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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES


UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO DE LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA TRAJETÓRIA DE CHICO PEREIRA NO


CANGAÇO NA CIDADE DE NAZAREZINHO-PB (1918-1928)

SAMARA DA SILVA ANDRELINO

CAJAZEIRAS-PB

2015
SAMARA DA SILVA ANDRELINO

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA TRAJETÓRIA DE CHICO PEREIRA NO


CANGAÇO NA CIDADE DE NAZAREZINHO-PB (1918-1928)

Monografia apresentada a disciplina Trabalho


de Conclusão de Curso (TCC), do Curso de
Graduação em História da Unidade Acadêmica
de Ciências sociais do Centro de Formação de
professores da Universidade Federal de
Campina Grande como requisito para obtenção
de nota.

Orientador: Profª. Drª. Silvana Vieira de Sousa

Cajazeiras-PB

2015
SAMARA DA SILVA ANDRELINO

A559h Andrelino, Samara da Silva


História e memória da trajetória de Chico Pereira no cangaço na
cidade de Nazarezinho- PB(1918-1928). / Samara da Silva Andrelino.
- Cajazeiras: UFCG, 2015.
57f. il.
Bibliografia.

Orientador (a): Prof.(a).Silvana Vieira de Sousa.


Monografia (Graduação) – UFCG.

1. Dantas, Francisco Pereira- memória. 2. Cangaceiros.


3.Vingança. 4. Nazarezinho- Paraíba- 1920-1928. I. Sousa, Silvana
Vieira de. II. Título.

UFCG/CFP/BS CDU –929


SAMARA DA SILVA ANDRELINO

HISTÓRIA E MEMÓRIA DA TRAJETÓRIA DE CHICO PEREIRA NO


CANGAÇO NA CIDADE DE NAZAREZINHO-PB (1918-1928)

Aprovado em: / /

ProfªDrª Silvana Vieira de Sousa


Universidade Federal de Campina Grande
(Orientador)

Examinador (a)

Examinador (a)

Cajazeiras-PB

2015
Dedico este trabalho a minha mãe,
exemplo de mulher guerreira!
AGRADECIMENTOS

Antes de tudo agradeço à Deus que me deu forças para alcançar mais um projeto em
minha vida. Meus pais, que sempre acreditaram no meu sonho e me ajudaram da melhor
forma possível, e meu esposo, torcedor fiel do meu sucesso.
Não tenho como expressar minha gratidão para o excepcional corpo docente do curso
de história da UFCG. Em especial, minha orientadora Professora/Doutora Silvana Vieira De
Sousa extraordinária profissional, por sua generosidade, fé e orientação espetaculares.
E por fim, seria um relapso se não mencionasse a família de CHICO PEREIRA que
contribuíram com seus preciosos depoimentos.
ANDRELINO, Samara da Silva. História e Memória da Trajetória de Chico Pereira no
Cangaço na cidade de Nazarezinho – PB (1918 – 1928). Monografia (Licenciatura em História)
– Universidade Federal de Campina Grande, Paraíba, 2015.

RESUMO

Este trabalho de monografia possui como tema geral de pesquisa o cangaço, fenômeno social
que configurou no nordeste brasileiro deixando marcas na cultura, memória e imagética
popular. Seus primeiros traços surgiram por volta do século XVIII, passando pelo XIX e
alcançou seu auge nas primeiras décadas do século XX. Buscou-se descrever parte da história
significativa para a criação desses bandos na Paraíba, enfatizando a política e o domínio dos
coronéis da época. O cangaceiro não seria um revoltado contra o coronelismo. Pelo contrário:
se complementam. Eles associavam-se aos poderes locais ou impunham-se contra eles,
resolvendo querelas e pendências conflituosas. Estas situações dependiam das circunstâncias
do momento. O objeto da pesquisa se apresenta na figura do cangaceiro chamado Francisco
Pereira Dantas, conhecido por Chico Pereira, um cangaceiro diferenciado dos demais atuando
no sertão nordestino, que entrou no cangaço para vingar a morte do seu pai, João Pereira. A
problematização se dá em torno, a partir da sua vida e trajetória no cangaço entre os anos de
1920 -1928, na cidade de Nazarezinho – PB. A partir da obra ‗Vingança , Não‘ de autoria de
Francisco Pereira Nóbrega, de relatos e depoimentos, de pesquisas em sites e consulta de
outros autores foi construída toda trajetória que buscou compreender os principais fatores de
surgimento do cangaço para a elaboração da imagem do cangaceiro diferenciado dos demais
componentes dos bandos, e entender a história do homem sertanejo preocupado com a justiça
de seu povo que herdava o sentimento de vingança.

Palavras – Chave: Cangaço. Bandos. Vingança.


Andrelino , Samara Silva. History and memory of Chico Pereira trajectory in Cangaço in the
city of Nazarezinho - PB ( 1918-1928 ) . Monograph ( Degree in History ) - Federal
University of Campina Grande , Paraíba, 2015.

ABSTRAT

This thesis work has as a general theme of research the bandits, social phenomenon that set in
northeastern Brazil leaving marks on culture, memory and popular imagery. His first traces
emerged around the eighteenth century through the nineteenth and reached its peak in the
early decades of the twentieth century. He attempted to describe part of the significant history
to the creation of these bands in Paraiba, emphasizing the policy and the dominance of the
colonels of the time. The bandit would not be a revolt against the Colonels. On the contrary,
they complement each other. They associated themselves to local authorities or imposed
against them, resolving quarrels and conflicting pending. These situations depend on the
circumstances of the research time. The object shown in the figure bandit named Francisco
Pereira Danas, known as Chico Pereira, a differentiated bandit of others working in the
northeastern hinterland, which entered the bandits to avenge the death of his father, Jiao
Pereira. The questioning revolves around, from his life and career in cognac between the
years 1920 -1928 in the city of Nazarezinho - PB. From the book 'Revenge, No "by Francisco
Pereira Nobrega, reports and statements of research on websites and consultation of other
authors we arrived the whole path that sought to understand the main cangaço appearance
factors for the development of image differentiated from the other components of the bandit
gangs, and understand the history of country music worried man with the righteousness of his
people that inherited the feeling of revenge.

Key -words : Cangaço . Flocks. Revenge.


LISTA DE FIGURA

Figura 01: Lampião em Juazeiro do Norte ............................................................................ 27


Figura 02: Lampião e Maria Bonita ...................................................................................... 28
Figura 03: Casa de Chico Pereira .......................................................................................... 33
Figura 04: Belezas da fazenda Jacu em Nazarerinho. ........................................................... 34
Figura 05: Chico Pereira ....................................................................................................... 37
Figura 06: Jardelina Nóbrega ................................................................................................ 40
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10
1. ESTRUTURA SOCIAL E COTIDIANO DA PARAÍBA EM FINS DO SÉCULO
XIX E ÍNICIO DO SÉCULO XX .................................................................................. 13
1.1 Familismo e predomínio do poder local .......................................................... 13
1.2 O algodão e o gado na Paraíba em tempos de cangaço .................................. 17
1.3 Estrutura do poder da Paraíba e conflitos sociais ........................................... 18
2. HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DO CANGAÇO .......................................... 21
2.1 O cangaço na literatura clássica regional ........................................................24
2.2 Os cangaceiros ................................................................................................... 25
2.3 O cangaço na Paraíba e na vida de Chico Pereira ..........................................30
3. CULTURA E VIOLÊNCIA SOCIAL NA HISTÓRIA DO CANGACEIRO
CHICO PEREIRA ......................................................................................................... 32
3.1 Seca e flagelo social no meio social ao qual fazia parte Chico ........................ 32
3.2 A trajetória de Chico Pereira no cangaço 1922 à 1928 ................................... 36
3.3 Vingança não:uma versão da história de Chico Pereira no cangaço ............ 37
3.4 O assassinato: injustiça e vingança passional .................................................. 38
3.5 A entrada no cangaço como um infortunio familiar ...................................... 40
3.6 A história de Chico Pereira como cangaceiro ................................................. 43
3.7 “ Os novos” tempos no poder e na política na paraíba e o fim de
Chico Pereira .................................................................................................................. 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 55
10

INTRODUÇÃO

Desde os anos iniciais da colonização, a realidade material e social vivenciada pela


população do Nordeste brasileiro se agrava como resultado dos problemas estruturais gerado
pelo negocio agro- exportador do açúcar e do algodão, fundado na exploração da mão de obra
escrava e dos pobres livres. No sertão, mais um componente se alia a essa realidade gerando
fome, miséria, morte, e em momentos distintos o abandono da região. O clima semiárido,
castigado pelas estiagens de chuvas penalizava a agricultura, a pecuária e o abastecimento de
água para consumo depopulações inteiras. Como um agravante, a seca gerava o desemprego
forçado fazendo migrar levas e mais levas de sertanejos miseráveis.
A grande seca de 1877 – 79 ocasionou efeitos catastróficos para todo o nordeste
brasileiro, principalmente a zona do sertão. Pessoas morreram de fome, sede e varíola.
Multidões deixavam o sertão para tentar escapar da morte. E foi neste clima de calamidade
pública que surgiram os primeiros grupos de cangaceiros.
A desigualdade social e a política hierárquica definida por uma elite que menospreza
os pobres, faz valer a violência física e moral gerando um constante estado de tensão e
conflitos caracterizados por ações que deixaram marca na história e na cultura regional
paraibana como foi a ação dos chamados bandos de cangaceiros, homens armados, que por
décadas travaram confronto com os senhores proprietários da região através de batalhas e
conflitos armados. Um período onde a sociedade pobre era explorada, e a única saída para
escapar da dominação dos latifundiários para muitos, era a entrada no bando, esses homens
comuns não tinham opções por novos caminhos e a saída acabava sendo o cangaço como
forma de protesto social segundo, a obra ''CANGACEIROS E FANÁTICOS'' DE RUI FACÓ.
É justamente nesse momento, que se inicia as revoltas da população, (devido a falta de
oportunidade) e o surgimento do bandido que com o passar do tempo se chamará cangaceiro.
O cangaço é um tema que continua fascinando e inspirando obras em numerosas áreas:
antropologia, sociologia, história, literatura, arte, filmes documentários e telenovelas. Mas
para além de sua atualidade como tema de estudo, nossa escolha pelo tema deve-se, sobretudo
em função das observações que vinha fazendo sobre a história de meu município e a quase
ausência de tematização da história do conterrâneo Chico Pereira quando integrante do
cangaço. Assim, resolvemos trazer para a literatura histórica essa contribuição inicial fazendo
uma leitura do livro de memória Vingança, não.
11

Para essa abordagem organizamos o trabalho em três capítulos assim dispostos: O


primeiro capítulo se constitui em uma breve contextualização da estrutura social e do
cotidiano da Paraíba em fins do Século XIX e início do Século XX, enfatizando o familismo e
o poder local, advindo da economia do algodão e do gado no sertão paraibano. Nessa estrutura
de poder, destaco as relações de coronelismo, dos grandes latifundiários e os modos de vida
dos sertanejos que sob a influência dos coronéis conheceram diversas revoltas sociais, dentre
as quais podemos destacar a formação e atuação dos grupos do cangaceiros.
O segundo capítulo discute de forma específica a história e historiografia do cangaço,
da formação dos primeiros bandos, enfatizando as visões de alguns autores que os estudaram.
Descrevemos aqui as visões do cangaço na literatura clássica regional: como banditismo
social, fanatismo e heroísmo e o cangaço como movimento social. Neste capítulo também é
descrito o cotidiano dos bandos, seu modo de viver e enfrentar os conflitos, a vingança e o
conflito vivenciado pela família acometida pelo infortúnio de convívio com uma realidade ou
episódio do mundo do cangaço, esta situação, lhes reserva insegurança e lhes roubavam a paz.
O terceiro e último capítulo destaca a história de Francisco Pereira, considerado como homem
valente que pagara pelos os seus erros, e provara que o cangaceiro não era apenas um
perverso, havia os que como ele, eram homens honestos, incapazes da menor crueldade
gratuita. Sua entrada no cangaço advinha do fato de que como filho de sua época, com 21
anos, isolado do mundo na fazenda do pai, o respeitado coronel João Pereira habitante da
pequena cidade de Nazarezinho – PB tivera que vingar a morte do mesmo. Embora no leito
de sua morte em 1923, este tivesse pedido ao filho que não vingue seu assassinato.
Chico Pereira como ficou conhecido, até tentou obdecer ao pedido do pai mas após a
terceira ida á delegacia, em busca de justiça por parte das autoridades para o assinato do seu
pai, sem resultados, resolve então, fazer o trabalho que seria destinado à polícia de encontrar
o assassino de seu pai, que por motivos políticos e como atitude muito comum na época,
logo apos ter cometido o assassinato fora solto. Então, Chico Pereira convenceu-se, de que já
fizera a vontade do pai: ''entregar à justiça'', agora ia fazer a vontade de seu coração:
VINGANÇA. Não demorou muito, Chico Pereira foi pego pela polícia que covardemente
anunciou sua morte como um trágico acidente de carro, envolto de mistérios. Após sua morte,
componentes da familia Pereira foram executados pela ira que devorava a família inteira,
episódio este narrado na obra: ‗‗VINGANÇA, NÃO'' de F. PEREIRA NÓBREGA.
Este personagem ainda permanece vivo na memória popular de moradores de
Nazarezinho - PB e familiares de Chico Pereira. Sua trajetória relatada nesse capítulo tem
como fonte essa obra cuja escrita conforme anuncia o autor tem por base a oralidade. Esse
12

nordestino é um representante natural do meio e tempo em que viveu: homem sertanejo,


valente, rebelde representante do poder e justiça dos proprietários e dos mais fortes.
O principal objetivo deste trabalho é focar a visão sobre o cangaço especificando
como se deu o surgimento destes grupos e como foi a vida dos cangaceiro Chico Pereira, o
que o influenciou à aceitar essa vida nômade de cangaceiro exposto às rivalidades e conflitos
que o levaram a morte como conforme narra a obra de Nóbrega (1989).
A fim de colher mais informações, tentarei mostrar a importância dessa história para a
cultura da cidade, e para a radiografia social do povo sertanejo. Procuro mostrar que Chico
Pereira, assim como os demais cangaceiros eram vítimas da crueldade das secas e de uma
estrutura social de poder pautada na violência, eram homens sempre propensos à rebelião e a
violação da ordem. Neste mundo, não há vencedores nem vencidos, é uma constante guerra
com histórias de misérias e de injustiças diversas.
Assim, o presente trabalho pode ser classificado como uma pesquisa bibliográfica, que
tem por objetivo analisar uma interpretação sobre a trajetória e vida de Chico Pereira como um
integrante do cangaço. Para tanto destacamos as interpretações historiográficas já tradicionais
sobre a temática geral do cangaço ressaltando as o bras de autores como: Maria Isaura Pereira de
Queiroz, Hobsbawn (1976), Janotti (1992) dentre outros autores.
13

1. ESTRUTURA SOCIAL E COTIDIANO DA PARAÍBA EM FINS DO


SÉCULO XIX E INÍCIO DO SÉCULO XX

1.1 FAMILISMO E PREDOMÍNIO DO PODER LOCAL

Nas primeiras décadas da República o cotidiano e na vida social do Nordeste era


regulado sob o domínio das estruturas de poder local do familismo1. O laço de comunhão
entre famílias permitiu, estruturou e manteve o poder do senhor local ou de chefe familiar,
dono das propriedades de terra, de açúcar, de cacau, de algodão, do gado e do comércio.
No contexto do Estado da Paraíba, assim como em todo o Nordeste, esse fato era
concretamente notável. As riquezas e poder se concentravam nas mãos de poucos e por isso, a
opressão sobre os mais pobres era sempre mais severa. A fome, a miséria somada à seca ou
períodos de estiagem mais presentes a partir da segunda metade do Século XIX, e ao sistema
político oligárquico formava um elo de passagens para grandes mazelas sociais. No campo da
política nacional, a manutenção e os arranjos entre poder local e poder central gerou um
sistema oligárquico sobre o qual já se tem uma vasta literatura.
O termo oligarquia, em seu sentido etimológico, significa o poder e autoridade
concentradas nas mãos de poucas pessoas, podendo estas pertencerem ao mesmo partido,
classe social ou família. No caso brasileiro, o sistema oligárquico se fundamentou na estrutura
familiar e na classe dos proprietários de terra. Suas raízes se encontram no Brasil-Colônia,
com a força do núcleo familiar detentor de grandes extensões de terra e exercendo inúmeros
cargos administrativos. Com a formação do Estado Nacional, esses núcleos familiares
passaram a receber a denominação de oligarquias, apesar das tentativas do Estado
centralizador de reduzir o poder regional através da indicação pessoal, dos Presidentes de
Províncias. Porém, na maioria das vezes, estes se vinculam aos chefes políticos locais.

1
Familismo corresponde a uma política familiar pouco desenvolvida, associada a sistemas de proteção familiar
baseadas no homem provedor e na centralidade da família como provedora de cuidados e bem-estar. (MIOTO,
CAMPOS, CARLOTO, 2015 – pag.102)
Na visão de João Gualberto, compreender os instrumentos para a conservação do coronelismo no Brasil, é
―necessário insistir na importância da estrutura familiar para a conservação do coronelismo‖ (1995, pag. 42).
Neste caso, o familismo era formado por grupo de indivíduos unidos por laços e parentesco sanguíneo, relações
de compadrio ou uniões patrimoniais.
No mesmo raciocínio Janotti (1992) afirma que o continuísmo no poder de membros de determinadas famílias,
apesar das sensíveis transformações após 1930, representava a solidez de influência do grupo familiar, história
contemporânea do Brasil.
14

Com base em Ianni (1975), podemos observar que no regime oligárquico, o poder não
é decidido de acordo com a decisão coletiva, visto que o povo adere a ela, por meio de atos
ilicitamente acessíveis às práticas tradicionais de compra e troca, comumente aceitas (por falta
de instrução intelectual e política), como a troca de favores, a violência e a resignação ao
status quo. Essas oligarquias tinham raízes nos diversos setores, da economia açucareira,
algodoeira, pecuarista e cafeicultora. Embora entre as próprias oligarquias acorressem
constantes rivalidades, elas se mantinham unidas para impedir a criação de organizações da
sociedade a exemplo dos sindicatos afim de manter o controle do poder sem a intervenção
popular.
Nesse contexto, os partidos políticos serviram às oligarquias, visto que os grupos
correligionários se apossaram das legendas nos estados e, assim, de forma hegemônica
conquistaram e mantiveram-se no poder regional. Esse processo acontecia na ―base do critério
pessoal‖, como coloca Carone (1974), que definia os deputados, juízes, funcionários públicos.
Todos esses cargos dependiam do governo, o que gerava uma extrema dependência às
oligarquias.
Podemos observar a partir da leitura sobre a temática que as oligarquias mantinham
vínculos com o povo de várias formas, mesmo que fossem esses os piores possíveis. O
empreguismo era uma das principais ferramentas usadas para conquistar a hegemonia através
do domínio do povo. A dependência dos favores. O nepotismo, a corrupção eleitoral e o medo
de colidir com o poder dominante, visto que era quase impossível a derrubada, sem estratégias
políticas embasadas em projetos convincentes e inovadores.
Em uma dessas situações e se colocando como oposição, por um período, Epitácio
Pessoa, um dos Governadores da Paraíba no Período Republicano, ressalta, em carta a João
Tavares, a seguinte mensagem:

Nestas condições, pretender a oposição alcançar o poder pelo processo ordinário e


legal das urnas, é pretender uma utopia. Resta, pois, o recurso da aproximação, do
acordo, da fusão com os elementos governistas, dadas certas condições,
aproveitados com habilidade certas circunstâncias e respeitados em todo caso os
melindres pessoais e políticos do partido. (ALMEIDA,1965, p. 262)

Uma vez entendido que as oligarquias se mantinham hegemonicamente no poder, este


fato não era ―eternamente‖ constante, haja vista que alguma alternância de poder haveria de
acontecer em um certo tempo. Isto implica dizer que, a Primeira República não se caracterizo
pela harmonia constante dos partidos. Mudanças aconteceram e, não estiveram direcionadas
ao sistema em si, mas a um novo aparelho político que concentrava forças nas bases estaduais
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e nos pequenos municípios. Esse sistema representou uma das mais características formas de
opressão, tendo em vista que com ele, aumentou a desigualdade de classe, sobretudo, à
distribuição desigual e extremamente irregular de terras, como coloca Soares (1973).
Esse sistema oligárquico talvez não tenha sido exterminado totalmente, pois podemos
notar até hoje, sobretudo no cenário paraibano, as oligarquias se redefinindo de outras formas,
e outros moldes, na tentativa de permanecerem no poder. Vemos ainda, o povo diante de
quase as mesmas formas de submissão e dependência de mesma essência do regime
oligárquico.
No contexto de articulação dessa política oligarca na Paraíba do final do século XIX e
início do Século XX, não podemos deixar de destacar o papel do coronel enquanto
―instrumento‖ expressivo na dinâmica do Estado Oligárquico.
O termo ―Coronel‖, segundo o dicionário Aurélio, significa

:s.m. Oficial superior do exército cuja graduação é imediatamente inferior à de


general-de-brigada. (Compete-lhe teoricamente o comando de um regimento.) /
Bras. Chefe político ou latifundiário do interior do país. / Bras. Pop. Homem,
geralmente dotado de posses, que se encarrega do sustento de sua amante.
(HOLANDA, 2010, p.187)

Para Ferreira (1993) em abordagem sobre a temática mesmo após os cidadãos


alfabetizando dispondo do seu direito de voto, não consistia, de fato uma nova conjuntura
eleitoral, servia, no entanto, para aumentar o número de ―votantes rurais e citadinos‖, como
coloca Queiroz, (1977). Visto que, estes estariam cumprindo o mesmo papel dos anteriores,
ou seja, de obedecer aos ―mandões‖, aos poderosos políticos detentores do poder durante
muito tempo. A estrutura política se mantinha perpetrando as mesmas linhas partidárias e os
mesmos mecanismos de apossamento de cargos públicos e influências partidárias pelos
aliados.
De acordo com Ferreira (1993), a Paraíba, assim como a maioria dos Estados do
Nordeste, não dispunha de um partido Republicano, o que dificultou a alteração dos quadros
políticos. ―O partido Republicano só veio a ser fundado no Estado a 30 de março de 1892,
pelo então Presidente Álvaro Machado‖ (Ferreira, 1993, p. 22)
Como exemplo da posição ferrenha e quase irreversível dos ―mandões‖ coronéis da
Paraíba, Carone (1975) cita os Pereiras no Município de Princesa Isabel e redondezas que se
mantiveram no poder durante décadas à sombra do coronel Marcolino Pereira membro do
partido liberal e depois membro do partido Conservador. Este, chefia a política na Paraíba
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até 1905, deixando o poder somente depois da sua morte, passando então para seu filho José
Pereira que usando de estratégias firmes, tronou-se um membro ímpar no domínio estadual.
Os coronéis, querendo firmar forças no poder, usufruíam de seus bens materiais para
sustentar a força do seu poder local legitimando-a perante às forças políticas do Estado
através da soma dos votos para suas alianças partidárias. Daí então que se originou o
chamado ―voto de cabresto‖. Votos ―arrastados‖ pelos coronéis a fim de atender as suas
reivindicações pessoais, de parentela, de clientela ou de ordem pública, como coloca Ferreira
(1993).
Assim sendo, podemos considerar o Coronelismo como uma espécie de dinâmica pela
qual movimentou a articulação da política oligárquica da Primeira República e no Estado da
Paraíba, em especial.
Partindo desse pressuposto, o coronelismo é entendido como um sistema político
nacional, fundamentado em barganhas entre o governo central e o poder local dos coronéis.
Neste caso, o governo estatal garante o poder do coronel sobre seus dependentes e seus rivais,
garantindo-lhe o controle de cargos públicos de grande valia, desde a professora do primário a
cargos de alto escalão como o delegado de polícia.
Em se tratando de relações de poder, Fortunato (2000) descreve que para Faoro o
coronel seria um indivíduo altamente eleitoral, em que sua liderança política se desenvolvia a
partir da sua liderança econômica, e o fundamento para que o seu poder se legitimasse estaria
a aliciação de eleitores e o no propósito das eleições. (p. 29) No entanto, o domínio do coronel
derivaria mais do seu prestígio e da sua honra social, tradicionalmente reconhecidos, ao invés
da situação econômica. Logo as relações de poder, só estariam configuradas como relações
institucionais.
Na concepção de Maria de Lourdes Mônaco Janotti, a sucessão da tradição do poder
coronelista perdurou devido à preocupação do coronel de morrer e acabar com o império de
sua influência. Devido a esta preocupação, eram tomadas medidas práticas ainda em vida,
apresentando para seus eleitores seu futuro sucessor. (JANOTTI, 1992, p. 79-80).
Para Maria Isaura Pereira de Queiroz, o fator determinante do sistema coronelista esta
centrado no grupo de parentela que incluía uma vasta rede de familiares, amigos, capangas e
agregados dos proprietários fazendeiros os quais sujeitavam do poder, do dinheiro e da
proteção de um chefe local; portanto o prestígio dos coronéis lhes advinha da capacidade de
prestar favores. (QUEIROZ, 1976, p. 180 e 181).
17

Como diz Queiroz tratava-se de um tipo de relacionamento entre a parentela e o


compadrio. Para a autora o compadrio era uma espécie de parentesco espiritual que criava
vínculos de afinidades tão poderosas quanto aqueles de sangue:

Um grande coronel era também em geral, o chefe de extensa parentela, de que


ocupava por assim dizer o ápice. Esta era formada por um conjunto de indivíduos
reunidos entre si por laços de parentesco ou carnal, ou espiritual (compadrio), ou de
aliança (uniões matrimoniais). Grande parte dos indivíduos de uma parentela se
originava de um mesmo tronco, fosse legalmente, fosse por via bastarda; as alianças
matrimoniais estabeleciam laços de parentesco entre as famílias, quase tão prezados
quanto os de sangue; finalmente, os vínculos do compadrio uniam tanto padrinhos e
afilhados quanto os compadres entre si, de modo às vezes mais estreito do que o
próprio parentesco carnal. (QUEIROZ, 1976, p. 179 e 180).

Na Paraíba, como em outros estados circunvizinhos, esse poder fora possível graças às
posses dos senhores proprietários das terras do algodão e do gado.

1.2 O ALGODÃO E O GADO NA PARAÍBA EM TEMPOS DE CANGAÇO

Foi com base nessa estrutura agrária e de poder de grupos de parentela que se
firmaram e se mantiveram às práticas do chamado sistema do coronelista na Primeira
República. O domínio da política e o acumulo de poder das famílias e dos coronéis
nordestinos em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX foi construído sob o
controle das terras das quais dependia os pobres e trabalhadores para sobreviverem, atuando
como lhes era determinado pelos senhores na criação de gado e da produção do algodão.
Tratava-se de uma produção de mercadorias que entraram no circuito comercial mercantil
interno e externo a exemplo do algodão.
O algodão foi um produto muito importante para a economia da Paraíba, segundo
Ferreira (1993), este produto teve o seu apogeu no século XIX. Durante a Primeira República
e com o advento da Indústria têxtil nacional é que o algodão passou a ser um produto com
peso expressivo no mercado interno. ―Em 1920, a produção de algodão por Estado
apresentava a seguinte colocação: 1º São Paulo; 2º, Pernambuco; 3º, Paraíba; 4º, Ceará e 5º,
Rio Grande do Norte.‖ (Ferreira, 1993, p. 30).
De acordo com a autora, muito embora o Estado estivesse preocupado com a política
tributária, havia certo interesse também em estabilizar, para ampliar, a produção latifundiária.
Assim, foram criadas medidas de intervenção para dinamizar esta produção, destacando-se
entre elas, a instituição de prémios de incentivo à agricultura, criação de carteiras de créditos
agrícola, implantação de escolas agrícolas e agropecuárias, além do da criação do serviço de
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proteção ao algodão e contra a lagarta rosada. ―O serviço de Defesa do Algodão foi criado em
1917, visando atender e orientar os produtores, através de 14 seções instaladas no Estado.‖
(Ferreira, 1993, p. 37)
O algodão era cultivado em todas as microrregiões e constituía-se no produto de maior
peso na economia paraibana. Além dos impostos arrecadados sobre a sua exploração, as
rendas fiscais do Estado eram provenientes da exportação do gado, do açúcar, do café, do
caroço de algodão e da mamona; e ainda dos seguintes impostos: gado abatido, dizimo do
gado, indústria e profissões, importações pelas barreiras, selo, décima urbana, embarcações,
heranças e legados, aguardente, álcool, mel, sola e couro curtidos, borracha, cimento, coco e
de outras origens. (Ferreira, 1993, p. 37)
De modo geral, podemos perceber que a Paraíba no contexto da economia Nacional,
durante a Primeira República teve um percentual favorável, visto que nesse período verificou-
se o apogeu do algodão e outros produtos como o coco. De acordo com estudos da autora
supracitada, em 1920 a Paraíba era o 3º produtor de algodão, 4º em coco, 7º em batatas, 8º em
fumo e açúcar, 10º de mandioca e café, 15º de milho e feijão.
Havia para a produção da agricultura em geral máquinas a vapor ou tração animal,
porém muito escasso. Em especial para os beneficiardes do algodão existiam
aproximadamente 470 máquinas disponíveis para o processo de descaroçamento, o que
significava um nível razoável de produção.
Na Paraíba republicana também, em seis municípios da Zona do Cariri, regiões de
clima úmido, mas geralmente seco como o sertão, havia a criação do maior rebanho de gado
da Paraíba. Nessa região a principal atividade era a pecuária, possuindo, segundo pesquisas
realizadas por Ferreira (1993) 37% do gado existente no território paraibano.

1.3 ESTRUTURA DE PODER DA PARAÍBA E CONFLITOS SOCIAIS

Em se tratando da estrutura de poder na Paraíba, Almeida (1965) afirma que foi


durante a Primeira República que a política oligárquica alcançou seu apogeu. Deste modo,
foram as peculiaridades da produção econômica da Paraíba que moldaram um movimento
próprio que direcionou a composição de suas oligarquias e seu posicionamento na hierarquia
do poder.
Os senhores proprietários ditos coronéis exerciam várias funções na ausência do
Estado, agiam como detentores do poder político, jurídico e legislativo. Esse período essa
situação de concentração de propriedades e poder nas mãos dos senhores, modelam modos de
19

vida marcados por escassez, ignorância, pobreza, miséria significativa deixando a maioria da
população em uma condição de extrema dependência.
Facó (1972) coloca que a ditadura dos ponteados rurais, havia por muito tempo
relegado os pobres do campo à condição de objetos. Sendo assim, a classe agraria
predominante reconhecia no trabalhador da terra a figura do escravo, que era de fato e
juridicamente. Mesmo após a abolição, ainda perdurava esse tratamento de escravidão, não
levando em consideração o respeito do ser humano.
O autor ainda relata a diferença de poder estrutural dos pobres do campo e os
detentores de autoridade, quando afirma:

A classe dos pobres do campo se achava à margem da sociedade constituída.


Não tinha terra, nem outros bens, não tinha direitos, não tinha sequer deveres
— além daqueles de servir ao senhor. Proliferando, em meio à miséria, seu
número crescendo, o latifúndio estagnado não podia integrá-los totalmente
em sua economia limitada. Temendo-os, dispersa-os. É a sua grande arma. A
própria existência do latifúndio, açambarcando terras, expulsa-os de suas
vizinhanças.

Diante desta situação, e além das secas que se agravavam e construíam cenários cada
vez mais trágicos, os pobres trabalhadores do campo acostumaram-se procurar melhores
condições de vida em outras localidades, criando-se então no Nordeste o que se chama de
nomadismo e a figura do retirante.2 Os nordestinos emigravam como podiam, seminus,
descalços e famintos. A fome era companheira constante com isso se uniam sem nunca terem
se visto e construíam laços de solidariedade. ―A seca mata-lhes a criação, queima-lhes a roça
e não lhes resta sequer a água barrenta da cacimba rasa, cavada com a enxada junto ao
casebre‖. (FACÓ, 1972 pág. 33).
Neste momento, em que os pobres do campo procuravam driblar a fome e a miséria ao
mesmo tempo que a seca aumentava, manifestaram dois tipos de reação por parte dos
mesmos. Facó (1972) em seu livro os diferenciam como:

a) A formação de grupos de cangaceiros que lutam de armas nas mãos, assaltando


fazendas, saqueando comboios e armazéns de víveres nas próprias cidades e vilas;
b) A formação de seitas de místicos —. fanáticos em torno de um beato ou conselheiro, para
implorar dádivas aos céus e remir os pecados, que seriam as causas de sua desgraça.

2
Como sabemos essa situação foi exemplarmente retratada pela literatura regional e paraibana na obra A
Bagaceira de José Américo de Almeida.
20

Neste trabalho, daremos ênfase não a questão conceitual mas as informações acerca da
formação dos grupos de cangaceiros e ao movimento, levando em consideração os principais
fatos e momentos pelos seus participantes, como foi o caso de Chico Pereira objeto desse
estudo, enfrentados.
21

2. HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA DO CANGAÇO

A historiografia do cangaço ainda é bastante recorrente em nossos dias. Vários são os


autores que em cada pesquisa montam o palco vivenciado por esses sujeitos sociais, formando
assim conceitos e narrativas passíveis de múltiplas interpretações e entendimentos.
Conhecido como um fenômeno histórico cultural ocorrido no nordeste brasileiro,
região pobre e de clima árido, em meados do Século XIX, entre os anos 1870 e 1940, nas
primeiras décadas da República, caracterizou-se por ações violentas de grupos ou indivíduos
isolados, os denominados cangaceiros, que assaltavam fazendas, sequestravam coronéis,
saqueavam comboios e armazéns para sua sobrevivência, além de alegarem fazerem justiça
com as próprias mãos. Não possuíam moradia fixa, perambulavam por todo o Sertão, fugindo
e se escondendo das forças policias, quando não as enfrentando em combates.
O termo cangaço em sua etimologia refere-se à imagem dos cangaceiros equipados
com armamentos de fogo cruzadas ou atravessadas sobre o peito e costas. Maria Isaura
Pereira Queiroz define o termo na seguinte passagem:

O termo é antigo, pois nessa região, já em 1834 se dizia de certos indivíduos que
eles ‗andavam debaixo do cangaço‘, designando particularmente os que
ostensivamente se apresentavam muito armados, de ‗chapéu-de-couro, clavinotes,
cartucheiras de pele de onça-pintada, longas facas esterçadas batendo na coxa‘,
como escreve o escritor cearense Gustavo Barroso (1997, p.15)

Assim, é possível caracterizar o movimento de indivíduos que portavam armas e


cartucheiras cruzadas no peito, refletindo força, ousadia e valentia. Esses objetos é o que
diferenciavam os cangaceiros dos outros indivíduos, como um distintivo de força e poder.
Cardoso (2014) afirma que uma possibilidade sobre a formação inicial dos grupos de
cangaceiros tenha sido a partir da situação e quando esses indivíduos foram expulsos de um
lugar onde morava há muito tempo, ou então foram humilhados frente à sociedade em que
vivia, ou tiveram suas famílias desonradas. Na verdade, várias dessas hipóteses ainda são,
levantadas e apresentadas nos estudos sobre a formação dos mesmos. Chiavenato (1990) no
entanto, denomina os cangaceiros como bandoleiros, bandidos afirmando que:

Alguém era expulso da terra onde vivia havia anos; outro via a filha ser raptada e
engravidada pelos coronéis e seus protegidos; outro ainda – a suprema humilhação
para o nordestino – receba uma ou outra, onde batiam-lhe na cara quebrando sua
―hombria‖. A esses só restava a vingança. E sequer uma vingança social, que os
colocaria contra seus inimigos de fato. Era uma vingança cega, que só podia ser
cumprida se eles se pusessem a serviço do ofensor, praticando atos de valentia para
22

recuperar sua ―macheza‖. Naturalmente, não tinham percepção disso: bastava-lhes


matar e agredir para recuperar a hombridade. Tornavam-se valentes, reconquistavam
a honra. Eram respeitados por sua gente como vitoriosos, passando da ignominia a
uma existência gloriosa. Ingênua ou maliciosamente, muitos atribuem a entrada para
o cangaço a simples revolta individual.

O autor assegura também que existe vários equívocos sacramentados como hipóteses
verdadeiras, nas exposições sobre o início do cangaço. O trabalho da historiografia, nesse
sentido, é buscar os fundamentos sociopolíticos, econômicos e acrescentamos, culturais que
enquadram o entendimento do cangaço como manifestação social.
É importante salientar que as obras que discutem sobre o cangaço indicam que o
mesmo nasce dentro de uma sociedade caracterizada como paternalista (THOMPSON, 1998),
geradora de um sistema de negociação e conflito, sustentado numa cultura de violência, onde
o que alguns autores chamam de banditismo aparece como um caminho, uma escolha ao
sertanejo.
Eram homens da terra pessoas comuns que conheciam muito bem a mata, rotas de
fuga, ervas medicinais, como também tinham auxilio de pessoas do seu conhecimento, que
davam abrigos e os ajudavam na fuga, o que tornava uma missão difícil o Estado para
captura-los.
A revista MNEMOSINE (2013) aponta as secas como um dos fatores primordiais para
o surgimento dos primeiros bandos. A seca mais dura, que justiçou as plantações, matou o
gado e causou fome aos sertanejos, ocorreu exatamente entre 1877 – 1879. Sobre esse
contexto, Queiroz diz:

As grandes secas periódicas eram especificamente favoráveis à formação de bandos


independentes. Nesse período, os agricultores viam-se reduzidos a inatividade, a mais
negra miséria desabava sobre os menos favorecidos da população, habitualmente
resignadas, mas que se manifestavam então, e de seu seio saiam grupos de homens
armados determinados a garantir na base de violência a subsistência da família (1977,
pag 02).

Para esses intérpretes, o cangaceiro era reconhecido como um tipo de bandido social.
Em 1969 Eric Hobsbawn lança o livro: Bandidos, obra que se tornaria referência no estudo do
banditismo social. Conforme Hobsbawm, o banditismo social é um fenômeno universal, dado
que as pessoas que viviam no ambiente rural teriam todos um modo de vida similar,
determinado pela ligação direta à terra e a uma série de recursos naturais e de reciprocidades
costumeiras na comunidade; portanto, o banditismo social não possui uma época definida
numa cronologia evidente.
23

Ainda de acordo com o autor, o avanço para o capitalismo agrário não acontece num
momento histórico específico e depende do momento em que se produz essa transição.
Nos países desenvolvidos, esta passagem aconteceu no século XVIII, enquanto nas
sociedades da América Latina, no século XX. O momento em que começa o banditismo social
pode não estar muito bem definido, mas está associado à desintegração da sociedade tribal ou
à ruptura da sociedade familiar. O banditismo social acabaria com a disseminação do
capitalismo industrial e com a consolidação do Estado Nacional, estando seu fim relacionado
ao surgimento das classes, e da luta de classes que dariam uma nova orientação às lutas dos
produtores rurais.
Levando em consideração a essa vertente, Carlos Dória (1981), afirma que o cangaço
foi uma forma de banditismo social que ocorreu no nordeste brasileiro entre os anos de 1870 e
1940. Fazendo uso dessa categoria, Dória diferencia o ―criminoso comum‖ do chamado
bandido social. Este seria membro da sociedade rural, considerado criminoso pelo Estado e
pelos grandes proprietários. No entendimento de Dória, esta figura social aparece em
sociedades rurais que estão passando por uma mudança entre a organização tribal e a moderna
sociedade capitalista. Entretanto, as transformações dos valores não acompanham as
transformações materiais de uma sociedade. Por isso, o bandido social continua a fazer parte
da sociedade rural, a qual o considera um herói, já que não reconhece no Estado e na classe
dominante a legitimidade para o estabelecimento do que seria a lei.
Na concepção de Hobsbawm (1976), ―o banditismo consiste em dois esquemas
fundamentais para o fenômeno: o meio rural enquanto ambiente propício à origem e atuação
dos bandos; e a constatação deste meio social como necessariamente pré-capitalista.‖ A
proposta do autor é de que o banditismo social possa ser compreendido mais como um
instrumento de articulação para o protesto social, apoiado no meio rural, do que apenas
tumultos cotidianos.
Chiavenato (1990) concorda com essa passagem da seguinte forma:

Os cangaceiros eram uma classe potencialmente revolucionária, mas não eram


revolucionários: sequer contestavam o sistema a não ser através de seu
comportamento criminoso. Os cangaceiros vinham de um povo apático, quase
abúlico, que sofria diante de uma realidade esmagadora, e que via na seca e não no
latifúndio mono- exportador- a origem de sua desgraça. Não tinham tradição de luta
social; não sabiam reivindicar.

Possivelmente, ação de bandos aconteceu em diversas regiões do Brasil, contudo a


formação dos bando de cangaceiros, teve bastante expressão nos Sertões do Nordeste, devido
24

um alto número de mortes ocorridas e pela intensidade dos fatos e acontecimentos conhecidos
e narrados.
A ideia corrente na historiografia sobre o cangaço, de que um dos fatores primordiais
para o surgimento do mesmo tenha sido as secas ou estiagens devem ser relativizada, isto
porque, entende-se que as secas ou períodos de estiagem tornavam- se mais um agravante da
vida dos pobres sertanejos da Paraíba violentados em seu cotidiano por uma cultura de mando
e sujeição dos pobres aos proprietários e detentores do poder e das suas regras de convivência.

2.1 O cangaço na literatura clássica regional

A importância ainda dada ao tema do cangaço é de grande valia para a literatura


histórica brasileira. Esta importância vem gerando homenagens e visões variadas sobre este
movimento. Sua memória é destacada por diversos momentos da cultura popular do Nordeste
brasileiro. Diferentes autores se destacaram por suas numerosas obras relacionadas ao tema
do cangaço, com influencias facilmente percebidas não só na literatura, se alastrando também
ao teatro, no cinema, na música, na culinária, no artesanato, ou seja, em inúmeras
manifestações ligadas ao cotidiano popular.
De acordo com Sá (2010) o movimento do cangaço foi tido com inspiração na prosa
romanesca brasileira, o que serviu de inspiração literária aos primeiros livros relacionados a
este movimento, como o livro O Cabeleira, de Franklin Távora, indo até os Coiteiros de José
Américo de Almeida, Os Cangaceiros e Pedra Bonita de José Lins do Rêgo, dentre outros
considerados pioneiros. Portanto, o autor conclui que ‗a construção do romance mostra outra
faceta da memória escrita e da poesia cantada pelo povo, que é a memória daqueles que não
se tornaram volantes ou cangaceiros.‘
Concordando com esta relação, Maria Isaura Pereira de Queiroz afirmou que a
utilização deste tema é comparado ao índio no romantismo da literatura brasileira, tendo em
vista que logo após última guerra, esta figura passou a compor uma representação da
nacionalidade.
Os autores que descreveram o cangaço, comprovaram certos conhecimentos que
marcaram esta passagem. Como exemplo, podemos citar Jorge Amado, que menciona muitos
detalhes da vida cangaceira, demonstrando seu conhecimento no modo de viver destes
camponeses pobres, como mostra sua afirmação a seguir:
25

Aqui, na caatinga, habitam os cangaceiros. Os soldados da vingança, os donos do


sertão. Não têm paz nem descalço, não têm quartel bivaques não têm lar nem
transporte. Sua casa é seu quartel, sua cama e sua mesa são a caatinga, para eles
bem-amada. Os soldados da polícia que os perseguem não se atrevem a penetrar por
entre os arbustos de espinhos, os pés de xiquexiques e coás. Ao lado das serpentes e
dos lagartos, Vivem os cangaceiros na caatinga, e também eles, por vezes, liquidam
no tiro das suas repetições os sertanejos que descem e que sobem na contínua
migração. JORGE AMADO (1999, Pag. 43-44)

Neste caso, o autor demonstrou conhecer bem a veracidade dos sertões, e da realidade
do sujeito do cangaceiro, aproximando, assim, seu estilo literário à um relato histórico
surpreendente em realidade.
Outro autor marcante para a literatura do cangaço é Rui Facó em Cangaceiros e
Fanáticos (1963), que marca sua obra a ideia de que os fenômenos de ―fanatismo religioso‖ e
―banditismo‖ corriam por conta da estrutura feudal ou semifeudal do nordeste brasileiro.
Assim sendo, Facó integra na sua obra a tradição cultural do sertão medieval, dentro da
literatura de cordel, peças de teatro, romances etc., para marcar o retardamento da sociedade e
economia nordestinas, assim como a ausência social do sertanejo, no intuito de transformar as
relações semifeudais de produção. Neste caso, os camponeses pobres tinham como opções de
vida, ingressar nos bandos cangaceiros e/ou aderir aos grupos religiosos de lideranças
carismáticas. SÁ (2003).
Na concepção de Facó os camponeses que ainda não possuíssem objetivos bem
definidos de suas atuações nos bandos de cangaceiros e/ou religiosos, estes movimentos
revelavam o momento de enfrentamento e resistência ao poder do latifúndio. Nesse sentido,
destacava a luta heroica do sertanejo para sua sobrevivência com rebeldia, o que tornava,
muitas vezes, percussores de uma tradição revolucionaria. Logo, o cangaceiro tornar-se-á um
problema da história contemporânea e reconhecido, muitas vezes, como herói e mito político
na luta contra os males do latifúndio
A literatura brasileira e a história, se enriquecem na medida em que se complementam.
Cada uma com seu jeito de abordagem particular mas com o mesmo fundamento de
apresentar o movimento. Agregam muitas informações na busca de descrições do cangaço,
levando sempre em consideração as causas do movimento e seus respectivos protagonistas,
que neste caso, eram os pobres camponeses sofridos com intensas secas e opressão diversas.

2.2 Sobre os cangaceiros


26

Conforme podemos deduzir da literatura em estudo eram cangaceiros, camponeses


pobres dependentes da autoridade dos coronéis e dos senhores donos das grandes
propriedades, uma gente sofrida com as castigadas secas, que começaram a unir-se em busca
de um objetivo único e desejado por todos a luta. Essas pessoas ganharam o nome de
cangaceiros por conta de seu movimento, o cangaço.
A partir dos anos 70 do século XIX começou a surgir vários bandos formados para
vinganças de ofensas, fugas de situações opressivas ou até mesmo como um refúgio de viver.
Paiva (2004) afirma nesta época surgiu o bando de Jesuíno Alves de Melo Calado (Jesuíno
Brilhante, 1844 – 1879). Todavia, nas quatro primeiras décadas do Século XX aparecem em
maior destaque. Logo surgiu outros bandos como o de Manuel Batista de Moraes (Antônio
Silvino, 1875 – 1944), Sebastião Pereira da Silva (Sinhô Pereira, 1896 – 1976), Virgulino
Ferreira da Silva (Lampião, 1898 – 1938), chegando ao fim com a morte de Christino Gomes
da Silva Cleto (Corisco, 1902 – 1940).
Militão (2007) coloca que o chefe cangaceiro Sinhô Pereira é estimado como um
cangaceiro vingador, em que se limita a combater por motivos de luta da sua família. Porém
não necessitava de ajuda de outros comparsas, já que os integrantes de sua família eram
suficientes para garantir a subsistência de seu bando.
Deste modo, não só Lampião era considerado com chefe cangaceiro, como também
Jesuíno Brilhante, Antônio Silvino e Sinhô Pereira por suas famílias se depararem em certos
instantes como oposição. A morte do pai de Silvino e Lampião acarretaram em desejo de
vingança, confirmando um dos propósitos dos bandos de cangaceiros: a vingança.
Dentre os principais cangaceiros, nenhum deles alcançou a celebridade de Lampião.
Homem de grande valentia considerado justiceiro, extremamente respeitado no nordeste
brasileiro como o bandido que matava a sangue frio. Conforme relatos sobre sua trajetória, à
cada violência executada em busca de vingança ou para se imporem, novos inimigos surgiam.

Figura 01: Lampião em Juazeiro do Norte


27

Disponível em:/http://4.bp.blogspot.com/_-
l9OVTXgoMQ/TNcsXlAm9TI/AAAAAAAAFfk/CiwYIEoM_oQ/s1600/lampiao-1.jpg
Acesso em: 10/11/2015

Seu ideal de justiceiro e de homem de fé o teria levado ao encontro do líder religioso


de juazeiro do Norte CE, tornando-o ainda mais famoso e conhecido. A foto acima desse
encontro contribui ainda hoje para sedimentação de sua memória no imaginário social do
nordestino.
Sobre sua vida pessoal e sua fama ao lado da companheira, sabe se que como conta
Olivieri (1998), Lampião se apaixonou por Maria Bonita em um acampamento. A mesma era
casada com um sapateiro, filha do dono de uma pequena propriedade e coiteiro do bando de
Lampião. A mãe de Maria Bonita teria sido a responsável pela tomada de conhecimento de
Lampião da admiração que sua filha sentia pelo mesmo. Após esse episódio, ela decide entrar
no cangaço participando ativamente dos ataques com seu companheiro.

Figura 02: Lampião e Maria Bonita


28

Disponível em:
<http://2.bp.blogspot.com/BqH_Teb7MS8/UVeLxLFpEXI/AAAAAAAAEwA/YUjYFjsIuFQ/s1600/urlrtr.jpg>.
Acesso em: 10/11/2015.

A história de Lampião e Maria Bonita até hoje é mostrada nas telenovelas, nos
documentários, no cinema e na literatura de cordel. Sendo assim, são figuras de cangaceiros muito
presentes no imaginário e na cultura popular no Nordeste.
Retomando a abordagem e ideia anterior, com o passar dos tempos, os cangaceiros
foram ganhando autonomia e se fortalecendo diante dos coronéis e poderosos chefes locais. A
cada novo enfrentamento, os mesmos conseguiram obter o respeito que tanto apreciava.
Nesta mesma percepção, Menezes (1970, p.78) coloca que:

Nas últimas décadas, já nos começos da república as condições sociais vão


mudando. Não desaparecem tais formas de cangaço. Mas passam a segundo plano.
Tornam-se forças autônomas, que por uma espécie de cissiparidade social, se
desligam do feudo e iniciam a luta por conta própria, contra a propriedade, contra a
ordem social, muitas vezes discretamente apoiados por coiteiros travestidos em
chefes políticos.

Todo este cenário de manifestação social, colaboraram para a formação de grupos de


banditismo no Nordeste. Neste ponto, o autor elabora o conceito de banditismo social no que
tange a formação do bandido social, investigando o que eles exigem e o por que a grande
massa excluída do poder oficial se identifica com esses considerados bandidos e muitos dos
seus discursos tentam legitimá-lo.
Em seu estudo Militão (2007), argumenta que para Facó, os cangaceiros eram
considerados como vanguardeiros políticos, como o ―prólogo da luta armada‖ que venceria
suas lutas diretas e indiretas contra o latifundiário e encaminharia a revolução brasileira. Já na
análise de Hobsbawn, os cangaceiros eram considerados como classe, como bandidos sociais,
como uma categoria à parte, como vingadores. Assim sendo, ele enfatiza que:
29

O ponto básico a respeito dos bandidos sociais é que é proscrito rurais, encarados
como criminosos pelo Estado, mas que continuam a fazer parte da sociedade
camponesa e são considerados por sua gente como heróis, como campeões,
vingadores, paladinos, justiceiros, talvez até mesmo líderes da libertação e como
homens a serem ajudados e apoiados. É essa ligação entre o camponês comum e o
rebelde, o proscrito e o ladrão que torna o banditismo social interessante e
significativo. HOBSBAWN (1976)

Wescley (2009) analisando a contribuição da historiografia de Hobsbawm para as


análises do cangaço, coloca que:

os bandidos sociais são heróis de baladas, de histórias e mitos característicos que se


mesclam simultaneamente com homens de carne e osso, que vivem em um estreito
relacionamento com a imagem que deles fazem o povo. O bandido é assim uma
figura presente em todos os tempos e possivelmente em quase todas as regiões do
mundo. No Nordeste brasileiro, o autor irá identificar Lampião e os seus ―cabras‖
como um tipo peculiar de bandido social, vendo o movimento por ele encabeçado
como Movimento Social Pré-Político, já que na sua concepção esses movimentos
estão longe de ser marginais, pois eles estão na origem e na própria raiz das grandes
reviravoltas revolucionária do século XX. (pag 2-3)

Em meio a estas análises, temos que os cangaceiros advinham de uma população que
sofria com a realidade opressiva, e com a desestruturação de sua origem causada pelas
intensas secas naquela região. Lutavam para sobreviver e eram considerados perigosos,
usando de suas astucias para escapar das frequentes armações diárias.
Para Rui Facó, o grande protagonista de todo o cangaceirismo é sem dúvida, Virgulino
Ferreira da Silva, o Lampião, descendente de uma humilde família composta por pequenos
criadores e cultivadores do Município de Serra Talhada, no estado do Pernambuco. Assim
como aconteceu com as outras famílias da época, a família Ferreira foi perseguida. O autor
relata que o estopim ocorreu com a morte de uma cabra, logo os irmãos Ferreira vingam-se
assassinando um desafeto. Após esse acontecimento, os mesmos tentam se refugiar dos
possíveis ataques contra eles no Estado de Alagoas. Neste local o patriarca da família é
assassinado a mando das mesmas famílias que já o haviam perseguido em Pernambuco. A
partir desse momento, ingressaram no cangaço, unindo-se Virgulino ao bando de Sebastião
Pereira, Sinhô dos cangaceiros, então mais famoso do Nordeste, com objetivo de vingar a
morte do pai. (FACÓ, 2009)
Partindo desse pressuposto, Militão (2007) também assegura que os irmãos Ferreira
resolveram viver no crime e lutar para vingar a morte do pai, abandonando toda possibilidade
de voltar a ter uma vida normal, pondo em perigo a vida de toda sua família, vivendo somente
do cangaço, levando outros membros a cruzar limites e ingressar neste movimento social. A
perversidade, a ousadia, combinadas com a crescente frustação de justiça teria contribuído
para o sertanejo Virgulino ser reconhecido como cangaceiro justiceiro e vingativo.
30

É notório o impacto do conceito da vingança que ―na vida dessas pessoas que viveram
no cangaço, o que tornara para o sertanejo a força de um dever, um código de honra onde o
verbo perdoar não existe e onde é covarde aquele que apanha ou é ultrajado e não reage.‖
MILITÃO (2007, pag 26). Sendo assim, o homem sertanejo que não defendesse sua honra e
de sua família, não era respeitado como deveria ser.
Na Paraíba o cangaço foi ativo e vários foram os ataques de vingança e para
conseguirem meios de sobrevivência. Cangaceiros como Lampião e Chico Pereira são
exemplos e se destacaram nesse tipo de episódios.

2.3 O cangaço na Paraíba e na vida de Chico Pereira

Assim como nas outras regiões do Nordeste, a atuação do cangaço na Paraíba alcançou
seu auge entre as décadas de dez e trinta, consequentemente quando começou o seu declínio.
Os grupos de ―bandidos‖ invadiam as cidades, saqueavam o comércio e matavam, ainda mais
em momentos e em consequência da intensa seca e da fome que se alastrava por todos os
lugares. Os bandidos ameaçavam a todo momento, sendo assim a polícia não conseguia
combater a violência, nem garantir a vida do cidadão e da propriedade alheia.
Melo (1997) afirma que bandos de cangaceiros oriundos de Pernambuco ainda se
encontravam em Monteiro PB, mas logo após a exclusão do bando de Lampião, por volta de
julho de 1938 em Sergipe, o cangaço encontrava-se esgotado.
O que se sabe é que no início dos anos quarenta, os últimos cangaceiros foram
exterminados na região de Ingá PB pela chefia de Polícia da Interventoria de Rui Carneiro.
Ainda com base no autor, o reduto messiânico de padre Cicero no Juazeiro foi
desarmado a partir das informações que haviam chegado ao Sertão que a chamada Revolução
de 1930 era voltada primordialmente contra as milícias privadas dos coronéis. Isso por que
uma das inspirações dos grupos de cangaceiros era a religião popular do ―padim Cicero‖. As
relações dos bandos com as formas de religiosidade popular, que chegaram a materializar, na
Serra do Comissário, em Sousa, eram também difusas.
Cangaceiros como Antônio Silvino, Chico Pereira e Virgulino Ferreira da Silva, o
Lampião, foram protagonistas da história do cangaço na Paraíba. Melo (1997) descreve
resumidamente a atuação de alguns destes em terras paraibanas:

Silvino, cuja atuação se estendeu por dezesseis anos, chegou a invadir Pilar, em
1914, em formação militar. Saqueou a loja do chefe político e angariou simpatias,
distribuindo dinheiro com a população. Em Guarabira, recorreu ao telégrafo para
31

enviar desafiadora mensagem ao presidente do Estado. Já Chico Pereira atuou no


sertão da Paraíba e Rio Grande do Norte tendo depredado propriedades na região de
Acari. Preso em Cajazeiras pelo tenente Arruda que, com seus colegas Benício e
Vicente Jansen, distinguiu-se no combate ao bandoleirismo, foi posteriormente
justiçado, em acontecimento ainda hoje envolto em mistério. (1997, pag. 156)

Como informa o autor todo o Estado paraibano foi cortado pelos cangaceiros, do
município de Pilar nas proximidades do Litoral , passando pelo Brejo no município de
Guarabira até o município de Cajazeiras no Alto Sertão, terra de Chico Pereira.
O encontro desse sertanejo com o bando de Lampião aconteceu em Princesa
município do agreste paraibano. Foi dessa localidade que partiram os cangaçeiros para atacar
a cidade de Sousa no Sertão desse Estado em julho de 1924. Assim seguiam os ataques por
toda região do Nordeste e da Paraíba, seguiam uma lógica de seguirem para outros Estados a
perseguição policial se intensificava. Faziam isso, também, se aproveitando de uma lei da
constituição federalista que proibia forças policiais adentrarem em outros Estados com o
propósito de continuarem a perseguição aos bandos cangaceiros.
A partir desses pressupostos gerais da história e da historiografia do cangaço no
nordeste e na Paraíba, daremos ênfase no capítulo seguinte à história e vida do sertanejo e
paraibano Chico Pereira e sua atuação no cangaço. Consideraremos os motivos que foram
alegados para sua inserção no cangaço, seus principais confrontos até o misterioso e trágico
desfecho de sua morte.
32

3. CULTURA E VIOLÊNCIA SOCIAL NA HISTÓRIA DO SERTANEJO PARAIBANO E


CANGACEIRO CHICO PEREIRA

3.1 Seca e flagelo social no meio social ao qual fazia parte Chico Pereira

Nas últimas décadas do Século XIX intensificam-se os problemas sociais no Nordeste


agravados pelos períodos de estiagem. A chamada grande seca de 1877 – 79 refletiu em
consequências catastróficas em todo o Nordeste atingindo quase a totalidade das pessoas que
habitavam essa região. Esse acontecimento é o considerado como o ponto de partida para o
aumento da tensão, dos sofrimentos, dos deslocamentos de populações inteiras para outros
lugares em busca de sobrevivência, assim como para o aparecimento de conflitos armados e
movimentos tais como o cangaço. A estiagem arrasou todo o Nordeste, deixando numerosas
pessoas flageladas, que tumultuavam várias regiões com saques e movimentos violentos.
Assaltos a fazendas, sequestros e grandes roubos eram comuns de se observar por toda a gente
sofrida daquela época.
O vilarejo de Nazarezinho, pertencente ao município de Sousa no Alto Sertão da
Paraíba, também sofreu com sucessivos saques e ataques cometidos por uma gente em busca
de alimentos e querendo vingança. Mas apesar dos pesares, o sertanejo se mantinha forte e
destemido, enfrentando as tempestades das secas cíclicas além de outras adversidades tais
como a violência e a opressão dos proprietários das terras e dos demais meios de
sobrevivência.
Em meio a esse contexto de dificuldades vivenciado pelos sertanejos se encontrava
Francisco Pereira Dantas, conhecido por Chico Pereira, o filho do coronel João Pereira.
Como morador conhecia todo o Sertão. O mesmo nasceu e morou em um casarão na fazenda
Jacú, localizada na vila Nazarezinho pertencente à cidade de Sousa-PB. O lugar e o
personagem Chico Pereira, ganharam notoriedade mediante sua, embora breve, história
de experiência no cangaço e ―confronto‖ com a justiça e poder do sistema dominante na
época.
Dados sobre seus modos não exibem diferenças diante da realidade e do contexto em
que se inseria. Como homem do seu tempo compartilhava valores e costumes comuns.
Todavia, sua trajetória de vida não era a mesma da maioria da população dos pobres
trabalhadores e agregados dos senhores proprietários. Era filho de um proprietário de terras,
vivia em uma fazenda cercado de trabalhadores dispostos a vender sua força de trabalho
servindo como fosse possível. Assim Chico Pereira, pôde observar a luta pela sobrevivência
33

bem de perto, enxergando o sofrimento expresso no rosto do povo sofrido que vivia em sua
volta.
A figura a seguir nos mostra como se encontra hoje a casa onde Chico Pereira morou
e nos remete ao seu mundo.
Trata-se de uma morada com uma fachada ainda bem caracterizada com suas paredes,
‗‗oitão‘‘ e seus muitos compartimentos que testemunham um ambiente glorioso da família
Pereira. Apenas os proprietários possuíam moradas com essas características.
Hoje é ponto de visitação por muitos curiosos e estudiosos, porém se encontra a
fazenda Jacu desgastada pelo tempo e o não uso.

Figura 03: Casa de Chico Pereira

l
Disponível em: <http://cariricangaco.blogspot.com.br/2013/06/nazarezinho-e-magia-do-segundo-dia-de.html>
Acesso em 10/11/2015

Figura 04: Imagem da fazenda Jacu em Nazarezinho - PB


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Disponível em: <http://cariricangaco.blogspot.com.br/2013/06/nazarezinho-e-magia-do-segundo-dia-de.html>


Acesso 10/11/2015

Em estudo sobre o cangaceirismo, Melo (1997) relata que havia um relacionamento


indireto dos chefes do movimento com o coronelato na Paraíba entre os períodos de 1889 e
1930. Esse período é identificado por ciclos dos chamados movimentos liberais 1801-17-24-
49, e populares com o Ronco da Abelha, Serra do Lagoa e Quebra-quilos na metade do
Século XIX. Os coronéis lideraram o ciclo seguinte, vigente durante a República Velha.
Sobre essa questão é preciso pensar que esse relacionamento extrapolava as vias da
luta se davam também em função do conhecimento dos sujeitos cangaceiros no seu meio
perante seu pessoal. Eram estes homens conhecidos como trabalhadores e fortes sertanejos.
Paiva (1997) pressupõe que a saga do homem forte do Nordeste do bravo ―soldado
do cangaço‖ é típico da sociedade sertaneja, com características físicas e culturais distintas;
Esta sociedade ―Resultou dos cruzamentos entre brancos e índios nos amplos espaços das
pioneiras fazenda de gado, produzindo caboclos resistentes às dificuldades oferecidas pelo
meio ambiente‖ (1997, pag. 13).
Para alguns autores, a produção do cangaceirismo está ligada ao alto índice de
analfabetismo colocado em paralelo com o clima do sertão. Segundo Barroso (1917) ―foi a
alma do sertão que moldou e fundiu a alma do cangaceiro. Afim de viver nessa região
agreste, batida de sol, e demasiadamente sóbrio. O eterno combate contra o meio inóspito
desenvolveu-lhe a coragem e resistência‖. (1917, pag. 22). Cabe aqui ressaltar as palavras de
Euclides da Cunha, em sua obra Os Sertões, em que afirma ser ‗‗o sertanejo antes de tudo um
forte.‘‘
Mas o que dizer de alguns componentes do cangaço como um dos seus líderes
Lampião, homem de leitura e de hábitos culturais diferenciados, assim como o caso de Chico
35

Pereira também letrado, apreciador da poesia, dos bons modos no portar e no vestir como
podemos ver em sua fotografia mais a seguir neste capítulo.
Outra questão a ser considerada diz respeito ao fato do conhecimento da vegetação ser
apontado como primordial para os cangaceiros se livrarem das perseguições policiais. As
caatingas permitiam as fugas e ocultavam os bandos. Era considerada perfeita a adaptação dos
cangaceiros, só eram vistos quando queriam, observavam cada movimento e detalhe pelos
arredores onde se encontravam. Esse conhecimento do lugar é em nossa opinião mais um
elemento que depõe contra uma identidade e representação dos cangaceiros como bandidos e
desordeiros. Ao contrário, estes eram, ou teriam sido, em algum momento das suas vidas,
trabalhadores acostumados com a mata quando do trabalho com o gado, ou com o algodão,
conhecedores de sua gente e de sua terra.
No contexto e época da entrada de Chico Pereira no cangaço, para combater as secas
rigorosas que se alastrava em todo o sertão, o Presidente da República, o paraibano Epitácio
Pessoa, resolveu implantar um projeto de açudagem e construção de barragens. Para tanto
seria feito um represamento da água dos rios nos boqueirões, local onde as correntes d‘agua,
apertados entre serras, se estreitavam.
Sobre essa situação e de acordo com Nóbrega (2002), no alto Sertão da Paraíba,
precisamente no município de Sousa, o povo simples do campo que ali habitava, contemplou
a chegada dos norte-americanos: uma raça de pessoas que eram conhecidas como ‗mister‘ e
falava embrulhado para ninguém entender. Manipulavam máquinas nunca vistas no processo
de açudagem, desapropriaram terras e se colocaram nas gargantas das serras. O vilarejo de
São Gonçalo foi escolhido como ponto estratégico do projeto da açudagem.
Nesse ambiente de crise social agravada pelas secas os desmandos e a violência dos
mais fortes contra os mais fracos era uma constante. A vingança era considerada como um
dever sagrado para aquela população acostumada a chorar os seus mortos em emboscadas e
armadilhas. Uma espécie de herança que os filhos de pais assassinados carregavam. Caso o
vingador não se manifestasse, a família enlutada seria desonrada e passaria por vergonha.
Nóbrega (2002) ao caracterizar essa cultura da vingança destaca o fato de que na mesma, a
vingança era imperativa, aqueles que não a cometesse passaria a vida sendo humilhados e
açoitados pelo povo, ouvindo expressões como: ‗você não é homem‘, ‗Não há homem na sua
família‘, ‗Gente mole assim é melhor vestir saia‘. Foi nesse pensamento que várias famílias
inteiras se devoraram e se desestruturaram. Filhos e netos eram mortos com o ódio que
atravessavam gerações e gerações.
36

A polícia a grande vilã da época, era partidária, como força e segurança submissão ao
poder dos senhores e proprietários locais agia de acordo com seus chefes. Caso um infrator
fosse apadrinhado de um correligionário, teria a liberdade de matar. Não seria preso, ninguém
tocava, ou sequer existiam buscas.
Deste modo, contrariamente a esse tipo de polícia partidária e nome de uma justiça por
mãos próprias, homens se equipavam às dezenas, transformavam-se em cangaceiros formando
bandos nômades, emigrando de município para município, atravessando serras, rios, Estados.
Eram na maioria das vezes mais poderosos que a próprio polícia. O cangaceiro não era
unicamente o perverso, o traiçoeiro. Existia os honestos, incapazes da menor crueldade
gratuita, que viviam com armações em punho só para estimular justiça. Eram tão rápidos e
com uma artilharia sem comparação que ―arrastavam-se no chão, se protegiam em
depressões do terreno, se escondiam atrás de troncos de árvores e de pedras – tudo lhes
serviam de trincheira‖ (PAIVA, 2004, pag. 30). E assim conseguiram viver por muito tempo
e enfrentar muitos conflitos, não esquecendo suas especialidades para tratamentos aos
cangaceiros baleados, com feridas provocadas pelas fugas e outras adversidades que
surgissem.

3.2 A trajetória de Chico Pereira no cangaço 1922 à 1928

A entrada e história de Chico Pereira no cangaço por volta de 1922 à 1928 foi pouco
abordada por historiadores profissionais em seus estudos sobre essa temática nos Sertões do
Nordeste e da Paraíba em particular. Grande parte do que sabemos, inclusive como filhos ou
filhas da região de Nazarezinho município de origem de José Pereira como eu, tem por base
os ―boatos e lendas‖ repassadas de gerações em gerações ali, além da obra ―Vingança, Não‖
de autoria de Francisco Pereira Nóbrega, filho do próprio Chico Pereira.
Ao apresentar a obra diz o autor que tentou trazer aos leitores as condições reais e
imaginárias de vida de seu pai, sua vivência no cangaço, seus conflitos e sua saga como
cangaceiro até o fim de seus dias. O autor ainda destaca que sua obra tem como fonte
principal os depoimentos de seus familiares.
Jovem de 21 anos de idade, Francisco Pereira Dantas, comumente conhecido com
Chico Pereira, o filho do coronel João Pereira, foi estimulado pela comunidade a fazer justiça
pela morte de seu pai. Na intenção de vingança, entra no cangaço e não consegue mais sair.
Diferente dos demais cangaceiros, Chico Pereira não usava chapéu quebrado na testa,
nem gibão ou outra indumentária, utensílios exclusivos e tradicionais da época e da história
37

dos cangaceiros. Cardoso (2010) relata que seu figurino de bandido foi inspirado em revistas
norte-americanas quem eventualmente chegavam no Sertão. Acredita que seu personagem de
referência tenha sido Tom Mix, pois com base no jornal do Recife de 22 de novembro de
1927, mencionado por Frederico Pernambucano de Mello, Chico Pereira não usava cabacinha
d'água ou chapéu de couro, escolhendo um vestuário como o herói do Far West, envergando
chapéu de massa, de abas largas, lenço vermelho ao pescoço, pesadas cartucheiras, calças
culote, polainas e clássico punhal nortista traspassado à cinta. Como mostra a fotografia
reproduzida a seguir:

Figura 05: Chico Pereira

Disponível em: <http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2013/06/comentario-sobre-os-cangaceiros-


chico.html>
Acesso em 10/11/2015

3.3 Vingança não: uma versão da história de Chico Pereira no cangaço

Francisco Pereira Nóbrega, escritor da obra Vingança, Não nasceu no dia 24 de abril
de 1928 na fazenda Jacu, nas proximidades da vila Nazarezinho, até então município de Sousa
na Paraíba. Filho de Jardelina Nóbrega, professora na cidade de Pombal, e de Francisco
38

Pereira Dantas um comerciante de material de construção na vila de Nazarezinho. Narra o


autor que por muito tempo a vida de Francisco Pereira, girou em torno desse comércio,
vivendo como homem comum típico do seu meio. Todavia, a má sorte e os infortúnios
reservou para ele um lugar no mundo do cangaço passando para história desse movimento
como o cangaceiro Chico Pereira. O escritor e filho nasceu no auge dos intensos conflitos
familiares e das consequentes injustiças sociais que massacravam o Sertão nordestino do
Brasil em fins do Século XIX e primeiras décadas do Século XX.
Segundo suas palavras, passou a infância longe dos pais e familiares, tornando-se
padre e autor do livro ―Vingança, Não‖ obra na qual relata a tragédia acontecida na sua
família e os principais motivos que influenciaram seu pai a entrar no cangaço. No ano de
1968 o autor que era padre, deixou a batina e em 1971 teve seu enlace matrimonial com Ligia
Aparecida Moura Pereira Nóbrega com quem teve três frutos: Melissa, Mariana e Francisco.
Seu livro se diz baseado em relatos de parentes e de pessoas consideradas por ele
como amigos e inimigos de seus familiares. Segundo o autor, são histórias contadas através de
depoimentos orais de testemunhas visuais encontradas nas ruas, estradas e viagens em
diversos Estados do Nordeste sobre os acontecimentos que marcaram a vida de sua família,
como também em processos criminais que acusavam Chico Pereira.

Narrando, esqueço os parentescos de ‗titio‘, ‗papai‘, ‗mamãe‘ e os chamo como


estranhos. Prefiro assim. Particularmente, tratando-se de minha mãe, saberia
somente chama-la de Jarda. Assim sempre a tratei. Adiante aparece o porquê‘‘.
(NÓBREGA, 2002, pag. 14).

Como podemos constatar em sua fala o autor reivindica para si um papel de narrador
isento, cujo objetivo com a obra é ser guardião da memória e da história.

3.4 O assassinato: injustiça e vingança passional

Em sua narrativa a alegação de vingança do assassinato de seu pai João Pereira é


apresentada como a principal razão de Chico Pereira entrar no cangaço. Segundo seu relato,
Chico Pereira após ter entregado o acusado da morte de seu pai à polícia e o mesmo ter sido
solto, revolta-se com tamanha falta de justiça praticando a vingança. Em seguida, como
refúgio procura proteção entrando no bando de cangaceiros.
Como acontecia na maioria das famílias que tinham seus pais assassinados, o mesmo
levou em conta a vingança de seu pai como questão de honra para família. Como não existia
atuação da justiça, caso um assassino fosse apadrinhado por alguém, do mesmo partido
39

político dominante da época, nada lhe acontecia e assim seguia. Nesse contexto vidas foram
sendo destruídas assim como inúmeras famílias foram desagregadas por décadas. As
consequências dessa situação são apontadas em alguns estudos como sendo responsáveis pela
formação dos bandos de cangaceiros como aglomerações de homens que se juntavam contra a
polícia partidária e a injustiça das autoridades. Viviam no relento, sem destino, nas matas,
estradas e buscavam amparo em diversos Estados do Nordeste.
Nóbrega em seu livro usa da imaginação para descrever os acontecimentos que
marcaram a vida de seu pai, com descrições de paisagens físicas e diálogos relembra alguns
momentos de sua infância, como na passagem:

Os Fernandes eram dois irmãos: João e Nobilino. Moravam nos arredores de um


lugarejo, pertinho. Mas se ligaram a tanto ao coronel João Pereira que pareciam
filhos. Era daquelas amizades antigas de se matar e morrer pelo amigo. Passavam
semanas na fazenda do coronel, ouvindo e ouvidos nas coisas da casa. (...) Tadinha
não era gente. Era a bezerra, enjeitada, criada pelos cuidados do vaqueiro. Naqueles
fins de terra só ia quem tinha negócio. E grande. As casas se afogavam na mata. De
uma não se avistava a outra, embora pertinho. Gritavam, substituindo o telefone:
-Ô Chico!
-Oi...
-Dê umam olhada ali, a Luís, que os bichos entraram na roça. (NÓBREGA, 2002,
pag. 27)

A vida de Chico Pereira passou a ser rodeada por mistérios. Alguns membros de sua
família queriam esconder sua localização e os crimes cometidos durante sua passagem no
cangaço para que o mesmo não fosse preso e morto por maldades cometidas com outras
famílias.
Sua mãe Maria Egilda tentava o alertar com conselhos como: ‗- Saia de Sousa. Não é
mais terra para você morar. O lugar onde Deus o quer é outro. (...) – Vá morar em Bom
Jesus de Gurguéia e será feliz‖ (NÓBREGA, 2002, pag. 62).
Essa sua persistência ou teimosia é destacada pela versão da obra ―Vingança Não‖ na
qual Chico Pereira é classificado como uma pessoa de Cabeça dura. Fazia com que o
conselho de sua mãe morresse alí mesmo. Seguia no cangaço com seu bando afim de refugiar-
se e continuar cometendo mais vinganças.
Diante da vida de vendedor de cal, viajante sem destino certo, Chico Pereira foi às
margens do Piancó a procura de minas de cal. Durante a noite, chegou a um casarão antigo e
pediu hospedagem e dormiu aquela noite. Nóbrega relata que a partir daquela estadia casual,
Chico Pereira se apaixonara pela filha da viúva de Antônio Mamede, D. Emília, mãe de dez
filhos, quase todos menores, órfãos e vítimas da violência nessa sociedade.
40

Jardelina Esmerina Nóbrega, menina de 12 anos de idade se tornara então o amor da


vida de Chico Pereira. Depois da eventualidade de hospedagem, Jarda como era conhecida,
começou a gostar do comerciante de cal, de cujo drama iria participar durante toda a vida.
Noivou aos 13 anos, casou aos 14 e ficou viúva aos 17 anos de idade, com três filhos
pequenos.
O autor marca a identidade da jovem em poucas palavras, como a seguir:
-Anos? Dezessete.
-Estado Civil? Viúva.
-Filhos? Três.
-Pai? Assassinado.
-Esposo? Assassinado.
-Sogro? Assassinado.
-Cunhado? Assassinado também.(idem, pag. 19)

Figura 06: Jardelina Nóbrega

Disponível em: <http://cariricangaco.blogspot.com.br/2013/06/jarda-o-amor-de-chico-pereira.html>


Acesso em: 10/11/2015

3.5 A entrada no cangaço como um infortúnio familiar

Em meio aos flagelos do Sertão nordestino, marcado por secas intensas e disputas por
alimento para sobrevivência, Chico Pereira, reside na fazenda Jacu, com sua mãe Egilda, Seu
pai João Pereira, e os irmãos Apriniano, Abdias e Abdon. Este estava terminando os estudos
em Cajazeiras-PB para depois ir ao Rio de Janeiro onde iria cursar medicina.
41

Essas informações da vida da família de Chico Pereira apresentadas pelo seu filho e
também narrador, nos leva a reforçar a ideia que vimos trabalhando da inadequação de Chico
Pereira assim como outros participantes de episódios no cangaço a estereótipos criados para
os cangaceiros de um modo geral. O pai de Chico Pereira tinha projetos de vida para seus
filhos que nesse ambiente não se colocavam como revoltados com seu meio.
O Alto Sertão da Paraíba entre os anos de 1919 e 1922, seria beneficiada pela
construção de açudagem e pela atuação do paraibano Epitácio Pessoa como Presidente da
República daquele ano. Segundo Melo (1997), as barragens principais seriam intituladas
como: Engenheiro Ávidos (Boqueirão de Piranhas); no alto sertão, Coremas (Mãe D‘agua);
São Gonçalo, que buscava interligar as bacias dos rios Piancó e Peixe, entre Coremas e Sousa;
Boqueirão de Cabaceiras, no curso médio do rio Paraíba, nas proximidades de Campina
Grande e Sumé, localizada no Cariri. Para o autor, esses açudes iriam proporcionar além de
água e energia elétrica, peixes e culturas de vazante, o desenvolvimento das cidades de
Boqueirão, Coremas, Sousa, Sumé, Condado e Malta.
No ponto de vista econômico, as obras contra as secas não ficaram limitadas a açudes,
nem ao semi- árido, tomaram de conta de toda a Paraíba, como coloca Melo (1997):

Na Paraíba, graças ao prestígio de Epitácio Pessoa, secundado pelo de José Américo


de Almeida, sendo este Ministro de Viação por duas vezes, de 1930 a 1934 e 1953 a
1954, assim como candidato a Presidência da República, em 1937, tais
empreendimentos distribuíram-se por todo estado. Envolveram rodovias e ferrovias,
pontes, quartéis, abastecimento d‘agua e eletrificação, comunicações postais e
telegráficas, edifícios públicos, hospitais, escolas e patronatos, estações
experimentais e de remonta, drenagem de rios, campos de aviação, etc. A Paraíba
tornou-se uma das unidades de maior concentração de recursos e realizações. (idem,
pag. 164)

O açude feito na fazenda São Gonçalo, de posse dos Rochas, adversários políticos da
família dos Pereiras. Após esse benefício a localidade se transformaria em vila, e em
consequência traria oportunidades financeiras e vantagens políticas para os seus.
Com João Pereira não foi diferente, ele tinha planos financeiros para seus filhos
naquela localidade, além de sua fazenda Jacu, tinha um comércio em Nazarezinho e logo
depois construiu um barracão em São Gonçalo.
Ainda assim, João Pereira havia sido escolhido para ser delegado da vila Nazarezinho
na época em que foi aprovada uma lei que proibia os sertanejos andarem armados.
Um certo dia, João Rocha delegado da Vila São Gonçalo e rival político de João
Pereira discute com Abdias dentro de seu barracão, mas tudo termina bem. Apesar da
42

rivalidade política de ambos. Embora compadres, sempre existia uma tensão entre os Rochas
e os Pereiras.
Narra o autor que na sequencia desse acontecimento, João Pereira foi morto no dia 11
de setembro de 1922, quando quatro homens armados chegaram em sua casa de comércio na
vila Nazarezinho. A confusão se estabeleceu quando João Pereira teria ido tirar satisfação
sobre o porte de armas de tais homens, daí teria se estabelecido uma briga com tiros, facadas e
luta corporal, tendo sido o mesmo atingido por um tiro fatal. Esse segundo narra o autor teria
sido o estopim do destroço da família Pereira. Dos acusados pelo assassinato só teria restado
os indivíduos de nome Chico Dias e Zé Dias. Chico Dias desapareceu, ficando apenas Zé Dias
como culpado. De acordo com Nóbrega (1989) ―Na fazenda Jacu, nos últimos momentos de
vida, João Pereira diante de toda família faz seu último pedido, o qual morreu repetindo:
Entreguem tudo a justiça. Vingança, não‖.
De acordo com a obra ―Vingança, Não‖, todos os familiares tinham a certeza que a
morte do coronel João Pereira havia sido premeditada, mas ninguém sabia do mandante,
sendo a polícia a principal suspeita.
Quando do acontecimento da morte do seu pai, Chico Pereira se encontrava ausente
pois nesse tempo preferira vender material de construção pelo sertão ao invés de trabalhar no
barracão de seu pai. Foi em uma dessas suas viagens, como relatamos anteriormente, que o
mesmo conheceu na fazenda Pau Ferrado aquela que viria a ser sua esposa, Jarda assim
denominada, filha de D. Emília e Antônio Mamede, menina de doze anos que ironicamente
também tivera o pai assassinado devido brigas por terra.
A partir de então, todos queriam que a vingança fosse feita, e a responsabilidade caia
sobre ele Chico Pereira por ser o filho mais velho. Após procurar o delegado por três vezes
para prender o acusado de nome Zé Dias, e o mesmo desfrutar da liberdade, e ouvir da
população conversas como: ―- Não é conversa de ‗ouvi dizer‘. Eu vi o homem solto. Seo
Chico, não lhe disse desde o começo: mate esse homem. Todo mundo já sabia que eles não
queriam prender. O juiz, o delegado, essa gente toda é de outro partido político. Revoltado,
Chico Pereira resolve vingar a morte de seu pai. Passa cerca de oito meses na busca
constante, habitando solidões despovoadas, se escondendo entre pedras, árvores, cercas e até
mesmo entre seus inimigos. Dias e noites passavam e ele não cansava de esperar que Zé Dias
fosse pego por uma de suas emboscadas. Como presumiu, Zé Dias foi morto no meio de uma
estrada.
Na seguinte passagem, Nóbrega descreve sua chegada em casa depois do acontecido:
43

-Mamãe, fizeram-me criminoso.


Foi assim que chegou em casa, já de noite. Vinha cingido de duas cartucheiras: uma,
do revólver que trazia na cintura. Outra do rifle que tinha na mão. Ainda um punhal
enorme e dois bornais a tiracolo, cruzando-se sobre o peito. Somente um era de bala.
O outro, de alimentos. Na cabeça, um chapéu de couro, quebrado na testa. (Assim
viveria de agora em diante.) E, por baixo de tudo isto, estava a roupa de luto. E, la
dentro, um rapaz de vinte e três anos. Assassino. (idem, pag.54)

Desde esse episódio, Chico Pereira não teve paz em sua casa. Vários homens de
lugares diferentes o procuravam a fim de formar bandos. Estes homens normalmente eram
também fugitivos por questões com inimigos políticos, com patrões ou questões de família.
Todos procuravam refúgio depois de cometerem assassinatos por vingança, por obrigação
tornavam-se solidários para a vida e para a morte.

3.6 A história de Chico Pereira como cangaceiro

Em junho de 1924 um grupo de cangaceiros decidira invadir a cidade de Sousa PB


depois que o comerciante de Nazarezinho Chico Lopes, acompanhado de Chico Américo,
teria sido ameaçado e açoitado no meio da feira pelo Dr. Otávio Mariz, chefe- político
daquela cidade. Como relata o autor, o tal Dr. Otavio Mariz sabedor que Chico Américo era
seu inimigo pessoal e cabra de Chico Pereira, fora nas bancas da feira procurara uma chibata
para comprar, tendo em seguida ido ao encontro dos dois cabras, tendo encontrado apenas
Chico Lopes. Aplicou-lhe uma surra magistral e pediu-lhe para ir à fazenda Jacu, reduto dos
Pereira Dantas em Nazarezinho, avisar a Chico Pereira que tinha outra prometida para ele.
Durante os açoitos, ele falava:―-Vá dizer a Chico Pereira!Vá! Diga a ele que venha
apanhar também.‖ (NÓBREGA, 2002, pag. 71) Durante toda sua infância, Chico Lopes não
tinha apanhado como havia apanhado de Dr. Otávio Mariz, decidiu então revidar e foi daí que
conheceu sua personalidade de cangaceiro vingador. Havia descoberto com a surra um outro
lado de seu coração ―´É que ele tinha também alma de cangaceiro, como a do irmão. Tinha e
não sabia‖. (Idem, pag. 72).
Conforme o narrador diante dessa humilhação Chico Lopes teria ido até a fronteira de
Pernambuco contar tudo que aconteceu a Lampião e declarar que seria do seu bando. Pediu
ajuda para levar seu bando até Sousa para vingar a surra que teria levado. No entanto,
Lampião estava com o pé baleado e incapaz de andar e levaria algum tempo para que ficasse
nas condições certas para atacar. Deste modo, ofereceu seu bando com dois de seus irmãos,
Levino e Antônio Ferreira para dar uma lição em Otávio Mariz.
Nóbrega relata a invasão com menos de quarenta homens, controlado por Chico
Pereira. Achando número pequeno para o tamanho da cidade, resolveu recolher os cabras que
44

já haviam abraçado a vida de bandoleiros. Logo começou a chegar homens de toda a parte,
ficando refugiados nos recantos da serra, esperando a ordem de reunir.

Enquanto Sousa fechava os olhos, no Jacu a invasão se organizava. Da calçada do


casarão, o búzio, de chifre de boi, buzinou, gemeu, alto, longo, nas quebradas das
serras, como soluço de todos os injustiçados. Era a ordem de reunir.‖ (idem, pag.
81)

Chegando na cidade, com cerca de 84 homens, às quatros horas da madrugada, Chico


Pereira procurou a delegacia e informou à polícia que veio em busca de Otávio Mariz, no
entanto havia cercado toda cidade de cangaceiros. O Tenente Salgado e a polícia se retiraram
do local, não havendo atrito entre eles. Chico Pereira não conseguiu controlar o bando, o que
proporcionou um conflito com muito tiro e casas comerciais arrombadas a coice de rifle. Logo
após do acontecido, Chico foge com o bando de lampião pelo Sertão por ser o principal
acusado do desastre na cidade de Sousa.
Levar a vida de cangaceiro não parecia ser fácil, Chico Pereira lutou para sobreviver
longe de toda família. Atravessando o sertão, junto com o bando e os dois irmãos de Lampião,
Levino e Antônio Ferreira percorreu as cidades de Piancó, Itaporanga, Diamante e muitas
outras. Ao tempo que passaram escondidos em Pernambuco, passavam dias sem dormir e até
sem comer fugindo da morte, a procura de lugar tranquilo para sobreviver. O lugar mais
seguro para Lampião e Chico Pereira, era a Serra do Pau Ferrado. Segundo Nóbrega (2002) o
lugar era coberto por espinho pontiagudos, em que por muitas vezes Chico tinha seus pés
furados e inflamados o que dificultava a sua caminhada.
Em seu relato de alguns episódios da vida de cangaceiro de Chico Pereira o autor
conta que um certo dia, o morador dessa serra do Pau Ferrado, conhecido por Salu, teria
resolvido matar o primeiro cangaceiro que ali surgisse, sendo surpreendido. Ao tentar na
escuridão da noite por Chico Pereira que o matou com um tiro certeiro. Mesmo após o fato,
Chico ainda continuou escondido na serra.

Ao mesmo tempo, o chefe de polícia recebera de Pernambuco um pedido de ajuda


contra Lampião e sua gente, escaramuçando entre os dois estados. Vigorava o
acordo interestadual, permitindo às milícias estranhas atravessarem fronteiras em
busca dos cangaceiros. (Idem, pag. 104)

Quando a polícia se aproximou da serra em busca de Lampião, Chico Pereira fugiu ao


encontro do bando de Levino pelo canavial. Com dificuldade de andar, devido as perfurações
nos pés e muita dor, Chico passou a ser carregado pelos homens do bando e recebeu um
conselho de Levino para que se entregasse a polícia. Rejeitando o conselho, e se vendo diante
45

da polícia, a última vez que Chico viu os irmãos de Lampião foi aquela, pois resolve ficar no
canavial sozinho. De onde estava, passou a escutar os tiros em Patos de Baixa Verde. Passou
um dia sem comer e a noite na chuva e na lama. No dia seguinte, chupou cana e mais uma
noite na chuva e na lama. No terceiro, mais uma vez chupando cana, com os pés tomados de
bichos, pus, inflamados e com bichos rondando superou mais uma noite na chuva com dor,
febre e muito frio. No quarto dia, ao tentar pegar uma cana que estava mais afastada, foi
picado por uma cobra. ― A cobra o picou seguramente, largou-o e saiu serpenteando entre o
canavial. As circunstâncias lhe emprestavam imunidades: não podia atirar nela sem alarmar
a vizinhança.‖ (idem, pag. 107)
De acordo com o relato de Nóbrega (2002) o desespero tomou conta de Chico ao sentir os
efeitos do veneno e pensar que morreria rapidamente. Comeu tudo a sua volta, tamarinho,
ervas do chão e até mesmo um vidro de molho de pimenta que carregava na sua maleta. Na
sua agonia, resolveu escrever para a família e explicar o que teria acontecido:

Quando minha família ler essas linhas, já sou morto. Morri aleijado, abandonado no
canavial, pelos irmãos de Lampião para não me entregar à polícia. Uma cobra-
cascavel me mordeu no polegar da mão esquerda. Adeus a mamãe. Me bote sua
benção. A tristeza que levo é morrer sem ver a senhora. Me perdoe se tiver queixa
porque fiz a vingança que papai não queria. Abrace por mim Jarda, meus irmãos e
os dela. Me assino de próprio punho. (DANTAS apud NÓBREGA, pag. 108)

O autor narra o sofrimento de seu personagem ao dizer que já delirando, Chico


―chamava por vários nomes que se atropelavam na sua boa: - Abdias! Jarda! Levino! Manuel
Benício!‖ (idem, pag. 109). No entanto, foram essas vozes de delírio que o salvaram. Chico
foi encontrado por um negro velho que casualmente passava por perto e ouviu os múrmuros.
Nóbrega relata que Chico estava com o nariz, ouvidos e a gengiva escorrendo sangue. Depois
te ter confessado sua vida de fugitivo ao velho negro, o mesmo o ajudou em sua recuperação e
restabeleceu sua saúde. Os boatos infestavam o sertão da Paraíba. A família era interrogada:
―- É verdade que Chico Pereira morreu mesmo?‖ E a resposta era única: ―- Ninguém sabe
nada certo. Só se sabe que nunca mais deu notícia.‖
Após se sentir melhor, ele decide voltar para sua casa. O velho amigo leal que o
encontrou no canavial ainda ofereceu um conselho de despedida: ―- Seo Chico, deixe essa
vida. O senhor é um rapaz de família, distinto, educado, está-se vendo! E ficar nesse
estado?‖ (idem, pag. 113)
Essa era a dura realidade de Chico, ―magro, esquálido, barba enorme, cabelo cobrindo
as orelhas, unhas crescidas, alguns dentes faltando na boca‖ (idem, pag. 113). No caminho de
volta para casa, sozinho enfrentando a experiência amarga que a vida lhe deu, pensava em
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uma vida nova, e em casar-se com Jarda. Depois iria cuidar de seus filhos, quantos Deus lhe
desse. Caso fosse absorvido, viveria na Paraíba. Caso fosse condenado, longe dela.
Mas o desejo era apenas o pensamento de Chico Pereira, sua realidade seria outra. Ao
chegar na casa da sua mãe, todos os dias era perseguido por soldados em sua volta. Sua mãe o
aconselhava a ir embora e viver em paz no Goiás, dizendo: ―- Chico, isso aqui não tem mais
jeito, não, meu, meu filho. Essa polícia não larga você mais nunca. Nem deixa a gente
dormir. Tome o conselho de Abdon: vá para o sul. Olhe Luís Padre e Senhor Pereira. Foram
para Goiás. Foi só como acharam a paz.‖ (idem, pag. 116) mas como era teimoso, queria
viver em paz no sertão.
Nóbrega conta que Chico ouviu os conselhos da mãe, por viver tão angustiada com as
perseguições policiais ao seu filho quando este, chegava em casa desta e na mesma hora
desaparecia. No momento tinha ele esperanças de ser absolvido em júri quando as eleições se
aproximassem, pois, em troca de voto os políticos facilitariam o seu julgamento.
Nessa sua vida de fugitivo não encontrava uma saída para casar-se com Jarda, a não
ser quando a mesma, procurou um padre de Pombal, e mesmo decepcionada soube que o
casamento seria possível através de uma procuração judicial, e que Chico não faria parte da
cerimonia e seria substituído por um homem que se passaria por ele. Assim aconteceu o
casamento, nas circunstâncias que lhe foram sugeridas.
Em seus momentos de fuga, escondido na mata, escreveu cerva de 300 estrofes a
respeito de suas lutas, enfatizando o banditismo, a questão familiar, a injustiça que o desfez, o
principal motivo de ter se vingando e os tristes momentos do canavial. Segue algumas das
estrofes a seguir:

Já sei que nosso sertão


Não tem possibilidade
De acabar cangaceirismo
Possuir tranquilidade,
De viver na paz serena,
Desfrutando da liberdade.

É sempre e smepre o que vemos:


Barulho, anfrota e questão.
E grupos de cangaceiros
Por quase todo o sertão,
Compostos por criminosos,
De assassino e ladrão. (...) (idem, pag. 125)

A rotina da vida de Chico era sobressair de fugas e perseguições, com o medo de ser
preso. Vivendo um drama íntimo, sempre esperançoso de viver em paz.
47

3.7 “ Os novos” tempos no poder e na política na paraíba e o fim de Chico Pereira

Chico Pereira narra o autor vivia sempre amedrontado com qualquer ruído que ouvisse
no meio da mata. Em uma dessas ocasião foi procurado por gente de sua casa para informa-lo
que um homem o havia procurado com recado do presidente do Estado.
A pessoa que queria conversar com Chico era conhecida por Tonho, irmão do
presidente da Paraíba. Nóbrega (2002) transcreve o diálogo da seguinte forma:

-Chico, lhe trago a melhor das notícias. Todo mundo sabe o que você tem sofrido
porque vingou a morte de seu pai. Entretanto é coisa que qualquer um fazia.
Vingança é dever. E esse sertão está cheio de gente que se vingou e nem paga o que
você está pagando. Só porque seu caso se tornou um caso político. Ou já era antes de
acontecer.
- Verdade, Tonho. Só eu sei o que tenho sofrido. E o pior é a gente não saber quando
isso termina. Ou se termina com a morte da família toda. Já Aproniano anda armado
por ai, como eu, me acompanhando. Vejo a hora de se desgraçar também.
- Pois é isso que lhe venho falar. Meu irmão, o presidente, está resolvendo esses
casos antes das eleições. Você não podia ficar esquecido. Seu caso faz pena a toda
gente que conhece de perto, como eu. Rapaz moço, simpático, cheio de vida, de uma
família tradicional, agora metido com cangaceiros. Pois olhe, meu irmão me chamou
e disse assim: diga a Chico Pereira que vou resolver as questões dele. Esteja pronto
para comparecer ao júri que o resto eu garanto. (idem, pag. 130)

A eleição estava marcada para julho daquele ano, e tudo estaria resolvido antes de
outubro, mês da posse do Presidente. Em troca do voto, Chico seria jugado e absolvido. Após
ser apresentado na delegacia deixou o grupo de cangaceiros pois acreditava na sua segurança.
Apropriano, seu irmão, sempre desconfiou de tudo.
Não demorou muito para surgir uma notícia que Chico Pereira estava sendo acusado
de realizar assaltos no vizinho estado do Rio Grande do Norte, onde uma pessoa estaria se
passando por ele. O presidente potiguar era reconhecido por mandar espancar e matar os
presos.
Na tentativa para Chico se entregar a polícia, o sargento João Ferreira e Tenente
Manuel Benício a mando do governo foi até sua casa, ocasionando assim um grande tiroteio e
a fuga de Chico Pereira pela mata.
Com as mesmas promessas, Tonho volta à casa de Chico Pereira para se desculpar do
acontecido e falar que a polícia se enganou e não mais aconteceria o fato. Nesse período
Chico foi convencido a ir morar no Goiás e reconstruir sua vida, mas Tonho com seu poder de
persuasão conseguiu convence-lo a ficar. Tudo parecia correr bem pois, no primeiro júri que
aconteceu na cidade de Catolé do Rocha, Chico Pereira fora inocentado conforme promessas
feitas, faltando apenas o júri da cidade de Princesa.
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Nesse momento, acontecia na região e na cidade de Cajazeiras a festa da padroeira


comemorada no dia 30 do mês de agosto. A festa de padroeira no sertão é a mais esperada por
todos. É um movimento sagrado e profano. Tradicionalmente montam-se parque de diversões,
a banda de música segue pelas ruas e fieis acompanham o novenário todos os dias. É tida a
maior festa do ano. Nóbrega (2002) relata que Chico Pereira foi à Cajazeiras participar dessa
festa, após resistir à família que implorava que ele não fosse pois poderia ser preso pela
polícia, já que a cidade se encontrava em período festivo. Ao chegar encontrou com o tenente
Manoel Arruda, que o indagou conforme seguinte passagem:

-Chico, como passa?


Apertou a mão e a deteve. Mais três oficiais se puseram em torno: João Costa, José
Guedes e Antônio Salgado.
-Chico – você entende- não convém você estar aqui nesta festa, quando ainda não se
livrou de todos os crimes. Tenho uma ordem do Presidente para você se entregar a
polícia.

Tomado por uma corrente de otimismo de que que após se entregar, passaria pelo seu
último julgamento em Princesa e viveria dias de paz, cuidando dos filhos, Chico Pereira
assim, assim o fez: se entregou tendo sido preso e levado até a cadeia de Pombal.
No entanto, isso era apenas ilusão de Chico Pereira. O acordo feito com o Presidente
Epitácio Pessoa, por meio do seu irmão Tonho começou a ser visto como uma espécie de
armadilha para prender Chico.
Aproniano e João Fernandes, amigos de Chico percebiam a traição e tramavam juntar
80 homens para arrombar a cadeia e o livrar, mas Chico Pereira discordou, sendo este o
último encontro dos três.
Ainda de acordo com os relatos de Nóbrega, Chico Pereira quando de sua morte,
pensara que estava sendo transferido da cidade de Pombal Paraíba para a cidade de Princesa
também nesse Estado, para participar do dito júri. Não sabia ele que estava sendo levado para
a cidade de Acari no Rio Grande do Norte. Sabia ele que o Estado do Rio Grande do Norte
era presidido pelo Tenente Moura, o qual matava presos, bandidos e cangaceiros que de foram
chegassem naquele Estado.
Ao chegar em Santa Luzia, uma escolta de policiais o esperavam, quando de repente:
―–Estire os braços. As algemas...! O tenente Arruda suplicou ainda: -Tenente Honorato, não
algeme o homem.‖ (idem, pag. 151)
E assim seguiu toda a viagem, ouvindo a conversa da milícia sobre as ordens do
tenente que teriam de cumprir, das rivalidades políticas existentes no estado norte-rio-
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grandense. Com a mente revoada de pensamentos sobre o acordo feito com o irmão do
Presidente da Paraíba, começou a sentir que seu fim estaria próximo.
Na noite do dia 24 de agosto de 1928, Chico chega à cidade de Acari. Nóbrega conta
que foi naquela cidade que Chico teve a certeza de ser traído pelo Presidente paraibano.
―Chico entendeu que o mentor da traição fora o Presidente. Seu irmão fora apenas uma
espécie de executor‖. (idem, pag. 153)
Imediatamente surgiu uma ordem de transferência do recém-chegado, de Acari para
Natal, isso porque, Chico era testemunha de misteriosos desaparecimentos de muitos detentos,
que segundo Nóbrega (2002), os jornais relatavam esses argumentos.
Seu irmão Abdias foi até Natal o visitar. Quando chegou no vilarejo de Nazarezinho
informou a toda sua família que Chico Pereira estava sendo acusado no Rio Grande do Norte
pelo crime que ele nunca cometera. Na prisão Chico Pereira conheceu Antônio Jerônimo que
estava preso na cidade de Acari pagando justamente por este processo, e ficou sabendo de
tudo o que aconteceu.
Antônio Jerônimo e mais três cúmplices realizaram um grande assalto em uma fazenda
no sopé da Serra Rajada contra o coronel Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido por
Quincó. Senhor de oitenta e quatro anos de idade, que garantiu sua vida no Sertão, superou
todas as secas. Era considerado um homem honesto, que não tinha vícios e portanto não
gastaria todo seu dinheiro.
O aspecto de vingança tomava de conta de Chico Pereira e toda sua família, narra o
autor que o elevado número de crimes por ele realizado fez com que a sua paz e de toda
família ficasse arruinada. O que estava acontecendo com Chico era fruto de uma relação de
vingança política. Antônio Jerônimo teria sido mandado por gente da Paraíba inimigos de
Chico que realizassem o assalto. Teria tido garantias que uma vez acusado, não cairia na
prisão, e caso isso chegasse acontecer, confessasse a polícia que Chico Pereira da cidade de
Sousa na Paraíba, teria chefiado todo acontecimento.
A situação complicou ainda mais ao saber que o coronel Quincó era parente do
Presidente do Rio Grande do Norte e que ele teria tomado a frente do caso para aplicar as
devidas punições, já que as ordens e o poder se encontravam todo em suas mãos. Para auxiliar
no processo de inocência de Chico Pereira, Café Filho foi o escolhido como advogado,
jornalista e político oposto ao Presidente potiguar. ―Vivem se mordendo os dois. O Presidente
de lá se pudesse dava fim a ele. O governo não pode fazer uma besteira, o jornal de Café
Filho grita no outro dia. Imagine que, além disso, o Presidente está tomando o processo
como interesse dele.‖ (idem, pag. 159) A rivalidade política tomava de conta da situação, e
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quem venceria seria certamente o que detinha maior poderio em suas mãos. Sendo assim, o
Presidente do Rio Grande do Norte derrotaria seu inimigo Café Filho e defenderia o caso de
sua família: o assalto ao coronel Quincó.
A família tinha esperança que Chico fosse julgado inocente neste caso, tendo em vista
que nunca foi até a residência do coronel Quincó em Serra Rajada, e até mesmo D. Maricota,
esposa do coronel, teria ido até a delegacia reconhecer os acusados da desgraça acontecida na
sua casa e afirmou que Chico Pereira nunca teria frequentado sua casa, principalmente
naquele dia.
Foi exatamente dia 02 de novembro de 1928, que os jornais de Recife anunciavam a
morte de Chico Pereira. Chico não conseguiu chegar ao juri em Natal ao ser deslocado da
cidade de Acarí. Seu irmão Abdias ficou sabendo quando escutou a narração de um cantador
na feira de Sousa. O fato só foi confirmado quando Café Filho contou a Maria Egilda, mãe de
Chico, que ele teria sido morto a pancadas de carabina e depois os homens que o levava
viraram o carro por cima dele na estrada próxima a Currais Novos. Assim descreve Nóbrega:

Era 28 de outubro de 1928. Chico Pereira morria aos 28 anos de idade. Seis deles
passara em lutas que se estenderam em quatro estados do Nordeste‖. E diga-se por
curiosidade que jamais uma bala ou faca o tocou de leve sequer. Nem mesmo para
morrer. (idem, pag.170).

Nóbrega relata ainda na sua obra uma carta escrita pelo único sobrevivente da escolta,
com contribuição bastante significativa na construção desta, motorista da transferência de
Chico Pereira até a capital Natal, Genésio Cabral de Lima.

Faria parte da escolta, além da minha pessoa, o Tenente Joaquim de Moura,


Sargento Luís Auspício e Feliciano Tertulino. Em caminho, Joaquim de Moura
perguntou-me se conhecia bem a estrada ao que respondi ‗sim‘; determinando este,
em seguida, que, quando chegasse a um aterro bem alto, na estrada, parasse o carro,
no que foi atendido. Ao chegarmos no lugar denominado ―Ligação‖, distante três
léguas da cidade de Currais Novos, parei o carro à borda de um aterro.
Joaquim de Moura determinou que todos descessem, no que foi obedecido. Ali
Joaquim de Moura fez algumas perguntas a respeito das aventuras, às quais foi
respondendo franca e desembaraçadamente, ao que me pareceu com exibição de
bravura, deixando transparecer ser na realidade um homem de sangue frio.
(...)
Foi o bastante para começar a execução do que estava ardentemente preparado. (A
morte). A primeira pancada aplicada na vítima, não me recordo no momento se foi
por Felciano ou se por Luís Auspício, ficando a vítima cambaleante.
Joaquim de Moura determinou então que os demais também aplicassem cada um
uma pancada de coice de carabiona para que o crime ficasse distribuído em
igualdade. Após isto foi a vítima colocada dentro do carro e em seguida se
determinou que virasse o carro no abismo. (idem, pag. 171)

Após a morte de Chico Pereira, Maria Egilda pedira aos outros filhos Aproniano e
Abdias que não vingassem a morte de seu irmão. Abdon voltara do Rio de Janeiro pois não
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conseguiu se curar de uma doença e estava muito debilitado. Preferiu morrer junto a mãe. A
polícia ainda tentou interferir na vida de Aproniano suspeitando que o mesmo vingaria a
morte do irmão e que civis e miliares o iriam pagar.
À pedidos da mãe, Maria Egilda, Aproniano e Abdias vão embora da Paraíba por não
conseguirem viver em paz, já que a polícia suspeitava que os mesmos fossem vingar a morte
do pai. ―Vão-se embora daqui. Não quero ver vocês morrerem, um a um. Se Chico tivesse ido
embora quando quis, inda hoje estava vivo. Vão embora.‖ (idem, pag. 180) E assim fizeram.
A mãe viveu dias na solidão do casarão, e então decidiu ir conversar com o novo Presidente
da Paraíba, João Pessoa. Em sua audiência com o mesmo, Maria Egilda clama por paz, e
solicita o Presidente que faça alguma coisa pelo sertão. No entanto, obteve a seguinte reposta:
―-Volte à sua casa. Volte tranquila. Meu governo será de paz. Não posso garantir pelos seus
inimigos. Mas garanto pela polícia.‖ (idem, pag. 181)
No entanto, contrário ao que prometera, o governo de João Pessoa foi o mais agitado
de conflitos no sertão da Paraíba. Nóbrega comenta a rivalidade política quando a sucessão de
Washington Luís para a presidência da república se confrontou dois nomes: Júlio Prestes
candidato do Presidente) e Getúlio Vargas, tendo como vice-presidente, João Pessoa. A
vitória foi dada a Júlio Prestes que em função da suspeita de fraude não assume:

É quando a Aliança Liberal com os governos de três estados Minas Gerais Paraíba e
Rio Grande do Sul faz frente aos demais colocados sob a bandeira perrepista. A
Paraíba firmada em torno de João Pessoa, vive dias heroicos‖. (idem, pag. 181)

Zé Pereira, líder político da cidade de Princesa, rompe com a Aliança Liberal e


transforma a cidade em um terreno de guerra. Toda a população fazia parte de um único
partido, com mais de 600 homens em arma. Washington Luís enviada dinheiro e munições
novas para a cidade.
Surgia o interesse do Presidente da nação: ―tornar o estado incapaz de manter a
ordem pública, ameaçadas pelos bandos de cangaceiros. Daí viria a intervenção federal. E o
exército, ocupando o estado, faria abortar um surto de revolução que se esboçava.‖ (idem,
pag. 182)
Deste modo, João Pessoa mobiliza toda a força policial e a envia para o enfrentamento
com os revoltos do município de Princesa. Não faltaram homens que se disponibilizaram para
compor a força enviada.
Em meio a estes acontecimentos Aproniano e Abdias irmãos de Chico Pereira voltam
à Paraíba. João Pessoa continuava a luta nas fronteiras do estado. Grupos de cangaceiros
alarmavam as cidades o que, segundo alguns, justificava a necessidade de uma intervenção
52

federal para suprir a ausência de autoridade nesses locais ameaçados pois com a polícia
concentrada no bloqueio de Princesa, todo o Estado se encontrava desguarnecido.
Segundo Nóbrega (2002), Aproniano foi procurado na fazenda Jacu para acompanhar
os policiais e conter uma invasão de cangaceiros que adentravam na cidade de Antenor
Navarro. Não hesitando em negar ajuda, colabora para salvar a cidade. No auge do
contentamento geral por parte da população, Aproniano é morto pelo tenente Renovato sem
saber o motivo, este foi a última vítima da família pereira a ser destruído.
―Lá vão levando outro defunto para dentro de sua casa. Foi-se João. Foi-se Chico.
Também Abdon. E agora vai Aproniano. Nem trinta anos têm e já dorme o sono da morte,
abatidos pela ira que devora a família inteira. (idem, pag. 187) Essa era a consequência de
Chico ter entrado no cangaço. Toda sua família envolvida em questões de vingança para não
perder a honra da família Pereira.
Maria Egilda, a mulher forte que perdeu parte de sua família para os bandos de
cangaceiros, foi encontrada morta. Na sua visita ao Presidente João Pessoa havia dito:‖
quando eu morrer, podem escrever que foi por sofrer demais que Maria Egilda morreu‖.
(idem, pag. 193)
Após os trágicos acontecimentos em sua família Jarda, que morava na casa dos pais,
passara a se preocupar em educar, como podia seus três filhos os quais moravam em casas
diferentes de modo que eles não vingassem a morte do pai. Sempre que podia, ia a cavalo vê-
los para extrair do coração dos filhos qualquer sentimento de vingança que mundo tivesse
suscitado. Diferentemente do que pensará seus filhos tornaram grandes homens. Raimundo
tornou-se engenheiro, Francisco tornou-se padre e Dagmar sacerdote franciscano.
Abdias, irmão de Chico Pereira é considerado o homem enigma da família. Auxiliou
Jarda no que podia a enfrentar todos os obstáculos que lhe cercava, e principalmente a
construir um crescimento digno para seus sobrinhos, dedicando toda sua vida aos três.
Casando-se com 52 anos de idade, depois de ver seus sobrinhos criados, se fazendo cumprir
sua promessa que só casaria quando seus sobrinhos estivessem todos independentes. Tendo
em vista que seu casamento foi realizado por Francisco Pereira da Nóbrega, autor de toda a
obra.
Integrantes da família Pereira passaram a viver sem conflitos e perseguições. Os
pensamentos dos herdeiros de Chico Pereira eram contraditórios aos seus. A vingança foi
adormecida e a paz começou a renascer na família.
Foram muitos os sertanejos que entraram no cangaço e por motivos diversos. Existia o
cangaço de vingança, conhecido como o mais comum. As informações sobre a vida de Chico
53

Pereira atribuem a esse o motivo a sua adesão e ingresso nos bandos de cangaceiros. Talvez,
se a justiça tivesse cumprido suas leis diante dos bandidos da época, e não existisse o jogo de
lealdade com os poderosos partidos políticos, a vida de Chico Pereira e de outros cangaceiros
teriam tido o final diferente.
Sendo assim, concluo que Chico Pereira foi um representante natural do meio em que
viveu pertencente a um estrato social de grupos de proprietários. É claro que o flagelo social,
secas, deslocamentos e necessidades não o atingiram inteiramente como os demais sertanejos
humildes e miseráveis da época, pois percebe- se na própria versão do livro Vingança, não,
que não só Chico Pereira como toda sua família tinham posses e privilégios sociais próprios
da época. Todavia ele como os demais homens pobres sertanejos compartilhavam os mesmos
códigos morais e de honra, muito comum na sociedade tradicional do século XIX e XX. E
eram justamente levados por esses motivos que os ânimos dessa sociedade quase sempre se
alteravam. Era em momentos como estes que o poder dos senhores locais e de chefes políticos
passavam a ser questionado.
O fim trágico e mal explicado de Chico Pereira e dos seus familiares, representou a
chegada de novos tempos nos idos de 1930, nos quais começa-se a enxergar um movimento
de ideias por parte das autoridades governamentais advindas da Frente Liberal no sentido
propagar a passagem do Brasil à limpo combatendo as estruturas tradicionais de cultura e
poder dentre estas o fanatismo religioso e o cangaço pondo fim a estilos de vida inadequados
ao agora País moderno e bem estruturado socialmente. Essas ideias foram sendo colocadas
divulgadas em meio a um mecanismo de vigilância e controle da sociedade, do mundo dos
pobres e dos trabalhadores, seus valores seus costumes tradicionais. Intensificou-se o cerco de
perseguição aos grupos de cangaceiros forçando seu fim que acontece a partir da
desarticulação causada com a morte de Lampião e o que restava do seu bando na ocasião.
Essas ―novas autoridades‖ construíram suas versões de bons e novos homens e suas
imagens como combatentes do cangaço e das velhas autoridades que simpatizaram com esse
fenômeno, se dizendo moralizadores, e bem feitores da ordem e da justiça do Estado. Ou seja,
se apresentavam como não partidários, isentos do mando dos senhores locais, chefes políticos
e antigos coronéis, que como eles controlavam praticamente toda sociedade economia e
política da época. Percebe- se que princípios como esses talvez nunca tenham acabado
totalmente, pois podemos notar no panorama paraibano, que esses poderes apenas se
modificaram tomando outra forma, aperfeiçoando uma nova maneira de concentrar seu poder.
Assim, também acontecia com as subordinações por parte do povo, que estão hoje com uma
nova aparência e apenas algumas pequenas mudanças.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

É necessário chamar a atenção, para o fato de que esse projeto monográfico teve como
objetivo principal fazer uma leitura da obra Vingança, não de autoria de Francisco Pereira
Dantas, que narra à trajetória do cangaceiro nazarezinense Chico Pereira, figura marcante na
história do sertão da Paraíba nos anos de 1918- 1928. Homem do seu tempo, esteve inserido
nesse contexto do poder das oligarquias, tempo de rebeliões, de estiagens e conflitos sociais.
Entendemos assim, que outras possibilidades podem e estão abertas para novas
narrativas sobre imagem do cangaceiro Chico Pereira. Desde aquelas fincadas no coletivo e
imaginário popular de Nazareinho, até outras imagens construídas ao longo de sua trajetória e
conhecimento pela Paraíba e pelos bandos. São como sabemos imagens múltiplas populares e
impopulares que marcam sua saga no cangaço.
Algumas observações foram feitas a partir da leitura da obra Vingança, Não assim
como tendo por base a leitura da historiografia clássica do cangaço feira para esse estudo.
Dentre estas e uma que consideramos importante a ser revista pela história da temática é o
fato que alguns episódios que levaram alguns sertanejos a exemplo de Chico Pereira a se
encontrar com o cangaço não os torna legítimos representante desse movimento. No caso de
Chico Pereira ele é mais um homem do seu tempo obediente as regras e padrões sociais do
seu meio do que um ―bandido‖ revoltado. Sua imagem de bom homem revela parte disso.
Outra questão diz, respeito ao fato de que esse estudo inicial teve também como objetivo
trazer para o campo do conhecimento histórica aa memória da família Pereira, como uma
homenagem à própria obra Vingança, não. Outrossim, objetivamos contribuir para a
historiografia Paraibana, sertaneja e local sobre as relações de poder e posse na região e os
conflitos sociais vivenciados ao longo dos tempos como o exemplo da ação dos cangaceiros.
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