Você está na página 1de 143

1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS V

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

REGIONAL E LOCAL

O CORONEL NEGRO: CORONELISMO E PODER NO NORTE

DA CHAPADA DIAMANTINA

(1864 – 1919)

MOISEIS DE OLIVEIRA SAMPAIO

Fevereiro / 2009
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
2

MOISEIS DE OLIVEIRA SAMPAIO

O CORONEL NEGRO: CORONELISMO E PODER NO NORTE

DA CHAPADA DIAMANTINA

(1864 – 1919)

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em nível de
Mestrado em História Regional e Local,
para obtenção do título de mestre, sob a
orientação do Professor Doutor Walter
Fraga Filho.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. (Orientador) Walter Fraga Filho

Prof. Dr. (Titular) José Carlos de Araújo Silva

Prof. Dr. (Titular) Daniel Francisco dos Santos

Profª. Drª. (Suplente) Carmélia Aparecida Silva Miranda

Fevereiro / 2009.
3

TERMO DE APROVAÇAO

Moiseis de Oliveira Sampaio

O CORONEL NEGRO: CORONELISMO E PODER NO NORTE


DA CHAPADA DIAMANTINA
(1864 – 1919)

Dissertação de mestrado submetida ao


Programa de Pós-Graduação em História
Regional e Local da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título
de Mestre.

Aprovada por:

BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________
Prof. Dr. Walter Fraga Filho (ORIENTADOR)

______________________________________________________
Prof. Dr. José Carlos de Araújo Silva

______________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Maria de Fátima Novais Pires

Santo Antônio de Jesus, 16 de fevereiro de 2009.


4

AGRADECIMENTOS

Os dois últimos anos de exaustivo trabalho, tendo que conciliar as atividades


profissionais, pesquisas e as atividades do mestrado chegaram ao desgaste muito
grande. Estas horas difíceis não seriam transpostas sem a ajuda de todos os
familiares, amigos e colegas que muito contribuíram para transpor os desafios que
agora serão lembrados.

Em primeiro lugar agradeço ao orientador, o professor Walter Fraga Filho,


pela paciência e sugestões certeiras no momento exato. Ao amigo, ex-professor e
conselheiro o professor José Carlos, sempre presente em todos os momentos de
dificuldades.

Alguns colegas de trabalho, que ao longo do tempo se tornaram amigos, que


muito contribuíram desde a elaboração do projeto e os preparativos para a seleção.
São eles, a professora Teresa Cristina Ribeiro e o professor Jackson André
Ferreira, que aqui tem o nome em negrito por ajudar em muitos momentos do
trabalho, Black, conforme o prometido lembrei de você.

Aos colegas de turma no mestrado, Alex, Osvaldo, Marcus, Cleide, Igor e


Marcos Profeta, que cedo mudou de programa mas que é sempre lembrado. Aos
colegas da “outra linha”, apesar do pouco contato , apenas seis meses, mas, que
muito contribuíram, são eles: Rose, Rosana, Fabiana, Nássaro, Edilma, Raul e
Phillipe.

Aos professores do programa com os quais tivemos um contato maior,


Raphael, já conhecido desde os tempos da graduação, Daniel, Charles, Fátima, Elly
Estrela, Wilson Matos. Alguns foram importantes mesmo não ministrando aulas
como os ex-professores Zacarias e Carmélia.

Ao fim do primeiro ano de mestrado já cansado e desanimado, com vários


problemas pessoais, surgiu então alguém que deu novo ânimo ao trabalho e fôlego
à pesquisa, Carol, parte do trabalho é seu serei eternamente agradecido por tudo o
que fizestes serás sempre a “Negra” aun que no queras.

Já no finalzinho, quando tudo ficou mais complicado e precisei mais ainda de


ajuda, além de todos os que já foram mencionados que nunca se negaram a ajudar
5

apareceram também Ana Cristina, que deu o suporte lingüístico e de revisão por
incontáveis horas. E depois de muitos anos distante Clea retornou, com importantes
adendos ao trabalho. Sem vocês seria impossível concluir o trabalho.

Dentre todos os prejudicados com dois anos de ausência, a minha família


merece ser lembrada por todo o apoio necessário tanto em Morro quanto em
Salvador. Agradeço aos meus irmãos, Fabrízia e Izaque, sobrinhos, Pedro e
Kananda, e meu pai pelo lastro familiar.

Finalmente aquela que sofreu com a ausência, muitas vezes estando


presente, e, que mesmo assim me escolheu. Filha, o pai esta de volta para se
dedicar somente a você. Estamos construindo nossa família. Agora o pai é todo seu.
6

RESUMO

O Coronel Francisco Dias Coelho nasceu em Morro do Chapéu, no norte da


Chapada Diamantina. Teve de uma infância pobre, filho de agregados da Fazenda
Gurgalha, era descendente de negros livres pelo lado paterno e de libertos pelo
materno.

A trajetória de vida de Dias Coelho coincide com as transformações pelas


quais passou a região no período compreendido entre o fim do século XIX e início do
XX. Ao longo deste período, a pecuária extensiva foi substituída pelo garimpo de
diamantes e posteriormente pela mineração de carbonatos, que possibilitou o
acúmulo de riqueza por parte de muitas pessoas de origem pobre, inclusive o
personagem em questão.

No Município de Morro do Chapéu um grupo de emergentes, enriquecidos


pelo comércio de carbonatos e com aspirações políticas estabeleceram estratégias
para conquistar o poder local e dominar a região.

Dias Coelho era a maior expressão dessas pessoas, ascendeu econômica,


social e politicamente, fundou o seu próprio grupo político, os “Coquís”, e se tornou o
mais influente coronel do seu tempo no sertão do médio São Francisco. O
coronelismo com Dias Coelho foi exercido de forma diferente, o mandonismo,
clientelismo e organização clâmica das famílias de proprietários, foi substituída pelo
personalismo e a construção de uma imagem pública condizente com o que a
população esperava de um governante, estas diferenças podem ser observadas no
estilo de política adotado pelo mesmo. Construiu para si a imagem de bondoso,
justo, diplomata e outros adjetivos que não são comuns quando se trata de coronéis
do sertão baiano.

Ao falecer, em 1919, havia implementado uma política diferente dos outros


coronéis, era respeitado e continuadamente lembrado, porém, conviveu com o
racismo presente na mentalidade das pessoas da Bahia na época.

Palavras-chave:

Coronelismo, Coronel Negro, Chapada Diamantina.


7

ABSTRACT

Coronel Francisco Dias Coelho was born in the Morro do Chapéu in the north
of the Chapada Diamantina. Had a poor childhood, the son of the households in a
Gurgalha farm, was a descendant of the free negroes in a father family, and ex-
slaves in the mother family.

The path of life for Dias Coelho coincides with the changes for which the
region fell in the period between the end of the nineteenth century and beginning of
twenty. Throughout this period, was replaced by extensive cattle breeding, mining
diamond mining and by carbonates, which allowed the accumulation of wealth by
many poor people from home, including the character in question.

In the city of Morro do Chapéu a group of emerging, enriched by trade with


carbonates and political aspirations have strategies to conquer the local and
dominate the region.

Dias Coelho was the greatest expression of the people, ascended


economically, socially and politically, he founded his own group, the "Coquís", and
became the most influential coronel of his time in the middle backlands São
Francisco. Coronel Dias Coelho was performed with a different way, the bossy,
patronage and organization of clan families organize owners. was replaced by
personality and building a public image consistent with what people expected of a
ruler, these differences can be observed in the style of policy adopted by it. Built for
himself the image of kind, fair, diplomatic and other adjectives that are not common
when it comes to the backwoods coronéis Bahia.

The death in 1919, had implemented a policy different from the other coronéis,
was respected and continually reminded, however, lived with racism in the minds of
people at the time of Bahia.

Keywords:
Coronelismo, Coronel Negro, Chapada Diamantina.
8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Árvore Genealógica da família Coelho. ............................................................ 19

Figura 2: Mapa Situação regional. ................................................................................. 33

Figura 3: Recorte da última pagina do inventário do Tenente Antonio Honório Guimarães e


sua mulher, redigido e assinado por Francisco Dias Coelho. ............................................. 43

Figura 4: Fotografia não datada do grupo político do Coronel Dias Coelho. ....................... 56

Figura 5: Fotografia do Coronel Dias Coelho com a farda da Guarda Nacional................... 75

Figura 6: Fotografia do Coronel Dias Coelho de Terno. ................................................... 75

Figura 7: Fotografia da praça D. Pedro II, festa de São Benedito 1910............................... 76

Figura 8: Fotografia de Deusdedith Dias Coelho, filho do Coronel Dias Coelho no quadro
memorial da Formatura em Medicina na Escola Baiana de Medicina, 1916........................ 80

Figura 9: Gráfico demonstrativo do número de eleitores e de alunos de 1899 a 1915 em Morro


do Chapéu................................................................................................................... 85

Figura 10: Gráfico indicando a quantidade das escolas e dos professores contratados para
classes avulsas em Morro do Chapéu no período de 1899 a 1915. ..................................... 86

Figura 11: Fotografia da Praça D. Pedro II em Morro do Chapéu. ................................... 107

Figura 12: Fotografia do desfile de Dois de Julho, na Rua Coronel Dias Coelho em Morro do
Chapéu ..................................................................................................................... 108

Figura 13: Fonte do Pó-Só, Morro do Chapéu ............................................................... 110

Figura 14: Funeral do Coronel Dias Coelho ...................................................................... 115


9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...........................................................................................................11

CAPÍTULO I – DO NASCIMENTO À ASCENSÃO DE FRANCISCO DIAS


COELHO............................................................................................................................. 17

A família de Francisco Dias Coelho................................................................. 18

Onde viviam os Coelho .................................................................................. 27

A formação das fazendas ................................................................................ 33

A descoberta dos diamantes ............................................................................ 38

Final da era dos diamantes e o início da era do carbonato em Morro do Chapéu ... 39

O início da carreira política do Coronel Francisco Dias Coelho .......................... 45

CAPÍTULO II - A COR DO CORONELISMO NA CHAPADA DIAMANTINA –


A VIDA POLÍTICA E A CONSTRUÇAO DA IMAGEM DO CORONEL FRANCISCO
DIAS COELHO....................................................................................................... 50

O grupo político do Coronel Dias Coelho......................................................... 50

O coronelismo na região da Chapada Diamantina ............................................. 58

A primeira experiência eleitoral dos Coquís...................................................... 62

A legislação eleitoral na Primeira República do Brasil ....................................... 64

Relações fora do “curral”................................................................................ 69

A construção da imagem do Coronel Dias Coelho ............................................. 72

O casamento e o filho do Coronel Dias Coelho ................................................. 78

CAPÍTULO III - O VETOR DO PROGRESSO ....................................................... 82

Alfabetização ................................................................................................ 84

Como era o município .................................................................................... 88

Reestruturação viária de Morro do Chapéu ....................................................... 92

A intendência com Dias Coelho ...................................................................... 96


10

A cidade sob o governo de Dias Coelho ........................................................... 97

As reformas de Dias Coelho ......................................................................... 102

MORRE O HOMEM, NÃO O MITO..................................................................... 112

CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................. 122

REFERÊNCIAS: .................................................................................................... 125

ANEXOS........................................................................................................130
11

INTRODUÇÃO

No final do século XX, o Coronel Dias Coelho era apenas um ilustre


desconhecido, fora algumas homenagens em ruas e praças de Morro do Chapéu, e
em algumas cidades vizinhas, como: Utinga e Wagner; poucos se lembravam de
quem teria sido o Coronel Negro, aliás, entre os mais jovens nas escolas públicas
nem sabiam que era negro1.

A trajetória do Coronel Francisco Dias Coelho, proporciona uma oportunidade


de analisar aspectos pouco comuns ao coronelismo baiano que sempre foi visto
como: elitista e branco, de mentalidade agrária e conservadora, que dominava pela
violência, pela força das armas e fraudes eleitorais. Através da história de vida deste
Coronel, pretendemos analisar o contexto sócio–político da parte setentrional da
Chapada Diamantina em fins do século XIX e início do XX, tendo como personagem
principal um indivíduo política e economicamente nas suas origens, alheio ao
modelo que foi construído de chefe político nesta região.

No meio acadêmico não era muito diferente dentre os estudos sobre o


coronelismo baiano, nenhum especificamente fora realizado sobre Dias Coelho, o
que se tem publicado a seu respeito são apenas algumas linhas em poucos livros.
Dentre estes poucos livros estão: “Coronelismo e oligarquia” do historiador coreano
radicado nos Estados Unidos Eul-Soo Pang, ele assim refere-se ao Coronel em
apenas uma linha: “O Coronel Francisco Dias Coelho, o famoso coronel negro”,
originalmente, foi uma tese de doutorado que em 1979, foi publicado no Brasil em
forma de livro, neste, afirma a liderança do Coronel dentre os coronéis do Médio São
Francisco2. Já o historiador baiano Cid Teixeira, faz a seguinte referência “(...)
estamos personalizando isso em Horácio de Matos, mas podia ser, por exemplo, em
Dias Coelho, de Morro do Chapéu, que era coronel e negro (...)”. O autor indicou que
o caso deveria ser analisado, porém, não o fez.3 Teixeira fez a referência ao Coronel
em um depoimento concedido especialmente para ser publicado nos Cadernos de

1
Como opção de escrita, o termo Coronel será grafado com inicial maiúscula quando se referir
especificamente ao Coronel Dias Coelho, esta prática apesar de pouco usual, não constitui erro de gramática.
2
PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias. São Paulo: Civilização Brasileira, 1979. p. 94.
3
Teixeira, Cid. In. LINS. Wilson, et. all. Coronéis e Oligarquias. Salvador: Universidade Federal da
Bahia/Inamá, 1998. p. 39.
12

Educação e Pesquisa Política da UFBA, que junto com outros textos foram
organizados em um livro por Wilson Lins. Em termos acadêmicos, nada mais foi
publicado.

Alguns memorialistas fizeram referências ao Coronel Dias Coelho. Américo


Chagas, médico da cidade de Wagner, afilhado do coronel Horácio de Matos,
escreveu a biografia deste no início da década de 80 do século XX. No livro “O chefe
Horácio de Matos”, se mencionou assim numa única passagem, referindo-se ao
tempo em que o coronel Horácio viveu em Morro do Chapéu: “(...) Ali granjeou, pela
sua conduta, a amizade do chefe Dias Coelho, o diplomata negro.” Ainda na mesma
página em nota de rodapé explica:

(...) em um meio como era naquele tempo o interior do Estado da Bahia,


percorrido por aventureiros de várias origens, em busca de pedras preciosas,
e onde as lutas entre os chefes de aldeia era a regra, o município de Morro do
Chapéu parecia uma Suíça sertaneja, devido aos princípios pacifistas e
messiânicos do chefe Francisco Dias Coelho. Não se esquecendo que ele
tinha por trás de si o poderoso chefe de jagunço Antonio de Benta, aliado
4
íntimo e incondicional.

Em Morro do Chapéu dois trabalhos de memorialistas se referem também ao


Coronel. O mais antigo é “Morro do Chapéu” de Jubilino Cunegundes, chefe político
que substituiu o grupo de Dias Coelho na administração do município na década de
40 do século XX, ele descreveu Dias Coelho como:

Homem de cor. Cabelo carapinha. Alto, gordo e musculoso (...) cavalheiro e


muito educado, muito atencioso, político hábil, soube conquistar a estima e a
confiança do seu povo. (...) era preto na cor e branco nas ações. Embora as
qualidades fossem explicitadas, parece que para uma parte da população
5
estas qualidades eram incompatíveis com a cor da sua pele.

4
CHAGAS, Américo. O Chefe Horácio de Matos. São Paulo: DIFEL, 1982. p.10.
5
CUNEGUNDES, Jubilino. Morro do Chapéu: um pouco de sua história, sua vida político-administrativo,
suas belezas e sua gente. Salvador: EGBA, 1999. p.32.
13

Por fim, Antonio Dantas Júnior, que dedica um livro inteiro de memórias ao
Coronel Dias Coelho, diferencia-se do autor anterior por não trazer os mesmos
comentários com relação à cor.6

O Coronel Dias Coelho, nasceu em três de dezembro de 1864, durante os


54 anos de sua vida, a Chapada Diamantina passou por muitas transformações.
Filho de negros agregados da fazenda Gurgalha e neto de um escravo alforriado
que também morava na região, viveu até os sete anos de idade na citada fazenda. A
seca que perdurou de 1868 a 1871, e assolou todo o Estado da Bahia, matando
milhares pessoas, inclusive a mãe de Dias Coelho, impossibilitou o garimpo de
diamantes. Faltava água para lavar o cascalho e separar as pedras, isso fez com
que muitos donos de garimpo, estabelecidos na Chapada Diamantina, fossem
investir na produção cacaueira no sul da Bahia. Esta seca também prejudicou a
agricultura já deficiente e a pecuária do sertão, espalhando pobreza, fome e mortes.
Já a seca de 1898, degradou completamente as pastagens, e obrigou grande parte
dos pecuaristas da Chapada Diamantina a vender ou abandonar as suas
propriedades deixando a criação de gado como mais uma oportunidade de negócios
para os comerciantes de pedras que expandiam suas atividades. 7

Na vila de Morro do Chapéu, ele viveu até por volta dos 18 anos de idade, na
casa do boticário local o major Pedro Celestino Barbosa, representante político do
coronel Quintino. Provavelmente, Dias Coelho foi autodidata, trabalhou na botica do
major, posteriormente, exerceu a profissão de tabelião de notas do cartório local e
por fim comerciante de carbonatos, ocupação esta que rendeu fortuna e prestígio.

Dos 30 aos 54 anos de idade, construiu uma rede de relações com pessoas
importantes fora e dentro do município de Morro do Chapéu, alcançando o patamar
de um dos coronéis mais ativos da Bahia8. O Coronel Dias Coelho apoiou e
conseguiu favores de deputados federais e estaduais, Senadores da República e de

6
DANTAS JÚNIOR, Antonio Barreto. Cel. Dias Coelho: o diamante Negro – nosso mais importante filho e
ilustre coronel. Salvador: Secretaria da Cultura e Turismo, EGBA, 2006.
7
Sobre a mudança dos investimentos de diamantes para o cacau no sul da Bahia, ver ROSA, Dora Leal. O
mandonismo na Chapada Diamantina. Dissertação (mestrado em Ciências Humanas), Universidade
Ferderal da Bahia. Salvador, 1973. A respeito das secas ver. GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas
na Bahia do século XIX – sociedade e política. Dissertação (Mestrado em História Social) Universidade
Federal da Bahia. Salvador; 2000.
8PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias, 1889-1943. A Bahia na Primeira República. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1979.
14

governadores do Estado. Negociou com os governadores da Bahia, no seu período


de mando em Morro do Chapéu de cargos públicos estaduais e federais no
município, nomeando os seus parentes e correligionários. Entretanto, construiu em
torno de si a imagem do pacifista, homem avesso às lutas comuns entre os coronéis;
produziu no imaginário local a impressão que não tinha jagunços ao seu serviço,
embora isso não fosse necessariamente verdade, e que governava com paz e
harmonia. Além da imagem de um homem culto e religioso que ajudava aos pobres
e era admirado pelos ricos.

Na construção desta imagem, utiliza chefes de jagunços - embora o seu nome


nunca esteja ligado a este tipo de prática - fotógrafos, poetas, professores, jornalista
e cronista. Montaram um “staff” capaz de colocá-lo acima das questões comuns ao
coronelismo. Este grupo trabalhava no sentido de fazer a população local crer que a
cidade de Morro do Chapéu era um “oásis” de tranqüilidade no “turbulento” sertão,
sempre neutra, pacífica e progressista.

Após um surto de varíola em Morro do Chapéu, Dias Coelho, já como


intendente, reformou a cidade, as casas e ruas foram dispostas numa nova ordem
urbana. O cemitério foi afastado do centro da cidade, ruas foram alargadas, praças
construídas. O discurso por vezes demonstra que a cidade era bem maior, na época
somente existiam nove ruas, três praças e 450 casas. A cidade era exposta pelos
seus moradores como desenvolvida e culta, tal qual o seu líder.

Pretendemos, através da biografia do Coronel Francisco Dias Coelho,


analisar um contexto pouco historiografado, o norte da Chapada Diamantina. Na
construção do método, alguns livros foram utilizados como parâmetros, tais como: a
Fabricação do Rei; a construção da imagem pública de Luis XIV, Peter Burke faz um
estudo de como foi construída a imagem do rei, utilizando os instrumentos de
propaganda da época9. Carlo Guinsburg, em O queijo e os vermes: o cotidiano e as
idéias de um moleiro perseguido pela inquisição, se propõe a analisar a cultura
medieval a partir da vida de um moleiro da região do Friul na Itália10; O eleito de

9
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem publica de Luis XIV. Rio de Janeiro; Jorge
Zahar, 1994.
10
GUINZBURG, Carlo. O queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela
inquisição. São Paulo: Cia. das letras, 1987.
15

Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa11, no qual Cristopher Hill analisa a


Revolução Inglesa através da biografia de Oliver Cromwell. No Brasil, utilizamos
trabalhos como O fiador dos Brasileiros de Keila Grimberg, que analisa a vida de
Antonio Rebouças para compreender o período imperial no Brasil12, D. Oba II
D´África, o príncipe do povo: vida, tempo e pensamento de um homem livre de cor
de Eduardo Silva que analisa a vida de escravos e libertos no Rio de Janeiro no
século XIX13 e As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca dos trópicos14, no
qual Lilia Moritz Schwarcz escreve sobre o Imperador D. Pedro II. Estes livros
ajudaram a fundamentar teoricamente a análise da vida do Coronel Francisco Dias
Coelho.

Para a pesquisa, foi necessário a análise e o cruzamento de diferentes fontes,


isto foi de fundamental importância para compreender a sociedade rural do norte da
Chapada Diamantina. Fontes eclesiais (registros de casamentos, nascimentos,
óbitos e livros de tombo da Igreja), junto com fontes judiciais (cartas de liberdade,
registros de compra e venda de terras, testamentos e inventários) levaram a compor
o primeiro capítulo, e entender melhor em que conjuntura nasceu e viveu na sua
juventude o Coronel Dias Coelho.

As fontes do legislativo (livros de atas e de leis do Conselho Municipal da Vila


de Morro do Chapéu) e mais jornais e fotografias, ajudaram a compor um panorama
de fontes que nos ajudam a tentar compreender como se davam as relações sociais
na ascensão política do Coronel formando o seu grupo político na Chapada
Diamantina do início do século XX, analisadas no capítulo II.

Em meados da primeira década do século XX, a vila de Morro do Chapéu foi


elevada à categoria de cidade, o Coronel Dias Coelho fora eleito conselheiro e
posteriormente intendente. Como administrador da cidade avança com as
modificações na cidade e região de Morro do Chapéu, utilizou-se do seu carisma e
da popularidade para implementar reformas urbanas que modificaram a cidade e o

11HILL, Christopher. O eleito de Deus: Oliver Cromwell e a Revolução Inglesa. São Paulo; Cia. das Letras,
1990.
12
GRIMBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: cidadania, escravidão e direito civil no tempo de Antonio
Pereira Rebouças. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
13
SILVA, Eduardo. D. Oba II D´Àfrica, o príncipe do povo: Vida, tempo e pensamento de um homem
livre de cor. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.
14
SHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca dos trópicos. 2 ed. São
Paulo; Cia das Letras, 1999.
16

município. O projeto de governo de Dias Coelho e a noção de progresso que trouxe


para a cidade são os objetos do terceiro capítulo.

Ao falecer em fevereiro de 1919, o Coronel se transformou num mito que por


um período de tempo será cultivado, até quase ser esquecido no final do século XX,
o falecimento e o mito que fora criado durante a vida em torno da imagem do
Coronel Dias Coelho após o seu falecimento, será visto num breve epílogo, onde se
tem como objetivo observar as reações tanto na cidade quanto em outros lugares
principalmente na capital do Estado da Bahia a respeito da morte do Coronel Dias
Coelho.
17

CAPÍTULO I – DO NASCIMENTO À ASCENSÃO DE FRANCISCO DIAS


COELHO

Desde o período colonial, a região de Morro do Chapéu era uma das


principais produtoras de bovinos da Bahia15. Dentre todas as fazendas, a Gurgalha a
maior da região. No ano do nascimento de Dias Coelho, uma terrível seca assolou
todo o sertão baiano de 1857 a 1861, e no norte da Chapada Diamantina perdurou
até 1864. Francisco Dias Coelho nasceu em três de dezembro deste dito ano, na
fazenda Gurgalha, em Morro do Chapéu. No ano anterior ao seu nascimento, a
comida já era escassa, os gêneros alimentícios de primeira necessidade como
mandioca, feijão, milho e arroz pilado já se haviam esgotado e as estradas não
tinham mais condições de trânsito o que impossibilitava o transporte do gado para o
Recôncavo prejudicando ainda mais a economia da região16. De maneira geral a
situação era de penúria,

“Dia e noite temos em vista um quadro aterrador, às ruas, às portas


apinhadas de crianças quase nuas, homens, mulheres de toda condição, e
idade mendigando um pedaço de pão, e raras vezes o acha; porque rara é a
17
pessoa que o terá para dá-lo!”.

No ano em que Francisco veio ao mundo, a região se recuperava do flagelo


acima descrito, as lavouras ainda não produziam o suficiente para alimentar a
15
Arquivo Público do Estado da Bahia. Ofício da Câmara Municipal de Jacobina ao presidente de província,
em 24 de abril de 1860. Apud. GONÇALVES, op. cit. p. 55.
16
Id., ibid., p.54
17
Id., ibid., p55.
18

população. O gado que sobrou se recuperava para ganhar peso e recompor o


rebanho, e voltar a ser comercializado. Essa situação levava as pessoas mais
pobres a serem atendidas pelos grandes proprietários estreitando ainda mais os
laços de dependência criando uma relação de subordinação. Nessa relação, mesmo
sendo desigual, e evidenciando o poder econômico e social dos proprietários, os
trabalhadores eram atendidos em suas necessidades primárias sendo obrigados a
prestar-lhe obediência, porém, proprietários e trabalhadores estavam conscientes da
sua função e da influência que exercem um sobre o outro.18

O objetivo deste capítulo é descrever a trajetória de Francisco Dias Coelho do


seu nascimento em meados do terceiro quartel do século XIX, até a sua ascensão
econômica, que culmina com a compra da patente de Tenente-Coronel da Guarda
Nacional, e o seu ingresso na política em 1898. A idéia é acompanhar suas relações
familiares e compreender sua trajetória no contexto das mudanças na economia da
região e as possibilidades de um neto de escravos chegar a coronel. Para tanto,
foram utilizados como fontes os livros eclesiásticos (batismo, casamento e óbitos) e
judiciais (inventários e escrituras de compra e venda de terras e escravos). Além de
atas do Conselho Municipal de Morro do Chapéu.

A família de Francisco Dias Coelho

Através da documentação encontrada no Arquivo do Fórum Clériston


Andrade e no Arquivo da Paróquia de Nossa Senhora da Graça, ambos em Morro
do Chapéu, sabemos que Francisco Dias Coelho, descende de duas famílias de
agregados negros, moradores das terras do coronel Quintino Soares da Rocha.

18
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular tradicional. São
Paulo: Companhia das Letras. 1998.p 28.
19

Andrezza
Simão Dias Ezalta Dias José Gomes Maria do
Coelho Coelho de Araújo Espírito Santo

Quintino Dias Maria da


Coelho Conceição
Dias Coelho

Francisco Dias
Coelho

Figura 1: Árvore Genealógica da família Coelho, baseada nos livros de batismo do Arquivo
da Paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu – Bahia.

Com relação à família paterna de Dias Coelho, a mais antiga referência


documental encontrada, foi relativa aos avós Simão e Ezalta Dias Coelho. No livro
de batismos da Paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu.
Encontramos ali o assentamento de batismo de uma filha do casal chamada
Cândida Dias Coelho, batizada em 1839. Além dela, encontramos outro filho do
casal, Quintino, que viria a ser pai de Francisco. Percebemos, com base nos livros
da Paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu, que desde há muito
tempo moravam na freguesia, mais especificamente na fazenda Gurgalha, antes que
esta fosse comprada pelo coronel Quintino Soares da Rocha e, permaneceram
como agregados após a aquisição da citada fazenda pelo dito coronel.

Pelo lado materno, seu avô José Gomes de Araújo, foi escravo do padre
Francisco Gomes de Araújo, e veio para a região com o seu senhor, assim que foi
instalada a paróquia, em 1838. O escravo José vivia em companhia do seu senhor
desde 12 anos antes, quando fora comprado em Salvador ainda moleque. Não
soubemos precisar a idade que o escravo tinha no momento em que fora comprado;
supomos que era ainda muito jovem, talvez adolescente, uma vez que, permanecera
cativo do padre por 24 anos, até comprar a sua liberdade em 1844, e os seus filhos
nasceram após 1847. Conforme sua carta de liberdade datada de 14 de fevereiro do
ano acima citado, em que se lê:
20

Digo eu o Padre Francisco Gomes de Araújo, que sou senhor e possuidor


de um escravo de nome José nação Africano, cujo escravo comprou na
Bahia ainda moleque no ano de um mil oitocentos e vinte e quatro o qual
tinha deixado forro por minha morte, parte faz do meu testamento, mas ele
antes quis dar o seu dinheiro e ser forro em minha vida e que mu parece
certa como queira-o forro como de fruto lavrado tenho por preço a quantia
de um conto e seiscentos mil reis, que recebi ao forro desta, poderá gozar
de sua liberdade de hoje para sempre como se já mu nascesse de ventre
livre. E para constar mu grafei esta de minha letra e firma que uso.
Freguesia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu, trinta de
Janeiro de um mil oitocentos e quarenta e quatro. Padre Francisco Gomes
19
de Araújo.

Existia na fazenda Gurgalha, distante 14 quilômetros da sede da vila de


Morro do Chapéu, um local chamado Manga do Padre, (ainda hoje tem esta
denominação). Era um espaço de terra destinado à criação de bois, cavalos e
mulas de propriedade da igreja. José era o único cativo pertencente ao padre e
supomos que uma das suas atribuições fosse cuidar dos animais de montaria,
quando estes não estavam em viagem. Poderia fazer parte das suas funções
também acompanhar seu senhor em viagens pela paróquia ao menos nos seis anos
em que foi cativo em Morro do Chapéu.

Era muito comum em todo o sertão baiano, que trabalhadores pobres,


pequenos proprietários ou agregados de alguma fazenda, alugassem a sua força de
trabalho por alguns dias da semana para outros proprietários. Principalmente em
períodos de entressafra, quando o trabalho não lhe consumia todo o tempo
disponível e havia a necessidade de trabalhadores, sobretudo na condição de
jornaleiro em outras propriedades20. Esta possibilidade de trabalho apresentava-se
como oportunidade de renda extra. Muito embora a meação fosse a forma de
trabalho mais utilizada nas fazendas da região, os meeiros poderiam trabalhar como
jornaleiros ou como diaristas em outras propriedades, isto também era estendido
aos escravos proporcionando oportunidade de pecúlio21. Provavelmente foi assim
que José conseguiu formar pecúlio e comprar a alforria.

19
Arquivo Público do Estado da Bahia, Livro de notas de Jacobina, n.15 p.38
20
RONIGER, Luis. Mediería y fuerza de trabajo rural: algunas ilustraciones del caso brasileño. Estudios
Interdisciplinarios de America Latina y El Caribe. Universidad de Telaviv. Telaviv, Israel. Vol.2 n.1 Janeiro -
junho, 1991. p.7.
21
PINA, Maria Cristina Dantas. Os Negros do diamante: escravos no sertão das Lavras Diamantinas –
século XIX. Revista politéia. UESB v.1. 2001. p. 164.
21

Outra possibilidade de conseguir dinheiro seria com a garimpagem. Os


diamantes foram descobertos em várias localidades da Chapada Diamantina num
período curto de tempo. Em Morro do Chapéu, oficialmente ocorreu três anos antes
da alforria do africano José. É possível que mesmo antes da oficialização das
descobertas algumas pessoas já garimpassem e, provavelmente, entre os primeiros
garimpeiros estivesse o escravo José. Somente o trato com os animais da igreja não
os tinha por fins comerciais porque eram poucos, além disso, estavam
constantemente em trânsito nas viagens do padre e não eram criados com fins
comerciais. E como a agricultura na região devido às características de clima e solo
não permitia uma produtividade maior que a destinada à subsistência, podemos
supor que o acúmulo de atividades como vaqueiro, meeiro e/ou garimpeiro,
possibilitou a José acumular pecúlio suficiente para a compra da liberdade no valor
que foi estipulado pelo seu antigo senhor.

A carta de liberdade que transcrevemos mais atrás foi registrada em Morro


do Chapéu, quinze dias depois foi lavrada também no cartório de Notas de Jacobina.
Segundo Raphael Rodrigues Vieira Filho, o valor pago por José era cinco vezes
maior do que o de um escravo da mesma idade. A carta não menciona sua
ocupação, mas é provável que tivesse o domínio de algum ofício22.

Da mesma maneira, as historiadoras Maria José Andrade e Maria Cristina


Dantas Pina afirmaram que o preço médio de um escravo do sexo masculino entre
1831 e 1860 em Salvador era de 422$45323. E no caso das Lavras Diamantinas,
apontam que mesmo com o aumento a partir da década de 50 do século XIX, a
média do preço variava entre 500$000 e 600$000, passando a ser uma mercadoria
cara24. Mesmo com esta valorização, o preço da alforria de José chega a ser três
vezes maior do que os preços no mercado de escravos.

O mesmo demonstra Eduardo Silva, comentando os cálculos do barão de


Cotegipe, no início da segunda metade do século XIX, quando o valor dos escravos
estava inflacionado. Assim Silva se refere à afirmação de Cotegipe:

22
VIEIRA Filho, Raphael Rodrigues. Os Negros em Jacobina (Bahia) no século XIX. Tese (Doutorado em
História Social); PUC – SP. São Paulo; 2006.p167.
23
ANDRADE, M.J. A mão de obra escrava em salvador (1811-1860). São Paulo: Currupio, 1988. apud
PINA, op. cit., p184
24
PINA, op. cit. p185
22

"Em 1854, segundo calculava o deputado geral João Maurício Wanderley,


futuro barão de Cotegipe, um bom escravo, no sertão da Bahia, poderia
proporcionar a seu proprietário um retorno não superior a trinta ou quarenta
mil-réis ao ano. Seu valor de mercado, na mesma província, estava em
25
torno de setecentos a oitocentos mil-réis.” .

O padre Francisco, ex-proprietário de José, além de exercer as funções de


sacerdote, era também procurador de vários fazendeiros da região, dentre eles o
coronel Quintino, na época o maior proprietário da região. Assim, conhecia o valor
das terras, gado e também de escravos na região. Atribuir um valor alto demais, que
dificilmente seria alcançado pelo cativo, estabelecendo a condição que seria
alforriado após a sua morte, pode indicar que não havia interesse em alforriá-lo
naquele momento, ou saber que o mesmo possuía mais dinheiro em mãos que o
valor de mercado da sua liberdade, possibilitando um bom negócio para o padre.

Esta carta também aponta para a possibilidade de o escravo ser um hábil


vaqueiro, ou garimpeiro, embora não esteja explícito, pois, dificilmente conseguiria
comprar a liberdade com o trabalho na agricultura. Como já foi dito, nesta parte do
sertão a produtividade agrícola era muito pequena para se acumular soma
suficiente, ainda mais com um valor da liberdade tão elevado. Vemos como
possibilidades de acúmulo de pecúlio para a compra da liberdade, o trabalho com
vaqueiro, simultaneamente na Manga do Padre e na Fazenda Gurgalha como
diarista ou jornaleiro, ou como garimpeiro uma vez que, os diamantes, na região de
Morro do Chapéu foram descobertos três anos antes da compra da liberdade por
José, a poucos quilômetros do seu local de trabalho numa localidade chamada
Caranguejo. As distâncias eram curtas. Da Manga do Padre à Vila de Morro do
Chapéu gastava-se em torno de duas horas de caminhada. Da Manga ao
Caranguejo, uma hora.

A suposição acima encontra respaldo nos estudos de Maria Cristina Dantas


Pina. Segundo ela, havia a possibilidade de acúmulo de pecúlio por meio do ganho
em várias atividades produtivas. Além da mineração, o exercício de atividades
especializadas, também possibilitava renda extra. Na Chapada Diamantina, era
comum aos escravos exercerem variadas ocupações. Em inventários encontrados

25 SILVA, op. cit. p. 65.


23

pela historiadora Pina, em Santa Isabel do Paraguassú, a mesma verificou diversas


ocupações dos escravos como vaqueiros, armeiros, garimpeiros, pedreiros, de
serviço doméstico, de lavoura, ferreiro, predominando ocupações ligadas ao trabalho
na agricultura e na pecuária26.

Embora os inventários em Morro do Chapéu não especifiquem as profissões,


é de se imaginar que a maioria dos escravos e agregados da região também
exercessem variadas atividades, dadas às condições gerais de sobrevivência. Ser
vaqueiro, não impedia que a mesma pessoa fosse pedreiro, agricultor e
principalmente garimpeiro. Mesmo porque a policultura de subsistência e a pecuária
extensiva não consumiam todo o tempo dos trabalhadores na maior parte do ano,
podendo o mesmo se dedicar a outras atividades em seu tempo livre.

A relação entre ex-senhor e a família do ex-escravo, pareceu continuar após


o fim do cativeiro de José, pois, o padre Francisco batizou os seus filhos Quintino e
Maria da Conceição, nascidos depois da alforria do pai. A pequena Maria da
Conceição era a mãe do Coronel Francisco Dias Coelho.

Em 1853, em seu leito de morte, o ex-escravo José casou-se com Andrezza


Maria do Espírito Santo, natural de Jacobina, mas, residente provavelmente na
Barra dos Negros há vários anos. Assim, oficializava-se uma relação conjugal de
muitos anos. Embora amasiados, os filhos do casal nascidos antes do casamento,
foram registrados no Livro de Registros de Batismos como legítimos e não como
naturais como era comum. Entretanto, a mãe do futuro Coronel, Maria da
Conceição, filha do casal, nascida em 1851, dois anos antes do casamento, foi
batizada como legítima.

No arquivo da Paróquia, o casamento de José e Andrezza é assim descrito:

Aos vinte e quatro dias do mês de março, mil oitocentos e cinqüenta e três
neste arraial de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu em perigo
de morte e em casa não havendo impedimento algum canônico em
presença do Reverendo José Vitorino, celebrei o sacramento do matrimônio
de José Gomes de Araújo, Africano com Andrezza Maria do Espírito Santo,
ela natural da vila de Jacobina ambos moradores desta freguesia mus dei

26
PINA. p. 80.
24

as bênçãos nupciais no termo do Ritual Romano (...) Padre Francisco


27
Gomes de Araújo.

O casamento oficial de pessoas amasiadas no sertão era muito comum,


funcionava como uma forma de regularizar a situação dos filhos. Segundo a
legislação vigente na época, filhos legítimos tinham mais direitos do que os naturais.
Era também uma forma de “fazer as pazes” com a igreja regularizando a situação
civil em muitos casos (como este) já na iminência da morte. Em alguns casos, o
casamento era celebrado instantes antes da extrema unção.

A igreja dominava soberana pelo batismo, tão necessária à vida civil como à
salvação da alma; pelo casamento, que podia permitir sustar ou anular com
impedimentos dirimentes; pelos sacramentos, distribuídos através da
28
existência inteira .

Os sacramentos, ministrados pelos padres, eram símbolos importantes na


vida religiosa e social de toda a comunidade, tanto dos proprietários, quanto de
agregados. Solidificava os vínculos de apreço, amizade e parentela proporcionados
pela religião com os membros das comunidades locais. As práticas religiosas no
sertão eram desenvolvidas nas missas e festas tanto na igreja quanto nas capelas
das fazendas e povoados. No âmbito doméstico a religião também era praticada, era
comum ter um oratório em casa, seja de proprietários ou agregados. O que
diferenciava as práticas de ambos era o fausto das imagens de cada camada social.

Os casais, Simão e Exalta Dias Coelho, e, José Araújo e Andrezza do


Espírito Santo, respectivamente, avós paternos e maternos do Francisco Dias
Coelho, tinham em comum o fato de serem agregados na fazenda Gurgalha e de
ambos terem filhos com o nome de Quintino. Tanto Quintino Dias Coelho pai do
futuro Coronel Dias Coelho, quanto Quintino Gomes, tio materno, representavam
uma relação de aproximação por afinidade com o proprietário das terras onde seus
pais residiam. A possibilidade de encontrar meios de sobrevivência em torno da
proteção de algum grande proprietário parece ter sido muito comum no sertão. Os

27
Arquivo da paróquia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu. Livro de registros de casamento,
p.60.
28
ABREU, J. Capistrano. Capítulos de História colonial. Brasília: Senado Federal, 2007. p. 8.
25

proprietários necessitavam de braços tanto quanto os agregados e escravos


necessitavam de proteção. No nosso caso, essa relação se estendeu aos netos,
pois o Coronel herdou o nome padre, ex senhor do avô.

Assim, entendemos que as relações sociais no sertão, compunham-se de


trocas e favores entre as duas partes, embora quase sempre a maior parte das
vantagens estivesse nas mãos de quem dominava, não excluindo a obtenção de
vantagens por parte dos agregados.

Em 20 de novembro de 1863, casaram-se na Igreja Matriz da Paróquia de


Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu, a filha de José e Andrezza, Maria
Araújo da Conceição com Quintino Dias Coelho, filho de Simão e Ezalta Dias
Coelho, ambos moradores da fazenda Gurgalha. Foram testemunhas os irmãos
Raymundo e Quintino de Souza Lobo, sobrinhos do coronel Quintino Soares da
Rocha e também moradores da fazenda.

As relações de agregados extrapolavam os simples caracteres econômicos


ou laborais e passam a fazer parte de relações de compadrio ou de parentela,
assumindo assim, relações de trocas de favores, solidariedade e compromisso tanto
entre os agregados quanto com estes e os proprietários das terras.

Nesta condição o casamento de dois filhos de famílias agregadas da mesma


fazenda poderia oportunizar maior segurança para o casal. Com a proximidade dos
pais e parentes, as relações de solidariedade e de estabilidade se ampliavam.
Assim, o nascimento de filhos representava mais braços a serem incorporados à
família e ao trabalho.

O novo casal não parece ter sofrido grandes dificuldades no início do


matrimônio, embora fossem filhos de agregados. Quintino Dias Coelho sabia ler e
escrever. Em um documento escrito pouco antes do casamento, ele aparece
assinando como testemunha de um processo de reconhecimento de paternidade. A
caligrafia com traço rápido e firme, característica de quem foi alfabetizado e não
apenas aprendeu a escrever o nome. Pode ser que tenha sido alfabetizado junto
com os filhos do major Pedro Celestino Barbosa em casa de quem morou por muito
tempo como agregado.

Um ano mais tarde, em três de dezembro de 1864, nasceu o primeiro filho


do casal Quintino e Maria da Conceição Dias Coelho que foi batizado com o nome
26

de Francisco em fevereiro do ano seguinte na igreja Matriz, tendo como padrinhos


de batismo o mesmo Quintino de Souza Lobo e a esposa. Esta criança viria a ser
mais tarde o personagem principal da história que estamos narrando.

“Para a igreja católica o compadrio definido com instituição a partir dos ritos
do batismo e da crismar e forçavam os laços entre as famílias quando os
padrinhos assumiam a função de ‘segundos pais’ ou ‘pais espirituais’
29
prestando auxílio moral e religioso” .

Ser afilhado de batismo de um sobrinho do coronel Quintino parecia reforçar


os laços já estabelecidos entre a família dos proprietários e a família de agregados.
Atados pelo rito católico, a relação selava um compromisso, algo que seria mantido
em vários momentos da vida do Coronel.

A pia batismal é um dos espaços mais loquazes que se possa citar. Trata-
se, de fato, de outro meio de se conquistar aparentados, instituindo um rito
que sanciona formalmente uma aliança forjada anteriormente. O compadrio
na sociedade luso-brasileira funcionou como um desses mecanismos de
aparentar, constituindo alianças desejadas por ambas as partes, pais e
30
padrinhos, estendida a uma terceira parte o batizado.

O apadrinhamento levava o padrinho a prestar também auxílio financeiro em


momentos de dificuldades, ou seja, as relações de compadrio e de apadrinhamento
extrapolam o rito religioso, passando o padrinho a ser um protetor do apadrinhado
em diversos momentos de sua vida. Os proprietários assumiam o papel de padrinho
dos agregados, numa relação de troca de favores, estando os apadrinhados
obrigados a prestar solidariedade e obediência. Estreitando-se os laços familiares,
os agregados, reforçam seus laços com o grupo familiar, comandados pelo
proprietário.

A década de 60 do século XIX, foi muito difícil para a população da Chapada


Diamantina. A economia entrou em crise. A grande seca que se iniciou em 1859 e
se prolongou até meados de 1862, degradou as pastagens. Como decorrência,

29
ARANTES. Antonio Augusto. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família no Brasil. Campinas, SP:
Editora da UNICAMP, 1994. p. 195.
30 ENGELMAN, Carlos. Comunidade escrava e grandes escravarias no sudeste do século XIX. In:
http://www.abphe.org.br/congresso2003/Textos/Abphe_2003_78.pdf. Acessado em: 08/12/2007.
27

muitos animais morreram por falta de água e pasto, e a população sofreu com as
plantações perdidas e a falta de trabalho nas propriedades.

Por volta de 1868, ocorreu outra seca com trágicas conseqüências. Além
disso, as epidemias de cólera e varíola em Salvador e Recôncavo diminuíram o
consumo de carne e afugentaram os boiadeiros ficando quase que impossibilitado o
comércio de animais. Para completar o quadro, a crise açucareira atinge o seu
cume, os preços caindo quase pela metade entre 1870 e 187131. Neste mesmo ano,
faleceu na fazenda Gurgalha, Maria da Conceição Dias Coelho, mãe de Francisco.
Este, então com sete anos de idade, foi entregue ao major Pedro Celestino Barbosa,
homem de confiança do coronel Quintino, em Morro do Chapéu, e que já mantinha
uma boa relação comercial e de afinidade com a família Dias Coelho. Com o
pequeno Francisco foi também a sua irmã, Maria Dias Coelho, possivelmente uma
maneira de desafogar a família de duas crianças para alimentar. Em tempos difíceis,
com alimentação escassa, esta era uma forma de salvá-las dos rigores da pobreza,
ao tempo em que reforçavam-se os laços de dependência.

Onde viviam os Coelho

A antiga fazenda Boa Vista era uma das primeiras grandes propriedades do
sertão baiano desde o século XVII, se estendia das margens do rio Jacuípe às
margens do São Francisco. Fazia parte do patrimônio da Casa da Torre e no final do
século XVIII. Foi dividida em fazendas menores que foram vendidas a homens ricos
do sertão baiano. Em Morro do Chapéu, parte das terras se tornaram nas fazendas
seguintes: Gameleira, Olhos D´água e Gurgalha. Embora a Gurgalha fosse apenas
uma parte da primeira fazenda citada, a sua extensão territorial era imensa. Situada
onde hoje estão parte dos municípios de Morro do Chapéu, Várzea Nova,
Umburanas e Ourolândia. Com o casamento do coronel Quintino Soares da Rocha –
proprietário da Gurgalha - com dona Umbelina Adelaide de Miranda – herdeira da

31
SILVA, op.cit. p. 62.
28

Olhos D´Água – fundiram-se as duas propriedades agregando ao território parte de


onde hoje é o município de Miguel Calmon e Jacobina.

Esta fazenda localizava-se inteiramente nos tabuleiros do norte da Chapada


Diamantina, com um terreno em sua maior parte arenoso, pedregoso e, com uma
vegetação típica de caatinga, caracterizada por árvores de pequeno porte com
galhos retorcidos e finos, arbustos espinhosos. Tal cenário tornava difícil e perigoso
o ofício dos vaqueiros.

Dadas às características do solo, apenas uma parcela da região prestava-se


ao cultivo de gêneros agrícolas, mas, com produção suficiente apenas para o
consumo dos moradores. O excesso de rochas afloradas e o solo arenoso
dificultavam uma agricultura em larga escala. As faixas de terras mais férteis
localizavam-se nos vales e nas margens dos rios, onde se desenvolvia a agricultura
de subsistência. Os cultivos dependiam das estações do ano e da localização das
terras. O feijão e o milho eram plantados consorciados na época das chuvas; arroz e
cana-de-açúcar eram plantados nas várzeas e margens de rios, mas isto, somente
era possível temporariamente, quando esta área se alagava em alguns meses do
ano. A mandioca, pela resistência à seca, era o cultivo mais importante dos
pequenos lavradores da região.

Para a pecuária o quadro se invertia. Havia na Gurgalha, abundantes


pastagens nativas e arbustos forrageiros, características dos campos de altitude da
Chapada Diamantina. A vegetação nativa favorecia a criação de gado bovino, que
era desde o início da ocupação destas terras, a principal atividade econômica.
Existiam, ainda na época, alguns engenhos localizados nos brejos e margens dos
rios perenes, porém, com uma produção muito pequena. Esta era destinada quase
que inteiramente ao consumo da própria fazenda.

A produção de carne fazia parte da estrutura básica para a sobrevivência


das famílias e dos agregados nas fazendas da face norte da Chapada Diamantina.
Neste tipo de pecuária era criado gado bovino para carne e tração, eqüinos e
muares, além de animais de pequeno porte, como caprinos e suínos, além de aves
domésticas. Os animais de porte menor eram criados apenas para o consumo das
famílias enquanto a criação de bois, cavalos e muares configuravam-se como a
principal atividade econômica da fazenda, criados para abastecer o mercado mais
amplo, principalmente o Recôncavo baiano.
29

Enfrentar as duras condições de vida nos tabuleiros da Chapada Norte se


tornava menos difícil quando se tinha com quem contar em momentos de
dificuldade. Assim foram estabelecidas relações de interesses mútuos entre
agregados e proprietários. Estes, almejando sempre uma maior quantidade de
animais para comercializar, dependiam completamente da habilidade e
disponibilidade dos vaqueiros. Enquanto que os agregados precisavam de ajuda
material e proteção, muitas vezes contra outros proprietários e bandoleiros errantes
do sertão.

Os espaços de terra destinados ao pastejo dos animais eram muito grandes.


Aliando isso às faixas de terras destinadas ao cultivo de subsistência das famílias
agregadas, ficando o fazendeiro desobrigado de ofertar alimentos para os
moradores, isso impossibilitava uma vigilância mais efetiva por parte dos
proprietários das terras, não era economicamente viável a contratação de feitores
em quantidade suficiente para controlar um território tão vasto. Estas condições
então, possibilitavam aos trabalhadores, muitos deles escravos, certa autonomia.

Embora a vida não fosse mais fácil, talvez, os escravos do sertão


possuíssem maiores possibilidades de ascensão do que os escravos da região
açucareira. Isto por que no sertão, os trabalhadores eram menos vigiados e tinham
maiores oportunidades de acumular pecúlio, uma vez que após cinco anos de
trabalho com o gado, o vaqueiro seja ele escravo ou agregado tinha direito a um
dentre quatro bezerros com a idade de um ano32. Na região norte da Chapada
Diamantina este pagamento era chamada de “sorte”33. Ao fim de alguns anos de
trabalho a depender da habilidade do vaqueiro no trato com o gado, este poderia
acumular bens uma vez que as boiadas eram reunidas em torno de 100 a 300
animais.

A pecuária chegou ao sertão da Chapada Diamantina, junto com os


primeiros povoadores, para atender às necessidades da capital da colônia, e do
Recôncavo Baiano.

Além de ter uma densidade populacional baixa, a população baiana entre os


séculos XVI a XVIII era ainda mal distribuída. Praticamente um terço dos habitantes,

32
PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 7 ed. São Paulo: Brasiliense, 1963. p. 191.
33 Inventário do coronel Quintino Soares da Rocha, 1888, p.35. Arquivo do Fórum Clériston Andrade. Morro do
Chapéu, Bahia.
30

vivia na Capital e no Recôncavo. A necessidade de haver uma área maior para a


produção de mandioca, carne e outros gêneros alimentícios para abastecer o
mercado interno da região açucareira, foi um dos motivos para o povoamento do
sertão.34

Essa expansão territorial para o sertão pode ser determinada em três


períodos distintos: O primeiro, em meados do século XVI, expedições adentraram
com o intuito de escravizar índios para atender às necessidades de mão-de-obra da
economia açucareira do Recôncavo. As primeiras expedições seguiram rumo ao
norte, pela costa e pelo interior, no território compreendido entre os rios São
Francisco e Paraguaçu. No segundo, ainda no século XVI as expedições ao interior
partiram em busca de minérios, principalmente ouro. E, no terceiro, que ocorreu a
partir do século XVII, foi motivado pela busca de terras propícias para o pastoreio,
avançaram pelo interior formando currais; conduzindo as boiadas e estabelecendo
os caminhos que se tornaram os vetores do povoamento das áreas que hoje são as
mais densamente povoadas da Bahia. 35

Dentre as famílias que adentraram o sertão destacamos a Guedes de Brito,


que seguiu Jacuípe e São Francisco em 1655. Até o ano de 1663, já haviam se
apropriado de toda a margem baiana estabelecendo os seus domínios das margens
do São Francisco às margens do Rio de Contas, já ao sul da Chapada Diamantina.36

Por volta de 1694, foi estabelecida próximo ao Morro do Chapéu – uma


elevação que até os dias de hoje conserva este nome - próximo à nascente do Rio
Jacuípe, a primeira fazenda de gado da Casa da Torre instalada pela família Guedes
de Brito. Esta que se estendia no interstício entre o rio Jacuípe e o rio São
Francisco. Correspondia a quase toda a porção centro-norte da Bahia. 37

Em princípio, seguir os rios ou abrir caminhos entre eles constituía a melhor


forma de se adentrar na caatinga. Ao mesmo tempo em que avançavam, as

34
GRIMBERG, op.cit. p. 45.
35
Entenda-se currais enquanto fazendas sem fronteiras claramente definidas baseadas normalmente em
marcos naturais destinadas à pecuária.
36GOMES, Josildeth. Povoamento da Chapada Diamantina. Revista do Instituto Geográfico e Histórico da
Bahia. N. 11 ano 1952. P. 222.
37
MELO, Maria Alba Guedes Machado. História Política do Baixo e Médio São Francisco: um estudo de
caso de coronelismo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais). Universidade Federal da Bahia.
Salvador, 1989. P39.
31

expedições ocupavam os espaços formando núcleos populacionais, por parte da


Casa da Torre, a principal estratégia de povoamento era:

(...) Com suas boiadas escolhia caminhos apropriados para construir toscos
currais, onde deixava, em cada um deles, um casal de escravos
38
encarregados de zelar por dez novilhas, um touro e um casal de eqüinos.

Pedro Calmon, escreveu em 1939 sobre a Casa da Torre. Ele infere que o
estabelecimento para cuidar do gado de famílias de escravos ao longo dos
caminhos das boiadas possibilitou o povoamento e o posterior desenvolvimento da
região. As boiadas rumavam do sertão para o litoral, enquanto os comerciantes
seguiam o caminho inverso. Possivelmente, perceberam que nos locais de descanso
de bois e boiadeiros, haviam boas oportunidades de negócios, propiciando o
aparecimento das primeiras vilas.

Os outros sertanistas se apossavam do país com tropas de guerrilheiros;


ele Guedes de Brito (grifo nosso) o empalmou, com as suas boiadas. O
rebanho arrastava o homem; atrás deste a civilização: ele a inundou de
gados, em marcha incessante para o interior. Aqueles animais levavam nas
39
patas os limites da capitania. Dilatavam-na.

Havia abundância de terras no sertão e uma carência cada vez mais


crescente de gêneros de primeira necessidade nas áreas mais densamente
povoadas da capitania da Bahia da época, graças à cultura canavieira. A
necessidade de animais de tração e de carne no Recôncavo aumentou
consideravelmente a quantidade de áreas destinadas à pecuária no sertão. As
dimensões das fazendas e a quantidade de currais foram assim descritas pelo padre
jesuíta João André Antonil, que escreveu sobre a Bahia no século XVII:

Estende-se o sertão da Bahia, até a barra do rio São Francisco, oitenta


léguas por costa; e indo para o rio acima até a barra que chamam Água
Grande, fica distante a Bahia da dita barra cento e quinze léguas; de Santo
Sé cento e trinta léguas; de Rodelas por dentro oitenta léguas; das
38
BAHIA. Secretaria de Planejamento, Ciência e Tecnologia. Diagnóstico Parâmetro para Avaliação do
PRDI, Salvador: CEPA – Centro Estadual de Planejamento Agrícola, 1984, p.64, apud. VIERA FILHO,
Raphael Rodrigues. op. cit. p.45.
39
CALMON, Pedro. História da Casa da Torre: uma dinastia de pioneiros. Rio de Janeiro: José Olympio,
1939, p.41.
32

Jacobinas, noventa e do Tucano cinqüenta... Os currais por parte da Bahia


estão postos na borda do rio São Francisco, na do rio das Velhas, na do rio
das Rãs, na do rio Verde, na do Parnamirim, na do rio Jacuípe, na do rio
Ipojuca, na do rio Inhambupe, na do rio Real, na do rio Vaza Barris, na do
rio Sergipe e de outros rios, em que os quais, por informação de vários que
40
correram o este sertão, estão atualmente mais de quinhentos currais.

Na condução das boiadas para os mercados consumidores do litoral, não se


tratava apenas de estabelecer pessoas, mas, de formar uma estrutura logística.
Desta forma, possibilitava o transporte e descanso do gado, e a reposição de
mantimentos aos boiadeiros para o final da viagem. O estabelecimento de núcleos
povoadores, que não estivessem muito distantes uns dos outros, facilitava o
transporte e possibilitava os descansos, necessários para a recomposição do peso e
saúde dos animais exaustos por longas jornadas.

Vilhena citado por Marcos Sampaio Brandão, assim descreve o trajeto das
boiadas do sertão ao litoral:

Dos diferentes sertões, donde saem os bois, que se consomem nesta cidade,
e que nenhum fica em distância menor que 70, ou 80 léguas muitos na de
100 e 150 léguas, não poucos a 200, e mais léguas [...] vêm estes por toda a
mencionada distância agitados por vaqueiros, montados em cavalos, e
armados com ferrões de uma polegada de comprido, com que os atravessam
até as entranhas; comendo por toda a viagem, o que é fácil supor, até que
finalmente chegam à Feira [de Santana] distante doze léguas da cidade, e ali
são recolhidos em currais [...] destes são conduzidos para a cidade [de
Salvador], sem comerem mais, que o que, andando, podem apanhar com a
língua, por uma só, e única estrada, freqüentada de boiadas inumeráveis,
desde o princípio da cidade, fundada há 250 anos.41

Dentre as muitas rotas de comércio de bois, uma delas era importante para
os comerciantes de gado da Chapada Norte, por ser um terreno menos acidentado e
o caminho mais curto. As boiadas rumavam ao Recôncavo saindo do norte da
Chapada Diamantina, seguindo o vale do rio Jacuípe. O caminho iniciava em Morro
do Chapéu, muito próximo à Fazenda Gurgalha, passando por Monte Alegre (hoje
Mairí), Baixa Grande, Camisão (Ipirá), Feira de Santana, finalmente chegando logo

40 ANTONIL, apud, ABREU, op. cit. p. 60.


41BRANDAO, Marcos Sampaio. O sistema de produção na Bahia sertaneja do século XIX: uma economia
de relações não capitalistas. Campo – território:Revista de geografia agrária, v.2, n.4, p 62-81, ago. 2007.
Disponível em http://www.campoterritorio.ig.ufu.br/viewissue.php?id=4#Artigos. Acessado em: 10/07/2008.
33

depois à cidade de Cachoeira, sendo ali distribuídas pelas cidades do Recôncavo e


Salvador.

Figura 2: Situação regional com destaque para localidades no entorno do Recôncavo e da


capital. Adaptado do mapa da Secretaria de Recursos Hídricos (SRH), 2004. In:
BRANDAO, Marcos Sampaio. O sistema de produção na Bahia sertaneja do século XIX:
uma economia de relações não capitalistas. Campo – território: Revista de geografia
agrária, v.2, n.4, p. 62-81, ago. 2007.

A formação das fazendas

As fazendas estabeleceram-se nos intervalos dos grandes rios, próximo às


fontes perenes de água potável, ocupando os extensos “campos gerais”, de
vegetação típica de caatinga. Embora o gado bovino fosse o principal produto da
pecuária da época, também existiam as criações de eqüinos e asininos, que eram
destinados à produção de muares, animais indispensáveis no transporte de pessoas
e mercadorias no sertão. 42

42
SILVA, op. cit. p.29
34

Os primeiros núcleos povoadores tinham, em sua maioria, uma população


reduzida e muito pobre. Estes núcleos estavam voltados quase que inteiramente
para a criação de gado e uma agricultura de subsistência que garantia o sustento da
família.

No semi-árido do sertão baiano, principalmente na Chapada Diamantina e


vale do São Francisco, a disponibilidade de madeira para se construir a estrutura
básica dos currais era muito pequena. Em geral, as árvores da região são de porte
pequeno, com troncos e galhos retorcidos, com pouca utilidade na construção de
moradias e currais. Para a edificação de moradias e locais de trabalho, os
moradores utilizavam pedra, barro, cipós, varas e, principalmente couro.

A Gurgalha, onde nasceu Francisco Dias Coelho, como já fora antes dito,
era uma fazenda muito grande, porém a maior parte da propriedade era de caatinga,
vegetação típica desta região da Bahia. Como cruzamento das estradas que
seguiam ao litoral, a fazenda tornou-se um entreposto e possibilitou o aparecimento
do arraial de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu.

O quadro social das fazendas do sertão era composto pelos proprietários e


sua família nuclear, consangüínea, parentes por afinidade e agregados, estes
últimos faziam parte da família extensa dos proprietários ligados por laços de
compromisso pela meação, solidariedade ou compadrio; por último, aparecem os
jornaleiros e escravos.

Os moradores das fazendas também eram conhecidos como “cabras”. Eles


mantinham uma relação de assistência e apoio em troca de trabalho de lealdade e
respeito. Wilson Lins conceituou estas relações como “código do sertão”. Ele
considerava sertanejo como “gente de sangue no olho”. Nenhum ultraje poderia ficar
impune. Uma ofensa contra um membro da família extensa, estendia-se a todo o
grupo e exigia reparação imediata. Evidentemente, que seria mais imediata ainda se
a ofensa fosse a algum membro da família nuclear do patrão43.

Os valentões ou jagunços também faziam parte do quadro social, como


eram contratados, não faziam parte da família estendida dos proprietários. Estes
jagunços eram uma população flutuante, incumbida de realizar o “trabalho sujo” dos
fazendeiros. Estes indivíduos agiam como mercenários errantes pelo sertão,

43
LINS, Wilson. O médio São Francisco. Salvador: Progresso, 1960. p 48.
35

oferecendo seus “serviços” a quem melhor pagasse, ou, em troca de proteção pelos
crimes cometidos em outras localidades ou contra proprietários rivais. Assim,
escapavam da justiça e graças ao conhecimento do terreno inóspito das caatingas
44
da Chapada, fugiam das autoridades . A depender da situação, os proprietários
utilizavam cabras ou jagunços para resolver problemas onde as instituições do
Estado não chegavam.

A origem destes agregados esta intimamente ligada ao transporte das


boiadas no século XVIII, indivíduos de origens diversificadas: negros, brancos,
índios e mestiços se incumbiam da tarefa. Com o tempo, a maioria desses
boiadeiros se tornou agregado, fixando moradia em partes da fazenda sob o
contrato de meação com o fazendeiro, assim, surgindo então, a figura do vaqueiro,
no sertão da Chapada Diamantina.

O pastoreio do gado vacum era a atividade principal da fazenda e os


vaqueiros viam-se obrigados a passar parte do tempo fora de casa, à procura de
pastos melhores para os animais. Além de cuidar do rebanho, cavalgavam a
procura de animais perdidos na caatinga, freqüentavam as feiras da região, o que
possibilitava ao agregado, tanto o conhecimento do território, como contatos com
várias pessoas nas feiras e fazendas da região. Isso permitia-lhe também certa
45
autonomia em relação ao senhor ou patrão. Não poucas vezes o agregado ou
escravo que exercia o ofício de vaqueiro, conhecia a fazenda melhor que o próprio
patrão estabelecendo uma relação de dependência mútua, entre proprietários e
vaqueiros. Um bom vaqueiro era garantia de lucro para o proprietário, enquanto o
crescimento da boiada era garantia também de uma melhor remuneração para o
vaqueiro.

Contudo, o cotidiano dos trabalhadores da fazenda refletia a adaptação ao


ambiente de caatinga. O conhecimento das plantas que podiam servir de forragem
para os animais ou de alimento para as pessoas em momentos de escassez, fazia
com que os vaqueiros tivessem um conhecimento amplo de toda a região. Aliando
habilidade com o trabalho duro nas fazendas de gado, poderia proporcionar em
alguns anos, o acúmulo de animais que pudesse oferecer uma vida mais
confortável. No caso dos escravos vaqueiros, o acúmulo de pecúlio que lhe
44
SILVA, op. cit. 30
45 VIEIRA FILHO, op. cit. p. 57.
36

permitisse comprar a sua liberdade e de seus familiares. Levando em consideração


que as boiadas chegavam às fazendas com um plantel entre cem e trezentas
cabeças, interessava ao agregado tomar todas as precauções para que esse
rebanho se multiplicasse.

Capistrano de Abreu, assim descreve o trabalho do vaqueiro:

Depois tudo ficava entregue ao vaqueiro. A este cabia amansar e ferrar os


bezerros, curá-los das bicheiras, queimar os campos na estação apropriada,
extinguir onças, cobras e morcegos, conhecer as malhadas escolhidas pelo
gado para ruminar gregariamente, abrir cacimbas e bebedouros.
Para cumprir o seu oficio vaqueiral, escreve um observador, deixa poucas
noites de dormir nos campos, ou ao menos às madrugadas não os acham
em casa, especialmente de inverno, sem atender às maiores trovoadas,
porque nesta ocasião costuma nascer à maioria dos bezerros e pode nas
malhadas observar o gado antes de espalhar-se antes do romper do dia,
como costumam, marcar as vacas que estão próximas a ser mães e trazê-
las quase como à vista, para que parindo não escondam os filhos de forma
46
que fiquem bravos ou morram de varejeiras .

O trabalho com o gado na Chapada Diamantina, pelas próprias condições


acima descritas, exigia tempo e atenção do vaqueiro, isso então levava a que a
família do agregado se organizar de forma a prover as outras necessidades do
núcleo familiar. Para tanto, esposa e filhos exerciam outras atividades para garantir
a subsistência, quando não ajudavam o chefe da família no trato com o gado. Em
vários momentos necessitava-se de mais trabalhadores. Nestes momentos em que o
vaqueiro necessita de ajuda de fora do núcleo familiar, aparecem os fábricas,
indivíduos contratados pelos vaqueiros para auxiliá-lo no trato com o gado, assim
descrito por Caio Prado Junior:

Os fabricas são em número de dois a quatro, conforme as proporções da


fazenda; são subordinados aos vaqueiros e o auxiliam em todos os serviços.
Às vezes são escravos, mais comumente assalariados, percebendo
remuneração pecuniária por mês ou por ano. Estes fábricas ainda se ocupam
das roças que lhes fornecem a subsistência, e que são plantadas nas
“vazantes”, isto é, o leito descoberto dos rios intermitentes do sertão, e onde
47
na estiagem se refugiam os últimos traços de unidade.

46
ABREU, op. cit. p. 73.
47
PRADO JR. op. cit. p.192.
37

Sobre essa propalada liberdade no trabalho do vaqueiro há que ressaltar


que houve ou há na historiografia nacional uma corrente de pensadores que duvide
da utilização de mão de obra escrava, dentre eles estava Nelson Werneck Sodré,
historiador e militar brasileiro, que assim argumenta a incompatibilidade entre
pastoreio e a mão de obra escrava:

O regime pastoril não pôde comportar, nunca, o trabalho escravo. Eram duas
coisas que se apresentavam antagônicas e irreconciliáveis. Pela própria
natureza do trabalho, no regime pastoril a escravidão seria uma anomalia
profunda, seria a negação das peculiaridades que mais notabilizavam a vida
que imperava nas fazendas de gado, nos vastos latifúndios sem fim e sem
limites, onde não haviam conflito de terras porque a terra entrava quase como
elemento de referencia, não havendo por ela carinho, afeição ou desejo de
48
posse absoluta .

Nos vários registros sobre a atividade pecuária na região, e, as fontes por


nós encontradas nos registros cartoriais e eclesiásticos demonstram que, escravos
eram utilizados na criação de gado, isso contraria a afirmação de Sodré com relação
à ausência de escravos na pecuária. Embora esta quantidade de escravos não
possa ser comparada com a quantidade de escravos trabalhando nos engenhos do
Recôncavo.

Ainda que os documentos não especifiquem a profissão dos escravos,


grande parte deles provavelmente estava ligada à pecuária extensiva. As vilas eram
muito pequenas e a sua população em sua maioria sobrevivia da agricultura de
subsistência ou pecuária, trabalhando como agregados, meeiros ou jornaleiros nas
grandes propriedades.

A maioria destes trabalhadores morava nas fazendas, mas, tanto


proprietários como trabalhadores poderiam eventualmente ter residência nas vilas
para onde se deslocavam semanalmente ou quinzenalmente para as feiras, lá
vendiam parte do que era produzido e compravam o que não era produzido na
fazenda. Era também um momento de descontração onde as notícias eram trazidas
e levadas pelos vaqueiros e principalmente pelos tropeiros que viajavam distâncias
maiores levando e trazendo não apenas mercadorias. Em comparação com os
escravos dos engenhos, os escravos do sertão podiam ter maiores oportunidades de

48
SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. 2 ed. Rio de Janeiro. Graphia, 1998.p 221
38

locomoção e acúmulo de pecúlio, eram menos vigiados e tinham maior poder de


barganha dado a natureza do trabalho na pecuária do sertão.

O cenário acima descrito marca o local onde viveu a família Coelho, no norte
da Chapada Diamantina. Embora a documentação sugira que os Coelho eram
pequenos proprietários, em momentos de seca como a de 1860, que se prolonga até
1871, eles tinham que procurar proteção de um latifundiário com o qual
mantivessem relações de parentela, que pudesse lhes oferecer ajuda. O falecimento
da mãe possivelmente em decorrência do flagelo da seca em 1871, marca a saída
de Francisco Dias Coelho para a sede do município, que na época ganhou certo
“fôlego” comercial com a descoberta dos diamantes.

A descoberta dos diamantes

Deu-se por volta de 1841, a descoberta de diamantes na Chapada


Diamantina. Primeiramente descobertos nas Lavras de Aroeiras, em Xique-xique,
teve um significativo impacto econômico e demográfico na região no século XIX.
Naquele mesmo ano descobriu-se que a pedra preciosa também existia em Morro
do Chapéu e na serra da Chapada Grande. Dois anos depois, começou a
exploração de diamante na Serra do Sincorá, e em 1844, em vários outros lugares
da Chapada como em Santa Izabel do Paraguaçu, Perdizes, Andaraí e Lençóis49.

Num primeiro momento, a atividade mineradora começou a proporcionar uma


alternativa de renda para pequenos agricultores da região. O tempo livre, não
utilizado na agricultura de subsistência ou na pecuária era investido no faiscamento
de diamantes. Em pouco tempo, houve forte migração para a região, pessoas de
várias regiões foram atraídas pela promessa de dinheiro fácil devido ao boato de
abundância de diamantes. Muitos garimpeiros se agregaram à população local,
levando a um aumento significativo da população.

49
CATARINO, José Martins. Garimpo – garimpeiro – garimpagem. Rio de Janeiro: Pholibiblion: Salvador:
Fundação Econômico Miguel Calmon; 1970. p.21.
39

Uma característica dos diamantes da região de Morro do Chapéu é a baixa


qualidade das pedras, também chamadas de xibius, e com grande quantidade de
refugo.

Algumas estratégias foram utilizadas pelos atravessadores da região para


aumentar os seus lucros. Segundo um garimpeiro da região, no início do século XX
um quilate50 equivalia para o atravessador a meio grama, portanto, o garimpeiro
recebia 18,28 reis por grama51. Entretanto, ao vender para exportação, o quilate
equivalia para a empresa exportadora a dois decigramas. O pedrista, como era
conhecido o atravessador que comprava do garimpeiro e vendia aos exportadores,
pagava ao garimpeiro menos da metade do peso do produto que vendia ao
exportador. Os lucros do atravessador aumentavam consideravelmente, levando em
consideração nesta análise somente a diferença no peso da pedra.

As distâncias entre a vila de Morro do Chapéu, a Fazenda Gurgalha e os


locais de garimpo eram relativamente curtas. A mineração poderia representar uma
fonte extra de renda para os agregados, na medida em que estes, não necessitariam
se ausentar dos seus trabalhos na fazenda para se dedicar apenas à garimpagem e
se deslocar à vila para comercializar os diamantes.

Final da era dos diamantes e o início da era do carbonato em


Morro do Chapéu

No final dos anos de 1860, os diamantes que haviam se tornado o principal


produto de exportação da região, dinamizando a economia local, começam a
escassear. Fatores internos e externos favoreceram a decadência do diamante na
Chapada Diamantina. Com a seca de 1868, a vazão dos rios perenes ficou muito

50
Medida de peso para pedras preciosas, o equivalente a 2 decigramas.
51
Entrevista com Flamarion Modesto dos Reis, realizada no ano de 1997, para a elaboração de uma
monografia de conclusão do Curso de Licenciatura em História, da Universidade do Estado da Bahia, campus
de Jacobina. Na época o entrevistado contava com 74 anos de idade e residia na cidade de Morro do Chapéu.
40

baixa e os rios temporários secaram. A pouca disponibilidade de água para lavar e


separar o diamante do cascalho e do ferrujão, diminuiu a produção.

Externamente, a descoberta dos campos do Transvaal na África do Sul,


possibilitaram o domínio da União Sul-Africana no comércio de diamantes. Os
diamantes sul-africanos eram superiores em qualidade aos brasileiros. A
deflagração da Guerra Franco-prussiana, fez com que o preço do diamante caísse
no mercado internacional.

Com a crise econômica, muitos produtores e lavristas preferiram investir na


cultura de cacau do sul da Bahia onde os rendimentos com menos riscos equivaliam
aos diamantes no auge da exploração. A saída do capital desses produtores
dificultou ainda mais a situação dos agregados na Chapada como um todo52.

Ao mesmo tempo em que o garimpo do diamante entra em crise na


Chapada Diamantina, aparece o carbonato como alternativa econômica, num
momento em que as oportunidades eram escassas para a população pobre da
região.

O carbonato, também carbono puro como o diamante, é uma pedra negra e


fosca, que somente viria a ter valor econômico, pelas suas propriedades industriais
descobertas anos depois. Os garimpeiros da Chapada Diamantina, também
chamados de faiscadores chamavam esta pedra de ferrujão. Por ser uma pedra
satélite do diamante, servia de referência para que os garimpeiros pudessem
encontrar as pedras de maior valor. Assim que o diamante era encontrado, o
carbonato era descartado. A pedra atrapalhava as atividades dos faiscadores.

Ainda em finais do século XIX, o carbonato atingiu altos preços no mercado


internacional. O aumento da procura graças às grandes construções européias e a
oferta estabilizada fez com que o produto fosse bastante valorizado.

O comércio de diamantes e carbonato da Chapada atingiu seu auge em


1905, segundo o Diário de Notícias, o valor do carbonato era de 70$000 por grama,
enquanto que o gado vacum era de 30$000 por cabeça53. Um grama de carbonato
equivalia a quase duas cabeças e meia de gado bovino. Os garimpeiros recebiam no
máximo 10% do que era minerado ficando o atravessador, com praticamente 90%
52
MELO, op. cit. P. 45
53
Diário de Notícias 08/01/1905.
41

do valor produzido. Foi como atravessador que o Coronel Dias Coelho construiu a
sua fortuna. 54

José Martins Catharino, advogado trabalhista baiano, num livro sobre


direitos trabalhistas de garimpeiros na chapada Diamantina em 1986, assim
descreve o carbonato: é uma espécie de carbono puro (carbon= diamante negro)
não diamantino nem adamantino, sem clivagem, não lapidável, sem finalidade
santuário (sic) 55. Ou seja, é uma pedra negra e fosca, semelhante ao diamante, mas
o carbonato é também carbono puro, possui uma dureza até maior que o diamante.
Esta pedra pela sua constituição molecular, não pode ser lapidada e também não
pode assumir alguma forma de jóia, por isso não era utilizada na confecção de
adornos.

Em fins do século XIX, as propriedades industriais do carbonato foram


descobertas, e passou a ser bastante procurado na Europa. A Chapada Diamantina
desponta como fornecedor.

Há notícias de um francês que, em Andaraí teria sido a primeira pessoa a


se interessar pela compra do carbonato, então denominado ferrujão. Mas só
a partir de 1860, quando o engenheiro Leschot descobriu as suas
propriedades industriais, é que o carbonato, já conhecido como tal,
56
começou a despertar o interesse dos compradores .

A propriedade industrial mais importante do carbonato era a dureza. Os


carbonatos poderiam ser utilizados na confecção de pontas de brocas, para a
perfuração de rochas nas minas de carvão da Europa. A Chapada Diamantina
tornou-se então, produtora quase exclusiva do minério, pois, além da Bahia,
somente Bornél na Oceania, produzia carbonato, mas com qualidade inferior ao que
aqui existia57.

Walfrido Moraes, biografando o coronel Horácio de Matos, afirma que do


“começo da exploração dos diamantes, até 1871, o carbonato foi ignorado e, por

54
CATHARINO, op. cit. p. 108.
55
Id., ibid. p.105
56
Id., ibid. P.108
57
MATTOSO, Kátia de Queiroz. Família e Sociedade na Bahia do século XIX. São Paulo: Currupio;
[Brasília]: CNPq, 1988. P. 466.
42

58
isso, não teve o mínimo valor comercial” . Após essa data, o minério passou a ter
valorização sempre crescente. Uma informação de Gonçalo de Athayde Pereira,
escrita em 1905 e citada por Catharino, ajuda a compreender o início do ciclo do
carbonato na Chapada.

Antigamente não se conhecia o carbonato e por isso eram atirados como


pedras imprestáveis. Anos após a descoberta das Lavras, sei que um
francês, que residia em Andaraí principiou a comprar certas pedras, às
quais dava o nome de ferrujão (ferrugem grande) chegando a comprá-las a
59
160 reis a oitava ou 17,5 quilates (...) o tal francês seria A. Chabaribere.

Não foi possível apurar qual a atuação do dito francês. Nem mesmo se ele
realmente existiu. O fato é que o carbonato alcançou altos preços no mercado
internacional e despontou como excelente oportunidade de negócio. Os primeiros
atravessadores do comércio logo adquiriram fortuna, entre eles encontrava-se
Francisco Dias Coelho.

O começo da demanda de carbonato como substituto ao diamante na


confecção de ponta de broca, se deu em importantes obras: abertura do canal do
Suez (1859 – 1869); o túnel ferroviário de São Gotardo na Suíça (1881); e a
ampliação do uso do transporte ferroviário com trens movidos a vapor, e com isso a
demanda por carvão mineral na Europa. O auge do consumo de carbonatos se deu
com o metrô de Paris inaugurado em 1900 e do metrô de Berlim em 1902, e, com a
abertura do Canal do Panamá em 1905. Neste meio tempo, grandes construções
internacionais reforçaram a necessidade crescente do carbonato. A partir do fim da
primeira década do século XX, o carbonato passou a ser utilizado também na
indústria mecânica para usinagem e polimento de peças.

Em fins da década de 1880 quando o comércio de carbonatos se


intensificou, Francisco Dias Coelho trabalhava como tabelião de notas no cartório
local. Provavelmente, aproveitando os contatos estabelecidos na botica, iniciou as
atividades como atravessador no comércio de pedras no sertão mantendo relação
comercial com a empresa Levy de Paris. A empresa citada era a principal
compradora de carbonatos na região e o coronel era o principal fornecedor do

58 MORAES, Walfrido. Jagunços e Heróis. 4.ed. Bahia: Empresa Gráfica da Bahia/IPAC, 1991, p.37.
59
CATHARINO, op. cit. p108.
43

produto na Chapada, comprando dos faiscadores e vendendo aos franceses.


Francisco Dias Coelho se tornou no final do século XIX, segundo o historiador Eul-
Soo Pang, o maior comerciante de pedras da Bahia e um dos dez mais influentes
coronéis do estado. 60

Figura 3: recorte da última pagina do inventario do Tenente Antonio Honório Guimarães e


sua mulher, redigido e assinado por Francisco Dias Coelho. Arquivo do Fórum Clériston
Andrade de Morro do Chapéu caixa 1885-1886.

O documento mostrado acima foi assinado por Francisco Dias Coelho em


1886, embora já fosse tabelião desde o ano anterior com 21 anos de idade.
Tomando como base a caligrafia do tabelião, podemos deduzir sobre sua
alfabetização. Não obstante o seu pai fosse alfabetizado, como já fora anteriormente
dito, a caligrafia de Francisco apresenta um traço firme, constante e rápido, além de
ser uniforme, semelhante à de pessoas que passaram pelos manuais caligráficos.
Possivelmente tenha freqüentado as aulas de um mestre-escola junto com os filhos
do Major Pedro Celestino. O certo é que foi alfabetizado e ocupou durante a sua
juventude e vida adulta cargos que necessitavam do domínio da leitura como

60 PANG, op. cit. p. 119.


44

balconista de botica, oficial de cartório de registro de imóveis e escrivão da comarca


local.

O comércio de carbonatos na região de Morro do Chapéu se intensificou no


início dos anos 80 do século XIX. Nesse período, é provável que Francisco ainda
tenha trabalhado na botica, ofício que continuará exercendo até a morte, abrindo sua
própria farmácia com o nome de Farmácia Coelho. Supõe-se que foi no balcão da
farmácia do Major que Francisco iniciou as atividades como intermediário no
comércio de diamantes e carbonatos.

Provavelmente em fins da década de 1880, Francisco Dias Coelho tenha


iniciado seu próprio comércio tornando-se uma das grandes fortunas locais. Mais
tarde passou a emprestar dinheiro até para o Conselho Municipal, como está
registrado na Ata de reunião de seis de março de 1902:

O Senhor Presidente a sessão se achando presente o Intendente Major


Pedro Celestino Barboza pediu a palavra e obtendo-a declarou que iam
correndo as causas regularmente. Que havia mandado imprimir as leis e
posturas do Conselho Municipal já haviam chegado bem como Talões de
folhetos para os contribuintes do Município para que encarregou ao
negociante Coronel Dias Coelho (grifo nosso) e pela fatura apresentada a
qual se acha em seu poder em portou em $269:200 tendo o mesmo
Coronel Dias Coelho, (grifo nosso) Nery Cia. recebido por conta 110 pelo
61
que se acha o Conselho a dever os mesmos 169:200 .

Nesta e em outras reuniões, ficou evidente a relação de poder por parte do


Coronel com os políticos locais. Mesmo não sendo aliado político do intendente
municipal, o major Celestino, alguns membros do Conselho Municipal, o eram.
Aparentemente, os gastos além do orçamento municipal só poderiam ser cobertos
com dinheiro oferecido pelo maior comerciante da cidade. Pela confecção do Código
de Posturas e de Leis e de talões para cobrança de impostos foi emprestado por
Dias Coelho 269:200 réis ao Conselho Municipal, no entanto, foi pago 279:000 em
duas parcelas, havendo, portanto cobrança de juros entre o que fora emprestado e o
que fora pago pelo Conselho. O que parece obvio é uma relação de aproximação
financeira do governo municipal com as lideranças locais, numa clara intromissão
privada na esfera pública.

61
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. Livro de atas de 1898 a 1915. p.18.
45

Foi a partir do comércio de carbonato que Dias Coelho acumulou fortuna.


Provavelmente com o dinheiro advindo desta atividade comprou a patente de
Tenente-Coronel da Guarda Nacional, não encontramos a data exata, mas no inicio
da década de noventa do século XIX já assinava com Coronel, e iniciou sua
arrancada para atuação política municipal.

O início da carreira política do Coronel Francisco Dias Coelho

Não sabemos exatamente quando Francisco Dias Coelho comprou a patente


de Coronel, porém, o ingresso na Guarda Nacional lhe proporcionou o prestígio
necessário para entrar na política. Documentos de 1892 mostram que o mesmo já
se assinava como Tenente Coronel.

Para alcançar novos postos na política local, tendo em vista que a cor da
pele era um elemento importante de classificação social cristalizado na cultura
política da época. Ele conseguiu superar as barreiras da cor através da riqueza e do
prestígio. A obtenção da patente foi o elemento decisivo na ascensão política do
Coronel Dias Coelho, valendo-se das brechas proporcionadas pela Guarda
Nacional. A historiadora Jeane Berrance de Castro, escrevendo sobre esta
instituição, afirma que:

A Guarda Nacional foi a primeira instituição oficial que fez cessar a distinção
de cor, o que a tornou essencialmente nova e moderna ao enfrentar o
problema das relações étnicas, num regime que reconhecia a escravidão
62
como legitima .

Há certo exagero na afirmação acima, uma vez que a distinção de cor não
cessa com a instituição e nem nas fileiras da Guarda Nacional. Esta instituição tinha
as suas mais altas patentes formadas pela elite branca e tradicional. Entretanto,

62
CASTRO, Jeanne Berrance de. A milícia cidadã: a Guarda Nacional de 1831 a 1850. 2 ed. São Paulo:
Ed. Nacional , 1979. p. 136.
46

abria espaço para que indivíduos não brancos e que ascenderam economicamente
pudessem ocupar postos importantes dentro da instituição. Esta provavelmente seria
uma das poucas possibilidades de um negro ascender socialmente no meio político
da Chapada Diamantina no Século XIX. A patente de tenente-coronel da Guarda
Nacional era evidência da ascensão econômica de Dias Coelho.

A Guarda Nacional havia sido criada na região há muito tempo. Da colônia


até meados do período imperial, a formação de um exército de primeira linha que
defendesse as fronteiras e guardasse a segurança interna do Brasil, não era
prioridade. A tarefa de defesa interna era feita pelos Terços Auxiliares, corpos de
segunda linha, formado por colonos armados com a função de preservar a ordem
interna da colônia.

Em 1796, os Terços Auxiliares foram transformados em Milícias que, devido


à falta de recursos da metrópole desempenhavam a maioria das funções militares,
63
com um amplo campo de atuação. As Milícias são responsabilizadas pela defesa
interna do território brasileiro haja vista que o estado se omite dessa função.

Na época da sua criação, as Milícias tinham a função de auxiliar o Exército,


como corpos permanentes de segunda linha, com uma estrutura semelhante a este.
Os coronéis, tenentes-coronéis e sargentos-mores deveriam ser escolhidos dentre
os oficiais do Exército, “homens bons” ou pelos capitães-mores, ou seja, gente da
elite que jurava fidelidade absoluta à coroa e que tivesse posses. A partir de 1825,
os Comandantes poderiam nomear oficiais inferiores sem a ingerência do governo
provincial ou dos Comandantes das Armas64. No sertão baiano, a estrutura miliciana
dava muito poder aos grandes proprietários, legitimado pelo Estado com a
possibilidade de armar os seus agregados. Além de defender os interesses da
coroa defendiam também os do seu patrão, colocando o Estado a serviço dos
proprietários.

A Guarda Nacional fora instituída com a estrutura semelhante à das Milícias,


naquele momento parecia ser melhor opção do que o Exército. No período entre os
dois governos imperiais, os portugueses eram vistos como agentes da re-

63
RIBEIRO, Jose Iran. Quando o serviço nos chama: os milicianos e os guardas nacionais gaúchos (1825
– 1845). Dissertação (Mestrado em História do Brasil). PUC- RS, 2001. p.35.
64
Id., ibid. p. 37.
47

colonização e o sentimento anti-lusitano se afirmava em muitos locais do país. O


Exército era formado basicamente por negros, mulatos e homens pobres sem
nenhuma qualificação profissional ou preparo militar. Seus comandantes eram em
sua maioria estrangeiros, isso fazia com que toda a tropa de primeira linha fosse
extremamente mal vista.

A Guarda Nacional por outro lado, tinha como comandantes as lideranças


locais e sob o seu comando homens de inteira confiança dos governantes, além do
baixo ou nenhum custo ao estado, já que, as despesas com fardamento e munição
eram supridas pelos próprios guardas e não raro pelos seus comandantes.

O que se observa é que a Guarda Nacional consegue um status maior que


Exército. A sua formação inicia nos primeiros anos do segundo reinado e contou
com a simpatia e aquiescência do Imperador por ser formada por cidadãos eleitores,
comprometidos com as elites dominantes do Império. No momento da sua fundação,
seus comandantes eram escolhidos dentre aqueles que mantinham melhores
relações com as autoridades da província através de nomeações provinciais. Com o
tempo as patentes eram vendidas. O acesso aos postos de comando excluía
aqueles que não fossem possuidores de altos rendimentos.

Em tese, os coronéis da Guarda Nacional estavam subordinados aos Juízes


de Paz, Presidentes de Províncias e o Ministro da Justiça. Na prática, esta
subordinação além de não regular as ações dos mesmos, legitimava o seu poder
sobre a população local. Os Juízes de Paz eram eleitos no mesmo pleito que os
intendentes e conselheiros municipais e normalmente faziam parte da órbita de
influência dos coronéis, os Presidentes de Província estavam ligados aos coronéis
por laços de compromisso e o Ministro da Justiça estava por demais distante para
intervir nas práticas dos coronéis do sertão.

Assim, a carreira política do Francisco Dias Coelho, se inicia com compra da


patente de Tenente-Coronel da Guarda Nacional. Este foi o primeiro passo para
ingressar na vida pública como político. Alguns fatores eram extremamente
importantes para que alguém pudesse ter sucesso como político no sertão baiano do
início do século XX: dinheiro, prestígio e ser membro do grupo que dominava a
política local. O Coronel Dias Coelho preenchia os dois primeiros requisitos. No
entanto não era descendente das elites que governavam o município. Havia apenas
quatro anos da abolição da escravatura. Era muito difícil para indivíduos da
48

tradicional elite branca da cidade, que em vários casos, foram senhores de


escravos, aceitarem um negro como líder.

O prestígio necessário para Francisco Dias Coelho foi conseguido através


da relação na troca de favores com o mandatário local. O dinheiro ele adquiriu
através do comércio de diamantes e carbonatos que possibilitou a ascensão
econômica e social, principalmente com a compra da patente de Tenente-Coronel. O
último entrave era o fato de existirem chefes políticos como o major Celestino, seu
antigo patrão na botica, com quem manteve relações de amizade por algum tempo.

Com a morte do coronel Quintino Soares da Rocha em 1880, o major


assumiu o comando da política da região. Podemos considerar este momento como
o início da carreira política do Coronel Dias Coelho. No ano do falecimento de
Quintino, o nosso personagem tinha apenas 16 anos, provavelmente já despontava
na sociedade local. Possivelmente ouvia, talvez participasse das conversas sobre os
destinos políticos nas cidades em companhia do major, o que deve ter aguçado suas
pretensões políticas.

Alguns anos depois, enriqueceu e já era Tenente–Coronel da Guarda


Nacional. A hierarquia estabelecida no interior do grupo político na cidade talvez
fosse o maior entrave à ascensão política do Coronel Dias Coelho a mandatário
local. Ele estava hierarquicamente, na Guarda Nacional acima do Major. Era
Tenente-Coronel. Mas a tradição política existente fez o major herdar o espólio
político do coronel Quintino. Por estar ainda vivo e atuante politicamente, o major
Celestino deixava o Tenente-Coronel Dias Coelho sem aporte de um grupo que lhe
desse apoio político. Não sendo possível ao Coronel Dias Coelho aspirar ascensão
aos cargos de maior importância na cidade como membro deste grupo. Certamente
a cor da pele foi o motivo pelo qual a elite local fechou para ele a possibilidade de se
constituir em líder político do grupo.

Em 1898, Dias Coelho candidatou-se a intendente municipal (o cargo de


maior prestígio na administração local, exercido normalmente pelo líder do grupo ou
por um aliado mais próximo). Ele rompeu relações políticas e concorreu com o major
Celestino, seu antigo patrão. Dias Coelho foi derrotado nas eleições com um
65
resultado de 495 a 76 votos. Ficava evidente então, que não tinha ainda respaldo

65
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p 4.
49

político para ser eleito e que não havia espaço para ele neste grupo, que seguia a
tradição do coronel Quintino e comando do major Celestino.

Era impossível galgar novos postos dentro da estrutura política montada no


município. A solução seria associar-se a indivíduos igualmente excluídos da política,
mas, que pudessem auxiliar e formar o seu próprio grupo político.

A formação e atuação do grupo político do Coronel Dias Coelho, bem como


a construção da sua imagem pública serão tratados no próximo capítulo.
50

CAPÍTULO II - A COR DO CORONELISMO NA CHAPADA


DIAMANTINA – A VIDA POLÍTICA E A CONSTRUÇAO DA IMAGEM
DO CORONEL FRANCISCO DIAS COELHO

O presente capítulo tem como objetivo descrever a formação do grupo político


do Coronel Francisco Dias Coelho, bem como a construção de sua imagem de líder
político em Morro do Chapéu. Para tanto, fez-se necessário a análise do
coronelismo e da legislação eleitoral da Primeira República no Brasil. Utilizamos
como fontes as atas do Conselho Municipal de Morro do Chapéu, bem como jornais
e fotografias da época.

O grupo político do Coronel Dias Coelho

Na virada do século XIX para o XX, o Coronel Dias Coelho, então com 36
anos de idade, já era um dos homens mais ricos do Estado da Bahia. O comércio de
pedras preciosas, principalmente o carbonato, havia se tornado muito lucrativo
devido à necessidade crescente na Europa com as construções de túneis, estradas
de ferro e principalmente exploração de carvão. A sua atuação como representante
da empresa francesa de comércio de diamantes Levy de Paris e a intermediação
entre os garimpeiros ou pequenos atravessadores conhecidos como “pedristas” ou
“capangueiros” na Chapada Diamantina, o aproximou tanto das elites comerciais
baianas como das camadas populares de trabalhadores da Chapada.66

O trabalho como concessionário comercial de uma firma estrangeira, além de


fortuna, rendeu-lhe contatos com pessoas importantes e lhe permitiu trânsito entre

66
PANG, op. cit. 246.
51

as elites sociais, econômicas e principalmente políticas da Bahia. Sua fortuna era


notoriamente reconhecida na face norte da Chapada Diamantina e em outros
lugares importantes do interior da Bahia. Com esses contatos na capital do Estado e
a riqueza proporcionada pelas suas atividades comerciais, conseguiu estreitar
relações com as lideranças estaduais e locais. As estaduais interessadas nos votos
para governador e deputados que o Coronel poderia arregimentar. E as locais
haviam se tornado dependentes economicamente do Coronel e seus aliados.

As discussões sobre coronelismo na década de setenta do século XX


associam aquele fenômeno social e político a uma base clâmica e familiocrática nas
relações econômicas e de poder. Nestes termos, na hierarquia das famílias
extensas, a liderança do grupo caberia aos parentes consangüíneos ou
apadrinhados mais próximos do antigo chefe67. Liderar a família expandida também
significava a liderança dos destinos políticos do município na escolha de quem iria
ocupar os postos eletivos e os cargos estaduais e federais indicados pelos chefes
locais.

Em Morro do Chapéu, coube ao major Pedro Celestino Barbosa herdar o


espólio político do coronel Quintino Soares da Rocha, falecido em 1880, já que este
não teve filhos e nem deixou herdeiros diretos envolvidos com a política. O major
ficou incumbido de assumir a liderança perante a família e o grupo político. Ele era o
homem de confiança e representante do coronel na sede do município desde muito
tempo.

Seguindo o ponto de vista de organização familiocrática de poder político, o


Coronel Dias Coelho estava fora da linha de sucessão da liderança política no
município de Morro do Chapéu. Contava contra ele vários fatores: não era parente
consangüíneo do coronel Quintino; descendia de duas famílias de negros agregados
na Fazenda Gurgalha, sendo que em uma delas tinha como patriarca um escravo
africano; e, sobretudo a cor da pele, contava contra a ascensão política de Dias
Coelho, considerando, sobretudo o preconceito racial e a resistência das elites locais
-- dentre esta, muitos ex-senhores de escravos -- de terem como líder alguém que
descendia de cativos.

67
SOUZA, Alírio Fernando. O coronelismo no Médio São Francisco: Um estudo de poder local. Dissertação

(Mestrado em Ciências Humanas). Universidade Federal da Bahia, Salvador, 1973. p. 14


52

Considerando os aspectos acima, e por ter sido protegido do major Pedro


Celestino Barbosa, segundo a tradição política local, o Coronel Dias Coelho tinha
muito poucas chances de assumir o comando do grupo. Embora, o Coronel
superasse o major economicamente, como o homem mais rico de toda a região.
Hierarquicamente, era superior ao seu antigo protetor na estrutura militar da Guarda
Nacional. Diante de todos estes impedimentos só restou ao Coronel Francisco Dias
Coelho formar seu próprio grupo político e que pudesse ter força política para
disputar o poder municipal.

Na formação do grupo político, Dias Coelho terminou rompendo politicamente


com o major Pedro Celestino Barbosa. Não sabemos precisamente em que
momento e quais motivos precipitaram a ruptura de Dias Coelho com o seu antigo
protetor. Evidentemente que o novo grupo foi formado por gente que não pertencia
aos quadros políticos que giravam em torno da liderança do coronel Quintino. Ao
que aparece nos livros de atas do Conselho Municipal de Morro do Chapéu, no
primeiro momento de todas as antigas lideranças políticas locais permaneceram fiéis
ao antigo chefe, e, por conseguinte, ao herdeiro do espólio político do coronel
Quintino. Restavam apenas os novos elementos que possuíam dinheiro e influência
perante a população pobre, seja por ter origem na mesma camada social, ou por
empregar muitos indivíduos de famílias pobres nos seus garimpos e casas
comerciais. Mas estes indivíduos não tinham tradição na política municipal e nem
prestígio social advindo de uma origem familiar abastada.

Devido à cor da pele do líder e da maioria dos expoentes, o novo grupo fora
apelidado de forma pejorativa pelos seus opositores de “Coquís”, numa alusão ao
coquí, um pássaro preto, de canto alto e ruidoso muito comum nesta região da
Chapada Diamantina.

A organização do grupo político liderado por Dias Coelho começou com


familiares de dois antigos desafetos do coronel Quintino: Antônio Gabriel de Oliveira
e Honório Pereira. Estes eram netos de Honório de Souza Pereira, um português
radicado em Morro do Chapéu e antigo procurador do coronel, que fora destituído da
sua função e perseguido devido a conflitos de terras. Antônio Gabriel, era professor
de primeiras letras e tradutor de francês. Tornou uma espécie de biógrafo e
historiador local. Chegou a publicar artigo na Revista do Instituto Geográfico e
Histórico da Bahia, em 1919, e um levantamento histórico do município registrado no
53

livro de tombo da igreja local. Já Honório Pereira exercia a profissão de sapateiro na


cidade; era ele quem distribuía folhetos com as mensagens do grupo político do
Coronel Dias Coelho e, em alguns momentos, publicou jornais de circulação local e
de duração efêmera. Em 1917, fundou o Jornal “Correio do Sertão”, que se afirmou
como principal porta-voz dos Coquís dois anos antes do falecimento do Coronel e
evidentemente financiado pelo mesmo. Embora tenha sido uma iniciativa importante
na consolidação da imagem pública do Coronel, este não chegou a desfrutar dos
benefícios deste recurso de promoção política, uma vez que faleceu dois anos
depois da fundação do referido periódico. Ambos, tanto o professor quanto o
sapateiro, foram importantes no grupo político como construtores e veiculadores da
imagem pública do Coronel.

Outra figura importante foi Francisco Nery Batista. Era representante do


Coronel Dias Coelho no Conselho Municipal desde que fora eleito em 1898,
presidindo-o por várias vezes até depois do falecimento do chefe do grupo. Além de
conselheiro municipal, Nery Batista era responsável pela administração de parte dos
bens do Coronel Dias Coelho. Dentre os bens havia uma grande parcela da fazenda
Gurgalha, fragmentada por heranças e más administrações dos herdeiros do coronel
Quintino. Ironicamente os irmãos Coelho se tornaram proprietários da maior parte
das terras onde seus avós haviam vivido como escravos.

Nesse cenário aparece uma figura feminina que também fazia parte dos
Coquís, embora com menos visibilidade pública. Trata-se de Maria Coelho Nery, ou
Mariquinha Coelho como era mais conhecida na cidade. Irmã do Coronel Dias
Coelho e casada com Francisco Nery Batista. Católica praticante, atuava na
paróquia e reconhecida como defensora do irmão em todas as situações. O papel
das mulheres no sertão era de fundamental importância.

Às mulheres da elite local, cabiam além das funções domésticas, o cuidado


da alimentação e administração da casa, das chácaras e hortas. Estas mulheres
assumiam no sertão também a função de “relações públicas” arregimentando
parentes pobres, dando assistência aos mais necessitados, reforçando os laços de
compadrio, dando atenção aos afilhados, promovendo festas, amenizando intrigas.
Elas exerciam importantes funções, as quais o seu marido não tinha tempo de se
54

dedicar68. Na ausência de uma esposa que cumprisse estas funções, a irmã do


Coronel Dias Coelho terminou incorporando esse papel. Mesmo depois do
casamento dele, foi dona Mariquinha Coelho quem cuidou da coesão do grupo.

À Mariquinha Coelho é creditada a introdução da festa de São Benedito em


Morro do Chapéu. Sobre esta festa é importante notar que, embora a padroeira da
paróquia seja Nossa Senhora da Graça, o santo negro divide com a santa o altar-
mor da Igreja Matriz. Este pode ter sido uma maneira de legitimar o governo de Dias
Coelho e ao mesmo tempo cutucar os preconceitos dos opositores. Se mesmo no
mundo dos santos havia lugar para negros, como no mundo dos homens não seria
possível o governo de um homem negro?

As festas dos dois santos ocorriam em períodos bem próximos, sendo que a
de Nossa Senhora da Graça é mais formal e solene, com novena, mas tudo dentro
da igreja. As festividades de São Benedito eram realizadas na rua com muita
música, dança e divertimentos populares. No início do século, a elite local
participava das festas de Nossa Senhora da Graça. O povo, de uma maneira geral
se apresentava mais na de São Benedito. Mas como “bom” político, o Coronel Dias
Coelho participava das duas.

Outro importante aliado foi Antônio de Souza Benta, mestiço, oriundo da vila
de Santa Izabel do Paraguassú – hoje cidade de Mucugê. Radicou-se em Morro do
Chapéu após a exploração do carbonato. Era comerciante de pedras ainda no
terceiro quartel do século XIX. Benta era um conhecido chefe de jagunços, através
da influência do Coronel Dias Coelho ele conseguiu a patente de Alferes, depois
major, até atingir a patente de Tenente-Coronel no posto de Comandante Superior
da Guarda Nacional, após o falecimento de líder. Benta, exercia muita influência
entre os garimpeiros e cabras do município. Um dos mais prósperos garimpos da
região ficava nas terras de sua fazenda Martim Afonso. Após a morte do líder do
grupo em 1919, seria sucessor no comando do município até falecer na década de
40 do século XX.

Horácio Queiroz de Matos nasceu em Chapada Velha, hoje município de


Lençóis na outra extremidade da Chapada Diamantina em março, de 1880. Desde
muito jovem estava acostumado às lutas, combates e mortes que com freqüência

68
Id., Ibid., p.38.
55

envolviam a sua família. Veio a Morro do Chapéu junto com o tio Clementino de
Matos, um dos mais conhecidos chefes de jagunços do sertão baiano no século XIX,
contratados por um fazendeiro local para resolver conflitos de terras.69

Após a cessão dos conflitos, Clementino retorna a Lençóis. Horácio se


estabeleceu em Morro do Chapéu como “capangueiro” onde permaneceu até 1910.
Neste ínterim, torna-se amigo e aliado do Coronel Dias Coelho, de quem ganhou a
patente de Alferes da Guarda Nacional em fins do século XIX. Após a morte do tio,
Horácio de Matos retornou a Lençóis e assumiu o comando da família. Envolveu-se
em vários conflitos armados na Chapada Diamantina resultaram em mortes por
motivos políticos ou de vingança.70 Mesmo residindo na outra extremidade da
Chapada, manteve os laços de solidariedade e apoio de armas ao Coronel Dias
Coelho de quem continuou amigo e aliado até o falecimento deste em 1919. Na
segunda e terceira década do século XX, Horácio de Matos tornou-se o mais
influente coronel do interior baiano caracterizado pelo brasilianista Eul-Soo Pang
como “super coronel”, morreu assassinado em Salvador em 193171.

Por fim, no início do século XX, vieram residir na cidade o fotógrafo e poeta
Eurícles Barreto e o músico Cícero Lemos. O primeiro iniciou na cidade os registros
familiares, as festas religiosas, os piqueniques e principalmente as imagens das ruas
e das feiras. Já nos primeiros anos do século XX, a fotografia chega de vez a Morro
do Chapéu e foi prontamente apropriada pela elite. Os registros fotográficos eram
feitos por “retratistas” itinerantes que esporadicamente passavam pela cidade. Com
a chegada de Eurícles à cidade, os registros ficam mais freqüentes e o grupo político
se apropria deste tipo de recurso na construção da imagem pública do Coronel Dias
Coelho. O segundo veio para a cidade como maestro regente da Orquestra
Filarmônica Minerva e professor de música na escola fundada junto á orquestra.
Ambos cuidavam das atividades culturais promovidas pelo grupo.

69
CHAGAS. op. cit. p.10.
70
ROSA, op. cit. p. 64.
71
PANG. op. cit. p. 216.
56

Figura 4 fotografia não datada do grupo político do coronel Dias Coelho, com alguns dos
seus membros esposas e filhos em frente á farmácia de propriedade do Coronel. O próprio
Coronel Dias Coelho aparece na foto, o segundo da esquerda para a direita. Arquivo
particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.

Os membros do grupo político formado por Dias Coelho tinham em comum a


origem pobre. Eram negros ou mestiços que ascenderam economicamente com o
comércio de diamantes e carbonatos. Havia também brancos pobres que exerciam
ofícios com reconhecimento social como profissionais liberais, mas tinham pouco ou
nenhum poder econômico. Não eram descendentes de famílias tradicionais e nem
proprietários de terras. Para estes, as possibilidades de atuar no grupo político que
tradicionalmente, estabelecido eram poucas e restritas. Portanto, por isso, aliar-se a
um grupo de emergentes que aspirava o poder representava uma oportunidade de
ascensão.

As funções desempenhadas por cada membro dos Coquís dentro de um


projeto de ascensão política eram claramente definidas: o professor Antônio Gabriel,
o sapateiro Honório Pereira, o fotógrafo Eurícles Barreto e o músico Cícero Lemos
eram responsáveis pela construção da imagem pública do Coronel como um homem
culto, amante das artes e caridoso. Francisco Nery Batista e sua esposa auxiliavam
nos negócios pessoais, na administração das fazendas e dos animais. Souza Benta
e Horácio de Matos faziam o trabalho menos limpo, atuando na segurança pessoal e
patrimonial do chefe além da coação e ameaças aos opositores, especialmente nos
57

garimpos, práticas que eram comuns no sertão baiano da Primeira República.


Consolidados, os Coquís se achavam preparados para enfrentar os opositores nas
eleições de 1899.

Em oposição aos Coquís estava o grupo do major Pedro Celestino Barbosa


apelidado de Mememés. O nome do grupo também era um pejorativo dado pelos
opositores, aludindo aos bodes brancos largamente criados nas áreas de caatinga
pedregosa das cercanias da cidade. Este grupo mantinha a estrutura tradicional
familiocrática existente desde o período em que era comandado pelo antigo chefe, o
coronel Quintino, que fora mantida após a sua morte com a assunção à liderança do
Major. As principais lideranças, abaixo do chefe do grupo, eram os grandes
fazendeiros que exerciam sua influência a depender do tamanho da suas
propriedades e da proximidade de parentesco com o líder do grupo.

A mudança na principal atividade econômica da região de pecuária para


mineração proporcionou aos fazendeiros maior controle sobre os seus agregados,
tanto de influência nas relações familiares e de compadrio, pressionando a
população pobre. Ir de encontro aos interesses dos fazendeiros poderia significar
impossibilidade de obter de trabalho nas fazendas da região.

Com a mudança na principal atividade econômica da região, os fazendeiros


tiveram duas perdas grandes: primeiro, poder econômico e com isso as pressões
sobre os trabalhadores das fazendas também diminuíram; e depois suas
propriedades que foram compradas pelos emergentes comerciantes de pedras
preciosas.

Mememés e Coquís eram as expressões políticas das principais atividades


econômicas. De um lado os fazendeiros decadentes pela crise na pecuária; do
outro, os novos-ricos que ascenderam com o garimpo de pedras preciosas.

Já sabemos que a figura de maior expressão entre os Coquís era o Coronel


Dias Coelho. Diferente do grupo político do coronel Quintino, tomado por “herança”
pelo major Pedro Celestino, os Coquís não tinham como base fundamental as
relações de parentesco e compadrio. O que reunia os principais membros do grupo
eram dois fatores: a origem (serem mestiços ou brancos pobres e que não
provinham das “boas” famílias locais) e as atividades ligadas ao comércio de
diamantes que gravitavam em torno do Coronel Dias Coelho. Neste circuito os
58

capangueiros compravam diamantes e carbonatos dos garimpeiros e os revendiam


ao Coronel que por sua vez os repassava às empresas estrangeiras que exportavam
o produto para a Europa. A ascensão dos emergentes economicamente modificou o
cenário político da região. Este contexto conferiu peculiaridades ao coronelismo da
Chapada Norte.

O coronelismo na região da Chapada Diamantina

Dora Leal Rosa, escrevendo sobre o mandonismo local na Chapada


Diamantina, numa dissertação de mestrado em 1973, conceitua o coronelismo como
um fenômeno político característico da primeira República no Brasil, onde grupos
familiares detentores do poder econômico incursionavam no domínio público.
Assumiram as funções do Estado, uma vez que este não conseguia se fazer
presente nos locais mais afastados dos centros de poder. Assim, o coronelismo era
uma manifestação republicana do poder privado, baseado, na família extensa e no
grande latifúndio, potencializados pelo isolamento.72

A situação de circunscrição do município, em relação aos grandes centros de


comunicação e poder, aumentava a garantia de manter a estabilidade do poder dos
chefes políticos locais. Neste cenário, o chefe era visto como intermediário entre o
município isolado dos grandes centros, muitas vezes de qualquer centro de poder e
o Estado, sempre ausente nas suas instituições. Obras e serviços do Estado era
visto pela população como uma conquista dos coronéis. Assim Rosa afirma que:

(...) o isolamento em que se encontravam (os trabalhadores rurais), vivendo em


regiões por vezes de difícil acesso, distantes dos centros urbanos de maior
expressão, contribuem para criar um tipo de situação em que o Patrão surge para o
homem do campo como um intermediário entre si e o mundo de fora. 73

72
ROSA, op. cit., p.09.
73
Id., Ibid., p.16.
59

Nos municípios, os interesses imediatos dos proprietários se faziam sentir


numa ordem “extralegal”, não poucas vezes indo de encontro às disposições legais
consideradas de interesse público.74

O familismo, representado pelos proprietários em oposição ao Estado


impregnou a engrenagem burocrática, atraindo para as famílias extensas os cargos
e ações. Constituiu-se numa manifestação republicana do poder privado
concentrado nas mãos dos proprietários e seus familiares, fundado no latifúndio, na
monocultura de exportação, tendo na família extensa como instituição central.75

A idéia de que o poder privado influencia e não raro determina as ações que
deveriam ser públicas, foi primeiramente formulada por Capistrano de Abreu e
Nestor Duarte. Segundo estes autores, a sociedade brasileira desde os tempos da
colônia se caracterizaria pela predominância do poder privado sobre o domínio
público. Desde a colônia havia a dualidade dos poderes privado e público. Essa
relação foi alterados, com o início do processo de industrialização do Brasil, em fins
76
da década de vinte do século passado.

A família extensa era formada pelo:

Casal branco e seus filhos legítimos (compondo o núcleo do grupo doméstico) e


uma periferia mal delineada de agregados, afilhados, na qual ainda se incluíam
concubinas e seus filhos ilegítimos, formando blocos ajustados harmonicamente
movidos, em suma, clãs patriarcais.
Ser pai dessas famílias encabeçava uma unidade composta de filhos, noras e netos,
os chefes estavam ligados uns aos outros como primos tios e sobrinhos e outros
setores de variados graus, formando poderoso sistema para dominação econômica,
política, e, por conseguinte, para a aquisição e manutenção de prestigio e status.77

Ainda segundo este pensamento, os grandes proprietários rurais se


apropriaram do estado em proveito próprio desde os tempos da colônia. Com o
advento da Primeira República, apenas algumas alterações foram efetivadas,
porém, a essência do poder dos grandes proprietários rurais continuaria preservada

74
Id., Ibid. p. 6.
75
Id., Ibid. p. 9.
76
Com referência a utilização do publico como privado ver: Abreu, op.cit. p.35. e DUARTE, Nestor. A ordem
privada e a organização nacional: contribuição à sociologia política brasileira. ebooksBrasil. In:
WWW.ebooksbrasil.org. acessado em 10 de dezembro de 2007.
77
SOUZA, op. cit., p12.
60

localmente através do mandonismo e das grandes famílias patriarcais. Não houve


alternância de poder com a mudança de regime, de Monarquia para República. Este
modelo de organização da sociedade brasileira estava em declínio desde os fins do
Império. Que só entra em declínio com o Estado Novo. 78

Em se tratando do norte da Chapada Diamantina a idéia de Rosa não parece


razoável. As práticas coronelistas estavam presentes ainda no período imperial. Não
era um fenômeno típico somente da Primeira República. Podemos perceber que
desde o período imperial os coronéis eram ativos. A Guarda Nacional já existia e era
atuante na região. No entanto, pode-se dizer que estas práticas se intensificam com
a República, principalmente, após a política dos governadores, se ativam de forma
acentuada as trocas de favores o que super-dimensionava o poder local, e ampliava
o poder dos coronéis, tanto com relação à população local quanto com relação às
elites políticas estaduais.

A abolição da escravidão, a crise da monocultura agro-exportadora, a


industrialização, a burocratização, dentre outros aspectos, não alteraram a estrutura
fundiária de relações de trabalho no interior da Bahia79. Próximo da abolição, as
grandes propriedades da Chapada Diamantina tinham a dinâmica produtiva calcada
no trabalho dos agregados, e não mais essencialmente na mão-de-obra escrava.
Algumas propriedades eram tocadas pelos lavradores sem a posse da terra. De uma
maneira geral, as propriedades estavam concentradas nas mãos de poucas
pessoas. Souza cita um adágio popular comum no médio São Francisco que dizia
que, “quando um coronel cedia um pedaço de terra ao agregado, para cultivo,
prevenia, traçando planta ideal sobre a mesa: ‘daqui até aqui, é só meu; daqui para
adiante, é de nós dois” 80.

Os trabalhadores permaneciam numa relação de dependência, presos à terra


e conseqüentemente ao coronel. Este dominava o espaço público, uma vez que
ocupava ou deliberava a nomeação dos cargos públicos. Representava e
comandava a família extensa de caráter patriarcal. e seu poder econômico estava
assentado na grande propriedade.

78
Id., ibid., p. 9.
79
Id., Ibid., p. 10.
80
SOUZA, op.cit. p8.
61

O Coronel Dias Coelho parece ser uma exceção à regra. Destoava do modelo
de coronelismo acima descrito, uma vez que seu poder e riqueza não tinham por
base a grande propriedade. Suas atividades estavam ligadas à farmácias em Morro
do Chapéu e na vila do Ventura e a compra e venda de diamantes e carbonatos.
Além disso, não descendia de famílias tradicionais da elite local. E, sobretudo seus
ascendentes eram negros e seu avô materno era e havia sido escravo.

Durante o último quartel do século XIX, a região norte da Chapada


Diamantina passou por duros períodos de secas. A seca de 1888 a 1890 que
assolou esta parte da Chapada provocou muitos prejuízos à pecuária. Este último
quartel foi também o período de crescimento do garimpo de carbonatos, com a
mineração houve um afluxo de muitas pessoas sob a esperança de acumular
riqueza rápida com as pedras preciosas.

O maior contingente populacional demandava maior quantidade de alimentos


e isso fez com que os fazendeiros da região aumentassem a quantidade de bovinos
no campo. Como as pastagens ainda estavam degradadas pela seca, nos anos
seguintes a 1890 e com um consumo maior de pastos e de água muitas fazendas
chegaram ao final do século XIX em condições muito ruins de funcionamento, não
chegando a resistir à seca de 1898 a 1900, nestes anos, as propriedades não
estavam preparadas para a seca devido à exploração exagerada e os com a
degradação não recuperada da ultima estiagem.

Assim, no início do século XX muitas propriedades foram abandonadas, pois,


seus proprietários não tinham mais condições financeiras de investir. Paralelo a isso,
os comerciantes de carbonatos haviam lucrado muito nos últimos anos com os
baixos investimentos os altos preços do carbonato no mercado internacional. Os
comerciantes eram as únicas pessoas em condições de investir na pecuária bovina.
Estes emergentes adquiriram rapidamente fortuna, mas não o prestígio político na
mesma proporção, e, comprar estas terras era além de um investimento que poderia
gerar lucro como segunda fonte de renda, era também uma forma de manter a
influência sobre os trabalhadores de outra atividade econômica que não fosse o
garimpo. Assim, a posse das terras significava para estes comerciantes emergentes
tanto uma segunda fonte de renda como maior poder de influência perante os
agregados.
62

Maria Izaura Pereira de Queiroz assim define as relações no interior das


famílias extensas:

Como grupo, apresentava, pois, a parentela, três aspectos interligados – o político, o


econômico e o do parentesco – mostrando que a sociedade na qual estava
implantada ora de estrutura socioeconômica e política ainda pouco diferenciada em
seus setores de atividades. Setor político, setor econômico, setor de parentesco,
reunidos, garantiam o funcionamento da sociedade e lhe davam uma característica
própria.81

O que se percebe no norte da Chapada Diamantino do fim do século XIX é


uma disputa. De um lado, a antiga elite economicamente decadente, organizada de
forma clâmica e familiocrática. De outro, a elite emergente que sempre esteve à
margem da política local, unida por interesses econômicos e políticos. Ambas
disputavam os espaços de poder no município de Morro do Chapéu.

Os cargos eletivos ainda passavam pelos crivos das urnas. Neste momento
os Coquís tiveram que demonstrar na prática os resultados da construção da
imagem e do projeto político por eles elaborado.

A primeira experiência eleitoral dos Coquís

No dia 20 de novembro de 1899, às onze horas da manhã, iniciaram as


apurações dos votos das eleições ocorridas 15 dias antes. Neste pleito, “estreava”
em eleições municipais o grupo político do Coronel Dias Coelho. Fora instalada a
mesa de apuração dos votos das eleições para: membros do Conselho Municipal,
Intendente da junta de Administração Distrital e Juiz de Paz82.

81
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "O coronelismo numa interpretação sociológica". In:FAUSTO, Boris
(org.). História Geral da Civilização Brasileira. São Paulo: Difel, 1975, Tomo III, vol. 1, p 167.

82
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915 p. 12.
63

Do lado dos Mememés, estavam na mesa apuradora: Marcolino Alves de


Andrade, (coletor federal e fazendeiro na arraial do Ventura); Quintino Francisco de
Britto; Pedro Antonio de Queiroz, o Tenente João Ferreira da Silva Reis, (eleito
presidente da mesa de apurações). Todos estes, eram fazendeiros e aliados do
major Pedro Celestino Barbosa. Na oposição, estavam os Coquís representados
pelos seguintes cidadãos: Antonio de Souza Benta e Francisco Nery Batista. Ambos
foram eleitos para o Conselho Distrital. Souza Benta atuava comercialmente em
Morro do Chapéu como pedrista83, ele tinha grande influência sobre os garimpeiros
locais. Atuava politicamente no Conselho Municipal, junto com Horácio de Matos era
um dos braços armados do Coronel. Nery Batista era comerciante e sócio de Dias
Coelho na “Coelho & Nery Cia. de exportação”, que comprava diamantes e
carbonatos dos pedristas e capangueiros da Chapada e os revendia às empresas
exportadoras para a Europa. Ele foi eleito secretário da mesa.

Na mesa apuradora, o cargo de maior importância era o de presidente. Ele


poderia decidir o rumo da eleição, aceitando ou anulando votos e acatando ou
recusando os alistamentos de eleitores. Enquanto a função de secretário não tinha
nenhum poder efetivo, cabia a ele apenas a função de elaborar as atas e fiscalizar o
andamento das apurações.

Embora não haja indícios de fraudes nas atas desta eleição, não quer dizer
que atos ilícitos não ocorreram. Fraudar eleições durante a Primeira República era
muito comum. No entanto, a inexperiência em eleições pode ter sido fator
determinante para que o nascente grupo político do Coronel Dias Coelho tenha
sofrido a sua primeira derrota.

Para se habilitar como eleitor, o cidadão deveria fazer uma petição de próprio
punho ao juiz de paz. Embora parecesse uma mudança substancial, na prática,
mudou-se pouco. Apenas 571 pessoas votaram nas eleições de 1899, podemos
presumir que a imensa maioria dos eleitores eram oriundos de famílias da elite local
salvo alguns que de alguma maneira foram alfabetizados.

O resultado da primeira eleição foi catastrófico para o grupo do Coronel Dias


Coelho. Foram apurados 485 votos para o major Pedro Celestino, contra 76 para o
Coronel Dias Coelho.

83
Pedrista era o termo utilizado para designar o atravessador de diamantes e carbonatos na região.
64

Os Coquís perderam as eleições para Juiz de Paz e Intendente Municipal.


Mas, conseguiram três dentre sete assentos no Conselho Municipal de Morro do
Chapéu. Era o início da ascensão política do grupo, rumo às próximas eleições e ao
domínio político da região, embora o seu líder tenha sido derrotado para intendente
municipal.

Pelo que as Atas do Conselho Municipal indicam, a eleição de 1899, foi


vencida pelos Mememés. Contavam com o prestígio, a experiência em eleições e o
conhecimento das brechas na legislação eleitoral. O grupo do Coronel Dias Coelho
não reuniu número suficiente, não conseguira a presidência da mesa apuradora e,
provavelmente, não acompanhou os eleitores das suas casas até as urnas. Pode
surgir daí a explicação para a pequena margem de votos. Para compreender melhor
os motivos que levaram à derrota dos Coquís devemos compreender como era a
legislação eleitoral da época.

A legislação eleitoral na Primeira República do Brasil

A República alterou a forma de governo. Mas as instituições ligadas ao


império permaneceram quase que inalteradas, no início do período republicano. A
primeira Constituição Republicana em quase nada modificava a Lei Saraiva, que
legislava sobre as eleições nos tempos do Império. O voto deixou de ser censitário e
passou a ser universal masculino, dentre os cidadãos acima de 21 anos,
alfabetizados84. Estavam ainda excluídos das eleições os analfabetos, membros de
ordens religiosas que optassem pelo voto de obediência, os praças de pré do
Exército, da Armada e das forças policiais. 85

As primeiras eleições do período republicano apresentaram pequenas


alterações com relação ao período anterior. Essas mudanças apenas se adequavam
84
FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. 2 ed. Brasília; Secretaria de
Documentação e informação do Tribunal Superior Eleitoral. 2005. p. 227.
85
Id., ibid., p. 22.
65

a uma nova organização político-administativa. Com a queda do Império, iniciava-se


no Brasil, uma prática que perdurou por toda a Primeira República. O cientista
político Manoel Rodrigues Ferreira, afirma que as leis eleitorais do fim do Período
Imperial e da primeira etapa do Período Republicano eram constantemente re-
elaboradas com o objetivo de ganhar as eleições, modificando constantemente as
regras do processo a depender dos interesses das elites governantes. 86

As alterações na legislação eleitoral foram pouco sentidas, exceto, na


tentativa de suprimir os privilégios de voto e de elegibilidade, supostamente
87
ampliando os direitos dos cidadãos. Em essência, permaneciam as mesmas
práticas eleitorais do Império. A adoção do Sufrágio Universal, não proporcionava o
ingresso de mais pessoas no universo de eleitores. Ao se estabelecer o pré-requisito
da alfabetização como critério básico para se obter direitos eleitorais, o número de
eleitores foi restringido.

A República ampliou o direito de voto, mas os redutos eleitorais permaneceram sob


o controle dos mesmos chefes políticos do antigo regime. Além do mais, esse
alargamento do voto resultou num recrudescimento do controle dos chefes políticos
locais, doutores e coronéis. Aos eleitores do Império, selecionados pelo sistema
censitário das rendas, juntava-se, agora, uma massa, predominantemente rural,
mentalmente paralisada pelo paternalismo e pelo analfabetismo, carente, em face da
estrutura social vigente e do complicado processo de votação, de quem as
protegesse e as conduzisse até as urnas. 88

A afirmação acima pede um comentário na medida em que, mesmo não


necessariamente aumentando o número de eleitores, com a mudança do critério no
alistamento de eleitores de renda para alfabetização, esta alteração abre uma nova
possibilidade de ingresso no universo de eleitores, porém os redutos continuavam
nas mãos dos mesmos chefes, uma vez que a importância do voto era reduzida e os
eleitores votavam “encabrestados” em quem o Coronel indicasse.

São, pois, os fazendeiros e os chefes locais que custeiam as despesas do


alistamento e da eleição. Sem dinheiro e sem interesse direto, o roceiro não faria o
menor sacrifício nesse sentido. Documentos, transporte, alojamento, refeições, dias
de trabalho perdido, e até a roupa, calçado, chapéu para o dia da eleição tudo é

86 Id., Ibid., p. 205.


87
Id., Ibid., p. 220.
88
SAMPAIO. Consuelo Novais, Os partidos políticos da Bahia da Primeira República. Uma política de
acomodação. Salvador, Centro Editorial e didático da UFBA., 1975. p.37.
66

pago pelos mentores políticos empenhados na sua qualificação e no seu


comparecimento. (...) É perfeitamente compreensível que o eleitor da roça obedeça
à orientação de quem tudo lhe paga, e com insistência, para praticar um ato que lhe
é completamente indiferente. Estes eleitores conduzidos pelo “cabresto” até as
urnas formavam o “curral” eleitoral que era negociado a seu devido momento pelo
coronel com as lideranças estaduais, em troca de favores, privilégios e
principalmente apoio. 89

Com os altos custos nas eleições alistando novos eleitores, uma grande soma
de dinheiro era gasta durante todo o período eleitoral. Assim como novos eleitores, a
legislação eleitoral republicana permitiu também o surgimento de novas lideranças,
em alguns casos, oriundas das camadas populares ascenderam politicamente e
conquistaram a condição de mandatário, como pode ser percebido no caso do
Coronel Dias Coelho apoiado pelas camadas mais pobres da população, rompendo
com as elites tradicionalmente instaladas. Para estes, o domínio econômico da
região era fundamental para manter os custos das eleições.

A ampliação do direito ao voto, não necessariamente, aumentou o número de


eleitores, mas, por outro lado, ampliou o universo de domínio dos chefes locais. Uma
quantidade maior de eleitores das camadas mais pobres, proporcionada pelo fim do
voto censitário e a nova legislação que dava plenos poderes de aceitar ou não o
alistamento de eleitores por parte do Conselho Municipal, oportunizava aos chefes
locais o domínio político de uma quantidade maior de eleitores, formando os currais
eleitorais. Só que no caso de Morro do Chapéu esta foi a brecha pela qual setores
marginalizados que chegaram ao poder rompendo o domínio das elites locais

O ingresso de pobres no universo de eleitores na Primeira República era


dificultado pela exigência da alfabetização, mas existia uma possibilidade disso não
acontecer com os ricos. A legislação eleitoral republicana no artigo 69 permitia que
os cidadãos alistados no período imperial fossem inclusos ex-ofício no alistamento
eleitoral pelas comissões distritais e municipais. Isto quer dizer que, enquanto a
maioria da população era impedida de votar por ser analfabeta, os que obtiveram
privilégios no tempo do Império, por ter renda alta, continuaram a tê-los após a
proclamação da República. Na prática, os ricos analfabetos que eram eleitores no
Império continuaram com os seus direitos na Primeira República, enquanto a massa
pobre e analfabeta continuava com direitos eleitorais limitados.

89
ROSA, op. cit., p. 36.
67

A Primeira República também não cuidou da consolidação dos partidos


políticos. Essas agremiações foram formadas aleatoriamente de acordo com os
interesses individuais. Na Bahia deste período, as grandes lideranças puseram sob
sua órbita os coronéis e lideranças locais, mesmo porque, estes líderes estaduais
também eram coronéis. Era o bastante que, algum líder de maior prestígio e
representatividade no âmbito estadual, se lançasse como líder de um grupo político,
para que os chefes locais ao sabor dos seus próprios interesses o acompanhassem.
Assim, os partidos políticos no Brasil desta época, representavam as vontades dos
90
seus líderes e não idéias e propostas de um grupo em certa medida coeso.

Cabia aos chefes dos partidos organizarem o alistamento e a votação.


Levando em conta que os mesmos tinham interesses diretos no processo, seja
como candidato, seja apoiando algum “afilhado”, abria-se a possibilidade de fraude
no processo. Ou seja, os maiores interessados no resultado das eleições estavam
91
encarregados de dirigir todo o processo.

É o correligionário do Governador ou do Presidente da República dos quais recebe


favores políticos e até econômicos em troca de lealdade e fidelidade política, quer
pelos votos, quer pelas armas. 92

Se na esfera federal os partidos políticos não tinham representatividade, nos


estados isto era ainda mais gritante. Os partidos políticos da Bahia do período
apenas serviam de legenda para setores das elites baianas com maior influência no
âmbito estadual. Assim, desde o início do período republicano, com a instituição dos
partidos, até 1901, quando foi instaurado o sistema de partido único, representavam
apenas os interesses das elites locais. Somente o PRB (Partido Republicano
Baiano) continuava atuando, a liderança era dividida por José Marcelino e Severino
Vieira, que apoiados pelos coronéis do Recôncavo e do Sertão haviam derrotado
Luiz Viana tanto no governo do estado como na liderança política na Bahia. Sem
apoio coube a Viana retirar-se da política.

90 SAMPAIO, op. cit. P. 18.


91 FERREIRA, op.cit. p. 224.
92
SOUZA, op. cit. p. 10.
68

Mesmo após 1907, com o rompimento destas elites e o aparecimento de


novos partidos, o que se via era a alternância das mesmas lideranças no poder e
não o surgimento de grupos políticos que representavam os ideais da população.
Mantinha-se, ainda com a existência de mais de um partido, a busca por parte das
lideranças partidárias por votos pertencentes aos coronéis.

Nos municípios do interior do estado, dominados pelos coronéis, mais


importante que a sigla era o nome do líder local que a representava. A lealdade dos
eleitores em relação ao líder local, graças ao carisma emanado deste e as relações
de paternalismo e poder, eram mais fortes. Não havia dissensões, a depender do
poder do coronel, poderia ser incondicional e vitalícia.

A lealdade do poder local para com os líderes estaduais era mais efêmera,
dependia dos interesses mútuos tanto do governo estadual quanto dos líderes
locais. Ou da oferta de quem estava nas esferas estadual ou federal. A troca de
93
favores e os interesses davam a tônica da política no Brasil da época.

As siglas representavam pouco perante os eleitores, principalmente os de


menor renda e com pouco nível de escolaridade, que eram alistados apenas por
influência dos chefes políticos aos quais estavam ligados. Na prática, os grupos
eram reconhecidos pelo nome do chefe ou pelos títulos pejorativos dados pelos
opositores. Assim também ocorria em Morro do Chapéu com os Mememés e
Coquís.

Aparentemente por estarem em menor número, os Coquís ficaram com a


secretaria da mesa apuradora, perdendo a presidência, o posto de maior
importância. A pouca experiência dos Coquís no processo eleitoral, talvez tenha sido
o diferencial com relação ao grupo rival. O coronel Quintino Rocha havia morrido há
apenas nove anos, desde então a liderança do grupo foi assumida pelo major Pedro
Celestino, representante político do coronel. O rompimento de Dias Coelho com o
seu antigo protetor, não veio acompanhado do conhecimento da dinâmica do
processo eleitoral, nem tampouco, do reconhecimento por parte do pequeno
universo de eleitores do Município de Morro do Chapéu, que garantisse a vitória do
seu grupo ainda nascente, na primeira eleição que participaram.

93
SAMPAIO, op.cit., p. 19.
69

O que se percebe no primeiro momento ainda no fim do século XIX, é a


disputa de uma elite fundada na tradição, mas decadente economicamente e sem
mais condições de “bancar” os altos valores de uma eleição. E uma elite detentora
do poder econômico, mas, que ano tinha ainda a tradição e o conhecimento do
processo eleitoral, esta situação se reverteu a favor dos Coquís na medida em que
as relações do Coronel Dias Coelho se ampliaram.

Relações fora do “curral”

O regime de partido único na Bahia ficou abalado e veio a ruir com as


eleições para governador do Estado de 1906. Desde a união das elites baianas que
consolidaram o Partido Republicano Baiano - PRB, estabeleceu-se na política
baiana a tradição de o governador indicar o seu sucessor94.

O nome escolhido por José Marcelino, então governador, foi o de Araújo


Pinho. Mas esse não tinha o apoio da ala do partido comandada pelo Senador
Severino Vieira, então Senador Federal e com boas relações com o Presidente da
República, Rodrigues Alves. Vieira também era aliado do Ministro de Estado
Joaquim José Seabra. Juntos promoveram uma divisão no partido, propondo o
nome do Monsenhor Inácio Tosta para concorrer nas eleições ao cargo de
governador. As elites políticas se dividiram. Do lado governista estavam Ruy
Barbosa, Miguel Calmon e os coronéis do sertão. Na oposição Vieira, Seabra e a
maioria dos coronéis do Recôncavo.

Ainda no início da Primeira República, foi instituída a Política dos


Governadores no Governo Campos Sales. O Presidente da República respeitava as
decisões dos partidos estaduais. Cada governador ou presidente de estado era a
autoridade máxima dentro dos seus domínios. Esta política intensificou os laços do
Presidente da República com os governadores de Estado. No momento em que o
primeiro, buscava total apoio dos deputados comandados pelos segundos. Nesta
94
Id., ibid., p. 59.
70

política de troca de maiores verbas, obras, cargos e favores federais, os


governadores empenhavam o apoio das bancadas dos seus respectivos estados na
Câmara dos Deputados e Senado Federal para que o presidente pudesse tomar as
suas decisões com o mínimo de oposição.

Da mesma maneira, os governadores agiam com relação aos líderes políticos


locais. O apoio dos coronéis era de extrema importância tanto para a eleição dos
governadores quanto para a composição das Câmaras Estadual e Federal. Assim,
com a relação de interesses entre lideres locais e estaduais e o Governo Estadual e
o Governo Federal, e da negociação de obras públicas, cargos federais e estaduais,
além de perseguição a inimigos políticos, o Coronel ampliava as suas relações com
o curral eleitoral, reforçando as relações paternalistas.

Quanto maior a quantidade de obras estaduais e federais, e cargos públicos


distribuídos entre os seus apadrinhados, mais os eleitores perceberiam o prestígio
que seria revertido em votos encabrestados no curral eleitoral.

O prestígio local revertido em votos, preferencialmente, os “votos de porteira


fechada”, garantiriam a boa relação do Coronel com o governador. Neste caso, os
coronéis negociavam uma quantidade de votos com o candidato, e o candidato teria
os votos prometidos seja pelo convencimento, coação ou fraudes.

Em Morro do Chapéu, o Coronel Dias Coelho declarou o seu apoio a Araújo


Pinho assumindo publicamente a sua aliança com José Marcelino. Neste momento,
o Coronel de Morro do Chapéu já despontava como liderança entre os coronéis do
médio São Francisco e Lavras, que o seguiram no apoio a Araújo Pinho95.

Em 1906, a Bahia possuía 2.500.000 habitantes, destes somente 68.060


eram eleitores, do contingente de alistados na eleição, mais de 10% estavam em
Salvador com 7.805, que era o maior colégio eleitoral do Estado. O resultado final
96
das eleições foi de 49.000 votos para Araújo Pinho e 14.000 para Tosta. Com
ambos reclamando o resultado para si e acusando o adversário de fraudes.

A cidade de Morro do chapéu possuía 1100, eleitores na eleição de 1908, dos


quais 960 votos foram para Araújo Pinho, contra 160 votos para Tosta, embora o

95 PANG, op.cit., p.94.


96
Id., Ibid. 96.
71

número de eleitores não pareça ser expressivo, a diferença de votos marca a


atuação do Coronel frente aos eleitores do município.

A importância do Coronel Dias Coelho nesta eleição, não foi em si a votação


em Morro do Chapéu, embora uma vitória expressiva no município, no caso mais de
80%, seja marcante. A liderança do Coronel sobre os outros coronéis da Chapada
Diamantina e Médio São Francisco, marcava o seu prestigio no âmbito estadual. A
aliança com José Marcelino fora costurada meses antes ainda em abril, reportada no
97
Diário de Notícias do dia 16 de abril do mesmo ano. Alguns dias depois de
noticiado o apoio do Coronel Dias Coelho ao candidato do governador, foi anunciado
no mesmo periódico, obras para Morro do Chapéu, inclusive um ramal da estrada de
ferro Leste Brasileiro, que segundo o jornal, já estava orçado. Esta promessa
também fora feita por Marcelino na ocasião do seu discurso anual na assembléia
legislativa. Ramal este que nunca chegou a ser construído devido a mudanças
políticas posteriores.

Na campanha do candidato a governador em Morro do Chapéu, o fato mais


marcante foi a inauguração de uma praça na cidade com o nome de Araújo Pinho,
ainda candidato. Isto demonstra o empenho das lideranças locais reafirmando o
compromisso com o candidato do governo, de uma forma bem visível, para que o
governador não tivesse dúvidas do apoio que lhe fora empregado. A mudança de
lado, a depender de condições mais favoráveis para as lideranças locais não era
algo impossível de acontecer, e, poderia apresentar surpresas no dia da apuração
dos votos. Uma prova inequívoca de apoio era necessária pois, as notícias que
saíam do sertão, só chegavam à capital com algum tempo de atraso.

Tal homenagem era também uma forma de deixar bem claro aos eleitores
qual o lado do Coronel em relação aos candidatos da esfera estadual. Assim
visivelmente declarado o apoio, aqueles eleitores que porventura não pudessem ser
avisados a tempo do candidato do chefe político local não teriam dúvidas em quem
votar. Nomear uma praça central de um candidato a governador que nunca estivera
na cidade nem tenha prestado serviço algum que justificasse a homenagem, revela
as intenções eleitoreiras dos governantes locais.

97
Id., Ibid., p. 94.
72

Os votos em Tosta, ainda que numa quantidade muito pequena, pode


representar uma tentativa da oposição local de retomar o poder, através da aliança
com Severino Vieira. Neste caso não teria surtido efeito, pois representava uma elite
local que perdera poder, porque aliou-se a uma elite estadual também decadente.
Entretanto, poderia significar também, uma estratégia do Coronel Dias Coelho, para
evidenciar ao governador que o seu apoio era de fundamental importância no
processo eleitoral em futuras eleições.

Durante a efêmera existência do regime de partido único na Bahia, o Coronel


Dias Coelho se firmou como liderança política em Morro do Chapéu, até atingir o
ápice da sua influência em 1907. Foi confirmado nas urnas com votação expressiva
ao candidato da sua preferência, o deputado Araújo Pinho. No resultado das
eleições para governador, no período compreendido entre 1899, quando os Coquís
perdem as eleições para a Intendência Municipal, e, 1906, quando Araújo Pinho foi
eleito governador com o apoio em Morro do Chapéu dos Coquís, o número de
eleitores mais que dobrou. Isso reflete a eficiência da construção da imagem do
Coronel Dias Coelho, que proporcionou 80% dos votos a um candidato ao governo
do estado que nunca passara pela cidade, comparando com os humilhantes 76
votos conseguidos pelo Coronel nas eleições de 1899, houve um crescimento
expressivo, demonstrando a consolidação de Dias Coelho como líder regional.

A construção da imagem do Coronel Dias Coelho

Após os resultados das eleições de 1899, houve por parte dos Coquís uma
intensificação na construção da imagem pública do Coronel Dias Coelho. Apesar de
terem elegido três dentre os sete conselheiros municipais. Os resultados da eleição
para intendência apontaram caminhos a serem seguidos nas eleições seguintes.

Três estratégias foram escolhidas: utilizar os conselheiros eleitos para


reforçar a influência do grupo no Conselho Municipal para conquistar novos
eleitores; reforçar a imagem do Coronel tanto para as camadas populares, entre
73

estas, ele tinha trânsito graças ao contato direto com os garimpeiros e com
investimentos pessoais em fazendas e gado, com pequeno produtor e agregado; E,
fazer-se presente nos elites locais como sendo um deles.

Pouco tempo após a posse no Conselho Municipal, Francisco Nery Batista,


cunhado e sócio do Coronel, assumiu a presidência. No Conselho, os Coquís se
empenhem em obras de melhorias estruturais na cidade como reforma de estradas,
conservação de ruas e para a abertura de asilos de órfãos, e, o mais importante
para eles neste momento, abertura de escolas nos maiores distritos e no contrato de
mestres-escola.

Como já foram dito para se alistar e ser eleitor no início do século XX, era
necessário fazer uma petição de próprio punho em frente ao Juiz eleitoral, uma vez
que ser alfabetizado era determinante par alistar-se como eleitor. Então, os 571
eleitores de Morro do Chapéu em 1899, eram remanescentes dos eleitores do
período Imperial. Através de uma brecha na constituição eles foram considerados
eleitores ex-ofício.

Os eleitores da primeira eleição que foi disputada pelo Coronel, em sua


maioria eram partidários dos Mememés ou pessoas de elite que não enxergavam
em Dias Coelho uma alternativa de liderança para o município. Muitos dos 76 votos
dos Coquís possivelmente teriam vindo de pessoas das camadas populares que de
alguma maneira foram alfabetizados sem contar com a ação de Estado, por isso,
fora importante para os Coquís manter membros ativos no Conselho Municipal,
possibilitando a inserção de novos eleitores no colégio eleitoral do município, e isso
seria possível com a abertura de novas escolas e com, a intensificação da imagem
do Coronel.

Outra medida foi utilizar meios para que a imagem do Coronel chegasse a
todas as partes do município. Um dos principais recursos de veiculação da imagem
do Coronel Dias Coelho foi a fotografia. No final do século XIX e início do século XX,
tornou-se comum entre as pessoas abastadas a distribuição de fotografias aos
familiares e amigos mais próximos. Os Coquís estenderam este costume aos
correligionários e às famílias das camadas populares e aproximam a figura do
Coronel das pessoas que tinham a possibilidade de vê-lo, e que não receberiam
retratos de amigos ou parentes ricos. Esta atitude era compreendida pelo recebedor
da fotografia como um ato de grande apreço e amizade.
74

Nas fotografias, as imagens apresentadas eram diferenciadas a depender da


camada social à qual eram dirigidas. Para os mais pobres, eram distribuídas
fotografias envergando a farda da Guarda Nacional, assentado na cadeira que se
assemelhava a um trono, com o semblante tranqüilo e imponente. Talvez a invenção
fosse aproximar a população pobre do chefe político, como se um dos negros e
pobres pelo nascimento, estivesse ali representado. Nesta fotografia há elementos
importantes a serem destacados: primeiro, a imagem não foi tratada na revelação do
negativo para demonstrar traços físicos mais próximos de uma pessoa branca;
segundo, o enquadramento da fotografia é feito de maneira a exaltar toda a
imponência da farda da Guarda Nacional, mostrando os seus detalhes como botões,
ombreiras, cinturões e punhos.

Para a elite, a fotografia era outra. Ele aparece com um terno, aparentemente
bem ajustado com uma gravata alinhada, também demonstrando tranqüilidade com
um semblante mais grave e solene, mas, em nada lembra a fotografia da farda,
exceto o personagem fotografado. Para o destinatário desta foto, a imagem
transmitia que o personagem retratado era um dos seus, também culto e rico,
embora a fotografia não negasse a sua cor.
75

Figura 5: Fotografia do Coronel Figura 6: Fotografia do Coronel


Dias Coelho vestido com a farda Dias Coelho de Terno. Fotografo
da Guarda Nacional. Data e Eurícles Barreto, 1916. Arquivo
autor desconhecido, porém particular Carla Meneses, Morro
existe uma inscrição na fotografia do Chapéu.
de que fora realizada no estúdio
Photo Guanabara, Rua Chile,
Bahia. Arquivo particular Carla
Meneses, Morro do Chapéu.

Os resultados dessas primeiras ações já puderam ser vistos nas primeiras


eleições para a intendência após a derrota de 1899. Nas eleições de 1903, o número
de eleitores subiu de 571 para 842, um percentual de aumento no colégio eleitoral
de mais de 30%. Fora eleito para a intendência Antonio de Souza Benta, dos
Coquís. Na mesma eleição o grupo conseguiu também a maioria dos membros no
Conselho Municipal.98 Como estratégia eleitoral, o Coronel Dias Coelho não se
candidata nestas eleições, houve a preferência de participar ativamente do governo
exercendo outra função que não a de intendente, para isso, fora indicado pela
intendência e aceito pelo Conselho Municipal por unanimidade para tesoureiro e
contador da Intendência Municipal. Estava consolidado o grupo político e
comprovada a eficácia das suas ações na ocupação dos espaços políticos no
município de Morro do Chapéu. Restava somente ao Coronel Dias Coelho
conquistar um cargo eletivo, o que não o impediu de agir politicamente na cidade.

98
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chapéu – Bahia. Livro de atas 1898 a 1915. p. 29.
76

Antes mesmo de administrar a cidade, o Coronel Dias Coelho já interferia no


cotidiano. Na construção sistemática da sua imagem pública, percebe-se uma
dualidade nas ações, quando se tratam dos grupos sociais presentes na cidade.

Alguns memorialistas retratam a presença do Coronel também nas festas


populares do município, dentre elas, a mais importante na cidade era a festa de São
Benedito. A festa foi instituída a partir de 1901, por dona Maria Coelho Nery, irmã do
Coronel, e casada com um dos representantes do grupo político do irmão no
Conselho Municipal. Desde os primeiros momentos, as festividades adquirem um
caráter popular. Realizada alguns dias após a festa do Divino Espírito Santo, era
freqüentada principalmente pelas elites. As festividades em louvor a São Benedito
eram realizadas fora da Igreja, com feiras, quermesses e leilões, em prol da
paróquia. Estas comemorações tinham um caráter profano mais claramente
identificado do que as outras festas religiosas da cidade. Durante a novena, havia
missas e procissões, onde sempre era escolhido um menino negro trajado de São
Benedito, acompanhado de orações e ladainhas. Durante a noite, após a parte
religiosa vinha a parte profana com as festas na rua.

Figura 7: fotografia da praça D. Pedro II, festa de São Benedito 1910. Autor desconhecido.
Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.

Pela análise da fotografia acima, pode-se perceber o caráter popular da festa.


A maioria dos freqüentadores eram negros e pobres da cidade. Para esta
77

população era o evento mais importante da cidade, que se vestia com o que tinham
de melhor. Em sua parte profana as barracas de palha armadas na praça ao lado da
igreja e o consumo de álcool contrastavam com a parte religiosa que pregava a
abstinência.

Em 1902, junto com o professor Antonio Gabriel, Dias Coelho fundou o


Grêmio Literário de Morro do Chapéu. O grêmio era composto por uma biblioteca,
um salão de jogos e uma orquestra filarmônica, que também era escola de música.
Oficialmente, o Grêmio Literário era aberto a todas as pessoas, na prática, o acesso
era para a elite local que se interessava pela cultura erudita. Aos pobres, o acesso
era restrito à escola de música, que tinha como uma de suas funções formar
músicos para animar as festas religiosas e seculares da cidade. Em 1906, o Grêmio
Literário foi desmembrado numa biblioteca pública e a orquestra Filarmônica
Minerva. No entanto, os pobres viam nesta possibilidade, uma forma de ascensão,
tocar na filarmônica, significava uma oportunidade também de ser alfabetizado, uma
vez que teria que aprender a ler partitura e para isso teria que aprender também a
ler e escrever.

O Coronel patrocinava a festa de Nossa Senhora da Graça, santa que se


dizia devoto. Esta festa era realizada sempre no mês de setembro, também com
novena, mas dentro da igreja, apresentava apenas o lado religioso e a participação
da filarmônica se resumia ás cantigas religiosas. O caráter elitista da festa, na
pratica excluía a população pobre, em contraste com a festa de São Benedito.

As camadas sociais da população de Morro do Chapéu comemoravam na


mesma data o carnaval. Porém, esta festa também apresentava duas facetas, uma
no clube social, animado pela filarmônica. Outra nas ruas e nos povoados onde a
população pobre festejava. O Coronel sempre se fazia presente nas duas,
aproximando-se de ambos os lados.

A data cívica mais comemorada na cidade era o dois de Julho, nesse dia
segundo alguns memorialistas eram realizados desfiles com a Guarda Nacional e
escolas do município. O Coronel Dias Coelho, na condição de Comandante Superior
da Guarda Nacional, envergava a farda de gala e comandava o desfile.
78

No âmbito pessoal, o dia 3 de dezembro transformou-se na cidade em um


feriado não oficial, o dia do aniversário era comemorado, com o patrocínio do próprio
aniversariante. Todos os setores da sociedade participavam das comemorações.

Estas aparições em eventos públicos proporcionavam ao Coronel uma


visibilidade muito grande perante a população, numa época em que os meios de
comunicação eram precários, e, no caso de Morro do Chapéu chegavam a ser
inexistentes. Estar com os pobres e com as elites, mesmo que algumas vezes em
eventos distintos, proporcionou ao Coronel Dias Coelho a proximidade necessária
para que todos os setores da sociedade local o vissem como líder e como exemplo a
ser seguido.

O casamento e o filho do Coronel Dias Coelho

Em 1889, o Coronel Dias Coelho casou-se com Maria de Oliveira Coelho, 15


anos mais velha do que ele. Aos 40 anos de idade ela era uma viúva branca, já com
uma filha do primeiro casamento e, irmã do professor Antonio Gabriel, que neste
momento já era um dos seus maiores conselheiros e colaboradores na formação do
grupo político. O casamento era, para ele, uma forma de inserção na elite local.
Embora estivesse em ascensão econômica, social e política, o enlace seria um
passo importante para a introdução na vida pública. O casamento inter-racial estava
intimamente ligado à ascensão do negro. Isso permitiria maior espaço ainda maior
na sociedade local.

Para uma sociedade de classe com mentalidade racista, o casamento misto, em


particular do negro com alguém do segmento branco, representava tanto o
aprimoramento da raça quanto a premiação pela vitória conquistada: a mobilidade
social. A esposa ou marido brancos simbolizavam, de forma combinada, uma
melhoria dupla: de raça e de classe social. 99

99
DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do branqueamento no interior da
comunidade negra em São Paulo, 1915-1930. Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, 2002 .
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
546X2002000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 dez. 2008.
79

Em parte, não parece ter o branqueamento da família o maior interesse do


Coronel Dias Coelho no seu casamento com uma branca. O fato de se casar com
uma mulher de mais de 40 anos de idade exclui a possibilidade de pretensão de
filhos mestiços. Por ser uma viúva pobre, já com filha do casamento anterior, isso
impossibilita interesses financeiros da parte dele. A esposa em questão não era
caracterizada no perfil ideal para ser mãe dos filhos do Coronel, segundo os
preceitos da época. Aqui, o interesse, aparenta ser mais de convenção social,
pensando mais na sua imagem perante a sociedade local, do que no
branqueamento da sua família. Embora os filhos mestiços, pudessem ser melhor
recebidos do que filhos negros, este era o objetivo do Coronel.

O casamento com uma mulher branca fez a sua imagem pública ser
ampliada. As aparições com a sua esposa davam uma impressão às pessoas, pois
se tratava de uma mulher “bem apresentada” e de “boa família” ainda que não fosse
de família rica servia de “cartão de visitas” nas aparições públicas.

Eram bem conhecidos na cidade vários casos amorosos do Coronel com


mulheres da cidade, desde antes do seu casamento. Em sua maioria com mulheres
negras, porém, nenhum deles efetivou-se em casamento. Em um desses casos,
gerou um filho, Deusdedith Dias Coelho nascido em 1887, dois anos antes do
matrimônio do pai. Apesar de não ser considerado como um bastardo por ter
nascido antes do casamento, o filho do Coronel era natural e não legítimo o que nos
leva a inferir que era tratado como ilegítimo pela madrasta. Alguns memorialistas
fazem essa afirmação, porém, sem comprovação.

Deusdedith viveu em Morro do Chapéu até por volta dos 18 anos, quando foi
enviado a Salvador, para estudar na Escola Baiana de Medicina, retornando à
cidade natal com o diploma de bacharel em medicina.

O filho ilegítimo, muitas vezes o intelectual da família, o “doutor” mulato dos nossos
tempos de outrora, por muitas vezes admitido no seio da casa grande e criado pela
“sinhá”, num arroubo de superioridade ante a infidelidade do marido. 100

100
SOUZA, op.cit., p. 38.
80

Além de acúmulo de riqueza, outra forma de ascensão social, na sociedade


sertaneja era através da educação. Pelas próprias dificuldades educacionais da
região onde havia poucas escolas e o ensino superior. Tornar-se doutor era por
demais complicado até para as famílias tradicionais. Ter um filho diplomado era
sinônimo de status. Se o diploma fosse de “doutor” (médico ou advogado),
prestigiaria ainda mais a família.

Como único filho do Coronel, o doutor Deusdedith, era o herdeiro natural do


espólio político, muito embora, a facção política do Coronel não estivesse
organizada em bases familiares como preconizava o coronelismo regional. O Doutor
foi preparado para ser o sucessor do pai, o que de fato aconteceu por um breve
período de tempo. Porém, não se efetivou devido à sua inabilidade como político e
administrador.

Figura 8: Fotografia de Deusdedith Dias Coelho, filho do Coronel Dias Coelho no quadro
memorial da Formatura em Medicina na Escola Baiana de Medicina, 1916. A fotografia
original encontra-se na Capela de Nossa Senhora da Soledade, em Morro do Chapéu. A
fotografia encontra-se no interior da Capela da Soledade em Morro do Chapéu.
81

Por fim, em oito de agosto de 1908, a vila de Morro do Chapéu é elevada á


categoria de cidade, o fato foi comemorado como mais um feito somente conseguido
graças ao prestígio do Coronel Dias Coelho junto ao governador eleito Araujo Pinho.
O apoio demonstrado nas eleições de 1906, comandando os coronéis do Médio São
Francisco, fora reconhecido, embora nem todas as promessas eleitorais da eleição
para governador do Estado tenham sido cumpridas. Em 1909, com a elevação à
cidade, o Conselho Municipal foi ampliado e mais dois conselheiros foram eleitos,
dentre eles o Coronel Dias Coelho. No ano seguinte foi nomeado Intendente
Municipal interino. Iniciam os anos de governo do Coronel na cidade de Morro do
Chapéu, modernizou a cidade após uma epidemia de varíola, reforçou a sua posição
de liderança regional, tema que trataremos no próximo capítulo.
82

CAPÍTULO III - O VETOR DO PROGRESSO

Este capítulo tem como objetivo analisar o governo dos Coquís sob o
comando do Coronel Dias Coelho em Morro do Chapéu, iniciado após as eleições
municipais de 1903, quando foram eleitos para a Intendência e para o Conselho
Municipal Antonio de Souza Benta e Francisco Nery Batista, respectivamente.
Liderados pelo Coronel, os Coquís permaneceram no poder das citadas eleições até
1919, e enfraqueceram após o falecimento de Dias Coelho, que governou o
município de fato a partir de 1904, e de direito, a partir de 1909, quando fora
nomeado Intendente interino, até 1919.

Benta era aliado desde muito tempo do Coronel Dias Coelho, tornou-se o
candidato do grupo e elegeu-se Intendente nas eleições de 1903. Por motivos de
estratégia, o líder do grupo não participou como candidato deste pleito. Nery Batista
que já era Conselheiro municipal desde 1898, que já representava o Coronel no
Conselho, no início do século XX foi eleito presidente do Conselho.

Ao assumirem a Intendência Municipal, os Coquís nomearam o Coronel Dias


Coelho para tesoureiro municipal e contador da Intendência. Mesmo não
concorrendo a nenhum cargo, o Coronel participou ativamente do governo dos
Coquís nos primeiros anos. Implantou um plano de desenvolvimento regional na
perspectiva de levar o progresso ao município de Morro do Chapéu, ao menos era o
que dizia nos seus discursos. Seus planos eram: melhorar as condições urbanísticas
da sede municipal, vilas e arraiais; promover uma alfabetização numa proporção
muito maior da que vinha acontecendo; e reestruturar as vias de acesso dos distritos
e vilas à sede do município e deste para as principais cidades do seu entorno como:
Jacobina, Lençóis e Mundo Novo, bem como, ao Recôncavo baiano, para onde era
enviada a maior parte da produção local.

O Coronel Dias Coelho ingressa de fato e de direito na administração pública


ocupando um cargo eletivo em 1909. Isso se deu com a elevação da vila sede do
município à condição de cidade, em agosto de 1908. Com isso, duas novas vagas
83

foram abertas para o Conselho Municipal. Dias Coelho ocupou uma delas. Um ano
depois, assumiu interinamente a Intendência Municipal, com o afastamento de
Deocleciano Barreto, também dos Coquís. Os livros de atas do Conselho Municipal
não explicam o motivo do afastamento. Até ser eleito Intendente em 1911101.

A construção da sua imagem pública continuou quando assumiu o governo do


município. Em 1910, a cidade passou por um surto de varíola. A partir de então, as
mudanças na cidade, sob a administração direta de Barreto, que ainda eram tímidas.
Quando Dias Coelho assumiu interinamente a Intendência, as transformações
passaram a ser aceleradas, interveio diretamente tanto no espaço urbano público,
quanto nos costumes da população imprimindo o seu personalismo que garantiu que
as reformas na cidade ocorressem com certa tranqüilidade. A epidemia foi
combatida com um novo código de posturas, que se coadunou com a modernização
da cidade dentro de uma idéia de progresso que vinha sendo implantada pelo
Coronel no município de Morro do Chapéu. A cidade foi reconstruída no modelo já
aplicado na Europa e em grandes metrópoles brasileiras.

Após a varíola, a cidade ganhará ares de modernidade com teatros,


filarmônica, biblioteca, pavimentação e iluminação a gás. Isso tudo já ocorria nos
grandes centros urbanos do Brasil, o diferencial é que a cidade contava com nove
ruas, três praças e um total de 450 casas, uma população diminuta e que na sua
maioria residia na zona rural e mantinha casa na cidade. Com estas mudanças na
infra-estrutura urbana, montada sob a administração de Dias Coelho, a cidade
estava sendo preparada para crescer e se tornar centro regional, o que de fato
nunca veio a acontecer.

As fontes utilizadas para a análise do período em questão foram documentos


oficiais como os livros de atas e de leis do Conselho Municipal, além de fotografias e
depoimentos colhidos em pesquisas anteriores. Com isso, buscaremos compreender
como se deu o governo municipal na perspectiva de progresso do Coronel Negro em
Morro do Chapéu

101 Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chapéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.120.
84

Alfabetização

O Coronel Dias Coelho e seus partidários pretendiam tomar medidas mais


efetivas para que o grupo se consolidasse e se mantivesse no poder. Ele sabia que
desde as fatídicas eleições de 1898, os Coquís deveriam se empenhar em aumentar
o número de eleitores oriundos das camadas mais baixas da sociedade local. Para
isso foi implementado um projeto de alfabetização no município, que criava escolas,
ou contratava professores para classes mistas em todo o município. Em 1898, havia
apenas uma escola estadual com 28 alunos matriculados.

Quando Nery Batista assumiu a presidência do Conselho pela primeira vez,


na virada do século XIX para o XX, foram criadas escolas municipais de primeiras
letras, nos distritos mais importantes. Nos locais onde não havia condições de
instalar uma escola regular, foram contratados professores para lecionarem em
classes mistas que chamaremos de “classes avulsas”. Por não se tratar de escolas
formais, tinham como único objetivo alfabetizar uma quantidade de alunos,
determinada pelo Conselho Municipal. Os professores eram contratados pela
Intendência Municipal por um período de um ano e deveriam formar turmas de, no
máximo, 25 alunos pobres, de ambos os sexos, indicadas, segundo o texto do Livro
de Atas, pelos chefes políticos do distrito e fiscalizados pelo próprio Conselho com
informações da comunidade onde estava situada a classe102.

102 Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.30
85

GRÁFICO 1: Relação eleitores-alunos


ELEITORES ALUNOS

3620

2420
2103

842
571 630
28 28 100 160

1899 1903 1907 1911 1915

Figura 9: Gráfico demonstrativo do número de eleitores e de alunos de 1898 a 1915 em


Morro do Chapéu. Fonte: Atas do Conselho Municipal de Morro do Chapéu. Arquivo da
Câmara Municipal de Morro do Chapéu.

No período compreendido entre a primeira eleição disputada pelos Coquís em


1898 e, quando conquistaram a Intendência Municipal em 1903, o crescimento no
número de eleitores foi de 47,5%, um número relativamente pequeno se comparado
ao crescimento obtido nos anos posteriores. De 1903 a 1915, período que
compreende da primeira vitoria dos Coquís à última eleição do Coronel Dias Coelho,
o crescimento foi de 329.9%.

Muito embora o crescimento dos investimentos educacionais em Morro do


Chapéu não tenha sido diretamente proporcional ao número de eleitores conforme
vemos no gráfico anterior, percebe-se um crescimento 2250% no número de alunos
registrados pelo Conselho Municipal. Este número é significativo considerando que
de 1899 até 1903, quando o grupo do Coronel Dias Coelho ainda não estava no
poder, os investimentos em educação foram praticamente os mesmos, somente uma
escola estadual existia no município e que não houve nenhuma ampliação. Nos
quatro anos posteriores, sob o mando dos Coquís, o número de escolas passou de
uma para seis e foram contratados cinco professores para ministrar aulas avulsas. A
partir de 1910, o Coronel Dias Coelho deixou a tesouraria e a contadoria da
Intendência e começou a governar de fato e de direito o município, os investimentos
ficaram ainda maiores a partir de então. Em 1911, já eram sete escolas e oito
professores.
86

No primeiro governo de Dias Coelho enquanto intendente houve um maior


crescimento na quantidade de escolas, que passou de sete para 10 e dobrou o
número de professores contratados para locais onde não havia condição de
implantar uma escola. Neste mesmo período houve um crescimento de 293.7% no
número de alunos alfabetizados por estes professores. Isso comparado ao o
aumento de 49,5% no número de eleitores103.

Embora em termos absolutos haja uma disparidade entre eleitores e alunos


alfabetizados, percentualmente, o aumento no número de alunos foi muito maior,
como o processo educativo é lento, os resultados são observáveis somente algum
tempo depois.

Gráfico 2: professor contratado -


escola

16

10
8
7
6
5
1
0 1
0
1899 1903 1907 1911 1915

PROFESSOR CONTRATADO ESCOLA

Figura 10: Gráfico indicando o crescimento na quantidade das escolas e dos professores
contratados para classes avulsas em Morro do Chapéu no período de 1899 a 1915.
Fonte:Livro de Atas da Câmara Municipal de Morro do Chapéu. Arquivo da Câmara
Municipal de Morro do Chapéu- Ba.

Não há documentos como relatórios de aproveitamento, evasão e repetência


nas escolas. Por isso não temos como fazer uma análise mais aprofundada dos
métodos e dos resultados, e nem este é o nosso objetivo no momento. Porém,
observa-se, que tanto as escolas municipais quanto as classes avulsas dos mestres-
escolas contratados, tinham como único objetivo a alfabetização e, que a finalidade,

103
Os números de alunos e eleitores foram obtidos na observação dos livros de atas do Conselho Municipal
de Morro do Chapéu de 1998 a 1915, estes livros encontram-se no Arquivo da Câmara Municipal de Morro do
Chapéu.
87

ao menos a princípio, não era somente “produzir” eleitores, uma vez que as escolas
e os professores contratados para as classes avulsas tinham como público alvo,
turmas mistas, numa época em que indivíduos de diferentes gêneros, eram
educados em classes escolares distintas. Estas turmas formadas por indivíduos do
sexo masculino e feminino, juntos na mesma sala de aula, talvez significasse um
avanço para a época, ou mais provavelmente, uma economia de recursos públicos,
pagando a um mesmo docente para uma turma única, ao invés de abrir novas
turmas e contratar novos professores. Não parece que havia, pelo menos nas atas
um projeto eleitoreiro, uma vez que somente aos homens era permitido o direito ao
voto. Porém, isso não impedia que houvesse dividendos eleitorais com o
investimento na alfabetização das meninas, uma vez que, elas poderiam ajudar, em
casa, na alfabetização dos pais, irmãos e maridos, potenciais eleitores.

Mesmo não sendo diretamente intencional, havia uma relação da


alfabetização no município, com os propósitos eleitorais. As votações nos Coquís
seguem a mesma trajetória de ascensão dos números de escolas e professores
quanto no número de eleitores, o que nos leva a inferir que muitos desses alunos ao
serem alfabetizados serviriam de multiplicadores, auxiliando na alfabetização de pais
e familiares.

Mesmo as meninas alfabetizadas que não seriam eleitoras, ao menos até a


década de 1930, poderiam ter melhores oportunidades de vida e, seus pais e
maridos que poderiam votar, teriam o ônus da gratidão aos partidários do Coronel
Dias Coelho pela oportunidade de ascensão das filhas, estabelecendo ou
reafirmando os laços de dependência e paternalismo. Na sociedade brasileira do
início do século XX, o magistério era uma posição de prestígio. Ser professora era
das poucas profissões socialmente aceitas para as mulheres, refletia em status para
as filhas de todas as camadas sociais. Nas camadas populares, o referido prestígio
era uma oportunidade de trabalho.

Na primeira década do século XX, em Morro do Chapéu, a possibilidade de


ser “professora formada”, ou seja, aquelas que terminavam o Curso Normal ainda
era um sonho um pouco distante para as famílias pobres, que não tinham condições
de mandar seus filhos para estudar em outros lugares com mais recursos
educacionais. O primeiro ginásio teve sua construção iniciada em 1916, e concluída
anos após a morte do Coronel em 1919. Isso não impediu que muitos desses
88

egressos das escolas de primeiras letras e classes avulsas fossem contratados


como professores leigos e se tornassem também alfabetizadores.

Concluímos que, durante a primeira década do século XX, o trabalho de


alfabetização no município coadunado com a construção da imagem pública do
Coronel Dias Coelho se converteu paulatinamente em votos para os Coquís e
conseqüentemente para o Coronel que culminou na sua eleição para o Conselho
Municipal em 1909 e, a partir de então, a posterior eleição para a intendência.

Além das ações educacionais acima citadas, o governo dos Coquís se


empenhou no melhoramento da infra-estrutura do município de Morro do Chapéu,
que na época era um dos maiores municípios baianos abrangendo um vastíssimo
território, com características variadas de clima, vegetação e da economia.

Como era o município

O centro das decisões do município de Morro do Chapéu era o distrito sede.


Todos os líderes municipais mantinham residência e casas comerciais na cidade,
ainda que alguns deles não morassem todo o tempo e, mesmo que em alguns
distritos houvesse uma pujança econômica maior que a própria sede, como o distrito
do Brejinho e o arraial do Ventura, isso aumentava a arrecadação dos impostos
municipais e os tornavam mais dependentes da sede. Além de centro político, a
sede do município era o centro geográfico de toda a região norte da Chapada
Diamantina. Estava situada no vale onde nasce o rio Jacuípe, que foi no período
colonial, uma das principais rotas de adentramento do sertão.

Excetuando a vertente leste, a cidade está cercada de montanhas que se


estendem a mais de 20 km em todas as direções, situada a 1.080 metros de altitude
acima do nível do mar. Na cidade ocorrem temperaturas bem frias numa parte do
ano, normalmente de março a agosto. Devido a estas características, poucas
atividades econômicas proliferaram na localidade, nas cercanias existiam apenas
89

alguns brejos destinados a hortaliças e uns poucos pastos utilizados na maior parte
para o descanso de animais que compunham as tropas.

A maior renda da sede provinha dos garimpos de carbonato, próximos à


cidade e no arraial do Ventura. O que era produzido nos garimpos era ali mesmo
comercializado entre os garimpeiros e capangueiros, os últimos vendiam as pedras
aos donos das casas comerciais de compra e venda de carbonatos e diamantes, e
por fim, estes comercializavam com as empresas européias que exportavam para a
Europa. Pertenciam aos Coquís estas casas comerciais e, ao maior comerciante da
cidade e de todo o estado da Bahia: o Coronel Dias Coelho.

Foi assim que o Coronel se tornou no início do século XX o maior comerciante


de pedras da Bahia, fornecia aos garimpeiros os víveres e ferramentas necessárias
à sua atividade e, como pagamento tinha a exclusividade na compra das pedras que
viessem a ser encontradas. Além de comprar diretamente dos garimpeiros.

O arraial do Ventura ficava a leste da cidade. Apresenta uma vegetação típica


de caatinga e um solo extremamente pedregoso e seco, era cortado pelo rio Ventura
que permanecia seco na maior parte do ano. Tudo isso, impossibilitava tanto a
agricultura, mesmo de subsistência, como a pecuária de animais de maior porte. O
arraial tinha uma economia mais dinâmica do que a própria cidade: Era o local da
Bahia onde mais se produzia carbonato. Não por coincidência, os capangueiros
eram partidários dos Coquís e a casa comercial mais expressiva era a Coelho &
Nery, de propriedade do Coronel Dias Coelho e do seu cunhado Francisco Nery
batista.

Em vários momentos, no início do século XX, as lideranças políticas do


Ventura, contrárias aos Coquís tentaram a emancipação, o que de fato nunca veio a
acontecer. Não era interessante para os partidários do Coronel Dias Coelho a
emancipação e a tomada do poder de Ventura, por um grupo contrário. Morro do
Chapéu perderia a sua maior fonte de receita em impostos.

A sul e nordeste ficavam respectivamente, os distritos de Riachão de Utinga e


Brejinho. O primeiro distava da cidade 80 quilômetros, ficava na fronteira com o
município de Lençóis, comandado por Clementino de Matos, que por volta de 1910,
após a sua morte, passou a ser administrado pelo seu sobrinho o Coronel Horácio
de Matos, este havia iniciado a sua carreira na Guarda Nacional e na política em
90

Morro do Chapéu, e permaneceu como aliado do Coronel Dias Coelho, de quem era
amigo e correligionário até que este morresse, em 1919. O distrito de Brejinho ficava
a pouco mais de 60 quilômetros da sede, estava na fronteira com Jacobina.

Estes distritos possuíam as maiores reservas de água e os campos de


altitude propícios para a pecuária, depois das áreas de garimpo eram os locais de
maior importância econômica para o município com a criação de gado. Com a
mudança da principal atividade econômica da Chapada Diamantina, de pecuária
para o garimpo, as terras perderam muito do seu valor e muitas das grandes
propriedades foram desintegradas por más administrações ou por distribuição de
heranças. Estas terras fragmentadas e na sua maioria com pastagens degradadas,
foram compradas pelos emergentes enriquecidos pelo garimpo. O gado funcionava
como reserva viva, poderia ser vendido como forma de conseguir dinheiro rápido em
caso de emergência. Era um bom negócio, mesmo não propiciando os mesmo
lucros de anteriormente. Possuir muitas propriedades no sertão não era tão
importante como a posse de gado, eram reconhecidos como ricos, aqueles homens
que possuíssem uma grande quantidade de animais, evidentemente, que os
rebanhos exigiam maiores quantidades de terras e de agregados.

Na direção sudoeste e noroeste, ficavam as terras mais desprezadas do


município. Eram os distritos de Canabrava do Miranda fazendo fronteira com
Iraquara e Campestre (hoje Seabra) e Caraíbas cujo território compreendia até
próximo de Xique-xique e Sento Sé, já nas margens do São Francisco. As terras de
barro amarelo eram as mais férteis do município pelas seguintes características:
pluviosidade intensa nos meses de novembro a março e muito baixa no restante do
ano; altas temperaturas médias anuais - clima e vegetação típicos de caatinga
rasteira. Como estas áreas do município de Morro do Chapéu não tinham vocação
para pecuária, e no seu subsolo não existiam pedras preciosas, destinavam-se
exclusivamente à agricultura. Devido a dificuldade de escoar a produção que não
era muito expressiva, eram as propriedades de menor valor no município.

Com a ascensão de uma nova elite econômica e política do município houve


também um reordenamento fundiário. Os antigos pecuaristas, que também
representavam o grupo político decadente, foram paulatinamente afastados para as
áreas do Município de Morro do Chapéu com vocação exclusiva de agricultura. Ou
seja, à medida que a pecuária extensiva deixava de ser a principal atividade
91

econômica da região, muitos proprietários se afastaram das fazendas abandonadas,


as pastagens e as construções se degradavam. Essa mudança se deu mais
intensamente com a seca que atingiu a região de 1898 a 1900. Nesse período tanto
a atividade agrícola como a pecuária foram duramente atingidas, “diversas fazendas
foram abandonadas pelos donos, à procura de melhores climas e solos mais
abençoados (...) verdadeiro êxodo”. Com a ‘fuga’ das pessoas das fazendas para as
cidades, uma parte da população fora transferida para Salvador, às custas do
governo estadual. Sem a ajuda do governo para se sustentar, os flagelados se
transformavam em sem tetos e mendigos na capital104. .

Como o declínio da atividade criadora em toda a região, os proprietários que


não tinham uma fonte de renda auxiliar eram obrigados a abandonar ou vender as
propriedades. Ao mesmo tempo em que perdiam o poder político para um grupo de
comerciantes emergentes, também vendiam as terras mais economicamente
rentáveis para os mesmos, enriquecidos com o garimpo. Por razões de status, além
dos investimentos em mineração, tais emergentes envolviam-se também com a
pecuária, que embora não rendesse lucros tão grandes como o garimpo, aumentava
o seu prestígio, ampliando ainda mais a sua esfera de influência.

Em suma, o grupo do Coronel Dias Coelho dominava politicamente o


município, tendo como Intendente Municipal em 1904, um dos seus partidários e
também a maioria dos conselheiros municipais inclusive o presidente.
Economicamente ainda se constituíam de um grupo de emergentes que dominavam
o comércio de diamantes e carbonatos.

Devido a sucessivas secas e epidemias, a pecuária não concorria com a


mineração como atividade econômica principal. Os endividamentos com a atividade
e as terras fragmentadas por heranças, aumentou a oferta de terras à venda,
principalmente no entorno de Morro do Chapéu e nos distritos mais propícios à
pecuária, tais terras foram compradas pelos comerciantes de pedras que já
dominavam praticamente todo o comércio do município. As mais distantes do
município, que, coincidentemente também eram as mais distantes da sede, tinham
vocação apenas para a agricultura que como fora falado anteriormente, tinha pouca
viabilidade econômica para o município com uma produção escassa e quase que

104
GONÇALVES, op. cit. p. 154.
92

totalmente destinada à subsistência. Essas terras continuaram pertencendo às


antigas lideranças, estes, portanto, ficaram isolados política, econômica e quiçá
geograficamente do centro de decisões.

A noção de progresso para o município encampado pelos Coquís,


principalmente quando o Coronel Dias Coelho se tornou intendente municipal, era a
de integrar todos os distritos de uma forma concêntrica, de maneira que o acesso à
sede do município fosse mais efetivo, e com isso houve uma facilitação na
circulação de pessoas e mercadorias, dinamizando as áreas mais distanciadas do
município, mas sem perder a centralização do poder tanto econômico quanto político
na sede de Morro do Chapéu.

Reestruturação viária de Morro do Chapéu

No final do século XIX, houve em todo o interior baiano uma expansão dos
canais de comunicação: ampliação das linhas telegráficas, chegando a Barra do São
Francisco no extremo oeste do Estado, na confluência do rio Grande com o São
Francisco, e os estudos de reconhecimento de terreno para a construção da estrada
de ferro. Para estes estudos foi montada uma expedição que contava com
especialistas renomados como o engenheiro Theodoro Sampaio e o geólogo Orville
Derby. A partir de suas observações foram publicados livros e fizeram propostas de
melhoria dos portos fluviais do São Francisco e a construção da ferrovia.105

O incremento de vias de comunicação tornava-se preocupação generalizada


em todas as instâncias administrativas; a própria Constituição Estadual de
1891, no seu item II, Art. 109, §1º, estabelece como competência dos
Conselhos Municipais a fiscalização e fixação de impostos sobre a viação,
navegação e transportes que tenham o seus pontos inicial e terminal dentro
do perímetro municipal. Isso não só indica a preocupação, como era também
uma forma de estimular o melhoramento das comunicações internas ao
106
município.

105
MELO, op. cit. p. 44.
106
Id., Ibid. p. 45.
93

Nos primeiros anos de governo dos Coquís em Morro do Chapéu, começou a


ser implementado um programa de reestruturação viária do município, com a
construção de pontes e estradas, que facilitavam o transporte de cargas e pessoas e
conseqüentemente, o escoamento das mercadorias.

Não havia muitos problemas com o transporte de diamantes e carbonatos dos


garimpos que ficavam à sede do município. As estradas que davam acesso a estes
estavam em condições razoáveis de tráfego. Nos garimpos mais distantes que
ficavam nas cercanias do arraial do Ventura, viajando de animal distante da sede do
município, as estradas não estavam em boas condições de tráfego, o que
aumentava o tempo e o risco nas viagens. O mesmo acontecia para o escoamento
da produção de outras atividades econômicas. Isso levava as vilas mais distantes da
sede a comercializar com outras cidades, dadas às péssimas condições de viação.

Com a facilitação da circulação de mercadorias, através da melhoria das


redes de transporte, o mercado interno da região, fechado em si mesmo integrou o
município como um todo, influenciou o mercado externo, que era competitivo,
baseado na troca de produtos não perecíveis e comercializado a grandes
distâncias107. Embora sejam instituições com funções e objetivos distintos, tanto o
mercado interno quanto o externo da região de Morro do Chapéu foram dominados
pelo mesmo grupo, interessado na integração econômica regional e transformar esta
integração em dividendos políticos.

Para tanto, entre os anos de 1904 e 1907, foram recuperadas ou construídas


vias de acesso para estes lugares, iniciando pelos mais próximos e/ou ligados à
pecuária, como os distritos de Riachão de Utinga e Brejinho, estas eram as
principais áreas de pecuária do município e, o escoamento da produção que por
questões de logística eram feitos para Lençóis e Jacobina respectivamente, voltaram
a ser atraídos a Morro do Chapéu e de lá enviados ao Recôncavo baiano, re-
estabelecendo o antigo comércio de bois do norte da Chapada Diamantina com o
litoral, decadente desde o fim do século XIX.

A reestruturação dos canais de comunicação tornou possível a circulação


maior de pessoas e produtos, estimulando as atividades produtivas, isso possibilitou

107
ORTIZ, Renato. Cultura e Modernidade. São Paulo: Brasiliense, 1991. p.194.
94

um melhor escoamento do que era produzido. Assim, as localidades antes isoladas


foram integradas ao restante do município e a outros locais da região, favorecendo
uma ampliação na arrecadação de impostos estaduais e municipais, Para, além
disso, houve uma integração política inserindo estas comunidades. Isso foi
fundamental para a ampliação da influência de grupos políticos melhores
articulados.108

Embora não esteja descrito nos livros de atas do Conselho Municipal, o


conceito de progresso dos Coquís passa pela integração do município com outras
cidades importantes da região e com a capital do Estado. Desde o início do século
XX, que as informações, seja pelas comunicações, desde a instalação de uma
agência dos Correios e Telégrafos que as notícias chegavam e saíam da cidade
com mais rapidez, ao invés de ir em lombo de burros das tropas ou à cavalo, através
dos “positivos”, pessoas que eram enviadas pelos ricos locais, para levar cartas ou
telegramas urgentes para Jacobina. Mesmo com as notícias se deslocando mais
rápido, as pessoas e mercadorias também necessitavam desta agilidade, para isso,
era necessário a reestruturação da Estrada Real que dava acesso à Jacobina e
Lençóis. A estrada ligava os dois extremos da Chapada Diamantina: iniciava na
cidade de Jacobina, que se localizava um pouco além do norte da Chapada,
atravessando-a por completo até a cidade de Rio de Contas, na extremidade sul da
mesma, fora concebida ainda no século XVIII, para facilitar o transporte de víveres,
principalmente carne, para as áreas de mineração de ouro em Jacobina e,
diamantes na região de Rio de Contas e o escoamento dos produtos destas regiões
para Salvador.

Morro do Chapéu funcionava como um entreposto entre as duas


extremidades abastecendo de carne a ambas, com as boiadas produzidas no
município. No início do século XX, embora a pecuária já se mostrasse decadente,
tendo em vista os altos lucros favorecidos pelo carbonato, a pecuária ainda era um
item importante na economia da região mesmo que neste momento estivesse
concentrada nas mãos dos comerciantes de pedras.

Ainda que o comércio de carne fosse importante para as regiões mineradoras,


a maior parte do que era produzido nas fazendas era enviado para o Recôncavo

108
MELO, op. cit., p.4.
95

através da antiga estrada das boiadas seguindo o Rio Jacuípe. O rebanho de Morro
do Chapéu que estava diminuindo, nos últimos anos do século XX e início do XX,
era “engrossado” pelos bois de Mundo Novo e Camisão, que também ficavam nesta
estrada. Juntos, ajudavam a abastecer o litoral. Os animais eram transportados até
Feira de Santana ou São Gonçalo dos Campos, ali ficavam por alguns dias para
recuperar o peso e então seguiam para a vila de Cachoeira, para serem distribuídos
pelo Recôncavo e Salvador.

No caso dos diamantes e carbonatos, por ser uma carga menor, mais fácil de
transportar e de valor muito maior. Provavelmente eram transportados sob escolta
de jagunços muito bem armados até a vila do França, hoje, distrito de Piritiba,
distante de Morro do Chapéu pouco mais de 70 Km, onde ficava uma estação
ferroviária da Leste Brasileiro. De onde eram enviados a Salvador.

Fazia parte também dos planos dos Coquís: restaurar a estrada que seguia
de Morro do Chapéu a Feira de Santana, passando pelo França e, utilizar a
influência do Coronel Dias Coelho, para conseguir que um ramal da via férrea
ligando Morro do Chapéu ao França fosse construído. A idéia fora teoricamente
efetivada em 1907, com a concordância do governador do Estado. Porém, a estrada
de ferro nunca fora construída.

A melhoria dos portos fluviais do São Francisco e a construção da ferrovia


que ligava Juazeiro à Alagoinhas, dinamizou a economia da região do Médio São
Francisco e Chapada Diamantina, com isso, passou a ser transportada uma grande
109
quantidade de pessoas e mercadorias . Esta ferrovia passava por Jacobina e
pela vila do França, passando próximo ao município de Morro do Chapéu, para a
economia deste, era importante um canal de ligação até a estrada de ferro, o trajeto
feito pelas tropas seria encurtado em termos de tempo com a construção de um
ramal que ligasse o município do Coronel Dias Coelho à vila do França. Era
pretensão dos Coquís conseguir junto ao governo a construção do ramal, o que
quase foi efetivado no apoio do Coronel ao candidato a governador Araújo Pinho.

109
Id., Ibid., p.47.
96

A intendência com Dias Coelho

Como fora antes tratado, o apoio dado pelo Coronel Dias Coelho ao
governador José Marcelino nas eleições de 1906, que resultou na eleição de Araújo
Pinho para governador, foi de suma relevância, já que o apoio e os votos dos
coronéis do sertão foram determinantes para o resultado do pleito. Com isso, esses
coronéis liderados pelo Coronel Dias Coelho estavam em posição de fazer
exigências ao governador eleito.

Alguns meses antes da eleição, no “Diário de Notícias”, edição de 15 e 16 de


abril foi anunciado que os coronéis do sertão apoiavam a candidatura de Araújo
Pinho, que pretendia suceder José Marcelino.110 Havia uma promessa de se
construir um ramal de acesso à ferrovia que ligava Juazeiro a Alagoinhas. No dia 13
de maio, o “Diário de Notícias” anunciou que se iniciariam os estudos de viabilidade
técnica para a construção de um ramal. A notícia repercutiu em toda a região, para a
população era reafirmada a liderança regional do Coronel e o prestígio que o mesmo
tinha perante o governo estadual. Dois dias depois do anúncio do apoio ao
governado, fora noticiado no jornal “O Diário de Notícias” em Salvador que a
construção seria em breve viabilizada111. A dita construção também foi reafirmada
nas correspondências do governador à assembléia estadual em 1907, o governador
assim defende a ligação:

A ligação descrita de Vila Nova da Rainha a Sítio Novo, passando por


Jacobina, Mundo Novo, Orobó e Morro do Chapéu, se os estudos não se
opuserem a passagem por este município, aliás, de grande importância pelas
suas riquezas agrícolas e mineralógicas, suponho preferível ao traçado que
de Jacobina procure Feira de Santana por Monte Alegre, Camisão por ser
aquela zona muito mais talhada a desenvolvimentos pelas suas variadas
112
riquezas naturais.

A citação acima demonstra que mesmo após as eleições havia a intenção do


Governador de construir a ferrovia, dadas as possibilidades econômicas que são
110
Diário de Notícias 15 e 16 de abril de 1907.
111
Diário de Notícias, 18 de abril de1907.
112
MENSAGEM apresentada a Assembléia Geral Legislativa do Estado da Bahia na abertura da 1 Sessão
Ordinária da 9 Legislatura pelo Dr. José Marcellino de Souza, Governador do Estado 1907, p. 56, in:
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u013/000645.html, acessado em 12 de novembro de 2008.
97

explicitadas, e, que inclusive serve de argumento em se preterir outra possibilidade,


e a influência do Coronel Dias Coelho que está implícita, ao menos para quem
estava inteirado das notícias estaduais.

Porém, a tão propalada estrada de ferro nunca foi construída, não


encontramos em documentação, nada que justificasse a não construção. Ao que
aparenta as promessas foram esquecidas junto com as cobranças. Talvez, como
compensação, um ano depois, a vila de Morro do Chapéu foi elevada à categoria de
cidade. Em decorrência da elevação à cidade, foram aumentados o número de
cargos públicos estaduais que obviamente seriam indicados pelos Coquís na figura
do Coronel Dias Coelho113.

A cidade sob o governo de Dias Coelho

Antes do governo de Dias Coelho, Morro do Chapéu era uma cidade pequena
de ruas estreitas e com um comércio em expansão graças à atividade mineradora
que movimentou a economia tanto local quanto regional. Embora fosse a sede do
município, Morro do Chapéu nem sequer era a maior vila, era menor em economia e
em número de habitantes, que o arraial do Ventura. Contudo, a sede concentrava as
lideranças políticas, principalmente, após a ascensão de Dias Coelho e dos Coquís
que conseguiram que o referido não fosse emancipado. A partir do governo de Dias
Coelho, a cidade experimentou um momento de crescimento, sendo completamente
reestruturada, assumindo ares de modernidade procurando se parecer cada vez
mais com as cidades “bem estruturadas” do início do século XX, embora nessa
semelhança não fosse levado em conta o tamanho da cidade que ora estamos
tratando.

O motivo que levou a Intendência Municipal a tomar medidas efetivas de


reestruturação da cidade de Morro do Chapéu foi o surto de varíola de 1910. As

113
Arquivo da Câmara Municipal de Morro do Chápéu – Bahia. - livro de atas de 1898 a 1915. p.78
98

primeiras providências tomadas pela população para o combate à varíola, afastando


as pessoas infectadas do convívio social, não fizeram o efeito desejado. Foi então
necessário que o governo do município interviesse, adotando medidas drásticas
para o controle da doença.

Não há documentos que comprovem a data exata que a varíola chegou a


Morro do Chapéu, o que se tem, são relatos orais e poucos relatos de memorialistas.
Sabe-se, no entanto, que em meados de 1910, a “bexiga” chegou à região.
Provavelmente o surto foi iniciado no Arraial do Ventura, onde foram conhecidos os
primeiros casos, mesmo não havendo comprovação documental, testemunhos orais
contam que a bexiga fora trazida de Salvador pelos senhores Bolí e Marcolino
Andrade. Estes eram comerciantes locais e viajavam com freqüência à capital do
Estado, aparentemente eles retornaram infectados para o Ventura114.

Os sintomas eram sempre os mesmos: febre alta e constante, e o


aparecimento de pústulas fétidas que se espalhavam por todo o corpo, em pouco
tempo levava o doente à debilitação e à morte. Ainda no arraial do Ventura, foi
adotado como prática de prevenção o afastamento dos infectados pelo vírus da
varíola para os morros próximos ao arraial. Por força da tradição este local ficou
conhecido como “Serra dos Bexiguentos”

Em poucos dias o surto se espalha por toda a região chegando a Morro do


Chapéu. Dada a gravidade da doença e as precárias condições de tratamento, as
primeiras mortes começam a acontecer e a cidade entrou em pânico. A “bexiga” era
altamente contagiosa, e, logo se tornou um inimigo quase invencível. Os remédios e
os tratamentos utilizados para o combate da doença eram quase sempre
ineficientes. Esses tratamentos eram baseados no conhecimento popular não
demonstraram resultados satisfatórios. Com isso, o número de vítimas fatais
aumentou consideravelmente.

As primeiras medidas foram tomadas, seguindo o que já fora feito no Ventura,


o isolamento dos doentes nas serras que ficavam cerca de dois quilômetros ao sul

114
Segundo depoimento concedido por Dona Maria Medrado de Souza, em 1997, então com 96 anos na
cidade de Morro do Chapéu. Arquivo pessoal de Fabrízia Sampaio, Morro do Chapéu Bahia.
99

da cidade115. Isolados, os enfermos deveriam ser tratados com álcool com cânfora,
porém existia a dificuldade de encontrar álcool etílico hidratado, que ainda hoje é
utilizado na medicina, como alternativa as pessoas em Morro do Chapéu substituíam
por cachaça abundante em quase todo lugar, depois as pústulas eram perfuradas
com espinhos de laranjeira ou mandacaru e, colocava-se cachaça com cânfora para
impedir infecção e a proliferação das bexigas, contudo esse tratamento além de ser
um paliativo, parecia não dar melhores resultados116.

Essas foram as formas de tentar evitar a proliferação do vírus em Morro do


Chapéu. Tentou-se afastar todos os possíveis infectados para um local
estrategicamente escolhido acima citado, a “serra” para onde os doentes eram
levados, posteriormente, e até os dias atuais ficou conhecida como “Serra dos
Bexiguentos” - o mesmo nome que o lugar que abrigou os variolosos tinha no
arraial do Ventura - a decisão foi questionada pela Intendência. Pouco tempo depois,
o local não era considerado com boa posição. Levando em consideração o
pensamento médico da época, em que acreditava-se que as doenças eram
transmitidas pelos “miasmas” maus fluidos transmissíveis pelo ar. A cidade era
cercada de morros e a dita serra não parecia ser o melhor local por apresentar o
risco de trazer as doenças com o vento, que sopra da serra para a cidade. Os
administradores chegaram à conclusão que mesmo com o afastamento dos
infectados, estes continuariam a contaminar a cidade.

No local existem algumas reentrâncias nas rochas que são denominadas


pelos moradores locais como “locas” onde as pessoas infectadas se abrigavam do
frio e da chuva na expectativa de receber tratamento.

Todas as pessoas infectadas pela varíola deveriam ser retiradas da cidade e


levadas a esse local, embora não existisse nenhuma determinação legal a retirada
dos doentes para a Serra dos Bexiguentos provocou pânico generalizado. As
pessoas sadias se apavoravam com os boatos de que um dos seus vizinhos estava
contaminado. Para aqueles que tinham alguém da sua casa infectado apavoravam-
se com a possibilidade de serem levados para os Bexiguentos, por se tratar na
115
O conceito de serra aqui utilizado não é o mesmo conhecido academicamente, ou seja, um conjunto de
morros ou montanhas. Para os moradores de Morro do Chapéu e região, as serras são os próprios morros
que circundam as cidades.
116
As informações sobre o tratamento da varíola em Morro do Chapéu foram fornecidas por Tolentino Oliver
Guimarães, farmacêutico de Morro do Chapéu, em 1997. Na época da entrevista , o mesmo contava com 81
anos de idade.
100

prática de uma quase sentença de morte. No caso dos doentes ficarem em casa,
representava o risco de contaminar os outros membros da família além de provocar
a ira dos vizinhos que se apavoravam com a possibilidade de ficarem doentes
também. Portanto, a medida tornou-se pouco eficaz, pois, dentre outras coisas,
quem tinha alguém infectado preferia esconder de todos até que o enfermo
melhorasse, fosse descoberto ou viesse a falecer. O tratamento nos bexiguentos foi
assim descrito por um antigo morador da cidade:

(...) O tratamento do bexiguento, era, o sujeito tinha primeiro que colocar


cachaça e cânfora, tomar e usar, apanhava a cânfora e botava na cachaça
para poder botar nas feridas e botar talco, ele botava Lépido, qualquer coisa
assim para sugar aqueles miasmas, depois fazia a higiene pessoal , naquele
tempo acho que nem tinha nem sabonete, só aquele sabão de soda , não
tinha querosene a luz era de azeite. No frio tinha o fogo, fazia o fogo e ficava
ao derredor, devia ser terrível ficava 5, 6 ou 8 ao derredor do fogo só sentindo
117
os outros gemerem, não é terrível?

Conforme o que foi descrito acima, as pessoas encaminhadas aos


Bexiguentos praticamente não eram tratadas, a não ser pelos próprios
companheiros de malogro. Poucos retornavam e os que morriam eram sepultados
por lá mesmo. Uma pessoa não doente e que não tinha medo de ser contaminado,
era designado para levar mantimentos e tratar das pessoas no local, esse indivíduo
ficava impedido de retornar à cidade sem fazer a devida assepsia, ou seja, antes de
entrar novamente na cidade deveria tomar um banho de cachaça e também,
queimar as roupas usadas na serra e vestir roupas novas que eram deixadas
próximas à cidade quando este voltasse.

Pode-se observar que este tipo de tratamento tanto era precário como
ineficiente, como se tratava de uma virose em que o contágio se dava através do ar,
a doença se espalhou com rapidez, infectou uma grande quantidade de pessoas em
pouco tempo, a melhor forma de combater a varíola era a prevenção através da
vacinação. Apesar de a vacina estar disponível na cidade, inclusive com vacinadores
pagos pelo Estado desde fins do século XIX, a população de Morro do Chapéu se
recusava a ser vacinada. No fim do século XIX e início do século passado, a
vacinação era feita braço a braço, retirando com uma agulha, pus das feridas de
alguém já vacinado, para que os anticorpos fossem transmitidos de uma pessoa a

117
Id. Na mesma entrevista.
101

outra. Durante uma ou duas semanas o recém vacinado apresentava os sintomas da


doença de maneira mais branda. As pessoas de maneira geral acreditavam que
estavam sendo contaminadas e se recusavam a serem vacinadas. Somente com o
surto os moradores declinaram das suas posições quanto à vacina e uma vacinação
em massa começou a ser feita.

Desta forma o que se poderia fazer era um tratamento paliativo, cuidando dos
sintomas e rezando para que a vítima sobrevivesse. Com o acompanhamento dos
sintomas, visava-se não permitir o aparecimento de doenças oportunistas como a
pneumonia, a gripe; seguidas normalmente na varíola, de uma fraqueza geral e
tumoração, que tem que ser acompanhada com uma assepsia com femol, (um anti-
séptico geral, descongestionante e fortificante) fazia-se tudo, inclusive tratar as
bexigas com maior cuidado para não infectar.

O desenvolvimento farmacêutico na época não permitia a produção de


remédios em escala industrial, nem tampouco uma oferta grande de medicamentos
principalmente para os municípios mais distantes dos grandes centros. Mesmo
assim, a função do farmacêutico, ou boticário era essencial, o próprio Coronel Dias
Coelho havia trabalhado nesta profissão por muito tempo, na época do surto de
varíola. Ele não mais trabalhava como boticário, mas ainda mantinha algum
conhecimento da área e possuía duas farmácias, uma no arraial do Ventura e outra
na cidade, ambas levavam o seu nome. O Senhor Tolentino Oliver Guimarães,
antigo boticário da cidade assim relata como alguns medicamentos eram fabricados:

(...) eu tinha tudo, balança de precisão de Roberval, eu pesava tudo e fazia o


remédio, fazia o remédio era com Estricnina, Cocaína, um bom anestésico
Cocaína, tava aí, mas ninguém abusava, não tinha esse negócio de cheirar,
eu mesmo muitas vezes tive Cocaína apenas fazia a solução para poder
anestesiar.
Remédio de laboratório tinha, mas, a maioria era eu mesmo que fazia, eu fiz
muito parto, então naquele tempo remédio era Licor de João Paz um
sedativo, alguns desses remédios ainda tem hoje aqui, Biotônico Fontoura,
biotônico é vinho de Málaga só é um vinho gostoso, o resto é propaganda,
aqui tinha um Tônico Bayer, era da Bayer, era muito falado naquele tempo. O
impaludismo foi uma das doenças terríveis, sabe o que é impaludismo?
Malária, pois é, naquele tempo, tinha para vender aqui, Elixir de Wintersmith,
era elixir americano, amargava você nem queira saber o quanto, combatia a
Malária, depois veio o Nistaquino, o Sulfato de Quinino, veio a Metodina, hoje
118
você dá uma dose ao sujeito e ele tá bom.

118
Id. Mesma entrevista.
102

Na região não havia médicos em quantidade suficiente para atender à


população mesmo quando não havia epidemia. Em Morro do Chapéu,
periodicamente vinha um médico, mas, isso não era uma constante, por isso os
serviços do boticário eram essenciais. A maioria destes não tinha formação
acadêmica, aprendiam o ofício com outros boticários mais experientes e com a
prática do dia-a-dia, prestavam um importante serviço à população, realizando
partos, fabricando os remédios e medicando os enfermos.

As reformas de Dias Coelho

Em agosto de 1910, a Intendência Municipal reage ao surto de varíola


promulgando a Lei municipal número 31 do mesmo ano. Esta lei era composta do
Código de Posturas Municipais e as Normas específicas para a tentativa de
erradicação da varíola no município119. Embora o maior motivo das reformas tenham
sido a epidemia, o projeto de lei vai além disso, buscando modernizar a cidade,
fazendo com que essa se diferenciasse das outras, na região e no Estado.

No primeiro momento foram adotadas medidas específicas para o combate à


varíola. O que se pregava na ciência médica da época, os miasmas eram o maior
fator de transmissão das doenças. Tratava-se de “maus fluidos” exalados por
matéria orgânica em decomposição quando em contato com o ar que não circulava,
um forte vetor de doenças. Era necessário possibilitar que o ar circulasse livremente
por todas as ruas e casas, com espaços amplos e abertos, preferencialmente
arborizados. No caso da varíola, que se tratava de uma virose, o contágio não se
dava pelos miasmas, mas, era facilmente propagado pelo ar. Assim, seguindo a
idéia de tratamento iniciada como o afastamento das pessoas sadias das doentes,
utilizados nos primeiros momentos, porém fundamentados com base científica. No
primeiro momento foi necessário restringir ao mínimo o contato dos doentes com os

119 Lei número 31 de 1910, Livro de Leis do Conselho Municipal de Morro do Chapéu. Arquivo da Câmara Municipal
de Morro do Chapéu.
103

sadios, fora criado um local específico na cidade para o tratamento das pessoas que
fossem infectadas, para que estas recebessem o tratamento adequado, sem o risco
de contaminar as outras pessoas.

No entanto para que a tentativa de evitar as contaminações fosse eficaz, era


necessário que alguns elementos da estrutura urbana fossem modificados. A
primeira destas mudanças é a realocação do cemitério. Como era de costume no
Brasil desde os tempos de colônia, os mortos eram enterrados dentro ou atrás das
igrejas. Em Morro do Chapéu, no início do século XX, o cemitério local não eram
mais nas cercanias da igreja e também não mais se sepultava no seu interior. O
cemitério local havia sido transferido para os limites do perímetro urbano desde o
início do século passado. 120

Com o crescimento da cidade este já se encontrava dentro da cidade. A


primeira medida tomada foi a de se mudar novamente o cemitério para mais longe,
então foi instalado numa colina distante mais de um quilômetro ao norte da cidade,
no extremo oposto a serra dos bexiguentos e sem correr o risco de trazer para a
cidade os miasmas exalados pelos corpos em decomposição, pois em nenhuma
época do ano corria-se o risco do vento soprar do cemitério para a cidade. A idéia de
se modificar o local do cemitério não era nova, em outros locais, isso já havia
ocorrido; em Salvador, provocou revoltas; em Paris, o Cemitério dos Inocentes
também fora retirado do centro da cidade e instalado fora dos limites da cidade
como forma de prevenir doenças.

Esta não era a única medida adotada. Com relação aos falecidos, a partir
desta lei, foi abolido o costume de se utilizar o caixão da misericórdia e adotada a
prática de se sepultar com urnas funerárias, ou seja, ao invés de se utilizar o caixão
da igreja somente para o transporte até o cemitério e depois trazido à urna
mortuária, para ser novamente utilizado, aqueles que falecessem após a lei,
deveriam ser enterrados dentro dos caixões que não mais retornariam para a
cidade. Aqueles moradores comprovadamente pobres que não tivessem condições
de comprar um caixão receberiam um da Intendência. Os que faleciam na cidade
deveriam ter um velório rápido e ter o trajeto fúnebre por fora da cidade pelo lado
oeste até o cemitério, sem correr o risco de atravessar a cidade, de forma que o

120
Idem. p.12
104

vento não soprasse para a cidade evitando o risco dos miasmas serem trazidos e
contaminar a população. Todas as roupas dos mortos deveriam ser incineradas,
também em locais afastados da cidade logo após os funerais.

As normas eram ainda mais rígidas para os mortos pela varíola, os


“bexiguentos”, não poderiam receber a extrema-unção, a não ser que estivessem
convalescendo fora dos limites da cidade, como medida de segurança também
estava proibida a missa de corpo presente, uma vez que a Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Graça ficava no centro da cidade, tanto para chegar como para sair da
igreja, vindo de qualquer direção, o féretro teria que atravessar a cidade, o que era
proibido pelo código de posturas municipais. Nestes casos, além de perder o seu
ente querido, os parentes não tinham nem a possibilidade de se despedir do morto
nas cerimônias de velório, o falecido, deveria ser sepultado imediatamente, com as
roupas que vestia no instante em que morreu, e, no prazo máximo de 12 horas e
todas as suas roupas e pertences de uso pessoal deveriam ser incinerados fora dos
limites da cidade, sempre numa posição que não trouxesse a fumaça e
conseqüentemente os miasmas para a cidade121.

Havia próximo à entrada de Morro do Chapéu uma árvore que ficou


conhecida como “pau de rede”, recebia este nome por que os mortos na maior parte
das vezes eram conduzidos de locais próximos para a cidade em padiolas feitas por
uma rede e uma trave. Como os mortos estavam impedidos de adentrar na cidade.
Ao chegar próximo eram transportados para um caixão e a rede pendurada na
árvore para ser incinerada, junto com as roupas do defunto.

Essas medidas tomadas pelo Coronel Dias Coelho na Intendência envolviam


muito mais do que a simples condução dos mortos para o cemitério local, estavam
em jogo também, os conceitos religiosos pregados pela igreja, como a absolvição
dos pecados no momento da morte ou a missa para encomenda da alma que
ficaram impossibilitadas. Para os parentes, a impossibilidade de um velório, sem o
tempo necessário para se despedir daqueles que conviveram consigo por anos,
deveria aumentar ainda mais a dor da perda. No entanto, mesmo normatizando
coisas tão íntimas de cada família e intrometendo-se em questões de foro íntimo
relacionadas à fé, não se tem registrado nenhum movimento de revolta, seja porque

121
Idem. p15.
105

não foram registradas ou não existirem mesmo. Ao que parece, o respeito ao


Coronel que obviamente deveria contar com o apoio do padre, aliado ao medo que a
doença imprimiu na cidade. Havia multa para quem descumprisse estas normas,
mas não foram encontradas nem nos documentos da Intendência e nem nos
arquivos judiciários, processos contra alguém que tivesse descumprido essas
regras.122

No âmbito da cidade, as mudanças também ocorreram na estrutura urbana do


município, na belle èpoque as cidades eram consideradas como organismos vivos
cortadas por artérias largas para permitir a circulação de pessoas e de mercadorias.
O projeto do Coronel Dias Coelho também contemplava isso, para tanto, foi
determinado pela Intendência a normatização das construções urbanas, respeitando
novas metragens para as ruas e casas. As ruas deveriam ter a metragem mínima de
14 metros de largura e as praças 30 metros, as casas que não obedecessem a esta
metragem deveriam ser demolidas e construídas seguindo o novo alinhamento das
vias. A cidade então fora reconstruída com ruas largas e retas com uma avenida
principal que media 18 metros de largura, paralela a outras duas com 14 metros
cada uma; estas ruas eram cortadas por artérias menores que faziam a ligação entre
elas que nunca mediam menos que os 14 metros estabelecidos no projeto. Durante
o trajeto das avenidas principais que seguiam no sentido norte-sul, eram cortadas
por três praças, uma delas com metragem maior que os trinta metros, unia as três
avenidas principais e as outras duas uniam cada uma das ruas paralelas à
principal123.

As reformas de Morro do Chapéu foram similares às que aconteceram em


Paris anos antes. Com as reformas capitaneadas por Haussmann, administrador da
cidade na época; foram construídas ruas, avenidas, pontes e praças ligando os
principais pontos da cidade, de forma que a cidade era cortada por dois eixos, um
norte-sul e outro leste–oeste que possibilitava a comunicação o centro com a
periferia. Para facilitar a circulação, as ruas foram alargadas com vias que de 18
metros chegando alguns bulevares a atingir 30 metros.124

122
Idem. p.18.
123
Idem. p.21.
124
ORTIZ, op. cit. p. 202.
106

As medidas tomadas pelo governo municipal foram de estabelecer uma nova


ordem urbana. O ordenamento da cidade segue os mesmos princípios citados
anteriormente, porém, com uma peculiaridade, a cidade contava apenas com 450
casas, dispostas em nove ruas e três praças, com uma população estimada em
menos de 5.000 habitantes em seu perímetro urbano, o que não equivalia nem ao
menos a um bairro de Paris.

Estas reformas são também no âmbito público, com a remoção do cemitério;


pavimentação arborização e alargamento das ruas que nunca deveriam ser
inferiores a 12 metros de largura. Atinge também o privado na construção das casas
quatro metros e meio de altura para as casas térreas e quatro metros por andar para
os sobrados, todas rebocadas e caiadas ao menos uma vez ao ano125.

As ruas assumiram um aspecto mais “moderno” todas são retilíneas e formam


quadras, evitando-se a construção nos morros ao redor da cidade. As moradias do
centro seriam destinadas à elite dominante com exceção da residência do Coronel
Dias Coelho que preferiu construir sua casa mais afastada do centro, talvez mais
perto dos pobres, ainda que distante dos territórios não recomendáveis para a
liderança local.

As casas mais antigas da cidade ainda hoje conservam este aspecto como
pode ser visto na fotografia a seguir

125
Idem. p25.
107

Figura 11 fotografia da Praça D. Pedro II em Morro do Chapéu, do fotografo Eurícles


Barreto em 25 de março de 1930. Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.

A fotografia acima, de autoria de Eurícles Barreto, demonstra bem as


características das construções exigidas no Projeto da Intendência, para se ter uma
idéia da altura das paredes, basta tomar como referência as pessoas em pé, nas
portas, que aparentam se homens de estatura mediana e que não alcançam nem ao
menos a metade das paredes. A medida parece ter por princípio o arejamento,
paredes mais altas facilitam a circulação do ar. As portas altas e muitas janelas
também grandes e compridas, embora não fizessem parte do projeto tornaram-se
costume comum nas construções da cidade, assim como as fachadas superiores
com finalidades apenas decorativas da maioria das casas na localidade.

O projeto de reurbanização também previa algumas medidas de ordem


meramente estéticas. Era estabelecido também no Código de Posturas que todas as
residências do perímetro urbano deveriam ser caiadas ao menos uma vez por ano
durante as comemorações do dois de julho, novamente, para aqueles que não
poderiam arcar com a pintura caberia a Intendência fazer. Embora não tenha relação
direta com o tratamento das doenças, dava à cidade um aspecto de limpeza e saúde
melhorando ainda mais o aspecto para quem a visitava, as ruas retas e largas
estavam sempre limpas e as fachadas sempre caiadas; impressionava a quem
108

chegava e orgulhava os moradores. Nas comemorações do dois de julho, as ruas


estavam limpas e as casa pintadas. Os estudantes desfilavam fardados ao som da
filarmônica e a população era convidada a participar das festividades.

Figura 12 fotografia do desfile de Dois de Julho, na Rua Coronel Dias Coelho em Morro do
Chapéu. Fotografia de Eurícles Barreto sem referencia de data. Arquivo particular Carla
Meneses, Morro do Chapéu.

Outros fatores parecem não ter uma preocupação higiênica, apenas estética.
Havia a obrigação legal de todas as casas serem caiadas no dia do aniversário da
Independência do Brasil. É perceptível que, a administração de Dias Coelho
incorporou uma noção de progresso vinda de fora. As reformas urbanas deram a
Morro do Chapéu um padrão estético importado, mais adaptado à cidade do
pensado para ela, porém, percebe-se também que as modificações na cidade
surtiram o efeito desejado, o surto de varíola fora controlado e a cidade assumiu
novas feições. Com uma economia já lastreada no comércio, o impacto das secas
se torna menor e a própria pecuária se recupera, embora, em mãos de
administradores mais competentes.

Após o perigo da varíola ter passado, as mudanças urbanas continuaram a


ser implantadas pelo Código de Posturas. Havia uma preocupação especial com a
109

higienização e a saúde pública. Era determinado na lei número 31 que todos os


animais, que viessem a ser abatidos para serem comercializados na feira da cidade,
deveriam passar por uma inspeção e serem sacrificados em local apropriado. Estes
locais foram conhecidos por “currais de matança”. Foi determinado pelo Conselho
Municipal que deveriam ser construídos esses “abatedouros” em todos os distritos.
O curral de matança de Morro do Chapéu ficava um pouco afastado das ruas. Como
forma de se cumprir a lei, havia uma rígida fiscalização na feira e a carne
proveniente de abatedouros clandestinos era apreendida e o comerciante multado.
Caso o fiscal falhasse nas suas funções, este também receberia multa e poderia ser
demitido.

Para as feiras no município foram construídos barracões tanto na cidade


como nos distritos maiores, a reunião de todos os feirantes no mesmo lugar
facilitava o controle, a fiscalização de produtos irregulares bem como a cobrança de
impostos.

As medidas de higiene atingiram também as lavadeiras. Ficava proibido pelo


Código de Posturas que elas exercessem as suas funções dentro do perímetro
urbano, isso atingia principalmente as lavadeiras de ganho. Elas utilizavam o leito do
rio Jacuípe que passava alguns metros por trás das casas na margem sul da cidade.
Para a resolução do problema foi construída uma lavanderia pública distante das
casas, mas, de fácil acesso, chamada fonte do Pó-Só. Com uma estrutura montada
pra que não prejudicasse a higiene da cidade, nem tampouco impossibilitasse o
trabalho das lavadeiras. A água da lavanderia era filtrada por canais de decantação
e devolvida ao rio Jacuípe pouco mais adiante.
110

Figura 13. Fonte do Pó-Só, Morro do Chapéu, apesar da fotografia ser da década de 40. A
construção da fonte remonta ao período da administração do Coronel Dias Coelho. Foto
Eurícles Barreto. Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.

O projeto de reurbanização não se restringe somente ao Código de Posturas


da lei numero 31, a cidade passou durante todo o período de governo do Coronel
Dias Coelho e mais efetivamente de 1910 a 1919, por uma modernização,
assumindo ares do que se chamava na época civilizada. Neste período foi instalada
iluminação a gás em todo o perímetro urbano e a cidade de Morro do Chapéu, que
já tinha uma vida social agitada para o seu tamanho, contando com teatros, e
apresentações freqüentes de filarmônicas e grupos teatrais, será ainda mais
impulsionada com a possibilidade dos espetáculos entrarem noite adentro com mais
conforto, além de possibilitar aos transeuntes maior segurança para sair à noite
aumentando o transito noturno na cidade. Além da cidade somente dois distritos
foram agraciados por Dias Coelho com a iluminação a gás, por serem os maiores: o
distrito do brejinho e o arraial do Ventura.

Apesar das leis servirem para todo o município, as reformas não atingiram
todos os distritos. Os mais distantes ou menores não passaram pelas reformas,
mesmo nos distritos maiores como no Brejinho ou no arraial do Ventura, as ruas e
casas não foram substancialmente modificadas, ficar a modernidade propalada
pelos Coquís somente à cidade.
111

O projeto de Dias Coelho atingiu as áreas cruciais do Município.além das


implicações não somente econômicas, representavam um avanço para a época. Nos
seus discursos prometia progresso e modernização para o município, o que de certa
maneira fora cumprido.

O município reconhecia no Coronel a liderança necessária e incorporava as


mudanças e os novos modos de pensar e agir na cidade, não encontramos nos
relatórios do conselho, críticas abertas ao Coronel, é possível que elas tenham sido
suprimidas ou não registradas, mas, é provável também que o Coronel Negro
conseguira cativar os moradores de forma tal que não houvesse uma oposição forte
o suficiente para demonstrar outra realidade.

O Coronel, antes de assumir a administração já era um homem admirado,


algumas de suas características foram aperfeiçoadas. Com os anos de política era
astuto, sabia negociar e tinha forte influência em todas as camadas da sociedade
local. Durante toda sua vida conseguira superar muitos preconceitos.
112

MORRE O HOMEM, NÃO O MITO

No dia 19 de fevereiro de 1919, faleceu em Morro do Chapéu o Coronel


Francisco Dias Coelho. Rapidamente a notícia correu na cidade e no outro dia às 8
da manhã, fora sepultado, na capela da Soledade, construída ao lado da sua
residência. Esta capela, além de abrigar os restos mortais do Coronel, também
ostentava uma imagem de Nossa Senhora da Soledade. Esta estátua que tem um
metro e 80 centímetros de altura, segundo conta o memorialista Cunegundes, se
trata de um presente dado pelos franceses diante de uma recusa do Coronel de
visitar Paris, pois, sabia que seria recebido no exterior como mais um negro e não
como Chefe político influente no interior baiano como o era em Salvador126.

O jornal “O Correio do Sertão”, meses antes da morte dele já noticiava


semanalmente o estado de saúde de Dias Coelho, aliás, desde a sua fundação em
1917, o periódico local informava toda semana o que acontecia semanalmente os
acontecimentos da vida pública do Coronel. Ficavam informados os moradores de
todas as ações do líder político. Era uma maneira de mantê-los a par dos
acontecimentos na cidade, e, de forma quase que simbiótica do chefe. Sempre era
noticiada a presença de Dias Coelho em eventos públicos, inaugurações, propostas
e, principalmente, sobre o seu cotidiano, quem o visitava quando se tratava de
alguém importante ou os telegramas que recebia. Nos dias 3 de Dezembro nos anos
de 1917, quando foi fundado o jornal e 1918 foram impressas edições especiais
comemorando a datas de aniversário do Coronel e reportando com certa riqueza de
detalhes o que houvera acontecido nas comemorações tanto na cidade em geral
quanto as homenagens na residência do Coronel127.

Em 23 de dezembro de 1918, o Correio do Sertão deu a notícia que o Coronel


convocara um médico da vizinha cidade de Mundo Novo, o Dr. Artur de Assis
Curvelo. Este era tido como médico mais antigo e experiente, uma vez que o líder

126
CUNEGUNDES, op. cit. p.36.
127
Respectivamente Correio do Sertão, 3 de dezembro de 1917 e 3 de dezembro de 1918.
113

político tinha à sua disposição um bacharel em medicina recém- formado na sua


própria residência. O doutor Artur recomendou um tratamento mais sério na capital
do Bahia, pois o jornal local assim noticiou em 19 de janeiro de 1919, o seu estado
de saúde128. O jornal sempre dava a notícia do estado de saúde do Coronel e na
mesma matéria emitia uma mensagem de melhoras, envolvendo os leitores na luta
do chefe pela vida.

Vai gozando uma melhora satisfatória o nosso Chefe (sic) Cel. Dias Coelho.
Ultimamente tem se sentido mais forte, já se preocupando em serviços de
seu gabinete. Tenciona ele, logo que possa viajar a Bahia tratar de sua
129
saúde. Desejamos-lhe completo restabelecimento.

As notícias animadoras foram vinte dias após, substituídas, por outra com tom
de preocupação mais acentuado. O estado de saúde piorava e já estava no
momento de preparar a população local para o pior que já era eminente.

No dia 09 de fevereiro era publicada a notícia:

Continua bastante alterado o estado sanitário do excelentíssimo Senhor


Coronel Francisco Dias Coelho, digno chefe político e honrado intendente
deste município.
Somente pelo simples fato de sua Senhoria a passeio no edifício escolar em
construção, visinho (sic) a sua residência em dias últimos, foi ele acometido
de um acesso sendo preciso estar de cama.
Presentemente acha-se melhorando dos maiores incômodos. O seu
130
completo restabelecimento será para nós uma felicidade.

Alguns dias antes do seu falecimento o Coronel Dias Coelho passa a sua
espada da Guarda Nacional a Antonio de Souza Benta. Isso aconteceu numa
cerimônia, na sua residência com a participação dos correligionários e parentes mais
próximos, na mesma semana o “Correio do Sertão” noticiou o fato, e participou a
toda a população da cidade. O ato funcionou como um símbolo de continuidade,
onde o poder de um chefe convalescente escolhe e torna conhecido o seu sucessor,
este, de pronto, aceita a espada e assume o comando do grupo.

128
O Correio do Sertão, 19 de janeiro de 1919.
129
Idem, 19 de janeiro de 1919.
130
Idem, 09 de fevereiro de 1919.
114

Às 4 da manhã, do dia 19 de fevereiro de 1919, faleceu o Coronel Negro. Era


uma sexta-feira, tradicional dia de feira livre na cidade quando as pessoas vinham
da zona rural para comprar os víveres que faltavam em suas moradias, e vender o
seu excedente. A feira livre era também o local onde as notícias eram veiculadas. O
jornal local era distribuído neste dia, provavelmente, alguns parentes e
correligionários estavam de vigília, próximo ao convalescente. Nas horas que
antecediam o amanhecer, era o horário em que as pessoas costumavam montar as
barracas na feira livre, assim, o movimento na rua já estava se intensificando. Como
já era de se esperar a notícia rapidamente correu a cidade, aparentemente a
comoção foi generalizada, a cidade estava movimentada por causa da feira e muitas
pessoas já esperavam este desfecho para a vida do Coronel.

O falecimento e o funeral foram assim noticiados em Morro do Chapéu pelo


Correio do Sertão em uma edição especial destinada exclusivamente ao
acontecimento. Nesta edição do jornal, notícias se misturavam com poesias e
declarações de pessoas importantes da cidade numa espécie de despedida do líder
que acabava de ser sepultado:

A mão inexorável da morte acaba de roubar ao Morro do Chapéu o maior


dos seus filhos – O Coronel Francisco Dias Coelho. Com ambas as mãos
trementes a suster-lhe a fronte macilenta, a sua pátria-natal chora, neste
momento, a memória do seu grande morto, que em vida, soube manter
honestamente a concórdia, o bem comum, o enaltecimento da terra que lhe
serviu de berço. Coração nobre, grande, magnânimo, nobre de bondade,
grande de benemerência, magnânimo de caridade. O Coronel Francisco
Dias Coelho, com um sorriso nos lábios, cativava ao forasteiro, animava ao
fraco, mostrava o caminho do dever aos viajantes perdidos da existência,
protegia aos pobres, numa paciência exemplar e digna de apreço. A sua
morte abriu um vácuo imenso no coração do município de Morro do
Chapéu; a sua falta será indubitavelmente impreenchível. Chefe modelo, de
fino trato, de largos ideais, ele abafava o alvoroço espontâneo da política, a
fim de cumprir a toda risca o seu programa governamental, a fim de manter
a ordem progressista de seu município, guardando silenciosamente no
escrínio de sua alma todas as contrariedades que lhe apareciam
momentaneamente na escabrosa rotina da política. Vestido pela ultima vez
com a sua farda, o Coronel Francisco Dias Coelho parecia dormir. Durante
todo o dia, de hora em hora, momento em momento, de diferentes lugares
do município chegavam pessoas amigas que vinham render-lhe o
derradeiro tributo de amizade e gratidão ao seu inesquecível chefe. Às 8
horas da manhã do dia 20 de fevereiro efetuou o seu enterramento na
131
capela de Nossa Senhora da Soledade.

131
Idem, 23 de fevereiro de 1919.
115

Um caráter quase que messiânico foi dado ao Coronel Dias Coelho no


momento da sua morte. As suas virtudes o colocavam acima de todos os cidadãos
comuns da cidade e as suas características de lideranças eram evidenciadas, tanto
quanto a sua nobreza de caráter e bondade. A imagem pública construída anos
antes pareceu ter o seu ápice neste momento. Um sepultamento digno de tão
grande líder, era é o que evidenciava o jornal. A única coisa que diminuiria a
comoção generalizada na cidade com o falecimento de Dias Coelho seria um funeral
merecedor da sua “grandeza”.

Figura 14: fotografia do funeral do Coronel Dias Coelho. Autor Eurícles Barreto, 1919.
Arquivo particular Carla Meneses, Morro do Chapéu.

Graças à utilização do telégrafo, a notícia do falecimento do Coronel Coelho


chega a Salvador, que assim foi noticiado no jornal O Democrata:

Telegramas particulares trouxeram-nos a dolorosa noticia de haver falecido


o Coronel Francisco Dias Coelho, nome vantajosamente conhecido como
chefe político de real e benéfica influência nos municípios de Morro do
Chapéu e Wagner e cidadão possuidor das mais belas virtudes.
Era ele correligionário do Partido Democrata do qual se dedica de há muito,
tendo compreendido e realizado nos domínios da política e da
administração, o ideal do progresso e honestidade, tudo havendo feito em
beneficio da terra de seu berço, que muito prosperou e floresceu ao influxo
dos seus reconhecidos sentimentos patrióticos.
O coronel Francisco Dias Coelho era o depositário de maior confiança do
alto comércio na rica zona de sua residência.
A morte de tão lastimável cavalheiro, benquisto chefe sertanejo que, pela
sua fineza habitual, granjeava grandes simpatias, veio abalar
profundamente o espírito da nossa sociedade, notadamente dos seus
116

inúmeros amigos e nossos dedicados correligionários que confiantes e


132
solícitos recebiam sua criteriosa orientação naqueles municípios.

Como o jornal acima citado era o veículo de comunicação de uma agremiação


partidária, as características exaltadas são menos bajuladoras. Mesmo assim
exaltam o caráter e a honestidade do Coronel. Segundo este jornal, essas virtudes o
credenciavam a ser membro do partido em questão, no caso o Partido Democrático.
A matéria ainda o reconhecia como um poderoso comerciante que era respeitado na
capital. O partido atestava a sua liderança, como forma de se fortalecer nos
domínios antes comandados por Dias Coelho.

Outros jornais da capital também noticiaram o acontecimento. Isto de certa


maneira evidenciava o reconhecimento como político e comerciante que o Coronel
granjeou em todo o sertão do São Francisco e na Capital do Estado.

O Diário de Notícias, na época jornal da situação, ligado ao governo do


Estado assim se referiu à sua morte:

Um distinto conterrâneo nosso acaba de desaparecer com a morte; o


Coronel Francisco Dias Coelho, sertanejo de real e benéfica influência em
vasta zona do interior. Merecida e geralmente acatado pelo seu caráter e
inteligência, que punha sempre, devotadamente, a serviço do progresso das
zonas em que influía, tendo muitos benefícios, às suas custas, levar a
133
efeito.

Apesar de economizar nos elogios, o Diário de Notícias não deixou de


evidenciar o caráter, inteligência e principalmente a influência exercida pelo Coronel
em seus domínios. Mostrava também que os benefícios e obras advindos para a
cidade foram devido a influência dele.

O periódico de oposição, o Jornal de Notícias trouxe uma nota mais modesta.


O falecimento foi reportado assim pelo mesmo:

Telegramas para esta capital trouxeram a infausta notícia do falecimento do


Sr. Coronel Francisco Dias Coelho, um nome considerado e da mais larga

132
O democrata, 22 de fevereiro de 1919.
133
Diário de Notícias, 23 de fevereiro de 1919.
117

influência nos sertões baianos. Era o extinto um cidadão estimado,


134
possuidor de excelente caráter e de boas qualidades de coração.

Para o jornal de oposição ao governo do Coronel (que por certo deveria ser
parceiro comercial de alguns dos seus anunciantes), bastava evidenciar a influência,
o caráter e a bondade de coração. Não cabiam elogios à sua atividade política no
interior do Estado nem tampouco as relações com políticos importantes no governo.

As notícias de homenagens póstumas continuaram a chegar ao município.


Neste momento em Morro do Chapéu, o telégrafo era a forma mais rápida de
comunicação com a capital do Estado e outros municípios. Os telegramas que
chegavam para a família eram publicados no Correio do Sertão e colocavam a
população a par das comunicações para a família e ampliando o mito. Por algum
tempo o túmulo do Coronel foi periodicamente visitado por caravanas que vinham de
vários lugares da região. Tanto em Salvador como em outras cidades da região por
algum tempo ainda aconteciam missas pela alma do falecido e homenagens, o
Diário de Notícias de 18 e 19 de março reportou:

Realizaram hoje no majestoso templo dos religiosos franciscanos as


solemnes (sic) exéquias em sufrágio à alma do distinto e benemérito
sertanejo Coronel Francisco Dias Coelho falecido na sua residência na
cidade de Morro do Chapéu, mandadas celebrar pelos seus dedicados
amigos desta capital representados pela comissão composta dos ilustres
cidadãos Coronel e senador José Abrahão Cohin, Comendador Bernardo
Martins Catharino, Dr. Joaquim Barreto de Araújo, negociante Pedro Grassi
e Coronel Vicente Ferreira Lins do Amaral. A Esse imponente cerimonial
fúnebre, merecida homenagem prestada aos méritos e adamantino caráter
do extinto, compareceram o alto Comércio desta praça, avultadíssimo
número de amigos particulares, os poderes do Estado, na pessoa do Sr.
Governador e Secretários, representantes da imprensa, e o Sr. Senador
Seabra, tocando durante o ato a banda de música do primeiro corpo da
135
Brigada Policial.

Esta não foi a única missa de trigésimo dia oferecida em favor da alma do
Coronel Dias Coelho, o mesmo ocorrera em Jacobina e Morro do Chapéu como já
era de se esperar. O diferencial desta é que denota a influência do falecido no meio
político e comercial da capital. Dentre os nomes citados, como membros da
comissão organizadora acima, apenas o de Pedro Grassi era mais conhecido em

134
Jornal de Noticias 23 de fevereiro de 1919.
135
Diário de Notícias, 18 e 19 de março de 1919.
118

Morro do Chapéu. Grassi, era um italiano radicado no Brasil e representante


comercial do Coronel Dias Coelho em Salvador. Cabia a ele intermediar o comércio
de pedras com os estrangeiros além de resolver as pendências comerciais na
capital, era também um homem bem relacionado com a “alta sociedade” e com os
políticos. As boas relações também podem ser observadas, na presença, nesta
missa do governador e seu secretariado. Porém, o que mais chama a atenção era a
presença do senador Seabra, que havia sido governador da Bahia no mandato
anterior.

Situemos o leitor: desde as eleições de 1906, quando o candidato de Seabra


perdeu as eleições para Araújo Pinho, este apoiado pelos coronéis do sertão
comandados pelo Coronel Dias Coelho que ambos, Coronel e senador, estavam de
lados opostos na política baiana. Nas eleições de 1911, quando Seabra foi eleito
governador, Dias Coelho juntamente com os Coquís de Morro do Chapéu se
omitiram, cabendo a liderança da oposição a Seabra na Chapada Diamantina ao
coronel Horácio de Matos, que havia saído de Morro do Chapéu despontava como
líder político em Lençóis. Esta oposição do coronel Horácio veio a desembocar na
“Revolta Sertaneja”, quando este, em princípios de 1920, pretendia sitiar Salvador.

A presença do senador na missa que foi rápida e estrategicamente registrada


no “Diário de Notícias” aponta para uma tentativa de aproximação nas relações
deste com os coronéis do sertão que nunca foram boas, já que não poderia mais
contar com o prestígio de Dias Coelho ao seu favor, ao menos poderia se aproximar
dos seus correligionários e facilitar a sua eleição para governador nos próximos
pleitos. A tentativa realmente aconteceu, Seabra se aproximou de Antonio de Benta
que sucedeu Dias Coelho na liderança de Morro do Chapéu, porém, se distanciou
de Horácio de Matos, que na prática sucedeu o Coronel Dias Coelho na liderança
política regional, que culminou na reação a Seabra, no momento da sua eleição para
governador.

Para a população de Morro do Chapéu, pouco interessava as relações de


oposição e situação no governo do Estado. O Correio do Sertão transcreveu na
íntegra a notícia veiculada em Salvador. A evidência dada à população local era que
uma pessoa de da cidade chegou ao um nível de importância tal, que contava na
sua missa de trigésimo dia com comerciantes importantes da capital, o governador
do Estado e seus secretários, além de um senador da República. Para o povo os
119

nomes eram meros detalhes. O que interessava era o grau de importância dos que
estavam presentes.

Ainda em vida, o Coronel Dias Coelho sabia o que as pessoas pensavam a


respeito da cor da sua pele. Este desafio fora vencido na sua ascensão econômica,
política e principalmente social, tanto na região da Chapada Diamantina como na
capital do Estado da Bahia. Muitos anos depois, o preconceito racial era evidenciado
até mesmo entre os seus correligionários, que levou a duas reações distintas na
manutenção do mito do Coronel após a sua morte.

Nas comemorações de trinta anos de falecimento, o Correio do Sertão


publicou uma das suas homenagens:

A 19 deste mês passará o trigésimo aniversário do falecimento, nesta


cidade, do Coronel Francisco Dias Coelho – o grande filho de nossa terra,
que, nos anais de nossa história, deixou o seu nome brilhantemente
imortalizado para sempre.
Apesar da cor da sua epiderme, Dias Coelho, distinto, generoso,
trabalhador e progressista, tinha como que o condão de atrair a simpatia de
quem o aproximava. Foi realmente um homem raro, de envergadura
notável, de caráter sem jaça e de um valor extraordinário – o orgulho de um
povo, o dínamo que fazia gerar a vida, progresso e alegria para Morro do
Chapéu.
Há trinta anos que Dias Coelho morreu. Mas sua memória vive na gratidão
e no respeito daqueles que tiveram a felicidade de o conhecer, daqueles
que notaram de perto o seu valor social e a exemplar abnegação pelo bem
comum.
A Dias Coelho, o “Correio do Sertão” presta esta modesta homenagem,
136
sincera e respeitosa.

A “sincera e respeitosa” homenagem ressalta as qualidades atribuídas ao


chefe político, porém reafirma que nenhuma delas era própria dos negros, uma vez
que ele as tinha “apesar” da cor da sua pele, o Correio do Sertão demonstra o
preconceito racial, que era corrente, por toda a elite local, mesmo muitos anos
depois do seu falecimento. Evidencia também, que, mesmo entre alguns dos seus
correligionários mais próximos isso era patente, somente a título de recordação, o
“Correio do Sertão” fora fundado e neste momento era dirigido pelo sapateiro
Honório Pereira, que era membro dos Coquís no momento da sua fundação. Mesmo
tendo convivido tantos anos com o chefe, e que o seu jornal também tenha sido

136
Correio do Sertão, 15 de fevereiro de 1949.
120

financiado por ele, o jornalista demonstra o que ele e a elite local pensava a respeito
dos negros.

De maneira diferente, a população pobre se apropriou de várias estórias a


respeito do Coronel Dias Coelho. Uma delas conta que certa feita o Coronel estava
em Salvador e foi cortar o cabelo numa barbearia, o barbeiro que não sabia de quem
se tratava convidou-o a se retirar sob a alegação de que naquele lugar não se
cortava cabelo de negros. O Coronel teria se retirado, comprou a barbearia e horas
depois voltou, disse ao barbeiro que havia comprado e que a partir daquele
momento, todos os negros poderiam cortar o cabelo naquele lugar, sob pena do
barbeiro se sumariamente despejado.

Outra estória conta que o Coronel estava numa festa no Clube da Cruz
Vermelha em Salvador, durante a festa tentou tirar várias moças para dançar e
nenhuma delas quis, logrou êxito com apenas uma delas, filha de um político
importante do Estado. No fim da dança, o Coronel retirou do bolso um anel muito
caro, de ouro cravejado de diamantes e presenteou a moça em público por ter
aceitado a dança.

Não existe nada que ateste a veracidade das lendas a respeito das respostas
ao racismo por parte do Coronel Dias Coelho, provavelmente estes acontecimentos
nunca se deram, também não está entre os nossos objetivos comprovar a
veracidade dos mesmos. O que nos importa neste momento é verificar como a
população pobre e negra de Morro do Chapéu se apropria da imagem construída de
Dias Coelho e enxerga nisso uma espécie de revide de toda a massa discriminada
contra o racismo. Ou seja, no momento em que o Coronel reage a um ato
considerado como um insulto por ser negro, mesmo que seja evidenciando a sua
riqueza, seja demonstrando que é rico e poderoso ao ponto de poder comprar o
local onde funcionava a barbearia e obrigar o barbeiro a atender negros, ou
premiando uma pessoa por não manifestar atos racistas. A população local também
poderia sentir-se vingada das opressões que sofria cotidianamente.

O grupo político criado por Dias Coelho chegou ao seu fim em 1946, com o
falecimento de Antonio de Souza Benta, que até esta data havia tomado o comando
do município, embora não tivesse a mesma expressão regional e estadual que o
líder anterior.
121

Com a morte de Benta e a ascensão de um novo grupo ao poder se inicia na


cidade um processo de apagamento da memória do Coronel Dias Coelho, por parte
do grupo emergente no fim da década de 40 do século XX. O Correio do Sertão sob
nova direção como os herdeiros de Honório Pereira deixa paulatinamente de
rememorar o Coronel Dias Coelho. Outros mitos começam a ser criados e a festa de
São Benedito foi deixando de ser financiada pela prefeitura.

O processo de desmobilização da memória do Coronel culmina com a


retirada do nome do Coronel dos espaços públicos, que terá o seu ápice quando a
escola de 1° grau fundada pelo mesmo e que tinha o seu nome Grupo Escolar
Coronel Dias Coelho, foi “privatizada” através de um acordo na década de 60 do
padre local com o prefeito que transformaram uma escola pública em um colégio
particular sob a direção do padre local, com o nome de Colégio Nossa Senhora da
Graça.

Assim, apesar de toda a influência e importância no início do século XX, a


memória do Coronel chega ao início do século XXI como uma mera lembrança,
existindo apenas nas recordações de alguns velhos e de documentos esquecidos
nos arquivos locais.
122

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No fim da primeira década do século XX, persistia e se fortalecia o mito do


Coronel Dias Coelho, os poucos anos após a morte, o Coronel Negro havia
ampliado a imagem pública que houvera criado em vida, porém, seus sucessores
não corresponderam às expectativas de dar seqüência ao trabalho. O doutor
Deusdedith Dias Coelho, filho do Coronel teve um governo efêmero, vindo a falecer
poucos anos depois. E, Antonio de Souza Benta, mesmo com todos os anos de
convivência, não herdara juntamente com o comando do município a capacidade de
negociar. Isto aliada à morte prematura, talvez no auge da sua popularidade –
infelizmente não temos pesquisas de opinião pública para comprovar, mas o seu
velório e as notícias publicadas posteriormente pode ser um indicativo - tenha
possibilitado que o mito sobrevivesse após a morte do líder político em Morro do
Chapéu e região por algumas décadas após o falecimento.

Com a administração do Coronel Dias Coelho, o progresso e a modernidade


aparentemente chegou ao sertão baiano. A cidade de Morro do Chapéu
transformou-se numa região de destaque no interior baiano, tanto na sua economia
crescente com o aumento da demanda por carbonato, como no aspecto urbano,
com o incremento de uma estética européia importada, e implantada na cidade.

O que se fez na cidade contrastava com as outras do seu entorno, as ruas


retas, largas, arborizadas, limpas e tranqüilas. A população via que na Intendência
Municipal havia preocupação com a saúde pública e as condições higiênicas da área
urbana. O município terminou a segunda década, unificado pelas estradas
municipais, e ligado às cidades mais importantes pelas vias estaduais.

A iluminação a gás demonstrava para a cidade e para o seu entorno a


posição de progressista e moderna, diferente das outras cidades da Chapada Norte.
Isso era perceptível com o teatro e a orquestra filarmônica com apresentações
freqüentes, biblioteca pública, jornal, e uma população em boa parte alfabetizada
que consumia estes serviços. Paralelo a isso, o Coronel Negro, incorporava a
123

imagem que a cidade expunha, para todos eles, era o possibilitador de tudo isso na
cidade, era uma liderança regional que conseguia com a sua perspicácia mediar as
disputas políticas na região como um todo, “o diplomata Negro”, que fez da cidade
uma “Suíça sertaneja”, neutra, pacífica, mas, importante no contexto regional.

Esta imagem, erigida pelo Coronel, de bom administrador, político hábil e


excelente negociador, veio a ser consolidada nos seus anos de governo efetivo da
cidade, de 1910, até a sua morte em 1919, mesmo já havendo sido edificada a base
para isso desde anos antes, ainda na sua ascensão sócio-econômica. Fora
demonstrado para os habitantes do município que ele era um amante das artes,
homem culto, rico, humilde, de bom coração, presenciava e financiava as festas
locais, o seu aniversário era comemorado na cidade e se tornou um evento local.
Toda esta imagem fora construída através de um grupo político e social que lhe
assessorava, professor, fotógrafo, músico, poeta, em um nível menos explícito
políticos, pequenos comerciantes e chefes de jagunços.

Este grupo, formado e liderado por Dias Coelho, agia de forma diferente do
que se observa nos estudos do coronelismo. Formaram um grupo político com
objetivos eleitorais e econômicos claros, desenvolvendo estratégias de dominação
política baseando-se na construção da imagem de um homem, um líder, que viesse
tomar o poder de uma elite decadente política e economicamente, não tinha uma
formação clâmica ou familiocrática, nem utilizava a força, ao menos de forma
explícita, como estratégia de manutenção do poder.

Foram os caminhos e estratégias possíveis para alguém que nasceu entre


agregados e de certa maneira foi um deles, neto de escravos, que ascendeu
economicamente aproveitando as poucas oportunidades que lhe foram oferecidas,
driblando as dificuldades como o racismo e a pobreza; até chegar ao posto de
comando na Guarda Nacional, que era tradicionalmente reservado a membros da
elite tradicional das localidades principalmente no interior do país, acumulou riqueza
e prestígio e tornou-se referência política e econômica em todo o interior do Estado
da Bahia.

A trajetória de Dias Coelho possibilitou o estudo de várias questões


pertinentes na economia e na política do sertão baiano que não haviam sido
percebidas em estudos sobre o coronelismo anteriormente realizados. Nos seus 54
anos de vida, houveram transformações na Chapada Diamantina, no sertão baiano,
124

em tempo, muitas documentações foram produzidas, que podem e serão utilizadas


para trabalhos posteriores que expandam a dissertação de mestrado.
125

REFERÊNCIAS:

Teses e dissertações:

GONÇALVES, Graciela Rodrigues. As secas na Bahia do século XIX – sociedade


e política. Dissertação (Mestrado em História Social). Universidade Federal da
Bahia. Salvador; 2000.

MELLO, Maria Alba Guedes Machado. História Política do Baixo e Médio São
Francisco: um estudo de caso de caso de coronelismo. Dissertação (Mestrado
em Ciências Sociais). Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1989.

PESSOA, Ângelo Antonio da Silva. As ruínas da tradição: a casa da Torre de


Garcia D´Ávila. Família e propriedade no Brasil Colonial. Tese (Doutorado em
História Social). USP. São Paulo, 2003.

Rosa, Dora Leal . O mandonismo local na Chapada Diamantina . Dissertação


(mestrado em Ciências Humanas) Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1973.

RIBEIRO, Jose Iran. Quando o serviço nos chama: os milicianos e os guardas


nacionais gaúchos (1825 – 1845). Dissertação (Mestrado em História do Brasil).
PUC- RS, 2001.

SOUZA, Alírio Fernando. O coronelismo no Médio São Francisco: Um estudo de


poder local. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas). Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 1973.

VIEIRA Filho, Raphael Rodrigues. Os Negros em Jacobina (Bahia) no século XIX.


Tese (Doutorado em História Social) PUC – Sp. São Paulo; 2006.

Artigos de revistas:
126

BRANDAO, Marcos Sampaio. O sistema de produção na Bahia sertaneja do


século XIX: uma economia de relações não capitalistas. Campo –
território:Revista de geografia agrária, v.2, n.4, p 62-81, ago. 2007

DOMINGUES, Petrônio José. Negros de almas brancas? A ideologia do


branqueamento no interior da comunidade negra em São Paulo, 1915-1930.
Estud. afro-asiát., Rio de Janeiro, v. 24, n. 3, 2002 . Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
546X2002000300006&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 30 dez. 2008.

GOMES, Josildeth. Povoamento da Chapada Diamantina. Revista do Instituto


Geográfico e Histórico da Bahia. N. 11 ano 1952.

FERREIRA, Elizângela Oliveira. Os laços de uma família: da escravidão à


liberdade nos sertões do São Francisco. Afro-Asia N.32. Salvador: UFBA, 2005.

POLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, no 03,


Teoria da Historia, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas 1992.

PINA, Maria Cristina Dantas. Os Negros do diamante: escravos no sertão das


Lavras Diamantinas – século XIX. Revista politéia. UESB v.1. 2001.

RONIGER, Luis. Mediería y fuerza de trabajo rural: algunas ilustraciones del


caso brasileño. Estudios Interdisciplinarios de America Latina y El Caribe.
Universidad de Telaviv. Telaviv, Israel. Vol.2 n.1 Janeiro - Junho, 1991.

Bibliográficas:

ABREU, J. Capistrano. Capítulos de História colonial. Brasília: Senado Federal,


2007.

ARANTES, Antonio Augusto. et. al. Colcha de Retalhos: estudos sobre a família
no Brasil. Campinas SP: Editora da UNICAMP, 1994.

BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3 ed. São Paulo:


Companhia das letras, 1994.
127

BURKE, Peter. A Fabricação do Rei: a construção da imagem pública de Luís


XIV. Rio de janeiro; Jorge Zahar ed., 1994.

CATARINO, José Martins. Garimpo – garimpeiro – garimpagem. Rio de Janeiro:


Pholibiblion: Salvador: Fundação Econômico Miguel Calmon; 1970.

CHAGAS, Américo. O Chefe Horácio de Matos. São Paulo: DIFEL, 1982.

CHAULHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São


Paulo: Companhia das Letras, 1996.

CUNEGUNDES, Jubilino. Morro do Chapéu: um pouco de sua história, sua vida


político-administrativo, suas belezas e sua gente. Salvador: EGBA, 1999.

DAVID, Onildo Reis. O inimigo invisível: epidemia na Bahia no século XIX.


Salvador: Edufba, 1996.

DUARTE, Nestor. A ordem privada e a organização nacional. São Paulo:


Companhia Nacional do Livro, 1939.

FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 2 ed., 1975.

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A evolução do sistema eleitoral brasileiro. 2 ed.


Secretaria de Documentação e informação do Tribunal Superior Eleitoral. E-book,
2005.

GUINSBURG, Carlo. O queijo e os Vermes: o cotidiano e as idéias de um


moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Cia das letras, 1987

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa - Omega, 5 ed.,
1986.

LINS. Wilson, et. al. Coronéis e Oligarquias. Salvador, Universidade Federal da


Bahia/Inamá, 1998.
128

______. O médio São Francisco. Salvador: progresso, 1960.


MATTOSO, Kátia de Queiroz. Família e Sociedade na Bahia do século XIX. São
Paulo: Currupio; [Brasília]: CNPq, 1988.

MORAES, Walfrido. Jagunços e Heróis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,


1983.

PANG, Eul-Soo. Coronelismo e Oligarquias. São Paulo: Civilização Brasileira,


1979.

PRADO JR., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. 7 ed. São Paulo:


Brasiliense, 1963.

QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. "O coronelismo numa interpretação


sociológica". In:FAUSTO, Boris (org.). História Geral da Civilização Brasileira.
São Paulo: Difel, 1975, Tomo III, vol. 1, pp. 155-190.

ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei: legislação, política urbana e território na


cidade de São Paulo. São Paulo: Estúdio Nobel; Fapesp, 1997.

SAMPAIO, Consuelo Novais. Os partidos políticos na Bahia da Primeira


República; uma acomodação. Salvador, Centro Editorial e Didático da
UFBA.,1975.

SILVA, Eduardo. D. Oba II D´Àfrica, o príncipe do povo: Vida, tempo e


pensamento de um homem livre de cor. São Paulo: Cia. das Letras, 1997.

SODRÉ, Nelson Werneck. Panorama do Segundo Império. 2ed. Rio de Janeiro.


Graphia, 1998.

THOMPSON, Edward P. Costumes em comum: estudos sobre a cultura popular


tradicional. São Paulo: Companhia das Letras. 1998.
129

ANEXOS

Anexo A – Entrevista com Tolentino Oliver Guimarães.

Entrevista com Tolentino Oliver Guimarães, farmacêutico, morador da cidade de Morro do Chapéu. Aos 81
anos de idade.

Realizada na residência do mesmo,no dia 21 de julho de 1996, ás 10:00.

A minha idade é de 81 anos, bem vividos e bem sofridos.


A respeito do surto de varíola sei apenas por ouvir dizer, eu ouvi falar muito
nesse surto de varíola, que matou muita gente, inclusive aqui em Morro do Chapéu,
tiveram muitas pessoas atacadas, que foram, postas ali numa serra chamada de
Bexiguentos , uma serra que tem lá uma gruta que ficavam lá os bexiguentos, os
atacados de varíola então lá ia uma pessoa levar água e comida. Uns morreram
outros se salvaram.
O tratamento da varíola é o tratamento sintomático apenas, você tem que
tratar os sintomas da doença porque o tratamento eficaz é a vacina você tem que
prevenir para não ter a varíola, o tratamento para ela é esse. Agora os sintomas são
acompanhados, inclusive no decurso da varíola, vem a pneumonia, vem uma
fraqueza geral, a gripe vem e tumoração tem que acompanhar, fazer assepsia
limpeza com femol, um antissepticozinho geral e descongestionante e fortificante,
fazia tudo inclusive tratar as bexigas com maior cuidado para não infectar. O
acompanhamento é muito importante, não há um tratamento assim, específico e sim
o preventivo que é, mas naquela época não existia a vacina, nesse tempo aí foi o
surto a grande endemia chamada, agora é como as outras doenças também que
não atacam somente o ser humano, como o gado, a questão da febre aftosa que
está sendo erradicada, mas deu muito trabalho ao governo. É obrigado a vacinar o
gado todo ano, antigamente erradicava muito rebanho, já está sendo erradicada no
Brasil, agora já estão falando que ela está de volta ao Brasil lá de Mato Grosso.
130

A varíola, a malária e o sarampo, estão retornando, então é preciso que o


governo tome cuidado mesmo 100%, porque essas doenças são endêmicas e se o
governo não tomar medidas enérgicas torna a voltar, o sarampo já está quase
acabado; o sarampo matava muito antigamente, mas matava mais os índios,
porque quando um branco se misturava com um índio, atacava, porque o índio não
atacava sarampo, o que passou sarampo para o índio foi o contato com o branco,
resultado o branco fazia o tratamento e o índio saia da rede e tomava banho, morria
muito mais por causa disso, o índio com febre tomava banho.
A tuberculose foi terrível, e ela está sempre voltando, os médicos às vezes
estudam e descuidam e estão mais preocupados em cirurgias e outras doenças e
esquecem da sífilis e da tuberculose, que são doenças preponderantes, matam
mesmo, a tuberculose é terrível, hoje em dia com a alimentação não bem adequada,
os nutricionistas não estão para todo mundo e a sífilis devido também à perversão
sexual, hoje inclusive a AIDS que tem transformado o mundo, muito presente na
época , nesse tempo não existia preservativo, a camisa de Vênus não existia, fazia
um tratamento quando muito civilizados, eles cobriam o prepúcio com uma pomada
a base de mercúrio calomelamus, então faziam o contato sexual e não pegavam
através dessa assepsia com o calomelamus ou mercúrio.
A varíola é altamente contagiosa, é uma viroses, contraída pelo ar , assim
como o sarampo, o sarampo matava e ainda mata porque o sarampo tem as suas
conseqüências e além de se espalhar pelo corpo todo, ele apresenta febre, o doente
pode ter pneumonia , pode ter gripe muito forte e deixar seqüelas, assim como a
varíola também deixa, que ataca a garganta, ataca tudo, no decurso da varíola, tanto
a varíola quanto o sarampo, a varíola era a “peste negra’, porque ninguém queria
encostar se tivesse de varíola, ninguém queria tocar não, já o sarampo, era coisa
mais benigna , é um tipo de varíola, mas a varíola todo mundo tinha medo, então a
primeira medida era de afastar a pessoa, tem uma serra acolá, quer ver, olhe lá a
serra ali, chama-se bexiguentos, então lá tem uma lapa muito grande, que os
bexiguentos iam para lá, se tivesse dentro da cidade, naquele tempo a quantidade
de gente que morava aqui era muito pouca, então não era muito habitada, então se
tivesse por exemplo 100 pessoas e adoecesse 20 de varíola, as 20 iam para lá,
agora só um cuidava, aquele que cuidasse tinha que beber cachaça e ficar por lá
mesmo, daqui levava carne levavas tudo o que precisasse, se morresse lá mesmo
enterrava, o negócio era bem isolado.
131

Os maus fluidos, é uma coisa quase que sobrenatural, tanto que os miasmas
por exemplo, são aquelas coisas que desprende do corpo, então são os miasmas,
mas não é da varíola não, é uma espécie de seqüela, uma espécie de baba, uma
coisa assim como se diz, mau olhado, são coisas superpostas à doença, é um
folclore, uma superstição, mais a nível de crendice mesmo, muito pressente no
povo, o sujeito comprava um bambião, bambião é um pássaro, eu não sei o nome
científico, ele quando vê qualquer pessoa, grita e dá o alarme, então o sujeito
comprava, por exemplo o sujeito era asmático, esse sujeito bota aquela baba ,
aquela evacuação, aquela coisa babenta, que também é chamada miasma, então
comprava o bambião e evitava aquilo, que é do folclore.
Contra a varíola a medida era justamente isolar e vacinar, eu mesmo fui
vacinado, de mim mesmo foi tirado vacina, isso já em 1920, eu fui vacinado e eu me
lembro que a vacina formou uma grande ferida em mim e eles tiravam aquele pus
que saia e vacinava os outros, que a vacina é da própria bexiga, foi tirada a vacina,
o próprio mal que vacina o mal, eu fui vacinado com a vacina e essa vacina fez uma
ferida muito grande e de mim foram tiradas muitas vacinas para poder vacinar os
outros, porque aquele pedacinho de pus, que saia da minha ferida, fazia um
arranhão na pele e botasse um pouquinho, já estava vacinado. A vacina já é um
preparado de soro de cavalo, antes eles faziam com o pus e sintetizavam ali a
vacina, mas eu estou lhe dizendo o seguinte, em caso de não ter a vacina por
exemplo está vacinando aqui uma população de duzentos ou trezentas pessoas,
acabou a vacina, então vai naqueles vacinados que a vacina já pegou e aí com
aqueles você vacina muitos e muitos, entendeu. A vacina na década de 20, antes
disso só ouvia dizer que morria, morria e era enterrada por lá mesmo, onde não
tinha lugar para chegar enterrava, as pessoas eram obrigadas a sair não podia nem
viver junto, quem visse um bexiguento corria.
Existia mesmo o risco de contaminação, existia o contágio, era endêmica,
atacava a população toda e ninguém servia uns aos outros, numa população
pequena, se você tivesse uma casa e tivesse cinco filhos e uma mulher, então você
com mulher e cinco filhos, a mulher tudo de bexiga, como é que cuidava, ninguém
servia uns aos outros e assim era porque tinha medo e aí morria muita gente, o
tratamento era muito difícil, não só a varíola como muitas outras doenças eram; a
tuberculose, a mesma coisa, matou muita gente , na tuberculose, o sujeito não tinha
a verdadeira assepsia não tinha o verdadeiro alimento então o coitado ia se
132

acabando até o dia em que morresse sem nenhum remédio específico, nenhum,
tomava era raiz de pau chamada “tanino” ainda era pior, em vez de expectorar,
apertava a coisa.
A catapora também existia, porém a catapora é uma bexiga benigna, dava
febre e tal, coisa de poucos dias depois, colocasse um talco anti-séptico, a rubéula
não é muito endêmica, por aqui ela teve casos esporádicos.
Tinha ali nas roupas, pegava muito pus, o corpo todo era tomado de feridas e
a roupa pegava no pus das feridas, no caixão da misericórdia se enterrava, porque
tinha o caixão da misericórdia, o caixão da misericórdia era o seguinte, o sujeito
vinha com o defunto lá da roça de 8 10 léguas numa rede, a 1 km. mais ou menos
tinha um lugar chamado pau da rede onde tinha um pau grande e eles colocavam a
rede agora um vinha aqui e apanhava o caixão da misericórdia, botava o defunto, a
rede ficava lá, chegava no cemitério enterrava o defunto e tornava a voltar com o
caixão para a igreja, imagine que atraso, alcancei muito, quando entrava na igreja eu
tinha até medo de ver o caixão, já o bexiguento eles enterravam com rede, o que
tivesse no corpo esteira com tudo, eles ficavam numa esteira, morria numa esteira e
enterrava, enterrava, não existia nada de caixão depois se lavava com cachaça,
tinha sujeito que bebia até encharcar, já era motivo, porque a cachaça, o álcool é um
vaso dilatador, um tipo de anti-séptico, como anti-séptico lava ele ia melhorando
muito, naquele tempo o atraso era terrível, era compensado em muitas coisas por
que por exemplo sujeito que morava no mato ele não tinha ganância e o afã de
ganhar dinheiro para comer, porque tudo era fácil se ele saia de casa, ele apanhava
uma cabaça e enchia de mel porque aqui dava muita abelha, se ele ia no mato
encontrava muita caça, muita coisa não faltava o alimento ele só precisava de sal e
farinha e o resto ele tinha aí à vontade, uma coisa completava a outra.

O bexiguento perde peso, vem primeiro e enche o corpo daquelas


pustulazinhas, aquilo vai pipocando como se fosse espinha, vai enchendo, vai
enchendo de pus e até morre, porque não quer o alimento, não quer nada, vai
enfraquecendo, nisso por que não tem o cuidado, porque ninguém quer cuidar hoje
acredita-se que se tivesse um bexiguento e fosse cuidado com as medidas que
temos hoje...era mais grave pela falta de cuidado e do contágio, hoje por exemplo
nós que somos vacinados podemos cuidar de um bexiguento, o perigo é amenizado
pela vacina assim com a tifo, a tifóide, é também uma doença terrível, o sujeito vai
133

indo se ele não tiver cuidado pode ter a tifo também, tinha muito por aqui a febre
tifíode ameaçou muito tempo aqui, bom, o sintoma da tifo é infecção intestinal, ela é
provocada pelo Bacilo de Herbert, então você vê por exemplo hoje, pode ter um
remédio específico que é 100%, que é a nifedrina, aliás o clorofenicol é específico
para a tifo, então, naquele tempo não tinha, não tinha laboratório para descobrir o
bacilo mas ia pelo sintoma por exemplo uma garganta, uma boca seborrosa, um
mau hálito também era sintoma e febre contínua aí o médico tinha que ocupar mais
de trinta dias no mínimo, dando poções, naquele tempo tinha o nome de termo e
bismuto e outra coisas mais ele acompanhava esse trajeto da tifo por mais trinta dias
e com uma alimentação adequada, porque não podia dar nada, anterior a 1920, o
tratamento era brutal, era perganato de óleo de Ríssino dia sim e dia não, até o dia
em que o sujeito morria de inanição porque não podia comer nada, mas eu
acompanhei muitos casos com poções com Calóidal e Bismuto, um negócio assim,
mais ou menos, e Oleocaloidal, acompanhava dando uma alimentação semilíquida,
até a quarentena como se diz, ficava magra, magro, mas em minha mão não morreu
nenhum, naquele tempo não tinha médico, quem fazia o tratamento aqui era eu, era
com poções era com água, era com poções o tempo todo.
O tratamento do bexiguento, era, o sujeito tinha primeiro que colocar cachaça
e cânfora, tomar e usar, apanhava a cânfora e botava na cachaça para poder botar
nas feridas e botar talco, ele botava Lépido, qualquer coisa assim para sugar
aqueles miasmas, depois fazia a higiene pessoal , naquele tempo acho que nem
tinha nem sabonete, só aquele sabão de soda , não tinha querosene a luz era de
azeite. No frio tinha o fogo, fazia o fogo e ficava ao derredor, devia ser terrível ficava
5, 6 ou 8 ao derredor do fogo só sentindo os outros gemerem, não é terrível?
As ruas amplas toda as cidades do interior, você pode perceber que é assim,
não é ligada à varíola, mesmo por que não tem jeito, porque se não fôra assim não
se explicava a varíola dar em Salvador e dar em Morro do Chapéu, que aqui é muito
distante não vinha, não adianta, uma rua daqui para ali, não adianta isso, a
distância.
Eu comecei a trabalhar com farmácia em 41, eu não fiz faculdade, fiz um
curso, sou oficial de farmácia e trabalhei muito, eu tenho muitos livros e li muito
sobre medicina, sobre farmácia eu tenho um livro do professor Heitor Luz, o
professor sou eu mesmo na farmácia, por exemplo eu fazia de tudo, hoje em dia se
você me der qualquer fórmula para Pneumonia ou para tosse, pode me dar que eu
134

faço, eu tinha tudo, balança de precisão de Roberval, eu pesava tudo e fazia o


remédio, fazia o remédio era com Estricnina, Cocaína, um bom anestésico Cocaína,
tava aí mas ninguém abusava, não tinha esse negócio de cheirar, eu mesmo muitas
vezes tive Cocaína apenas fazia a solução para poder anestesiar.
Remédio de laboratório tinha mas a maioria era eu mesmo que fazia, eu fiz
muito parto, então naquele tempo remédio era Licor de João Paz um sedativo,
alguns desses remédios ainda tem hoje aqui, Biotônico Fontoura, biotônico é vinho
de Málaga só, é um vinho gostoso, o resto é propaganda, aqui tinha um Tônico
Bayer, era da Bayer, era muito falado naquele tempo. O impaludismo foi uma das
doenças terríveis, sabe o que é impaludismo? Malária, pois é, naquele tempo em
1940, tinha para vender aqui, Elixir de Wintersmith, era elixir americano, amargava
você nem queira saber o quanto, combatia a Malária, depois veio o Nistaquino, o
Sulfato de Quinino, veio a Metodina, hoje você dá uma dose ao sujeito e ele tá bom.
Naquele tempo era feito com Quinino, que foi descoberto através dos índios
aliás foram os catequéticos, os capuchinhos, tanto que tem uma lenda, em que um
rei tinha um filho com impaludismo que já não tinha jeito e o capuchinho tinha um
pedaço de Quinino chegou e fez o chá, com 3 ou 4 dias o rapaz tava bom, daí
começou a quina, e chamava alquimia, aqui tem quina , tem jamborandí, o principio
ativo do jamborandí é a filorcarpina que é um dilatador da visão e ele é sudorífico se
você pegar uma filorcarpina e tomar, você sua até esmilinguir vem do jamborandí
que é tóxico para o gado.
Na época de farmacêutico só tinha eu, anterior a mim, só teve uma farmácia
do Dr. Moura Ferro, um Dr. chamado Benedito parece que ele era farmacêutico,
depois veio José Antônio de Brito dono da Farmácia São José essa que hoje é
minha. O Major Celestino, junto com Juvenal Teodoro de Araújo, que vendia
homeopatia e Major Pedro também vendia homeopatia, mas, farmácia não tinha , o
único farmacêutico que eu conheci foi esse José Antônio de Brito, medico tinha o Dr.
Moura Ferro, o Dr. Reinaldo Moreira, que foi prefeito e outros.
Você sabe que todos esses progressos de garimpo são efêmeros eles diziam
que as telhas de Morro do Chapéu iriam para lá, chegou o apogeu tinha filarmônica,
alta sociedade, lá parecia Paris, vinha perfuma, dinheiro corria a rodo, então era
lugar de progresso, mas com a escassez de minério acabou o veio e as telhas
vieram para aqui.
135

ANEXO – B – Entrevista com Maria Medrado de Souza, Moradora Arraial do Ventura.

Entrevista com Maria Medrado de Souza, dona de casa, morador do arraial do Ventura no município de Morro
do Chapéu. Aos 96 anos de idade.

Realizada na residência da mesma, no dia 10 de agosto de 1997, ás 08:30.

Maria Medrado de Souza. Ventura


Eu tenho lembrança de Horácio quando nós morava em Lençóis, meu pai
ficou viuvo porque minha mãe morreu, parece que ficou doido, quando naquela
enrola, daquele barulho que Horácio queria tomar Lençóis, nós viemos para a Bela
Vista, na Bela Vista disse: eu vou para Rui Barbosa, aí dero conselho, você com
esses menino não de viajar para esses lado, tem muita tocaia. Aí disse, vou pro
Ventura passar três meis, e acabou tudo aqui, pai com irmão, com irmã, a derradeira
tá com quatro anos que morreu no Rio de Janeiro.
Eu tenho lembrança que nois viemos para aqui, naqueles bafô de Horácio.
Meu pai tinha quatro arte, viva no mundo, deixou a gente tudo atoa, que a pessoa
que vive de um lado a outro nunca tem nada, não é?
Trabalhava de ferreiro, de marceneiro, de trabalho de casa, aquelas duas
casa que tem lá em cima do véi Cruz, foi ele que fez \aquele calçamento ali da
praça, foi meu pai que fez, só que quem fez esse daqui foi uns burro que fizero, por
que eu nunca vi água comer pedra, fizero um rego de uma lado, um rego de outro e
aquele que tem lá nomeio, daquela pedra é só pra matar a gente.
(Onde a Senhora morava?)Eu morava numa casa lá em cima, mas
desmancharam, eu trabalhava, lavava roupa, gomava roupa, toda a hora que tinha
tempo dava uma costurada, eu acho que fiquei tão acabada foi de tanto trabalhar,
porque eu trabalhei, ainda tive um irmão que deu derrame e eu sofri com ele oito
anos, eu é que dava a roupa o sapato e a comida.
O povo aqui trabalhava no garimpo de diamante e carbonato, o trabalho aqui
era esse, depois foi acabando também os homens que fornecia e as coisa foi
ficando ruim. No tempo, naquela serra de Miguel Calmon o povo arribando e
desmanchando as casa, vendendo casa, tem casa daqui em Cafarnaum, esse
136

mundo todo, Piritiba, tudo tem casa daqui, porque eles vendia as casa e o povo
chegava e desmanchava, carregava as telha e as porta. Isso aqui era rua desde lá
de baixo até lá em cima, ali ó, em tudo, do outro lado era outro Ventura era casa, até
sumir lá; em riba no... era um bocado eles matava 60 boi dia de Quinta-feira, no
Morro do Chapéu não mata, dia de Sábado, ainda matava um boi pro corte, porco
criação. A feira pegava daí da praça até lá em cima , os animal, nesse tempo
carregava era em animal, ficava lá por traz da igreja, botava os animal prá lá, tinha
muito diamante e tinha muito garimpeiro, também esse pessoal de Ponta D’água, de
Campinas, Brejinho, até do Morro só fazia feira aqui, hoje se a gente quiser comer
farinha tem que ir buscar lá.
Tinha um bocado de loja, tinha a de Brasil, João Bilitardo, tinha Bieca, tinha
tudo, venda aqui. Você não passava falta de nada aqui. João Bilitardo era
comprador (de diamantes e carbonatos), João Navarro era comprador, e quem era
mais? ... João bilitardo (risos) não sei se era coroné, não sei o que ele é, era o dono
desse sobrado aí. A derradeira vez que o Coroné Dias Coelho veio aqui foi numa
eleição, ele arranchou aqui nessa casa.
Eleiçào? Nunca votei, nunca quis na minha vida, eu não sei ler, prá botar
aqueles garrancho lá.
Os diamante ia tudo para Salvador, tinha comprador daqui tudo, os que vinha
comprar de Lençóis, vinha comprar aqui, também vendia tudo prá lá prá Salvador,
esses lugar prá lá, aqui tinha mais diamante e o mais caro era mesmo o diamante. O
carbonato eu não sei o que é que eles fazia, com o carbonato, caiu depressa porque
apresentou uma pedra não sei se foi...que fazia a mesma coisa que o carbonato e o
carbonato acabou.
Tinha festa aqui em todo canto, tinha festa de gente direita e de gente torta, a
festa dos torto era lá pra’queles cantos de lá. O povo jogava baralho, tinha lá
pra’queles lado da igreja, até na igreja tinha rua e tinha os jogador era prá lá, as
mulher trabalhava, tudo trabalhava não tinha ninguém aqui sem emprego não.
Mulher da vida aqui era cheio, ali daquela rua, dali daquela casa até chegar
na rua da igreja era a rua das mulher, chamada a rua do visgo, até chegar na igreja
elas ficava lá nas casa, nas festa de gente direita ela não entrava.
(O coronel ia para essa rua das mulheres?) eu não sei, eles era homem, ia
prá rua, não é, a rua até chegar na igreja era cheia delas, vestia do mesmo jeito era
137

como hoje, ninguém sabe quem é casada nem quem é moça, nem quem é viúva,
ninguém quer nada as moça anda tudo nua, r que as mulher de hoje anda tudo nua.
A padroeira daqui é Nsa Sra da Conceição, fazia festa todo dia, tinha festa
todo dia de Pedro Grassi, de Janjão dançava a semana toda, ali no sobrado, ali na
casa da Idalice quando ela morava aqui, festa aqui era boa. Então no dia de hoje a
gente tava tudo direitinho, passar na rua com a canela de fora? Só passava de meia,
aqui era assim, a que não botasse uma meia no pé não passava na rua.
A feira era dia de Sábado, tinha de tudo na feira, tudo que você procurasse
tinha na feira, tinha a loja de Jairo Preto, tinha a loja de Bieca, tinha a de João
Bilitardo, a de José Márcio, tinha a farmácia de Zezinho, tinha não sei quantos
alfaiates, aqui nesse tempo os homens só usava terno.
Quando tinha teatro eu não perdi foi nada, quando vinha de fora circo, vinha
fazer drama, o teatro era ali em cima perto do prédio.
Desde que eu moro aqui nunca vi uma briga, ali no alto da estrela, ali em cima
daquele carrasco chamava alto da estrela, lá mataram um homem numa festa desse
povo atoa ali do dia de Quinta-feira até o dia de Domingo, era uma festa só lá
mataram um, e o finado Romão que mataram naquele riacho, que Zé de Lozinha
matou, o finado Romão era casado com Juvita, sobrinha de Zizi e vi outro também,
mas esse ele matou um em Lençóis e correu práqui e ficou aqui, pois o menino,
quando ele matou o pai, o menino tava pequeno, e o homem ainda foi dizer indireta
a mulher que ele matou o marido. O menino saiu chorando, pois esse menino
cresceu e ficou homem e veio matar ele aqui, aparecia soldado aqui de vez em
quando mas não tinha acampamento, só tinha delegado.
Dos revoltosos me alembro que eu corri,subi em riba dessa serra, tinha uma
casa de farinha, a gente correu tudo prá lá, mas que bestagem, , mas não veio aqui
não, a gente corria com medo, os homem ficava aqui e as mulher ficava ali por riba
da serra se escondendo.
Lampião! Um dia, eu fazia uns doce prá vender, tava lá em cima mais um
irmão meu que comprou um milho prá fazer o bolo, menino que quando eu tô
lavando o milho prá pisar, prá fazer o fubá, gritaram é vem Lampião aculá acimado
Rio Preto, quando eu olhei prá cima vi um homem sangrando um boi, quando o
homem meteu o facão assim no boi que sangrou, foi que eu caí e panhei o milho e
levei lá prá cima e foi num dia de Sábado, só via as mulher subir tudo correndo pros
138

mato, prá esconder, e os homem tudo armado por que se eles entrasse; mas
Lampião não veio aqui não, nem Lampião nem os revoltosos.
(abastecimento de água) aqui tinha muita água, tinha esse rio aí atrás, até
água encanada tinha em riba da serra, tinha uns tanque, prá pegar água da serra,
mas agora com esse calor secou a água, tô pegando água lá em cima no Véi Cruz,
a gente tá panhando água lá, que secou tudo a água encanada aqui prá dentro de
casa, prá casa de Flamarion, tudo tinha água encanada, mas secou tudo.
(agricultura) nesse tempo chovia, você chegava aqui nesse quintal tinha que
tinha tudo, tinha milho, abóbora, feijão, pro que quando chove só faltas plantar no
meio da rua, se tivesse quintal prá plantar aqui,ó lá, porque a terra aqui é boa,
plantava tudo, mandioca, é cada raiz, tinha uma casa de farinha aí em riba e tinha lá
em baixo também em Jacaré.
Aqui tinha duas padaria, tinha a de Louro e tinha a do finado Quintino, fazia
pão e fazia sabão, tinha o forno de pão e o forno de sabão.
(religião) Protestante não tinha não, mas espirita tinha∗ e forte, era ali em
baixo, dos Ribeiro, não tinha candomblé, tinha muito espiritismo, muita gente ia,
tinha os católico e tinha os espirita, Carlos mesmo é um espirita danado, o povo dele
todo é, mas é que a irmã dele morreu agora não é, Ester. Eu não sei o que é que eu
sou, eu gosto de tudo, se é protestante eu vou assistir eles cantar, se for espirita eu
vou olhar, portanto eu não sei o que é que eu sou, candomblé não, porque não vou.
(Política) Aqui tudo era dum poder só, era João Navarro, João Bilitardo, os
outro tudo podia, eles não brigava não mas as mulher, mulher é que é um bicho
nojento elas pegava quando tinha uma política aqui, era capaz de bates umas nas
outras, brigava pintava o diabo, eles mesmo não brigava não, mas mulher é um
bicho perigoso que não se importa com nada..
A mulher que traia u marido mora, em Morro do Chapéu, o marido descobriu e
quase dá em morte, era a mulher de Zé de Baia ela tava com Zezinho Pires, ele
soube porque ele pegou, foi até numa noite de São João, foi um inferno aqui. O povo
falava mal dela, que era descarada, porque a mulher que tem vergonha ninguém
fala dela, só fala da descarada, mas não se respeita, não se assunta. O povo falava
dela com Zezinho Pires e disse que teve mais bem uma meia dúzia, pelo que eu


o espirita que ela fala tem o som sem o assento, na realidade ela não falos espírita, foi espirita mesmo.
139

vejo falar eu não sei, não andava mais ela, mas o que eu via falar é que era mais de
meia dúzia.
(bêbados) todo lugar tem cachaça, sempre tem aquele que bebe e fica
bestalhado na rua, um morreu esse ano mesmo, Benedito, ficava por aí bebendo
cachaça, levaram pro Morro botaram lá no abrigo. De doido só tinha uma velha aqui,
eu não sei se era caduquice dela, que os menino atentava muito, e ela caia nos
menino, xingava os menino, pintava. Tinha poroso dali da Campina que vinha
prá’qui, mas não mexia com ninguém, era um negro véi, não fazia nada, andava
sentado pelas porta, só xingava quando os menino mexia com ele.
(doença) Morria muita gente aqui, na ocasião daquela gripe, agora na gripe
tinha dia que subia dois três que morria, eu era moderna quando teve a gripe, devia
ter uns vinte e cinco trinta anos, eu já tô com 96. Eu não adoeci, mas lá prá cima eu
sei que morreu prá lá.
(Escola) Aqui nesse salão era a escola de Idalice, lá em cima na casa de
Joaquim Modesto tinha duas professora, ali em baixo naquela casa que é de
Flamarion tinha um professor, aqui em baixo na rua da Gameleira tinha D. Maria
Amélia. Quem tinha dinheiro estudava aqui e ia prá Ponte Nova, ia prá Salvador,
Idalice mesmo foi prá Salvador, a irmã dela também foi prá Salvador, pr’as poder
formar porque aqui não tinha no Morro do Chapéu não tinha, quem quisesse formar
ia prá Salvador ou prá Ponte Nova.. aqui tinha o Professor Tibúrcio e o Professor
José, eu não sei o que eles ensinava, sei que eles dava escola.
(Varíola) Aqui João Bilitardo tava morando aqui nessa casa, morou aqui para
poder fazer o sobrado, Bolí foi a Salvador e Marcolino Andrade foram para Salvador
e trouxeram a bexiga prá’qui. Bolí foi tratado lá em baixo e Marcolino Andrade tá
sepultado lá em cima, lá no pé da serra e teve um bando, deixa eu ver quem foi mais
que morreu, morreu o marido de Maria Pereira, mas morreu fora de casa porque ia
caindo e levando pra fora porque tá morrendo e levava pro cemitério.
Eu tive bexiga, mas tive em Lençóis, lá em casa caiu todo mundo, minha mãe
quase morre , tava grávida, ela inchou de um jeito que eu é que passava o remédio.
Era meia garrafa de cachaça canforada e uma caixa de vaselina, nesse tempo,
vendia a caixa de vaselina, passava no corpo dela quando passava o pano, podia
escorrer, porque não pode cortar nem furar, virou tudo uma coisa só. Só a cachaça
canforada e vaselina, passava vaselina e elas vai abrindo os pano que passava nela
podia torcer de pus, eu tive quem cuidou de mim foi meu pai.
140

O nome do meu pai é José Martins dos Santos, minha mãe chamava
Minelvina Medrado dos Santos ela era sobrinha de Doca Medrado, o meu é Maria
Medrado dos Santos eu sei que sou do dia 8 de Janeiro e tenho noventa e seis anos
(1902).
Eu tenho saudade de Idalice Grassi, do povo do véi Quintino, era com quem
eu me dava com tudo não é. E as festa, não me fala em festa não, que festa é uma
coisa boa, não tá vendo eu véia assim quando tem uma festinha assim, eu sempre
vou lá em baixo no Angelin quando tem festa lá oxente eu danço é bonitinho.
As rua aqui tinha uns lampião, pois tinha lampião até lá do outro lado, Carlos
tinha aí, vendeu um outro dia desses, não sei quem comprou, as rua era clara como
o dia, porque nesses beco, nesses canto , a loja de João Navarro naquela outra era
cheia de lampião, era a querosene, onde tinha rua tinha lampião.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download:

Baixar livros de Administração


Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo

Você também pode gostar