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Comida para aproximar
humanos e deuses
Além de nutrir, a comida pode ter diferentes intenção de devolver o alimento transformado
significados: é uma forma de expressar um à natureza, que lhe deu o que comer. São as
sentimento, de socializar, de dizer algo a al- chamadas oferendas, agradecimentos à pró-
guém. Assim como as receitas de família são pria natureza. O Batuque, assim como as de-
passadas mãe para filho, o modo de cozinhar e mais religiões africanas, é uma das poucas que
o modo de sentar à mesa revelam muito sobre distribui comida de forma totalmente gratuita
quem somos, os fatores ecológicos, históricos, em suas comemorações religiosas. Além disso,
sociais e econômicos, dos mais diversos siste- o próprio ato de comer e compartilhar o alimen-
mas alimentares que temos no mundo, mos- to é um preceito sagrado dessa tradição.
trando a relação que os humanos têm entre si e A comida para essa religião vincula-se à
com a natureza. identidade do seu povo. A ideia aqui é que a
A natureza é sagrada e tudo aquilo que ela comida seja uma espécie de linguagem, usada
nos dá é sagrado. Ao oferecer um alimento a como facilitador, no diálogo entre pessoas que
uma divindade ou outra pessoa estamos de- professam ou não dessa fé. Podemos dizer que
volvendo a essa mesma natureza, em forma o modo mais fácil de penetrar as diversas cul-
de sagrado, parte daquilo que ela nos fornece, turas, mais que decifrar a linguagem, é comer a
como um agradecimento. A relação com a co- comida do “outro”. Logo, o sistema alimentar de
mida está diretamente ligada à cultura e iden- uma cultura se organiza em um código de va-
tidade de um povo, afinal, comer pode ser um lores e, quando percebida além do contexto do
gesto de celebração, de afirmação social, além dia a dia, ganha traços simbólicos, que repre-
de resistência e propagação de valores — não é sentam determinada cultura. A intenção deste
à toa que é recorrente nas falas das cozinheiras compilado de receitas não é ser um instrumen-
de terreira que as preparações devem ser feitas to do sagrado, muito menos de propagar a reli-
com o olhar altivo e com pensamentos nobres. gião, mas ser um facilitador de diálogo.
O Batuque tem em suas principais tradições Outra ideia é trazer a culinária rio-granden-
a de preparar alimentos para o sagrado, com a se de origem preta, que tem uma característi-
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verdade, mas incontáveis verdades. E todas 0,3% da população nacional. Na contramão, o
ca especial. Pratos como quibebe, mondongo “Comer é um ato hospitaleiro, a mesa sempre
elas trarão o crescimento da humanidade e Estado Rio Grande do Sul soma cerca de 1,6%
ou buchada, mocotó e feijão campeiro estão aproxima as pessoas e os deuses”.
a preservação do mundo. Acabaste de indivi- da população e, enquanto no país o número de
presentes em muitos Centros de Tradições
dualizar a humanidade e agora cada indivíduo afro-religiosos diminuiu, em nosso Estado esse
Gaúchas (CTGs) do Rio Grande do Sul e até
precisará ouvir e entender a verdade do outro, número aumenta.
mesmo fora do estado. Quando falamos em
O mito da
para se compreenderem como seres coletivos. Nas páginas a seguir vamos discorrer so-
pratos típicos, podemos dizer que os indí-
Ewá secou suas lágrimas e seguiu feliz pilan- bre os aspectos fé e cultura dos povos afro de
genas são responsáveis por grande parte da
do todo o alimento do mundo. (PINTO, 2018). modo a ajudar no ensino de História, cultura e
“nossa” tradição, em pratos como o churrasco,
verdade
O mito acima exemplifica a intenção do Gastronomia. Este livro consiste em uma se-
carne assada na brasa e outros tantos que le-
nosso texto. Nosso interesse não é firmar uma leção de receitas apresentadas em folha du-
vam farinha de mandioca. Desse caldeirão de
verdade absoluta, mas expor uma das diver- pla, com os pratos que são compartilhados em
culturas nascem pratos típicos da gastrono-
sas verdades sobre os alimentos rituais do Ba- algumas festas de Batuque e ofertados aos
mia regional do sul do Brasil. Sendo assim, não
tuque, mesmo porque cada casa possui sua Orixás, e também um pequeno Itã para contex-
queremos expor se esses alimentos, mitos e
Nação e uma tradição própria de origens dife- tualizar a escolha dos pratos a partir das prefe-
ritos estão presentes em todos os terreiros,
O Ayê (a terra) e o Orum (espaço sagrado) eram renciadas. Desse modo, os pontos levantados rências alimentares dos próprios Orixás. O livro
mas sim, sobre os elementos que contribuam
separados por um grande espelho, por meio do podem ser aprovados ou desaprovados por segue a ordem de apresentação das oferendas,
para a formação da memória gustativa e ele-
qual Olodumàré (o ser supremo) acompanhava uma autoridade tradicional de matriz africana assim como no culto, indo de Bará até Oxalá.
mentos simbólicos nessa tradição.
todos os acontecimentos do mundo, que eram que leia o trecho. Para Xapanã apresentamos duas receitas, uma
Conforme falarmos dos pratos e dos Orixás,
refletidos nesse espelho, mostrando assim, O livro é resultado de dois anos de pesquisa delas inclusive utilizada como fonte de renda
contaremos uma de suas diversas histórias,
apenas uma verdade sobre o cosmos. e observações em terreiras de Caxias e região pelos escravos recém libertos, e vendida nas
que envolvem deuses e homens, plantas e
Ewá1, filha de Olodumàré, era responsável (como Ylê Iyá Axé Imolé Osupá e Tenda Cabo- ruas de Porto Alegre. Também trazemos a be-
animais, elementos da natureza e vida em so-
por pilar todo o alimento do mundo em um clos de Aruanda), trabalhando e compilando bida que se tornou preceito fundamental no
ciedade. Assim, pode-se observar que as es-
grande pilão. Seu pai a recomendou que tives- os diversos pontos de vista dos entrevistados batuque, o Atã.
colhas alimentares do cotidiano são pautadas
se cuidado para não bater com a mão do pilão que em sua maioria oriundos da Nação Jeje/ A construção desse material foi feita sob
muitas vezes pelo sagrado.
no grande espelho. Ijexá. Apesar de nosso Estado, e principal- supervisão de sacerdotes colaboradores de
Pratos tradicionais, alimentos sagrados, ri-
Um dia, Ewá realizava sua tarefa muito fe- mente a região da Serra, ser considerado um matriz africana, e busca combater o racismo,
tos incorporados à nossa cultura que de ma-
liz, cantando e dançando, quando então o aci- dos estados mais europeus do país, de acordo bem como contribuir com a difusão da cultura
neira intrínseca estão presentes no dia a dia
dente aconteceu. Ewá, assustada, chorando com o Censo de 2010, os praticantes de religi- alimentar africana.
de todas as casas. Todas as receitas listadas
muito, foi contar ao pai o que havia acontecido, ões de matriz africana somam pouco mais de
estão presentes em algum tipo de bênção, po-
rém sem o processo que envolve a ritualística, com medo da sua reação. Para sua surpresa,
são alimentos do cotidiano, podendo ser feitas, Olodumàré, com serenidade, acariciou seu Ori
desde que com o máximo de respeito, e servi- (cabeça) e disse: 1 Ewá, divindade feminina do panteão africano, é um dos Orixás cultuados no lado de Oyó, porém,
dos nas mais diversas cerimônias, e degusta- — Minha filha, quebraste o espelho? Que bom! o culto a essa divindade se perdeu no Rio Grande do Sul, provavelmente por não se dar cabeça a
das para agradar até os paladares mais divinos. A partir de agora não teremos mais uma única esse Orixá. Ligada à morte. Ewá é a dona do buraco.
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ITÃ DE BARÁ
Axoxô
INGREDIENTES muito para que chegasse a primeira criatura, delas. Oxalá, agradecido, esqueceu-se de sua
300g de milho seco (preferecialmente o vermelho) com uma enorme oferenda. Bará tomou em pendência com Bará e resolveu recompensá-
1 litro de água suas mãos a oferenda e a criatura exclamou: -lo. “De agora em diante, quem quiser me fa-
de Bará
50g de mel “são para Oxalá!” Bará respondeu que o Oriá zer uma oferenda, terá que fazer a ti também”,
não quer ser incomodado: “o presente passa disse Oxalá. Bará gostou tanto da ideia que re-
PREPARO e o chato fica!” Disse ele após dar uma batida solver fazer da encruzilhada sua morada. Essa
u Deixar o milho de molho por 24h. v Em uma pa- nas costas da criatura. (FRANCHINI; SEGAN- prática se estendeu aos demais Orixás. Sempre
nela, colocar para cozinhar o milho demolhado, a FREDO, 2015, p.9) que alguém faz uma oferenda a qualquer Ori-
água e o mel. w Quando macio, escorrer e colocar Ao final do dia, voltou Bará ao palácio com xá, deve fazer primeiro a Bará, a não ser, é claro,
em um alguidar. x Servir de pronto. as diversas oferendas que havia coletado na que queira provar da força de seu porrete.
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ITÃ DE OGUM
Churrasco
abundância. Ogum havia ensinado os homens
PREPARO
PARA A CARNE: u Tempere e salgue a
costela. v Asse em brasa ou no forno a plantar, dando-lhes o segredo das colheitas
até o ponto desejado. PARA A FAROFA: e tornando-se, assim, o patrono da agricultu-
ra (PRANDI, 2001). O mito também revela que
de Ogum
u Misture o dendê e a farinha de man-
dioca com as mãos. v Tempere com sal Ogum também ensina os homens a caçar e
a gosto. w Sirva a costela acompanhada forjar o ferro para as armas, sendo um dos Ori-
da farofa. xás responsáveis pela fartura e pela alimen-
tação dos seres humanos.
USO SAGRADO
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ITÃ DE IANSÃ
USO SAGRADO
u Deixar o feijão de molho de um dia para Para Oyá, o acarajé é de feijão fradinho
é comum em histórias desse Orixá –, para que
o outro. v Moer o feijão, com casca, após feito com casca, podendo variar para
pudesse fugir com seu amado, e assim o
fazer uma mistura de sal cebola e água. Oxum, a quem é feito com o mesmo fei-
fez. Esse mito é replicado no Xirê, em forma
w Deixar descansar por três horas em jão, porém descascado, ou ainda com fei-
de dança protagonizada por Oyá e Ogum. Na
temperatura ambiente. x Bater em uma jão miúdo, descascado, que é geralmente
maioria das Nações, são confeccionadas gar- santo, e duas garrafas são colocadas no meio
tigela por cerca de 20min sempre de bai- ofertado a Oxalá.
rafas de atã, bebida associada a Ogum. Baba do salão e, em volta delas, é encenada a batalha
xo para cima, até que cresça. y Depois
Phil descreve que se entregam duas espadas mítica em forma de dança e sob a entonação de
fritar em dendê ou óleo de soja.
a esses Orixás, montados em seus cavalos de rezas específicas (CORRÊA, 2016).
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USO SAGRADO
Para uso sagrado, adicione os seguintes procedimentos: u em uma gamela de madeira, for-
re com o pirão, após a carne com a mostarda no centro; v ao redor coloque de forma distri-
buída de 6 a 12 bananas descascadas até a metade em seis pétalas, com a ponta molhada no
dendê, imitando uma coroa; w adicione também uma maçã cortada em 4 pedaços e 12 bom-
bons sobre o amalá. y A tradição recomenda que se coma esse prato em pé ou sentado no
chão, utilizando apenas os dedos para levar a comida até a boca, não cabendo usar talheres.
ITÃ DE XANGÔ
600g de peito bovino 300g de molho de tomate com mendigos pelos amigos de Xangô.
2 maços de folhas de mostarda dendê a gosto Com fome, pediram algo para comer e
1kg de farinha de mandioca sal a gosto foram servidos de restos de comidas em
1 cebola picada 2 litros de água um cocho. Ao ver a situação, o rei de Oyó
2 tomates picados pediu clemência a seus pais e disse que
todos deveriam ser tratados da mesma ma-
neira, fazendo referência, aqui, ao fato de ser
PREPARO
u Corte a carne em cubos e sele em panela quente com dendê. v Acrescente a cebola e o
tomate e refogue. Depois, adicione o molho de tomate. w Acrescente agua até cobrir a car- um Orixá muito justo. A partir disso, seus ali-
ne e cozinhe até que ela fique macia. x Separe e lave 12 folhas de mostarda, retire os talos, mentos foram servidos em gamelas para dar
dê uma leve macerada com as mãos e reserve. y Após a carne cozida, adicione as folhas exemplo a todos de seu reino, a fim de que o
de mostarda e deixe cozinhar nesse molho. U Em uma panela separada, adicione a água e respeito aos mais velhos jamais fosse esque-
um pouco do molho do cozimento da carne. V Adicione a farinha de mandioca aos poucos, cido. Outra versão diz que, devido a um cas-
mexendo constantemente para que não forme grumos, formando um pirão. W Cozinhe até tigo sofrido, por derrubar Oxalá no chão ao
que a massa esteja translúcida, ou seja, firme e levemente transparente. X Sirva no prato, correr atrás de Iansã que prepara o amalá.
de um lado o pião, de outro o amalá. at Se for servir em gamela de madeira, pirão embaixo e
carne sobre o pirão.
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ITÃ DE OBÁ
Feijão de Obá
milão, foi direto até a gamela onde estava o
INGREDIENTES
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ITÃ DE ODÉ E OTIM
Chuleta suína
conhecendo o amor de seu filho pela
jovem moça, Iemanjá concedeu a ela
INGREDIENTES
de Odé e Otim
2 folhas de couve ou alface um Orixá (SILVA, 2017).
1 dente de alho Na versão de Otim, vamos assim chamar, o
sal a gosto mito conta que Otim era um jovem rapaz cheio formara em uma pessoa solitária, revelou-se,
de segredos e que certa feita montou em seu então, uma bela mulher. Passando por ali com
cavalo e fugiu de sua aldeia. Cansado, recos- os frutos de sua caça estava Odé, que, com
tou-se em uma árvore e pegou no sono. So- sua faca cortou os animais, dando a pele para
PREPARO
USO SAGRADO
u Tempere as chuletas com sal e alho e re- Geralmente corta-se um dos ovos em
serve. v Branqueie as folhas de couve em sentido vertical e o outro no sentido hori- nhou que um caçador lhe mandou fazer um cobrir o corpo de Otim e a carne dando-lhe de
água fervente e reserve. w Em uma frigi- zontal, simbolizando o feminino e o mas- ebó, com suas roupas e sua faca, e assim o comer; ensinou-a, também, a caçar e a cozi-
deira, grelhe as chuletas. x Sirva sobre a culino. Se optar pela alface em vez da fez, sem vergonha de sua nudez, que o trans- nhar (BARBOSA JUNIOR, 2017).
folha de couve, acompanhada dos ovos. couve, use-a crua.
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ITÃ DE OSSANHA
Opeté de Ossanha
as folhas deveriam ficar com Ossanha, que, em
agradecimento, deu uma folha para cada Orixá
e com ela seu segredo. Entretanto, os segredos
mais profundos guarda consigo.
Outra versão do mito diz que ele ficou preso
em uma armadinha na floresta e pediu que a
dona dos ventos, Oyá, soprasse um vento
INGREDIENTES
PREPARO
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ITÃ DE XAPANÃ
Farofa de Xapanã
assim ela iria ajudá-lo. Ela pegou algumas pi-
pocas e jogou no corpo do filho, e como mágica,
uma a uma das feridas foram sumindo.
Após isso Xapanã sai do jardim tão bom
como havia entrado. (PRANDI, 2001)
INGREDIENTES PREPARO
200g de amendoim torrado sem sal e sem casca u Pilar o amendoim. v Misturar o amendoim
200g de farinha de mandioca com os demais ingredientes e servir.
100g de açúcar
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ITÃ DE XAPANÃ
Sarrabulho de Xapanã
festa. Ogum tentou ajudá-lo, cobrindo-o
com uma roupa de palha que escondia
todo seu corpo, dos pés à cabeça. Xapanã
então entrou na festa, mas não se sentia à
vontade. Oyá, que acompanhava tudo, ficou
comovida com Xapanã. Então esperou que
INGREDIENTES
200g de coração de porco 100g de cebola picada ele passasse ao centro do barracão, onde
100g de fígado suíno 10g de alho picado ocorria a festa. Quando o avistou, soprou
200g de coração de cabrito 100g de fígado de cabrito um vento sobre suas roupas de palha, que
200g de coração de ovelha orégano e coentro a gosto levantaram e, com o vento, suas feridas pu-
100g de fígado de ovelha sal a gosto laram de seu corpo em uma chuva de pipocas
(PRANDI, 2001).
USO SAGRADO
PREPARO
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USO
SAGRADO
Os Ibejis gostam muito de doces, logo todos os doces lhe são ofertados. Como qualquer
criança, eles têm uma grande paixão por bolo de chocolate. Em algumas famílias serve-se
amalá, por estar ligado a Xangô, entretanto, troca-se a carne por camarão ou galo. Sempre
servir doces em número par.
Bolo de
dade incrível de tocar tambor, presente esse re-
cebido de sua madrinha Iemanjá. Nesse mesmo
período mítico, a morte começou a se mostrar
INGREDIENTES
chocolate
270g de açúcar 70g de chocolate em pó dos os seres humanos muito antes de sua hora.
100ml de óleo 50ml de leite A notícia chegou aos ouvidos dos irmãos per-
240g de farinha de trigo 20g de manteiga cussionistas que, cansados de incomodar a vizi-
dos Ibejis
100g de chocolate em pó nhança, resolveram importunar da morte. Assim,
240ml de água
munidos de seus tambores mágicos, partiram
15g de fermento químico
em direção à trilha que levava até a morte. Um
deles foi à frente tocando seu tambor, enquan- ram a revezar o tambor e a deixar a morte cada
to o outro seguia escondido em meio à mata. vez mais cansada. Após muito implorar, a criança
PREPARO
A morte, ao ouvir o som do tambor, começou a disse que só pararia de tocar se a morte paras-
PARA O BOLO: u Em uma tigela, coloque os ovos e o açúcar e bata. v Em seguida, acrescente o dançar hipnotizada. O plano era que quando um se de matar as pessoas antes do tempo. A morte
óleo. w Acrescente a farinha e o chocolate em pó peneirados. x Acrescente a água morna e vá irmão cansava o outro tomava seu lugar para retrucou e então a criança ameaçou tocar para
misturando delicadamente para que tudo incorpore. y Por último, acrescente o fermento. U Co- continuar tocando. Por serem idênticos, a morte sempre, afinal de contas, a morte nunca morre.
loque a massa em forma untada e polvilhada com chocolate em pó. V Leve ao forno pré-aquecido não percebia a troca e continuava a dançar. Após essa ameaça, a morte concordou com o
a 180°C por cerca de 40 minutos. Tal dança correu durante dias e dias e a mor- acordo e, no instante em que o tambor parou de
PARA A COBERTURA: u Coloque todos os ingredientes em uma panela e leve a fogo médio. v te, cada vez mais cansada, pedia incessante- tocar, a morte caiu de cansaço. Essa foi a forma
Fique sempre mexendo e, quando ferver, mantenha no fogo por mais 2 minutos. w Despeje sobre mente para que a criança parasse de tocar, mas, pela qual os Ibejis impediram a humanidade de
o bolo morno. x Espere esfriar e sirva. mesmo assim, a criança não parou e continua- ser extinta (FRANCHINI, 2015).
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ITÃ DE OXUM
Xinxim
axé não fora convidada para a festa.
INGREDIENTES
de Oxum
200g de coxa e sobrecoxa de frango prometendo uma festa em sua homenagem
10g de alho picado a partir desse momento. Oxum se deu por sa-
100g de cebola picada tisfeita e cobriu a terra com o seu axé, sua
óleo a gosto fartura e sua fertilidade (SILVA, 2017).
sal a gosto Esse Orixá parece gostar muito de doces.
Oxum é “a dona da quitanda” e, de modo geral,
as frutas a ela pertencem.
PREPARO
u Em uma panela grande, cozinhe o frango e após desfie. v Aqueça o óleo e acrescente a
cebola e o alho e refogue por cerca de 1 minuto. w Adicione o frango e refogue rapidamente.
x Adicione a água e deixe aquecer. y Abaixe o fogo e junte aos poucos a farinha de milho,
mexendo cuidadosamente com uma colher de pau. U Cozinhe em fogo baixo mexendo con-
tinuamente até obter a consistência desejada, aproxidamente 35 a 40 minutos, e sirva.
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ITÃ DE IEMANJÁ
Canjica
se transformaram em um grande lago e esse
cresceu até dar origem ao mar. Entretanto, as
lágrimas eram tantas que o mar ocupou gran-
PREPARO
branca de
o outro. v No dia seguinte, troque a água de parte da terra, se fazendo presente em
e cozinhe em fogo brando. w Quando a todos os locais do planeta, garantindo que
canjica estiver al dente, escorra a água e não mais faltasse alimento e que nenhuma
Iemanjá
adicione leite, açúcar e canela em pau. x criatura viesse a sentir sede ou fome. Tam-
Cozinhe até ficar bem macia e sirva. bém ofereceu seu leite materno e cercou a
terra com rios, proporcionando o crescimen-
to de plantas e animais, dando esses domínios
a um dos seus filhos, Oxum (SILVA, 2017).
INGREDIENTES
USO SAGRADO
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ITÃ DE OXALÁ
Arroz de leite
pido cozinhá-los. Assim, ficou conhecido por
muitos nomes e também passou a ser chama-
INGREDIENTES
de Oxalá
1 litro de leite
Oxalá não come nada com sal, por não
250g de açúcar
1 unidade de canela em pau ter dado ouvidos aos babalaôs que o acon-
leite condensado a gosto (opcional) selharam a fazer uma oferenda com sal.
Também não bebe vinho de palma, mito que
já foi citado no capítulo anterior, e os animais a
PREPARO
u Coloque o arroz e a água em uma panela, leve-a ao fogo médio e deixe cozinhar até que o ele sacralizados podem ser de ambos os sexos,
arroz fique macio. v Diminua o fogo, adicione o leite e mexa vagarosamente até o leite quase sendo o único Orixá que “come com as mulhe-
começar a ferver, ou seja, não deixe levantar fervura. w Acrescente o açúcar, a canela em res” (CORRÊA, 2016, p. 109).
pau e mexa sem parar até o líquido ferver e ficar cremoso. x Sirva quente ou frio, temperado
ou não com leite condensado.
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ITÃ DO ATÃ
Um dia, todos os Orixás iam para uma festa. ajunta e o carrega até a festa. Chegando lá,
Xangô carregava Oxalá nas costas, por ser Oxalá furioso tira Iansã de Xangô e a dá em
muito velho e não poder caminhar sozinho. casamento para Ogum.
Perto do lugar da festa, Xangô vê sua noi- Os dois então vão morar na floresta, pró-
va, Iansã, carregando um prato de amalá na ximos da ferraria de Ogum, mas não conven-
mão. Esfomeado e apaixonado, sai em dispa- cido Xangô de sua Pedreira começa a cantar
rada, e acaba por derrubar Oxalá das costas, para Iansã fugir com ele. Iansã então prepara
que vai ao chão. Alguns Orixás passaram e uma bebida e chama Ogum, dá a ele a bebida
não viram o velho caído. Ogum, que passa- que o embriaga, quase que de imediato, e as-
va por último, ouviu os gemidos do velho o sim foge com o Xangô para a pedreira.
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Conclusão Referências
LODY, Raul. Santo também come. Rio de Ja-
neiro: Pallas, 2012.
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A experiência gastronômica é considerada uma
das melhores formas de intercâmbio cultural e
uma grande oportunidade de exercitar
aprendizado e respeito ao outro. Dentre as
tradições, a comida é uma das últimas a
desaparecer, sendo a tradição culinária o vínculo
mais duradouro de um povo.
Por isso, trazemos neste livro um compilado
de receitas e itãs (mitos) do Batuque, com a
intenção de ser um facilitador de diálogo entre os
adeptos e os não-adeptos dessa fé, bem como
combater o racismo e contribuir com a difusão da
cultura alimentar africana.
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