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REGIONAL E LOCAL
DA CHAPADA DIAMANTINA
(1864 – 1919)
Fevereiro / 2009
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2
DA CHAPADA DIAMANTINA
(1864 – 1919)
BANCA EXAMINADORA:
Fevereiro / 2009.
3
TERMO DE APROVAÇAO
Aprovada por:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof. Dr. Walter Fraga Filho (ORIENTADOR)
______________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos de Araújo Silva
______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Novais Pires
AGRADECIMENTOS
apareceram também Ana Cristina, que deu o suporte lingüístico e de revisão por
incontáveis horas. E depois de muitos anos distante Clea retornou, com importantes
adendos ao trabalho. Sem vocês seria impossível concluir o trabalho.
RESUMO
Palavras-chave:
ABSTRACT
Coronel Francisco Dias Coelho was born in the Morro do Chapéu in the north
of the Chapada Diamantina. Had a poor childhood, the son of the households in a
Gurgalha farm, was a descendant of the free negroes in a father family, and ex-
slaves in the mother family.
The path of life for Dias Coelho coincides with the changes for which the
region fell in the period between the end of the nineteenth century and beginning of
twenty. Throughout this period, was replaced by extensive cattle breeding, mining
diamond mining and by carbonates, which allowed the accumulation of wealth by
many poor people from home, including the character in question.
The death in 1919, had implemented a policy different from the other coronéis,
was respected and continually reminded, however, lived with racism in the minds of
people at the time of Bahia.
Keywords:
Coronelismo, Coronel Negro, Chapada Diamantina.
8
LISTA DE FIGURAS
Figura 4: Fotografia não datada do grupo político do Coronel Dias Coelho. ....................... 56
Figura 8: Fotografia de Deusdedith Dias Coelho, filho do Coronel Dias Coelho no quadro
memorial da Formatura em Medicina na Escola Baiana de Medicina, 1916........................ 80
Figura 10: Gráfico indicando a quantidade das escolas e dos professores contratados para
classes avulsas em Morro do Chapéu no período de 1899 a 1915. ..................................... 86
Figura 12: Fotografia do desfile de Dois de Julho, na Rua Coronel Dias Coelho em Morro do
Chapéu ..................................................................................................................... 108
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11
Final da era dos diamantes e o início da era do carbonato em Morro do Chapéu ... 39
Alfabetização ................................................................................................ 84
ANEXOS........................................................................................................130
11
INTRODUÇÃO
1
Como opção de escrita, o termo Coronel será grafado com inicial maiúscula quando se referir
especificamente ao Coronel Dias Coelho, esta prática apesar de pouco usual, não constitui erro de gramática.
2
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979. p. 94.
3
Teixeira, Cid. In. LINS. Wilson, et. all. Coronéis e Oligarquias. Salvador: Universidade Federal da
Bahia/Inamá, 1998. p. 39.
12
Educação e Pesquisa Política da UFBA, que junto com outros textos foram
organizados em um livro por Wilson Lins. Em termos acadêmicos, nada mais foi
publicado.
4
CHAGAS, Américo. O Chefe Horácio de Matos. São Paulo: DIFEL, 1982. p.10.
5
CUNEGUNDES, Jubilino. Morro do Chapéu: um pouco de sua história, sua vida político-administrativo,
suas belezas e sua gente. Salvador: EGBA, 1999. p.32.
13
Por fim, Antonio Dantas Júnior, que dedica um livro inteiro de memórias ao
Coronel Dias Coelho, diferencia-se do autor anterior por não trazer os mesmos
comentários com relação à cor.6
Na vila de Morro do Chapéu, ele viveu até por volta dos 18 anos de idade, na
casa do boticário local o major Pedro Celestino Barbosa, representante político do
coronel Quintino. Provavelmente, Dias Coelho foi autodidata, trabalhou na botica do
major, posteriormente, exerceu a profissão de tabelião de notas do cartório local e
por fim comerciante de carbonatos, ocupação esta que rendeu fortuna e prestígio.
Dos 30 aos 54 anos de idade, construiu uma rede de relações com pessoas
importantes fora e dentro do município de Morro do Chapéu, alcançando o patamar
de um dos coronéis mais ativos da Bahia8. O Coronel Dias Coelho apoiou e
conseguiu favores de deputados federais e estaduais, Senadores da República e de
6
DANTAS JÚNIOR, Antonio Barreto. Cel. Dias Coelho: o diamante Negro – nosso mais importante filho e
ilustre coronel. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, EGBA, 2006.
7
Sobre a mudança dos investimentos de diamantes para o cacau no sul da Bahia, ver ROSA, Dora Leal. O
mandonismo na Chapada Diamantina. Dissertação (mestrado em Ciências Humanas), Universidade
Ferderal da Bahia. Salvador, 1973. A respeito das secas ver. GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas
na Bahia do século XIX – sociedade e política. Dissertação (Mestrado em História Social) Universidade
Federal da Bahia. Salvador; 2000.
8PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1943. A Bahia na Primeira República. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1979.
14
9
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem publica de Luis XIV. Rio de Janeiro; Jorge
Zahar, 1994.
10
GUINZBURG, Carlo. O queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo: Cia. das letras, 1987.
15
11HILL, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. São Paulo; Cia. das Letras,
1990.
12
GRIMBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio
Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
13
SILVA, Eduardo. D. Oba II D´Àfrica, o príncipe do povo: Vida, tempo e pensamento de um homem
livre de cor. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
14
SHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca dos trópicos. 2 ed. São
Paulo; Cia das Letras, 1999.
16
18
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras. 1998.p 28.
19
Andrezza
Simão Dias Ezalta Dias José Gomes Maria do
Coelho Coelho de Araújo Espírito Santo
Francisco Dias
Coelho
Figura 1: Árvore Genealógica da família Coelho, baseada nos livros de batismo do Arquivo
da Paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu – Bahia.
Pelo lado materno, seu avô José Gomes de Araújo, foi escravo do padre
Francisco Gomes de Araújo, e veio para a região com o seu senhor, assim que foi
instalada a paróquia, em 1838. O escravo José vivia em companhia do seu senhor
desde 12 anos antes, quando fora comprado em Salvador ainda moleque. Não
soubemos precisar a idade que o escravo tinha no momento em que fora comprado;
supomos que era ainda muito jovem, talvez adolescente, uma vez que, permanecera
cativo do padre por 24 anos, até comprar a sua liberdade em 1844, e os seus filhos
nasceram após 1847. Conforme sua carta de liberdade datada de 14 de fevereiro do
ano acima citado, em que se lê:
20
19
Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de notas de Jacobina, n.15 p.38
20
RONIGER, Luis. Mediería y fuerza de trabajo rural: algunas ilustraciones del caso brasileño. Estudios
Interdisciplinarios de America Latina y El Caribe. Universidad de Telaviv. Telaviv, Israel. Vol.2 n.1 Janeiro -
junho, 1991. p.7.
21
PINA, Maria Cristina Dantas. Os Negros do diamante: escravos no sertão das Lavras Diamantinas –
século XIX. Revista politéia. UESB v.1. 2001. p. 164.
21
22
VIEIRA Filho, Raphael Rodrigues. Os Negros em Jacobina (Bahia) no século XIX. Tese (Doutorado em
História Social); PUC – SP. São Paulo; 2006.p167.
23
ANDRADE, M.J. A mão de obra escrava em salvador (1811-1860). São Paulo: Currupio, 1988. apud
PINA, op. cit., p184
24
PINA, op. cit. p185
22
Aos vinte e quatro dias do mês de março, mil oitocentos e cinqüenta e três
neste arraial de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu em perigo
de morte e em casa não havendo impedimento algum canônico em
presença do Reverendo José Vitorino, celebrei o sacramento do matrimônio
de José Gomes de Araújo, Africano com Andrezza Maria do Espírito Santo,
ela natural da vila de Jacobina ambos moradores desta freguesia mus dei
26
PINA. p. 80.
24
A igreja dominava soberana pelo batismo, tão necessária à vida civil como à
salvação da alma; pelo casamento, que podia permitir sustar ou anular com
impedimentos dirimentes; pelos sacramentos, distribuídos através da
28
existência inteira .
27
Arquivo da paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu. Livro de registros de casamento,
p.60.
28
ABREU, J. Capistrano. Capítulos de História colonial. Brasília: Senado Federal, 2007. p. 8.
25
“Para a igreja católica o compadrio definido com instituição a partir dos ritos
do batismo e da crismar e forçavam os laços entre as famílias quando os
padrinhos assumiam a função de ‘segundos pais’ ou ‘pais espirituais’
29
prestando auxílio moral e religioso” .
A pia batismal é um dos espaços mais loquazes que se possa citar. Trata-
se, de fato, de outro meio de se conquistar aparentados, instituindo um rito
que sanciona formalmente uma aliança forjada anteriormente. O compadrio
na sociedade luso-brasileira funcionou como um desses mecanismos de
aparentar, constituindo alianças desejadas por ambas as partes, pais e
30
padrinhos, estendida a uma terceira parte o batizado.
29
ARANTES. Antonio Augusto. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família no Brasil. Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 1994. p. 195.
30 ENGELMAN, Carlos. Comunidade escrava e grandes escravarias no sudeste do século XIX. In:
http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_78.pdf. Acessado em: 08/12/2007.
27
muitos animais morreram por falta de água e pasto, e a população sofreu com as
plantações perdidas e a falta de trabalho nas propriedades.
Por volta de 1868, ocorreu outra seca com trágicas conseqüências. Além
disso, as epidemias de cólera e varíola em Salvador e Recôncavo diminuíram o
consumo de carne e afugentaram os boiadeiros ficando quase que impossibilitado o
comércio de animais. Para completar o quadro, a crise açucareira atinge o seu
cume, os preços caindo quase pela metade entre 1870 e 187131. Neste mesmo ano,
faleceu na fazenda Gurgalha, Maria da Conceição Dias Coelho, mãe de Francisco.
Este, então com sete anos de idade, foi entregue ao major Pedro Celestino Barbosa,
homem de confiança do coronel Quintino, em Morro do Chapéu, e que já mantinha
uma boa relação comercial e de afinidade com a família Dias Coelho. Com o
pequeno Francisco foi também a sua irmã, Maria Dias Coelho, possivelmente uma
maneira de desafogar a família de duas crianças para alimentar. Em tempos difíceis,
com alimentação escassa, esta era uma forma de salvá-las dos rigores da pobreza,
ao tempo em que reforçavam-se os laços de dependência.
A antiga fazenda Boa Vista era uma das primeiras grandes propriedades do
sertão baiano desde o século XVII, se estendia das margens do rio Jacuípe às
margens do São Francisco. Fazia parte do patrimônio da Casa da Torre e no final do
século XVIII. Foi dividida em fazendas menores que foram vendidas a homens ricos
do sertão baiano. Em Morro do Chapéu, parte das terras se tornaram nas fazendas
seguintes: Gameleira, Olhos D´água e Gurgalha. Embora a Gurgalha fosse apenas
uma parte da primeira fazenda citada, a sua extensão territorial era imensa. Situada
onde hoje estão parte dos municípios de Morro do Chapéu, Várzea Nova,
Umburanas e Ourolândia. Com o casamento do coronel Quintino Soares da Rocha –
proprietário da Gurgalha - com dona Umbelina Adelaide de Miranda – herdeira da
31
SILVA, op.cit. p. 62.
28
32
PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1963. p. 191.
33 Inventário do coronel Quintino Soares da Rocha, 1888, p.35. Arquivo do Fórum Clériston Andrade. Morro do
Chapéu, Bahia.
30
34
GRIMBERG, op.cit. p. 45.
35
Entenda-se currais enquanto fazendas sem fronteiras claramente definidas baseadas normalmente em
marcos naturais destinadas à pecuária.
36GOMES, Josildeth. Povoamento da Chapada Diamantina. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia. N. 11 ano 1952. P. 222.
37
MELO, Maria Alba Guedes Machado. História Política do Baixo e Médio São Francisco: um estudo de
caso de coronelismo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 1989. P39.
31
(...) Com suas boiadas escolhia caminhos apropriados para construir toscos
currais, onde deixava, em cada um deles, um casal de escravos
38
encarregados de zelar por dez novilhas, um touro e um casal de eqüinos.
Pedro Calmon, escreveu em 1939 sobre a Casa da Torre. Ele infere que o
estabelecimento para cuidar do gado de famílias de escravos ao longo dos
caminhos das boiadas possibilitou o povoamento e o posterior desenvolvimento da
região. As boiadas rumavam do sertão para o litoral, enquanto os comerciantes
seguiam o caminho inverso. Possivelmente, perceberam que nos locais de descanso
de bois e boiadeiros, haviam boas oportunidades de negócios, propiciando o
aparecimento das primeiras vilas.
Vilhena citado por Marcos Sampaio Brandão, assim descreve o trajeto das
boiadas do sertão ao litoral:
Dos diferentes sertões, donde saem os bois, que se consomem nesta cidade,
e que nenhum fica em distância menor que 70, ou 80 léguas muitos na de
100 e 150 léguas, não poucos a 200, e mais léguas [...] vêm estes por toda a
mencionada distância agitados por vaqueiros, montados em cavalos, e
armados com ferrões de uma polegada de comprido, com que os atravessam
até as entranhas; comendo por toda a viagem, o que é fácil supor, até que
finalmente chegam à Feira [de Santana] distante doze léguas da cidade, e ali
são recolhidos em currais [...] destes são conduzidos para a cidade [de
Salvador], sem comerem mais, que o que, andando, podem apanhar com a
língua, por uma só, e única estrada, freqüentada de boiadas inumeráveis,
desde o princípio da cidade, fundada há 250 anos.41
Dentre as muitas rotas de comércio de bois, uma delas era importante para
os comerciantes de gado da Chapada Norte, por ser um terreno menos acidentado e
o caminho mais curto. As boiadas rumavam ao Recôncavo saindo do norte da
Chapada Diamantina, seguindo o vale do rio Jacuípe. O caminho iniciava em Morro
do Chapéu, muito próximo à Fazenda Gurgalha, passando por Monte Alegre (hoje
Mairí), Baixa Grande, Camisão (Ipirá), Feira de Santana, finalmente chegando logo
42
SILVA, op. cit. p.29
34
A Gurgalha, onde nasceu Francisco Dias Coelho, como já fora antes dito,
era uma fazenda muito grande, porém a maior parte da propriedade era de caatinga,
vegetação típica desta região da Bahia. Como cruzamento das estradas que
seguiam ao litoral, a fazenda tornou-se um entreposto e possibilitou o aparecimento
do arraial de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu.
43
LINS, Wilson. O médio São Francisco. Salvador: Progresso, 1960. p 48.
35
oferecendo seus “serviços” a quem melhor pagasse, ou, em troca de proteção pelos
crimes cometidos em outras localidades ou contra proprietários rivais. Assim,
escapavam da justiça e graças ao conhecimento do terreno inóspito das caatingas
44
da Chapada, fugiam das autoridades . A depender da situação, os proprietários
utilizavam cabras ou jagunços para resolver problemas onde as instituições do
Estado não chegavam.
46
ABREU, op. cit. p. 73.
47
PRADO JR. op. cit. p.192.
37
O regime pastoril não pôde comportar, nunca, o trabalho escravo. Eram duas
coisas que se apresentavam antagônicas e irreconciliáveis. Pela própria
natureza do trabalho, no regime pastoril a escravidão seria uma anomalia
profunda, seria a negação das peculiaridades que mais notabilizavam a vida
que imperava nas fazendas de gado, nos vastos latifúndios sem fim e sem
limites, onde não haviam conflito de terras porque a terra entrava quase como
elemento de referencia, não havendo por ela carinho, afeição ou desejo de
48
posse absoluta .
48
SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. 2 ed. Rio de Janeiro. Graphia, 1998.p 221
38
O cenário acima descrito marca o local onde viveu a família Coelho, no norte
da Chapada Diamantina. Embora a documentação sugira que os Coelho eram
pequenos proprietários, em momentos de seca como a de 1860, que se prolonga até
1871, eles tinham que procurar proteção de um latifundiário com o qual
mantivessem relações de parentela, que pudesse lhes oferecer ajuda. O falecimento
da mãe possivelmente em decorrência do flagelo da seca em 1871, marca a saída
de Francisco Dias Coelho para a sede do município, que na época ganhou certo
“fôlego” comercial com a descoberta dos diamantes.
49
CATARINO, José Martins. Garimpo – garimpeiro – garimpagem. Rio de Janeiro: Pholibiblion: Salvador:
Fundação Econômico Miguel Calmon; 1970. p.21.
39
50
Medida de peso para pedras preciosas, o equivalente a 2 decigramas.
51
Entrevista com Flamarion Modesto dos Reis, realizada no ano de 1997, para a elaboração de uma
monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em História, da Universidade do Estado da Bahia, campus
de Jacobina. Na época o entrevistado contava com 74 anos de idade e residia na cidade de Morro do Chapéu.
40
do valor produzido. Foi como atravessador que o Coronel Dias Coelho construiu a
sua fortuna. 54
54
CATHARINO, op. cit. p. 108.
55
Id., ibid. p.105
56
Id., ibid. P.108
57
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Família e Sociedade na Bahia do século XIX. São Paulo: Currupio;
[Brasília]: CNPq, 1988. P. 466.
42
58
isso, não teve o mínimo valor comercial” . Após essa data, o minério passou a ter
valorização sempre crescente. Uma informação de Gonçalo de Athayde Pereira,
escrita em 1905 e citada por Catharino, ajuda a compreender o início do ciclo do
carbonato na Chapada.
Não foi possível apurar qual a atuação do dito francês. Nem mesmo se ele
realmente existiu. O fato é que o carbonato alcançou altos preços no mercado
internacional e despontou como excelente oportunidade de negócio. Os primeiros
atravessadores do comércio logo adquiriram fortuna, entre eles encontrava-se
Francisco Dias Coelho.
58 MORAES, Walfrido. Jagunços e Heróis. 4.ed. Bahia: Empresa Gráfica da Bahia/IPAC, 1991, p.37.
59
CATHARINO, op. cit. p108.
43
61
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. Livro de atas de 1898 a 1915. p.18.
45
Para alcançar novos postos na política local, tendo em vista que a cor da
pele era um elemento importante de classificação social cristalizado na cultura
política da época. Ele conseguiu superar as barreiras da cor através da riqueza e do
prestígio. A obtenção da patente foi o elemento decisivo na ascensão política do
Coronel Dias Coelho, valendo-se das brechas proporcionadas pela Guarda
Nacional. A historiadora Jeane Berrance de Castro, escrevendo sobre esta
instituição, afirma que:
A Guarda Nacional foi a primeira instituição oficial que fez cessar a distinção
de cor, o que a tornou essencialmente nova e moderna ao enfrentar o
problema das relações étnicas, num regime que reconhecia a escravidão
62
como legitima .
Há certo exagero na afirmação acima, uma vez que a distinção de cor não
cessa com a instituição e nem nas fileiras da Guarda Nacional. Esta instituição tinha
as suas mais altas patentes formadas pela elite branca e tradicional. Entretanto,
62
CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. 2 ed. São Paulo:
Ed. Nacional , 1979. p. 136.
46
abria espaço para que indivíduos não brancos e que ascenderam economicamente
pudessem ocupar postos importantes dentro da instituição. Esta provavelmente seria
uma das poucas possibilidades de um negro ascender socialmente no meio político
da Chapada Diamantina no Século XIX. A patente de tenente-coronel da Guarda
Nacional era evidência da ascensão econômica de Dias Coelho.
63
RIBEIRO, Jose Iran. Quando o serviço nos chama: os milicianos e os guardas nacionais gaúchos (1825
– 1845). Dissertação (Mestrado em História do Brasil). PUC- RS, 2001. p.35.
64
Id., ibid. p. 37.
47
65
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p 4.
49
político para ser eleito e que não havia espaço para ele neste grupo, que seguia a
tradição do coronel Quintino e comando do major Celestino.
Na virada do século XIX para o XX, o Coronel Dias Coelho, então com 36
anos de idade, já era um dos homens mais ricos do Estado da Bahia. O comércio de
pedras preciosas, principalmente o carbonato, havia se tornado muito lucrativo
devido à necessidade crescente na Europa com as construções de túneis, estradas
de ferro e principalmente exploração de carvão. A sua atuação como representante
da empresa francesa de comércio de diamantes Levy de Paris e a intermediação
entre os garimpeiros ou pequenos atravessadores conhecidos como “pedristas” ou
“capangueiros” na Chapada Diamantina, o aproximou tanto das elites comerciais
baianas como das camadas populares de trabalhadores da Chapada.66
66
PANG, op. cit. 246.
51
67
SOUZA, Alírio Fernando. O coronelismo no Médio São Francisco: Um estudo de poder local. Dissertação
Devido à cor da pele do líder e da maioria dos expoentes, o novo grupo fora
apelidado de forma pejorativa pelos seus opositores de “Coquís”, numa alusão ao
coquí, um pássaro preto, de canto alto e ruidoso muito comum nesta região da
Chapada Diamantina.
Nesse cenário aparece uma figura feminina que também fazia parte dos
Coquís, embora com menos visibilidade pública. Trata-se de Maria Coelho Nery, ou
Mariquinha Coelho como era mais conhecida na cidade. Irmã do Coronel Dias
Coelho e casada com Francisco Nery Batista. Católica praticante, atuava na
paróquia e reconhecida como defensora do irmão em todas as situações. O papel
das mulheres no sertão era de fundamental importância.
As festas dos dois santos ocorriam em períodos bem próximos, sendo que a
de Nossa Senhora da Graça é mais formal e solene, com novena, mas tudo dentro
da igreja. As festividades de São Benedito eram realizadas na rua com muita
música, dança e divertimentos populares. No início do século, a elite local
participava das festas de Nossa Senhora da Graça. O povo, de uma maneira geral
se apresentava mais na de São Benedito. Mas como “bom” político, o Coronel Dias
Coelho participava das duas.
Outro importante aliado foi Antônio de Souza Benta, mestiço, oriundo da vila
de Santa Izabel do Paraguassú – hoje cidade de Mucugê. Radicou-se em Morro do
Chapéu após a exploração do carbonato. Era comerciante de pedras ainda no
terceiro quartel do século XIX. Benta era um conhecido chefe de jagunços, através
da influência do Coronel Dias Coelho ele conseguiu a patente de Alferes, depois
major, até atingir a patente de Tenente-Coronel no posto de Comandante Superior
da Guarda Nacional, após o falecimento de líder. Benta, exercia muita influência
entre os garimpeiros e cabras do município. Um dos mais prósperos garimpos da
região ficava nas terras de sua fazenda Martim Afonso. Após a morte do líder do
grupo em 1919, seria sucessor no comando do município até falecer na década de
40 do século XX.
68
Id., Ibid., p.38.
55
envolviam a sua família. Veio a Morro do Chapéu junto com o tio Clementino de
Matos, um dos mais conhecidos chefes de jagunços do sertão baiano no século XIX,
contratados por um fazendeiro local para resolver conflitos de terras.69
Por fim, no início do século XX, vieram residir na cidade o fotógrafo e poeta
Eurícles Barreto e o músico Cícero Lemos. O primeiro iniciou na cidade os registros
familiares, as festas religiosas, os piqueniques e principalmente as imagens das ruas
e das feiras. Já nos primeiros anos do século XX, a fotografia chega de vez a Morro
do Chapéu e foi prontamente apropriada pela elite. Os registros fotográficos eram
feitos por “retratistas” itinerantes que esporadicamente passavam pela cidade. Com
a chegada de Eurícles à cidade, os registros ficam mais freqüentes e o grupo político
se apropria deste tipo de recurso na construção da imagem pública do Coronel Dias
Coelho. O segundo veio para a cidade como maestro regente da Orquestra
Filarmônica Minerva e professor de música na escola fundada junto á orquestra.
Ambos cuidavam das atividades culturais promovidas pelo grupo.
69
CHAGAS. op. cit. p.10.
70
ROSA, op. cit. p. 64.
71
PANG. op. cit. p. 216.
56
Figura 4 fotografia não datada do grupo político do coronel Dias Coelho, com alguns dos
seus membros esposas e filhos em frente á farmácia de propriedade do Coronel. O próprio
Coronel Dias Coelho aparece na foto, o segundo da esquerda para a direita. Arquivo
particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.
72
ROSA, op. cit., p.09.
73
Id., Ibid., p.16.
59
A idéia de que o poder privado influencia e não raro determina as ações que
deveriam ser públicas, foi primeiramente formulada por Capistrano de Abreu e
Nestor Duarte. Segundo estes autores, a sociedade brasileira desde os tempos da
colônia se caracterizaria pela predominância do poder privado sobre o domínio
público. Desde a colônia havia a dualidade dos poderes privado e público. Essa
relação foi alterados, com o início do processo de industrialização do Brasil, em fins
76
da década de vinte do século passado.
74
Id., Ibid. p. 6.
75
Id., Ibid. p. 9.
76
Com referência a utilização do publico como privado ver: Abreu, op.cit. p.35. e DUARTE, Nestor. A ordem
privada e a organização nacional: contribuição à sociologia política brasileira. ebooksBrasil. In:
WWW.ebooksbrasil.org. acessado em 10 de dezembro de 2007.
77
SOUZA, op. cit., p12.
60
78
Id., ibid., p. 9.
79
Id., Ibid., p. 10.
80
SOUZA, op.cit. p8.
61
O Coronel Dias Coelho parece ser uma exceção à regra. Destoava do modelo
de coronelismo acima descrito, uma vez que seu poder e riqueza não tinham por
base a grande propriedade. Suas atividades estavam ligadas à farmácias em Morro
do Chapéu e na vila do Ventura e a compra e venda de diamantes e carbonatos.
Além disso, não descendia de famílias tradicionais da elite local. E, sobretudo seus
ascendentes eram negros e seu avô materno era e havia sido escravo.
Os cargos eletivos ainda passavam pelos crivos das urnas. Neste momento
os Coquís tiveram que demonstrar na prática os resultados da construção da
imagem e do projeto político por eles elaborado.
81
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "O coronelismo numa interpretação sociológica". In:FAUSTO, Boris
(org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1975, Tomo III, vol. 1, p 167.
82
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915 p. 12.
63
Embora não haja indícios de fraudes nas atas desta eleição, não quer dizer
que atos ilícitos não ocorreram. Fraudar eleições durante a Primeira República era
muito comum. No entanto, a inexperiência em eleições pode ter sido fator
determinante para que o nascente grupo político do Coronel Dias Coelho tenha
sofrido a sua primeira derrota.
Para se habilitar como eleitor, o cidadão deveria fazer uma petição de próprio
punho ao juiz de paz. Embora parecesse uma mudança substancial, na prática,
mudou-se pouco. Apenas 571 pessoas votaram nas eleições de 1899, podemos
presumir que a imensa maioria dos eleitores eram oriundos de famílias da elite local
salvo alguns que de alguma maneira foram alfabetizados.
83
Pedrista era o termo utilizado para designar o atravessador de diamantes e carbonatos na região.
64
Com os altos custos nas eleições alistando novos eleitores, uma grande soma
de dinheiro era gasta durante todo o período eleitoral. Assim como novos eleitores, a
legislação eleitoral republicana permitiu também o surgimento de novas lideranças,
em alguns casos, oriundas das camadas populares ascenderam politicamente e
conquistaram a condição de mandatário, como pode ser percebido no caso do
Coronel Dias Coelho apoiado pelas camadas mais pobres da população, rompendo
com as elites tradicionalmente instaladas. Para estes, o domínio econômico da
região era fundamental para manter os custos das eleições.
89
ROSA, op. cit., p. 36.
67
A lealdade do poder local para com os líderes estaduais era mais efêmera,
dependia dos interesses mútuos tanto do governo estadual quanto dos líderes
locais. Ou da oferta de quem estava nas esferas estadual ou federal. A troca de
93
favores e os interesses davam a tônica da política no Brasil da época.
93
SAMPAIO, op.cit., p. 19.
69
Tal homenagem era também uma forma de deixar bem claro aos eleitores
qual o lado do Coronel em relação aos candidatos da esfera estadual. Assim
visivelmente declarado o apoio, aqueles eleitores que porventura não pudessem ser
avisados a tempo do candidato do chefe político local não teriam dúvidas em quem
votar. Nomear uma praça central de um candidato a governador que nunca estivera
na cidade nem tenha prestado serviço algum que justificasse a homenagem, revela
as intenções eleitoreiras dos governantes locais.
97
Id., Ibid., p. 94.
72
Após os resultados das eleições de 1899, houve por parte dos Coquís uma
intensificação na construção da imagem pública do Coronel Dias Coelho. Apesar de
terem elegido três dentre os sete conselheiros municipais. Os resultados da eleição
para intendência apontaram caminhos a serem seguidos nas eleições seguintes.
estas, ele tinha trânsito graças ao contato direto com os garimpeiros e com
investimentos pessoais em fazendas e gado, com pequeno produtor e agregado; E,
fazer-se presente nos elites locais como sendo um deles.
Como já foram dito para se alistar e ser eleitor no início do século XX, era
necessário fazer uma petição de próprio punho em frente ao Juiz eleitoral, uma vez
que ser alfabetizado era determinante par alistar-se como eleitor. Então, os 571
eleitores de Morro do Chapéu em 1899, eram remanescentes dos eleitores do
período Imperial. Através de uma brecha na constituição eles foram considerados
eleitores ex-ofício.
Outra medida foi utilizar meios para que a imagem do Coronel chegasse a
todas as partes do município. Um dos principais recursos de veiculação da imagem
do Coronel Dias Coelho foi a fotografia. No final do século XIX e início do século XX,
tornou-se comum entre as pessoas abastadas a distribuição de fotografias aos
familiares e amigos mais próximos. Os Coquís estenderam este costume aos
correligionários e às famílias das camadas populares e aproximam a figura do
Coronel das pessoas que tinham a possibilidade de vê-lo, e que não receberiam
retratos de amigos ou parentes ricos. Esta atitude era compreendida pelo recebedor
da fotografia como um ato de grande apreço e amizade.
74
Para a elite, a fotografia era outra. Ele aparece com um terno, aparentemente
bem ajustado com uma gravata alinhada, também demonstrando tranqüilidade com
um semblante mais grave e solene, mas, em nada lembra a fotografia da farda,
exceto o personagem fotografado. Para o destinatário desta foto, a imagem
transmitia que o personagem retratado era um dos seus, também culto e rico,
embora a fotografia não negasse a sua cor.
75
98
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chapéu – Bahia. Livro de atas 1898 a 1915. p. 29.
76
Figura 7: fotografia da praça D. Pedro II, festa de São Benedito 1910. Autor desconhecido.
Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.
população era o evento mais importante da cidade, que se vestia com o que tinham
de melhor. Em sua parte profana as barracas de palha armadas na praça ao lado da
igreja e o consumo de álcool contrastavam com a parte religiosa que pregava a
abstinência.
A data cívica mais comemorada na cidade era o dois de Julho, nesse dia
segundo alguns memorialistas eram realizados desfiles com a Guarda Nacional e
escolas do município. O Coronel Dias Coelho, na condição de Comandante Superior
da Guarda Nacional, envergava a farda de gala e comandava o desfile.
78
99
DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da
comunidade negra em São Paulo, 1915-1930. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, 2002 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
546X2002000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 dez. 2008.
79
O casamento com uma mulher branca fez a sua imagem pública ser
ampliada. As aparições com a sua esposa davam uma impressão às pessoas, pois
se tratava de uma mulher “bem apresentada” e de “boa família” ainda que não fosse
de família rica servia de “cartão de visitas” nas aparições públicas.
Deusdedith viveu em Morro do Chapéu até por volta dos 18 anos, quando foi
enviado a Salvador, para estudar na Escola Baiana de Medicina, retornando à
cidade natal com o diploma de bacharel em medicina.
O filho ilegítimo, muitas vezes o intelectual da família, o “doutor” mulato dos nossos
tempos de outrora, por muitas vezes admitido no seio da casa grande e criado pela
“sinhá”, num arroubo de superioridade ante a infidelidade do marido. 100
100
SOUZA, op.cit., p. 38.
80
Figura 8: Fotografia de Deusdedith Dias Coelho, filho do Coronel Dias Coelho no quadro
memorial da Formatura em Medicina na Escola Baiana de Medicina, 1916. A fotografia
original encontra-se na Capela de Nossa Senhora da Soledade, em Morro do Chapéu. A
fotografia encontra-se no interior da Capela da Soledade em Morro do Chapéu.
81
Este capítulo tem como objetivo analisar o governo dos Coquís sob o
comando do Coronel Dias Coelho em Morro do Chapéu, iniciado após as eleições
municipais de 1903, quando foram eleitos para a Intendência e para o Conselho
Municipal Antonio de Souza Benta e Francisco Nery Batista, respectivamente.
Liderados pelo Coronel, os Coquís permaneceram no poder das citadas eleições até
1919, e enfraqueceram após o falecimento de Dias Coelho, que governou o
município de fato a partir de 1904, e de direito, a partir de 1909, quando fora
nomeado Intendente interino, até 1919.
Benta era aliado desde muito tempo do Coronel Dias Coelho, tornou-se o
candidato do grupo e elegeu-se Intendente nas eleições de 1903. Por motivos de
estratégia, o líder do grupo não participou como candidato deste pleito. Nery Batista
que já era Conselheiro municipal desde 1898, que já representava o Coronel no
Conselho, no início do século XX foi eleito presidente do Conselho.
foram abertas para o Conselho Municipal. Dias Coelho ocupou uma delas. Um ano
depois, assumiu interinamente a Intendência Municipal, com o afastamento de
Deocleciano Barreto, também dos Coquís. Os livros de atas do Conselho Municipal
não explicam o motivo do afastamento. Até ser eleito Intendente em 1911101.
101 Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chapéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.120.
84
Alfabetização
102 Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.30
85
3620
2420
2103
842
571 630
28 28 100 160
16
10
8
7
6
5
1
0 1
0
1899 1903 1907 1911 1915
Figura 10: Gráfico indicando o crescimento na quantidade das escolas e dos professores
contratados para classes avulsas em Morro do Chapéu no período de 1899 a 1915.
Fonte:Livro de Atas da Câmara Municipal de Morro do Chapéu. Arquivo da Câmara
Municipal de Morro do Chapéu- Ba.
103
Os números de alunos e eleitores foram obtidos na observação dos livros de atas do Conselho Municipal
de Morro do Chapéu de 1998 a 1915, estes livros encontram-se no Arquivo da Câmara Municipal de Morro do
Chapéu.
87
ao menos a princípio, não era somente “produzir” eleitores, uma vez que as escolas
e os professores contratados para as classes avulsas tinham como público alvo,
turmas mistas, numa época em que indivíduos de diferentes gêneros, eram
educados em classes escolares distintas. Estas turmas formadas por indivíduos do
sexo masculino e feminino, juntos na mesma sala de aula, talvez significasse um
avanço para a época, ou mais provavelmente, uma economia de recursos públicos,
pagando a um mesmo docente para uma turma única, ao invés de abrir novas
turmas e contratar novos professores. Não parece que havia, pelo menos nas atas
um projeto eleitoreiro, uma vez que somente aos homens era permitido o direito ao
voto. Porém, isso não impedia que houvesse dividendos eleitorais com o
investimento na alfabetização das meninas, uma vez que, elas poderiam ajudar, em
casa, na alfabetização dos pais, irmãos e maridos, potenciais eleitores.
alguns brejos destinados a hortaliças e uns poucos pastos utilizados na maior parte
para o descanso de animais que compunham as tropas.
Morro do Chapéu, e permaneceu como aliado do Coronel Dias Coelho, de quem era
amigo e correligionário até que este morresse, em 1919. O distrito de Brejinho ficava
a pouco mais de 60 quilômetros da sede, estava na fronteira com Jacobina.
104
GONÇALVES, op. cit. p. 154.
92
No final do século XIX, houve em todo o interior baiano uma expansão dos
canais de comunicação: ampliação das linhas telegráficas, chegando a Barra do São
Francisco no extremo oeste do Estado, na confluência do rio Grande com o São
Francisco, e os estudos de reconhecimento de terreno para a construção da estrada
de ferro. Para estes estudos foi montada uma expedição que contava com
especialistas renomados como o engenheiro Theodoro Sampaio e o geólogo Orville
Derby. A partir de suas observações foram publicados livros e fizeram propostas de
melhoria dos portos fluviais do São Francisco e a construção da ferrovia.105
105
MELO, op. cit. p. 44.
106
Id., Ibid. p. 45.
93
107
ORTIZ, Renato. Cultura e Modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1991. p.194.
94
108
MELO, op. cit., p.4.
95
através da antiga estrada das boiadas seguindo o Rio Jacuípe. O rebanho de Morro
do Chapéu que estava diminuindo, nos últimos anos do século XX e início do XX,
era “engrossado” pelos bois de Mundo Novo e Camisão, que também ficavam nesta
estrada. Juntos, ajudavam a abastecer o litoral. Os animais eram transportados até
Feira de Santana ou São Gonçalo dos Campos, ali ficavam por alguns dias para
recuperar o peso e então seguiam para a vila de Cachoeira, para serem distribuídos
pelo Recôncavo e Salvador.
No caso dos diamantes e carbonatos, por ser uma carga menor, mais fácil de
transportar e de valor muito maior. Provavelmente eram transportados sob escolta
de jagunços muito bem armados até a vila do França, hoje, distrito de Piritiba,
distante de Morro do Chapéu pouco mais de 70 Km, onde ficava uma estação
ferroviária da Leste Brasileiro. De onde eram enviados a Salvador.
Fazia parte também dos planos dos Coquís: restaurar a estrada que seguia
de Morro do Chapéu a Feira de Santana, passando pelo França e, utilizar a
influência do Coronel Dias Coelho, para conseguir que um ramal da via férrea
ligando Morro do Chapéu ao França fosse construído. A idéia fora teoricamente
efetivada em 1907, com a concordância do governador do Estado. Porém, a estrada
de ferro nunca fora construída.
109
Id., Ibid., p.47.
96
Como fora antes tratado, o apoio dado pelo Coronel Dias Coelho ao
governador José Marcelino nas eleições de 1906, que resultou na eleição de Araújo
Pinho para governador, foi de suma relevância, já que o apoio e os votos dos
coronéis do sertão foram determinantes para o resultado do pleito. Com isso, esses
coronéis liderados pelo Coronel Dias Coelho estavam em posição de fazer
exigências ao governador eleito.
Antes do governo de Dias Coelho, Morro do Chapéu era uma cidade pequena
de ruas estreitas e com um comércio em expansão graças à atividade mineradora
que movimentou a economia tanto local quanto regional. Embora fosse a sede do
município, Morro do Chapéu nem sequer era a maior vila, era menor em economia e
em número de habitantes, que o arraial do Ventura. Contudo, a sede concentrava as
lideranças políticas, principalmente, após a ascensão de Dias Coelho e dos Coquís
que conseguiram que o referido não fosse emancipado. A partir do governo de Dias
Coelho, a cidade experimentou um momento de crescimento, sendo completamente
reestruturada, assumindo ares de modernidade procurando se parecer cada vez
mais com as cidades “bem estruturadas” do início do século XX, embora nessa
semelhança não fosse levado em conta o tamanho da cidade que ora estamos
tratando.
113
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.78
98
114
Segundo depoimento concedido por Dona Maria Medrado de Souza, em 1997, então com 96 anos na
cidade de Morro do Chapéu. Arquivo pessoal de Fabrízia Sampaio, Morro do Chapéu Bahia.
99
da cidade115. Isolados, os enfermos deveriam ser tratados com álcool com cânfora,
porém existia a dificuldade de encontrar álcool etílico hidratado, que ainda hoje é
utilizado na medicina, como alternativa as pessoas em Morro do Chapéu substituíam
por cachaça abundante em quase todo lugar, depois as pústulas eram perfuradas
com espinhos de laranjeira ou mandacaru e, colocava-se cachaça com cânfora para
impedir infecção e a proliferação das bexigas, contudo esse tratamento além de ser
um paliativo, parecia não dar melhores resultados116.
prática de uma quase sentença de morte. No caso dos doentes ficarem em casa,
representava o risco de contaminar os outros membros da família além de provocar
a ira dos vizinhos que se apavoravam com a possibilidade de ficarem doentes
também. Portanto, a medida tornou-se pouco eficaz, pois, dentre outras coisas,
quem tinha alguém infectado preferia esconder de todos até que o enfermo
melhorasse, fosse descoberto ou viesse a falecer. O tratamento nos bexiguentos foi
assim descrito por um antigo morador da cidade:
Pode-se observar que este tipo de tratamento tanto era precário como
ineficiente, como se tratava de uma virose em que o contágio se dava através do ar,
a doença se espalhou com rapidez, infectou uma grande quantidade de pessoas em
pouco tempo, a melhor forma de combater a varíola era a prevenção através da
vacinação. Apesar de a vacina estar disponível na cidade, inclusive com vacinadores
pagos pelo Estado desde fins do século XIX, a população de Morro do Chapéu se
recusava a ser vacinada. No fim do século XIX e início do século passado, a
vacinação era feita braço a braço, retirando com uma agulha, pus das feridas de
alguém já vacinado, para que os anticorpos fossem transmitidos de uma pessoa a
117
Id. Na mesma entrevista.
101
Desta forma o que se poderia fazer era um tratamento paliativo, cuidando dos
sintomas e rezando para que a vítima sobrevivesse. Com o acompanhamento dos
sintomas, visava-se não permitir o aparecimento de doenças oportunistas como a
pneumonia, a gripe; seguidas normalmente na varíola, de uma fraqueza geral e
tumoração, que tem que ser acompanhada com uma assepsia com femol, (um anti-
séptico geral, descongestionante e fortificante) fazia-se tudo, inclusive tratar as
bexigas com maior cuidado para não infectar.
118
Id. Mesma entrevista.
102
119 Lei número 31 de 1910, Livro de Leis do Conselho Municipal de Morro do Chapéu. Arquivo da Câmara Municipal
de Morro do Chapéu.
103
sadios, fora criado um local específico na cidade para o tratamento das pessoas que
fossem infectadas, para que estas recebessem o tratamento adequado, sem o risco
de contaminar as outras pessoas.
Esta não era a única medida adotada. Com relação aos falecidos, a partir
desta lei, foi abolido o costume de se utilizar o caixão da misericórdia e adotada a
prática de se sepultar com urnas funerárias, ou seja, ao invés de se utilizar o caixão
da igreja somente para o transporte até o cemitério e depois trazido à urna
mortuária, para ser novamente utilizado, aqueles que falecessem após a lei,
deveriam ser enterrados dentro dos caixões que não mais retornariam para a
cidade. Aqueles moradores comprovadamente pobres que não tivessem condições
de comprar um caixão receberiam um da Intendência. Os que faleciam na cidade
deveriam ter um velório rápido e ter o trajeto fúnebre por fora da cidade pelo lado
oeste até o cemitério, sem correr o risco de atravessar a cidade, de forma que o
120
Idem. p.12
104
vento não soprasse para a cidade evitando o risco dos miasmas serem trazidos e
contaminar a população. Todas as roupas dos mortos deveriam ser incineradas,
também em locais afastados da cidade logo após os funerais.
121
Idem. p15.
105
122
Idem. p.18.
123
Idem. p.21.
124
ORTIZ, op. cit. p. 202.
106
As casas mais antigas da cidade ainda hoje conservam este aspecto como
pode ser visto na fotografia a seguir
125
Idem. p25.
107
Figura 12 fotografia do desfile de Dois de Julho, na Rua Coronel Dias Coelho em Morro do
Chapéu. Fotografia de Eurícles Barreto sem referencia de data. Arquivo particular Carla
Meneses, Morro do Chapéu.
Outros fatores parecem não ter uma preocupação higiênica, apenas estética.
Havia a obrigação legal de todas as casas serem caiadas no dia do aniversário da
Independência do Brasil. É perceptível que, a administração de Dias Coelho
incorporou uma noção de progresso vinda de fora. As reformas urbanas deram a
Morro do Chapéu um padrão estético importado, mais adaptado à cidade do
pensado para ela, porém, percebe-se também que as modificações na cidade
surtiram o efeito desejado, o surto de varíola fora controlado e a cidade assumiu
novas feições. Com uma economia já lastreada no comércio, o impacto das secas
se torna menor e a própria pecuária se recupera, embora, em mãos de
administradores mais competentes.
Figura 13. Fonte do Pó-Só, Morro do Chapéu, apesar da fotografia ser da década de 40. A
construção da fonte remonta ao período da administração do Coronel Dias Coelho. Foto
Eurícles Barreto. Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.
Apesar das leis servirem para todo o município, as reformas não atingiram
todos os distritos. Os mais distantes ou menores não passaram pelas reformas,
mesmo nos distritos maiores como no Brejinho ou no arraial do Ventura, as ruas e
casas não foram substancialmente modificadas, ficar a modernidade propalada
pelos Coquís somente à cidade.
111
126
CUNEGUNDES, op. cit. p.36.
127
Respectivamente Correio do Sertão, 3 de dezembro de 1917 e 3 de dezembro de 1918.
113
Vai gozando uma melhora satisfatória o nosso Chefe (sic) Cel. Dias Coelho.
Ultimamente tem se sentido mais forte, já se preocupando em serviços de
seu gabinete. Tenciona ele, logo que possa viajar a Bahia tratar de sua
129
saúde. Desejamos-lhe completo restabelecimento.
As notícias animadoras foram vinte dias após, substituídas, por outra com tom
de preocupação mais acentuado. O estado de saúde piorava e já estava no
momento de preparar a população local para o pior que já era eminente.
Alguns dias antes do seu falecimento o Coronel Dias Coelho passa a sua
espada da Guarda Nacional a Antonio de Souza Benta. Isso aconteceu numa
cerimônia, na sua residência com a participação dos correligionários e parentes mais
próximos, na mesma semana o “Correio do Sertão” noticiou o fato, e participou a
toda a população da cidade. O ato funcionou como um símbolo de continuidade,
onde o poder de um chefe convalescente escolhe e torna conhecido o seu sucessor,
este, de pronto, aceita a espada e assume o comando do grupo.
128
O Correio do Sertão, 19 de janeiro de 1919.
129
Idem, 19 de janeiro de 1919.
130
Idem, 09 de fevereiro de 1919.
114
131
Idem, 23 de fevereiro de 1919.
115
Figura 14: fotografia do funeral do Coronel Dias Coelho. Autor Eurícles Barreto, 1919.
Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.
132
O democrata, 22 de fevereiro de 1919.
133
Diário de Notícias, 23 de fevereiro de 1919.
117
Para o jornal de oposição ao governo do Coronel (que por certo deveria ser
parceiro comercial de alguns dos seus anunciantes), bastava evidenciar a influência,
o caráter e a bondade de coração. Não cabiam elogios à sua atividade política no
interior do Estado nem tampouco as relações com políticos importantes no governo.
Esta não foi a única missa de trigésimo dia oferecida em favor da alma do
Coronel Dias Coelho, o mesmo ocorrera em Jacobina e Morro do Chapéu como já
era de se esperar. O diferencial desta é que denota a influência do falecido no meio
político e comercial da capital. Dentre os nomes citados, como membros da
comissão organizadora acima, apenas o de Pedro Grassi era mais conhecido em
134
Jornal de Noticias 23 de fevereiro de 1919.
135
Diário de Notícias, 18 e 19 de março de 1919.
118
nomes eram meros detalhes. O que interessava era o grau de importância dos que
estavam presentes.
136
Correio do Sertão, 15 de fevereiro de 1949.
120
financiado por ele, o jornalista demonstra o que ele e a elite local pensava a respeito
dos negros.
Outra estória conta que o Coronel estava numa festa no Clube da Cruz
Vermelha em Salvador, durante a festa tentou tirar várias moças para dançar e
nenhuma delas quis, logrou êxito com apenas uma delas, filha de um político
importante do Estado. No fim da dança, o Coronel retirou do bolso um anel muito
caro, de ouro cravejado de diamantes e presenteou a moça em público por ter
aceitado a dança.
Não existe nada que ateste a veracidade das lendas a respeito das respostas
ao racismo por parte do Coronel Dias Coelho, provavelmente estes acontecimentos
nunca se deram, também não está entre os nossos objetivos comprovar a
veracidade dos mesmos. O que nos importa neste momento é verificar como a
população pobre e negra de Morro do Chapéu se apropria da imagem construída de
Dias Coelho e enxerga nisso uma espécie de revide de toda a massa discriminada
contra o racismo. Ou seja, no momento em que o Coronel reage a um ato
considerado como um insulto por ser negro, mesmo que seja evidenciando a sua
riqueza, seja demonstrando que é rico e poderoso ao ponto de poder comprar o
local onde funcionava a barbearia e obrigar o barbeiro a atender negros, ou
premiando uma pessoa por não manifestar atos racistas. A população local também
poderia sentir-se vingada das opressões que sofria cotidianamente.
O grupo político criado por Dias Coelho chegou ao seu fim em 1946, com o
falecimento de Antonio de Souza Benta, que até esta data havia tomado o comando
do município, embora não tivesse a mesma expressão regional e estadual que o
líder anterior.
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS
imagem que a cidade expunha, para todos eles, era o possibilitador de tudo isso na
cidade, era uma liderança regional que conseguia com a sua perspicácia mediar as
disputas políticas na região como um todo, “o diplomata Negro”, que fez da cidade
uma “Suíça sertaneja”, neutra, pacífica, mas, importante no contexto regional.
Este grupo, formado e liderado por Dias Coelho, agia de forma diferente do
que se observa nos estudos do coronelismo. Formaram um grupo político com
objetivos eleitorais e econômicos claros, desenvolvendo estratégias de dominação
política baseando-se na construção da imagem de um homem, um líder, que viesse
tomar o poder de uma elite decadente política e economicamente, não tinha uma
formação clâmica ou familiocrática, nem utilizava a força, ao menos de forma
explícita, como estratégia de manutenção do poder.
REFERÊNCIAS:
Teses e dissertações:
MELLO, Maria Alba Guedes Machado. História Política do Baixo e Médio São
Francisco: um estudo de caso de caso de coronelismo. Dissertação (Mestrado
em Ciências Sociais). Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1989.
Artigos de revistas:
126
Bibliográficas:
ARANTES, Antonio Augusto. et. al. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família
no Brasil. Campinas SP: Editora da UNICAMP, 1994.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa - Omega, 5 ed.,
1986.
ANEXOS
Entrevista com Tolentino Oliver Guimarães, farmacêutico, morador da cidade de Morro do Chapéu. Aos 81
anos de idade.
Os maus fluidos, é uma coisa quase que sobrenatural, tanto que os miasmas
por exemplo, são aquelas coisas que desprende do corpo, então são os miasmas,
mas não é da varíola não, é uma espécie de seqüela, uma espécie de baba, uma
coisa assim como se diz, mau olhado, são coisas superpostas à doença, é um
folclore, uma superstição, mais a nível de crendice mesmo, muito pressente no
povo, o sujeito comprava um bambião, bambião é um pássaro, eu não sei o nome
científico, ele quando vê qualquer pessoa, grita e dá o alarme, então o sujeito
comprava, por exemplo o sujeito era asmático, esse sujeito bota aquela baba ,
aquela evacuação, aquela coisa babenta, que também é chamada miasma, então
comprava o bambião e evitava aquilo, que é do folclore.
Contra a varíola a medida era justamente isolar e vacinar, eu mesmo fui
vacinado, de mim mesmo foi tirado vacina, isso já em 1920, eu fui vacinado e eu me
lembro que a vacina formou uma grande ferida em mim e eles tiravam aquele pus
que saia e vacinava os outros, que a vacina é da própria bexiga, foi tirada a vacina,
o próprio mal que vacina o mal, eu fui vacinado com a vacina e essa vacina fez uma
ferida muito grande e de mim foram tiradas muitas vacinas para poder vacinar os
outros, porque aquele pedacinho de pus, que saia da minha ferida, fazia um
arranhão na pele e botasse um pouquinho, já estava vacinado. A vacina já é um
preparado de soro de cavalo, antes eles faziam com o pus e sintetizavam ali a
vacina, mas eu estou lhe dizendo o seguinte, em caso de não ter a vacina por
exemplo está vacinando aqui uma população de duzentos ou trezentas pessoas,
acabou a vacina, então vai naqueles vacinados que a vacina já pegou e aí com
aqueles você vacina muitos e muitos, entendeu. A vacina na década de 20, antes
disso só ouvia dizer que morria, morria e era enterrada por lá mesmo, onde não
tinha lugar para chegar enterrava, as pessoas eram obrigadas a sair não podia nem
viver junto, quem visse um bexiguento corria.
Existia mesmo o risco de contaminação, existia o contágio, era endêmica,
atacava a população toda e ninguém servia uns aos outros, numa população
pequena, se você tivesse uma casa e tivesse cinco filhos e uma mulher, então você
com mulher e cinco filhos, a mulher tudo de bexiga, como é que cuidava, ninguém
servia uns aos outros e assim era porque tinha medo e aí morria muita gente, o
tratamento era muito difícil, não só a varíola como muitas outras doenças eram; a
tuberculose, a mesma coisa, matou muita gente , na tuberculose, o sujeito não tinha
a verdadeira assepsia não tinha o verdadeiro alimento então o coitado ia se
132
acabando até o dia em que morresse sem nenhum remédio específico, nenhum,
tomava era raiz de pau chamada “tanino” ainda era pior, em vez de expectorar,
apertava a coisa.
A catapora também existia, porém a catapora é uma bexiga benigna, dava
febre e tal, coisa de poucos dias depois, colocasse um talco anti-séptico, a rubéula
não é muito endêmica, por aqui ela teve casos esporádicos.
Tinha ali nas roupas, pegava muito pus, o corpo todo era tomado de feridas e
a roupa pegava no pus das feridas, no caixão da misericórdia se enterrava, porque
tinha o caixão da misericórdia, o caixão da misericórdia era o seguinte, o sujeito
vinha com o defunto lá da roça de 8 10 léguas numa rede, a 1 km. mais ou menos
tinha um lugar chamado pau da rede onde tinha um pau grande e eles colocavam a
rede agora um vinha aqui e apanhava o caixão da misericórdia, botava o defunto, a
rede ficava lá, chegava no cemitério enterrava o defunto e tornava a voltar com o
caixão para a igreja, imagine que atraso, alcancei muito, quando entrava na igreja eu
tinha até medo de ver o caixão, já o bexiguento eles enterravam com rede, o que
tivesse no corpo esteira com tudo, eles ficavam numa esteira, morria numa esteira e
enterrava, enterrava, não existia nada de caixão depois se lavava com cachaça,
tinha sujeito que bebia até encharcar, já era motivo, porque a cachaça, o álcool é um
vaso dilatador, um tipo de anti-séptico, como anti-séptico lava ele ia melhorando
muito, naquele tempo o atraso era terrível, era compensado em muitas coisas por
que por exemplo sujeito que morava no mato ele não tinha ganância e o afã de
ganhar dinheiro para comer, porque tudo era fácil se ele saia de casa, ele apanhava
uma cabaça e enchia de mel porque aqui dava muita abelha, se ele ia no mato
encontrava muita caça, muita coisa não faltava o alimento ele só precisava de sal e
farinha e o resto ele tinha aí à vontade, uma coisa completava a outra.
indo se ele não tiver cuidado pode ter a tifo também, tinha muito por aqui a febre
tifíode ameaçou muito tempo aqui, bom, o sintoma da tifo é infecção intestinal, ela é
provocada pelo Bacilo de Herbert, então você vê por exemplo hoje, pode ter um
remédio específico que é 100%, que é a nifedrina, aliás o clorofenicol é específico
para a tifo, então, naquele tempo não tinha, não tinha laboratório para descobrir o
bacilo mas ia pelo sintoma por exemplo uma garganta, uma boca seborrosa, um
mau hálito também era sintoma e febre contínua aí o médico tinha que ocupar mais
de trinta dias no mínimo, dando poções, naquele tempo tinha o nome de termo e
bismuto e outra coisas mais ele acompanhava esse trajeto da tifo por mais trinta dias
e com uma alimentação adequada, porque não podia dar nada, anterior a 1920, o
tratamento era brutal, era perganato de óleo de Ríssino dia sim e dia não, até o dia
em que o sujeito morria de inanição porque não podia comer nada, mas eu
acompanhei muitos casos com poções com Calóidal e Bismuto, um negócio assim,
mais ou menos, e Oleocaloidal, acompanhava dando uma alimentação semilíquida,
até a quarentena como se diz, ficava magra, magro, mas em minha mão não morreu
nenhum, naquele tempo não tinha médico, quem fazia o tratamento aqui era eu, era
com poções era com água, era com poções o tempo todo.
O tratamento do bexiguento, era, o sujeito tinha primeiro que colocar cachaça
e cânfora, tomar e usar, apanhava a cânfora e botava na cachaça para poder botar
nas feridas e botar talco, ele botava Lépido, qualquer coisa assim para sugar
aqueles miasmas, depois fazia a higiene pessoal , naquele tempo acho que nem
tinha nem sabonete, só aquele sabão de soda , não tinha querosene a luz era de
azeite. No frio tinha o fogo, fazia o fogo e ficava ao derredor, devia ser terrível ficava
5, 6 ou 8 ao derredor do fogo só sentindo os outros gemerem, não é terrível?
As ruas amplas toda as cidades do interior, você pode perceber que é assim,
não é ligada à varíola, mesmo por que não tem jeito, porque se não fôra assim não
se explicava a varíola dar em Salvador e dar em Morro do Chapéu, que aqui é muito
distante não vinha, não adianta, uma rua daqui para ali, não adianta isso, a
distância.
Eu comecei a trabalhar com farmácia em 41, eu não fiz faculdade, fiz um
curso, sou oficial de farmácia e trabalhei muito, eu tenho muitos livros e li muito
sobre medicina, sobre farmácia eu tenho um livro do professor Heitor Luz, o
professor sou eu mesmo na farmácia, por exemplo eu fazia de tudo, hoje em dia se
você me der qualquer fórmula para Pneumonia ou para tosse, pode me dar que eu
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Entrevista com Maria Medrado de Souza, dona de casa, morador do arraial do Ventura no município de Morro
do Chapéu. Aos 96 anos de idade.
mundo todo, Piritiba, tudo tem casa daqui, porque eles vendia as casa e o povo
chegava e desmanchava, carregava as telha e as porta. Isso aqui era rua desde lá
de baixo até lá em cima, ali ó, em tudo, do outro lado era outro Ventura era casa, até
sumir lá; em riba no... era um bocado eles matava 60 boi dia de Quinta-feira, no
Morro do Chapéu não mata, dia de Sábado, ainda matava um boi pro corte, porco
criação. A feira pegava daí da praça até lá em cima , os animal, nesse tempo
carregava era em animal, ficava lá por traz da igreja, botava os animal prá lá, tinha
muito diamante e tinha muito garimpeiro, também esse pessoal de Ponta D’água, de
Campinas, Brejinho, até do Morro só fazia feira aqui, hoje se a gente quiser comer
farinha tem que ir buscar lá.
Tinha um bocado de loja, tinha a de Brasil, João Bilitardo, tinha Bieca, tinha
tudo, venda aqui. Você não passava falta de nada aqui. João Bilitardo era
comprador (de diamantes e carbonatos), João Navarro era comprador, e quem era
mais? ... João bilitardo (risos) não sei se era coroné, não sei o que ele é, era o dono
desse sobrado aí. A derradeira vez que o Coroné Dias Coelho veio aqui foi numa
eleição, ele arranchou aqui nessa casa.
Eleiçào? Nunca votei, nunca quis na minha vida, eu não sei ler, prá botar
aqueles garrancho lá.
Os diamante ia tudo para Salvador, tinha comprador daqui tudo, os que vinha
comprar de Lençóis, vinha comprar aqui, também vendia tudo prá lá prá Salvador,
esses lugar prá lá, aqui tinha mais diamante e o mais caro era mesmo o diamante. O
carbonato eu não sei o que é que eles fazia, com o carbonato, caiu depressa porque
apresentou uma pedra não sei se foi...que fazia a mesma coisa que o carbonato e o
carbonato acabou.
Tinha festa aqui em todo canto, tinha festa de gente direita e de gente torta, a
festa dos torto era lá pra’queles cantos de lá. O povo jogava baralho, tinha lá
pra’queles lado da igreja, até na igreja tinha rua e tinha os jogador era prá lá, as
mulher trabalhava, tudo trabalhava não tinha ninguém aqui sem emprego não.
Mulher da vida aqui era cheio, ali daquela rua, dali daquela casa até chegar
na rua da igreja era a rua das mulher, chamada a rua do visgo, até chegar na igreja
elas ficava lá nas casa, nas festa de gente direita ela não entrava.
(O coronel ia para essa rua das mulheres?) eu não sei, eles era homem, ia
prá rua, não é, a rua até chegar na igreja era cheia delas, vestia do mesmo jeito era
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como hoje, ninguém sabe quem é casada nem quem é moça, nem quem é viúva,
ninguém quer nada as moça anda tudo nua, r que as mulher de hoje anda tudo nua.
A padroeira daqui é Nsa Sra da Conceição, fazia festa todo dia, tinha festa
todo dia de Pedro Grassi, de Janjão dançava a semana toda, ali no sobrado, ali na
casa da Idalice quando ela morava aqui, festa aqui era boa. Então no dia de hoje a
gente tava tudo direitinho, passar na rua com a canela de fora? Só passava de meia,
aqui era assim, a que não botasse uma meia no pé não passava na rua.
A feira era dia de Sábado, tinha de tudo na feira, tudo que você procurasse
tinha na feira, tinha a loja de Jairo Preto, tinha a loja de Bieca, tinha a de João
Bilitardo, a de José Márcio, tinha a farmácia de Zezinho, tinha não sei quantos
alfaiates, aqui nesse tempo os homens só usava terno.
Quando tinha teatro eu não perdi foi nada, quando vinha de fora circo, vinha
fazer drama, o teatro era ali em cima perto do prédio.
Desde que eu moro aqui nunca vi uma briga, ali no alto da estrela, ali em cima
daquele carrasco chamava alto da estrela, lá mataram um homem numa festa desse
povo atoa ali do dia de Quinta-feira até o dia de Domingo, era uma festa só lá
mataram um, e o finado Romão que mataram naquele riacho, que Zé de Lozinha
matou, o finado Romão era casado com Juvita, sobrinha de Zizi e vi outro também,
mas esse ele matou um em Lençóis e correu práqui e ficou aqui, pois o menino,
quando ele matou o pai, o menino tava pequeno, e o homem ainda foi dizer indireta
a mulher que ele matou o marido. O menino saiu chorando, pois esse menino
cresceu e ficou homem e veio matar ele aqui, aparecia soldado aqui de vez em
quando mas não tinha acampamento, só tinha delegado.
Dos revoltosos me alembro que eu corri,subi em riba dessa serra, tinha uma
casa de farinha, a gente correu tudo prá lá, mas que bestagem, , mas não veio aqui
não, a gente corria com medo, os homem ficava aqui e as mulher ficava ali por riba
da serra se escondendo.
Lampião! Um dia, eu fazia uns doce prá vender, tava lá em cima mais um
irmão meu que comprou um milho prá fazer o bolo, menino que quando eu tô
lavando o milho prá pisar, prá fazer o fubá, gritaram é vem Lampião aculá acimado
Rio Preto, quando eu olhei prá cima vi um homem sangrando um boi, quando o
homem meteu o facão assim no boi que sangrou, foi que eu caí e panhei o milho e
levei lá prá cima e foi num dia de Sábado, só via as mulher subir tudo correndo pros
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mato, prá esconder, e os homem tudo armado por que se eles entrasse; mas
Lampião não veio aqui não, nem Lampião nem os revoltosos.
(abastecimento de água) aqui tinha muita água, tinha esse rio aí atrás, até
água encanada tinha em riba da serra, tinha uns tanque, prá pegar água da serra,
mas agora com esse calor secou a água, tô pegando água lá em cima no Véi Cruz,
a gente tá panhando água lá, que secou tudo a água encanada aqui prá dentro de
casa, prá casa de Flamarion, tudo tinha água encanada, mas secou tudo.
(agricultura) nesse tempo chovia, você chegava aqui nesse quintal tinha que
tinha tudo, tinha milho, abóbora, feijão, pro que quando chove só faltas plantar no
meio da rua, se tivesse quintal prá plantar aqui,ó lá, porque a terra aqui é boa,
plantava tudo, mandioca, é cada raiz, tinha uma casa de farinha aí em riba e tinha lá
em baixo também em Jacaré.
Aqui tinha duas padaria, tinha a de Louro e tinha a do finado Quintino, fazia
pão e fazia sabão, tinha o forno de pão e o forno de sabão.
(religião) Protestante não tinha não, mas espirita tinha∗ e forte, era ali em
baixo, dos Ribeiro, não tinha candomblé, tinha muito espiritismo, muita gente ia,
tinha os católico e tinha os espirita, Carlos mesmo é um espirita danado, o povo dele
todo é, mas é que a irmã dele morreu agora não é, Ester. Eu não sei o que é que eu
sou, eu gosto de tudo, se é protestante eu vou assistir eles cantar, se for espirita eu
vou olhar, portanto eu não sei o que é que eu sou, candomblé não, porque não vou.
(Política) Aqui tudo era dum poder só, era João Navarro, João Bilitardo, os
outro tudo podia, eles não brigava não mas as mulher, mulher é que é um bicho
nojento elas pegava quando tinha uma política aqui, era capaz de bates umas nas
outras, brigava pintava o diabo, eles mesmo não brigava não, mas mulher é um
bicho perigoso que não se importa com nada..
A mulher que traia u marido mora, em Morro do Chapéu, o marido descobriu e
quase dá em morte, era a mulher de Zé de Baia ela tava com Zezinho Pires, ele
soube porque ele pegou, foi até numa noite de São João, foi um inferno aqui. O povo
falava mal dela, que era descarada, porque a mulher que tem vergonha ninguém
fala dela, só fala da descarada, mas não se respeita, não se assunta. O povo falava
dela com Zezinho Pires e disse que teve mais bem uma meia dúzia, pelo que eu
∗
o espirita que ela fala tem o som sem o assento, na realidade ela não falos espírita, foi espirita mesmo.
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vejo falar eu não sei, não andava mais ela, mas o que eu via falar é que era mais de
meia dúzia.
(bêbados) todo lugar tem cachaça, sempre tem aquele que bebe e fica
bestalhado na rua, um morreu esse ano mesmo, Benedito, ficava por aí bebendo
cachaça, levaram pro Morro botaram lá no abrigo. De doido só tinha uma velha aqui,
eu não sei se era caduquice dela, que os menino atentava muito, e ela caia nos
menino, xingava os menino, pintava. Tinha poroso dali da Campina que vinha
prá’qui, mas não mexia com ninguém, era um negro véi, não fazia nada, andava
sentado pelas porta, só xingava quando os menino mexia com ele.
(doença) Morria muita gente aqui, na ocasião daquela gripe, agora na gripe
tinha dia que subia dois três que morria, eu era moderna quando teve a gripe, devia
ter uns vinte e cinco trinta anos, eu já tô com 96. Eu não adoeci, mas lá prá cima eu
sei que morreu prá lá.
(Escola) Aqui nesse salão era a escola de Idalice, lá em cima na casa de
Joaquim Modesto tinha duas professora, ali em baixo naquela casa que é de
Flamarion tinha um professor, aqui em baixo na rua da Gameleira tinha D. Maria
Amélia. Quem tinha dinheiro estudava aqui e ia prá Ponte Nova, ia prá Salvador,
Idalice mesmo foi prá Salvador, a irmã dela também foi prá Salvador, pr’as poder
formar porque aqui não tinha no Morro do Chapéu não tinha, quem quisesse formar
ia prá Salvador ou prá Ponte Nova.. aqui tinha o Professor Tibúrcio e o Professor
José, eu não sei o que eles ensinava, sei que eles dava escola.
(Varíola) Aqui João Bilitardo tava morando aqui nessa casa, morou aqui para
poder fazer o sobrado, Bolí foi a Salvador e Marcolino Andrade foram para Salvador
e trouxeram a bexiga prá’qui. Bolí foi tratado lá em baixo e Marcolino Andrade tá
sepultado lá em cima, lá no pé da serra e teve um bando, deixa eu ver quem foi mais
que morreu, morreu o marido de Maria Pereira, mas morreu fora de casa porque ia
caindo e levando pra fora porque tá morrendo e levava pro cemitério.
Eu tive bexiga, mas tive em Lençóis, lá em casa caiu todo mundo, minha mãe
quase morre , tava grávida, ela inchou de um jeito que eu é que passava o remédio.
Era meia garrafa de cachaça canforada e uma caixa de vaselina, nesse tempo,
vendia a caixa de vaselina, passava no corpo dela quando passava o pano, podia
escorrer, porque não pode cortar nem furar, virou tudo uma coisa só. Só a cachaça
canforada e vaselina, passava vaselina e elas vai abrindo os pano que passava nela
podia torcer de pus, eu tive quem cuidou de mim foi meu pai.
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O nome do meu pai é José Martins dos Santos, minha mãe chamava
Minelvina Medrado dos Santos ela era sobrinha de Doca Medrado, o meu é Maria
Medrado dos Santos eu sei que sou do dia 8 de Janeiro e tenho noventa e seis anos
(1902).
Eu tenho saudade de Idalice Grassi, do povo do véi Quintino, era com quem
eu me dava com tudo não é. E as festa, não me fala em festa não, que festa é uma
coisa boa, não tá vendo eu véia assim quando tem uma festinha assim, eu sempre
vou lá em baixo no Angelin quando tem festa lá oxente eu danço é bonitinho.
As rua aqui tinha uns lampião, pois tinha lampião até lá do outro lado, Carlos
tinha aí, vendeu um outro dia desses, não sei quem comprou, as rua era clara como
o dia, porque nesses beco, nesses canto , a loja de João Navarro naquela outra era
cheia de lampião, era a querosene, onde tinha rua tinha lampião.
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