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Cristian Derosa

A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
Como a mídia de massa se tornou uma
máquina de propaganda
SUMÁRIO
PREFÁCIO – HEITOR DE PAOLA (PAG. 05)

INTRODUÇÃO (PAG.21)

I – JORNALISMO TRANSFORMADOR (PAG. 27)

O EXPERIMENTO – MENTALIDADE TRANSFORMADORA

II – A ERA DAS TÉCNICAS SOCIAIS (PAG. 35)

SOCIEDADE PLANIFICADA - OS INTELECTUAIS - AGENTES E AS AGÊNCIAS - TEORIAS FUNCIONALISTAS -


O ENFOQUE SISTÊMICO – UTOPIAS CIBERNÉTICAS - A ESCOLA DE FRANKFURT E OS ESTUDOS
CULTURAIS – EFEITOS DE LONGO PRAZO (AGENDA-SETTING)

III – O GOVERNO MUNDIAL (PAG. 111)

REVOLUÇÃO GLOBAL E NOVA ERA – A REVOLUÇÃO PELO CONTROLE – AMBIENTALISMO E NOVA


ORDEM MUNDIAL – JORNALISMO MILITANTE CONTRA A HUMANIDADE – ESPIRITUALIDADE GLOBAL –
LIBIDO DOMINANDI – ABORTO E A FORMAÇÃO DE OPINIÕES – A PRODUÇÃO DE SIGNOS NA
PROPAGANDA – RELEVÂNCIA SIMULADA E A PARTICIPAÇÃO POPULAR – A MODIFICAÇÃO DAS
PROPORÇÕES – O PODER DO ENTRETENIMENTO E AS IDEOLOGIAS

IV – DISCURSO AMBIENTALISTA NOS JORNAIS (PAG. 174)

O CASO DO DIÁRIO CATARINENSE

V – O CONTROLE DA MÍDIA (PAG. 185)

PROJECT SYNDICATE E OS ILUMINADOS - CONTROLE POLÍTICO DA COMUNICAÇÃO

REFERÊNCIAS (PAG. 200)


PREFÁCIO

Por Heitor De Paola

Os fatos não são adequados para os leitores em sua forma crua, apenas
depois de cozidos, mastigados e, então, servidos com a saliva do repórter.
Arthut Koestler

Para alguns observadores, a imprensa tinha um significado maior dos que


os próprios partidos políticos (...). Qual efeito pode ter, mesmo o maior
comício, quando comparado com a influência permanente que um jornal
diário possui sobre centenas de milhares, ou mesmo milhões (...) (o povo
alemão) recebia as ideias expressadas no seus jornais como um evangelho,
não apenas uma fonte de informações, mas como um órgão de
instrução....acreditam em tudo o que seu jornal preferido lhes diz....e os
homens que devotavam sua vida para informar eram, para eles, grandes
homens.
Modris Eksteins

O que está em epígrafe pode ser extrapolado para qualquer grupo


humano, em todas as épocas, com as devidas adaptações. Eksteins cita
observações de Rudolf Kircher, do Frankfurter Zeitung (1928) e Georg
Bernhard (1929). O Partido Nazista aprendeu bem a lição para fundar o seu
jornal Völkischer Beobachter e depois para estruturar o Ministerium der
Propaganda und Volksaufklärung. Aufklärung é a palavra alemã para
Iluminismo, não tem, portanto, conotação de simples “esclarecimento do
povo”, mas pretendia inaugurar uma forma específica de jornalismo como
“iluminação” do povo-raça (Volksdeutsch), um novo Iluminismo, um novo
Evangelho racial. Goebbels utilizava desta forma todas as mídias que
existiam então - imprensa, literatura, rádio e cinema – englobadas no seu
ministério.
Os estados totalitários nada mais fazem do que tornar monopólio
estatal a enorme influência da mídia sobre seus consumidores. Não somente
para filtrar o conhecimento servido ao povo, mas também para propiciar
transformações sociais desejadas pelo grupo que comanda as informações.
Como o autor, citando Bernays, nos mostra: “apesar do relativo sucesso da
campanha nazista nos meios de comunicação, Bernays salienta que a
persuasão encontra seu terreno fértil nas democracias liberais...”.
O vetusto The Times era indiretamente controlado já antes de 1912
pelo Milner Group, que efetivamente assumiu o controle em 1922, com a
finalidade de “influenciar a opinião pública na direção desejada pelo
grupo”. O Milner Group é derivado da Cecil Rhodes “secret” Society. Este
grupo pretendia unir o mundo, principalmente os países de idioma Inglês,
numa estrutura federal em torno do Império Britânico. Rhodes defendia a
acumulação de enorme riqueza para isto, Lord Milner discordava, dizendo
que se poderia conquistar o mundo através de propaganda, trabalho duro e
relações pessoais. Com o mesmo objetivo fundaram a Round Table, com a
finalidade de formar grupos de influência locais para agitação em defesa da
“federação” através de “controle da mídia, controle de estatísticas e controle
de pânico” (Quigley, op. cit). Antes da década de 20 idealizaram
detalhadamente a descolonização e a união das ex-colônias (British Empire)
na British Commonwealth of Nations, tornada realidade em 1949.
É desta enorme influência dos meios de comunicação que trata o
livro que muito me honra prefaciar. O autor trata com erudição e extrema
clareza o objetivo que traçou para si. Ao longo dos capítulos vai
desdobrando um mundo que poucos conhecem. Um mundo de grande
riqueza e esplendor que, não obstante, se deixa contaminar por vis e torpes
propósitos. O autor apresenta ao leitor a estrutura interna, o âmago, aquilo
que o leitor comum sequer é capaz de imaginar. Lemos um jornal,
assistimos a um programa de TV e, se somos interessados, acreditamos em
algumas informações, desconfiamos de outras, tudo de acordo com nossas
preconcepções. Parafraseando Koestler, “comemos e deglutimos as
informações sob a ação de nossa própria saliva”. Mas os meandros de que
trata este livro são desconhecidos do leitor comum.
Algumas partes muito técnicas tornam difícil comentar, mas a
leitura é fácil e agradável. Limitar-me-ei a comentários esparsos.

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Já de início coloca-nos frente a uma característica do novo
jornalismo que tem sido ensinado nas universidades, algo desconhecido
para a maioria dos leitores: a ideia de que a um jornal, ou outra mídia
qualquer, não cabe apenas informar, mas transformar a sociedade, tendo
ouvido de um professor que “... o único motivo pelo qual buscamos
conhecimento é a vontade de alteração da realidade, a modificação ou
controle do nosso meio social”, não como uma conclusão, mas como
premissa.
Esta afirmação, em sendo verdadeira, poria por terra não apenas o
jornalismo informativo, mas toda a pesquisa filosófica e científica de
séculos. Mas só por isto podemos ver qual a base deste ensino: a anti-
filosofia marxista. Marx afirmou que “Até então os filósofos limitaram–se a
interpretar o mundo. Cabe, agora, transformá–lo”. Marx pretendia acabar
com a filosofia como amor ao conhecimento para, em seu lugar, colocar a
práxis – a aplicação da teoria à prática. Chega de investigar! Não mais
buscar o conhecimento “para o simples conhecer ou simplesmente para
orientar-nos, adaptar-nos, conhecendo as opções disponíveis com vista à
ação individual” . Prossegue o autor: “Individualmente, ninguém normal
busca transfigurar a sociedade à imagem e semelhança de suas utopias. Ao
menos este anseio não pode ser visto como natural no ser humano, mas
instigado de fora...”.
Creio que aqui cabe um esclarecimento de ordem psicológica: este
anseio é natural em todos os seres humanos na fase de desenvolvimento
infantil. A criança muito pequena não aceita adapta-se ao mundo, mas quer
que o mundo se adapte a ela. Revolta-se quando percebe sua extrema
fragilidade e dependência, abre o berreiro quando se defronta com qualquer
aspecto do mundo real que a frustra. É uma das principais tarefas dos
adultos que a cercam ajuda-la carinhosamente a aceitar as crescentes
frustrações, de modo que aquelas fantasias onipotentes (utópicas) sejam
reprimidas e enterradas profundamente. Mas permanecem com o potencial
de serem despertadas frente a frustrações naturais. Se persistirem na vida
adulta, o que eram fantasias normais, configuram agora um afastamento
delirante do mundo real.
Eis que encontramos aqui a crueldade maquiavélica da proposta
marxista: apesar da aparência racional e “científica” ela apela tão somente
para as frustrações profundamente enterradas em todos os seres humanos
fazendo com que elas voltem à tona. Como diz Armando Ribas: “educar
com marxismo é como amamentar com álcool”. A analogia é perfeita, pois
a ideologia embriaga ao estimular o retorno das antigas fantasias, já
inconscientes, de ser capaz de mudar o mundo a seu bel-prazer. É o perfeito
idiota útil (apud Lenin).
A predominância desta estimulação doutrinária no meio
jornalístico, pedagógico, artístico e nos consultórios psicológicos é
devastadora. Não por outro motivo o autor anunciou no Capítulo II uma
nova era, a das técnicas sociais.

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O referido diagnóstico de Karl Mannheim foi precedido por suas


ideias sobre ideologia e utopia. Para ele Utopias políticas são wishful
dreams que inspiram a ação coletiva de grupos opostos com o objetivo de
uma inteira transformação da sociedade e que, para tal dominam o
pensamento social penetrando nas teorias científicas, na filosofia, na
história e nas ciências sociais.
Pode-se ver ao longo deste capítulo, através de uma dissertação
eficiente, como os meios de comunicação caminharam rumo ao controle da
opinião pública, não mais da transmissão e informação, como na primeira e
na terceira geração da história do jornalismo. Estas me parecem fases ainda
inocentes, virgens ainda não estupradas pela ideologia. Mesmo que ”A
concepção de jornalismo nesta fase estava na necessidade de orientar
socialmente o público”. Esta orientação carecia ainda da malícia que se
instalou depois.
Um ponto essencial deste capítulo é a sugestão de Lippmann de
que “para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser organizadas
para a imprensa, e não pela imprensa”. Isso mostra a dependência dos
órgãos de informação de uma “instância superior”, a casta dos intelectuais,
ou, como hoje abundam, dos especialistas. Os jornalistas já não emitem
mais opiniões próprias, mesmo nos editoriais, desde que elas contrariem
algum “especialista”.
Acompanho os jornais, e o rádio há quase sessenta anos, e a
televisão desde seus primórdios no Brasil. Nunca antes houve a atual
enxurrada de opiniões de “especialista”. Com exceção daqueles que se
especializaram em alguma ciência ou um médico, p. ex., estes são,
obviamente o que Gramsci denominou intelectuais orgânicos – e Olavo de
Carvalho de imbecil coletivo! A ânsia em demonstrar algo “científico”
como se se tratasse de ciências exatas têm levado a ridículos inimagináveis.
Gramsci mantém a ideia marxista do sujeito conhecedor e pensante
coletivo, mas faz uma distinção entre o intelectual “orgânico”, aqueles
conscientes de sua posição de classe – criado pela classe dos intelectuais,
pelo partido-classe – e o intelectual “tradicional” – aquele que mantém sua
autonomia e continuidade histórica. A organização da cultura é conseguida
exatamente através da hegemonia dos intelectuais orgânicos - organizados
como órgãos de um único organismo, o Partido-classe, o “intelectual
coletivo”.
Pasmem os leitores, existem especialistas em ética! Ora, uma coisa
é ser Professor de Ética, examinando o assunto nos textos dos filósofos,
outra é utilizar o jornalismo para “ensinar” seres adultos a serem “éticos”.
Como bem o diz o autor “Afinal, há sempre alguma elite de intelectuais ou
políticos que acredita ter em suas mãos a solução última, mesmo que a
maior parte da população discorde sobre isso. Então, toda a manipulação
parece se justificar para o bem supremo de toda a humanidade”. Exemplo
recente foi o Referendo sobre o desarmamento em 2005: contrariando a
auto eleita elite 63,94% dos brasileiros votaram contra. A tal elite, tão
pronta a defender a democracia o que fez? Ignorou o resultado como
produto de manipulação por parte de interesses escusos dos fabricantes de
armas e da “bancada da bala”. Até hoje o Estatuto vige. Outros plebiscitos
previstos, como o do aborto, foram rapidamente engavetados! Algo mais
importante, que comentarei adiante é o “aquecimento global” causado pelos
seres humanos.
Mas este ponto me permite abordar uma das três recomendações
do Milner Group acima citados: controle da mídia, controle das estatísticas
e controle do pânico. Sendo o primeiro objeto do presente livro como um
todo, abordarei agora o segundo. Com referência ao desarmamento são
frequentemente publicadas estatísticas de “exatamente quantas mortes
foram evitadas pelo Estatuto do Desarmamento”. São citados números
assustadores! Os desavisados se impressionam, mas é só pensar um pouco:
como surgem estes números tão exatos? Ora, a ciência estatística só pode
lidar com dados objetivamente verificáveis. Portanto, como saber quantos
assassinatos teriam ocorrido caso não houvesse esta lei? Isto obviamente só
pode ser uma interpretação baseada em dados não verificáveis,
transformando a ciência estatística numa adivinhação mágica: só com uma
bola de cristal que lhes permitisse conhecer o futuro que não foi, mas
poderia ter sido, e comparar com o que foi. Por que esta exatidão? Ela tem
três propósitos: 1. Dar um ar de cientificismo, 2. Justificar aquela lei ex post
facto e 3. Introduzir na mente do público a ideia de que aqueles que querem
revoga-las são monstros assassinos, como chamam no Congresso a
“bancada da bala”.
Quanto ao primeiro, ressalto o escrito pelo autor em relação à
matematização das ciências sociais: “No intuito de serem associadas à
cientificidade, e com isso angariar a tão disputada legitimidade social e
política moderna, as ciências humanas ocuparam grande parte da sua
história tentando aproximar seus métodos aos das ciências exatas”.
Frequentemente caem no ridículo aos olhos dos cientistas e qualquer pessoa
de bom senso com alguma cultura.
Outro tipo de especialista são autores como os citados Lippmann e
Bernays. Esses são técnicos em informação e propaganda, pesquisadores
cujas conclusões têm enorme importância para o exercício da profissão.

Outra afirmação com a qual concordo plenamente e que constitui


parte importante dos meus estudos, é que “ideias totalitárias são decorrentes
de ideias profundamente democráticas”. Por esta razão os framers da
Constituição Americana reconhecendo a necessidade da escolha popular
das autoridades, impuseram checks and balances, entre eles a eleição
indireta do Presidente, a Federação e a subsidiariedade, impediram que lá
acontecesse o que ocorreu na República de Weimar. Pelo menos até 2008!
Mas nem só de marxismo vive o livro. As técnicas de Lippmann e
Bernays são oriundas de outras paragens, inclusive a necessidade de intensa
propaganda empresarial devido ao rápido desenvolvimento da economia de
mercado no final do século XIX em diante.
Como diz o autor “O primeiro mito a se desfazer quando se pensa
em técnicas de controle social é o de que essas ideias são oriundas de
mentalidades ligadas a regimes totalitários. Estes regimes só aperfeiçoaram
e deram caráter mais técnico a uma necessidade dos próprios regimes
democráticos de caráter liberal”. Devo acrescentar, no entanto, que o
desenvolvimento da democracia liberal e da economia de mercado se deu
pari passu com a formulação das teorias marxistas. Ambos são filhos do
século XIX e as influências entre ambos se interpenetram. Adam Smith
(1723-90) e Jean-Jacques Rousseau (1712-78) foram contemporâneos. Seria
arriscado falar das influências entre eles, mas viveram o mesmo clima de
efervescência do Século XVIII, que culminou nas primeiras aplicações de
suas teorias: as do primeiro, na criação dos Estados Unidos da América, as
do último na Revolução Francesa. O século XIX presenciou o desabrochar
das ideias de Smith na prática política, e as de Rousseau no avanço teórico
de Marx e Engels. A primeira aplicação da proposição do Manifesto
Comunista de criação de um banco estatal e controle financeiro, entretanto,
foi a criação do Federal Reserve System em 1913. Embora essencialmente
privado é uma das instituições mais influentes no estado americano.
Sem dúvida os regimes totalitários aperfeiçoaram as técnicas das
democracias liberais, mas estas também, a partir de 1917, perceberam a
eficácia do controle social na Rússia despertando o sempre latente desejo
dos empresários e políticos dos estados democráticos na instituição dos
monopólios, como no caso do Federal Reserve que levou à bancarrota
milhares de pequenos bancos locais, eliminando a concorrência. À união
dos interesses dos magnatas monopolistas com as ideias políticas marxistas
gerou o que Olavo de Carvalho denominou de “metacapitalistas”, o
paroxismo de poder monopolista.
Um exemplo entre outros é a Gorgovsky Avtomovilny Zavod, a
montadora de veículos em Gorki instalada por Henry Ford em 1929. Em
troca da instalação Stalin compraria, ao longo de nove anos, 72.000
veículos. Para lá foram componentes, maquinaria e uma equipe de técnicos
americanos que permaneciam com os passaportes temporários retidos pela
OGPU (polícia política da época, antecessora do KGB). Estes últimos se
viram em maus lençóis por causa da baixa qualidade dos materiais e da
ineficiência dos trabalhadores soviéticos: acusados de sabotadores já que os
trabalhadores locais só podiam ser retratados como heróis, foram parar na
Sibéria ou foram executados. Pouco importava para Ford, que auferiu
grandes lucros, ou Stalin, que usou a Zavod para implementar a produção
de veículos militares.

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Apesar do jornalismo não ser minha área a experiência empírica


me mostra que a mídia nos EUA não foi tão afetada pela monopolização
como no Brasil. Lá ainda existem os jornais e as rádios locais e aqui estas
quase desapareceram. Lá, Reagan se tornou nacionalmente conhecido
através de cadeias de rádios locais formadas em grande parte de associações
espontâneas, apesar do evidente boicote das grandes redes de TV e dos
grandes jornais das metrópoles.
Na minha juventude as cidades interioranas tinham jornais diários
e emissoras de rádio. O que foi feito delas? Certamente não conseguiram
resistir à concorrência predatória da grande mídia. Já esta última, de tão
repetitivas, acabam parecendo a mídia “pluralista” soviética: Pravda,
Isviéstia, Krasnaya Zviezda, Komsomolskaya Pravda e outros. Lá, repetiam
ad nauseam as ordens do Partido transmitidas pelas Agências Tass e
Nóvosti; cá, as ordens da ONU transmitidas através de suas diversas
agências!

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Ao discorrer sobre os aspectos da cultura e a influência dos


intelectuais, o autor nos brinda com excelentes e profundas análises,
ressaltando as artimanhas estratégicas dos comunistas na área cultural,
principalmente, mas não somente, através da Escola de Frankfurt. Diz o
autor: “Ao converterem o capitalismo em um poderoso e temido sistema de
manipulação, ocultavam a imensa operação de que faziam parte”. É uma
perfeita caracterização de uma das principais táticas comunistas em todas as
áreas: "Acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é"!
Vejamos um exemplo bem próximo: o PT vivia acusando a todos
os demais partidos de corrupção e exclusão social. O que vemos neste
primeiro semestre de 2016 é exatamente isto: enquanto acusava os outros, o
PT surrupiava tudo que via pela frente e criou a maior exclusão social da
história do País. “Nunca antes neste País” houve tanta miséria, tanta
corrupção e tanto desemprego.
A influência dos intelectuais frankfurtianos levou à perversão da
palavra cultura. No entanto quero aduzir outro personagem: Franz Boas
(1858–1942), considerado o pai da antropologia americana, com tal
influência no meio acadêmico que hoje ninguém ousa contrariar sua
criação, a antropologia cultural. Fundou o primeiro departamento de
antropologia dos EUA, na Universidade de Columbia e foi curador de
Etnologia e Somatologia no American Museum of Natural History. Seu
livro The Mind of Primitive Man (1911) defendia que as diferenças entre as
raças não dependiam de fatores fisiológicos, mas de eventos e
circunstâncias históricas. Teve seu livro queimado pelos nazistas em 1930,
que revogaram seu Ph. D. obtido na Universidade de Kiel, tornando-se
imediatamente herói aos olhos de toda a Academia americana. Em 1940
editou Language and Culture.
Seu conceito de que as raças são apenas um construto cultural
estenderam-se depois para tudo o demais, apresentando ao mundo o
relativismo cultural, esta peste que se espalhou como erva daninha através
dos seus principais alunos, Alfred Kroeber, Ruth Benedict, Margaret Mead,
Bronislaw Malinowsky e Ralph Clinton. Se tudo é constructo cultural, a
realidade se torna impalpável. Foi um prato cheio para as esquerdas que
souberam aproveitar suas ideias para “desmascarar” a crença da
superioridade da civilização ocidental, considerada racista e xenófoba. Se
seu livro foi queimado pelos nazistas é por ser verdadeiro e quem ousa
discutir suas ideias é imediatamente um fascista e racista.
Margaret Mead empregou-as em seus estudos de campo com os
Maoris, tendo publicado Coming of Age in Samoa e a falsificação da
realidade para caber na teoria do mestre foi demonstrada por Derek
Freeman, entre outros. Tanto Freeman como outros pesquisadores ouviram
dos autóctones, objetos da pesquisa, de forma bem irônica, “que se viram
forçados a aceitar as teses da autora, tanto ela insistia estar correta”.
Embora a aplicação de suas teorias ao campo se mostrassem
apenas re-confirmações das concepções com as quais ela lá chegou, nada
adiantou. O relativismo cultural já está enraizado na mente ocidental de tal
forma que a mídia não tem como não repeti-la ad nauseam. Tornou-se
padrão mental do ocidente interpretar tudo como “cultural”. Esta noção se
espraia para a moral, a religião e tudo que é humano. Elimina-se toda a
gradação de valor e, por extensão, a transcendência. Nada mais existe que
não seja imanência cultural.
Tais conceitos reforçam a tendência ressaltada pelo autor: “Hoje é
praticamente impossível encontrar um curso universitário que não tenha
como base teórica a crítica ao Ocidente e ao Cristianismo. Uma das
evidências disto é que qualquer resquício de moral Cristã nas instituições
ocidentais é denunciado como evidência de um poder hegemônico
(acrescento: intolerante!) Cristão, capitalista e ocidental. E é justamente esta
a técnica de engenharia opinativa utilizada nos meios de comunicação de
massa”.
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Muito do que se sabe hoje sobre propaganda se deve a um


personagem, em boa hora citado pelo autor com destaque, aquele que talvez
merecesse o Prêmio Nobel de propaganda nos anos entre guerras: William
Münzenberg. Tal honraria lhe seria cabida se seu real papel não tivesse
permanecido como um segredo guardado a sete chaves. Provavelmente o
único comunista alemão oriundo da classe operária, sem pretensões
intelectuais, foi o primeiro grande mestre e criador de duas novas formas de
serviço secreto: um front propagandístico secretamente controlado e uma
rede de “companheiros de viagem” manipulados.
Münzenberg entendeu que a revolução precisava de algo mais do
que ganhar as massas. Numa reunião do Komintern, ponderou: “Precisamos
organizar os intelectuais. A revolução precisa dos formadores de opinião da
classe média – artistas, jornalistas, ‘pessoas de boa vontade”, novelistas,
atores, dramaturgos, humanistas. Lenin imediatamente se opôs, pois estes
eram seus mais odiados inimigos. Acabou se rendendo ao argumento de
Karl Radek: “precisamos evitar ser apenas uma organização comunista,
temos que trazer outros nomes, outros grupos, para tornar mais difícil a
perseguição”! (Koch, op.cit.).
Conseguiu convencer meio mundo acadêmico americano e da
mídia a criar uma verdadeira rede de propaganda para a disseminação de
que, qualquer opinião que servisse aos objetivos da URSS, derivava de
elementos essencialmente decentes da personalidade. Simultaneamente,
instilar o sentimento, como uma verdade da natureza, que criticar ou
desafiar a política soviética era uma marca de maldade, intolerância e
estupidez, enquanto o apoio àquelas políticas significava uma pessoa de
mente aberta e sensibilidade refinada, desejando o melhor para a
humanidade.
Eis aí o germe do que ainda vigora na atualidade: progressistas e
reacionários. Os primeiros são abertos às novas ideias, cultos, refinados e
tolerantes. Os últimos são grosseiros, intolerantes, truculentos e ignorantes,
não sabem pensar corretamente. No idioma russo existe um neologismo
para estes: niekultur (inculto).

Esta importância de ter a intelectualidade como “companheiros de


viagem” foi uma conclusão empírica genial de Münzenberg, muito antes de
Gramsci teorizar a respeito.
Uma lista dos órgãos de comunicação que pertenciam ao
“Münzenberg Trust” – como era chamado ironicamente pelos bolchevistas
– uma verdadeira multinacional comunista de propaganda com ramificações
em todo ocidente não cabe no escopo de num Prefácio. As consequências
em Hollywood foram devastadoras. Para aprofundamento indico além do já
citado de Koch o livro The Twilight of the Intellectuals: Culture and Politics
in the Era of the Cold War, de Hilton Kramer, Ivan R. Dee, 1999. Uma boa
revisão pode ser encontrada em https://www.bostonreview.net/books-
ideas/george-scialabba-review-twilight-intellectuals, e um importante
artigo do autor sobre as listas negras de Hollywood está em
http://www.newcriterion.com/articles.cfm/-The-Blacklist---the-Cold-War--
revisited-3249.

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Os principais grupos globalistas ambicionam o controle político e


econômico do mundo, e todos sabem que “para alcançar este objetivo há
que se controlar a mente humana”. Através das agências da ONU pretende-
se criar uma mente globalista, uma falsa identidade internacionalista através
da implantação de padrões internacionais de educação, saúde, legislação
trabalhista, e tudo o mais. “O inimigo comum de todos os blocos globalistas
é a liberdade individual... Mesmo quando a defendem buscam elevá-la ao
seu extremo, o que fatalmente vai expor suas fragilidades”. A liberdade é
um dom muito tênue e frágil e só existe se racionalmente limitada; elevá-la
ao extremo é esgarçar de tal forma o tecido social que leve ao seu
rompimento, criando um vácuo filosófico, moral e religioso. É para
preencher este vácuo que entram em cena novos conceitos
internacionalistas totalizantes.
Um dos principais instrumentos para a criação destes conceitos e a
impregnação da mente de todos os seres humanos é o politicamente correto.
Dos três blocos globalistas, só o Ocidental pode sofrer intervenção. O
Eurasiano e o Islâmico são, por suas próprias naturezas, totalitários e o
controle mental está na própria natureza dos regimes. É no Ocidente, onde
pela primeira – e única – vez na história da humanidade foi criado o
conceito de liberdade individual e, consequentemente, a liberdade de
expressão e religiosa, e os Estados Nacionais com suas características
específicas.
Porém, o indivíduo livre e consciente sempre existiu, condenado
ora como traidor, ora como herege, ora como louco, mas “é de fato
impossível de destruir ... (portanto) os grupos revolucionários globais
lançam mão de todo tipo de arranjo ideológico para ludibriar a opinião
pública e tornar suas demandas de poder e controle num anseio para a
humanidade”.
No entanto, como bem o diz o autor “Os intelectuais ocidentais
sempre demonstraram intuito de uma sociedade perfeita controlada por uma
elite de esclarecidos”. Controlada e planejada, porque não há nada mais
oposto ao reinado da liberdade do que o moderno planejamento estatal.
A ideia de um governo mundial tomou força no século XX. A
tentativa um tanto ingênua de Wilson de uma paz universal e eterna gerou
um filhote natimorto: a Liga das Nações, oficialmente extinta pelos estados
totalitários que nem sequer tomaram conhecimento de sua existência.
Depois da II Guerra Mundial Stalin usou seu agente no Departamento de
Estado Alger Hiss para planejar uma nova liga, desta vez mais forte e
corrigindo os erros da anterior, a ONU. Temendo que os Americanos
pudessem incluir os direitos individuais presentes em sua Constituição e na
Bill of Rights, criaram uma Declaração Universal dos Direitos do Homem,
coletivista, globalista e, principalmente, para universalizar de que os
direitos naturais não existem, só aqueles direitos que são concedidos pelos
organismos globais.
No entanto, a criação de um governo mundial não pode ser imposta
de cima, é preciso convencer a humanidade de sua necessidade; melhor,
fazer com que as pessoas desejem e acreditem piamente que a ideia partiu
do seio delas mesmas. Para tal, além da perversão educacional, a
importância dos meios de comunicação é crucial, assim como a criação de
agendas que mantenham a população permanentemente alarmada, com
dizia Mencken. Além deste estado de alarme permanente é preciso de
tempos em tempos criar situações fictícias de verdadeiro pânico somente
controlado pela “pronta ação da comunidade internacional”, outra ficção. O
controle do pânico, lembram, é a terceira recomendação dos fundadores do
The Times. Tais agendas são muito bem descritas pelo autor, principalmente
o ambientalismo, a ameaça da explosão populacional, de guerras com armas
de destruição em massa.
Estas últimas são sempre evitadas por intervenção da ONU, mas
poucos percebem que esta organização precisa estimular um estado
permanente de guerras localizadas e relativamente controláveis, pelo menos
para justificar sua própria existência, assim como o controle populacional.
Tal controle através de esterilizações em massa, descriminação do aborto,
incentivo à eutanásia legal, geralmente são, de início, mantidos longe da
mídia ou restrito a mídias locais por sua identificação com os projetos
eugênicos tão populares no início do século passado, mas tão abominados
após o Holocausto. Isto permitiu ao autor, com bela ironia, afirmar:
“Distante da cobertura permanente da mídia, torna-se mais fácil
desenvolver teorias bizarras como a da eliminação de seres humanos para a
salvação da humanidade, sem que perguntas inconvenientes interfiram e
atrapalhem...”! Mas o que é isto senão uma aplicação da velha estratégia
comunista – ou mesmo jacobina? – de matar milhões de pessoas para criar
uma sociedade “melhor”? As pegadas do monstro são visíveis!
A exacerbação do ambientalismo e da ecologia fez ressurgir das trevas as
velhas ideias sobre Gaia, a Mãe-Terra ou Pacha Mama concedendo a
posteriori ares de legitimidade às imposturas satânicas de Madame
Blavatsky, Alice Bailey, Annie Besant, Alaister Crowley e outros ocultistas.
Embora algumas destas seitas esotéricas se apresentem como
Cristãs todas têm por objetivo destruir o Cristianismo: “Nossa meta, dizia
Madame Blavatsky, não é restaurar o hinduísmo, mas varrer o Cristianismo
da face da Terra”. A grande propagandista do Novo Cristianismo Esotérico,
Annie Besant, dizia que “o principal é combater Roma e seus sacerdotes,
lutar em todas as partes contra o Cristianismo e jogar Deus para fora do
Céu”.
Creio que com estas palavras posso recomendar aos leitores a
excelente abordagem de Derosa sobre a espiritualidade da Nova Era, onde
se estende sobre esta entidade satânica chamada United Religions Initiative
e outros movimentos New Age e a “Era de Aquário”, esta última a meu ver
fundada com o musical Jesus Christ Superstar, o festival de Woodstock e
seu hino é Imagine, cuja letra agrega todos os elementos de uma Nova
Ordem Mundial: não haverá inferno nem céu, não haverá países nem
religião, uma irmandade de homens partilhando todo o mundo, sem guerras,
sem fome, sem posses.
O capítulo sobre o Governo Mundial – Revolução Global e Nova
Era – está irretocável, incluindo o papel fundamental da mídia em seu
progresso. Claro que, além de não poder ser imposto de cima, também não
é possível num único movimento centralizador. Como já expus alhures a
estratégia é a da formação de blocos regionais dos quais a menina dos
olhos certamente é a União Europeia. Ao escrever este Prefácio tenho uma
vantagem sobre o autor: ocorreu recentemente o Brexit, o plebiscito em que
o povo britânico rejeitou a União Europeia. Este fracasso de grande monta
representa que o povo britânico resolveu banir – espero que para sempre – o
jugo de uma casta de esnobes intelectualóides que tem a pretensão de ditar
todas as normas para um continente inteiro.
É bastante revelador o Presidente da Comissão Europeia, Juncker,
ensinando os políticos europeus em maio passado a ignorar seus
eleitorados, dizendo “Se vocês estiverem ouvindo a sua opinião nacional
vocês não estão desenvolvendo o que deveria ser um sentimento comum
europeu”.
O BREXIT é um enorme revés para a estratégia de colocar
políticos e banqueiros elitistas no controle do mundo inteiro.
Deixo as palavras finais com a Iron Lady, ressaltando que são
aplicáveis ao mundo todo: "A Europa é em tudo (exceto no sentido
geográfico) uma construção puramente artificial. Não faz sentido mesmo
amontoar Beethoven e Debussy, Voltaire e Burke, Vermeer e Picasso, Notre
Dame e São Paulo, carne cozida e bouillabaisse, e retratá-los como
elementos de uma realidade artística, arquitetônica e gastronômica
filosófica musical europeia. Se a Europa nos encanta, como tantas vezes me
encantou, é precisamente por causa de seus contrastes e contradições, não
pela coerência e continuidade."

____________________

Aprendi há anos com um arquiteto que obra não se termina,


abandona-se. E é com pesar que devo aplicar esta máxima a este Prefácio.
As vertentes são tantas, os meandros tão abundantes e bem descritos que é
impossível abrangê-los como merecem. Deixo esta função aos leitores que
certamente têm pela frente uma agradável e instrutiva leitura. Vejo em
Cristian Derosa um dos grandes óbices a que a pérfida “transformação
social” que denuncia venha a se consumar.

Heitor De Paola
Rio de Janeiro, julho de 2016

INTRODUÇÃO

Diariamente, ao lermos nos jornais as notícias sobre nosso


cotidiano, depositamos certa confiança no trabalho de centenas de
profissionais do jornalismo e de mídia de quem esperamos ver impressos
em seus produtos o retrato daquilo que vemos e que não vemos em nossa
realidade imediata. Desde os fatos comuns dos quais dependemos
diretamente, como a economia doméstica, o trânsito ou a previsão do
tempo, até aqueles de interesse mais amplo como a política e a economia
mundial, somos dependentes de um sistema que sustenta registros e relatos
tidos como confiáveis. Mas essa confiabilidade na idoneidade dos relatos
ocorre por meio de uma credibilidade emprestada, indireta e muitas vezes
improvável. Em primeiro lugar, nós confiamos neles porque sabemos que a
verdade não é um produto da invenção humana e, sendo assim, há a
possibilidade do homem acessar uma parte da realidade e relatá-la a outros
homens que não têm o mesmo acesso àquela porção do real. Dessa
confiança depende nossa orientação no mundo. No entanto, se soubéssemos
o que se tem ensinando nas faculdades de jornalismo a respeito da melhor
prática jornalística ou do valor da verdade na profissão, colocaríamos
muitas aspas nesta confiança e é possível que déssemos um uso bem menos
digno ao papel dos jornais.
Faz-se urgente compreendermos uma verdade a cada dia mais
explícita: não há mais motivos para uma tal confiança na mídia. Embora
essa afirmação soe como mais um eco do relativismo afirmado e reafirmado
no meio acadêmico, o nosso alerta de desconfiança da mídia é devido um
motivo bem diverso dos alardeados por aqueles que meramente acusam a
mídia de servir a interesses econômicos ou capitalistas. O motivo é que, ao
longo das últimas décadas, a função informativa dos jornais foi sendo
progressivamente substituída pela função transformadora da sociedade. A
comunicação tem por definição uma função informativa e um efeito
transformador. Afinal, a difusão de fatos gera novos fatos. Mas agora o
efeito assume gradativamente o status de função essencial da comunicação.
Velhos problemas filosóficos como o problema da verdade e do
acesso a ela têm feito parte das discussões acadêmicas mesmo depois de já
terem sido amplamente debatidos em suas disciplinas de origem. Estas
discussões, ao longo do século XX, somadas à ampla atividade de grupos
políticos e intelectuais convencidos de sua missão como guiadores morais
dos rumos da história, trouxeram uma mudança profunda naquelas
atividades das ciências humanas que antes buscavam compreender a
realidade. Hoje praticamente todos os cursos universitários propõem o
estudo de suas disciplinas aliado à função da transformação social. A
transformação pode ser encarada como uma disciplina obrigatória a todos
os cursos, que se traveste muitas vezes de belas e humanitárias intenções.
Essa mudança de função deve o seu caráter em parte a mudanças culturais
trazidas pela própria evolução de estudos sociais aliados às utopias políticas
disponíveis. Grupos inspirados no antigo Clube de Roma, como Bilderberg,
Sociedade Fabiana, fundações Ford, McArthur, Open Society, entre tantas
outras, encontraram um meio de financiar e orientar os estudos científicos
de relevância internacional durante o último século. Quase tudo que é dito e
repetido nos meios de comunicação veio da mente de meia dúzia de
metacapitalistas seduzidos pela utopia da sociedade socialista global, a
chamada Nova Ordem Mundial, que será erguida a partir de uma sociedade
fundada em assembleias onde serão promulgados consensos que sirvam a
interesses e conveniências, terminando por sepultar a possibilidade de
julgamentos que fujam do que é acordado pela elite de governantes globais.
Mas embora isso seja irrealizável na prática, a ação das incessantes
tentativas empreendidas já nos causa muitos problemas.
O efeito deste empreendimento ao longo do tempo e em escala
global exerce um poder imperceptível de transformações sociais. Se isso
ocorre de modo contínuo às pessoas indiscriminadamente, imagine o
estrago que pode causar na mente de um jornalista ou estudante de
jornalismo convencido ingenuamente da função original de informar
objetivamente o público. Esta mudança profunda trouxe a sedutora
efetividade nos estudos de psicologia social, função normalmente concedida
à publicidade e propaganda, cuja sustentação teórica depende da
objetividade da análise social e não de propagandas ideológicas ou utópicas.
A união destes estudos com a psicologia das massas deu um upgrade que
dificilmente o meio acadêmico conseguiria sozinho. A maior parte do
conteúdo de publicações acadêmicas tenta responder a mesma pergunta:
como empreender a modificação das mentes para a conformação com um
admirável mundo novo, uma nova mentalidade por meio de uma verdadeira
colonização ideológica, na linha das previsões do escritor Robert H.
Benson, já no início do século XX[1].
A crença inquestionável na necessidade de transformação dos
padrões culturais representa hoje um muro intransponível à inteligência de
milhares de estudantes de todas as áreas que chegam às universidades e são
bombardeados com estímulos aos mais delirantes sonhos de sociedade
perfeita. Desde a utopia socialista até as miragens esotéricas da Nova Era e
do ambientalismo transumanista, parece fora de dúvida toda confiança no
poder humano para transformar a realidade. Do mesmo modo que a ciência
moderna ambicionou o controle técnico da natureza, donde vem a crítica
pós-moderna e ecológica, a nova utopia da reconstrução da mente humana
por meio da engenharia social foi sendo sedimentada por teorias e agentes
políticos influentes ao longo das últimas décadas. A mudança de função é
tão profunda quanto imperceptível, já que, disposta hegemonicamente tanto
em teses acadêmicas como em notícias e opiniões, vai tolhendo o
consumidor em sua cognição até fazer-lhe incapaz de diferenciar a
informação da pura manipulação.
A autoridade de consensos na tomada de decisões, marca da
democracia moderna, tornou-se força justificadora para a elevação das
emoções populares e gostos grupais à autoridade de reivindicações de
direitos legítimas, o que acaba por ameaçar a própria liberdade democrática.
Esta situação oportuniza a criação de infinitas formas de ideologias, isto é,
justificativas retóricas que escondem planos definidos e discutidos
previamente, mas que não são postos em discussão pública. O leitor há de
perceber que quanto mais se defende, em âmbitos públicos e midiáticos, o
debate irrestrito sobre os mais variados assuntos de interesse supostamente
geral, menos se põe em discussão o motivo real da discussão e o agente
para o qual será dado o poder para a referida transformação. Isso porque é
justamente o agente (grupo, entidade ou movimento) o autor das sugestões
para todas as discussões possíveis. Não é preciso pensar muito para concluir
que qualquer força agente que proponha debates sem nunca ser ela mesma
objeto de debate, acumula uma credibilidade e poder inquestionável – e ao
mesmo tempo invisível – para definir tudo o que é ou não assunto.
Nas notícias diárias baseamos nossas discussões privadas e
públicas e formamos opiniões sem nunca nos perguntarmos se determinado
tema é ou não assunto ou a quem será dado o poder de fazer tal ou qual
mudança. A mudança tornou-se, em todos os níveis de debate, um valor em
si, uma palavra estimulante de emoções positivas. Sendo novo, tudo é
automaticamente bom, independente dos defeitos. Sendo velho, é mau,
independente dos méritos. A ênfase da renovação foi o mote da
modernidade e das ciências que se legitimaram mais nas inovações técnicas
do que nos avanços do pensamento, em favor do qual pouco se poderia
dizer. Mas essa suposta virtude da inovação facilmente se trai. Só mesmo
um mundo dominado por velhas convicções que restaram de um
Iluminismo tardio poderia ainda ser tão facilmente seduzida por promessas
de renovações vãs.
Evidentemente, não estamos a dizer que transformações não sejam
necessárias, boas ou mesmo inevitáveis quando se fala em difusão social de
informação. Um coeficiente de transformação involuntária sempre foi
admitido e esperado mesmo pelos proponentes da mais férrea objetividade
comunicativa. Primeiro devido o potencial orientador das notícias, que
incentiva a participação na vida pública, mas também através de
características da própria estrutura noticiosa. Afinal, é a dependência de
anunciantes que determina a periodicidade obrigatória dos jornais, que
precisam ser preenchidos com conteúdo que atraia a atenção das pessoas, às
vezes mais do que informar. Quando não há fatos de grande relevância,
torna-se necessário forçar a relevância de acontecimentos, ou seja, dar a
impressão subliminar de importância, utilizando recursos estilísticos ou
gráficos como letras grandes ou imagens fortes, mesmo tratando-se de
futilidades das mais nulas para a orientação pública. Isso aos poucos gera o
efeito de uma paulatina mudança nos critérios de relevância e, sobretudo,
nos critérios morais de uma sociedade. Muitos analistas de mídia ligados a
movimentos de esquerda enfatizaram este tipo de transformação como uma
manipulação inerente ao capitalismo. Mas, sendo quase involuntária e não
tendendo necessariamente a caminhos ideológicos – já que o capitalismo
não é exatamente uma ideologia – acaba sendo muito menos relevante do
que campanhas intencionais.
Já desde o início do século XX, manuais e guias de transformação
social são distribuídos por empresas, fundações, ONGs e movimentos
sociais com o fim de adestrar ativistas para a ação massiva de mudança
gradativa dos valores da sociedade mediante o debate, a guerra cultural,
estratégias semânticas ou técnicas psicológicas, como veremos neste livro.
As possibilidades de transformação consciente e voluntária se ampliaram
muito, de modo que diferenciar os efeitos pretendidos dos aleatórios torna-
se um importante desafio para a otimização de nossa orientação na
complexidade cada vez maior do mundo da comunicação atual. Diferenciar
a mentira da verdade, embora seja uma das mais antigas tarefas humanas –
para não dizer essencialmente humana – implica hoje diretamente no nível
de nossa liberdade diante do mundo. A presente pesquisa é uma tímida
tentativa de colocar na mesa algumas iniciativas intelectuais e políticas que
tiveram a ambição ou o potencial de serem usadas para domesticar a
opinião pública. O principal acontecimento em redor do qual gira este
trabalho é o da mudança funcional do jornalismo e da mídia em geral. O
resultado cultural e histórico dessa mudança foi a transferência dos critérios
culturais para o campo da mídia, que passou a determinar as prioridades
práticas do público, incluindo as do meio científico e acadêmico. Tudo isso
aponta para uma situação de completa dependência midiática da sociedade,
inclusive em seus parâmetros éticos, estéticos e administrativos, isto é, a
geração de uma nova cultura hegemônica ditada e editada de modo
periódico pelas notícias e entretenimento. A grande mídia e sua organização
se torna o oráculo das consciências e das formas de ver e organizar o
mundo.
Procuramos refazer o caminho teórico e histórico desta mudança
funcional que se inicia necessariamente a partir do modelo da informação
como função das notícias. Ao longo deste livro, o leitor será convidado a
perceber como este percurso se deu em diferentes frentes que trataram do
tema da comunicação. Trata-se de um caminho teórico e histórico
particular, sem o anseio de explicações acabadas ou enciclopédicas.
Percorreremos as ideias que buscaram gradativamente modificar o critério
de julgamento popular, desde os projetos de ciência objetiva do jornalismo,
com o adereço fetichista da mentalidade moderna, passando pelos gracejos
de ideologias liberais calçadas no consumo, até as transformações de
orientação dos direitos políticos pelos desejos e o efeito nefasto do niilismo
autodestrutivo das utopias pós-modernas. A transformação dos critérios
através das gerações ao longo do último século pode ter sido influenciada
por mudanças civilizacionais e até certo ponto cíclicas, como defenderia
David Riesman. Mas, como veremos, há uma impressionante contribuição
de ideólogos e engenheiros sociais que em muito ajudaram na propagação
de suas utopias revolucionárias tentando conduzir o mundo à velha ideia de
um império do entendimento ou do consentimento global.

I
JORNALISMO
TRANSFORMADOR

O ativista, aquele que sempre quer fazer, coloca a sua atividade acima de
tudo. Isso limita o seu horizonte ao âmbito do factível, daquilo que pode se
tornar objeto da sua ação. Ele vê apenas objetos. Não consegue perceber
aquilo que é maior do que ele, porque isso poderia colocar um limite à sua
atividade. Ele restringe o mundo àquilo que é empírico. O homem é
amputado. O ativista constrói para si uma prisão, contra a qual ele mesmo
protesta em voz alta.

Cardeal Joseph Ratzinger. 1990.

O experimento

No interior de uma sala de aula, numa noite do ano de 2007, alunos


de uma faculdade de jornalismo aguardavam ansiosos pela chegada do
professor. O professor Paulo, responsável por ministra-los a disciplina de
Assessoria de Imprensa, chegava atrasado para a primeira aula do semestre.
Além de professor e jornalista, ele acumulava a função de coordenador do
curso de Jornalismo. Como de costume, entrou sorridente na sala e,
recebido com recíproca alegria dos alunos, começava a falar sobre o tema
da disciplina. O conceito de assessoria de imprensa – iniciava Paulinho,
como era chamado – deverá experimentar uma dinâmica diferente neste
semestre. Ele então se explica: “assim como o jornalismo a cada dia admite
sua função transformadora da sociedade, também a habilitação empresarial
e em governos deveria assumir seu papel social de instrumento de
conscientização ao invés de simplesmente defender uma empresa ou um
órgão do governo contra eventuais ataques dos jornais”. Afinal, continuava
diante de alunos atentos, “assim como os governos são submetidos a
compromissos ideológicos e políticos, as empresas precisam identificar-se
com tarefas sociais e, de modo geral com o bem comum, para angariar
maior aceitação na disputa pela melhor imagem diante do público”. Dessa
forma, o professor explicava que, diferente de outros semestres, “nosso
laboratório não vai ser uma empresa hipotética, mas uma causa verdadeira e
de relevância social. Os resultados terão de ser experimentados e
apresentados na realidade”. A avaliação se daria em campo, o laboratório
seria a sociedade e o efeito prático seria avaliado pelo professor. Entre as
opções sugeridas e preferidas pelo mestre para aquele experimento social, a
causa da mobilidade urbana acabou sendo a escolhida. Os alunos deveriam
escrever releases, propor e produzir entrevistas, redigir notas no papel de
leitores sugerindo pautas ou a colunistas imitando seus estilos para induzi-
los a abordarem o tema proposto sem maiores dificuldades. O símbolo
máximo da causa da mobilidade devia ser a bicicleta. Procurassem ciclistas
acidentados devido à falta de ciclovias, obstáculos intransponíveis nas ruas,
acidentes automobilísticos que atestassem o perigo de se continuar com a
cultura vigente, a necessidade de revisão dos padrões, dos costumes, dos
valores...
Assim se iniciava o semestre do curso de jornalismo naquele ano
de 2007, mesmo ano em que o mundo centrava os olhos atônitos para o
fenômeno apocalíptico do Aquecimento Global, sobre o qual todos tinham
uma opinião ou pelo menos a história de um fim de semana mormacento
que corroborasse as catastróficas manchetes globais. A capa do jornal
Diário Catarinense, em Florianópolis, apressou-se em resumir o Relatório
do IPCC estampando a seguinte frase: “É consenso entre cientistas que o
Aquecimento Global é 90% causado pelo homem”. Com isso, se estava
dizendo que a causa humana do Aquecimento Global era inequívoca e que a
culpa humana correspondia a 90%. Mas o relatório apontava, na verdade,
que havia 90% de chances de causa humana, o que é completamente
diferente[2]. A matéria de capa do jornal dá a impressão de que a causa
humana das mudanças climáticas era algo inequívoco, quando na verdade o
relatório classifica de inequívoco apenas o fenômeno climático e não a sua
causa. Essa afirmação foi seguida por grande parte da mídia no período,
conforme observei em meu trabalho O discurso das mudanças climáticas
no Diário Catarinense (2013)[3].
Com o mesmo descuido de não ler atentamente o relatório original,
por sua vez, os cientistas sociais também se apressaram em vender a
solução pronta da sua velha revolução dos costumes, ideia tão cara aos
âmbitos acadêmicos.
O mundo como conhecíamos parecia estar mudando. As partículas
se aqueciam nas redações, tufões se formavam nas capas de revistas
científicas e um verdadeiro tsunami de entusiasmo varria os corredores dos
cursos de humanas. O derretimento das geleiras encharcava as capas dos
jornais em matérias de explicações científicas mescladas a lugares comuns
sobre o equilíbrio do planeta e interpretações simplistas, políticas e
ideológicas, nas quais todo crime profetizado seria imediatamente creditado
às próprias vítimas, usuários inconsequentes do planeta e alienados pela
cultura ocidental. Para compreender melhor a nova situação, o professor
receitava aos alunos doses homeopáticas de Fritjof Capra e seu Tao da
Física ou O Ponto de Mutação.
Voltando à aula de assessoria de imprensa, o professor Paulo
assegurava que o objetivo de emplacar o tema e agendar a mídia não seria
difícil, afinal – prometia ele – vários jornalistas nas redações estavam
ansiosos aguardando este tipo de sugestão. Prometeu ligar para seus amigos
nas redações e ajudar na tarefa que devia ser de todos. Naquela turma, um
colega encontrava-se tão desesperado diante da falta de pautas para cumprir
a tarefa designada pelo professor, que decidiu inventar uma situação fictícia
e mandar como sugestão de pauta ao jornal na certeza de que nem dariam
importância. O que ele queria era somente mostrar ao professor a falsa
cartinha do leitor impressa na edição do dia seguinte. Na peça criada por
este aluno, ele se passava por um ciclista indignado com a falta de acesso
para atravessar a Ponte Colombo Sales. Desafortunadamente, porém,
aconteceu que no dia seguinte, ao invés da nota publicada, o rapaz recebeu
um telefonema da repórter do principal jornal da cidade que,
empolgadíssima, queria fazer uma matéria com ele e sua bicicleta na ponte
com direito a foto que, quem sabe, até iria para a capa do dia seguinte. Ele,
que nem bicicleta tinha, acabou tendo de confessar o engodo para a
decepção da jornalista.
Essa história nos faz refletir sobre uma situação bastante
preocupante: diferente dos alunos engajados e preocupados com a
construção de um mundo melhor, aquele aluno não tinha nenhuma
pretensão revolucionária, ambicionava uma nota boa. Isso nos parece
indicar o destino daqueles que não pretendem modificar a realidade, mas
que, diante da pressão do mercado das ideias, sentem-se obrigados ao
engajamento no meio dos transformadores. O fingimento e a falsidade
bajuladora, a adaptação conciliadora à atmosfera de mentiras faz parte dos
desafios do jornalista profissional no mundo de hoje. Como aluno de
jornalismo, aquela situação me causou profunda impressão. A situação de
ter que mentir para sustentar o papel social obrigatório de cidadão engajado
e preocupado, indicou-me, naquela ocasião, que aquele devia ser um traço
importante da carreira jornalística naquele contexto.
Mentalidade transformadora

Alguns anos depois, no departamento de mestrado da Universidade


Federal de Santa Catarina, as discussões sobre a validade ou não da prática
militante do jornalista, parecia algo inconveniente a alguns espíritos
imbuídos do voluntarismo transformador que lhes fora incutido por
formações acadêmicas de contornos marxistas e abordagens pedagógicas
funcionalistas para o jornalismo. De tudo o que escrevera o jornalista
Walter Lippmann, cujo livro Opinião Publica constava na lista para a
seleção do mestrado, o principal traço destacado por professores era a sua
profunda “desilusão com a democracia moderna”. Por trás dessa alegada
desilusão, como veremos mais à frente, está a crença na necessidade da
administração total do fluxo de informações com um direcionamento
guiado para as transformações necessárias, tudo levado a efeito por uma
elite de escolhidos, cuja lista de patronos integra o próprio Lippmann. Isso
indica, no mínimo, que a leitura acadêmica dos livros do jornalista e
principal articulador por trás da Liga das Nações havia sido bastante
superficial ou profundamente desatenta para perceber a clara proposta de
comunicação administrada por uma aristocracia política com ideais bastante
inovadores para o mundo, mas desconhecidos e estranhos ao público leitor
a que se destinavam. Afinal, eu me perguntava: como um livro escrito em
1922 ainda parece tão incompreensível para acadêmicos de comunicação?
[4]
Passados quase cem anos daquelas pretensões, não se pode dizer de
forma alguma que a comunicação é dirigida de cima como um mecanismo
robotizado e exato, tampouco o controle dos meios de comunicação sobre o
seu próprio conteúdo pode ser totalizante. Ao contrário, o descontrole e o
caos marcaram o século XX. No entanto, é possível traçar um caminho
linear em direção ao desejo de controle e administração que, quando não é
perfeitamente realizado nas instituições dependentes da arbitrariedade da
ação humana, é canalizado pela ambição – historicamente recorrente – do
controle dos impulsos humanos, coisa assustadoramente facilitada nas
sociedades em que a força catalizadora das ideias se manifesta pela figura
difusa, mas tecnicamente previsível da massa.
Ouvi da boca de um professor, cujos estudos em mídia e
jornalismo são sempre atentamente lidos e considerados por seus ilustres
colegas, que o único motivo pelo qual buscamos conhecimento é a vontade
de alteração da realidade, a modificação ou controle de nosso meio social.
Disse isso como algo evidente, não como conclusão, mas como premissa, o
que imaginou ter sido compreendido como explicação de nossa natural
busca por orientação social. Mas reduzir toda a busca de compreensão
humana ao desejo de modificação parece bastante limitado. É possível
dizer, mais acertadamente, que buscamos conhecer pelo simples conhecer
ou fundamentalmente para nos orientar, adaptar, conhecendo as opções
disponíveis com vistas à ação individual. O intuito de ampla transformação
na estrutura social humana não deveria ser atribuído a um ser humano
individual sadio senão como figura de linguagem ou exagero retórico.
Individualmente, ninguém normal busca transfigurar a sociedade à imagem
e semelhança de suas utopias. Ao menos este anseio não pode ser visto
como natural no ser humano, mas instigado de fora, mediante o
convencimento de uma necessidade irresistível e que para aplicar-se a toda
a sociedade precisa pressupor um conhecimento totalizante dos problemas
existentes, o que nunca é o caso.
Estes pressupostos não confessados, pelos quais se raciocina sem
os afirmar conscientemente, são bastante comuns em uma sociedade
baseada na repetição metonímica de frases feitas incapazes de articular
explicações sobre a realidade. Vemos isso o tempo inteiro no mundo da
comunicação de massa. Ao contrário dessas afirmações, a tendência do
homem não é a da reformulação social, mas a do conhecimento. A
predisposição ao conhecimento, à transcendência, parece elevar o homem a
mundos desconhecidos quando se trata de expectativas futuras, algo do qual
o homem não pode fugir pela sua simples natureza. Talvez advenha daí a
sua capacidade de imaginar cursos históricos acabados que, como
sucedâneos da escatologia teológica perdida no processo de secularização,
veem o universo como se estivesse fora dele, o tempo como se já se tivesse
acabado. Esta capacidade por si só evidencia a origem transcendente do
homem e não uma natureza puramente imanente, material e factível.
Concepções a respeito da ciência, da história, da religião, do
homem, da dignidade humana, são todas mediadas pelo canal generalista de
comunicação que a sociedade criou. Essa comunicação social, ao mediar os
signos, produz significados e induz, na forma destes signos, referentes
diversos que, abstraídos da realidade, tornam-se extensas fórmulas de
explicação. Essas explicações, quando deslocadas do referente original,
criam uma linguagem cada vez mais insuficiente até ao ponto de tornar o
mundo incomunicável. Este é o efeito da profunda crise cultural do
Ocidente, que eleva produtos midiáticos e meramente mercadológicos,
acima dos bens culturais universais que funcionavam como vínculo de
diálogo entre os homens de todas as épocas. Perde-se, com isso, todos os
referenciais fixos e cria-se um mundo à parte, no qual nada do anterior tem
validade. Como profetizou Chesterton, haverá o dia em que se precisará
brigar para provar que a grama é verde[5].
Comum é a pergunta, nos cursos de jornalismo, sobre o que é a
verdade. A questão já indica que tipo de jornalismo se pretende praticar.
Assim como a pergunta de Pilatos diante de Cristo, o jornalismo
manifestado por seus professores e teóricos, indaga-se a si próprio com o
cinismo de quem renega toda responsabilidade, lavando as mãos e
barganhando a verdade com a indiferença justificada pela imparcialidade e
entregando-a ao arbítrio popular.
O jornalismo que no dizer de Rui Barbosa sempre tem papel
importante no erguimento de regimes absolutos e ditatoriais, cai na própria
armadilha quando manipula a linguagem e se torna ele próprio o
instrumento distraído da própria aniquilação. Não há saídas para o
jornalismo que se converte em disseminador de ideologias. A
verdade, porém, fala alto como uma trombeta e pode, em momentos de
desilusão completa, fazer-se valer imperiosamente. É rara a preocupação
com a verdade nas infindáveis reflexões sobre jornalismo na atualidade.
Como teremos oportunidade de apontar, os estudos da comunicação
dificilmente terão como objeto de estudo a verdade, e sim uma prática de
construção da realidade. Por isso, quando ela aparece no jornalismo, não se
trata de uma função pretendida ou essencial, mas de uma disfunção que
pode pôr em risco a própria atividade. A prática profissional se tornou um
método de narrar fatos abstraindo-os do seu contexto por meio de
simulacros, cuja premissa raiz é a conscientização para a mudança social.
II

A ERA DAS TÉCNICAS SOCIAIS

A sociedade planificada

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as opiniões públicas


precisam ser organizadas para a imprensa e não pela imprensa, como é o
caso hoje. Esta organização eu concebo como sendo em primeira instância
a função da ciência política que ganhou seu próprio lugar como
formuladora, previamente à real decisão, em vez de ser apologista, crítica,
ou reportando após a decisão ter sido tomada. Tento indicar que as
perplexidades do governo e da indústria estão conspirando para dar à
ciência política esta enorme oportunidade para enriquecer-se e servir ao
público.

Walter Lippmann - Opinião Pública, 1922

Em 1954, Karl Mannheim fez um diagnóstico histórico da situação


da sociedade moderna e traçou uma precisa constatação: “Estamos vivendo
em uma época de transição do laissez-faire para uma sociedade
planificada”[6]. Símbolo do liberalismo econômico, o laissez-faire
representava a liberdade individual sem interferências. De fato, uma série
de acontecimentos acabou fazendo com que o conceito de liberdade,
econômica ou civil, fosse modificado para adequar-se às novas condições.
Grande parte dessas mudanças foram dirigidas ao maior controle e
planificação sociais. “A sociedade planificada que surgirá poderá revestir-se
de uma entre duas formas: será regida quer por uma minoria em condições
ditatoriais, quer por uma nova forma de governo que, a despeito de seu
poder acrescido, ainda será democraticamente controlada”, escreve
Mannheim.
Tal diagnóstico foi ouvido por alguns, mas ignorado por muitos.
Diante da modernização tecnológica e científica, novas formas de controle
começaram a aparecer e tornar possível a ampliação do alcance das
chamadas técnicas sociais. Se houve evidente concentração em termos
tecnológicos e políticos, isso também se evidenciou nos meios de formação
da opinião pública, diz Manheim. O novo contexto do mundo da massa,
referido por Ortega y Gasset em seu clássico A Rebelião das Massas, trouxe
à política uma nova condição para a sua atividade: as massas reclamam para
si as decisões sobre a política. Como a arte da política envolve a
manutenção ou concentração do poder, foi concedida à política a tarefa de
controlar os anseios das massas.
Durante o século XX, a chamada “nova ciência do comportamento
humano” colocou disponível um enorme conhecimento da mente humana
para as esferas do poder político, tornando-o capaz de criar instrumentos
eficientes que jogassem com as emoções das massas para que as pessoas
exigissem das esferas políticas uma maior regulação sobre elas mesmas.
Para compreender o funcionamento dessas técnicas e o estado da
sua aplicação nos dias atuais, é necessário conhecer o modo como
evoluíram no tempo e saber, assim, o alcance a que podem chegar. Os
objetivos da regulação, hoje comandados pela elite global que acampa nas
Nações Unidas, entre outros organismos, se destinam ao controle do
comportamento por meio das paixões e rejeições populares. Para chegar a
efetivarem-se, estes objetivos demandaram décadas de estudo,
experimentos, testes e muita paciência. Em alguns casos, foi preciso
modificar a natureza de certos campos de estudo científico ou atividades
profissionais, como a psicologia, a educação e, foco deste trabalho, o
próprio papel dos meios de comunicação de massa.
Para Edward Bernays, o jornalismo é um elemento auxiliar
importante da propaganda. Junto com suas peças publicitárias, despachava
releases para a imprensa e criava factoides que pudessem chamar a atenção
para determinada ideia a fim de levar ao consumo do produto de seus
clientes. No artigo Engenharia do Consentimento, Bernays ressalta que
diante do progresso dos direitos e liberdades, destaca-se o direito à
persuasão. Ao longo do século XX, a noção funcional dos meios de
comunicação nos seus estudos científicos passou por várias fases que
representaram, mais ou menos, a evolução de um processo que vai desde
um ponto de vista da compreensão do seu funcionamento até o
desenvolvimento de modernas técnicas persuasivas. A história do
jornalismo é um exemplo de como o entendimento do objetivo e função dos
jornais foi aos poucos transformando-o numa atividade de pura
transformação social.
Para compreendermos este processo, parece ser necessário termos
em conta uma parte importante da história que antecede e abarca este
contexto de influência da imprensa na cultura e na política do Ocidente.
Obviamente, estes apontamentos não representam um intuito de dar
explicação acabada nem mesmo única destes desenvolvimentos históricos.
Trata-se de uma entre tantas explicações possíveis em que se tenta articular
a história da imprensa e do jornalismo com os episódios mais relevantes do
pensamento político. Parece-nos evidente, portanto, que a situação que
pretendemos denunciar neste livro – a da mudança de função dos meios e o
intuito do seu controle absoluto – pode ter iniciado há bastante tempo.

Controle intelectual

No final da Idade Média e início do que chamamos de


modernidade, a queda de braço entre a Igreja e os novos estados nacionais
pelo controle do sistema universitário vinha sendo progressivamente
vencida pela Igreja Católica. Esta aparente vitória da Igreja promoveu,
porém, a progressiva secularização da ciência. Isso oportunizou o
surgimento de uma nova classe de intelectuais ligados à aristocracia
palaciana que disputavam pela conquista de uma imagem de autoridade
científica que representasse a verdadeira ciência[7]. Em suma, era um novo
aspecto da luta entre fé e razão, onde a fé era chamada de superstição. Ao
mesmo tempo, estes pensadores se diziam herdeiros, não da ciência
medieval, mas do método grego da Antiguidade, época que acreditavam
devia ser honrada como uma era de ouro da humanidade. Essa aristocracia
palaciana está na origem de grupos como a Royal Society e de sociedades
intelectuais e científicas ligadas às elites europeias. Estas elites,
sabidamente ligadas a ordens maçônicas, esotéricas e ocultistas, foram aos
poucos agregando poder sobre as instituições políticas da Europa. São os
herdeiros desses grupos que detiveram em suas mãos o poder político e
econômico que foi aos poucos sendo ampliado a outras áreas como bancos
e indústrias. Mas o mais importante para o nosso estudo é que eles
passaram a controlar a imprensa[8].
Sabemos que a palavra Imprensa tem dois sentidos comumente
utilizados: o da técnica de impressão fundada por Guttemberg e aquele que
se refere ao meio social e profissional responsável pela difusão de notícias
ou o jornalismo. O primeiro sentido abrange o todo de publicações
impressas que, desde o século XVI, tornou-se sinônimo do ambiente
editorial global que se desenvolveu como mercado editorial. O percurso que
vai da evolução histórica iniciada com a técnica de impressão até o ponto
em que ela se segmenta, dá origem a um objeto de investigação científica e
termina se tornando um disputado setor de transformação política, é algo
tão abrangente quanto complexo. O que podemos traçar, portanto, são
apontamentos históricos na tentativa de visualizar uma linha de causalidade
que pode ser bastante variável historicamente, mas muito pouco discutida
em âmbitos acadêmicos e muito menos pela imprensa, pois contrasta
formidavelmente com as opiniões históricas consagradas e populares.
Tornou-se amplamente conhecido que o primeiro livro impresso
por Guttemberg teria sido a Bíblia. É verdade. Mas pouco se fala sobre o
que veio a seguir. A invenção da imprensa deu grande impulso ao
surgimento do que conhecemos mais tarde como ideologia iluminista,
filosofia fortemente influenciada pelo simbolismo e o esoterismo das
incontáveis seitas iniciáticas e sociedades secretas que se formaram no final
da Idade Média, fruto do espírito de libertação das “amarras da fé”, entraves
sustentados pela Igreja Católica, cujo período de apogeu passou a ser
chamado de Idade das Trevas, em oposição às luzes do Iluminismo. Desde
antes da Reforma Protestante, iniciada diante da crise pela qual Roma
passava, o clima de confronto e descontentamento já mostrava força,
criando um terreno fértil ao embate de forças antagônicas entre visões
diversas a respeito do sentido da Salvação. Surgia uma alternativa imanente
à salvação, isto é, uma espécie de “via social” que abrigava a versão secular
dos sentimentos religiosos, organizado depois sob o nome de ética moderna
ou também chamada ética kantiana. Segundo o filósofo Olavo de Carvalho,
essa tensão entre as duas visões salvíficas, a transcendente e a imanente,
esteve e está presente na alma do Cristianismo durante toda a sua história.
Tal divergência deu origem às mais diversas propostas de salvação e prática
religiosa, não implicando em um problema unicamente religioso, mas
também uma preocupação que emergia em toda a sociedade erigida pela fé
cristã.
Dentro dos debates teológicos, a Reforma deu força não só a
setores descontentes com Roma, mas também oportunizou o surgimento de
novas frentes que buscassem romper a exclusividade romana na
interpretação e representação da doutrina cristã. Desde o início da
cristandade, inumeráveis heresias tentaram furar essa exclusividade, mas
nenhuma havia logrado força política. É possível dizer que a chamada
heresia protestante passava longe de ser só mais uma dentre tantas a ter o
anseio político esmagado mediante refutações teológicas ou doutrinais que
os costumes das épocas de disputas intelectuais e, depois, os tribunais
inquisitoriais, já cortavam pela raiz. Devido um terreno político
enormemente mais complexo do que o da Idade Média, e diante da
percepção dos sérios problemas que a Igreja enfrentava, o protestantismo
rapidamente ganhou a adesão de nobres, reis e, com eles, estados inteiros.
Embora hoje tenhamos em conta somente dois lados da questão, o católico
e o protestante, na época eram incontáveis as doutrinas inovadoras que se
propunham cristãs e simultaneamente concorrentes de Roma. Esse caos
religioso impôs aos estados nacionais que se formavam lentamente a
alternativa de estabelecer poderes estatais acima das diferenças religiosas
para que arbitrassem os conflitos advindos daquela situação. Para Olavo de
Carvalho, esta é uma parte da história que explica o início da centralização
do poder estatal diante dos indivíduos e no controle político da religião. Os
governos absolutistas formaram-se a partir dessa prerrogativa, isto é, a de
arbitrar os conflitos que começavam a aparecer na sociedade.
Evidentemente, uns se colocavam ao lado de Roma, outros do
protestantismo. A gradativa separação entre fé e razão que se iniciou dentro
dos debates teológicos medievais, mais tarde desenvolvida pela ciência
moderna como objetivo e subjetivo, não deu origem somente ao método
científico como conhecemos, mas propiciou o avanço de um processo de
secularização que já se verificaria na história[*]. A fé, representada pela
religião cristã, passou a estar associada às superstições e crendices, ao passo
que a razão identificava-se com a ciência do provável e experimentável.
Embora sem perceber que criava uma fé cega no próprio método científico,
a ciência moderna herdeira direta do ocultismo e da astrologia, ganhou
credibilidade social ao ponto de se tornar o único meio válido de
veracidade. Enquanto restava à religião o âmbito da fé, sobrava à política o
campo da razão e da ciência.
As ciências que já no século XIX, com o positivismo, se tornaram
o lugar da objetividade e da razão, relegaram a religião ao terreno da
subjetividade, crença popular, fé, opinião. Enquanto a ideia de ciência
racional era associada somente às ciências naturais e matemáticas, a política
cada vez mais necessitava de critérios fixos para a sua atividade. A ciência
história é a primeira a reivindicar status de ciência comprovável e, com ela,
a sociologia. O positivismo colocava a política como o terreno da ciência,
evocando a necessidade do “estado científico”, que trocava o conhecimento
pela demonstração.
Muito antes do positivismo, porém, a concepção de política já
estava intimamente ligada à observação das correntes de ideias na
sociedade, mesmo em épocas que aparentemente não tinham tanta
influência. As elites que passaram a comandar o mundo perceberam, já
muito cedo, que deveriam manter o controle das mentes das pessoas e ter
nas mãos os rumos dos conflitos, nem que para isso fosse necessário criá-
los sob medida para gerar a necessidade de mais controle. Afinal, se é o
perigo de conflitos sociais que gera a necessidade e a demanda pela
centralização de um poder imparcial e superior, nenhuma estratégia de
poder pode ser mais eficiente do que a geração de conflitos controlados.
Embora o conceito de controle da opinião tenha se modificado bastante ao
longo dos séculos, um dos primeiros exemplos do exercício deste controle
foi a Revolução Francesa.
O contexto do Iluminismo, diante das inovações técnicas e
científicas, trouxe uma verdadeira revolução na publicação de livros, como
já mencionado, o que esteve nas mãos dos que falavam em nome da ciência.
Se a ciência na Idade Média era ligada intimamente à fé, no início da
modernidade não podia ser diferente. Mas divorciada do catolicismo devido
o seu espírito revolucionário, a ciência moderna foi construída sob bases
esotéricas e místicas, como mostra a história pessoal de nomes como Isaac
Newton, René Descartes, Francis Bacon, entre outros[*]. Em sua maioria
membros de sociedades secretas, alguns até mesmo fundaram movimentos
ou ordens maçônicas até hoje existentes e atuantes no Ocidente. Os
primeiros livros impressos constituíram-se de publicações de cunho místico
esotérico e maçônico, de acordo com Abbé Barreul, no livro Memoirs
illustrating the history of Jacobinism. Escrito em 1798, portanto logo após a
Revolução Francesa, este livro mostra como os eventos da época, longe de
terem sido legítimos levantes das massas descontentes, foram fruto da
geração de condições propícias preparadas pelo menos 60 anos antes por
meio da circulação de ideias, transmissão de opiniões e crenças através de
jornais, panfletos e publicações diversas.
A propagação de ideias foi nos ensaios do período revolucionário
um fator de grande preocupação das elites europeias. O controle das
informações pelos governos passava a ter em alguns casos setores especiais
que cuidavam da publicação de almanaques com resenhas de livros
desenvolvidos já nos primeiros impressores alemães. Aquilo que hoje se
conhece como propaganda já existia pouco antes da Revolução Francesa e
modificou a mentalidade europeia em algumas décadas, preparando-a para
a derrubada dos regimes absolutistas.
Vencido o Ancien Regimen, os jacobinistas tiveram que manter o
domínio das ideias e iniciaram isso destruindo o que houvesse de
empecilho. A Igreja Católica representava um dos obstáculos à ampliação
de mentalidades revolucionárias na população e nas elites letradas a partir
dos séculos XVII.
Antes da primeira explosão dos jornais pela Europa, os livros
tiveram importante papel na propagação de opiniões. Alguns livros foram
historicamente bastante poderosos como influência sugestiva. Gustave Le
Bon, em 1895, destaca em seu estudo sobre as opiniões e as crenças, o
poder de autores como Rousseau, “verdadeira bíblia dos chefes do
terror”[*]. As obras de Julio Verne e livros como Robinson Crusoé
exerceram tamanha influência nas opiniões da juventude da época ao ponto
de determinarem as vidas e carreiras de muitas pessoas.
A influência dessas obras foi considerável sobretudo porque se lia
muito pouco. Le Bon destaca o grande número de fanáticos surgidos na
Inglaterra devido à difusão da leitura da Bíblia. Já nos séculos anteriores, na
Espanha, livros como Dom Quixote eram vistos como danosos à população,
ao ponto de os soberanos espanhóis verem-se obrigados a proibir a venda
de romances de cavalaria.
Com o surgimento dos jornais, o poder multiplicador e contagiante
das opiniões gerais e públicas foi rapidamente percebido e o seu controle
precisou passar para as mãos daqueles que se julgavam mais capacitados
para comandar o rumo social. Ainda hoje é fácil de perceber o número
incalculável de pessoas que têm os jornais como única fonte de suas
opiniões.
Gabriel Tarde descreveu a passagem deste período como o
momento da origem da existência do público, diferenciando-o da do que
chama de multidão. Embora o público já existisse quando da exclusividade
do livro e dos discursos orais como meio de comunicação, este era ainda em
muito menor escala se comparado ao público que passou a existir com a
explosão dos jornais urbanos. A diferença estabelecida entre os dois pode
estar focada na possibilidade de ação, isto é, de levante ou de controle por
parte de forças externas através do meio de comunicação. Uma multidão,
segundo LeBon, depende de fatores físicos e o seu nível de controle reside
no âmbito numérico. Quanto mais pessoas houver indo em determinada
direção, maior o poder de influência sobre as outras para que unam-se ao
grupo. Já o público tem a unidade mantida por um repertório de leituras ou
de fontes de informação comuns, o que pode ser um grupo de escritores ou
aristocratas. O jornal exerce o papel dessa aristocracia que define as
informações relevantes e as dispõe diante de um número de pessoas que,
atentas a esta fonte, tornam-se um público.
O entendimento de como elaborar um jornal, como organizar as
informações e selecioná-las para o público mudou ao longo da história.
Desde o início dos jornais populares, porém, percebe-se uma constante para
a qual chamo a atenção neste trabalho: pela própria natureza e potencial que
os jornais oferecem à política, o controle do conteúdo das suas páginas
esteve historicamente submetido à cobiça de governos, grupos políticos,
empresários, religiosos, sociedades secretas e comunidades intelectuais. A
força deste assédio não mudou ao longo da história da mídia, trocando-se
apenas o agente, conforme períodos determinados. Para compreendermos
como estes agentes se tornaram definidores dentro da atividade midiática, é
essencial entendermos o modo como a comunicação foi sendo vista e como
o seu papel foi constantemente reinterpretado por força destas influências
externas e internas que ambicionavam o controle dos seus critérios de
seleção dos fatos, mas também da própria função dos jornais.
Uma história do jornalismo

Normalmente a história do jornalismo é ordenada a partir de quatro


gerações distintas: A primeira era chamada de “jornalismo de transmissão”
que, surgida no século XVII, tinha a função de transmitir as informações de
diferentes fontes sem alterá-las. Depois, a partir do século XIX, surge a
geração do “jornalismo de opinião”, uma vertente tipicamente europeia que
busca estar a serviço das lutas políticas e formadoras de uma opinião
pública. Esta segunda geração do jornalismo buscava servir às lutas
políticas. Como instrumento da burguesia europeia, ligado a interesses
primeiro econômicos e mais tarde políticos e ideológicos, este jornalismo
tinha a função de difundir aquelas ideias que representavam a burguesia em
ascensão. A concepção do jornalismo nesta fase estava na necessidade de
orientar socialmente o público, isto é, já tinha um objetivo claro daquilo que
hoje chamamos de “conscientização” dentro das expectativas iluministas.
Já no final do século XIX, surgia o que alguns autores chamam
“jornalismo de informação”, modelo que trazia um foco na atualidade,
descende da primeira geração, iniciou-se na Inglaterra e se desenvolveu
especialmente nos Estados Unidos. Nessa linha, a atividade jornalística
passou a basear-se na ideia de que “a verdade devia ser uma defesa contra a
difamação”, ou seja, a verdade contra a mentira. Estes valores rapidamente
se tornaram parte das origens da imprensa norte-americana e serviram de
base para a ideia de imprensa livre que passou a vigorar no Brasil e
América Latina.
A expansão dos jornais, ainda no século XIX, permitiu a criação de
novos empregos na atividade jornalística e um número considerável de
pessoas passou a depender da profissão e consequentemente a defender um
novo objetivo, o de fornecer informação e não propaganda. A credibilidade
aí se associou à promessa de objetividade.
Ao longo daquele século, portanto, o jornalismo se tornou um
negócio que buscava independência de ideias mas também o lucro para as
empresas que nasciam. O novo produto deste jornalismo surgiu com nova
proposta: notícias baseadas nos fatos e não nas opiniões. Esse processo foi
consolidado como uma história universal do jornalismo e o novo paradigma
se tornou mais visível na era da globalização, culminando em dois outros
processos fundamentais que teriam marcado a evolução da atividade
jornalística: a comercialização e a profissionalização dos trabalhadores.
Com isso a atividade ganhou certa autonomia e independência diante da
realidade anterior de dependência de ideias e partidos políticos que
perdurou pelo século XIX. Mas o desenvolvimento da imprensa passava a
estar diretamente relacionado com a industrialização da sociedade e
dependia da nova forma de financiamento que era a publicidade. Embora o
jornalismo tivesse conquistado certa autonomia da política, manteve-se, de
certa forma, em curso de adequar-se aos seus anunciantes a partir do
desenvolvimento e profissionalização também da própria publicidade.
Em um período de economia em expansão, a publicidade
começava a se tornar cada vez mais importante e mais central para o jornal
dentro do novo modelo de negócio, junto da situação de concorrência com
outros jornais. A credibilidade dos jornais logo se tornou um bem de grande
valor.
No século XX, estudos em torno da comunicação seguiram a linha
das modernas teorias sociais, vindas da filosofia, história e sociologia, que
já eram influenciadas por doutrinas de controle social, inicialmente as
positivistas e mais tarde marxistas. A função de construção da realidade na
comunicação se tornou mais importante do que o que a crença na
objetividade.
Há aí a diferenciação entre comunicação em si, tomados como
interação social e humana, dos chamados meios de comunicação social, que
constituem a mediação tecnológica da transmissão de mensagens. E é
justamente a distinção entre o processo social e o meio técnico que pode ter
dado origem às primeiras teorias de cunho funcionalista como a teoria da
informação. A partir do funcionalismo, herdeiro do positivismo, a
sociedade é vista como produto da comunicação, considerada resultado de
um processo simbolicamente estruturado em que os homens não agem em
função das coisas, mas do significado que as coisas tomam no processo de
comunicação.
A crítica aos modelos funcionalistas e à influência do capitalismo
no modo de comunicar aparece com o surgimento de pesquisadores da
Teoria Crítica (Escola de Frankfurt) como Theodor Adorno e Mark
Horkheimer, escola de base marxista não-ortodoxa que buscava dar um
sentido diverso ao processo histórico e cultural. Para eles, a comunicação é
vista como generalização simbólica enquanto mediação mais ou menos
universal do modo de produção capitalista. A comunicação, neste sentido, é
fundamentada no trabalho e possibilitada pela linguagem que passa a ser o
meio pelo qual surge a “consciência social”. Com os frankfurtianos começa
a entrar em cena o que hoje conhecemos como Marxismo Cultural, abrindo
o campo para as aplicações doutrinárias de Antônio Gramsci.
Estes modelos se tornaram hegemônicos nos estudos da
comunicação como consequência do espaço que ganharam nas ciências
sociais desde meados das décadas de 1930. O sentido marxista dado à
comunicação que se desenvolveu no ambiente funcionalista contribuiu para
dar às mídias um caráter crítico que acabou furando a vigilância
funcionalista que servia de defesa contra a desestruturação social. No ponto
de vista dos teóricos funcionalistas, a mídia tinha um papel formador da
sociedade e devia evitar tudo aquilo que a degenerasse ou trouxesse
consequências nefastas socialmente. Isso se dava devido à clara consciência
do poder dos meios nas atitudes sociais. O modelo crítico, por outro lado,
tinha por base o “trabalho do negativo”, isto é, baseado na dialética
hegeliana estruturada pelo conflito como método e dinâmica social. Este
modelo apropriado pelos marxistas buscava ampliar as zonas de conflito na
sociedade para aproveitá-los retroativamente justificando-os como
exemplos de “luta de classes”.
Dentro do debate da comunicação, porém, herdeiro do modelo de
caráter funcionalista e liberal, surge nas décadas de 1970 e 1980, o chamado
“jornalismo de comunicação”, que busca atender às expectativas do público
alvo consumidor. A partir dos anos 80, dentro dos chamados Estudos
Culturais, com viés interdisciplinar, passou-se a refletir sobre o modo como
os diferentes grupos sociais recebiam as mensagens da mídia, o que abriu
caminho para uma nova forma de ver a comunicação.
Essa diferenciação por grupos sociais deu a chance aos marxistas
substituírem o conceito de luta de classes pelo conflito simbólico entre
grupos na sociedade, o que se deu enquanto departamentos de ciências
sociais eram paralelamente ocupados por teóricos ligados às teorias
marxistas. Uma das primeiras aplicações do Marxismo Cultural teria sido
no fomento do feminismo como nova ideologia conscientizadora. Mais
tarde, a liberação sexual oportunizou uma série de outras “emancipações”,
muitas das quais vemos os resultados ainda hoje como o gayzismo e a
pedofilia. Em seguida, pegando carona nos objetivos geopolíticos da
Sociedade Fabiana, o ambientalismo ganhou forte apelo nos modos de fazer
o jornalismo, o que propiciou o surgimento de vertentes sociais como o
chamado jornalismo ambiental, cívico, entre outras modalidades de
jornalismo militante que acabaram resgatando os pressupostos
funcionalistas, agora com a feição desagregadora e niilista característica da
pós-modernidade.
Com o auxílio de ideologias revolucionárias, o controle do fluxo
das informações se tornou uma grande preocupação da política no século
XX e os planos de uma Nova Ordem Mundial não poderiam jamais
prescindir desta arma, utilizando-se, não só da seleção dos fatos, mas das
mudanças na linguagem que decorrem desta seleção, controlando assim as
concepções sociais sobre a realidade ao mesmo tempo em que reforçam a
autoridade do consenso social dentro dos pressupostos democráticos.
Paralelamente ao controle das informações veiculadas que alcança
credibilidade cada vez maior, o reforço do que Mannheim chama de
“democracia militante” vai se tornando cada vez mais necessário. Afinal,
quanto mais se domina a opinião pública mais autoridade social se deve dar
a ela, aumentando assim o poder de significação daqueles que detêm o seu
controle e a exclusividade de um plano de sociedade planificada. Esta
dinâmica social se tornou objeto de estudo de sociólogos e psicólogos
sociais ao longo do último século, mas é possível dizer que os estudos
acadêmicos em comunicação acompanharam o desenvolvimento destes
estudos mais na condição de mero consumidor dos produtos finais daquelas
ciências instrumentalizadas do que propriamente no lugar de pesquisadores.
Enquanto alguns sociólogos abordavam a necessidade da
transformação social e a tentavam legitimar de variadas formas, os estudos
de comunicação dos quais eles fazem parte não pareceram ter achado
necessário legitimar aqueles pressupostos, bastando a simples adequação
das teorias a técnicas midiáticas e tendo a transformação social como o
último estágio evolutivo do entendimento da função dos meios.
Um dos exemplos desta situação é o estudo da Teoria do
Agendamento ou Agenda Setting, ensinado por professores de comunicação
como um processo natural e inevitável, fruto de contextos sociais e políticos
reunidos de forma tão complexa e caótica ao ponto de se deixar quase
completamente de fora a hipótese de uma intencionalidade em grande
escala. Embora existam estas condições naturais e incontornáveis na
formação das opiniões sociais, há uma grande parcela delas que foi sábia e
tecnicamente construída durante décadas e muito do que se estuda como
processos comunicacionais naturais ou inevitáveis se formaram na base da
aplicação consciente de determinadas técnicas persuasivas.
É possível estudar as teorias de modo descritivo e com apelo à
compreensão do processo abstraindo qualquer intencionalidade. Mas
também é possível, e muito frutífero, compreendê-los como técnicas sociais
embasadas em ideologias historicamente dominantes nas ciências humanas
e que contaram com a ação de agentes históricos sabidamente
comprometidos com a construção de determinadas mentalidades. Estes
planos foram articulados dentro da perspectiva revolucionária que contou
ao longo dos últimos séculos com uma formidável estrutura de organização.
Os estudos das teorias da comunicação, assim como os da sociologia,
portanto, têm muito mais a ganhar se feitos em paralelo a investigações
históricas das ações e vínculos ideológicos ou políticos dos seus agentes.

Intelectuais e a sua influência

Filosoficamente, poderíamos apontar outra possível causa da


mudança funcional do jornalismo e da mídia em direção à transformação
social: o legado de Emmanuel Kant. Olavo de Carvalho fez um importante
estudo sobre as influências deste filósofo. Segundo Carvalho, Kant
convenceu praticamente todas as gerações de intelectuais que vieram depois
dele de que o mundo não pode ser conhecido em si mesmo, mas por meio
das suas formas aparentes e inteligíveis. Assim, todas as ciências deveriam
ter a função da elaboração de meios de compreensão e explicação válidos e
não necessariamente verdadeiros, já que isso era impossível. A própria
compreensão do que é verdadeiro fica aí bastante relativizada. Um dos
efeitos desta missão jogada no colo das ciências é uma necessidade cada
vez maior de racionalização, o que pressupõe uma utopia de uma sociedade
administrada e planejada. Além disso, Kant refere-se inúmeras vezes a uma
diferença substancial entre alguns tipos de cidadãos: aqueles que repetem
formas prontas e os estudiosos que realmente pensam. Neste caso, fica
implícita a necessidade de uma elite que racionalize e normatize formas
discursivas válidas ao mundo. Isso poderia soar absurdo e pretencioso se
não tivesse sido posto em prática nos últimos dois séculos. É fácil
percebermos o quanto isso é evidente se observarmos os planos das Nações
Unidas, que se resumem em uma Nova Ordem Mundial totalmente
dependente de um tipo de nova moralidade baseada na “cultura de paz e
tolerância para com todos os povos”. Independentemente de ideais bem
intencionados em sua aparência, há um fundo teórico que esconde crenças
bastante estranhas à humanidade e às civilizações anteriores. E como não
nos encontramos entre aqueles para os quais a história tem um sentido
obrigatoriamente benéfico e evolutivo, temos todo o direito de estarmos
plenamente desconfiados de todas as boas intenções que se ambicionam
totalizantes e inquestionáveis. O consenso global buscado pelas Nações
Unidas nada mais tende a ser do que o sonho estimulado por Kant e sua
ética instrumental.
Inspirados em pressupostos kantianos, muitos intelectuais viram na
Revolução Francesa as soluções para a política e deram guarida a crenças
tão precipitadas quanto sanguinárias. O custo humano do sonho de paz e
justiça não precisa ser enfatizado, pois há suficiente bibliografia a esse
respeito. Basta dizer que tanto o movimento de 1789 passando por outras
revoluções e culminando na Revolução Russa, nazismo e consequências, o
saldo de mortos já ultrapassou qualquer tolerância a planos de escala global
e já deveriam ser automaticamente rechaçados tão logo sejam expostos
publicamente.
Depois dos sonhos positivistas e do darwinismo social, o marxismo
trouxe esperanças a uma infinidade de intelectuais pelo mundo, esperanças
que ainda brilham os olhos de políticos dados os potenciais políticos e
ideológicos para a sedução de idiotas. No início do século XX, muitos
intelectuais desiludidos com o marxismo ou simplesmente por optarem por
uma via mais branda, passaram a questionar-se sobre os problemas que
impediam a verdadeira conscientização das massas para a revolução. O
estudo das respostas massivas aos meios de comunicação começaram
timidamente com observadores isolados. Estudos mais aprofundados como
os de Gustave LeBon influenciaram muitos cientistas e políticos (ou
cientistas a serviço de políticos). Antes de falarmos de LeBon, porém,
vejamos algo importante sobre um de seus leitores que teve grande
influência sobre a política: Walter Lippmann.
Lippmann, jornalista americano que escreveu sobre jornalismo nas
décadas de 1920, é utilizado pelo meio acadêmico como fonte para
conceitos como estereótipo, pseudo-ambientes, entre outros, sobre os quais
falaremos mais adiante. Isso porque estes conceitos não podem ser tão bem
compreendidos se não considerarmos o fato de que Lippmann foi um
membro extremamente ativo da Sociedade Fabiana e atuou como assessor
do presidente Woodrow Wilson durante a criação da Liga das Nações, em
1919. Embora suas observações sobre os jornais e o seu papel na construção
da imagem da realidade na mente das pessoas possam ser lidas como fruto
de sua curiosidade científica e desinteressada, alguns trechos do seu livro
Opinião Pública não podem ser ignorados:

Minha conclusão é que, para serem adequadas, as opiniões


públicas precisam ser organizadas para a imprensa e não pela
imprensa, como é o caso hoje. Esta organização eu concebo como
sendo em primeira instância a função da ciência política que
ganhou seu próprio lugar como formuladora, previamente à real
decisão, em vez de ser apologista, crítica, ou reportando após a
decisão ter sido tomada. Tento indicar que as perplexidades do
governo e da indústria estão conspirando para dar à ciência
política esta enorme oportunidade para enriquecer-se e servir ao
público. E, naturalmente, espero que estas páginas ajudem
algumas pessoas a dar-se conta daquela oportunidade mais
intensamente, e, portanto, persegui-la mais conscientemente[*].

O parágrafo final da introdução do livro escrito em 1922 não deixa


muitas dúvidas a respeito do seu objetivo. Muito além do âmbito teórico
que a academia aborda, há o contexto histórico de organismos e objetivos a
serem alcançados, técnicas e estratégias de longo prazo implementadas. E a
concretização desses planos é o que orienta, em última análise, o
desenvolvimento de teorias e o rumo de muitos estudos acadêmicos no
último século. Acreditamos seriamente que só compreendendo a estratégia
global e suas ramificações no tempo e no espaço será possível entender o
intrincado mundo das teorias científicas que impuseram uma tão
avassaladora campanha pela modificação dos costumes, crenças e hábitos
da sociedade.
A Sociedade Fabiana foi fundada oficialmente em Londres, em
1884 como uma agremiação de socialistas que se diziam contrários à ideia
de luta de classes e ações sindicais. É produto dela o Partido Trabalhista
Britânico e entre seus principais membros se destacam os intelectuais H. G.
Wells, Bertrand Russell e George Bernard Shaw. Sob a liderança de
Beatrice e Sidney Webb, tinham o ideal oficial de garantir um padrão
mínimo de sobrevivência como direito fundamental de todos e defendiam a
necessidade, portanto, de um governo socialista mundial, em que as
decisões relevantes seriam tomadas por uma burocracia técnico-científica
subordinada a uma espécie de aristocracia financeira. Estes clubes de
intelectuais são de impressionante relevância no processo histórico e
político mundial e alcançaram progressivamente um grande poder sobre a
opinião pública. Seu poder foi e tem sido construído por meio de
infindáveis organizações, sobre as quais nos ocuparemos com maiores
detalhes mais adiante.
Lippmann, como membro da Sociedade Fabiana, foi muito
influenciado pelas propostas de filósofos como H. G. Wells e outros
influenciadores da proposta de governo mundial. Suas ideias, junto com as
de seus pares fabianos, motivaram a criação de órgãos como o Council
Foreign Relations e órgãos de mídia como o Project Syndicate[9], a revista
Foreign Affairs, ambos ocupados em discutir os rumos e o controle de uma
espécie de opinião pública global. Portanto, antes de entrarmos nos
conceitos teóricos elaborados por Lippmann e no uso que tem sido dado a
eles pelo jornalismo internacional e o meio científico da comunicação, é
necessário compreender o peso da sua influência pessoal na história.
Não foi pouca a influência de Lippmann em relação à política
nacional e internacional e o papel dos Estados Unidos no mundo. Grande
parte de seus feitos estão na biografia Walter Lippmann and the american
century, escrita pelo jornalista Ronald Steel em 1980. Embora alguns
críticos diminuam o papel dado a Lippmann na biografia, tudo o que pode
ser comprovado nela fala por si mesmo. Considerado um conservador
essencial, no sentido em que esteve sempre ligado ao poder e preocupado
com a manutenção e conciliação de suas atribuições, o autor de Opinião
pública e Público fantasma, ajudou a elaborar os famosos Quatorze pontos,
apresentados pelo presidente Wilson ao Congresso dos Estados Unidos, em
1918, para a reconstrução da Europa após a Primeira Guerra Mundial.
Muitas destas propostas não foram acatadas na época, mas muito depois.
Os Quatorze Pontos de Woodrow Wilson:

1. "acordos públicos, negociados publicamente", ou seja a abolição


da diplomacia secreta;
2. Liberdade dos mares;
3. Eliminação das barreiras econômicas entre as nações;
4. Redução dos armamentos nacionais;
5. Redefinição da política colonialista, levando em consideração o
interesse dos povos colonizados;
6. Retirada dos exércitos de ocupação da Rússia;
7. Restauração da independência da Bélgica ;
8. Restituição da Alsácia-Lorena à França;
9. Reformulação das fronteiras italianas;
10. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento autônomo dos
povos da Áustria-Hungria;
11. Restauração da Romênia, da Sérvia e de Montenegro e direito
de acesso ao mar para a Sérvia;
12. Reconhecimento do direito ao desenvolvimento autônomo do
povo da Turquia e abertura permanente dos estreitos que ligam o
Mar Negro ao Mediterrâneo;
13. Independência da Polônia ;
14. Criação da Liga das Nações, ou Sociedade das nações.

Embora não se possa dizer quais destes pontos foram de fato


sugeridos por Lippmann, o tom das propostas indica a sua consonância com
os planos globalistas ocidentais que motivaram a criação das Nações
Unidas, herdeira da Liga das Nações, e que parecem ainda nortear grande
parte da sua atividade. Alguns deles, no entanto, apontam para ideais
conhecidamente defendidos por Lippmann em seus editoriais do New York
World, do qual era diretor editorial.
Ele desenvolveu uma relação simbiótica com muitos políticos,
segundo Steel, o que explica a sua influência nas negociações políticas. Era
comum que políticos o procurassem para se aconselharem sobre suas ações.
Afinal, alguns políticos haviam sido formados com a ajuda de Lippmann.
Em 1946, diante da presença soviética sobre a Turquia, evidenciada pela
criação de uma base naval, Lippmann foi conversar com o secretário da
Marinha, Forrestal, de quem era muito amigo. Juntos eles decidiram que os
Estados Unidos deveriam fazer uma demonstração de força no
Mediterrâneo indicando seu interesse na Turquia. Tiveram a ideia de enviar
um navio de guerra para retornar o corpo do embaixador turco que acabara
de morrer em Washington. Simultaneamente, em sua coluna no jornal,
Lippmann elogiava a argúcia do plano[*].
A ação persuasiva nos meios de comunicação começou a ganhar
uma estrutura teórica mais organizada a partir da década de 1920, com o
trabalho jornalístico e as observações de Lippmann. Mas houve outro
profissional de grande importância para o século XX, cujas técnicas e
resultados forneceram a base e a inspiração até mesmo para a propaganda
nazista. O uso que Goebbels fez das técnicas foi somente uma articulação
possível entre suas próprias observações e os resultados já obtidos por
Edward Bernays, o pai da profissão de relações públicas e uma das maiores
mentes da propaganda no século. Desde o fim do século XIX, os estudos
sobre psicologia das massas vinham sugerindo a possibilidade do controle
das emoções massivas para uso da política, mas apesar de alguns ensaios no
campo da publicidade, literatura e revistas, a maioria dos conhecimentos
sobre o assunto restringia-se a teorias e hipóteses com pouca comprovação,
à exceção dos testes de Pavlov e outros poucos. Bernays estudara os
escritos de um popular psicólogo francês do século anterior: Gustave Le
Bon. Dele Bernays retirou grande parte dos seus pressupostos como o de
que toda a ação humana é motivada pela busca do prazer e fuga da dor, o
princípio do desejo. Le Bon via a sociedade de massa como um buraco
negro que engole e destrói tudo. Acreditava que a massa era um lugar de
transmissão de opiniões, fértil à influência de tudo o que havia de ruim e
perigoso.
Além de Le Bon, outra importante influência de Bernays foi seu
tio, o psicanalista Sigmund Freud, criador da psicanálise. Grande
divulgador da obra do tio em terras norte-americanas, Bernays recebia os
livros que Freud enviava pelo correio, de Viena, e as publicava nos Estados
Unidos. A psicanálise deu grande impulso ao desenvolvimento das técnicas
que Bernays iria aplicar na criação da nova profissão de relações públicas,
um eufemismo para propaganda, palavra que já ganhava conotações
negativas.
Com seus conhecimentos inovadores de psicanálise, Bernays
percebeu que a associação de palavras e ideias a determinadas emoções,
tornava possível o controle dos sentimentos do público e, com isso, de suas
ações. Ao longo do século passado, essas técnicas foram usadas para
suscitar repulsa a determinadas ideias, paixões por outras, desejos e até
dependências psicológicas a conceitos ou produtos comerciais de clientes
específicos. Puderam transferir a culpa de crimes a inocentes mediante
exposições na mídia, assim como transformar heróis em bandidos e vice-
versa.
Bernays pode ser considerado o idealizador de grande parte da
cultura de massa do século passado, do consumismo e da cultura
sentimental que vemos hoje. Foi inspirador de Goebbels e deu à propaganda
o nome mais genérico e menos agressivo de relações públicas. Com
técnicas ligadas à psicanálise, ele empreendeu uma das maiores e mais
decisivas mudanças na mente do cidadão comum ao transferir o interesse do
consumo da necessidade prática ao desejo simbólico.
Junto aos trabalhos de outros pesquisadores de comunicação social
anteriores e posteriores, as técnicas de Bernays foram utilizadas
amplamente por institutos de pesquisa social e empresas interessadas em
controlar a opinião pública. Este interesse foi crescendo a partir do que era
visto como uma necessidade desde o século anterior: a do controle social
por meio de uma elite esclarecida, coisa já bem defendida bem antes de
Lippmann.
Assim como Lippmann e um pouco antes dele, Edward Bernays
também trabalhou com o presidente Wilson e, como assessor de propaganda
– o que no mundo democrático passou a se chamar Relações Públicas – foi
o responsável pela legitimação popular que o governo teve para entrar na
guerra contra a Áustria, em 1917. Os períodos das guerras foram muito
frutíferos em termos de desenvolvimentos de técnicas de propaganda e
convencimento das massas. Bernays aprendeu quase tudo naqueles dias.
Terminada a Primeira Guerra, o então exitoso assessor, aos 27
anos, ficou a imaginar que resultados teriam estas técnicas de controle da
opinião pública se aplicados em tempos de paz. Foi então que retornando
aos EUA passou a trabalhar para grandes empresas e já em 1921 coube a
Bernays a tarefa de criar a profissão de relações públicas, o profissional
encarregado de fomentar agendas públicas consonantes com objetivos
políticos de seus assessorados. A profissão consagrou-se a partir do livro
'Cristallizing Public Opinion', de 1923, feito com base nas técnicas bem
sucedidas que vinham sendo aplicadas. A liberdade de expressão, dizia
Bernays em seu artigo célebre 'A engenharia do consentimento', “expandiu
a carta de direitos americanos para incluir o direito à persuasão”. Este foi o
resultado da inevitável expansão da mídia e da livre expressão, como ele
afirmou. “Qualquer um de nós pode, por meio dessas mídias, influenciar as
atitudes e ações de nossos companheiros cidadãos”, diz Bernays. E
recomenda: “o conhecimento de como usar esse enorme sistema de
amplificação torna-se uma preocupação primária para aqueles interessados
em uma ação socialmente construtiva”.
Baseado então nos pressupostos de Le Bon e também de
Lippmann, Bernays pensava ser possível desenvolver técnicas de persuasão
apoiadas no conhecimento da psicologia humana. Embora os resultados dos
estudos de Bernays tivessem sido usados por Goebbels, os objetivos de
Bernays estavam aparentemente em consonância com os princípios
democráticos. Dize ele:
A engenharia do consentimento é justamente a essência do
processo democrático, a liberdade de persuadir e sugestionar. As
liberdades de expressão, imprensa, petição e reunião, as liberdades
que fazem a engenharia do consentimento possível, estão entre as
mais celebradas garantias da Constituição dos Estados Unidos.

Através do processo educacional, assegura Bernays, os governos


devem conceder ao seu público um entendimento sobre os problemas para
tomarem suas decisões. Mas a engenharia do consentimento, alerta ele, não
deve confundir-se com o sistema educacional, pois deve completá-lo e ir
além dele, já que se direciona à ação e não simplesmente à compreensão de
determinadas situações. A engenharia do consentimento deve, portanto,
suprir as lacunas do sistema educacional na determinação de ações. Bernays
alerta para os perigos de que suas técnicas sejam subvertidas e usadas para
fins antidemocráticos. Por isso, “o líder responsável, de modo a realizar
objetivos sociais, deve estar constantemente alerta às possibilidades de
subversão”. Ironicamente, um exemplar bastante conhecido deste “líder
responsável”, assessorado por um de seus discípulos involuntários, levou o
povo alemão a bater continência para as atrocidades de Hitler.
Apesar do relativo sucesso da campanha nazista nos meios de
comunicação da época (campanha até hoje considerada pioneira na
propaganda), Bernays salienta que a persuasão encontra o seu terreno fértil
nas democracias liberais, “onde a livre comunicação e a competição de
ideias no mercado são permitidas”. As democracias, portanto, funcionam
bem à persuasão já que são as suas garantidoras por natureza. Estes
sistemas, portanto, que constituem a base da política ocidental, se tomados
como valores em si, servem a uma variada gama de objetivos, incluindo
aqueles contra os quais o sistema mesmo busca ser uma defesa. Basta que a
palavra democracia seja esvaziada de seu significado e ele substituído por
outro, tática bastante simples e usual, para que mudem os propósitos a que
essas técnicas servirão.
Evidentemente, os ataques a liberdades individuais em nome de
garantias coletivas tem se utilizado de críticas controladas aos valores
democráticos atendo-se justamente ao seu conteúdo já ressignificado de
antemão. Isso ocorre tanto por críticos da esquerda quando da direita, que
tomam para si significados exclusivamente negativos que a esquerda criou.
Hoje é comum que se use certos expedientes de manipulação para
controlar a reação do público. Tanto na propaganda subliminar, invasiva por
natureza, quanto em estímulos imagéticos e auditivos para gerar ou manter
audiência de TV, rádio ou transmitir sensações em páginas de revistas e
jornais, sites, jogos eletrônicos e um milhão de outras possibilidades que
diariamente aumentam. Muito do que se usa hoje foi aprendido por homens
como Bernays mas possuem uma história bastante profunda que vem desde
os primeiros laboratórios de controle mental na Rússia, Alemanha e mais
tarde, China e Coreia do Norte. O que se usa hoje sem nenhuma cerimônia
custou a vida ou a sanidade de muitos prisioneiros de guerra usados em
experiências psíquicas das quais falaremos mais adiante. O fato é que houve
um momento em que cientistas passaram a encarar os resultados dessas
experiências não mais como armas de destruição mas de construção de um
mundo novo. Embora isso soe como algo menos danoso ou agressivo às
pessoas, não é menos horripilante quando vemos os resultados do mundo
que criaram.
O primeiro mito a se desfazer quando se pensa em técnicas de
controle social é o de que essas ideias são oriundas de mentalidades ligadas
a regimes totalitários. Estes regimes só aperfeiçoaram e deram caráter mais
técnico a uma necessidade dos próprios regimes democráticos de caráter
liberal. A prova disso é que essas ideias surgem da mente de liberais
interessados no progresso das ideias e das liberdades. Em muitos aspectos,
ideias totalitárias são decorrentes de uma hipertrofia de ideias
profundamente democráticas. Afinal, a democracia para funcionar deve
contar com o consentimento total. Isso não quer dizer que a democracia seja
o problema, mas pode significar que a sua defesa meramente ideológica ou
instrumental tem grandes chances de se transfigurar em uma campanha
fascista. E os gênios ideólogos souberam utilizar muito bem este potencial.
A própria ideia de democracia liberal exige um tipo de legitimação
que vai além da mera defesa teórica de seus pressupostos, mas passa pela
necessidade de se gerar um consentimento público ou o que Karl Mannheim
chamaria de “democracia militante”, algo posterior ao sistema do laissez-
faire. A existência de propostas de caráter controlador e totalitário depende
do tipo de intelectualidade que acabou ocupando lugar de destaque neste
processo. A passagem da ideia de controle indireto da opinião pública para
um processo de controle estatal da mídia propriamente está ligado à
ascensão de um tipo de elite, a socialista fabiana, que se origina das classes
pequeno-burguesas historicamente carentes de atenção estatal.
A proeminência das classes intelectuais na opinião pública, a partir
do processo de crescimento da circulação de jornais políticos desde o século
XVIII, culminou, no final do século XIX, com o florescimento das
ideologias massivas, herdeiras e saudosas dos “avanços” da Revolução
Francesa. O puritanismo da classe burguesa, aliado às crenças no poder
redentor das revoluções populares, trouxe a idealização de um tipo de
proletariado defensor de seus direitos e participativo nas lutas políticas. Esta
expectativa, porém, existente só na mente dessa pequena burguesia, não se
efetivou na prática, pois o povo proletário do final do século XIX não se
interessava por política nem por revoluções, já que as próprias condições de
trabalho não pioravam como tentara demonstrar Marx. Isso trouxe certa
desilusão, por parte dos intelectuais, no poder transformador da classe
trabalhadora. Marx foi um dos responsáveis pela confusão entre o
proletariado e a pequena burguesia insatisfeita ao usar dados do proletariado
inglês e cruzá-los com as suas supostas consequências, às revoluções do
século XIX, principalmente na França. Ocorre que estas revoluções foram
levantes provocados pela pequena burguesia alfabetizada e insatisfeita, e até
por militares também insatisfeitos, mas não por operários.
O resultado deste processo psicológico, muito bem descrito por
Emmanuel Todd em seu livro O louco e o proletário – filosofia psiquiátrica
da história (1951), foi o estabelecimento de um poder paralelo dos
herdeiros dessa recalcada burguesia intelectual, cuja expressão mais clara
está na atual elite globalista que já no início do século XX estava no
comando da intelectualidade mundial.
O início do século XX, portanto, foi marcado por pesquisas de
opinião pública de caráter normativo, a chamada escola funcionalista, que
tinha como principal objetivo o conhecimento de técnicas para a
manutenção da ordem pública, objetivo de uma classe científica de escola
positivista. Os institutos de pesquisa social, como Rockefeller e Tavistock,
inspirados na antiga confraria de pesquisadores de Wellington House,
dedicaram-se ao estudo do processo cognitivo e os seus resultados práticos
para a política.
Mais tarde, porém, percebeu-se que as agendas políticas deviam
ser trabalhadas no campo cultural, o que trouxe maior margem de ação a
estes pesquisadores. Hoje, nomes como Edward Bernays, Kurt Lewin,
Walter Lippmann, entre outros, são referências em matéria de opinião
pública e psicologia das massas, apesar de seus estudos serem vistos como
meras investigações sem funções práticas.
Em seu livro Opinião Pública (1922), Lippmann revolucionou os
estudos de mídia ao relacionar as decisões dos cidadãos às imagens do
mundo em suas mentes, cuja construção caberia a uma elite de esclarecidos
que tivessem o controle dos meios de comunicação. Suas conclusões foram
derivadas das descobertas de Ivan Pavlov sobre o condicionamento
cognitivo das ações e dos comportamentos dos animais aplicados ao
homem. Lippmann, por sua vez, salienta a importância dos diversos
mecanismos de censura como condição para a construção social, e sua
função de barreira necessária entre o público e os eventos para a construção
dos pseudo-ambientes.
Lippman – importante fonte de estudos acadêmicos de
comunicação hoje – argumentava que a democracia representativa não
poderia funcionar sem uma “organização especializada e independente que
torne os fatos invisíveis inteligíveis àqueles que tomam as decisões”. Ele
concluía o primeiro capítulo, como já dissemos, dizendo: “Minha conclusão
é que, para serem adequadas, as opiniões públicas precisam ser organizadas
para a imprensa e não pela imprensa”.
Estando o público distanciado dos eventos reais por meio de
barreiras naturais ou artificiais, este terá, portanto, como única imagem
destes fatos aquilo que é passado por meio da mídia, das notícias diárias,
isto é, o teatro criado para impedir o acesso aos fatos. “O único sentimento
que alguém pode ter acerca de um evento que ele não vivenciou é o
sentimento provocado por sua imagem mental daquele evento”, disse
Lippmann. Entre os seres humanos e o ambiente real, há a presença
marcante dos pseudo-ambientes dos quais o comportamento é uma resposta.
Este comportamento-resposta, porém, se é uma ação, não opera
evidentemente no mundo dos pseudo-ambientes onde foi estimulado, mas
no ambiente real onde de fato as ações acontecem. Em termos práticos, isso
quer dizer que, de posse do controle das informações, pode-se determinar
em grande parte as respostas dos cidadãos, por meio da geração destes
pseudo-ambientes. Para determinar ações ou sentimentos específicos nos
indivíduos, portanto, basta ater-se à forma como é construída a imagem do
objeto e torná-lo socialmente válido. Ou seja, se as ações fossem respostas à
realidade, seria muito difícil determinar ações, pois é impossível mudar os
fatos dos quais as ações são a resposta. Esta é, como se vê, uma explicação
lógica da mentira sistematizada.
A participação de Lippmann na Sociedade Fabiana foi durante a
juventude, até se desiludir com o socialismo por não concordar com a ideia
da luta de classes, embora aceitasse a sua existência empírica. Para ele, a
imagem mental da ideia de uma constante luta de classes fomentaria o caos
e a desordem, coisa tida como inevitável e até desejável para os socialistas,
mas perfeitamente evitável e inconveniente para fabianos que detinham o
pode sobre a frágil economia da época. Ele queria que a sociedade fosse
controlada para a democracia e a ordem e via no marxismo ortodoxo um
entrave à paz, apesar de concordar com a doutrina marxista quanto à
economia. Não é a toa que Lippmann é um dos honoráveis fundadores do
Council of Foreign Relations (CFR), em 1919, uma das mais atuantes
entidades de influência da opinião pública no mundo. Com o CFR, o sonho
de Lippmann e de muitos intelectuais fabianos estava mais perto de ser
realizado.

Os funcionalistas e as pesquisas de opinião

O resultado de uma pesquisa de opinião apresentada pelo Instituto


de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), no início de 2014, tentava
demonstrar que a maior parte dos brasileiros (46%) era favorável ao estupro
de mulheres que se vestissem provocativamente. A grande mídia apressou-
se na tentativa de pintar um povo machista e violento, naturalmente
identificado com um arquétipo de conservadorismo. Daquele primeiro
resultado, vieram inúmeras manifestações de políticos, incluindo a do
próprio ex-presidente Lula, que chamava a atenção para o perigo
representado pelos supostos 46% da população. Na carona do IPEA,
impulsionaram-se votações de leis sobre violência doméstica que a
relacionavam com o machismo da sociedade. Estas leis serviram de modelo
para sugerir a inclusão da chamada Ideologia de Gênero, não mais somente
no novo Plano Nacional de Educação, mas na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de caráter permanente. Em menos de uma semana, o
resultado da pesquisa gerou uma campanha contra o estupro, onde mulheres
posavam seminuas com cartazes dizendo: “não mereço ser estuprada”. A
curta campanha recebeu adesão de celebridades e subcelebridades, famosos
e anônimos de redes sociais. Ocorre que, ao fim de uma semana de efusivas
campanhas, o IPEA veio a público admitir que havia trocado os gráficos e
que os números estavam invertidos. Na verdade, o que deveria ser 46% era
26%. Um diretor do instituto, responsável pela pesquisa, pediu afastamento
após o escândalo. Apesar do desvelamento da farsa, as frases de efeito
inspiradas na divulgação dos números permaneceram como se nada tivesse
acontecido. O extenso uso político e militante que foi feito daqueles
primeiros resultados evidenciou o intuito dessa verdadeira operação de
agenda que só aparentemente havia falhado.
O que realmente levou o instituto submetido à Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República, a desmentir a farsa,
ainda não se sabe. Mas até disso a militância parece ter se beneficiado, já
que uma parcela pequena e desatenta da oposição conservadora cultural
apressou-se em corroborar aquela cifra absurda que colocava a população
brasileira como apoiadora da violência contra a mulher. Pequena e
desatenta, mas que para a esquerda sempre terá sua importância na
amostragem de conservadorismo útil para justificar seus avanços
revolucionários. Esta história parece indicar o quanto a esquerda
hegemônica, detentora dos instrumentos midiáticos, se mostra sempre mais
preparada para utilizar-se do caos mental gerado por ela mesma.
Como já dito anteriormente, as primeiras pesquisas de opinião com
fins de engenharia social partiam da crença de que as mensagens através da
mídia podiam funcionar como agulhas hipodérmicas, metáfora biológica
que, embora fosse insuficiente do ponto de vista investigativo das ciências
humanas que desse conta da complexidade do processo, puderam ter algum
sucesso em impulsionar estudos cada vez mais detalhados da psicologia das
massas. É claro que as técnicas de engenharia social nunca foram simples e
eficazes como uma injeção, mas nunca será seguro subestimar as mudanças
sociais que o crescimento da influência dos meios na vida das pessoas
acabou provocando. De modo geral, as pessoas hoje são bem mais
dependentes da mídia do que em 1920, quando se iniciavam os estudos de
recepção midiática. Mas já muito cedo esses estudos proporcionaram
avanços espetaculares no controle das massas, mesmo que os
conhecimentos na área não estivessem ainda completamente desenvolvidos.
Afinal, a busca por controle não tem por preocupação essencial a
compreensão completa dos processos, mas tão somente o entendimento dos
elementos funcionais que garantam o alcance dos efeitos desejados.
A divulgação de uma pesquisa de opinião pela mídia representa a
oportunidade de comunicar ao público o que ele mesmo pensa a respeito
dos mais variados assuntos. Muitos estudiosos ligados a grandes fundações,
partidos políticos, órgãos de comunicação governamental, etc, perceberam
rapidamente o potencial deste tipo de coisa, afinal, a opinião pública, ou o
que se crê ser a opinião pública, é a autoridade máxima no sistema
democrático, já que possuem a função dupla de retratar e conformar a
opinião do público. Isso faz dela um local de competição dos pretendentes à
ação histórica. Nenhum foi tão eficaz nos últimos anos, porém, do que os
globalistas representados pelas grandes fundações financiadoras dessas
pesquisas.
Um dos pioneiros no estudo dos efeitos de pesquisas de opinião,
como já dissemos, foi Lazarsfeld, no campo de estudos denominado Mass
Communication Research, historicamente ligado ao financiamento da
Fundação Rockefeller. Junto dele, Kurt Lewin, Carl Hovland e Wright
Mills, entre outros, fizeram avançar os estudos psicossociais de um modo
que a população consumidora de mídia dificilmente imaginaria. Pior do que
isso: o descaso dos próprios comunicadores com estes estudos, aliado à
constante desatenção sobre os agentes históricos que detém esses
conhecimentos e meios de utilizá-los, deixa o trabalho dos engenheiros
sociais ridiculamente fácil.
Lazarsfeld recorreu à técnica de amostragem repetida para estudar
os estágios sucessivos da tomada de decisão, incluindo as camadas de
mudança de opinião que a possibilitavam. Buscou fazer pesquisas de
opinião para testar os resultados e implementar em áreas como eleições
políticas. Utilizou, por exemplo, processos de decisão do uso de uma
máquina ou adubos por agricultores, um bem de consumo, prática higiênica
ou tecnologia nova[10]. Estas pesquisas orientaram o estabelecimento de
categorias importantes como os degraus sucessivos pelos quais devia passar
toda adoção de um novo produto ou comportamento. Foi a chamada Teoria
do Two-step flow, ou fluxo em duas etapas, que consiste de dois degraus
básicos: primeiro degrau: pessoas relativamente bem informadas, porque
diretamente expostas à mídia; e segundo degrau: pessoas que frequentam
menos a mídia e dependem dos primeiros para obter informação.
O modelo do Two-step-flow foi elaborado nas décadas de 1940 e
1950, época em que os estudos começavam a se preocupar com as análises
de recepção de mídias de massa como os jornais o rádio. A obra principal
em que Lazarsfeld expõe a tese do fluxo comunicacional em duas etapas,
The people’s choice. How the voter makes up his mind in a presidential
campaign (A opção das pessoas. Como o eleitor elabora as suas próprias
decisões numa campanha presidencial), publicada em 1944 nos Estados
Unidos, por Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet, buscava
conhecer os processos de formação e transformação da opinião pública.
O estudo foi feito durante a campanha presidencial de 1940,
observando e analisando os efeitos da propaganda dos candidatos. O
principal interesse dos pesquisadores era os votantes que apresentavam
mudança de opinião no decorrer da campanha. Por isso, três perguntas
principais motivaram a pesquisa: (1) Que categoria de pessoas está
predisposta à mudança? (2) Quais influências atuam para produzir essas
mudanças? (3) Em que direção se orientam as mudanças?
Foi verificado que os contatos interpessoais atuavam como
importantes estímulos no processo de mudança de intenção de voto,
especialmente através das mediações dos chamados “líderes de opinião”.
Os líderes de opinião pareceram ter uma função essencial no processo de
formação das atitudes de voto e de como seus efeitos atuam no sentido de
ativar posicionamentos, reforçar ou modificar opiniões.
Além disso, estes líderes funcionavam não apenas como
intermediários entre meios de comunicação e público, mas sim como
importantes participantes do sistema comunicacional, conforme observa
Lazarsfeld:

Supõe-se, em geral, que os indivíduos obtém as informações


diretamente dos periódicos, do rádio e outros meios. Nossos
estudos demonstraram, porém, que nem sempre é assim. A maioria
dos indivíduos recebiam boa parte das informações e muitas de
suas ideias através da relação com os líderes de opinião de seus
grupos. Estes líderes, por sua vez, mostravam uma receptividade
relativamente maior que os demais aos meios de comunicação de
massa. Este processo de informação em duas etapas resulta de
indubitável importância prática para os estudos da propaganda
(Lazarsfeld, 1962, pag. 26)[11].
Portanto, as interações mútuas reforçam e mudam os modos de
recepção. A obra de Lazarsfeld mostra que os líderes de opinião têm grande
participação na campanha. Isto porque, em comparação aos “meios formais
de comunicação”, como analisam os autores, o contato pessoal tem maior
poder de influência, por conta de seu alcance mais amplo e de estabelecer
relações psicológicas mais intrincadas com o público. É no sentido de dar
maior visibilidade às mediações que essa teoria indica duas etapas do
percurso das idéias: (1) a partir da radiodifusão e da imprensa escrita para
os líderes de opinião e (2) estes que as transmitem aos setores menos ativos
da população.
Desta forma, essas pesquisas mostram uma maior influência da
interação entre as pessoas mais suscetíveis a mudanças como ponte por
meio da qual os meios formais de comunicação ampliam sua ação. Um dos
desenvolvimentos mais evidentes disso na propaganda teria sido o uso de
celebridades ou pessoas de importância social para atuarem em
propagandas de produtos ou ideias, já que celebridades (especialmente as
ligadas à arte) muitas vezes eram vistas pela população como entes queridos
e próximos, dada a proximidade ilusória que a arte proporciona por meio da
mídia e da sua própria atividade.
A teoria do Two-step-flow originou outra obra que estendeu o
desenvolvimento da tese do fluxo comunicacional em duas etapas. Em
1955, P. Lazarsfeld, desta vez em parceria com E. Katz, publicou no mesmo
país, o livro Personal influence: the part played by people in the flow of
mass communication. A obra dá continuidade à teoria iniciada ainda no
início da década de 1940 e trata da capacidade de “influência” do contato
interpessoal nos modos de recepção de informação veiculadas pelos meios
de largo alcance. É nesta obra que Lazarsfeld consolida sua teoria.
A ideia do líder de opinião (primeiro degrau) foi essencial para se
compreender o processo de mudança pela mídia, o que coincidia com
muitas pesquisas já feitas anteriormente. Lazarsfeld uniu estes estudos aos
já existentes no campo do marketing, como o modelo AIDA (Atenção,
Interesse, Desejo, Ação/Aquisição), isto é, captar a atenção, suscitar o
interesse, estimular o desejo e passar à ação (comportamento) ou aquisição
(consumo). No aspecto político, não é diferente do consumo, pois o desejo
influi na necessidade de socialização que o engajamento político
proporciona, o intento moderno da eficiência democrática, participação
política, etc.
Estudantes formados por Lazarsfeld se tornaram verdadeiros
“gurus” da indústria publicitária e seus estudos eram também aplicáveis à
política. Trabalhava para grandes empresas e órgãos governamentais com
considerável influência em muitos países. Seus laços com a comunidade
internacional o tornaram o líder de uma espécie de “multinacional
científica” ligada à mudança de comportamento do consumidor e do eleitor.
Mas Lazarsfeld preocupava-se sobretudo com a propaganda e ainda não
havia feito sua verdadeira virada à política. Isso veio a efeito a partir dos
estudos de um outro pesquisador, o psicólogo também vienense Kurt Lewin
(1890-1947). Lewin trouxe o fenômeno do formador, as “reações” e
influências na decisão grupal por meio das “dinâmicas de grupo”, invenção
sua. A família, a sala de aula, clube de jovens, grupo de trabalho, fábricas,
etc, foram seus objetos de pesquisa. Seus livros, A teoria dinâmica da
personalidade e Princípios da psicologia topológica, têm até hoje grande
influência na psicologia.
Lewin foi um dos principais pesquisadores do Tavistock Institute,
em Londres, órgão de pesquisa de controle mental que presta serviços a
empresas e governos. Fundou, em 1945, o centro de pesquisas de dinâmica
de grupo no Massachusetts Institute of Technology (MIT), nos Estados
Unidos. A Segunda Guerra Mundial deu ao psicólogo a chance de testar as
leis teorizadas por ele sobre a conduta grupal a serviço da mobilização para
o esforço de guerra numa economia de escassez. Aperfeiçoou estratégias de
persuasão visando a modificação da atitudes das donas-de-casa em matéria
de regime alimentar. Nessas experiências, surge com mais precisão o
conceito de gatekeeper, ou controlador do fluxo de informação, função que
garante o “formador de opinião” informal. Lewin era também físico e
matemático e introduziu uma série de estudos que chamou de topológicos,
com vetores, diagramas, quadrados, círculos, figuras como sinais de adição
e subtração para representar sua teoria do campo de experiências, ou seja, o
espaço de vida dos indivíduos e as relações com o meio físico e social.
Não é difícil observarmos os frutos das pesquisas de Lewin em
nossos dias. O uso de técnicas e dinâmicas de grupo hoje é algo endêmico e
utilizado em quase todo tipo de agremiação mais ou menos organizada. O
objetivo dessas dinâmicas não é diferente dos de Lewin e do Tavistock
Institute quando de seu início ao final da guerra: a mudança de
comportamento para a realização de transformações sociais que
funcionassem em tempos de paz para o controle social. A teoria das
dinâmicas de grupo de Lewin tinham por objetivo compreender o
funcionamento dos grupos menores para, assim, alcançar a complexidade
dos grupos maiores e, por fim, a sociedade. Os jogos e atividades lúdicas,
por sua vez, visam disciplinar o indivíduo à mudança de comportamento e a
uma consequente postura ativa. O ativista vai sendo moldado em suas bases
mais profundas, dirigindo-o ao rompimento e o questionamento dos padrões
e do que for considerado velhas ideias, direcionando-o à “emancipação”. O
poder do instrutor da dinâmica, porém, nunca é questionado.
Indo muito além, outro pesquisador, Carl Hovland, também ligado
ao Tavistock, explora mais diretamente os meios de comunicação, medindo
a eficácia de filmes de propaganda para soldados americanos nos fronts do
Pacífico e da Europa, efeitos sobre o moral das tropas, etc. Esses estudos de
laboratório foram importantes para aumentar a eficácia de massa, por meio
de experiências que faziam variar a “imagem do comunicador”, a natureza
do conteúdo, entre outras coisas. O resultado foi um verdadeiro catálogo de
receitas para o uso do bom persuasor e da mensagem persuasiva eficaz,
conteúdos capazes de alterar o funcionamento psicológico do indivíduo e de
levá-lo a realizar atos desejados pelo emissor de mensagens. Nesta época
ficaram populares os guias de transformação social que eram usados por
muitos institutos de pesquisa e agências de propaganda, sobre os quais
falaremos mais à frente.
Diante de estudos como estes e vendo as multidões que respondem
tão facilmente a estímulos da mídia, é possível compreender por que motivo
as abordagens usuais sobre as teorias da comunicação de massa atualmente
têm feito um esforço para diminuir o poder destas técnicas. As teses mais
aceitas são aquelas que relativizam esse poder de persuasão e concedem ao
público uma maior independência. Ora, uma parte importante de qualquer
campanha de manipulação deve consistir justamente em atribuir toda a
independência ao manipulado para distraí-lo das forças que buscam
controlá-lo. Operações de engenharia social com vistas a modificar o
posicionamento da esfera pública para determinado fim político sempre
estiveram presentes nos experimentos dos pesquisadores norte-americanos e
russos, sempre financiados por grandes milionários interessados. Estes
milionários não dependiam de nenhum dos dois blocos soviético e
americano, mas agiam em cooperação, em operações conjuntas.
Em 1950, o professor de ciência política Daniel Lerner assumiu a
direção de um projeto de estudos dirigido por Paul Lazarsfeld, no Bureau of
Applied Social Reasearch de Colúmbia, do MIT, financiado pela rádio
governamental Voz da América. O alvo da pesquisa eram seis países do
Oriente Médio, entre eles o Irã governado por Mossaddegh, um nacionalista
que favorecia aproximação com a União Soviética. O objetivo era medir a
influência e reação do público à exposição de opiniões de rádios de alcance
internacional como a BBC, Rádio Moscou e a Voz da América. Lerner
propôs medir a mobilidade psicológica das opiniões favoráveis ou não à
transição de um “estado tradicional” típico da região, para um estado de
modernização, proposto pelo Ocidente e própria da personalidade moderna.
Este esforço de engenharia social pró-ocidente nos poderia fazer
crer na ação conspiratória do “imperialismo” norte-americano. Importante,
porém, levamos em consideração que Daniel Lerner foi um importante
difusor de teorias cuja crença principal da transição de sociedades
tradicionais para a chamada modernização, baseava-se na realização do que
se chamou de “revolução das esperanças crescentes”, com a principal
característica do abandono dos valores tradicionais para os valores
intercambiantes da sociedade moderna, garantidora do “progresso ao
alcance de todos”. Como professor de ciência política, é impossível que
Lerner não soubesse que “esperanças crescentes” não geram ordem nem
paz, mas caos e revolução permanente. Crenças como estas estão na base do
antiamericanismo da esquerda norte-americana.
Não é difícil perceber o imenso potencial de uso dessa ideias para
as operações de subversão social descritas por Yuri Bezmenov, nas quais as
ideias e desejos do inimigo são estendidas ao seu extremo para gerar o
colapso social. Afinal, o projeto de pesquisa chefiado por Lazarsfeld, do
qual Lerner fazia parte, era financiado pela Fundação Rockefeller, cujas
ideias muito se aproximam da tal “revolução das esperanças crescentes” e
que detém hoje uma bela parte do controle do fluxo de informações por
meio das grandes corporações de mídia internacionais.
Para terminar a sequência iniciada por Lazarsfeld, Lewin, Hovard e
Lerner, citamos também Charles Wright Mills, que radicaliza a crítica ao
capitalismo e, desistindo de toda a intenção meramente reformadora,
defendia a pura engenharia social a partir do estudo das relações sociais
com o chamado “triângulo do poder” (monopólios, forças armadas e
Estado), examinados minuciosamente no livro Power Elite (1956). Mills se
utiliza de análises marxistas críticas para o estudo da conexão entre cultura,
poder e ideologias na estrutura social. A posterior influência dos teóricos da
Escola de Frankfurt e o seu foco no aprofundamento das contradições
capitalistas e ocidentais, deu à praxis da esquerda norte-americana novas
possibilidades de mudança social que a pesquisa empírica funcionalista não
havia conseguido. Essa contradição pode ser percebida nas próprias
expressões trazidas por eles, como “indústria cultural” e “cultura de massa”,
algo que na época provocava forte impressão ao unir palavras
aparentemente opostas e conflitantes, que embora ironizassem a existência
de uma alta cultura salvadora, diziam defendê-la. O paradigma de
engenharia ordenadora dos funcionalistas não resistiu à crítica criativa,
caótica e desintegradora dos frankfurtianos. Embora não fossem
intelectualmente favoráveis à normatividade tecnicista dos engenheiros, a
desilusão completa dos pensadores da Escola de Frankfurt quanto às
necessidades e possibilidades de controle social e cultural criou, em pouco
tempo, uma atmosfera intelectual caótica e destrutivamente crítica, cujos
efeitos parecem ter facilitado em muito o trabalho da engenharia social. Na
verdade, hoje sabemos que seu objetivo era justamente esse.
Voltemos agora à pesquisa fraudulenta do IPEA, segundo a qual a
maioria do povo brasileiro parecia ser favorável ao estupro de mulheres que
mostrassem o corpo. Mesmo depois de desmentidos, os resultados
concorreram para efeitos que confirmavam a mentira, ao provocar
indignação contra as mulheres que se apressaram na campanha do “não
mereço ser estuprada”. Afinal, quando se propõe o caos, toda resposta é
correta.
É difícil não pensarmos em como a estrutura social pode ter se
tornado de alguma forma, ainda mais receptiva à influência midiática após
tanto tempo de exposição a uma mídia sensível à manipulação por
engenheiros sociais. À medida que se acelera o processamento tecnológico
da informação, as resposta aos estímulos parecem mais velozes e
abrangentes, como uma verdadeira espiral caótica, onde até mesmo os
efeitos colaterais menos previsíveis das mensagens midiáticas nos farão
implorar pelo alívio das ordens dos engenheiros.
A influência da Escola de Frankfurt nas pesquisas de opinião das
décadas de 1940 que eram financiadas pela Fundação Rockefeller pode ter
iniciado com a participação, durante curto período, de Theodor Adorno no
Centro de Pesquisas Sociais, junto com Lazarsfeld. Adorno passou pouco
mais de um ano lá antes de desistir por não concordar com a linha de
pressupostos metodológicos das pesquisas que, segundo ele, eram
demasiadamente normativos e pouco críticos. É claro, a posição dos
frankfurtianos era demasiado niilista e desconstrucionista para aderir aos
conceitos baseados em algum “dever ser”, de caráter funcional, trabalhados
pelos americanos. Ademais, os funcionalistas almejavam um controle social
que ainda permanecia dentro de padrões culturais ocidentais e capitalistas,
justamente os questionados pelos alemães. Nas décadas seguintes, após
verificarem resultados das pesquisas funcionalistas na sociedade, a esquerda
internacional percebeu o quanto pode ser produtivo unir a crítica alemã às
técnicas de controle desenvolvidas pelos norte-americanos.
Alguns destes resultados puderam ser percebidos com o
surgimento de comportamentos que passaram a ser justificados
racionalmente, dando origem às mais variadas ideologias grupais,
substitutos perfeitos para fazer frente a um desgaste das ideologias políticas.
O fluxo de informações e o seu controle não é, porém, o único
elemento utilizado para cooptar engajamentos e criar massa de manobra
para causas diversas ou simplesmente controlar as ações dos indivíduos de
modo a obter um tipo de controle social. Muitas experiências testaram
também o uso de substâncias químicas para facilitar o controle da mente.
Isso é amplamente descrito em livros como O Rapto do Espírito, de Josh
Merlcco, entre outros. John Coleman, em seu livro O Instituto Tavistock,
também explica a natureza de eventos como o festival de Woodstock que
não passaram de experiências do uso de drogas modificação do centro de
orientação de um indivíduo. O resultado foi uma geração inteira que se
opunha drasticamente aos costumes e valores de seus antecessores. Grande
parte disso foi devido os constantes estímulos de condições psicológicas
que geravam posturas de rebelião e revolta somados a uma
supervalorização de tendências viciosas, o que estimulava um tipo de
escravidão dos sentidos, propiciando assim, nas décadas seguintes, outros
formidáveis efeitos sociais e culturais. Entre outras coisas, essa mudança
tornou a maioria das mentes especialmente suscetíveis aos estímulos dos
meios de comunicação de massa, que cada vez mais apelavam às seduções
sensoriais.
Há ainda outros fatores civilizacionais que concorreram, ao longo
dos últimos tempos, para a formação de um ambiente favorável às
manipulações dos sentidos e a algum nível de controle sobre os desejos
alheios. David Reisman, na obra clássica da psicologia social A Multidão
Solitária, descreve três tipos básicos de caráter psicológico em indivíduos
de acordo com o estágio populacional de cada sociedade no tempo e no
espaço. Os traditivo-dirigidos, introdirigidos e os alterdirigidos. Sociedades
em crescimento populacional normalmente são formadas por indivíduos
que se orientam com base em tradições, o primeiro tipo. Em seguida, a
partir de um período que podemos identificar como o Renascimento ou o
início da chamada Idade Moderna, surge o indivíduo introdirigido, isto é,
aquele que se orienta com base em uma tensão entre a tradição recebida de
seus pais e o impulso de independência racional e libertação de obrigações
tradicionais ou coletivas. Este é dirigido por suas concepções e detém certo
grau de estabilidade emocional, resistência individual a mudanças e não
dependência de costumes ou comportamentos do entorno. Por último,
característico do nosso tempo em que Reisman afirma ser consequência de
um declínio populacional fruto das grandes aglomerações urbanas, surge o
sujeito alterdirigido, aquele que orienta suas ações, desejos, metas, valores e
crenças, pelo modo como percebe o olhar do outro, ou seja, do entorno
social. Trata-se de um tipo característico do mundo urbano e pós-moderno,
onde os indivíduos se adaptam facilmente a diversas culturas mas
simultaneamente encontram-se em completo desamparo psíquico e
emocional. A sociedade de caráter alterdirigido, referida por Reisman,
orienta-se por um entorno cada vez mais auto estimulado, o que talvez
tornaria a velha metáfora da agulha hipodérmica uma hipótese mais realista.
A explicação desses três caráteres é bem mais complexa do que
seria possível explicar aqui. Ambos são ao mesmo tempo particulares e
universais, cada caráter social compreendido de acordo com o grau de
crescimento populacional ou características de cada sociedade, período em
que se encontra, etc. Mas é somente a partir do surgimento deste caráter
social alterdirigido que compreendemos a possibilidade do controle do
comportamento e das ideias através do meio, com base na modificação e
transmissão da opinião. Os líderes de opinião (Lazarsfeld) podem estar mais
vinculados ao segundo caráter, o introdirigido, que passou a existir no
início da era moderna quando a proeminência de publicações impressas
possibilitou a existência do que hoje chamamos opinião pública. Essa
instituição moderna e urbana nasce da união de mentes orientadas por um
mesmo repertório vindo de livros, jornais e publicações diversas. A
consciência de uma superioridade por parte dos homens urbanos diante de
suas velhas famílias vistas como atrasadas e orientadas pela tradição, dá
legitimação a personalidades fortes e ambiciosas, amparadas pela crença na
ciência acadêmica e urbana em detrimento de um tosco senso comum
provinciano. Mas a revolução científica trouxe a explosão dos jornais, dos
produtos midiáticos, da propaganda, do cinema e, por fim, de uma cultura
de massa. Um mesmo repertório de crenças e opiniões trouxe o
introdirigido ambicioso e individualista ao mundo confuso da ansiedade
alterdirigida, que condiciona a consciência ao desenvolvimento de um tipo
específico de habilidade social: o radar de conformidade que busca a todo
custo adequar-se ao entorno social e confirmar-se nele. Este amálgama
social pós-moderno da alterdireção ampara-se na figura da opinião
individual, característica do tipo introdirigido, mas em uma versão coletiva.
O fetiche do individualismo e da originalidade nas opiniões provoca, assim,
uma homogeneidade de ideias e lugares comuns que oprime e anula os
indivíduos, soterrando a personalidade sob um entulho de opiniões prontas.
Um verdadeiro mercado de opiniões regido pelo consumismo de
personalidades que mais valem quanto mais iguais às outras.
Uma frase que resume perfeitamente o anseio do alterdirigido é um
recente slogan da Globo News: “quanto mais interesses você tem, mais
interessante você é”. Isto é, todos os interesses pessoais devem estar
submetidos ao objetivo de fortalecer uma autoimagem desejada, valorizada
pela imagem de originalidade. Obviamente que o resultado só pode ser a
homogeneização dos interesses e opiniões.
A teoria da Espiral do Silêncio, de autoria de Elisabeth Noelle-
Neuman, diz respeito justamente a este esforço especial dos indivíduos para
perceber o clima de opinião de seus pares contemporâneos. Isso parece só
ser possível em uma sociedade de pessoas alterdirigidas e que concentram
grande parte de suas atenções no ambiente de atenções de outras pessoas. O
alterdirigido, como é descrito por Reisman, se orienta pelas pessoas com as
quais se relaciona mais diretamente, o que podemos comparar com o líder
de opinião de Lazarsfeld. Mas o grande prejuízo deste tipo de tendência
social é a perda da capacidade ou da liberdade de observar e perceber o real.
Para Neumann, o grande efeito da Espiral do Silêncio é a ocultação das
opiniões verdadeiras das pessoas. A verdade, vista como relativa e
dependente da opinião coletiva, torna-se tabu e submetida a critérios
subjetivos ou socialmente válidos, o que a torna impopular e indesejável.
Esta é a perfeita condição para a engenharia social, pois economiza esforços
no condicionamento psicológico que se feito individualmente resultaria
algo muito mais difícil, lento e incerto. Há ainda uma observação e um
alerta a se fazer sobre este fenômeno: embora o condicionamento coletivo
contenha certo grau de imprevisibilidade, qualquer resultado aparentemente
negativo acaba por reforçar o vínculo de causalidade do esforço
manipulador. Isto é, mesmo que o efeito não tenha sido o desejado pelo
agente ou emissor da manipulação, o resultado é positivo sempre que a
mensagem é assimilada. Mesmo diante da súdita descoberta de uma parte
da operação de engenharia comportamental, a paranoia decorrente do medo
ou preocupação em não se submeter ao controle, põe a vítima em ainda
maior sintonia com as ações ou mensagens do veículo manipulador, o que
pode ser usado como estímulo contraditório para fortalecer o potencial das
mensagens modificando-as.
As agências ligadas às políticas externas da Rússia nos últimos
anos parecem estar passando por um processo semelhante. Depois de
décadas de operações de subversão para o enfraquecimento cultural, moral
e religioso do Ocidente, a imagem da velha URSS, na pessoa de Vladimir
Putin, tem sido direcionada a atender a previsível demanda ocidental pela
restauração moral e tradicional. Os ocidentais, assim, voltam-se contra si
mesmos e, sem perceberem, veem sua própria destruição como único
remédio para a salvação da sua sociedade. Em um Ocidente profundamente
lesado pelas operações da KGB, os indivíduos mais atingidos pelo processo
não se lembrarão de culpar os atuais salvadores pela situação em que se
encontram. Nem reconhecerão, na mão tão benevolamente estendida, os
perigosos espinhos do próprio algoz. O primeiro campo de batalha de todo
esforço de guerra se dá, portanto, no terreno da opinião das massas.
Apesar de muitas pessoas não agirem exatamente conforme as
opiniões que manifestam publicamente, a tendência para a coerência entre
ação e opinião está sempre presente em quaisquer esforços persuasivos. A
busca por coerência entre juízo e comportamento é um elemento essencial
do confronto de ideias políticas, mas também provocam uma importante
tensão dentro do indivíduo. Os engenheiros sociais sabem muito bem disso,
afinal, o engajamento opinativo sempre será um pré-requisito para a
mudança de comportamento.
Em muitos casos, entretanto, o caminho inverso pode ser uma
opção viável: uma engenharia comportamental pode gerar adesão por meio
de “mecanismos” psicológicos, como propõe a Teoria da Dissonância
Cognitiva, que dá nome ao livro do psicólogo Leon Festinger. Embora a
coisa não seja tão simples como um mecanismo, a crença neste tipo de
funcionamento parece ter logrado alguns resultados.
A Dissonância Cognitiva é um conceito desenvolvido nos anos
1950 por Leon Festinger. Refere-se ao estado de desconforto ou tensão
psicológica que ocorre quando uma pessoa se encontra numa contradição
entre aquilo que pensa ou acredita e sua conduta real. “A dissonância
produz um desconforto mental que pode ir desde pequenos remorsos na
consciência até uma angústia profunda; as pessoas não descansam até que
elas encontrem um modo de reduzi-la”, diz Festinger. É comum a pessoa
que se encontra nessa situação que, para reduzir o desconforto, ao invés de
reconhecer a contradição e abandonar a falsa convicção reconhecendo o
erro e aderindo a verdade (subordinando sua conduta à verdade, por mais
dolorosa que essa seja), tente, mediante o auto engano, iludir-se
desenvolvendo uma espécie de “síntese dialética” entre as posições
contraditórias (subordinando seu juízo sobre a realidade à sua conduta). Ou
seja, ela conta uma mentira para si mesma e esforça-se (violentando sua
consciência) para acreditar nela e afastar o desconforto, buscando suprimir
da memória a verdade desagradável que ela não quer reconhecer. É um tipo
de (des)ajustamento psicológico que, segundo Aronson e Travis, está na
base dos distúrbios neuróticos e psicóticos[12].
Muitas pesquisas de recepção sobre a Televisão demonstram que o
telespectador médio prefere assistir a programas onde os apresentadores ou
entrevistados digam coisas que eles concordem. As pessoas procuram fugir
da discordância pois esta é desconfortável psicologicamente. Assim, o
telespectador pode desligar, mudar de canal ou simplesmente – e muito
provavelmente – aderir à opinião da televisão para diminuir a tensão da
discordância e produzir um consentimento racional. A espiral do silêncio
também comprova esta tendência, já que o que ocorre é o medo de
isolamento social ou incoerência interna – cujo critério é a aceitação do
meio. Conhecendo estas tendências não é difícil produzir consensos que
correspondam mais ou menos a pautas de ideologias determinadas. Mais do
que isso: é possível disseminar importantes elementos que pertençam a
sistemas complexos de ideias e planos de ação de modo a justificá-los
“democraticamente” e levar o expectador até mesmo a reivindicar o que é
desejado pelos emissores.
Se é possível conduzir as opiniões de um lado a outro, parece ser
óbvia a possibilidade de fazê-las confluir para efeitos que gerem conclusões
racionais específicas, como por exemplo, as noções de justiça social,
igualdade, direitos, etc, provocando assim a adesão a movimentos sociais,
campanhas políticas ou ativismos aparentemente desinteressados. Os
objetivos políticos estiveram historicamente atentos ao que Mannheim
chamou de técnicas sociais ou ao efeito do que Lippmann chamou de
pseudo-ambientes, cujo conjunto de expedientes técnicos e concepções
políticas podemos chamar de engenharia social. O anseio do controle
político global passa pelo controle técnico e científico, sonho acalentado
por tantos intelectuais e ideólogos. Uma das perguntas que surgem diante de
tantos esforços para o controle mental das massas diz respeito à segunda
parte do livro de Ortega y Gasset: “quem manda no mundo?”
Não é difícil imaginar que os meios de utilização das técnicas
sociais descritas até aqui possam estar em poucas mãos, já que grande parte
dos pensadores que orientaram a sociedade democrática acreditam na
necessidade do controle das massas para manter a ordem, a sanidade
pública ou a paz mundial. Seja qual for o modelo do controle, por meio do
fluxo em dois níveis, da “opinião organizada para a imprensa e não pela
imprensa”, da crítica à cultura de massa, do controle do clima de opinião e
dos pseudo-ambientes, a verdade por trás dos intuitos de controle das ações
pela opinião pública passou por infindáveis controvérsias. Desde a invenção
da imprensa até o papel das redes sociais, ao menos uma coisa parece
precisar de constantes renovações e versões atualizadas: a esperança no
consenso como condição à deliberação pública e democrática. Mas como o
consenso parece necessitar de amplo conhecimento das informações e
interesses envolvidos nas decisões, torna-se comum o apelo a estratégias de
simples consentimento. Afinal, há sempre alguma elite de intelectuais ou
políticos que acredita ter em suas mãos a solução última mesmo que a
maior parte da população discorde sobre isso. Então toda a manipulação
parece se justificar para o bem supremo de toda a humanidade.

O enfoque sistêmico
A Teoria Geral dos Sistemas, criada para o âmbito da biologia,
propunha-se a ser uma resposta aos erros do mecanicismo cartesiano que
vigorava como paradigma científico desde o início da ciência moderna.
Propôs uma dinâmica não mais linear, que analisasse as etapas de um
processo, mas circular, que compreendesse as relações dos diversos
processos com o todo. Do uso biológico para a compreensão de estruturas,
passou-se para a sociologia. É fácil imaginar a tentação de mudança social
mediante alterações cirúrgicas em elementos influentes para alcançar
objetivos em escala global.
O uso político das teorias matemáticas foi um dos fatores que
trouxe grandes modificações na compreensão do processo de comunicação
e do seu consequente uso para controlar os efeitos das mensagens. Oriundos
do sistemismo matemático, muitos conceitos puderam migrar para as
ciências humanas e dar origem a teorias e correntes do pensamento pós-
moderno. Apesar de parecer oposto à mentalidade técnica, o que chamamos
hoje de cibercultura (cyberculture) deve grande parte de suas crenças
cientificistas aos primeiros sistematizadores das telecomunicações.
No intuito de serem associadas à cientificidade, e com isso angariar
a tão disputada legitimidade social e política moderna, as ciências humanas
ocuparam grande parte da sua história tentando aproximar seus métodos aos
das ciências exatas. Os modelos de Lazarsfeld e outros, como vimos, já
buscavam esquematizar de modo exato e fixo o desenvolvimento de suas
teorias e hipóteses, muitas vezes tratando conceitos como elementos
invariáveis e dispondo-os em tabelas, gráficos e fórmulas. Mas
paralelamente aos funcionalistas como Lazarsfeld, e de modo
complementar a eles, surgiam por volta do final da década de 1940,
enfoques que buscavam aproximar ainda mais os modelos de comunicação
literalmente a uma exatidão matemática. O livro de Claude Elwood
Shannon, intitulado The Mathematical Theory of Communication,
rapidamente se tornou um manual para os estudantes das áreas de
telecomunicações. O trabalho foi desenvolvido dentro das pesquisas dos
Laboratórios Bell Systems, em que Shannon trabalhava. No ano seguinte,
após grande interesse científico, foi republicada com comentários de
Warren Weaver, que era coordenador de pesquisas técnicas sobre grandes
máquinas de calcular durante a Segunda Guerra Mundial. Mas aquilo que
havia sido pensado para ser um guia de modelos comunicacionais do setor
das telecomunicações, foi aos poucos ganhando uso em áreas inicialmente
não pensadas pelos seus autores.
Shannon propunha um esquema baseado no conceito de “sistema
geral de comunicação”. Para ele, todo processo de comunicação se resume
em “reproduzir em um ponto dado, de maneira exata ou aproximativa, uma
mensagem selecionada em outro ponto”. Tratava-se de um esquema linear
de comunicação, composto dos componentes como fonte (a informação),
que reproduz a mensagem, o codificador ou emissor, que a transforma em
sinais transmissíveis, o canal (meio), o decodificador ou receptor, que
reconstrói a mensagem por meio dos sinais, e finalmente, o destino ou
pessoa a quem é destinada a mensagem. O objetivo de Shannon era
puramente técnico, voltado a resolver os principais problemas das
telecomunicações. Ele queria poder quantificar o custo de uma mensagem e
do processo de transmissão dela, detectar possíveis problemas (ruídos) para
a plena correspondência entre dois pontos.
Esses estudos foram responsáveis pelo desenvolvimento posterior
da linguagem binária e outras pesquisas que levaram à criação das primeiras
máquinas de calcular e posteriormente do computador na década de 1940.
Mas outros cientistas perceberam que a mesma característica de
organização e sequência entre fatores aleatórios que se observava entre
máquinas, podia ser aplicada a organismos biológicos, organizações sociais
e ao processo de comunicação. O esquema linear utilizado na comunicação
da época vem da percepção de um sistema afetado por fenômenos
aleatórios, entre um emissor que tem liberdade para escolher a mensagem
enviada a um destinatário que recebe a informação com suas próprias
exigências. As noções de informação, transmissão, codificação e
decodificação, são emprestadas de Shannon, dessa forma, para a
esquematização de numerosos estudos sociais.
Traduzindo a partir dessa terminologia, surgem termos que vieram
para ficar nas ciências da comunicação, como redundância, ruído disruptor
e variáveis como a liberdade de escolha tanto do emissor quanto do
receptor. A fonte, como origem de toda a comunicação, dá forma à
mensagem que é transformada em informação quando codificada pelo
emissor. Esta teoria ainda não levava em conta a significação dos sinais,
isto é, o sentido que o destinatário vai atribuir a eles, nem mesmo a intenção
do emissor.
Essa corrente de estudo do processo comunicativo evidentemente
ficou presa demais à noção de uma linha reta entre um ponto de partida e
um de chegada, mas impregnou-se em grande parte das escolas de
pesquisas, mesmo opostas umas às outras. Esta ideia da comunicação faz
parte do funcionalismo e da sua característica preocupação com os efeitos.
A concepção sistêmica influenciou de modo substancial o estruturalismo na
linguística, especialmente as correntes que utilizaram a semiótica.
Tanto o sistemismo quanto o funcionalismo partilham um mesmo
conceito chave como ponto de partida: o conceito de função. Este conceito
é o que indica o primado do todo sobre as partes e esteve presente no uso da
“teoria dos sistemas”, para elaboração de estratégias de mobilização durante
a Segunda Guerra Mundial. O livro The modern theories of development,
publicado em 1933, pelo biólogo Ludwig von Bertalanffy, lança as bases
para o uso político do termo “função” do mesmo modo como ele era usado
na biologia.
A proposta do sistemismo é pensar o todo, o conjunto das
interações entre elementos, algo mais importante do que os vínculos de
causa e efeito. Compreender o conjunto do processo e a dinâmica dos
conjuntos de relações intercambiantes e múltiplos passa a ser o grande
objetivo desse novo enfoque. Não tardou para que a ciência política
encontrasse ai um método de análise e também de ação. A política passa a
ser considerada um “sistema de conduta”, o que se distingue do meio social
no qual ele se encontra, mas está aberto às suas influências. A política se
torna também um sistema de entradas e saídas (input-output), ação e
retroação, formado pelas interações com o meio, que influencia e é
influenciado, melhorando-o ou piorando-o. David Easton, no livro A
framework for political analysis, de 1965, trouxe importante contribuição
neste sentido e elaborou um sistema de estudo comparado das formas
políticas. E finalmente, Karl W. Deutsch, que já havia aplicado estes
estudos às relações internacionais e, dez anos depois, apresentou a
aplicação do esquema sistêmico para a comunicação política e o controle
(The nerves of government: models of political communication and
control).
A grande ameaça da teoria dos sistemas na análise de problemas
sociais, admitida por inúmeros cientistas, é o uso revolucionário da noção
de dependência do todo, o que permite sugestões totalitárias, já que o
indivíduo é reduzido a uma parte dependente e portanto reordenável por
meio de mecanismos que agem no todo. Para qualquer problema social
almeja-se a ação global e mudança radical de mentalidade por meio de
atividade cirúrgica nos moldes hipodérmicos. Pascal Bernardin, no livro O
Império Ecológico, chama atenção para quando problemas sistêmicos são
usados para justificar reformas em todos os domínios[13]. A teoria de
sistemas cresceu muito e hoje ganhou apreço dos grandes cientistas à frente
de pesquisas sociais das Nações Unidas. O problema ecológico, sobre o
qual falaremos mais adiante, exemplifica muito bem esta situação. Na
mídia, a noção de função editorial permite que se escolha aspectos da
realidade que expliquem determinado fenômeno. Assim, pode também
selecionar os fatos que concorram para a realização de objetivos específicos
negligenciando outros.
A perspectiva sistêmica na comunicação representou um
importante avanço estratégico para a política, que forneceu instrumentos
para o controle das reações do público, de movimentos sociais. Sua
eficiência teve impulsos consideráveis com a combinação entre teoria
sistêmica e a psicanálise. Assim, a partir da década de 1960, pesquisadores
mais conhecidos pelos estudos teóricos em comunicação de massa e opinião
pública acabaram percebendo tais virtudes do modelo sistêmico para a
compreensão do processo de decisão política, assim como as possibilidades
de alteração.

Lembra-nos Armand Mattelart:

No horizonte dessas preocupações, uma reflexão operatória inscrita


nos bastidores da Guerra Fria: o equilíbrio do poder, a segurança
coletiva, o governo mundial. A pressão é tão forte que Ithiel de Sola
Pool, professor do MIT, não hesita em empenhar-se, a pedido do
Pentágono, na formulação de um modelo que alimenta estratégias
contra-insurrecionais na Ásia e América Latina[14].

Trata-se do modelo Agile-Coin (Coin é uma contração da palavra


counterinsurgency), de autoria de Ihiel de Sola Pool, um cientista político e
pesquisador de ciências sociais de Nova York que foi presidente da
Universidade de Chicago em 1929. Trotksista na adolescência, Pool
desiludiu-se com a política revolucionária por acreditar que os líderes
comunistas eram muitas vezes manipulados por símbolos e imagens
idealistas e acabavam estabelecendo regimes que restringiam a liberdade
das pessoas, o que ninguém podia concordar.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Pool se juntou a dois de seus
professores, Harold Lasswell e Nathan Leites, em Washington DC, em um
grande projeto de pesquisa sobre a propaganda nazista e comunista. Pool já
gozava de boa reputação devido o seu trabalho sobre os símbolos da
retórica democrática, pesquisa fundamentada na análise de discursos
políticos de líderes nas democracias e em estados totalitários. Sua
experiência pessoal em estudos de psicanálise reforçou seu interesse pela
psicologia profunda, cujos princípios subjacentes a seu trabalho em
psicologia política, como em Newsmen's Fantasies, Audiences, and
Newswriting (1959). Estes trabalhos forneceram importantes bases para o
seu mais influente ensaio: A dissuasão como um processo de influência
(1969), considerado um argumento profético nas políticas de controle de
armas nos EUA. Pool fez importantes previsões a respeito da convergência
entre tecnologia e comunicação de massa, incluindo o que se chamaria
depois de sociedade da informação global.
Interessava-se por análises quantitativas de comunicação e ajudou
a desenvolver modelos matemáticos e computacionais para estudar o
comportamento político. Em um de seus ensaios, O Czar e o computador
(1965), propôs a primeira simulação por computador para tomadas de
decisão e percepção que servisse de modelo para análises de crises
internacionais. Vemos como a grande jogada desta nova geração de
intelectuais foi possibilitar uma mudança na linguagem das pesquisas, ao
substituir expressões como manipulação da opinião por “gestão de crises”,
consenso etc. Essa mudança de tom trouxe muitos novos pesquisadores a
aprofundarem análises que traziam belas justificativas sempre de aparências
bem intencionadas ou científicas, o que muitas vezes iludia os próprios
pesquisadores envolvidos e distraindo-os do fluxo institucional que os unia
aos seus financiadores e predecessores bem menos sutis. Este cinismo
institucionalizado encontra seu ápice no meio acadêmico dos nossos dias.
O Dr. Pool foi membro do CFR (Council Foreign Relations),
aconselhou os EUA durante a Guerra Fria e foi agraciado com o prêmio
Woodrow Wilson de melhor livro de ciência política, publicado em 1963,
com o título Candidatos, questões e estratégias (Candidates, Issues and
Strategies). Já no fim da vida, em 1983, escreveu Technologies of freedom,
um estudo sobre o impacto da tecnologia emergente para a transformação
da vida social e política. Pouco antes de morrer, Pool liderava uma luta em
favor da liberdade acadêmica contra os esforços governamentais que
pretendiam impor limites a pesquisas envolvendo seres humanos em áreas
social e médica[15].
Pool foi um dos primeiros a chamar a atenção para o impacto das
tecnologias nos sentimentos das massas e dissertou, entre outras coisas,
sobre a questão do “livre fluxo de comunicação” entre as nações. Este
assunto é caro aos engenheiros da comunicação de hoje, pois tem relação
com o atual debate sobre as políticas nacionais e globais e a validade ou não
dos modelos baseados neste paradigma que é visto pela elite globalista
como “não tão livre” por supostamente basear-se em uma lógica de
mercado[*].
O pioneirismo de Pool não está somente na percepção de um
fenômeno real que crescia com o uso incontrolável dos meios de
comunicação, mas em sua façanha de representar um ponto de união entre
os funcionalistas-sistêmicos e típicos engenheiros sociais da metade do
século XX, com a percepção de um potencial uso político para o que hoje
chamamos de “convergência”. Henry Jenkins, no livro Cultura da
convergência, atribui a Pool esse conceito como sendo “um poder de
transformação dentro das indústrias midiáticas”[16].
Jenkins, dessa forma, seleciona em seu livro um trecho do clássico
de Pool:

Um processo chamado convergência de modos está tornando


imprecisas as fronteiras entre os meios de comunicação, mesmo
entre as comunicações ponto a ponto, tais como o correio, o telefone
e o telégrafo, e as comunicações de massa, como a imprensa, o radio
e a televisão. Um único meio físico – sejam fios, cabos ou ondas –
pode transportar os serviços que no passado eram oferecidos
separadamente. De modo inverso, um serviço que no passado era
oferecido por um único meio – seja a radiodifusão, a imprensa ou a
telefonia – agora pode ser oferecido de várias formas físicas
diferentes. Assim, a relação um a um que existia entre um meio de
comunicação e seu uso está corroendo[17].

Jenkins dá um caráter universal ao processo percebido por Pool na


década de 1980, algo que agora pode ser observado com muito maior
clareza. Esse caráter universal relaciona-se à criação de universos de
pensamentos, atitudes, produtos, etc, formados a partir de determinados
objetos capazes de mobilizar várias pessoas ou públicos a um mesmo
propósito desenvolvendo a compreensão ou acrescentando ideias a estes
objetos ou signos.
Não há oposição real, portanto, entre os enfoques funcionalistas,
sistêmicos com aquilo que muitos consideram meros devaneios esquerdistas
ou o niilismo dos estruturalistas e sócio-construtivistas linguísticos. Embora
estes últimos insistam em uma ênfase nas descrições e nos juízos
atemporais, quer dizer, radiografias detalhadas e desinteressadas da
realidade estática, eles parecem conhecer como ninguém os caminhos
tortuosos dos métodos de engenharia oriundos dos “engessados” modelos
matemáticos, para os seus fins tão aparentemente “emancipadores” e
libertários.
Cientistas como Pool tiveram ainda outra contribuição importante
para a efetividade das técnicas sociais como hoje as conhecemos. Diferente
das visões monopolistas das grandes corporações de mídia americanas, que
passaram a primeira metade do século XX a negociar com agencias estatais
como a FCC (Federal Communications Comission) por regulações a seu
favor, Pool era um inimigo mortal dos controles estatais. Não era só pelas
pesquisas com seres humanos em centros médicos universitários que ele
advogava uma maior independência (neste caso tão questionável). Noutras
áreas, como a das empresas de comunicação, Pool foi defensor de políticas
descentralizadoras que estimulassem o que acreditava ser um processo
inevitável de liberdades. Em Technology of Freedom, o autor do manual de
comunicação internacional mais lido e premiado dos EUA depositava suas
crenças em uma integração salvadora do homem com os meios de
comunicação, relação que a cada dia parecia mais integrada aos meios
tecnológicos. Pool parece ter sido um pesquisador bastante atento ao
momento histórico.
Esse processo de descentralização econômica que ocorreu
aparentemente na contramão dos desejos monopolistas das empresas de
mídia durante o final do século passado, contribuiu para o desenvolvimento
tecnológico e econômico das comunicações, da TV e posteriormente da
Internet. De um lado, isso ocorria devido um clima geral de desejo por
independências comerciais em uma época de estagnação criativa e também
devido à necessidade de demonstrar uma maior agilidade e vigor
econômico em comparação com o gigante pesado que era a União
Soviética[18]. Em decorrência disso, o mundo viu uma espetacular
renovação econômica devido principalmente à explosão do consumo no
final da década de 1970 e início dos anos 80, algo que o mundo nunca havia
visto. A maior mudança daquele período, no entanto, se deu menos na
economia do que no imaginário. De alguma forma, Pool anteviu muitas das
transformações relacionadas à comunicação de massa.
Mas o objetivo pretendido pelos defensores da economia
descentralizada não parece ter sido alcançado. Os meios de comunicação
permaneceram nas mesmas mãos justamente porque, na contramão da
descentralização econômica, a política experimentava uma formidável
centralização. As Nações Unidas acumularam um poder inigualável graças
às realizações políticas conseguidas com a ajuda dos estudos nas áreas da
comunicação social global e relações internacionais, como aqueles
realizados por Lippmann, Le Bon e, entre outros, o Dr. Pool.
Há muitos fatores que concorreram para essa centralização, muitos
deles serão tratados no capítulo seguinte. Mas é importante percebermos o
quanto nem mesmo os cientistas ligados às perspectivas mais técnicas
ficaram imunes às utopias revolucionárias que se ligavam tão perfeitamente
ao deslumbre diante do avanço tecnológico que as comunicações
vivenciaram durante o século passado. Se no século XIX os desejos
controladores dos intelectuais calçaram-se em grande parte na impressão
caótica produzida pelo crescimento dos centros urbanos e o aparecimento
de uma opinião pública influente, o século seguinte pôde incrementar
aqueles desejos através de instrumentos técnicos que geraram um
estimulante clima de reflexão. Estas reflexões oscilaram evidentemente
entre o otimismo incorrigível dos deslumbrados com os avanços
tecnológicos e os pessimistas crentes no colapso fatal a que uma derradeira
revolução tecnológica entregue às mãos das massas podia nos levar. Tal
como os primeiros matematizadores do Iluminismo, esses matemáticos da
comunicação, tecnicistas autênticos, enveredavam facilmente a um universo
de misticismos e delírios proféticos que, não obstante, puderam ser bem
aproveitados e até renderam fabulosos avanços nas técnicas para
manipulação das reações do público.
Parece necessário compreendermos o progresso dos estudos da
comunicação de massa como um desenvolvimento de diversas tendências
paralelas, inicialmente incomunicáveis e até opositoras, mas que aos poucos
tiveram o efeito de incorporarem-se a um repertório científico e técnico
formando uma grossa camada de conhecimento hoje disponível ao uso dos
engenheiros sociais. Muitas das técnicas e inventos fabulosos para a
manipulação das massas aperfeiçoados durante a Guerra Fria foram
estabelecidos no período mais imediato à Segunda Guerra, época de
sucessos técnicos nas áreas militares.

Utopias cibernéticas

Retornando algumas décadas antes de Sola Pool, em 1948, mesmo


ano do lançamento do trabalho de Shannon, surge o livro Cybernetics or
control and communication in the animal and machine, de Norbert Wiener.
Muito mais imaginativo e revolucionário do que qualquer matemático ou
cientista político que veio depois, Wiener previa que a matéria-prima da
sociedade futura seria nada menos que a informação. A sociedade da
informação se torna uma verdadeira utopia baseada na ordenação perfeita
das informações e dos fluxos de comunicação. Mas Weiner alerta para um
temível obstáculo que essa nova utopia encontrará pela frente: a entropia.
Segundo ele, este processo natural fundamental conduz tudo à desordem e
ao caos. Quem pode salvar a humanidade desta desgraça? As máquinas. “A
soma de informação em um sistema é a medida de seu grau de organização;
a entropia é a medida de seu grau de desorganização; um é o negativo do
outro”, diz Weiner.
Para que tudo funcione perfeitamente e alcancemos a tão sonhada
sociedade da informação, Weiner defende a necessidade de que a
comunicação não sofra censuras, barreiras ou interrupções do seu fluxo.
Outra disfunção perigosa é a transformação da informação em mercadoria.
Portanto, Weiner denuncia a apropriação dos meios de comunicação pelas
mãos daqueles que só se preocupam com poder e com o dinheiro. Diferente
de Shannon, Weiner arrisca mais palpites quanto ao futuro da sociedade em
uma plataforma salvífica e redentora. Weiner é representativo de uma classe
intelectual que quando não demonstrou tão claramente suas pretensões
controladoras, trabalhou deliberadamente para quem o demonstrasse. Seus
delírios cibernéticos estabelecem uma ligação fundamental entre os
sistematizadores técnicos e os mais místicos poetas do caos.
Meu delírio tomou a forma de uma particular mistura de
depressão e preocupação... de uma ansiedade sobre o status lógico
do meu... trabalho. Para mim era impossível distinguir entre minha
dor e dificuldade em respirar, um barulho da cortina e certos
pontos até agora não resolvidos do problema em potencial no qual
eu estava trabalhando. Não posso dizer que a dor se revelou como
uma tensão matemática, ou o que a tensão matemática tenha sido
simbolizou como dor: os dois estavam muito próximos para fazer
tal separação significativa. No entanto, quando refleti sobre esse
assunto mais tarde, eu me dei conta da possibilidade de que
qualquer experiência pode agir como um símbolo temporário para
uma situação matemática que ainda não tinha sido organizada e
esclarecida. Também pude ver mais claro do que antes que um dos
principais motivos que me levaram à matemática foi o desconforto
ou mesmo a dor provocada por um contencioso matemático não
resolvido. Eu até mesmo fiquei mais e mais consciente da
necessidade de reduzir tal contencioso a termos reconhecíveis e
semipermanentes antes de poder largá-lo e ir adiante em outra
coisa[19].

Apesar de parecer delírios sem nexo, o estudo de Weiner foi muito


bem aproveitado. Podemos dizer que o esforço frustrado da matematização
deu origem, entre outras coisas igualmente doentias, a um delírio de uma
matemática misticamente caótica, cuja falta de exatidão e rigor é o que lhe
concede um poder simbólico. Ele foi pioneiro no uso do termo cibernética,
mas foi também piorneiro no desenvolvimento desta para soluções
militares, área criadora de incontáveis invenções midiáticas. A Cibernética
denota, tipicamente, o estudo interdisciplinar e o emprego estratégico dos
processos de controle comunicativo em “sistemas complexos”. O termo
cibernética, portanto, tem dois sentidos possíveis: o primeiro, ligado ao uso
tecnológico e o segundo, chamado por Stephen Pfohl[20] de cibernética
social. Este último representando o campo de pesquisa do âmbito do
controle social.
Weiner foi Ph.D. de Harvard, em matemática, aos 19 anos.
Pioneiro na aplicação da matemática não-linear baseada estatisticamente
aos problemas de causalidade circular e controle de feedback. Como parte
do esforço de guerra, Wiener colaborou com Julian Bigelow e outros
matemáticos reunidos sob o patrocínio do Laboratório de Radiação do MIT,
dirigido por Warren Weaver, da Fundação Rockfeller, um projeto de alta
prioridade comandado pelo Comitê de Pesquisa para Segurança Nacional
dos EUA. Wiener e Bigelow fizeram usos inovadores e de uma
complexidade sem precedentes dos teoremas ergódigos usados em física
estatística e equações integrais, o que foi descrito como uma revolução na
engenharia da comunicação computacional. Durante os anos finais da
guerra, essa revolução provocou avanços significativos no design, produção
e emprego estratégico de armas antiaéreas e de equipamento de bombardeio
de precisão. Terminada a guerra, esses avanços destinaram-se a mudar o
modo de vida.
Embora soe como excessiva matematização, a aplicação dessas
descobertas à comunicação social foi importantíssima. O cálculo estatístico
de resposta ou feedback comunicativo, entre outras possibilidades,
utilizados em guerra, trouxeram novas experiências que consagraram
teorias antes confinadas aos laboratórios ou ainda a papers acadêmicos. O
esforço em detalhar e diminuir a margem de erro ou ruído nas
comunicações entre equipamentos bélicos, radares e rádio, oportunizou
descobertas impressionantes que depois podiam ser facilmente aplicadas à
intermediação entre política e sociedade.
Isso porque, para Wiener, certos processos ocorrem tanto em
animais quanto nos computadores de alta velocidade que a sua matemática
ajudou a criar. Cada elemento ou indivíduo faz uso de “órgãos sensoriais” e
de dispositivos de “memória” magnética. Juntos eles operam para produzir
comparações contínuas entre trocas de informação e de energia passadas e
presentes. Em humanos e em outros animais, isso envolve aquilo que
Wiener descreveu como “senso cinestésico”, que guarda um “registro das
posições e tensões em seus músculos”. Nos novos computadores, essa
função era controlada por uma combinação de rastreamento de informações
e de mecanismos de gravação. Mas além da “comparação de estímulos
voltados para objetivos” registrada e contínua, os processos de feedback
cibernéticos envolvem algo mais interativo – “um fluxo recíproco” de
“interação em duas vias entre o controlador e o controlado”. Isso se opera
não só para comunicar influência do controlador para o controlado, mas
também para comunicar de volta os dados dessa ação.
Com isso, a cibernética substitui o modelo simplista anterior, onde
havia somente um fluxo de informação linear, por uma visão do processo
comunicativo que transcende as mensagens, isto é, a influência da própria
prática comunicativa neste processo. É como a adição de um terceiro
elemento entre o emissor e o receptor, o que podemos chamar de meio. Mas
este meio, agora, possui funções de informação sobre o emissor e o
receptor, o que dá maior controle dos efeitos. Muito disso já havia sido
pensado na crítica literária e na filosofia, mas nunca havia chegado de modo
tão técnico e com aplicações funcionais para mentes que buscavam não
mais a compreensão do processo, mas o uso disso em uma atividade
puramente técnica.
A “causalidade circular”, imaginada por Weiner, pode parecer
mística demais para alguns (e de fato é), mas no contexto específico dos
estudos dos efeitos da comunicação de massa, propõe uma compreensão
mais profunda e esquemática da influência mútua entre os elementos e
agentes com o meio utilizado ou escolhido, que também está submetido a
mudanças e comportamentos modificáveis. Em outras palavras, Weiner
compreendeu os elementos da comunicação não mais como sujeitos ou
objetos exclusivamente, mas como sujeito-objeto. Mais do que isso: o
próprio ambiente de comunicação, a situação de discurso, faz-se passível de
transformação imperceptível interferindo no todo dos elementos. Não é
preciso insistir muito para demonstrar a efetividade comunicativa de quem
tem a noção do intercâmbio que o ambiente de comunicação pode sofrer e o
controle dele, sob aqueles que meramente respondem a estímulos exteriores
e interagem cegamente. A ambição destes estudos foi a de manter o quase
total controle sobre o processo comunicativo justamente quando se percebe
o fator incontrolável da comunicação, ou seja, utilizar o caos em benefício
de um tipo de ordem.
De fato, diante da noção anterior, que deixava de fora uma série de
possibilidades de controle, estes estudos podem ter importantes êxitos,
principalmente quando abre possibilidades do uso deliberado das variáveis
incontroláveis do processo. Mais do que abrir uma porta para o que depois
veio a se chamar de Inteligência Artificial, Weiner ampliou o espectro de
compreensão da mente humana ao entender o funcionamento e o controle
de componentes mecânicos e imaginativamente aplicá-los à biologia e
posteriormente à psicologia das massas. O foco nas aplicações técnicas,
ligadas às necessidades tecnológicas do setor das telecomunicações e
precursor da informática, era dominante na época de Weiner e por isso
grande parte do uso que foi dado às suas reflexões se deu no aspecto
comunicativo.
Mas o seu pensamento motivou a reunião de outro grupo de
pesquisadores americanos oriundos de áreas diversas como a antropologia,
a linguística, matemática, sociologia, psiquiatria etc. Eles divergiam do uso
costumeiramente técnico e pensavam uma forma mais abrangente de
utilizar as descobertas de Weiner para compreensão dos fenômenos
comunicativos. A “escola de Palo Alto” propunha o fim da teoria
matemática, corrente dominante iniciada por Shannon, e defendiam que a
comunicação era assunto das ciências humanas. E isso devia ser feito a
partir dos estudos de Weiner, dos quais estes pesquisadores diziam ser
seguidores.
A maior inovação trazida por estes estudiosos foi a de colocar o
papel do receptor como central e, utilizando os conceitos sistêmicos,
propuseram o estudo circular da comunicação. O foco nos efeitos, como
podemos ver, aprofunda-se e o alvo se torna o receptor individual em sua
complexidade. Amplificam o conceito de comunicação e do objeto de
estudo dela passando a analisar toda a ação humana como ato comunicativo
através de estudos linguísticos e relacionais. A dinâmica das relações,
assim, se torna objeto de maior atenção. Destas vertentes desenvolveram-se
as perspectivas culturalistas e estruturalistas da linguagem, escolas que
tiveram grande influência na educação e nos meios de comunicação. Mas
enquanto ganhavam força no meio intelectual e geravam seus frutos na
sociedade, outras coisas ocorriam entre os intelectuais ocidentais e que
trariam importantes consequências.

A Escola de Frankfurt e os estudos culturais

Já mencionamos em outro momento a Teoria Crítica, representada


pela Escola de Frankfurt, e os frutos da crítica marxista na sociedade não
mais só capitalista, mas ocidental e judaico-cristã. A abordagem dos
alemães foi tão importante para o avanço revolucionário durante o século
XX, que seria difícil sugerir uma influência cultural maior.
O Instituto de Pesquisas Sociais foi financiado oficialmente pelo
capitalista Herman Veil, irmão de Felix Veil, em 1923. Mas seu
financiamento e a história oficial comumente contada não dão conta do real
significado do Institut para o Ocidente e a sua importância para o
movimento comunista internacional.
A Escola de Frankfurt, como ficou conhecida mais tarde, se
compôs de um conjunto de teóricos vindos da filosofia, sociologia,
psicologia, que trouxeram uma abordagem diferente da que estava sendo
feita sobre a sociedade. De modo geral, tratavam-se de marxistas não-
ortodoxos que utilizavam uma mistura nada convencional para a época, que
consistia em Marx, Freud e Nietzsche. Entre os teóricos da primeira geração
destacam-se Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin, entre
outros. A crítica que eles faziam resumia-se na denúncia da dominação ou
manipulação cultural do sistema capitalista, por meio das linguagens
culturais, o que chamaram de Indústria Cultural. Essa nova cultura,
massificada pela característica de produção do capitalismo, foi chamada de
Cultura de Massa. Segundo eles, o indivíduo não tem poder de livrar-se
dessa máquina dominadora impressa na cultura passada pelos bens e
produtos culturais que consome. Tudo isso converte o capitalismo e a
democracia liberal em algo pior que uma máquina da propaganda sutil, um
sistema pior que o totalitarismo, que age cruelmente nas mentes das pessoas
sem que elas se deem conta disso. A crítica dos frankfurtianos ao nazismo,
fascismo e até ao corrupto e burocrático comunismo de Stalin, deu a eles
uma aura de boas intenções e espírito libertário que cativou muitas áreas
das ciências humanas.
Na segunda geração chegaram Jüngen Habermas e Herbert
Marcuse, este último pode ser considerado o pai do sex lib, a revolução
sexual que varreu os EUA durante a década de 1970. Já Habermas pode ser
apontado como um dos grandes artífices da pós-modernidade a partir de
suas reflexões sobre a razão e a relação com a democracia, o conceito de
Esfera Pública, Ação Comunicativa, etc. É um dos inspiradores da
Constituição da União Europeia, tamanha foi sua influência.
Desde os pioneiros pesquisadores de Frankfurt, o trabalho dialético
que estava por trás de suas críticas ácidas ao capitalismo e socialismo era
uma discussão interna do marxismo, como veremos mais adiante.
Antes, veremos outro nome que deve ser acrescido a essa
estimulante aventura dos marxistas não-ortodoxos pela história da
decadência ocidental. A vida de Willi Münzenberg, ativista político alemão
e proeminente membro da juventude comunista da Alemanha, em 1919,
resume a principal missão dos intelectuais da Escola de Frankfurt. Na
verdade, Münzenberg foi o arquiteto de diversas operações de propaganda
na Europa durante o período entre guerras. Sua contribuição mais
importante para o movimento comunista internacional foi a utilização de
entidades de fachada, explorando objetivos solidários e humanitários, para
arrecadar fundos para a União Soviética, que além disso serviam para
arrebanhar intelectuais e celebridades europeias e norte-americanas para
dentro de seus grupos. Na verdade, ele foi o inventor deste tipo de ativismo
comunista, muito em voga na atualidade por meio da profusão de
movimentos sociais e ONGs espalhadas por todos os cantos. Já naquela
época, a sua atividade no meio cultural teve a utilidade de servir como a
grande operação de desinformação soviética, já que Münzenberg era
membro do Comitern (Internacional Comunista) e chegou a fundar o
Partido Comunista Alemão. A sua missão secreta teria começado em uma
reunião que contava com a presença do intelectual Georg Luckás, o agente
de inteligência Richard Sorge, Felix Veil, entre outros. Desta reunião saiu a
determinação de se criar um instituto de pesquisas com sede na Alemanha.
De acordo com Sean McMeekin, Münzenberg foi um exemplo também para
aquilo que fazem hoje os terroristas islâmicos: uso da abertura e pluralidade
do discurso democrático para financiar o armamento e o fortalecimento de
ditaduras[21]. De fato, por onde ele passava não faltava dinheiro para suas
atividades. A vida deste “milionário vermelho” é essencial para
compreender o que foi a Escola de Frankfurt, porque o que marca a
diferença entre os seus intelectuais e os demais marxistas da época foi
justamente a liberdade para agir e influenciar fora do apertado círculo do
marxismo ortodoxo. É claro que para obterem verdadeira liberdade de ação,
muitos tiveram de tornar-se dissidentes e até perseguidos por Stalin. Mas,
como lembra Olavo de Carvalho, havia no movimento comunista três
grandes estratégias revolucionárias em andamento naquele período: aquela
que se destinava ao domínio na Europa por meio da infiltração de
intelectuais e políticos comprometidos; aquela dirigida ao Terceiro Mundo,
usando grupos insurrecionais que é técnica tradicional de revolução; e a
última, destinada especificamente para os Estados Unidos, baseada na
subversão cultural. Münzenberg representa justamente as operações desta
última estratégia. Talvez por isso a história oficial da Escola de Frankfurt
rarissimamente mencione a influência de Willi Münzenberg para a
efetividade do papel daqueles intelectuais alemães no Ocidente.
A maior parte do que determinou as estratégias para a influência
socialista na Europa foi o debate acadêmico marxista que caminhava, às
vezes discretamente, desde Karl Marx e a Primeira Internacional. Para
chegarmos no centro do pensamento da Teoria Crítica e em seguida à sua
importância para a comunicação social, precisamos compreender como tudo
começou e onde se situa o Institut na história do movimento revolucionário.
A primeira movimentação que indicou alguma ruptura na
estratégia tradicional dos movimentos de esquerda internacionais ocorreu
sobre os intelectuais. O sucesso inesperado da Revolução Bolchevique
produziu a percepção imediata do dramático fracasso da esquerda na
Europa Central, o que criou um sério dilema para os intelectuais socialistas
da Alemanha. Afinal, aquele país era governado pelos socialistas
moderados da República de Weimar. Até aquele período, os debates
marxistas orbitavam entre duas alternativas: conciliar e apoiar governos
moderados para impedir retrocessos na busca de novas vias fora da
experiência russa; ou radicalizar-se unindo-se ao novo Partido Comunista
da Alemanha e aceitando a liderança de Moscou. O início da Segunda
Guerra impulsionou estes intelectuais a uma terceira alternativa que era o
abandono de alguns pressupostos básicos do marxismo. Seguiu-se disso um
reexame das bases teóricas marxistas na esperança de explicar os próprios
erros e preparar a ação para o futuro. Um dos temas de debate passou a ser a
relação dialética entre teoria e prática, o que ficou conhecido na expressão
praxis. Dentro da filosofia, essa situação os levou a uma espécie de retorno
a Hegel e ao início dos estudos de Marx, o que os aproximou da geração de
intelectuais hegelianos de esquerda do século XIX[22]. Do uso de Hegel, os
frankfurtianos trouxeram a teoria crítica, corrente que ganhou amplos
espaços acadêmicos em todas as áreas, baseada no trabalho do negativo de
Hegel, isto é, a crença de que a síntese surgiria da tensão entre tese e
antitese. A constante e permanente crítica do sistema e dos valores devia
nortear essa estratégia um tanto nova, mas oriunda dos princípios do
marxismo. Foi assim que o século XX passou a conhecer a outra faceta dos
marxistas, aquela que não alardeava uma proposta ou promessa, mas
cuidava de deslegitimar todas as existentes. Obviamente a efetividade deste
trabalho para a mudança social deveria passar pelo melhor aproveitamento
dos avanços na comunicação social.
Dos intelectuais da primeira geração da Escola de Frankfurt,
nenhum deles tratou especificamente da comunicação. Mas suas
especulações filosóficas e políticas se tornaram quase hegemônicas nas
décadas de 60, 70, principalmente nos Estados Unidos, para onde alguns
deles migraram fugindo do nazismo. Sua principal função foi a efetivação
de um projeto político e filosófico de elaborar uma ampla teoria crítica da
sociedade, uma espécie de postura intelectual que passou a vigorar e, após
gerações seguintes de seus seguidores, conquistou as classes acadêmicas e
artísticas da sociedade ocidental.
Os franfkurtianos tiveram ao menos o mérito de serem os
primeiros a notar que, no século XX, a família, a escola e a religião estavam
perdendo influência socializadora para os meios de comunicação. Sendo
estes meios, segundo eles, determinados econômica e socialmente, eram o
reflexo da estrutura social. Assim, também as mensagens, a forma e
conteúdo dos produtos culturais sofriam essa inescapável influência. Trata-
se evidentemente de uma variação da interpretação marxista a respeito do
impacto da ideologia burguesa sobre a infraestrutura proletária que causa a
alienação. O capitalismo, para a Teoria Crítica, havia rompido os limites da
economia e penetrado na formação da consciência pela via dos meios de
comunicação e produtos culturais. Assim, não só as obras de arte mas
também as pessoas se tornam produtos e mercadorias negociadas e
consumidas como bens cada vez mais descartáveis[23].
A solução, portanto, não pode ser outra senão a transformação da
estrutura da sociedade. Jürgen Habermas dá uma importante dica neste
sentido. No livro Mudança estrutural da esfera pública, escrito em 1962,
Habermas estabelece o importante conceito de esfera pública que vai ser
muito útil para a compreensão da necessidade de mudança social. Para ele,
a esfera pública é o local social chave para a compreensão das mudanças
ocorridas até então. Formada historicamente pelas reuniões de sujeitos
livres e esclarecidos para discutir e deliberar sobre seus interesses comuns,
essa esfera pública ocidental se apoiou na economia de mercado para a sua
sustentação viabilizando a circulação de ideias através da mídia impressa.
Isso permitiu à burguesia desenvolver uma consciência crítica sobre as
autoridades tradicionais como o estado e a Igreja. Mas a expansão do poder
estatal e do mercado (hoje os militantes acrescentam a religião, o que os
frankfurtianos viam como meramente residual), transformou este papel da
mídia em uma função determinadora de um tipo de dependência dessa
estrutura econômica.

Em comparação com a imprensa da era liberal, os meios de


comunicação de massa alcançaram, por um lado, uma extensão e
um eficácia incomparavelmente superiores e, com isso, a própria
esfera pública se expandiu. (…) Quanto maior se tornou sua
eficácia jornalístico-publicitária, tanto mais vulnerável eles se
tornaram à pressão de determinados interesses privados, sejam
individuais, sejam coletivos. (Habermas).

O consumismo, segundo ele, colonizou a mídia, mas também a


política. Ele cita os exemplos do nazismo e do fascismo e também o da
democracia, representada pelos Estados Unidos. Nenhuma palavra sobre o
controle da mídia nos países comunistas. Por que será?
Ao converterem o capitalismo em um poderoso e temido sistema
de manipulação, ocultavam a imensa operação de que faziam parte, uma
operação que contou com o conhecimento do próprio Stalin e de agentes da
KGB. A subversão descrita por Yuri Bezmenov[*] ganhou o Ocidente como
nunca antes. Afinal, antes disso as técnicas de subversão só haviam atingido
países do eixo soviético, com exceção do sucesso da revolução iraniana de
1979, que muitos acreditam ter sido obra da ação da KGB. O trabalho da
Escola de Frankfurt, especialmente depois de migrados para os EUA, foi de
uma profundidade que até hoje pode ser percebida. Todo o pacifismo
ideológico e militante das décadas de 1960 e 1970 foi obra do pensamento
de Adorno, Benjamin e Marcuse. E era especialmente interessante notar que
este pacifismo era voltado justamente contra as ações do governo dos
Estados Unidos.
Willi Münzenberg está na origem deste pacifismo e do controle da
opinião pública por meio da criação de preconceitos e estereótipos. Foi
apresentado a Lênin por Trotsky e a partir de então se tornou seu fiel
servidor. Lênin havia enviado duas cartas que foram espalhadas a diferentes
regiões do mundo com o objetivo de efetivar o sonho de Marx e Engels no
manifesto comunista: a revolução proletária global. Uma destas cartas era
destinada aos proletários europeus e a outra aos da América do Norte. A
Münzenberg coube a tarefa especificada nesta última, com a ajuda dos seus
“companheiros de viagem”, intelectuais, jornalistas, escritores, cientistas,
padres, professores, atores e artistas diversos, que foram seduzidos pela
crença de que falar mal da URSS era algo reprovável e uma demonstração
de inferioridade moral. Bonito mesmo era falar bem dos comunistas,
reconhecer seus méritos. Todos estes faziam parte do que Münzenberg
chamava de “clube dos inocentes”, como de fato deviam permanecer para a
sua maior credibilidade. Sendo inocentes e sem o conhecimento da agenda
revolucionária, defenderiam estas opiniões com maior ardor moral e até
religioso[24].
Em julho de 1933, Münzenberg organizou uma encontro
internacional de intelectuais europeus em Paris, que foi chamado de
Congresso Anti-Fascista Europeu. Nele estavam presentes outros membros
do Comitê de Luta Contra a Guerra e o Fascismo. Eles chamaram a década
de trinta de “A década vermelha” devido o sucesso do evento.
É impossível compreender o que há por trás da Escola de Frankfurt
sem conhecer os agentes históricos que motivaram toda a sua fundação. Os
frankfurtianos acabaram exercendo grande influência na cultura de massa
que criticavam. A sua crítica à cultura de massa, como explicam os
estudiosos daquela escola, não tinha por objetivo fazê-la deixar de existir,
mas modificá-la em favor dos seus superiores, representados pelo
movimento comunista internacional, cujo principal agente imediato é a
KGB. Há incontável bibliografia sobre esta relação e o papel essencial que
tiveram para a construção da crítica ao capitalismo, ao Ocidente e à cultura
judaico-cristã, fazendo-a vir de dentro dela. Hoje é praticamente impossível
encontrar um curso universitário que não tenha como base teórica a crítica
ao Ocidente e ao Cristianismo. Uma das evidências disso é que qualquer
resquício de moral cristã nas instituições ocidentais é denunciado por eles
como evidência de um poder hegemônico cristão, capitalista e ocidental. E
é justamente esta a técnica de engenharia opinativa utilizada nos meios de
comunicação de massa.
Em relação ao poder da mídia, os frankfurtianos foram acusados
muitas vezes de superestimá-lo. Sobre essa objeção, respondeu certa vez
Herbert Marcuse: “O precondicionamento não começa com a produção em
massa de rádio e televisão ou com a centralização de seu controle. As
criaturas entram nessa fase já sendo de há muito receptáculos
precondicionados; a diferença decisiva está no aplanamento do contraste
(ou conflito) entre as necessidades dadas e as possíveis, entre as satisfeitas e
as insatisfeitas”. Porém, sem esconder o conhecimento de que estas
características podem não ter sido criadas necessariamente pela mídia,
Marcuse acusa os meios culturais de “não desejar mudar as pessoas”, mas
desenvolver-se com base nos mecanismos de oferta e procura. O desejo de
mudança na estrutura social por meio da cultura e dos meios de
comunicação, portanto, fica evidente em toda a obra destes pensadores
críticos da modernidade.
Muitos interpretaram a corrente crítica como expressão de um
pensamento apocalíptico, mas logo se foi percebendo que o objetivo estava
calçado muito mais em propostas profundas de mudança social. E diante do
pessimismo aparentemente niilista daqueles pensadores, é possível
vislumbrar um otimismo triunfante de quem sabe muito bem o que está
fazendo. “A reflexão crítica”, diz Francisco Rüdiger, “ao contrário, não tem
por objetivo primeiro provar alguma tese mas, sim, nos fazer pensar e, por
aí, nos tornar mais conscientes ao mesmo tempo dos limites e potenciais de
mudanças existentes na realidade”.
A Cultura de Massa tão atacada pelos frankfurtianos não foi
criticada exatamente por ser de massa, o que corresponderia ao tipo de
elitismo muito denunciado pela esquerda que veio a seguir. Mais do que
isso, os alemães ressaltavam as supostas marcas da violência exploradora
que submetiam historicamente as massas e estão presentes nessa cultura
massiva. Então, esclarece, Francisco Rüdiger: “A preocupação central dos
pensadores não era melhorar o conhecimento dos processos que se
envolvem os meios e, assim, facilitar seu uso e exploração. Desejavam,
antes de mais nada, problematizar a sua existência e seu significado do
ponto de vista crítico e utópico”.
Seu “otimismo”, passado aos esquerdistas do mundo, está em
chamar a atenção para a transformação por meio da “liberação de energias
estéticas”, tendo em vista “o potencial criativo e inovador que os meios de
que [a indústria cultural] se utiliza podem vir a ter em uma forma mais
avançada de sociedade”.
Esta “forma mais avançada” veio a se efetivar aos poucos, a partir
de correntes que contestaram a visão frankfurtiana para poder ir além nessa
utopia infinita que é o pensamento revolucionário e a paixão doentia por
mudanças sociais. Foi o caso dos frutos colhidos pelos Estudos Culturais,
muito influenciados pela Escola de Frankfurt, que aprofundaram a
compreensão sobre a influência da mídia de massa na cultura popular.
Os Estudos Culturais ficaram conhecidos pela mudança no sentido
em que se passou a entender a palavra cultura. Se antes era mais comum
expressões como “alta cultura”, agora, com a entrada de aspectos
antropológicos aos estudos, este conceito passou a ser visto como
ultrapassado e um tanto elitista. De modo geral, grande parte dos estudos
feitos por seus principais intelectuais focaram na “cultura dos de baixo”,
isto é, nos proletários e classes marginalizadas, pretendendo colocá-los em
pé de igualdade a todas as outras formas de cultura ditas superiores. Estes
estudos trouxeram grandes mudanças ao ponto de vista marxista, pois
confrontava-o em muitos aspectos. Em resumo, a grande mudança trazida
foi a troca do eixo de militância marxista da classe para a cultura. O foco na
luta de classes foi sendo gradativamente reaproveitado pelo conflito
cultural, o que abriu novo leque de possibilidades, prontamente usadas
mesmo, claro, a contragosto de alguns marxistas mais ortodoxos.
Foi somente devido aos Estudos Culturais que o feminismo, por
exemplo, pode ganhar vulto e os palcos culturais do cinema e demais
formas de arte, indo parar no debate público. Uma vez transplantada a luta
de classes para um campo tão mais abrangente como o cultural, fica aberta
a porta para a utilização de todas as outras formas de identificação social
que possam ser expressadas pela cultura. Afinal, cultura não é uma
categoria como a classe, que pode ser um grupo empírico. Cultura é, para
além das modificações conceituais possíveis, mais do que uma matriz de
formas de expressões. Faixa etária, sexo, orientação sexual, comunidade
profissional, doença e tudo o que possa identificar indivíduos em grupos
nomeadamente discriminados ou diferenciados do restante, tiveram as
portas abertas a reivindicações por meio da criação de culturas próprias e
formas própria de crítica social.

Efeitos de longo prazo

Os campos culturais, como vimos, passaram a fazer parte de um


contexto de conflito social. Este conflito se mantém por meio de um jogo
complexo de convencimento e persuasão do qual depende a transferência
ou “contágio” de prioridades e interesses.
Desde os funcionalistas, que pretendiam compreender a
comunicação de um modo mais determinista e técnico, o processo de
influência e determinação social era visto como potencial uso para a
política, haja vista os constantes estudos de campanhas eleitorais e
publicitárias. Com o impacto dos Estudos Culturais e as reflexões
motivadas pela Teoria Crítica, alguns estudiosos começaram a perceber a
existência e importância de mudanças de longo prazo. Do mesmo modo, o
interesse cresceu pelo estudo focado no receptor da mensagem, como já
havia se iniciado nos estudos sistêmicos.
Teoria do Agendamento ou agenda-setting foi o nome dado aos
estudos que apontavam para a correspondência entre o conteúdo das
notícias e as opiniões correntes na sociedade. Embora o nome agenda-
setting só começasse a ser utilizado a partir do livro The agenda-setting
function of mass media, escrito por Maxwell McCombs e Donald Shaw, em
1972, a função da mídia na definição das opiniões do público já havia sido
percebida anteriormente por outros escritores, entre eles Lippmann, Le Bon,
e os próprios frankfurtianos. Estes estudos foram retomados na década de
1970 pelos estudos de comunicação social empenhados aparentemente na
compreensão dessa potencialidade dos meios.
A função do agendamento ou teoria da agenda pode ser encarada
em dois aspectos: o da compreensão do processo como fruto de condições
incontroláveis e o da compreensão do processo para provocar efeitos
intencionalmente por meio do agendamento da mídia, isto é, como técnica.
Como o meio acadêmico já se dedica suficientemente à primeira hipótese
de abordagem – o que favorece o desconhecimento das influências externas
sobre a mídia – vamos nos apoiar no aspecto normativo ou como técnica,
ou seja, no ponto de vista segundo o qual a teoria da agenda é utilizada para
a engenharia social e controle da opinião pública.
Esta hipótese é facilmente enriquecida por meio do estudo dos
frequentes relatórios das Nações Unidas, baseados nos trabalhos de
Lippmann e dos estudiosos que vieram depois, incluindo os de cientistas
interessados em compreender o processo como natural. Claro que,
conscientes do evidente viés determinista da noção de influência da mídia,
muitos investigadores deram pouca importância para esta função ativa por
parte de quem controla os meios. Mas pela compreensão do processo,
porém, vemos claramente como ele funciona em nossos dias.
A Teoria do Agendamento é basicamente um esquema de relações
entre agendas. Agendas nada mais são do que conjuntos mentais de
prioridades ou metas, o que pode abranger técnicas profissionais, métodos
políticos e todo tipo de instrumento que sirva a prioridades conscientes,
voluntárias. Comunidades profissionais, classes organizadas, sociedades
secretas ou organizações ideológicas possuem agendas, quer dizer,
prioridades e metas de maior ou menor abrangência. A existência de
agendas se dá sempre em grupos que compartilham sistemas de ideias,
compreensões organizadas e bem estáveis, iguais ou semelhantes em cada
indivíduo membro.
A existência ou força da agenda de um grupo pode depender de
muitos fatores, internos e externos. Os moradores de um bairro podem estar
especialmente preocupados com a violência das ruas em épocas em que
muitos casos violentos se tornam públicos. O clima de preocupação gera
prioridades práticas, neste caso a segurança, o que passa a ser um tópico da
agenda daquela comunidade. Neste caso, um tipo de alarme soa toda vez
que o tema da segurança é levantado ou algo que leva a ele, mobilizando
uma parte importante da comunidade, aqueles que costumam representá-la
publicamente. Isso produz um efeito de interesse imediato Mas digamos
que os moradores do bairro hipotético ficaram sabendo dos casos de
violência por meio de um jornal popular local. Assim, a agenda pública dos
moradores possui um vínculo de dependência de um canal de comunicação.
Ocorre que este canal, o jornal local, representa também uma comunidade,
a comunidade profissional dos jornalistas, que mantém um outro conjunto
de preocupações. A agenda de prioridades do jornal é formada por vários
fatores, entre eles as normas profissionais do jornalismo conhecidas por
todos os repórteres, mas também as prioridades da empresa que mantém o
jornal. Dentre os elementos formadores destas prioridades da empresa estão
objetivos do empresário dono do jornal, que precisa administrar a sua
relação com a elite governante da cidade. Logo, uma parte importante do
interesse da empresa é formada pelo que a elite ou o prefeito da cidade tem
feito ou quer fazer na política. Portanto, a agenda política pode influenciar a
agenda midiática que, pela sua própria essência, determina parte da agenda
pública.
Na Teoria do Agendamento, a Agenda Política concorre para a
determinação da Agenda Pública por meio do controle da Agenda
Midiática. A transferência de prioridades entre agendas é o fundamento
deste processo descrito por Maxwell McCombs. Além das agendas, há
também a definição de categorias dos agentes atuantes no processo: a fonte,
o jornalista e o receptor:
A fonte corresponde ao canal de promoção do tema. Embora
tradicionalmente seja visto como um “agente passivo”, isto é, consultado
somente por iniciativa do jornalista, o que vemos hoje é um processo de
especialização das fontes em que são raras as fontes jornalísticas que não
possuem seus próprios instrumentos de promoção de assuntos para
influenciar a pauta jornalística. Já o jornalista ou repórter, é o responsável
pela mera publicização do objeto, isto é, do assunto, trazido pela divulgação
de acontecimentos. Em muitos casos ele pode ser também uma fonte ou um
promotor de notícias, ao buscar por interesse próprio chamar a atenção para
determinado tema ou acontecimento. E, por último, o receptor, também
visto como instância passiva do processo, tem o seu papel na significação e
ressignificação das mensagens. Os chamados consumidores finais da notícia
podem ser facilmente convertidos no elemento mais ativo da sociedade, ou
seja, naqueles que vão responder aos estímulos das notícias por meio de
ação política e reivindicatória, coisa especialmente comum em épocas de
democracia participativa.
Mas concentremo-nos no aspecto da fonte, do ponto inicial de onde
vêm as prioridades da mídia e consequentemente do público. A instância
promotora de temas, como dissemos, tem sido constantemente subestimada
e seu poder muitas vezes reduzido à passividade. Mas ela pode ser, no
entanto, o elemento que mais demanda atenção daqueles que querem
compreender o processo de atenção midiática, pública e política em nossos
dias.
O trabalho das assessorias de imprensa e agências de relações
públicas tem se especializado de um modo impressionante nas últimas
décadas, na mesma medida em que os jornalistas se tornaram
progressivamente mais ingênuos no processo de seleção. Quando falo em
ingenuidade obviamente me refiro a uma analogia com o sentimento
infantil de desconhecimento, mas que no fundo não passa de indiferença
irresponsável. A maioria dos jornalistas conhece muito bem o processo,
mas sua desilusão quase inconsciente o mantém automatizado à atividade
profissional sem perceber a relevância do que faz. Essa desatenção e
automatismo pode ter custos éticos e morais muito altos, o que parece não
ser mais tão importante ao indivíduo humano cada vez mais oculto por trás
do profissional.
A conquista das prioridades midiáticas se dá na adaptação às suas
condições, o que vai desde horários de envio de pauta até apelos emocionais
que atendem à especificidade dos jornalistas para temas controversos e ou
desejos comuns a todos os seres humanos. O estudo da psicologia para a
construção de estereótipos é essencial no controle de como as pessoas
imaginam determinados atores ou agentes presentes em assuntos
específicos. Lippmann chamou a atenção para o uso dos estereótipos
salientando que eles são muito úteis à comunicação mais rápida e prática no
jornalismo.
Grande parte do estudo sobre agendamento partiu da percepção de
Bernard Cohen de que a mídia pode não determinar como o público pensa
sobre os temas, mas pode ter grandes chances em influenciar os assuntos
sobre os quais pensar. Isso remete ao que McCombs estabeleceu como
“primeiro nível de agendamento”, isto é, o agendamento de tema ou objeto.
Neste nível, o assunto é colocado como importante por meio da referência
frequente nas páginas dos jornais ou peças de mídia. Aqui não importa se a
conotação é positiva ou negativa, mas o aspecto puramente quantitativo.
Essa observação liga-se ao fato facilmente demonstrável de que o critério
jornalístico de importância está sempre vinculado a acontecimentos, à ação.
É muito mais fácil colocar um tema em pauta por meio de um evento do
que simplesmente falar do assunto sem aparente justificativa. O gancho é
sempre um acontecimento, fato extremamente inconveniente aos
engenheiros sociais. É por este motivo que vemos tantos eventos,
congressos e simpósios nacionais e internacionais para debater assuntos
quase sempre ligados a um novo entendimento da sociedade, como o
feminismo, ambientalismo, etc.
Já o “segundo nível do agendamento” diz respeito aos atributos
associados ao tema, ou seja, o caráter positivo, negativo ou características
que geram posteriormente uma imagem desejada aos temas. Os exemplos
comumente citados nos trabalhos de comunicação giram em torno da
evolução nas abordagens sobre a Aids, meio ambiente, criminalidade etc.
Enquanto o primeiro nível representa a simples referência ao tema, por
meio da publicidade de eventos, o segundo já pode atribuir significados e
imagens construídas gradativamente. Muitos trabalhos de comunicação se
resumem em narrar a história das mudanças de abordagem a determinados
temas, algo visto sempre como uma evolutiva marcha para a
conscientização.
Em 2010, a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (ANDI)
fez uma grande pesquisa nos jornais brasileiros com o apoio da Embaixada
Britânica para monitorar o tratamento do tema Mudanças Climáticas na
imprensa brasileira. O objetivo do estudo era declaradamente o de encontrar
deficiências e ampliar as possibilidades de geração do debate sobre o tema
no País. Para isso, fez uma análise aprofundada do processo de
agendamento de modo a esclarecer como ocorre e como usá-lo na
exploração de pautas desejadas. Como este há muitos outros relatórios e
pesquisas científicas internacionais que ensinam a agendar debates na mídia
e, com isso, “conscientizar a opinião pública trabalhando questões sociais”.
Não parece haver nenhuma intenção nos meios acadêmicos e científicos
ligados à comunicação em disfarçar este viés normativo para a cooperação
com uma engenharia social via mass media.
As diferentes agendas (pública, midiática, política, governamental)
podem ser estudadas conforme os objetivos dos estudiosos. A compreensão
científica dos fatores influentes na agenda midiática tem sido importante
para o uso destes conhecimentos por parte de agentes de modificação
social.
Um estudo de 2003 trouxe à tona os esforços do Greenpeace para a
produção de mobilização social ligados à formação mesma do chamado
Terceiro Setor (ONGs). Diz o estudo:

Um processo de mobilização social deve contemplar


prioritariamente a adesão da mídia para que esta lhe confira
legitimidade e possibilite a adesão de outros atores sociais. Essa
legitimidade, por sua vez, irá permitir a inserção do tema na arena
pública de discussão e debate.[25]

O estudo propõe uma distinção da esfera agente entre o que chama


de advocacy, a atividade de pautar a sociedade em favor do interesse
público e o lobby, quando pauta para satisfazer interesses privados. O
mesmo estudo utiliza as Nações Unidas como exemplo de utilização de
ações de advocacy, representadas por campanhas de merchandizing social
para gerar discussão de temas de sua preferência na opinião pública
internacional.
A cultura da transformação social já está muito bem instalada no
jornalismo em todo o mundo e falta pouco para que não haja mais nenhum
interesse em reportar-se a verdade ou buscar simplesmente informar o
cidadão. O viés pedagógico e político característico mais do jornalismo
europeu – iniciado na sociedade burguesa esclarecida dos séculos XVII e
XVIII – substituiu já quase completamente o jornalismo de feição norte-
americana mais voltado à informação e ao valor da opinião livre como
requisito para uma imprensa livre.
Mas contrariamente ao consenso acadêmico e revolucionário de
que o jornalismo deve transformar a sociedade, os meios universitários
duvidam desdenhosamente da existência de poderes maiores nas mãos de
grupos que agendam a mídia. No consenso acadêmico, o jornalismo tem um
grande poder de decisão sobre o que publica e o público igualmente possui
considerável margem de manipulação desses meios. Este poder, segundo
eles, teria aumentado substancialmente devido o acesso às redes sociais.
Eles não duvidam do potencial dos meios sobre as mentes das pessoas, mas
questionam a influência majoritária de grupos e agendas exteriores à mídia
no conteúdo dela. Assim, atribui-se grande força ao público como
agendador da mídia e, quanto à agenda midiática, estimula-se uma
interpretação de que os fatores influentes no seu conteúdo são aqueles
meramente ligados a condições de trabalho e técnica jornalística. Quando
fica evidente a manipulação das notícias por parte de algum grupo, é devido
aos imperialistas norte-americanos e defensores do “Grande Capital”. Toda
influência da esquerda presente no jornalismo é encarada como poder vindo
da esfera pública ou do público. Parece que o poder “do povo”, isto é, a
margem de influência do público sobre as pautas dos jornais, é resguardado
como garantia de legitimidade do papel do jornalismo. Se os acadêmicos ou
os profissionais fossem forçados a admitir que os jornais influenciam muito
mais o público do que o contrário, aumentaria a responsabilidade do
jornalista e igualmente se questionaria os interesses por trás de cada pauta
surgida de modo supostamente espontâneo. Para essa manobra, parece
necessário distorcer algumas evidências.
O pensamento e a vida de Walter Lippmann demonstram
facilmente o modo como o jornalismo influenciou e influencia as opiniões,
crenças e ideias de uma sociedade. A partir do que ele disse e da
consequência histórica do seu trabalho é possível perceber que mesmo
muitas pautas levantadas pelo público hoje por meio de redes de
relacionamento, e-mails, cartas ao Congresso, manifestações populares etc,
são, na verdade, resultados de um longo processo de agendamento e
condicionamento de pautas e questões públicas baseadas no
desenvolvimento das imagens geradas a respeito dos desejos e anseios
populares, políticos ou expectativas da realidade.
Lippmann dizia que as pessoas não reagem a fatos, mas às imagens
que elas têm daqueles fatos. Isso torna essas imagens muito mais valiosas
para a definição das ações das pessoas e os fatos passam a ser pouco
significativos neste sentido. O poder sobre a definição e criação dessas
imagens obviamente se tornou alvo de grande cobiça pelos detentores do
poder, sejam eles quem forem.
O prêmio Nobel Ivan Pavlov ficou conhecido, em fins do século
XIX, por uma curiosa experiência: tocava uma campainha toda vez que
alimentava seu cão, que salivava ao ouvir o alarme. Dado um longo
período, Pavlov suspendeu a comida e tocava somente a campainha,
passando a representar um gatilho que fazia o cão salivar. O “cão de
Pavlov” ficou conhecido na psicologia social como demonstração de que
ações podem ser provocadas mediante sinais arbitrários e sem ligação com
a experiência originária. O que Lippmann aplicou às notícias já havia sido
pensado no século anterior e aplicado pela URSS que criou os famosos
Centros Pavlonianos de controle mental, que serviu de escola a outros
famosos centros de pesquisa de opinião pública desenvolvidos pelo governo
dos EUA e financiados por grandes fundações, dentre as quais se destaca a
Fundação Rockefeller.
Órgãos e projetos como a Surveys Division of the Office of War
Information, o Nacional Opinion Research Center, da Universidade de
Chicago, ou as iniciativas de Paul Lazaarsfeld e Rosenberg no chamado
“Columbia Project”, dedicado a elaborar metodologias de estudo social
mais complexo, são exemplos de aplicação e desenvolvimento de estudos
influenciados pelas primeiras pesquisas feitas em tempos de guerra e que
foram posteriormente aplicados como meios de compreensão e ação de
controle nas sociedades democráticas. Grande parte do trabalho de transição
entre os diferentes órgãos internacionais, distintas épocas, mas por meio de
objetivos semelhantes, foram cientistas como Lazarsfeld, Kurt Lewin,
Herbert Hyman, entre outros. Este último, que na década de 1950
trabalhava no departamento de sociologia da Universidade de Colúmbia,
trabalhara em uma divisão especial chamada The Morale Divisions of the
German and Japanese Strategic Bombing Surveys (Divisões sobre o moral
dos alemães e japoneses nos levantamentos do bombardeio estratégico),
além da Surveys Division of the Office of War Information (Divisão de
pesquisas do escritório de informação de guerra).
Hyman é autor de um importante manual de pesquisas em ciências
sociais traduzido para o Brasil com o título de Planejamento e análise da
pesquisa: princípios, casos e processos. Segundo diz, trata-se de um manual
metodológico sobre opinião pública, marketing e investigação social. Estes
trabalhos fazem a ponte entre as correntes funcionalistas, com cunho mais
normativo em que se situam tanto as pesquisas soviéticas dos serviços
secretos da KGB quanto nos departamentos de estado norte-americanos, e
as correntes marxistas chegadas com a influência dos teóricos
frankfurtianos aos EUA. Antes disso, porém, o clima filosófico entre os
pesquisadores funcionalistas era o da confiança na possibilidade de
engenharia social. Essa predisposição, que no fundo é ideológica, sempre
esteve presente e vemos isso facilmente ainda hoje.

III

O GOVERNO MUNDIAL
Revolução global e Nova Era

É comum encontrarmos a afirmação de que a primeira hipótese de


governo mundial teria sido o Império Romano, com suas conquistas
militares que por séculos subjugaram culturas e territórios. Mas seria um
erro comparar as ambições romanas às pretensões da atual elite globalista.
Dificilmente a antiguidade teria conhecido o sonho moderno do controle
técnico da consciência das massas como nos totalitarismos do século XX.
Quando a ciência moderna decidiu divorciar-se para sempre do que chamou
de fé supersticiosa em nome de uma utopia racionalista para a qual a razão
ditaria os rumos da sociedade humana, criava-se aí o embrião da pretensão
totalitária moderna[26]. A partir de então, ficaria a cargo da filosofia, e
depois da ciência política, a função de elaborar sistemas sociais
racionalmente totalizantes. Grande parte do panteão de intelectuais
estudados na academia e nas escolas da atualidade se fizeram famosos pela
defesa de ideais revolucionários que se propunham detentores do
monopólio da boa vontade e do verdadeiro anseio dos povos. O fato é que a
filosofia da revolução, nascida na Revolução Francesa, acabou crescendo
assustadoramente dentro do meio intelectual ao ponto de se tornar
hegemônica.
A preferência revolucionária converteu os intelectuais franceses
em verdadeiros panfletários mesmo muito depois da Revolução de 1879. O
gosto pelo comunismo, a participação em partidos comunistas pelo mundo,
a militância política anticristã – dita antiburguesa – tomou conta da
intelectualidade[27].
Os intelectuais ocidentais sempre demonstraram intuito de uma
sociedade perfeita, controlada por uma elite de esclarecidos. Como foi dito,
desde que o cristianismo deixou de ser o cimento social da Europa, ficou
cada vez mais evidente que alguém deveria suprir este vazio. O Iluminismo
julgou que preencheria com as luzes da razão e, com base nisso, a
Revolução Francesa prometeu a cidadania. A história da filosofia durante
estes últimos quatro séculos, como lembra Olavo de Carvalho, foi uma
sucessão de tentativas de unificação doutrinal, racional, o que
consequentemente teve reflexos na política. O positivismo e, depois, o
bolchevismo, são exemplos bem claros disso. Toda essa sanha por controle
e poder acabou levando o mundo a duas guerras mundiais, o que fatalmente
atendeu os anseios de muitos intelectuais políticos para uma desculpa de
unificação do mundo, proposta que veio a seguir, como já mencionamos,
sob a forma da Liga das Nações.
O governo mundial não é mais um plano, mas uma realidade. É
nesta revolução permanente que consiste todo o processo de busca
incessante por centralização de poder. Henry Louis Mencken, crítico social
norte-americano, disse certa vez: “O objetivo final de toda prática política é
manter a população alarmada – e, portanto, clamando para ser conduzida
em segurança – ameaçando-a com uma série infindável de fantasmas, todos
eles imaginários”. Olavo de Carvalho, por outra parte, chama a atenção para
o fato de que a pergunta sobre quem manda no mundo é não só
inconveniente como proibida. É uma daquelas perguntas sempre
ridicularizadas e acusadas de “teoria da conspiração”. Questionamentos
comuns noutras épocas tornaram-se, de repente, inadmissíveis e
impronunciáveis. Quem quer que levante informações sobre os grandes
planos de governação mundial e os divulga de alguma forma perde,
imediatamente, uma parcela de credibilidade no mundo acadêmico e
midiático pela simples associação negativa gerada por este tipo de
informação. Campanhas de difamação por meio de associações semânticas
de ideias vistas como perigosas são uma das muitas especialidades dos
movimentos de esquerda.
Em 1948, revelações comprometedoras sobre o regime soviético
caíram em mãos americanas e foram divulgadas em um livro. Este
vazamento ficou conhecido como Caso Chambers. Diante disso, a
intelectualidade esquerdista alegou ser tudo mentira, pois os governos
comunistas ficaram preocupados com o anticomunismo crescente. Era
preciso criar um antídoto para este problema: a demonização do
anticomunismo.
A tarefa ficou a cargo de jornalistas como o australiano Wilfred
Burchett, de grande credibilidade na mídia ocidental, que especializou-se
em reportagens contra a ação americana no Vietnã. Suas matérias exaltavam
a cultura dos vietnamitas que, na sua visão, estariam apenas defendendo sua
pátria da invasão norte-americana. O mesmo tipo de operação de
desinformação já havia sido feita na Guerra da Coreia[28]. Os arquivos de
Moscou confirmaram a participação de Burchett nessas operações, além do
fato de sua viúva ter recebido a comenda “Ordem da Amizade”, da Coreia
do Norte.

Como lembra Heitor De Paola:

Os comunistas conhecem muito bem as fraquezas dos regimes democráticos


e as exploram, principalmente duas: a dependência da opinião pública e de
eleições regulares com mudança periódica de políticas pela mudança de
governos. Como a Nomenklatura não precisa se preocupar com essas
bobagens burguesas, tem tempo de planejar prevendo estas mudanças e
inclusive atuar na opinião pública dos inimigos através dos 'formadores de
opinião’[29].

A estratégia principal dos soviéticos durante grande parte da


Guerra Fria consistia justamente em convencer o Ocidente de que não havia
estratégia alguma e acusar de “teórico da conspiração” a qualquer um que
insinuasse o contrário. Em 1978, Ronald Reagan alertava em uma
transmissão radiofônica: “Muitos anos atrás, quando os americanos estavam
bem conscientes das ameaças de subversão comunista, reuniu-se um grande
congresso em Moscou (…) que adotou um plano para lutar contra o
anticomunismo. Uma parte deste plano era dirigida aos EUA e sugeria uma
campanha sutil que tornasse o anticomunismo fora de moda (…) até que os
anticomunistas viessem a ser ridicularizados como idiotas caçadores de
bruxas que procuram comunistas até embaixo da cama”[30].
Paralelamente, foram sendo feitas operações para isolar os EUA
dos seus aliados tradicionais como a Europa, ao associá-los com o
anacrônico e atrasado anticomunismo. Sobre algumas dessas operações,
recomendamos a leitura de livros como O Eixo do Mal Latino Americano e
a Nova Ordem Mundial, de Heitor De Paola (2008) e The KGB And Soviet
Disinformation. An Insider's View, de Ladislav Bittman (1985). Este último
livro, ainda sem tradução para o português, revela a operação que deu
origem, no Brasil, à persistente crença na interferência do governo norte-
americano no Golpe de 1964. Bittman era agente da STB, polícia secreta da
então Tchecoslováquia e foi responsável pela operação no Brasil.
Foram incontáveis as operações de desinformação envolvendo
jornalistas e veículos de grande circulação durante o período da Guerra
Fria. Hoje, porém, raros são os veículos que não contam com editores
ligados a militâncias cujos interesses se integram dentro do perfil
revolucionário e colaboram, direta ou indiretamente, para a construção e
aprofundamento do processo de centralização de poder global ou
simplesmente a boa e velha subversão revolucionária.
Comunistas, globalistas, meta-capitalistas, ecologistas, islâmicos,
eurasianos etc, todos concorrem há bastante tempo pelo controle político e
econômico do mundo. Todos eles sabem que para alcançar este objetivo há
que se controlar a mente humana e o melhor canal de acesso às crenças e
concepções do mundo é a mídia. De modo geral, estamos dizendo que
parece haver planos políticos relativamente unificados para o controle de
quase todos os aspectos da vida em sociedade, embora diversos em sua
natureza. Olavo de Carvalho expõe três grandes blocos globalistas que,
apesar de suas diferenças, colaboram entre si. São eles:

1) Bloco ocidental – grupo que engloba os meta-capitalistas, socialistas


fabianos, famílias reais, financiadores dos ecologistas, pacifistas,
feministas, movimentos new age, e mantém algum controle sobre os
comunistas da América Latina. Seus inimigos são os EUA e o conceito
atual de estado-nação, obstáculo à criação da Nova Ordem Mundial.

2) Bloco russo-chinês – compreende a Rússia e a China. Atualmente


comandado por Vladmir Putin e seu intuito de reconstrução da URSS no
Leste Europeu. Junto da China, financiam uma parte dos empreendimentos
ocidentais para mantê-los sob controle e, em alguns casos, financiam
terrorismo islâmico contra os EUA. Seu grande inimigo são os EUA e a
Civilização Ocidental, símbolo do liberalismo. Mantém algum controle,
cada dia maior, dos comunistas da América Latina.

3) Bloco Islâmico – formado pelos países árabes, possui já grande


influência nos meios ocidentais, com políticos do Partido Democrata
trabalhando a seu favor nos EUA (incluindo Barack Hussein Obama).
Buscam a formação do Califado Universal, um governo mundial islâmico
sob a lei da Sharia (lei islâmica). Têm apoio da ala mais radical da esquerda
latino-americana.
A relação próxima e até de colaboração entre estes blocos é o que
torna confusa a compreensão de muitos eventos e contextos internacionais.
Mas se compreendermos que seu inimigo comum é a liberdade individual,
não será difícil entender. Mesmo quando a defendem, buscam elevá-la ao
seu extremo, o que fatalmente vai expor suas fragilidades e disfunções. Em
um certo sentido, Putin joga com islâmicos para a destruição do Ocidente,
enquanto a esquerda latino-americana mantém acordos tanto com grupos
terroristas como com os EUA e a Rússia. Todos os blocos globalistas se
beneficiam pelo caos que eles geram. É o seu combustível e alimento.
Crescem em poder e influência quanto mais penetram na mente humana. E
quando um deles extrapola e gera resistência de indivíduos, estes caem nas
graças de outro bloco, que rapidamente promete libertação do anterior.

A revolução pelo controle

Foi a Revolução Francesa que trouxe pela primeira vez a crença na


necessidade de planejamentos sociais, como os educacionais, urbanos,
saúde pública, todos devidamente acomodados nos braços acalentadores e
salvadores do Estado. Viu-se ali o aparecimento de um certo ideal de
participação popular, igualdade e o anseio por uma sociedade que garantisse
a fraternidade mútua e o amplo debate social. Essa idealização era
decorrente de um desenvolvimento ocorrido na filosofia, a partir da
proposta de que a vida fosse determinada e orientada pela razão. Se os
filósofos buscavam tantas formas de averiguar e matematizar a natureza,
recriando assim o método científico, também na política deveria ser não só
possível como necessário, empenhar métodos e modelos racionais a serem
seguidos. Os primeiros modelos sociais surgiram justamente da
inconformidade com as injustiças daquele tempo.
A mentalidade revolucionária, segundo Leszek Kolakowski, é essa
atitude espiritual caracterizada por uma forte crença na possibilidade de
uma salvação total do homem em oposição à sua situação atual de
escravidão, mas sem continuidade ou intermediação entre as duas posições.
Isto é, a salvação total e a escravidão estão em polos absolutamente
opostos. Essa salvação total seria o objetivo único da humanidade ao qual
todos os valores devem estar submetidos, de modo que todos os meios são
justificados para este fim. O meio, portanto, é a negação total do mundo
existente[31].
O termo “Revolução”, ainda segundo Kolakowski, refere-se ao ato
pelo qual a dominação de uma classe é transferida com violência para outra.
A mentalidade revolucionária seria, então, o pensamento defensor da
necessidade dessa mudança como condição para a salvação total da
humanidade, ampliando o raciocínio para todos os aspectos da vida. É por
isso que Kolakowski reconhece o marxismo como um caso particularmente
único no estilo de pensamento da cultura europeia.
Recorrendo, agora, ao filósofo Olavo de Carvalho, podemos
acrescentar outro aspecto aos critérios de reconhecimento da mentalidade
revolucionária: o meio pelo qual se dará a mudança de condição da classe.
Segundo o filósofo, a centralização do poder é o meio pelo qual anseiam os
revolucionários para a efetivação dessa mudança de estrutura social. Isso
amplia o foco de caracterização dos movimentos históricos revolucionários.
Essa centralização do poder, desde a Revolução Francesa, é o principal
motor de luta por mudanças sociais.
A salvação total, cujo meio é a negação da realidade existente e
imperfeita, só pode possibilitar-se pela mudança permanente e ininterrupta
da sociedade, tanto na estrutura em que se apresenta quanto no campo da
racionalidade. É por este motivo que os revolucionários precisam agir
através da cultura para permitir as condições das demais mudanças. E esta
mudança cultural demanda adaptações e arranjos racionais muitas vezes
trabalhosos. Quando, porém, as propostas de mudança na sociedade não são
facilmente justificáveis, é preciso criar razões mesmo que para isso seja
necessário procurar problemas ocultos ou inexistentes.
As ideologias de esquerda se desenvolvem com base na matriz
marxista das oposições sociais como funções da oposição fundamental entre
proletariado e burguesia. Kolakowski lembra que tanto Lênin e Trotsky
quanto Stalin fizeram modificações que facilitaram ao marxismo persistir
pelo tempo e adequando-se às mudanças e condições políticas. Lênin,
imitando Trotsky, sugeria que a revolução socialista poderia ser um
prolongamento da revolução burguesa e que, portanto, a ideologia proletária
não precisava ser uma exclusividade da classe trabalhadora, isto é, dos
proletários empíricos. Diferente do que acreditava Marx, para quem a única
classe detentora da verdade era a proletária, Lênin propunha uma separação
entre classe e consciência de classe. Dessa forma, um burguês poderia
perfeitamente representar a classe operária. Isso tornava a revolução mais
fácil no ambiente europeu, em que as condições dos trabalhadores nem
sempre eram semelhantes, além de viabilizar financiamentos burgueses para
os movimentos.
Outra modificação importante foi a internacionalização, ou seja, a
chamada Revolução Permanente. Interessante notar, aqui, que a tese
marxista original da revolução proletária não era rejeitada totalmente. Na
verdade, a perspectiva da praxis marxista admite as duas crenças
simultâneas, já que o efeito revolucionário é prioridade. Por isso, uma das
condições da revolução era a existência empírica de uma classe
trabalhadora assalariada, o que demandaria um estágio de economia
industrial avançado. A revolução permanente é o processo de cooperação
entre as nações no qual as mais avançadas na revolução, possam auxiliar o
percurso daquelas menos industrializadas ou que ainda não estejam em
condições revolucionárias. Foi desta tese que nasceram propostas como as
Nações Unidas, assim como o intento da integração latino-americana
manifestada pelo Mercosul e Foro de São Paulo. Blocos regionais de
cooperação econômica possuem, entre outras funções, o claro objetivo de
aproximar os países em etapas desiguais para a manutenção da revolução
permanente. É fácil perceber a relevância da contribuição de Lênin e
Trotsky para o sucesso dos planos globais.
Stalin, por sua vez, empreendeu outra modificação, de caráter
menos pragmático para os movimentos internacionais. Ele foi o responsável
por associar a classe proletária com os interesses do estado soviético. Lênin
havia admitido a importância do nacionalismo por conter uma “reserva de
energia revolucionária” e eventualmente ser usado quando isso pudesse
beneficiar o avanço das revoluções em alguns países. Mas Stalin
transformou a revolução na causa patriótica e nacional da União Soviética.
As vantagens foram momentâneas, mas serviram principalmente na
manutenção do domínio sobre os países do Leste Europeu. Essa associação
entre a ideologia e o estado soviético proporcionou uma alucinação útil ao
Ocidente: quando da dissolução da URSS, muitos analistas ocidentais
acreditaram que era o comunismo a desmoronar-se e sua ideologia pereceria
junto com o estado totalitário russo. Infelizmente, há quem acredite nisso
até hoje.
Kolakowski chega a sugerir que a força persuasiva de Stalin, para
quem os inimigos da URSS eram automaticamente burgueses, imperialistas
e fascistas, gerou um efeito psicológico tão forte nos militantes ao redor do
mundo, que até hoje muitos esquerdistas reagem de modo passional contra
qualquer insinuação desrespeitosa à atual Rússia.
O marxismo, portanto, pode se apresentar de várias formas. Sua
matriz revolucionária impõe que se aproveite de quaisquer conflitos sociais,
raciais, econômicos, políticos e até pessoais. Tudo pode ser reduzido ao
conflito de classe e à égide da dominação e opressão.
No jornalismo, como já vimos, há tempos que a perspectiva
revolucionária está presente. Seja na seleção de fatos ou na narração de
histórias, reportagens e retratos da realidade, jornalistas revolucionários têm
a função não só de expor contradições da sociedade, mas explorá-las como
conflitos de modo a gerar indignação, revolta e anseios. Um jornalismo
demasiadamente militante sempre foi algo pejorativo e visto como
tendencioso, de má-fé. Mas houve momentos e lugares em que a prática da
militância jornalística se tornou comum e até desejável. Diante da injustiça,
o jornalista é chamado a relatá-la de algum modo que a denuncie. Isso é
evidente em muitos casos, mas em outras nem tanto.
O pseudo-ambiente de uma situação determinada fica a cargo dos
veículos responsáveis pelo relato dos fatos. O problema é que os próprios
jornalistas se veem constantemente como únicos juízes das prioridades de
uma sociedade, uma vez que estas passam a depender das informações
disponíveis.
Ambientalismo e Nova Ordem Mundial

Vejamos o exemplo do ambientalismo e da cultura


ecológica dentro do espaço jornalístico e como o desenvolvimento deste
assunto na esfera midiática vem influenciando mudanças profundas no
entendimento das pessoas sobre o mundo e a sociedade. Mais do que isso, a
abrangência dessas mudanças podem ter chegado irreversivelmente ao
entendimento da própria função da comunicação, em especial do
jornalismo.
Há hoje o que se chama jornalismo ambiental, especialidade
surgida de uma aparente necessidade da informação pública sobre as
relações entre sociedade e natureza. Essa necessidade pode ser justificada
de muitas formas. Mas a verdade é que para angariar a justificação que tem
hoje, foram necessárias algumas etapas para o desenvolvimento de uma
nova visão de mundo que foi sendo trabalhada pouco a pouco. De modo
geral, contar a história de uma mentalidade como a ecológica é contar
também o percurso do jornalismo e das mídias, já que estas mentalidades
contemporâneas se desenvolvem quase totalmente com a intermediação
midiática.
John McCormick, em seu livro Rumo ao paraíso: a história do
movimento ambientalista, relatou o percurso da cultura ecológica como
uma revolução conceitual de proporções universais e que produziu
mudanças fundamentais nos valores humanos. Como é recorrente em
tentativas de fundamentar ideologias, McCormick tenta ampliar a
relevância dessa cultura à Antiguidade, quando sumérios abandonavam suas
cidades diante da extinção de recursos hídricos. Do mesmo modo, as
ressalvas de Platão sobre o desmatamento e a erosão do solo provocada
pelo excesso de pastagens e corte de árvores para lenha. Roma,
Mesopotâmia e tantas civilizações que sofreram os danos da má
administração dos recursos naturais de que dispunham fazem a preocupação
ecológica atual parecer tão mais relevante quanto recorrente na história
humana. Mas, a pergunta fundamental é: que papel desempenhavam essas
crenças para as sociedades antigas? Seria o mesmo das crenças
ambientalistas de que o homem não só desequilibrou o Planeta como o vai
salvar, restaurando-o ao eixo perdido? Certamente não pertenciam às
preocupações administrativas, mas às religiosas. O costume de interpretar o
presente pelo passado parece ser uma insistente característica de nosso
tempo, quando deveríamos nos acostumar a perguntar o que o passado tem
a revelar sobre nossas concepções e pretensões.
Após duas guerras, o século XX oportunizou o surgimento de
novos paradigmas globais, isto é, hipóteses de compreensão do mundo em
uma chave planetária. O contexto da emergente cultura de massa trouxe
consigo a ascensão de muitos campos estéticos, os quais, a partir dos
desenvolvimentos da sociedade norte-americana, suscitou um tipo de
mitologia moderna. O processo de massificação congrega um repertório
cultural semelhante em toda parte. Ele pode coincidir com os elementos
tradicionais de uma sociedade mais apegada ao passado ou conciliar-se com
eles; pode negá-los completamente e ainda assim conviver dentro da mesma
esfera social ou até do mesmo indivíduo. A cultura de massa é em essência
internacionalizada e universal ao mesmo tempo em que serve a preferências
pessoais e individualizadas. As condições para a sua existência estão na
sociedade alterdirigida, no consumo de interesses e na valorização da
originalidade, criatividade, em detrimento do velho e do tradicional –
exceto se este último ofereça elementos de renovação ou nova roupagem
adaptada às novas linguagens.
Os valores dessa cultura se reorganizam com uma forte base
imaginativa e estética que interconecta os elementos novos e velhos, dando-
os significados adequados a cada época e lugar. Embora beneficie-se de
elementos comuns à própria forma de organização social humana, a cultura
de massa ganhou abrangência e significado a partir da urbanização e
consequentemente da abrangência dos meios de comunicação massivos.
Esse reforço massificador cultural tem sido responsável pela formação das
imagens do mundo, ideais de felicidade, saúde e boa vida, e são distribuídos
igualitariamente e estimulados como horizonte existencial dos indivíduos.
Certos ideais de comportamento tornaram-se verdadeiros valores morais
ligados à saúde e cuja infração ocasiona perda na sociabilidade, valor
supremo e inegociável.
Ideologias criam-se com base no imaginário e, tal como na magia e
na religião, impulsionam-se a conceitos de autorrealização, como diz o
antropólogo francês Edgar Morin[32]. Este contexto psicológico e social
favorece a transmissão de valores que vão formar o entendimento do
público em relação aos assuntos do seu interesse, do que depende uma
parcela substancial do esforço empreendido por movimentos sociais em sua
busca por atenção e justificação. Se, como vimos, dentro do contexto
baseado na alterdireção, característico da cultura de massa, os meios de
comunicação ganham em efetividade de determinação de comportamentos e
ideais, na “era do conhecimento”, as empresas, governos e movimentos
sociais beneficiam-se facilmente destas condições. Desde que organizados,
entidades formadas por ideologias revolucionárias se empenham em fazer
uso de todo tipo de técnica para chamar a atenção para si.
A hipótese global que ganhou força durante o período pós-guerra,
teve de adaptar-se ao novo período de paz e gerar novas demandas sociais
para justificar suas ideologias que permaneciam intactas mesmo diante das
consequências mais devastadoras. O comunismo matou mais de 150
milhões de pessoas durante o século XX na tentativa insana de centralizar o
poder nas mãos de uma elite política. Recorreu à força porque não tinha o
poder sobre as consciências, algo que em seguida foi sendo viabilizado.
Embora o indivíduo livre e consciente seja de fato impossível de destruir,
estes grupos revolucionários globais lançam mão de todo tipo de arranjo
ideológico para ludibriar a opinião pública e tornar suas demandas de poder
e controle um anseio para a humanidade.
A ecologia parece ter conseguido popularizar a crença de que o
mundo é algo semelhante a um organismo biológico e por este motivo,
depende de uma série de elementos que condicionam o seu funcionamento.
O rompimento dos elos entre esses elementos causaria o que os ecologistas
chamam de desequilíbrio. A ecologia começou como uma ciência
interdisciplinar que buscava compreender as relações complexas dos
organismos e seu ambiente físico. Desde essa origem até a criação das
organizações não-governamentais largamente financiadas pelo
establishment internacional, muita coisa mudou. Um dos aspectos
essenciais dessa mudança foi a sua imagem pública enquanto autoridade
científica e até espiritual.
O movimento socioambiental, nas últimas décadas, atua como
importante fonte de abordagens para a mídia em geral, o que promoveu
certo compartilhamento de valores e práticas dentro do meio acadêmico e
científico, além da seleção de fatos e informações para os jornais. A criação
de uma segmentação jornalística para a ecologia, o chamado Jornalismo
Ambiental, pode ter contribuído grandemente para uma mudança profunda
na função da atividade jornalística. Isso porque o ambientalismo acrescenta
um valor absoluto ao critério jornalístico, mas este valor não é o da
correspondência com a verdade.

Jornalismo militante contra a humanidade

Muitas pessoas bem intencionadas que são simpáticas aos


movimentos ambientalistas podem afirmar que a proteção do meio
ambiente não significa a negação da vida humana ou a sua eliminação, já
que a proteção do meio natural significa a preservação da espécie humana.
Essa relação entre o homem e o meio ambiente está bem explicada na teoria
sistêmica da qual falamos, onde uma ação em pequena escala pode
influenciar o todo por meio de uma reação em cadeia. O sistemismo levado
às últimas consequências, dessa forma, assume a forma de uma crença
supersticiosa, ainda mais perigosa quanto mais estiver ligada a sugestões de
soluções globais que serão impostas a todos.
Essa crença sistêmica quando apreendida pelo meio jornalístico e
aliado à sua gana por ineditismo e sinais dos tempos, produz a função
alarmista do jornalismo ambiental, que serve perfeitamente aos objetivos de
crescimento do poder global sobre os países.
A atividade jornalística aliada à pauta ambiental, portanto, passa a
ser uma atividade militante. Assim, como as informações das ciências
ecológicas provém de comunidades científicas especificamente interessadas
nestes assuntos, a autoridade científica no jornalismo, que por si só já pode
causar problemas suficientes, passa a se encarnar em comunidades
selecionadas previamente. Os valores democráticos aliados à causa
ecológica como necessidade social, geraram um clima de comprometimento
por parte do jornalista, algo perceptivelmente crescente nas últimas
décadas, como o mostram sucessivas campanhas de mídia em grandes
causas internacionais. O jornalista e professor Wilson da Costa Bueno é um
dos nomes que propõe para a pauta ambiental certas restrições à visão dos
critérios de veracidade na prática do jornalismo. “De imediato, nada de
neutralidade, e a objetividade deve ser vista com restrições porque, na
prática, toda reportagem, todo discurso implica uma trajetória, uma leitura e
um compromisso”[33], diz Bueno.
O jornalismo ambiental, para ele, carrega uma dependência com a
causa que o impõe a uma atividade permanentemente construtiva. A
objetividade soa como um valor desconfortável com o qual o jornalismo
teve de lidar ao longo de sua história. Hoje, parece estar, afinal, libertando-
se das amarras da objetividade. Não deixa de ser uma expressão da profecia
revolucionária libertadora, na qual a verdade oprime e esmaga. Resta saber
o que será posto no lugar da objetividade como critério de validade.
Retirando-se esse valor de cena, o que sobra?
Só pode sobrar a causa, cuja adesão dependerá dos estímulos
culturais e míticos que cada “campo formador de sentido” conseguir melhor
representar. Afinal, a pauta ambiental hoje se tornou um lugar comum do
público, um tema da cultura de massa e não somente um assunto para
cientistas e especialistas. Qualquer cidadão pouco informado sobre a
política, a economia ou ciência, considera-se sábio o bastante para afirmar
que o homem se tornou um peso morto no planeta, ocupando-se, pois,
exclusivamente de destruir tudo pela frente. Lugar comum também é dizer
que a Amazônia está em franca devastação, as árvores restantes são as
últimas na face da Terra e a água se esvai a cada instante para nunca mais
voltar. A crença na morte do planeta por inanição engorda os que se
alimentam vorazmente do conteúdo midiático.
Criada a realidade social, o pseudo-ambiente da opinião pública, a
participação do leitor na pauta ambiental ganha um lugar de destaque,
mesmo que grande parte do seu conhecimento sobre a relação entre homem
e natureza seja tão indiretamente mediado quanto o é para a própria mídia.
Bueno diferencia o Jornalismo Ambiental da chamada
Comunicação Ambiental. O jornalismo de meio ambiente, segundo ele,
caracteriza-se por produtos decorrentes do trabalho realizado por
profissionais da imprensa, enquanto a Comunicação Ambiental enquadra-se
em toda e qualquer forma de comunicação gerada por ONGs ou quaisquer
organizações dedicadas à veiculação de temas ambientais. Trata-se de uma
diferenciação entre a instância que levanta as informações e as organiza e
aquela que a midiatiza, isto é, torna pauta pública.
Essa Comunicação Ambiental, antecedente do ambientalismo
jornalístico, é produto de uma evolução que pode ser entendida em duas
fases distintas, conforme contextualização histórica escrita por John
McCormick[34]: a primeira começa com o surgimento da ciência ecológica,
fruto de uma mudança de paradigmas que ocorre no âmbito científico já no
século XIX. Esta primeira fase vai da ciência biológica até o início do seu
relacionamento com as ciências sociais e dos efeitos da cultura humana no
ambiente físico; a segunda, inicia-se com a popularização e midiatização da
mudança na forma de ver a relação entre natureza e sociedade e o
apontamento da necessidade de ir além da simples conservação e estudo dos
recursos naturais, alcançando assim, com as contribuições das ciências
sociais, a busca por ações práticas de modificação dos paradigmas culturais
ou conscientização.
Segundo McCormick: “A mudança mais ampla nas atitudes
humanas começou com a era das descobertas científicas, quando os sinais
de deterioração tornaram-se evidentes para mais pessoas, e não apenas para
uns poucos observadores perspicazes da condição da natureza”. Algo
parecido com o que chamamos hoje de movimento ambientalista começou a
aparecer por volta da metade do século XIX, na Grâ-Bretanha e, mais tarde,
nos Estados Unidos.
Mas a ecologia só passou a fazer parte das preocupações da
sociedade ocidental a partir do que os ecólogos chamam “explosão
informativa”, ocorrida no início da década de 1960. Iniciava-se a
preocupação midiática com os riscos ambientais nos EUA, motivados por
eventos de grande cobertura como o vazamento de petróleo de Santa
Bárbara, simultâneo ao lançamento de livros e estudos que chamavam a
atenção para os perigos do uso de agrotóxicos. Ao longo daquela década, a
poluição industrial era vista como uma consequência inevitável ou um alto
preço a ser pago pelos benefícios da modernização. Esta noção foi uma
consequência do esforço de campanhas de grupos corporativos e suas
agências de relações públicas.
Intelectuais de esquerda perceberam o potencial do ambientalismo
e passaram a infiltrar-se nos seus movimentos. O fundador do Greenpeace,
certa vez, em entrevista, afirmou que saiu do grupo porque a ONG se
tornou algo bem diverso do que ele criara. Outros setores da esquerda
fizeram o seu trabalho na imprensa e passaram a questionar fontes e
critérios jornalísticos.
É preciso fazer justiça a este período: muito do que se estudou
sobre o jornalismo e a função da imprensa, veio pelas mãos de esquerdistas
que questionavam o monopólio de grandes empresas e do próprio sistema
de comunicação. Ironicamente, hoje muitos desses estudos podem ser úteis
para compreender a estrutura da qual os próprios esquerdistas se
apropriaram para uso revolucionário. Se o principal e mais cruel
instrumento do comunismo é o Estado, a grande ironia é que quando se
apropriam dele, estes militantes não costumam livrar-se muito fácil dos
instrumentos institucionais que outrora os fariam chamá-lo de “estado-
burguês”. Burguês é apenas o estado que não os financia.
Os jornalistas passaram a olhar com mais atenção às suas fontes de
informação e a contratar especialistas para lidar com assuntos científicos
que eles pouco dominavam, de modo a dar maior abrangência à cobertura
destes temas. Isso porque percebeu-se o risco que o jornalismo corria em
manter-se dependente das afirmações feitas por grupos de interesse como as
corporações e governos.
A primeira lei de amplo espectro contra a poluição do ar no mundo
havia sido aprovada na Grã-Bretanha, em 1863, onde criou-se o primeiro
órgão de controle da poluição. De acordo com os dados de McCormick, até
1971 existiam um total de 12 órgãos ambientais nacionais no mundo. Hoje,
eles já são 140. O primeiro grupo ambientalista privado do mundo foi o
Commons, Foot-paths, and Open Spaces Preservation Society, fundado na
Inglaterra, em 1865. O mundo conta com mais de 15 mil desses grupos, um
terço dos quais fundados depois de 1972. O primeiro acordo internacional
sobre meio ambiente foi assinado em 1886. Hoje, são mais de 250, três
quartos dos quais assinados após 1960.
Em 1972, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente
Humano, realizada em Estocolmo, na Suécia, apontava pela primeira vez
para a necessidade de se traçarem outras metas de ação para a solução do
que passou a se chamar “crise ecológica”. Quase 20 anos depois, quase
todas as organizações internacionais mais importantes, desde o Banco
Mundial até a Comunidade Europeia e a Organização para o
Desenvolvimento e Cooperação Econômica, haviam tomado posições
relativas às políticas de meio ambiente.
A grande preocupação destes eventos internacionais era mobilizar
governos e cidadãos como militantes, tornar a pauta ambiental um objetivo
de todos, um dever que fosse análogo à cidadania. A pressão por ação
política, econômica e cidadã crescia pelo mundo inteiro.
Mas após a década de 1970, percebeu-se uma súbita perda do
interesse do público sobre as notícias ambientais. Vários fatores possíveis
podem ter contribuído para esse declínio, como uma eventual percepção de
institucionalização da preocupação ambiental junto ao meio político, dando
a impressão geral de que os problemas e riscos estavam sendo resolvidos.
Ou seja, uma espécie de transferência de responsabilidade do indivíduo para
a esfera institucional.
A presença do tema ambiental nos noticiários das décadas de 1970
e 1980, permaneceu como assunto político e científico, sem uma relação
muito clara ou aprofundada com os fundamentos econômicos e sociais que
tivessem impacto no comportamento das pessoas.
Essa perda de interesse do público e dos cidadãos pelos assuntos
ambientais poderia ser explicada, conforme os estudos da época, pelo
pressuposto de que a preocupação com as questões ambientais estavam
relacionadas com a quantidade relativa da cobertura gerada pelas
organizações noticiosas. A atenção da mídia é tida como um fator
determinante na legitimação do tema meio ambiente como questão política.
Mas percebia-se que faltava alguma coisa para que o tema ganhasse
efetivamente a preocupação pública. A institucionalização da preocupação
ambiental nos EUA foi representada pela criação da Agência de Proteção
Ambiental e do Conselho de Qualidade Ambiental. A criação destes órgãos
trilhou novos parâmetros para o critério de legitimidade das fontes
jornalísticas, já que estes organismos governamentais passaram a ser
tratados como fontes de autoridade pelos jornalistas. O problema é que a
questão estava dependente demais das demandas governamentais e políticas
daqueles que estivessem no poder. Portanto, embora aferissem credibilidade
às notícias sobre questões ecológicas, os jornalistas não sentiam
necessidade de buscar novas informações e, por isso, novas pautas não
surgiam sem que houvesse iniciativa de órgãos nacionais ou internacionais.
Esta situação permaneceu durante muito tempo e é uma das causas
da imagem negativa do ambientalismo no início de sua militância, nas
décadas de 1970 e 80. A coisa só começou a mudar após o surgimento de
ameaças alarmantes que poriam em risco a vida na Terra. Não havia
dúvidas de que isso afetava a todos os aspectos da sociedade e por isso se
tornou um tema carregado em noticiabilidade, isto é, interesse jornalístico.
Existem muitos episódios na história do movimento ambientalista
que mostram como certos objetivos estratégicos dos movimentos
revolucionários servem de critério para a seleção de pautas para jornais,
livros, revistas, para orientar a pauta pública. Nem que para fechar as
informações seja necessário recorrer, literalmente, à ficção. Uma
preocupação ecológica pode esconder, na verdade, um objetivo oculto de
natureza estratégica. Um bom exemplo foi a energia nuclear e os
agrotóxicos.
Um dos pontos chave que teria iniciado grande parte da
preocupação ambiental era o perigo de uma guerra nuclear. Este medo
motivou a criação de acordos de desarmamento internacionais que foram
assinados já na década de 1960. Os testes com armamento nuclear
provocavam, na visão da comunidade internacional, um clima de tensão que
era preciso atenuar. Em 1961, foi criada a Agência de Controle e
Desarmamento, por Kennedy, para aliviar a tensão mundial em torno do
assunto. Mas a conferência sobre desarmamento em Genebra foi adiada
para ser retomada em julho de 1963, depois de contatos bilaterais entre os
Estados Unidos e a URSS. Estava claro, então. que havia uma oposição
internacional crescente aos testes atmosféricos, motivada em parte por
aumentos significativos de precipitação em consequência de uma série de
testes em 1962.
Além disso, os estoques de armas nucleares americanos haviam
atingido, naquele ano, um nível tão alto que houve grande apreensão a
respeito de problemas de comando que ocasionassem uma guerra acidental.
Em agosto, porém, o Tratado de Proibição Parcial de Testes foi finalmente
assinado em Moscou pelos Estados Unidos, União Soviética e Grã-
Bretanha, proibindo os testes no ar, acima da atmosfera ou no mar (mas não
no subsolo). O tratado final – para desânimo de Kennedy – só pode ser
parcial, uma vez que os Estados Unidos e a URSS foram incapazes de
chegar a um acordo quanto aos métodos de verificar seu cumprimento no
tocante aos testes subterrâneos. Na época, o ativista ecossocialista Barry
Commoner argumentou que um dos benefícios do tratado foi ter
estabelecido que as armas nucleares eram um fracasso científico, na medida
em que, a despeito do resultado da guerra nuclear, nenhuma das duas
potências principais sobreviveria ao holocausto – o fracasso da "defesa"
nuclear reside, assim, nos desastres ecológicos que a mesma desencadearia.
Para a maioria dos ambientalistas, é possível considerar que o
Tratado de Proibição Parcial de Testes foi o primeiro acordo ambiental
internacional. A questão da segurança global poderia ter sido motivo
suficiente, mas, por algum motivo, a questão ambiental se sobrepôs. A
exigência do tratado era a de um “desarmamento geral e completo” para pôr
fim definitivo à corrida armamentista. O texto do tratado para o
desarmamento de nada menos que dezessete nações, não fazia menção ao
chamado “perigo de precipitação” (guerra), mas sim em “pôr termo à
contaminação do meio ambiente humano por substâncias radioativas”. Este
pode ter sido o primeiro resultado de grande escala do lobby verde para
influenciar questões nacionais de vários países. Mas a questão mais
importante vem a seguir.
O perigo de guerra nuclear alertou muitas pessoas para a ideia de
que a tecnologia poderia causar contaminação ambiental irrestrita e, com
isso, todos poderiam ser afetados. Foi a primeira alusão ao conceito de um
meio ambiente global e a problemas ambientais universais. Esse conceito
foi, então, reforçado naquele mesmo ano com a publicação de um livro:
Silent Spring, de Rachel Carson.
Rachel Carson era uma bióloga pouco conhecida que decidiu
publicar um livro de ficção que denunciasse o perigo dos pesticidas usados
na agricultura e pecuária. Apesar de os ambientalistas recorrerem, em geral,
à credibilidade científica de suas teses, foi o livro ficcional de Carson que
se tornou um clássico do ambientalismo. O livro, publicado em 1962,
exerceu uma influência poderosa sobre vários governos, o que levou à
proibição mundial do uso do DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano, o
primeiro pesticida moderno) já no início da década de 1970.
Antes da proibição, em resposta ao livro e à polêmica iniciada por
Carson, porém, a Academia Nacional de Ciências dos EUA declarou que o
DDT havia salvado mais de 500 milhões de vidas humanas ao longo das
últimas três décadas ao erradicar os mosquitos transmissores da
malária[35]. O relatório da Academia dizia: "Se tivéssemos de eleger
alguns produtos químicos aos quais a humanidade deve muito, o DDT
certamente seria um deles. ...Em pouco mais de duas décadas, o DDT
evitou que 500 milhões de seres humanos morressem de malária, algo que
sem o DDT seria inevitável". Afinal, a malária estava prestes a ser extinta
em alguns países antes da proibição.
Sem qualquer evidência científica além de um livro de ficção, o
DDT foi proibido no mundo todo. John Berlau, pesquisador do Center for
Investors and Entrepreneurs do Competitive Enterprise Institute, em seu
livro Eco-Freaks: Environmentalism is Hazardous to Your Health,
escreveu: "Nem um único estudo mostrando o elo entre exposição ao DDT
e contaminação humana já foi replicado".
O Dr. Henry Miller, membro sênior da Hoover Institution, disse no
artigo intitulado Rachel Carson's Deadly Fantasies[36], que o banimento do
DDT foi responsável pela perda de "dezenas de milhões de vidas humanas,
majoritariamente crianças em países pobres e tropicais. Tudo isso em troca
da possibilidade de uma pequena melhoria na fertilidade das aves de rapina.
Essa continua sendo uma das mais monumentais tragédias humanas do
século passado." Inúmeras colheitas foram destruídas, pois os insetos
combatidos pelo DDT continuaram a se proliferar. “Mesmo se as
estimativas da Academia Nacional de Ciências em relação às vidas salvas
pelo DDT estivessem exageradas por um fator de dois, Rachel Carson e sua
cruzada contra o pesticida ainda seriam responsáveis por mais mortes
humanas do que a maioria dos piores tiranos da história do mundo”, diz
Walter Williams.
Na África, Sudeste Asiático, América do Sul, na Índia, as mortes
por malária voltaram a aparecer quando já estavam praticamente
erradicadas antes da proibição do DDT. A grande pergunta que se faz diante
da obviedade do desastre causado pela proibição é: porque ela não é
revogada? A resposta pode ser tão absurda quanto monstruosa:

Na Guiana, em menos de dois anos, o DDT já havia praticamente


aniquilado a malária; porém, isso levou a uma duplicação das taxas
de fecundidade. Portanto, meu maior problema com o DDT, olhando
em retrospecto, é que ele ajudou a intensificar o problema da
explosão demográfica[37].

A frase acima é de Alexander King, co-fundador do Clube de


Roma. Isso mesmo. O controle populacional, causa tão cara aos
ambientalistas, é um dos motivos por trás do morticínio provocado
principalmente nos países subdesenvolvidos.
Em 1968, pouco tempo depois da publicação de Silent Spring, de
Carson, o biólogo Paul R. Ehrlich deixou militantes de esquerda e de direita
horrorizados lançando um polêmico livro que acrescentava outro
importante elemento ao ambientalismo: o controle populacional. O livro se
chamava Population Bomb. Políticos e ativistas de esquerda o acusavam de
nazismo por querer matar metade da população pobre e os de direita por
violar os direitos individuais e desvalorizar a vida humana. O livro foi um
importante divisor de águas no reforço científico à crença que tornava o
homem dispensável ao planeta.
Mais tarde, em 1977, Ehrlich publicou junto de outros dois autores,
outro livro, Ecosciencie: population, ressources, environment, com a
mesma ideia de controle populacional, mas servindo-se de um maior aporte
de dados científicos e apoio de cientistas engajados na causa ecológica. A
defesa do meio ambiente ganhava um impulso a mais e passava a se unir
aos militantes do controle populacional que aliciavam as Nações Unidas
para incluir a meta na sua agenda de ações imediatas.
As propostas de controle de natalidade estão intimamente ligadas à
conquista do direito ao aborto defendido por gente como Margareth Sanger
(1879-1966), com ideias eugenistas e evolucionistas nas quais os
nascimentos de pessoas consideradas mais aptas eram preferíveis optando-
se pelo aborto e esterilização em massa em populações pobres e
consideradas geneticamente inferiores. Após a Segunda Guerra Mundial,
porém, essa retórica eugenista passou a ser mal vista por motivos óbvios.
Mas, no barco da ecologia, nas décadas seguintes, o controle populacional
pôde voltar ao debate público e navegar tranquilamente pela agenda
pública, agora com a desculpa do fim dos recursos naturais e trazendo
consigo a cativante proposta da salvação da humanidade. Na verdade, em
nome dessa pretensa tese da escassez futura, muitas populações são
privadas hoje desses recursos e obrigadas a integrar-se a agendas que
demandam consideráveis restrições econômicas. Países da África são
ameaçados de terem suas ajudas internacionais cortadas se não aderirem a
programas de esterilização e descriminalização do aborto, além da nefasta
agenda de gênero das Nações Unidas.
O livro Ecoscience: population, ressorces, enviroment, é um
verdadeiro clássico do ambientalismo. Nele é sugerido de modo explícito: a
melhor solução para a escassez de recursos é a diminuição da taxa de
crescimento da população. Como primeira e mais relevante medida, os
autores sugerem a limitação da taxa de natalidade, o que deve ser
implementado por meio de campanhas de planejamento familiar,
legalização do aborto e estímulo de uso de contraceptivos, ou seja, uma
conscientização para o voluntarismo em prol dessa causa. A segunda
alternativa, caso a população não opte voluntariamente pela diminuição da
taxa de natalidade, os autores explicam:

Presumivelmente, a maioria das pessoas concorda que o único meio


de atingir estes objetivos em um nível mundial é através da taxa de
natalidade. A alternativa a isso é permitir o aumento da taxa de
mortalidade, o que naturalmente vai acontecer caso a humanidade
não optar racionalmente por reduzir a sua taxa de natalidade a
tempo[38].

Programas de esterilização em massa já foram desmascarados em


vários países, todos eles com a participação de órgãos das Nações Unidas
como Unicef, Unesco etc, cooperados com instituições locais ligadas a
governos e organizações não-governamentais. Estes programas de
eliminação humana, como vemos, ficam de fora dos noticiários por serem
considerados “teorias da conspiração” ou tidos como teses paranoicas que
carecem de evidências. De fato alguns destes casos não passaram de
suspeitas devido à inacessibilidade dos dados e recursos utilizados pelas
instituições em jogo, mas os planos declarados em uma tão evidente
documentação bibliográfica, como temos visto, já seria suficiente para
investigações aprofundadas quanto às ações destes grupos envolvidos.
Outros casos foram amplamente divulgados e desmascarados, mas a
imprensa internacional isolou-os dentro de limites das imprensas locais, não
deixando que fossem conhecidos do restante do mundo.
É claro que as evidências deste tipo ficam desprovidas de interesse
jornalístico pela comunidade internacional se limitados a fronteiras
regionais, pois ficam desvinculados dos casos semelhantes ao redor do
mundo e podem ser facilmente entendidos como fatos isolados e singulares.
A interpretação de quaisquer fatos relevantes à sociedade depende do
entendimento público da questão, o que por sua vez depende da circulação
de informações a respeito. Distante de uma cobertura permanente da mídia,
torna-se mais fácil desenvolver teorias bizarras como a da eliminação de
seres humanos para a salvação da humanidade, sem que perguntas
inconvenientes interfiram e atrapalhem a evolução da ideia ou, mais à
frente, a sua execução. Obviamente, quando o tema vem a público, pode ser
tarde demais para voltar atrás.
Graças à participação de intelectuais como Ehrlich dentro das
Nações Unidas, principalmente em instituições ligadas à educação e cultura
como a Unesco, nossos jovens e crianças são educados com o pressuposto
de que a humanidade é a causadora dos grandes males terrestres. O controle
populacional passou a ser o consenso da opinião pública, fazendo a
população trabalhar para a própria autodestruição. Do mesmo modo que se
infiltram nos órgãos da ONU, estes ativistas povoam as redações e agências
de publicidade em busca de difundir as teses ambientalistas e anti-humanas.
Pesquisadores de mídia, empenhados no controle da interpretação das
notícias, perceberam que o interesse jornalístico está ligado mais a
acontecimentos e menos em temas específicos. Isso porque na tradição da
profissão permanece a máxima da necessidade de informar ao invés de
formar. Para transformar a sociedade, no entanto, foi preciso modificar esta
tradição ou até eliminá-la da prática profissional. Nada melhor, para isso, do
que criar acontecimentos e, a partir daí, condicionar o público a debates
sobre temas de evidente interesse, como o faz o exemplo do risco
civilizacional das chamadas Mudanças Climáticas.
Em fevereiro de 2007, as Nações Unidas publicaram o quarto
relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas),
apresentado pelo órgão que reunia cientistas de 150 países para analisar as
mudanças no clima terrestre. A publicação do documento mobilizou a
imprensa do mundo inteiro e o assunto se tornou amplamente debatido nos
diferentes âmbitos da sociedade. Como conclusões científicas, o relatório
apontava o preocupante cenário de um aquecimento da atmosfera e
enumerava consequências como o aumento do nível do mar, extinção de
espécies, além de mudanças drásticas na geografia terrestre e,
posteriormente, na economia mundial. A principal causa que concorria para
isso, segundo os cientistas, foi a influência do homem no meio ambiente
através da emissão de gases de efeito estufa, fruto da crescente
industrialização.
Embora a opinião científica sobre essas causas não formassem
qualquer consenso dentro do campo da ciência, as conclusões do IPCC
foram interpretadas pela imprensa como algo irreversível, decisivo e,
portanto, consensual entre os cientistas. Afinal, o relatório salientava que
havia 90% de chances do fenômeno ser causado pelo homem, ou seja, dos
prognósticos científicos estarem corretos. Na imprensa, porém, chegou-se a
dizer que esses 90% se referiam ao percentual de culpa humana no
fenômeno. Muitos cientistas vieram a público chamando a atenção para as
distorções da mídia e a pouca divulgação da divergência que havia entre os
próprios cientistas responsáveis pelas pesquisas do relatório.
Alguns pesquisadores de mídia se interessaram por esse fenômeno
midiático gerador de reportagens alarmistas com pouco ou nenhum espaço
a ideias contrárias à tese do chamado aquecimento antropogênico, de causas
humanas. A publicação do relatório do IPCC e sua divulgação deram
grande impulso à causa ambiental já existente há décadas, reforçando a sua
imagem como novo paradigma de desenvolvimento. O ambientalismo se
tornou rapidamente um emergente código moral, com seus prognósticos
técnicos e códigos de conduta que iam além da vida social passando por
responsabilidades individuais e recomendando comportamentos sociais,
políticos, empresariais e governamentais ditos ecologicamente corretos.
Esta nova visão parecia basear-se na interpretação de resultados de uma
única comunidade científica cuja opinião era tida como homogênea e
consensual. Esse pensamento único, registrado na mídia, chamou a atenção
de pesquisadores como James Painter, o qual observou a pouca presença da
chamada “opinião cética”, isto é, contrária à hipótese antropogênica, nas
páginas dos jornais.
A partir de uma análise de conteúdo nos jornais brasileiros Folha
de São Paulo e O Estado de São Paulo, entre fevereiro e junho de 2007, o
estudo de Painter revelou que de 1% a 3% dos artigos de opinião
apresentavam o posicionamento cético, bem diferente dos jornais de países
como o Reino Unido (de 4% a 23%) e EUA (de 13% a 40%). O trabalho de
Painter abrangia jornais de 50 países.
A publicação do relatório foi o gancho de acontecimento usado
para dar visibilidade ainda maior à causa ambiental. Na verdade, tratava-se
de uma nova fase de implementação da agenda global: o controle dos
recursos. Nenhum governo pode almejar o controle sem alguma margem de
manipulação econômica, o que está submetido ao critério de uso de
recursos naturais. Muitos cientistas e jornalistas, pelo mundo, criticaram o
relatório, a cobertura midiática ao fato e a pouca presença da opinião
contrária. Ainda mais quando ações políticas eram progressivamente
propostas pela ONU e governos assumiam a cada dia responsabilidades
submetendo-se à agenda globalista.
A ideologia ambientalista alia-se a expectativas determinadas,
embora utópicas, mas se define pela necessidade do chamado a
responsabilidades individuais, políticas e governamentais em um
paradigma, como diz Enrico Leff, de uma “solidariedade global”. É neste
contexto que se torna possível o início da segunda fase do desenvolvimento
desta nova era que produziu o fenômeno de uma comunicação ambiental
inclinada não mais à divulgação científica mas à difusão de uma causa vital
a ser abraçada por toda a humanidade.
A adesão à causa justa da sociedade perfeita e paradoxalmente
inevitável é parte de um fenômeno psicológico regular na história humana.
Eric Voegelin aproxima muitas ideologias políticas modernas à noção
teológica do gnosticismo. Trata-se de uma postura de negação da realidade
e afirmação do papel ativo do homem como agente transformador e
aperfeiçoador da natureza. Embora o ambientalismo carregue em si uma
aparente crítica do paradigma controlador e interventor da ciência e
tecnologia moderna na natureza, demonstra uma crença infalível no
controle técnico da estrutura natural por meio do conceito de “equilíbrio
ecológico”. Essa postura traz consigo elementos ligados a determinados
objetivos das elites globais, nomeadamente, o controle das religiões por
meio da influência em movimentos espirituais alternativos e a mobilização
das massas, a fim de esvaziar as religiões tradicionais e marginalizá-las. As
grandes tradições espirituais, em particular a ocidental, oferecem às
sociedades um lastro moral para a ideia de liberdade, um obstáculo claro
para projetos de controle mundial.

Espiritualidade global da Nova Era

A nova religiosidade não apenas encontrou um nicho favorável na cultura de massas


espetacularizada da pós-modernidade, mas também demonstrou ser capaz de conjugar
polaridades tradicionalmente tidas como inconciliáveis: corpo-espírito; visibilidade-
invisibilidade; misticismo-ciência. Não seria surpreendente, em vista de tudo isso, descobrir
figurações desta religiosidade nascente em produtos da indústria cultural do
entretenimento. (Erick Felinto – A religião das máquinas: ensaios sobre o
imaginário da Cibercultura)

Não pretendo aventurar-me pelos labirintos do imaginário cultural


gerado no atual contexto de onipresença tecnológica, nem aprofundar a
relação disso com a espiritualidade pós-moderna. Importante, porém, é
notar a predominância de um tipo de entendimento técnico que tenta fugir
dos modelos da Ciência Moderna em busca de dinâmicas inovadoras neste
início de século XXI. Importante percebermos, igualmente, o aparecimento
de espiritualidades ligadas a uma imaginação tecnológica fruto da cultura
de massa. Do mesmo modo, o surgimento (ou ressurgimento) de pretensões
espirituais ligadas a movimentos anti-cristãos, anti-modernos, anti-
tradicionais, embora digam-se proponentes de um tipo de retorno.
Os símbolos sagrados desta nova espiritualidade são espirais,
círculos, ciclos cósmicos, sistemas irracionais, fluxos simultâneos e
incontroláveis, isto é, o caos. A espiritualidade do caos é a máxima da
chamada Nova Era, apesar de nutrir-se de uma busca essencial por
orientação, ordem e unidade. A unidade da Nova Era é obtida por meio do
caos, que por sua vez, é representado pela multiplicidade.
Fluxos de informação, dados de combinações infinitas representam
a busca por uma “unidade” estática baseada na lei da transformação
constante. O “nada se perde, tudo se transforma” é entendido somente pela
sua segunda parte. A primeira desaparece, é perdida. O paradigma
ecológico chega à espiritualidade trazendo o que tem de mais caótico,
simultânea e paradoxalmente ordenado. Mas quem gerou isso? Quem são as
mentes por trás dessa transformação psicológica e cognitiva a obstruir os
caminhos para a compreensão da realidade e ao mesmo tempo promete
clarear tudo em um segundo?
Em outubro de 2010, em Florianópolis, aconteceu o Seminário
Internacional de Tecnologia para a Mudança Social, promovido por diversas
organizações nacionais e regionais, entre elas o ICom (Instituto
Comunitário Grande Florianópolis), além de grandes empresas como o
Grupo RBS, Fundação Social Itaú, Fundação Maurício Sirotsky Sobrinho,
UN Volunteers, entre outras. Sob o slogan “Together is better”, o evento
propunha-se a “construir uma presença digital relevante e aproveitar os
meios tecnológicos disponíveis para propagar sua causa social”.

As organizações da sociedade civil devem utilizar as tecnologias


como um meio de mobilizar recursos, atrair e gerenciar voluntários
e prestar contas para todos os seus públicos. A internet é hoje o meio
mais rápido e efetivo de estabelecer relacionamentos e formar redes
sociais.

A causa social, neste caso, é o grande mote. A mensagem do


evento é um resultado da apropriação empresarial da proposta da mudança
social e promoção de uma nova cidadania com ênfase na utilização da
tecnologia para melhorar as relações sociais e, com isso, angariar mais
negócios dinamizando a economia. Este é um perfeito exemplo de ação
positiva de empresas, ONGs e instituições públicas, unidas para uma causa
aparentemente única e benéfica para todos. A mensagem principal da
campanha, dessa forma, aparenta não só uma proposta inofensiva mas algo
natural e de um elevado grau de boa intenção. É necessário, porém, que
analisemos profundamente as relações por trás de toda essa benevolência
apostolar.
Não há novidade alguma nesta retórica. Toda essa argumentação
está presente na maioria dos movimentos sociais influenciados pela
filosofia humanista e os seus descendentes, mais precisamente pelo novo
humanismo promovido por intelectuais e políticos globalistas como
Salvatore Puledda e Michail Gorbachev.
O destaque do seminário foi a presença de um palestrante
internacional, o professor Emmet D. Carson, presidente e fundador da
Sillicon Valley Community Foundation, considerado uma das principais
lideranças do terceiro setor (ongs) nos Estados Unidos. Carson é
responsável pela gestão de mais de 1500 fundos de investimento social de
empreendedores da área de tecnologia e de empresas como eBay, Google e
Sun Microsystems.
A Sillicon Valley Community tem publicado a lista das doações
que faz em seu Relatório Anual. Eis um dado revelador, descoberto pelo
jornalista americano Lee Penn: no ano de 2000, consta a doação de cerca de
US$1 milhão para uma organização chamada United Religions Initiative
(URI). A Sillicon Valley Community não é a única organização empresarial
que faz doações à URI. Descendo ainda mais os degraus do intrincado
mundo oculto das finanças e ongs, encontramos enfim, o fundo falso que há
no subterrâneo das relações institucionais vigentes, até nos depararmos com
o sinistro significado por trás das belas palavras ditas nas palestras do Sr.
Carson.
É possível que Emmett Carson nem desconfie, mas a organização
que ele preside faz anualmente doações milionárias para uma organização
com objetivos macabros e, como mostrarei a seguir, realmente satânicos.
Muitos dizem que a URI busca ter o status da ONU. Ora, mas ela é
parte dessa grande rede de ongs que formam a mais cara das ongs, nas
palavras de Heitor de Paola. As ideias difundidas pela URI vêm se
espalhando pelo mundo desde o século XIX, mas só na década de 1990 é
que surgiu como entidade jurídica. Desde então, a organização tem
arrecadado todos os anos somas milionárias por meio de 72 organizações
diretas e mais de 500 Círculos de Cooperação fixados em 167 países. No
livro False Dawn, ainda não publicado no Brasil, o jornalista Lee Penn
desmembra toda a teia de relações envolvendo essas grandes ONGs.
Essa organização gigantesca tem entre seus objetivos públicos o
relacionamento e a integração entre as várias religiões a fim de criar uma
“cultura de paz, justiça e igualdade para todos os seres vivos”. Entre as
ações propostas pelo grupo para chegar a esse objetivo, Lee Penn lista as
seguintes:

1. Limitar a evangelização cristã em nome da promoção


interreligiosa da paz;
2. Marginalizar os cristãos conservadores como intolerantes e
fundamentalistas;
3. Preparar o caminho para uma nova espiritualidade global que
possa acomodar formas mais domésticas das atuais religiões e
movimentos espirituais;
4. Promover uma nova “ética global” coletivista;
5. A ideia de que o principal objetivo da religião é a reforma social a
serviço de Deus;
6. A ideia de que todas as religiões e movimentos espirituais são
iguais, verdadeiros, e igualmente eficazes como caminho para a
comunhão com Deus;
7. Controle populacional – especialmente no Terceiro Mundo;
8. Elevar a respeitabilidade de cultos como ocultismo, bruxaria,
teosofia e outras formas discriminadas de religião.

A URI foi fundada pelo Bispo episcopal da Califórnia William


Swing, em 1995, e suas ideias têm atraído um número gigantesco de grupos
ativistas dos mais diversos. Por mais diversos que sejam, entretanto, têm
demonstrado uma impressionante capacidade de desarmar conflitos entre
eles em prol de objetivos comuns. Por isso, entre os tipos de grupos que
apoiam a URI estão:

Dalai Lama e religiosos apoiadores do regime chinês;


pró-gay e anti-gay seguidores da Revolução Chinesa;
muçulmanos radicais e feministas radicais;
fundações capitalistas e partidos comunistas;
Entidades de George Soros e George W. Bush.

Não é preciso dizer que grupos como estes dificilmente se


entendem em suas zonas de influência. Mas a URI tem uma estranha
capacidade para agregar acólitos dos mais díspares. Essa propensão à
“diversidade para a unidade” demonstrada pela URI, é fruto de uma
articulação e conciliação entre diferentes objetivos em comum. Trata-se de
um grupo que vê a multiplicidade de religiões como um fator de exclusão e
de divisão dos seres humanos. Para minimizar os efeitos nocivos da
separação entre as pessoas, a URI milita em uma causa que, em última
instância, promove uma religião internacional, uma fé única e universalista
a ser imposta para todo o Planeta.
A forma mais fácil de fazer isso, segundo a maioria dos religiosos
pertencentes a entidades ligadas a este grande grupo, seria mesclar os
conhecimentos adquiridos pelas várias religiões de modo a criar um
“conhecimento único”, uma “multi-fé” sem dogmas e planetária. Em
resumo, propiciar a união dos homens em uma cultura de paz independente
de denominações religiosas. A URI não prega somente um sincretismo
religioso tal como o Brasil conhece, por exemplo, entre catolicismo e
umbanda. Busca uma mudança muito mais profunda no entendimento sobre
o fenômeno religioso. Mostraremos como por diversos motivos a URI
trabalha para a extinção de todas as religiões atuais, mediante o
esvaziamento do seu conteúdo simbólico, descaracterização de dogmas e
desvinculação das almas aos seus lugares de origem, com a meta de criar
dentro do espírito humano uma necessidade vazia de fé, cuja forma mais
recorrente reside em uma crença relativista na universalidade e
multiplicidade do cosmos.
A origem, porém, deste pensamento, está longe de ter motivações
pacíficas e de união das religiões. Entre os principais teóricos orientadores e
fundadores de grupos pertencentes a URI estão ocultistas e satanistas como
Helena Blavatsky, Alice Bailey, Aleister Crowley, entre muitos outros. E
seus continuadores têm relacionamentos tão promíscuos com sociedades
secretas (ou meramente discretas) que aliam-se desde a poderosas
organizações capitalistas a perigosos grupos revolucionários e comunistas;
em todos os países do mundo, sua causa é compartilhada tanto entre
partidos de direita quanto de esquerda. Um claro exemplo dessa
multiplicidade unitária da URI e de seus tentáculos está na relação próxima
que têm com acionistas majoritários das Organizações Ford e ex-dirigentes
da KGB, políticos do partido republicano dos EUA e militantes socialistas
na América Latina. Essa teia de relações, como veremos, é um emaranhado
de convivências tenebrosas entre o pior do conhecimento que o homem já
produziu e a tentativa de perpetuação dos maiores erros da humanidade.
Importante sabermos que a United Religions Initiate foi fundada
oficialmente pelo bispo episcopal da Califórnia, William Swing, em 1995.
O projeto da organização já existia há cerca de cinco anos e seus primeiros
fundadores foram não mais do que 55 pessoas. O evento que deu origem à
URI ocorreu ainda no século XIX. O Primeiro Parlamento Mundial das
Religiões foi um encontro sediado na cidade de Chicago, em setembro de
1893. O evento marcou o início do diálogo entre as religiões de todo o
mundo e inaugurou uma agenda que teria continuidade pelos próximos
séculos. Cem anos depois, em 1993, o Parlamento reuniu-se novamente,
também na cidade de Chicago, quando já havia sido formado o Conselho do
Parlamento das Religiões. Em 1993, o evento contou com cerca de 8 mil
pessoas e tem sido organizado sem periodicidade certa, em diversas cidades
pelo mundo.
O principal objetivo desse parlamento foi a elaboração da
Declaração das Religiões para a Ética Global. Em uma introdução
explicativa à sua proposta para essa declaração, o teólogo ecumênico
holandês Hans Küng, autor do livro Projeto de Ética Mundial, escreveu em
1992:

Depois de duas guerras mundiais, do colapso do fascismo, nazismo,


comunismo e colonialismo, e do fim da guerra fria, a humanidade
entrou numa nova fase de sua história. Ela tem hoje suficientes
recursos econômicos, culturais e espirituais para instaurar uma
ordem mundial melhor. Mas novas tensões étnicas, nacionais, sociais
e religiosas ameaçam a construção pacífica de um mundo assim.
Nossa época experimentou um progresso tecnológico nunca antes
ocorrido, e, no entanto ainda somos confrontados pelo fato de que a
pobreza, a fome, a mortalidade infantil, o desemprego, a miséria e a
destruição da natureza, em âmbito mundial, não diminuíram, mas
aumentaram. Muitas pessoas estão ameaçadas pela ruína
econômica, desordem social, marginalização política e pelo colapso
nacional.
Em outro ponto, ele sustenta ainda:

Nosso planeta continua a ser impiedosamente pilhado. Um colapso


dos ecossistemas nos ameaça. Repetidamente, vemos líderes e
membros de religiões incitar a agressão, o fanatismo, o ódio e a
xenofobia – e até inspirar e legitimar conflitos violentos e
sangrentos. A religião é muitas vezes usada apenas para fins de
poder político, incluindo a guerra.

O Parlamento Mundial das Religiões, ou das Religiões do Mundo,


defendia, portanto, a co-existência entre as religiões e uma cultura de paz. A
proposta fundamentava-se em uma nova era de prosperidade e de avanços
científicos e tecnológicos, a qual seria incompatível com antigas visões de
mundo. As cosmovisões tradicionais foram vistas como nocivas e acusadas
de fomentarem a desunião na humanidade. A partir disso, as soluções para
os novos problemas civilizacionais deveriam ser, por sua vez, inovadoras.
Tais propostas trazem afirmações explicitamente bem
intencionadas e, em certa medida, acalentadoras para a humanidade. Mas a
verdadeira mensagem está implícita entre verbos e adjetivos, dilemas e
soluções. O parágrafo anterior poderia ter sido escrito de outra forma, sem
tantos agrados ao gênero humano. No jargão acadêmico e científico de
nosso tempo, a expressão “mudança de paradigma”, possivelmente tirada de
Thomas Kuhn, ganhou uma nova feição, esotérica, mística e existencial. Tal
expressão cabe na crença alegada pelos teóricos do Parlamento das
Religiões, para os quais um novo período se aproxima e as antigas soluções
não podem mais resolver os supostos novos impasses. Nem o mundo
empresarial ficou livre desse jargão que em toda parte ecoa, como um
mantra, nos corredores das corporações, órgãos públicos, terceiro setor etc.
Poucos se atêm à origem do termo “mudança de paradigmas”, ou
ainda, à origem da ideia que enceta. Muitos escritores admitem a gênese
desse processo no esoterismo de inspiração oriental, o qual tão rapidamente
assaltou o mundo cultural do Ocidente. O chamado Movimento Nova Era,
cujo conteúdo a URI se vale, constitui-se hoje de um emaranhado de seitas
e grupos esotéricos para os quais uma mudança astral daria início à Era de
Aquários. Esse novo período, segundo a profecia astrológica, irá trazer paz
e prosperidade à humanidade como nunca houve. A Nova Era, e todas as
suas subdivisões, é uma fusão de crenças e teorias metafísicas que mistura
influência oriental, teológica, crenças espiritualistas, animistas e
paracientíficas. Sua proposta é a criação de um modelo de consciência
moral e social, mediante orientações psicológicas, resultando no amálgama
entre Natureza, Cosmos e o Homem. Esse movimento partiu do impacto
provocado pelo livro A conspiração aquariana, de Marilyn Ferguson,
lançado em 1980[39].
Não é coincidência o fato de que muitos princípios dos
movimentos Nova Era tenham íntima concordância com as ideias propostas
pelo Parlamento das Religiões levando, por sua vez, à fundação da URI.
Ambos defendem uma nova ética global e universalista. Além de reunir as
principais religiões do mundo, o Parlamento, assim como o Conselho das
Religiões formado por ele, integrou, desde sua origem, teóricos fundadores
das principais seitas esotéricas e ocultistas do século XIX. Não podemos
esquecer que muitas dessas seitas orientam o Conselho das Religiões e a
URI, os quais objetivam a inversão das crenças cristãs, mediante a limitação
da sua liberdade e promovendo sincretismos em nome de uma cultura do
diálogo. Curioso o fato de os diálogos inter-religiosos privilegiarem a
liberdade de todos os tipos de crenças, exceto à religião cristã, com a qual
não há tolerância.
A URI não cessa de trabalhar para implantar a sua religião global.
Desde o início de suas atividades, tem arrecadado dinheiro e acólitos no
serviço que se propos. Já em fevereiro de 1996, o bispo William Swing
iniciou uma longa jornada ao redor do mundo, onde se encontrou com
lideranças religiosas que incluem a Madre Teresa de Calcutá, o Dalai Lama,
o arcebispo anglicano de Canterbury, o arcebispo Fittzgerald, o cardeal
Arinze do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso e o próprio
papa João Paulo II.

Vejamos então, o que mais diz a URI sobre si mesma:

Em junho de 1996, aconteceu a I Conferência Mundial da URI, com


55 pessoas. A partir daí, seu crescimento tem sido vertiginoso. Hoje,
está presente em mais de 167 países. Um mutirão de líderes
religiosos dos cinco continentes escreveu sua Carta Fundacional.
Em julho de 2000, a Carta da Iniciativa das Religiões Unidas foi
assinada, com peregrinações de caminhadas e celebrações da paz
entre as religiões, nas vilas, cidades e metrópoles em todo o mundo,
marcando o início oficial da URI. A Iniciativa das Religiões Unidas
é uma rede global dedicada à promoção permanente da cooperação
inter-religiosa.

Seu objetivo é colocar um fim à violência por motivos religiosos,


cultivar culturas de paz e cura para a Terra e todos os seres vivos. A cura da
terra traz em si todo o desafio da questão ecológica, da necessidade do uso
sustentável dos recursos do planeta, ameaçados pelo mau uso. Diz respeito,
também, às relações injustas entre países e povos e à distribuição desigual
das riquezas.
Sendo “uma iniciativa global por mudanças, a URI é um convite à
participação de todos, procurando trazer as religiões e as tradições
espirituais a uma mesa comum, a um encontro global permanente e
cotidiano, no qual, a partir das peculiaridades de cada um, seja possível
buscar a paz entre as religiões e trabalhar juntos pelo bem de toda a vida e
para a cura do mundo”.
Ela não quer se tornar uma espécie de nova religião mundial ou a
porta-voz única das religiões. Faz parte de seus princípios, estimular cada
pessoa a enraizar-se profundamente em sua própria identidade religiosa. O
seu fundador argumenta que, “da mesma forma que as Nações Unidas não
são uma nação, as Religiões Unidas não serão uma religião”.
Dela podem fazer parte todas as pessoas e grupos que aceitam o
Preâmbulo, o Propósito e os Princípios da Carta de Fundação, assinada no
Encontro Estadual de URI dia 01/06 2000, por meio um Círculo de
Cooperação (CC) que a partir do Preâmbulo, do Propósito e dos Princípios,
tem autonomia e responsabilidade de condução e escolha de atuação.
As condições de criação de um CC são, ao menos, reunir sete
membros, representando no mínimo três religiões, expressões espirituais ou
tradições indígenas. Como a URI é auto-organizativa, cada CC pode
escolher a forma de agir na sociedade e determinar o que quer fazer. Há
grupos que trabalham das mais variadas formas e na mais diversas
atividades: AIDS, mulheres, direitos humanos, meio-ambiente, justiça e
paz… tudo o que contribua para a segurança, a felicidade e o bem estar de
toda a vida.
Uma das organizações associadas à URI, no Brasil, é a ONG Viva
Rio, que entre outras coisas, atuou ativamente na Campanha pelo
Desarmamento, em 2006. Em seu site oficial, a ONG dispõe sobre sua
missão e seus objetivos:

Integrar a cidade partida através da cultura de paz, trabalhando


com a sociedade civil, o setor privado e o governo, com foco na
promoção do desenvolvimento social e na redução da violência
urbana.

O Viva Rio é uma organização não-governamental, com sede no Rio de


Janeiro, engajada no trabalho de campo, na pesquisa e na formulação de
políticas públicas com o objetivo de promover a cultura de paz e o
desenvolvimento social.
Fundado em dezembro de 1993, por representantes de vários
setores da sociedade civil, como resposta à crescente violência no Rio de
Janeiro, o Viva Rio desenvolveu e consolidou uma ampla gama de
atividades e estratégias bem sucedidas. Através de pesquisa, elaboração e
teste, as soluções propostas pelo Viva Rio são, inicialmente, realizadas em
pequena escala. Atingindo resultados positivos, essas ações podem ganhar
grandeza e se tornarem políticas públicas reproduzidas pelo Estado, pelo
mercado e por outras ONGs.
Apesar do trabalho do Viva Rio ter se iniciado em resposta a
problemas locais, com os quais permanece profundamente comprometido, a
natureza multifacetada da segurança o conduziu ao envolvimento
internacional. Assim, as soluções precisam ser simultaneamente globais e
locais.
Assim como diversas outras ONGs atuantes no Brasil e no mundo,
a Viva Rio possui uma série de parceiros internacionais que financiam
programas de assistência social em diversos países do mundo. Muitas
vezes, porém, estas organizações se envolvem ativamente em campanhas de
âmbito nacional como é o caso do Desarmamento, uma das principais
bandeiras da Viva Rio. A lista de parceiros da Viva Rio é dividida em dois
grupos: Parceiros nas Ações Comunitárias e Parceiros Institucionais. Dentre
os primeiros, como o próprio nome já diz, estão as organizações locais de
moradores etc.
Essas agendas ligadas à conscientização, cidadania e paz, estão
umbilicalmente firmadas como tentáculos de poucos e poderosos grupos. A
cooperação global que o ambientalismo enseja, como vemos, colabora em
muitas frentes, dentre elas as propostas de “espiritualidades seculares”,
como podemos chamar o pacifismo, o culto à participação popular como
um meio de elevação social.
Assim como as ONGs ligadas à ONU, grupos como a URI
possuem vínculos reais com entidades políticas e ideológicas – uma vez que
a Nova Era não passa de uma matriz agregadora de ideologias políticas
modernas. A influencia destas agendas vai além dos grupos e põe pessoas
como seus agentes. Pessoas como os jornalistas e profissionais da mídia.
Embora possamos focar muito mais no aspecto do cinema e do
entretenimento, é evidente a sincronia cognitiva e imaginativa dos jornalista
com estas mitologias. Quem não lembra das capas dos jornais que
anunciavam o fim dos tempos diante do Aquecimento Global? Capas do
Times, por exemplo, traziam verdadeiros anúncios que imitam os cartazes
do cinema, com a força de convencimento de que você não só vai ler uma
matéria espetacular como vai adentrar em um mundo fantástico. O
fantástico show da vida.

Libido dominandi

Aqueles que desejam liberar o homem da ordem moral precisam impor controles sociais tão
logo eles o consigam, porque a libido liberada conduz inevitavelmente à anarquia. No curso
de dois séculos, aquelas técnicas tornaram-se mais e mais refinadas, resultando num mundo
onde as pessoas fossem controladas, não por forças militares, mas pelo controle técnico de
suas paixões.

('Libido dominandi,sexual liberation and political control', de E. Michael Jones).

Um dos aspectos da vida social que sofre influência das mudanças


globais que acompanhamos é o do relacionamento entre os sexos. A
transformação tem sido tão profunda desde o início da Revolução Sexual,
que os gêneros comumente conhecidos já são desconstruídos sem o menor
constrangimento. O feminismo tornou a mulher algo para além da
competição pelo espaço do mercado de trabalho. Tornou-a um homem mal
acabado. Tornou-a um ser desumanizado que contraria todas as tendências
do ser do sexo feminino. A feminista, como diz Julián Marías, é alguém que
busca viver o que pensa, ao invés de pensar o que vive. Se em situações
normais o ser humano busca coincidir suas ideias à realidade, a feminista
tenta fazer caber em seu cotidiano as ideias que defende. Esta é a
característica revolucionária mais evidente.
Mas nas últimas décadas do século XX, graças aos relatórios
fraudulentos de um certo sr. Alfred Kinsey, mudou-se o entendimento do
que seja a sexualidade humana por parte de instituições do governo
americano e, devido ao lobby (ambientalistas chamariam advocacy) da
pornografia iniciado pelo crescimento de empreendimentos como a
Playboy, a indústria pornográfica ganhou status de entretenimento e cultura.
Era tudo uma questão de tempo para que a militância homossexual
ganhasse os palcos da esfera pública e, com isso, um lugar de destaque nas
páginas de jornais e no entretenimento. As marchas do orgulho gay buscam
mobilização por meio de espetáculos, mas também adesão e simpatia à
causa gay. Com a ajuda da grande mídia do entretenimento como novelas,
filmes e programas de TV, foram estabelecidas regras rígidas de opinião e
conduta. Contrariar alguém vinculado a estas militâncias se tornou um
crime contra os direitos humanos.
A militância LGBT hoje faz parte de um movimento internacional
que não pretende somente exigir suporte estatal para suas próprias práticas
ou desejos sexuais. Ela não age apenas no intuito de modificar ou expandir
o conceito de normalidade às fronteiras dos seus próprios vícios. Não é este
o objetivo. Ela pretende estender a toda a sociedade o desejo de lutar pela
garantia das demandas mais torpes e primitivas, visando legitimar a
instauração de rígidos controles estatais, tudo em nome dos "direitos
humanos" e até mesmo da moralidade, devidamente reconceituada
conforme a atuação de grupos de pressão como os gayzistas, feministas etc.
Enquanto o controle totalitário não é obtido, o desenvolvimento do processo
permite que se vá controlando as condutas mediante ideias e promessas de
realização, o que Santo Agostinho chamou de libido dominandi.
Michael Jones, na obra Libido Dominandi: Sexual Liberation and
Political Control, usa do termo agostiniano para afirmar que a liberdade
humana não depende da natureza ou das leis, mas é uma função do estado
de moralidade em que ele vive. O autor lembra do conhecido Marques de
Sade, que já em princípios do século XVIII, dera início à frutuosa parceria
entre revolução sexual e política, abrindo as portas do inferno para a
Revolução Francesa, iniciando o processo que culminou em nossos dias.
Depois dele, muitos intelectuais propagaram essa ideia por verem nela o
potencial que lhes propiciaria o futuro controle social desejado.
A luta sexual gayzista é somente um meio útil aos objetivos
revolucionários. Não há diferença, para eles, se pelo poder é preciso
defender os direitos dos gays ou fuzilá-los em praça pública, como fizeram
e fazem as ditaduras revolucionárias. Os cristãos que hoje são atacados pela
militância gayzista e vistos como inimigos do povo, serão os únicos que
continuarão a defender a vida quando a ira do Grande Irmão voltar-se
contra gays, feministas e todos os idiotas úteis que trabalham sem saber
pela sua própria aniquilação[40].
Analisando os tópicos reivindicados pela militância LGBT, o
jornalista norte-americano Peter Heck chamou a atenção para o fato da luta
pela instituição das uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, não ter por
objetivo criar uma nova definição para o casamento. Para isso, deveria
haver uma definição alternativa sendo defendida. Ao contrário, segundo ele,
o que se está querendo é antes uma “indefinição” do casamento. Outra
forma de dizer destruição. “Uma tentativa para obliterar qualquer parâmetro
fundamental para o que é percebido como comportamento sexual moral e
imoral”, diz Heck. Para quem acompanhou o desenvolvimento desse
assunto na grande mídia e na cultura pop, nas últimas duas décadas, esse
esforço não parece ser novidade.
Há um processo de injeção de assuntos no público que gera uma
indução de condutas. Estas condutas, por sua vez, vão funcionar como
motores de justificação daqueles temas. É possível explicar parte
importante deste processo cognitivo por meio da teoria de Festinger
(Dissonância Cognitiva) e também de McCombs (Agendamento).
Na Dissonância, como o leitor deve lembrar, o desconforto causado
pelas contradições internas entre a prática e os conhecimentos induzem a
um rearranjo cognitivo que pode se dirigir à mudança de comportamento ou
justificação racional do mesmo. O potencial de uso dessa teoria para a
determinação de comportamentos sociais, utilizada em conjunto a outras
técnicas como a do agendamento, favorece imensamente a difusão de ideias
justificadoras que viabilizam o poder sobre o funcionamento da mente
humana.
A dissonância coloca as duas opções ao indivíduo: ou modifica a
prática adequando-a à cognição que tem da coisa ou modifica a cognição
para justificar a ação. Para que isso funcione de forma espontânea e em
favor das mudanças desejadas pelos engenheiros sociais, porém, é preciso
gerar um contexto em que o desejo de redução da dissonância se torne uma
condição psicológica para a convivência social, da qual o cidadão dependa
em alto grau. É fácil perceber que para elevar o nível de desejo subjetivo de
modo a torná-lo necessário à realização pessoal, inicialmente é preciso
associá-lo a valores já existentes na sociedade. Vamos falar de dois valores
essenciais na democracia que pressupõem garantias do estado como
condições democráticas: os direitos e as opiniões. Comecemos pelos
direitos.
A regulamentação jurídica do casamento, por exemplo, não surgiu
na sociedade como atendimento a uma necessidade subjetiva das duas
partes ou direitos civis, mas como solução à condição objetiva do problema
da partilha de bens diante da descendência. A lei civil do casamento existe
em função da potencial geração de filhos, o que fez com que se buscasse
instituir civilmente os costumes familiares que já existiam. O feminismo foi
a primeira luta política que condicionou a conquista de direitos civis às
modificações nos fundamentos da moralidade vigente. Por meio da
revolução cultural e sexual do século XX, a progressiva conquista de
direitos civis objetivos na modernidade, como os direitos trabalhistas, foi
associada às lutas de caráter subjetivo como o feminismo. À medida que as
subjetividades ganhavam atenção de acadêmicos das ciências sociais, eram
paralelamente elevados a um patamar de direitos políticos, culminando com
a revolução sexual das décadas de 1960-70. Abriu-se o precedente para a
mais inconsequente subjetivação dos direitos políticos.
Edward Bernays, o mágico da propaganda, deu novo impulso à
sociedade americana, nas décadas de 1930-40, ao motivar o consumo, que
antes restringia-se ao campo da necessidade material, ao desejo subjetivo
mediante estímulos e associações simbólicas e subliminares. A ascensão da
sociedade de consumo soube vazar as suas demandas individuais também
para a luta política. Hoje é comum que jovens ansiosos busquem uma
ideologia política usando a lógica do consumo, já impressa neles, como
quem procura um produto no supermercado.
Outro valor essencial e propício a este tipo de associação no
mundo moderno são as opiniões e estas podem ser facilmente associadas a
direitos. Ora, as opiniões são quase obrigatórias na sociedade democrática
moderna e gozam, por assim dizer, de uma posição de verdadeiras virtudes.
O indivíduo que não tem uma opinião formada sobre cada um dos temas
presentes no debate público é um despolitizado e, consequentemente, não é
cidadão. Ao menos é assim para as classes letradas, das quais brota a
chamada "Opinião Pública" como um ente supremo e controlador.
O uso da teoria do agendamento como técnica de formação da
opinião pública foi percebido não só na prática jornalística, orientada pelos
donos da mídia, como já observamos, mas por pesquisas acadêmicas que
buscam influenciar o processo pelo agendamento visando admitidamente a
modificação ou ampliação de debates que gerem necessidades de mudança
social. Antes, a opinião só era associada a desejos subjetivos em caso de
mal uso, de imoralidade ou deficiência de caráter. Aos poucos, porém, o
fator subjetivo foi sendo tratado como uma condição inevitável na formação
da opinião e, mais tarde, desejável. Mas como essa associação se
transforma em automatismo na mente contemporânea? A resposta está no
controle do fluxo de informações e, consequentemente, das emoções
humanas por meio da contrariedade. Expliquemos:
Um dos pesquisadores das opiniões da massa, o francês e mentor
globalista Gabriel Tarde, dizia que a opinião só existe quando há
contrariedade. Isso quer dizer que não há opinião sobre temas que não são
motivo de oposição, o que Festinger chama de “relações irrelevantes”. A
teoria do Agenda-Setting – abordada como técnica – também ajuda a
explicar este fenômeno quando afirma que uma qualidade atribuída a um
elemento ou tema só pode existir quando o assunto se torna debatível, ou
seja, é elevado à pauta pública, tornado relevante. Bernard Cohen havia dito
que a mídia não tem grande capacidade de definir como as pessoas pensam,
mas pode com certeza influenciar o que vão pensar, certo? O que Cohen
não disse é que, depois de definir “o que” pensar, fica fácil atribuir-lhe
qualidades desejadas. Para falar bem ou mal de alguém, isto é, atribuir
valor, é preciso primeiro tornar conhecida a sua existência real, ressaltar o
objeto.
Para tornar um tema relevante, justamente por isso, vale tudo. O
homossexualismo se tornou assunto público quando das campanhas contra a
pederastia, nos EUA, nas décadas de 1940, que alertavam para o perigo
destes “elementos desordenados” da sociedade. Para fugir do arquétipo
criminoso, intelectuais trabalharam para transformar o homossexualismo
em doença diagnosticável e, portanto, livrá-los da condenação pública. Uma
vez chamados de doentes, coube aos intelectuais relativizarem a loucura e a
doença, elevando aspectos doentios da própria sociedade. Foi então que
Alfred Kinsey ficou famoso por seus relatórios que traziam dados (hoje
sabidamente falsos) sobre a imoralidade sexual na sociedade americana.
Kinsey foi um dos pioneiros da campanha pelos direitos gays nos EUA e
ainda hoje é tido como mestre inspirador do movimento internacional,
embora tenha sido condenado por crimes de pedofilia. O homossexual se
tornaria, então, uma vítima da sociedade preconceituosa. Com a luta pela
“união homoafetiva”, o que no passado foi considerado doença
transfigurou-se em direito civil ao ponto de haverem leis que criminalizem
a mera opinião contrária.
A pedofilia não poderia trilhar outro caminho. Entrou em debate
público como um problema, uma chaga social a ser resolvida. A criança era
a grande vítima do abuso. Iniciaram-se campanhas contra a pedofilia,
instigando o povo a denunciar. Em virtude do aumento quantitativo de
denúncias, os casos tornam-se conhecidos e a sociedade habitua-se com o
crime. Hoje, há quem defenda a pedofilia como doença e acuse haver
discriminações. A primeira consequência da pedofilia ser considerada uma
doença é a de migrar da competência policial para a médica. Com isso,
formam-se associações de pedófilos no mundo todo exigindo, por exemplo,
direitos sexuais para crianças e a diminuição da idade de consentimento
para o ato sexual.
Ora, Gabriel Tarde falava da contrariedade como condição à
existência de opinião, não é mesmo? Pois bem, observando a história desses
movimentos e das teorias que dominam o campo da comunicação,
concluímos ser bem conhecido por engenheiros sociais o fato de que
quando se diz “não à pedofilia”, o “sim” surge como possibilidade lógica
(dialética) e ganha os campos da imaginação. Se há opiniões contrárias à
pedofilia, por que não haver as favoráveis? Desta forma, podemos dizer
sem medo de errar que o “legalize já” jamais teria existido sem as décadas
de “diga não às drogas”. Isso não quer dizer, no entanto, que as campanhas
iniciais tenham sido feitas com este objetivo.
A normalização de uma prática ou fato é essencial para a sua
institucionalização, assim como o casamento historicamente existente e
praticado há séculos, acabou tendo como resultado o seu reconhecimento
civil na sociedade. A pauta da união civil gay é uma tentativa de imitar essa
condição, a condição de prática existente a ser garantida civilmente.
Do mesmo modo, uma das principais justificativas para a
legalização do aborto são os números de abortos. Então, inflaciona-se,
alardeia-se. Celebridades assumem a homossexualidade para simular à
opinião pública tratar-se de uma realidade gritante a ser reconhecida.
Embora seja uma realidade, não há dados que apontem grande incidência de
parceiros reivindicando uniões civis. A exposição midiática de casos
isolados é utilizada para dar essa impressão. Como no caso da cantora
Cássia Eller, falecida em 2001, no qual houve grande repercussão quanto à
discussão da guarda de seu filho de nove anos. O caso gerou debate público
sobre questões de direito de família envolvendo duplas homossexuais. Os
direitos baseados em práticas sexuais alternativas pautam-se pelo desejo
ilimitado, cuja imaginação não parece encontrar limites. Diante de
conquistas como estas, os proponentes sentem-se mais aceitos na sociedade
que os oprimia. Entortar o mundo parece ser a melhor maneira de se parecer
direito.
Assim, uniões civis gays, pedofilia, drogas, aborto, uniões
poliafetivas e o que mais a imaginação mandar, são facilmente
institucionalizados enquanto os direitos e opiniões estiverem balizados
pelos desejos. Porque os desejos existem no campo da imaginação e, sem
moral, não há limites para o que se pode imaginar e desejar. Viveremos para
ver o surgimento de instituições que garantam direitos a canibais,
comedores de fezes, lunáticos de todo o tipo?
Mas quanto pior for o caos sexual e moral a que a sociedade seja
submetida, mais imoral será a reação, a solução final desejada pelos
verdadeiros financiadores das perversões sexuais que virão, poderosos e
triunfantes, deitar sobre o povo a solução totalitária e controladora do
governo mundial ao qual as grandes massas clamarão, com suas opiniões
devidamente modeladas conforme o gosto dos gestores dos fluxos de
informação.

Aborto e a formação de opiniões


Margaret Sanger foi uma personalidade decisiva para a conquista
feminista do direito ao aborto na metade do século XX. Sua história se
confunde com a evolução do movimento feminista pelo controle da
natalidade. Seu nome, no entanto, é solenemente omitido de relatórios e
fundamentações que se destinam a um público maior. Não é preciso dizer
muito sobre ela para entender esta omissão, basta expor um trecho de seu
principal livro The Pivit of Civilization (1919):

[os habitantes dos bairros pobres] que, devido a sua natureza


animal, reproduzem-se como coelhos e logo poderiam ultrapassar os
limites de seus bairros ou de seus territórios, e contaminar então os
melhores elementos da sociedade com doenças e genes inferiores.

Ela resume, mais adiante, em um artigo na sua revista, Birth


Control Review, do mesmo ano:

...Mais nascimentos entre as pessoas aptas e menos entre as não aptas, esse
é o principal objetivo do controle da natalidade.

A banalização da vida, através do que podemos chamar Cultura da


Morte, começou no século passado, a partir de 1917, com a Revolução
Russa e mais tarde com o nazismo. Na URSS, o aborto sem restrições foi
legalizado em 1920. Era permitido matar crianças até mesmo faltando
poucos instantes para o nascimento. Uma das responsáveis por esta
formidável conquista humanitária foi Margaret Sanger, que junto a grupos
feministas da época, advogou pela causa do aborto nas Nações Unidas.
Com a ajuda de fundações internacionais, o aborto passou a fazer parte do
programa oficial da ONU.
Quando o Conselho Federal de Medicina do Brasil revelou a sua
simpatia pela causa do aborto, o órgão deixou claro que não estaria disposto
a reconhecer a liberdade de consciência aos seus membros como a que
tiveram os médicos uruguaios um ano antes ao se posicionarem contrários à
lei que descriminalizava o aborto no país. O que foi um inconveniente para
os abortistas do Uruguai, portanto, não o seria mais para o governo
brasileiro. Este fato provocou um retorno da temática do aborto aos
holofotes midiáticos o que oportunizou a continuidade dessa campanha e
nos dá a oportunidade de exemplificar o modo como o uso da informação
vai viabilizando agendas internacionais pelo mundo a fora.
De modo geral, o aborto não é uma questão oriunda de demanda
popular ou solicitação lógica de algum problema real, como podemos
verificar pelo simples conhecimento dos dados estatísticos divulgados pelos
grupos pró-vida. Vejamos rapidamente:
A ONU chamou a atenção do Brasil para as 200 mil mortes de
mulheres por causa de abortos inseguros. Recorrendo aos dados
verdadeiros, porém, temos no ano de 2010 os óbitos de mulheres em idade
fértil – por todas as causas – somando 66.323. Destes, os casos resultantes
de complicações na gravidez, parto ou aborto espontâneo, chegam a um
total de 1.162 mortes. Restringindo-nos apenas a interrupções voluntárias
da gravidez, temos 83 mortes. Daí, para as 200 mil mortes alegadas pela
ONU há uma distância impressionante[41].
Há muito mais informações que demonstram a falaciosa campanha
pela legalização do aborto no mundo, mas voltemos ao aspecto estrutural do
fluxo de sugestões. Se é necessário controlar este fluxo é porque parece ser
igualmente necessário implementar determinadas ações de modificação
social e política de interesse de quem está no centro ou acima do centro
decisório desse processo. E a natureza destas ações não pode, obviamente,
ser de conhecimento geral, pois resultariam pouco ou nada persuasivas, ao
menos no presente momento. Ora, qual seria a reação da população se os
defensores de políticas abortistas declarassem abertamente seus objetivos
eugenistas e de controle populacional? No início, suas causas eram abertas,
mas circunstâncias históricas acabaram impedindo a manifestação pública
de seus objetivos, porque após o nazismo, a palavra eugenia se tornou um
palavrão. Mesmo assim, os objetivos não mudaram. Toda ideia de
planificação social, como é o caso da eugenia, passa pela crença de que os
intelectuais sabem guiar melhor o destino das massas.
Portanto, se a proposta do aborto não se justifica pelas
necessidades alegadas, só pode estar a serviço de objetivos colocados para
além do alcance da esfera pública, apoiados por concepções não debatidas e
tampouco expostas ao questionamento. Ou seja, o aborto é uma pauta, mas
as crenças políticas com real peso para os seus propagandistas nunca
recebem atenção pela mídia. Aqui é necessário impor uma distinção entre
as duas fases do processo de Agendamento: a diferença entre existência ou
não do problema no imaginário e os atributos ou valor associados a ele, as
opiniões a respeito. Por enquanto, estamos falando apenas do primeiro
aspecto, isto é, o que é ou não é assunto.
As motivações da engenharia social nem sempre estiveram
amparadas por dados estatísticos, mas sim por concepções filosóficas que
não podem ser debatidas abertamente, pois acarretariam rejeições populares
que poderiam condenar a campanha e atrasar a sua realização. Trata-se da
diferença entre objetivo nominal, tema de debate público, e objetivo real,
aquele que fica longe da discussão. É a imagem mental gerada sobre o tema
contra o problema empírico, real.
Portanto, sendo falsos os problemas apontados pelos advogados da
causa – isto é, a necessidade lógica segundo a qual o aborto é solução para
as mortes de mulheres causadas pelo aborto, o que resultaria numa lógica
circular – seria igualmente falsa a demanda pelo assunto do qual depende a
própria classificação da prática como direito. A consideração de tratar-se de
um direito é tão somente uma artimanha retórica e só pode existir após o
tema ser colocado em debate, ser alçado à posição de assunto. Um falso
problema é facilmente manipulável, uma vez que a sua existência mesma já
é uma ficção. Só então é possível atribuí-lo uma classificação valorativa
ligada a interesses sociais. Por exemplo, a de um direito a ser garantido.
Sabemos que não pode haver atributo sem um objeto, logo, há a
necessidade de um objeto, assunto ou suposto fato, para lhe aplicar o
atributo ou qualidade desejados. Veremos mais detalhadamente adiante.
Enquanto não há o clima de contrariedade, o que Gabriel Tarde
propõe como condição da opinião, há somente uma “vigência”, como diria
Julián Marías, uma crença comum que não precisa ser discutida. As
necessidades de discussão normalmente são de ordem muito prática. O que
é tabu em uma sociedade pode não ser em outra, mas o fundo moral que
fundamenta essa posição de tabu é o mesmo: a existência de um problema e
as restrições sociais à sua discussão. O pressuposto de romper-se o tabu,
isto é, elevar um tema obscuro, mas real, à condição de discutível
socialmente, reside na crença da solução pela discussão pública. Contudo,
essa solução não pode servir para todos os objetos, variando conforme a
natureza de cada um. O falso problema obviamente gera uma falsa
necessidade de resolução e, portanto, uma discussão artificial. Mas não
menos retoricamente convincente.
Assim, gera-se uma impressão coletiva, mais ou menos
inconsciente: quando algo se torna assunto foi devido a um clima de
contrariedade presente. Isso ocorre quase automaticamente. Surge o assunto
e as pessoas sentem-se forçadas a defender ou atacar, muito embora não
haja em um objeto qualquer proposta. Não é necessária. Espalhe a notícia
de que um homem de um bairro afastado está se alimentando de fezes
humanas e logo o debate se instala e se organiza em prós e contras. Afinal,
a formação de opinião sobre assuntos é necessidade da vida democrática e
ninguém quer estar de fora, sem exercer os seus direitos de cidadão, dos
quais depende a prática decisória tida como vital. Além disso, nossa
racionalidade é essencialmente dialética.
Se a sociedade em geral tem essa noção já naturalizada – a de que
quando há assunto há contrariedade implícita e há que se formar uma
opinião – é possível iniciar um debate sobre um tema sem a presença de
contrariedade alguma. Rapidamente, induzirá à formação de opiniões
disputantes mesmo na mente de quem nunca havia pensado no assunto.
Quanto menos informado ou familiarizado o indivíduo estiver com o
assunto, mais suscetível estará para seguir a visão carregada de maior
verossimilhança ou mais persuasiva.
Para Noelle-Neumann, na sua teoria da Espiral do Silêncio, a busca
por adequar-se ao chamado clima de opinião, faz o público especialmente
sensível à opinião da maioria. Anterior ao clima de opinião, no entanto, há
o clima de contrariedade. Quem tiver o controle dessas condições, ou da
simulação delas, terá o poder de fazer com que se formem opiniões sobre os
assuntos mais absurdos, dos quais ninguém antes havia se dado conta ou
pensado a respeito.
As justificativas para o início do debate sobre o aborto, portanto,
pouco importam. Se elas começaram como propostas eugênicas, controle
populacional ou saúde pública (incrivelmente a mesma justificativa da
histórica da eugenia), o que importa é que o aborto se tornou um assunto e
com isso pode ser preenchido periodicamente com justificativas e
argumentos quaisquer.
Até mesmo as opiniões contrárias à legalização do aborto
funcionam a favor da causa. Isso porque toda reivindicação ou opinião
possui um lastro de crença, um pressuposto fundamental, mesmo que
secretamente. Ele está sempre presente, pronto para assaltar os desavisados
e surpreender os ingênuos e idiotas úteis. Funcionam como um “Cavalo de
Tróia” dentro da argumentação e pode facilmente ser usado. A defesa da
vida humana, por exemplo, contra o aborto, apela para o “direito à vida”
sem se dar conta de que este apelo, na verdade, leva consigo o pressuposto,
segundo o qual, a vida humana é uma concessão do Estado. Portanto, a vida
depende da aceitação pública para ser um direito, em uma sociedade em que
tanto direitos dos cidadãos quanto deveres do estado têm sido cada vez mais
relativizados. Basta que os apoiantes do aborto apropriem-se do estado e
relativizem estes direitos para que este seja sumariamente revogado. Afinal,
todos os direitos são acertos convencionais construídos sob uma base moral
e uma suposta percepção ética. Modificados esses padrões, tudo pode ser
mudado. E como a mudança na linguagem é tática usual das agendas
revolucionárias globais, parece sempre arriscado apegar-se a argumentações
racionais que necessitariam de boa fé para aceitá-los.
O único meio, portanto, de atacar estes avanços é a denúncia
frequente dos pressupostos macabros que estão por trás destes planos. E o
leitor pode apostar que há informações suficientes para concluirmos que o
atual plano de governo global se trata de uma artimanha verdadeiramente
diabólica.

A produção de signos na propaganda

É preciso insistir na distinção entre objeto e atributo, termos que


resumem etapas do processo de significação pertencentes à estrutura da
teoria do Agendamento e que, se bem conhecidos e delimitados,
possibilitam o seu uso não só para a compreensão do processo mas para a
construção de estratégias de longo prazo para re-significações que vão
servir como meio de transformação social. Este foi o sentido tomado pelos
engenheiros sociais para implementar as suas mudanças. Na verdade, essa
estrutura nada mais é do que uma parte da própria realidade, isto é, como
ela se apresenta diante de nós por meio da linguagem.
Se você quer difamar alguém para uma plateia, antes de tudo é
necessário que a plateia tenha conhecimento da existência de quem você
deseja difamar. Para isso, é preciso assumir inicialmente um tom descritivo
da pessoa, algo transitório, para depois dirigir sobre ela os adjetivos devidos
à difamação. É claro que essa descrição só se resume ao tom, porque ela já
pode ser, em si, difamatória, enquanto enfatize aspectos negativos, mas é
mais importante torná-la uma pauta do público do que denegri-la de
antemão, pois sem a notícia dela não há o que associar às qualidades
desejadas e tornaria a coisa inverossímil, por conseguinte sem efeito. É
preciso antes dar as condições e torná-la verossímil e difamável. Como
vimos, uma pessoa ou uma ideia, precisa ser assunto para aplicar-se o
atributo ou proposta reservado a ela. O mesmo processo se aplica a
qualquer campanha política, seja de difamação ou de ascensão de pessoas
ou ideias ao patamar de consenso.
Todos nós conhecemos bem o funcionamento da mentira nas
relações interpessoais e na vida pública. Mas a coisa se torna bastante
complexa quando falamos de um método eficazmente aplicado para a
mentira em grande escala, voluntária e involuntariamente, das técnicas
sociais usadas pela mídia em nossos dias.
Como já mencionamos, há o objeto real, empírico e verificável,
externo à mente humana; outra coisa bem diversa é a imagem que geramos
do objeto ao descrevê-lo, o que Sto. Agostinho chamava de “nome” e
Pierce chamou significante ou signo.
Lembremos, novamente, de Lippmann: “A forma como o mundo é
imaginado determina num momento particular o que os homens farão. Não
determinará o que alcançarão. Este fato determina seus esforços, seus
sentimentos, suas esperanças, não suas realizações e resultados. Exatamente
os homens que proclamam mais intensamente seu materialismo e seu
desdém por ideologias, os comunistas marxistas, colocam sua inteira
esperança em quê? Na formação pela propaganda de uma consciência
grupal de classe”.
Propaganda é exatamente isso. É o esforço de alteração da imagem
que as pessoas têm do mundo para assim determinar suas ações em relação
ao mundo real. A ação esperada pela propaganda não é uma ação no mundo
ideal criado por elas, mas no mundo real. É preciso, então, manipular os
signos das coisas reais. Afinal é isso que Lippmann chama de pseudo-
ambientes.
Mas quais são as condições para que isso seja feito, para que se
tenha sucesso em gerar um pseudo-ambiente capaz de determinar a ação
humana para aquilo que se pretende? Ora, parece necessário que o signo
tenha credibilidade perante o público alvo. Para que as pessoas confiem no
signo, quase como se ele fosse a própria coisa representada, é preciso que
haja uma real ou virtual distância entre as pessoas e o objeto. A necessidade
que fundamenta o papel dos meios de comunicação, segundo Lippmann, é
essa distância que estamos dos fatos. Manter essa distância é essencial para
se garantir exclusividade na criação do pseudo-ambiente.
Nas palavras dele:

Sem alguma forma de censura, propaganda no sentido estrito da


palavra é impossível. Para conduzir a propaganda deve haver
alguma barreira entre o público e o evento. Acesso ao ambiente real
precisa ser limitado, antes que alguém crie um pseudo-ambiente que
imagine ser mais adequado ou desejável. Por certo tempo as pessoas
que têm acesso direto podem interpretá-lo mal, a menos que se possa
decidir onde eles podem olhar, e o quê.

Lippmann chama a atenção para a mais clássica e corriqueira


forma de censura que nos separa dos fatos: quase ninguém busca rastrear ou
perguntar-se como obteve os fatos nos quais se baseiam sua opinião. A
dificuldade deste processo, isto é, de investigar a origem por meio de uma
análise minuciosa de todos os canais de comunicação pelos quais passaram
aquelas informações, torna essa tarefa de certo modo impossível e por isso
indesejável. A recordação sobre o que separa a sua opinião dos fatos em
que ela se baseia é, em si mesma, uma “proteção” e uma barreira natural.
No processo da formação das opiniões, outro valor essencial para o
sucesso da campanha é a credibilidade do veículo ou canal de comunicação.
Isto é claro, quando esse canal é de fácil distinção na multiplicidade de
circulação de ideias. A credibilidade é base para a autoridade e é aí que se
garante a relação de dependência entre sociedade e meios para a obtenção
de informação.
Fiquemos no exemplo do aborto como objeto. Estando assegurada
a distância necessária entre o objeto e o público, isto é, a baixa
possibilidade das pessoas terem acesso às reais informações ou experiências
sobre o assunto, é possível construir uma imagem conveniente do objeto
para colocá-lo na pauta e este processo deve ser feito repetidas vezes até
que a abordagem usada gere também um automatismo cognitivo no
julgamento do assunto.
É sabido que a descriminalização total do aborto é um dos itens da
agenda dos atuais governos mundiais, em obediência à agenda global nas
Nações Unidas. Então temos um tema que pode ser fragmentado em dois
aspectos, respectivamente, um descritivo e outro propositivo:
1) o aborto com suas características reais, positivas ou negativas (objeto);
2) a sua descriminalização (atributo desejável).

Para cada um desses dois há uma esfera da sociedade que deve se


encarregar para a melhor colocação do assunto na pauta pública. No
primeiro, à mídia jornalística cabe divulgar informações sobre o tema no
primeiro aspecto, em princípio. Para o segundo aspecto, existem as
instituições públicas ou privadas e o governo que vão fazer campanhas
publicitárias ou mesmo implementar leis. Contudo, é comum que estes
papéis se interpenetrem conforme o estágio evolutivo do entendimento do
tema. Como ensina o método revolucionário e dialético, muitas vezes estas
etapas são postas em prática simultaneamente de modo que os efeitos de
uma e de outra apoiam-se no progresso da campanha de “conscientização”.
Por isso, há sempre mais de um processo em andamento e eles nunca
apostam todas as fichas em uma única via de ação. É fácil perceber isso
quando vemos que simultâneo aos processos informativos e meramente
objetivos, a crítica social está sempre presente.
Se há dificuldades culturais muito grandes, como predominância
de elementos religiosos que impeçam a aceitação da ideia na população,
caberá, também, a entidades reivindicatórias um caráter mais informativo e
a outras, mais militantes, dependendo do público a que cada instância se
destina. A esfera informativa é básica, ou seja, suporte da etapa formativa e
transformadora.
A credibilidade da imprensa é um bem muito caro a um sistema de
engenharia social. Para assegurar essa legitimidade, ela deve permanecer
quase sempre na defensiva, isto é, na função informativa, deixando às
outras esferas da sociedade o papel referente ao aspecto propositivo ou às
campanhas propriamente ditas.

Em 2007, quando da visita do Papa Bento XVI ao Brasil, o jornal


Diário Catarinense, do Grupo RBS, publicou em seu editorial uma reflexão
bastante cuidadosa sobre as funções do estado e o relacionamento com a
Igreja Católica que, como um estado, merecia todo o respeito etc. O texto,
provavelmente compartilhado do jornal Zero Hora, o qual faz parte do
mesmo grupo, fazia menção ao estado laico, expressão pouco falada na
época – a não ser em círculos acadêmicos e militâncias de esquerda. O
editorial dizia que o estado brasileiro, embora laico, devia imenso respeito à
Igreja Católica por representar a tradição em que o país fora construído.
Dois dias depois, uma notícia sobre o encontro entre o presidente Lula e o
Papa levava no título a frase do presidente: “O Brasil é um estado laico”.
Coincidência ou não, o editorial daquela mesma edição titulava já no estilo
de um protesto: “Por um estado laico”.
Este exemplo, que descobri enquanto pesquisava jornais daquele
ano para o mestrado em jornalismo, demonstra uma importante condição
para que as campanhas, sejam quais forem, ganhem força persuasiva nas
notícias. Quando o presidente declarou um desejo que já existia entre
militantes de esquerda (entre eles tantos jornalistas!), de imediato, os
editorialistas dos grandes jornais sentiram-se à vontade para externar seus
desejos antes silenciados. A notícia da frase de Lula teve aspecto
meramente informativo. Mas só depois disso é que foi possível utilizar a
própria voz da imprensa para uma opinião a partir da categoria ou do signo
criado na instância informativa. Embora a escolha da frase como título já
sinalize a opinião do jornal, isso só foi possível por meio de um discurso
noticioso, isto é, informativo. Antes de aparecer nas notícias, dessa forma,
as opiniões dos donos do jornal permaneceriam ocultas ou obscuras sob o
tecido discursivo meramente noticioso.
Os jornais atuam, como vimos, reservadamente. Apesar dos seus
editoriais às vezes avançarem o sinal, é comum que em grandes jornais eles
se mantenham alinhados às opiniões públicas mais comuns para dar a
impressão de apenas refletirem a realidade social sem o intuito de
determiná-la. O impulso de determinar a vontade popular, contudo, aparece
justamente na passagem do aspecto informativo para o persuasivo – ou o
que alguns chamam pedagógico e político.
Estes dois aspectos do tema são chamados, na teoria do
agendamento, de agendamento de objeto e agendamento de atributos. Os
aspectos como falamos até aqui, seguem-se, mas quando apresentam
exceções a essa regra, é o momento no qual se tornam verdadeiramente
ativos em mudanças de paradigmas.
É como uma cobra que pega impulso para dar o bote. Quanto
maior o impulso, maior o bote. O jornalismo precisa de seu funcionamento
normal imparcial para ganhar em credibilidade, nem que seja uma
imparcialidade simulada, como ocorre. É quando rompe essa tradição, ao
noticiar algo de forma gratuita e parcial, que este assunto se torna uma
pauta social e ganha capacidade de ser amplamente debatido pela sociedade
ao gerar contrariedade. Até mesmo o debate sobre a péssima atuação da
mídia num determinado assunto pode resultar em sucesso da campanha,
pois isso vai dar oportunidade de algum segmento (por meio da própria
mídia na figura do ombudsman) sugerir formas mais convenientes de se
abordar os assuntos. Assim, com a ajuda dos jornais, TVs, internet, levanta-
se um assunto polêmico. Quanto mais for possível a integração coordenada
com outros elementos da comunicação pública aliados ao jornalismo, como
a propaganda, institutos de pesquisa, meio acadêmico, governos etc, é
possível alcançar as pautas legislativas e jurídicas que definirão o
entendimento oficial sobre o tema.
Nas sociedades em que há, como dissemos, obstáculos culturais ou
religiosos muito grandes, o aborto (ou outra causa semelhante) pode ser
enquadrado, a princípio, como uma chaga social, um mal a ser arrancado da
sociedade. Neste caso, parece ser útil uma verdadeira campanha de
demonização daquilo que se quer futuramente aprovar, como aconteceu no
caso das drogas, hoje em vias de serem legalizadas, e a pedofilia. Essa
dialética parece ter funcionado em inúmeros casos históricos, pois uma
abordagem qualquer contém em si mesma o gérmen da sua oposição e
contradição, conforme ensina a técnica dialética. Mundialmente, vemos
tanto as drogas quanto a pedofilia passarem por esta fase de abordagem,
mas outras questões podem estar a surgir na carona de militâncias diversas,
inclusive impulsionadas por segmentos conservadores em reação a
propostas revolucionárias.
As concessões a partidos conservadores em temas de interesse dos
movimentos que buscam o controle podem ampliar a vantagem da
perspectiva revolucionária se as propostas conservadoras puderem ser
enquadradas em elementos previamente construídos como inimigos da
humanidade. Parece ser o caso da polêmica que envolveu o pastor e
deputado Marco Feliciano e da utilização das suas frases isoladamente para
vincular os evangélicos a crimes de opinião que estavam em vias de
aprovação pública como o racismo e a homofobia. Embora esses delitos
ainda não existissem legislativamente, a imputação do crime leva a
fortalecer a proposta da criminalização da opinião mediante o estereótipo,
melhor forma de fornecer precedentes.
Os engenheiros sociais aliados a pesquisadores de comunicação e
psicologia social, há tempos perceberam que uma real e efetiva mudança na
mentalidade social é bastante possível se não houver pressa na efetivação
das mudanças. O estudo dos efeitos de longo prazo motivaram uma série de
teorias, entre elas a Teoria do Agendamento ou Agenda-Setting. Mas a
atuação da mídia no meio cultural, isto é, na música, nos espetáculos,
cinema, igrejas etc, é visto como um processo sempre paralelo e de grande
eficácia.
A influência pela via cultural aumenta o controle dos elementos
que eventualmente escapam da zona dominada pela grande mídia. A
construção de imagens desejadas por vias culturais ao longo do tempo evita
que o público tenha uma imagem indesejada quando, por algum motivo, a
verdade consiga ultrapassar os portões da grande mídia e ganhar os boatos.
Essa medida garante que, a longo prazo, alguns objetivos da engenharia
social apareçam de forma quase espontânea bastando pequenos e cirúrgicos
estímulos midiáticos.

Relevância simulada e a participação popular

Agenda-setting diz respeito a uma relação de dependência e


determinação entre as opiniões do público e o conteúdo dos meios de
comunicação. É a relação de causa entre notícias e opiniões. Embora se
trate a teoria como mera descrição de processos naturais na sociedade, não
há como afastar o seu uso como técnica. Conforme a natureza da mídia e
características, tanto das mensagens midiáticas quanto da forma de
compreensão usual pelo público, o agendamento enquanto técnica possui
muito mais potencialidades de uso e pode influenciar no modo de
funcionamento mental e psicológico. Podem ser associados às pautas
midiáticas e confundi-las com questões vitais para o público.
A complexidade do agendamento quando usado como técnica não
se resume a agendar temas e atributos. Como já falamos, uma importante
parte do processo se caracteriza pela simulação de relevância, uma variação
da simulação de contrariedade.
Isso significa que quando um tema não alcança satisfatoriamente a
preocupação da agenda pública, ele pode ser tratado como se fosse uma
questão de demanda da sociedade mediante o simples uso da linguagem
jornalística. As declarações de celebridades são grandes instrumentos de
justificativas para o debate. Matérias que enfatizam necessidades de
discussão pública com reportagens que chamam a atenção para uma suposta
tendência atual, com consequências nefastas ou benignas, são rapidamente
associadas ao tema que é objetivo trabalhar. Esta técnica tem como base a
própria autodefinição dos meios de comunicação como aqueles que buscam
refletir o mundo como um retrato ou espelho da realidade. Embora a
chamada “teoria do espelho” seja combatida pelo meio acadêmico, a forma
que os mesmos pesquisadores utilizam para a compreensão do mundo em
sua volta é o velho acompanhamento das notícias, o que favorece o papel de
intermediários dos jornalistas e comunicadores, ausentes e ignorantes das
ações históricas das quais eles são meios.
Os jornalistas, tanto acadêmicos quanto profissionais, depositam a
sua crença na eficácia da técnica e atribuem o seu poder ao poder da
representação social.
Do mesmo modo, o profissional jornalista ao divulgar as opiniões
de celebridades ou representantes de segmentos sociais, sabe que vai
influenciar na opinião pública.
Grande parte das bases que sustentam todo este processo parecem
ser os próprios pressupostos da democracia representativa unida a uma certa
mentalidade indutiva, por meio dos quais é possível associar pequenas
demandas de grupos e indivíduos à ampla vontade popular como
legitimação de transformações sociais. O efeito esperado, porém, é o da
democracia direta, na qual o povo delibera diretamente o que deseja à
sociedade civil por meio da mídia e redes sociais. Assim, a imprensa
explora a legitimidade existente dos representantes da sociedade para então
gerar um consenso entre os representados, que por sua vez vão exigir as
mudanças previstas. Ocorre mais ou menos como disse Lippmann sobre a
atuação dos comunistas marxistas para a geração da consciência de classe.
Ou seja, ela não existe até que seja criada.

A modificação das proporções

Celebridades muitas vezes são utilizadas por engenheiros sociais,


por meio de causas cirurgicamente colocadas diante de seus olhos, para
agendar temas nas mentes do público. Quando o ex-líder da banda The
Smiths e vegetariano ativista Morrissey declarou à imprensa que comer
carne é o mesmo que pedofilia, ele não estava somente dando conotação
excessivamente negativa à alimentação carnívora. Ele estava possibilitando
a equiparação entre duas coisas completamente diferentes e dando margem
a modificações profundas nas proporções morais. Para quem come carne a
frase pode soar ofensiva, mas o objetivo é seu efeito conscientizador.
Afinal, pouca gente está pronta para perceber que Morrissey transforma
também a pedofilia em uma atividade tão banal quanto comer carne.
Como dito antes, a modificação das categorias morais pode ser
condicionada pelo agendamento de assuntos sem relevância com a
preocupação pública ou não eram dignos de discussão aberta devido o seu
entendimento determinado, cultural e historicamente consagrado. O passo
seguinte ao agendamento de questões polêmicas é a sua equiparação a
condutas, crimes ou comportamentos diversos, o que vai gerando aos
poucos a modificação no entendimento do tema e, consequentemente,
transforma categorias mentais usadas normalmente para discriminar o certo
e o errado em uma sociedade. Parece evidente que a mera pauta de temas e
a comparação entre categorias muito destoantes não é suficiente para uma
transformação efetiva ao ponto de a considerarmos parte das estratégias de
subversão social referidas por Bezmenov. É preciso que o fluxo de
informações seja direcionado aos objetivos maiores e de ampla relevância
ideológica. Mas é claro que um determinado controle de todas as
associações e condições psicológicas geradas por tantos estímulos nunca vai
gozar de plena efetividade. É por este motivo que a significação social deve
passar por um período de “caos preparatório” que possibilite e torne natural
todo tipo de associação. A postura crítica dos intelectuais funcionou muito
bem para gerar este caos semântico e cognitivo, o que começou por
iniciativas como a Escola de Frankfurt.
Uma das constantes da Teoria Crítica era equiparar o capitalismo
ao totalitarismo, convertendo a livre iniciativa e o consumo da sociedade
moderna em coisas muito mais cruéis do que os Gulag e as milhares de
execuções diárias que ocorriam na URSS, China, Coreia do Norte, Camboja
etc. A modificação das proporções sempre ocorre de modo imperceptível,
pois se fosse percebido seria rejeitado imediatamente.

O poder do entretenimento e as ideologias


Há séculos que as narrativas são eficientes para a transmissão de
opiniões e crenças, como explicava Gustav LeBon sobre o papel das
histórias de cavalaria na Espanha. O fato é que se tratava da percepção de
um efeito mais ou menos fortuito das narrativas e não uma deliberada busca
por mudança de padrões. Este potencial não poderia ficar de fora das
ambições dos reformadores. O Brasil é internacionalmente conhecido pelas
suas telenovelas e o seu potencial transformador já foi há muito percebido
pelos engenheiros sociais.
Em 2009, dois estudos realizados pelo Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) comprovaram que nos últimos 40 anos as
telenovelas tiveram um impacto profundo nas famílias brasileiras. O
resultado comprovou o efeito delas no tocante à estrutura familiar: Menos
filhos e mais divórcios, apontou o estudo. A pesquisa coordenada pelo
economista Alberto Chong, analisou 115 novelas transmitidas pela Rede
Globo entre os anos de 1965 e 1999, nos horários das 19 horas e das 20
horas. Nessa amostragem, 62% das principais personagens femininas não
tinham filhos e 26% delas eram infiéis a seus parceiros, o que suavizou o
tabu do adultério. Para Chong, a telenovela é um excelente canal de difusão
de programas sociais, como prevenção à AIDS e direitos das minorias. “A
família está no centro dessas transformações”, declarou Chong.
As novelas de hoje, porém, vão muito além do adultério. As
produções investem em todo tipo de causas sociais visando a
conscientização de modo que pouco das tramas pode ser chamado de
entretenimento em sentido estrito.
O padre Paulo Ricardo de Azevedo, em seu site[42], chama
atenção, em especial, para uma novela escrita nos anos 1970 e que bem
representou o objetivo da mudança de mentalidade da população sobre a
questão do divórcio. A novela Roque Santeiro foi censurada pelo governo
militar da época, devido o grande choque cultural que representaria. Mas
ficou evidente a luta do autor Dias Gomes, alinhado à luta cultural do
marxismo, contra o que acreditava ser o grande entrave para o
desenvolvimento do Brasil: o Cristianismo. A trama que envolvia um amor
impossível colocava a proibição do divórcio como uma norma cruel da
sociedade patriarcal e antiga, ligada à Igreja, caracterizando o povo
brasileiro como um povo atrasado, preconceituoso e avesso às “novidades”.
A novela obteve autorização para ir ao ar na década seguinte, quando o
divórcio já havia sido, então, aprovado.
Não se trata aqui de condenar ou aprovar a possibilidade do
divórcio. O fato inegável é que a partir daquele momento esta porta foi
escancarada e a família como era conhecida passou a ser modificada, dando
origem a uma legião de pessoas atomizadas e órfãs cada vez mais carentes
de atenção estatal. Como já dissemos, o alvo da família sempre foi caro aos
socialistas que a veem como berço por excelência da exploração do homem
pelo homem.
Se uma mudança nos padrões morais dessas proporções foi levada
a efeito em pouco mais de 40 anos, calculemos o estrago feito pelo aumento
à exposição de conteúdos de entretenimento entre jovens entre 10 e 19 anos
observado nas últimas décadas. Desde as tradicionais formas de diversão
dos anos 80 e 90, resumidas a programas de TV, novelas, filmes e seriados,
a transformação ocorrida com programas de incentivo governamental para
as novas produções cinematográficas ligadas à febre das séries possibilitada
por serviços como o Netflix, novas formas de entretenimento estão
mudando drasticamente a estrutura social. Ferramentas tecnológicas que
antes tinham simples interesses lucrativos, hoje se transformaram em
verdadeiras máquinas de propaganda política, servindo a operações pouco
disfarçadas que se resumem à atividade do advocacy para ideologias. Longe
de representar uma abertura ao uso de lobbys simplesmente, o advocacy
direciona todo o poder em uma única direção ideológica, não servindo
meramente a quem paga mais e sim aos já consagrados donos da hegemonia
cultural, algo bem mais sutil.
Em 2015, o Netflix estreou a série brasileira e norte-americana
Narcos, dirigida por José Padilha, famoso pelo sucesso de Tropa de Elite. O
ator Wagner Moura interpretou ninguém menos que o narcoterrorista
colombiano Pablo Escobar em uma verdadeira epopeia sobre as relações
entre cartéis de drogas e os governos da América Latina. A série perdeu a
oportunidade de fazer uma verdadeira denúncia da atividade comunista das
Farc junto ao Foro de São Paulo para, na verdade, empenhar-se na denúncia
do suposto fracasso ou hipocrisia inerente à guerra contra as drogas, com o
claro objetivo de mobilizar e conduzir a opinião pública na direção da
descriminalização de drogas hoje ilícitas. Os indícios deste objetivo vão
além da simples análise da trama. Basta lembrar as clássicas produções
cinematográficas sabida e declaradamente financiadas pelo narcotráfico
mexicano, conhecidas como “narcos”, cujo intuito é o de glamourizar vida e
obra de chefes do crime organizado. É conhecido o culto religioso prestado
nestes países a traficantes famosos que contam até mesmo com imagens,
orações e capelas feitas em sua homenagem. Pablo Escobar é um deles,
conhecido na Colômbia como Pablito. A série Narcos, além de homenagear
o estilo consagrado naqueles países, fortalece a narrativa romantizada que
põe a polícia e forças armadas dos países como caricaturas ineficientes e
por vezes más.
São incontáveis os esforços de conformação da opinião por meio
das narrativas ficcionais ou revisões históricas e seria tedioso listar todos os
empreendimentos neste sentido nos últimos anos. As novelas brasileiras
abordam, cada vez mais, os temas sociais e com isso acumulam duvidosos
prêmios globalistas. A temática homossexual tem sido a mais recorrente, o
que providencialmente vem junto da defesa da adesão da Ideologia de
Gênero no sistema educacional, há muito já hegemônica nos meios
jornalísticos e midiáticos e na prática da educação das famílias.
Junto da Ideologia de Gênero, o ambientalismo forma uma
poderosa corrente do novo transhumanismo globalista, o qual ambiciona,
respectivamente: controle populacional, por meio da moralidade e
reestruturação da família a estilos politicamente amoldáveis; e da ecologia
radical global que se encarregará do controle econômico dos recursos
globais. Nenhum governo mundial que se preze poderá angariar poder total
sem essas duas armas de controle social. E nenhum empreendimento desta
envergadura terá sucesso se não influenciar diretamente na matriz
imaginativa das pessoas.
Assim, há um jogo de cooperação entre a ficção e o jornalismo.
Enquanto a ficção trata de alargar imaginariamente as possibilidades, o
jornalismo vai, aos poucos, difundindo ideias já existentes no meio
intelectual. Catástrofes climáticas só puderam alcançar atenção mundial
depois de suficientemente temidas no campo da possibilidade por meio da
ficção.
IV

O DISCURSO
AMBIENTALISTA NOS JORNAIS

O caso do Diário Catarinense

Através do estudo que apresentei como dissertação de mestrado em


2013, a respeito da cobertura jornalística feita em 2007 pelo Diário
Catarinense sobre o Aquecimento Global, foi possível levantar dados
esclarecedores sobre a construção discursiva no caso do ambientalismo na
imprensa. Essa construção parece ser comum em muitas outras agendas de
transformação social em nossos tempos, conforme temos afirmado neste
livro.
Antes de apresentarmos os resultados, porém, é preciso esclarecer
a respeito das categorias utilizadas na análise que fizemos das matérias do
referido jornal. Igualmente importante é lembrarmos que uma pesquisa
semelhante, de abrangência nacional, chegou a resultados bastante
parecidos com os que serão demonstrados aqui. Trata-se do já mencionado
relatório da ANDI (Agência de Notícias dos Direitos da Infância).
Coincidentemente ou não o relatório utilizou a Teoria do Agendamento não
só para a compreensão dos fenômenos jornalísticos, mas para o uso desse
conhecimento para o trabalho, visto como indispensável, da
conscientização das massas para o problema da ecologia.
Para resumir os resultados da abrangente análise da ANDI, que
abrangeu cerca de dois anos e mais de 50 jornais, o relatório conclui, em
tom pessimista, que a abordagem das mudanças climáticas na imprensa
brasileira foi considerável durante a primeira metade de 2007, mas
“demasiadamente informativa”, perdendo por deixar de lado o tom mais
pedagógico pretendido pelos pesquisadores. Como minha pesquisa
concentrou-se somente na primeira metade daquele ano, um pouco da sua
importância foi a de compreender como aquela tendência percebida em toda
a mídia nacional ocorreu em um dos grandes jornais do Grupo RBS, em
Santa Catarina. Mas é claro que, antevendo alguns problemas, aproveitei
para analisar outras questões, o que acabou por revelar-nos dados bastante
curiosos.
Optei por três categorias discursivas ambientais, as quais
começarei por explicar: o discurso naturalista, o discurso ecotecnocrático e
o discurso ecossocial[43]. Falemos de cada um deles.
Em linhas gerais, o discurso naturalista está ligado ao
ambientalismo mais primitivo, que foca no desmatamento, extinção de
espécies, etc. O foco da preocupação está na conservação. É o discurso da
primeira fase das pesquisas ecológicas e da midiatização dessas
preocupações. Toda característica discursiva, portanto, que pareceu
obedecer a esta corrente ambientalista, categorizamos como naturalista.
Já o discurso ecotecnocrático, chamado também de técnico, diz
respeito ao arranjo discursivo entre naturalismo e liberalismo econômico, o
que, atualmente, chamamos de sustentabilidade. Trata-se de uma tentativa
de conciliar conservação com o desenvolvimento econômico. Este discurso
normalmente foca na preocupação econômica, nos prejuízos causados pela
degradação do meio ambiente. É criticado pela visão naturalista como um
ponto de vista “neoliberal”, hipócrita e economicista. Mas é parte de um
grande esforço liberal para agradar ambientalistas mais conciliadores. De
fato, este discurso pode ser usado para defender interesses políticos de
manutenção da estrutura de poder, seja de direita ou esquerda.
O terceiro tipo de discurso é o ecossocial. Este é um arranjo entre
discurso culturalista e o socialista. Parte do princípio de que o problema da
ecologia só tem solução social, isto é, a partir de mudanças culturais, que
levem à construção de uma sociedade preocupada e engajada socialmente.
Focado na preocupação comportamental, essa corrente discursiva está
intimamente ligada ao que costumeiramente chamamos de Marxismo
Cultural.
Sabemos da imprecisão inerente ao uso de categorias discursivas
para “encaixar” deliberadamente textos jornalísticos. Os tipos discursivos
não são caixas nas quais se deposita afirmações e frases totalizando-os
àquela forma de discurso. Muitas vezes eles se apresentam juntos, com
elementos combinados. Tudo pode depender da interpretação feita no
trabalho da categorização. O critério principal que utilizei, portanto, foi o de
considerar a tipificação principalmente na parte inicial do texto, além dos
elementos gráficos. Pela própria essência do texto jornalístico, o título,
subtítulo e o chamado lead, resumem o tom da matéria inteira, embora ao
longo do texto possa haver elementos atenuadores. Além do mais, essa
característica do texto se dá pelo fato amplamente percebido de que a
esmagadora maioria dos leitores interpreta o valor da matéria inteira
conforme o tom dos elementos iniciais ou principais. Sem contar, é claro,
aquela parcela substancial que só lê realmente estes elementos ou busca se
informar somente por elementos gráficos, o que ocorre tanto por pressa,
ansiedade, quanto por analfabetismo funcional. Mas o fato importante é que
a estrutura do texto jornalístico considera agudamente estas características,
que verdadeiramente definem as normas de escrita jornalística.
Outro grupo de categorias é o das funções pretendidas, esperadas
ou imaginadas do jornalismo ambiental[44]. Também três, estas categorias
dizem respeito a uma expectativa funcional e evidencia o caráter
funcionalista e normativo do jornalismo ecológico, como já ficou claro no
capítulo anterior. Entre as funções possíveis estão: função informativa,
função política e função pedagógica. É evidente a relação de dependência
entre as funções e os tipos de discurso, como veremos mais adiante.
Embora seus nomes sejam auto evidentes quanto ao que
significam, vejamos algumas coisas a respeito delas. A função política se
caracteriza pelo chamado à ação humana por via política ou econômica, o
engajamento dos governos ou pressão social a ações objetivas para a causa
ambiental. A função pedagógica tem a mesma característica, mas
relacionada ao indivíduo. Diz respeito ao aprendizado de comportamentos e
ambiciona mudanças culturais. Já a função informativa relaciona-se com
aquele tipo de jornalismo de escola norte-americana que, mais focado na
informação factual, carrega como premissa um conceito muitas vezes
“academicamente incorreto” que é o da objetividade jornalística.
Relacionando os tipos discursivos com as funções do jornalismo
ambiental, chegamos a uma relação bastante evidente entre o discurso
naturalista e a função informativa, por exemplo. Apesar do naturalismo
discursivo conter em si uma proposta objetiva de preservação do meio
ambiente, ele não diz como fazê-lo e prefere focar nas denúncias de
agressões, o que pressupõe a predominância de uma função informativa. Do
mesmo modo, articula-se com o discurso ecotecnocrático a necessidade da
função política a ser demandada. Sob o ponto de vista técnico ou
tecnocrático, cabem à política ou à economia as decisões no universo macro
da globalização. O chamado à ação política em grande escala funciona,
portanto, por meio da pressão da informação de necessidades de resolução
de problemas técnicos ou científicos de grande abrangência.
O discurso ecossocial, por sua vez, liga-se intimamente à função
pedagógica, consequência do seu uso social na mídia. O convencimento da
necessidade de mudanças culturais ocorre por meio de um tipo de discurso
crente na relação causal quase exclusiva entre cultura e a degradação
ambiental.
Há outra categoria discursiva que estabeleci a partir da percepção
das matérias. É o alarmismo, arranjo discursivo com claros fins de
mobilização e causa de preocupações. Encontramos toda vez que as
informações são postas de modo a causar pânico ou susto, juntando
imagens impressionantes e concentrando números alarmantes em uma única
sentença, dando a impressão de um apocalipse em curso. Não está claro se o
alarmismo pode ser considerado um discurso ou uma função do jornalismo
ambiental, já que parece ter se consagrado neste tipo de prática. Mas a
característica alarmista está presente proximamente da função informativa à
política junto ao discurso naturalista.
Vistas essas categorias e suas relações, passemos ao último grupo
de categorias, o das fontes. Há uma tipificação de fontes bem completa em
livros como Fontes jornalísticas, de Aldo Schmidt e Técnica da reportagem,
de Nilson Lage. Mas para fins da pesquisa, utilizei apenas três, resumidos
de outros subgrupos. Temos as fontes oficiais, que se ligam ao aspecto
nacional, estadual, municipal ou institutos ligados os governos; fontes
institucionais, ligadas a grupos e entidades com fins ideológicos ou
comerciais que tenham objetivos claros, militâncias por causas ou venda de
produtos e serviços; e há as fontes especializadas. Esta última, bastante
ambígua, refere-se a órgãos oficiais, mas contratados para pesquisas
específicas não ligadas às causas em questão e, por isso, vistos como
imparciais. Normalmente, podemos classificar uma fonte oficial como
especializada quando ela aparece esclarecendo dados técnicos e quando sua
posição na matéria ignora o objetivo para o qual está sendo usada.
Para o caso em questão, consideramos as Nações Unidas um órgão
institucional. Portanto, o IPCC é uma fonte institucional e isso é o que
importa saber para a nossa análise. Importante também é lembrar da
existência de duas outras categorias maiores de fontes que podem ser
aplicadas a estas últimas. São as fontes primárias e secundárias. As fontes
oficiais do governo brasileiro, por exemplo, normalmente são fontes
secundárias quando o assunto é aquecimento global. Isso porque a
informação provém do IPCC que é fonte primária. Uma fonte secundária,
por seu aspecto regional e local, pode ser o fornecedor de pressuposto ou
intencionalidade por trás da matéria que, para legitimar-se, utiliza fonte
primária com maior credibilidade.
De posse das categorias, vejamos agora como elas apareceram nos
seis primeiros meses de 2007, na cobertura ambiental do Diário
Catarinense.
A respeito da formação discursiva e conceito de preservação do
meio ambiente, a análise chegou à porcentagem de 39% de discurso
ecotecnocrático, 23% do naturalista e somente 15% do ecossocial. Indo
além da quantificação, porém, percebemos o percurso dessas tendências no
tempo, o que facilmente leva a um caminho discursivo cuja força
persuasiva vai aumentando conforme o grau de credibilidade e
verossimilhança, dando, gradativamente, mais poder à correspondência
entre teorias climáticas e sociológicas. Vejamos a progressão no tempo
destes tipos de discurso:

Figura 1: Tipos de discurso e o modo como apareceram ao longo dos seis meses pesquisados

Quanto às funções pretendidas ao jornalismo ambiental, vejamos


os dados levantados. Do total de matérias sobre Mudanças Climáticas
publicadas entre fevereiro e julho, o jornalismo ambiental praticado foi 43%
pedagógico, 35% político e 29% informativo. Mas a progressão ao longo do
tempo tendeu ao crescimento da função pedagógica mais ao final do
período, enquanto que inicialmente predominava o informativo.

Figura 2: Percurso da função do jornalismo ao longo dos meses pesquisados

Conforme Maxwell McCombs, iniciador da Teoria do


Agendamento, o principal fator para se conhecer a agenda da mídia é saber
como se forma a sua rede de fontes. Mais do que isso, é preciso entender
dentre as fontes usuais, aquelas que representam o papel de definidores
primários dos tópicos a serem tratados e do tipo de abordagem dada a esses
temas. O definidor primário, segundo Hall (1999) e McCombs (2009), não
é necessariamente aquele ator social mais presente no texto da matéria, mas
aquele que fornece os pressupostos com os quais o jornalista constrói o
discurso impresso na matéria ou mesmo aquelas influências motivadoras da
pauta.
Assim, do montante analisado das fontes, listamos três categorias
principais: fontes oficiais, institucionais e especializadas. Essa classificação
não deixa de fora as individuais e documentais, mas as coloca dentro das
primeiras, já que uma fonte documental pode ser representante de uma
oficial, especializada ou institucional e assim por diante.
A quantidade de fontes oficiais durante todo o período analisado
apareceu em 18% das matérias, conforme tabela abaixo. Já as
especializadas, 22% e as institucionais lideraram aparecendo em 60% das
notícias sobre Mudanças Climáticas naquele período.

Figura 3: Fontes consultadas pelo jornal segundo classificação

Os dados acima confirmam, de certa forma, as conclusões de


outros relatórios, como o da ANDI, que tencionavam para uma
proeminência do tema ecológico no início do ano e depois perdem força.
Mas chama a atenção para o aparente sucesso dos objetivos do jornalismo
ambiental que parece ser, de longe, muito mais pedagógico do que
informativo. Considerando que grande parte daquele relatório consistia em
descrever o processo do Agendamento, fica claro que o uso desta teoria
para fomentar debates na esfera pública tem tido um considerável sucesso.
O funcionamento desta teoria ficou muito claro a partir dos dados
demonstrados, pois vemos o andamento do processo discursivo e seu
formidável efeito persuasivo.
O processo inicia na função informativa no jornalismo ambiental,
que, ao divulgar informações básicas ao debate utilizando do discurso
naturalista, gera pressões por meio da característica alarmista, o que implica
conclusões sobre a necessidade de ações administrativas e econômicas.
Criadas essas condições, impõe-se a possibilidade da função política no
jornalismo, conduzida por um discurso ecotecnocrático. Este tipo de
discurso, por sua vez, dado o seu caráter técnico e determinista, propõe
discutir relações com a cultura e a com a sociedade, produzindo o ambiente
para funções pedagógicas que vão se expressar em um contexto de
necessidades de mudanças sociais.
A sequência funcional do jornalismo, portanto, articula-se de
forma colaborativa com o tipo de discurso, conforme o esquema:

Figura 4: Diagrama discursivo-funcional da persuasão

Esse processo gera uma construção progressiva de discurso na qual


uma função depende da anterior e conta com o auxílio de formações
discursivas capazes de ampliar paulatinamente o grau de influência das
agendas construtoras do discurso de modo a gerar uma certa hegemonia de
ideias. A etapa final deste processo culmina com o controle das prioridades
da agenda pública em consonância com agendas políticas e ideológicas por
meio da definição da agenda midiática.
O segundo aspecto é o percurso dos critérios de noticiabilidade que
acompanha o processo descrito, enquanto conjunto de motivações geradas e
geradoras das condições para cada etapa. O risco de extinção de espécies,
típico valor-notícia do jornalismo ambiental mais naturalista, somado às
mudanças geológicas e marítimas, dão às matérias o tom alarmista e
catastrófico que aos poucos se dirige à preocupação com os prejuízos
materiais e financeiros. O perigo de mudanças na economia global e perdas
nacionais, gerador do clima de crise, tornam possíveis as sugestões de
mudanças no âmbito social e cultural dos cidadãos. A atenção às soluções
volta-se para o aspecto social e o enfoque pedagógico se faz presente a
partir da necessidade da conscientização. Enquanto inicialmente as pautas
buscavam informações sobre os efeitos e perigos das Mudanças Climáticas,
ao final deste processo o jornalismo ambiental procurou exemplos de ações
concretas e condutas consideradas exemplares em vista do problema, fosse
por empresas, escolas, órgãos oficiais, governos ou indivíduos. Deste modo,
os critérios de noticiabilidade acompanharam a função pretendida pelo
jornalismo ambiental bem como a sua articulação com as formações
discursivas, além do critério de escolha das fontes consultadas.
Acompanhando o processo dos critérios de valoração das pautas
ambientais, a escolha de fontes se completa a partir do seu grau de
credibilidade. Diante dos resultados, os quais apontam uma predominância
da fonte institucional nas matérias, é possível sugerir a matiz de sua
intencionalidade considerando sua filiação a órgãos supranacionais como a
ONU. O IPCC como fonte mais consultada, representou o poder simbólico
de uma nomenklatura científica.
Minha pesquisa centrou-se na repercussão dos relatórios
divulgados em 2007, mas foi feita durante a publicação de outro relatório
do IPCC, já em 2013, que anunciou um aumento no grau de certeza, de
90% para 95%. O relatório de 2013 continua a destacar a existência de um
Aquecimento Global antropogênico e a recomendar ações econômicas para
contê-lo, mesmo após o escândalo do Climategate, em 2009, no qual os
dados apresentados em 2007 ficaram sob evidente suspeita.
O percurso funcional discursivo descrito caminha em direção a
estágios em que há cada vez menos possibilidade de contestação ou
discussão e transforma hipóteses científicas em juízos incontestáveis. O
privilégio da fonte científica no jornalismo parece gerar uma concorrência
pela representação da ciência por parte de grupos políticos e econômicos,
governos, ONGs e até a própria mídia que, ao referir-se a dados científicos,
concede a eles um poder inquestionável. Embora o conhecimento fornecido
pela comunidade científica tenha um caráter provisório e sempre
insuficiente, a sua posterior transformação em senso comum pela mídia
acaba por inseri-lo nas expectativas de objetividade que a racionalidade
moderna subscreve e o insere no âmbito da opinião pública. Por meio da
apropriação dessa crença no poder racional das ciências, dá-se a
transferência de credibilidade aos grupos que dizem representar esse poder
explicativo e simbólico.
O processo de engenharia opinativa passa por complexas etapas e
lentos programas de difusão, controle de órgãos de pesquisa de opinião e
sondagens das mais diversas. Décadas de estudo nessa área parecem ter
oferecido um manancial de técnicas passíveis de serem usadas por
engenheiros sociais que têm à sua disposição grande parte dos recursos. O
controle mundial dos meios de comunicação de massa, seja por meio de
técnicas globais de agendamento, do poder exercido pelos proprietários de
mídia ou do controle governamental sobre as concessões, tem o poder de
direcionar rumos geopolíticos e conduzir mudanças profundas. Ao mesmo
tempo, essas mudanças são tão imperceptíveis quanto eficientes. Embora
cresçam em semelhante proporção, as chances de escapar desse poder, o
poder sobre a mídia tornam os meios cada vez menos confiáveis, restando-
nos os alternativos. Mas até estes já estão na mira dos engenheiros da ONU,
Unesco e outros grupos empenhados na elaboração dos novos modelos de
“governança global”.
V

O CONTROLE DA MÍDIA

Project Syndicate e os iluminados

Rui Barbosa, em seu livro A imprensa e o dever da


verdade, chama a atenção para a decadência moral do jornalista e lembra:
“todos os regimes que descaem para o absolutismo vão entrando logo a
contrair amizades suspeitas entre os jornais”. Agencias de controle dos
jornais parecem ser uma prática bastante antiga de governos ditatoriais ou
absolutistas. No livro As revistas alemãs e a formação da opinião pública
(em tradução livre), o historiador prussiano Heinrich Wuttke conta que com
sua incrível Repartição da Imprensa, o “chanceler de ferro” Otto Von
Bismarck, estabelecia a mais vasta fábrica de opinião pública até então
conhecida, da qual se espalhavam filiais pelo mundo. Imagine o que se
pode fazer com a tecnologia atual.
Se há tanto tempo John Locke já alertava que nenhum governo
poderia governar sem antes obter o controle da opinião pública, isso nos dá
alguma medida dos desafios a que se impuseram os governos do século XX.
Mais ainda, isso nos indica claramente o desafio colocado àqueles que
ambicionam o poder global.
Não é possível estabelecer um governo mundial sem uma espécie
de opinião pública global, através do qual partem as reivindicações e
demandas das nações por meio de um falso ambiente de livre opinião. E foi
pensando nisso que o megainvestidor globalista George Soros fundou a
Open Society, da qual faz parte a centralização da opinião batizada com o
nome de Project Syndicate, uma concretização do sonho de Lippmann, no
qual as opiniões seriam “organizadas para a imprensa e não pela imprensa”.
Muito mais: trata-se da concretização de um velho sonho dos intelectuais
que desde o final do século XIX chamavam a atenção para a tamanha
imprudência de se deixar os rumos globais para as bocas famintas e
imprevisíveis das massas alienadas. A rede de instituições midiáticas de
Soros representam o fim da livre opinião na imprensa.
Totalmente ausente dos estudos científicos de comunicação e das
acadêmicas análises de discurso, o Project Syndicate é a maior associação
de colunistas de opinião do mundo, formada pelos donos do poder, o que
inclui toda a elite globalista da velha Sociedade Fabiana e outras lideranças
políticas e intelectuais. A influência desse órgão de propaganda no
conteúdo dos grandes jornais do mundo é evidente, já que ele distribui
artigos de opinião para veículos de comunicação de mais de 59 línguas
diferentes, em 154 países e nos 492 jornais mais influentes do mundo,
atingindo um total de tiragens de mais de 78 milhões de exemplares.
O Project Syndicate foi fundado em 1994 em Praga, República
Tcheca, considerada a capital internacional da espionagem. O projeto faz
parte da Open Society, a rede de ONG's criada por Soros logo após a queda
do bloco socialista no Leste Europeu. O apoio de Soros à organização Carta
77, encabeçada pelo amigo e então dissidente do governo comunista,
Václav Havel, favoreceu a escolha da cidade como quartel general de
muitas organizações da Open Society.
Segundo o Media Research Center, o império midiático de Soros
atinge mensalmente cerca de 330 milhões de pessoas pelo mundo. Talvez
seja a maior rede de homogeneização de opiniões de toda a história do
jornalismo. A Fundação Open Society fundou ao menos 180 organizações
de mídia, dedicadas a implantar a agenda globalista. Estima-se que Soros
gastou US$ 24 milhões para tentar derrubar o presidente George W. Bush
em 2004. Mas isso não é nada perto dos US$ 8 bilhões já doados por Soros
aos projetos da sua própria “sociedade aberta” nas últimas décadas.
A fundação de Soros financia a criação e a manutenção dos mais
variados grupos esquerdistas ligados à comunicação como a Free Press,
uma ONG que pretende a regulamentação da mídia e promoveu uma
campanha contra o colunista conservador Rush Limbaugh. As ligações de
Soros com os maiores meios de comunicação dos EUA, como The New
York Times, Washington Post, the Associated Press, CNN e ABC, além de
jornalistas de renome e influência na opinião pública internacional, são
mantidas por meio desta infindável rede de comunicação.
Para se ter uma ideia da influência do Project Syndicate na
circulação de opiniões, basta citar alguns de seus colunistas: o próprio
Soros, Tony Blair, Peter Singer, Mikhail Gorbachev, Ban-Ki-Moon, Kofi-
Annan, Jimmy Carter, Richard Haass, presidente do Council Foreign
Relations (CFR), além dos intelectuais Umberto Eco e economistas como
Joseph E. Stiglitz, Jeffrey D. Sachs e presidentes do Parlamento Europeu.
Entre os brasileiros, ninguém menos que o nosso garoto propaganda da
liberação das drogas, Fernando Henrique Cardoso e o ministro das relações
exteriores, Antônio Patriota.
Jürgen Habermas se referia à esfera pública como a instância de
legitimação da política, através da qual as ações públicas se justificam e
dizem representar. Isso torna o seu controle uma necessidade para todo e
qualquer movimento que ambicione a hegemonia das consciências. Mas
tanto Habermas, enquanto membro da Escola de Frankfurt, quanto os
engenheiros sociais do seu tempo, já não acreditava tanto nas
potencialidades da democracia enquanto esfera de decisões populares. Isso
fez crescer nesses pensadores a noção da necessidade do controle das
consciências para levar a sociedade aos rumos adequados conforme os
melhores ideais.
Essa democracia utópica permanece como símbolo auto-
justificador na mente das massas, enquanto os intelectuais e políticos detém
os meios que possibilitam as mudanças reais e por eles planejadas. O
filósofo Olavo de Carvalho chama a atenção para a evidente uniformidade
da mídia ocidental nas últimas décadas. A opinião, segundo ele, aparece
através das notícias e não mais em editorias de opinião dos jornais. Isso
porque a verdadeira opinião, a única opinião realmente livre, é a que vem
de cima, dos próprios detentores dos meios de ação que servem de oráculo à
interpretação dos fatos noticiados.
Grande parte das notícias atuais almeja fornecer uma base
aparentemente factual às opiniões geradas por uma elite iluminada que
comanda os rumos do mundo por meio de suas “opiniões sensatas”. É fácil
percebermos o viés do jornalismo presente na seleção dos fatos. Há hoje,
porém, o fenômeno da uniformização das abordagens das notícias, ditadas
pelo que Stuart Hall chama de “definidores primários”, isto é, organizadores
de critérios públicos, a orientarem o ângulo dos fatos, gerando, eles
próprios, acontecimentos e suas abordagens pré-fabricadas.
O mais impressionante de tudo isso ainda é o fato de ninguém
mencionar a existência do Project Syndicate, nem na mídia, nem em
estudos acadêmicos ou pesquisas institucionais, embora o Project seja
simplesmente a fonte opinativa mais consultada e mais influente do mundo.
Pensando bem, há motivos de sobra para este silêncio.
Em 2014, um ano depois que eu e o jornalista Alex Pereira
publicamos talvez o primeiro artigo em português sobre o Project
Syndicate, já alertávamos para o comprometimento da mídia dita de direita
no Brasil. A revista Veja, por exemplo, considerada uma publicação
conservadora e potencial esfera de denúncias contra o governo petista,
raramente dedicou espaço à denúncia dos blocos de poder latino-
americanos como o Foro de São Paulo e durante quase 20 anos insistiu
neste silêncio acompanhando toda a grande mídia brasileira. Mesmo diante
de periódicos alertas dos artigos de Olavo de Carvalho sobre esse grande
esquema político estratégico continental. Muito menos essa revista falou
algo sobre o comprometimento do governo com a elite globalista da ONU e
dos socialistas fabianos de George Soros etc. O motivo do silêncio logo
deu-se a conhecer: no início daquele ano, a revista Veja criou uma editoria
especial com o nome de Project Syndicate, algo facilmente acessado e
conferido, embora com pouca atualização. Não bastasse a dependência
opinativa já consagrada, a mídia brasileira já não faz questão de esconder
que faz parte do esquema internacional, cujo principal objetivo é o
cerceamento da livre opinião na imprensa.
Assim como o Foro de São Paulo, que após anos de silêncio em
que se ignorava as palavras de Olavo de Carvalho e outros, tornou a coisa
pública como o assunto nunca tivesse saído das páginas dos jornais, o
Project Syndicate agora está lá para quem quiser ver, diferente de quando
falamos dele pela primeira vez, quando mais parecia uma teoria da
conspiração. Conforme são denunciados os esquemas, eles vão sendo
divulgados disfarçadamente como quem diz que, “afinal, é verdade sim e
não há nada de mais nisso”[45].

Controle político da comunicação global

A discussão respeito do Marco Civil da internet, no Brasil,


encontrou suas justificativas no real problema da falta de privacidade na
rede e da carência de legislação para combater os crimes de internet. O
escândalo da NSA, que alarmou governos como o do Brasil diante da
possibilidade do acesso a informações sigilosas por parte da agência norte-
americana ligada ao governo dos EUA, também serviu de desculpa para
reacender o debate. No entanto, em tempos de globalismo, as Nações
Unidas confirmam a cada dia o seu intento de ampliar os meios de
regulação das comunicações, mesmo que em alguns momentos isso venha
manifestado por meio da defesa de políticas nacionais de comunicação.
O objetivo de grupos globalistas unidos à ONU, como a Fundação
Ford, Rockefeller e Comissão Trilateral é diminuir o poder dos estados
nacionais para a construção de um governo mundial através da figura
mitológica da globalização. Mas como efetivar isso por meio das próprias
instituições nacionais cuja função é garantir suas independências? Um dos
conceitos chave para estes objetivos é o de “governança global”, que busca
ampliar a influência internacional dentro dos países. Para isso, a criação de
agencias reguladoras nacionais vem sendo imprescindível.
O fomento de políticas nacionais de comunicação sempre foi uma
das bandeiras da Unesco, tal como a ampliação do espaço para as
manifestações culturais regionais nas grandes mídias de massa.
Aparentemente, isso pode parecer contrário ao intento globalista que
preconiza a unificação global em regulamentos centralizadores. Esta é uma
visão simplista das estratégias de regulação totalitária. Hannah Arendt dizia
que a diferença entre um governo autoritário e um totalitário é que no
primeiro se utiliza da censura, do fechamento de jornais e bloqueio de
informações. O segundo, pelo contrário, depende de grandes integrações e
forte incentivo ao choque cultural – o que gera a necessidade de uma
arbitragem imparcial e portanto superior – deixando as relações humanas
tão complexas e exigindo maior regulação, controle e demandando poder
das instituições que estejam à frente do processo.
Desde a década de 1970, a Unesco discute a suposta
descentralização das comunicações e um maior controle sobre os meios de
comunicação por parte dos governos nacionais e regionais. O que soa como
algo muito democrático, na verdade faz parte de uma estratégia que parece
desejar neutralizar o controle comercial internacional, exercido hoje por
poucas e grandes empresas. Mas impõe um novo tipo de controle que
poderá permanecer nas mãos dos mesmos proprietários globalistas. O
importante aqui é notar que a modificação proposta não visa trocar os
detentores do poder sobre a mídia, mas na forma como ele é exercido. O
paradigma do controle social é o que concorre para ser a matriz das
políticas de comunicação no mundo todo.
Em 1972, Frank Stanton, ex-vice-presidente da Columbia
Brodcasting System (CBS) criticou uma declaração da Unesco de que
“todos os governos têm o direito de reivindicar o controle de seu próprio
espaço de transmissão”. Ele questionou o fato de que o órgão internacional
pretendesse dizer aos americanos como e com quem deveriam se
comunicar[46]. Este direito defendido aos governos não poderá abranger as
“sugestões” da própria Unesco sobre as políticas nacionais de comunicação
para todos os países, nem mesmo ser usado para contestar os princípios
estabelecidos pelo órgão para todo o mundo. A ONU age das seguinte
forma: ao defender todo tipo de direitos às nações, submete todas as
liberdades globais às decisões do órgão.
A partir de 1973, em Tampere, na Finlândia, uma nova concepção
das comunicações internacionais passou a nortear as políticas de
comunicação como vemos hoje. Por sugestão da ONU, o então presidente
do país, Urho Kekkonen ressaltou que o sistema econômico iniciado no
século XIX seria irrelevante para a vida moderna e estaria ajudando a
esconder mecanismos institucionais de supressão da liberdade. A orientação
então dominante, baseada na “liberdade de ação e livre empresa, produziu
um efeito que levou os fortes ao sucesso enquanto os fracos sucumbiram, a
despeito de sua propalada liberdade”[47]. Dessa forma, Kekkonen defende
que o grande inimigo da verdadeira liberdade é o conceito de “livre fluxo de
informação”, por ter como base o princípio democrático de livre expressão
individual e, na prática, favorecer somente os ricos.

O simpósio finlandês encerrou com as seguintes declarações:

Não se deveria poupar esforços no sentido de corrigir o


desequilíbrio de recursos que, no presente, caracteriza o fluxo
internacional e a direção da informação entre as nações, sobretudo
em áreas incapazes de determinar seu próprio destino cultural,
sejam elas nações ou regiões de nações. Aqueles (países) que têm
poucas oportunidades poderão necessitar assistência especial,
subsídios ou proteção que lhes permitam ampliar seu papel no
processo de comunicação. Todas as nações deveriam ter a
possibilidade de produzir seu próprio material de comunicação
cultural.

Cada nação tem o direito e o dever de determinar seu próprio


destino cultural dentro desse fluxo de informação mais equilibrado
entre as nações e dentro de cada uma. É responsabilidade da
comunidade mundial e obrigação das instituições dos meios de
comunicação fazer com que esse direito seja respeitado.
(Proceedings of the symposium on the internacional flow of
television programmes, Tampere, Finlandia, Universidade de
Tampere, Maio de 1973).

A resolução coloca a “comunidade mundial” como responsável por


garantir a integridade do destino de cada país quanto às suas políticas de
comunicação internas. Além disso, ergue essa mesma comunidade,
representada obviamente pela ONU, ao posto de árbitro e proponente de
diretrizes de comunicação universais. Novamente, em nome da liberdade,
propõe-se regular a liberdade. Diante disso, surge a pergunta: a liberdade de
informação e expressão é um fato ou um direito? Teriam os organismos
internacionais a legitimidade para legislar e regular as políticas de
comunicação nacionais? Obviamente o que rege toda a possibilidade de
auto regulação dos países sobre seus sistemas de comunicação são as
diretrizes expostas mais acima, aquelas que demonizam o livre fluxo de
informação em nome de um fluxo que se propõe “livre do poder
econômico”. A proposta não se resume somente a retirar as comunicações
das mãos do poder econômico e transferi-las ao poder político global, mas
aumentar o poder de regulação política daqueles que já detém o poder
econômico. Isso mostra o quanto o poder econômico nunca é o fim último
das ações humanas, mas sim o próprio poder de controlar o comportamento
humano.
No Brasil, em 1974, o debate sobre a chamada “democratização da
comunicação” surgiu com a criação do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da Universidade de Brasília, com o curso de Comunicação e
Desenvolvimento. O que era uma área de concentração demasiado técnica e
considerada positivista, ligada ao Ministério da Agricultura, rapidamente
transformou-se em um centro de debates mais conectado com as teses
esquerdistas internacionais. No fim da década de 1970, o mergulho teórico
na Escola de Frankfurt e os estudos da obra de Antônio Gramsci motivaram
a criação de estudos do Poder e áreas de Comunicação e Política, com
círculos de debates já conectados com as discussões da Unesco, chamados
de Políticas Nacionais de Comunicação. Nos anos 1980, um núcleo inicial
de pesquisa foi transferido para Paris, abrigado pela própria Unesco com a
participação de pesquisadores brasileiros.
Com o fim do Regime Militar, estes estudos tiveram um revés e,
com o fim da URSS, enfraqueceu-se ainda mais o entusiasmo dos
pesquisadores. Mas o centro de pesquisas foi recriado em 1999 e, agora
com novo fôlego, reestruturou os estudos e passou a contar, até hoje, com
grandes apoios internacionais. O chamado Laboratório de Políticas de
Comunicação (LapCom) da UnB, conta agora com objetivos de longo prazo
e fundamental para a retomada da sua agenda foi a entrada em cena do
financiamento da Fundação Ford[48].
O estudo de Gramsci quanto a um papel ativo da chamada
Sociedade Civil, e de Habermas, sobre a importância política da esfera
pública como instância legitimadora do poder politico, deram a estes
estudos o aspecto revolucionário amplamente conectado com a agenda
socialista internacional por meio de órgãos como a Unesco. Um dos
elementos importantes para o processo de internacionalização das políticas
nacionais foi a criação de agências reguladoras locais, levadas a cabo no
Brasil por Fernando Henrique Cardoso, membro da Comissão Trilateral
criada em 1973 por David Rockefeller.
A exemplo das políticas internacionais de educação que a Unesco
mantém para modificação do comportamento, tal como explica Pascal
Bernardin no livro Maquiavel Pedagogo, as políticas nacionais de
comunicação são levadas pelo paradigma da função de mudança social dos
meios de comunicação em substituição às velhas funções informativas.
Outro trecho das resoluções do simpósio de Tampere diz:

...A adoção da ideia de uma política de comunicação nacional (…)


completa o processo que, iniciado com o planejamento da educação
há doze anos, tem progressivamente orientado as várias partes do
programa para a tarefa de dirigir, de modo sistemático, os esforços
nacionais na área de competência da Unesco para objetivos
específicos, isto é, favorecendo uma política que é, ela própria, parte
integrante de um planejamento global para um desenvolvimento
global (…) O atual Programa Preliminar não é, seguramente, mais
do que um primeiro passo nesta direção, e o processo será leto e
difícil. Mas o próprio fato de o primeiro passo ter sido dado merece
menção, porque representa uma inovação que pode ter
consequências de longo alcance.

A práxis destes debates se baseia em criticar o predomínio da


lógica de mercado no fluxo de informações e, ao mesmo tempo, propor que
as comunicações sejam submetidas a um controle de qualidade usando
como justificativa a própria lógica comercial. Evidentemente este controle
será exercido pelo estado a exemplo de agências reguladoras estatais. É o
que está por trás da tal “neutralidade de rede”, proposta pelo Marco Civil da
Internet. Para quem teme o controle dos grandes monopólios de
comunicação, cartéis de prestação de serviços de internet, há que se
preocupar ainda mais com o monopólio estatal do controle do fluxo de
informação, que atuará não exatamente no custo da prestação de serviços,
mas na seleção de informações disponíveis dentro do país, como já é feito
em muitos países ditatoriais. É bom lembrar que o governo brasileiro já em
2010 foi recordista em pedidos de supressão de conteúdo ao Google. O
poder de atuar nas informações que entram na internet nacional já é
exercido com o aval internacional baseado nas diretrizes da Unesco. O
Marco Civil foi mais um meio de regulação proposto por uma elite global
que odeia a liberdade e, por isso mesmo, diz agir em nome dela.
Todas as medidas que visam proteger as comunicações nacionais
de interferências estrangeiras, se baseadas nestes princípios, estarão fadadas
a colaborar em sentido contrário, isto é, produzir uma ainda maior
dependência das legislações e tratados vindos de fora. Quem quer que
defenda medidas protecionistas quando o assunto é comunicação deve
tomar muito cuidado nestes tempos de tirania globalizada, em que grandes
instituições supranacionais querem controlar a visão de mundo e
homogeneizar as consciências. A complexidade de tudo isso vem do fato de
que, se de um lado muitas vezes por meio dos canais abertos ao exterior é
que ocorre a invasão de conteúdos transformadores sutis e subliminares, é
de fora que podem vir as informações que são sonegadas pelas mídias
locais. Isso quer dizer que órgãos como a Unesco não devem estar à frente
de processos de democratização já que seu intuito é eliminar todas as
barreiras e gerar, como já vimos, consentimentos globais para conformar o
seu socialismo mundial. Pode-se dizer até que qualquer boa ideia vinda
daqueles órgãos deve ser rejeitada, sob pena de o país tê-los como
“definidores primários” de suas prioridades e diretrizes de suas políticas
internas.
Embora tenha planos claramente socialistas, não se pode ficar
preso nas definições ortodoxas das ideologias como apareceram e ficaram
conhecidas durante o século XX. O socialismo nada mais é do que uma
política do controle totalitário e é só isso que busca. Mesmo assim, nunca
ficará satisfeito com o poder que eventualmente alcance. A ONU pode
defender privatizações, desestatizações e planos de cooperação empresarial
para viabilizar tecnicamente determinadas condições, desde que seja tudo
debaixo de suas regras e resoluções.
Temos insistido aqui sobre a mudança de paradigma da
comunicação jornalística que vai desde a orientação para a função
informativa até o atual modelo baseado na pura transformação social
funcional. Somente tendo isso em conta podemos compreender o sentido e
objetivo dos estudos da Unesco e de sua suspeita preocupação com a
influência externa de grandes grupos de mídia ocidentais e desenvolvidos
dentro das pobres sociedades emergentes. Mesmo segundo os pesquisadores
da Unesco, a concentração de poder midiático é um fenômeno mundial
preocupante.
Descobriu-se que a maior parte dos programas de televisão é
produzida por algumas sociedades desenvolvidas industrialmente e que as
nações menores e mais pobres importam grande parte de suas programações
diárias. Isso parece ser um problema, segundo Jorge Werthein, autor do
livro Meios de Comunicação: realidade e mito, prefaciado por Fernando
Henrique Cardoso. Tudo isso é visto com muita preocupação e a sugestão
evidente dos estudiosos da Unesco foi de que se deveria viabilizar
programas especiais de financiamento para treinamento de profissionais de
mídia naqueles países.
Evidentemente não se trata aqui somente de fomentar a libertação
dos povos das amarras imperialistas. Estes povos não estavam somente
livres da influência supostamente nefasta dos países desenvolvidos.
Primeiro, embora expostos ao produto final da mídia dos países
desenvolvidos, estavam privados do treinamento que já se espalhava por
aqueles países, cujo paradigma técnico já estava inteiramente entregue aos
frankfurtianos e estudos culturais. Dito de modo mais imaginativo, se
deixados longe da influência ocidental, talvez desenvolvessem um sistema
de mídia meramente informativo, que tivesse como princípio o do “livre
fluxo de informação”, algo visto como ultrapassado. Bom mesmo é o
jornalismo transformador vindo do ocidente.
Ao problematizar a dependência desses países aos produtos
culturais e informativos “dos ricos”, defendiam uma dependência ainda
mais profunda, no nível educacional e formativo. O que chamam de
“equilíbrio” para “áreas incapazes de determinar seu próprio destino
cultural”, é na verdade uma deficiência na parte produtiva, que deveria ser
sanada ensinando-os a transformarem-se e se emanciparem dos
“colonialistas”. Na mesma medida, buscam livrar os países pobres dos
paradigmas importados do mundo desenvolvido para injetá-los os clássicos
paradigmas do subdesenvolvimento, teorias de dependência econômica e
reivindicações internacionais, estimulando o conflito nas políticas externas.
Afinal, se a sociedade é luta de classes, o mundo precisa estar em pé de
guerra, tanto para gerar condições para a revolução global quanto para
justificar a existência de órgãos de arbitragem internacional.
Como explicamos no início, a tradição norte-americana de
jornalismo foi a que predominou nas Américas por longo tempo e está
ligada ao papel informativo e à crença na objetividade jornalística e o
modelo de negócio das empresas de comunicação. Diversamente, a ONU
busca em muitos países subdesenvolvidos estimular políticas inspiradas em
outra visão comunicativa, em que a orientação social dá ao jornalismo
funções de reportar as ideias correntes, isto é, importando menos a
objetividade dos fatos e mais a persuasão para o debate público.
Com isso, porém, não estou buscando demonizar o modelo
europeu opinativo. Claro que o Brasil, tal como a América Latina, possui
grande influência também deste modelo e há infindáveis discussões sobre
um modelo latino-americano de jornalismo, o que não é o caso de discutir
aqui. Também não é o caso de priorizar o modelo americano. O fato é que,
no âmbito dos fatos, estes modelos não são separáveis e nem estão sozinhos
na prática jornalística. Há inúmeros outros modelos, mistos e compostos,
originais ou tradicionais de jornalismo que concorrem para um lugar na
prática e teoria das profissões da comunicação. Não obstante a isso, fica
evidente a existência de um antagonismo entre os demais modelos e o
norte-americano, no qual as entidades globalistas costumam encarnar todo o
mal. Apesar deste modelo estar muito longe de ser ideal ou perfeito, parece-
nos um dos poucos a defender um entendimento do jornalismo ligado à
noção de verdade, mesmo que na prática ele possa servir à utilização deste
conceito de modo equivocado e insuficiente.
O livro de Werthein, como muitos outros, está localizado ao lado
do ponto de vista hegemônico dos estudos de comunicação. Isto é, ao lado
dos técnicos das Nações Unidas e dos engenheiros sociais ligados à
Sociedade Fabiana, Open Society, Fundação Ford e demais entidades
milionárias financiadoras de ONGs por todo o mundo. Elas são inimigas do
livre fluxo de informação, paradigma norte-americano, e de todo tipo de
liberdade limitadora de poder no planeta. Seu intuito, como sabemos, é o
governo mundial, o controle dos recursos, da economia e,
consequentemente, da comunicação. Portanto, diz Werthein: “o livre fluxo
de informação, reforçado pelo poder econômico, conduziu a uma situação
mundial em que a autonomia cultural de muitos países (senão da maioria)
está cada vez mais subordinada às produções e perspectivas das
comunicações de algumas poderosas economias de dominação do
mercado”.
Esquerdistas caricatos, idiotas úteis, ficariam confusos e
desnorteados diante do fato de instituições internacionais milionárias
estarem apoiando o fim do domínio das grandes potências sobre a
comunicação. Isso porque na mentalidade destes esquerdistas, qualquer
milionário está agindo a mando do “grande capital” e, por isso, não detém a
consciência das verdadeiras necessidades das classes trabalhadoras dos
povos. Ora, como já vimos no início deste livro, a maioria dessas entidades
formaram-se sob o patrocínio de grandes milionários individuais de crença
pessoal claramente socialista.
De repente, muitos esquerdistas estão se dando conta de que o
velho monstro capitalista da globalização pode não ser tão ruim assim. Este
monstro do Capital parece estar concedendo muito dinheiro às causas
socialistas e voltando a alimentar esperanças perdidas em alguns núcleos da
esquerda internacional. O antigo fato incontestável e até inevitável da
globalização se tornou uma agenda de esquerdistas pelo mundo todo, o que
movimenta tanto dinheiro e tropas de militantes quanto jamais qualquer
movimento de esquerda sonhou. São ambientalistas, feministas,
homossexuais ativistas, defensores dos direitos dos animais, praticantes de
Yoga e seus gurus, profetas da Nova Era; de outro lado, neofascistas,
antissemitas e antissionistas, neoeurasianistas, libertários e tantos outros
rótulos ideológicos vestidos por pessoas reais que renunciam à condição
humana para abraçar uma causa, uma proposta global de mundo e um
paraíso na Terra. Todos eles trabalham, em última análise, para a grande
causa revolucionária que quanto mais múltipla e caótica, mais produz
transformações profundas e incompreensíveis, gerando a necessidade de
mais mudanças, correções, compensações. Além disso, uma comunicação
essencialmente transformadora da realidade implica em uma sucessão
vertiginosa de mudanças na linguagem que a comunicação humana parece
correr o risco de se extinguir. Um mundo assim está muito mais próximo de
um inferno do que de um paraíso na Terra.
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[1] BENSON, Robert Hugh. O senhor do mundo (1907): livro que prevê com antecedência a
destruição da Europa e a ascensão de ideologias anticristãs no alvorecer do século seguinte.
Edição brasileira pela Ecclesiae (2013).
[2] “É muito provável que o aumento observado da concentração de gás metano é devido às
atividades antropogênicas, predominantemente a agricultura e o uso de combustível fóssil. Mas
contribuições relativas a diferentes tipos de fontes não estão bem determinadas” (IPCC, 2007,
página 4). Na mesma página, o relatório esclarece que a expressão “muito provável” (very likely)
refere-se à porcentagem de 90%.
[3] https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/123134
[4] A primeira edição brasileira do livro Opinião Pública, de Lippmann, só foi publicada em
2008.
[5] Não é o caso, aqui, de sondarmos as causas filosóficas desta crise, sobre a qual pesa a profunda
mudança na concepção do processo do conhecimento. Quando alguns cientistas sociais transpuseram
ao estudo da sociedade o conceito de experiência científica utilizado nas ciências naturais, no qual o
experimento da alteração e modificação é o próprio método do conhecer, estava aí o gérmen do
anseio pela transformação social que guiaria a sociedade ao caminho do esperado progresso. Embora
este método fosse logicamente oposto à concepção de um curso histórico inevitável (do progresso ou
da revolução), as duas coisas se combinaram em um método dialético de construção da realidade,
conforme propôs Hegel. O principal resultado do método da dialética hegeliana passa a ser a
destruição, através do trabalho do negativo (tese, antítese e síntese).

[6] MANNHEIM, Karl. Diagnóstico de nosso tempo (1954)


[7] Esta história pode ser conferida em livros como Os intelectuais na Idade Média (Jacques
LeGoff), entre outros.
[8] É comum ouvirmos de professores universitários ou na imprensa, que a Igreja Católica
esteve sempre ao lado do poder político. Se assim o fosse, não haveria o já evidente processo de
secularização que deu origem às ideologias modernas, versões laicas ou ateias da missão cristã.
Ao contrário, o poder político representou sempre as facções anti-católicas que se formaram e
fortaleceram com a criação dos estados-nacionais que tentavam libertar-se da influência espiritual
da Igreja, influência esta que é e sempre foi vista como um autoritário controle das paixões
humanas.
[*] Dentro de correntes pós-modernas, autores como Michel Maffesoli sugerem um
processo de secularização essencial muito mais amplo, que vai desde a transição de crenças
míticas para sistemas teológicos mais complexos, passando pela burocratização da Igreja Católica
e a criação de ideologias políticas baseadas em movimentos messiânicos. Talvez esse processo
esteja na raiz da sua manifestação inversa, isto é, a transformação de doutrinas seculares em
crenças míticas e quase religiosas ou baseadas em antigas heresias gnósticas como explica Eric
Voegelin. Parece que quando uma ideologia estabiliza-se e perde de de vista as poucas bases que
tinha no real, mitifica-se e se adequa à natural necessidade que o homem tem para a fé em alguma
coisa.
[*] HANEGRAAFF, Wouter J. Esoterism and Academy (2012);

[*] LE BON, Gustave. As opiniões e as crenças (1895).


[*] Lippmann, Walter. Opinião Pública, 1922, p.42 (2009).
[9] Sobre o Project Syndicate, ver Cap. IV.
[*] Steel, Ronald. Walter Lippmann and the american century (1980).
Ver Harry C. McPherson, Jr. (Foreign Affairs)
Link: <http://www.foreignaffairs.com/articles/34278/harry-c-mcpherson-jr/walter-
lippmann-and-the-american-century> (acessado em nov. 2013)
[10] Armand e Michèle Mattelart. História das teorias da comunicação (2010, Edições
Loyola)
[11] Paul Lazarsfeld.The people’s choice. How the voter makes up his mind in a
presidential campaign (1962).
[12] V. Travis, Carol; Aronson, Elliot – Mistakes were made (but not by me) – why we
justify foolish beliefs, bad decisions, and hurtful acts – Harcourt books – 2007.
[13] BERNARDIN, Pascal. O Império Ecológico: ou A subversão da ecologia pelo globalismo
(1998).
[14] MATTELART, Armand e Michele. História das teorias da comunicação.
[15] American National Biography, Oxford University Press.
Link: http://web.mit.edu/m-i-t/profiles/profile_ithiel.html
[*] Na última parte deste livro tratamos do debate global sobre as políticas nacionais de
comunicação que embasam os projetos de regulamentação ou a chamada “democratização dos
meios”. Como tentamos demonstrar, estes debates fazem parte da agenda global pelo total
controle da comunicação de massa no mundo, muito além daquele que já ocorre.
[16] Henry Jenkins. Cultura da convergência (2006)
[17] Ithiel de Sola Pool. Technology of freedom (1986), p.112; Citado do livro Cultura
da convergência, de Henry Jenkins (2006), p.35.
[18] Tim Wu. Impérios da comunicação, p.199
[19] Norbert Weiner. Mathematics to the Technologies of Life and Death. Cambridge:
MA MIT Press, 1980, p. 147-148
[20] Stephen Pfohl. O delírio cibernético de Norbert Weiner. Revista Famecos, n.15.
(2001)
[21] MCMEEKIN, Sean. The Red Millionaire: A Political Biography of Willi
Münzenberg, Moscow’s Secret Propaganda Tsar in the West. (New Haven: Yale University Press,
2003).
[22] JAY, Martin. A imaginação dialética. Rio de Janeiro: Contraponto, 2008.
[23] Francisco Rüdiger. A escola de Frankfurt (capítulo de Hohlfeldt, Antonio. Teorias
da comunicação. ed. Vozes: Petrópolis, 2001, p.138).
[*] O ex-agente da KGB Yuri Bezmenov concedeu uma série de entrevistas no início
dos anos 80, facilmente acessível pelo Youtube, sobre as técnicas de subversão utilizadas pela
URSS nos países do eixo soviético. O ex-espião denuncia nessas entrevistas a operação em curso
em todo o Ocidente, principalmente nos Estados Unidos. O leitor poderá encontrar facilmente
estes vídeos buscando o nome do agente e a palavra “subversão” para compreender do que se
trata.
[24] Heitor De Paola. O Eixo do Mal Latino-Americano (2008, p.119).
[25] Renata Borges Crispim. Estratégias singulares de agendamento: o caso do
Greenpeace (2003)
[26] Sorokin classifica dois grandes supersistemas sociais que vigoraram na humanidade
segundo a sua premissa de realidade-valor primordial: o supersistema sensivo e o ideativo. O
sensivo é aquele segundo o qual a validade da verdade está nos sentidos, na apreensão por eles. Já
o ideativo dá este valor a um Deus supersensorial e supra-racional. A Europa dos séculos XVI até
XX apresenta-se como produto do modelo sensivo. “A religião e a teologia declinaram em
prestígio e influência. Indiferente à religião e por vezes até irreligiosa, a ciência sensorial
converte-se na suprema verdade objetiva. A verdade real passa a ser a verdade dos sentidos,
empiricamente percebida e testada. (...) O tipo mais comum de pessoas, o seu modo de vida e as
suas instituições também se tornaram predominantemente sensivos” (SOROKIN, P. A. Novas
Teorias Sociológicas. 1969).
[27] SÉVILLA, Jean. O terrorismo intelectual: de 1945 aos nossos dias (1954).
[28] Informações do livro O eixo do mal latino americano e a Nova Ordem Mundial, de Heitor
De Paola (2008).
[29] Idem
[30] Idem
[31] Leszek Kolakowski. O espírito revolucionário e marxismo: Utopia e antiutopia
(1974).
[32] MORIN, Edgar. A cultura de massa do século XX: volume I: neurose. Forense
Universitária (2005).
[33] Wilson da Costa Bueno. Comunicação e jornalismo ambiental (2007).
[34] John McCormick. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista
(1994).
[35] Walter Williams. Artigo Mídia Sem Máscara. Os ambientalistas e sua agenda anti-
humana nos fazem de idiotas. Link:
http://www.midiasemmascara.org/artigos/ambientalismo/14161-os-ambientalistas-e-sua-agenda-
anti-humana-nos-fazem-de-idiotas.html
[36] http://www.forbes.com/sites/henrymiller/2012/09/05/rachel-carsons-deadly-
fantasies/
[37] Idem.
[38] Paul Ehrlich. Ecoscience: population, ressorces, enviroment (1977).
[39] FERGUSON, Marilyn. A conspiração aquariana: transformações pessoais e sociais nos
anos 80. Rio de Janeiro: Record, 3ª Edição.
[40] Big Brother (grande irmão) é uma referência ao livro 1984, de George Orwell, no qual um
governo totalitário mundial observa e controla a conduta de todos os cidadãos.
[41] Dados do Ministério da Saúde do ano de 2010.
[42] http://padrepauloricardo.org.
[43] Conceitos extraídos das obras: Francisco Roberto Caporal e José Antônio
Costabeber: Agroecologia e sustentabilidade: base conceitual para uma nova extensão rural
(2001); e A. Escobar. El desarollo sostenible: dialogos de discursos (1995)

[44] As funções do jornalismo ambiental utilizadas foram as elaboradas por Wilson da


Costa Bueno.
[45] Embora o site do Project seja público e aberto a todos, há muito pouca informação disponível a
respeito. As informações que trazemos aqui foram levantadas pelo jornalista Alex Pereira e eu
durante o ano de 2012, com as quais publicamos um artigo na revista eletrônica Mídia Sem Máscara
naquele ano. Além da observação do site e do levantamento da história da Open Society e de George
Soros que usamos para complementar, as únicas fontes encontradas a respeito do Project foram uma
pequena nota da Fox News e um artigo do Media Research Center, sendo que nosso artigo
permaneceu como única fonte em português sobre o assunto.

[46] Tim Wu. Impérios da comunicação: do telefone à internet, da AT&T ao Google


(2012).
[47] Jorge Werthein. Meios de comunicação: realidade e mito (1979)
[48] Murilo César Ramos; Suzy dos Santos (orgs.). Políticas de comunicação: buscas
teóricas e práticas (2007)

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