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CAJAZEIRAS-PB
2015
SAMARA DA SILVA ANDRELINO
Cajazeiras-PB
2015
SAMARA DA SILVA ANDRELINO
Aprovado em: / /
Examinador (a)
Examinador (a)
Cajazeiras-PB
2015
Dedico este trabalho a minha mãe,
exemplo de mulher guerreira!
AGRADECIMENTOS
Antes de tudo agradeço à Deus que me deu forças para alcançar mais um projeto em
minha vida. Meus pais, que sempre acreditaram no meu sonho e me ajudaram da melhor
forma possível, e meu esposo, torcedor fiel do meu sucesso.
Não tenho como expressar minha gratidão para o excepcional corpo docente do curso
de história da UFCG. Em especial, minha orientadora Professora/Doutora Silvana Vieira De
Sousa extraordinária profissional, por sua generosidade, fé e orientação espetaculares.
E por fim, seria um relapso se não mencionasse a família de CHICO PEREIRA que
contribuíram com seus preciosos depoimentos.
ANDRELINO, Samara da Silva. História e Memória da Trajetória de Chico Pereira no
Cangaço na cidade de Nazarezinho – PB (1918 – 1928). Monografia (Licenciatura em História)
– Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba, 2015.
RESUMO
Este trabalho de monografia possui como tema geral de pesquisa o cangaço, fenômeno social
que configurou no nordeste brasileiro deixando marcas na cultura, memória e imagética
popular. Seus primeiros traços surgiram por volta do século XVIII, passando pelo XIX e
alcançou seu auge nas primeiras décadas do século XX. Buscou-se descrever parte da história
significativa para a criação desses bandos na Paraíba, enfatizando a política e o domínio dos
coronéis da época. O cangaceiro não seria um revoltado contra o coronelismo. Pelo contrário:
se complementam. Eles associavam-se aos poderes locais ou impunham-se contra eles,
resolvendo querelas e pendências conflituosas. Estas situações dependiam das circunstâncias
do momento. O objeto da pesquisa se apresenta na figura do cangaceiro chamado Francisco
Pereira Dantas, conhecido por Chico Pereira, um cangaceiro diferenciado dos demais atuando
no sertão nordestino, que entrou no cangaço para vingar a morte do seu pai, João Pereira. A
problematização se dá em torno, a partir da sua vida e trajetória no cangaço entre os anos de
1920 -1928, na cidade de Nazarezinho – PB. A partir da obra ‗Vingança , Não‘ de autoria de
Francisco Pereira Nóbrega, de relatos e depoimentos, de pesquisas em sites e consulta de
outros autores foi construída toda trajetória que buscou compreender os principais fatores de
surgimento do cangaço para a elaboração da imagem do cangaceiro diferenciado dos demais
componentes dos bandos, e entender a história do homem sertanejo preocupado com a justiça
de seu povo que herdava o sentimento de vingança.
ABSTRAT
This thesis work has as a general theme of research the bandits, social phenomenon that set in
northeastern Brazil leaving marks on culture, memory and popular imagery. His first traces
emerged around the eighteenth century through the nineteenth and reached its peak in the
early decades of the twentieth century. He attempted to describe part of the significant history
to the creation of these bands in Paraiba, emphasizing the policy and the dominance of the
colonels of the time. The bandit would not be a revolt against the Colonels. On the contrary,
they complement each other. They associated themselves to local authorities or imposed
against them, resolving quarrels and conflicting pending. These situations depend on the
circumstances of the research time. The object shown in the figure bandit named Francisco
Pereira Danas, known as Chico Pereira, a differentiated bandit of others working in the
northeastern hinterland, which entered the bandits to avenge the death of his father, Jiao
Pereira. The questioning revolves around, from his life and career in cognac between the
years 1920 -1928 in the city of Nazarezinho - PB. From the book 'Revenge, No "by Francisco
Pereira Nobrega, reports and statements of research on websites and consultation of other
authors we arrived the whole path that sought to understand the main cangaço appearance
factors for the development of image differentiated from the other components of the bandit
gangs, and understand the history of country music worried man with the righteousness of his
people that inherited the feeling of revenge.
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
1. ESTRUTURA SOCIAL E COTIDIANO DA PARAÍBA EM FINS DO SÉCULO
XIX E ÍNICIO DO SÉCULO XX .................................................................................. 13
1.1 Familismo e predomínio do poder local .......................................................... 13
1.2 O algodão e o gado na Paraíba em tempos de cangaço .................................. 17
1.3 Estrutura do poder da Paraíba e conflitos sociais ........................................... 18
2. HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DO CANGAÇO .......................................... 21
2.1 O cangaço na literatura clássica regional ........................................................24
2.2 Os cangaceiros ................................................................................................... 25
2.3 O cangaço na Paraíba e na vida de Chico Pereira ..........................................30
3. CULTURA E VIOLÊNCIA SOCIAL NA HISTÓRIA DO CANGACEIRO
CHICO PEREIRA ......................................................................................................... 32
3.1 Seca e flagelo social no meio social ao qual fazia parte Chico ........................ 32
3.2 A trajetória de Chico Pereira no cangaço 1922 à 1928 ................................... 36
3.3 Vingança não:uma versão da história de Chico Pereira no cangaço ............ 37
3.4 O assassinato: injustiça e vingança passional .................................................. 38
3.5 A entrada no cangaço como um infortunio familiar ...................................... 40
3.6 A história de Chico Pereira como cangaceiro ................................................. 43
3.7 “ Os novos” tempos no poder e na política na paraíba e o fim de
Chico Pereira .................................................................................................................. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 55
10
INTRODUÇÃO
1
Familismo corresponde a uma política familiar pouco desenvolvida, associada a sistemas de proteção familiar
baseadas no homem provedor e na centralidade da família como provedora de cuidados e bem-estar. (MIOTO,
CAMPOS, CARLOTO, 2015 – pag.102)
Na visão de João Gualberto, compreender os instrumentos para a conservação do coronelismo no Brasil, é
―necessário insistir na importância da estrutura familiar para a conservação do coronelismo‖ (1995, pag. 42).
Neste caso, o familismo era formado por grupo de indivíduos unidos por laços e parentesco sanguíneo, relações
de compadrio ou uniões patrimoniais.
No mesmo raciocínio Janotti (1992) afirma que o continuísmo no poder de membros de determinadas famílias,
apesar das sensíveis transformações após 1930, representava a solidez de influência do grupo familiar, história
contemporânea do Brasil.
14
Com base em Ianni (1975), podemos observar que no regime oligárquico, o poder não
é decidido de acordo com a decisão coletiva, visto que o povo adere a ela, por meio de atos
ilicitamente acessíveis às práticas tradicionais de compra e troca, comumente aceitas (por falta
de instrução intelectual e política), como a troca de favores, a violência e a resignação ao
status quo. Essas oligarquias tinham raízes nos diversos setores, da economia açucareira,
algodoeira, pecuarista e cafeicultora. Embora entre as próprias oligarquias acorressem
constantes rivalidades, elas se mantinham unidas para impedir a criação de organizações da
sociedade a exemplo dos sindicatos afim de manter o controle do poder sem a intervenção
popular.
Nesse contexto, os partidos políticos serviram às oligarquias, visto que os grupos
correligionários se apossaram das legendas nos estados e, assim, de forma hegemônica
conquistaram e mantiveram-se no poder regional. Esse processo acontecia na ―base do critério
pessoal‖, como coloca Carone (1974), que definia os deputados, juízes, funcionários públicos.
Todos esses cargos dependiam do governo, o que gerava uma extrema dependência às
oligarquias.
Podemos observar a partir da leitura sobre a temática que as oligarquias mantinham
vínculos com o povo de várias formas, mesmo que fossem esses os piores possíveis. O
empreguismo era uma das principais ferramentas usadas para conquistar a hegemonia através
do domínio do povo. A dependência dos favores. O nepotismo, a corrupção eleitoral e o medo
de colidir com o poder dominante, visto que era quase impossível a derrubada, sem estratégias
políticas embasadas em projetos convincentes e inovadores.
Em uma dessas situações e se colocando como oposição, por um período, Epitácio
Pessoa, um dos Governadores da Paraíba no Período Republicano, ressalta, em carta a João
Tavares, a seguinte mensagem:
e nos pequenos municípios. Esse sistema representou uma das mais características formas de
opressão, tendo em vista que com ele, aumentou a desigualdade de classe, sobretudo, à
distribuição desigual e extremamente irregular de terras, como coloca Soares (1973).
Esse sistema oligárquico talvez não tenha sido exterminado totalmente, pois podemos
notar até hoje, sobretudo no cenário paraibano, as oligarquias se redefinindo de outras formas,
e outros moldes, na tentativa de permanecerem no poder. Vemos ainda, o povo diante de
quase as mesmas formas de submissão e dependência de mesma essência do regime
oligárquico.
No contexto de articulação dessa política oligarca na Paraíba do final do século XIX e
início do Século XX, não podemos deixar de destacar o papel do coronel enquanto
―instrumento‖ expressivo na dinâmica do Estado Oligárquico.
O termo ―Coronel‖, segundo o dicionário Aurélio, significa
até 1905, deixando o poder somente depois da sua morte, passando então para seu filho José
Pereira que usando de estratégias firmes, tronou-se um membro ímpar no domínio estadual.
Os coronéis, querendo firmar forças no poder, usufruíam de seus bens materiais para
sustentar a força do seu poder local legitimando-a perante às forças políticas do Estado
através da soma dos votos para suas alianças partidárias. Daí então que se originou o
chamado ―voto de cabresto‖. Votos ―arrastados‖ pelos coronéis a fim de atender as suas
reivindicações pessoais, de parentela, de clientela ou de ordem pública, como coloca Ferreira
(1993).
Assim sendo, podemos considerar o Coronelismo como uma espécie de dinâmica pela
qual movimentou a articulação da política oligárquica da Primeira República e no Estado da
Paraíba, em especial.
Partindo desse pressuposto, o coronelismo é entendido como um sistema político
nacional, fundamentado em barganhas entre o governo central e o poder local dos coronéis.
Neste caso, o governo estatal garante o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,
garantindo-lhe o controle de cargos públicos de grande valia, desde a professora do primário a
cargos de alto escalão como o delegado de polícia.
Em se tratando de relações de poder, Fortunato (2000) descreve que para Faoro o
coronel seria um indivíduo altamente eleitoral, em que sua liderança política se desenvolvia a
partir da sua liderança econômica, e o fundamento para que o seu poder se legitimasse estaria
a aliciação de eleitores e o no propósito das eleições. (p. 29) No entanto, o domínio do coronel
derivaria mais do seu prestígio e da sua honra social, tradicionalmente reconhecidos, ao invés
da situação econômica. Logo as relações de poder, só estariam configuradas como relações
institucionais.
Na concepção de Maria de Lourdes Mônaco Janotti, a sucessão da tradição do poder
coronelista perdurou devido à preocupação do coronel de morrer e acabar com o império de
sua influência. Devido a esta preocupação, eram tomadas medidas práticas ainda em vida,
apresentando para seus eleitores seu futuro sucessor. (JANOTTI, 1992, p. 79-80).
Para Maria Isaura Pereira de Queiroz, o fator determinante do sistema coronelista esta
centrado no grupo de parentela que incluía uma vasta rede de familiares, amigos, capangas e
agregados dos proprietários fazendeiros os quais sujeitavam do poder, do dinheiro e da
proteção de um chefe local; portanto o prestígio dos coronéis lhes advinha da capacidade de
prestar favores. (QUEIROZ, 1976, p. 180 e 181).
17
Na Paraíba, como em outros estados circunvizinhos, esse poder fora possível graças às
posses dos senhores proprietários das terras do algodão e do gado.
Foi com base nessa estrutura agrária e de poder de grupos de parentela que se
firmaram e se mantiveram às práticas do chamado sistema do coronelista na Primeira
República. O domínio da política e o acumulo de poder das famílias e dos coronéis
nordestinos em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX foi construído sob o
controle das terras das quais dependia os pobres e trabalhadores para sobreviverem, atuando
como lhes era determinado pelos senhores na criação de gado e da produção do algodão.
Tratava-se de uma produção de mercadorias que entraram no circuito comercial mercantil
interno e externo a exemplo do algodão.
O algodão foi um produto muito importante para a economia da Paraíba, segundo
Ferreira (1993), este produto teve o seu apogeu no século XIX. Durante a Primeira República
e com o advento da Indústria têxtil nacional é que o algodão passou a ser um produto com
peso expressivo no mercado interno. ―Em 1920, a produção de algodão por Estado
apresentava a seguinte colocação: 1º São Paulo; 2º, Pernambuco; 3º, Paraíba; 4º, Ceará e 5º,
Rio Grande do Norte.‖ (Ferreira, 1993, p. 30).
De acordo com a autora, muito embora o Estado estivesse preocupado com a política
tributária, havia certo interesse também em estabilizar, para ampliar, a produção latifundiária.
Assim, foram criadas medidas de intervenção para dinamizar esta produção, destacando-se
entre elas, a instituição de prémios de incentivo à agricultura, criação de carteiras de créditos
agrícola, implantação de escolas agrícolas e agropecuárias, além do da criação do serviço de
18
proteção ao algodão e contra a lagarta rosada. ―O serviço de Defesa do Algodão foi criado em
1917, visando atender e orientar os produtores, através de 14 seções instaladas no Estado.‖
(Ferreira, 1993, p. 37)
O algodão era cultivado em todas as microrregiões e constituía-se no produto de maior
peso na economia paraibana. Além dos impostos arrecadados sobre a sua exploração, as
rendas fiscais do Estado eram provenientes da exportação do gado, do açúcar, do café, do
caroço de algodão e da mamona; e ainda dos seguintes impostos: gado abatido, dizimo do
gado, indústria e profissões, importações pelas barreiras, selo, décima urbana, embarcações,
heranças e legados, aguardente, álcool, mel, sola e couro curtidos, borracha, cimento, coco e
de outras origens. (Ferreira, 1993, p. 37)
De modo geral, podemos perceber que a Paraíba no contexto da economia Nacional,
durante a Primeira República teve um percentual favorável, visto que nesse período verificou-
se o apogeu do algodão e outros produtos como o coco. De acordo com estudos da autora
supracitada, em 1920 a Paraíba era o 3º produtor de algodão, 4º em coco, 7º em batatas, 8º em
fumo e açúcar, 10º de mandioca e café, 15º de milho e feijão.
Havia para a produção da agricultura em geral máquinas a vapor ou tração animal,
porém muito escasso. Em especial para os beneficiardes do algodão existiam
aproximadamente 470 máquinas disponíveis para o processo de descaroçamento, o que
significava um nível razoável de produção.
Na Paraíba republicana também, em seis municípios da Zona do Cariri, regiões de
clima úmido, mas geralmente seco como o sertão, havia a criação do maior rebanho de gado
da Paraíba. Nessa região a principal atividade era a pecuária, possuindo, segundo pesquisas
realizadas por Ferreira (1993) 37% do gado existente no território paraibano.
vida marcados por escassez, ignorância, pobreza, miséria significativa deixando a maioria da
população em uma condição de extrema dependência.
Facó (1972) coloca que a ditadura dos ponteados rurais, havia por muito tempo
relegado os pobres do campo à condição de objetos. Sendo assim, a classe agraria
predominante reconhecia no trabalhador da terra a figura do escravo, que era de fato e
juridicamente. Mesmo após a abolição, ainda perdurava esse tratamento de escravidão, não
levando em consideração o respeito do ser humano.
O autor ainda relata a diferença de poder estrutural dos pobres do campo e os
detentores de autoridade, quando afirma:
Diante desta situação, e além das secas que se agravavam e construíam cenários cada
vez mais trágicos, os pobres trabalhadores do campo acostumaram-se procurar melhores
condições de vida em outras localidades, criando-se então no Nordeste o que se chama de
nomadismo e a figura do retirante.2 Os nordestinos emigravam como podiam, seminus,
descalços e famintos. A fome era companheira constante com isso se uniam sem nunca terem
se visto e construíam laços de solidariedade. ―A seca mata-lhes a criação, queima-lhes a roça
e não lhes resta sequer a água barrenta da cacimba rasa, cavada com a enxada junto ao
casebre‖. (FACÓ, 1972 pág. 33).
Neste momento, em que os pobres do campo procuravam driblar a fome e a miséria ao
mesmo tempo que a seca aumentava, manifestaram dois tipos de reação por parte dos
mesmos. Facó (1972) em seu livro os diferenciam como:
2
Como sabemos essa situação foi exemplarmente retratada pela literatura regional e paraibana na obra A
Bagaceira de José Américo de Almeida.
20
Neste trabalho, daremos ênfase não a questão conceitual mas as informações acerca da
formação dos grupos de cangaceiros e ao movimento, levando em consideração os principais
fatos e momentos pelos seus participantes, como foi o caso de Chico Pereira objeto desse
estudo, enfrentados.
21
O termo é antigo, pois nessa região, já em 1834 se dizia de certos indivíduos que
eles ‗andavam debaixo do cangaço‘, designando particularmente os que
ostensivamente se apresentavam muito armados, de ‗chapéu-de-couro, clavinotes,
cartucheiras de pele de onça-pintada, longas facas esterçadas batendo na coxa‘,
como escreve o escritor cearense Gustavo Barroso (1997, p.15)
Alguém era expulso da terra onde vivia havia anos; outro via a filha ser raptada e
engravidada pelos coronéis e seus protegidos; outro ainda – a suprema humilhação
para o nordestino – receba uma ou outra, onde batiam-lhe na cara quebrando sua
―hombria‖. A esses só restava a vingança. E sequer uma vingança social, que os
colocaria contra seus inimigos de fato. Era uma vingança cega, que só podia ser
cumprida se eles se pusessem a serviço do ofensor, praticando atos de valentia para
22
O autor assegura também que existe vários equívocos sacramentados como hipóteses
verdadeiras, nas exposições sobre o início do cangaço. O trabalho da historiografia, nesse
sentido, é buscar os fundamentos sociopolíticos, econômicos e acrescentamos, culturais que
enquadram o entendimento do cangaço como manifestação social.
É importante salientar que as obras que discutem sobre o cangaço indicam que o
mesmo nasce dentro de uma sociedade caracterizada como paternalista (THOMPSON, 1998),
geradora de um sistema de negociação e conflito, sustentado numa cultura de violência, onde
o que alguns autores chamam de banditismo aparece como um caminho, uma escolha ao
sertanejo.
Eram homens da terra pessoas comuns que conheciam muito bem a mata, rotas de
fuga, ervas medicinais, como também tinham auxilio de pessoas do seu conhecimento, que
davam abrigos e os ajudavam na fuga, o que tornava uma missão difícil o Estado para
captura-los.
A revista MNEMOSINE (2013) aponta as secas como um dos fatores primordiais para
o surgimento dos primeiros bandos. A seca mais dura, que justiçou as plantações, matou o
gado e causou fome aos sertanejos, ocorreu exatamente entre 1877 – 1879. Sobre esse
contexto, Queiroz diz:
Para esses intérpretes, o cangaceiro era reconhecido como um tipo de bandido social.
Em 1969 Eric Hobsbawn lança o livro: Bandidos, obra que se tornaria referência no estudo do
banditismo social. Conforme Hobsbawm, o banditismo social é um fenômeno universal, dado
que as pessoas que viviam no ambiente rural teriam todos um modo de vida similar,
determinado pela ligação direta à terra e a uma série de recursos naturais e de reciprocidades
costumeiras na comunidade; portanto, o banditismo social não possui uma época definida
numa cronologia evidente.
23
Ainda de acordo com o autor, o avanço para o capitalismo agrário não acontece num
momento histórico específico e depende do momento em que se produz essa transição.
Nos países desenvolvidos, esta passagem aconteceu no século XVIII, enquanto nas
sociedades da América Latina, no século XX. O momento em que começa o banditismo social
pode não estar muito bem definido, mas está associado à desintegração da sociedade tribal ou
à ruptura da sociedade familiar. O banditismo social acabaria com a disseminação do
capitalismo industrial e com a consolidação do Estado Nacional, estando seu fim relacionado
ao surgimento das classes, e da luta de classes que dariam uma nova orientação às lutas dos
produtores rurais.
Levando em consideração a essa vertente, Carlos Dória (1981), afirma que o cangaço
foi uma forma de banditismo social que ocorreu no nordeste brasileiro entre os anos de 1870 e
1940. Fazendo uso dessa categoria, Dória diferencia o ―criminoso comum‖ do chamado
bandido social. Este seria membro da sociedade rural, considerado criminoso pelo Estado e
pelos grandes proprietários. No entendimento de Dória, esta figura social aparece em
sociedades rurais que estão passando por uma mudança entre a organização tribal e a moderna
sociedade capitalista. Entretanto, as transformações dos valores não acompanham as
transformações materiais de uma sociedade. Por isso, o bandido social continua a fazer parte
da sociedade rural, a qual o considera um herói, já que não reconhece no Estado e na classe
dominante a legitimidade para o estabelecimento do que seria a lei.
Na concepção de Hobsbawm (1976), ―o banditismo consiste em dois esquemas
fundamentais para o fenômeno: o meio rural enquanto ambiente propício à origem e atuação
dos bandos; e a constatação deste meio social como necessariamente pré-capitalista.‖ A
proposta do autor é de que o banditismo social possa ser compreendido mais como um
instrumento de articulação para o protesto social, apoiado no meio rural, do que apenas
tumultos cotidianos.
Chiavenato (1990) concorda com essa passagem da seguinte forma:
um alto número de mortes ocorridas e pela intensidade dos fatos e acontecimentos conhecidos
e narrados.
A ideia corrente na historiografia sobre o cangaço, de que um dos fatores primordiais
para o surgimento do mesmo tenha sido as secas ou estiagens devem ser relativizada, isto
porque, entende-se que as secas ou períodos de estiagem tornavam- se mais um agravante da
vida dos pobres sertanejos da Paraíba violentados em seu cotidiano por uma cultura de mando
e sujeição dos pobres aos proprietários e detentores do poder e das suas regras de convivência.
Neste caso, o autor demonstrou conhecer bem a veracidade dos sertões, e da realidade
do sujeito do cangaceiro, aproximando, assim, seu estilo literário à um relato histórico
surpreendente em realidade.
Outro autor marcante para a literatura do cangaço é Rui Facó em Cangaceiros e
Fanáticos (1963), que marca sua obra a ideia de que os fenômenos de ―fanatismo religioso‖ e
―banditismo‖ corriam por conta da estrutura feudal ou semifeudal do nordeste brasileiro.
Assim sendo, Facó integra na sua obra a tradição cultural do sertão medieval, dentro da
literatura de cordel, peças de teatro, romances etc., para marcar o retardamento da sociedade e
economia nordestinas, assim como a ausência social do sertanejo, no intuito de transformar as
relações semifeudais de produção. Neste caso, os camponeses pobres tinham como opções de
vida, ingressar nos bandos cangaceiros e/ou aderir aos grupos religiosos de lideranças
carismáticas. SÁ (2003).
Na concepção de Facó os camponeses que ainda não possuíssem objetivos bem
definidos de suas atuações nos bandos de cangaceiros e/ou religiosos, estes movimentos
revelavam o momento de enfrentamento e resistência ao poder do latifúndio. Nesse sentido,
destacava a luta heroica do sertanejo para sua sobrevivência com rebeldia, o que tornava,
muitas vezes, percussores de uma tradição revolucionaria. Logo, o cangaceiro tornar-se-á um
problema da história contemporânea e reconhecido, muitas vezes, como herói e mito político
na luta contra os males do latifúndio
A literatura brasileira e a história, se enriquecem na medida em que se complementam.
Cada uma com seu jeito de abordagem particular mas com o mesmo fundamento de
apresentar o movimento. Agregam muitas informações na busca de descrições do cangaço,
levando sempre em consideração as causas do movimento e seus respectivos protagonistas,
que neste caso, eram os pobres camponeses sofridos com intensas secas e opressão diversas.
Disponível em:/http://4.bp.blogspot.com/_-
l9OVTXgoMQ/TNcsXlAm9TI/AAAAAAAAFfk/CiwYIEoM_oQ/s1600/lampiao-1.jpg
Acesso em: 10/11/2015
Disponível em:
<http://2.bp.blogspot.com/BqH_Teb7MS8/UVeLxLFpEXI/AAAAAAAAEwA/YUjYFjsIuFQ/s1600/urlrtr.jpg>.
Acesso em: 10/11/2015.
A história de Lampião e Maria Bonita até hoje é mostrada nas telenovelas, nos
documentários, no cinema e na literatura de cordel. Sendo assim, são figuras de cangaceiros muito
presentes no imaginário e na cultura popular no Nordeste.
Retomando a abordagem e ideia anterior, com o passar dos tempos, os cangaceiros
foram ganhando autonomia e se fortalecendo diante dos coronéis e poderosos chefes locais. A
cada novo enfrentamento, os mesmos conseguiram obter o respeito que tanto apreciava.
Nesta mesma percepção, Menezes (1970, p.78) coloca que:
O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que é proscrito rurais, encarados
como criminosos pelo Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade
camponesa e são considerados por sua gente como heróis, como campeões,
vingadores, paladinos, justiceiros, talvez até mesmo líderes da libertação e como
homens a serem ajudados e apoiados. É essa ligação entre o camponês comum e o
rebelde, o proscrito e o ladrão que torna o banditismo social interessante e
significativo. HOBSBAWN (1976)
Em meio a estas análises, temos que os cangaceiros advinham de uma população que
sofria com a realidade opressiva, e com a desestruturação de sua origem causada pelas
intensas secas naquela região. Lutavam para sobreviver e eram considerados perigosos,
usando de suas astucias para escapar das frequentes armações diárias.
Para Rui Facó, o grande protagonista de todo o cangaceirismo é sem dúvida, Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, descendente de uma humilde família composta por pequenos
criadores e cultivadores do Município de Serra Talhada, no estado do Pernambuco. Assim
como aconteceu com as outras famílias da época, a família Ferreira foi perseguida. O autor
relata que o estopim ocorreu com a morte de uma cabra, logo os irmãos Ferreira vingam-se
assassinando um desafeto. Após esse acontecimento, os mesmos tentam se refugiar dos
possíveis ataques contra eles no Estado de Alagoas. Neste local o patriarca da família é
assassinado a mando das mesmas famílias que já o haviam perseguido em Pernambuco. A
partir desse momento, ingressaram no cangaço, unindo-se Virgulino ao bando de Sebastião
Pereira, Sinhô dos cangaceiros, então mais famoso do Nordeste, com objetivo de vingar a
morte do pai. (FACÓ, 2009)
Partindo desse pressuposto, Militão (2007) também assegura que os irmãos Ferreira
resolveram viver no crime e lutar para vingar a morte do pai, abandonando toda possibilidade
de voltar a ter uma vida normal, pondo em perigo a vida de toda sua família, vivendo somente
do cangaço, levando outros membros a cruzar limites e ingressar neste movimento social. A
perversidade, a ousadia, combinadas com a crescente frustação de justiça teria contribuído
para o sertanejo Virgulino ser reconhecido como cangaceiro justiceiro e vingativo.
30
É notório o impacto do conceito da vingança que ―na vida dessas pessoas que viveram
no cangaço, o que tornara para o sertanejo a força de um dever, um código de honra onde o
verbo perdoar não existe e onde é covarde aquele que apanha ou é ultrajado e não reage.‖
MILITÃO (2007, pag 26). Sendo assim, o homem sertanejo que não defendesse sua honra e
de sua família, não era respeitado como deveria ser.
Na Paraíba o cangaço foi ativo e vários foram os ataques de vingança e para
conseguirem meios de sobrevivência. Cangaceiros como Lampião e Chico Pereira são
exemplos e se destacaram nesse tipo de episódios.
Assim como nas outras regiões do Nordeste, a atuação do cangaço na Paraíba alcançou
seu auge entre as décadas de dez e trinta, consequentemente quando começou o seu declínio.
Os grupos de ―bandidos‖ invadiam as cidades, saqueavam o comércio e matavam, ainda mais
em momentos e em consequência da intensa seca e da fome que se alastrava por todos os
lugares. Os bandidos ameaçavam a todo momento, sendo assim a polícia não conseguia
combater a violência, nem garantir a vida do cidadão e da propriedade alheia.
Melo (1997) afirma que bandos de cangaceiros oriundos de Pernambuco ainda se
encontravam em Monteiro PB, mas logo após a exclusão do bando de Lampião, por volta de
julho de 1938 em Sergipe, o cangaço encontrava-se esgotado.
O que se sabe é que no início dos anos quarenta, os últimos cangaceiros foram
exterminados na região de Ingá PB pela chefia de Polícia da Interventoria de Rui Carneiro.
Ainda com base no autor, o reduto messiânico de padre Cicero no Juazeiro foi
desarmado a partir das informações que haviam chegado ao Sertão que a chamada Revolução
de 1930 era voltada primordialmente contra as milícias privadas dos coronéis. Isso por que
uma das inspirações dos grupos de cangaceiros era a religião popular do ―padim Cicero‖. As
relações dos bandos com as formas de religiosidade popular, que chegaram a materializar, na
Serra do Comissário, em Sousa, eram também difusas.
Cangaceiros como Antônio Silvino, Chico Pereira e Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, foram protagonistas da história do cangaço na Paraíba. Melo (1997) descreve
resumidamente a atuação de alguns destes em terras paraibanas:
Silvino, cuja atuação se estendeu por dezesseis anos, chegou a invadir Pilar, em
1914, em formação militar. Saqueou a loja do chefe político e angariou simpatias,
distribuindo dinheiro com a população. Em Guarabira, recorreu ao telégrafo para
31
Como informa o autor todo o Estado paraibano foi cortado pelos cangaceiros, do
município de Pilar nas proximidades do Litoral , passando pelo Brejo no município de
Guarabira até o município de Cajazeiras no Alto Sertão, terra de Chico Pereira.
O encontro desse sertanejo com o bando de Lampião aconteceu em Princesa
município do agreste paraibano. Foi dessa localidade que partiram os cangaçeiros para atacar
a cidade de Sousa no Sertão desse Estado em julho de 1924. Assim seguiam os ataques por
toda região do Nordeste e da Paraíba, seguiam uma lógica de seguirem para outros Estados a
perseguição policial se intensificava. Faziam isso, também, se aproveitando de uma lei da
constituição federalista que proibia forças policiais adentrarem em outros Estados com o
propósito de continuarem a perseguição aos bandos cangaceiros.
A partir desses pressupostos gerais da história e da historiografia do cangaço no
nordeste e na Paraíba, daremos ênfase no capítulo seguinte à história e vida do sertanejo e
paraibano Chico Pereira e sua atuação no cangaço. Consideraremos os motivos que foram
alegados para sua inserção no cangaço, seus principais confrontos até o misterioso e trágico
desfecho de sua morte.
32
3.1 Seca e flagelo social no meio social ao qual fazia parte Chico Pereira
bem de perto, enxergando o sofrimento expresso no rosto do povo sofrido que vivia em sua
volta.
A figura a seguir nos mostra como se encontra hoje a casa onde Chico Pereira morou
e nos remete ao seu mundo.
Trata-se de uma morada com uma fachada ainda bem caracterizada com suas paredes,
‗‗oitão‘‘ e seus muitos compartimentos que testemunham um ambiente glorioso da família
Pereira. Apenas os proprietários possuíam moradas com essas características.
Hoje é ponto de visitação por muitos curiosos e estudiosos, porém se encontra a
fazenda Jacu desgastada pelo tempo e o não uso.
l
Disponível em: <http://cariricangaco.blogspot.com.br/2013/06/nazarezinho-e-magia-do-segundo-dia-de.html>
Acesso em 10/11/2015
Pereira também letrado, apreciador da poesia, dos bons modos no portar e no vestir como
podemos ver em sua fotografia mais a seguir neste capítulo.
Outra questão a ser considerada diz respeito ao fato do conhecimento da vegetação ser
apontado como primordial para os cangaceiros se livrarem das perseguições policiais. As
caatingas permitiam as fugas e ocultavam os bandos. Era considerada perfeita a adaptação dos
cangaceiros, só eram vistos quando queriam, observavam cada movimento e detalhe pelos
arredores onde se encontravam. Esse conhecimento do lugar é em nossa opinião mais um
elemento que depõe contra uma identidade e representação dos cangaceiros como bandidos e
desordeiros. Ao contrário, estes eram, ou teriam sido, em algum momento das suas vidas,
trabalhadores acostumados com a mata quando do trabalho com o gado, ou com o algodão,
conhecedores de sua gente e de sua terra.
No contexto e época da entrada de Chico Pereira no cangaço, para combater as secas
rigorosas que se alastrava em todo o sertão, o Presidente da República, o paraibano Epitácio
Pessoa, resolveu implantar um projeto de açudagem e construção de barragens. Para tanto
seria feito um represamento da água dos rios nos boqueirões, local onde as correntes d‘agua,
apertados entre serras, se estreitavam.
Sobre essa situação e de acordo com Nóbrega (2002), no alto Sertão da Paraíba,
precisamente no município de Sousa, o povo simples do campo que ali habitava, contemplou
a chegada dos norte-americanos: uma raça de pessoas que eram conhecidas como ‗mister‘ e
falava embrulhado para ninguém entender. Manipulavam máquinas nunca vistas no processo
de açudagem, desapropriaram terras e se colocaram nas gargantas das serras. O vilarejo de
São Gonçalo foi escolhido como ponto estratégico do projeto da açudagem.
Nesse ambiente de crise social agravada pelas secas os desmandos e a violência dos
mais fortes contra os mais fracos era uma constante. A vingança era considerada como um
dever sagrado para aquela população acostumada a chorar os seus mortos em emboscadas e
armadilhas. Uma espécie de herança que os filhos de pais assassinados carregavam. Caso o
vingador não se manifestasse, a família enlutada seria desonrada e passaria por vergonha.
Nóbrega (2002) ao caracterizar essa cultura da vingança destaca o fato de que na mesma, a
vingança era imperativa, aqueles que não a cometesse passaria a vida sendo humilhados e
açoitados pelo povo, ouvindo expressões como: ‗você não é homem‘, ‗Não há homem na sua
família‘, ‗Gente mole assim é melhor vestir saia‘. Foi nesse pensamento que várias famílias
inteiras se devoraram e se desestruturaram. Filhos e netos eram mortos com o ódio que
atravessavam gerações e gerações.
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A polícia a grande vilã da época, era partidária, como força e segurança submissão ao
poder dos senhores e proprietários locais agia de acordo com seus chefes. Caso um infrator
fosse apadrinhado de um correligionário, teria a liberdade de matar. Não seria preso, ninguém
tocava, ou sequer existiam buscas.
Deste modo, contrariamente a esse tipo de polícia partidária e nome de uma justiça por
mãos próprias, homens se equipavam às dezenas, transformavam-se em cangaceiros formando
bandos nômades, emigrando de município para município, atravessando serras, rios, Estados.
Eram na maioria das vezes mais poderosos que a próprio polícia. O cangaceiro não era
unicamente o perverso, o traiçoeiro. Existia os honestos, incapazes da menor crueldade
gratuita, que viviam com armações em punho só para estimular justiça. Eram tão rápidos e
com uma artilharia sem comparação que ―arrastavam-se no chão, se protegiam em
depressões do terreno, se escondiam atrás de troncos de árvores e de pedras – tudo lhes
serviam de trincheira‖ (PAIVA, 2004, pag. 30). E assim conseguiram viver por muito tempo
e enfrentar muitos conflitos, não esquecendo suas especialidades para tratamentos aos
cangaceiros baleados, com feridas provocadas pelas fugas e outras adversidades que
surgissem.
A entrada e história de Chico Pereira no cangaço por volta de 1922 à 1928 foi pouco
abordada por historiadores profissionais em seus estudos sobre essa temática nos Sertões do
Nordeste e da Paraíba em particular. Grande parte do que sabemos, inclusive como filhos ou
filhas da região de Nazarezinho município de origem de José Pereira como eu, tem por base
os ―boatos e lendas‖ repassadas de gerações em gerações ali, além da obra ―Vingança, Não‖
de autoria de Francisco Pereira Nóbrega, filho do próprio Chico Pereira.
Ao apresentar a obra diz o autor que tentou trazer aos leitores as condições reais e
imaginárias de vida de seu pai, sua vivência no cangaço, seus conflitos e sua saga como
cangaceiro até o fim de seus dias. O autor ainda destaca que sua obra tem como fonte
principal os depoimentos de seus familiares.
Jovem de 21 anos de idade, Francisco Pereira Dantas, comumente conhecido com
Chico Pereira, o filho do coronel João Pereira, foi estimulado pela comunidade a fazer justiça
pela morte de seu pai. Na intenção de vingança, entra no cangaço e não consegue mais sair.
Diferente dos demais cangaceiros, Chico Pereira não usava chapéu quebrado na testa,
nem gibão ou outra indumentária, utensílios exclusivos e tradicionais da época e da história
37
dos cangaceiros. Cardoso (2010) relata que seu figurino de bandido foi inspirado em revistas
norte-americanas quem eventualmente chegavam no Sertão. Acredita que seu personagem de
referência tenha sido Tom Mix, pois com base no jornal do Recife de 22 de novembro de
1927, mencionado por Frederico Pernambucano de Mello, Chico Pereira não usava cabacinha
d'água ou chapéu de couro, escolhendo um vestuário como o herói do Far West, envergando
chapéu de massa, de abas largas, lenço vermelho ao pescoço, pesadas cartucheiras, calças
culote, polainas e clássico punhal nortista traspassado à cinta. Como mostra a fotografia
reproduzida a seguir:
Francisco Pereira Nóbrega, escritor da obra Vingança, Não nasceu no dia 24 de abril
de 1928 na fazenda Jacu, nas proximidades da vila Nazarezinho, até então município de Sousa
na Paraíba. Filho de Jardelina Nóbrega, professora na cidade de Pombal, e de Francisco
38
Como podemos constatar em sua fala o autor reivindica para si um papel de narrador
isento, cujo objetivo com a obra é ser guardião da memória e da história.
político dominante da época, nada lhe acontecia e assim seguia. Nesse contexto vidas foram
sendo destruídas assim como inúmeras famílias foram desagregadas por décadas. As
consequências dessa situação são apontadas em alguns estudos como sendo responsáveis pela
formação dos bandos de cangaceiros como aglomerações de homens que se juntavam contra a
polícia partidária e a injustiça das autoridades. Viviam no relento, sem destino, nas matas,
estradas e buscavam amparo em diversos Estados do Nordeste.
Nóbrega em seu livro usa da imaginação para descrever os acontecimentos que
marcaram a vida de seu pai, com descrições de paisagens físicas e diálogos relembra alguns
momentos de sua infância, como na passagem:
A vida de Chico Pereira passou a ser rodeada por mistérios. Alguns membros de sua
família queriam esconder sua localização e os crimes cometidos durante sua passagem no
cangaço para que o mesmo não fosse preso e morto por maldades cometidas com outras
famílias.
Sua mãe Maria Egilda tentava o alertar com conselhos como: ‗- Saia de Sousa. Não é
mais terra para você morar. O lugar onde Deus o quer é outro. (...) – Vá morar em Bom
Jesus de Gurguéia e será feliz‖ (NÓBREGA, 2002, pag. 62).
Essa sua persistência ou teimosia é destacada pela versão da obra ―Vingança Não‖ na
qual Chico Pereira é classificado como uma pessoa de Cabeça dura. Fazia com que o
conselho de sua mãe morresse alí mesmo. Seguia no cangaço com seu bando afim de refugiar-
se e continuar cometendo mais vinganças.
Diante da vida de vendedor de cal, viajante sem destino certo, Chico Pereira foi às
margens do Piancó a procura de minas de cal. Durante a noite, chegou a um casarão antigo e
pediu hospedagem e dormiu aquela noite. Nóbrega relata que a partir daquela estadia casual,
Chico Pereira se apaixonara pela filha da viúva de Antônio Mamede, D. Emília, mãe de dez
filhos, quase todos menores, órfãos e vítimas da violência nessa sociedade.
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Em meio aos flagelos do Sertão nordestino, marcado por secas intensas e disputas por
alimento para sobrevivência, Chico Pereira, reside na fazenda Jacu, com sua mãe Egilda, Seu
pai João Pereira, e os irmãos Apriniano, Abdias e Abdon. Este estava terminando os estudos
em Cajazeiras-PB para depois ir ao Rio de Janeiro onde iria cursar medicina.
41
Essas informações da vida da família de Chico Pereira apresentadas pelo seu filho e
também narrador, nos leva a reforçar a ideia que vimos trabalhando da inadequação de Chico
Pereira assim como outros participantes de episódios no cangaço a estereótipos criados para
os cangaceiros de um modo geral. O pai de Chico Pereira tinha projetos de vida para seus
filhos que nesse ambiente não se colocavam como revoltados com seu meio.
O Alto Sertão da Paraíba entre os anos de 1919 e 1922, seria beneficiada pela
construção de açudagem e pela atuação do paraibano Epitácio Pessoa como Presidente da
República daquele ano. Segundo Melo (1997), as barragens principais seriam intituladas
como: Engenheiro Ávidos (Boqueirão de Piranhas); no alto sertão, Coremas (Mãe D‘agua);
São Gonçalo, que buscava interligar as bacias dos rios Piancó e Peixe, entre Coremas e Sousa;
Boqueirão de Cabaceiras, no curso médio do rio Paraíba, nas proximidades de Campina
Grande e Sumé, localizada no Cariri. Para o autor, esses açudes iriam proporcionar além de
água e energia elétrica, peixes e culturas de vazante, o desenvolvimento das cidades de
Boqueirão, Coremas, Sousa, Sumé, Condado e Malta.
No ponto de vista econômico, as obras contra as secas não ficaram limitadas a açudes,
nem ao semi- árido, tomaram de conta de toda a Paraíba, como coloca Melo (1997):
O açude feito na fazenda São Gonçalo, de posse dos Rochas, adversários políticos da
família dos Pereiras. Após esse benefício a localidade se transformaria em vila, e em
consequência traria oportunidades financeiras e vantagens políticas para os seus.
Com João Pereira não foi diferente, ele tinha planos financeiros para seus filhos
naquela localidade, além de sua fazenda Jacu, tinha um comércio em Nazarezinho e logo
depois construiu um barracão em São Gonçalo.
Ainda assim, João Pereira havia sido escolhido para ser delegado da vila Nazarezinho
na época em que foi aprovada uma lei que proibia os sertanejos andarem armados.
Um certo dia, João Rocha delegado da Vila São Gonçalo e rival político de João
Pereira discute com Abdias dentro de seu barracão, mas tudo termina bem. Apesar da
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rivalidade política de ambos. Embora compadres, sempre existia uma tensão entre os Rochas
e os Pereiras.
Narra o autor que na sequencia desse acontecimento, João Pereira foi morto no dia 11
de setembro de 1922, quando quatro homens armados chegaram em sua casa de comércio na
vila Nazarezinho. A confusão se estabeleceu quando João Pereira teria ido tirar satisfação
sobre o porte de armas de tais homens, daí teria se estabelecido uma briga com tiros, facadas e
luta corporal, tendo sido o mesmo atingido por um tiro fatal. Esse segundo narra o autor teria
sido o estopim do destroço da família Pereira. Dos acusados pelo assassinato só teria restado
os indivíduos de nome Chico Dias e Zé Dias. Chico Dias desapareceu, ficando apenas Zé Dias
como culpado. De acordo com Nóbrega (1989) ―Na fazenda Jacu, nos últimos momentos de
vida, João Pereira diante de toda família faz seu último pedido, o qual morreu repetindo:
Entreguem tudo a justiça. Vingança, não‖.
De acordo com a obra ―Vingança, Não‖, todos os familiares tinham a certeza que a
morte do coronel João Pereira havia sido premeditada, mas ninguém sabia do mandante,
sendo a polícia a principal suspeita.
Quando do acontecimento da morte do seu pai, Chico Pereira se encontrava ausente
pois nesse tempo preferira vender material de construção pelo sertão ao invés de trabalhar no
barracão de seu pai. Foi em uma dessas suas viagens, como relatamos anteriormente, que o
mesmo conheceu na fazenda Pau Ferrado aquela que viria a ser sua esposa, Jarda assim
denominada, filha de D. Emília e Antônio Mamede, menina de doze anos que ironicamente
também tivera o pai assassinado devido brigas por terra.
A partir de então, todos queriam que a vingança fosse feita, e a responsabilidade caia
sobre ele Chico Pereira por ser o filho mais velho. Após procurar o delegado por três vezes
para prender o acusado de nome Zé Dias, e o mesmo desfrutar da liberdade, e ouvir da
população conversas como: ―- Não é conversa de ‗ouvi dizer‘. Eu vi o homem solto. Seo
Chico, não lhe disse desde o começo: mate esse homem. Todo mundo já sabia que eles não
queriam prender. O juiz, o delegado, essa gente toda é de outro partido político. Revoltado,
Chico Pereira resolve vingar a morte de seu pai. Passa cerca de oito meses na busca
constante, habitando solidões despovoadas, se escondendo entre pedras, árvores, cercas e até
mesmo entre seus inimigos. Dias e noites passavam e ele não cansava de esperar que Zé Dias
fosse pego por uma de suas emboscadas. Como presumiu, Zé Dias foi morto no meio de uma
estrada.
Na seguinte passagem, Nóbrega descreve sua chegada em casa depois do acontecido:
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Desde esse episódio, Chico Pereira não teve paz em sua casa. Vários homens de
lugares diferentes o procuravam a fim de formar bandos. Estes homens normalmente eram
também fugitivos por questões com inimigos políticos, com patrões ou questões de família.
Todos procuravam refúgio depois de cometerem assassinatos por vingança, por obrigação
tornavam-se solidários para a vida e para a morte.
já haviam abraçado a vida de bandoleiros. Logo começou a chegar homens de toda a parte,
ficando refugiados nos recantos da serra, esperando a ordem de reunir.
da polícia, a última vez que Chico viu os irmãos de Lampião foi aquela, pois resolve ficar no
canavial sozinho. De onde estava, passou a escutar os tiros em Patos de Baixa Verde. Passou
um dia sem comer e a noite na chuva e na lama. No dia seguinte, chupou cana e mais uma
noite na chuva e na lama. No terceiro, mais uma vez chupando cana, com os pés tomados de
bichos, pus, inflamados e com bichos rondando superou mais uma noite na chuva com dor,
febre e muito frio. No quarto dia, ao tentar pegar uma cana que estava mais afastada, foi
picado por uma cobra. ― A cobra o picou seguramente, largou-o e saiu serpenteando entre o
canavial. As circunstâncias lhe emprestavam imunidades: não podia atirar nela sem alarmar
a vizinhança.‖ (idem, pag. 107)
De acordo com o relato de Nóbrega (2002) o desespero tomou conta de Chico ao sentir os
efeitos do veneno e pensar que morreria rapidamente. Comeu tudo a sua volta, tamarinho,
ervas do chão e até mesmo um vidro de molho de pimenta que carregava na sua maleta. Na
sua agonia, resolveu escrever para a família e explicar o que teria acontecido:
Quando minha família ler essas linhas, já sou morto. Morri aleijado, abandonado no
canavial, pelos irmãos de Lampião para não me entregar à polícia. Uma cobra-
cascavel me mordeu no polegar da mão esquerda. Adeus a mamãe. Me bote sua
benção. A tristeza que levo é morrer sem ver a senhora. Me perdoe se tiver queixa
porque fiz a vingança que papai não queria. Abrace por mim Jarda, meus irmãos e
os dela. Me assino de próprio punho. (DANTAS apud NÓBREGA, pag. 108)
uma vida nova, e em casar-se com Jarda. Depois iria cuidar de seus filhos, quantos Deus lhe
desse. Caso fosse absorvido, viveria na Paraíba. Caso fosse condenado, longe dela.
Mas o desejo era apenas o pensamento de Chico Pereira, sua realidade seria outra. Ao
chegar na casa da sua mãe, todos os dias era perseguido por soldados em sua volta. Sua mãe o
aconselhava a ir embora e viver em paz no Goiás, dizendo: ―- Chico, isso aqui não tem mais
jeito, não, meu, meu filho. Essa polícia não larga você mais nunca. Nem deixa a gente
dormir. Tome o conselho de Abdon: vá para o sul. Olhe Luís Padre e Senhor Pereira. Foram
para Goiás. Foi só como acharam a paz.‖ (idem, pag. 116) mas como era teimoso, queria
viver em paz no sertão.
Nóbrega conta que Chico ouviu os conselhos da mãe, por viver tão angustiada com as
perseguições policiais ao seu filho quando este, chegava em casa desta e na mesma hora
desaparecia. No momento tinha ele esperanças de ser absolvido em júri quando as eleições se
aproximassem, pois, em troca de voto os políticos facilitariam o seu julgamento.
Nessa sua vida de fugitivo não encontrava uma saída para casar-se com Jarda, a não
ser quando a mesma, procurou um padre de Pombal, e mesmo decepcionada soube que o
casamento seria possível através de uma procuração judicial, e que Chico não faria parte da
cerimonia e seria substituído por um homem que se passaria por ele. Assim aconteceu o
casamento, nas circunstâncias que lhe foram sugeridas.
Em seus momentos de fuga, escondido na mata, escreveu cerva de 300 estrofes a
respeito de suas lutas, enfatizando o banditismo, a questão familiar, a injustiça que o desfez, o
principal motivo de ter se vingando e os tristes momentos do canavial. Segue algumas das
estrofes a seguir:
A rotina da vida de Chico era sobressair de fugas e perseguições, com o medo de ser
preso. Vivendo um drama íntimo, sempre esperançoso de viver em paz.
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Chico Pereira narra o autor vivia sempre amedrontado com qualquer ruído que ouvisse
no meio da mata. Em uma dessas ocasião foi procurado por gente de sua casa para informa-lo
que um homem o havia procurado com recado do presidente do Estado.
A pessoa que queria conversar com Chico era conhecida por Tonho, irmão do
presidente da Paraíba. Nóbrega (2002) transcreve o diálogo da seguinte forma:
-Chico, lhe trago a melhor das notícias. Todo mundo sabe o que você tem sofrido
porque vingou a morte de seu pai. Entretanto é coisa que qualquer um fazia.
Vingança é dever. E esse sertão está cheio de gente que se vingou e nem paga o que
você está pagando. Só porque seu caso se tornou um caso político. Ou já era antes de
acontecer.
- Verdade, Tonho. Só eu sei o que tenho sofrido. E o pior é a gente não saber quando
isso termina. Ou se termina com a morte da família toda. Já Aproniano anda armado
por ai, como eu, me acompanhando. Vejo a hora de se desgraçar também.
- Pois é isso que lhe venho falar. Meu irmão, o presidente, está resolvendo esses
casos antes das eleições. Você não podia ficar esquecido. Seu caso faz pena a toda
gente que conhece de perto, como eu. Rapaz moço, simpático, cheio de vida, de uma
família tradicional, agora metido com cangaceiros. Pois olhe, meu irmão me chamou
e disse assim: diga a Chico Pereira que vou resolver as questões dele. Esteja pronto
para comparecer ao júri que o resto eu garanto. (idem, pag. 130)
A eleição estava marcada para julho daquele ano, e tudo estaria resolvido antes de
outubro, mês da posse do Presidente. Em troca do voto, Chico seria jugado e absolvido. Após
ser apresentado na delegacia deixou o grupo de cangaceiros pois acreditava na sua segurança.
Apropriano, seu irmão, sempre desconfiou de tudo.
Não demorou muito para surgir uma notícia que Chico Pereira estava sendo acusado
de realizar assaltos no vizinho estado do Rio Grande do Norte, onde uma pessoa estaria se
passando por ele. O presidente potiguar era reconhecido por mandar espancar e matar os
presos.
Na tentativa para Chico se entregar a polícia, o sargento João Ferreira e Tenente
Manuel Benício a mando do governo foi até sua casa, ocasionando assim um grande tiroteio e
a fuga de Chico Pereira pela mata.
Com as mesmas promessas, Tonho volta à casa de Chico Pereira para se desculpar do
acontecido e falar que a polícia se enganou e não mais aconteceria o fato. Nesse período
Chico foi convencido a ir morar no Goiás e reconstruir sua vida, mas Tonho com seu poder de
persuasão conseguiu convence-lo a ficar. Tudo parecia correr bem pois, no primeiro júri que
aconteceu na cidade de Catolé do Rocha, Chico Pereira fora inocentado conforme promessas
feitas, faltando apenas o júri da cidade de Princesa.
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Tomado por uma corrente de otimismo de que que após se entregar, passaria pelo seu
último julgamento em Princesa e viveria dias de paz, cuidando dos filhos, Chico Pereira
assim, assim o fez: se entregou tendo sido preso e levado até a cadeia de Pombal.
No entanto, isso era apenas ilusão de Chico Pereira. O acordo feito com o Presidente
Epitácio Pessoa, por meio do seu irmão Tonho começou a ser visto como uma espécie de
armadilha para prender Chico.
Aproniano e João Fernandes, amigos de Chico percebiam a traição e tramavam juntar
80 homens para arrombar a cadeia e o livrar, mas Chico Pereira discordou, sendo este o
último encontro dos três.
Ainda de acordo com os relatos de Nóbrega, Chico Pereira quando de sua morte,
pensara que estava sendo transferido da cidade de Pombal Paraíba para a cidade de Princesa
também nesse Estado, para participar do dito júri. Não sabia ele que estava sendo levado para
a cidade de Acari no Rio Grande do Norte. Sabia ele que o Estado do Rio Grande do Norte
era presidido pelo Tenente Moura, o qual matava presos, bandidos e cangaceiros que de foram
chegassem naquele Estado.
Ao chegar em Santa Luzia, uma escolta de policiais o esperavam, quando de repente:
―–Estire os braços. As algemas...! O tenente Arruda suplicou ainda: -Tenente Honorato, não
algeme o homem.‖ (idem, pag. 151)
E assim seguiu toda a viagem, ouvindo a conversa da milícia sobre as ordens do
tenente que teriam de cumprir, das rivalidades políticas existentes no estado norte-rio-
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grandense. Com a mente revoada de pensamentos sobre o acordo feito com o irmão do
Presidente da Paraíba, começou a sentir que seu fim estaria próximo.
Na noite do dia 24 de agosto de 1928, Chico chega à cidade de Acari. Nóbrega conta
que foi naquela cidade que Chico teve a certeza de ser traído pelo Presidente paraibano.
―Chico entendeu que o mentor da traição fora o Presidente. Seu irmão fora apenas uma
espécie de executor‖. (idem, pag. 153)
Imediatamente surgiu uma ordem de transferência do recém-chegado, de Acari para
Natal, isso porque, Chico era testemunha de misteriosos desaparecimentos de muitos detentos,
que segundo Nóbrega (2002), os jornais relatavam esses argumentos.
Seu irmão Abdias foi até Natal o visitar. Quando chegou no vilarejo de Nazarezinho
informou a toda sua família que Chico Pereira estava sendo acusado no Rio Grande do Norte
pelo crime que ele nunca cometera. Na prisão Chico Pereira conheceu Antônio Jerônimo que
estava preso na cidade de Acari pagando justamente por este processo, e ficou sabendo de
tudo o que aconteceu.
Antônio Jerônimo e mais três cúmplices realizaram um grande assalto em uma fazenda
no sopé da Serra Rajada contra o coronel Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido por
Quincó. Senhor de oitenta e quatro anos de idade, que garantiu sua vida no Sertão, superou
todas as secas. Era considerado um homem honesto, que não tinha vícios e portanto não
gastaria todo seu dinheiro.
O aspecto de vingança tomava de conta de Chico Pereira e toda sua família, narra o
autor que o elevado número de crimes por ele realizado fez com que a sua paz e de toda
família ficasse arruinada. O que estava acontecendo com Chico era fruto de uma relação de
vingança política. Antônio Jerônimo teria sido mandado por gente da Paraíba inimigos de
Chico que realizassem o assalto. Teria tido garantias que uma vez acusado, não cairia na
prisão, e caso isso chegasse acontecer, confessasse a polícia que Chico Pereira da cidade de
Sousa na Paraíba, teria chefiado todo acontecimento.
A situação complicou ainda mais ao saber que o coronel Quincó era parente do
Presidente do Rio Grande do Norte e que ele teria tomado a frente do caso para aplicar as
devidas punições, já que as ordens e o poder se encontravam todo em suas mãos. Para auxiliar
no processo de inocência de Chico Pereira, Café Filho foi o escolhido como advogado,
jornalista e político oposto ao Presidente potiguar. ―Vivem se mordendo os dois. O Presidente
de lá se pudesse dava fim a ele. O governo não pode fazer uma besteira, o jornal de Café
Filho grita no outro dia. Imagine que, além disso, o Presidente está tomando o processo
como interesse dele.‖ (idem, pag. 159) A rivalidade política tomava de conta da situação, e
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quem venceria seria certamente o que detinha maior poderio em suas mãos. Sendo assim, o
Presidente do Rio Grande do Norte derrotaria seu inimigo Café Filho e defenderia o caso de
sua família: o assalto ao coronel Quincó.
A família tinha esperança que Chico fosse julgado inocente neste caso, tendo em vista
que nunca foi até a residência do coronel Quincó em Serra Rajada, e até mesmo D. Maricota,
esposa do coronel, teria ido até a delegacia reconhecer os acusados da desgraça acontecida na
sua casa e afirmou que Chico Pereira nunca teria frequentado sua casa, principalmente
naquele dia.
Foi exatamente dia 02 de novembro de 1928, que os jornais de Recife anunciavam a
morte de Chico Pereira. Chico não conseguiu chegar ao juri em Natal ao ser deslocado da
cidade de Acarí. Seu irmão Abdias ficou sabendo quando escutou a narração de um cantador
na feira de Sousa. O fato só foi confirmado quando Café Filho contou a Maria Egilda, mãe de
Chico, que ele teria sido morto a pancadas de carabina e depois os homens que o levava
viraram o carro por cima dele na estrada próxima a Currais Novos. Assim descreve Nóbrega:
Era 28 de outubro de 1928. Chico Pereira morria aos 28 anos de idade. Seis deles
passara em lutas que se estenderam em quatro estados do Nordeste‖. E diga-se por
curiosidade que jamais uma bala ou faca o tocou de leve sequer. Nem mesmo para
morrer. (idem, pag.170).
Nóbrega relata ainda na sua obra uma carta escrita pelo único sobrevivente da escolta,
com contribuição bastante significativa na construção desta, motorista da transferência de
Chico Pereira até a capital Natal, Genésio Cabral de Lima.
Após a morte de Chico Pereira, Maria Egilda pedira aos outros filhos Aproniano e
Abdias que não vingassem a morte de seu irmão. Abdon voltara do Rio de Janeiro pois não
51
conseguiu se curar de uma doença e estava muito debilitado. Preferiu morrer junto a mãe. A
polícia ainda tentou interferir na vida de Aproniano suspeitando que o mesmo vingaria a
morte do irmão e que civis e miliares o iriam pagar.
À pedidos da mãe, Maria Egilda, Aproniano e Abdias vão embora da Paraíba por não
conseguirem viver em paz, já que a polícia suspeitava que os mesmos fossem vingar a morte
do pai. ―Vão-se embora daqui. Não quero ver vocês morrerem, um a um. Se Chico tivesse ido
embora quando quis, inda hoje estava vivo. Vão embora.‖ (idem, pag. 180) E assim fizeram.
A mãe viveu dias na solidão do casarão, e então decidiu ir conversar com o novo Presidente
da Paraíba, João Pessoa. Em sua audiência com o mesmo, Maria Egilda clama por paz, e
solicita o Presidente que faça alguma coisa pelo sertão. No entanto, obteve a seguinte reposta:
―-Volte à sua casa. Volte tranquila. Meu governo será de paz. Não posso garantir pelos seus
inimigos. Mas garanto pela polícia.‖ (idem, pag. 181)
No entanto, contrário ao que prometera, o governo de João Pessoa foi o mais agitado
de conflitos no sertão da Paraíba. Nóbrega comenta a rivalidade política quando a sucessão de
Washington Luís para a presidência da república se confrontou dois nomes: Júlio Prestes
candidato do Presidente) e Getúlio Vargas, tendo como vice-presidente, João Pessoa. A
vitória foi dada a Júlio Prestes que em função da suspeita de fraude não assume:
É quando a Aliança Liberal com os governos de três estados Minas Gerais Paraíba e
Rio Grande do Sul faz frente aos demais colocados sob a bandeira perrepista. A
Paraíba firmada em torno de João Pessoa, vive dias heroicos‖. (idem, pag. 181)
federal para suprir a ausência de autoridade nesses locais ameaçados pois com a polícia
concentrada no bloqueio de Princesa, todo o Estado se encontrava desguarnecido.
Segundo Nóbrega (2002), Aproniano foi procurado na fazenda Jacu para acompanhar
os policiais e conter uma invasão de cangaceiros que adentravam na cidade de Antenor
Navarro. Não hesitando em negar ajuda, colabora para salvar a cidade. No auge do
contentamento geral por parte da população, Aproniano é morto pelo tenente Renovato sem
saber o motivo, este foi a última vítima da família pereira a ser destruído.
―Lá vão levando outro defunto para dentro de sua casa. Foi-se João. Foi-se Chico.
Também Abdon. E agora vai Aproniano. Nem trinta anos têm e já dorme o sono da morte,
abatidos pela ira que devora a família inteira. (idem, pag. 187) Essa era a consequência de
Chico ter entrado no cangaço. Toda sua família envolvida em questões de vingança para não
perder a honra da família Pereira.
Maria Egilda, a mulher forte que perdeu parte de sua família para os bandos de
cangaceiros, foi encontrada morta. Na sua visita ao Presidente João Pessoa havia dito:‖
quando eu morrer, podem escrever que foi por sofrer demais que Maria Egilda morreu‖.
(idem, pag. 193)
Após os trágicos acontecimentos em sua família Jarda, que morava na casa dos pais,
passara a se preocupar em educar, como podia seus três filhos os quais moravam em casas
diferentes de modo que eles não vingassem a morte do pai. Sempre que podia, ia a cavalo vê-
los para extrair do coração dos filhos qualquer sentimento de vingança que mundo tivesse
suscitado. Diferentemente do que pensará seus filhos tornaram grandes homens. Raimundo
tornou-se engenheiro, Francisco tornou-se padre e Dagmar sacerdote franciscano.
Abdias, irmão de Chico Pereira é considerado o homem enigma da família. Auxiliou
Jarda no que podia a enfrentar todos os obstáculos que lhe cercava, e principalmente a
construir um crescimento digno para seus sobrinhos, dedicando toda sua vida aos três.
Casando-se com 52 anos de idade, depois de ver seus sobrinhos criados, se fazendo cumprir
sua promessa que só casaria quando seus sobrinhos estivessem todos independentes. Tendo
em vista que seu casamento foi realizado por Francisco Pereira da Nóbrega, autor de toda a
obra.
Integrantes da família Pereira passaram a viver sem conflitos e perseguições. Os
pensamentos dos herdeiros de Chico Pereira eram contraditórios aos seus. A vingança foi
adormecida e a paz começou a renascer na família.
Foram muitos os sertanejos que entraram no cangaço e por motivos diversos. Existia o
cangaço de vingança, conhecido como o mais comum. As informações sobre a vida de Chico
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Pereira atribuem a esse o motivo a sua adesão e ingresso nos bandos de cangaceiros. Talvez,
se a justiça tivesse cumprido suas leis diante dos bandidos da época, e não existisse o jogo de
lealdade com os poderosos partidos políticos, a vida de Chico Pereira e de outros cangaceiros
teriam tido o final diferente.
Sendo assim, concluo que Chico Pereira foi um representante natural do meio em que
viveu pertencente a um estrato social de grupos de proprietários. É claro que o flagelo social,
secas, deslocamentos e necessidades não o atingiram inteiramente como os demais sertanejos
humildes e miseráveis da época, pois percebe- se na própria versão do livro Vingança, não,
que não só Chico Pereira como toda sua família tinham posses e privilégios sociais próprios
da época. Todavia ele como os demais homens pobres sertanejos compartilhavam os mesmos
códigos morais e de honra, muito comum na sociedade tradicional do século XIX e XX. E
eram justamente levados por esses motivos que os ânimos dessa sociedade quase sempre se
alteravam. Era em momentos como estes que o poder dos senhores locais e de chefes políticos
passavam a ser questionado.
O fim trágico e mal explicado de Chico Pereira e dos seus familiares, representou a
chegada de novos tempos nos idos de 1930, nos quais começa-se a enxergar um movimento
de ideias por parte das autoridades governamentais advindas da Frente Liberal no sentido
propagar a passagem do Brasil à limpo combatendo as estruturas tradicionais de cultura e
poder dentre estas o fanatismo religioso e o cangaço pondo fim a estilos de vida inadequados
ao agora País moderno e bem estruturado socialmente. Essas ideias foram sendo colocadas
divulgadas em meio a um mecanismo de vigilância e controle da sociedade, do mundo dos
pobres e dos trabalhadores, seus valores seus costumes tradicionais. Intensificou-se o cerco de
perseguição aos grupos de cangaceiros forçando seu fim que acontece a partir da
desarticulação causada com a morte de Lampião e o que restava do seu bando na ocasião.
Essas ―novas autoridades‖ construíram suas versões de bons e novos homens e suas
imagens como combatentes do cangaço e das velhas autoridades que simpatizaram com esse
fenômeno, se dizendo moralizadores, e bem feitores da ordem e da justiça do Estado. Ou seja,
se apresentavam como não partidários, isentos do mando dos senhores locais, chefes políticos
e antigos coronéis, que como eles controlavam praticamente toda sociedade economia e
política da época. Percebe- se que princípios como esses talvez nunca tenham acabado
totalmente, pois podemos notar no panorama paraibano, que esses poderes apenas se
modificaram tomando outra forma, aperfeiçoando uma nova maneira de concentrar seu poder.
Assim, também acontecia com as subordinações por parte do povo, que estão hoje com uma
nova aparência e apenas algumas pequenas mudanças.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário chamar a atenção, para o fato de que esse projeto monográfico teve como
objetivo principal fazer uma leitura da obra Vingança, não de autoria de Francisco Pereira
Dantas, que narra à trajetória do cangaceiro nazarezinense Chico Pereira, figura marcante na
história do sertão da Paraíba nos anos de 1918- 1928. Homem do seu tempo, esteve inserido
nesse contexto do poder das oligarquias, tempo de rebeliões, de estiagens e conflitos sociais.
Entendemos assim, que outras possibilidades podem e estão abertas para novas
narrativas sobre imagem do cangaceiro Chico Pereira. Desde aquelas fincadas no coletivo e
imaginário popular de Nazareinho, até outras imagens construídas ao longo de sua trajetória e
conhecimento pela Paraíba e pelos bandos. São como sabemos imagens múltiplas populares e
impopulares que marcam sua saga no cangaço.
Algumas observações foram feitas a partir da leitura da obra Vingança, Não assim
como tendo por base a leitura da historiografia clássica do cangaço feira para esse estudo.
Dentre estas e uma que consideramos importante a ser revista pela história da temática é o
fato que alguns episódios que levaram alguns sertanejos a exemplo de Chico Pereira a se
encontrar com o cangaço não os torna legítimos representante desse movimento. No caso de
Chico Pereira ele é mais um homem do seu tempo obediente as regras e padrões sociais do
seu meio do que um ―bandido‖ revoltado. Sua imagem de bom homem revela parte disso.
Outra questão diz, respeito ao fato de que esse estudo inicial teve também como objetivo
trazer para o campo do conhecimento histórica aa memória da família Pereira, como uma
homenagem à própria obra Vingança, não. Outrossim, objetivamos contribuir para a
historiografia Paraibana, sertaneja e local sobre as relações de poder e posse na região e os
conflitos sociais vivenciados ao longo dos tempos como o exemplo da ação dos cangaceiros.
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