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História

Moderna
Professor Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva
Professor Me. Herculanum Ghirello Pires
Professor Me. Willian Carlos Fassuci Larini

EduFatecie
E D I T O R A
2021 by Editora EduFatecie
Copyright do Texto © 2021 Os autores
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP

S586h Silva, Saulo Henrique Justiniano


História moderna / Saulo Henrique Justiniano Silva, Herculanum Ghirello Pires,
Willian Carlos Fassuci Larini. Paranavaí:
EduFatecie, 2021.
106 p. : il. Color.

ISBN 978-65-87911-11-3

1. História Moderna – Século XVIII. 2. Iluminismo – Século


XVIII. 3. Revolução Francesa. I. Larini, Willian Carlos Fassuci. II. Faculdade de
Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná - UniFatecie. III. Núcleo de Educação a
Distância. IV. Título.

CDD : 23 ed. 909.08


Catalogação na publicação: Zineide Pereira dos Santos – CRB 9/1577

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AUTORES

Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva

● Doutor em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2019)


● Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2014)
● Especialista em História das Religiões pela Universidade Estadual de Maringá
(UEM/2012)
● Graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2009)
● Professor QPM/SEED no 4° Colégio da Polícia Militar do Paraná
● Docente do Centro Universitário Cidade Verde (UniFCV)
● Docente da Faculdade Santa Maria da Glória (SMG)
● Professor de História no Colégio Mater Dei em Maringá
● Pesquisador do Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP/UEM)
● Lattes: http://lattes.cnpq.br/1524388304369248

Prof. Me. Herculanum Ghirello Pires

● Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2022)


● Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2016)
● Graduado em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2013)
● Professor QPM/SEED no Colégio Ivone Castanharo (Campo Mourão)
● Professor Formador pela SEED-PR
● Docente da Faculdade Santa Maria da Glória (SMG)
● Autor do livro Mulheres e Roupas: a Federação Brasileira pelo Progresso Femi
nino na Belle Époque carioca (1922 - 1936)
● Pesquisador do Laboratório de Estudos em História, Moda e Cultura (LaModa/
UEM)
● Lattes: http://lattes.cnpq.br/2654225579210202
Prof. Me. Willian Carlos Fassuci Larini

● Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2023)


● Mestre em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM/2019)
● Graduado em História pela Faculdade Alvorada (2015)
● Pesquisador do Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP/UEM)
● Lattes: http://lattes.cnpq.br/6418488779284734
APRESENTAÇÃO DO MATERIAL

Olá, caro(a) aluno(a)! Seja bem-vindo aos seus estudos sobre a História Moder-
na. Nesta apostila você irá estudar assuntos e acontecimentos referentes a este período
da História. Só para constar, e lembrá-lo(a), a separação cronológica da ciência histórica
consiste em: Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea, a qual
estamos presenciando. Portanto, a Idade Moderna sucede a Idade Média e precede a
Idade Contemporânea. Até os dias atuais há um debate sobre quando se inicia o período
Moderno e quando ele termina, no entanto, há o consenso em algumas datas: a Queda de
Constantinopla, em 1453, e a Revolução Francesa, em 1789.
Mas, você pode se perguntar, por que estudar História Moderna? Neste período os
indivíduos produziram diversos avanços em várias áreas. Presenciamos o nascimento da
modernidade. Diversas instituições que até hoje existem foram desenvolvidas e aperfeiçoa-
das na Idade Moderna: por exemplo, na política temos os Estados Modernos, início dos
estados nacionais, dos países e da burocracia política que existe hoje. O Renascimento, o
Iluminismo e a Reforma Protestante são o conjunto de ideias e reflexões que irão colocar
à prova muitos dos dogmas e ideias hegemônicas da Idade Média, permitindo uma expan-
são do saber, da racionalização, da espiritualidade e do intelecto humano, constituindo o
nosso modelo de pensamento até os dias atuais.
Os exemplos de algumas instituições citadas são os temas de estudo desta apostila.
Na Unidade I vamos conhecer sobre o Humanismo, Renascimento e o Estado Moderno.
O professor Herculanum Ghirello Pires explica como a leitura e o renascimento dos clássi-
cos, isto é, dos estudos dos antigos filósofos greco-romanos foi importante para a expansão
das ideias e possibilidades de modelos de vida diferentes, mais humanos, mais racionais.
Essas novas formas de organização da vida vão produzir novas formas de organização
política: assim nasce o Estado Moderno e o Mercantilismo.
Já na Unidade II você irá saber mais sobre a Reforma Protestante. O professor
Saulo Justiniano demonstra os principais aspectos das Transformações Religiosas na
Modernidade. Quais os impactos da reforma, não só no campo religioso, mas também
no social e político da Europa. Contextualizando-a com os aspectos sociais e econômicos
do final da Idade Média. E situando os diferentes tipos de reforma e de religiosidade que
surgiram do rompimento com a Igreja Católica.
Na sequência, na Unidade III falaremos a respeito do Iluminismo e a Emanci-
pação das Treze Colônias. O professor Willian Carlos Larini discorre inicialmente sobre
os conceitos iluministas que tiveram considerável preponderância no século XVIII e os
pensadores que as formularam. Relacionando-o ao processo de emancipação das treze
colônias inglesas que levaria a constituição dos Estados Unidos no século XVIII. Neste
tópico são abordados os diferentes acontecimentos, circunstâncias políticas e econômicas
que fariam os habitantes das 13 colônias inglesas na América amotinaram-se em oposição
a Grã-Bretanha e como se deu o êxito belicoso dos colonos em relação à nação europeia.
Em nossa Unidade IV vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina com a Revolu-
ção Francesa no final do século XVIII. O professor William Carlos Larini expõe a conjuntura
sociopolítica problemática da França antes do começo da insurreição dos franceses que
se opunham à monarquia e às camadas sociais que tinham certas regalias. Assim como
o período mais violento da Revolução Francesa, regido principalmente por Maximilien de
Robespierre, que levaria à morte por decapitação vários franceses. É igualmente analisado
neste tópico a etapa final do processo revolucionário francês que possibilitaria a subida de
Napoleão Bonaparte como soberano.

Caro(a) aluno(a), desejamos bons estudos!


SUMÁRIO

UNIDADE I....................................................................................................... 8
Humanismo, Renascimento e Estado Moderno

UNIDADE II.................................................................................................... 27
Transformações Religiosas na Modernidade

UNIDADE III................................................................................................... 58
O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas

UNIDADE IV................................................................................................... 79
A Revolução Francesa
UNIDADE I
Humanismo, Renascimento
e Estado Moderno
Professor Mestre Herculanum Ghirello Pires

Plano de Estudo:
● Conceituar e contextualizar o Humanismo, Renascimento e Estado Moderno
● Compreender a importância desses acontecimentos para os dias de hoje
● Estabelecer a importância econômica, social, política e cultural de ambos

Objetivos da Aprendizagem:
● Humanismo
● Renascimento
● Estado Moderno

7
INTRODUÇÃO

Olá, caro(a) aluno(a). Nesta unidade você verá sobre Humanismo, Renascimento
e Estado Moderno. Eles são caracterizados por mudanças sociais e os primeiros aconteci-
mentos que traçam um hiato entre a Idade Média e a Idade Moderna. Antes de mais nada,
devemos lembrar que o período posterior à Antiguidade, conhecido como a Idade Média
(V – XV), teve uma longa duração, em quase mil anos de sua dinâmica e queda apresentou
diversos aspectos comuns em quase todos os séculos, assim como, concomitantemente,
ocorreram mudanças em sua estrutura. Na Baixa Idade Média (XI – XV), o período medieval
se viu em meio a mudanças rápidas, as quais o poder político da Igreja não podia conter
as alterações sociais, culturais, mas principalmente as econômicas que passaram a se
configurar, aos poucos, nas condições que dariam forma ao Humanismo, Renascimento
e o Estado Moderno.
Esses acontecimentos vão marcar a história e dar uma configuração a novos modos
de vida e organização social. Tais acontecimentos e novas formas de vida irão inaugurar
um novo período, que denominamos de Idade Moderna. Alguns historiadores atribuem
o início desse período à queda da cidade de Constantinopla, em 1453, até a Tomada da
Bastilha durante a Revolução Francesa, em 1789.
Fato é que foi um período de intensa produção social, econômica e cultural, onde
sentimos a influência desses eventos até hoje: o Humanismo permitiu ao ser humano
se interrogar sobre o seu lugar na terra e os dogmas da Igreja; o Renascimento foi um
retorno aos clássicos, à filosofia, a uma nova maneira de vida, que permitiu um renascer
social, comercial e cotidiano na Europa; e, por fim, o Estado Moderno foi a instituição que
promoveu a criação das nações, identidades nacionais, o aperfeiçoamento da máquina bu-
rocrática estatal e organização social. Portanto, sem eles, a concepção de vida que temos
hoje provavelmente seria diferente.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 8


1. HUMANISMO

HOMO VITRUVIANO. O homem Vitruviano, o homem de Leonardo. Desenho detalhado com base na obra de
arte de Leonardo da Vinci, realizada por ele em 1490, com base no manuscrito do mestre romano Vitruvius

Podemos caracterizar o Humanismo em três principais aspectos: antropocen-


trismo, racionalidade e o cientificismo. Esses aspectos só foram possíveis graças a um
retorno às obras clássicas de filosofia e de literatura presentes na antiguidade, na Grécia e
em Roma. A partir da leitura dessas obras o ser humano pode se distanciar cada vez mais
dos dogmas da Igreja que tinham mais a função de organizar a sociedade, pautada nas leis
de tradição da Idade Média, do que uma função espiritual.
Essas leituras não foram feitas de uma vez ou em um único período. Aos poucos, os
sábios do período medieval, principalmente monges da Igreja, foram tendo acesso a esses
manuscritos e confeccionando traduções deles. Podemos classificar em dois momentos: “O
primeiro foi na época de Carlos Magno (747 - 814), quando autores latinos foram muito lidos
e copiados, inspirando fortemente a produção literária da época carolíngia” (FUNARI, 2019,
p. 10), principalmente para função educacional, pedagógica (CHARLE; VERGER, 1996). O
segundo, “no século XII, auge do medievo houve novo retorno aos antigos, dessa vez com
os aportes da literatura grega, seja de forma direta (vinda de Bizâncio), seja por meio da
leitura das traduções árabes de autores antigos” (FUNARI, 2019, p. 10).
E no mesmo século (XII), “esses textos passaram a ser cada vez mais procurados
e difundiu-se, a partir da Itália, a ideia de que eles representavam algo diferente da cultura
contemporânea (do período): eram a herança escrita dos antigos” (GUARINELLO, 2018, p.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 9


18). As cruzadas aguçaram essa ebulição europeia pelo saber, pois possibilitou aos euro-
peus o contato com os árabes e o seu aparato intelectual. Os árabes produziam traduções
dos antigos autores e sábios do mundo grego. Por exemplo, Averrois (1126 - 1198), filósofo
árabe que teceu comentários à obra de Aristóteles e Platão, comentários que, em seguida,
foram usados na Europa e por cristãos (LEVENE, 2013).
Mas, essas leituras ainda ficavam sob o conhecimento dos homens de letras e sá-
bios da época. Elas só vão passar a ser do conhecimento de todos, do povo, com o advento
e a divulgação da imprensa, no século XIV. Assim, “os grandes livros do ‘mundo antigo’
foram reeditados e voltaram à vida. Autores como Homero, Virgílio, Aristóteles, Plutarco,
Tito Lívio, Tácito e muitos outros” (GUARINELLO, 2018, p. 18) passaram a fazer parte dos
círculos e discussões no oeste europeu.
E a queda de Constantinopla para os turcos, no século XV, acentuou a redesco-
berta de textos gregos, pois nessas bibliotecas havia um manancial de manuscritos desses
sábios antigos. A partir daí, começam a surgir as inovações, invenções, e mudanças que
irão transformar a base do pensamento dos seres humanos e a sociedade

1.1 Antropocentrismo
O impacto dessas leituras veio com a noção de antropocentrismo, quando o ho-
mem passa a se colocar no centro do mundo. Ele passa a ser a medida de todas as coisas.
Capaz de escolher o próprio destino. Agora, as perguntas partiam dele para interpretar o
seu ser, e não mais de um dogma, de Deus ou da Igreja. O homem se tornará livre para
pensar, mais uma vez, para fazer seus movimentos, suas técnicas, e, de suma importância,
a sua arte: o Homem Vitruviano de Da Vinci (figura que está no início desta seção) é um dos
melhores exemplos do antropocentrismo na arte e na sociedade.
Sendo o centro do mundo, ele consegue agora se perguntar sobre questões relevan-
tes a sua ocupação na sociedade. Questões que interpretem o ser humano, não mais uma
condição metafísica ou uma interpretação sobrenatural da vida. Para alguns historiadores
e psicólogos, é neste momento que nós temos a invenção do psicológico (FIGUEIREDO,
2017), a emergência do indivíduo (DUBY, 2009) e aumento da individualidade e dos desejos
e vontades pessoais de cada um. O homem havia obtido sua liberdade.

1.2 Racionalidade e Cientificismo


Com o homem no centro do mundo e das atenções, as questões feitas sobre a exis-
tência do ser humano passam a ter respostas baseadas na racionalidade e no cientificismo,

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 10


ao contrário da Idade Média, em que muitas interpretações sobre a vida eram pautadas em
dogmas e em forças metafísicas. Exemplo disso é Leonardo da Vinci e seus estudos em
diversos campos, na arte, na física, na geometria entre outros.
Em suma, uma interiorização maior, daí o nome humanismo, nos tornamos seres
humanos capazes de pensarmos sobre nós: nossas ocupações, nossas emoções, nossos
sentimentos; criamos consciência sobre nós e sobre os outros. Isso é expresso na arte,
como veremos.
Portanto, podemos afirmar que o humanismo é um processo intelectual e cultural
que tem seu início por volta do século VIII na Europa medieval, com as primeiras traduções
de obras clássicas antigas, que eclode no século XIV e XV. O resultado da absorvição de
todo esse conhecimento são as mudanças nas bases do pensamento e estímulos que
organizavam a sociedade feudal, e que agora com essas inovações, passam a organizar a
sociedade moderna.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 11


2. RENASCIMENTO
A Criação de Adão, pintura feita em afresco realizada por Michelangelo, entre 1508 e 1512, do

Criador tocando o dedo de Adão, o primeiro homem

Influenciados pela cultura humanista, os sábios do período interagem cada vez


mais com as obras clássicas. A Europa presencia um renascer da cultura e revalorização
da antiguidade entre os séculos XIV e XVI. Daí vem a origem do nome Renascimento.
Esse movimento artístico e científico foi influenciado pelo humanismo e eclodiu na Itália,
em suas agitadas cidades comerciais: Milão, Gênova, Pisa e Veneza. A obra A Criação de
Adão (desenho apresentado), de Michelangelo, é um exemplo do pensamento humanista:
agora no centro do universo, o homem passa a (quase) tocar as mãos de Deus, do criador.
Essas cidades mantinham rotas comerciais com o oriente. Como já explicado na
seção anterior, os árabes foram responsáveis por muitas traduções de textos clássicos.
Portanto, desse intenso contato entre ambos surgem novas técnicas, processos e inven-
ções. O resultado disso se vê na arte e na arquitetura do renascimento.

2.1 A Perspectiva na Arte


De acordo com o historiador alemão Hans Belting (2012), os árabes, sem estarem
submetidos aos dogmas da Igreja, encontram um terreno fértil para o aperfeiçoamento da
matemática, geometria e astronomia. Ainda segundo Belting (2012), outra justificativa para
o avanço nos estudos árabes, que também tem a ver com a religião, é o fato de que eles

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 12


encaravam esses estudos como uma forma de glorificar a Alá. Dessa forma, adoravam a
Alá por meio da matemática, geometria, física, isso possibilitou os enormes avanços nesses
campos.
Um dos estudos árabes mais profícuos e frutíferos foram os estudos sobre a pers-
pectiva. Para eles, não era possível prestar objetividade ou duplicar uma representação
física, isso era como se fosse um pecado. Alhacén (965 - 1040), revolucionou a ótica antiga
com a câmera escura, uma espécie de aparelho óptico, uma caixa escura, que consiste no
recebimento de luz e reprodução de uma imagem, através dessa câmera e desses estudos
Alhacén escreve seu tratado, conhecido como perspectiva (BELTING, 2012).
Pode parecer que não, mas quando essa perspectiva veio para o ocidente, para
Florença, isso revolucionou a arte e a maneira de pensar dos renascentistas. Com a pers-
pectiva era possível produzir desenhos antes impensáveis. Era capaz de produzir constru-
ções antes impensáveis. E da imagem, da arte, para sua dimensão cultural, a perspectiva
muda o pensamento. Um salto quântico que moveu seu olhar para a imagem, como para o
sujeito que a olha (BELTING, 2012). Ela, a perspectiva, permite um dos aspectos centrais
do antropocentrismo, a visão de si como a visão do outro. Para Hans Belting (2012), tanto
o humanismo quanto o renascimento só foram possíveis com o advento da perspectiva.
Daí, nas cidades italianas, surgia a figura dos mecenas, “burgueses ricos que
buscavam projeção social ao finalizar e viabilizar a produção artística na região” (ALVES;
OLIVEIRA, 2016, p. 192). Isso possibilitou o desenvolvimento da arte renascentista, pois
esses ricos comerciantes encomendavam obras e esculturas dos artistas, como também
construção de grandes obras, como palácios e monumentos. Até hoje, a representação do
ser humano, referencial de estética, do realismo, tem sua referência na arte renascentista,
como, por exemplo, as obras de Caravaggio (1571 - 1610).

2.2 Revolução Científica


A racionalidade característica do humanismo provocará uma revolução científica
durante o renascimento. “Entre os séculos XVI e XVII, uma série de descobertas, expe-
riências científicas e reflexões filosóficas mudou radicalmente a maneira como as pessoas
viam a natureza e o conhecimento” (ALVES; OLIVEIRA, 2016). O diferencial dessas des-
cobertas era que elas eram produzidas de maneira empírica: através da observação e de
uma possível experimentação. Ao contrário dos dogmas da Igreja.
Essas descobertas formam o início da ciência moderna. Podemos citar alguns
exemplos dessas: o heliocentrismo, teoria que argumenta que a Terra gira em torno do

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 13


Sol, em contrapartida ao geocentrismo, teoria defendida pela Igreja, em que a Terra seria o
centro do universo. Foi em 1543 que o “astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico
Sobre a revolução dos orbes celestes, com base em cálculos matemáticos e observações
astronômicas” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 193).
Com o italiano Galileu Galilei, no século XVII, esses cálculos de Copérnico puderam
ser provados de forma empírica. Isso porque Galileu aperfeiçoou o telescópio. “Com o uso
do telescópio, o alemão Johannes Kepler, na mesma época, descobriu que os planetas se
moviam em torno do Sol, em órbitas elípticas, e não circulares, e que sua velocidade era
proporcional a sua distância em relação ao Sol” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 193).
Na educação essas mudanças foram sentidas: “no Renascimento, configurou-se
um ideal de homem, completo, multifacetado, cujo objetivo era desenvolver harmonica-
mente todas as facetas da sua personalidade. Esse homem universal deveria ter cultura e
erudição” (ALVES; OLIVEIRA, 2016, p. 191).

2.3 As Grandes Navegações


Um dos maiores reflexos dessas inovações tecnológicas foi a possibilidade de
navegar em alto mar. Os portugueses foram os primeiros a conseguir essa proeza. Em
1415, conquistam a cidade de Ceuta, no norte da África. Ainda era uma pequena rota, mas
inaugura o período das Grandes Navegações.
Mais tarde, e por alguns motivos – como domínio do comércio mediterrâneo pelos
sagazes venezianos e genoveses (DE LEMPS, 2015) e o monopólio de produção dos ára-
bes em relação a esses produtos (como açúcar, canela e cravo) –, tanto os portugueses
quanto os espanhóis “desejavam encontrar um caminho alternativo para as Índias, visando,
principalmente, ao comércio de especiarias, até então dominado pelos venezianos, afe-
tando diretamente seus concorrentes italianos” (MAGALHÃES, 1997, p. 193), que desde o
século XIV, também passaram a apoiar e financiar pesquisas e viagens ibéricas.
Grande parte dos insumos, sejam vindos do além mar ou do Oriente Próximo e
suas regiões fronteiriças, além de servirem às mesas, aos hábitos e usos dos europeus,
também serviam como elemento de diferenciação social. Dessa forma, a busca por esses
artigos, seja pela combinação de seus valores sociais ou econômicos, passa a ser cada
vez maior. “No mundo dos ricos, porém, a quantidade não é tudo. O refinamento do preparo
das comidas, exóticas ou estranhas, é acompanhado, na maior parte das vezes, por verda-
deiras arquiteturas culinárias” (CALANCA, 2008, p. 108). Assim, “muitos bons historiadores

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 14


consideraram a cozinha que utilizava a especiaria como uma forma de distinção social”
(FLANDRIN, 2015, p. 479).
Neste sentido, com as Grandes Navegações e a descoberta das Índias Ocidentais,
no século XV, os europeus acabam criando laços comerciais e expandindo seu poderio
comercial ao Novo Mundo. Com a América, vieram também alguns produtos que passaram
a ser, e a oferecer, uma simbologia de distinção ao cardápio e usos dos europeus, como o
tabaco e o cacau. Logo, esse espaço recém colonizado começou a servir para atender à
demanda do Velho Mundo por tais produtos. “A partir do século XVI, mercadores, empreen-
dedores e colonos europeus organizam no Novo Mundo economias agrícolas orientadas
para a satisfação de uma demanda crescente de gêneros de consumo tropicais” (CALAN-
CA, 2008, p. 108). Tais produtos iriam corresponder às vontades e desejos da aristocracia
e de parte da burguesia europeia. Essas mercadorias passaram a ser incorporadas no dia
a dia, nos usos cotidianos dos europeus.
Em suma, temos que ter em mente, que foi um momento de ebulição e inovação
científica, diretamente ligado ao humanismo e ao antropocentrismo, do homem no centro
do mundo. Possibilitando um renascimento da cultura clássica na Europa, provocando
mudanças na organização social. Possibilitando uma civilização do Renascimento (DE-
LUMEAU, 1983).

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 15


3. ESTADO MODERNO

Retrato de Louis XIV, por Hyancinthe Rigaud, estúdio, 1701, pintura francesa, óleo sobre tela. Esta

é uma cópia contemporânea do retrato original de Luís XIV de 1701.

Podemos afirmar que o Humanismo e o Renascimento foram processos que clas-


sificamos como sendo parte das mudanças na sociedade obtidas no campo da cultura, do
social, da mentalidade e do conhecimento. Já o Estado Moderno seria o impacto dessas
mudanças, mas voltado para o campo político e econômico do período: podemos defini-lo
como sendo a junção do rei com os comerciantes, a burguesia nascente.
Por volta do século XI, no início da Baixa Idade Média, a Europa conhece um
grande avanço material, tecnológico e populacional. O sistema trienal de plantio, o uso de
cavalos no arado e a charrua são algumas delas. Mas, a “ética paternalista cristã”, que era
a sociedade repartida em três ordens (os que trabalham, os que guerreiam e os que oram),
em conjunto com as ideias pertencentes a Igreja, não permitiam que o lucro se colocasse
acima da caridade e das boas ações (HUNT; SHERMAN, 2017). A usura, que era a forma
de empréstimo com juros, não era permitida (LE GOFF, 2007).
Mesmo, ainda, não priorizando o lucro, essa melhora na produção permite aos
camponeses comercializar o excedente. Poucos eram os artefatos que precisavam ser
comprados, talvez sal e ferro (HUBERMAN, 1980). As feiras começam a surgir nos ex-
traburgos das cidades. Pois ali os mercadores paravam para descansar e se abastecer

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 16


também. Primeiramente, feiras semanais de troca de excedente. Depois, grandes feiras
anuais. Passa a surgir a figura do comerciante e mercador.

3.1 A Figura do Mercador e o Consumo


Esses mercadores e comerciantes se instalam nesses extraburgos e por ali se
mantêm. As cidades começam a se tornar palco das vendas e das trocas, onde “se concen-
tra também os prazeres, os da festa, o dos diálogos na rua” (LE GOFF, 1998, p. 25). Fora
dos burgos, a vida se torna mais fluida e dinâmica. A política do arrendamento de terras,
imposta pelos senhores feudais e pelo rei, da qual o imposto pago pelos camponeses a
esses senhores por meio das banalidades (impostos medievais do senhor feudal sob os
servos) e de uma taxa de sua produção tem uma perda de efeito. Às margens da cidade, o
dinheiro, por meio das moedas, começa a deliberar um valor de troca.
A partir desse período, séculos XI e XII, as relações comerciais estáticas e de baixa
frequência começaram a se desenvolver. Um dos principais motivos para essa mudança
econômica medieval foi a realização das cruzadas e aumento demográfico da Europa no
século X. As cruzadas desempenharam papel crucial no surgimento do mercador, pois
muitos europeus se lançaram em território oriental para combater os muçulmanos e recon-
quistar a Terra Santa, com o objetivo, em geral, de conquistas terras, riqueza e títulos e a
remissão dos pecados e garantia de salvação por parte da Igreja.
Todavia, ao fim de cada cruzada os soldados que voltavam almejavam o luxo e re-
quinte do oriente, as especiarias necessárias na preparação de alimentos mais saborosos,
adornos finos, seda, entre outras mercadorias orientais que interessavam aos ocidentais.
Desse modo, e com excedente de produção agrícola, os séculos XI e XII são marcados
pela realização de feiras locais, geralmente anuais em centros maiores, e semanais em
localidades pequenas. Tendo um aumento considerável do consumo.
O desenvolvimento das feiras foi o ponto inicial para a criação da figura do mer-
cador, que viria a adquirir considerável autonomia nos séculos seguintes. As feiras eram
realizadas nos arredores da cidade. Estas últimas tinham fortificações circundando-as,
denominadas como burgos, em que os mercadores se instalavam para descansar de suas
viagens, adquirir provisões, entre outras necessidades. Com a realização de feiras com
maior frequência e consequentemente com o aumento de comerciantes nos arredores dos
burgos, instituiu-se os extraburgos, aqueles que ficavam aquém dos burgos das cidades,
seus habitantes, os comerciantes, não tardaram a ser conhecidos como burgueses, os que
vivem nos burgos.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 17


Com o aumento da demanda de mercadorias, as feiras semanais, assim como as
anuais, passaram a ser realizadas com maior frequência. As feiras anuais que duravam
alguns meses, agora duravam permanentemente o ano todo, as semanais, de dois dias na
semana, realizaram-se quase durante a semana inteira. Existiam leis próprias das feiras,
tribunais específicos, até policiamento exclusivo para essas eventualidades, se ocorressem
conflitos nestas, eram seus policiais que levavam os sujeitos em conflito ao tribunal da feira,
para serem julgados com suas próprias leis.
Os senhores feudais, inicialmente, não viam nas feiras algo prejudicial ao seu
poder, pelo contrário elas rendiam muito para estes. Dessa maneira, eles ofereciam aos
comerciantes alguns privilégios para comercializar no feudo/cidade sob seu domínio. Eram
ofertados aos comerciantes proteção em caso de saque, baixas ou nenhuma taxa de
transporte pelas vias comerciais, e pequenos impostos populares entre comerciantes, os
quais eram julgados justos. Mas, apesar da garantia de passagem livre para comercializar,
ocorriam furtos, tanto por senhores feudais, quanto por ladrões comuns.
Diante das dificuldades encontradas pelos comerciantes, aos poucos, eles se orga-
nizaram em guildas (espécie de corporações de ofício), para assegurarem sua segurança
no transporte das mercadorias até as feiras, quando eles chegavam nelas, permaneciam
em grupos, conquistando negócios mais produtivos e lucrativos. Após a formação das
corporações de mercadores, estas ganharam força considerável dentro das cidades, quem
não pertencia a uma corporação não conseguia comercializar com sucesso. Em algumas
cidades, só era permitido aos que não pertenciam a uma guilda comercializar, quando ne-
nhum comerciante da guilda da cidade comercializasse mais, ou seja, quem não pertencia
a uma corporação tinha maus negócios.
No decorrer das atividades comerciais das feiras, as cidades, concomitantemente
ampliaram-se, muitos camponeses viam nas cidades a oportunidade de libertação das obri-
gações para com os senhores feudais, pois após um ano da estadia de um camponês ou
escravo nas cidades, sem que fosse feita nenhuma reclamação de sua posse, o camponês
ou escravo passaria a ser considerado um homem livre. Dessa maneira, houve um êxodo
rural em grande escala, aumentando a extensão das cidades crescentes, proporcionando a
estas artesãos e artistas, mestres sapateiros, ferreiros, marceneiros e fiadores, que viriam,
posteriormente a se organizarem em corporações, separadas pelas funções realizadas por
cada artesão (HUBERMAN, 1980).
Os comerciantes passam a exercer grande influência política, conquistaram,
posteriormente, papéis políticos importantes no interior das cidades. Os primeiros direitos

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 18


conquistados entre os comerciantes foram os de livre comércio, taxas comerciais reduzidas
e proteções contra furtos, como já citado anteriormente. Mas apenas essas conquistas não
atendiam à demanda econômica crescente. Além desse fator, consideremos que os comer-
ciantes adquiriram muitos lucros com seus negócios, ou seja, quem detinha o poder, quanto
aos tesouros, eram eles, assim, eles detinham o controle sobre a escolha de funcionários
das cidades, quando não, os próprios comerciantes assumiram os cargos públicos.
Os senhores feudais, acostumados com o poder absoluto sobre os feudos, tentaram
resistir à concessão de direitos aos comerciantes, todavia, as corporações já dispunham
de muita influência, e geralmente os próprios senhores feudais dependiam das atividades
comerciais dos mercadores, principalmente a respeito das transações bancária e aquisição
de moedas para a troca nas feiras. Nessa perspectiva, o dinheiro, a moeda, passa a ter
um grande valor na sociedade, ele passa a ser cada vez mais requisitado e exercer valor
de troca (compra e venda). Em contrapartida ao valor da terra, que era de onde o senhor
feudal obtinha seu poder. Mas de que valia tanto a terra se ele não tinha dinheiro, que é,
agora, o que passa permear as relações sociais?
Nesse cenário, os senhores feudais passaram a ser “obrigados” a vender parte de
suas terras para os cidadãos com grandes posses, possibilitando aos proprietários usufruí-
rem da terra a seu gosto, podendo revender ela se desejasse. Assim, os comerciantes que
já dispunham de cargos políticos nas cidades, adquiriam o poder sobre o uso da terra.
Assim, as corporações comerciais detinham grandes poderes, elas organizavam os
setores políticos das cidades, escolhiam funcionários de confiança, ou assumiam os postos
seus próprios “associados”. Dessa maneira, o mercador passou a ser uma figura essencial
no joguete político e econômico do novo Estado que se configurava, a burguesia emergen-
te, posteriormente junto com a figura do rei, dominariam o aparelho econômico e político
europeu. As grandes famílias de banqueiros assumiram os postos de grupos cada vez
mais influentes e ricos do período, os governantes, como reis, condes e senhores feudais
necessitavam de seus financiamentos para empreender guerras ou fortificar as defesas do
reino, ficando em dívida com essas famílias. O parlamento dos países e cidades passam a
ter cada vez mais influência desses mercadores. Assim, o mercador emergiu como figura
crucial na dinâmica e estrutura do Estado Moderno: em suma, o rei entrava com o aparato
e o prestígio político e o mercado com as finanças, economias.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 19


3.2 A Corte
Essa busca pelo novo, pelo requinte, pelo belo, que leva a individualidade teve seu
protótipo nos primórdios das cortes e nos mosteiros, no século XII (DUBY, 2009). Lá, nas
cortes, também se inicia o jogo da sedução, o amor cortês, que leva a competição e dessa
forma um tenta produzir um efeito melhor que o outro, para ganhar tal concurso de amor.
Esse luxo, “obreiro infatigável do primeiro capitalismo moderno, começaria exatamente
com as cortes principescas do Ocidente de que a corte pontifícia de Avignon foi o protótipo”
(BRAUDEL, 1970, p. 147).
De acordo com Norbert Elias (2011a) houve uma mudança nos hábitos e nos com-
portamentos desde o século XII: do protótipo das Cortes cavalheirescas que vão civilizar as
pessoas do feudo. No século XII já havia manuais que indicavam decoro social, principal-
mente à mesa. Esse decoro sugeria o jeito de se sentar, pegar nos talheres e de se portar.
Comer e beber passa a designar distinção social, que envolve requinte e luxo.
Esse processo civilizador modifica os gestos corporais, decoro social e o luxo,
que passam a ser as marcas da distinção entre a Corte, que era constituída por membros
da aristocracia, e a plebe, constituída pela população trabalhadora e a baixa burguesia, que
eram os burgueses mais pobres. Essa Corte passa a ser o mecanismo de diálogo do rei
com a aristocracia e a alta burguesia. Através dela, o rei fazia acordos políticos: e em troca
ofertava títulos e posições de prestígio social na sociedade cortesã. De certa forma, a Corte
funciona como uma ferramenta, um aparato que auxiliava o rei nas decisões e tomadas
políticas de acordo com o interesse das partes envolvidas (ELIAS, 2001). Daí o tripé das
instituições que dará a estrutura política. Portanto, o ideal do rei, é o rei SOL

3.3 Nascimento do Estado


De acordo com Norbert Elias (2001), o Estado Moderno surge do interesse e da
negociação entre: rei, nobreza e burguesia. O rei representa a centralização do poder po-
lítico, tomada das decisões em conjunto com os interesses da aristocracia e alta burguesia;
a nobreza, composta por antigos senhores feudais, representa os exércitos, a força militar,
a princípio, ela cedia seus homens para o rei em tempos de guerra; e a burguesia represen-
tava o aparato financeiro do estado, ela financiava as guerras, expedições e empreitadas
econômicas do Estado.
Dessa junção de interesses nasce o Estado Moderno absolutista. O maior exemplo
de estado absolutista é Luís XIV (imagem no início da seção), que reinou entre 1643 a 171.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 20


Ficou conhecido como o Rei Sol, com sua famosa frase: “O Estado sou Eu”, que indicava
que acima dele não havia ninguém, apenas o Sol.
Mas o processo de unificação francês começa com Luís VI, no século XII, que,
lutando contra uns senhores feudais e negociando com outros, conseguiu concentrar o
poder em suas mãos e submetê-los ao seu mando. A partir daí seus descendentes irão
cada vez mais monopolizar a força e as decisões nas mãos do rei (ELIAS, 2001).
No século XIV, na França, a cobrança de impostos passa a ser institucionalizada.
Segundo Phillipe Wolff (1986), esse momento é importante, pois o Estado passa a adquirir
feições próprias, se constituindo como uma instituição, obtendo recursos para gerir seus
interesses, como expedições para obter lucros e um exército próprio para as guerras, não
precisando mais dos empréstimos de senhores feudais.

3.4 O Mercantilismo
O mercantilismo é o modelo econômico do Estado Moderno. As decisões comer-
ciais eram tomadas pelo rei, isso significava que a economia se mantinha atrelada a suas
vontades, assim como a as decisões políticas.
Metalismo é a crença na qual quanto mais ouro e prata uma nação possuísse,
mais rica ela seria. Com base nessa crença, procurava-se acumular metais preciosos no
país, também conhecido como bulionismo. Balança comercial favorável é o princípio
que vinha do metalismo. Veja por que: na época, o dinheiro era feito de ouro e prata; assim,
a forma de reter ouro e prata em um país era exportar o máximo e importar o mínimo,
mantendo-se, assim, a balança comercial favorável, em suma, precisava exportar mais do
que importar manufaturados
Protecionismo é o incentivo à indústria interna, ao comércio e à manufatura na-
cionais, protegendo-os da concorrência estrangeira. Deste modo, havia o aumento dos
impostos sobre os produtos estrangeiros a fim de torná-los mais caros, favorecendo os
similares nacionais. E o exclusivo colonial consistia na obrigação que a colônia tinha
de comercializar exclusivamente com sua metrópole. Por exemplo, os colonos do Brasil
podiam comercializar apenas com Portugal, que era sua metrópole (HUBERMAN, 1980).

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 21


SAIBA MAIS
Você sabia que os gregos e os romanos já pensavam de maneira semelhante a nós?
Na verdade, esse é o reflexo da influência que o pensamento deles tem sobre os dias
atuais: somos nós que pensamos de maneira similar a eles. Prova disso, é que o filó-
sofo ateniense Sócrates já filosofava sobre o que é o amor, em O Banquete, durante o
século IV a. C. E o filósofo romano Sêneca já falava sobre ansiedade e como ter uma
vida plena em, Sobre a brevidade da vida, no século I a.C. Ao olho nu, podemos pensar
que essas questões só dizem respeito a nós, nossa sociedade e aos dias atuais. Esse
é um dos motivos do porquê essas obras foram tão importantes para o humanismo e o
renascimento.

Fonte: JAEGER, Werner, 2013

SAIBA MAIS
Hoje em dia quando pensamos em ter uma profissão, seguir um trabalho para a vida, na
maioria dos casos, pensamos em estudar e nos especializar em uma área específica.
Não era assim no século XVI. Por exemplo, você conseguiria enquadrar Leonardo da
Vinci em uma única profissão? Naquele momento, o ideal era o homem completo, que
entendesse das diversas áreas, diversas artes: física, química, artes, matemática, bio-
logia e assim por diante. Quem dominasse mais áreas do saber estava o mais perto de
se tornar o homem completo

Fonte: ROSSI, Paolo. 1997

REFLITA
“Apressa-te a viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida” (Sêneca).

“O objetivo mais alto do artista consiste em exprimir na fisionomia e nos movimentos do


corpo as paixões da alma” (Leonardo da Vinci).

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 22


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Caro(a) aluno(a), devemos ter em mente que qualquer conclusão definitiva é preci-
pitada. Até hoje os estudos históricos sobre a Idade Moderna estão avaliando e reavaliando
o impacto do Humanismo, Renascimento e Estado Moderno para a humanidade oci-
dental. Mas podemos ter a certeza de afirmar que essas instituições estabeleceram novas
formas de pensamento e organização social.
Não é à toa que a Idade Moderna leva esse nome: moderna. A modernidade surge
neste período. A individualidade, o pensamento científico e a forma de organização e polí-
tica em que as sociedades ocidentais repousam hoje em dia, são influenciados por essas
instituições, esses acontecimentos desse período.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 23


LEITURA COMPLEMENTAR

Para saber mais sobre o Estado Moderno:


ANDERSON, Perry. Linhagens do Estado Absolutista: São Paulo: Brasiliense

Para saber mais sobre o mercantilismo:


DEYON, Pierre. O mercantilismo. São Paulo: Perspectiva, 1992.

Para saber mais sobre a cultura do Renascimento:


BURCKHARDT, Jacob. A cultura do Renascimento na Itália: um ensaio.
Editora Companhia das Letras, 2009.

UNIDADE I Humanismo, Renascimento e Estado Moderno 24


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: O nascimento da ciência moderna na Europa
Autor: Paolo Rossi
Editora: Edusc (Florianópolis)
Sinopse: Abordagem de um tema fulcral na história da Ciência
e da Europa, este livro situa o clima não artificial em que perso-
nagens hoje altamente considerados trabalharam arduamente na
configuração de áreas do conhecimento, enfrentando preconceitos
e perseguições das mais diversas modalidades.

FILME/VÍDEO
Título: O Nome da Rosa
Ano: 1986
Sinopse: Um monge franciscano investiga uma série de assassi-
natos em um remoto mosteiro italiano. Isso provoca uma guerra
ideológica entre os franciscanos e os dominicanos, enquanto o
monge lentamente soluciona os misteriosos assassinatos.

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UNIDADE II
Transformações Religiosas na
Modernidade
Professor Doutor Saulo Henrique Justiniano Silva

Plano de Estudo:
● Compreender as questões econômicas em finais da Idade Média e início
da Idade Moderna.
● Conceituar as diferentes Reformas Protestantes.
● Entender a Reforma em seu aspecto religioso, político e social.

Objetivos da Aprendizagem:
● Economia
● As transformações religiosas na Europa e a Reforma Protestante
● A reforma luterana
● A “reforma inglesa”
● A reforma calvinista
● Situação política na Europa pós-reforma
● A contrarreforma ou reforma católica

26
INTRODUÇÃO

Olá, aluno(a). Seja bem-vindo(a) a mais uma unidade da apostila de História Mo-
derna. Neste capítulo intitulado Transformações religiosas na modernidade, estudaremos
questões de extrema importância para se compreender as nuances do período da História
denominado Idade Moderna.
Iniciamos a unidade fazendo uma retrospectiva sobre as questões de produção na
Europa durante a baixa Idade Média e como o renascimento comercial e urbano ocasionou
uma crise sanitária do século XIV, conhecida como Peste Negra. Apesar de ter sido respon-
sável pela dizimação de 1/3 da Europa, a recuperação demográfica da Peste foi tão rápida,
que causou outra crise, a de abastecimento. A produção de alimentos não acompanhou o
crescimento populacional e isso causou fome, miséria e medo.
Nesse contexto de medo, a Europa passou por grandes transformações na questão
religiosa que desembocaram na Reforma Protestante, em primeiro momento liderado pelo
monge agostiniano Martinho Lutero, mas que posteriormente foi apropriado como instru-
mento político contra os interesses do papado pela nobreza da época.
Após apresentar um pequeno perfil dos reformadores e suas principais contribui-
ções, no final da unidade traçamos os principais acontecimentos envoltos à questão política
da Europa após o impacto do surgimento do protestantismo e como a Igreja Católica Apos-
tólica Romana restabeleceu sua superioridade no mundo moderno.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 27


1. ECONOMIA

Os séculos que sucederam o XI foram, historicamente, conhecidos como Baixa


Idade Média, este momento em grande medida, é marcado pelos renascimentos urbano e
comercial e pelo surgimento de um novo segmento social, a burguesia.
É nesse período que as antigas relações de servidão no interior do feudo, pautadas
no ideal de Suserania e Vassalagem, dão lugar a uma vida mercantil e pujante, marcada
pela possibilidade de ascensão econômica.
Os centros urbanos se tornaram a encarnação dessas transformações históricas,
impulsionando o renascimento comercial possibilitado pelo desenvolvimento de técnicas
produtivas fortemente marcadas pelo uso do arado de rodas e da difusão de moinhos de
vento e hidráulicos (VAINFAS, 2010).
As cidades eram verdadeiros centros mercantis, o abrigo de marcadores, artesãos
e toda espécie de gente que buscava ascensão social, impossibilitado pela antiga vida
feudal. De fato, o ar da cidade libertava.
Os anos que se seguiram contaram com um impressionante aumento demográfico.
A população europeia ocidental, que, no início do século XI, contabilizava cerca de 22,1
milhões de habitantes, saltou para 25,8 milhões (FRANCO JUNIOR; ANDRADE FILHO,
1993), um crescimento significativo que não parou, chegando a 50% entre os anos de
1200 a 1300. Os medievalistas Hilário Franco Júnior e Ruy de Oliveira Andrade Filho nos
mostram um crescimento populacional de 34,65 milhões de habitantes no início do XIII para
50,33 milhões, cem anos depois (FRANCO JUNIOR; ANDRADE FILHO, 1993).

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 28


De fato, o apogeu dessa nova realidade que se descortinava diante dos europeus,
encontrou seu auge no século XIV. As estruturas sociais que engatinhavam no início da
Baixa Idade Média encontraram maturidade no XIV, que já contava com uma burguesia
que se aliava a nobreza em suas pretensões mercantis, possibilitado pelo comércio de
longa distância que desenvolveu rotas de navegação entre o mediterrâneo e o mar negro,
chegando a Constantinopla, principal acesso as especiarias do Oriente.
Além desse pujante desenvolvimento comercial e crescimento demográfico, o iní-
cio do XIV fora marcado pelas chuvas intensas, as quais ocasionaram perda significativa
na produção alimentícia. Tais fatores elevaram, consideravelmente, o preço dos alimentos
básicos da dieta do homem medieval, como o trigo utilizado na fabricação de pães.
Não havia oferta para suprir a imensa demanda de citadinos e camponeses famin-
tos, por isso, os anos de 1315 a 1317 são, historicamente, lembrados como os anos da
“grande fome” (VAINFAS, 2010), que conferiu aos que sobreviveram enfraquecimento e
baixa imunidade contra toda sorte de moléstias que pudessem vir a atacar.
A principal moléstia desse tempo, sem dúvida, foi a Peste Negra, que dizimou
parte da população europeia daquele tempo. O comércio com o Oriente, marcado, prin-
cipalmente, pelas rotas que ligavam o Mediterrâneo ao Mar Negro, possivelmente tenha
sido o propulsor deste evento. Acredita-se que “embarcações originárias de entrepostos
comerciais genoveses no mar negro tenha trazido o mal para a Europa” (VAINFAS, 2010,
p. 143). A única certeza é que a Peste seguia as rotas comerciais europeias, chegando a se
alastrar por todo continente ainda na primeira metade do XIV.

Figura 1 - Homem e mulheres com a peste bubônica com seus bubões carac-
terísticos em seus corpos, pintura medieval de uma Bíblia em língua alemã de 1411 de
Toggenburg, Suíça

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 29


A contabilidade convencional sobre a Peste Negra aponta para a perda de um terço
da população europeia. A população inglesa, por exemplo, estimada em 3,7 milhões de
habitantes em 1348, caiu de forma drástica para 2,25 milhões trinta anos depois (VAINFAS,
2010). A Peste, atenuada por curtos intervalos, prosseguiu implacável adentrando o século
XV.
O crescimento demográfico foi retomado em meados do século XV, no entanto,
ainda se via os ecos da Peste por muito tempo. A vida na Europa voltou a se recuperar
a partir da segunda metade do século XV, como mostra-nos Tom Scott (2009, p. 18), no
capítulo dedicado à Economia, na obra O Século XVI, que:
Até 1470, a vida econômica da Europa Ocidental tenha sido dominada por
fatores que determinavam uma contração, tendo como aspecto principal o
catastrófico declínio demográfico da segunda metade do século XIV, cuja re-
cuperação não começou antes da segunda metade do século XV, na melhor
das hipóteses.

Como atestado por Scott (2009), a população europeia voltou a crescer durante os
períodos de calmaria da Peste, chamados de calmaria porque ainda era possível ver alguns
surtos da moléstia até meados do século XVI.
A volta do crescimento populacional ocorrida na segunda metade do XV trouxe um
saldo impressionante, segundo Jan de Vries (apud SCOTT, 2009, p. 36), de “60,9 milhões
de habitantes na Europa em 1500”, no entanto, esse rápido crescimento populacional gerou
outro grande problema, a chamada Revolução dos Preços (CAMERON, 2009).
Os anos finais do século XV foram marcados pela escassez das terras produtivas
e, consequentemente, pelo abastecimento de alimentos que não acompanharam, com a
mesma agilidade, as transformações demográficas do continente, com isso, houve um
desequilíbrio entre população e recursos.
Esse desequilíbrio trouxe um aumento considerável no preço dos mais diversos
gêneros alimentícios, gerando uma grande segregação e desigualdade, dando origem a
uma massa de esfomeados, que, muitas vezes, mesmo trabalhando, não conseguiam fazer
com que os seus salários acompanhassem a alta dos preços (SCOTT, 2009).
O que se podia observar era um crescente número de indigentes nas cidades
que se viam apegados à religiosidade como única forma de salvação, esperando dos céus
a ajuda que os tiraria daquele sofrimento.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 30


2. AS TRANSFORMAÇÕES RELIGIOSAS NA EUROPA E A REFORMA PROTESTANTE

Todos os fatos e acontecimentos, econômicos, políticos e territoriais, fizeram com


que o início da Idade Moderna fosse um período marcado também por agitações no campo
religioso. Enquanto a Idade Média foi marcada, em grande medida, pelo poder centralizador
da Igreja, detentora oficial da religiosidade cristã, a modernidade trouxe uma crise desses
valores. Se no início do século XVI todos, ou grande parte, dos europeus se sentiam partici-
pantes de uma única igreja que era universal (CAMERON, 2009), na segunda metade deste
mesmo século, pelo menos três ramos a mais de pretensos cristianismos se estabeleceram
no cenário europeu.
A reforma protestante empreendida por Lutero e seus seguidores coroou um pe-
ríodo de intensas transformações na cristandade ocidental, visto que a Igreja Católica dos
tempos modernos não tinha mais o mesmo vigor que a marcou durante a Idade Média,
quando fora conhecida como a grande senhora feudal.
O mundo em transformação era, em grande medida, consequência das alianças
entre monarcas e burgueses, que possibilitou o surgimento de uma nova política pouco
dependente dos interesses da Igreja, a historiografia convencionou chamá-los Estados Na-
cionais Modernos. Nos Estados Modernos, o monarca era o próprio representante de Deus
na terra, como afirmara o padre Jacques Bossuet, na França do século XVI, minimizando
o poder da Igreja e separando a Monarquia da Instituição Igreja Católica, mas não do
cristianismo que dava legitimidade às suas ações.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 31


Podemos apontar outras questões que contribuíram para a crise da cristandade
como o cenário de profunda desesperança, marcado ainda pelos estragos ocasionados
pela moléstia da Peste Negra e a maneira como parte dos religiosos viviam nesse contexto.
Destacarei brevemente três papas que viveram entre o final do século XV e início do século
XVI.
O primeiro que vamos retratar é o aragonês Rodrigo Bórgia, arcebispo de Valência,
que se tornou Papa em 1492, com o nome de Alexandre VI, ou Papa Bórgia, como foi
chamado por seus contemporâneos. Os Bórgias era uma família nobre e rica do meio
rural na Espanha medieval, que teve seu apogeu marcado pela eleição de Alonso Bórgia,
tio materno de Rodrigo, ao papado em 1455, como o nome de Papa Calisto III. A carreira
eclesiástica de Rodrigo se iniciou em 1456, quando seu tio o tornou cardeal, estudou Direito
na faculdade de Bolonha, terminando o curso em apenas um ano, diferente dos cinco con-
vencionais, sendo acusado de ter comprado o diploma (BOWN, 2013).
Rodrigo era um exímio político e muito competente nos negócios, fazendo aumentar
ano após ano sua fortuna, como nos relata Stephen Bown (2013, p. 135): “Em 1490, dizia-
-se que Bórgia tinha mais ouro que todos os demais cardeais somados”. Suas habilidades
fizeram com que Pio II o ordenasse vice-chanceler, um cargo de suma importância que só
estava abaixo do Papa.
Bórgia, apesar de homem da Igreja, teve ao menos quatro filhos e usava os recur-
sos da Igreja para sustentá-los. Os mais famosos foram César e Lucrécia, o primeiro, tem
papel importante na história da filosofia-política moderna, pois a famosa obra “O Príncipe”
escrita Nicolau Maquiavel foi baseada em sua postura “violenta e inescrupulosa” (BOWN,
2013, p. 136).
No famoso Palazzo Bórgia, como ficou conhecida sua mansão, eram realizadas
festas suntuosas, com banquetes, bailes e jantares marcados por talheres de ouro, iguarias
e dançarinas exóticas (BOWN, 2013). Apesar de uma amante oficial, digo amante porque
já era vedado o direito de um clérigo se casar, Rodrigo mantinha tantas outras, com os
mesmos luxos que rodeava seu palácio em Roma.
Em 1492, após a morte de Inocêncio VIII, Rodrigo por meio de muito ouro, que
possibilitou infindáveis compras de votos, se elegeu Papa, com o nome, como já citado, de
Alexandre VI. Uma das primeiras ações de Alexandre foi a nomeação de César, seu filho,
apesar das características já destacadas, a Cardeal Arcebispo de Valência, posto que ficara
vago após sua eleição ao papado.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 32


Ser Papa não fez mudar a postura de Rodrigo, levando para o Vaticano suas famo-
sas festas e orgias. Um mestre de cerimônia escreveu em seu diário, em 30 de outubro de
1501, que:
[...] cinquenta prostitutas divertiram Alexandre, César, Lucrécia e seu séqui-
to. “As mulheres depois do banquete, dançaram nuas. Em uma dança, elas
tinham de correr nuas entre as velas acesas e apanhar nozes no chão”. Ale-
xandre e Lucrécia, depois de assistir à dança das participantes nuas, “distri-
buíram prêmios de roupas de seda aos servidores do Vaticano que tivessem
mantido o maior número de relações carnais com as cortesãs (BOWN, 2013,
p. 136).

Ainda como Papa, leiloou diversos cargos da administração eclesiástica entre as


grandes famílias burguesas da Itália e deixava aos cuidados de Lucrécia, sua filha, “com
quem se diz que Alexandre teve ligações incestuosas” (BOWN, 2013, p. 136), os negócios
da Igreja quando estava fora de Roma. Conta-se ainda que o Papa Bórgia “mandou pren-
der, executar e envenenar vários de seus colegas, ou suborno e pilhou as propriedades de
outros” (BOWN, 2013, p. 137).
Alexandre VI morreu em 1503 aos 72 anos de idade. Não se sabe exatamente o
motivo de sua morte, para alguns por conta da malária (BOWN, 2013), doença comum em
Roma nesta época, para outros por acidente, pois tomou o veneno que era destinado a
outra pessoa (DREHER, 2007). Após a morte de Alexandre, assumiu o papado Francesco
Todeschini-Piccolomini, como Pio III, que não permitiu “a tradicional missa no funeral do
antecessor, alegando: ‘É blasfêmia rezar pelos condenados’” (BOWL, 2013, p. 148).
Rodrigo tinha muitos inimigos dentro e fora da Igreja, o mais famoso foi Giuliano
della Rovere, cardeal arcebispo de Avinhão. No entanto, é importante esclarecer que sua
oposição a Bórgia não se fazia pelos métodos empregados pelo Papa, mas pela ambição
que tinha de assumir o cargo.
O pontificado de Pio III foi brevíssimo, tendo durado apenas 27 dias, neste mesmo
ano foi eleito pelo colégio dos cardeais Giuliano della Rovere como Papa Júlio II. Assim
como Alexandre VI, seu cargo foi comprado com muito ouro.
A Igreja, sob liderança de Júlio II, assumiu características bélicas, para ele “a salva-
ção da Igreja estava na política e na guerra” (DREHER, 2017, p. 187). Ficou marcado nos
anais da História como o Terrível, pois agia mais como um chefe político e militar do que um
líder religioso. Sob seu comando a Igreja aumentou os territórios dos estados pontifícios,
ou seja, estados que estavam sobre controle da Igreja e destruiu a Basílica de São Pedro
e iniciou a construção da atual.
Júlio II morreu em 1513, passando o centro de Roma para o cardeal Giovanni de
Médicis, que se tornou Papa, assumindo o título de Leão X.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 33


Leão X, diferente de seus antecessores, foi um papa ligado às questões intelectuais
que circundavam a Península Itálica de seu tempo, era um defensor do Humanismo, alta-
mente letrado e comprometido com o desenvolvimento da cultura renascentista. Depois da
eleição, quando foi assumir definitivamente o pontificado, fez uma grande procissão pelas
ruas de Roma e estendeu uma grande faixa, onde podia ser lido: “Outrora governou Vênus,
depois Marte; agora Palas Atenas detém o cetro” (DREHER, 2007, p. 187). Explicando a
faixa, Martin Norberto Dreher (2007) escreveu:
Com Vênus fazia-se referência a Alexandre VI, com Marte a Júlio II, com
Palas Atenas saudava-se Leão X como mecenas e benfeitor de humanistas
e artistas. A frase também descreve o caráter mundano e a frivolidade do
pontificado de Leão X, durante o qual Lutero iniciou seu movimento (p. 187).

As analogias aos deuses da mitologia grega era uma característica marcante do


renascimento cultural, que tem esse nome pois pretendia fazer renascer a cultura clássica,
grega e romana, que, segundo seus defensores, havia desaparecido durante a Idade das
Trevas, como chamavam a Idade Média.
O pontificado de Leão X não foi marcado pelos banquetes e orgias de Alexandre VI,
muito menos pelas intensas atividades bélicas de Júlio II, mas pela “leviandade e esbanja-
mento em busca de hedonismo” (DREHER, 2007, p. 187). Sua história papal ficou marcada
pela construção da nova Basílica de São Pedro, que, por mais que não tivesse começado
em seu turno, recaiu sobre si o encargo. Para tanto, seria necessária uma quantia signi-
ficativa para o término de tão grandiosa e audaciosa obra, assim, iniciou uma venda de
indulgências sem precedente.
Foi em 1515, que Leão X lançou a bula papal para a construção da Basílica em
Roma, mandando grandes persuasores para as mais longínquas regiões da Europa para a
coleta das ofertas. A liberação de Indulgência, ou seja, perdão de pecados, foi uma prática
comum ao longo da Idade Média, essa que geralmente era dada a pessoas que, por algum
motivo, seja por lutas contra os infiéis e em favor da fé, ou mesmo benfeitorias à Igreja de
Cristo, ou ao povo de Deus, passou a ser vendida sem a menor restrição, bastava pagar
para tirar algum ancestral do purgatório ou se livrar dos mais inescrupulosos pecados.
O mais famoso coletor de dinheiro em prol da indulgência foi João Tetzel, “um frade
dominicano que chegava às cidades alemãs saudado pelo som dos sinos das igrejas e fa-
zia sermões convincentes” (BLAINEY, 2012, p. 174). Como forma de coerção, Tetzel usava
peças teatrais, em que os personagens eram consumidos pelo fogo do inferno, ou mesmo
agonizando no purgatório. Sabe-se hoje que homens, como o dominicano em questão,

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 34


trabalhavam para ricas famílias alemãs, que ficavam com parte dos ganhos e mandava
outra para Roma (BLAINEY, 2012).
Foi a teologia do medo pregada por Tetzel que desencadeou em um jovem padre
e professor de Teologia da Universidade Wittenberg, na Saxônia, um sentimento de revolta
sem precedentes. Esse padre, chamado Martinho Lutero, escreveu em fevereiro de 1517:
“Ah, os perigos do nosso tempo! Ah, os padres sonolentos!” e em outubro do mesmo ano
apontou ser um “absurdo que o tilintar de uma moeda na caixa de coleta liberar uma alma
do doloroso purgatório” (BLAINEY, 2012, p. 174). No último dia deste mês, dia de Todos os
Santos, Lutero pregou 95 Teses, um documento de argumentação geral com parágrafos
numerados, na Igreja do castelo de Wittenberg. O documento era objeções contra a co-
brança de indulgência, simonia e preceitos seguidos pela Igreja oficial.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 35


3. A REFORMA LUTERANA

Martinho Lutero nasceu em 1483, descendia de uma família modesta de Eisleben
na região da Saxônia na atual Alemanha, seu pai um administrador de minas, alcançou certa
prosperidade em seus negócios, fato que o fez, em um momento em que a vida acadêmica
era reservada à nobreza ou à alta burguesia, enviar seu filho para a Universidade Erfurt.
Iniciou seus estudos aos 17 anos e aos 21 já era Mestre em Teologia, em 1505 iniciou a
curso de Direito na mesma Universidade, mas não concluiu, optando, neste mesmo ano,
pela vida monástica na Ordem dos Agostinianos. Em 1507 foi ordenado sacerdote e um ano
depois passou a lecionar Teologia na Universidade de Wittenberg, onde obteve, em 1512,
o título de Doutor em Bíblia, dois anos após exerceu a função de vigário agostiniano, sendo
autoridade maior sobre alguns monastérios na Saxônia.
Conta-se na história, que deve ser analisada com cuidado pelos leitores, visto que
a maioria das biografias são organizadas com certa passionalidade, que em 1510 Lutero
foi pela primeira vez a Roma, a sede da cristandade. Diz-se que ficou maravilhado com a
formosura da cidade, seguindo dos os scripts de uma romaria a cidade papal, visitou os
lugares sagrados, pagou penitência e rezou pelas almas de seus ancestrais no purgatório.
Conta-se, também, que a viagem o deixou perturbado, pois os vícios e a ostentação de
Roma nada tinha a ver com a devoção modesta das Igrejas que conhecia no Norte da

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 36


Alemanha, apesar de viver em um contexto em que os mosteiros “abrigavam um
bocado de luxúria e excessos de comida e bebida. Em um mosteiro visitado por ele, cada
monge consumia duas canecas de cerveja de cerveja e 1 litro de vinho às refeições” (BLAI-
NEY, 2012, p. 172). Definitivamente, esse episódio não pode ser ignorado na biografia do
reformador.
Para além de uma vida religiosa pura e simples com seus afazeres diários enquan-
to monge, Lutero ficou famoso por estudos bíblicos relativos às questões vinculadas ao
pecado e ao perdão. Como profundo estudante da Bíblia, o monge chegou à conclusão de
que o perdão dos pecados e a salvação da alma estava no relacionamento sincero entre o
crente e Deus, baseado na verdadeira fé, independente das obras. Essa teologia luterana
ficou conhecida como Justificação pela Fé. Essa foi uma das primeiras bandeiras levanta-
das pelo então vigário agostiniano e que desencadeou uma série de críticas à instituição
milenar católica.
Se, para Lutero, a salvação vinha pela fé em Deus, não havia sentido algum o paga-
mento pela indulgência. Diante desse contexto de extrema consonância com os preceitos
bíblicos, chegou a Saxônia Tetzel, sua oratória, seu teatro e principalmente seu poder de
persuasão. Neste contexto, para conter os ânimos da pobre multidão que se viu obrigada a
dar o que não tinha, que Lutero fixou as famosas 95 teses na Igreja de Wittenburg.
Lutero já era um famoso orador, excelente professor e um intelectual de relevância
na Europa do século XVI e depois do episódio das 95 teses sua fama alcançou patamares
ainda maiores, chegando seus escritos a serem impressos em regiões fora da Alemanha,
como a Basiléia, na atual Suíça, e Estrasburgo, na atual França.
As pregações de Martinho Lutero, cada vez mais inflamadas contra a Igreja e o
clero, trouxeram algumas consequências, como prisões e disciplinas eclesiásticas, mas
ao mesmo tempo angariavam uma imensa quantidade de seguidores, que ia das classes
baixas à nobreza, que via no discurso do monge, uma possibilidade de se libertar dos
pagamentos de dízimo a Roma, ou mesmo de se apoderar dos grandes latifúndios que
estavam sob jurisdição da Santa Sé.
Era claro no discurso de Lutero o caráter nacionalista, como em escritos em que
bradara: “Pobre de nós, alemães. Fomos enganados! [...] o glorioso povo teutônico deve
deixar de ser fantoche do pontífice romano” (BLAINEY, 2012, p. 175), ou ainda colocar em
xeque, a autoridade papal, alegando não ter o pontífice “poder sobre o céu, o inferno e o
purgatório, ou sobre a eliminação do pecado” (BLAINEY, 2012, p. 175).

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 37


SAIBA MAIS

Seguem algumas teses das 95 pregadas na Igreja do Castelo de Wittenberg em 31 de


outubro de 1517.
6. [...] O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirmando que ela foi
perdoada por Deus, ou, sem dúvida, remitindo-a nos casos reservados para si; se estes
forem desprezados, a culpa permanecerá por inteiro.
23. [...] Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamen-
te, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa
magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se
julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
81. [...] Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, nem para
os homens doutos, defender a dignidade do papa contra calúnias ou perguntas, sem
dúvida argutas, dos leigos.
82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do santíssimo amor
e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais justa de todas as causas -, se
redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a constru-
ção da basílica - que é uma causa tão insignificante?
86 [...] por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos mais ricos Crassos, não
constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés
de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?

Fonte: Portal Luteranos (2017).

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Figura 2 - Martinho Lutero (1483-1546), retrato por Lucas Cranach, 1529

Lutero, de um lobo solitário do interior da Europa, se tornou, em 1520, uma força


difícil de ignorar. Mas como a Igreja poderia ser tão desatenta ao avanço da pregação
luterana? A resposta poderia ser que a Igreja vivenciava uma crise político-institucional
sem precedentes, a Santa Sé estava preocupada com o avanço turco-otomano no orien-
te-médio e leste europeu, com as disputas de poder entre as famílias Valois, da França e
Habsburgo, que tinha sob seu controle grande parte da Europa e a perda significativa de
poder do papa nas decisões políticas, passando paulatinamente para os reis e os príncipes.
Diante destas questões globais, fica fácil entender a morosidade papal frente ao “problema”
luterano (DREHER, 2007).
Enfim, Lutero foi formalmente excomungado da Igreja em 3 de janeiro de 1521,
pela bula Decet Romanum Pontificem, expedida por Leão X. Depois da excomunhão oficial,
Lutero foi convocado a ir a Roma para ser julgado, o que nunca aconteceu, pois seu fiel
defensor Frederico III, o sábio, príncipe da Saxônia, impediu que lá fosse julgado (BLAINEY,
2012), ao contrário foi instaurada uma reunião na cidade de Wörms em território alemão
para seu julgamento, essas reuniões aconteciam esporadicamente, contava com represen-
tantes do clero, a nobreza da região que envolvia o Sagrado Império Romano Germânico
e era sempre presidida pelo Sagrado Imperador, que na época era Carlos V, da casa de
Habsburgo. Essas reuniões recebiam o nome de Dieta.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 39


Em Wörms, Lutero reafirmou seus posicionamentos, fez sua autodefesa em latim
e terminou com as seguintes palavras, ditas em alemão: “Que Deus me ajude. Amém”
(BLAINEY, 2012, p. 176). O reformador, orientado por Frederico III, não esperou a reunião
acabar e se retirou para o palácio de Wartburg, onde passou algum tempo, ao que parece
até a poeira baixar, a questão é que não baixou, e a cada dia aumentavam os seguidores
da causa luterana.
Protegida por Frederico III, o sábio, e de forte conotação nacionalista, a reforma
empreendida por Lutero floresceu, igrejas luteranas disseminaram na Europa ao ponto
de que em menos de 30 anos monarcas de reinos, como Dinamarca, Suécia, Noruega e
Transilvânia, já tinham aderido à causa.
Lutero casou-se com a ex-freira Catarina Von Bora, teve uma vida marcada por
uma produção literária de grandes proporções. Entre seus escritos importantes, atacou
os judeus europeus, em sua obra Sobre os judeus e suas mentiras, de 1543, defendeu a
autoridade política dos reis e príncipes, em sua obra Sobre a autoridade secular, de 1523,
e traduziu a Bíblia Sagrada para o Alemão em 1534, um fato inédito, visto que existiam
algumas traduções do novo testamento em língua vernácula, mas a Bíblia inteira era escrita
em latim, fato que impedia os leigos desconhecedores dessa língua, já considerada morta,
de terem acesso às escrituras sagradas. Até o fim de sua vida defendeu a justificação pela
fé (salvação pela fé), o sacerdócio universal de todos os crentes (livre interpretação das
escrituras) e a famoso slogan: solus Christus, sola Gratia, sola Fides, sola Scriptura (só o
Cristo, só a Graça, só a Fé e só a Escritura).
Lutero morreu em Eisleben, a mesma cidade onde nasceu, em fevereiro de 1546.

REFLITA

“Segundo Lutero, Deus não é um juiz inflexível. Ele doa aos pecadores a salvação pela
graça, baseada na fé e por mérito exclusivo de Cristo. Isso exige a substituição da ritua-
lidade descaradamente exterior pela íntima edificação pessoal; do poder temporal do
papado pelo poder eterno do verbo divino, revelado através da Bíblia; da intermediação
dos ministros do culto pela leitura e interpretação individuais das Sagradas Escrituras”
(DE MASI, 2014, p.237). Na atualidade, podemos considerar as práticas que regeram a
Reforma vivas nas Igrejas protestantes brasileiras?

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4. A“REFORMA INGLESA”

Para compreender as transformações religiosas na Inglaterra no século XVI é de


extrema importância compreender a política real britânica na passagem do século XV para
o século XVI.
Ao longo e após um conflito encarniçado entre França e Inglaterra, conhecido como
Guerra dos Cem Anos (1337 – 1453, apesar do nome a Guerra durou 116 anos), as suces-
sões dinásticas ao trono inglês estavam restritas a duas famílias reais, Lancaster e York,
que se alternavam no trono. Enquanto uma reclamava o direito ao trono a outra exercia o
poder de maneira a tentar eliminar seus adversários, isso se dava de forma inversamente
proporcional. Esse período da História Inglesa ficou conhecido como Guerra das Rosas
(1455 – 1485).
Enquanto os conflitos internos ocorriam, uma terceira via foi apresentada no seio
da família Lancaster, essa via foi representada por Henrique, que em 1485 derrotou o rei
Ricardo III, da dinastia de York, na batalha de Market Bosworth e, no mesmo ano, casou-se
com Elisabeth de York, sobrinha de Ricardo, se consolidou rei da Inglaterra, inaugurando
uma vertente dinástica conhecida como Família Tudor.
Henrique VII, como ficou conhecido, entendia claramente que as uniões matri-
moniais poderiam ser instrumentos diplomáticos, de expansão e coalizão contra futuros
inimigos, diante disso, casou sua filha, Margarida, com o rei da Escócia, Jaime IV, e Arthur,
herdeiro do trono inglês, com Catarina, filha do rei Fernando, da Espanha.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 41


O casamento de Arthur e Catarina, no final de 1501, foi recebido com grandes hon-
ras e expectativas, tanto que o “dote espanhol atingiu a soma enorme de 200 mil coroas”
(MAINKA, 2007a, p. 131).
Apesar da grande expectativa, o casamento do herdeiro do trono inglês durou
apenas cinco meses. Arthur morreu de repente em abril de 1502, com apenas 15 anos de
idade. Para não perder o acordo com o monarca espanhol Henrique VII, tratou de buscar a
anulação do casamento de Arthur e formalizar uma união com seu filho mais novo, Henri-
que, que na época tinha apenas 11 anos.
O casamento de Henrique e Catarina foi formalizado apenas em 1509, ano em que
se tornou rei da Inglaterra, após a morte do pai, se consolidando como Henrique VIII.
Muitas foram as tentativas de Henrique e Catarina para consolidar um herdeiro que
pudesse assumir o trono inglês após sua morte, no entanto, dos cinco partos, apenas um
bebê vingou. Os cinco partos foram de meninas, fato que preocupava Henrique, que, como
sinal de virilidade, esperava um herdeiro masculino. Henrique, como convencionalmente
era pensado no século XVI, acreditava que o “problema” do nascimento de meninas estava
na mulher, hoje a ciência moderna avalia que a definição do sexo do bebê é em grande
medida influenciada pelo gene masculino.
Outra questão que assombrava Henrique VIII em ralação ao casamento era o fato de
estar casado com a esposa de seu irmão. Como citado por Michael Maurer (apud MAINKA,
2007a, p. 134) “Para um contemporâneo teologicamente formado, como Henrique, era
quase inevitável atribuir o trecho da Bíblia (Lev 20) a si mesmo, no qual é ameaçado ficar
sem filhos quem casa com a mulher do seu irmão”.
Henrique VIII acreditava que a única forma de dar conta desse “problema” era a
anulação do casamento, diante disso iniciou uma série de pedidos para a anulação do
casamento junto a Santa Sé. O papa não pensava na possibilidade da suspensão do ma-
trimônio por motivos óbvios, não queria problemas com a Espanha e não queria maiores
discórdias com o Imperador Carlos V, que era sobrinho de Catarina.
Enquanto o matrimônio não era suspenso, setores da burguesia e da nobreza
inglesa tomavam contato com a Reforma de Lutero e imaginavam a possibilidade de des-
vincular-se da Igreja Romana, que detinha parte dos impostos pagos (no caso da burguesia
e do campesinato) e vastas extensões territoriais no reino.
Em 1529, o parlamento reunido em Westminster, decretou a subordinação da Igreja
ao Estado inglês. A partir de 1530, fez com que o clero jurasse fidelidade ao rei acima dos
interesses de Roma, quem não jurasse seria condenado à morte. Esses juramentos se

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 42


tornaram obrigatórios depois de Thomas Cromwell, conselheiro de Henrique VIII, que infor-
mava à câmara baixa que “havia descoberto que os clérigos eram apenas ‘meio’ súditos,
devido ao fato de eles prestarem juramento de obediência ao papado” (MAINKA, 2007a, p.
136).
O parlamento, que ficou reunido em Westminster até 1534, ainda conseguiu abolir
as canatas, uma taxa de um terço pago a Roma pela receita anual. Em janeiro de 1533
Thomas Cranmer foi nomeado arcebispo de Canterbury, o principal da Inglaterra. Neste
mesmo mês, fez o casamento de Henrique VIII e a jovem dama de honra Ana Bolena, que
já se encontrava grávida.
Em março de 1533, uma lei
[...] proibiu, em questões referentes aos matrimônios ou aos testamentos,
recursos dos tribunais arcebispais aos tribunais em Roma. Com essa lei, o
Direito Canônico ficava subordinado à coroa inglesa. O Arcebispo de Can-
terbury foi nomeado à instância mais alta para todo o reino da Inglaterra
(MAINKA, 2007a, p. 137).

Com essa lei, chamada Act of Restraint of Appeals, em tradução livre “ato de res-
trição de apelações”, os direitos da Igreja Romana foram totalmente abolidos do território
inglês. Em 23 de maio de 1533, o casamento de Henrique VIII de Catarina de Aragão foi
declarado ilegítimo e perdeu validade. Em contrapartida, o casamento com Ana Bolena fora
considerado legítimo e o futuro herdeiro, como detentor do direito de privilégio na sucessão
do trono.
Em setembro de 1534, Henrique VIII foi excomungado da Igreja Católica pelo papa
Clemente VII e, em 30 de agosto de 1535, o papa Paulo III reforçou a excomunhão anterior,
que foi definitivamente publicada em 1538.
Ana Bolena deu à luz outra menina, batizada de Elizabeth, que posteriormente
reinou por 45 anos. Agora Henrique tinha duas filhas, Maria, do casamento com Catarina, e
Elizabeth; não alcançando seu objetivo primeiro. Henrique viria a casar mais quatro vezes,
sendo que da terceira esposa, Jane Seymour, teve um herdeiro varão, Eduardo.
Em 1534, Henrique VIII publicou o Ato de Supremacia, inaugurando definitivamente
a Igreja Nacional Inglesa, conhecida como Igreja Anglicana.

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Figura 3 - REINO UNIDO - CIRCA, 1997: selo postal inglês
em homenagem ao Rei Henrique VIII

A Igreja que nascia era na prática, “um catolicismo sem papa” (MAINKA, 2007a, p.
140), Henrique e seus seguidores mantiveram, em primeiro momento, os mesmos princípios
católicos, no entanto a historiografia tradicional trata o movimento inglês como reformista,
pois aconteceu como consequência da reforma iniciada nos principados alemães.
A Igreja Anglicana, ainda sofreu algumas transformações importantes durante o
reinado da filha de Henrique VIII, Elizabeth I, aproximando-se às perspectivas calvinistas,
mas, de forma geral, os anglicanos ainda se assemelham aos católicos romanos. Ainda
hoje a autoridade máxima da Igreja é a rainha da Inglaterra e os preceitos religiosos são
ordenados segundo a visão do arcebispo de Canterbury.

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5. A REFORMA CALVINISTA

A reforma iniciada por João Calvino, em Genebra, foi tão importante quanto a de
Lutero, mas o protestantismo calvinista imprimiu algo que o sociólogo Max Weber (2006)
chamou de “Ética Protestante”, que contribuiu para o desenvolvimento do que o autor
chamou de “Espírito do Capitalismo”, também essa modalidade teológica protestante foi
majoritária entre os colonizadores dos Estados Unidos da América.
De forma geral, não existe uma Igreja com o nome calvinista tal como há a lutera-
na, o próprio João Calvino não era simpático a este termo. Nos diversos países onde se
estabeleceram receberam nomes distintos, como huguenotes na França, Presbiterianos na
Escócia e Puritanos na Inglaterra.
João Calvino nasceu em Noyon, cidade do norte da França, em 1509, filho de
um importante promotor da igreja local e uma burguesia enriquecida, em 1521, passou a
receber uma pensão da diocese local, que lhe beneficiou pelos 13 anos seguintes.
Em 1523, foi para Paris estudar Latim e Teologia e, em 1528, passa a estudar leis,
na Universidade de Orléans. Dali segue para Bourges, onde também estudou grego e, em
1531, ano da morte de seu pai – sua mãe morrera quando tinha apenas 5 anos –, regressa
a Paris. Seus biógrafos atribuem sua conversão à fé protestante em 1533 e foi acusado de
coautor do discurso proferido por Nicholas Cop, reitor da Universidade de Paris em favor
da fé reformada, diante do clima criado entre seus colegas, foge para Angoulême e, no ano
seguinte, regressa a Noyon, onde abdica do benefício eclesiástico.

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Em 1536, Calvino termina e publica sua obra-prima, Instituição da Religião Cristã.
Conhecida como Institutas, foi escrito primeiro em Latim e depois ganhou uma versão em
francês, foi a principal obra da teologia calvinista, onde se encontra parte significativa de
suas tendências religiosas.

Figura 4 - John Calvin of France, Vintage engraving. From Popular France, 1869

Entre 1536 e 1537 foi convidado por um amigo, Guillaume Farel, a assumir a refor-
ma na cidade-estado de Genebra, na atual suíça. Atuaram como pregadores durante dois
anos na cidade, no entanto, entre 1538 e 1541, pregara apenas para alguns, porque foi
expulso da cidade (BLAINEY, 2012; ENCICLOPÉDIA BARSA, 1995), para outros, porém,
pregou porque foi convidado por outro amigo. Se mudou para Estrasburgo, onde foi pastor
de uma pequena igreja de refugiados franceses.
Retornou a Genebra em 1541 e, ao longo dos anos seguintes, tornou-se o homem
mais importante da cidade.
O temperamento de Calvino era calculista e reservado, em contraste com o
de Lutero, ardente e emotivo. Firmemente convencido de que deveria pôr em
prática sua religião, tentou transformar Genebra num Estado onde o governo
teria a exclusiva finalidade de fazê-la observar. Os cidadãos deveriam fazer
uma profissão de fé e viver de acordo com a mesma (ENCICLOPÉDIA BAR-
SA, 1995, p. 508).

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É interessante perceber que, apesar da Reforma do século XVI ter se iniciado com
Lutero, Calvino se diferencia em questões como a extrema reverencia nas celebrações e
a total não devoção a imagens e santos, além da total abdicação das bebidas, de jogos, a
assistência aos pobres, a proibição das danças e trocas públicas de carícias e o não uso
de instrumentos musicais nas celebrações. Sobre este último ponto, Blainey (2012, p. 198)
explica que “A ideia parece severa demais, mas os visitantes estrangeiros que entravam na
ampla igreja de Genebra e ouviam centenas de pessoas cantando juntas ficavam pasmos,
ao perceber tanta força e sinceridade”.
Sem dúvida a principal marca da doutrina calvinista foi a teologia da predestinação,
pela qual atribui as ações da vida no mundo em total e absoluta vontade do criador. Deste
modo, Deus, em seu infinito poder, já predestinou o futuro da humanidade, sendo a vida
uma corrida, cujo fim já foi decidido por Ele. O próprio Deus sabe se os homens foram
predestinados à vida eterna ou à condenação.
Não há possibilidade de saber se somos salvos, ou condenados, mas a justeza e
integridade com a qual levamos a vida nos dá pistas sobre o futuro que nos espera.
Muitos burgueses aderiram a causa calvinista, pois diferente do que era pregado
pela igreja romana que condenava o lucro, para Calvino as aquisições financeiras ou não,
advém de Deus, é Ele quem proporciona por meio do empenho do exercício de suas fun-
ções.
Max Weber (2006), sociólogo do século XIX e início do XX, em sua obra A Ética
Protestante e o Espírito do Capitalismo, atribui ao ideal protestante de trabalho e riqueza
como importante para o desenvolvimento do capitalismo, tanto que os países que adotaram
o protestantismo, baseados em uma “ética” religiosa calvinista obtiveram sucesso econômi-
co, sendo hoje as maiores potências mundiais.
Calvino se tornou, depois da morte de Lutero, o principal líder protestante da Eu-
ropa. Faleceu em Genebra em 1564, foi enterrado sem pompa e majestade, num túmulo
simples com as iniciais de seu nome.

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SAIBA MAIS

A Reforma não pode ser explicada a partir de um único acontecimento ou a partir de


um único acontecimento ou a partir da ação de uma única pessoa. Queremos afirmar
categoricamente que a Reforma não iniciou com a divulgação das 95 teses de Lutero,
em 31 de outubro de 1517. Muito antes de Lutero haviam sido criadas situações, haviam
sido difundidas ideias, despertados sentimentos que provocaram e possibilitaram o
com o conflito com a Igreja de então. Podemos até dizer que tais sentimentos estavam
a exigir o que acabou acontecendo no século XVI. Interessante é observar aqui um
pequeno aspecto de grandes consequências. Na Idade Média surgiu, nos Países Baixos,
movimento designado devotio moderna. Seus principais difusores foram os Irmãos da
Vida Comum, pessoas que queriam viver a fé cristã sem se aliarem a Ocamismo ou
a Tomismo ou à mística. Queriam ser cristãos na vida comum, simples. Um dos mais
conhecidos é Thomas Kempis (1379/80 – 1471), autor da Imitação de Cristo. Eram
copistas ou, simplesmente, professores. Entre os alunos dos Irmãos da Vida Comum
encontramos Erasmo de Roterdã, Adriano de Utrecht (1459 – 1522), preceptor de Carlos
V e mais tarde Papa Adriano VI (em 1522/23), Nicolau Copérnico (1473 – 1543), Martinho
Lutero. Inácio de Loyola foi profundamente influenciado por Tomas Kempis e muitos
dos primeiros inacianos foram Irmãos da Vida Comum. São muitos os antecedentes da
Reforma.

Fonte: Dreher (2007, p. 183).

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6. SITUAÇÃO POLÍTICA NA EUROPA PÓS-REFORMA

O contexto europeu nos anos que marcaram a expansão da Reforma foi definitiva-
mente notado pelas lutas políticas, entre as poderosas famílias de Habsburgo e Valois, pela
real ameaça Otomana no oriente, pela volta do crescimento populacional após o decrés-
cimo do século XIV e pelos medos escatológicos que pairavam sobre as classes menos
favorecidas da Europa.
Como já posto, o sucesso da Reforma talvez estivesse nessas questões apresenta-
das. Enquanto o papa mediava as políticas de grandes proporções, Lutero e seus séquitos
floresciam na pregação de uma nova modalidade de fé cristã, que, de forma geral, era
mais simples e compreensível às classes populares, diferente de toda pompa católica e de
intermináveis homilias em latim.
As disputas entre Valois e Habsburgo chegaram a momentos bem delicados,
quando em 1527, o imperador Carlos V decretou o famoso Sacco di Roma (Saque de
Roma), uma retaliação contra o apoio do papa ao monarca francês. A cidade foi invadida
por soldados que “estavam sem soldo e com fome” (ARNAUT DE TOLEDO, 2007, p. 112),
já se pode imaginar o quão trágico foi este episódio no seio da cristandade, um monarca
católico, decreta a invasão ao centro do papado.
No Sagrado Império Romano Germânico, governado por Carlos V, era um conglo-
merado de principados com algumas características feudais, o imperador era a autoridade

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 49


máxima dentro do território, mas cada príncipe legislava sobre questões locais, o poder
imperial era requerido em momentos singulares, quando se tratava de questões gerais.
Explicado isso, é importante esclarecer que o imperador era católico, mas muitos
príncipes tinham aderido à causa luterana. Em 1526 foi realizado a Primeira Dieta de Espira,
no qual decidiu-se que cada monarca local poderia escolher a religião que seria praticada
em seus territórios. Essa decisão revogava a Dieta de Worms de 1521, que obrigava a
expulsão de Lutero e dos luteranos dos territórios do Império, fato que nunca foi totalmente
concluído, mas, em 1529, uma nova Dieta foi convocada em Espira, esta, no entanto, revo-
gava o acordo de 1526 e recolocava em vigor o acordo de 1521.
Diante dessa nova resolução, alguns príncipes e governantes de cidades indepen-
dentes que já tinham assumido a posição luterana, deixam a reunião em forma de protesto,
não aderindo à nova determinação. Desse momento em diante as comunidades cristãs não
católicas da Europa receberam o nome de Protestantes, derivado da postura assumida pe-
los príncipes em Espira (ARNAUT DE TOLEDO, 2007; DREHER, 2007; MAINKA, 2007b).
Em 1530, líderes protestantes apresentaram na Dieta de Augsburgo um documento
redigido por Filipe Melanchton, uma espécie de braço direito de Lutero, a confissão Au-
gustana ou confissão de Augsburgo, na qual apresentava de forma clara os preceitos da
fé reformada, se tornando o primeiro credo evangélico. Cézar de Alencar Arnaut de Toledo
(2007, p. 113) escreve que: “Apesar da proibição de divulgação pelo próprio Imperador
Carlos V, o texto da Confessio augustana, como ficou conhecido, foi assumido pelas comu-
nidades que aderiam à nova fé nos territórios da Alemanha”.
Em 1531, príncipes protestantes se unem na chamada Liga de Escalmada, se
colocando contrários aos desígnios imperiais e selando uma forte oposição à unidade do
Sagrado Império, formando um governo autônomo e isso foi recebido com grande preo-
cupação entre as autoridades. Carlos V não podia controlar uma rebelião interna e ao
mesmo tempo impedir os avanços turcos, que neste momento era um importante aliado de
Francisco I de Valois, rei da França. Diante destas questões, em 1532, Carlos V propõe a
Paz de Nuremberg, que firmava um acordo entre protestantes e católicos, possibilitando o
“livre exercício da fé”’, até “a realização de um concílio” (ARNAUT DE TOLEDO, 2007, p.
113).
A reforma religiosa atingiu grandes patamares na Europa e diferente do que seus
detratores pensaram, seus efeitos foram irreversíveis. Já na década de 50, do século XVI,
muitos reinos europeus já tinham aderido à causa protestante, dentre eles Suécia, Norue-
ga, Dinamarca, principados alemães, Transilvânia, cidades-estados suíços, Países-Baixos
(posteriormente Holanda) e a Inglaterra, sem contar os conglomerados protestantes no sul
da França e a burguesia calvinista nos mais diversos estados católicos.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 50


7. A CONTRARREFORMA OU REFORMA CATÓLICA

A fim de garantir o domínio católico e impedir a proliferação de correntes religiosas


dissonantes, três instituições tiveram importante papel. A Inquisição, a Companhia de Jesus
e o Concílio de Trento foram as respostas encontradas pelo papado para reconquistar a
hegemonia perdida.
O Tribunal da Santa Inquisição foi criado no século XIII. Em primeiro momento bus-
cou-se perseguir e minar as influências dos hereges cátaros, principalmente em regiões da
atual Alemanha. Os meios utilizados como pena pelo tribunal iam de prisão à condenação
na fogueira dos culpados. Seus juízes, clérigos católicos, julgavam a partir das práticas que,
aos olhos da Bíblia ou da tradição, eram vistas como incompatíveis com o ordenamento
religioso da época.
Mesmo sem deixar de existir, a influência da Inquisição medieval durou até início do
século XV, quando diminuíram os incidentes das heresias cristãs, mas ainda neste século
teremos o início da chamada inquisição moderna. Nos reinos de Castela e Aragão, os reis
católicos, Isabel e Fernando, pedem ao Papa uma nova permissão para perseguir outros
hereges, os Conversos. Conversos era o nome dado a Judeus e Muçulmanos que haviam
se convertido ao catolicismo para fugir da intolerância praticada principalmente pelo Estado.
A conversão desses era muitas vezes circunstancial e eles continuavam a praticar sua fé
antiga em segredo. O Papa permitiu a instauração do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição
e, em 1481, o frade dominicano Tomás de Torquemada se torna o Inquisidor Geral da

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 51


Espanha e fica conhecido por seus contemporâneos como o “Martelo dos Hereges”.
O Santo Ofício abriu possibilidades para a perseguição dos protestantes em terri-
tório espanhol, por isso, lá, como em Portugal, onde o Tribunal foi instaurado em 1536, o
protestantismo não alcançou grande influência. O Tribunal do Santo Ofício em ambos os
países só foi abolido no século XIX.
Além de Espanha e Portugal, tribunais inquisitoriais foram instaurados nos Países
Baixos, em 1523, e reforçado na Península Itálica, em 1542. Esses dois tribunais foram
estruturados com função de combater os hereges protestantes. Muitos foram os Luteranos
e Calvinistas que foram ateados ao fogo por causa de suas convicções religiosas.
Na esteira da Inquisição, em 1559, o Papa Paulo IV estabelece a lista de livros
proibidos, o Index Librorum Prohibitorum. Neste contexto, centenas de livros foram consi-
derados literatura herege e queimados.
Outra arma da Igreja contra o que chamaram de heresia luterana, termo genérico
para todos os protestantes, foi a Companhia de Jesus. Fundada em 1534, em Paris, pelo
nobre basco Inácio de Loyola, a Ordem Jesuíta, como ficou conhecida, tinha por objetivo
levar ao mundo à fé católica. Muito inteligentes, os jesuítas eram versados em diversos
idiomas, conheciam os preceitos básicos das ciências da época e aprendiam não temer o
desconhecido por amor a Cristo e à Santa Igreja.
Os jesuítas foram enviados para diversas regiões do globo, desde as Américas,
até o extremo oriente. São nomes importantes da Ordem os jesuítas José de Anchieta,
que fundou o Colégio de São Paulo, António Vieira, exímio orador e conselheiro real, e o
espanhol Francisco Xavier, que levou a fé católica para a Índia, China e Japão.
Os jesuítas são lembrados como grandes educadores, construindo escolas por
todos os lugares por onde passavam. Nas Américas, essas escolas tinham por objetivo
a catequização dos gentios, como chamavam os indígenas. Também ficaram conhecidos
como grandes empreendedores, comprando e construindo engenhos de açúcar, de onde
tiravam grande parte do sustento.
Apesar de terem sido perseguidos em determinados momentos da história, o papel
dos jesuítas na universalização da fé católica é inegável. Chegando antes dos missionários
protestantes, onde os jesuítas estiveram o catolicismo prevaleceu por muito tempo, como
no Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Inclusive esse último país deu ao mundo o primei-
ro Papa não europeu, que é também o primeiro Sumo Pontífice pertencente à Cia de Jesus.
Entre 1545 e 1563 foi organizado o 19° Concílio Ecumênico da Igreja Católica,
que entrou para a história como Concílio de Trento, apesar da cidade italiana de Trento

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 52


não ter sido a única sede das atividades. A ideia do Concílio, que foi iniciada durante o
papado de Paulo III, mas que foi presidido por Paulo IV e Pio IV, era a reforma da Igreja e
a reafirmação da doutrina.
Em termos de reafirmação da doutrina católica ficou definido, a justificação pela fé,
a supremacia das escrituras e da tradição, a reafirmação dos sacramentos, a doutrina do
purgatório, o culto aos santos e a liberação de indulgências. Já em relação à reforma da
Igreja, o Concílio determinou a condenação dos abusos do clero e passou a recomendar
que os sacerdotes passassem a explicar a missa aos fiéis, visto que até aquele momento
as cerimônias eram em latim, com os padres de costas para o público. Algumas sugestões
foram rejeitadas no Concílio, dentre elas o casamento dos sacerdotes.

REFLITA

Ao reafirmar com autoridade o dogma, o concílio (de Trento) pôs termo às indecisões
que tinham nascido das teses novas, circulando já antes do aparecimento de Lutero,
e das divergências entre os reformadores. Além disso, a necessidade de unidade, a
busca de segurança num mundo onde as referências tinham sido abaladas levaram os
indecisos a ligar-se mais fortemente à Igreja tradicional (Católica) e aos seus costumes.

Fonte: Baumgartner (2000).

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 53


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade aprendemos sobre a economia e a religião na Idade Moderna. Apesar


de ser um tema complexo, as transformações vivenciadas neste período deixaram marcas
profundas na contemporaneidade. O protestantismo é hoje a segunda maior vertente cristã
do mundo e tem apresentado altos índices de crescimento, o que pode fazer com que as
ideias iniciadas por Martinho Lutero se tornem, em cerca de 20 anos, a maior vertente do
cristianismo em número de adeptos, ultrapassando os católicos romanos.
Também vimos nesta unidade como a Igreja Católica se reestruturou e reafirmou
sua soberania ao longo da História. Como um organismo vivo, a instituição compreendeu
com seus erros a necessidade de se reinventar.
É necessária a compreensão de que este tema não se esgota aqui, as dicas de
leituras e vídeos apresentados ao longo do capítulo são de extrema importância para obter
outras visões sobre o assunto. É importante compreender que quando nos detemos ao
estudo da História, estaremos sempre em movimento e novas leituras sempre serão neces-
sárias, a fim de reciclar nosso saber.

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 54


LEITURA COMPLEMENTAR

Leitura fundamental sobre a maneira como se estrutura o pensamento protestante


calvinista e como essa forma influenciou o capitalismo moderno:
WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2006.

Texto importante para compreender o posicionamento de Lutero diante do governo


civil e compreender suas relações com o mundo político da época:
LUTERO, Martinho. Sobre a autoridade secular. São Paulo: Martins Fontes, 1995.

Tese importante para compreender a ação educacional da Cia de Jesus no Império


Português:
COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamen-
to do mundo: o Império Português (1540-1599). Piracicaba: UNIMEP-Tese (Doutorado
em Educação) (2004).

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 55


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
História da Reforma: Um dos acontecimentos mais importantes
da História.
Autor: Carter Lindberg
Editora: Thomas Nelson
Sinopse: A história dos reformadores é inspiradora e merece
ser visitada em detalhes. A Igreja cristã da Idade Média havia
se corrompido de tal maneira que muitos dos ensinamentos da
Bíblia haviam sido totalmente distorcidos. É nesse contexto que
surgem reformadores dispostos a sacrificar a própria vida para que
a realidade fosse transformada. Com uma combinação única de
relatos históricos e comentários teológicos, História da Reforma,
de Carter Lindberg, traça um panorama dos acontecimentos que
levaram à Reforma Protestante e dos efeitos que repercutiram
desde então. De maneira vívida e acessível, Lindberg retrata a
Reforma amplamente, sem ignorar nenhum contexto. Sociedade,
religião, economia, política e personagens marcantes são reuni-
dos para formar uma narrativa cativante sobre um dos maiores
acontecimentos da história do cristianismo. Tendo como pano de
fundo inicial o final da Idade Média, o autor passa em seguida
a relatar toda a complexidade dos movimentos que surgiram por
toda a Europa, as diferentes reformas que culminaram numa gran-
de Reforma. O leitor ainda tem a oportunidade de refletir sobre o
legado da Reforma para os dias atuais.
Link:https://books.google.com.br/books/about/Hist%C3%B3ria_
Da_Reforma.html?id=w0EMtAEACAAJ&source=kp_book_des-
cription&redir_esc=

FILME/VÍDEO
Título: Lutero
Ano: 2003
Sinopse: O filme conta a história de Martinho Lutero, monge ale-
mão, fundador da Igreja Protestante. Devido aos abusos da Igreja
Católica no século XVI, com grande exploração de seus fiéis,
especialmente por meio da venda de indulgências, Lutero lutou
por uma igreja voltada a Deus, sem a corrupção dos poderosos
católicos da época. Um dos momentos mais significativos do filme
diz respeito ao momento que Lutero conclui as 95 teses e as divul-
ga na porta da Catedral de Wittemberg. Em seguida, os escritos
de Martinho Lutero foram impressos numa escala mais ampla,
atingindo, assim, um maior número de pessoas, inclusive o Papa.
Link para o filme completo: https://www.youtube.com/watch?-
v=PlP-Xt4LLNg

UNIDADE II Transformações Religiosas na Modernidade 56


UNIDADE III
O Iluminismo e a Emancipação
das Treze Colônias Inglesas
Professor Mestre Willian Carlos Fassuci Larini

Plano de Estudo:
● Conceituar e contextualizar o Iluminismo e o processo de emancipação dos Estados
Unidos
● Compreender a concepção de diferentes pensadores iluministas e os fatores que con-
dicionaram o conflito de emancipação dos Estados Unidos contra a Inglaterra.
● Estabelecer a importância das ideias iluministas e os princípios que condicionaram a
construção dos Estados Unidos como nação.

Objetivos da Aprendizagem:
● As origens do Iluminismo
● Pensadores Iluministas
● Impacto Teórico e Político do Iluminismo
● A Emancipação das Treze Colônias Inglesas

57
INTRODUÇÃO

Nesta unidade visamos apresentar para você, estudante, um contexto geral em


relação ao Iluminismo na Europa e ao processo de emancipação dos Estados Unidos em
relação à Inglaterra no século XVIII. Provavelmente você já deve ter ouvido falar desses
temas referentes à História Moderna que possuem interligação. É possível compreender a
revolução estadunidense sem ter um entendimento pleno em relação ao que foi o Iluminis-
mo, mas será muito mais interessante para você, estudante, alcançar a relação entre essas
duas temáticas.
O Iluminismo não engloba apenas a História, sendo abordado também em outras
áreas das Ciências Humanas, originando até hoje centenas de estudos e obras realizadas
por pesquisadores. Existem milhares de exemplos que poderíamos mencionar sobre as
consequências do Iluminismo na contemporaneidade. Quando ligamos a televisão ou aces-
samos os portais da internet com notícias que envolvem política brasileira ou internacional,
podemos observar como ideias originadas pelos pensadores iluministas ainda impactam a
realidade atual. Visamos discorrer sobre os iluministas relevantes e exemplificar para você,
prezado(a) aluno(a), o que foi o Iluminismo.
No que se refere à emancipação dos Estados Unidos, possivelmente você já deve
ter visto em alguma obra cultural estadunidense (seja um romance histórico, filme ou série)
que faz referência ao Quatro de Julho, data importantíssima para os estadunidenses, sendo
equivalente, de alguma forma, ao Sete de Setembro no Brasil. Ambas as datas evocam
a liberdade alcançada pelos países americanos em relação a metrópoles europeias. No
tópico final desta unidade visamos enfatizar, de forma clara, como se decorreu o conflito da
emancipação das Trezes Colônias Inglesas, evento histórico que culminaria na constituição
de um governo democrático, o primeiro do continente americano.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 58


1. AS ORIGENS DO ILUMINISMO

Fortes (1985, p. 8) define o Iluminismo como um “movimento cultural prodigioso


que domina a Europa Ocidental – especialmente a França, a Inglaterra e a Alemanha – dos
dois últimos decênios do século XVII até mais ou menos 1780 [...]”.
Na concepção iluminista decorria-se uma “convicção no progresso do conhecimen-
to humano, na racionalidade, na riqueza e no controle sobre a natureza” (HOBSBAWM,
1977, p. 36 - 37). Tal concepção
“[...] não visa mais a Deus, mas aos homens. Nesse sentido, o pensamento
das Luzes é um humanismo ou, se preferirmos, um antropocentrismo. Não é
mais necessário, como pediam os teólogos, estar sempre pronto a sacrificar
o amor das criaturas ao do Criador; é possível contentar-se com amar outros
seres humanos. Seja o que for a vida no além, o homem deve dar um sentido
à sua existência terrena. A busca da felicidade substitui a da salvação (TO-
DOROV, 2008, p. 20).

Os conceitos iluministas foram guiados “por numerosos indivíduos que, longe de


estarem de acordo entre si, estão constantemente engajados em ásperas discussões, de
país a país e também em cada país” (TODOROV, 2008, p. 14). Como menciona Fortes
(1985, p. 14), o Iluminismo era “um movimento de ideias que se manifesta através de
uma grande variedade de obras distintas, mas que, no entanto, participam de um “espírito”
comum”.
Fortes (1985, p. 24) faz menção a três eruditos que foram muito importantes na
gênese do Iluminismo, o primeiro deles é o pensador inglês “Francis Bacon (1561-1627),

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 59


autor de obras fundamentais tais como o Novum Organum, verdadeiro manifesto inaugural
do método experimental que acabará por dominar o curso dos novos conhecimentos”.
Quanto aos outros dois pensadores:
“[...] Descartes (1596-1650) e Locke (1632-1704) participam do mesmo es-
pírito: o primeiro, com o seu Discurso sobre o Método e suas Meditações
Metafísicas assenta as bases de uma rigorosa filosofia “racionalista” que faz
da “luz natural” – a metáfora é de Descartes – de que toda criatura dispõe a
instância última sobre a qual deverá ser edificado qualquer sistema de conhe-
cimento; o segundo, com o seu Ensaio sobre o Entendimento Humano, faz da
experiência a fonte de todo conhecimento, submetendo o intelecto humano a
uma minuciosa dissecação (FORTES, 1985, p. 24).

Os conceitos originados por estes três autores europeus foram essenciais no perío-
do de difusão das concepções iluministas (FORTES, 1985).
Fortes (1985) refere-se a uma ocorrência de grande impacto, próxima do final do
século XVII, em que a interpretação dos cosmos, que era preponderante, é subvertida.
Então, se origina
[...] à explicação do movimento dos corpos por meio da teoria da atração
universal formulada pelo inglês Sir Isaac Newton, cujos Principia Philoso-
phiae Naturalis, publicados em 1687, constituem, na opinião unânime dos
historiadores, a carta de alforria dos tempos modernos. A hipótese explicativa
de Newton constitui uma aplicação concreta e brilhante para um problema
particular de física do novo método científico e abre, nestas condições, pers-
pectivas auspiciosas para o conhecimento humano (FORTES, 1985, p. 26).

Anteriormente, com a visão sacra, as perguntas complexas envolvendo os seres


humanos eram alcançadas nos respectivos vocábulos sagrados anunciados na Bíblia. Era
preciso que os indivíduos empregassem sua percepção e erudição com a finalidade de ter
uma interpretação mais acertada de determinados segmentos dos textos sacros, afinal,
as explicações presentes nestes textos não eram constantemente inteligíveis, porém, de
modo algum, a inteligência humana seria o aspecto preponderante em tal processo, sendo
usualmente um auxiliar da doutrina religiosa (FORTES, 1985).
Em contrapartida, na concepção iluminista
o que se rejeita é a submissão da sociedade ou do indivíduo a preceitos cuja
única legitimidade advém daquilo que uma tradição atribui aos deuses ou aos
ancestrais; não é mais a autoridade do passado que deve orientar a vida dos
homens, mas seu projeto para o futuro (TODOROV, 2008, p. 15).

Contudo os pensadores iluministas não visavam renunciar os credos, “mas condu-


zir a uma atitude de tolerância e à defesa da liberdade de consciência” (TODOROV, 2008,
p. 16).
Caro(a) aluno(a), torna-se necessário considerar que “com características pecu-
liares na França, na Inglaterra ou na Alemanha, assistimos, nos séculos XVII e XVIII, à
aceleração do lento e complexo processo de transição do modo de produção feudal para o

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 60


modo capitalista de produção [...]” (FORTES, 1985, p. 15). Neste contexto, a antiga nobreza
que tinha grande preponderância governamental e financeira teve seu lugar ocupado pelos
burgueses, que ascendem socialmente nesse período. É importante entender tal processo,
pois os eruditos iluministas seriam – mesmo que indiretamente – ligados de alguma forma
a camada social burguesa (FORTES, 1985).

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 61


2. PENSADORES ILUMINISTAS

Fortes (1985, p. 30) menciona dois pensadores iluministas de grande relevância:


Dois nomes dominam desde a sua primeira metade o cenário do século XVIII,
constituindo os principais representantes da primeira “geração” do Iluminis-
mo: Montesquieu e Voltaire. O Espírito das Leis, a obra-prima de Montes-
quieu, de 1748. Voltaire, por sua vez, que publica somente em 1756 o funda-
mental Ensaio sobre os Costumes, já havia conquistado um lugar definitivo
na galeria dos grandes nomes da literatura francesa desde os anos 20.

Estes dois autores tiveram uma significativa atuação na época em que viveram, as
gerações futuras também foram inspiradas por estes iluministas (FORTES, 1985).
O primeiro, de origem francesa, era denominado “Charles-Louis de Secondat, se-
nhor de La Brède e barão de Montesquieu, nascido em 1689 e morto em 1755” (FORTES,
1985, p. 30-31). Montesquieu originou vários escritos eruditos no decorrer de sua vida,
porém seu trabalho de maior impacto é denominado O Espírito das Leis (FORTES, 1985).
Com esta produção, o intelectual francês iniciou “uma análise de ciência política”
(FORTES, 1985, p. 36). Um dos cernes da obra de Montesquieu consiste na recusa que as
normas que regem distintas populações sejam consideradas legítimas ou ilegítimas, porém,
tais normas são relativamente apropriadas às particularidades das diferentes populações e
das condições dos períodos e locais onde foram constituídas (FORTES, 1985).
Em tal concepção, “a forma de governo não é a única variável a ser considerada.
Deve-se levar em conta igualmente outras relações assim como o ‘espírito’ particular de
cada povo e de cada época” (FORTES, 1985, p. 36).Estimado(a) aluno(a), é essencial

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 62


perceber a inovação do pensamento do iluminista francês em seu trabalho, ele tem uma
visão:
“[...] inaugural, como Marx ou Freud, fruto do novo espírito científico, que o
barão surpreenderá a realidade social. Até então o complexo universo das
coisas humanas, a variada dimensão dos fatos sociais não era senão um
fator subalterno do real desprovido de autonomia. A realidade política era um
território subordinado ao da Moral e a ela se chegava ao término de uma ca-
deia de deduções. Descobre-se agora um novo objeto autônomo de estudos.
Abre-se caminho para observação metódica dos fatos sociais, sem ideias
preconcebidas (FORTES, 1985, p. 38).

Contudo, em relação a concepção dos fundamentos governamentais exercidas


pelo intelectual francês é incorreto enquadrá-lo como se fosse insurgente. Montesquieu era
a favor de um reinado com poderes limitados (FORTES, 1985). Prezado aluno, no que se
refere ao livro O Espírito das Leis de Montesquieu, é importante ressaltar que em um dos
segmentos deste trabalho teórico é originada “a célebre teoria da separação e distinção dos
poderes: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário” (FORTES, 1985, p. 39).
Com relação a Voltaire (1694-1778), ele não efetuou um trabalho metódico equi-
parado à obra central de Montesquieu. Os conceitos originados por este autor francês
encontram-se dispersos em várias produções diversificadas, sendo fundamentalmente
um notável amotinador e divulgador da mentalidade iluminista. A denominação verídica do
iluminista era François Marie Arouet, sendo originário da capital francesa (FORTES, 1985).
Fortes (1985, p. 41) menciona que após esplêndida profissão escrita, com idade
avançada, Voltaire passa a ter “uma atuação política intensa, tornando-se um verdadeiro
apóstolo da tolerância e celebrizando-se pelas polêmicas em que se envolve”.
No que concerne ao aspecto religioso, o iluminista criticava a discriminação que
tinha por base a fé. Ele investia contra a crendice irrestrita, e no credo sobre as dádivas
que se acreditavam ter origem divina e que o onipotente fosse caracterizado como um ser
humano, contudo ele não acreditava que o soberano divino fosse irreal, ele admitia sua
relevância julgando ser um preceito elucidativo essencial e definitivo da totalidade dos cos-
mos. O francês se opunha à soberania incontestável do pontífice e desaprovava também
os padres (FORTES, 1985).
No que se refere a administração governamental,
[...] Voltaire é um reformista moderado e pragmático. A “liberdade” e a “pro-
priedade” privada, uma sustentando a outra, são os dois pilares da sua po-
lítica. [...] Sua política é uma política concreta e quotidiana, tendo lutado por
reformas administrativas e civis: proibição das prisões arbitrárias, supressão
da tortura e da pena de morte, supressão do processo judicial secreto, unida-
de da legislação, melhor recebimento de impostos e garantia da liberdade de
pensamento e expressão (FORTES, 1985, p. 43).

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 63


Contudo, o fragmento do trabalho do iluminista que tem grande singularidade e
relevância é voltado para o conhecimento histórico. Os conceitos formulados por Voltaire
com relação à averiguação que tem como enfoque a história, acham-se ainda na contem-
poraneidade, assunto primário comum na erudição historiográfica (FORTES, 1985).
O autor francês tinha como
Sua grande preocupação, na descrição dos fatos e levantamento das fon-
tes do passado, é a “exatidão”. Por outro lado, ele rompe com a história até
então praticada, que é amontoado de árvores genealógicas travestidas de
relato histórico. Os historiadores em geral preocupam-se com a evolução de
uma família. Outro ponto de vista que ele repudia é o exclusivamente militar:
chega de histórias que são simples datas comemorativas dos feitos de alguns
militares. Preocupa-se Voltaire com “povos”, buscando determinar o espírito
do tempo e o “espírito das nações”. Propõe uma história que abrange o con-
junto das atividades humanas, o movimento de preços e salários, as grandes
invenções (o moinho de vento, a lareira, os óculos) (FORTES, 1985, p. 44).

Na perspectiva do autor francês, a essência dos homens, sendo única, se aprimora


lentamente por meio de distintas fases, avançando com destino a realização do esplendor,
do sobrepujamento das crendices, do triunfo dos povos (FORTES, 1985).
Outra figura de grande relevância no Iluminismo é Jean-Jacques Rousseau. Dife-
rentemente de outros pensadores do século XVIII, o intelectual suíço afirmava constante-
mente acreditar no cristianismo, não questionava a soberania e existência de Deus do jeito
que era relatado nas escrituras sagradas (FORTES, 1985).
No célebre trabalho do autor suíço, denominado Discurso sobre a Origem da De-
sigualdade entre os Homens, ele aborda as ocorrências históricas que envolvem os seres
humanos e suas vinculações diversas, sendo que elas ocasionaram várias problemáticas,
por exemplo, a pobreza extrema da camada populacional e a exuberância dos regentes
e da classe burguesa. Rousseau negava que tal acentuado desequilíbrio entre diferentes
estratos sociais era um processo congênito (FORTES, 1985).
Fortes (1985, p. 69) menciona que o erudito suíço acreditava que, para os seres
humanos adquirirem um bem-estar, deveriam instituir “um contrato de tal forma que as
diferentes soberanias e liberdades que se juntam permaneçam indefinidamente livres e
soberanas”. Tzvetan Todorov (2008, p. 19) discorre brevemente sobre o conceito de sobe-
rania no período de difusão do Iluminismo, sendo um “princípio já antigo que recebe aqui
um novo conteúdo: a fonte de todo poder está no povo, e nada é superior à vontade geral”.
Prezado(a) aluno(a), no prosseguimento, discorremos sobre os impactos dos con-
ceitos originados pelos eruditos iluministas.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 64


3. IMPACTO TEÓRICO E POLÍTICO DO ILUMINISMO

O iluminismo teve como seu âmago “a França e sua capital, Paris. Paris, aliás, é a
grande metrópole do século XVIII, não apenas do ponto de vista cultural” (FORTES, 1985,
p. 46). Mas isto não quer dizer que o movimento Iluminista compreendia apenas o território
francês, manifestou-se também nas principais cidades de diferentes nações europeias
(FORTES, 1985).
De acordo com Fortes (1985, p. 47), sobre o Iluminismo francês e os preceitos
iluministas de forma geral é necessário mencionar a sublime obra Enciclopédia, que foi
inicialmente lançada na capital francesa “em 1751, seu título completo era o seguinte:
Enciclopédia ou Dicionário Raciocinado das Ciências, das Artes e dos Ofícios, por uma
Sociedade de Homens de Letras”. Este trabalho voltava-se principalmente “às ciências, às
artes e aos ofícios e busca mostrar as ligações que se estabelecem entre seus diferentes
setores” (FORTES, 1985, p. 47).
Fortes (1985) menciona que com a finalidade de se efetuar este grandioso trabalho
no século XVIII,
[...] foram convocados os espíritos mais brilhantes da época, além de espe-
cialistas das mais diversas matérias e profissionais liberais, como advogados
e médias. O principal organizador da Enciclopédia, sua verdadeira “alma”,
que a ela dedicou a maior parte de sua vida, foi Diderot1. O conjunto da obra

1 Denis Diderot (1713-1784) erudito de maior importância na Enciclopédia. Ele tinha maior audácia que
Voltaire manifestando uma determinada descrença no soberano divino. Ele defendia que os ser humano não
era distinto de outras criaturas dos cosmos, tudo seria composto por corpos formados de átomos e concebi-
dos de acordo com as normas absolutas o qual mandavam no mundo natural. Mas ele era mais contido no

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 65


compreende trinta e cinco volumes, sendo 17 volumes de texto, mais 11 de
ilustrações, além de 4 volumes suplementares de texto e um de ilustrações,
completados por dois volumes de índice geral. Sua publicação estende-se
de 1751 a 1780, dividindo-se em duas fases: de 1751 a 1757, a primeira, e a
segunda de 1762 a 1772 (FORTES, 1985, p. 47-48).

Junto aos múltiplos autores que compõem este trabalho incluem-se: Montesquieu
que teve uma participação mais singela no compilado de escritos e Voltaire que escreveu
vários textos opinativos sobre diferentes temáticas. Enciclopédia é um trabalho muito rele-
vante, pois é uma manifestação dos conceitos fundamentais no que diz respeito a classe
burguesa na época de difusão do Iluminismo, em tal compilados de escritos é possível
encontrar conhecimentos essenciais relativos à administração governamental e filosofia
que eram discutidos entre eruditos europeus no período (FORTES, 1985).
Além da França, a Inglaterra também foi um fundamental cerne das ideias iluministas
no continente europeu. Os Pensadores ingleses advogavam pela racionalidade (deísmo),
eles eram a favor de
“uma religião racional” e uma idéia de divindade apoiada exclusivamente na
razão, eles dão grande impulso à crítica da religião tradicional. São os primei-
ros a introduzir a ideia de uma “religião natural” que fará enorme número de
seguidores em todos os países no século XVIII (FORTES, 1985, p. 59).

Um pensador do século XVII que teve grande importância na Grã-Bretanha no


período de difusão do iluminismo foi John Locke. As ideias formuladas pelo teórico tive-
ram grande impacto sobre relevantes iluministas ingleses que são denominados: George
Berkeley e David Hume (FORTES, 1985).
Também foram fundamentais no século XVIII na Inglaterra “Adam Smith (1723-
1790) e o de Bentham (1748-1832). Ao primeiro devemos balbuciar uma nova ciência, a
Economia Política, destinada a causar uma grande revolução teórica quando submetida à
crítica de Karl Marx no século seguinte” (FORTES, 1985, p. 63-64).
Em relação a Smith (que originou a obra A Riqueza das Nações) e no que concerne
aos entendimentos inovadores relativos ao aspecto econômico, no século XVIII se propaga
a ideia que “a economia deve ser liberada das obrigações arbitrárias e permitir a livre circu-
lação dos bens; deve fundar-se sobre o valor do trabalho e do esforço individual em vez de
encher-se de privilégios e de hierarquias vindos do passado” (TODOROV, 2008, p. 19-20).
No século XVIII, no que se refere à atuação governamental, líderes experimen-
taram executar, na realidade, a intensa profusão de ideias iluministas que se decorriam
naquele período. No século seguinte, os estudiosos de história denominaram tal processo
de Despotismo Esclarecido (FORTES, 1985). Entre “todos os ‘déspotas esclarecidos’, o

que se refere à inovação na administração governamental (FORTES, 1985).

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 66


mais representativo é, sem dúvida, o célebre Frederico II (1712-1786) da Prússia. Também
conhecido como Frederico, o Grande” (FORTES, 1985, p, 76). Esse governante europeu
[...] não é um rei como outro qualquer. É um rei que pensa. Rei-filósofo, já
que é um rei que, além de rei, filosofa, caso raro na história. Que se interessa
pelo debate de idéias. Que incentiva e protege as artes. Para a sua corte
convergem filósofos em desespero, literatos caídos em desgraça e artistas
miseráveis (FORTE, 1985, p. 76).

Frederico II tinha amizade com os iluministas e produziu vários trabalhos eruditos,


sendo possível encaixá-lo na mentalidade do século XVIII. Contudo, a influência das ideias
iluministas sobre governantes europeus não ficava apenas na teoria, sendo que deveriam
também ser efetuadas na realidade, os reinantes deveriam se apoiar em uma política que
tivesse por base a erudição e a lógica, como, por exemplo, Frederico II impulsionou o me-
lhoramento de localidades prussianas que eram retrógradas. O monarca regeu por mais de
quatro décadas, tendo como enfoque central a prosperidade financeira (FORTES, 1985).
Neste período, a nação alemã
[...] não é uma nação unificada e a Prússia é uma das suas regiões principais
e autônomas. Seu atraso, mesmo em termos do século VIII, e comparativa-
mente à situação da França e da Grã-Bretanha, os dois grandes países eu-
ropeus que se acham à frente de todo o processo, é dos maiores. O mesmo
acontece com a Europa Central e Oriental. Ou seja, o mesmo acontece com
a Áustria, nação pertencente ao então inteiramente decadente Sacro Império
Romano-Germânico, que também se encontra em grande atraso. O mesmo
acontece com a Rússia de então, o imenso império dos czares perdido na
longínqua periferia oriental do centro parisiense (FORTE, 1985, p. 78).

Nas localidades europeias mencionadas anteriormente se sucederam aconteci-


mentos semelhantes ao que se passou no território prussiano com seu soberano no século
XVIII. No território russo, que era uma localidade muito retrógrada, uma gigantesca nação
que ainda tinha por base o feudalismo na qual lacaios padeciam justamente grandes
opressões em relação aos influentes proprietários de terras, se decorreria um processo
semelhante. Em tal contexto, desponta a soberana Catarina II que governou a nação russa
na segunda metade do século XVIII (FORTES, 1985). A monarca
[...] desempenhou também um papel análogo ao de Frederico. Funcionou
igualmente como agente modernizador. Nas “diretrizes” que enviou a uma As-
sembleia de deputados em 1767, Catarina copiou em grande parte O Espírito
das Leis de Montesquieu. A intervenção do Estado, presidido por Catarina,
produziu, por outro lado, grandes transformações no país, produzindo, por
exemplo, a edificação de um grande parque industrial de minas e metalurgia
de ferro e cobre na imensa região dos montes Urais (FORTES, 1985, p. 79).

Os conceitos iluministas também alcançaram o novo mundo, em particular na nação


estadunidense, inspirando a elaboração e emancipação do país norte americano (FORTES,
1985). O pensador inglês John Locke inspirou grandemente as ações revoltosas dos habi-
tantes das possessões inglesas na américa do norte (KARNAL, 2007). No prosseguimento,
discorremos sobre o processo de emancipação das trezes colônias no século XVIII.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 67


4. A EMANCIPAÇÃO DAS TREZE COLÔNIAS INGLESAS

A ocupação britânica na
[...] América do Norte, particularmente das colônias setentrionais, não foi feita
mediante um plano sistemático. Em parte, pelas características das colônias,
em parte pela própria situação da Inglaterra no século XVII com suas crises
internas, as colônias gozavam de certa autonomia (KARNAL, 2007, p. 70).

No século XVIII, tal conjuntura se alteraria, o poder do rei passaria a ser res-
tringido pelo parlamento na Grã-Bretanha, o cenário governamental inglês passaria a ser
mais constante em tal contexto. A classe burguesa passaria a ter mais preponderância e
fomentaria o amplo crescimento financeiro. Nesse período, as possessões britânicas na
parte do norte do continente americano passariam a ser consideradas relevantes, pois elas
nutririam o sistema econômico industrializado da Grã-Bretanha que passava a ser vigente
nesta época (KARNAL, 2007).
No findar do século XVII e durante o século seguinte se decorreram vários conflitos
belicosos no continente europeu e no novo mundo (KARNAL, 2007). Tais conflitos ocasio-
naram:
[...] maior presença de tropas britânicas na América, causando inúmeros atri-
tos. Os acordos ao final dessas guerras nem sempre foram favoráveis aos
colonos. Por fim, guerras como a dos Sete Anos, mesmo terminando com
a vitória da Inglaterra, implicaram altos gastos. Eram inúmeras as vozes no
Parlamento da Inglaterra que desejavam ver as colônias da América colabo-
rando para o pagamento desses gastos (KARNAL, 2007, p. 71).

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 68


Em tal contexto, os habitantes das trezes colônias tiveram acréscimos nos tributos
que pagavam, desta forma as autoridades britânicas supriam financeiramente a adição de
tropas que mandavam. Os residentes das possessões inglesas na américa, estavam em
uma conjuntura roblemática, tendo que custear soldados que tinham sido mandados com a
intenção de refreá-los (KARNAL, 2007).
Depois de frear duramente uma revolta indígena, ocasionada por conflitos dos
residentes das colônias (que visavam estender seus territórios em locais habitados por na-
tivos norte-americanos) com os nativos, a autoridade britânica representada pelo monarca
Jorge III, garantiu pôr edito em 1763 o predomínio dos nativos em determinados territórios
(KARNAL, 2007).
Leandro Karnal (2007, p. 72) menciona que normalmente
[...] pouco considerada, a declaração de 1763 é uma causa importantíssima
para a revolta colonial contra a Inglaterra. Importante, em primeiro lugar, por-
que fere os interesses de expansão dos colonos. Tanto os que exploravam as
peles como os que plantavam fumo viam nestas ricas terras, que o decreto
agora reconhecia como indígena, uma ótima oportunidade de ganho. Impor-
tante também porque representava uma mudança grande da Coroa inglesa
em relação às colônias da América: o início de uma política de interferência
nos assuntos internos dos colonos. O ano de 1763 marcou uma mudança na
história das relações entre a Inglaterra e suas colônias.

Karnal (2007, p. 72-73) menciona que no ano seguinte a medida restritiva sobre
os territórios indígenas foi instituída uma norma que diminuía os tributos em relação ao
melaço produzido em outros países, porém determinava tributos extras “sobre o açúcar,
artigos de luxo, vinhos, café, seda, roupas brancas. Desde 1733 havia lei semelhante, no
entanto os impostos sobre os produtos perdiam-se na ineficiência das alfândegas inglesas
nas colônias”.
Incomodava mais os habitantes das colônias a determinação da Grã-Bretanha que
a norma tributária fosse efetivada do que a própria regra em si. Teria se originado na Nova
Escócia um tribunal que tinha alçada em relação a possessões inglesas no continente ame-
ricano, que podia penalizar as pessoas que se negassem em acatar as normas (KARNAL,
2007). Neste período, o reinado inglês “queria fazer as colônias cumprirem a sua função de
colônias: engrandecimento da metrópole” (KARNAL, 2007, p. 73).
Os habitantes da colônia tiveram uma resposta rápida, foi feito um escrito por um
indivíduo denominado James Otis, que procurava demonstrar porque a norma tributária
negava um preceito que era habitual na Grã-Bretanha na qual “para alguém pagar um
imposto (taxação) esta pessoa deve ter votado num representante que julgou e aprovou
este imposto (representação)” (KARNAL, 2007, p. 73). Karnal (2007) menciona que os

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 69


residentes das colônias também promoveram bloqueios de mercadorias provenientes da
Grã-Bretanha.
Ainda em
[...] 1764 o governo inglês baixa a Lei da Moeda, proibindo a emissão de
papéis de crédito na colônia, que, até então, eram usados como moeda. O
comandante do exército britânico na América, general Thomas Gage, sugeria
e fazia aprovar no mesmo ano a Lei de Hospedagem. Esta lei determina-
va as formas como os colonos deveriam abrigar os soldados da Inglaterra
na América e fornecer-lhes alimento.Mais uma vez, a Lei de Hospedagem e
da Moeda revelam mudanças na política inglesa. O objetivo claro da Lei da
Moeda era restringir a autonomia das colônias. A lei da Hospedagem deseja-
va, em última análise, tornar as colônias mais baratas para o tesouro inglês
(KARNAL, 2007, p. 73-74).

De acordo com o historiador brasileiro, apenas em 1765 percebeu-se maior obs-


tinação contra as normas inglesas, quando é instituída uma norma tributária (Lei do Selo)
em “que todos os contratos, jornais, cartazes e documentos públicos fossem taxados”
(KARNAL, 2007, p. 74).
Essa norma tributária teve grande impacto, se efetuaram manifestações contrárias
em diferentes localidades nas treze colônias, sendo que figuras que representavam as
autoridades britânicas foram hostilizadas no processo (KARNAL, 2007).
Devido à
[...] Lei do Selo, a Coroa havia incomodado a elite das colônias. A reação foi
grande, assustando os agentes do tesouro da Inglaterra. Houve um movi-
mento de boicote ao comércio inglês; no verão de 1765 decaiu o comércio
com a Inglaterra em 600 mil libras. Em quase todas as colônias os agentes
do tesouro inglês eram impossibilitados de colocar os selos nos documentos.
A reação era generalizada. Em 1766, o Parlamento inglês viu-se obrigado a
abolir a odiada lei. Os colonos haviam demonstrado sua força. A Inglaterra
retrocedia para avançar mais, logo em seguida (KARNAL, 2007, p. 74-75).

No ano de 1767 foram ordenadas, por uma autoridade política britânica, normas
que tributavam diferentes mercadorias, se visou também indicar pessoas que teriam como
função conter o tráfico ilegal de produtos nos domínios ingleses na América do Norte. Tais
normas (Atos Townshend) ocasionaram mais queixas, recusa em relação a produtos prove-
nientes da Inglaterra e afirmações que contestavam as ações instituídas pelos governantes
britânicos. As normas de 1767 também foram anuladas, mas ocasionariam uma grave
ocorrência (KARNAL, 2007).
Na localidade estadunidense de
[...] Boston, quase ao mesmo tempo em que se deu a anulação dos Atos
Twnshend, um choque entre americanos e soldados ingleses tornaria as re-
lações entre as duas partes muito difíceis. Protestando contra os soldados,
um grupo de colonos havia atirado bolas de neve contra o quartel. O coman-
dante, assustado, mandara os soldados defenderem o prédio. Os soldados
acabaram disparando sobre os manifestantes. Cinco colonos morreram. Seis
outros colonos foram feridos, mas conseguiram sobreviver. Era 5 de março

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 70


de 1770. O “massacre de Boston”, como ficou conhecido, foi usado larga-
mente como propaganda dos que eram adeptos da separação. Um desenho
com a cena do massacre percorreu a colônia. O cheiro da guerra começava
a ficar mais forte (KARNAL, 2007, p. 76).

Após a ocorrência de Boston, as tensões entre os habitantes da colônia e os britâ-


nicos não diminuíram nos anos posteriores. O prosseguimento das políticas britânicas em
relação às suas possessões na América do Norte fez os habitantes das colônias formarem
“o Congresso Continental da Filadélfia, mais tarde conhecido como Primeiro Congresso
Continental. Representantes de quase todas as colônias (com exceção à Geórgia), acaba-
ram elaborando uma petição ao rei Jorge, protestando contra as medidas” (KARNAL, 2007,
p. 82).
Leandro Karnal (2007, p. 76) menciona também sobre um protesto dos habitantes
das treze colônias diante de uma imposição inglesa sobre o consumo de chá “na noite de
16 de dezembro de 1773, 150 colonos disfarçados de Índios atacaram três navios no porto
de Boston e atiraram o chá ao mar. Era a Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston). Cerca
de 340 caixas de chá foram arremessadas ao mar”.
Diante das demandas dos habitantes das trezes colônias, a Grã-Bretanha teve
uma postura ambivalente, buscou favorecer os habitantes da colônia, mas também houve
um acréscimo de tropas britânicas no continente americano. Essa adição bélica teve como
consequência conflitos iniciais em localidades da colônia (KARNAL, 2007).
Com relação ao processo de emancipação dos Estados Unidos em relação à Ingla-
terra é essencial destacar
[...] que não havia na América do Norte, de forma alguma, uma nação unifi-
cada contra a Inglaterra. Na verdade, as 13 colônias não se uniram por um
sentimento nacional, mas por um sentimento antibritânico. Era o crescente
ódio à Inglaterra, não o amor aos Estados Unidos (que nem existiam ainda)
que tornava forte o movimento pela independência. Mesmo assim, esse sen-
timento a favor da independência não foi unânime desde o princípio. [...] o
sul era mais resistente à ideia da separação. E tanto entre as elites do norte
como as do sul, outro medo era forte: o de que um movimento pela indepen-
dência acabasse virando um conflito interno incontrolável, em que os negros
ou pobres acabassem interpretando os ideias de liberdade como aplicáveis
também a eles.

Na verdade, as elites latifundiárias ou comerciantes das colônias resistiram bastante


à separação, aceitando a somente quando ficou claro que a metrópole desejava prejudicar
seus interesses econômicos (KARNAL, 2007, p. 81).

No ano de 1776, mandatários das treze colônias juntadas novamente na Filadélfia


são a favor da emancipação e incumbem “uma comissão de redigir a Declaração da In-
dependência. A Declaração fica pronta dois dias depois, em 04 de julho” (KARNAL, 2007,

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 71


p. 85). Um dos responsáveis do escrito emancipatório com grande relevância foi Thomas
Jefferson (KARNAL, 2007).
O escrito relativo à independência teve um impacto positivo sobre grande parte
dos habitantes das colônias, contudo, batalhar com os ingleses pela emancipação não
seria algo simples. Foi necessário que as trezes colônias se envolvessem em um conflito
belicoso contra a Grã-Bretanha para assegurar sua emancipação, as tropas insurgentes
foram lideradas por George Washington (KARNAL, 2007).
O conflito pela emancipação dos Estados Unidos
[...] foi uma sucessão de batalhas que ora favoreciam os britânicos, ora os
colonos. Vitórias dos colonos – como em Saratoga – permitiram que o em-
baixador das colônias, Benjamin Franklin, conquistasse em definitivo o apoio
espanhol e francês. A França enviou exército e marinha, sob o comando do
marquês de Lafayette e do general Rochambeau. A Holanda também apro-
veitou a guerra para atacar possessões inglesas, ainda que a princípio não
reconhecesse a independência das colônias. As rivalidades europeias, desta
vez, eram canalizadas a favor dos colonos.As entradas da França e da Espa-
nha alteram os rumos da guerra. O conflito havia se deslocado para o sul. Em
19 de outubro de 1781, as tropas de colonos e seus aliados obtêm a vitória
decisiva em Yorktown na Virgínia. Dois anos após a vitória de Washington,
em 1783, pelo Tratado de Paris a França recebia o Senegal na África e algu-
mas ilhas das Antilhas; a Espanha recebia a ilha de Minorca no Mediterrâneo
e territórios da Flórida e, pela primeira vez, um país da Europa reconhecia e
independência de uma colônia (KARNAL, 2007, p. 88).

Algo inédito sucedeu, uma possessão europeia no continente europeu se tornara


autônoma. Consequentemente, necessitava-se fundar uma nação baseada em fundamen-
tos que fossem modernos na época. A multiplicidade de colônias era uma adversidade, o
conflito em relação aos britânicos juntou os habitantes das diferentes colônias. Vencido o
adversário conciliador, sobraram as dificuldades na administração governamental. A demo-
ra para se elaborar um texto constitucional também atrapalhava o seguimento do processo
político (KARNAL, 2007).
Conciliação sobre “um governo central forte ou liberdade para as colônias agirem
de forma mais autônoma? Esse problema fora levantado ainda antes da independência e
permaneceu mal resolvido até o século XIX, acabando por gerar a Guerra Civil Americana”
(KARNAL, 2007, p. 91-92).
Levou-se três anos (entre 1787 e 1790) para o escrito constitucional estadunidense
ser aprovado politicamente (KARNAL, 2007). Tal texto originou
[...] uma república federalista presidencial. O governo da colônia (agora esta-
do) procura-se equilibrar com o governo federal. Além disto, os poderes, es-
tão, dentro da tradição ensinada pelo filósofo Montesquieu, divididos em Exe-
cutivo, Legislativo e Judiciário.Por seu caráter bastante amplo, a carta magna
dos Estados Unidos assegurou a sua durabilidade. Ao contrário da primeira
constituição brasileira, de 1824, a constituição norte-americana estabelece
princípios gerais e suficientemente vagos para garantirem sua estabilidade

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 72


e permanência. À Suprema Corte dos Estados Unidos iria caber, no futuro,
o papel de interpretar a constituição e decidir sobre a constitucionalidade ou
não das leis estaduais e das decisões presidenciais (KARNAL, 2007, p. 92).

Os Estados Unidos visaram fundamentar seu suporte legal “na ideia de represen-
tatividade popular, ainda que o conceito de povo fosse, nesse momento, extremamente
limitado” (KARNAL, 2007, p. 92). Grande parcela das pessoas que habitavam o território
estadunidense achava-se omitida da atuação governamental. Tomemos por exemplo os
nativos norte-americanos que não foram beneficiados com a emancipação das treze co-
lônias perante a Grã-Bretanha, porque cresceu a ameaça de invasão em relação a áreas
onde eles habitavam (KARNAL, 2007).
A independência estadunidense também não teve grande significância em rela-
ção aos afrodescendentes que eram escravizados nos Estados Unidos. Ocorreram mais
escapatórias no decorrer do conflito de emancipação, contudo não houve prerrogativa
por nenhum dos lados que batalhavam no conflito belicoso pela soberania estadunidense
em torná-lo uma conflagração que envolvesse os cativos contra os proprietários de terras
(KARNAL, 2007).
Mesmo apresentando problemas,
[...] o movimento de independência significava um fato histórico novo e fun-
damental: a promulgação da soberania “popular” como elemento suficiente-
mente forte para mudar e derrubar formas estabelecidas de governo, e da
capacidade, tão inspirada em Locke, de romper o elo entre governantes e
governados quando os primeiros não garantissem aos cidadãos seus direi-
tos fundamentais. Existia uma firme defesa da liberdade, a princípio limitada,
mas que se foi estendendo em diversas áreas (KARNAL, 2007, p. 94-95).

O historiador brasileiro menciona que uma nação afetada pela emancipação das
trezes colônias inglesas foi a França que era governada pelo monarca Luís XVI. Tropas
francesas que batalharam no conflito emancipatório estadunidense retornaram para o seu
país de origem “com ideias de liberdade e república. Haviam lutado contra uma tirania na
América e, de volta à pátria, reencontravam um soberano absoluto. No entanto, só 13 anos
depois de independência norte-americana, esse germe de liberdade frutificará na França”
(KARNAL, 2007, p. 94).
Na próxima unidade discorreremos sobre o processo revolucionário no território
francês.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 73


SAIBA MAIS

Na contemporaneidade para que medicamentos, vacinas e outros produtos possam ser


disponíveis para a utilização humana, necessitam passar por um processo de testagem
criterioso. Igualmente, no campo da medicina, cientistas trabalham constantemente na
busca de novos tratamentos para doenças graves por meio de pesquisas e experimen-
tações.
Caro estudante, você sabia que tais avanços que nos parecem normativos atualmente,
fazem parte de um processo histórico gradual? O período em que os eruditos iluministas
(como Francis Bacon) desenvolveram suas ideias faz parte também de tal processo, na
qual a gênese da experimentação científica teve seu princípio.

Você sabia que para certos indivíduos foram legados o papel de progenitores da nação
estadunidense? Eles são os denominados Founding Fathers (Pais Fundadores). Tais
homens são representados no dinheiro dos Estados Unidos, sendo George Washington
e Benjamin Franklin os com maior notoriedade (KARNAL, 2007).
Em 2020 ocorreu a 59ª eleição presidencial dos Estados Unidos que elegeu o candida-
to do partido democrata Joe Biden, e novamente na mídia internacional foi debatido o
sistema eleitoral presidencial estadunidense em decorrência das suas particularidades.
O governante designado primeiramente para o cargo presidencial por tal sistema eleito-
ral foi George Washington. Sua vitória “era um fato mais ou menos óbvio. Era o único a
contar com apoio em quase todos os estados. Um colégio eleitoral constituído de eleito-
res por estados, deu maioria de votos a Washington e a vice-presidência a John Adams”
(KARNAL, 2007, p. 92).

REFLITA

“Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar
alguém e ninguém seja tão pobre que tenha de se vender a alguém” (Jean-Jacques
Rousseau).

“A árvore da liberdade deve ser regada de quando em quando com o sangue dos patrio-
tas e dos tiranos. É o seu adubo natural” (Thomas Jefferson).

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 74


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prezado(a) aluno(a), chegamos ao final desta unidade. Esperamos ter contribuído


para o seu entendimento em relação ao Iluminismo e ao processo de emancipação dos
Estados Unidos. No que refere ao Iluminismo, mesmo que nesse período tenha se iniciado
um processo de objeção à religiosidade e engrandecimento da lógica é evidente que isso
não levou ao completo aniquilamento das crenças no ocidente. Mesmo que o ateísmo seja
um movimento crescente em diferentes localidades do mundo, instituições religiosas, como
a própria Igreja Católica, ainda tem uma significância, mas elas necessitaram se reade-
quar diante das transformações sociopolíticas que sucederam no decorrer dos séculos,
os eruditos das luzes contribuíram para tal processo repensando o papel dos credos nas
sociedades europeias onde estavam inseridos.
No que concerne ao campo governamental é perceptível que mesmo depois de
múltiplos séculos as concepções dos autores iluministas ainda podem ter uma consonância
com a realidade atual. Por exemplo, no que se refere a Rousseau, mesmo tendo passa-
do muito tempo desde que o autor formulou suas ideias, a desigualdade social continua
(mesmo que em proporções diferentes) sendo um problema recorrente de muitos países.
Mesmo as ideias de um autor como Montesquieu podem ser aplicadas à contemporaneida-
de, se pensarmos como ainda é necessário se originar novas normas governamentais para
atender as transformações sociais que se decorrem em diferentes nações.
No que se refere à emancipação das treze colônias em relação à formação da
nação estadunidense, ainda hoje nos Estados Unidos existe um processo de idealização
associado a tal ocorrência histórica. Mas por trás de todo o engrandecimento histórico existe
um processo mais complexo a ser evidenciado. É interessante ponderar que se a Inglaterra
tivesse tido uma postura mais adequada em relação às colônias norte-americanas, talvez a
maior potência econômica do mundo na atualidade teria sido protagonista de uma história
diferente.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 75


LEITURA COMPLEMENTAR

Material interessante para o estudante que queira ter contato com uma obra de um
pensador Iluminista:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da
desigualdade entre os homens precedido de Discurso sobre as ciências e as artes.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.

Estudo relevante para o estudante que tem por interesse ter uma melhor com-
preensão sobre a elaboração do texto constitucional dos Estados Unidos:
BENTES, Fernando Ramalho Ney Montenegro. A separação de poderes da
revolução americana à constituição dos Estados Unidos: o debate entre os projetos
constitucionais de Jefferson, Madison e Hamilton. 2006. 96 f. Dissertação (Mestrado em
Direito) - Pontífice Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 76


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
Título: História dos Estados Unidos
Autores: Sean Purdy, Luiz Estevam Fernandes, Marcus Vinícius
de Morais, Leandro Karnal
Editora: Editora Contexto
Sinopse: Leandro Karnal e outros estudiosos abordam diferen-
tes períodos históricos dos Estados Unidos, obra complementar
interessante para o estudante que busca ter compreensão sobre
a nação estadunidense para além do seu processo revolucionário.

FILME/VÍDEO
Título: O Patriota.
Ano: 2000.
Sinopse: Quando se decorre o conflito de emancipação das treze
colônias em relação a Grã-Bretanha, um fazendeiro denominado
Benjamin Martin é forçado a se envolver na guerra depois de ter
seu filho morto por um oficial inglês.

UNIDADE III O Iluminismo e a Emancipação das Treze Colônias Inglesas 77


UNIDADE IV
A Revolução Francesa
Professor Mestre Willian Carlos Fassuci Larini

Plano de Estudo:
● Compreender a conjuntura francesa antes do processo revolucionário.
● Explanar as etapas iniciais da Revolução Francesa desde a
derrocada da monarquia em 1789.
● Explicar as fases republicana e do Terror do processo revolucionário francês.

Objetivos da Aprendizagem:
● Reino Francês em Conflito No Século XVIII
● O Início Da Insurreição Na França
● A Desestruturação do Reinado Francês
● Os Estágios Finais do Processo Revolucionário Francês

78
INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), todos os anos é celebrado pelos franceses o processo revolu-


cionário que se sucedeu em sua nação no século XVIII. Tal acontecimento histórico já foi
analisado por muitos historiadores, sendo abordado em romances históricos e retratado em
múltiplos longas-metragens que enfocaram seus diversos aspectos, aparecendo até mes-
mo em um jogo de vídeo game em 2014. Figuras históricas como Luís XVI, Maria Antonieta
e Robespierre se tornaram eternizadas na história, provocando nas pessoas sentimentos
diversos. Locais que foram palco de tal evento do passado, como o Palácio de Versalhes
em Paris, continuam recebendo até hoje franceses e pessoas de outros países que buscam
captar resquícios daquele período histórico.
Nas próximas páginas temos como objetivo explanar para você os fatores que
condicionaram o processo revolucionário francês e suas diferentes etapas. É curioso que
uma época da França que tenha durado aproximadamente uma década seja muito mais
lembrada e debatida do que outros momentos da história do país europeu. Tal momento
histórico se torna mais complexo, na medida em que se constatam as múltiplas minúcias
que ele possui e os diversos indivíduos ligados a ele.
Nesta unidade temos por intenção que você, aluno(a), compreenda a Revolução
Francesa de acordo com o contexto histórico em que ela ocorreu. Nada seria mais errôneo
do que abordar um período histórico distante do passado de acordo com nossos parâme-
tros atuais, por mais estranhos e brutais que eles possam parecer. Provavelmente muitas
pessoas até hoje se impactam com o que se decorreu na última década do século XVIII
na França. Contudo, mesmo que a Revolução Francesa seja um acontecimento histórico
notável, ela talvez não seja tão anormal, se pensarmos na conjuntura do mundo no século
XVIII.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 79


1. REINO FRANCÊS EM CONFLITO NO SÉCULO XVIII

No que se refere à Revolução Francesa, no princípio os insurgentes franceses


denominaram de Antigo Regime o que romperam com seu levante. Tal regime referia-se
ao governo monárquico francês, que tinha como comandante o soberano Luís XVI que era
casado com Maria Antonieta (VOVELLE, 2007).
O rei francês foi incapaz, durante sua administração, de conservar, em cargos, auxi-
liares políticos que eram eficientes, e também de adotar medidas remodeladoras sugeridas
por tais figuras. Isto ocorreu, pois os mais beneficiados da sociedade recusavam vigorosa-
mente mudanças, e se decorria uma recessão intensa na França (VOVELLE, 2007).
Vovelle (2007, p. 12) menciona que
Na França Antigo Regime não havia igualdade; a sociedade estava dividida
em ordens, que tinham mais ou menos privilégios: à frente vinha o clero, a
Igreja Católica, a única que tinha o direito de ensinar a religião, mas que tam-
bém era muito rica em terras e rendas. Mais ricos ainda eram os aristocratas,
que compunham a ordem da nobreza. Eram proprietários de pelo menos um
quarto das terras, favorecidos por privilégios honoríficos e também fiscais.
Orgulhosos de seus títulos, serviam nos exércitos do rei, mas na maior parte
do tempo ficavam sem fazer nada em seus castelos ou na cidade, sendo que
os mais notáveis moravam na corte do rei, em Versalhes. Entre eles havia
alguns muito ricos e outros menos. Alguns haviam conquistado seus títulos de
nobreza adquirindo um cargo de magistrado: era a nobreza togada.

O “clero e nobreza constituíam as ordens privilegiadas da sociedade. Este estado


de coisas mantinha-se e justifica-se pela concepção feudal, segundo a qual ao clero cabia

UNIDADE IV A Revolução Francesa 80


às funções religiosas e educacionais e à nobreza as militares e políticas” (FLORENZANO,
1981, p. 17).
As pessoas que não faziam parte da nobreza cumpriam ofícios campestres, manu-
fatureiros e mercantis. Os trabalhadores rurais, os artífices e a classe média compunham
o terceiro estrato da sociedade francesa, era prerrogativa deles a prestação tributária e era
negado a eles regalias (FLORENZANO, 1981).
Pelo que relata Vovelle (2007, p. 13), os trabalhadores rurais franceses na época
que antecede a insurreição, tinham mais liberdade se comparado ao passado, contudo
ainda permaneciam com deveres, e tributos “eram os direitos feudais e de senhorio, pagos
em dinheiro ou em espécie, os quais às vezes eram muitos pesados, como a “jugada” –
após a colheita, os enviados do senhor recolhiam dos campos um feixe em cada dez, ou em
cada doze ou catorze”. Mesmo que a época medieval tivesse terminado, o sistema feudal
(mesmo que transformado) perdurava na França (FLORENZANO, 1981).
No decorrer do século XVIII, os estratos mais altos da sociedade francesa domina-
ram completamente os mecanismos governamentais, clericais e militares. Em tal conjun-
tura a classe média (burgueses) que não desistia de acender socialmente, passava a ser
influenciada por conceitos iluministas (FLORENZANO, 1981).
O conceito das luzes fundamento “no racionalismo, individualismo e liberdade
absoluta do homem, ao criticar todos os fundamentos em que assentava o Antigo Regime,
revelava as suas contradições e as tornava transparentes aos olhos de um número cada
vez maior de pessoas” (FLORENZANO, 1981, p. 24).
Florenzano (1981, p. 24-25) menciona que a afirmação de
[...] que os filósofos iluministas foram uma das causas da revolução é verda-
deira na medida em que elaboraram, a nível teórico, um novo projeto social.
Mas deve se considerar que, embora o Iluminismo enquanto tal fosse revo-
lucionário, a maioria, senão todos, os filósofos eram reformistas. Acredita-
vam que o Estado, através da ação esclarecida do Príncipe, seria capaz de
realizar as reformas necessárias que conduziriam a sociedade no caminho
do progresso e da razão. Ora, na França, a incapacidade da monarquia ab-
solutista em realizar as reformas que a burguesia exigia, cada vez com mais
determinação, foi fatal para sua sobrevivência.

Os burgueses franceses no século XVIII se beneficiaram grandemente perante a


um crescimento financeiro, fruto de prósperas atividades mercantis navais, em tal conjuntu-
ra os burgueses passaram a apresentar pretensões diferenciadas (VOVELLE, 2007).
Distintos setores da classe burguesa visavam que se tivesse maior autonomia
mercantil na França, e percebendo que não ocorreria a implementação de medidas ino-
vadoras na economia, passaram a se opor ao sistema governamental vigente. Em setores
medianos da classe burguesa, principalmente de trabalhadores autônomos, aumentava

UNIDADE IV A Revolução Francesa 81


igualmente a insatisfação perante o reinado soberano e se tornava mais forte a crença que
era necessário de se efetuar transformações na França (FLORENZANO, 1981).
O desagrado tornava-se igualmente maior “entre os camponeses, sobre cujos
ombros recaía todo o peso da brutal exploração da nobreza, do clero e do Estado” (FLO-
RENZANO, 1981, p. 25). Por um longo período, a conjuntura no meio rural francês tendia
a levar a uma insurreição, a estabilidade só era garantida em decorrência da junção das
camadas sociais dominantes e da coibição estatal e clerical (FLORENZANO, 1981).
Vovelle (2007, p. 13-15) menciona que os trabalhadores rurais franceses
[...] se mobilizavam para defender seus direitos, que os nobres tinham a ten-
dência de usurpar, chegando às vezes a se revoltar: em especial nas épocas
de escassez, para protestar contra o alto preço do pão. E eles não eram os
únicos, pois tanto para os operários das cidades quanto para eles o pão era
o alimento principal, consumindo metade do salário diário de uma família. [...]
No grande reino da França, com 28 milhões de habitantes, havia planícies
férteis como nos arredores de Paris, e regiões muito mais pobres, nas mon-
tanhas, por exemplo. Por toda parte, porém, o trigo para fazer pão era uma
necessidade básica: bastava o tempo provocar uma ou várias colheitas ruins
para que o preço disparasse, a miséria se instalasse e a revolta explodisse; é
o que se chama de “agitação popular”. Embora essas crises e a mortalidade
causada por elas houvessem diminuído no século XVIII, elas continuavam
existindo, e foi isso que aconteceu em 1788 e 1789: às vésperas da Revolu-
ção, explodem revoltas em várias províncias e as cidades se agitam.

A pobreza extrema na França, no final do século XVIII, impulsionou tanto o meio


rural quanto o urbano a se revoltar. Contudo a pobreza não era a única demanda da camada
populacional (VOVELLE, 2007).
De acordo com Vovelle (2007, p. 19) os endinheirados na França e os mais des-
providos visavam revidar contra “o sistema feudal – ou com aquilo que sobrou dele –, e a
revolução camponesa irá convergir, ao menos durante certo tempo, com a dos burgueses
das cidades”. Caro(a) aluno(a), no prosseguimento discorreremos mais detalhadamente
como se sucedeu o processo revolucionário francês.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 82


2. O INÍCIO DA INSURREIÇÃO NA FRANÇA

A sucessão de dificuldades que ocasionaram a insurreição na França teve como


ponto de partida o ano de 1787, época em que o reinado francês enfrentava uma grave
crise monetária, em tal contexto era necessária uma renovação na organização tributária
do governo monárquico (FLORENZANO, 1981).
Vovelle (2007, p. 23) menciona que o reinado francês
[...] não tinha previsões rigorosas de gasto – o que conhecemos como orça-
mento: dessa forma, o próprio rei podia lançar mão diretamente dos impostos
para atender às necessidades de seu padrão de vida e do da corte de Ver-
salhes. Dizia-se que a rainha Maria Antonieta era uma perdulária. O luxo dos
privilegiados era uma ofensa à miséria dos pobres.

A crise monetária se tornou mais acentuada depois do conflito de emancipação


estadunidense, tal problema tinha dimensões graves de difícil resolução (VOVELLE, 2012).
Os custos altos do reinado da França devido ao conflito no continente americano, enfra-
queceram as já combalidas finanças francesas. Os ganhos conseguidos depois do conflito
não foram suficientes para remediar o desequilíbrio econômico francês (KARNAL, 2007).
Vovelle (2012, p. 18) menciona sobre a inadequação do monarca Luís XVI perante
o contexto caótico da França no final do século XVIII:
No trono desde 1774, bonachão, mas, sem dúvida, pouco talentoso, Luís XVI
não é o homem adequado para a situação, e a personalidade da rainha Maria
Antonieta, por intermédio da qual o perigoso grupo de pressão da aristocracia
exerce sua influência, não facilita as coisas. Mas é evidente que, numa situa-
ção em que tantos fatores essenciais estão em jogo, a personalidade de um
só – ainda que seja o rei – não poderia mudar o rumo das coisas.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 83


No ano de 1787, o monarca francês, visando que um plano de mudança tributária,
feito por seus auxiliares políticos, fosse avaliado, “convocou uma Assembléia de Notáveis
(órgão corporativo composto por “deputados”, escolhidos pelo rei entre as três ordens, e
cuja função consistia em assessorar o monarca; a última vez que este órgão havia sido
convocado fora em 1627) [...]” (FLORENZANO, 1981, p. 34).
Essa Assembleia nega as mudanças tributárias propostas. Em 1788, o parlamento
da capital francesa também rejeita o plano de modificações referentes a tributação e reque-
ria que o monarca francês mandasse formar os Estados Gerais com o objetivo de se validar
as mudanças tributárias (FLORENZANO, 1981). Vovelle (2007, p. 26) menciona que formar
“os Estados Gerais era um modo antigo de o rei consultar seus súditos, ou, ao menos, os
representantes das três ordens: fazia mais de dois séculos que ocorrera a última reunião”.
Prezado(a) aluno(a), para entender o que se decorreu na França no final do século
XVIII, é necessário compreender que antes do processo revolucionário os aristocratas
gradualmente dominaram a totalidade das instituições governamentais. Dessa forma eles
aumentaram suas vantagens perante a monarquia, de tal forma na qual todas as medidas
de governo para serem realizadas necessitavam do consentimento de instituições que eram
controladas pelos aristocratas (FLORENZANO, 1981).
De acordo com Florenzano (1981, p. 34), essa investida dos aristocratas que
buscavam ter o controle sobre a administração governamental francesa “culminava em
1787-88 numa verdadeira “revolta nobiliárquica” ou “revolução aristocrática [...]”. Usufruindo
brevemente do suporte da camada populacional, o grupo mais beneficiado da sociedade
francesa impediu quaisquer medidas remodeladoras durante a recessão que se acentuava
na França (VOVELLE, 2007).
Florenzano (1981, p. 34) menciona que estando incapacitado, o monarca francês,
determina “para maio de 1789 a abertura dos Estados Gerais”. De acordo com Coggiola
(2013, p. 290) na elaboração de tal assembleia, se fizeram “os tradicionais cahiers de do-
léances, cadernos de queixas, onde se registravam as reivindicações das três ordens”. Em
tais escritos, os estratos mais baixos da sociedade francesa “relatavam suas misérias de
maneira frequentemente emocionante, sendo às vezes “teleguiados” por pessoas instruídas
que faziam passar reivindicações mais gerais” (VOVELLE, 2007, p. 26).
Os representantes (escolhidos em 1789 pelos três diferentes grupos sociais da
França) nos Estados Gerais tinham concordância em um único tema, eles buscavam dimi-

UNIDADE IV A Revolução Francesa 84


nuir a soberania2 do rei, tinham como inspiração ao que se passara na Grã-Bretanha sendo
também influenciados pelo modelo político estadunidense (COGGIOLA, 2013).
Coggiola (2013, p. 291-292) descreve como se decorreu a assembleia dos Estados
Gerais, evento que agitou a camada populacional francesa:
No dia 5 de maio de 1789, o rei mandou abrir a sessão inaugural dos Esta-
dos Gerais e, em seu discurso, advertiu que não se deveria tratar de política,
isto é, da limitação do poder real, mas apenas da reorganização financeira
do reino e do sistema tributário. O clero e a nobreza tentaram diversas ma-
nobras para conter o ímpeto reformista do Terceiro Estado, cujos represen-
tantes compareceram à Assembleia presentando as reclamações do povo
(os cahiers de doléances). A maioria dos deputados da nobreza e do clero
queria que as eleições fossem por estado (clero, um voto; nobreza, um voto;
povo, um voto), pois assim garantiriam a continuidade de seus privilégios.
O Terceiro Estado queria, ao contrário, que a votação fosse individual, por
deputado, porque contando com os votos do baixo clero e da nobreza liberal,
conseguiria reformar o sistema tributário do reino e impor reformas políticas.
Ante a crise política, Luís XVI tentou dissolver os Estados Gerais, impedindo
a entrada dos deputados das três ordens na sala das sessões. Os represen-
tantes do Terceiro Estado rebelaram-se e invadiram a sala do jogo da péla
(uma espécie de tênis de quadra), em 15 de junho de 1789, e transforma-
ram-se em Assembleia Nacional, jurando só se separar após a votação de
uma Constituição para a França (Serment du Jeu de Paume, Juramento da
Sala do Jogo da Péla). Em 9 de julho de 1789, juntamente com deputados do
baixo clero e da nobreza “esclarecida”, o Terceiro Estado autoproclamou-se
Assembleia Nacional Constituinte.

A formação da Assembleia Constituinte fez o monarca Luís XVI adotar ações extre-
mas, como afastar do cargo um auxiliar político denominado Necker, que era famoso devido
a sua visão remodeladora (COGGIOLA, 2013).
Coggiola (2013, p. 292) relata que nos estratos mais altos a adversidade no governo
monárquico se sucederá grandemente, e nos estratos mais inferiores da sociedade francesa
a insatisfação estava presente, “só faltava que estes últimos tomassem a iniciativa política
para que uma revolução acontecesse. E assim foi feito: em resposta ao rei, a população de
Paris, em 12 de julho, se mobilizou e tomou as ruas da cidade”.
Os aristocratas visavam, por meio da realização dos Estados Gerais, enfraquecer
integralmente a soberania política do rei (FLORENZANO, 1981). Contudo,
[...] na prática, o cálculo da aristocracia revelou-se um verdadeiro suicídio
político para ela e para o regime que a representava, e isto basicamente por
duas razões. A primeira, porque a aristocracia subestimou perigosamente a
força e a capacidade políticas do Terceiro Estado. Em segundo, porque como
a época coincidia, [...] com uma conjuntura econômica de crise, com suas
sequelas de fome e desemprego, o estado de espírito dos pobres do campo
e das cidades era de desespero e revolta (FLORENZANO, 1981, p. 35 - 36).

O monarca Luís XVI visou encerrar a assembleia de representantes que se formara


para originar uma constituição, contudo ele foi incapacitado pela revolta do povo na capital
francesa, que também ocorreriam em diferentes localidades urbanas e sobre o meio rural
(COGGIOLA, 2013).

2 Luís XVI era um governante absolutista, tal sistema de governo foi explicado na Unidade I.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 85


3. A DESESTRUTURAÇÃO DO REINADO FRANCÊS

Nos dias 13 e 14 de julho de 1789, o centro urbano parisiense foi dominado por
múltiplas pessoas que protestavam, as forças militares se ausentaram, as tropas foram
influenciadas por conceitos inovadores tendo vários dos seus integrantes, consentido pe-
rante as demandas do povo que protestava (FLORENZANO, 1981).
Vovelle (2007, p. 31-32) menciona sobre a tomada da Bastilha durante as revoltas
na capital francesa:
[...] Em busca de armas, no dia 14 de julho os parisienses invadiram a Bas-
tilha, antiga fortaleza medieval que se tornará uma prisão do Estado. [...]
É lá que o rei prendia, sem julgamento, aqueles que o rei prendia, sem jul-
gamento, aqueles que o contrariavam. Escritores, jornalistas (chamados de
panfletários), autores de textos proibidos, indivíduos de mau comportamen-
to, também, a pedido da família. Bastava uma carta régia com a ordem de
prisão, sem acusação precisa nem processo. Ela se tornará o símbolo da
arbitrariedade do rei. A bem da verdade, é preciso dizer que em julho de 1789
a prisão estava quase vazia, só havia meia dúzia de presos. Não eram eles
que as pessoas queriam, e sim as armas. Uma multidão armada, composta
sobretudo por artesãos e populares, além de soldados – os guardas do rei –,
dirigiu-se à Bastilha: o diretor recusou-se a abrir os portões, houve uma bata-
lha que provocou numerosas mortes entre os atacantes, mas eles acabaram
se impondo e assassinando o diretor.

A tomada da Bastilha é um evento muito significativo. Quando os representantes


que formavam a assembleia constituinte se viram intimidados, os habitantes da capital
francesa se manifestaram, tal ocorrência histórica representava o processo de insurreição,
que começava brutalmente (VOVELLE, 2007).

UNIDADE IV A Revolução Francesa 86


De acordo com Coggiola (2013, p. 294), se sucederam aos motins na capital fran-
cesa, agitações no meio rural que ocorrem “com maior violência ainda: os camponeses
endividados ou empobrecidos saquearam as propriedades feudais remanescentes, invadi-
ram e queimaram os castelos e cartórios, para destruir os títulos de propriedade das terras”.
Florenzano (1981, p. 41-42) menciona que:
[...] a revolta popular e camponesa assustaram a burguesia e a Assembléia,
pois, enquanto os primeiros saqueavam depósitos, armazéns, etc., aproprian-
do-se de tudo o que pudessem encontrar, a revolta camponesa, ao destruir
a propriedade feudal, ameaçava destruir a propriedade em geral, ou seja, da
própria burguesia. Por isso, a burguesia, para controlar as massas populares
urbanas, organizou, desde a primeira hora da revolução, primeiro em Paris e
depois em todas as outras cidades, uma guarda nacional (força militar) para
se defender menos das forças do Absolutismo do que das forças populares;
e a Assembléia, para sustar a revolução camponesa, fez votar, na histórica
sessão de 4 de agosto, a extinção do Velho Regime e o fim do feudalismo.
[...] Ainda como repercussão da revolução popular e também como tributo,
sincero reconheça-se, às idéias iluministas, a Assembléia faz aprovar em 26
de agosto a famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão se visava manifestar


oficialmente o conjunto de fundamentos essenciais que dariam suporte a formação de um
moderno modelo de coletividade (FLORENZANO, 1981).
Devido “aos acontecimentos, o rei capitulou e reconheceu, ou fingiu reconhecer, o
fato consumado – a realidade da Assembléia Nacional Constituinte” (FLORENZANO, 1981,
p. 40).
A França seguia com um governante monárquico, contudo seu poder político pas-
saria a ser limitado, seu cargo não tinha mais uma base divina, passaria a ser legitimado
pelos habitantes da nação francesa. Seria necessário que o monarca acatasse o escrito
constitucional, conjunto de leis que regulamentaria as organizações governamentais consi-
derando no processo os desejos dos franceses que eram atribuídos aos políticos escolhidos
pela camada populacional (VOVELLE, 2007).
Levados “de Versalhes no dia 6 de outubro de 1789 por um cortejo de mulheres, a
família real encontra-se agora em Paris, no Palácio das Tulherias” (VOVELLE, 2007, p. 41).
A associação, agora responsável pela administração na França, se junta na capital perto de
onde residiam os monarcas iniciando sua prática governamental (VOVELLE, 2007).
Caro(a) aluno(a), com relação ainda à Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, Coggiola (2013, p. 294) menciona que neste escrito, que seria o princípio do texto
constitucional da França, originaram-se
[...] os ideais da revolução, sintetizados em três princípios: “Liberdade, Igual-
dade, Fraternidade” (Liberté, Egalité, Fraternité). Inspirada na “Declaração de
Independência” dos EUA e divulgada em 26 de agosto, a Declaração (à qual
não foi estranha a ação do embaixador dos EUA em Paris, o futuro presidente

UNIDADE IV A Revolução Francesa 87


norte-americano Thomas Jefferson) foi uma síntese do pensamento ilumi-
nista liberal, defendia o direito de todos à liberdade, à propriedade, à igual-
dade – igualdade só jurídica, citoyenneté, não social nem econômica – e de
resistência à opressão. O nascimento, a tradição e o sangue já não poderiam
distinguir socialmente os homens. Na prática, tais critérios eram substituídos
pelo dinheiro e pela propriedade. Todos os homens foram declarados iguais
por nascimento perante a Lei, a França foi virada de pernas para o ar, o mun-
do inteiro tremeu diante das “notícias francesas”.

Na Assembleia Nacional Constituinte havia o predomínio de representantes


políticos visando manter o reinado francês, contanto que o seu poder estivesse contido
constitucionalmente (GRESPAN, 2008). Deste modo “a Assembléia oscila entre um projeto
de reformas quase que exclusivamente jurídicas e políticas e outro de reformas também de
cunho social e econômico” (GRESPAN, 2008, p. 86).
A assembleia necessitava solucionar os problemas econômicos deixados pela
monarquia. Com esse propósito se teve como objetivo comercializar os domínios do clero
na França, que eram muito prósperos. Desta forma, igualmente se solucionaria outra adver-
sidade, pois precisava-se decidir qual seria a função da Instituição religiosa no governo que
se formara, ela seria submetida a um texto constitucional (FLORENZANO, 1981).
Grespan (2008, p. 86) menciona que no princípio se visou vender os territórios da
igreja
em pequenos lotes a baixo preço, depois os lotes foram novamente reuni-
dos e os preços ficam inacessíveis para o camponês. Quem se beneficia do
confisco são os grandes proprietários, aristocratas e burgueses. A tensão no
meio rural se agrava com essa decepção, e novos levantes ocorrem em 1790
e 1791

Ao mesmo tempo, a maioria dos indivíduos ligados à aristocracia se negavam a


desistir dos seus privilégios, era muito difícil conciliar os distintos estratos sociais da França
em torno de uma mesma causa. Em tal conjuntura, a administração política ponderada, que
regeu inicialmente o processo revolucionário, demonstrava-se impraticável, tal situação
prejudicava a delicada estabilidade governamental (GRESPAN, 2008).
No período em que da revolução, a denominada “contra-revolução já está ativa e
organizada: os príncipes e nobres que partiram para o exterior conspiravam contra o novo
regime organizando complôs no interior do país, apoiados pelos reis da Europa monárqui-
ca” (VOVELLE, 2007, p. 57).
Grespan (2008, p. 87) menciona que o monarca francês também
[...] não queria se submeter à Constituição e às mudanças que estavam ocor-
rendo. Ele planeja uma fuga de Paris para algum lugar próximo à fronteira,
onde receberia ajuda de outros países europeus, alarmados com os aconte-
cimentos na França, que também os ameaçavam de certo modo. No dia 21
de junho de 1791, Luís XVI e sua família escapam, mas são reconhecidos
um pouco adiante, na localidade de Varennes, e trazidos de volta à capital.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 88


A situação se complica muito com esse fato. Cooperando com austríacos,
ingleses e prussianos, o rei parecia culpado a seu próprio país. Surgem já
algumas vozes que pedem sua renúncia, e até as que reivindicam o fim da
monarquia, com a instalação de uma república.

Contudo, as reivindicações republicanas são contidas pela facção ponderada da


Assembleia, que ainda detinha poder no período em que o texto constitucional francês é
concluído (GRESPAN, 2008). Com a legitimação de tal escrito, a sociedade francesa “foi
dividida em cidadãos ativos e passivos, segundo pagassem ou não impostos. Somente os
primeiros, que pagavam impostos e possuíam dinheiro ou propriedades, participavam da
vida política: era o voto censitário” (COGGIOLA, 2013, p. 298).
Caro(a) aluno(a), é necessário entender que a situação seguia apreensiva na
França, trabalhadores rurais permaneciam inquietos, e os habitantes da capital francesa
encontravam-se exaltados, se seguia a carência de alimentos, sendo que as medidas polí-
ticas adotadas não eram suficientes para o povo (GRESPAN, 2008).
Grespan (2008, p. 87) aponta que se opondo aos revoltosos, a facção ponderada
da Assembleia Constituinte manda “que a Guarda Nacional comandada por La Fayette
reprimisse a reunião popular convocada em 17 de julho para discutir no Campo de Marte
a renúncia de Luís XVI. As tropas abriram fogo contra a multidão e cerca de 50 pessoas
foram mortas”.
Muitas pessoas favoráveis ao sistema republicano são encarceradas na França.
A ocorrência de julho de 1791 assinala uma ruptura na junção, que era presente no meio
insurgente francês. A suspeita recairia sobre os ponderados da Assembleia Constituinte, o
comprometimento de tais figuras com a causa revolucionária seria questionado (GRESPAN,
2008).
Grespan (2008, p. 89) explica sobre as divergências políticas presentes no contexto
revolucionário francês:
A Revolução não conhecia partidos políticos no sentido atual do termo. Os
deputados das assembléias eram, por princípio, representantes individuais
dos seus eleitores. Mas espontaneamente se formavam os chamados “clu-
bes”, diferenciando as opiniões e os programas daqueles que tomavam parte
nos acontecimentos, e que geralmente adotavam a denominação do lugar
em que se reuniam: os “cordeliers”, no salão do convento franciscano de
Paris; os “jacobinos” no salão da ordem desse mesmo nome. E durante as
discussões ocorridas nesses clubes, surgiam novas diferenças. Assim, os
moderados da Assembléia, que inicialmente faziam parte do clube jacobino,
acabaram divergindo da ala esquerda e formaram outro clube, o dos “feullan-
ts”, nome dado aos monges da ordem cistersense, em cujo convento passa-
ram a reunir-se. Cordeliers e jacobinos constituem a esquerda desde o fim de
1791, em oposição aos feuillants, maioria que queria a monarquia parlamen-
tar e a permanência de uma aristocracia não-feudal.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 89


De acordo com Grespan (2008, p. 87-89), diante do acontecimento de julho de
1791 numa votação que visava formar uma “nova Assembléia, ficaram de fora nobres e
clérigos conservadores, sendo escolhidos apenas representantes das idéias liberais, como
maioria absoluta, além de uma ala esquerda mais numerosa”.
No momento em que “a nova Assembléia – que substitui a Constituinte com o nome
de Assembléia Legislativa, encarregada de fazer as leis – se reúne no dia 1 de outubro de
1791, todos se vêm diante de uma decisão crucial [...]” (VOVELLE, 2007, p. 60).
A Assembleia precisava definir se a França se envolveria num conflito belicoso, pois
soberanos de nações europeias entenderam que o modelo de insurreição que se sucedia
no território francês poderia ser arriscado, e após a frustrada fuga do rei da França os
governantes monárquicos aumentaram suas intimidações (VOVELLE, 2007).
Em tal contexto, a nação francesa ficou fragmentada, Luís XVI e seus apoiadores
eram a favor do conflito, porque acreditavam que o reino francês seria dominado sem difi-
culdades na disputa belicosa. Os representantes políticos franceses mais ponderados eram
contra a guerra, porque eles julgavam ser um embuste (VOVELLE, 2007).
Se decorre uma cisão entre “duas personalidades do movimento revolucionário:
Brissot, jornalista e deputado, que assume na Assembléia a liderança dos ‘brissotistas’
(mais tarde ‘girondinos’) contra Robespierre, democrata respeitado, o ‘Incorruptível’” (VO-
VELLE, 2007, p. 61).
Brissot era a favor do conflito com as nações europeias, pois por meio da disputa
belicosa ele esperava que se revelasse as verdadeiras intenções de Luís XVI e que a
França se ampliasse no continente europeu, Robespierre relutava pois acreditava que o
conflito seria perigoso (VOVELLE, 2007).
Brissot acaba vencendo e “no dia 20 de abril de 1792, Luís XVI encaminha, por
intermédio de seus ministros, a declaração de guerra ao imperador, que receberá o apoio
do rei da Prússia (e da Rússia)” (VOVELLE, 2007, p. 61).
O princípio do conflito belicoso decorreu-se terrivelmente. Muitos comandantes
militares franceses tinham fugido da França e as tropas se encontravam desordenadas, e
milícias que foram formadas eram inábeis. Os limites territoriais da França acabaram sendo
conquistados (VOVELLE, 2007).
Grespan (2008, p. 90) menciona que diante das
[...] derrotas sofridas pelos franceses nos primeiros meses da guerra foram
atribuídas à falta de vontade dos nobres em lutar contra os inimigos da Re-
volução, associando-se também a Luís XVI, cuja tentativa de fuga no ano
anterior era percebida como vontade de aliar-se aos estrangeiros que busca-
vam justamente intervir para acabar com a Revolução e devolver-lhe o poder

UNIDADE IV A Revolução Francesa 90


absoluto.Quando as desconfianças aumentaram, conjugando-se à decepção
com o governo dos moderados, a população de Paris explodiu de ódio ao rei
e à nobreza: no dia 10 de agosto de 1792, ela ataca e toma o Palácio Real
das Tulherias, destituindo e aprisionando Luís XV. É o fim da monarquia e a
instituição da república.

Um reinado europeu que sucedera por séculos era derrubado. A camada popula-
cional francesa tinha uma conquista. Com maior capacitação e disposição, os franceses
tinham percebido o seu poder. A vontade popular era refletida por meio da ação dos sans-
-culotte (VOVELLE, 2007).
Os sans-culotte era um conjunto de indivíduos politicamente ativos que recebiam
essa denominação pois “a roupa deles é diferente: em vez do calção até o joelho e das
meias usadas pelos burgueses e aristocratas, eles vestem uma calça (geralmente listrada)
– é daí apelido, inicialmente depreciativo, mas que depois será motivo de orgulho para eles”
(VOVELLE, 2007, p. 65).

UNIDADE IV A Revolução Francesa 91


4. OS ESTÁGIOS FINAIS DO PROCESSO REVOLUCIONÁRIO FRANCÊS

Depois de instituída a república, aboliu-se o método de votação anterior que dife-


renciava as pessoas (ativos/passivos) pela sua renda. Se formou uma associação política
para decretar leis no lugar da Assembleia do antecedente (GRESPAN, 2008).
Grespan (2008) menciona que a denominada Convenção Nacional
[...] foi eleita e se reuniu no mês de setembro de 1792, declarando uma nova
fase da Revolução. Melhor dito, para ela a Revolução de fato começava ali,
com a república. Por isso, ela decidiu estabelecer um novo calendário, o que
de fato só foi aprovado um ano depois, mas fixado retroativamente para co-
meçar no dia 22 de setembro de 1792. Além da data oficial do início dos
trabalhos da Convenção, este é o último dia do verão no hemisfério norte
(GRESPAN, 2008, 91).

Depois de formada, a associação republicana se fragmenta velozmente em conjun-


tos de representantes políticos com ideias opostas. No campo político, a direita estavam os
denominados girondinos, representantes políticos que integravam a classe burguesa e que
tiveram atuação no processo da insurreição, mas que visavam concluí-lo, pois temiam que
a mobilização do povo que era encabeçada pelos sans-culotte os sobrepujasse (VOVELLE,
2007).
Na esquerda estavam os opositores dos girondinos:
[...] os partidários da Montanha, também são de origem burguesa, mas es-
tavam convencidos de que a Revolução só daria certo caso se apoiasse no
movimento popular e levasse em conta suas aspirações. Apesar do nome,
eles não vêm de nenhuma região de montanha; o que acontece é que eles se
instalaram nos bancos que ficavam na parte mais alta da sala onde transcor-
riam as sessões (VOVELLE, 2007, p. 70).

UNIDADE IV A Revolução Francesa 92


No final do ano de 1792, a audiência que decidiria o destino do monarca francês
Luís XVI, separa as distintas facções que formavam a associação política (GRESPAN,
2008).
De acordo com Grespan (2008, p. 94), os representantes políticos girondinos vi-
savam “salvar o rei, enquanto os mais radicais pediam sua condenação e execução, o
que acaba acontecendo: em 21 de janeiro de 1793, Luís XVI é guilhotinado, num ato de
radicalização calculado para fazer avançar o projeto social da Revolução”. Caro(a) aluno(a),
mesmo depois da morte de Luís XVI a situação não se torna estável na França.
Em consequência da morte do rei francês, o conflito com as nações europeias se
agrava e acaba suscitando a implementação de atitudes políticas extraordinárias. Seria
formado o denominado Comitê de Salvação Pública, instituído para cuidar das investidas
das tropas invasoras e também de revoltas que emergiam no meio rural em oposição ao
governo insurgente (GRESPAN, 2008).
Coggiola (2013, p. 307) menciona que inferior ao Comitê de Salvação Pública “vi-
nha o Comité de Segurança Geral, que cuidava da segurança interna, e a seguir o Tribunal
Revolucionário, que julgava os opositores da revolução em procedimentos sumários”. Neste
período, os representantes políticos da Montanha (Jacobinos) devido à perda de influência
dos girondinos e auxiliados por diferentes movimentos populares conseguiram ascender
politicamente (COGGIOLA, 2013).
Maximilien de Robespierre, importante integrante das Montanhas, nesse período
passara a controlar plenamente a esfera governamental causando no processo a morte
dos indivíduos que eram opositores políticos, começava a época mais atroz do processo
revolucionário francês (GRESPAN, 2008).
Vovelle (2007, p. 74) menciona sobre esta época do processo revolucionário na
qual o Terror teria grande predominância:
O Terror, que se tornou oficial durante certo tempo, é o instrumento usado
para reprimir a contra-revolução. Prendem-se os cidadãos considerados sus-
peitos e instituise um Tribunal Revolucionário em Paris, que julga de maneira
sumária e envia milhares de pessoas à guilhotina: depois do rei, a rainha Ma-
ria Antonieta, aristocratas, sobretudo, mas também negociantes ricos, padres
e pessoas simples das regiões em conflito.

Na época do Terror se refrearam violentamente as insurreições contra a república


que decorreram em localidades urbanas e rurais na França. Se fazem múltiplos instru-
mentos de decapitação para executar muitas pessoas que eram contrárias ao governo
vigente. Consequentemente, os girondinos, tidos como desleais ao processo de insurrei-
ção, são sentenciados à morte. Posteriormente, mesmo os indivíduos que, em teoria, eram

UNIDADE IV A Revolução Francesa 93


alinhados politicamente ao governo são mortos por discordarem do governo autoritário de
Robespierre, como Georges Jacques Danton (GRESPAN, 2008).
De acordo com Grespan (2008, p. 95), no quinto mês do ano de 1792 Robespierre
“conseguira realizar seu programa político, concentrando o poder no Comitê de Salvação
Pública, em detrimento inclusive da Convenção e das organizações populares”.
O governante autoritário francês durante a época do terror agiria como se “suas
idéias e suas práticas políticas específicas como a “salvação pública”, como as únicas
idéias e práticas que correspondam aos interesses universais do povo, da pátria, da revo-
lução” (GRESPAN, 2008, p. 95).
Prezado(a) aluno(a), é necessário entender que mesmo uma das épocas mais
brutais do processo revolucionário francês não foi desprovida de nenhum mérito a ser con-
siderado. Como menciona o historiador francês Michel Vovelle (2007, p. 76), os insurgentes
franceses jacobinos que compunham a Montanha possuíam:
[...] um grande ideal: fundar a República regenerando seus cidadãos. Eles
tentam implantar uma pedagogia republicana por meio de textos e do dis-
curso. Não perdem de vista a construção do ideal democrático: e é durante
esse período que a Convenção decreta o fim da escravidão nas colônias
francesas, dando continuidade à mensagem de emancipação da Declaração
dos Direitos do Homem.

A administração governamental revolucionária igualmente adotou medidas que


visavam atender os mais pobres, aos indivíduos que estavam em condição de miséria e
mulheres cujos maridos haviam falecido nos conflitos belicosos (VOVELLE, 2007).
Grespan (2008, p. 96) menciona que na conjuntura brutal do “‘Terror’ foi por fim
aniquilado o antigo regime, com sua aristocracia feudal, seus monopólios econômicos, seus
entraves ao desenvolvimento do capitalismo”. O próprio Robespierre almejava uma forma
de coletividade como maior liberdade financeira (GRESPAN, 2008). Caro(a) aluno(a), no
prosseguimento discorreremos sobre o desfecho do processo revolucionário francês.
O governo autoritário da época do Terror dizimou adversários de diferentes estra-
tos políticos. Contudo, no primeiro semestre do ano de 1794, os representantes políticos
que governavam continuaram sendo ameaçados por uma progressiva desaprovação de
pessoas a qual achavam a administração política muito extrema e havia também indivíduos
que acreditavam que o governo não fora ousado o bastante (GRESPAN, 2008). Esse
[...] duplo movimento que possibilitou a derrubada de Robespierre no famoso
golpe do 9 de Termidor, data no calendário da Revolução que corresponde
ao 27 de julho de 1794.De fato, não foi todo o Comitê da Salvação Pública
que caiu neste dia. Ao contrário, alguns dos seus próprios membros se volta-
ram contra Robespierre e Saint-Just, acusando-os de pretenderam impor um
despotismo bem pouco esclarecido. A esses dissidentes se juntaram depu-
tados de várias facções da Convenção, também com a mesma acusação. E
quando, já no dia seguinte ao golpe, Robespierre e seus companheiros foram
guilhotinados, a temida reação dos sans-cullottes mostrou-se nula. Houve
até populares que manifestaram sua aprovação ao que estava acontecendo
(GRESPAN, 2008, p. 98).

UNIDADE IV A Revolução Francesa 94


Posteriormente, a forma de governo mais à direita (tendo por base a posição dos
girondinos) passa novamente a ter predominância na França, encabeçada por represen-
tantes políticos mais ponderados. Assim é escrito mais um texto constitucional, que garante
os direitos de posse de senhores sobre amplos domínios e mais uma vez a maior parte da
camada populacional francesa não é considerada no processo eleitoral (GRESPAN, 2008).
“A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão que segue a Constituição é bem
menos ousada que a de 1789 além de acompanhada por uma declaração dos deveres, e
não só dos direitos” (GRESPAN, 2008, p. 101).
Esse governo com ações políticas mais comedidas incentivaria grupos que eram li-
gados à monarquia e que buscavam ascender novamente politicamente (GRESPAN, 2008).
Neste contexto o governo republicano “se mantém um tanto precariamente sob o governo
de um órgão executivo colegiado de cinco membros, chamado de “Diretório”, instituído em
outubro de 1795” (GRESPAN, 2008, p. 102).
No ano de 1795 os indivíduos que formavam os sans-culottes tentaram se rebelar
algumas vezes em oposição ao governo que se estabelece, contudo impediram eles sem
grandes dificuldades. No ano seguinte uma trama encabeçada por jacobinos remanescen-
tes também foi freada (FLORENZANO, 1981).
O conflito belicoso da França com nações europeias continuou, e ocasionou no
processo um decrescimento financeiro (GRESPAN, 2008). Atacada
[...] de fora e de dentro pelos monarquistas, e sem poder recorrer ao apoio
popular, a república teve de ser defendida por um general vitorioso: Napoleão
Bonaparte, que se proclama cônsul – bem ao gosto do culto a Roma – com o
golpe de 18 de Brumário, o dia 9 de novembro de 1799. O Diretório é derruba-
do para manter a república, que será derrubada a seu turno, porém, pelo pró-
prio Bonaparte, quando se coroar Imperador, em dezembro de 1804. Mas, a
essa altura, a Revolução há muito havia acabado (GRESPAN, 2008, p. 102).

Caro(a) aluno(a), Napoleão Bonaparte é uma figura histórica grandemente conhe-


cida. O período em que ele comandou a França poderá ser explorado em outras unidades,
já que é uma época de grande relevância histórica.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 95


SAIBA MAIS

Um instrumento brutal foi recorrente no processo revolucionário francês. Em decorrência


das ações de um representante político denominado Guillotin passou a ser utilizado um
aparelho para executar pessoas que tivessem cometido crimes, com a denominada guilho-
tina se arrancava a cabeça rapidamente (VOVELLE, 2007). Provavelmente você já deve ter
ouvido falar sobre a guilhotina, já que ela foi recorrente durante o processo revolucionário.
Caro aluno um dos importantes iluministas do século XVIII Charles-Louis de Se-
conda denominado “Montesquieu será amplamente utilizado e admirado pelos revolu-
cionários de 89. Marat3, por exemplo, não hesitará em proclamar que Montesquieu é
o maior homem do século” (FORTES, 1985, p. 39). Contudo, como menciona Fortes
(1985) o erudito francês era a leal aristocracia, mas seus escritos eram ambivalentes.
Talvez o conde erudito não aprovasse como se sucedeu a insurgência na nação france-
sa no final do século XVIII. Tal aparente contradição não é um fato isolado da história.

REFLITA

“Não é por um povo que combatemos, mas pelo universo. Não pelos que vivem hoje,
mas por todos aqueles que existirão” (Maximilien de Robespierre).

“Todo o homem luta com mais bravura pelos seus interesses do que pelos seus direitos”
(Napoleão Bonaparte).

2 Representante político jacobino que foi morto por um monarquista.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 96


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Prezado(a) aluno(a), esperamos que ao final desta unidade você tenha compreen-
dido as diferentes etapas do processo revolucionário da França no final do século XVIII,
acontecimento que completou 230 anos desde o seu início. A Revolução Francesa é uma
temática histórica muito instigante, tanto para estudiosos de história quanto para pessoas
que não pertencem ao meio acadêmico. Caso este assunto tenha lhe causado interesse,
existem muitas obras publicadas no Brasil que podem lhe trazer diferentes visões sobre
tal ocorrência. Independentemente de qual sejam as temáticas históricas, elas podem se
tornar mais fascinantes, quanto maior aprofundamento se efetuar sobre elas.
É evidente que a Revolução Francesa pode ser analisada em diferentes óticas, po-
dendo existir aqueles que só enxergam suas máculas, os que veem apenas suas virtudes
e os que são mais criteriosos e que tentam compreender a conjuntura da época, buscando
as diferentes posições dos indivíduos envolvidos no processo histórico. É evidente que,
mesmo tendo se preservado os relatos do período, é difícil nos colocarmos no lugar das
pessoas que viveram naquela época na França num momento tão conturbado. É interes-
sante ressaltar que mesmo que o mundo tenha sofrido transformações desde o processo
revolucionário francês, a camada populacional em diferentes países continua tendo sua re-
levância quando decidem exercer o direito de manifestação. Como exemplo podemos citar
os protestos do povo chileno, ocorridos no ano de 2019, que, de alguma forma, impactaram
politicamente o país latino-americano.
Ainda no que se refere à revolução francesa, acreditamos que seja relevante apon-
tar que ela impactaria diretamente a história brasileira se pensarmos que o processo de
insurreição na França ocasionaria a escalada de Napoleão que, posteriormente com suas
ações belicosas na Europa, faria com que os monarcas portugueses fugissem para o Brasil,
o que levaria a modificações internas no território brasileiro.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 97


LEITURA COMPLEMENTAR

Artigo interessante para o estudante que tiver interesse em ter contato com uma
análise diferenciada sobre a Revolução Francesa:
SCHIMIDT, J. F. As mulheres na Revolução Francesa. Revista Thema. Rio Grande
do Sul, v 9, n.2, p. 01-19, jun. 2012.

Obra relevante para o estudante que busca ter contato com uma análise aprofun-
dada sobre A Revolução Francesa:
HOBSBAWM, Eric J. A revolução francesa. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

UNIDADE IV A Revolução Francesa 98


MATERIAL COMPLEMENTAR

LIVRO
A Era das Revoluções
Autor: Eric Hobsbawm
Editora: Editora Paz e Terra
Sinopse: O historiador Eric Hobsbawm explora diversos aspectos
do período de transição entre o século XVIII e XIX. Há um capítulo
sobre a Revolução Francesa com dados extras interessantes para
o(a) aluno(a) que tiver interesse.

FILME/VÍDEO
Título: Maria Antonieta
Ano: 2006
Sinopse: O filme aborda a vida da rainha Maria Antonieta a partir
do momento que ela parte da Áustria com destino a França para
se casar com Luís XVI até o período em que se inicia o processo
revolucionário francês. O longa retrata as formalidades e opulência
da monarquia francesa antes da insurreição em 1789.

99
REFERÊNCIAS

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derno: Concepções clássicas da filosofia política no século XVI e o seu contexto histórico.
Maringá: Eduem, 2007.

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Lisboa: Edições 70, 2000.

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WERNER, Jaeger. PAIDEIA: a formação do homem grego. São Paulo: WMF Martins Fon-
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WOLFF, P. Outono da Idade Média ou primavera dos novos tempos? Lisboa: Edições 70,
1986.

103
CONCLUSÃO GERAL

Olá alunos(as),
Chegamos ao fim do material de História Moderna. Aqui tivemos a oportunidade
de conhecer alguns pontos importantes sobre um período de intensa mudança no cenário
ocidental. Entre 1453 e 1789, um período relativamente curto, ocorreram transformações
decisivas que moldaram o mundo contemporâneo.
A necessidade real de um mundo cada vez mais colaborativo fez com que este
material fosse desenvolvido à 6 mãos. Três acadêmicos se reuniram e definiram os temas
a serem trabalhados de modo que se complementassem. O renascimento cultural e a
formação das monarquias nacionais foram as temáticas trabalhadas na primeira unidade
pelo Prof. Me. Herculanum Ghirello-Pires. Lá o professor discorre sobre a transição do
feudalismo para o fortalecimento do poder real culminando na constituição dos Estados
Nacionais absolutistas. Ainda nesta porção do trabalho a questão do renascimento cultural
e os desdobramentos alcançados por ele, como o humanismo, foi tratada de maneira pri-
morosa pelo mestre.
As reformas religiosas foram o tema da segunda unidade, que foi escrito pelo
Prof. Dr. Saulo Henrique Justiniano Silva. Nesta porção do trabalho, o professor tratou dos
antecedentes europeus da Reforma Protestante iniciada por Martinho Lutero. Ainda neste
capítulo tratou-se do desenvolvimento da Reforma Anglicana e Calvinista, além dos desdo-
bramentos do movimento católico conhecido como Contrarreforma, ou Reforma Católica.
A Era das Revoluções que culminaram com o iluminismo e as revoluções americana
e francesa foram tratadas nas unidades três e quatro pelo Prof. Me. Willian Carlos Fassuci
Larini. No capítulo três o professor tratou do Iluminismo e a influência deste na Independên-
cia dos Estados Unidos em 1776. Já na quarta e última unidade o autor tratou da Revolução
Francesa, a mais importante em termos de influência para o ocidente contemporâneo.
Longe de esgota a temática sobre Idade Moderna, esse material serve-nos como
base para pesquisas futuras, um gatilho para novas inquietações acadêmicas que poderão
culminar com investigações a nível especialização, mestrado ou doutoramento.
Muito obrigado!
Os autores.

104
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