga para exemplificar. Certa vez,
a tartaruga caiu num buraco profundo durante a noite, no
meio da mata; era uma armadilha. Ela precisava encontrar
uma solução para sair do buraco antes do amanhecer, caso
contrário, viraria sopa para os aldeões. Foi então que caiu
um leopardo na mesma armadilha. A tartaruga começou
a gritar com o felino, acusando-o de entrar na sua casa,
fingindo que aquele buraco era, na verdade, o seu lar.
O leopardo, irritado com ela, jogou-a para longe do buraco
e, assim, conseguiu fugir.
As fábulas possuem um caráter educativo pela sua
natureza alegórica e seu discurso sobre a moral, que incita

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


no leitor à possibilidade de questioná-la, relacionando-a à
realidade social (VALE, 2001). Já a experiência repassada
de pessoa por pessoa é fonte de todos os narradores
(BENJAMIN, 2012), e, no continente africano, o narrador
assume o papel de griot. Em “Bichos da África” é possível
aproximar-se dos costumes africanos narrados pelo

39
vovô Ussumane e envolver-se no mundo fantástico das
serpentes, dos macacos, leões e de tantos outros animais.

Finalista Prêmio Jabuti (texto) – 1988


Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 1988
Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 1988
White Ravens (acervo da Biblioteca Infantil de
Munique)
Traduzido para o inglês, espanhol e alemão.

Referências
BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da África: lendas
e fábulas. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo:
Melhoramentos, 2001.
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios
sobre a literatura e história da cultural. Tradução de Sérgio
Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 2012. (Obras
escolhidas, v. I).
VALE, Luiza Vilma Pires. Narrativas infantis. In: SARAIVA,
Juracy Assmann (Org.). Literatura e alfabetização: do plano
do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
40
Os animais da áfrica:
histórias contadas
por um griot

Fernanda Gonçalves11

O livro Bichos da África 2: lendas e fábulas (2006) é


o segundo dos quatro títulos lançado pelo autor Rogério
Andrade Barbosa, na coleção Bichos da África
Estruturalmente, o livro é organizado em 14
páginas e é composto por três fábulas e nelas os
animais assumem centralidade nos papéis, comparados
a defeitos e virtudes humanas, o que é próprio do
gênero, que se define justamente como uma narrativa
curta cujos protagonistas costumam ser animais,
apresentando uma moral e ensinamentos (VALE, 2001).
O título conta com as ilustrações de Ciça Fittipaldi.

11
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
Na primeira fábula, chamada “A moça e a serpente”,
vovô Ussumane contou sobre o caso de uma jovem moça,
que desafiou os antigos costumes e casou-se com um
rapaz, que ela mesma escolheu e não o seu pai. Contudo,
esse rapaz era, na verdade, uma serpente, que ouviu a
jovem conversar com suas amigas sobre seu desejo de
casar-se somente com alguém do seu gosto. Então, a
serpente transformou-se em humano para enganá-la.
Os dois se casaram, mas a moça era infeliz, pois passava
o dia trancada, limpando a habitação do esposo. Ela tinha
quatro irmãos, um deles era adivinho, e pressentiu o
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

sofrimento da irmã e toda a farsa da serpente. Os irmãos


foram enfrentar a assombrosa serpente, conseguiram
matá-la e libertar a jovem.
O segundo conto, intitulado “A vingança de Eraga”,
é a história de Ugubane, deus do fogo e da terra. Ele era
dono de vacas que estavam sofrendo pela escassez de
42

comida em decorrência dos hipopótamos, que comiam


toda a pastagem. O deus do fogo e da terra foi, então,
exigir uma providência de Eraga, senhor dos hipopótamos
e deus da chuva. Eraga achou Ugubane arrogante em
seu pedido e vingou-se: fez com que não chovesse mais
nas propriedades de Ugubane, matando suas vacas de
fome. Diante a situação dos seus animais, o deus da terra
e do fogo foi humildemente suplicar pela chuva. Eraga,
satisfeito com pedido do outro deus, fez com que a chuva
voltasse. Contudo, depois daquele dia, os hipopótamos
só iam até a terra para buscar comida, passando os dias
na água.
Por fim, o conto “O cassolo e as Abelha” narra a
história de uma abelha que pediu a um cassolo uma de
suas penas, para que pudesse salvar sua filha abelha.
O pássaro a ajudou no mesmo instante, porém, quando ele
também precisou de ajuda, a abelha negou. Daquele dia
em diante, os cassolos passaram a indicar, por vingança,
onde as abelhar guardavam o mel.

Finalista Prêmio Jabuti (texto) – 1988


Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 1988
Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 1988
White Ravens (acervo da Biblioteca Infantil de
Munique)
Traduzido para o inglês, espanhol e alemão.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da África 2:
lendas e fábulas. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo:
Melhoramentos, 2006.

43
Bichos da África 3:
a história dos cães
e da tartaruga

Fernanda Gonçalves12

O livro Bichos da África 3: lendas e fábulas (2007) é


o terceiro dos quatro títulos lançados pelo autor Rogério
Andrade Barbosa. Estruturalmente, o livro é organizado
em 16 páginas e é composto por duas fábulas.
Na primeira fábula, intitulada “Por que os cães
cheiram uns aos outros?”, vovô Ussumane conta a respeito
da curiosidade de uma das crianças da aldeia, que perguntou
por que os cachorros costumam cheirar as pessoas.
A lenda diz que, na época em que os cães governavam a si
mesmos, os mais poderosos costumavam gabar-se das suas
riquezas. Certa vez, um dos cães poderosos apaixonou-se
pela irmã de seu rival. Pediu a mão dela em casamento,

12
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
mas seu rival negou. Com raiva, o todo poderoso pediu
que um de seus servos levasse um recado para o seu
adversário, ele declararia guerra contra ele. O mensageiro
teve que se preparar como de costume: foi perfumado
com a melhor das fragrâncias, sobretudo em sua cauda.
Contudo, o cheiro era tão agradável, que o mensageiro
resolveu procurar uma esposa para si, deixando de
entregar o recado. Por esse motivo, os cães cheiram
uns aos outros até os dias atuais, é para encontrar o
mensageiro perdido.
No segundo conto, chamado “O julgamento da

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


tartaruga”, vovô Ussumane narra a história de uma
tartaruga bem velhinha, que tinha dificuldade em arrumar
alimento. A anciã pediu para que um coelho cavasse um
buraco até a clareira, onde os animas da região faziam
feira. Quando chegou lá, ficou com água na boca com

45
tantas delícias que avistou. A tartaruga, sem sair do buraco,
engrossou a voz e gritou bem alto um alerta, avisando que
o caçador estava chegando. Os animais ouviram a voz e
fugiram todos. A velha tartaruga aproveitou o momento e
escolheu tudo o que quis. Ela repetiu isso diversas vezes,
até que os animais, desconfiados, formaram uma comissão
e foram queixar-se com o leão. Ficou combinado, então,
que o macaco vigiaria a feira. Foi quando a bicharada
descobriu o truque da tartaruga e ela foi a julgamento,
mas começou a tocar uma canção tão linda, que deixou
o leão encantado. A majestade pediu à anciã que fizesse
um instrumento como aquele e a sabichona disse ao
leão que precisaria das tripas de um macaco para poder
fazer. O macaco que ouviu tudo fugiu para bem longe
e a tartaruga não pôde ser condenada, pois sua única
testemunha havia fugido.
Finalista Prêmio Jabuti (texto) – 1988
Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 1988
Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 1988
White Ravens (acervo da Biblioteca Infantil de
Munique)
Traduzido para o inglês, espanhol e alemão.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da África: lendas
e fábulas. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo:
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Melhoramentos, 2001.
46
Bichos da áfrica 4:
mais histórias
de um griot

Fernanda Gonçalves13

O livro Bichos da África 4: lendas e fábulas (2007) é


o quarto dos quatro títulos lançados pelo autor Rogério
Andrade Barbosa para a coleção Bichos da África.
Estruturalmente, o livro é organizado em 16 páginas e é
composto por três fábulas.
A primeira fábula, “O jabuti e o Chacal”, conta a
história de um famoso rei, que só daria a mão da sua bela
filha em casamento àquele que suportasse os mais difíceis
desafios. Depois de muitos meses de disputa, foram
selecionados dois finalistas, o jabuti e o chacal. A tarefa
final escolhida foi quem conseguiria comer a papa de milho

13
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
mais quente. No dia seguinte, todos da aldeia aguardavam
desde cedo para acompanhar o grande desafio. O rei
perguntou aos dois participantes qual deles gostaria de ser
o primeiro; o jabuti prontamente se candidatou, deixando
o chacal aliviado, já que ele estava muito nervoso. O jabuti
pegou o recipiente com muito cuidado e, para provar a sua
bravura, mostrou a papa para todos que estavam presentes,
um a um. Quando terminou de mostrar, a comida já estava
morna e ele conseguiu tomar tudo sem dificuldades.
O rival estava tão trêmulo que, na sua vez, deixou o pote
cair, queimando seus pés. Ele não suportou a dor e saiu
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

pulando numa perna só, foi vaiado por todos os aldeões e


o jabuti casou-se com a bela jovem.
Na segunda fábula, “A águia e o gavião”, vovô
Ussumane aproveitou que, na ocasião, havia morrido duas
vacas e, como os animais eram muito importante para os
aldeões, ele contou a história de uma poderosa águia que
48

tinha muitos bois. Certo dia, ela os deixou sob os cuidados


de seu sobrinho, o gavião, que era muito distraído e foi
visitar um amigo, deixando o gado sozinho. Quando a águia
voltou, não tinha mais um boi sequer. Ela ficou furiosa,
saiu junto com o sobrinho, voando em busca dos bois. No
meio do caminho, eles encontraram o sol e perguntaram-
no se havia visto o gado perdido, ao que ele respondeu
que a lua havia pegado. A dupla foi ao encontro da lua,
que informou que já havia comido a metade e vendido a
outra, oferecendo a eles cinco moedas de ouro para que
os pássaros pudessem comprar outros bichos. Na volta, a
águia ficou com a tarefa de trazer as moedas sem perdê-
las, mas, ao chegar, percebeu que elas haviam caído pelo
caminho. Ambos sobrevoaram a floresta questionando os
animais a respeito do ouro, ninguém tinha visto. A águia
ficou tão zangada que declarou guerra contra todas as
outras aves, até que o dinheiro reaparecesse. É por esse
motivo que as aves, em busca do dinheiro, ficam ciscando
o chão com as unhas até hoje. É também por isso que elas
cantam pela manhã todos os dias, elas estão perguntando
pelas moedas.
No último conto, intitulado “Como o Gato e o
Rato se tornaram inimigos”, vovô Ussumane, ao fim de
uma noite de tempestades, narra a história do tempo em
que o gato e o rato ainda eram amigos. Certa vez, eles
foram surpreendidos por uma chuva forte enquanto
colhiam mandioca e eles não sabiam como voltar para a
aldeia que moravam. Foi então que o rato teve a ideia de

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


construir uma jangada com os talos da mandioca colhida;
o gato aprovou. Conjuntamente, construíram um barco
e jogaram-se no rio, a caminho de casa. O rato, que ficou
com muita fome, começou a roer pedaços da jangada; o
gato chamou a atenção dele, mas logo dormiu. O rato
não resistiu à tentação e, de tanto roer, fez um buraco

49
na embarcação, que afundou. Eles estavam próximos à
margem e, por sorte, conseguiram salvar-se, mas é por esse
motivo que o gato e o rato não se dão bem até hoje.

Finalista Prêmio Jabuti (texto) – 1988


Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 1988
Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 1988
White Ravens (acervo da Biblioteca Infantil de
Munique)
Traduzido para o inglês, espanhol e alemão.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Bichos da África: lendas
e fábulas. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo:
Melhoramentos, 2001.
Aventuras de Askar e
Mayran no deserto

Arlete de Costa Pereira14

Ao abrir o livro Duula, a mulher canibal – Um conto


africano (BARBOSA, 1999), ilustrado por Graça Lima,
o leitor depara-se com uma beleza de traços, símbolos e
desenhos que remetem ao Continente Africano e provocam
curiosidades sobre o conteúdo das histórias, que, muitas
vezes, trazem elementos de outras histórias clássicas.
Este conto é sobre Duula, uma mulher-canibal que
tinha sido uma jovem pastora, bonita, mas, ao fugir das
secas com sua família, ficou órfã, sem abrigo nem alimentos
e acabou enlouquecendo. Sobreviveu comendo os corpos
de pessoas que morriam e lutando com chacais para
beber água em poças imundas. Ficou assustadoramente
feia, com enormes pés e cabeleira igual à crina de cavalo
e, além disso, desenvolveu estranhos poderes. Seus olhos

14
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
avermelhados e seus dentes cresceram como presas, de
roer ossos humanos. Todos temiam Duula e evitavam
passar por aquela região. Até que um dia uma família de
pastores desavisados acampou ali para passar a noite. Askar
e Mayran, seus dois filhos, saíram em busca de lenhas
e gravetos para a fogueira, mas perderam-se no deserto.
Cansados, tiveram que parar, dormir e, no dia seguinte,
seguiram à procura do caminho de casa, mas encontraram
três cabanas, uma delas com marcas de sangue, a segunda
com dez jarros de barro na parede e a terceira estava Duula,
que os deixou imobilizados de medo.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


As perguntas que as crianças fazem (por que a
senhora tem olhos vermelhos desse jeito?; e esses dentes
que parecem de lobos?) remetem-nos à história do lobo
mau e da Chapeuzinho Vermelho. Já a ação de Duula em
alimentar as crianças para saboreá-las depois, quando
estivessem mais gordinhas, remete-nos à história de

51
João e Maria. As crianças foram obrigadas a realizar os
trabalhos domésticos até que um dia elas conseguiram
enganar Duula e fugir; foram perseguidas, mas uma
tempestade de areia encheu os olhos da mulher-canibal
e, sem conseguir enxergar, ela não teve como detê-los.
Askar e Mayran correram até chegar à praia, onde pediram
ajuda ao majestoso e poderoso mar, que, com pena das
crianças, abriu um leito repleto de algas e conchas para
que elas pudessem descansar. O mar orientou para que
elas tivessem cuidado e não sujassem o caminho. Duula
também chegou e pediu ajuda ao mar, mas ignorou as
recomendações dele, deixando um rastro de lixo para trás.
O mar, enfurecido, fechou suas ondas e a mulher-canibal
afogou-se nelas e foi devorada por tubarões famintos. Askar
e Mayran reencontraram seus pais, as chuvas voltaram a
cair e os pastores regressaram às suas terras.
Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 2000
Catálogo da Feira de Bolonha – 2001
Lista de Honra do IBBY, Suíça – 2002
White Ravens – Acervo da Biblioteca Infantil de
Munique – 2001

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Duula a mulher canibal – Um
conto africano. Ilustrações de Graça Lima. São Paulo: DCL,
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

1999.
52
Brincadeiras de
diferentes lugares

Arlete de Costa Pereira15

O livro Ndule Ndule: assim brincam as crianças


africanas, de Rogério Andrade Barbosa e ilustrado por
Edu Engel, traz uma história sobre crianças, descobertas
e muitas brincadeiras. A história se passa no pátio de uma
escola, no interior do Quênia (BARBOSA, 2011).
O livro é belíssimo, cheio de detalhes informativos,
cores, além do mapa do Kenya, de uma breve biografia
do autor, outra do ilustrador, e tudo isso nos paratextos,
que se integram à história, harmonizando e embelezando
a obra.
O texto versa sobre Korir e Chentai, alunos de uma
escola no interior do Quênia que fizeram uma pesquisa
com estudantes de várias regiões da África, utilizando cartas
e e-mails para conhecerem as brincadeiras das crianças,

15
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
descobrindo muitas brincadeiras interessantes, algumas
novas e outras já conhecidas, mas com nomes diferentes.
Na África do Sul, uma das brincadeiras apreciadas pelas
crianças é a Mamba, “[...] nome de uma cobra venenosa,
de corpo comprido e muito veloz”. (BARBOSA, 2011,
p. 4). É a brincadeira da serpente, que vai pegando cada
uma das crianças e formando uma longa cauda. Na
República Democrática do Congo, tem uma brincadeira
que se parece muito com a do gato e rato, mas lá se chama
kameshi ne mpuku. Já as crianças da Nigéria, reunidas em
grupos, brincam de ambutan, em que, sentadas no chão, elas
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

se divertem com um monte de areia e um galho fincado ao


meio. O desafio é tirar punhados de areia sem derrubar o
galho. Quem deixar o galho cair é eliminado da brincadeira
e, assim, segue-se até restar somente o vencedor. Do
Senegal, as crianças aprenderam um jogo de duplas
chamado ryembalay, no qual uma criança fica fazendo
54

cosquinhas na outra, que tenta manter-se séria. Quem ri


perde o jogo. Em Botswana, as crianças brincam de ntsa e
wotswang le lesapo, ou cachorro que rouba osso, um jogo
de equipes com sete participantes cada, em que um tenta
roubar o osso do outro. Na Tanzânia, a brincadeira que
chegou por carta “[...] numa letra caprichada” (BARBOSA,
2011, p. 20) foi a do mwindaji na swala ou caçador e
gazela. E, para encerrar, ndule ndule é um jogo praticado
por crianças de Guiné-Bissau que envolve música, toque
e equilíbrio, já que a criança tocada deve “[...] levantar o
pé e permanecer com ele no ar” (BARBOSA, 2011, p. 23).
O desafio é ficar com os pés no ar por mais tempo.
A tarefa de Korir e Chentai era partilhar esses
conhecimentos com as demais crianças, experimentando
cada uma dessas brincadeiras no pátio da escola. Um
belíssimo livro que trata daquilo que as crianças mais
gostam de fazer, que é brincar, e deveriam ter o direito
assegurado.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Ndule Ndule: assim brincam
as crianças africanas. Ilustrações de Edu Engel. São Paulo:
Melhoramentos, 2011.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

55
Para conhecer a lenda
da Serpente Píton

Anne Marie Tribess Onesti16

O livro A tatuagem – Reconto do povo Luo, de


Rogério Andrade Barbosa, relata um conto de tradição oral
da etnia Luo, um povo advindo de uma região do Quênia
próxima ao lago Vitória (Nyanza), localizada na África
Oriental. Logo no início do livro, é possível identificar,
através de um mapa, a região onde se passa a história, assim
como as características daquele povo. O conto traz para
conhecimento do leitor importantes aspectos culturais,
como hábitos, costumes, tradições e lendas, ampliando
repertórios sobre a referida região do Quênia.
Na narrativa, a personagem principal, Duany, é uma
jovem que precisava cumprir seus afazeres domésticos,
como socar os grãos de milho no pilão de madeira, lavar
os vasilhames para o mingau matinal, varrer o chão e

16
Professora de Educação Infantil da Prefeitura de Florianópolis – PMF/SC
buscar água, como era de costume na região. Contudo, a
garota era considerada um tanto preguiçosa e, certo dia, ao
demorar para levantar, atrasou-se para uma saída com as
amigas, ficando para traz.
As moças tinham como costume exibir muitas
tatuagens sob a pele, isso as tornava mais atraentes
perante os jovens da aldeia. O maior desejo de Duany era
ter a tatuagem mais bonita que alguém já vira e, assim,
conseguir um bom pretendente para casar.
Naquele dia, as amigas saíram em direção a uma
encruzilhada distante da aldeia, onde se encontrava,

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


embaixo de um baobá, um renomado tatuador. Como
Duany havia ficado para traz, as amigas espalharam folhas,
marcando o caminho que ela deveria seguir.
O que ninguém esperava era que uma terrível criatura,
a gigantesca serpente píton, sairia de seu esconderijo e
trocaria as folhas de lugar, direcionando a garota Duany

57
para a sua toca, repetindo a sentença nyndo nyamin tho, que
significa “o sono é o irmão da morte”.
Duany foi, então, enganada pela serpente, que se
enroscou em seu corpo e tatuou as marcas de suas escamas
na pele da garota. As marcas eram a tatuagem mais linda
já vista, contudo, a jovem passou a ser submissa à serpente
e, quando a píton a chamava, Duany precisava voltar e
trabalhar para ela.
Na aldeia, todos admiraram as tatuagens no corpo
negro e esguio da garota, mas ela, triste, não podia contar
a ninguém seu segredo, caso contrário, morreria. A jovem
arrependida passou a fazer todos os trabalhos domésticos
com grande dedicação.
Rumbe, um dos rapazes mais fortes da região,
pensava em casar-se com a moça que tivesse a mais bela
tatuagem no corpo, mas, como todos os outros membros
da aldeia, queria saber como Duany conseguira aquela
tatuagem. A moça resolveu fazer um pedido aos rapazes,
que construíssem uma cabana bem resistente em torno
dela, sem qualquer abertura e, então, revelou seu segredo.
A enorme serpente píton, zangada com a traição,
veio atrás da garota para matá-la. O povo da aldeia fugiu
e apenas Rumbe ficou para guerrear com a malvada,
conseguindo derrotá-la. Duany, agora livre da maldição,
casou-se com Rumbe logo após os festejos celebrados no
final da colheita.
A narrativa, cheia de emoção e suspense, envolve o
leitor a conhecer o conto e compreender os ensinamentos
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

trazidos pela tradição oral africana. A descrição do local,


das pessoas e dos costumes amplia nosso repertório, e
as ilustrações são mais um convite para deleitar-se com
este livro.

Acervo básico FNLIJ – 1999


58

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A tatuagem – Reconto do povo
Luo. Ilustrações de Maurício Negro. São Paulo: Gaivota, 2012.
A tradição oral,
memórias de uma
história ancestral

Tatiana Valentin Mina Bernardes17

No livro O segredo das tranças e outras histórias africanas


(BARBOSA, 2007), o autor reconta a história de cinco
contos africanos, originários de cinco países: Angola,
Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e
Príncipe, que têm em comum o português como uma de
suas línguas e serem, até 1970, colônia de Portugal. Mas as
semelhanças acabam quando nos reportamos aos aspectos
geográficos, culturais, históricos e populacionais de cada
um desses países.
Os contos narrados no livro trazem elementos
distintos sobre as memórias dos povos que vivem nesses

17
Mestranda em Educação – PPGE-UFSC
países, remetendo-nos ao cotidiano, às tradições e
manifestações culturais que compõem suas histórias.
O paratexto escrito nas primeiras páginas do
livro pela autora Rita Chaves, professora de Literatura
Africana de Língua Portuguesa da Universidade de São
Paulo, apresenta os contos, as características próprias
e as semelhanças advindas da sabedoria transmitida
pela tradição oral, que vence o tempo e aproxima as
gerações. Além dessas semelhanças, ressalta a exploração
e discriminação sofrida por esses povos durante séculos.
No início de cada conto, estão introduzidos
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

provérbios acompanhados de expressivas ilustrações de


Thaís Linhares, que retratam as características de cada
história.
“O segredo das tranças”, conto de Angola, relata
a história de Naué, jovem mãe viúva que se casou com
Katchiungo, homem misterioso, forte e ágil, que guarda
60

um segredo em cada uma das quatro tranças que usa.


“Maria Condão”, conto de Cabo Verde, narra a
história de um pescador que, ao encontrar com uma sereia
mitológica na ilha de Santo Antão, recebe um presente
que muda sua vida.
“O Menino e a Cegonha”, conto de Guiné-Bissau,
narra a história contada pelos Fulas, etnia tradicional
do país. O conto começa com a apresentação de Djabô,
mulher grávida que, em razão da seca, vai com um grupo
de mulheres à floresta colher plantas comestíveis. Após
levarem um susto com um animal selvagem, o grupo se
dispersa e Djabô se perde. Muito assustada, acaba dando
à luz um menino no meio da floresta e, desesperada, ela o
abandona, sendo ele adotado por uma cegonha.
“A herança maldita” é a história de Moçambique
surgida na era do Apartheid, o regime segregacionista
da África do Sul, período em que muitos moçambicanos
emigravam para trabalhar no Djone, apelido que davam ao
país vizinho. Muzila é um homem mesquinho que, após
anos de trabalho pesado na África do Sul, voltou para sua
terra natal, no interior de Moçambique, encontrando sua
família, mas, por conta da avareza, ele foi abandonado pela
esposa e pelos filhos.
“A tartaruga e o gigante”, conto de São Tomé e
Príncipe, narra a história de uma tartaruga e do gigante
Ucué, compadres e vizinhos, habitantes de um recanto da
floresta. Um dia, a tartaruga, cansada de dividir os alimentos
com o gigante, planejou livrar-se do homenzarrão.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


No final do livro, o leitor conta com o paratexto de
Regina Claro, mestre em história pela Universidade de
São Paulo, especialista em História da África. A autora
apresenta o mapa do Continente Africano, com destaque
para os cinco países de língua oficial portuguesa. Em
seguida, faz um resgate histórico do período colonial e

61
escravista dos países e da exposição das características
geográficas, históricas e culturais das regiões.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O segredo das tranças e outras
histórias africanas. Ilustrações de Thaís Linhares. São Paulo:
Scipione, 2007.
Fuuuuuuu
shuiiiii, o segredo
da natureza

Tatiana Valentin Mina Bernardes18

O livro O filho do vento, de Rogério Andrade Barbosa,


reconta uma narrativa da literatura oral africana dos povos
bosquímanos. Acompanham a narrativa as ilustrações de
Graça Lima, que, com um traço expressivo, dão significado
aos elementos narrados.
Na história, o autor reconta a lenda do filho do vento.
A narrativa começa com a apresentação da temporada das
ventanias, fenômeno que acontece quando o vento zune
e rodopia ao redor das montanhas e vales, no interior da
África.
É nessa localidade que vive a família de bosquímanos
e, durante um vendaval, a mãe, para distrair os filhos, conta a

18
Mestranda em Educação – PPGE-UFSC
lenda do filho do vento, um menino solitário que não pode
ter a sua identidade revelada e o seu nome, “FUUUUUUU
SHUIIIII”, deve ser mantido em segredo e jamais ser
pronunciado. Mas, um dia, o filho do vento encontrou
Nakati, um menino de sua idade que decide desafiá-lo e
enfrentar o grande vendaval. E, assim, a aventura começa
e o leitor é convidado a percorrer as tradições e os costumes
dos povos bosquímanos.
Os bosquímanos são povos nômades, caçadores-
coletores e possuem uma história ancestral estimada
em dezenas de milhares de anos, conforme afirmam os

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


cientistas. Provavelmente, a humanidade descende desse
povo. Os povos bosquímanos, atualmente, limitam-se a
pequenas populações localizadas principalmente no deserto
do Kalahari, na Namíbia, ainda na República Botsuana,
e em Angola, países da África Austral, também chamada
de África Meridional ou Sul da África, correspondente à

63
parte sul e banhada pelo Oceano Índico, na costa oriental,
e pelo Atlântico, na costa ocidental.
Os bosquímanos são excelentes contadores de
histórias, e as lendas, os provérbios e cantos são recheados
de poesia e integram elementos da natureza, como a lua,
as estrelas, o sol e o vento. As danças são utilizadas em
rituais e para diversão; as danças do fogo e do antílope são
as mais tradicionais.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2001


Catálogo da Feira de Bolonha – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O filho do vento. Ilustrações de
Graça Lima. 2. ed. São Paulo: DCL, 2013.
O gato amigo do
rato e o jabuti voador:
contos de Uganda

Simoni Conceição Rodrigues Claudino19

O livro Contos africanos para crianças brasileiras


(BARBOSA, 2008) recebeu o selo de altamente
recomendável pela Fundação Nacional do Livro Infantil e
Juvenil (FNLIJ) em 2004, na categoria reconto, e o prêmio
da Academia Brasileira de Letras (ABL) de literatura
infanto-juvenil de 2005. Com ilustrações de Maurício
Veneza, o livro pertence à coleção Árvore Falante. Na
capa, há a ilustração de um gato perseguindo um rato; a
contracapa tem um fundo preto com o desenho de aves
em branco; na capa final, há a foto do autor e do ilustrador
e uma breve biografia, assinada por ambos; na segunda
página, há os dados de catalogação da obra, que está

19
Mestre em Educação – PPGE-UFSC
assinalada dentro da literatura infanto-juvenil e folclórica,
além de outras categorias, estando o livro em sua quarta
edição; na terceira e quarta páginas, há uma nota do autor
introduzindo os contos com um pequeno resumo de cada
um e falando do trabalho dele acerca da coleta desses
contos. Rogério mostra ao leitor por onde ele passou e
apresenta semelhanças e diferenças entre os contos nas
diversas culturas.
O primeiro conto inicia na página cinco e é intitulado
“Amigos, mas não para sempre”. Traz a história da amizade
entre o gato e o rato, que, juntos, plantavam e armazenavam

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


comida. Dizem que o rato sugeriu que guardassem leite em
forma de manteiga, que chamam de ghee, para o período de
seca. Guardaram a manteiga num lugar que acreditavam
ser seguro. Porém, o rato enganou algumas vezes o gato e
quebrou alguns combinados. Dizem que o gato persegue
o rato até hoje, por conta do ocorrido.

65
O segundo conto inicia na página 16 e recebe o
título de “O jabuti de asas”. Nesse conto, o autor fala
que os jabutis eram sábios e prudentes, mas um jabuti,
assim que soube de uma festa que ocorreria no céu, quis
logo participar. Porém, ficou muito triste por não ter asas.
Dizem que os passarinhos todos emprestaram algumas de
suas penas e amarraram-nas às patas do jabuti, que voou.
A ganância do jabuti durante a festa rendeu a todos os
descendentes da espécie a herança de ter o casco rachado.
O livro, com páginas todas coloridas, destaca as
particularidades do lugar por onde o autor passou e
permite uma aproximação do leitor com uma história
conhecida por aqui, mas que é tratada com outros aspectos.
Um conto conhecido que surpreende com as inovações
apresentadas pelo autor na sua busca por novas/outras/
mesmas histórias. Percebe-se, no decorrer do conto, a
aproximação com a cultura africana e a proximidade com
lugares e fatos desse continente.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2004


Prêmio da Academia Brasileira de Letras – 2005

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos africanos para crianças
brasileiras. Ilustrações de Maurício Veneza. São Paulo:
Paulinas, 2008.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
66
Contos para
crianças brasileiras

Arlete de Costa Pereira20

O livro Outros contos africanos para crianças brasileiras


(BARBOSA, 2006), ilustrado por Maurício Veneza,
apresenta dois recontos originários do continente africano,
sendo que o primeiro tem como contexto uma das mais
severas secas nas savanas, ao Sul da África, e vai tratar da
origem das pintas brancas na galinha d’Angola e a relação
das pintas com a seca; e o segundo também tem como pano
de fundo a seca e a falta d’água, mas trata do tamanho do
focinho do porco como estratégia de sobrevivência.
O primeiro conto inicia destacando que, naquele
lugar, todos aguardavam ansiosos pelas chuvas, até
que uma nuvem apareceu no céu enchendo o povo de
esperanças, mas um elefante desengonçado afugentou a
nuvem. A galinha d’Angola (que, até então, tinha todas as

20
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
penas pretas), ficou indignada e resolveu correr horas e
horas atrás da nuvem, suplicando para que ela voltasse.
Nesse caminho, passou por muitos espinhos, rasgou suas
penas, sofreu dores. Por sua persistência, preocupação
com os outros e seu jeito respeitoso, a nuvem aceitou
regressar e ainda recompensou a galinha d’Angola com o
brilho das gotas de chuva em suas penas, fazendo dela uma
das aves mais bonitas da África. Em respeito à canseira da
galinha d’Angola, suas descendentes até hoje expressam
ao cacarejar: tô fraca, tô fraca, tô fraca...
O segundo conto traz a história do tamanho do
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

focinho do porco e diz que, num tempo anterior a tudo, o


porco tinha uma tromba tão longa quanto a do elefante. Era
ágil, trabalhador, comerciante habilidoso, trabalhava de sol
a sol e da terra tirava alimento para sustentar sua família
e ainda vendia o que sobrava da sua produção. Algumas
regiões da África sofriam muito com a falta de chuvas,
68

que causava ruínas, fome e prejuízo, menos aos porcos,


que conseguiam trazer água dos poços mais distantes,
carregando em sua tromba, para regar a plantação. Em
tempos de aflição, os animais vinham de várias partes do
continente para comprar alimentos do porco. Isso gerou
insatisfação em alguns, especialmente no chacal (primo do
lobo). Ele armou um plano e, fingindo estar doente e com
fome, pediu ao porco alimentos emprestados para pagar
depois. Como não pagou, o porco foi até sua casa cobrar
a dívida. Lá, foi enganado novamente pelo chacal, que
disse que as moedas haviam caído dentro de um cilindro
e só o porco, com seu focinho longo, conseguiria tirá-las.
O porco ficou entalado e para “salvá-lo”, o chacal serrou
sua tromba. Assim, o porco ficou com o focinho curto e
sofreu com o calor dos dias quentes, rolando na lama para
refrescar-se. No entanto, os porcos permanecem fortes
e resistentes até hoje, enquanto os herdeiros do chacal
continuam passando fome.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2007

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Outros contos africanos: para
crianças brasileiras. Ilustrações de Maurício Veneza. São Paulo:
Paulinas, 2006.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

69
Kumbu e Buanga:
contos para além do
“Ao redor da fogueira”

Luana de Araújo Carvalho21

O que esperar de um livro intitulado Contos ao redor


da fogueira (BARBOSA, 1990), cuja capa é marcada por
cores fortes, que lembram artes de origem africana, com
um homem de traços negros, braço de onça, asa e galhos
de árvores envolvidos pelo corpo? Sim, esse é mais um
título de Rogério Andrade Barbosa com ilustração de Rui
Oliveira. Essa obra é composta por dois contos africanos
acrescidos da criatividade do autor. Leitura que nos remete
aos contos misteriosos cujo final jamais imaginaremos.
A primeira trama pauta-se na história de Kumbu, o
menino da floresta sagrada. Rogério conta a vida de um

21
Mestre em Educação – PPGE-UFOP
recém-nascido que, pela tradição africana, deveria ser
abandonado por ser o segundo dos gêmeos a nascer, pois
ter mais de um filho de uma mesma gestação era sinal de
desgraça. Porém, como em todo conto exotérico, apareceu
uma moça que, pelo fato de não conseguir ter filhos,
adotou o gêmeo abandonado. O menino cresceu e tornou-
se um grande homem que, no desenrolar da narrativa,
confrontará os costumes, tabus e as lendas locais.
O segundo conto, “Buanga, a noiva da chuva”, narra
mais um conto africano, mas, dessa vez, há uma menina
como protagonista. Essa história desenvolve-se assim: há

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


muito tempo não chovia na aldeia. Um senhor “fazedor de
chuva” proferiu que se deveria escolher uma noiva para
um homem para que voltasse a chover na aldeia. Assim
foi feito, e uma garota foi sacrificada em prol de seu povo.
Porém, o amigo dela, Dengo, prometeu salvá-la das garras
dos feiticeiros, que eram considerados sábios. E, nesse

71
contexto, a história se desenrola.
Um conto de temática africana para deliciar-se e
refletir sobre nossas construções históricas, culturais e
sociais. Contos não só para contar ao redor da fogueira,
mas também em diversos momentos, como na leitura
antes de dormir, em uma sala de espera ou em uma viagem
a trabalho ou lazer.

Altamente recomendável – jovens – FNLIJ – 1990

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos ao redor da fogueira.
Ilustrações de Rui Barbosa: Agir, 1990.
Descobrindo
o passado

Simoni Conceição Rodrigues Claudino22

O livro Os gêmeos do tambor (BARBOSA, 2006),


ilustrado por Ciça Fittipaldi, foi reimpresso em 2007 para
compor o acervo de livros do Programa Nacional Biblioteca
da Escola (PNBE – 2008). Na página quatro estão os dados
de catalogação da obra, inserida na categoria de literatura
infanto-juvenil. Na página cinco há um paratexto sobre
o povo massai, retratando um pouco de sua cultura e do
ambiente onde vivem. O autor e a ilustradora apresentam-
se ao leitor nas páginas 38 e 39 com uma imagem colorida
e destacam um pouco mais sobre a cultura do povo massai.
Na capa final, há um pequeno resumo da história.
O conto inicia na página oito e apresenta os massais
como um povo guerreiro e nômade. Nesse povo, é comum
um homem de posses ter várias esposas. No reconto,

22
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
Barbosa nos apresenta um desses homens que tinha
duas mulheres. Uma que estava em sua quarta gravidez e
outra que não conseguia engravidar. Em meio a rituais e
costumes revelados no decorrer do enredo, a mulher dá à
luz dois meninos. Por inveja, um crime é cometido e uma
injustiça efetiva-se. Dois bebês são colocados num tambor
e jogados no rio. Uma mãe é expulsa de casa e condenada
a cuidar dos burros até sua morte.
Mas os dois bebês foram tirados do rio, cresceram
num outro povoado e tornaram-se bravos guerreiros.
Os meninos eram conhecidos como gêmeos do tambor,

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


mas não sabiam o porquê do apelido. Um dia, seu pai
adotivo contou-lhes a história de como os encontrou, e eles
decidiram conhecer suas origens e a terra onde nasceram.
Os dois subiram o rio, caminhando por sua margem, e
encontraram uma mulher, realizando uma tarefa degradante.
A mulher contou sua história, e eles reconheceram nela um

73
pedaço da família que estavam buscando.
No decorrer do reconto, o autor consegue introduzir
falas e hábitos da cultura massai sem perder o foco do que
está contando. Ele prende-nos com a história e agracia-nos
com o conhecimento. Traz adivinhas, lendas e superstições
que se entrelaçam e compõem o vasto repertório da
literatura oral desse povo. As ilustrações realçam a cor e a
cultura dos massai e revelam costumes, paisagens, hábitos,
adornos, vestimentas e animais do continente africano.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2006


Catálogo da Feira de Bolonha – 2007

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Os gêmeos do tambor.
Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo: DCL, 2006.
Guiados pela
serpente

Marinaldo de Silva e Silva23

Narrada em terceira pessoa, a lenda transformada


na bela história Nyangara Chena – a cobra curandeira
(BARBOSA, 2006) é um texto exemplar no que tange a
uma imagem descritiva da cultura do Zimbábue. Além
da história, que envolve o leitor menos acostumado com
costumes tão exóticos, diríamos assim, como o próprio
fato de crianças viverem no meio da mata, ele também
entrará em contato com nomes originais da língua local
(com a devida tradução entre parênteses), como mbira
– um instrumento musical que, pelo som da pronúncia,
lembra a “nossa” imbira, aquela lagartinha peluda que dá
pânico em muita gente.
Nyangara chena significa venha nyangara. E o que
seria nyangara? Nada mais nada menos que uma cobra

23
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
pitu com dez metros de comprimento que, além de viver
isolada numa caverna num eterno sono, tem poderes
curandeiros e milagrosos, que podem ser acessados por
meio de um canto mágico que a desperta. E aí é que entra
o ponto crucial dessa bela lenda: ela fala de coragem!
A história permeia a grave doença que está
acometendo o chefe de uma tribo local, um ancião “[...]
tão velho como uma árvore centenária” (BARBOSA, 2006,
p. 10) que, à beira da morte, clama ao seu povo para irem
até às montanhas despertar nyangara, pois ela e somente
ela é que poderá livrá-lo da morte.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Por meio de ditados populares locais que, em muito
lembram os nossos no contexto, como “Quem atravessa
um rio em bando não tem medo de jacarés”, que muito
lembra o nosso “A união faz a força”; e outro, belíssimo “Se
você pode andar, pode dançar. Se pode falar, pode cantar”,
o leitor é estimulado a penetrar na história e encantar-se

75
com a descoberta de como os animais que conhecemos
são nomeados no Zimbábue.
Por fim, o leitor descobrirá que a criança é que
realmente tem o poder de mudar as coisas, que só ela pode
enfrentar o absurdo, que só ela é superior.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2007

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Nyangara Chena: a cobra
curandeira. Ilustrações de Salmo Dansa. São Paulo: Scipione,
2006.
Lendas e fábulas
narradas em Luanda

Fernanda Gonçalves24

O livro Histórias que nos contaram em Luanda


(BARBOSA, 2009) nasceu de uma viagem do autor até
Angola, onde ele ministrou oficinas para crianças da
cidade de Luanda. Entre várias histórias narradas pelas
crianças, três foram selecionadas para compor o livro.
Tratam-se de lendas e fábulas narradas pelos mais velhos
e lembradas pelas crianças. As narrativas foram ilustradas
por Jô Oliveira, com traços que nos remetem à cultura
africana, dialogando com as histórias a todo o momento.
O primeiro conto, “Domikalinga”, narra a história de
uma jovem grávida e viúva, que sentia muita dificuldade em
carregar o grande pote de água que trazia do rio. Quanto
mais sua barriga aumentava, mais dificuldade sentia. Até
que um dia ela prometeu seu filho a um monstro, chamado

24
Doutoranda em Educação – PPGE-UFSC
Dikish, para que ele lhe ajudasse a carregar os potes de
água. O tratado era de que a jovem desse seu filho a Dikish
com sete anos de idade. A criança, Domikalinga, nome que
intitula o conto, foi levada por Dikish como prometido
pela mãe, contudo, uma senhora que o encontrou no
caminho ensinou-lhe uma forma de fugir do mostro. Era
preciso arrancar um pano vermelho do teto da habitação
de Dikish. Assim ele fez, libertando-se do monstro, que
desapareceu na escuridão.
O segundo conto, “O grande desafio”, narra
a história de um senhor dono de muitas terras, que

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


anunciou a possibilidade do casamento de sua filha com
um homem ou animal, que conseguisse pegar uma folha
do topo da árvore mais alta da floresta. Os melhores
atletas das redondezas tentaram, sem êxito. Após todos os
homens tentarem, foi a vez dos animais. E foram quatro
os candidatos: o leão, o elefante, o macaco e cágado.

77
Todos eles falharam devido ao excesso de confiança ou
exibicionismo, menos o cágado, que conseguiu vencer o
desafio graças à sua calma e paciência.
Por fim, a terceira narrativa intitulada “O leão, a
ovelha e o macaco” conta a história de um leão que usava
diversas artimanhas para enganar seus amigos. Primeiro,
ele enganou a ovelha, que acabou levando a culpa por
matar todos os bichos que estavam na festa chamada
quizomba. No ano seguinte, o leão tentou fazer o mesmo
com o macaco, que foi mais esperto e fez com que o leão
levasse toda a culpa de seus atos.
Nas narrativas, os animais adquirem centralidade
nos papéis, o que é próprio das fábulas, que são textos em
que os personagens assumem características comparadas
às virtudes e aos defeitos humanos, com cunho educativo
e cujo enredo busca um discurso sobre a moral, ligado à
realidade social (VALE, 2001). A obra conta com paratextos,
que situam o leitor acerca da sua conjuntura. Nas páginas
iniciais, encontra-se uma breve apresentação que explicita
alguns detalhes do livro e da sua elaboração. Já nas páginas
finais é possível encontrar informações sobre os autores
Rogério Andrade Barbosa e Jô Oliveira cuja obra assinam
em parceria.

Referências
BARBOSA, Rogério Andrade. Histórias que nos contaram
em Luanda. Ilustrações de Jô Oliveira. São Paulo: FTD, 2009.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

VALE, Luiza Vilma Pires. Narrativas infantis. In: SARAIVA,


Juracy Assmann (Org.). Literatura e alfabetização: do plano
do choro ao plano da ação. Porto Alegre: Artmed, 2001.
78
Mandela, a história do
homem que lutou pelo
direito à liberdade
do povo africano

Giselli de Oliveira da Silveira25

No livro Madiba, O menino africano (BARBOSA,


2011), o autor retrata a vida de um personagem importante
e respeitado mundialmente: Nelson Mandela.
O autor discorre na narrativa acerca da trajetória
vivida por Mandela, desde o início de sua infância na
aldeia Mvezo, interior da África do Sul, até o momento em
que ele foi libertado da prisão, em 1990. Por meio dessa
leitura, podemos conhecer importantes aspectos da vida de
Madiba, como seu nome de batismo, um pouco da história

25
Graduada em Pedagogia – UFSC
de sua família, da sua tradição, de seus costumes e sua
cultura. As belas ilustrações de Renato Alarcão remetem-
nos às cores vibrantes e calorosas da África e enriquecem
ainda mais a narrativa.
Ao lermos a história, podemos reconhecer a luta de
um homem negro em busca pelo direito de liberdade do
povo africano, o que lhe ocasionou 27 anos de prisão.
Mandela não está mais presente entre nós, mas esse
título colabora para mantermos sua história presente na
memória das gerações futuras.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Madiba, o menino africano.
Ilustrações de Renato Alarcão. São Paulo: Cortez, 2011.
80
Memórias da
Vila do Curiaú

Tatiana Valentin Mina Bernardes26

Rogério Andrade Barbosa apresenta, no livro Rio


acima Mar abaixo (BARBOSA, 2010), aspectos da cultura
popular da região do Amapá, na localidade de Vila do
Curiaú, comunidade remanescentes de quilombolas.
Nessa região, acontecem as festas mar abaixo, a
manifestação cultural mais popular do Estado do Amapá.
Na celebração, realizam-se cantos e danças ao compasso
das rimas dos cantadores, que seguem pelas ruas, embalados
pela gengibirra, bebida típica à base de gengibre.
Mar abaixo é uma comemoração religiosa que se
inicia no domingo de Páscoa e termina no dia do Divino
Espírito Santo. A festa combina elementos culturais
africanos e indígenas aos cerimoniais e crenças da religião
Católica. Os africanos que foram sequestrados e levados

26
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
ao Brasil na condição de escravizados, para garantir a
manutenção das suas identidades, a memória de suas
tradições e a preservação de elementos culturas, aliaram às
suas festividades aspectos da cultura europeia, em especial
os religiosos.
No livro Rio acima Mar abaixo, as tradições populares,
que acontecem durante a festa de mar abaixo, são narradas
pelo personagem Julião, o preto velho de um antigo
quilombo, a um grupo de crianças da Vila do Curiaú.
Julião apresenta às crianças histórias sobre o quilombo,
os negros escravizados, o surgimento da lua, a origem
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

indígena, o boto tucuxi, as lendas da Amazônia e o retorno


furioso das águas do mar para dentro do Rio Amazonas,
que leva barcos, barrancos e árvores.
As histórias contadas por Julião resgatam as
memórias, tradições, crenças, lendas, o folclore e os
costumes da história e as culturas africana, afro-brasileira
82

e indígena, com ênfase nas contribuições e influências que


elas trouxeram à sociedade brasileira.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2003

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Rio acima Mar abaixo.
Ilustrações de Nelson Cruz. São Paulo: Melhoramentos, 2010.
Viajando por
Galápolis

Luana de Araújo Carvalho27

Quem já leu um livro e desejou vivenciar o que a


imaginação, durante a leitura, percorreu? Quem já sonhou
com as aventuras de um livro? Muitos responderão “eu”.
Nesses “eus”, encontraremos meu “eu” e o “eu” do escritor
Rogério Andrade Barbosa.
Rogério, ao ler o livro Viagem de um Naturalista ao Redor
do Mundo, de Charles Darwin, sonhou, realizou, vivenciou
a tão sonhada viagem a Galápolis. Os diários dessa viagem
foram base para a escrita do livro O amigo de Darwin, um
jovem desenhista em Galápolis, lançado em 2013 pela editora
Melhoramentos. Essa obra relata nuances da ilha, que se
torna familiar pelos leitores que não a conhecem. Junto à
narrativa, encontramos a contribuição de Mauricio Negro,

27
Mestre em Educação – PPGE – UFOP
ilustrador da obra, que alimenta a imaginação do leitor.
A capa do livro é marcada pela ilustração com animais,
pincéis e, no fundo, uma carta cartográfica. Nesse momento,
o leitor já pressupõe que o livro tratará de uma viagem.
Na parte superior, há o registro “Narrativa ficcional”.
Ao virar a página, encontramos a mesma ave da capa
banhada pela página vermelha, e na página seguinte há os
pincéis (que também estavam na capa).
A narrativa ficcional inicia com o subtítulo “O moço
que veio de longe”, contando a chegada do viajante às
terras brasileiras, mais especificamente à cidade do Rio de
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Janeiro. Essa viagem tinha o intuito de “[...] documentar


aspectos da fauna, da flora e das formações geológicas dos
países por onde a expedição passava” (BARBOSA, 2013,
p. 7). A impressão de Darwin sobre as terras colonizadas
pelos seus pares faz com que o leitor reflita sobre a história
brasileira, em especial, sobre os negros e a influência
84

africana.
“Descoberta” é o segundo subtítulo do livro que
relata descobertas feitas pelas florestas da cidade e
apresenta a reprodução de espécies encontradas durante
a caminhada por meio de desenhos. Durante os trajetos,
dentre os nativos que acompanhavam, estava Beto, um
jovem negro que revela sua habilidade em desenhar. Em
seguida, na seção “o pequeno desenhista”, Beto, escravo
que fugiu do seu sinhô, revela para Darwin a sua história,
que se prolonga na seção denominada “livre”, parte do
livro em que Darwin negocia a alforria do escravo fugitivo.
O moleque, durante a viagem, aperfeiçoou a técnica do
desenho, assim como aprendeu a língua predominante no
navio, a inglesa.
Em “Nas asas do vento”, Rogério narra por onde
Beagle (nome do navio) passou. São terras que Beto
e os demais tripulantes conheceram e desbravaram,
como Chile e Nova Zelândia. As ilustrações aguçam a
imaginação do leitor, que se depara, em seguida, com as
“Histórias de marinheiro”, que é como Beto e nós, leitores,
associamos as histórias (com gotas a mais de imaginação),
que deixam os ouvintes atentos, com receios e dúvidas,
como a caraterização de personagens como “Gigantes do
tamanho de uma árvore, de força descomunal, capazes de
carregar um navio nas costas” (BARBOSA, 2013, p. 27),
assim como “[...] pigmeus de orelhas longas, tão compridas
que se arrastavam pelo chão [...] usavam uma das orelhas
como cama e se cobriam com a outra para se proteger do

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


frio e do vento” (BARBOSA, 2013, p. 28).
“Galápagos”, penúltimo subtítulo da narrativa do livro,
conta as peculiaridades, também vivenciadas por Rogério
em sua viagem à ilha, transcritas como observações de
Beto, Darwin e demais tripulantes. Em “O resto é História”,
Rogério narra a vida de Beto e Darwin após a viagem no

85
Beagle. O jovem se tornou estudante de Belas Artes na
Europa, e Darwin publicou o livro A origem das espécies.
A narrativa ainda tem paratextos informativos como
a biografia de Charles Darwin enfatizando a importância
que a viagem no Beagle, fato real, teve para a carreira
dele; o desenho da estrutura interna e externa do navio,
demarcando as peculiaridades; o percurso da viagem do
navio; um breve relato da viagem do Rogério Barbosa a
Galápago e a bibliografia consultada pelo autor para
escrever seu livro.

Finalista Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 2014


Catálogo da Feira de Bolonha – 2014
Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O amigo de Darwin: um jovem
desenhista em Galápolis. Ilustrações de Maurício Negro. São
Paulo: Melhoramentos, 2013.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
86
Os pássaros e a
maravilha do voo

Luana de Araújo Carvalho28

O livro O senhor dos pássaros, lançado em 2006 e


produzido pela editora Melhoramentos, é fruto de uma
parceria do escritor Rogério Andrade Barbosa com o
ilustrador Salmo Dansa. A obra possui 32 páginas e é
baseada em contos orais angolanos. O livro é categorizado
como literatura infantojuvenil e juvenil. Além do caráter
literário, no final do conto, na penúltima página do livro,
há um texto informativo sobre a influência dos povos
angolanos na(s) cultura(s) brasileira, como a língua, dança,
culinária, entre outras.
A capa do livro ilustra o título. A arte colorida na
apresentação conta com desenho de cinco pássaros com
características diferentes, como cor, tamanho e espécies.

28
Mestre em Educação – PPGE – UFOP
Abaixo dos pássaros, encontramos algo semelhante (e que
remete) a uma pedra. No decorrer da leitura do conto oral
(agora transcrito), compreenderemos a escolha e o motivo
pelo qual o ilustrador desenhou os diferentes pássaros
nas diferentes posições em cima de uma pedra. Na página
seguinte, encontramos um pássaro, até então, diferente
das demais aves apresentadas na capa, que transmite uma
ideia de mistura de todos os apresentados anteriormente.
Antes de iniciar o conto, há o seguinte provérbio africano:
“Entre todos os seres da natureza, os pássaros são os mais
maravilhosos, pois podem voar” (BARBOSA, 2006).
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Ora, chega de preâmbulos e vamos ao conto. A história


tem como protagonista um menino chamado Kayondo.
O garoto que morava em Kimbo, aldeia situada em uma
mata perigosa, mudou-se para outra comunidade após o
pai adoecer e ter que ficar internado na capital de Angola,
em Luanda. Kayondo, mesmo triste, aproveitava o que a
88

localidade e seus membros ofereciam, como brincadeiras


como kopoê, jogo com pedras, missosso, histórias contadas
por sábios locais, dentre outros. Em uma das noites, um
dos sábios contou a história de um pássaro chamado katete,
conhecido pelo canto pronunciado pelas crianças locais:
“katete-dendê/katete-dendê”. Mas mal sabiam a história do
pássaro que salvou seus pares voadores e a aldeia após o
devastar das roças de jindungo. Para salvar a comunidade
que sofria por falta de água, o pássaro quebrou uma pedra,
de onde emanaria água com apenas um voo rasante. Sua
força e coragem despedaçaram em mil pedaços a grande
pedra ilustrada no decorrer do livro e na capa da obra.
O Senhor dos pássaros é um livro cativante para a
fruição, além de apresentar para crianças (e adultos)
diversas palavras de origem africana. Como menciona o
autor do livro, os termos utilizados na obra são de um dos
“[...] noves grupos etnolinguísticos locais, o quimbundo”
(BARBOSA, 2006), reafirmando a influência de diversas
culturas na diversidade cultural brasileira, característicos
das obras de Rogério Andrade Barbosa.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2007

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O senhor dos pássaros.
Ilustrações de Salmo Dansa. São Paulo: Melhoramentos, 2006.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Não paginado.

89
O passeio no Parque
Nacional de Tsavo

Thayse da Costa Machado29

O autor Rogério Andrade Barbosa, no livro Jambo!


Uma manhã com os bichos da África (BARBOSA, 2011),
apresenta a visita de duas crianças a uma das maiores
reservas de vida selvagem no interior do Quênia, o
Parque Nacional de Tsavo. Elas tinham a tarefa, dada pela
professora da escola, de fotografar o maior número de
animais possível.
O pai das crianças, guarda do parque, com um jipe
levou-as para conhecer a diversidade de animais existentes
no local. Durante o passeio, elas brincaram de dizer jambo
para os animais, que significa “oi” no idioma do povo deles.
Entre muitas risadas, conheceram e fotografaram diferentes
animais, como: leão, elefantes, leopardos, rinocerontes,
macaquinhos, crocodilos, hipopótamos, zebras, girafas e

29
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
babuínos. No fim da divertida manhã, agradeceram ao pai
dizendo: Asante sana, baba, que significa “obrigado, papai’’.
No fim de semana, os pais foram convidados para
ir à escola. Na entrada, havia um painel com desenhos
de muitos bichos e os nomes dos países da África em
que vivem. O diretor parabenizou o trabalho realizado e
enfatizou a diversidade do continente africano, rico em
história, literatura, arte, dança, geografia, entre outros
aspectos.
Penso que a narrativa é encantadora para crianças de
todas as idades e apresenta não só a diversidade de animais

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


do continente africano, mas as diferentes riquezas que ele
possui.
Nas páginas finais do livro, há a biografia do autor
e do ilustrador, assim como um mapa que revela a
localização do Parque Nacional de Tsavo. Cabe ressaltar
que as ilustrações de Edu Engel embelezam ainda mais o

91
livro e abrilhantam a história.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Jambo! Uma manhã com
os bichos da África. Ilustrações de Edu Engel. São Paulo:
Melhoramentos, 2011.
Três adivinhas,
pra além do
“o que é o que é”

Simoni Conceição Rodrigues Claudino30

O livro Três contos africanos de adivinhação (BARBOSA,


2009), tem ilustrações de Maurício Veneza e pertence à
Coleção Árvore Falante. Na capa, há a ilustração de um
dos contos com um senhor, uma cabra, um leopardo e
um saco de inhames. A contracapa é pintada de laranja
com manchas pretas, lembrando a pele do leopardo. Na
capa final, há a foto do autor e do ilustrador, com uma
pequena biografia de ambos. Na segunda página, há os
dados de catalogação da obra, que é especificada como
infantojuvenil, e na terceira página há uma nota do autor
sobre os contos “quebra-cabeças”. Aqui, o autor convida

30
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
o leitor a adivinhar o que acontece nas histórias do povo
hauçá, da Nigéria.
O primeiro conto, “Os três gravetos”, inicia na página
quatro e diz que um monarca chamou o adivinho da
corte para saber quem havia roubado o anel que ele dera
à filha. Com três gravetos dados aos guardas suspeitos,
o monarca avisou que “[...] o ladrão será aquele cujo
graveto tiver crescido, até o cantar do galo, dois dedos
de cumprimento” (BARBOSA, 2009, p. 6). O adivinho
apontou o culpado e a joia foi encontrada. Na página
nove, o autor faz a pergunta ao leitor para adivinhar o

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


que aconteceu, e, ao virar a página, o leitor tem a resposta
para o truque usado pelo adivinho.
O segundo conto, “Três mercadorias muito
estranhas”, começa na página 13 e fala de um camponês
que queria atravessar o Rio Níger com um leopardo, um
saco de inhame e uma cabra. Porém, a canoa era pequena

93
e ele só poderia levar uma mercadoria de cada vez, mas o
camponês não queria perder nenhuma. Na página 15, o
autor pede uma solução ao leitor e avisa que, ao virar a
página, ele encontrará a resposta. Na página seguinte está
a resposta, apoiada num ditado africano.
O terceiro conto, “As três moedas de ouro”, tem seu
começo na página 18 e retrata a história de um mercador
que teve três moedas de ouro roubadas numa pousada.
O dono da pousada descobriu o ladrão com a ajuda de
um frasco de perfume e um burro. Ele disse que o burro
zurraria ao ser tocado pelo ladrão, mas o burro ficou
calado. E o dono descobriu o ladrão. O leitor é convidado,
na página 23, a adivinhar o truque usado pelo dono da
pousada. Na página seguinte, o autor conta com detalhes
o que aconteceu.
O livro, como os outros da mesma coleção, apresenta
em suas ilustrações e na história escrita referência a locais,
objetos e costumes do país por onde o autor viajou.
Um pouco da Nigéria acompanha essas histórias, que
mostram um pedaço da cultura desse país que está tão
longe e tão perto, ao mesmo tempo.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Três contos africanos de
adivinhação. Ilustrações de Maurício Veneza. São Paulo:
Paulinas, 2009.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
94
O continente
africano de A a Z

Tatiana Valentin Mina Bernardes31

O livro ABC do continente africano, de Rogério Andrade


Barbosa, é organizado por verbetes em ordem alfabética.
As 26 letras do alfabeto são associadas a palavras que
representam uma expressão do continente africano.
O livro proporciona ao leitor um passeio pela África,
divulga um continente diversificado, de muitos contrastes
e manifestações, e desvenda aspectos da história, cultura
e geografia.
O autor procura desmistificar a visão estereotipada
relacionada ao continente africano e sua população
como a de povos sem história, miseráveis, com territórios
nebulosos, grandes florestas, animais ferozes, guerras
tribais, compreendida assim por grande parte da
população mundial.

31
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
O ABC do continente africano apresenta um continente
constituído por 54 países, com diferentes histórias,
pluralidade cultural e diversas características geográficas.
A obra mostra que a história da África não começou com
a chegada dos europeus, mas destaca a antiguidade da
civilização africana e a teoria científica que evidencia a
origem da humanidade na África.
O livro descreve costumes, tradições, características
geográficas das diversas regiões, diferentes religiões, as
grandes cidades, a beleza da natureza, os grandes líderes,
os mitos, os contadores de histórias – griot, o valor do
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Rio Nilo, os desertos, a história da civilização Egípcia,


as riquezas minerais, as desigualdades sociais, enfim,
particularidades de um continente complexo, múltiplo
e singular.
As ilustrações de Luciana Justiniani Hees registram
imagens significativas, inspiradas na capulana, tecido
96

colorido tradicional usado pelas mulheres negras em


Moçambique. As imagens trazem desenhos expressivos,
texturas variadas, imagens cartográficas e geográficas.
Representações que se inserem aos elementos e aspectos
descritos no livro.

Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 2007


Finalista Prêmio Jabuti (texto) – 2008
Catálogo da Feira de Bolonha – 2008

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. ABC do continente africano.
Ilustrações de Luciana Justiniani Hees. São Paulo: SM Editora,
2007.
O guardião das
festas populares

Thamirys Frigo Furtado32

O livro O guardião da folia (BARBOSA, 2007) é


catalogado como literatura infantojuvenil e tem como
ilustrador Jô Oliveira. A ilustração apresenta-se com fortes
cores e traços marcados, relembrando os momentos de
festa, cantorias e folias, mas também há algumas imagens
que são em preto e branco.
A história de seu Libério, que já passava dos 80 anos,
é contada relembrando as tradições e festas populares. Seu
Libério vivia no alto do Morro da Mangueira, frequentava
as rodas de samba e participava de um grupo de Folia de
Reis da Mangueira. Também fazia questão de colaborar
com os diferentes projetos sociais, que atuavam na
comunidade, e preocupava-se com o aumento da violência
no morro. Quando completou 80 anos, os filhos lhe deram

32
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
de presente uma viagem para a sua cidade natal. Ao voltar
para Itapecerica, acompanhado de sua neta, no mês de
celebração do Reinado do Rosário, inúmeras recordações
foram surgindo do seu tempo de menino com histórias de
sua mãe e avó.
O livro nos convida a conhecer um pouco mais
sobre as festas populares e manifestações culturais
afro-brasileiras. Ao final dele, o autor faz uma breve
apresentação sobre os participantes da obra, destacando
as festas populares, como reflexos da fé, e o sincretismo
religioso do povo. Por fim, o livro destaca a bibliografia
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

utilizada para a sua escrita. É uma excelente sugestão de


leitura para o público infantil e juvenil.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O guardião da folia. Ilustrações
98

de Jô Oliveira. São Paulo: FDT, 2007.


Aldeões corajosos
e a princesa real

Arlete de Costa Pereira33

O livro Os três presentes mágicos (BARBOSA, 2007),


ilustrado por Salmo Dansa, apresenta a história de três
irmãos que viviam numa aldeia no antigo reino do Congo
e eram apaixonados por uma princesa real.
Por serem simples aldeões, sabiam que não poderiam
casar-se com ela e, por isso, saíram em busca de uma vida
melhor. Andaram muito, passaram por diversos perigos,
obstáculos, feras, vagaram por savanas e desertos, rios
infestados de crocodilos e serpentes, até chegarem a um
vilarejo longe de tudo e de todos e habitado por seres
dotados de poderes sobrenaturais. Nesse lugar, eles foram
aprisionados e obrigados a trabalhar nas plantações feito
escravos. Plantavam, colhiam, armazenavam, extraiam
minérios e carregavam-nos nas costas.

33
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
Como eles se ajudavam, conseguiram concluir as
tarefas antes do prazo e, então, foram soltos, recebendo
presentes mágicos como prêmios pelo trabalho realizado.
O irmão mais velho ganhou um espelho, através do qual
poderia ver tudo o que acontecia; o irmão do meio recebeu
um tapete voador que poderia levá-lo aos lugares mais
distantes e o mais novo recebeu uma rede de malhas feita
de aço, com a qual poderia capturar qualquer coisa que
quisesse. Com o espelho mágico, viram que a princesa se
casaria com um monstro, disfarçado de humano. Então,
subiram em um tapete mágico, voaram rápido, chegaram
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

em tempo de interromper o casamento e, com a rede,


aprisionaram o noivo.
Em agradecimento aos irmãos, o rei permitiu que um
deles se casasse com a princesa, mas ninguém conseguia
definir qual deles merecia mais, uma vez que todos foram
importantes. Decidiram, então, que um casaria com a
100

princesa e os outros dois casariam com as irmãs dela.


E o livro termina envolvendo o leitor na narrativa,
deixando as questões para que ele possa resolver: afinal,
qual dos três irmãos merece desposar a princesa e por
quê? Assim, cada leitor ajudará a compor o final do conto.

Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 2007


Catálogo da Feira de Bolonha – 2008

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Os três presentes mágicos.
Ilustrações de Salmo Dansa. Rio de Janeiro: Record, 2007.
Os animais e suas
características

Viviane de Carvalho34

Em seu livro Histórias africanas para contar e recontar,


Rogério nos apresenta sete contos que falam sobre
animais, fazendo o leitor refletir sobre os porquês de os
animais terem determinadas características (físicas ou
comportamentais). O autor usa a tradição popular africana
para tentar explicar a natureza, dar razão a um aspecto
ou a características de certos animais, sendo que essas
comparações estão longe da comprovação científica.
Em “Porque o morcego só voa de noite”, o leitor
descobre que o morcego só voa à noite porque, após uma
disputa animal entre as aves e os quadrúpedes, ele não
soube em que time entrar e acabou sendo rejeitado pelas
duas equipes, o que o obrigou a esconder-se durante a

34
Graduação em Pedagogia e Letras Espanhol
maior parte do tempo nas cavernas, savanas e montanhas
africanas.
“Porque o porco vive no chiqueiro” narra a história
de um porco e um javali, que viviam juntos na floresta, até
o dia em que o porco decidiu ir à aldeia dos homens para
conhecê-la. Lá, o porco chamou a atenção dos homens,
que o pegaram e colocaram-no dentro de um cercado.
Desde esse dia, o porco vive no chiqueiro comendo restos
de comida e lamentando pela sua sorte.
“O porquê de o camaleão mudar de cor” traz a
história do camaleão e da lebre que acompanham humanos
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

a uma feira. A lebre era mais apressada, trocava sua cera


por tecidos multicolores e sumia rapidamente, porém,
ela os perdia pelos atalhos da floresta. O camaleão era
muito calmo, não tinha pressa. Por causa de sua correria
insensata, a lebre anda até hoje se vestindo como um pano
cinzento, sujo e desbotado. O camaleão pode trocar de cor
102

toda hora porque foi responsável e juntou muitos tecidos


coloridos das mais variadas tonalidades.
“Porque o cachorro foi morar com o homem” conta
a história de como o cachorro se aproximou dos homens e
tornou-se seu melhor amigo. Isso é devido a uma mãe que
soube dividir o prato do filho com um cão que apareceu
na aldeia. Naquela família, o tal cachorro recebeu algo
além do alimento: o carinho. Por isso, o cão resolveu não
voltar mais para a floresta.
“Porque a zebra é toda listrada” explica que a zebra
ficou assim porque, quando os animais decidiram que
precisavam de um chefe e discutiram a forma como ele
seria escolhido, a zebra e o burro decidiram ficar mais
bonitos para concorrer melhor. O burro pintou toda a
zebra devagar e com cuidado, terminando pouco antes
de o concurso começar. A zebra correu para o concurso,
esquecendo do burro, que tentou pintar-se sozinho, mas
acabou borrando-se todo. É por isso que até hoje o burro
tem essa cor sem graça.
Em “Porque a girafa não tem voz”, temos a história
da girava, exibida ao extremo, que irritava todos os outros
animais, que decidiram encontrar uma forma de tentar
acalmá-la. O leopardo a desafiou para uma corrida,
porém se chocou numa árvore, perdendo. O macaco teve
outra ideia: tirou um bocado de resina de uma árvore e
misturou-a na ramaria, que a girafa costumava mastigar.
As folhas prenderam-se no pescoço da girafa, ficando
grudadas em sua garganta para sempre.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


“Porque o macaco se esconde nas árvores” desvenda
como os macacos passaram a viver em cima das árvores para
fugirem dos gatos-do-mato. Após um susto que o gato-
do-mato deu em um macaco brincalhão, que amarrou sua
cola no tronco de uma árvore, todos os macacos ficaram
preocupados e escondem-se desde aquele dia nos galhos

103
das árvores da floresta.
Cabe destacar que o autor convida os leitores a
recontarem as histórias após lerem seus contos, atitude
que faz alimentar a imaginação, enriquecendo cada vez
mais a cultura de todos os povos envolvidos em suas belas
histórias.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2001


Catálogo da Feira de Bolonha – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Histórias africanas para
contar e recontar. Ilustração de Graça Lima. São Paulo:
Editora do Brasil, 2001.
Os animais têm
muito a ensinar-nos

Lisandra Banhuk de Campos35

Lendas e fábulas dos bichos de nossa América, de Rogério


Andrade Barbosa, é composto por oito fábulas, que
originalmente eram contadas por seus contadores, pessoas
que gostavam da contação oral e conheciam lendas e
fábulas. Eles ficavam sentados à sombra das árvores e ao
redor de uma fogueira.
Todas as fábulas tratam de vozes dadas aos animais,
pertencentes a oito países da América. Os países e suas
fábulas são: Argentina, “A raposa e o tatu”; Bolívia,
“Siripita, o rei dos insetos” (siripita é uma espécie de grilo);
Brasil, “Porque o japim e o avispón são amigos” (o japim,
pela descrição feita pelo autor, é uma ave de pena preta e
peito amarelo, que tem facilidade para imitar os sons, e o
avispón é um inseto de assas grandes); Costa Rica, “A festa

35
Mestranda em Educação – PPGE-UFSC.
dos pombos”; Estados Unidos, “O castor, o porco espinho e
a canção do vento”; Guatemala, “Porque os ratos têm medo
das mulheres”; México, “Xdzunuum, o colibri” (o nome
xdzunuum é de origem maya e é como chamam o colibri);
Peru, “A menina que se transformou em uma garça”.
Essas são as fábulas presentes no livro e, como toda
fábula, trazem uma lição moral ao final e dão vozes aos
animais, buscando uma personificação de características
humanas. O autor buscou inspiração nos relatos
pertencentes à tradição oral de contar histórias.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2003
Traduzido para o espanhol

Referência

105
BARBOSA, Rogério Andrade. Lendas e fábulas dos bichos
de nossa América. Ilustrações de Lima, Graça. São Paulo:
Melhoramentos, 2003.
O povo dita
a história

Marinaldo de Silva e Silva36

Em pouco mais de 30 páginas, Rogério Andrade


Barbosa nos brinda em Três contos da sabedoria popular, com
histórias resgatadas da oralidade folclórica do nordeste,
todas em forma de fábula. Somam-se à rica qualidade
textual as ilustrações de Rui de Oliveira que, à moda
de Cândido Portinari, desenha a narrativa com traços
que lembram a série de retirantes retratada pelo artista
fluminense.
Os três contos são, já no prefácio do livro, relembrados
como obras em constante mudança porque são orais, ou
seja, por não terem um registro original que não seja a
fala, foram com o tempo acrescendo-se de termos, sinais,
costumes e maneiras diferentes de serem narrados, porém,
mantiveram o cerne do texto do qual surgiram.
Em “A comadre raposa e a comadre onça”,
conheceremos uma fábula que conta o eterno conflito

36
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
entre o esperto e o enrolado, entre o bem e o mal, numa
narrativa que nos premia com uma história curta e
cativante sobre uma enganação. “A comadre e a raposa e a
comadre onça” parece trafegar pelo que entendemos como
o jeitinho brasileiro, pela malandragem que se apresenta, e
pode servir de alerta para o politicamente correto ou para
o que se deve evitar.
“O coelho e a paca” também segue esse percurso:
o da esperteza. Apelidando-se de gente de casa – a paca,
e gente de fora – o coelho, o segundo se aproveita do
apelido dialético para tirar vantagens da coitada paca.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Saem para passear e, no momento do descanso, recebem
a generosidade de uma família, que os recebe e que, já
na recepção, oferece para a gente de fora rede e comida.
O coelho, que se intitulara de gente de fora, aproveitou
o trocadilho com o nome dado à paca – gente de casa,
e julgou que todo o conforto e a comida oferecidos pela
família à gente de fora seriam tudo pra ele. Aí, começa a

107
confusão já quase em seu desfecho.
“Por que a cutia tem o rabo bem curtinho?” também
é uma fábula, porém, a mensagem que ela passa pode ser
utilizada para fazer-nos pensar em um problema social
pertinente: o alcoolismo, ou, antes ainda, na inconsequência
do envolvimento em brincadeiras perigosas. Essa é a
narrativa mais curta da antologia “Três contos da sabedoria
popular”, que diverte ao mesmo tempo em que ensina.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2005


Catálogo da Feira de Bolonha – 2006

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Três contos da sabedoria
popular. Ilustrações de Rui de Oliveira. São Paulo: Scipione,
2005.
Os bravos pigmeus

Vinícius Pereira37

Como seu título evoca, Pigmeus: os defensores


da floresta (BARBOSA, 2009) é um livro ilustrado que
aborda a vida dos pigmeus e sua luta por sobrevivência.
A história tem autoria de Rogério Andrade Barbosa, na
qual acompanhamos a rotina de um menino pertencente
a um grupo de pigmeus. Esse narrador em primeira pessoa
apresenta-nos curiosidades e características de sua cultura.
As ilustrações são de Mauricio Negro. A capa traz
uma representação de algo que vamos descobrir ao longo
da leitura: o mito de origem dos pigmeus, moldados
em barro e do tamanho de uma banana. Precedendo
a narrativa, há um mapa da África com as indicações
regionais da presença do povo pequenino em sete países
do continente. Acompanhando o mapa, segue-se um texto
informativo sobre os pigmeus e um chamamento contra a
devastação das florestas e da cultura desse povo. A grande

37
Ator e Mestre em Literatura Infantil e Juvenil.
maioria das ilustrações são aquarelas com temas étnicos
africanos, além de figuras em argila e cascas de árvore.
A narrativa segue a voz, os olhos e os ouvidos desse menino
pigmeu, que nos conta suas vivências e descobertas sobre
a vida que o cerca.
Classificado como literatura infantil e infantojuvenil,
o livro tem 40 páginas e considerável extensão de texto
escrito. Todas as páginas são ilustradas, sendo que as
imagens compõem parte importante da narrativa. Dessa
forma, o momento da leitura é permeado pela atmosfera e
ambientação de onde e como vivem os pigmeus, tingindo

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


a ficção com um tom de livro informativo.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Pigmeus: os defensores da
floresta. Ilustrações de Maurício Negro. São Paulo: DCL, 2009.

109
Uma história
que minha avó
me segredou!

Ingobert Vargas38

Naninquiá: a moça bonita (BARBOSA, 2013), é uma


história dentro de outra história. Quem cresceu ouvindo
histórias sabe que cafuné de mãe em noite de chuva é
uma composição de ingredientes perfeitos para acender a
imaginação de qualquer criança.
Na primeira narrativa, numa vila de pescadores, a
mãe conta uma história para o filho por causa de uma
pergunta despretensiosa. Enquanto preparava um molho
de amendoim com pedaços de peixe, em meio ao barulho
da chuva no telhado de zinco, a mulher segredou uma

38
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
história que ouviu de sua avó sobre os poderes mágicos de
uma serpente píton.
A segunda história, que dá o título ao livro, narra
as aventuras de um jovem e seu cachorro, que recebem a
ajuda de uma feiticeira-serpente para conseguir a mão de
uma jovem em casamento. Inspirado em diferentes versões
de um conto guinense, o texto é entremeado por palavras
do vocabulário de Guiné-Bissau.
As ilustrações de Ciça Fittipaldi são bastante
femininas, abusando das linhas sinuosas nas folhas dos
coqueiros, nos corpos das mulheres e nos cestos e vasos.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


A chuva é tão real nos desenhos da artista, que pensei ficar
com as mãos molhadas. A presença do grafismo tribal e o
suporte fibroso das ilustrações realçam seu vínculo a terra,
à tradição e aos povos originários. São carimbos, colagens,
pinturas e desenhos em cores vibrantes cheias de poesia
que compõem uma terceira narrativa paralela ao texto.

111
Na capa, o título do livro e a ilustração potencializam
a beleza da mulher negra. O projeto gráfico peca na
contracapa e em algumas páginas, onde o texto desaparece
entre as ilustrações escuras. A paginação acompanha
a tipografia do texto. O autor assina a apresentação do
livro. Ao final, há um glossário das palavras guinenses e a
apresentação do autor e da ilustradora. A ficha catalográfica
classifica o livro como literatura infantojuvenil e, mesmo
sendo um livro com referências culturais bastante
demarcadas, proporcionando um texto pedagógico e
instrucional, é também um livro com forte presença de
literariedade e, bem por isso, contribui significativamente
para a formação de leitores literários.
Nesse conto de fadas africano, é a figura feminina
que materializa a sabedoria, o acolhimento, a altivez, o
poder e o encantamento, a partir de um registro poético
que demonstra os costumes de um povo além-mar.
Catálogo da Feira de Bolonha – 2014

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Naninquiá: a moça bonita.
Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo: DCL, 2013.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
112
O ratinho que
tecia histórias

Vinícius Pereira39

Na capa de Como as histórias se espalharam pelo mundo


(BARBOSA, 2009) está o rato, personagem principal
do livro de Rogério Andrade Barbosa. Já não resta
mistério a partir do título: foi esse bichinho inteligente
que espalhou as histórias por aí. Antes de adentrar na
narrativa em si, o leitor tem como introdução um texto
informativo sobre o conto nigeriano recriado pelo autor e
um mapa ilustrando o percurso das andanças do ratinho
pelo continente africano.
Movido por sua curiosidade, o rato se enfia por todos
os lugares, escutando as conversas de ferreiros, tecelãs,
crianças, músicos, pigmeus, mercadores e sacerdotes.
O animal é um viajante que guarda consigo o fio de
cada história que escuta. O livro segue como um álbum

39
Ator e Mestre em Literatura Infantil e Juvenil.
de fotos, com ilustrações de Graça Lima, representando
as viagens do rato pelo mundo. Texto escrito e imagem
descrevem cenas características das paisagens africanas e
sua pluralidade cultural.
O livro está classificado como literatura infantil e
infantojuvenil na ficha catalográfica. Vem acompanhado de
um suplemento de leitura paradidático, sendo um material
de apoio para o trabalho com a obra em sala de aula, seus
possíveis temas transversais e projetos interdisciplinares.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2002


A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Finalista Prêmio Jabuti (melhor ilustração) – 2003


Catálogo da Feira de Bolonha – 2003
Traduzido em inglês/Gana, África – 2016

Referência
114

BARBOSA, Rogério Andrade. Como as histórias se


espalharam pelo mundo. Ilustrações de Graça Lima.
São Paulo: DCL, 2002.
O teatro de bonecos:
mamulengo

Elika da Silva40

Rogério Andrade Barbosa convida o leitor a encantar-


se com O rei do mamulengo, uma história encantadora, com
ilustrações muito significativas de André Neves. A obra
apresenta ao leitor a arte fascinante do teatro de bonecos,
conhecida em algumas regiões do país por mamulengo.
De origem nordestina, o texto proporciona ao leitor
uma maravilhosa viagem ao universo mamulengo, além
de uma interação com o enredo e uma verdadeira aula
de cidadania e respeito pela cultura brasileira. O menino
Manu, filho e neto de artistas populares, cresce rodeado
de mamulengos, como são chamadas as personagens do
tradicional teatro de bonecos de Pernambuco. O pai e a
mãe de Manu mantiveram a tradição iniciada pelo seu avô,
Mestre Perfumado. “Mas os dois eram também feirantes,

40
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
pois não dava para viver do mamulengo” (BARBOSA,
2003, p. 15), por isso, os pais de Manu não queriam que o
menino seguisse a mesma profissão.

Não desejavam que ele envelhecesse pobre e


esquecido como tantos outros artistas, sem
qualquer amparo ou reconhecimento [...], [mas
não] [...] adiantava nada, a paixão pelos bonecos
corria pelas veias de Manu, povoando a imaginação
e os sonhos do menino (Ibidem).

O livro apresenta a história de Manu, que, desde


A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

criança, ouvia as histórias dos avós, até o momento em que


ele vira um mamulengo. As ilustrações de André Neves
complementam o texto, encantando o leitor.
No final do livro, encontra-se uma nota do autor,
destacando que ele e André Neves são “[...] fascinados pelo
maravilhoso mundo do mamulengo” (Ibidem). O autor
116

destaca também que fez muitas pesquisas sobre a vida


de vários artistas populares e que a parceria com André
Neves deu-se porque ele “[...] precisava de um parceiro
que tivesse a alma brincante” (Idem), além de suas raízes
nordestinas.
Enfim, a leitura é cativante e provoca-nos uma
reflexão sobre a dura realidade das desigualdades sociais.
Os mamulengos, com muita graça em suas apresentações,
fazem duras críticas sociais, políticas, entre outras. A obra
é uma excelente sugestão de leitura tanto para o público
juvenil como para qualquer um que tenha interesse em
conhecer um pouco mais sobre o tradicional teatro de
bonecos de Pernambuco.
Por fim, o autor ainda convida o leitor a fazer seus
bonecos mamulengos e montar peças de teatro na escola,
na rua, para não deixarem, como bons brincantes, que
essa antiga tradição acabe. E por último encontra-se a
bibliografia que o autor utilizou em suas pesquisas para a
produção desta obra.

Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 2003

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O rei do mamulengo.
Ilustrações de André Neves. São Paulo: FTD, 2003.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

117
Países irmãos

Thayse da Costa Machado41

O autor Rogério Andrade Barbosa, no livro Em


Angola tem? No Brasil também! (BARBOSA, 2010), apresenta
as singularidades e os aspectos em comum de dois países
que são irmãos: Angola e Brasil. O livro traz a história de
amizade entre um brasileiro, que mora em Salvador, e um
angolano, que mora na Luanda. Através de um projeto de
troca de cartas entre escolas brasileiras e angolanas, eles
passaram a conhecer as especificidades de cada país, mas
principalmente como suas cidades são parecidas.
Aspectos sobre a cultura africana e afro-brasileira,
religiosidade, modos de vida, história do povo, culinária,
musicalidade e festas foram sendo descobertos através
da escrita das cartas, dos cartões-postais, das fotos e dos
presentes. Os meninos admiravam-se com a quantidade
de coisas em comum entre os dois países, como as palavras
de origem africana: bagunça, cachaça, moqueca, quindim,

41
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
entre muitas outras. Durante os meses de troca de cartas, e
com a ajuda dos pais e professores, eles foram conhecendo
o porquê de tantas semelhanças.
Penso que é um livro recheado de conhecimento
entrelaçado com muita ludicidade. A narrativa traz os laços
históricos, que fazem esses dois países serem irmãos, sendo
essa uma história desconhecida por muitos e ignorada por
tantos, como destaca o autor nas primeiras páginas do
livro. Ele também traz um suplemento de leitura, no qual
os estudantes realizam atividades referentes à narrativa.
É importante ressaltar as ilustrações de Jô Oliveira, que

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


revelam de forma realista as características de cada povo.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Em Angola tem? No Brasil
também! Ilustrações de Jô Oliveira. São Paulo: FTD, 2010.

119
Uma ideia
cheia de luz

Daniela Martins42

No livro Uma ideia luminosa Rogério Barbosa Andrade


apresenta ao leitor uma história que vem da Eritréia,
um pequeno país localizado no nordeste do continente
africano. O narrador é um Griot que conta às crianças da
aldeia uma história que traz como personagens um velho
comerciante viúvo e seus três filhos.
O velho, pressentindo que sua morte estava por
chegar, chama os filhos para dar-lhes uma tarefa, a fim de
saber qual seria aquele mais preparado para ele deixar a
administração dos seus bens, que juntara durante anos.
Cada filho ganhou a mesma quantidade de moedas e
todos teriam que comprar algo que preenchesse o quarto
do velho pai.

42
Graduada em Pedagogia – UFSC
O filho mais velho, aborrecido, comprou de um
vizinho um saco cheio de grama. O filho do meio, por sua
vez, pegou uma estrada e, ao avistar o primeiro vendedor,
comprou uma sacola com penas de galinha. Já o filho mais
jovem pegou o seu burrico e cavalgou longe, passando por
trilhas, ladeiras, atravessando rios encachoeirados até chegar
a um lugarejo, onde se dirigiu a um templo. Ali, em silêncio,
orou e depois seguiu o seu caminho em busca de algo que
lhe interessasse. Percorreu, sem pressa, todas as tendas
que via. Ao cair da noite, uma ideia luminosa lhe surgiu.
Finalmente, ele havia encontrado o que tanto queria.
Já na penumbra do quatro do velho pai, com a lareira

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


apagada, pois a fumaça incomodava os olhos febris do
patriarca, o filho mais velho entregou ao pai o saco cheio
de grama. A seguir, o filho do meio entregou o saco com
penas de galinha. O pai, já desesperançado, perguntou ao
filho mais novo o que ele havia comprado. Eis que ele tira
do bolso uma vela e uma caixa de fósforos. Ao acendê-la, a

121
luz da vela enche todo o quarto.
Com ilustrações coloridas de Thais Linhares, o leitor
é convidado a entrar no mundo imaginário e, é claro, no
mundo africano, por meio de imagens que remetem a
simbolismos desse povo. O livro traz ainda mapas para
melhor compreender a localização das cidades africanas
citadas e glossário para o conhecimento do significado de
algumas palavras da Eritréia, que também são abordadas
ao longo da história.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2008

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Uma ideia luminosa. Ilustrações
de Thais Linhares. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2007.
Um coelho esperto
e outro nem tanto!

Simoni Conceição Rodrigues Claudino43

O livro Karingana wa Karingana: histórias que me


contaram em Moçambique de Rogério Barbosa Andrade
tem ilustrações de Maurício Veneza e pertence à Coleção
Árvore Falante. Na capa, há a ilustração de um coelho e
um crocodilo entreolhando-se. Na capa final, há a foto do
autor com algumas crianças e uma foto do ilustrador. Há
uma pequena apresentação de ambos. Na segunda página,
há os dados de catalogação da obra, que é classificada
como infantojuvenil. Há ainda uma ilustração que se
estende até a terceira página e que lembra uma escola,
é onde consta um agradecimento a algumas pessoas. Na
página cinco, há um pequeno relato de como iniciavam as
contações de histórias em Moçambique e de sua alegria
de estar por lá. Iniciavam: “karingana wa karingana”, ou,

43
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
na sua tradução: “história, história” – era o modo como
iniciavam e terminavam as contações.
A primeira história tem seu início na página seis
e recebe o título de “O coelho sem coração”. O autor
apresenta o coelho como um animal que fazia amizade
com muitos outros bichos. Ele costumava conversar com
um crocodilo. Dizem que por vários dias os pássaros da
floresta viram o coelho navegando nas costas do crocodilo
e acreditavam que aquilo não ia terminar bem. O
crocodilo queria comer o coelho e o coelho passear no rio.
O crocodilo paciente e o coelho atento em cada passeio.
Até que, num belo dia o coelho enganou o crocodilo.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Dizem que o crocodilo fica até hoje parado nas margens
dos rios à espera do coelho!
A segunda história, intitulada “O coelho e o
galo”, começa na página 16 e fala de um coelho muito
observador. Ele admirava a brincadeira dos meninos no
rio, o modo como as mulheres carregavam seus bebês e

123
como socavam o milho. O coelho, porém, não entendia
como o galo conseguia, ao dormir, ficar sem pé ou sem
cabeça e permanecer vivo. O coelho queria saber o segredo
do galo e acabou ele mesmo ficando sem a cabeça.
No livro, as histórias são iniciadas e terminadas como
o costume do povo de Moçambique. Com páginas bem
coloridas e ilustrações que remetem a dados da cultura do
povo moçambicano, no livro, há falas e comentários escritos
na língua africana e, logo na sequência, aparece a tradução
delas, aproximando o leitor de outra língua que existe,
mesmo num país de língua portuguesa como o nosso.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Karingana wa Karingana:
histórias que me contaram em Moçambique. Ilustrações de
Maurício Veneza. São Paulo: Paulinas, 2012.
A saga do
grande imperador
mandinga do Mali

Vinícius Pereira44

Classificado como literatura juvenil, o título Sundjata:


o príncipe Leão de Rogério Andrade Barbosa trata da saga
do famoso soberano mandinga. O autor se utiliza da voz
do griot Kedian, fabuloso contador de história da África
ocidental, para narrar a vida desse imperador que inspirou
tantas lendas, relatos e poemas épicos.
Sundjata era filho do rei que governava Niani, a
primeira capital mandinga. O príncipe, tendo nascido
muito debilitado e que mal conseguia andar aos três anos
de idade, fora deserdado pelo pai, pois, segundo as leis
mandingas, um herdeiro que possuísse qualquer tipo de

44
Ator e Mestre em Literatura Infantil e Juvenil,
invalidez ou deformação era impossibilitado de assumir
qualquer cargo de chefia. Longe de sua terra, Sundjata
cresce vendo as atrocidades de Sumanguru, rei intocável
do povo susu, que conquistava cruelmente outros reinos,
decapitando seus soberanos e herdeiros. Ao fugirem dos
exércitos de Sumanguru, Sundjata e sua mãe chegaram
ao reino de Mema cujo rei, Mussa Tunkam, acolheu o
garoto como se fosse seu filho e o transformou no grande
guerreiro e imperador que acabou com as atrocidades de
Sumanguru.
O livro, em suas 63 páginas, não é cansativo, pois

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


tem capítulos curtos que dão um ritmo leve à leitura. Além
disso, as ilustrações do premiado Roger Melo, em estilo
de xilogravuras em preto e vermelho, representam cenas
e paisagens ao final de quase todo capítulo. A narrativa é
muito interessante, traz elementos realmente característicos
da cultura mandinga e da cultura oral dos contadores de

125
histórias da África ocidental. Ao final, além de um texto
sobre o autor e o ilustrador, o livro também traz um breve
texto informativo sobre o imperador Sundjata Keita e um
pouco da história da África.

Altamente recomendável – jovens – FNLIJ – 1995


Catálogo da Feira de Bolonha – 2015

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Sundjata: o príncipe Leão.
Ilustrações de Roger Mello. São Paulo: Melhoramentos, 2014.
63 p.
Que sobrinho esperto!
– disse o lobo

Simoni Conceição Rodrigues Claudino45

O livro Lobu Ku Xibinhu: histórias que as crianças me


contaram em Cabo Verde de Rogério Andrade Barbosa
tem ilustrações de Jô Oliveira. A capa está dividida em duas
partes e apresenta, na parte superior, a ilustração de uma
das histórias e, na parte inferior, os dados escritos do livro.
Na orelha das capas inicial e final vêm, respectivamente, a
imagem e a biografia do escritor e do ilustrador. Na segunda
página, há os dados de catalogação da obra, indicada como
literatura infantojuvenil, e na quarta e quinta páginas o
autor apresenta um pouco das histórias coletadas em Cabo
Verde. Ressalta no texto a presença constante de lobos nas
histórias, por mais que eles não existam na região visitada,
e agradece a todos que participaram da experiência nessa
localidade.

45
Meste em Educação – PPGE – UFSC
O livro traz duas histórias. A primeira, “Com a tia
Ganga não se brinca”, diz que o lobo Ti Lobu estava muito
magro e seu sobrinho Xibinhu estava gordinho. Como era
época de seca e Ti Lobu não encontrava comida, ele quis
saber o que o sobrinho andava comendo e onde achava
comida. O sobrinho, pressionado pelo tio, disse estar
comendo na casa da tia Ganga, uma galinha temida por
todos, até pelos lobos. O sobrinho levou o tio até a casa dela
e ensinou-lhe as palavras que abriam e fechavam as portas.
Quando a tia Ganga saiu, o lobo entrou e comeu alguns
ovos. Xibinhu cantou uma canção e a tia Ganga voltou

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


rapidamente para casa. Ela e o lobo ficaram um tempão
pronunciando as palavras para abrir e fechar a porta. Até
que, numa confusão de falas, a porta ficou aberta. Dizem
que o lobo corre até hoje para escapar dessa galinha.
A segunda história é “A aposta”. Nela, Ti Lobu

127
descobre que Xibinhu foi convidado para um casamento e
quer ir junto. Xibinhu diz que só poderia levar o tio se ele
lhe servisse de montaria. Para não perder a comida da festa,
Ti Lobu aceita a proposta e Xibinhu prepara sua montaria
com sela e rédeas, arruma suas botas com esporas e arranja
um chicote. Um lobo montado no outro, é uma cena que
deixa todos espantados. Xibinhu ganha a aposta que era
chegar na festa montado num lobo.
Nas histórias, o autor traz palavras que são do
vocábulo dos cabo-verdianos, explica a composição de
pratos típicos, traz ditados populares e apresenta costumes
da comunidade por onde andou. Desse modo, traz um
pouco da cultura desse povo às crianças brasileiras que,
de modo divertido, leem uma história diferente sobre os
lobos, personagem tão comum nas histórias contadas
pelos mais velhos aos mais novos, tanto lá como aqui.
Catálogo da Feira de Bolonha – 2014

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O Lobo Ku Xibinhu: histórias
que as crianças me contaram em Cabo Verde. Ilustrações de Jô
Oliveira. São Paulo: Cortez, 2013.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
128
Tributo ao
velho Chico

Silvana Gili46

Em 1999, o Projeto Caminho das Águas levou 51


profissionais voluntários de diversas áreas (educação,
biologia, geografia, antropologia, ecologia, entre outras)
para uma viagem de barco ao longo do São Francisco.
Durante a viagem, foram realizadas diversas oficinas –
de contação de histórias à recomposição de mata ciliar,
de literatura à agricultura familiar, entre outras – às
populações ribeirinhas dos estados de Minas Gerais, Bahia,
Pernambuco, Sergipe e Alagoas. Dentre os voluntários que
participaram do projeto estava Rogério Andrade Barbosa
e seu livro O velho, a carranca e o rio (BARBOSA, 2000),
com ilustrações de Ana Raquel e que é resultado das
experiências que o autor teve durante a viagem.

46
Doutoranda em Literatura – PPGLit – UFSC
O livro conta a história de uma velha carranca
encontrada às margens do rio São Francisco por Mestre
Belo, antigo remeiro que sobrevive graças às miniaturas
de carrancas que faz em argila para vender. O encontro
da carranca perturba a paz rotineira de Mestre Belo,
pois da estátua entalhada em madeira rolam lágrimas.
O milagre atrai romeiros de todas as partes, assim como um
oportunista interessado em ganhar dinheiro às custas da
obra. Por trás desse enredo aparentemente simples, o leitor
tem a oportunidade de encontrar-se com a rica cultura dos
povos que habitam as margens do Rio São Francisco.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Rogério Andrade Barbosa promove esse encontro


contando “[...] do tempo em que as barcas iam de Minas
até a Bahia” (BARBOSA, 2000, p. 11), falando sobre o
cavalo do rio e o minhocão e sobre a vida difícil daqueles
que desejam “[...] manter viva a arte popular transmitida
através de gerações” (Idem).
130

Mais do que uma história sobre um velho artesão


ou sobre um antigo artefato cultural, Rogério Andrade
Barbosa oferece a seus leitores a chance de conhecer mais
sobre a vida do povo ribeirinho nessa bela homenagem
que faz ao Velho Chico.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O velho, a carranca e o rio.
Ilustrações de Ana Raquel. São Paulo: Melhoramentos, 2000.
Romãozinho:
o menino arteiro

Maria Laura Pozzobon Spengler47

O livro Romãozinho, de Rogério Andrade Barbosa,


faz parte da coleção Ciranda de São Francisco e conta
a história de Bentinho, menino pequeno que morava ao
pé do Rio São Francisco. Arteiro que só ele, gostava de
organizar brincadeiras do Congo e espiar as meninas
dançando no terreiro, cantando as músicas de seus
antepassados. Seu sonho era ser rei da congada, para
poder usar o manto e a coroa, assim como seu pai. Por
ser tão arteiro, era chamado de Romãozinho, mas ele não
gostava de ser chamado assim.
Em sua comunidade, era hábito os contos de
encantamento e assombrações serem contados ao
anoitecer, e foi assim que ele conheceu a história de
Romãozinho: um menino arruaceiro que nasceu na época

47
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
da escravidão, mentiu para o pai e fugiu de casa com
medo de levar uma surra, e até hoje vive vagando pelo
mundo, aprontando das suas. Não perde um “arrasta-
pé” com cantoria, momento em que levanta as saias das
moças. Mas, além disso, o menino arteiro também ajuda
as pessoas a encontrar objetos perdidos. E somente as
crianças podiam vê-lo.
Assim como Romãozinho, era Bentinho quem levava
almoço ao pai todos dias. O pai era canoeiro passador,
levava as coisas de uma margem à outra do Rio Francisco.
Certo dia, tomado por uma tristeza, o pai conta ao menino
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

que perdeu no rio o dinheiro que havia juntado para a


festa do Congo.
Bentinho descobriu, perguntando à mãe, que
Romãozinho gostava de cachaça48, e foi correndo até a
beira do rio com uma garrafa dessa bebida, que era do
seu pai, para esperar pelo arruaceiro e pedir ajuda para
132

encontrar o saco de moedas perdido pelo pai.


Não tardou a aparecer o tal Romãozinho, que ajudou
o menino, encontrando a sacola de moedas no fundo do
rio em troca da garrafa de cachaça, desaparecendo logo em
seguida.
E, assim, aconteceu a congada, cheia de cores e
brilho, para alegria de Bentinho, o príncipe filho do rei, e
toda a comunidade.
Rogério Andrade Barbosa percorreu o Vale do Rio
São Francisco para recolher histórias contadas pelas
crianças da tradição popular. O texto, que surgiu da recolha
das histórias da tradição popular, está intercalado por
ilustrações da artista plástica Ana Raquel, que trabalhou
com desenhos em cima de fotografias e outros realizados
pelas crianças que participaram do projeto.
48
O texto não faz apologia ao uso de cachaça por crianças, apenas traz os
termos recolhidos na oralidade para o conto popular.
Catalogado como literatura infantojuvenil, ao final
das 32 páginas do livro, o leitor encontra um paratexto
importante da narrativa, autor e ilustradora contam como
aconteceu o projeto Ciranda do São Francisco, no qual
nasceu a história de Romãozinho.

Acervo básico FNLIJ – 2002

Referência

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


BARBOSA, Rogério Andrade. Romãozinho. Ilustrações de Ana
Raquel. São Paulo: Editora FTD, 2002.

133
Promessa para
caboclo-d’água
é dívida!

Arlete de Costa Pereira49

O livro O menino e o caboclo-d’água (BARBOSA, 2002)


é um dos quatro que compõem a Coleção Ciranda de São
Francisco cujas histórias foram contadas por crianças
ribeirinhas, e são recheadas de suspense, mistérios e
monstros assustadores que vivem no Rio São Francisco.
Nesse livro, o autor reconta a história de Josino, um
menino filho de pescador, corajoso e muito curioso, que
resolve desvendar o mistério do caboclo-d’água (também
conhecido como senhor das profundezas), um menino,
negro e careca, de mãos peludas e muito forte, que,
quando fica zangado, assusta os pescadores derrubando-
os das canoas, caso não receba ofertas como fumo e pinga.

49
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
Josino planejou capturá-lo e, para isso, saiu com a canoa
do pai levando consigo uma rede, um arpão, uma garrafa
de pinga e um rolo de fumo. Jogou as oferendas na água
e ficou com a rede e a arma nas mãos aguardando que
o mostro aparecesse, mas foi surpreendido pelo senhor
das profundezas e puxado para dentro do rio. Josino só foi
solto depois de prometer trazer semanalmente um rolo de
fumo e uma garrafa de pinga da boa. Mas o menino não
cumpriu a promessa e a vingança do caboclo-d’água atingiu
toda a comunidade, derrubando barreiras, virando canoas,
furando redes e ainda interferindo na pesca. Apavorado,

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Josino pediu ajuda a vó, rezadeira afamada, que o ensinou
a fazer as pazes com o senhor das profundezas, oferecendo
presentes e cumprindo suas promessas.
O menino cresceu, tornou-se violeiro e canta
nas feiras das cidades ribeirinhas. Em seus versos estão
presentes a devoção a São Gonçalo e à lição aprendida: de

135
sempre cumprir suas promessas, principalmente se forem
para o caboclo-d’água.

Acervo básico FNLIJ – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O menino e o caboclo-d’água.
Ilustrações de Ana Raquel. São Paulo: FTD, 2002.
O pescador
e o seu amor

Thamirys Frigo Furtado50

O livro A sereia dos cabelos de ouro, de Rogério


Andrade Barbosa, foi publicado em 2002 e criado a
partir das histórias contadas pelas crianças de Pirapora,
São Romão, São Francisco, Januária, Barra e Bom Jesus
da Lapa, participantes de um projeto denominado “O
caminho das águas”, que aconteceu em julho de 2000.
O livro está catalogado como literatura infantojuvenil e
conta com ilustrações de Ana Raquel e também das crianças,
misturando-se com fotos reais e criando montagens.
Dizem por aí que uma sereia com cabelos de ouro
aparece lá pras bandas do rio São Francisco. “Segundo os
mais antigos, a sereia surge quando o rio adormece, numa
hora que ninguém sabe precisar, durante apenas alguns
minutos” (BARBOSA, 2002, p. 7). Essa é a história que

50
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
contam as avós das avós das avós, a história de uma sereia
que tinha cabelo de ouro, tão bonita que enfeitiçou um
jovem pescador. Seu cabelo deixaria qualquer um rico e,
certo dia, o pescador avistou a sereia e conseguiu retirar
do seu pente de esmeraldas alguns fios de cabelo, que
o deixariam rico. Acontece que Marinho, o pescador,
apaixonou-se por Serena, a linda sereia, e ia visitá-la todas
as noites. Com o tempo, Marinho percebeu que ter toda
a riqueza e não ter seu amor por perto não o deixava
contente, então, decidiu que faria de tudo para transformar
o fantástico ser metade mulher, metade peixe numa moça

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


igual às outras. Para isso, precisou gastar toda a sua riqueza
com médicos, remédios milagrosos, curandeiro, rezadeira,
entre outros. E, assim, vamos conhecendo a história de
um pescador apaixonado pela sereia dos cabelos de ouro,
que alguns juram que é verdade.
A leitura nos faz lembrar das histórias contadas

137
pelos nossos avós, aquelas que ninguém sabe se realmente
aconteceram ou não. É uma leitura gostosa de uma obra
feita com e para as crianças.

Acervo básico FNLIJ – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A sereia dos cabelos de ouro.
Ilustrações de Ana Raquel. São Paulo: FDT, 2002.
Uma bordadeira
e muitas histórias
interessantes
para contar!

Cíntia Rodrigues de Andrade Assunção51

O livro A Bordadeira de Histórias (BARBOSA, 2002),


com ilustrações de Ana Raquel, conta a história de uma
menina chamada Rosinha que, durante um trabalho de
escola, encontrou mais uma oportunidade para descobrir
novas histórias de sua vó, Dona Antonina, conhecida como
uma biblioteca ambulante e bordadeira de mão cheia, pois
suas histórias viravam bordados lindos e encantadores.
Dona Antonina conhecia muitas histórias, mas
aquelas que se referiam a lendas e mitos eram as suas

51
Graduada em Pedagogia – UFSC
preferidas; as de origem africana e indígena, então, nem se
fala! Quem aproveitava era a sua netinha sortuda, Rosinha.
O livro traz ilustrações lindas que fazem o leitor
imaginar como eram os bordados.
A história escolhida para o trabalho de escola da
Rosinha foi a lenda da serpente emplumada, que resultou
em um bordado lindo que fez o maior sucesso na escola
da menina.
Logo após a narrativa, o livro tem algumas
informações sobre como desenvolveu-se a construção
dessa e de outras histórias que constituem a Coleção Ciranda

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


do São Francisco. Evidenciando Minas Gerais e o vale do
São Francisco como cenário para o acontecimento de “O
caminho das Águas”, que, por sua vez, possibilitou essas
trocas de experiências. Destaca-se também a participação
das crianças, o que enriqueceu ainda mais a confecção das
histórias. Por fim, constam algumas informações sobre o

139
autor Rogério Andrade Barbosa e a ilustradora Ana Raquel.

Acervo básico FNLIJ – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A bordadeira de histórias.
Ilustrações de Ana Raquel. São Paulo: FTD, 2002.
Bem-vindo
a Ruanda

Marinaldo de Silva e Silva52

Escrito de forma ágil, como um thiller adolescente


em que não dá tempo ao leitor de respirar, característica
usada pelo autor Rogério Andrade Barbosa em Na terra
dos gorilas (BARBOSA, 2009), o livro nos brinda com uma
história que envolve todos os elementos que possam
seduzir o leitor jovem: aventura, determinação e romance!
A história já começa empolgante! Narrado em
primeira pessoa, Helena, a protagonista, fala com
entusiasmo de como conseguiu seu passaporte para a
maior aventura de sua vida: viajar para a África selvagem!
E tudo começa por meio de um tema que assombra a
maioria dos jovens estudantes: uma redação! É que Helena
resolve participar, depois de assistir ao filme A Montanha
dos Gorilas (cujo título original, no Brasil, lançado aqui no

52
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
ano de 1989, é Nas Montanhas dos Gorilas), de um concurso
de redação no qual, em 30 linhas, deveria escrever suas
impressões sobre o que viu. A motivação para ela escrever?
Um prêmio em livros, uma viagem para a sede das
Organizações das Nações Unidas (ONU) e uma passagem
por Ruanda, para conhecer as famosas montanhas onde
vivem os gorilas da história, além daquilo que seria o
diferencial para o ganhador: só seriam escolhidas cinco
redações vencedoras! Uma para cada região do mundo!
E nossa heroína foi para o exterior representando a
América do Sul.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


A partir daqui, a narrativa traz as primeiras vezes:
a primeira vez longe dos pais, a primeira viagem para o
exterior, as primeiras decisões, o primeiro beijo... Mas é
depois da chegada ao continente Africano, em Ruanda,
que a história pega fogo! Helena vai descobrir que nem
tudo é tão cinematográfico assim, e vai interagir com os

141
costumes tradicionais de um povo que vive de forma
totalmente diferente das comunidades brasileiras, além de
gorilas e caçadores!
Ao fim da história, o leitor terá aprendido, e
apreendido, um pouco mais sobre a África, sobre o medo,
sobre os perigos do desconhecido e sobre o triunfo do
bem sobre o mal. Ah, e ainda por cima vai caminhar, junto
com Helena, pelas ruas de Genebra. Bom passeio ao leitor
que com ela fizer essa viagem.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Na terra dos Gorilas.
Ilustrações de Roberto Caldas. 3. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 2009.
Um conto um
tanto estranho

Aline Effting53

O livro Contos de Itaparica (BARBOSA, 2010) é


ilustrado por Hannah Morris e contém dois contos, “O
Guerê” e “Ana e o cego”, ambos narrados em terceira
pessoa. No primeiro conto, o faminto Guerê, que é metade
porco e metade cavalo, entra na casa de uma mulher e tudo
o que vê pela frente ele quer comer. Nem as artimanhas da
mulher pararam o monstrengo, que destruiu a sua casa
e, depois, comeu seus filhos e ela. O marido, ao chegar
à casa, logo se deparou com a bagunça e a ausência de
sua família. Em seguida, foi à procura da sua mulher e de
seus dois filhos. Ele perguntava para todos os animais que
ele encontrava na rua se foram eles que haviam comido a
sua família. Até que ele finalmente encontrou Guerê que,

53
Graduada em Pedagogia – UFSC
de tão pesado que estava, não conseguiu correr e acabou
abrindo o seu bocão devolvendo a mulher.
Já no conto “Ana e o cego”, a personagem principal,
Ana, é uma tímida lavadeira. Ao lavar as roupas, a jovem
contava com a ajuda de uma vaca, que engolia as roupas
e vomitava-as depois, uma por uma, bem limpinhas. As
demais lavadeiras não conseguiam entender como Ana
conseguia deixar as roupas tão limpas. Porém, certo dia, a
vaca não apareceu e as roupas não ficaram mais daquele
jeito. A patroa de Ana logo reclamou e, muito zangada,
expulsou Ana de sua casa, falando para um jovem
que cantava muito bonito que levasse a moça consigo.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


O jovem, que quase não enxergava, declarou-se para Ana
e convidou-a para que ela seguisse o caminho junto a
ele. Ana aceitou o convite e os dois se beijaram. Por fim,
seguiram pela estrada cantando numa felicidade só.
Nos dois contos, as narrativas apresentam diálogos e
passam-se em três espaços distintos. No conto “O Guerê”,

143
a narrativa perpassa a casa da mulher, a roça de mandioca e
a colina de um cemitério. Os personagens que compõem o
conto são: a mulher, o marido, as duas crianças e o Guerê.
Já no conto “Ana e o cego”, os espaços percorridos são
a beira do rio, a casa da patroa e o caminho onde a Ana
seguiu com o outro jovem. Os personagens que compõem
esse conto são: Ana, a patroa, a vaca e o jovem de canto
bonito. De forma geral, os dois contos trazem cantigas e
mistérios acerca dos animais.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2011

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos de Itaparica. Ilustrações
de Hannah Morris. São Paulo: Comboio de Corda, 2010.
Dingono: um pigmeu
que sabe quem é

Rosilene Koscianski da Silveira54

Dingono, o pigmeu (BARBOSA, 1994), ilustrado por


Roberto Luiz Caldas, conta a história e os costumes de
um povo africano que vive nas profundezas da floresta de
Ituri, o pigmeu. Esse livro, com capa colorida e ilustrações
internas em preto e branco, traz na primeira dobra (orelha)
fragmentos da narrativa em destaque e, na segunda,
informações biográficas do autor sobre sua aproximação
com os povos africanos e seu interesse em pesquisar
as culturas. A narrativa está dividida em 11 pequenos
capítulos e apresenta em cada um deles um aspecto da vida
cotidiana dos pigmeus pelo olhar adolescente de Dingono
que, numa atitude meditativa, vai revelando os segredos,
os hábitos e os mitos de pequenos grandes humanos que

54
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
vivem em comunhão com a natureza, conversam com as
árvores e entendem a linguagem dos animais.
As reflexões de Dingono começam no momento em
que seu estado febril impede-o de acompanhar o grupo
em busca da subsistência. Homens, mulheres e crianças se
embrenham na mata em busca de alimentos todos os dias.
O jovem pigmeu espera o grupo afastar-se e posiciona-se
no centro do acampamento, na “[...] arena mágica, onde
todo pigmeu pode falar em nome do grupo” (BARBOSA,
1994, p. 9), e, com atitude de reverência à floresta, como
quem fala com os próprios pais, ele canta com voz doce e

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


suave anunciando quem é e a que povo pertence. “Somos
pequeninos, mas não existem caçadores e rastreadores mais
habilidosos que os nossos. Conhecemos como a palma
da mão a floresta escura e chuvosa” (Ibidem, p. 12). Para
além, “Somos nômades, temos muito medo e respeito pelo
fogo, é ele quem nos protege, aquece, ilumina e alimenta.

145
É ao redor da fogueira que ouvimos histórias, dançamos e
cantamos” (Ibidem, p. 16).
Desse modo, o jovem pigmeu vai narrando os
aprendizados repassados de geração em geração, falando
sobre a cerimônia do Elima para as meninas que chegam
à idade do casamento e dos papeis desempenhados pelas
mulheres que precisam trabalhar muito, pois a elas cabe,
entre outras tarefas, cozinhar, colher raízes comestíveis,
construir cabanas, e levar toda a mudança nas costas
cada vez que o grupo põe-se em marcha. Aos homens é
reservada a caça. Carregam apenas as armas. Eles precisam
estar com as mãos livres para defender a família. As
crianças acompanham os adultos. Elas brincam livremente
na aldeia e praticamente nada lhes é proibido, mesmo as
menorzinhas podem mexer em lanças ou facas afiadas,
sem sofrer advertência ou castigo.
No décimo capítulo, Dingono evoca o mito da criação
para construir um orgulho acerca da própria identidade.
Dos tantos bonecos de barros criados, o pigmeu provém
do menor que, por sua vez, será “[...] o mais hábil e ágil
dos seres humanos. Conhecerá e dominará os segredos da
floresta. As enormes árvores o ocultarão e lhes servirão
de abrigo [...]. Será eternamente pequeno, mas viverá em
liberdade, como guardião e mestre da mata” (BARBOSA,
1994, p. 53).
Assim, Dingono, o pigmeu é uma história africana que
mistura ficção e realidade, mostrando alguns elementos da
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

cultura de um povo com história milenar, mas ameaçado


de extinção. A narrativa é marcada pela preocupação
com a vida no planeta, colocada em risco pela alarmante
devastação das florestas em nome do progresso. Fato que
não afeta apenas o povo pigmeu. A leitura é indicada
para pessoas de todas as idades, que vivem nas diferentes
146

realidades, mas que têm algo em comum: habitam o


mesmo planeta e ou com ele se comprometem ajudando a
preservar a vida imanente, ou com ele sucumbem em sua
progressiva destruição.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Dingono, o pigmeu. Ilustrações
de São Paulo: Melhoramentos, 1994.
Kalahari: a morte
em iminência

Rosilene Koscianski da Silveira55

A morte ronda o Kalahari (BARBOSA, 1992) é uma


história africana contada por Rogério Andrade Barbosa
num pequeno-grande livro de capa colorida e ilustrações
em preto e branco feitas pelo próprio autor. A narrativa
descrita em 68 páginas é complementada por dois mapas,
um situando Botsuana, país para onde viaja Duda e seu pai,
e outro localizando o Deserto de Kalahari. São paratextos
que ajudam a imprimir nuance de veracidade à aventura
dos protagonistas.
Duda é um rapazinho de 15 anos cujos pais estão
separados. Ele vive com a mãe e a tia. O pai, incumbido de
fazer um documentário para uma rede de televisão sobre
as pinturas rupestres do Deserto de Kalahari, vê nessa

55
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
viagem a oportunidade de conviver mais com o filho e
ensiná-lo a manejar as câmeras de vídeo.
Narrada sem pressa, seus subtítulos anunciam que A
morte ronda o Kalahari é uma aventura de tirar o fôlego. Os
protagonistas estão em risco eminente e o conflito inter-
racial é a trama que anima essa história desde o primeiro
conflito instaurado em “Encrenca a bordo”, ainda no
voo de ida, até o momento em que fica muito evidente
a segregação racial em “Areia movediça”, quando Duda e
o pai resolvem poupar a vida do loirinho inimigo. Com o
homem branco, a versão sobre a história de colonização
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

e modernização da África do Sul não deixa dúvida, é


mérito dos seus antepassados, os afrikaners, pois, se eles
não tivessem aparecido, “[...] esse país seria um dos mais
atrasados do mundo” (Ibidem, p. 11). Além disso, África
do Sul e Botsuana é tudo a mesma coisa. “Fomos nós que
demos aquelas terras para os negros morarem” (Ibidem, p.
148

11). Essa versão é contestada pelo pai de Duda não apenas


filosoficamente. Na prática, ele vai exaurir seu interlocutor
na esperança de que algum dia esse discurso oficial e
injusto possa chegar ao fim. Vai ainda ajudar a desbaratar
uma quadrilha de terroristas que pretende atentar contra a
vida de Nelson Mandela, grande líder do povo negro.
Duda conheceu John Paul Jones, um nativo que tem
por missão guiar ele e seu pai pelo deserto até as “pinturas
fantásticas”. O anfitrião não vai apenas mostrar as belíssimas
e expressivas obras, mas falar de como seus ancestrais
as executaram “[...] com tanta habilidade que as figuras
vermelhas, pretas e amarelas pareciam ter vida” (Ibidem,
p. 22). Os animais, representados com traços de grande
perfeição, revelam a mitologia do seu povo que acredita
que os homens foram antílopes numa vida anterior. Com
John Paul, Duda vai conhecer outros elementos da cultura
local, saber como vive o bosquímano, ver seu pai ser salvo
por um gixa, homem mágico que conhece os segredos
para “[...] sugar o mal do corpo dos doentes” (BARBOSA,
1992, p. 39) e descobrir que nos presságios do que está por
acontecer pode existir uma estreita relação entre a morte,
as estrelas e o vento.
A morte ronda o Kalahari conta mais do que uma
história pelo posicionamento a contrapelo. O título
faz referência aos riscos que as personagens correm, ao
atentado a Mandela, mas também poderia ser pensado
como uma metáfora que lamenta a realidade de um país
e de um povo que sofre com a extinção gradativa de sua

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


população. A tessitura narrativa mistura realidade e ficção,
tomando o chão pisado pelos pés do autor como alicerce
para um reconto cuidadoso e propositivo de alguns
elementos da cultura africana. Essa é uma história para ser
lida e compartilhada por pessoas de todas as idades.

149
Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A morte ronda o Kalahari.
3. ed. São Paulo: Moderna, 1992.
O deserto
de Kalahari

Elika da Silva56

Não existe coisa mais bonita no


mundo do que um amigo chamado por outro.
(Provérbio do povo bosquímano)

O provérbio do povo bosquímano (caçadores


nômades do Deserto do Kalahari) convida o leitor a
encantar-se com a obra Kalahari: uma aventura no deserto
africano (BARBOSA, 2009). Uma história com muita ação e
aventura que, além de abordar questões como a pluralidade
cultural, conta a história do líder Nelson Mandela e da
segregação racial no Sul da África. O livro, catalogado

56
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
como infantojuvenil, conta com ilustrações de Lais Dias,
algumas em preto e branco, mas muito significativas. Está
dividido em 44 partes que se complementam no decorrer
da história.
No início, encontra-se uma nota do autor, na
qual ele explica que o texto foi publicado pela primeira
vez em 1992, sob o título A morte ronda Kalahari. O livro
foi reescrito após o seu retorno, em 2005, da Cidade do
Cabo na África do Sul. De acordo com Rogério Andrade
Barbosa, durante a viagem, ele pôde observar “[...] aspectos
da complexa sociedade sul-africana e as transformações

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


políticas e sociais ocorridas no país desde a abolição das
leis do apartheid” (BARBOSA, 2009). Portanto, essa é
uma “[...] versão revista e ampliada, outros personagens
se integram à trama, possibilitando desdobramentos
da história em novos capítulos” (BARBOSA, 2009). Em
seguida, há destaque para um mapa da África do Sul

151
situando geograficamente o Deserto de Kalahari.
A história é narrada pelo Eduardo (Dudu), um
jovem de 15 anos que está de férias e é convidado pelo seu
pai, um documentarista internacional, para uma viagem a
Botsuana, na África. Logo no início da história, em uma
conversa entre o pai de Dudu, sua mãe e a tia dele, o leitor
é levado a conhecer um pouco sobre a história da questão
racial na África do Sul. Durante a viagem, o pai de Dudu
vai contando detalhes sobre os povos bosquímanos e a
história da segregação racial na África do Sul.
Ainda durante a viagem, Dudu conhece a jovem
australiana Karin, com quem o pai organizava safaris
ecológicos no deserto de Kalahari. Os dois se apaixonam,
seguem caminhos diferentes, mas se encontram no
decorrer da história.
Outro personagem interessante é o John Paul Jones,
um bosquímano que será o guia dos dois aventureiros,
mas que acaba virando amigo e dando uma ajuda muito
importante para salvá-los dos perigos do deserto.
Enfim, pai e filho chegam ao deserto de Kalahari
e, em meio a perseguições armadas, animais selvagens e
o romance de Dudu e Karin, o leitor pode conhecer um
pouco sobre a cultura do país, assim como os hábitos no
deserto do Kalahari. O leitor também pode perceber como
a segregação racial do Sul da África ainda atormenta os
africanos. A leitura é cheia de emoções e provoca-nos
uma reflexão sobre a dura realidade em que ainda vivem
alguns povos africanos. A obra é uma excelente sugestão
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

de leitura tanto para o público juvenil como para qualquer


um que tenha interesse em uma leitura prazerosa e cheia
de história.

Referência
152

BARBOSA, Rogério Andrade. Kalahari – uma aventura


no deserto africano. Ilustrações de Lais Dias. São Paulo:
Melhoramentos, 2009. Não paginado.
Um retrato
do folclore

Viviane de Carvalho57

Em Viva o boi-bumbá, o autor Rogério Andrade Barbosa


cria uma história que nos permite revisitar as origens da
própria tradição do boi-bumbá e apreciar alguns aspectos
do folclore brasileiro. A narrativa é direcionada à literatura
infanto-juvenil e conta com a participação da ilustradora
Graça Lima, que materializou a obra de forma criativa,
com ilustrações que valorizam o colorido e a alegria da
festa de Parantins. Pela editora Agir, a obra foi publicada
em 1999 e encanta os olhos e a imaginação do leitor.
Um casal e seu filho voltam para casa após três
dias de festança em Parantins. Rio Amazonas acima,
navegando de canoa, recordam os momentos passados
na festa, um espetáculo de som, luzes e cores. O menino,
personagem principal da narrativa, pede à sua mãe para

57
Graduada em Pedagogia e Letras (Espanhol)
contar a história do boi-bumbá e ela destaca a “morte do
boi”, parte da encenação mais empolgante da festa. Nesse
momento, o leitor encontra uma narrativa dentro de outra,
em que são apresentados os elementos que fazem parte
dessa expressão popular.
Na narrativa da lenda ao garoto, a mãe conta a
história da senhora grávida e seu desejo de comer língua
de boi e de como convenceu o seu marido, mesmo
contrariado, a fazer sua vontade, a de cortar a língua de um
boi para sua refeição. Comenta também sobre a punição
do patrão ao marido por ter cortado a língua e o boi ter
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

morrido e destaca a ressurreição do boi, por meio da figura


mítica do pajé, que salva o casal e o boi num resgate de
tradição indígena. Após a mãe contar toda a sua versão da
história do boi-bumbá e os motivos de se fazer uma festa
todo ano para comemorar a ressurreição do boi, o menino,
154

embalado pelas ondas do Rio Amazonas, dorme um sono


profundo enquanto retornam de canoa a caminho de casa.
Viva o boi-bumbá é uma oportunidade para as crianças/
leitoras aprenderem um pouco mais sobre a origem desse
folguedo tão popular de norte a sul do país. A obra resgata
a tradição oral da lenda por meio de um texto cheio de
magia e encantamento, mostrando que a reencenação da
morte do boi nada mais é do que a confirmação da vida.

Altamente recomendável – crianças – FNLIJ – 1996


Catálogo da Feira de Bolonha – 1997

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Viva o boi-bumbá. Ilustrações
de Graça Lima. Rio de Janeiro: Agir, 1999.
Danite e o leão: um
conto das montanhas
da Etiópia

Caroline Carvalho58

O livro Danite e o Leão: um conto das montanhas da Etiópia,


escrito por Rogério Andrade Barbosa e ilustrado por Ciça
Fittipaldi, traz um conto tradicional Etíope recolhido pelo
autor por meio de seu encontro com alunos da Escola
Pública 8 de Março, de Adis Abeba, na Etiópia.
O conto narra a história de “Danite, moça de um
vilarejo das montanhas da Etiópia” (BARBOSA, 2016,
p. 7), que se casou com um mercador das terras baixas,
viúvo, e que tinha um filho de oito anos. Danite sempre
desejou ser mãe, por isso ocupava-se de cuidar com
zelo do filho de seu esposo. O menino, por outro lado,
demonstrava que não desejava ser cativado pela madrasta.

58
Mestre em Educação – Univali
Entristecida pela indiferença do enteado, Danite
resolveu solicitar ajuda a um monge que vivia em uma
cidade sagrada da Etiópia. Na presença do monge, ela
pediu-lhe que fizesse uma poção mágica para resolver o
seu problema. O monge disse que faria, mas, para tal, ela
precisaria trazer-lhe “[...] três fios do bigode de um leão
que vem atacando os rebanhos das ovelhas” (BARBOSA,
2016, p. 18).
Mesmo sem acreditar que seria possível, Danite,
logo no dia seguinte, preparou pedaços de carne e ossos
de carneiro e levou até o leão, que aceitou o alimento que
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

passou a ser entregue cotidianamente e, por conta da


relação de proximidade que se estabeleceu, ela conseguiu
aproximar-se e cortar os três fios de seu bigode. Ainda
sem acreditar que havia conseguido, ela foi até a presença
do monge e relatou-lhe como havia feito. O monge lhe
mostrou, então, que, assim como ela conquistara a
156

confiança do leão, dia após dia, o mesmo ela deveria fazer


com o seu enteado, até que ele lhe confiasse o seu amor.
Trazendo informações sobre a cultura Etíope, o livro
prima por situar o leitor nos locais tradicionais, repleto de
informações que nos fazem compreender um pouco dos
costumes locais. É possível, portanto, que imaginemos as
paisagens e os locais onde Danite vive, seus costumes, o
que podem ou não as mulheres, o local onde vivem os
monges e as paisagens da savana.
Muitos elementos naturais da Etiópia são
apresentados e a narrativa segue a escrita de um conto
tradicional, repleto de descrições, construindo um enredo
que nos leva a adentrar o universo dos seus personagens.
As ilustrações de Ciça Fittipaldi são um convite
para conhecer um pouco da cultura Etíope; as cores
e, sobretudo, os traços, são bastante característicos do
país. Mesclando-se aos tons terrosos naturais do local,
incorporam-se as cores quentes e vivas das vestimentas de
Danite e as feições do leão. A cada imagem, a ilustração
de cores vivas apresenta elementos em branco, vivamente
pintados, o que confere movimento e vida à narrativa.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Danite e o leão: um conto das
montanhas da Etiópia. Ilustrações de Ciça Fittipaldi. São Paulo:
Editora do Brasil, 2016.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

157
Cada grão de poeira
é importante em
um chão sagrado

Maria Laura Pozzobon Spengler59

Nem um grão de poeira é o livro em que o autor


Rogério Andrade Barbosa reconta uma história recolhida
na Etiópia. A narrativa, contada em 20 das 28 páginas, traz
uma pequena introdução, que apresenta ao leitor, de forma
breve, importantes características sobre o país que origina
o conto, como sua resistência à dominação de povos e
exércitos e a convivência entre religiões, mostrando que
o país tem “[...] uma das maiores diversidades étnicas e
culturais da África” (BARBOSA, 2011, p. 5).
A narrativa versa sobre a viagem de navegadores
europeus que desejavam conhecer o interior de Abissínia
e que, guiados por um intérprete designado por Negus,

59
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
o imperador, puderam conhecer todos os lugares e
registrar, em escrita e desenhos, os mais belos lugares
e as características daquele país. O guia, então, ao
retornar, narrou ao imperador todos os menores detalhes
conhecidos pelos exploradores. Ao despedirem-se da terra
que tanto os encantara, ficaram surpresos com a única
exigência feita pelo imperador: que limpassem bem seus
sapatos para que não levassem embora nem um grão de
poeira da terra que era sagrada para os moradores do país.
A história também é contada pelas ilustrações de
Rubem Filho, que ocupam o espaço completo de cada

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


conjunto de páginas duplas, com traços realistas e de
cores vibrantes. As informações biográficas do autor e do
ilustrador são apresentadas nas últimas páginas do livro.

Referência

159
BARBOSA, Rogério Andrade. Nem um grão de poeira:
reconto da Etiópia. Ilustrações de Rubem Filho. Rio de Janeiro:
ZIT, 2011.
Soyas de sun tataluga:
histórias que me
contaram em São
Tomé e Príncipe

Kainara Ferreira61

A obra Soyas de Sun Tataluga: histórias que me contaram


em São Tomé e Príncipe é mais um livro de Rogério Andrade
Barbosa que registra em seu corpo as narrativas orais que
o autor conheceu ao longo de sua viagem as ilhas de São
Tomé e Príncipe, no continente africano.
Antes de iniciar as soyas de Sun Tataluga, o livro
apresenta elementos paratextuais que convidam o leitor à
imersão nas ilhas santomense. É assim que interpretamos
a capa do livro, que apresenta um título simples e nominal

61
Graduada em Pedagogia – UFSC
com ilustrações de Taísa Borges, que trazem um traçado
étnico e carregado de cores tropicais. Ao abrirmos o livro,
deparamo-nos com uma guarda completamente vermelha,
que nos afugenta pela sua força e impeli-nos a conhecer as
páginas seguintes.
O primeiro texto do livro é um ditado na língua
santomense “Son tê uê, matu tê oliá” (o chão tem olhos,
o mato tem orelhas) (BARBOSA, 2015). Esse pequeno
trecho, acompanhado de uma ilustração na primeira
página, anuncia ao leitor a sabedoria de uma cultura
popular a ser descoberta na sequência da leitura. O livro

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


segue com uma breve conversa do autor, na qual ele nos
contextualiza sobre como essas histórias chegaram-lhe
aos ouvidos e finaliza com os devidos agradecimentos.
Na página seguinte, deparamo-nos com mais uma
figura ilustrada que acompanha o sumário do livro,
dividido em três histórias: “Quem não tem pena fica no

161
chão”; “Quem tudo quer tudo perde”; e “Adivinhador
de sonhos”. Vale ressaltar que todas as ilustrações que
acompanham os paratextos anunciam uma estética a ser
descoberta ao longo do livro.
Logo, acompanhamos na primeira narrativa do livro,
“Quem não tem pena fica no chão”, as aventuras de Sun
Tataluga para participar de uma festa que só os animais
de pena poderiam ir. A tartaruga, muito esperta, trama
ao longo dessa história parcerias para chegar ao local
pretendido. Sendo bem-sucedida no seu plano, a tartaruga
só não poderia prever que, no caminho de volta para casa,
ela cairia do céu partindo-se em pedaços no chão.
Essa é apenas uma das três histórias que Sun
Tataluga protagoniza no livro. As narrativas que Rogério
traz configuram-se em uma mescla entre lenda e fábula,
em que o texto conta-nos não só a origem das rachaduras
de Sun Tataluga, como também, de modo geral, expõe as
tramoias e estratégias que esse personagem planeja.
Mas o destaque principal do livro não está somente
nas grandes e espertas aventuras desse inusitado
protagonista das ilhas de São Tomé e Príncipe. Além das
histórias narradas, o livro ilustra novos cenários, incorpora
no seu texto palavras da língua santomense e inclui uma
ficha interpretativa para que o leitor possa responder
perguntas acerca das aventuras do livro.
Por fim, conseguimos sentir em Soyas de Sun
Tataluga: histórias que me contaram em São Tomé e Príncipe que
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

a harmonia entre o trabalho do autor e da ilustradora une


elementos como as narrativas, cores e paisagens para levar-
nos a percorrer junto ao livro essa viagem a um continente
tão longínquo, mas com laços tão estreitos com a nossa
identidade e a cultura brasileira.
162

Catálogo da Feira de Bolonha – 2016

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Soyas de Sun Tataluga:
histórias que me contaram em São Tomé e Príncipe. Ilustrações
de Taísa Borges. São Paulo: FTD, 2015.
A tradição
das palavras

Tatiana Valentin Mina Bernardes62

O livro Memória das palavras foi lançado em 2006 e


faz parte do Projeto Educativo A Cor da Cultura, compondo
uma coleção de seis livros denominada pelo projeto como
“Kit a cor da cultura” (modos de ver, modos de sentir,
modos de interagir, modos de fazer, modos de brincar e
memória das palavras).
O projeto conta com o apoio e a parceria da Fundação
Roberto Marinho e TV Futura, foi criado em 2004, e tem
o objetivo de desenvolver produtos audiovisuais, ações
e atividades que busquem afirmar, positivar e valorizar a
história e a cultura africanas e afro-brasileiras.
Rogério de Andrade Barbosa assina o texto final do
livro Memória das palavras. O livro é organizado por verbetes
em ordem alfabética, e as letras do alfabeto são integradas

62
Mestranda do PPGE – UFSC
a palavras de matrizes africanas usadas no cotidiano do
povo brasileiro, sendo apresentados os seus significados
como em um dicionário.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Memória das palavras.
Coordenação do Projeto: Ana Paula Brandão. Rio de Janeiro:
Fundação Roberto Marinho, 2006. (Projeto Educativo A cor da
cultura). Não paginado.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
164
Irmãos Zulus

Aline Effting63

O livro Irmãos Zulus, de Rogério Andrade Barbosa,


é ilustrado por Ciça Fittipaldi. Narrado em terceira
pessoa, conta a história de três irmãos. Os dois mais
velhos, Punga e Indula, decidem sair de casa em busca de
fortuna. Mandela, o irmão mais novo, preocupado, pediu
permissão a seu pai para procurá-los. Ao encontrar Punga
e Indula, Malandela propôs que os três viajassem juntos.
Eles passaram por diversas situações, nas quais os dois
irmãos mais velhos pretendiam maltratar alguns animais
com os quais cruzaram no caminho, porém, Mandela
seguia impedindo-os de praticar essa maldade.
Foi durante esse percurso que os três encontraram
um reino muito estranho, onde todos os habitantes estavam
transformados em pedra. Havia apenas um sobrevivente
que contou a eles o ocorrido e revelou que tudo voltaria ao
normal assim que três tarefas fossem cumpridas. Porém,

63
Graduada em Pedagogia – UFSC
aqueles que não cumprissem seriam transformados em
pedra. O primeiro a tentar foi Punga, o irmão mais velho,
mas ele não conseguiu concluir a primeira tarefa e foi logo
transformado em pedra. Em seguida, foi a vez de Indula,
que teve o mesmo destino de Punga. Até que chegou a
vez de Mandela, que cumpriu as três tarefas com a ajuda
dos animais que ele salvou de seus irmãos. Com isso, tudo
voltou ao normal naquele reino e, como prêmio, Mandela
recebeu a mão da filha do rei em casamento, tornando-se,
assim, o herdeiro do reino. Punga e Indula aprenderam a
lição e casaram-se com as irmãs da noiva de Mandela.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

A narrativa apresenta diálogos e passa-se em espaços


distintos: o reino zulu e as diversas aldeias percorridas. Os
personagens que compõem a história são: Mandela; Punga;
Indula; o pai dos irmãos zulus; o homem bem velho; o rei
e as suas filhas. As ilustrações complementam a história e
ampliam a capacidade de compreensão da leitura.
166

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Irmãos Zulus. Ilustrações de
Ciça Fittipaldi. São Paulo: Larousse Brasil, 2006. 32 p.
No museu
do cairo

Josiane Chini Baptista64

O livro O anel de Tutancâmon, do escritor Rogério


Andrade Barbosa, narra a história de Júnior, um garoto
de 14 anos que ganha de aniversário uma viagem ao
Egito. O personagem desembarca na cidade do Cairo para
encontrar seu pai – um fotógrafo independente que viaja
pelo mundo – e, a partir de então, o jovem é vítima de uma
emboscada cheia de suspense e aventura.
Um acontecimento inesperado: um roubo no museu
do Cairo, um dos mais importantes do mundo, faz com
que Júnior seja obrigado a separar-se de seu pai, iniciando
uma desenfreada fuga pelo continente africano. Nessa
inusitada viagem, ele se defronta e convive com várias
tribos primitivas e nômades, conhece de perto mercenários

64
Professora de Língua Portuguesa e Literaturas da Língua Portuguesa
e guerrilheiros e vive momentos de muito medo e de muita
aprendizagem.
É através de situações de vida ou de morte,
enfrentadas pelos personagens, que as diversas relações
humanas, culturais, políticas e raciais do povo africano
vão sendo tecidas pelo autor. O livro é repleto de mistério,
aventura e suspense. A narrativa é composta de 94 páginas
e é narrada numa linguagem simples, retratando princípios
e valores humanos como amizade, respeito à realidade e às
diferenças culturais de outros povos.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O anel de Tutancâmon.
Ilustrações de Afonso de Oliveira. São Paulo: Cia
Melhoramentos de São Paulo,1991.
168
O anel de
Tutancâmon

Arlyse Silva Ditter65

Viajar sem conhecer, além dos pontos turísticos


famosos, a língua, a gastronomia, a história e a conjuntura
política de um país pode-se considerar uma viagem em
vão. Rogério Andrade Barbosa nos leva ao Egito em O anel
de Tutancâmon e o leitor não volta com as malas vazias.
Em quase 100 páginas, viaja-se em um mistério de
aventura com Junior, um adolescente de classe média, que
mora com o avô no Rio de Janeiro. Ganha do pai, como
presente de aniversário, sua primeira viagem internacional.
Iria encontrá-lo na capital do Egito. O pai do Junior é
fotógrafo freelance e mora no mundo.
A felicidade não foi somente do aniversariante, o
avô não escondeu seu entusiasmo com a possibilidade de
aprendizado de Junior. Uma viagem internacional e para

65
Professora de Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação – UFSC
um país como o Egito! Mas a avó parece antever tudo o
que ocorrerá e mostra-se reticente:

– Desperte, menino! Você parece que está sonhando


acordado! Coma mais um pedaço de bolo.
– Deixe o menino em paz – disse meu avô. – Eu
também ficaria aéreo com um presente assim.
Conhecer o Egito! As famosas pirâmides! Deve ser
fantástico- suspirou.
– Eu acho muito perigoso – interrompeu a vovó.
– Ele ainda é muito novo.
– Que nada! Vai ser muito bom pro garoto – disse
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

vovô dando a maior força. – Junior vai conhecer o


berço da civilização negra.
– Eles são pretos? – perguntou a vovó.
– São, sim – respondeu o vovô, todo exaltado. – Até
hoje se fez uma grande safadeza com a civilização
egípcia. Os historiadores que colonizaram a região
170

procuraram ocultar essa verdade histórica. Não


admitiam que uma civilização tão grandiosa fosse
feita por negros. E tem mais, Junior, muitas dessas
pessoas não sabem que o Egito é um país africano.
(BARBOSA, 2006, p. 12-13).

E assim, logo de início, meio que profeticamente, o


leitor já é informado de que Junior viverá uma aventura
com muito aprendizado e alguns senões.
Chegando ao Egito, como um turista comum, ele pede
para visitar as pirâmides: Queóps, Quéfren e Miquerinos.
Seu pai, junto ao guia, descreve o processo de construção:
os custos – do humano, ao histórico. Enquanto passeavam,
um americano, um alemão e um árabe estudam o mapa
do Museu Nacional do Cairo, exatamente o segundo local
escolhido por Junior para visitação.
Nesse museu, o tesouro de Tutancâmon, ou o que
restou dele, foi o que mais o fascinou, e ele ficou sabendo
que muitos dos tesouros históricos do Egito foram
roubados ou confiscados por outros países.
Mais tarde, em visita ao mercado Khan el Khalili,
ele escolheu vários souvenires para presentes, até para
a namorada que deixou no Brasil. Mas a lembrança
que ele escolheu para si mesmo – uma réplica do anel
de Tutancâmon – vai comprometê-lo em uma trama
arriscada envolvendo furto, sequestro, tortura e política
internacional, exatamente com o trio que explorava o
mapa do museu. O que sua avó previra vem a acontecer.
Em meio a esses perigos, ele recebe uma aula de história,

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


geografia... Enfim, de cultura.
E, assim, Junior descobre que o Egito é apaixonado
por futebol. Ouve as orações dos muezins, pelas
mesquitas do Cairo, e fica encantado com a religiosidade
mulçumana. Viaja pelo rio Nilo acompanhado pelos
felás, aldeões com os rostos chupados e curtidos pelo sol.

171
Come, junto aos tuaregues, um arroz banhado de gordura
quente de carneiro acompanhado de leite de cabra e,
como sobremesa: nozes, amêndoas e mel. Jamasin é o
nome do vento que traz e anuncia as piores tempestades
de areia. E Junior vivencia uma.
Conviveu com os shilluks, um povo que tem pouco
pelo no corpo, que zela por suas mulheres e que, ao viver
no deserto, busca estar perto do oásis para cuidar de seu
maior tesouro: o gado. São muitas descobertas, das boas
às ruins.
Junior descobre, sobretudo, que o Egito continua
sendo roubado. Suas frágeis fronteiras, como por exemplo,
a Etiópia, conta, muitas vezes, somente com a ajuda
de organizações não governamentais, como a da Cruz
Vermelha. E em sua viagem, essa ONG, além de salvar
os etíopes da fome, precisa combater piratas modernos
e salvar de suas garras os firengis (estrangeiros)... Até os
cariocas, como ele.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O anel de Tutancâmon. São
Paulo: Melhoramentos, 2006.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
172
Uma aventura
na cidade

Elisa Maria Machado Lima66

O livro Pra lá de Marrakech de Rogério Andrade


Barbosa, é ilustrado por Roberto Weigand, que tem em seu
currículo os prêmios Jabuti de Ilustração Infanto-Juvenil;
Ofélia Fontes; e o Altamente Recomendável, pela FNLIJ.
A narrativa traz o cotidiano de uma família (pai,
menino, avó, mãe e irmãs) que vive através da confecção e
venda de tapetes de cores deslumbrantes, que enfeitam os
mercados das principais cidades do Marrocos. Descreve
as funções de cada membro da família nesse trabalho,
que consiste desde a produção dos fios, passando pela
tecelagem, o transporte até a venda dos tapetes.
O foco da história recai em Hamed, um menino
que sonhava ir com o pai, que é um grande contador de

66
Graduada em Farmácia Bioquímica – UFSC
histórias, ao lendário bazar de Marrakech, para levar a
carga preciosa, que são os tapetes produzidos pela família.
Rogério de Andrade Barbosa, de forma brilhante,
narra toda a viagem realizada por Hamed e seu pai,
descrevendo a cidade de Marrakech. Ele mostra o espanto
e o encantamento do menino diante dos altos edifícios
do bairro Francês, construídos pelos ex-colonizadores.
De forma hábil e atrativa, o autor revela curiosidades,
costumes e os principais locais da cidade.
Após a venda dos tapetes, o pai convida o filho
para comprar presentes para as mulheres da família, que
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

teceram os tapetes. Encontram anéis e pulseiras de prata


em uma loja de joias. O pai pediu ao filho para que ele
guardasse o pacote com os presentes. Porém, um burrico
derrubou tudo pela frente e causou uma confusão que
fez Hamed se perder de seu pai. Esse episódio causou um
grande transtorno para o menino, que teve que enfrentar
174

vários desafios para reencontrar o seu pai e o embrulho


com os presentes que caiu do seu bolso.
Depois disso, Hamed viveu ainda uma assustadora
aventura, que marca o ápice da sua viagem. E também
sentiu a alegria de superar os perigos que enfrentou.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Pra lá de Marrakech.
Ilustrações de Roberto Weigand. São Paulo: FTD S.A, 2009.
A caixa de segredos,
de Rogério Andrade
Barbosa: a memória
como herança

Eliane Debus67

O livro A caixa dos segredos (BARBOSA, 2010, com


ilustrações de Gerson Conforti, tem apresentação do
professor e teórico da literatura Domício Proença Filho.
Ao final da narrativa, é apresentada uma bibliografia básica
de 28 títulos, que auxiliou o escritor na elaboração dos
dados históricos dessa história. No prólogo, o narrador,
em primeira pessoa, introduz o leitor nas minúcias do que
está por vir – a história de seu tataravô africano – e os
recursos e as estratégias utilizados para compor a narrativa.

67
Doutora em Letras. Professora UFSC.
Uma caixa enferrujada que guarda segredos é
preservada pela família gerações após gerações, e a
curiosidade sempre presente desde a meninice faz com
que o narrador desvende seus segredos: a história de
Malã, seu tataravô. Os objetos que auxiliam o narrador
na busca pelo passado são: os manuscritos em forma de
diários, abrigados em folhas amareladas pelos anos; o
rosário de contas de madeira; e um amuleto no formato de
uma bolsinha de couro (patuá) com “[...] dois papelinhos
dobrados, com escritos em caracteres árabes” (Ibidem,
p. 9): o trecho de uma oração, retirado do Alcorão, e um
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

bilhete enigmático.
Atando as informações dos manuscritos com as
informações familiares, o narrador realiza a sua versão da
história:

Uma tarefa que me consumiu longos anos de


176

estudos, pesquisas, entrevistas e viagens. Durante


dias e noites incontáveis, mergulhei, literalmente,
nas páginas de livros, jornais e documentos
de bibliotecas e arquivos do Rio de Janeiro, de
Salvador, de Lisboa e da atual República da Guiné-
Bissau, tentando comprovar e reconstruir os fatos
descritos por Malã. (BARBOSA, 2010, p. 9)

O empenho do narrador em descrever os recursos


e o tempo investido na pesquisa “[...] uma tarefa que me
consumiu longos anos de estudos, pesquisas, entrevistas
e viagens” (BARBOSA, 2010, p. 9) busca dar veracidade
aos fatos narrados, ao mesmo tempo em que justifica, no
plano do ficcional, o recorte de matérias de jornais e dados
documentais que vão sendo lançados ao logo da narrativa.
A versão do narrador está dividida linearmente em
quatro partes, que correspondem a quatro momentos da
vida do personagem Malã: infância, juventude, maturidade
e velhice. Esses momentos, por sua vez, têm subpartes
que são anunciadas por provérbios africanos, totalizando
os 93 anos de vida da personagem (de 1817 a 1910).
Em “Infância”, é narrado o percurso inicial do personagem
que vive seus primeiros anos de vida junto a uma missão
católica, numa localidade da África Ocidental. Das mãos
do padre português Valentim, recebe as primeiras letras,
alfabetiza-se e, com o batismo de Antônio, recebe os
princípios da religiosidade católica, logo abandonada com
a morte do padre e o retorno da mãe para sua aldeia de
origem, e, junto com a nova religião, surge o novo nome

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


– nasce Malã.
Do rigor das leis islâmicas aos rituais em homenagem
aos deuses da natureza, são descritas as alegrias da
infância do menino, partida com a chegada dos forasteiros
que o separam da mãe e o escravizam, colocando-o na
embarcação junto com muitos outros. Da travessia penosa

177
no porão do navio, Malã é salvo pela língua, pois sabia o
português e era alfabetizado, o que lhe valeu o posto de
descascador de batatas e fê-lo chegar a terras brasileiras, no
Rio de Janeiro (1827), saudável e valendo um bom preço.
Vendido como mercadoria, o menino foi
encaminhado por seu dono, um rico comerciante, à cidade
de São Salvador, onde recebeu novamente o nome de
Antônio, sem nunca deixar de ser Malã.
Em “Juventude”, são narradas as transformações do
menino a jovem na cidade de Salvador, cidade descrita
como um grande reino africano, dominado por mãos
brancas. Sob os cuidados de outro escravo, Licurgo, um
velho mandinga, o menino aprendeu a profissão de alfaiate,
bem como retomou as rezas do Alcorão e aprendeu a
escrita árabe.
Malã participou da insurreição dos negros na Bahia,
a Revolta dos Malês, em 25 de janeiro de 1935. Licurgo
foi exilado como um dos líderes da insurreição e, ao
jovem, restou a sentença de duzentas chicotadas em praça
pública. “Cinquenta açoites por dia, de acordo com as
leis vigentes do Código Criminal da época” e o retorno à
cidade do Rio de Janeiro (BARBOSA, 2010, p. 48). A opção
do escritor em apresentar a Revolta dos Malês parece
significativa, pois desconstrói a ideia de que os negros
aceitaram calados a escravização em terras brasileiras, ou
que os quilombos foram a única forma de manifestação de
descontentamento e ou insurreição daquele período.
Em “Maturidade”, Malã é um “[...] alfaiate
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

conhecido, respeitado por sua sabedoria e pela habilidade


com as agulhas” (BARBOSA, 2010, p. 53). Nesse período,
começam suas anotações para a posterioridade; casa-se
com Eponina, quitandeira alforriada com quem tem sete
filhos, mas somente três atingem a fase adulta. Nesse
período da vida, Malã comprou sua alforria. E nessa
178

parte da narrativa, recebe destaque outro fato histórico,


a Guerra do Paraguai (1865), período em que Balbino,
um dos três filhos de Malã, é recrutado à força “[...] com
outros capoeiras que se reuniam no Largo da Lapa, tidos
como arruaceiros, para servir como ‘soldado voluntário’”
(BARBOSA, 2010, p. 60).
Malã ensinava outros meninos e meninas a ler e
escrever e, à noite, como um contador de histórias africano,
ao redor de uma fogueira, ele reunia a garotada para contar
histórias como aquelas que ouvia em sua infância. Na
maturidade, a personagem registra os fatos mais marcantes
e “Os recortes de jornais da época, encontrados em seus
pertences, atestavam o interesse” (Ibidem, p. 60) dele pela
campanha abolicionista, participando sempre que podia
das atividades, e a admiração pelos homens de sua época:
José do Patrocínio, Luiz Gama e André Rebouças.
Fatos históricos são descritos, como a festa no Largo
do Paço em 13 de maio de 1988, quando da abolição da
escravatura. A política de embranquecimento com a leva
de imigrantes a terras brasileiras; a Revolta da Chibata em
22 de novembro de 1910, da qual Vitorino, seu bisneto
participou. Malã faleceu um mês depois disso, na véspera
de Natal. “Em suas últimas anotações, escritas numa letra
trêmula, lamentava não ter tido a chance de retornar à sua
terra natal. E, conscientemente, afirmava que a ´gente de
sua cor`, ainda teria muitas lutas e desafios pela frente”
(BARBOSA, 2010, p. 84).

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


Embora a narrativa apresente o parágrafo citado
com um tom melancólico, alertando para as dificuldades
enfrentadas pelos afro-descendentes, os parágrafos
finais retomam os avanços promovidos pela luta do
movimento negro, bem como as homenagens concretas
aos cidadãos negros que ajudaram na construção do país e

179
no seu processo de liberdade: Zumbi e o Dia Nacional da
Consciência Negra, as leis e políticas afirmativas. De algum
modo o seu descendente, aqui no papel de narrador, leva
Malã à terra natal pela memória reconstruída.

Referências
DEBUS, Eliane Santana Dias. A escravização africana na
literatura infanto-juvenil. In: Currículo sem fronteiras, v. 12,
n. 1, p. 141-156, jan/abr 2012.
BARBOSA, Rogério Andrade. A caixa dos segredos.
Ilustrações de Gerson Conforti. Rio de Janeiro: Record, 2010.
A sedução das
narrativas bebidas
na oralidade

Eliane Debus68

O livro Contos de encantos, seduções e outros quebrantos


(BARBOSA, 2005), de Rogério Andrade Barbosa, com
ilustrações de Elvira Vigna, tem como tema motriz os
contos da tradição oral. Dividido em três partes, o autor
traz à cena as lendas, os causos e as tradições populares
da Região Amazônica; das “[...] agruras do sertão, nas
barrancas do Rio São Francisco” (BARBOSA, 2005, p. 10)
e de Santa Catarina.
A primeira parte é constituída de quatro narrativas
que vêm da Amazônia: a lenda da Mantintapereira, “[...]
uma velha feiticeira que se transforma em coruja e voa”
(BARBOSA, 2005, p. 16); o boto sedutor que enfeitiça a

68
Doutora em Letras. Professora UFSC.
jovem Elidalva e a “bota” que seduz o jovem engenheiro,
em duas narrativas sob dois enfoques; e Quem-te-dera,
uma “[...] mulher de identidade indefinida, baixa, tão magra
que dava para contar os ossos da renegada” (BARBOSA,
2005, p. 39), que seduz e põe cabresto nos incautos que
duvidam de sua presença.
A segunda parte é composta de cinco narrativas
que versam sobre lobisomens, fantasmas “[...] portas de
cemitérios, bruxas, tatus brancos e outras espécies de botar
feitiço e quebranto”. Na terceira parte, a narrativa centra-
se na figura do boi Espácio, metáfora para falar do desejo

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


de liberdade dos negros escravizados.
No posfácio “Um viajante aventureiro pelo mundo
da cultura oral”, o escritor Luiz Antonio Aguiar apresenta
ao leitor o pesquisador da cultura oral, Rogério Andrade
Barbosa, focando o seu exercício constante de ouvir, ler e
registrar as histórias oriundas da oralidade.

181
Destacam-se ainda as ilustrações de Elvira Vigna, que
abrem os contos de forma magistral. Um livro carregado
de encantos, seduções e quebrantos!

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos de encantos, seduções
e outros quebrantos. Ilustrações de Elvira Vigna. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
O Brasil narrado
pela voz de Rogério
Andrade Barbosa

Maria Laura Pozzobon Spengler74

Oito contos se dividem nas 116 páginas que compõem


o livro Dima: o passarinho que criou o mundo, organizado pelo
escritor angolano Zetho Cunha Gonçalves. Entre eles, o
leitor encontra mitos e lendas de tradição oral de países de
língua portuguesa.
Todos os contos trazem ilustrações de Angelo Abu,
que iniciam e complementam cada uma das narrativas,
em fundos de cores escuras que projetam com mais
intensidade as figuras e os desenhos coloridos que
compõem cada imagem.
O livro inicia com um paratexto que nomeia os
escritores que fazem parte da antologia de contos, bem

74
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
como os países dos quais as narrativas de tradição oral
foram recolhidas. Ao final de cada conto, o leitor se depara
com uma breve explicação sobre a origem do conto, um
glossário para compreender as palavras que não conhece e
também uma pequena biografia de cada autor.
O segundo conto do livro leva o título de “A casa do
vai-mas-não-volta”, do escritor brasileiro Rogério Andrade
Barbosa, narrativa recolhida no sertão de Pernambuco que
conta a história de um lavrador viúvo que tinha três filhos
homens. Certo dia, o filho mais velho resolveu tentar a vida
em um lugar melhor e, perdido no sertão, encontrou um

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


negrinho com uma bolsa no ombro, pitando um cachimbo
e que, corajoso, não seguiu o conselho do negrinho e
chegou até a casa do vai-mas-não-volta. Encontrou uma
senhora bem velhinha sentada na varanda em uma cadeira
de balanço, que o convidou para entrar. O filho mais velho
do lavrador viúvo nunca mais foi visto. O pai, sentindo

183
falta de notícias dele, pediu ao filho do meio que fosse
procurar o irmão.
Assim como o irmão, encontrou o negrinho pitando
o cachimbo, que não teve tempo de avisar sobre o perigo
que ele corria, chegando o filho do meio também até a
casa do vai-mas-não-volta, sendo igualmente recebido pela
senhora. Desse filho também nunca mais se ouviu falar.
O pai, então, pediu ao filho mais moço que fosse à
procura de seus irmãos. Ao encontrar o negrinho pitando
cachimbo, ele aceitou pegar uma carona em seu cavalo. O
negrinho contou sobre a passagem dos dois irmãos por
aquelas bandas, e o mais moço, então, descobriu que seus
irmãos foram para a casa do vai-mas-não-volta. Diferente
dos irmãos mais velhos, ele seguiu o conselho do negrinho,
entrando na casa e enganando a velha senhora, fazendo-a
desmaiar. Com a ajuda do negrinho, fugiram os quatro e
livraram-se da megera.
O ilustrador Angelo Abu escolheu cores terrosas
para representar a seca que assola o nordeste da narrativa
contada por Rogério Andrade Barbosa nessa coletânea de
contos.

Referência
GONÇALVES, Zetho Cunha et al. Dima, o passarinho
que criou o mundo: mitos, contos e lendas dos países de
língua portuguesa. Ilustrações de Angelo Abu. São Paulo:
Melhoramentos, 2013.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
184
Em busca
da felicidade

Tatiana Valentin Mina Bernardes75

Um sopro de Esperança, do autor Rogério Andrade


Barbosa, apresenta as temáticas do tráfico de crianças e
da prostituição infantil, crimes graves, de violação dos
direitos humanos e atentado contra a infância. O livro está
na quarta edição, oitava tiragem e o texto de acordo com
Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. A obra
integra a Coleção Jabuti, projeto literário da Editora Saraiva,
voltado ao público juvenil e com objetivo de abordar temas
atuais. Nas últimas páginas, constam informações com os
endereços de associações, organizações governamentais
e ONGs que ajudam a localizar pessoas desaparecidas.
Constam, também, uma breve descrição biográfica do
autor e a relação de livros que compõem a Coleção Jabuti.

75
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
A história envolve dois personagens, os irmãos
Adriana e Rafael, separados quando pequenos em função
do desaparecimento de Adriana, uma garota então com 14
anos de idade, sequestrada aos sete e submetida à máfia
do tráfico de crianças e prostituição infantil. Rafael é um
experiente atleta de caratê e especialista em desativar minas
antipessoais, destreza desenvolvida durante os três anos
de serviço militar no Exército Brasileiro, consolidada em
missão de paz na Angola, como integrante das tropas de
paz na Organização das Nações Unidas (ONU) e membro
do pelotão de elite.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Em viagem a Manaus, capital do estado do


Amazonas, para participar de um torneio de artes marciais,
Rafael recebeu um bilhete enigmático e, seguindo suas
pistas, encontrou a irmã em uma boate de prostituição,
descobrindo que Adriana fora sequestrada por uma
organização criminosa da América Latina, especializada
186

em tráfico de crianças e prostituição infantil.


Unidos novamente, os protagonistas elaboram
um plano de fuga e envolvem-se numa sequência de
experiências arriscadas para escapar dos perigos e
conquistar a liberdade. Assim, no acompanhar da narrativa,
os leitores são envolvidos num movimento transitório
entre ficção e realidade, enredo que revela a face obscura
da sociedade brasileira.
O livro Um sopro de Esperança é uma narrativa de
aventura que expõe um cenário real sobre os crimes de
tráfico, comércio e exploração infantil. Na sequência de
fatos e ações desenvolvidas pelos protagonistas, outras
situações tornam-se conhecidas: tráfico de drogas,
doenças sexualmente transmissíveis, fanatismo religioso,
pobreza e preconceito. No enredo, destacam-se, ainda,
as dificuldades e os problemas enfrentados pelos países
da África – extrema pobreza, desigualdades sociais e
exploração econômica, heranças da colonização imposta
por países europeus.

Referência
Barbosa, Rogério Andrade. Um sopro de esperança.
Ilustrações de Rogério Borges. São Paulo: Saraiva, 1999.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

187
Memórias de uma
ilha assombrada

Ingobert Vargas76

Quem se envergonha em admitir que tem pavor


de assombrações? Se existem ou não é o que menos nos
importa quando caminhamos por ruas escuras nas horas
mortas da noite. Todos conhecemos alguma história que
assombra nossa imaginação.
Zanzibar: a ilha assombrada (BARBOSA, 2012),
de Rogério Andrade Barbosa, é um livro repleto de
personagens soturnos e elegantemente tétricos que nos
são apresentados na forma de relato das memórias de um
homem que, desde sua infância, vive às voltas com seres
desconhecidos. As histórias do livro estão distribuídas
em seis capítulos ambientados na África muçulmana, em
Zanzibar – uma ilha do litoral da Tanzânia e declarada como
patrimônio da humanidade pela Unesco. O vocabulário

76
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
do autor dá-nos pistas de sua origem carioca (quem no
Brasil chama torneira de bica?) e da sua aproximação com
a África portuguesa (ao brindar-nos com a expressão “às
tontas”).
O projeto gráfico, com letras fantasmagoricamente
brancas sobre as páginas pretas, evoca um cenário sinistro.
A ilustração, assinada por Maurício Negro e executada
numa composição de diferentes técnicas, é expressiva,
robusta, dramática e traz tensão e suspense ao diálogo
com o texto. O medo no olhar do homem que espia pela
janela e o peixe abissal que acompanha a mulher na rua

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


escura são o avesso das estampas dos tecidos, do colorido
nas penas de pavão e do voo da gaivota, que equilibram as
imagens imprimindo sensualidade e leveza. A assinatura do
artista aparece, quase imperceptível, em duas ilustrações,
somando o status de obra de arte ao trabalho já reconhecido
em inúmeras premiações.

189
Na capa do livro, duas mulheres muçulmanas
convidam-nos ao assombro, expresso em seus olhares
pálidos, o que se confirma no texto-convite da contracapa.
As orelhas apresentam o autor e o ilustrador. A ficha
catalográfica evidencia o assunto como literatura
infantojuvenil. O livro traz os números de paginação
em tipografia discreta que compõe o projeto gráfico,
e um epílogo na última página aproxima o cenário do
livro ao imaginário d´As mil e uma noites. Mesmo sendo
um livro com referências culturais bastante demarcadas,
proporcionando um texto pedagógico e instrucional,
há uma forte presença de literalidade e, bem por isso, a
obra contribui significativamente à formação de leitores
literários.
Quando peguei o livro pela primeira vez, senti-o
gelado entre os dedos. Pode ter sido simples coincidência
em função do dia chuvoso de inverno que escolhi para
lê-lo, mas prefiro acreditar que aquela sensação fria que
me tomou as mãos foi o epílogo à leitura de memórias tão
sombrias e obscuras nas quais me aventurei.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Zanzibar: a ilha assombrada.
Ilustrações de Maurício Negro. São Paulo: Cortez, 2012.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
190
A esperteza
do saltão

Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi92

O livro Não chore ainda não tem, em sua apresentação,


uma nota do autor Rogério Andrade Barbosa relatando
a motivação pela escrita desse conto dos bijagós, um dos
povos que ainda preserva sua cultura e seus costumes
ancestrais e que vive na região de Guiné-Bissau. Conforme
destaca o autor, os bijagós são excelentes contadores de
histórias e os mais velhos são os encarregados de repassar
para os mais novos, através dos contos, as experiências e
os elementos culturais.
Nesse livro, Rogério Andrade Barbosa revela
elementos do vocabulário da região da ilha de Bubaque,
portanto, muitas palavras e frases são apresentadas durante
a narrativa em crioulo, que pode ser reconhecido como o

92
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
idioma resultante da mistura entre o português e os vários
idiomas falados no país.
As imagens da narrativa foram criadas pela ilustradora
Ciça Fittipaldi, que comunica com expressividade os
elementos que vão sendo revelados no transcorrer da
história.
Não chore ainda não relata a história da fêmea de um
saltão, que é uma espécie de peixe e um dos alimentos
preferidos pelos povos das aldeias da ilha de Bibaque. Essa
fêmea de saltão, ao fugir do balaio das mulheres, começa
a chorar prevendo o triste fim do marido. O choro é tanto
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

que, antes de iniciar uma jornada em busca do marido,


todos os animais da ilha já sabem de sua tristeza. A história,
então, vai sendo traçada com elementos de persistência e
de encorajamento, ressaltando que a aflição e o choro são
desnecessários enquanto há possibilidade de mudança no
desfecho da situação.
192

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Não chore ainda não. Ilustrações
de Ciça Fittipaldi. São Paulo: Larousse do Brasil, 2007. 23 p.
Um sonho
de liberdade

Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi93

No livro Nas asas da liberdade, o autor Rogério


Andrade Barbosa, ao recontar a lenda pertencente ao
folclore afro-americano, enfatiza a importância da tradição
da cultura oral para a expressão de sentimentos, dramas
e esperanças. A lenda recontada nessa produção literária
tem como base a frase “Vamos voar!”, que funcionava
como código secreto entre os negros escravizados antes de
desaparecerem sem deixar vestígios.
O autor, Rogério Andrade Barbosa, no início do livro
apresenta um trecho do discurso de Martin Luther King
Jr., proferido na manifestação do dia 28 de agosto de 1963,
em Washington, e esse trecho aponta para a essência da
lenda narrada.

93
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
O texto de apresentação, escrito pela Professora
Doutora Elisa Larkin Nascimento, diretora do Instituto
de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros, traz importantes
elementos de reflexão sobre a condição humana, a busca
constante de liberdade e o não isolamento temporal e
geográfico da escravidão.
Na ilustração de Rubens Matuck, a criação poética
da imagem destaca o vermelho, o preto e o branco,
representando a intensidade de sentimentos e a força
impactante das palavras.
No começo da narrativa, o autor relembra a existência
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

de povos africanos que eram dotados de conhecimentos


sobrenaturais, mas que, ao desembarcarem escravizados
na América do Norte, acabavam, em sua maioria e diante
de tanto sofrimento, esquecendo sua essência mágica.
A história mostra um negro angolano idoso
escravizado que vivia numa grande propriedade rural
194

do sul dos Estados Unidos e que tinha uma numerosa


prole, destacando-se uma de suas netas que trabalhava
arduamente cuidando de um bebê.
Esse negro idoso tinha pleno conhecimento de
sua essência sobrenatural e discretamente mantinha
a memória de sua cultura. Até que, certo dia, depois de
suportar muito sofrimento e diante de mais um ato de
violência contra a sua neta e o bebê de quem ela cuidava,
o avô liderou o ressurgimento da magia unindo o povo à
sua ancestralidade e fortalecendo o sentimento do sonho
de liberdade.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Nas asas da liberdade.
Ilustrações de Rubens Matuck. São Paulo: Biruta, 2006.
Para conhecer
a poesia na áfrica

Maria Laura Pozzobon Spengler95

No início da década de 1990, Rogério Andrade


Barbosa publicou o livro No ritmo dos tantãs, uma antologia
poética de 168 páginas que reúne poemas de escritores de
países africanos de língua portuguesa. Dividido em seções
que trazem cada uma um conjunto de poemas de cada um
dos países Guiné-Bissau, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe,
Angola e Moçambique, escolhidos pelo autor que procurou
“[...] mesclar o que de melhor e mais representativo existe
nessas literaturas, desde os precursores do século passado
até os poetas atuais” (BARBOSA, 1991, p. 11).
Todos os poemas destacados na antologia organizada
pelo autor foram recolhidos na época em que ele morou
em Guiné-Bissau, e trabalhados pelo autor em um curso

95
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
sobre a literatura africana de língua portuguesa, ministrado
por ele para professores do Rio de Janeiro.
Na introdução, o autor destaca a sua preocupação
sobre o desconhecimento do que se passa na África, tema
das palestras que ele realizou em escolas e universidades,
desde quando retornou de lá, após um período como
professor voluntário da ONU, em Bissau. O que mais
o impressionou nessas palestras foi perceber o total
desconhecimento dos professores sobre a história, a
geografia e a literatura africanas.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. No ritmo dos tantãs: antologia
poética dos países africanos de língua portuguesa. Brasília:
Thesaurus, 1991.
196
Outros
temas
Os folguedos
da Ilha da Magia

Arlete de Costa Pereira60

O livro O Boi-de-Mamão (BARBOSA, 2005), ilustrado


por Regina Yolanda, aborda uma brincadeira tradicional e
popular em Florianópolis que, passada de pai para filho
por gerações, faz parte do folclore ilhéu.
O livro apresenta o enredo em forma de uma
entrevista com a Dona Bentinha, moradora de uma
comunidade muito antiga de Florianópolis, falando para
estudantes editores do jornal escolar. Ela relembra do
medo que tinha das bruxas, criaturas narigudas que
habitavam as copas das figueiras nos quintais das casas.
Também ficava amedrontada com a bernúncia, bicho
de uma boca gigantesca que engolia criancinhas. Aos
poucos, Dona Bentinha situa-nos a respeito das fantasias
que habitam a ilha da magia e das lembranças de seu

60
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
Francelino, professor estudioso do folclore e da tradição da
ilha, que gostava de registrar em seu pequeno caderno as
mais assombrosas histórias, causos fantásticos e histórias
de pescadores. Além dos imigrantes do Arquipélago dos
Açores, que chegaram para habitar a ilha, um mundo de
mistérios cheio de superstições, histórias, lendas, mitos e
festas populares ajudou a formar nossa história e nossa
cultura, compondo a magia da ilha.
Dentre as inúmeras histórias contadas, a do boi-
de-mamão é uma das mais conhecidas e dizem que a
brincadeira ganhou esse nome porque “[...] a cabeça do
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

primeiro boi foi feita com um mamão verde” (Ibidem,


p. 10). O boi, acompanhado por um grupo de cantadores,
visitava as casas cantando e dançando ao som das
sanfonas, violões e pandeiros, com as canções como:
“Ó moça bonita, chega na vidraça! Venha ver meu boi
brincar na praça” (Ibidem, p. 10). Ao chegar às casas, o boi
200

pedia licença para entrar e, em troca, recebia guloseimas


para comer. Dona Bentinha conta que esse era um tempo
em que as mulheres não podiam participar.
Na brincadeira, há um cantador que apresenta o boi
e vai chamando cada um dos personagens: o vaqueiro, o
boi, o palhaço, os dois trapalhões, o doutor, o urubu, o
cachorro, a bernúncia, a Maricota e a benzedeira. O enredo
trata da morte do boi, brilho, beleza e alegria.
Ao final da entrevista, Dona Bentinha distribui às
crianças o pão-por-deus, pequenos corações e flores de
papel com versos que eram dados de presente como sinal
de afeição.
O livro é colorido, alegre, assim como os folguedos de
Florianópolis. Traz, na quarta capa, um pequeno texto de
Telma Piacentini, que foi a responsável pela aproximação
do autor ao grupo folclórico Arreda Boi. O autor encerra
o livro fazendo um agradecimento à Telma e também às
autoras Eliane Debus e Eloí Bocheco por contribuírem
e auxiliarem nos contatos e nas pesquisas. Ele conta que
utilizou também, como fonte de pesquisa, a dissertação de
mestrado de Ronaldo Manoel Gonçalves, além das obras
de Franklin Cascaes.

Altamente recomendável – reconto – FNLIJ – 2005


Catálogo da Feira de Bolonha – 2006

Referência

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


BARBOSA, Rogério Andrade. O boi-de-mamão. Ilustrações
de Regina Yolanda. São Paulo: FTD, 2005.

201
O menino
revolucionário

Elika da Silva69

Rogério Andrade Barbosa narra a história de O


menino que sonhava transformar o mundo. O livro conta com as
belíssimas ilustrações de Salmo Dansa, que demonstram
com traços simples, mas perfeitos, a infância de Ernesto
Guevara. Logo na capa do livro, o ilustrador traz a imagem
do rosto do menino, (símbolo da história de Ernesto
Guevara), provocando certa curiosidade no leitor. A obra
foi lançada em 2009 pela Editora Pallas do Rio de Janeiro.
O leitor, tanto adulto como criança, vai emocionar-se
com a história desse menino que, de uma criança muito
frágil, devido a problemas respiratórios, transforma-se
em um grande revolucionário. O livro conta a história
de Ernesto Guevara, o primeiro dos cinco filhos de um
casal de argentinos okok. Por causa da asma, ele não podia

69
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
fazer muito esforço físico, por isso, passava a maior parte
de seu tempo lendo, hábito que cultivou transformando-
se em anos de estudos em casa com sua mãe. O menino
acabou tornando-se médico e, ao lado de um colega tão
sonhador quanto ele, percorreu o continente latino-
americano, tendo a oportunidade de presenciar as belezas
e as desigualdades sociais do continente. Insatisfeito com
o que via, ele iniciou a luta por seus ideais.
O autor traz, no final do livro, algumas curiosidades
sobre a vida de Ernesto Guevara, mais conhecido por Che,
destacando que, entre tantas coisas admiráveis, está o fato

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


de que ele era um estudioso e gostava muito de ler. “Che
dedicou toda a sua vida à luta contra a desigualdade em
vários países das Américas e da África, até ser morto na
Bolívia em 1967” (BARBOSA, 2009).
A leitura é cheia de emoções e provoca-nos uma
reflexão sobre esse revolucionário que lutou por sociedades

203
mais justas. É uma figura histórica importante e um ícone
cultural em todo o mundo; seu nome e seu rosto viraram
símbolos para as gerações futuras.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O menino que sonhava
transformar o mundo. Ilustrações de Salmo Dansa. Rio de
Janeiro: Pallas, 2009. Nã paginado.
Um misterioso
carnaval

Cristina Cardoso Rodrigues70

O livro O Tesouro de Olinda (BARBOSA, 2005), de


Rogério Andrade Barbosa, está catalogado como literatura
infantojuvenil e foi ilustrado por Rosinha Campos com
desenhos em preto e branco, que vão enfatizando partes e
elementos significativos da história em suas 110 páginas.
O autor apresenta ao leitor, por meio do sumário na
quinta página, as duas partes da narrativa organizadas
em subtítulos que direcionam os rumos da trama. Na
página 107, encontramos uma nota do autor relatando
um pouco de sua inspiração para a criação dessa obra.
Ele nos conta que, assim como o personagem principal
do enredo, ele mesmo fez uma viagem para Olinda e, em
meio às suas andanças e pesquisas, escreveu a história que

70
Professora de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino de
Florianópolis – (RME/ PMF)
resultou nesse livro, reescrito e atualizado no ano de 2004.
Nas páginas 109 e 110, findando o livro, está uma breve
biografia do autor e uma lista de títulos publicados até
aquele ano (2005) pela mesma editora.
Na primeira parte da história, intitulada, “Há mais
de trezentos anos”, o autor contextualiza historicamente
o período da invasão holandesa que teve início no
litoral pernambucano, avançando até a então capital de
Pernambuco, Olinda. Em meio aos entraves da invasão,
um frade português, Frei Vicente de Carvalho, enterrou,
nas dependências do Convento do Carmo, um baú de ferro
e, com ele, segredos e mistérios que seriam desvendados

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


trezentos anos depois.
Na segunda e última parte que o autor intitula de
“Trezentos e tantos anos depois”, inicia a folia de carnaval
do personagem principal, Thiago, que, depois de ser
abandonado pelo seu colega Julinho, resolveu fazer a
viagem que ganhou de presente dos pais, seguindo sozinho.

205
Percorrendo o caminho do Rio de Janeiro a Olinda, o leitor
pode conhecer, através da trama, os lugares e as realidades
diferentes desse pedaço do Brasil, como montanhas e vales
na divisa de Minas Gerais com a Bahia, o sertão baiano
miserável, seco e árido, entre outros.
Nessa parte da história, ainda no ônibus, Thiago
conheceu Hendrick Vermeer, um velhinho holandês
que foi estranhamente assassinado durante a viagem. Os
suspeitos descem do ônibus minutos antes que os demais
passageiros descobrissem tão espantoso acontecimento
e que Thiago percebesse que a maleta do seu mais novo
amigo havia desaparecido. Depois de uma longa viagem e
de prestar depoimento numa delegacia de Recife, Thiago
finalmente chegou até Olinda para o tão esperado carnaval.
Foi quando ele descobriu que o velhinho havia colocado
em sua mochila um misterioso mapa, mas, cansado, ele
deixou a folia do carnaval e o mistério do mapa para depois.
No dia seguinte, ainda se recuperando dos
inconvenientes da viagem, ele conheceu Briggite, uma
turista da Alemanha que passou a acompanhá-lo em sua
estada em Olinda, tanto na folia, quanto na sua saga em
descobrir pra onde e pra que serviria o tal mapa, aquele que
o velhinho holandês havia colocado em sua mochila antes
de morrer. Juntos, eles vivem uma emocionante busca a
uma possível fortuna enterrada em um antigo convento
construído por portugueses por volta do ano de 1588.
Em meio a segredos, tesouros, folia, maracatus,
mamulengos e frevo, a obra traz elementos da história, da
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

cultura e da arquitetura dessa cidade histórica do nordeste


brasileiro. Um mistério cheio de “ielaiê” e emoção, com
direito a desfile no Galo da Madrugada, um conjunto de
blocos muito famoso do carnaval de Olinda.
206

Catálogo da Feira de Bolonha – 2006

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O Tesouro de Olinda. Ilustrações
de Rosinha Campos. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
As aventuras de
toninho e seu avô

Lisandra Banhuk de Campos71

O livro A carta do pirata Francês (BARBOSA, 2003),


com ilustração de Gerson Conforti, é desenvolvido em
quatro capítulos: “Os tesouros do Rio”; “A carta do pirata
francês”; “Caçadores de tesouro”; e “O mistério continua”
ao longo de 62 páginas.
Em os “Tesouros do Rio”, temos dois personagens
principais, o neto (Toninho) e seu avô, que iniciam um
passeio pela cidade do Rio de Janeiro, seguindo pelos
espaços e suas memórias, embaladas por histórias contadas
pelo avô ao neto. A descrição do avô como sendo um rato
de sebos e o gosto pelas coisas velhas remetem a uma
pessoa com muitas experiências a serem compartilhadas.
Em “A carta do pirata francês”, Toninho é levado pelo
avô a mais um passeio pelos acontecimentos históricos

71
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC.
permeado da beleza proporcionada pela paisagem da
cidade do Rio de Janeiro. Um percurso feito pelo espaço
físico somado às histórias contadas pelo avô, que faz o
menino viajar embalado por sua imaginação. O enredo
recebe uma dose de suspense quando o avô encontra
uma possível carta em um livro antigo, aguçando, assim, a
curiosidade de Toninho.
Na última parte do livro, “Caçadores de tesouro e o
mistério continua”, Toninho e o avô levam a misteriosa
carta para verificação de sua autenticidade. Eles encontram
um sujeito muito suspeito que quer avaliar a carta, mas o
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

avô se nega a isso e acaba envolvendo-se, juntamente com


o seu neto, em uma perigosa aventura.
Sugiro a leitura do livro para que possam apreciar o
emocionante final!

Referência
208

BARBOSA, Rogério Andrade. A carta do pirata francês.


Ilustrações de Gerson Conforti. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
Clonagens
e tradição

Marinaldo de Silva e Silva72

A clonagem é um tema que, quando surgiu, em 1997,


botou o mundo de ponta cabeça. Trazendo à tona um
homem-criador brincando de ser Deus, já virou tema de
novela, de filmes de ficção científica e outros com enredos
mais realistas, e virou realidade, quando conhecemos
Dolly, uma ovelha nascida na Escócia conhecida como o
primeiro animal clonado, ou seja, o primeiro animal que,
idêntico a outro já existente em toda a sua concepção,
surgiu neste planeta! O que parecia coisa de filme do
Steven Spielberg, virou realidade, trazendo discussões
como ética, religião, heresia, temor, experiência, poder
e vaidade. Afinal, depois de poder criar a vida, aonde o
homem poderia chegar?

72
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
Talvez, motivado por todos esses questionamentos,
Rogério Andrade Barbosa escreveu Na trilha do mamute.
Ambientado no estado de Roraima, o enredo leva a
ficção juvenil de Barbosa para dentro de um dos estados
brasileiros onde há mais registros de vestígios de vidas já
extintas, encontrados em sítios arqueológicos. Aproveita-
se o autor, também, do fato de a maior parte do estado de
Roraima ser de área de floresta, propício a um enredo que
tem como princípio provocar uma revolução na ciência
mundial e manter essa descoberta em segredo. E o que
pretende o enredo do livro?
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Toda história, mesmo que ficcional, incute


conhecimento e, Na Trilha do Mamute, temos uma mistura
de uma grande aventura com uma grande pergunta: o que
aconteceria, de fato, se a ciência pudesse trazer à vida, por
meio da clonagem, um animal extinto há milhares de anos?
210

Acervo básico FNLIJ – 2002

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Na Trilha do Mamute.
Ilustrações de Rodval Martins. São Paulo: Saraiva, 2001.
Comunicação
elegante

Marinaldo de Silva e Silva73

Num tempo em que uma simples carta tornou-


se algo de outro planeta, em que o correio eletrônico e,
agora, as mensagens por voz imprimem agilidade na
comunicação, narrar uma história na qual, já no início,
entramos em contato com um pombo correio é mostrar
ao leitor que, antes de tudo, a comunicação é fabulosa.
Em O mensageiro alado, Rogério Andrade Barbosa
trafega por lugares que já viraram sua assinatura: a
aventura juvenil, pontuada por lugares distantes do Brasil,
onde o autor, como um guia turístico, vai apresentando-
nos as peculiaridades da região visitada.
Tão atual quanto a questão da comunicação, ele nos
brinda, como em Na Trilha do Mamute, com duas questões
que povoam o imaginário da nossa civilização: a clonagem

73
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
e o mundo pré-histórico. Agora, a tarefa de levar-nos a esse
lugar é do garoto Robinho, que, atraído por uma mensagem
vinda por meio de um pombo-correio, vai ao encontro de
uma garota desaparecida por conta de um sequestro, de
vigaristas, contrabandistas e de fósseis de animais pré-
históricos, encontrados num dos sítios arqueológicos mais
importantes do mundo, no nordeste brasileiro!
Com uma história como essa, o leitor certamente
sairá cheio de universos paralelos a serem montados em
sua imaginação.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

Acervo básico FNLIJ – 2003

Referência
212

BARBOSA, Rogério Andrade. O mensageiro alado. Ilustrações


de Rogério Borges. São Paulo: Saraiva, 2003.
O primeiro amor

Luana de Araújo Carvalho77

Quem se lembra do seu primeiro amor? E dos


amores seguintes? Rogério Barbosa, inspirado em
colegas do colegial, escreveu o livro Meu primeiro amor,
lançado em 2008. É uma história de amor de pessoas
que não conhecemos, mas que nos deixam enveredar
no emaranhado apaixonante e instigante de um amor
correspondido, porém não reconhecido.
A história, contada por dois colegas de escola
de Rogério Andrade Barbosa, perpassa um amor de
colégio. Os dois se encantam, amam-se, mas sem saber
da correspondência da paixão. Durante a leitura do livro
é exposta a versão dos dois, menino e menina, sobre os
mesmos acontecimentos do recreio, da roda de conversa,
do jogar bola, do olhar supostamente não correspondido.
Num tom de brincadeira, a escrita leva-nos a relembrar
as histórias de escola, das paqueras retribuídas e das

77
Mestre em Educação – PPGE – UFOP
não correspondidas. Os namorados, em anonimato,
parecem reviver a história e, nesse movimento, as versões
se cruzam e descruzam. O olhar na época, que parecia
não ser correspondido, ganha novo tom com as versões
entrecruzadas e os envolvidos descobrem que seus olhares
se cruzaram, mas de maneira diferente.
A ilustração, lembrando desenho a giz, remete-
nos às atividades e aos amores escolares. O desenho dos
enamorados não traz traços que possibilitem o autor
identificar caraterísticas físicas peculiares dos meninos
apaixonados, mas remete a meninos e meninas de
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

características comuns. A escrita, marcada com folhas


retiradas de caderno ou caderneta, auxilia-nos a mergulhar
no mundo de bilhetes amorosos, porém nunca enviados.
Cartas escritas, porém não encaminhadas. Histórias
contadas e revividas pelo leitor.
214

Catálogo da Feira de Bolonha – 2009

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Meu primeiro amor. Ilustrações
de Rosa Campos: DCL, 2008.
A poesia dos
contos de esquimós

Felícia de Oliveira Fleck78

Para os contadores de histórias de esquimós, os


contos só são verdadeiros se trouxerem um pouco do
próprio narrador que os conta. Essa é a tentativa de Rogério
Andrade Barbosa, oferecer um pouco de si ao adaptar e
recontar algumas histórias da tradição oral esquimó em
Contos da terra do gelo (BARBOSA, 2012).
Os contos apresentados versam sobre as
singularidades do povo habitante das terras geladas e
sobre a origem das coisas da natureza. O leitor descobrirá,
surpreso, que, no princípio, “[...] todas as coisas surgiram
do chão. As crianças brotavam do solo como as plantas no
verão. As mulheres colhiam os recém-nascidos da mesma
maneira que hoje recolhem flores e frutos” (Ibidem, p. 11).

78
Doutoranda em Ciência da Informação – PGCIM – UFSC
Contadora de histórias
Há ainda explicações sobre como a força das palavras deu
origem ao dia e à noite; como o desejo de dois irmãos de
vencer o medo fez surgir o sol e a lua; e como o vento se
espalhou por toda a terra. O leitor também conhecerá o
mistério dos homens invisíveis e os agrados feitos pelos
esquimós à furiosa deusa Nuliajuk.
As ilustrações de Graça Lima, em tons frios e
brancos, remetem à poesia e à beleza da paisagem em que
a neve é soberana durante quase todo o ano. Ursos polares,
raposas brancas, lobos, cães do gelo, homens, mulheres e
crianças aquecidas com pesados casacos de pele de animais
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

terminam de compor a paisagem gelada e fascinante.


Original e singela, a obra possibilita a aproximação
com uma cultura muitas vezes distante do leitor brasileiro,
ampliando o seu olhar e valorizando as histórias
transmitidas ao longo das gerações.
216

Catálogo da Feira de Bolonha – 2013


Finalista do Prêmio Jabuti em Literatura Infantil –
2013

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Contos da terra do gelo.
Ilustrações de Graça Lima. São Paulo: Ed. do Brasil, 2012.
Por que os homens
não me escutam?

Liliane Alves da Silva79

São Paulo, século XXI, ano 2004; a capital comemora


450 anos. Uma escola do centro urbano lança aos seus
estudantes a cidade como tema de estudo e pesquisa do
bimestre. Narrada por Mário, a história é contada numa
linguagem característica de um adolescente de 14 anos,
assim como é permeada por questões próprias dessa
idade, promovendo identificações entre o jovem leitor e o
protagonista dessa narrativa.
Rogério Andrade Barbosa, em Ai de ti, Tietê
(BARBOSA, 2005) é ostensivo com a dedicatória: “Para
todos que lutam pela preservação do Rio Tietê” (BARBOSA,
2005) e deixa clara uma conotação política. O texto se veste
de uma roupagem ficcional para relatar fatos históricos,
aproximando muito o texto literário de uma reportagem.

79
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
Nesse sentido, torna-se difícil um posicionamento quanto
ao gênero dessa obra, sendo que o texto é nitidamente
pedagógico e informativo. No entanto, essas propriedades
diluem-se na poética das imagens. Marcelo D’Salete, o
ilustrador, utiliza o guache sobre papel, transmitindo com
a técnica certo grau de realismo e muito lirismo.
A ilustração da capa, que estrategicamente tem
continuidade na quarta capa, ganha sentido e força com
a palavra do título: Tietê. O olhar de perplexidade dos
personagens, como se eles percebessem pela primeira vez
algo tão presente no seu cotidiano, incita-nos à pergunta:
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

o que eles estão vendo? No decorrer da narrativa,


a diversidade de perspectiva em que as imagens são
mostradas proporciona-nos posicionamentos distintos,
como, por exemplo, na página 25, em que a ilustração causa
a sensação de que uma criança teria retratado o cenário. Já
na página 26, a imagem de um negro jogando-se no rio
218

faz-nos um convite a acompanhá-lo no mergulho.


Ao longo da narrativa, também somos atraídos para
conhecer uma obra artística: a tela do pintor Almeida
Júnior, e, quem sabe, descobrir a mesma veracidade e
beleza descritas por Mário de Andrade.
Envolvido com o tema, o leitor faz um mergulho
na história e reconhece o quanto as ações humanas
têm ocasionado consequências desastrosas para o meio
ambiente. É uma história que inicia com uma tarefa escolar
e termina com o leitor comprometido politicamente com
um tema atual.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Ai de ti, Tiete. Ilustrações de
Marcelo D’Salete. São Paulo: DCL, 2005. Não paginado.
De um passeio
a uma “prisão”:
a língua de sinais
como sobrevivência

Simoni Conceição Rodrigues Claudino80

O livro O enigma dos chipanzés (BARBOSA, 2005) tem


ilustrações de Alberto Llinares e pertence à Coleção Jabuti.
Na capa, há a ilustração de um chipanzé fazendo sinais
com as mãos e dois jovens ao fundo, um menino e uma
menina. Na capa final e nas orelhas do livro, há ilustrações
que fazem parte da narrativa e um resumo da trama, que
começa numa saída de estudo de um colégio, com alunos
do nono ano indo ao zoológico.

80
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
Rodrigo, um dos personagens principais da história,
tem 15 anos, apresenta problemas de audição e fala, conhece
a linguagem de sinais e é chamado de cientista pelos colegas.
No zoológico, ele conversa com um chipanzé através da
linguagem de sinais. De volta ao colégio, conversa com o
professor de biologia e, junto com ele e com Fernando, neto
de seu professor e também biólogo, retornam ao zoológico,
mas o chipanzé havia sido devolvido ao dono, um sujeito
suspeito, segundo o professor.
Rodrigo e Fernando decidem investigar o dono
do chipanzé, Nestor. Entram escondidos na casa dele,
encontram vários filhotes aprisionados e acabam sendo
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

levados junto com as jaulas de chipanzés para um caminhão.


Em seguida, os dois são colocados numa aeronave e, após
umas cinco horas de voo, param numa pista de barro na
Bolívia. Os passageiros clandestinos são descobertos. Eles,
então, conhecem Joana, uma jovem que também sabe a
linguagem de sinais e que treina os chipanzés para o crime, a
220

mando de uma quadrilha. Ela esclarece aos dois que alguns


chipanzés aprendem a linguagem de sinais e que ninguém
pode saber do conhecimento de Rodrigo acerca disso.
Rodrigo, Fernando e Joana, prisioneiros na Bolívia,
conseguem executar um plano de fuga com o auxílio
dos chipanzés treinados. Porém, para chegar ao Brasil,
eles passam por algumas intempéries no chamado trem
da morte. O livro vem acompanhado de um folheto de
apreciação da leitura e traz algumas sugestões de trabalho
com a linguagem, com a reflexão, com a pesquisa, com a
escrita, com a ampliação de leituras e com a proposta de
interdisciplinaridade que o texto incita.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O enigma dos chipanzés.
Ilustrações de Alberto Llinares. São Paulo, Saraiva, 2005. 95 p.
Uma peça de teatro
para aprender a
cuidar da natureza

Maria Laura Pozzobon Spengler81

O livro O protetor da natureza, de Rogério Andrade


Barbosa, é um texto para ser representado no teatro.
Informação que é apresentada ao leitor já na introdução,
na terceira página do livro, destacando a forma pela qual o
autor apresenta os detalhes que irão compor a história: as
personagens, o lugar e a época em que a história se passa,
bem como a descrição dos cenários e figurinos que podem
ser usados na peça e os momentos em que os atores
entram e saem de cena. Esse texto introdutório também
apresenta o formato da escrita de uma peça de teatro, com
diálogos entre as personagens e as ações e os pensamentos
que são mostrados na leitura por meio de parênteses ou

81
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
frases com letras em formato itálico. O texto é finalizado
com um pequeno parágrafo que conta a história do teatro.
Na sequência de páginas são apresentados o cenário
e as personagens da peça para, então, dar-se início à
narrativa. A história se passa no sertão nordestino, numa
terra árida cercada por cactos. Rosinha, filha de simples
camponeses, resolve aventurar-se em outras paragens para
conseguir ajuda e melhorar a vida da família.
Em outro espaço, na mata, uma criatura chamada
Pé de Garrafa, nome dado por conta de seu grande pé
esquerdo, destrói as flores que crescem dia a dia pelas
sementes jogadas por Gabê, o protetor da natureza, que
promete às flores protegê-las da criatura que as está
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

matando. Ao tentar atacar Pé de Garrafa com um pedaço


de pau, Gabê acerta uma paulada de raspão em Rosinha.
Os dois, depois de se conhecerem melhor, trocam favores:
a menina ajudará Gabê a encontrar o Pé de Garrafa e,
assim, o protetor da natureza lhe dará o pó mágico para
que ela consiga melhorar a terra do lugar onde vive e possa
222

“[...] plantar e colher à vontade” (BARBOSA, 2009, p. 17).


Procurando pela criatura responsável pela destruição da
mata, os dois envolvem-se em uma aventura.
Jô Oliveira, artista conhecido por suas ilustrações
nas quais utiliza da técnica de xilogravura, com traços
dos desenhos que acompanham as narrativas em cordel,
é quem assina o conjunto de desenhos que compõe, junto
com o texto escrito, a história narrada. As imagens de cores
vibrantes, por vezes, ocupam todo o espaço de uma página,
mas há desenhos de um ou dois elementos que surgem
em espaços delimitados.
As informações dos autores são mostradas nas
páginas finais do livro.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O protetor da natureza – Texto
teatral em quatro atos. Ilustrações de Jô Oliveira. São Paulo:
Larousse do Brasil, 2009.
Uma história de amor
entre Hinemoa
e Tutanekai

Arlete de Costa Pereira82

O livro Os amantes do Lago Rotorua (BARBOSA, 2005),


de Rogério Andrade Barbosa e ilustrações de Gonzalo
Cárcamo, traz apresentação do próprio autor, que relata sua
passagem por Nova Zelândia, em 1988, contando-nos um
pouco sobre os maoris, primeiros habitantes daquele local,
que procuram até os dias atuais preservar o patrimônio
cultural, com suas danças e cantos tradicionais. Segundo
Barbosa (2005), essa história foi adaptada de Hinemoa
e Tutanekai, um dos contos mais conhecidos, que vem
sendo passado de pai para filho há várias gerações e que
retrata a força do amor que é capaz de superar os maiores
obstáculos.

82
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
Inicia-se falando da Haka, a dança tradicional do povo
maori. O conto apresenta uma história de amor à primeira
vista entre Hinemoa, uma jovem bela, de cabelos negros,
e Tutanekai, um dançarino ágil e bonito, descendente dos
primeiros povoadores, povo conhecido como caçadores
de moas, gigantescas aves que foram perseguidas até sua
extinção. Hinemoa ao ver Tutanekai encanta-se e apaixona-
se perdidamente. Ambos ficam hipnotizados, enamorados,
mas terão o maior dos obstáculos que é vencer o zelo e
os ciúmes do pai de Hinemoa, já que, aos olhos do pai,
nenhum pretendente é digno da filha. A moça morava
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

em Owhata, uma aldeia que ficava do outro lado do Lago


Rotorua e, antes de entrar na canoa para retornar à sua
casa, Tutanekai despediu-se dela com um afetuoso aperto
de narizes – hongi, sussurrando em seu ouvido que todas as
noites tocaria sua flauta para ela. E assim, todas as noites,
o jovem cumpria sua promessa; no alto da rocha à beira da
224

água, ele tocava doces melodias de amor para a amada em


sua flauta putorino. Diz o conto que as canções eram “[...]
levadas nas asas dos ventos até a margem oposta” (Ibidem).
O rapaz, tinha como arma para conquistar a amada
somente sua flauta, mensageira do amor. Do outro lado
do lago, Hinemoa passava horas escutando as canções e
contemplando as águas enquanto planejava rever o amado,
até que ela tentou pegar um dos barcos de seu pai, mas,
impedida, decidiu construir sua própria jangada, usando
cabaças e cipós amarrados. O pequeno improviso flutuou
pelas águas geladas e, movida pela força da paixão, a moça
nadou na escuridão em direção à ilha, enfrentando águas
geladas e monstros comedores de gente, que habitavam
aquelas águas.
A jovem conseguiu chegar e, quase desfalecida de
cansaço e frio, alcançou um lago de águas térmicas onde
se aqueceu, adormeceu. Já com o sol brilhando sobre seu
corpo, foi encontrada por Tutanekai. Abraçaram-se forte,
tocaram seus narizes e, no dia seguinte, o jovem enviou ao
pai de Hinemoa um pedido de casamento que, após aceito
pelo pai, foi abençoado pelos deuses. A força do amor uniu-
os para sempre. O lago ficou conhecido como “Banheira
de Hinemoa”, ponto de atração na Ilha de Mokoia. No
Museu de Rotorua, há até hoje uma flauta que dizem ter
pertencido a Tutanekai.
Entre os paratextos, o livro traz, nas folhas finais,
mapas de Nova Zelândia caracterizando a formação do
país em duas grandes ilhas (do norte e do sul) e outras

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


pequenas ilhas. Traz também importantes informações
ao leitor sobre as maiores cidades, as atrações turísticas, a
colonização, os costumes, as pinturas, as músicas, a fauna,
incluindo, ao final, um pequeno glossário com expressões
em maori.
O livro finaliza com uma síntese e uma pequena

225
biografia do autor na quarta capa, que destaca alguns
prêmios, entre eles o de 2005, recebido da Academia
Brasileira de Letras de Literatura Infanto-Juvenil.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2006

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Os amantes do Lago Rotorua.
Ilustrações de Gonzalo Carcamo. São Paulo: Edições SM, 2005.
(Cantos do mundo). Não paginado.
Sangue
de índio

Marinaldo de Silva e Silva83

Classificado como literatura juvenil, Sangue de Índio é


uma das histórias de Rogério Andrade Barbosa que prima
pelo uso de uma linguagem realista. Partindo da violência
social e retratando um caso real que aconteceu na cidade
de Brasília, o texto é contextualizado como ficção.
A história começa com uma discussão familiar
sobre a violência urbana e sobre a intolerância, a partir da
ordem de um juiz que inocentou, ou amenizou, um crime
cometido por um garoto de classe média alta, branco e de
família abastada, que ateou fogo num índio num ponto de
ônibus, em Brasília.
Defensor dos direitos humanos, Sangue de Índio traz
como protagonista o garoto Érico que, após defender a
causa dos índios e brigar contra a covardia das elites e dos

83
Mestrando em Educação – PPGE – UFSC
que se acham melhores devido à sua classe social, apanha
covardemente de uma gangue cujo líder é justamente um
daqueles jovens baderneiros que acha que um índio é uma
raça menor, um estorvo.
Passado um tempo e já crescido, o jovem, ainda
sentindo os traumas da surra, sai da cidade e vai procurar
um lugar que ele ouviu dizer ser pacifista e encontra na
cidade de Alto Paraíso, no Estado de Goiás, o lugar perfeito
para viver. De acordo com os esotéricos, a cidade de Alto
Paraíso é um centro de energização e equilíbrio por estar
localizada sobre um bloco de cristal gigantesco, o que lhe

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


confere uma energia inigualável. Lá, ele encontra Tâmi,
uma garota mística que, com os mesmos preceitos morais
que ele, mostra sua indignação contra a desumanidade do
ser humano e coloca-o a par dos problemas que passam
no serrado, região onde está localizada Alto Paraíso.
Misturando aventura com pequenos lances de

227
romance e tocando na questão do tráfico de animais – o
lobo guará, típico dessa região, chega a desenvolver-se no
enredo como um dos personagens centrais – Sangue de
Índio diverte e, ao mesmo tempo, traz uma reflexão sobre
problemas contemporâneos.

Catálogo da Feira de Bolonha – 2000


Acervo básico FNLIJ – 2000

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Sangue de índio. Ilustrações de
Ciça Fittipaldi. São Paulo: Melhoramentos, 2006.
Movimento
estudantil:
agosto de 1992

Elika da Silva84

Rogério Andrade Barbosa convida o leitor a


encantar-se com a obra Rômulo e Júlia – os caras-pintadas,
lançado em 2006 pela editora FTD, com ilustrações de
Roberto Weigand. A obra apresenta ao leitor o movimento
estudantil de agosto de 1992, em que estudantes pintaram
o rosto de verde e amarelo para saírem às ruas, pedindo a
saída do então presidente da república, Fernando Collor
de Mello, devido a acusações de corrupção.
A narrativa, que se passa entre os meses de agosto a
dezembro de 1992, descreve, minuciosamente, o romance
de dois jovens que se conheceram durante o manifesto no
Rio de Janeiro, em que milhares de estudantes ocuparam

84
Mestre em Educação – PPGE – UFSC
a Avenida Rio Branco cantando e batendo palmas com
faixas e cartazes “[...] exigindo mais verbas para a educação
e a renúncia de políticos e autoridades corruptos”
(BARBOSA, 2006, p. 6). Em meio ao renascimento do
movimento estudantil, Rômulo e Júlia se cruzam; ele, um
dos mais atuantes no manifesto, vice-presidente do grêmio
estudantil de sua escola e membro da União Brasileira
dos Estudantes Secundaristas, era filho de um jornalista,
vítima da tortura, ex-exilado da década de 1960; ela, uma
menina tímida e assustada, fez amizade com o Rômulo
e ajudou-o a fazer a panfletagem da manifestação. O pai

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


dela era um militar, ex-torturador da época da repressão.
Os dois jovens se apaixonam, no entanto, o pai de Júlia, que
é muito autoritário, grosseiro e mal-humorado, controla
tudo o que ela faz e não a deixa namorar.
Os dois começam a encontrar-se escondidos e,
aos poucos, a história de Júlia acaba sendo desvendada.

229
Descobre-se que ela é, na verdade, filha de Maria Regina,
uma estudante torturada e desaparecida na década de
1960. No último capítulo, era mês de dezembro e Júlia,
por decisão da justiça, fica sob a guarda de seus avós
maternos. O então presidente, Fernando Collor de Mello,
renuncia e os dois jovens começam a namorar.
Enfim, esse livro é uma excelente sugestão de leitura
tanto para o público juvenil como para o adulto, porque
envolve e provoca o leitor a refletir sobre dois momentos
históricos: o período da ditadura, quando um movimento
politizado e militante sofreu sérias consequências por
conta da luta pelos seus direitos e quando muitos foram
torturados e/ou mortos; e o período dos caras-pintadas, em
1992, em que, com o apoio da imprensa, os jovens saíram
às ruas numa passeata “[...] tranquila e bem-humorada,
sem golpes de cassetete e bombas de gás lacrimogêneo
estourando a torto e direito” (BARBOSA, 2006, p. 6).
Altamente recomendável – jovens – FNLIJ – 1993
Catálogo da Feira de Bolonha – 1994

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Rômulo e Júlia – Os caras-
pintadas. Ilustrações de Roberto Weigand. São Paulo: FTD,
2006.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
230
Mistérios em ouro
preto: sobre uma
jaqueta, ser escritor e
uma cidade histórica

Zâmbia Osório dos Santos85

O Casaco Negro narra a história de Gabriel cujo


sobrenome é igual ao do insurgente Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes, herói nacional da Conjuração
Mineira de 1789. A história se passa onde Gabriel vai fazer
uma Oficina de Criação Literária, a cidade de Ouro Preto,
mesmo local onde seu pai fora estudante universitário.
Apesar de ter pais separados, ambos apoiaram a escolha
do jovem Gabriel, de 17 anos, pela produção literária. Ele
é um jovem que viaja a muitos lugares e conhece culturas

85
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
diferentes por meio da literatura, embora, conforme
a descrição apresentada na narrativa, não seja ele um
estereótipo de rato de literatura apartado da vida juvenil; o
garoto é praticante de esportes e tem a pele bronzeada por
conta da prática das atividades físicas.
Após perder o ônibus direto do Rio de Janeiro para
Ouro Preto, Gabriel precisou fazer baldeação com parada
em Belo Horizonte, à noite, na rodoviária. Lá, reparou
em um homem mal-encarado, vestindo um casaco negro.
Cansado, Gabriel adormeceu e, ao despertar perto da hora
do ônibus partir, percebeu que o casaco negro estava sobre
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

seu colo e que o tal homem se foi. Ao chegar à cidade de


Ouro Preto, Gabriel foi auxiliado por um amigo de seu pai
dos tempos da faculdade, proprietário de uma galeria de
arte na cidade e pintor. Esse homem o acompanhou até a
república, onde Gabriel ficou hospedado. Após conhecer
as acomodações, ele decidiu sair para conhecer a cidade
232

e seus lugares, passando pela Igreja de São Francisco de


Assis, construída por Aleijadinho no século XVIII.
Ao retornar de seu passeio, a governanta da casa
entregou-lhe um pacote que foi deixado ali para que fosse
entregue ao moço de casaco negro que chegara na cidade
naquele dia. Esse pacote continha uma estátua de santo
com pequenas ranhuras numeradas, ranhuras que Gabriel
percebeu corresponder às numerações presentes nos
botões do casaco negro.
No decorrer da história, enquanto Gabriel elaborava
uma possível história para ser escrita durante a oficina, e
compreendia as nuances de escrever, ele tentava desvendar
o mistério em torno do casaco negro e da encomenda
recebida, aparentemente ligada a roubos de imagens
sacras de igrejas históricas, que vinham sendo noticiados
nos jornais. Inclusive, ao acompanhar as notícias, ele viu
uma reportagem referente ao assassinato de um homem
na cidade de Belo Horizonte, que foi sequestrado por
falsos policiais e deixado numa vala; a ligação desse caso
com o roubo de imagens sacras estava sendo investigada
pela polícia.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. O casaco negro. São Paulo:
Melhoramentos, 2003.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

233
No interior da
amazônia: sobre
ribeirinhos, caboclos
e lendas indígenas

Zâmbia Osório dos Santos86

O livro Mapinguari: o devorador de cabeças (BARBOSA,


1999) compõe a coleção infantojuvenil Um susto depois do
outro, criada pela editora FTD, coleção na qual Rogério
Andrade Barbosa já escrevera um livro, Os segredos da múmia
do gelo (BARBOSA, 1995). As histórias dessa coleção tratam
de personagens que, na busca por desvendar mistérios,
envolvem-se em aventuras que misturam o medo e a
adrenalina.

86
Mestranda em Educação – PPGE – UFSC
Em Mapinguari, as ilustrações de Roko mostram um
monstro assassino e contribuem para o clima de tensão e
curiosidade que envolve todo o livro. A narrativa leva esse
nome por tratar-se de uma lenda amazônica, derivada de
lendas dos indígenas dessa região do Brasil. Nas lendas, o
Mapinguari vive dentro da floresta e é um gigante com o
corpo todo peludo, de um olho só e com a boca na barriga.
É colocado como o responsável por uma série de mortes
estranhas ocorridas na população ribeirinha da divisa
entre os estados do Pará e do Amazonas, que mora nas
proximidades dos rios, em casas de palafitas (construídas

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


sobre troncos ou pilares para que não sejam levadas pela
correnteza dos rios). Os corpos das vítimas caboclas, nessa
história, são encontrados dilacerados e sem as cabeças.
Marco Polo, um jornalista freelance que acaba de sair
da faculdade, encara essa informação como uma chance

235
de fazer uma reportagem que abra as portas de grandes
jornais para a sua escrita. Com o apoio de sua namorada,
Letícia, ele parte de Belém para investigar as mortes. No
interior do estado do Pará, Marco descobre um processo
de degradação da floresta amazônica, causado pelas
madeireiras. Os moradores da região ribeirinha vivem em
condições precárias, sem luz elétrica, rede de esgoto ou
água encanada. Marco Polo escuta os poucos depoimentos
daqueles que se habilitaram a conversar e vai tomando
nota de tudo o que pode, mas, descrente da possibilidade
de existência de um Mapinguari, ele acredita que se trata
de uma fera faminta.
Entre as conversas, o jornalista descobre que há 15
anos houve ali o linchamento de um curandeiro acusado
de feitiçaria e que ninguém foi responsabilizado por isso.
São mistérios que se somam nessa narrativa, que vai
prendendo o leitor conforme se vai adentrando a mata
amazônica com essa leitura.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Mapinguari: o devorador de
cabeças. Ilustrações de Roko. São Paulo: FTD, 1999.
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa
236
Cícero e a busca
por direitos

Rosilene Koscianski da Silveira87

Lutando por Direitos (BARBOSA, 2005), história


ilustrada por Daisy Startari, traz na capa suas personagens
principais. Na moldura, o espaço-tempo espinhoso da
caatinga, terra que parece amaldiçoada. “Não adiantava
procissão, novenas e promessas. Fazia tempo que não
chovia, e a fome vivia sempre rondando seu casebre.”
(Ibidem, p. 3).
A saga do menino Cícero começa quando é ele
informado por seu pai de que seu animal de estimação,
o Direitos, será levado para o matadouro, por isso, ele
andava muito triste. “E não era para estar, pois dia de feira
é sempre motivo de alegria para as crianças como ele,
criadas no sertão” (Ibidem, p. 2). Mas o menino não podia
nem imaginar ficar longe de seu amigo, um cabritinho

87
Doutora em Educação – PPGE – UFSC
malhado, último sobrevivente de uma criação doméstica
que andava solto pelo terreiro.
Agarrado ao seu cabritinho, Cícero se esforça para
não chorar no caminho para a feira. O pai o apressa para ir
ao local onde se vendem animais. Gritarias, porcos imensos
e leitõezinhos chorões grunhem desesperadamente.
Feirantes reclamam, têm pouco dinheiro, somente de
alguns forasteiros. Um deles compra o cabritinho de
Cícero, que se afasta puxando Direitos por uma corda.
A ilustração, alternando as 22 páginas entre o colorido de
umas e o acinzentado de outras, metaforiza a disposição
A produção literária de Rogério Andrade Barbosa

do menino de não sucumbir à perda: ele decide lutar.


O menino resolve seguir o forasteiro para resgatar
seu bichinho. Ele se aproxima do carro que leva os animais,
afasta a lona que os protege e acomoda-se junto a eles.
Com o coração aos saltos, vê o motorista dar a partida. É a
primeira vez que Cícero sai sozinho e afasta-se da família.
238

A caminhonete parece voar e, agora, carrega um clandestino


passageiro. Cícero observa a paisagem, passa pela escola
primária onde há dois anos começara a aprender a ler, e
lembra de um tempo de encantamentos e descobertas, mas
também de muita canseira. Ao chegar em frente a uma
construção sombria, rodeada de urubus, Cícero constata:
é ali o matadouro municipal.
O menino pede ajuda ao guarda. Sem resultados,
mas esperançoso, pede também ajuda ao padre, que não
consegue resolver o problema. Indaga o sacristão e, depois,
vai pedir socorro na prefeitura, que estava fechada naquele
momento; anoiteceu e era melhor esperar amanhecer. Era
preciso reivindicar. A pequena cidade estava em polvorosa
com repórteres e muita gente. “– A praça é do povo... e
daqui eu não saio até o prefeito me atender”, assim decide
o menino, sob o aplauso de uma pequena multidão
(BARBOSA, 2005, p. 25.
Lutando por Direitos faz do nome da personagem
a metáfora da luta que começa muito cedo para os
meninos do sertão. O título carrega duplo sentido. A luta
do menino Cícero por Direitos ultrapassa o fato em si e
instiga o leitor a refletir acerca das batalhas diárias não
vencidas pela falta de persistência. Para o menino, não há
obstáculos intransponíveis e as estratégias são pensadas
no movimento. A narrativa mostra um Brasil de carências,
de paus-de-arara. Mas mostra também os pés descalços
que não desistem nunca, pés que trilham o caminho em
busca de (re)haver seus direitos. Uma história da qual vale

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


a pena conhecer seus meandros e saber do seu final. Um
livro para ser lido por crianças de todas as idades.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. Lutando por Direitos.

239
Ilustrações de Daisy Startari. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
A múmia do gelo e
seus segredos

Eliane Debus88

Catalogado como literatura infantojuvenil, o livro


Os segredos da múmia do gelo (BARBOSA, 1995), de Rogério
Andrade Barbosa, está dividido em quatro partes e o
leitor, num paratexto ao final do livro, é informado de que
a construção da narrativa nasceu de fatos verdadeiros: a
múmia do gelo realmente foi encontrada e noticiada pelos
meios de comunicação.
Urdida com fios factuais e ficcionais, Rogério
Andrade Barbosa constrói uma narrativa imersa em
suspense, toques detetivescos e curiosidades desvendadas.
A história tem início nos Alpes do Tirol, onde uma múmia
congelada é encontrada por um médico geneticista, Fritz
Weber, que foi colaborador de Josef Mengele nos campos
nazistas e vivia no Brasil clandestinamente. Incinerado o

88
Doutora em Letras. Professora UFSC.
corpo da múmia, o sêmen é levado para o Brasil, onde o
cientista, aplicando técnicas da Segunda Guerra Mundial,
começa a fazer experiências de fecundação, sequestrando
mulheres e matando-as, até nascer Gorky, que é criado
como um homem das cavernas. Sem a língua e com
instinto selvagem, o personagem começa a matar aqueles
que aparecem na casa.
Luísa, filha de um novo morador da cidade, é
sequestrada por Gorky, que é morto pelos policiais após um
confronto. A narrativa é entretecida com o aparecimento de
outro corpo no gelo e a discussão sobre a possibilidade de

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


fecundação, o que leva o escritor e a filha a perspectivarem
a possibilidade de Gorky ser um filho do homem do gelo.
Escrita com linguagem acessível e diálogos
constantes, a narrativa por certo prende o leitor.

Referência

241
BARBOSA, Rogério Andrade. Os segredos da múmia do
gelo. Ilustrações de Rogério Borges. São Paulo: FTD, 1995.
Voo pleno
em liberdade

Eliane Debus89

Em A vingança do falcão, Rogério de Andrade Barbosa


e Rogério Borges (com impecáveis ilustrações) apresentam
um hinário em defesa da natureza, em particular das
aves – o falcão-de-peito-laranja – que estão em extinção.
A proteção do ecossistema, o enfretamento entre a
preservação e a destruição, e o embate entre o homem e o
animal são os fios condutores dessa instigante narrativa.
A história de amor e constituição familiar do casal de
falcão-de-peiro-laranja é arrefecida pelas mãos humanas,
ou melhor, pelas balas de uma espingarda. Morta a
companheira, os filhotes são aprisionados em uma gaiola
e levados à feira para venda. O pai gavião consegue salvar
um dos filhotes da feira e outro é levado para um zoológico,

89
Doutora em Letras. Professora UFSC.
mas, com o auxílio de outras aves, a liberdade chega para
a pequena ave.
Um paratexto final apresenta uma ficha técnica da ave
em extinção, alertando o leitor para o cuidado com as aves.
Impossível sair da leitura sem problematizar criticamente a
destruição que cerca a flora e a fauna brasileiras.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A vingança do falcão.
Ilustrações de Rogério Borges. São Paulo: FTD, 1992.

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas

243
Aventuras e
descobertas na
Pedra da Gávea

Arlete de Costa Pereira90

Um pequeno livro de 70 páginas, dividido em 26


capítulos cheios de mistérios e suspenses envolvendo
Vinícius, um jovem que, ao fazer um passeio de asa-
delta sobre as praias da zona sul do Rio de Janeiro, sofre
um acidente e cai ao pé da Pedra da Gávea. Ao acordar,
percebe que saiu quase ileso e ainda descobre, em uma
pequena pedra, algumas inscrições parecidas com “letras
mortas”. Assim inicia o livro A maldição das inscrições na
Pedra da Gávea, de Rogério Andrade Barbosa (BARBOSA,
1997), ilustrado por Marcelo Caribé, e classificado como
literatura infantojuvenil.

90
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
Ao copiar as inscrições, Vinícius inicia uma jornada
buscando decifrar a mensagem da pedra e, ao procurar
por respostas, ele conhece dois grandes professores
de arqueologia e a jovem Sumara, por quem acaba se
apaixonando. A partir daí, ele envolve-se em uma arriscada
aventura que quase lhe custou a vida.
A capa ilustrada com cores vibrantes apresenta o
jovem aventureiro voando de asa-delta, no entanto, são
poucas as ilustrações que compõem o interior do livro e
todas são em preto e branco. Uma história recheada de
mistérios e suspense, tendo como pano de fundo um

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


possível romance entre dois jovens universitários, ou
seja, um enredo envolvente para jovens que gostam de
aventuras, descobertas e mistérios.

Referência

245
BARBOSA, Rogério Andrade. A maldição das inscrições na
Pedra da Gávea. Ilustrações de Marcelo Caribé. São Paulo:
FTD, 1997.
O sumiço das
tartarugas

Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi91

O livro S.O.S Tartarugas Marinhas, do autor Rogério


Andrade Barbosa, está na segunda edição, segunda
impressão e o texto de acordo com o Novo Acordo
Ortográfico da Língua Portuguesa. Sua organização
narrativa é composta por 12 partes e a obra traz informações
sobre as temáticas do meio ambiente e das relações de
consumo, tendo como ênfase a preservação de animais
ameaçados de extinção.
As ilustrações de Roger Mello apresentam imagens
no negativo, criadas sobre um fundo branco com o
contorno do desenho raspado, resultando numa ilustração
com características semelhantes às gravuras em metal,
demarcando algumas partes da história.

91
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
A narrativa de Rogério Andrade Barbosa acontece
na Bahia e apresenta elementos de referência cultural e
geográfica, como o Pelourinho, a Casa de Jorge Amado, a
Praça Castro Alves, o Elevador Lacerda, a Praia do Forte,
além de referendar informações para a ficção oriundas do
Greenpeace, Tamar – Programa Brasileiro de Conservação
das Tartarugas Marinhas, Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e das Organizações
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco).
A história tem como protagonistas Patrick Grant,

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


que é um biólogo irlandês; sua filha Janaína; Pedro,
que é um filho de pescador local; e Aurélio, que estuda
Oceanografia. No transcorrer da história, eles se envolvem
em uma investigação que desencadeia uma experiência
arriscada para auxiliar as autoridades no combate a uma
quadrilha internacional especializada no contrabando de

247
animais em extinção.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. S.O.S. tartarugas marinhas.
Ilustrações de Roger Mello. São Paulo: Melhoramentos, 2005.
A magia de
muiraquitã

Waleska Regina Becker Coelho de Franceschi94

Rogério Andrade Barbosa, em seu livro A viagem


de Shaozu, constrói uma ponte literária entre as culturas
de dois países: a China e o Brasil. Alguns dos elementos
históricos, culturais e sociais da imigração chinesa no
Brasil são abordados durante o enredo.
A ilustração de Eduardo Engel apresenta, de forma
detalhada, cada elemento da narrativa, representando para
o leitor as diferentes realidades culturais descritas no texto.
Nessa história, Shaozu é um garoto chinês que,
honrando o significado do seu nome, busca trazer
dignidade aos seus ancestrais. Ao investigar o passado de
seu tio-avô, ele descobre que a relíquia herdada de seu
ancestral distante, guardada em um estojo de prata, é um

94
Doutoranda em Educação – PPGE – UFSC
artefato indígena chamado muiraquitã que possuí uma
essência mágica.
Como no conto de Chung Tzu, o menino com
a guarda do muiraquitã, sonha que é uma borboleta e
acompanha o seu tio-avô em terras brasileiras desde a
chegada em São Paulo até Porto Velho, no período da
construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM),
que foi efetivamente construída entre 1907 e 1912 e tem
366 quilômetros de extensão, atraindo pessoas de todo
o mundo e sendo responsável pelo desenvolvimento da
capital no século passado. Essa estrada foi popularmente

Da temática africana e afro-brasileira a outros temas


apelidada de ferrovia do diabo porque, durante a execução
da sua obra, milhares de pessoas que nela trabalhavam
morreram principalmente por terem contraído doenças
tropicais.
Shaozu, ao viajar no tempo, transpõe fronteiras e
desperta para o conhecimento de realidades culturais

249
distintas ao seu país de origem.

Referência
BARBOSA, Rogério Andrade. A viagem de Shaozu. Ilustrações
de Eduardo Engel. São Paulo: Melhoramentos, 2008.

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