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Jornalismo A

Ano letivo 2021/2022


Unidade Curricular de História dos Media
Docente: Júlia Barros
Discente: Mariana Madeira, n.º 13249

Ensaio académico problematizando a citação:


“A censura à imprensa é um instrumento de governação política”

A liberdade de imprensa é, muitas vezes, vista por nós, cidadãos da Europa


ocidental do século XXI, como um bem totalmente adquirido, que é garantido e isento de
qualquer tipo de ameaças. No entanto, para outros países (autoritários) a censura, a maior
ameaça que existe à liberdade de imprensa, é ainda uma verdadeira realidade. O que aqui
acontece é que esta parece ser uma realidade muito longínqua, que nunca nos atingirá,
mas é importante manter um pensamento consciente e alerta no que diz respeito às formas
de censura e repressão.

Ora, no que toca à ditadura portuguesa, num passado que é ainda muito recente, a
censura à imprensa era, sem dúvida, um instrumento de governação política do regime
português e de todos os outros regimes totalitários. Esta censura imposta aos meios de
comunicação social pode ser – e era – feita de formas diferentes: censura na rádio, na
televisão, e na imprensa escrita – os jornais. E é um poderoso e indispensável instrumento
de governação política porque dá a hipótese a quem está no poder de, através da
imposição de limitações à imprensa, impedir que se fomente a consciencialização da
população e que se ponha em causa a ideologia inerente ao regime em causa. Ideologia
esta que e também fomentada através da propaganda. Aliás, é-me praticamente
impossível não falar de propaganda, outro mecanismo de governação política, enquanto
falo de censura: a censura esconde aquilo que não se quer que seja visto – o regime é
pintado como algo essencial para a manutenção de um bom (e fictício) Portugal.

A censura do Estado Novo, herdeira da época da Ditadura Militar, foi um dos


pilares da política de informação de António de Oliveira Salazar e, mais tarde, de Marcelo
Caetano, especialmente na televisão: “na sua dimensão dissuasora, no plano da criação
de uma estratégia dos consensos e enquanto «organismo ético» (…) a censura foi um
modelo repressivo e normativo essencial e determinante na manutenção do regime e do
seu aparelho” (Cádima, 1997)1. A censura radiofónica era igualmente uma realidade e,
naturalmente, para além da informação que era passada ser totalmente controlada, até as
músicas que podiam passar eram restritas. Assim como acontecia nas redes televisivas, a
informação nas estações de rádio “estava devidamente controlada pelo regime” (Cristo,
2005)2, principalmente naquilo que diz respeito à guerra em África, a guerra do Ultramar,
que era pintada como uma guerra leve, sem conflitos de maior complicação, como se
Portugal fosse obrigado a intervir por forças externas.

A censura à imprensa escrita teve também um impacto muito forte nos jornais
portugueses e os editores eram forçados a escrever (ou a não escrever) sobre determinados
assuntos de determinada forma. Aliás, existiam um conjunto de normas orientadoras que
eram impostas para o uso interno da direção para a censura da imprensa: “a primeira ideia
a ter em mente na censura de textos (notícias e outras formas de informação, relatórios,
artigos e comentários) deve ser… a unidade intrínseca de todos os territórios portugueses,
independentemente dos continentes em que estão localizados” (Castelo, 2017)3. Enfim,
para além da censura imposta pelo regime ditatorial, que tinha como principal objetivo
manter a opinião pública do lado do regime e não contra ele, existia, também, um certo
nível de autocensura. E esta tal autocensura era mais comum do que aquilo que nós
podemos pensar: até depois do fim da censura, os meios de comunicação sentiam
dificuldade em se desvincularem da escrita que fugia do “lápis azul” que lhes assombrou
durante décadas.

Tal como fiz questão de referir logo muito inicialmente, a propaganda e a censura
andam de mãos dadas. Afinal, “a propaganda e a censura fizeram parte do mesmo
processo de condicionamento e coerção do espírito e de autodeterminação cognitiva”
(Castelo, 2017).4 O Estado Novo precisava desesperantemente de que a população o
apoiasse e não se podia dar ao luxo de a comunicação social pôr em causa a sua ideologia,

1
Cadima, F. Rui, “A Televisão e a ditadura (1957 -1974) in Revista História, nº 29 ,2012, março
1997.
2
Cristo, Dina, “ A Informação”, Rádio em Portugal e o declínio do Regime de Salazar e
Caetano ( 1958 -1974). Coimbra: Minerva, 2005
3
Castelo, C., The Luso -Tropicalist Message of the Late Portuguese Empire, Media and
Portuguese Empire, London: Palgrave Macmillan, 2017.
4
Castelo, C., The Luso -Tropicalist Message of the Late Portuguese Empire, Media and
Portuguese Empire, London: Palgrave Macmillan, 2017.
então, a censura servia como bengala à propaganda. Estes dois instrumentos de
governação política complementam-se, já que a censura extermina aquilo que não
interessa ao regime, e a propaganda é o reflexo da imagem que o regime quer ver passada
ao público.

Acho interessantíssimo o facto de, no fundo, mesmo após a abolição da censura


após o 25 de abril de 1974, ter continuado a existir uma espécie de controle sobre a
imprensa. Ora, após a revolução, “duas preocupações coexistiram desde o primeiro
momento, na ação revolucionária de 25 de abril: destruir os mecanismos repressivos de
liberdade de expressão próprios do antigo regime (abolição da censura); assegurar a
influência do novo poder político nos órgãos de informação de maior audiência
(apropriação da televisão e estações de rádio)” (Mesquita)5. Apenas através desta citação,
que, pessoalmente, acho que por si já é bastante explicativa, podemos perceber que os
órgãos de comunicação e os órgãos de governo andavam lado a lado, assistindo a uma
certa subordinação dos primeiros para os segundos. Enfim, afinal, mesmo com a abolição
da censura no pós 25 de abril, ela continuou a existir, ainda que de forma menos explicita.

Reforçando novamente a ideia de que a censura ainda existe em países onde os


regimes autoritários persistem, gostaria de ressalvar a importância do combate contra a
censura, neste caso em específico, na imprensa. Afinal, é através dos jornais, da televisão
e da rádio – e, hoje em dia, também da internet – que recebemos a grossa parte da
informação que consumimos, e uma informação censurada e controlada pelos
governantes não é realmente informação. Na verdade, é uma ideia fantasiada daquilo que
é a realidade. E qualquer cidadão tem o direito de receber informação verdadeira.

Por fim, gostaria de deixar uma última reflexão: será que, apesar de vivermos em
democracia e termos efetivamente uma legislação que proíba a censura e dê enfâse à
necessidade da liberdade de expressão e de imprensa, não somos também nós vítimas de
censura, ainda que de outra forma? Será que enquanto futura jornalista não pensarei duas
– ou mais vezes – sobre aquilo que escrevo? Isto não quer dizer que realmente não tenha
de refletir sobre aquilo que transmito ao público. Aqui estou a falar de ter cuidado com
aquilo que escrevo, receando repercussões no meu meio de trabalho. Será que não sofrerei

Mesquita, Mário, “Estratégias liberais e dirigistas na Comunicação Social de 1974- 1975” in


5

Comunicação & Linguagens


pressão de superiores para não abordar determinado assunto de determinada forma? Será
que a censura ficou realmente presa no Estado Novo?

Bibliografia

Cadima, F. Rui, “A Televisão e a ditadura (1957 -1974) in Revista História, nº 29


,2012, março 1997.
Castelo, C., The Luso -Tropicalist Message of the Late Portuguese Empire, Media
and Portuguese Empire, London: Palgrave Macmillan, 2017.
Cristo, Dina, “A Informação”, Rádio em Portugal e o declínio do Regime de
Salazar e Caetano ( 1958 -1974). Coimbra: Minerva, 2005
Mesquita, Mário, “Estratégias liberais e dirigistas na Comunicação Social de
1974- 1975” in Comunicação & Linguagens

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