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Universidade Estadual de Feira de Santana

Departamento de Ciências Humanas e Filosofia

Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado

FLÁVIO DANTAS MARTINS

AGROCAATINGA: FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA,


ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ESTRUTURA ECONÔMICA EM MORRO DO
CHAPÉU E XIQUE-XIQUE (1840-1920)

FEIRA DE SANTANA

2012

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Universidade Estadual de Feira de Santana

Departamento de Ciências Humanas e Filosofia

Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado

FLÁVIO DANTAS MARTINS

AGROCAATINGA: FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA,


ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ESTRUTURA ECONÔMICA EM MORRO DO
CHAPÉU E XIQUE-XIQUE (1840-1920)

Dissertação apresentada à Universidade


Estadual de Feira de Santana, como parte
das exigências do Programa de Pós-
Graduação em História para obtenção do
título de Mestre.

Orientador: Prof. Dr. Erivaldo Fagundes Neves

FEIRA DE SANTANA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – UEFS

2012

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Ficha Catalográfica: Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS

Martins, Flávio Dantas


M343a Agrocaatinga: formação da propriedade fundiária, organização social e
estrutura econômica em Morro do Chapéu e Xique-Xique (1840-1920) /
Flávio Dantas Martins. – Feira de Santana, 2012.
194 f.: il.

Orientador: Prof. Dr. Erivaldo Fagundes Neves


Dissertação (Mestrado em História)– Universidade Estadual de Feira de
Santana, Departamento de Ciências Humanas e Filosofia, Programa de
Pós-Graduação em História, 2011.

1. Historia social - Bahia - 1840-1920. 2. Historia econômica - Bahia -


1840-1920. 3. Historia agrária - Morro do Chapéu, BA - 1840-1920.
4. Historia agrária - Xique-Xique, BA - 1840-1920. I. Neves, Erivaldo
Fagundes. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Departamento
de Ciências Humanas e Filosofia. IV. Título.
CDU: 908(814.22) “1840-1920”

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AGROCAATINGA: FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA,
ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ESTRUTURA ECONÔMICA EM MORRO DO
CHAPÉU E XIQUE-XIQUE (1840-1920)

Flávio Dantas Martins

Data de avaliação: 08/03/2012

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Erivaldo Fagundes Neves (Orientador)

Universidade Estadual de Feira de Santana

Prof. Dr. Amílcar Baiardi

Universidade Federal do Recôncavo Baiano

Prof. Dra. Elisângela Oliveira Ferreira

Universidade Estadual da Bahia

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AGROCAATINGA: FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE FUNDIÁRIA,
ORGANIZAÇÃO SOCIAL E ESTRUTURA ECONÔMICA EM MORRO DO CHAPÉU
E XIQUE-XIQUE (1840-1920)
Flávio Dantas Martins

RESUMO:
Este trabalho inspira-se na metodologia da história agrária, no estudo da formação do
mercado interno a partir investigação dos homens livres que estabeleceram a pequena
propriedade da terra no Brasil e defende a existência de um campesinato na caatinga
baiana. Propõe o conceito de agrocaatinga para definir uma organização econômica em que
o camponês articulava os espaços da roça, do campo, da reserva e da feira para abastecer-
se. Estuda as denominações utilizadas na região ao longo da história, analisa as memórias
construídas por sertanejos acerca da história de seus ancentrais e a construção do
saudosismo literário enquanto componente de uma resistência camponesa a um processo
de modernização. Localiza a formação da propriedade da terra nos municípios de Xique-
Xique e Morro do Chapéu, nos séculos XIX e XX, no contexto da formação da
propriedade fundiária no Brasil. Discute a formação de uma economia com grande margem
de autoabastecimento e em contato com o mercado, suas crises, a importância da pecuária
e da cotonicultura para a fixação do campesinato e da borracha para a introdução de
relações capitalistas na região contrastando com a organização camponesa da agrocaatinga.
Baseia-se em fontes primárias como inventários pós-morte, testamentos, livros de compra
e venda, registros de terra, recenseamento, literatura, memórias e relatos de viajantes.

PALAVRAS-CHAVE: Camponês; Agrocaatinga; Pecuária; Policultura; Morro do Chapéu


- Ba; Xique-Xique – Ba

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AGROCAATINGA: LAND OWNERSHIP FOUNDATION AND ECONOMIC
STRUCTURE IN MORRO DO CHAPEU AND XIQUE-XIQUE (1840-1920)
Flávio Dantas Martins

ABSTRACT
This work is based on agrarian history methodology, in the study of the domestic market
formation from investigation about free men who established the small property in land in
Brazil and defends the existence of a peasantry in baiana caatinga. It proposes a concept of
agrocaatinga for define an economic organization that the peasant articulated with spaces
of the land, country, reserve and the fair to stock up himself. It discuss about the
denominations used in the region during the history, it analyzes built memories by
backcountry men about them ancestors memory and a construction of a literary
homesickness as a component of a peasant resistance against a modernization process. It
localizes the land ownership formation in the cities of Xique – Xique and Morro do
Chapeu, in the XIX and XX centuries, in the formation context of the land ownership in
Brazil. It analyses an economic formation with a high self-supply capacity and in contact
with the market, it crises, the livestock importance and the cotton cultivation for peasantry
setting and of the latex for an introduction of the capitalist relationships in the region
contrasting with the agrocaatinga peasant organization. It based on primaries sources
like post-mortem inventories, wills, buy and sell books, land registries, census, literature,
memories and travelers reports.

KEY-WORDS: Peasant, Agrocaatinga, livestock, Polyculture, Morro do Chapeu – Ba,


Xique-Xique-Ba.

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Dedico esse trabalho a
Avôs e avós falecidos nesta terra, Anália Araújo
Teixeira, Abdias Dantas Trindade, Rita Rocha
Machado, Antônio Roberto Machado, Joaquina
Alves de Miranda, Teodora Alves, Eurípedes
Miranda, Antônio Nunes Martins, Messias Nunes
da Gama, Ricardino Martins dos Anjos
Aos trabalhadores e trabalhadoras rurais da região
que lutam pela sobrevivência com dignidade na
terra
Capitu, Melissa e a todos os que, no futuro, farão
melhor que nós

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AGRADECIMENTOS

A realização desta pesquisa foi possível graças ao afastamento das atividades


profissionais permitida pela bolsa da CAPES. O apoio institucional da UEFS, em especial
dos funcionários do Colegiado do Mestrado em História, da BCJC e da Casa do Sertão.
Também agradeço ao Arquivo Público da Bahia, ao Fórum Clériston Andrade (Morro do
Chapéu), ao Fórum Conselheiro Luis Viana (Xique-Xique) pela preservação da memória
histórica e disponibilização para os pesquisadores.
Agradeço ao meu orientador Erivaldo Neves. Além da orientação competente,
as duas disciplinas e o tirocínio realizado com o professor foram de grande valor para a
redação desse texto e para o desenvolvimento profissional e científico. Também foram de
grande valor as leituras rigorosas, sugestões e críticas dos membros da banca examinadora
de qualificação e de defesa, Elisângela Ferreira e Amilcar Baiardi. Agradeço aos
professores Clóvis Oliveira e Jocimara Lobão, que debateram o tema no Seminário do
Mestrado e foram os membros suplentes da banca.
Nas disciplinas do mestrado, Rinaldo Leite e Ione Sousa discutiram versões do
meu plano de dissertação e Andréa Rocha contribuiu na discussão historiográfica. Jacques
Depelchin contribui com sugestões bibliográficas e com a insistência em não dissociar o
pensamento da ação. Elizete da Silva discutiu meu projeto na disciplina de Metodologia,
apenas prolongando o aprendizado e a amizade de três anos de aprendizado na iniciação
científica na graduação. Meus colegas Alécio, Adriana, Ricardo, Mariana, Glaybson,
Walter, Mayara, Daniela, Gilmara e Henrique proporcionaram um espaço excelente de
interlocução acadêmica.
Agradeço a Celito Regmendes, interlocutor permanente, socializou dados
inéditos de sua pesquisa. Jackson Ferreira compartilhou gentilmente fontes de sua pesquisa
sobre Morro do Chapéu, exemplo de solidariedade acadêmica. José Santana Neto me deu
uns atalhos importantes. Nena, funcionária no Fórum em Xique-Xique, permitiu o acesso
aos documentos que precisei naquele acervo. João Purcino, Leonellea Pereira
proporcionaram o contato com os manuscritos de Rigner e outros trabalhos sobre a região,
além de valiosas informações. Sandilla Machado descobriu um trabalho sobre a região
antes desconhecido. Os professores Valter, Alexandre e Edson, no Simpósio Nacional de
História Cultural, contribuíram com a discussão do tema.
No início do mestrado, quando ainda exercia minhas atividades profissionais
em Irecê, tive apoio irrestrito de Lígia Gomes, na Escola Coperil e de Regina Lima, no pré-
vestibular Visão, permitindo conciliar profissão e estudos.
Minha irmã Janaina e os companheiros Eduardo, Chicão, Florisvaldo, José
Nilton Jr. e Andreza, do Movimento Vicente Veloso, Chico Normando Dantas, Raimundo
Lopes e o pessoal do GPEC discutiram sobre agricultura e sobre o “nosso” movimento
camponês. “Podeis crer que há muito mais vigor no lirismo aparente, no amante Fazedor
da palavra, do que na mão que esmaga” (Hilst). Cláudio Rodrigues e o pessoal do Centro
de Assessoria do Assuruá discutiram algumas ideias sobre a questão agrária regional.
Em entrevistas realizadas para outros trabalhos foi possível conhecer mais
sobre a história regional. Agradeço aos meus entrevistados Valmir Rosa de Miranda, João
Luís Ferreira dos Santos (in memorian), Francisco Pereira Pontes (in memorian), Abdias

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Braz da Costa (in memorian), Manuel Irineu Machado, Isabel Carvalho Machado (in
memorian), Helena Carvalho Machado e Gileno Antônio Machado (in memorian).
“De tudo fica um pouco” (Drummond). Agradeço aos professores: Beto
Heráclito pelas aulas de teoria durante a graduação; a primeira leitura de um texto que
escrevi sobre borracha sertaneja, realizada por Rossine Cruz; as lições do saudoso Rogério
de Fátima; as críticas e sugestões do professor Eurelino Coelho, as riquíssimas sessões de
comunicação de dois seminários do LABELU. No LABELU, além da pesquisa de
graduação, apresentei um texto-germe do que seria esta investigação.
A preocupação com a história da agricultura na região foi bastante discutida
com companheiros da AEUSU, particularmente Savigny e Gleison. E como estaria aqui,
não fosse a luta da CEU-FSA, com Zé Roberto, Nilva, Geandro, Érica, Jéssica, Jardel,
Karen, Deisiane e Diego. Afinal, sem a “base material”, proporcionada pela organização
estudantil e pelas lutas por políticas públicas, os caminhos seriam diferentes.
Dividi ideias sobre literatura e memória com Eduardo. Fiz planos com Roberta,
em Irecê, em Uibaí, em Juazeiro e, por último, em Feira de Santana. Em Irecê, recebi o
incentivo permanente de Danila, Hanna, Nathyely e Rariza, assim de como de vários ex-
alunos. Dod me forneceu informações fundamentais sobre a serra e o rio Verde.
Minha mãe, Gilva, minha avó Maria, me ajudaram a desalinhavar as difíceis
teias familiares. Charlene corrigiu e criticou meus textos e foi fundamental na aprovação
na seleção. Regina, companheira, leu textos, me deu tempo para trabalhar e me impediu de
trabalhar para ter tempo de viver outras coisas. Meu pai, Nizan, meu avô, João, me
informaram sobre medições de terras, plantio e conflitos fundiários. Taiane e Daiane,
minhas irmãs historiadoras compartilharam fontes, perspectivas e dúvidas. A estes e à
minha enorme parentela sertaneja, devo as lições de caráter e os exemplos de luta por um
mundo melhor e por uma vida com dignidade, trabalho e alegria, nesta ordem.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 13
CAMPESINATO E MEMÓRIA 26
De lavrador a agricultor familiar 28
Memórias da terra 36
Passado como projeto 50
FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE NA 59
CAATINGA
Da sesmaria à lei de terras 65
A região da agrocaatinga 74
A formação da agrocaatinga da Serra Azul 79
A formação da agrocaatinga de América Dourada 97
Conflitos agrários: visões do direito de propriedade 109
HISTÓRIA ECONÔMICA: 125
ABASTECIMENTO E ESCASSEZ NAS
CAATINGAS
Pecuária 139
Algodão 150
A borracha sertaneja 154
CONSIDERAÇÕES FINAIS 171
FONTES E REFERÊNCIAS 174

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LISTA DE ABREVIATURAS

ABC – Associação Beneficente do Caldeirão

APB – Arquivo Público da Bahia

CONTAG – Confederação dos Trabalhadores da Agricultura

CAR – Companhia de Ação e Desenvolvimento Regional

CPT – Comissão Pastoral da Terra

EMATERBA – Empresa de Assistência Técnica da Bahia

FCA – Fórum Clériston Andrade

FCLV – Fórum Conselheiro Luís Viana

FUNDIFRAN – Fundação do Vale do São Francisco

GTDN – Grupo de Trabalho de Desenvolvimento do Nordeste

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PDRI - Irecê – Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado

PNSGMC – Paróquia Nossa Senhora da Graça. Morro do Chapéu

PSBXX – Paróquia Senhor do Bonfim. Xique-Xique

STTRU – Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Uibaí

STRPD – Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Presidente Dutra

SUDENE – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste

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LISTA DE GRÁFICOS, QUADROS E FIGURAS

Figura 01. Espaços econômicos da agrocaatinga .......................................... 23

Figura 02. Região de Irecê ..............................................................................81

Figura 03. Fazendas do vale do rio Jacaré ....................................................103

Gráfico 01. Preço da rês em Xique-Xique ....................................................148

Quadro 01. Produção da borracha seca Xique-Xique ...................................156

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INTRODUÇÃO

Os conceitos elementares da pesquisa são o de campesinato – e sua


suprassunção, o capitalismo agrário – e propriedade, elaborados num diálogo com a
história agrária franco-espanhola e a pesquisa da pós-graduação brasileira sobre história
agrária e história regional e local. Foi desenvolvida a categoria de agrocaatinga para
compreensão da rede econômica e social desenvolvida na região. A metodologia tenta
combinar as perspectivas hermenêutica e analítica de interpretação histórica, numa
perspectiva de identificar “os limites da apreensão subjetiva da realidade da vida humana
prática, assim como a precariedade da interpretação dessa realidade e sua
interpretabilidade” (RÜSEN, 2007). A partir de fontes como literatura, histórias de
famílias, inventários, testamentos, registros de terra, registros de compra e venda,
recenseamentos de propriedades e imprensa, espera-se contribuir na reconstituição de
processos como o povoamento, a produção econômica, as relações de trabalho, as
hierarquias sociais, os agentes econômicos, os regimes de propriedade e as cadeias
sucessórias.

Jean Meuvret classificou as formas de estudos do agro por historiadores


(CARDOSO, 1982). Uma história da agricultura, entendida num sentido estrito, seria a
história das ciências e técnicas da agricultura. A história agrária englobaria, por sua vez, a
pesquisa dos modos de posse, uso e propriedade do solo, claramente em consórcio com o
direito agrário. Uma história econômica do mundo rural preocupar-se-ia com questões
pertinentes ao abastecimento, produção, relações de trabalho, com forte intercâmbio com a
economia e a sociologia. Por fim, uma história da civilização rural atentaria a
especificidade do rural a partir da contradição campo-cidade, estando, portanto,
relacionada com a antropologia e a crítica literária.

A história agrária francesa apresenta diálogo intenso com a Geografia la


blacheana, de acordo com François Dosse, que recusava a apologética nacionalista e
propunha a análise crítica (DOSSE, 2004, p. 122-123). A Geografia tem centralidade na
história agrária. Para Maria Yedda Linhares não é possível uma história agrária que não
leve em conta a região (LINHARES, 1997). Marc Bloch destacava que um país pode
conter vestígios de civilizações agrárias que se opuseram no passado, mas que foram
capazes de conformar uma unidade, mesmo que ambígua, a partir da dinâmica histórica

13
(BLOCH, 1968, p. XI). Portanto, não é possível uma história agrária que não disponha de
algum diálogo com conceitos relacionados a espaço, região ou território.

Erivaldo Fagundes Neves apresenta o Direito Agrário como o diálogo


interdisciplinar fundamental para o historiador agrário. Ele estabelece como central a
análise dos conceitos de posse, uso e propriedade do solo (NEVES, 2005a). Esses três
conceitos são chaves para penetrar em relações sociais complexas das formas pelas quais
os seres humanos situados historicamente em uma determinada sociedade e em um
determinado Estado desenvolvem suas atividades ligadas a terra.

No Brasil, o debate sobre o mundo rural é quase tão antigo quanto o país.
Mas a chamada questão agrária, campo de discussão política e científica que discute o
mundo rural brasileiro, convencionalmente é datada em meados do século XX. Nelson
Werneck Sodré, na década de 1950, defendeu a existência do escravismo e do feudalismo
brasileiro (SODRÉ. 1961). Em perspectivas diversas, compartilhavam da tese de “restos
feudais”, Alberto Passos Guimarães, Moisés Vinhas e Carlos Marighella (CÂMARA,
1999).

A oposição veio implacável de sociólogos como Paulo Wright (WRIGHT,


2005), cientistas políticos como Rui Mauro Marini (MARINI, 2006), economistas como
Andre Gunder Frank (FRANK, 2005) e historiadores como Jacob Gorender (GORENDER,
2005) e Caio Prado Jr. O último em uma série de artigos publicados na revista Brasiliense,
depois reunidos em livro (PRADO JR, 1981), e em um livro de grande repercussão na
época, “A revolução brasileira” (PRADO JR, 1978), lançou uma série de argumentos
baseados em dados estatísticos e aporte teórico marxista para derrubar a tese de
feudalismo. Em seu lugar, o mesmo propunha a explicação de uma sociedade original
formada no colonialismo capitalista e propusera contra a revolução democrático-burguesa
preconizada por seus opositores, uma reforma nacional que estendesse ao campo os
direitos assegurados aos trabalhadores da cidade através da CLT. O historiador paulista,
porém, desprezou a agricultura camponesa e acreditava que a maior parte da população
rural no Brasil era composta por assalariados, termo que abrangia colonos, moradores,
meeiros, parceiros, arrendatários e exclui um número enorme de pequenos proprietários.
Gorender defendeu a existência de um “modo de produção historicamente novo”, o
escravismo colonial, pouco atento para o campesinato ou as formas de produção exteriores
à da monocultura escravista de exportação. Mais tarde, historiadores (PERRUCI, 1984) e

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sociólogos (OLIVEIRA, 2003) propuseram uma interpretação que levava em conta
múltiplas relações de produção subordinadas ao modo de produção capitalista na tentativa
de dar conta da complexidade das relações de produção estabelecidas na agricultura
brasileira. Tal discussão não foi exclusiva do Brasil. Na América Latina, vários intelectuais
defenderam a existência de uma etapa feudal na sua história (ARISMENDI, 2006),
criticado por outros (BAGÚ, 2006; MARINI, 2006). Na Europa e na América Latina,
historiadores, economistas e cientistas sociais debatiam o modo de produção, seja em
perspectivas teóricas ou a partir de estudos empíricos.

Outro controverso debate desse período, subjacente à discussão do modo de


produção, foi a respeito da existência ou não de um campesinato brasileiro. Introduzida no
léxico político pelos comunistas, camponês significava “situações distintas a se constituir
numa palavra para designar grupos mobilizados”, um “ator na cena política”, tendo a sua
antítese no latifundiário (MEDEIROS, 2007, p. 254). O PCB criou o Bloco Operário-
Camponês, com o qual disputou as eleições legislativas em 1929. Na década de 1950, a
imprensa designava como camponês o homem comunista do campo. No período ditatorial
iniciado em 1964, uma das primeiras palavras censuradas foi a de camponês. O regime
indicava o uso do termo “rurícola” para designar os trabalhadores, pequenos proprietários e
posseiros do campo.
Seu uso era polêmico também no debate interno do PCB. Alberto Passos
Guimarães afirma que “foram precisos três séculos de ásperas e contínuas lutas” realizadas
pelas “populações pobres do campo contra os todo-poderosos senhores da terra, para quem,
por fim, a despeito de tantos insucessos, despontassem na vida brasileira os embriões da
classe camponesa” (GUIMARÃES, 1969, p. 105). Guimarães afirmava que “a posse passa
à história como a arma estratégica de maior alcance e maior eficácia na batalha secular
contra o monopólio da terra”. Com a posse, a classe camponesa surgiria à margem e apesar
do latifúndio feudal que monopolizava a terra e só era possível a “pequena propriedade”
como “um produto da luta de classes, travada sempre em desigualdade de condições, entre
os camponeses sem terra e a classe latifundiária” (GUIMARÃES, 1969, 151). O
campesinato seria produto e sujeito do conflito em torno da propriedade. Equivocava-se
por apresentar o “latifúndio” como um bloco homogêneo de interesses, sem hierarquias
internas e, portanto, sem contradições, como estudos recentes revelam (MENDONÇA,
1997, 2006, 2010).

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Carlos Marighella tratava o trabalhador do campo como “colono”,
“arrendatário pobre”, “meeiro”, “terceiro”, “posseiro”. Acreditava que os “latifundiários e
latifundiários-capitalistas” estariam opostos à “grande massa de arrendatários pobres, os
semiproletários e o proletariado rural, toda a massa de camponeses pobres ao lado dos
camponeses médios e da burguesia rural” no problema da “posse da terra”
(MARIGHELLA, 1980, p. 20-30).
Moisés Vinhas1 dizia que a “principal contradição no campo é a que existe
entre a massa de camponeses sem terra e pobres – desejosos de acabar com o monopólio da
terra e com todas as modalidades da exploração pré-capitalista – e a classe dos
latifundiários”, estando subjacente a contradição entre “população rural” e “trustes norte-
americanos” (VINHAS, 1963, p. 122). O principal problema consistiria em destruir o
“monopólio do chão e os restos feudais ou pré-capitalistas nas relações de produção” com
destaque para o latifúndio. Em oposição a Guimarães, que o “surto da pequena
propriedade” tem “origem na crescente imigração de colonos europeus e japoneses” no
“Sul do País” pretendendo “crescente produção de gêneros para o abastecimento do
mercado interno” nas décadas de 1920 e 1930 (VINHAS, 1972, p. 34).
Caio Prado Jr sustentava a tese de inexpressividade de um campesinato,
entendido como “a exploração parcelaria da terra ocupada e trabalhada individualmente e
tradicionalmente por camponeses, isso é, pequenos produtores”, no Brasil. Para ele, um
campesinato seria necessário para justificar a tese de feudalismo brasileiro, pois “uma
economia camponesa” seria “a base em que assenta o sistema agrário feudal”. Não
existindo feudalismo no Brasil, portando, seria desnecessária a existência de um
campesinato. A economia camponesa no Brasil, segundo Prado Jr, se resumiria em “áreas
restritas”, “de expressão econômica” e demografia “relativamente reduzida” com
“formação posterior e recente”. Prado Jr afirmava que “uma economia camponesa”
constituiria “historicamente, no geral, a negação da grande exploração”, pois resultaria da
“decomposição e destruição da grande exploração pelo parcelamento da base fundiária”
(PRADO JR, 1978, p. 46). Prado Jr menosprezava o papel da pequena propriedade no
Brasil: a pequena produção seria “um setor residual da nossa economia agrária”,
predominando a “grande exploração rural” com “única exceção” na “colonização
estrangeira no sul do país”. Com a abolição, o trabalho escravo foi substituído por trabalho
livre, sem laços de servidão, em que ele figuraria como “força de trabalho a serviço do

1
O autor reviu sua posição no início dos anos 1980.

16
proprietário”, característico, portanto, do capitalismo. “Não se trata (...) de um camponês”
(PRADO JR, 1978, p. 45-47). Desse modo, Prado Jr discordava da existência de “restos
feudais”, entre eles, o camponês.
Paulo Cavalcanti negou que o campesinato fosse “uma massa rural fantasiada”
e criticou Prado Jr por não “analisar a forma pela qual se implantou o regime da
propriedade fundiária em nossa sociedade”, vista por ele, como marcada pela “grande
propriedade semi-feudal” (CAVALCANTI, [s.d.], p. 19). Cavalcanti atacou Prado Jr por
circunscrever sua análise apenas “às regiões mais desenvolvidas do País” e não ser capaz
de conceituar cientificamente certas características, chamadas de “espúrias”, mas que não
passariam de “sobrevivências feudais, não-capitalistas” (CAVALCANTI, [s.d.], p. 23).
Prado Jr seria incapaz de perceber a transferência – com adaptações – da legislação feudal
portuguesa para a colônia americana e não contrapor, armado de dados, a tese de
sobrevivência de “restos feudais” e não-capitalistas na sociedade brasileira de então, tal
como a “capangagem”, o poder privado dos grandes fazendeiros e as relações de trabalho
não-assalariadas no campo. No espaço da brochura, todavia, Cavalcanti não apresentou
grande contribuição aos estudos sobre campesinato, alinhando-se, no essencial, a Alberto
Passos Guimarães.
José de Souza Martins afirmava que o uso de uma “linguagem de classe”
camponesa “perturba os esquemas de interpretação, as posições partidárias, a lógica férrea
e enferrujada do economicismo desenvolvimentista” (MARTINS, 1986, p. 12). O
simplismo e o preconceito teriam dominado as interpretações a respeito da ação política
camponesa, muitas vezes classificada como “populistas”. Essa caracterização seria “parte
de uma conduta ideológica e política” que só deixaria lutas “às lutas camponesas o
caminho da alienação, do abandono, do misticismo, do banditismo” (MARTINS, 1986, p.
17). Dominariam, portanto, o “desconhecimento da vida e da realidade do camponês, e
sobretudo da história dos camponeses”, o que sobrevaloriza o “misticismo e ao
desconhecimento das formas peculiares do seu materialismo” (MARTINS, 1986, p. 31).
Martins diferencia as concepções de propriedade decorrentes do uso camponês e do uso
capitalista da terra, “terra de trabalho e terra de negócio” (MARTINS, 1986, p. 16).
Evidencia, portanto, uma visão do mundo camponesa, que é desconhecida dos cientistas
sociais brasileiros, vinculados que são a concepções economicistas, desenvolvimentistas e
partidárias.

17
Houve mudanças na compreensão da questão agrária no Brasil a partir dos
anos 1970, com a instalação de programas de pós-graduação em História nas universidades
brasileiras. Ciro Flamarion Cardoso, em texto metodológico pioneiro sobre história da
agricultura a entendia como uma história econômica, preocupada com as formas técnicas
de produção, base de relações sociais. O conceito de “economia camponesa” seria uma
“noção escorregadia” por tentar dar conta de realidades tão díspares quanto a França
revolucionária, o Egito antigo ou o Brasil escravista. Cardoso critica os critérios de
definição de Barrigton Moore Jr. que seriam a subordinação a uma classe latifundiária,
especificidades culturais e estabilidade na posse do solo2 e os do marxismo clássico que
entenderia o camponês como um modo de produção secundário subordinado a outros
modos de produção, cuja tendência seria a absorção paulatina e inexorável ao capitalismo.
Cardoso apresenta as propostas de Alexander Chayanov, elogiando sua elaboração “a
respeito do funcionamento da economia camponesa vista como um sistema econômico não
capitalista” (CARDOSO, 1982, p. 51). Na tentativa de balizar um conceito de camponês,
ele propõe uma definição econômica caracterizada pelo “acesso estável à terra”, pelo
“trabalho predominantemente familiar” que fundamenta uma “economia
fundamentalmente de subsistência” com um “certo grau de autonomia na gestão das
atividades agrícolas” (CARDOSO, 1982, p. 52).

Maria Yedda Linhares e Francisco Teixeira da Silva buscavam “ressaltar


alguns dos aspectos mais polêmicos” da “história da agricultura” no Brasil, sendo eles as
“ideologias que permeiam os trabalhos dos estudiosos (...) [d]as estruturas sócio-
econômicas do Brasil, as fontes e os métodos de análise” e a “questão da produção de
alimentos” no período colonial (LINHARES; SILVA, 1981, p. 13). Superado o debate
capitalismo-feudalismo, pois “as etiquetas pouco dizem de concreto”, Linhares e Silva
propuseram a periodização da história da agricultura a partir das crises de abastecimento
(LINHARES; SILVA, 1981, p. 17). Num quadro de concentração fundiária, desigualdade
social e crise agrícola, setores conservadores na década de 1960 encontraram a saída na
modernização da agricultura, na busca da produção de alimentos a baixo custo com
liberação de mão-de-obra para a indústria e superávit na balança comercial para

2
Textualmente “é impossível definir a classe dos camponeses com precisão absoluta, pois nos limites as
distinções confundem-se na própria realidade social. Uma história prévia de subordinação a uma classe
superior proprietária, reconhecida e reforçada pelas leis, que, contudo, nem sempre proíbem a saída dessa
classe, distinções culturais nítidas e um grau considerável de posse de facto da terra, constituem as principais
características distintivas da classe camponesa” (MOORE JÚNIOR, 1975. p. 141).

18
financiamento da importação de bens de produção com a finalidade de industrializar a
economia brasileira (LINHARES; SILVA, 1981, p. 60). A respeito das fontes e
metodologia, Linhares e Silva apresentam alguns recursos de pesquisa. Na tentativa de
criar uma tipologia de fontes para a pesquisa em agricultura no Brasil, chamam atenção
para a inadequação de qualquer encaixe das fontes em especialidades, pois, “o documento
classificado tecnicamente como demográfico, por exemplo, pode ser, e geralmente é, de
grande utilidade ao historiador da economia ou da sociedade” (LINHARES; SILVA, 1981,
p. 93). Existiriam documentos que são i) “diretamente referentes à estrutura fundiária”, ii)
“fontes para o estudo das estruturas sociais”, iii) “fontes de natureza econômica e política e
institucional”, iv) “documentação de tipo tradicional” como relatórios oficiais, atas e falas
de governadores.
O campesinato no Brasil teria surgido à revelia da estrutura jurídica já que
“inexistia qualquer aparelho de vigilância ou repressão que impedisse a ocupação intrusiva
de terras virgens” (LINHARES; SILVA, 1981, p. 130). Dando continuidade ao debate
sobre um protocampesinato escravo e corroborando com as teses de Ciro Cardoso, os
autores insistiam na autonomia e estabilidade de um protocampesinato escravo que surgiu
no escravismo brasileiro. Ao lado da brecha camponesa existiria na “margem do
latifúndio” “todo um segmento de produtores profundamente vinculados a este” que lhe
servia. Contraria, assim, uma tradição historiográfica brasileira que negava “a pequena
produção familiar” que recusava conceitos como “camponês, aldeia ou (terra) comum” por
não possuírem relação com a realidade, como já havia afirmado Sérgio Buarque de
Holanda (LINHARES; SILVA, 1981, p. 134-135).

Maria Yedda Linhares fez um balanço da história agrária no Brasil em


meados dos anos 1990. Apoiando-se nas diretrizes metodológicas de Ernest Labrousse,
comentou as dificuldades encontradas para expansão desse campo de pesquisa, haja vista
que no fim dos anos 1980, houve abandono da “velha” história econômica e social que se
comprometia “com uma perspectiva da totalidade, da diacronia, dos cortes e recortes
conjunturais e estruturais” (LINHARES, 1995, p. 80). Os objetivos da equipe, de acordo
com a Linhares, passavam por “mostrar a face oculta da lua, a outra face do país, que não
produzia para enriquecer e, sim, para sobreviver”, elegendo “como temas centrais de
interesse a análise a estrutura fundiária e sua evolução, os sistemas de uso e posse da terra”
(LINHARES, 1995, p. 81). Novas pesquisas de Francisco Carlos Teixeira da Silva, João
Ribeiro Fragoso, Manolo Florentino, Hebe Mattos, Sheila de Castro Faria, entre outros,

19
investigando diversos Estados da federação, levaram à frente o trabalho de “história
regional” que remete à “totalidades mais amplas” que levam à rever e valorizar “o conjunto
da historiografia brasileira” comparando “diferentes realidades e experiências históricas”.
Ela considera comprovada pelas pesquisas a tese de que “coube à pequena lavoura de
subsistência ocupar a terra, desbravar e povoar e, na maioria das vezes, abrir espaço para a
grande lavoura” (LINHARES, 1995, p. 83). Também comprovaram que o trabalho escravo
e o arrendamento marchavam juntos com a mandioca, o milho, a roça de subsistência, o
gado de pequeno e médio porte na abertura de mercados internos e no abastecimento dos
núcleos urbanos e das fronteiras que partiam de Salvador e do Rio de Janeiro rumo ao Sul
e à África. Afinal de contas, destaca Linhares, o “sistema de sesmaria nunca chegou a
impedir um mercado de terra nem a prática do arrendamento que permitia a expansão das
culturas e dos mercados” (LINHARES, 1995, p. 85-87).

Atualmente, a história agrária tem pela frente o desafio de incorporar a crítica


que o neoprodutivismo, a agroecologia e a permacultura (BAIARDI, 1998) realizaram ao
paradigma do produtivismo, hegemônico no período da chamada “revolução verde” em
meados do século que procurava modernizar o campo e a produção de alimentos. A
emergência do turismo rural3 transformou o significado que o campo possuía durante
muito tempo e lentas transformações estão em processo. O Estado contemporâneo cria o
agricultor familiar através de políticas, subsídios e estabelece a agricultura como uma área
estratégica, reforçando as peculiaridades da agricultura e afastando a hipótese passada de
transformação desse setor em uma esfera da indústria (ABRAMOVAY, 2007). Também
passa pelo desafio de incorporar novas fontes, como as memórias e a história oral, de modo
a resgatar o sentido que os camponeses atribuem à sua própria história (SEVILLA
GUZMÁN; GONZÁLEZ DE MOLINA, 2005).

A partir da memória, da historiografia, da pesquisa arquivista em fontes


diversas e da observação da paisagem da região foi desenvolvida a categoria de
agrocaatinga para designar a dinâmica econômica e espacial de um conjunto de
comunidades camponesas em determinadas regiões dos municípios de Xique-Xique e
Morro do Chapéu. Distinto de outras regiões econômicas, como a do garimpo de carbonato
no povoado Ventura, do ouro na Lavra do Gentio, do diamante de Santo Inácio do Assuruá
e Chapada Velha e suas economias agrícolas e comerciais de entorno, ou da economia
3
Na região em estudo, as fazendas do século XIX, Vacaria, Água Quente e Tareco são atualmente balneários
frequentados por turistas.

20
pecuarista-mercantil do vale do São Francisco, a agrocaatinga é produção camponesa com
características de combinação de pecuária, policultura de autoabastecimento, artesanato de
tecidos, manufatura de farinha, comercialização de excedente. O autoabastecimento é
determinado pelo isolamento de estradas, pelo meio ambiente e pelas características da
economia regional, combinada com produção para comercialização de excedente e
aquisição de bens que não podem ser produzidos na fazenda camponesa, como
combustíveis, armas, ferramentas, etc. Essas regiões de agrocaatinga foram vias
alternativas de formação de um modo de produção camponês com uma tecnologia própria,
produzida nos experimentos agrícolas no semi-árido, distante e distinto da agricultura de
vazante do vale do rio São Francisco e da agricultura de brejos da Chapada.
Este trabalho analisa a origem e desenvolvimento de um modo de produção
camponês e os regimes de propriedade em duas agrocaatingas em duas regiões
estabelecidas ao longo da investigação. A primeira, chamada de serra Azul, localizava-se
no município de Xique-Xique e compreende fazendas no “pé” da referida serra com água
doce de riachos permanentes e os povoados que se abasteciam em aguadas, lagoas,
tanques, cacimbas e caldeirões de suas proximidades. Na encosta da serra estavam
Laranjeiras, Poço, Boi Carreiro, Olho d’Água, Canabrava4, Riacho d’Areia, Traíras,
Riacho Largo e Fazendinha. Nas caatingas estavam Caldeirão, Quixabeira, Gameleira, Gia,
Canoão, Roça de Dentro5, Lagoa6, Campo Formoso, Grama, Fazenda Brasil, Água Clara,
Matinha, Zumba, Sapecado, Queimadas, São Gabriel7, Santo Euzébio, Pontal, Maxixe,
Recife e Chapada8. A agrocaatinga de América Dourada é composta por fazendas à
margem norte do rio Jacaré e as da caatinga que com elas possuíam intensa relação:
América Dourada9, Várzea dos Bois, Lapa Grande, Volta Redonda, Canal10, Canabrava do
Miranda11, Angical, Achado, Itapicurú, Bruacas, Lapão12, Angicos, Mocozeiro, Coãzal,
Caraíbas13, Recreio, Boa Sorte, Lagoa das Éguas, Lagoa Nova, Lagoa dos Patos, Tanque,
Tanquinho, Recife dos Cardosos, Rochedo14, Bom Jardim e outros.

4
Depois sede do município de Uibaí
5
Depois sede do município de Central
6
Depois sede do município de Presidente Dutra
7
Depois sede do município homônimo
8
Depois sede do município de Jussara
9
Depois sede do município homônimo
10
Depois sede do município de João Dourado
11
Depois sede do município de Canarana
12
Depois sede do município homônimo
13
Depois sede do município de Irecê
14
Depois sede do município de Ibititá

21
A economia de uma agrocaatinga combinava quatro lugares: a roça, o campo, a
reserva e a feira. Na roça, espaço primordial, eram cultivados os produtos da alimentação,
o algodão utilizado no artesanato de tecidos rústicos ou pouco elaborados e a mandioca,
matéria-prima da manufatura de farinha e tapioca. Podiam dividir-se em culturas úmidas,
desenvolvidas nos brejos, nas beiras de lagoas e nas regiões cujo relevo favorecia o
escoamento e acúmulo de água e culturas de sequeiro, que produziam no período de
chuvas, mais adaptadas à caatinga. O uso da terra de roça é privado e não foi incomum o
cercamento para proteção em relação ao gado e seu tipo característico é o lavrador, não
sendo estranha a presença feminina, sobretudo das famílias mais pobres. O campo é o
pasto natural da caatinga para os vários tipos de criação, terra que é propriedade privada,
mas utilizada coletivamente pela agrocaatinga. Esse uso coletivo era aberto para familiares
e indivíduos incorporados pela comunidade. O tipo característico do campo é o vaqueiro,
atividade majoritariamente masculina. A reserva é a região de mata, caatinga ou vegetação
mais próxima do cerrado em determinadas regiões, de uso coletivo, localizada em terrenos
de propriedade privada ou terras devolutas. Dela, extraíam-se diversos recursos,
fundamentais para a manutenção dos camponeses da agrocaatinga. Por fim, a feira,
localizada em vilas e povoados com algum desenvolvimento comercial, localização
privilegiada e densidade demográfica significativa, era um espaço econômico, cultural,
político e de intensa sociabilidade. Nela, os camponeses vendiam seus produtos, com
destaque para gado, couro, farinha e cereais. Aí obtinham aquilo que não eram capazes de
produzir como ferramentas e as tão comuns máquinas de costura Singer movidas a força
manual. Os jovens que se destinavam a essas feiras para vender e comprar mercadorias
para família não deixavam de passar pela casa de conhecidos nos caminhos para pedir
água, dar e receber notícias e namorar moças. Em momentos excepcionais como durante a
grande produção de borracha ou quando o algodão alcançava bons preços, ou mesmo
famílias que dispunham de grande quantidade de gado, não era estranho que caatingueiros
dispensassem as atividades de roças e adquiriam esses produtos no mercado.
O uso de recursos disponíveis e as práticas agrícolas na caatinga formaram uma
tecnologia relativamente diferenciada e implicou novas adaptações, em especial para
aqueles que migraram de regiões serranas, brejeiras ou ribeirinhas. A adaptação dos Pereira
Machado, Pereira Rocha, Ferreira dos Santos ou Pires Maciel levou algum tempo. Já as
famílias Cardoso, Dourado, Nunes e Marques aplicaram suas culturas trazidas do Alto
Sertão nas terras de América Dourada.

22
Figura 01. Espaços econômicos da agrocaatinga

Na agrocaatinga a combinação entre campos, roças, reserva, feira e as casas de


farinha em povoados e algumas vilas, formaram um todo interdependente. Os povoados
mais interiores às caatingas, em regiões com menor recurso de água, dependiam, para
lavagem de roupas, abastecimento humano e animal, no período seco do ano, da água
fornecida por aqueles mais favorecidos. A água dos riachos e lagoas era de uso coletivo
onde era mais abundante, mas quando escasseava era motivo de conflitos. Homens com
rebanhos e mulheres com trouxas de roupas se deslocavam várias léguas em busca de
fontes de água doce. Era comum também a transumância entre vilas úmidas e fazendas nas
caatingas, como acontecia em Canabrava, Olho d’Água e Riacho d’Areia.
Os arraiais de maior densidade demográfica estavam no topo da hierarquia e
concentravam os aparatos comerciais e políticos, cumprindo o papel de intermediário nas
hierarquias com as vilas mais importantes como Jacobina, Morro do Chapéu e Xique-
Xique. Canabrava do Gonçalo e Lapão são exemplos de povoados que sediaram as feiras
nas primeiras décadas do século XX. Também era nesses povoados que ocorriam as
manifestações religiosas, como as desobrigas, casamentos, batizados, missões, confissões e
outros ofícios realizados pelo pároco, que transitava os sertões oferecendo parca e cara
assistência religiosa. Daí ser bastante generoso dizer que as práticas de cura, reza, ervas e

23
rituais são “católicas”, sem mencionar a raridade do sacerdote oficial e a autonomia dos
povoados mais distantes. A partir de 1903, também temos cultos protestantes em povoados
e vilas como Canal, Traíras, Caraíbas, Gia, Lapão, Talhado, Gaza, Mandacaru, entre
outros, com predominância dos presbiterianos e, em menor grau, dos batistas.
Durante o século XIX foram instaladas nas agrocaatingas de América Dourada
e Serra Azul unidades econômicas familiares camponesas baseadas num regime de
propriedade que combinava propriedade titular, posse, uso privado de roças e coletivo do
campo e da reserva, entendido aqui que o uso coletivo podia ser limitado aos parentes,
ainda que a relação de parentesco pudesse compreender os laços não-consanguíneos. As
principais atividades econômicas eram a pecuária e a policultura de autoabastecimento.
Essas agrocaatingas conviveram com o mercado e necessitavam dele. Todavia, durante o
século XX, o processo de cercamento de terras, o fechamento dos campos abertos e a
destruição da caatinga para a expansão da cultura de cereais desarticulou essa forma de
produção. O fim da reserva e do campo para pecuária, o uso privado em detrimento do uso
coletivo das terras e a privatização dos recursos hídricos desequilibraram uma relação
construída secularmente. As agrocaatingas foram destruídas e em seu lugar surgiu uma
economia de agricultura moderna, mecanizada, que levou à concentração fundiária,
proletarização da população rural e a inviabilização do microfundiário que, privado da
reserva e do campo, obrigado a adquirir no mercado o que outrora tinha acesso na caatinga.
Destaca-se que agrocaatinga não tem equivalência ou relação com agrofloresta e que a
produção era predatória, ainda que numa escala menor que a agricultura comercial que lhe
substituiu.
Circunscreveu-se à região de caatingas que corresponde à caatinga central, ao
sudeste do município de Xique-Xique e aos distritos de Caraíbas e América Dourada, em
Morro do Chapéu, posteriormente nos municípios de Irecê, América Dourada, João
Dourado, Lapão, Ibititá, Uibaí, Presidente Dutra, São Gabriel, Central e Jussara, também
conhecida como platô de Irecê. Situada numa altitude de 500 a 800 metros, com relevo
suave ondulado com pluviosidade entre 400 e 800 milímetros, solos rasos e férteis, devido
à existência de calcário.
O período abordado inicia em 1840, já que é quando os registros mais antigos
confirmam ocupação camponesa não-indígena, encerrando em 1920, data de um
recenseamento de estabelecimentos agrícolas que foi amplamente utilizado, mas também é
o primeiro ano de uma década que presenciou intensas transformações na região estudada,

24
tais como a emancipação do município de Irecê e a elevação à categoria de vila de alguns
núcleos habitacionais, assim como a intensificação da luta política entre jagunços, chefes
locais e coronéis de projeção estadual, o estabelecimento de novas famílias, a passagem da
Coluna Prestes na região e a intensificação da cultura comercial de algodão e de fumo.
Tais transformações exigiriam novas pesquisas que extrapolam a problemática. O período
relativamente longo, de 80 anos, justifica-se pelo objeto abordado, a dinâmica econômica
agrária, em que as transformações são mais perceptíveis em prazos maiores. A exclusão de
Tiririca, arraial importante de Xique-Xique e presente na caatinga, ocorreu pelas
dificuldades em inserir uma nova rede familiar, uma caatinga diferenciada pela
proximidade com o rio Verde, com novas especificidades. Tal justificativa também se
aplica para Canarana.
Esta dissertação divide-se em três capítulos, mais introdução e considerações
finais. Em “Campesinato e memória”, trata-se das denominações comuns aos trabalhadores
rurais da região em estudo e seus significados. Também buscou-se a análise da memória
sobre a região, suas características e a relação estabelecida por um grupo de intelectuais da
região com sua ancestralidade e com matrizes discursivas sobre o sertão.
No capítulo “Formação da propriedade na caatinga”, apresenta-se um estudo
sobre a origem e formação do regime de apropriação do solo na região, com uma
introdução teórica, uma abordagem historiográfica da transformação do direito agrário
ibérico e brasileiro. A seguir, analisa-se historicamente a origem da propriedade na região
estudada, a ocupação de fazendas, a formação de núcleos habitacionais e as relações
estabelecidas nesse meio. Encerra com uma abordagem dos conflitos fundiários que
deixaram vestígios na região e a possibilidade que existe em lê-los como possuidores de
visões distintas de um direito de posse da terra.
No capítulo “História Econômica: abastecimento e escassez nas caatingas”,
aborda-se a produção diversificada de cereais e outros produtos voltados para o
abastecimento da comunidade e suas relações com o mercado, a relação estabelecida com o
flagelo das estiagens, o desenvolvimento da pecuária na região, seus aspectos econômicos
e culturais, a cotonicultura regional e a produção de borracha a partir da maniçoba no
início do século XX. Encerra com uma síntese teórica-histórica da relação entre economia
camponesa e economia mercantil, como antagônicas, mas unificadas, formando uma
“unidade na diversidade” (MARX, 2011, p. 54).

25
CAMPESINATO E MEMÓRIA

Este capítulo inicia com uma periodização da história regional. A seguir,


analisa-se algumas denominações dadas aos sujeitos em estudo, tais como lavrador,
pequeno produtor, agricultor familiar, caatingueiro e trabalhador rural e sua emergência na
história. Partindo da síntese da história regional, analisa-se a produção da memória e a
incorporação ou não de matrizes do discurso sobre o sertão na interpretação dessa história.
Podemos classificar o processo de formação social e ocupação territorial das
agrocaatingas de América Dourada em Morro do Chapéu e da Serra Azul em Xique-Xique
em cinco fases
a) Pioneirismo (1840-1870). Ocupação dos brejos, vales do rio Jacaré e dos
riachos da serra Azul, origem das primeiras fazendas e de unidades
camponesas familiares de produção baseado na pecuária e policultura de
autoabastecimento, estabelecendo, porém, laços com o mercado regional,
com destaque para o comércio com as Lavras Diamantinas, Ventura e o
negócio do gado.
b) Consolidação (1871-1904). A produção camponesa avança sobre as
caatingas, ocorre expansão demográfica, intensificam os conflitos
fundiários e continuam as ligações com o mercado interno. O campesinato
na região é marcado pela predominância do trabalho familiar, pela
autonomia produtiva, pelo autoabastecimento e pela ausência de
especialização profissional.
c) Presença de capital comercial 1904-1945. Acumulação de capital e
desenvolvimento político e administrativo. Elevação para categoria de
distrito de Caraíbas (1910), América Dourada (1915), Canabrava do
Gonçalo (1929), Central (1934) e Rochedo (1927) (LEÃO, 1994, p. 19).
Surgimento do extrativismo da borracha, da agricultura comercial do
algodão, exportação de banha de toucinho, expansão da manufatura de
rapadura dinamizam o mercado regional. Período marcado por convulsões
políticas, saques e invasões. A produção camponesa consolida-se e entra
em crise. A produção agrária de valor leva à produção mercantil simples,
ampliando necessidades e desintegrando aspectos coletivistas da produção
camponesa e da organização social baseada na família e na rede de

26
povoados. “Somente com o desenvolvimento de uma economia de troca e
monetária a direção perde seu caráter qualitativo” (CHAYANOV, 1981, p.
137).
d) Capitalismo agrário e direção do Estado (1945-1980). Período marcado
pela intervenção estatal com abertura de estradas vicinais, rodovias, poços
artesianos, escolas, luz elétrica e subvenção do tri-consórcio das culturas
comerciais de feijão-milho-mamona eliminando as terras comuns da
pecuária e convertendo camponeses em agricultores, fatores que levam à
divisão social do trabalho, à concentração da propriedade com
favorecimento do médio estabelecimento, à formação de um mercado de
trabalho assalariado, a uma nova fase de emancipações municipais, como
Central (1956), Uibaí (1961), Ibititá (1962), Presidente Dutra (1962) e
Jussara (1963), processo de urbanização e migração que expulsam
camponeses da região e atraem trabalhadores diaristas que poucos
permanecem e outros com perfil de ocupação urbana (DUARTE, 1963;
WILKINSON, 1986; CAR, 2002). É a realização de uma “modernização
conservadora” (MOORE JÚNIOR, 1975) ou de uma transformação
capitalista da agricultura pela via prussiana (LENIN, 1982). Também
podemos chamar de contrarreforma agrária na medida em que a produção
camponesa é destruída com a introdução de um capitalismo agrário de
pequenos estabelecimentos cercado por uma margem camponesa que
fornece força de trabalho e produtos.
e) Irrigação e diversificação das atividades comerciais e de serviços (1980-
atual). Fatores como a desertificação, a queda da produtividade da terra, a
concorrência e o fim do subsídio estatal ao tri-consórcio, causam uma séria
crise econômica, gerando emigração, fome, desemprego e suicídios
(CUNHA NETO, 2006). Um novo modelo, baseado na diversificação
econômica com destaque para o setor de serviços (LEÃO, 1994), além do
fortalecimento da irrigação de pinha, beterraba, cebola, cenoura, banana,
etc. e da pecuária extensiva (SOBRINHO, 2007) consolidam Irecê como
um pólo comercial regional. Os nefastos efeitos ambientais da ausência de
qualquer medida de preservação que não reservas isoladas e de uma
política de modernização agrícola sentem-se na destruição de nascentes,

27
comprometendo os rios Verde e Jacaré, no desgaste dos solos (PAIVA,
2010), na crise de abastecimento de água da Barragem Manoel Novaes
(Mirorós) e na queda de produtividade agrícola na agricultura de sequeiro.
As crises de abastecimento foram amenizadas com a ampliação do serviço
público, motivada pela maior participação do Estado e pela criação de
novos municípios na região na segunda metade dos anos 1980, como São
Gabriel, América Dourada, João Dourado, Lapão e Itaguaçu da Bahia, com
a aposentadoria rural e com a criação e ampliação de programas sociais do
governo federal.
A cada momento, temos a transformação dos sentidos e das identidades
atribuídas e apropriadas pelos sujeitos rurais da região. Particularmente interessa-se por ela
na medida em que elas expressam sentidos e significados em disputa numa luta de morte
entre duas formas de produção, uma camponesa e uma capitalista.

De lavrador a agricultor familiar


Quando necessário, para finalidades judiciais, era generalizado entre os
primeiros moradores da Serra Azul e de América Dourada o uso do termo “lavrador” para
identificação, especialmente, mas não só, masculina. Inquéritos judiciais, autos de partilha
e inventário, processos-crime, estão repletos de momentos em que os primeiros moradores
dessa região, ao longo do século XIX, se identificavam como “lavradores” ou que “vivia
da lavoura e criação”1. O Brasil era um país da lavoura e o termo designava a todos os que
viviam da terra, sem distinção entre donos de pequenas roças ou grandes produtores de
mercadorias com uso de trabalho alheio, escravo ou não, ainda que estes grandes
lavradores também fossem denominados fazendeiros ou negociantes. Sem especificidade
classista alguma, sem referencia territorial, esses primeiros lavradores ainda não eram
homens da caatinga e lutavam contra ela. Seus filhos, netos e bisnetos, nascidos e criados
naquele meio, com ela se identificaram certamente com mais facilidade. Também se
observa que os termos “barranqueiros”, “beiradeiros”, “serranos”, “ribeirinhos” ou
“brejeiros” não aparecem na documentação, mas isso não significa que eles não fossem
utilizados. Apenas indica que o ambiente judiciário não comportava tais informalidades.

1
APB. Judiciário. Processo-crime. Jonatas Pereira da Rocha. FCA. Inventário de Maria Francisca da Silva
Dourado. 1896.

28
Ainda usado na região, o termo lavrador faz parte de um pensamento com
características de fisiocracia, pois, “Sua Excelência, o Lavrador” possui o “poder
descomunal da Agricultura” e está “produzindo para o País”, mesmo que “sofrendo,
gemendo, chorando, cansando, sorrindo, xingando” (DUARTE, 1978, p. 28).
É possível notar certo desprezo com que jornais como “O Progresso”2, “A
Ordem”3 e “A Luz”4, de Xique-Xique tratam essas regiões de “caatinga” nas décadas de
1920 e 1930. A caatinga permanecia ausente até que uma seca prolongada expulsava
aqueles selvagens de uma face cadavérica e de um estômago vazio. Xique-Xique, com sua
ipueira soberba em pescado, com seu rio pujante de ilimitada capacidade de dar de beber
aos mais numerosos rebanhos conseguiu aplacar a fome de alguns flagelados de 1932, que
saíam das caatingas – sem água para gado e sem chuva para lavoura – e iam à vila atrás de
trabalho e de esmolas. É razoável supor que em 1932, a seca reproduziu alguns aspectos
das grandes secas do século XIX. Talvez essa seca fosse mais grave pelo crescimento
demográfico que a caatinga presenciou na segunda metade do século XIX e nos trinta anos
do início do século XX. A caatinga seria o lugar da estiagem e dos flagelos periódicos e o
rio e a vila eram portadores de sua remissão com o peixe, a esmola e a diária. Contudo, as
estiagens foram amenizadas pelo desenvolvimento dos transportes e comunicações, que
reduziram a distância espacial e temporal.
Padre Heitor Araujo afirmava que de “sertão a sertão, há diferenças e
divergências” e que, nas caatingas, “a vastidão das terras, as distâncias agravadas pela falta
de comunicações e transporte, fazem do sertanejo beiradeiro, como eu, um surpreendido
(ARAÚJO, 1953, p. 12)
As terras mais próximas aos rios, em Xique-Xique, eram as mais privilegiadas,
as mais caras e onde menos morria, por falta de alimento, sua gente e seu gado. Os
beiradeiros, ribeirinhos ou barranqueiros, portanto, desprezavam com superioridade e
condescendência aos catingueiros.
Em Morro do Chapéu, a disputa ganhou tons políticos eleitorais. O
agrupamento que, nas décadas de 1910 e 1920, do coronel Dias Coelho e seus herdeiros
políticos denominavam pejorativamente os seus adversários, dos distritos catingueiros de
América Dourada, Caraíbas e Canarana, de “memés”, uma referência ao bramido dos
bodes. “O nome do grupo também era um pejorativo dado pelos opositores, aludindo aos
2
O Progresso, Xique-Xique, ano I, n. 01, 9.ago.1936
3
A Ordem, Xique-Xique, edições n. 01-18 de 24.jul.1931-12.dez.1931
4
A Luz, Xique-Xique, edições n. 01-25 de 14.fev.1932 a 28.ago.1932

29
bodes brancos largamente criados nas áreas de caatinga pedregosa” (SAMPAIO, 2009, p.
57). O fato de a vila ficar encravada no meio da caatinga não foi capaz de formar um
“catingueiro” tal qual em Xique-Xique, mas a urbanidade e o clima “europeu” foram
sempre destacados como elementos de orgulho da identidade local (CUNEGUNDES,
1976). O frio e o rio civilizavariam.
Ainda, porém, é discurso exterior. São as vilas chamando de caatingueiros os
munícipes dos grotões. A adoção do termo pelos próprios fica mais evidente na literatura
do início do século XX. Um conjunto de poemas da primeira metade desse século,
difundidos por meio da oralidade, são uma riquíssima fonte para a história da cultura
dessas regiões.
No “ABC do Boi Bargadinho” de Firmino Serra Grande o “boi catingueiro” é
selvagem, arisco e indomável. Firmino Serra Grande era comerciante entre Xique-Xique,
Guigós, Canabrava, Tiririca e o vale do Rio Verde, no qual possuía fazenda. A narrativa
apresenta um “garrote catingueiro” que arma peripécias contra os vaqueiros Aquiles,
Gasparino, e Marcolino Forte, este último fazendeiro da família José da Rocha. Os mesmos
perdem o animal “por falta de um ferrão”. Já no “ABC da maniçoba”, Firmino dá um
significado distinto de caatingueiro. Nesse poema, ele é o lavrador, trabalhador da roça,
que apresenta algumas características como o sustento da família e a solidariedade. O seu
oposto, o trabalhador da borracha, é egoísta, faminto e preguiçoso. Os tempos ruins em que
“o orgulho é demais / faz desconhecer os seus / toma café e não oferece / esses irmãos não
são meus” são marcados pela grande quantidade de “capangueiro” e “poucos catingueiro”.
Wilson Lins, de Pilão Arcado, parece concordar com os catingueiros ao acusar
os ribeirinhos de donos de uma “displicência sardônica” causada por sua proximidade com
um rio provedor que o desobriga do trabalho estafante, ao contrário do trabalho da lavoura
no ambiente hostil da caatinga que exige uma capacidade hercúlea de trabalho (LINS,
1983, p. 107). O rio recompensaria o pouco trabalho do homem sem ambições. A caatinga,
periodicamente, castigaria a todos. É preciso destacar que Lins não problematiza a
resistência ao trabalho – a preguiça – como uma recusa em submeter-se à intensa
exploração ou como um preconceito contra determinados grupos sociais. Afinal, um grupo
constrói sua identidade numa relação de alteridade e negação do outro e, frequentemente,
as características do “outro” são baseadas em preconceito.
Os literatos que se identificam como caatingueiros estabelecem algumas
características que os particularizam. A paisagem com os umbuzeiros, “símbolos do

30
Nordeste”, cujas folhas antecipam a estação chuvosa “nunca falham” e anunciam a
“ressurreição da Caatinga, o renascimento da esperança que (...) move o homem rude e
bravo” (CARNEIRO, 2006, p. 92). O caatingueiro seria sempre viril, ainda quando suas
peculiaridades se manifestam nas mulheres: “Dona Rosa trazia no sangue a arrogância dos
desbravadores do sertão e a valentia descomedida dos caçadores de índios e escravos”
(CARNEIRO, 2001, p. 26). Apegado à tradição, mascava caroço de umburana e “gozava
de saúde física invejável” (CARNEIRO, 2006, p. 93). Não se abalaria com as dificuldades
que o tempo hostil traria à agricultura. “O sertanejo, apesar de acostumado com perdas,
mais uma vez alongava o pescoço observando o céu sem nuvens. Não cruzaria os braços
para perecer de fome” (CARNEIRO, 2001, p. 107). Lutadores, os catingueiros seriam um
povo singular e resignado, o que aparece como uma virtude frente aos vícios do
consumismo exacerbado. “O povo que habita o baixo médio São Francisco é diferente.
Aprendeu a se conformar com pouco” (CARNEIRO, 2006, p. 108). Apesar de rude e
rústico, tem seu lirismo. O “nosso Sertão Catingueiro” tem “cheiro e gosto de poesia”
(PAIVA, 2011, p. 95) por ser rico em imagens como um “violeiro tocando / numa viola de
fita”, o “cuscuz amanteigado”, “umbuzeiro no roçado”, “cheiro de invernia” e o “cochilo
numa esteira” (PAIVA, 2011, p. 11-13).
O padre Araújo, conhecedor dos sertanejos em suas desobrigas, não o
idealizava. Seria comum na região da diocese da Barra, da qual fazia parte a freguesia
Senhor do Bonfim de Xique-Xique, a “mesquinhez da hospitalidade”, mas também não
faltavam virtuosos. Mesmo num “amigo da cachaça” era possível encontrar “o
companheiro ideal para varar os matos, com habilidade polimorfa de arrieiro, picador,
rastejador, cozinheiro, investigador” que usa “facão de cortar carne seca, de desgalhar
árvores” (ARAÚJO, 1953, p. 28). À “sombra de um patriarcado austero, às vezes um
elemento feminino”, floresceria uma “religiosidade bem orientada” e mesmo há arraiais
“sem amasiado”, “nenhum filho espúrio, nenhum casal separado, comunhões unânimes de
ambos os sexos” que “são o paraíso dos sacerdotes que querem ver a Igreja Católica em
seu lugar nas almas” a exemplo de “uma viúva do Boi Carreiro (Xique-Xique)” (ARAÚJO,
1953, p. 29). Porém, não seria incomum encontrar “pais de numerosa prole espúria”,
homens polígamos, “uniões incestuosas entre pai e filha”, moças pintadas, “namoro
desenfreado, deslizes de casada, raparigas desenvoltas”, ou mesmo a presença de 900
conterrâneas entre as 1.500 prostitutas do garimpo do Rumo em Xique-Xique. “No recesso
das caatingas (...) a malícia viceja em toda parte” (ARAÚJO, 1953, p. 51-52).

31
Sem dúvida, a decadência de Xique-Xique – devido ao declínio do comércio
fluvial articulado ao ferroviário, da mineração e da pecuária – e a ascensão de Irecê como
centro regional, graças à agricultura comercial, ao rodoviarismo e à modernização
capitalista da agricultura, modificaram essa cultura e dissolveram bastante dessa
consciência “caatingueira”. Novas identificações vieram à tona. As vilas ribeirinhas se
tornaram sinônimo de atraso e decadência, a caatinga foi devastada e o Estado com suas
políticas disseminou múltiplas denominações. Além disso, a urbanização de Irecê facilitou
a formação de uma visão social de mundo urbana (LEÃO, 1994; NEVES; DIAMANTINO,
1984).
O programa Pólo-Nordeste, patrocinado pelo Banco Mundial, implementado
nas décadas de 1970 e 1980, na região a partir do Projeto de Desenvolvimento Rural
Integrado – Irecê (PDRI – Irecê) objetivava o fortalecimento da produção agrária
comercial de base familiar (WILKINSON, 1986, p. 33) e trouxe a categoria de pequeno
produtor para o léxico regional. Essa categoria ocultava o proletariado rural que era
minifundiário e traz implícita a ideia de que as clivagens sociais existentes no campo eram
uma gradação baseada na extensão da propriedade. Desse modo, além de pequeno
produtor, também era bastante utilizado o conceito de “pequeno agricultor” (PHILLIPS,
1985. p. 9).
O Pólo-Nordeste priorizava o médio produtor e estimulava a contratação de
mão de obra assalariada (WILKINSON, 1986, p. 31). As experiências de associativismo
entre “pequenos produtores”, uma das ações do programa, ignoravam a solidariedade
camponesa pré-existente baseada em laços de parentesco que excluía forasteiros. Desse
modo, o programa fracassou ao tentar empreendimentos coletivos em comunidades
virtuais, quando as comunidades reais dissolvidas ou em processo de decomposição frente
à intervenção estatal no favorecimento da economia comercial. Também não levava em
conta que a monetarização da economia também levou a quantidade para o “primeiro
plano” e solapou as preocupações com a “qualidade” (CHAYANOV, 1981, p. 137). A
subordinação da pequena produção à agroindústria através do crédito não consolidou a
pequena produção, mas criou-lhe uma instabilidade e uma dependência em relação ao
crédito, ao atravessador e ao mercado (WILKINSON, 1986, p. 196).
As iniciativas promovidas pela EMATERBA, além de sugerirem uma nova
identificação, a associava a novas formas de produção através de “oportunidades,
orientações, cursos, encontros” (DUARTE, 1978, p. 29). Todavia, essas “oportunidades”

32
estavam abertas para aqueles produtores que tivessem “acesso ao Crédito Rural”, fossem
“receptíveis à adoção de novas tecnologias”, tivessem mais de 45 hectares, usassem
“tração mecânica” para preparo de solo e “tração animal” para plantio, “inseticidas”,
realizasse colheita manual, beneficiamento mecânico e armazenasse fora da propriedade
(EMATERBA-EMBRAPA, 1980. p. 9). Desse modo, a assistência técnica estava voltada
para médios proprietários que abandonassem práticas tradicionais e adotassem as modernas
com o objetivo de produção para o mercado.
Mesmo mudanças no sistema tradicional das medidas foram implantadas pelos
técnicos da EMATERBA, metrificando-os. Anteriormente, dez palmos (0,22 metros
aproximadamente) correspondiam a uma braça (2,22 metros aproximadamente). Com um
pedaço de madeira no tamanho de uma braça, media-se a tarefa com 30 braças, com
aproximadamente 4.900 metros quadrados. Os técnicos da EMATERBA mantiveram a
nomenclatura de tarefa, mas a reduziram para 4.000 metros. O crédito e a “transferência de
tecnologia” (EMATERBA-EMBRAPA, 1980. p. 9) estava a serviço da promoção da
agricultura comercial e contrária à produção familiar. E a categoria de pequeno produtor
era uma das instrumentalizações disso.
Embora o PDRI – Irecê tenha introduzido o léxico do pequeno agricultor ou
produtor, o conceito de identificação utilizado de forma mais ampla, concorrendo com
lavrador a partir dos anos 1970, foi o de trabalhador rural. Sem dúvida, isso ocorre em
função do sindicalismo rural, mais presente no cotidiano dos trabalhadores do que foi a
EMATERBA. A aposentadoria rural a ele associada também exerce função mais relevante
que a assistência técnica esporádica, ao menos na perspectiva do beneficiário.
Em 1972, na região de Irecê, teve início o pagamento da aposentadoria rural
para o homem com mais de 65 anos. Às vezes, mesmo “passando fome”, dizendo,
jocosamente ou não, que era “um jogo para levar os velhos para os frigoríficos dos
jumentos em Minas Gerais” havia casos em que “o homem de 65 anos da roça (...) dizia
aceitar o benefício”5. Os velhos estavam bem informados, já que no interior de Minas
Gerais funcionava um frigorífico de muares, equinos e assininos que exportava para o
Japão. A recusa também se manifestava na resistência ao crédito por parte de alguns desses
adeptos do “carrancismo”, designação do dialeto regional sinônimo pejorativo de atrasado
ou arcaico. Haja vista que termos como “atraso” e estagnação não explicam processos que
são “complejo e dinámicoo, com multiplicidad de respuestas y también com múltiples

5
MACHADO, Pedro da Rocha. Biografia. Uibaí: datilog., 8. set. 2004. p. 6

33
protagonistas” (CONGOST, Rosa; PLANAS, Jordi; SAGUER, Enric; VICEDO, Enric,
2010. p. 217). Carrancismo pode ser ressignificado como resistência baseada na tradição,
rebelde e contrária à nova sociedade (THOMPSON, 1988), visto que o “tradicionalismo
(...) era uma forma de luta de classe” (KULA, 1979, p. 65). O “medo de dever” (PAIVA,
2009, p. 37) dos camponeses da caatinga está relacionado a uma noção de independência e
de provimento pelo homem da casa que trabalha o bastante para “não comer do governo”.
O poeta camponês Dimas Pereira Rocha é quem diz que “não devo em banco / vivo
sossegado” (ROCHA, 2002b, p. 16). O caso de Uibaí é interessante. O ex-prefeito e então
vereador Pedro da Rocha Machado foi ao Instituto Nacional da Previdência Social em
Barra e se informou que o programa de aposentadoria rural, o Fun-Rural, que cobria sua
cidade estava sediado em Irecê. O chefe do Fun-Rural foi levado a Uibaí, às custas do
então prefeito Domingos Machado, atendeu 64 “velhos” e em 30 dias “todos receberam
dinheiro”6. O vínculo entre a aposentadoria rural e a filiação ao Sindicato foi se
estreitando, favorecendo a predominância do conceito de Trabalhador Rural na região.
Os sindicatos de trabalhadores rurais tem início em 1954 com a mobilização do
Partido Comunista Brasileiro no campo (COSTA, 1996. p. 1), que monopolizou sua
organização até o final da década. “Em 1958, já existiam 1.552 sindicatos e 67 federações”
(GARCIA, 2007. p. 22). Em 1962 foi criada a CONTAG que ainda distinguia quatro tipos
de trabalhadores no campo: lavoura, extração, pecuária e administração. O PCB
reivindicava um sindicato por município (COSTA, 1996, p. 95-96), proposta implementada
posteriormente pelo Ministério do Trabalho durante o regime civil-militar. Abandonando a
nomenclatura oficial de “rurícola”, destinada pela propaganda do regime a concorrer com o
“camponês” de uso esquerdista, o governo brasileiro reconheceu os sindicatos de
trabalhadores rurais e implementou a aposentadoria rural para “conferir e reconhecer
direitos sociais (...) dar abertura a uma maior participação política da classe trabalhadora
por meio de (...) sindicatos (...) a forma de inclusão encontrada pelo Estado para legitimar-
se no poder” (GARCIA, 2007, p. 68).
Uma assembleia de 23 de dezembro de 1973 no Sindicato dos Trabalhadores
Rurais de Uibaí estabeleceu um arrecadador das mensalidades atrasadas, que ganharia 20%
do recolhido, e definiu o prazo de 30 dias para desfruto dos benefícios e um prazo de três
meses de inadimplência para cortá-los. Segundo os presentes “os Trabalhadores Rurais

6
MACHADO, Pedro da Rocha. Op. cit. p. 1

34
estão procurando o Sindicato em hora de necessidade”7. Esses “benefícios” eram diversos,
desde bolsas em escolas particulares, consultas médicas, remédios, até uso de máquinas,
doação de sementes, entre outros. O sindicato rural consistia numa espécie de auxílio-
mútuo, muito característico de contextos em que há declínio da solidariedade tradicional,
seja na forma da horizontalidade camponesa ou na verticalidade senhorial, e surge um
contexto de formação de um mercado de trabalho assalariado. Os sindicatos rurais não são
assistencialistas – por que essa relação pressupõe um assistido e um benfeitor e os caixas
são formados por contribuições coletivas – e também não são organizações dos
trabalhadores. Eles são espécies de órgãos do Ministério do Trabalho – uma ampliação do
Estado – geridos por trabalhadores rurais e apropriados por eles para finalidades de auxílio
mútuo. Todavia, não se pode desprezar o papel que conselhos paroquiais, times de futebol,
clubes recreativos e outras entidades exerceram como formas de organização coletiva dos
trabalhadores.
O declínio do mutirão, cada vez “mais raro” (DUARTE, 1978, p. 29), e de
outras formas de solidariedade camponesa, como o empréstimo de ferramentas de trabalho
ilustra o declínio da agrocaatinga camponesa e o avanço de uma nova organização social,
que no meio rural baseia-se no antagonismo da pequena produção comercial de base
familiar e o mercado de trabalho assalariado. Em poema da primeira metade do século,
Virgílio Bié Machado menciona o compartilhamento de bruacas para colheita do milho
entre vizinhos como algo corriqueiro
Seu Francisco
não agradeça minha visita
por que eu não vim lhe visitar
só vim apanhar suas bruaca
pra carregar meu milho
que os priquito tão pra acabar

Virgílio Alves Machado, apelidado de Bié, nasceu em 1885, no povoado de Canabrava.


Casou-se com Ana Pereira de Carvalho com quem teve quinze filhos. Camponês, possuía
roças na fazenda Canoão. Faleceu em Canabrava, em 1946, vítima de febre tifo contraída
numa peregrinação a Bom Jesus da Lapa. Seus versos são conhecidos da memória popular
regional.
Essa contradição entre proprietários e proletários e as características da
economia regional solapam a organização coletiva a partir de reivindicações características

7
Livro de Atas do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Uibaí. F. 5

35
do movimento de assalariados e dificulta a organização cooperativa de coletivos
camponeses. A diversidade de nomenclaturas expressa essa ausência de identidades
coletivas unitárias que permitam movimentos reivindicatórios. Lavrador, trabalhador rural,
pequeno produtor, agricultor familiar – conceito inserido através do Estado quando da
promoção do Programa Nacional da Agricultura Familiar – tem dificuldades de se
organizarem e raramente o fazem na região com autonomia.
Todavia, a organização de determinadas comunidades, a partir de iniciativas da
Fundifran, no final dos anos 1970, levaram a resultados duradouros, não sem contradições.
Notáveis são casos, como a Associação Beneficente do Caldeirão, em Uibaí, entidade de
associativismo rural que existe há três décadas, num povoado marcado por clivagens
sociais e raciais, mas que apresenta uma produção diversificada baseada na produção
familiar, na conservação de aspectos tradicionais e na adoção de insumos tecnológicos e
demonstram que há um padrão intermediário de produção e de organização comunitária,
em que mercado e família coexistem.

Memórias da terra
Uma tipologia privilegiada de fonte para a história agrária é a memória
histórica, um gênero literário cultivado nas cidades da região estudada. Entende-se por
memórias os escritos com pretensões de história local que são realizados por intelectuais,
entendido aqui como sistematizadores da visão social de mundo de determinados grupos
sociais (GRAMSCI, 2002), sem formação de historiador e com ausência de recursos
teóricos e metodológicos próprios da investigação histórica, pelo menos na forma como é
praticada na pós-graduação acadêmica, até escritos de memórias pessoais, registros
familiares, geralmente, abordando temáticas ligadas à infância. Estes escritos permeiam o
trabalho na história da propriedade, na narrativa das lutas políticas e mesmo como fonte
qualitativa para história econômica. Mas sem dúvida, o forte desse tipo de fonte é a
abordagem do cotidiano, da família, do local e da cultura.
O conceito de memória foi extrapolado para poemas, corografias (NEVES,
2002) e genealogias que apresentam uma narrativa ampla do passado local e regional.
Algumas referências importantes para a formação da memória sobre o catingueiro são
Geraldo Rocha e Wilson Lins, escritores de Barra e Pilão Arcado. O poeta Dimas Pereira
Rocha, do povoado de Jurema de São Gabriel, foi selecionado por apresentar um discurso
poético de elaboração do passado catingueiro e confrontação com o presente moderno e

36
negativo. Para analisar a história familiar que enxerga Irecê como um lugar-família foram
importantes os discursos do jurista Hermenito Dourado e do genealogista Adélio Dourado.
No romancista de Uibaí, Enoch Carneiro, o passado caatingueiro compõe a paisagem de
narrativas e elaborações textuais. Por fim, há a tradição de história local que começa com
os manuscritos de Rigner Carneiro da Silva, de Central, passando pelo estudo de Adão de
Assunção Duarte, até chegar aos trabalhos de Antonio Machado Souza e Osvaldo Alencar
Rocha sobre história de Uibaí. O último é, o melhor articulador literário desse gênero
denominado saudosismo literário8.
São características do saudosismo literário: a consideração do sertão-caatinga
como lugar matricial de origem das famílias, cidades e povos abordados pelo autor; a
instauração ficcional de um passado catingueiro idealizado como ponto de partida para
uma história; o elogio dos antepassados, vistos como guardiões da moral, do trabalho e da
luta, motivo de orgulho e necessários de resgate para servirem de referências para as novas
gerações; a ambiguidade do progresso que traz alguns benefícios materiais, à “civilização”,
mas é um destruidor dos valores qualitativos do passado, portando elementos positivos e
negativos. Acrescentam-se as condutas exemplares dos antepassados e riquezas que os
inventários pós-morte não confirmam. Em alguns, a idealização do passado é tamanha que
há “utopia como nostalgia”, pois o retorno ao passado não é “concretamente possível”
(HOBSBAWM, 1998).
Em diversos momentos da pesquisa, surgiram contradições entre a narrativa
dos memorialistas e as fontes primárias. Porém, o objetivo não é desmentir esses autores
ou recuperar a verdade. O passado que eles “inventam” não é ficcional por ser falso
(SOARES, 2009. p. 138), mas por ser um discurso inovador que resgata elementos
anteriores e os sintetiza com interesses do local – ou pelo menos daquilo que o autor
acredita que seja. Por que em um determinado momento da história, intelectuais oriundos
de uma determinada região sertaneja se preocuparam em escrever sua história? Por que
eles deixaram de se identificar com os discursos existentes sobre o sertão e sentiram a
necessidade de criar o seu? Em que inovaram e em que sofreram influências de outros
autores, especialmente os que trataram do sertão?
O significado de sertão é controverso, palavra cercada de “obscuridade
etimológica”. “Portadora de grande carga de sentidos históricos, geográficos, sociológicos
8
Uma lacuna a ser preenchida é a análise de autores como Jackson Rubem e Adalvo Nunes Dourado que
estão mais próximos de um deslumbramento pela “Irecê, futura metrópole” (RUBEM, 1999; RUBEM, 2004;
DOURADO, [s.d.]; DOURADO, 2000).

37
e antropológicos” (NEVES, 2007. p. 9), sertão é uma das categorias mais recorrentes no
pensamento social e na elaboração cultural, particularmente no semiárido da posterior
região Nordeste, associado à pecuária.
A produção de uma literatura nostálgica é coerente com um contexto de rápida
urbanização, industrialização e destruição do campesinato. Na região de Irecê, a produção
cultural é marcada pela nostalgia, pela migração e pela crítica do progresso. O romancista
uibaiense Enoch Carneiro diz que em Hidrolândia, a exemplo de “várias povoações”, por
volta da “metade da população migrou para São Paulo” e a “Vila Bonita, terra de
cachoeiras fartas” ficou marcada pela “solidão e tristeza”. Alguns “partiam chorando de
saudade”, outros “saltitantes” de alegria (CARNEIRO, 2006, p. 77). Também diz que a
ditadura inchou “grandes cidades” com os “colonos expulsos do campo numa verdadeira
reforma agrária pelo avesso” (CARNEIRO, 1991. p. 107). O poeta uibaiense Pita Paiva
recorda o tempo em que “nos oitão, a família reunida à tardinha / pra receber visitas de
prosa mansa” com “causo de onça / e de boi brabo e encaretado / de aventureiros valentes”
(PAIVA, 2011, p. 93).
Com ambiguidade, tecem a crítica do progresso. Dimas Rocha lamenta que não
existiria “mais honestidade, respeito chegou ao fim” e denomina ironicamente “o povo
‘evoluído’” que permitiria que “o homem documentado” seja “protegido por lei” mesmo
um “pistoleiro, ladrão ou sequestrador”. O “padre deixa a batina” e viveria na “amancebia”
(ROCHA, 2002a, p. 13). O personagem Haroldo, no romance “A última trincheira”, de
Enoch Carneiro, “se tornara um bicho estranho à cidade onde nascera” pois “não se
adaptara ao desenvolvimento” (CARNEIRO, 2006 p. 32). Na região, o “progresso surgira
de repente, com tratores acorrentados virando a mata pelo avesso” violentando a terra
(CARNEIRO, 2001 p. 98). O “Banco do Brasil jogava toneladas de dinheiro para irrigação
e envenenamento da terra” objetivando a “concentração de terra e capital” a “serviço da
casta burguesa” (CARNEIRO, 2001, p. 98-99). Também as “lojas gigantes” de “donos
desconhecidos” eliminavam “centenas de biroscas iguais a de seu Totonho” (CARNEIRO,
2001 p. 98). O “riacho Canabrava, não corria mais no meio da rua (...) já fora destruído
pelo homem” (CARNEIRO, 2001, p. 25). O desenvolvimento capitalista empobrecia
materialmente o povo, despersonalizava as relações, envenenava a terra, destruía a mata,
estranhava os homens que conservavam as tradições e eram exilados no passado, além de
expulsar outros para São Paulo.

38
Hermenito Dourado foi advogado, deputado, juiz federal, professor e orador.
Em alguns discursos, sistematizou aquilo que é uma versão de senso comum sobre sua
família, ou pelo menos a parte dela que reivindica9. Confunde a história dos Dourados com
a história de Irecê10. A região é apresentada como uma terra fértil, prodigiosa, ao mesmo
tempo que hostil e difícil. Uma visão da natureza como meio a ser explorado traz o elogio
do progresso da mecanização e da tecnologia: em discurso na Assembleia Legislativa, em
1958, elogiava a estrada encascalhada que escoava a “grande produção cerealífera” e a
“construção de uma fábrica de produtos suínos”, compondo um “panorama magnífico” em
que há “terras revolvidas e rasgadas pelas máquinas” (DOURADO, 2010, p. 104).
A família Dourado seria avessa à violência política. “Família de camponeses,
família de lavradores, nunca teve jagunços”. Os Dourados creem no Direito, “tradição dos
moradores daquela zona” (DOURADO, 2010, p. 106-107). Prova disso foi o saque
promovido em 1921 pelo Delegado regional. Sendo “tradição da minha família”, de acordo
com Hermenito, recusar a violência e “repelir o direito da força”, foi usada a via de um
recurso pedindo ao Estado o ressarcimento dos prejuízos causados pela força pública
(DOURADO, 2010 p. 107). Os Dourados “elegeram a gravata em lugar da espada”
(DOURADO, 2010, p. 174).
A família Dourado também possuiria como “princípio”, segundo Hermenito, o
trabalho honesto. “Na venda de garrotes para engorda, nas matas de Mundo Novo (seu
mais rendoso negócio), sempre repunha em favor do comprador os que morriam na viagem
anterior” (DOURADO, 2010, p. 173-174). A paz estaria coerente com aqueles que
“fincaram os primeiros mourões (...) que abriram as primeiras roças e as primeiras picadas”
(DOURADO, 2010, p. 174). Reivindicando a memória de Faustiniano Lopes, Aristides
Rodrigues Moitinho e os professores Bernado e Júlio Lopes de Leão que não eram da
família, mas compartilhavam o espírito pacífico, laborioso e valorizador da educação,
Hermenito extrapola o conceito e diz que “Dourado era todo aquele que elegeu o trabalho,
a paz e a educação como bens supremos para a vida” (DOURADO, 2010, p. 178). Não
faltam as comparações preconceituosas dos líderes dos Dourados com a suposta ignorância
de chefes de vilas vizinhas (DOURADO, 2010. p. 204).
Adélio Dourado faz um breve e conciso estudo de história política na
apresentação de sua genealogia de seis gerações da família Dourado. Esta, seria composta
9
Hermenito gostava de destacar que seu avô, Aristides Rodrigues Moitinho, era oriundo de Lençóis, mas
considera que ele representava os valores de um “Dourado”.
10
Há discursos e palestras de Hermenito reunidos em DOURADO, 2010.

39
de “lavradores e pecuaristas” teria exercido uma “papel relevante no desbravamento das
caatingas” (DOURADO, 2003,. p. 9) que formaram a região de Irecê. O autor, que fala em
nome da família, se identifica com o meio em que a mesma se desenvolveu: a “nossa
caatinga”. Uma relação sentimental e antagônica, já que uma cresce às expensas da outra:
“das caatingas restam (...) raras lembranças” (DOURADO, 2003, p. 9).
A gênese atribuída à família é portuguesa e patriarcal. Estaria em Mateus
Nunes Dourado, português do Porto que recebeu terras do “Governador da Província da
Bahia” para se estabelecer em Jacobina e lá “fixou residência” “atraído pelas minas de
ouro”. Casado com Joana da Silva Lemos11, teriam tido um “único varão”, José da Silva
Dourado que, após casar-se com Maria Custódia teria tido um filho homem, João José da
Silva Dourado que se tornou depois o “velho patriarca”( DOURADO, 2003, p. 11). A
sucessão é sempre masculina e o precioso nome dos patriarcas é que prevalece. Não há o
elogio da mestiçagem típico dos euclidianos: a passagem é sóbria e branca. É recorrente
em outros escritos, a referência a uma das antecedentes da família, avó paterna do
“patriarca” João José, a “mameluca” Nazária, que seria “filha de português com preto”.
Bento Garcia Leal (LA BANCA, [s.d.]. p. 2), um dos maiores latifundiários de seu tempo
no Alto Sertão da Bahia (NEVES, , 2011b, p. 269), seria o pai de Maria Custódia, sogro de
José da Silva Dourado e avô do “patriarca” João José. Para ocultar a mestiçagem da
família, também se ocultou o antepassado mais abastado que ela possuía.
João José Dourado seria “muito rico e abastado fazendeiro”, “latifundiário” e
possuía “fascínio pelo ouro”. “Não é, pois, por acaso, que eram ‘Dourados’” (DOURADO,
2003, p. 11). Seus descendentes – ou cônjuges – que atingiram a chefia do município do
Morro do Chapéu são enumerados com orgulho: Antônio Lourenço Seixas Jr. (1889-1891),
Herculano Dourado (1893-1897), Faustiniano Lopes Ribeiro, Luiz Riela de Carvalho
(1951-1954), Wilson Dourado Lima, Aliomar da Rocha Soares e Edgar Dourado Lima
(DOURADO, 2003, p. 12-13).
A seguir, Adélio Dourado faz uma narrativa das lutas políticas que levaram à
emancipação de Irecê. Aparece então o grande herói da história-família, Teotônio Marques
Dourado Filho, Tiózinho, é sempre o homem da justiça e do direito – tal qual em
Hermenito Dourado. Com as duas eleições paralelas ocorridas em 1924, Tiózinho
“recorreu à Comissão de Recursos Eleitorais do Senado da Bahia” (DOURADO, 2003, p.
11
Provavelmente, irmã de Eugenia da Silva Lemos, casada com o português José de Souza Bessa, natural de
São Vicente, Bispado do Porto. APB. Judiciário. Jacobina. Inventário e Testamento de José de Souza Bessa.
1842.

40
15). O autor não isenta o candidato dos Dourados de crítica: “os vícios de que padecia a
eleição do Prof. Faustiniano [candidato apoiado pela família] eram os mesmos que
poderiam invalidar a eleição” do adversário. Mesmo os vinte soldados enviados para
Morro do Chapéu pelo coronel Terêncio Dourado para “garantia da ordem” e da “paz
pública”. Em 1925, Faustiniano Lopes “derrotou nas urnas o candidato da oposição”. Para
evitar “conflito armado” a “solução política” foi emancipar Caraíbas que “seria o
Município dos Dourados” e “ficando o Município de Morro do Chapéu (...) sob a liderança
de Antônio de Souza Benta” e finalmente “estabeleceu-se a paz entre o novo e o velho
município” (DOURADO, 2003, p. 17). O autor é amante da paz e da ordem, minimiza os
conflitos e ressalta as virtudes pacifistas e conciliadoras dos líderes.
A seguir, o autor apresenta um pouco da narrativa político-administrativa do
município de Irecê, cuja história e sucesso se confunde com a da família, cuja “liderança
(...) perdurou por mais de meio século”. Enumera os vários prefeitos, sendo que dos 16,
nove são “descendentes do patriarca João José da Silva Dourado”. E conclui, orgulhoso:
“reconheçamos, sem falsa modéstia, Irecê é o que é graças ao trabalho e dedicação da
Família Dourado” (DOURADO, 2003, p. 22-23). Observa-se que Família é sempre
grafado com maiúscula, enfatizando sua importância.
No capítulo II, Adélio apresentou os “destaques” da família. O “fundador de
Canal”, João Dourado seria o “verdadeiro pioneiro do Presbterianismo na Região”. O
“primeiro médico”, Ângelo de Castro Dourado, militante político no Rio Grande do Sul. O
“notável escritor” Valdomiro Autran Dourado, vencedor do Prêmio Goethe e do Prêmio
Camões, traduzido no exterior e escritor canônico e “dele muito se orgulham os
descendentes do patriarca João José da Silva Dourado”. Herculano Dourado, intendente de
Morro do Chapéu no final do século XIX, “o mais respeitado líder” graças à “sabedoria”,
seria o “primeiro líder dos Dourados”. O coronel Terêncio Dourado, chefe da Polícia
Militar nos governos Seabra e Góes Calmon, “soldado exemplar”, “sempre esteve presente
em todos os episódios em que estivessem em jogo os interesses da Família” (DOURADO,
2003, p. 24-26).
Teotônio Marques Dourado Filho, “maior expressão política da Família
Dourado”, possuiria “invejável equilíbrio, inquebrantável força de vontade e ilimitada fé
na força do direito”. Aqui, sem dúvida, está o maior destaque da família, para o autor,
pelas suas virtudes políticas excepcionais. Liderava “uma Família (...) de lavradores e
pecuaristas, que em lugar das armas de fogo usava a enxada e a foice, o machado e o facão,

41
para amanho da terra”. Enquanto seus adversários respaldavam o poder “na cabroeira de
jagunços”, Teotônio “apelava para os poderes constituídos e protestava por meio da
imprensa”. “Ele nunca precisou das armas como argumento para superar os desafios que a
política lhe impunha” (DOURADO, 2003, p. 24-26). Vê-se mais uma vez, temos a
valorização da ordem institucional, do Estado de Direito e do pacifismo. Enquanto a
maioria dos escritores sertanejos destacam seus heróis pela valentia, para Adélio Dourado
o valor é atribuído à paciência e à atitude cordial e ordeira.
Dimas Pereira Rocha (1925-1991) era camponês e poeta. Viveu em Jurema dos
Rocha – naquilo denominado de agrocaatinga da Serra Azul, pela ligação familiar entre os
Machados Rochas, e deixou alguns cadernos manuscritos com poemas. Além disso, era
repentista e violeiro. Acredita-se que ele compartilhava aspectos das visões de mundo de
seus contemporâneos.
Os antepassados são centrais no pensamento de Dimas, que aconselhava: “não
fale mal do passado”. Lembrava que seu “pai era um homem pobre / honesto e
trabalhador” e “sempre morou lá no mato”. Em virtude disso, “era analfabeto”, entretanto,
“não era exibido / escondia o seu valor”. “Montava em burro brabo / até onça ele matou /
pegava cobra de mão”. Corajoso, forte, destemido, seu pai não tinha “medo”. “Garrote com
quatro anos / pela perna segurou” (ROCHA, 2002b, p. 11). De São Gabriel, Dimas
lembrava “seus fundadores / Lourenço Rocha e Antônio Pereira” (ROCHA, 2002b, p. 8).
Os seus antepassados demarcaram o espaço do sertão. No poema “As cidades do sertão”
ele dizia que “a primeira é Uibaí / a pátria do meu avô / a segunda é Pê Dutra / povo bom e
trabalhador” (ROCHA, 2002b, p. 11). A simplicidade do modo de vida não retirava a
grandiosidade do “patriarca” que “apontava” “na estrada”, descalço e com “laço de couro”.
Sua marca era a coragem. Era um “valente caboclo” e “quando a pintada / atacava a
criação / saia com seu cachorro / por nome de Lampião” para matar a onça e proteger o
gado (ROCHA, 2002b, p. 27-28). Desgostoso com o que fizeram com a casa de farinha de
seus avôs paternos, lugar em que se realizava “a desmancha da mandioca” vista pelo autor
como uma “beleza!”, que se tornou “venda de cachaça / que eles tanto odiou” (ROCHA,
2002b, p. 22).
O contato com a natureza era um fator de orgulho e distinção. Seu pai “não era
civilizado” (ROCHA, 2002b, p. 11). Assim o autor também se definia: “amo o meu sertão /
não tenho inveja / do civilizado” (ROCHA, 2002b, p. 16). Dimas lembrava que nasceu
“numa casa de cavaco”. Amava a natureza, o “cantar da passarada” e o canto alegre do

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sabiá (ROCHA, 2002b, p. 12). Também sentia saudades do “som choroso / era o aboio
melodioso / do famoso Turiá” (ROCHA, 2002b, p. 28), “aboios que tanto me
emocionavam” (ROCHA, 2002b, p. 8). A natureza era musical para o poeta, especialmente
no período chuvoso: canarinhos “cantando”, papagaio “em algazarra”, a verdadeira “canta
longe”, zabelê “canta faceira”, o rouxinol “canta”, o marruá “berra furioso”, o cavalo
“relincha”, as ovelhas com a “berradeira” e os “rapazes da aldeia” com “vozes tristes e
chorosas” (ROCHA, 2002a, p. 12). A natureza era oposta à cidade, ao diploma. O pássaro
joão-corta-pau, por exemplo, era superior ao formado por prever a chuva, “ele dá bolo em
qualquer diplomado / quando fala em coisas do porvir” (ROCHA, 2002a, p. 21).
Enganava-se, portanto, o “falastrão diplomado / criticando o antepassado” (ROCHA,
2002a, p. 12). Orgulhoso camponês, porém, não desprezava a educação: “da cidade eu
quero um livro / para não ficar muito tolo”.
Dimas admirava a valentia. Dizia que queria “das armas um parabelum / pra
não comer desaforo” (ROCHA, 2002b, p. 30). Para o poeta, “quem for valente não corre /
morre e não sai da estrada” (ROCHA, 2002b, p. 12). O autor narrava uma história em foi
dar “uma pisa” em um valentão que se encontrava em Lapão, usou de “uma brusca
pernada” com “mais de dez megatons, força de sete cavalos”. Porém, ao retornar para casa,
sua esposa pediu que ele “abandone a arte / de em valentão dar pisa”, pois “barulho não dá
camisa”. O autor “baixou a cabeça” e se tornou um “homem pacato” (ROCHA, 2002b, p.
30-31). Sempre levando “um revólver no alforje”, numa festa no arraial do Pendura-saia.
Ao tirar uma “dona” para dançar, Dimas foi vaiado e “detonei no candeeiro” e “fechou”
(ROCHA, 2002b, p. 35). Nas reuniões de família isso era estimulado através dos “casos de
onça” (ROCHA, 2002b, p. 21) que valorizavam a valentia dos caçadores em armas para
defender sua criação. Dimas cresceu num ambiente marcado pela violência de jagunços.
Nasceu um ano antes da passagem da Coluna Prestes na região. Estavam ainda quentes os
papo-amarelos das brigas de Horácio de Matos e Militão Coelho, Abílio Machado e Jóvito.
O passado era visto como o lugar do trabalho com “machado e foice”. E não
era o trabalho isolado, triste e cansativo. Era alegre e solidário. “Bravos roceiros levantam
de madrugada / pega a enxada e monta no seu alazão / com os companheiros se reúnem na
estrada / muito dispostos vão fazer o mutirão” (ROCHA, 2002b, p. 12). O mutirão ou
adjunto era uma prática bastante comum na agrocaatinga, estruturada a partir da família, e
em uma de suas modalidades era acompanhado da festa. “No outro dia bem cedo /
acordava a rapaziada / e vão pro roçado / cantando uma batucada”. Aqui, temos um

43
contraste com o “ódio à cachaça” de seus avós, quando o álcool é negativo. Os
trabalhadores “fazem logo o mutirão / matam porco e matam bode / matam galinha e capão
/ compram muita catuzeira / para tomar com limão / vão levantar a poeira / correndo a
enxada na mão” (ROCHA, 2002b, p. 32). No mutirão, a catuzeira era motivo de alegria.
Mas aqui, a bebida alcoólica não estava associada ao espaço ocioso do buteco, mas ao
espaço produtivo da roça. “Panhavam machado e foice” “Trabalhava o dia inteiro /
encoivarando umburana” (ROCHA, 2002b, p. 18) “E reunidos todos pegam no trabalho /
com alegria vão cantando no rojão / poeira cobre parecendo nevoeiro / enxada corre na
terra fofa do chão” (ROCHA, 2002b, p. 12). De acordo com Carlos Rodrigues Brandão, “é
penoso o trabalho camponês (...) quando é ‘cativo’, quando é realizado ‘no que é dos
outros’”. Para o camponês, “o trabalho ‘com outros’ ou ‘para o outro’ é sempre gratificante
e alegre trabalho-festa, ou um trabalho-ritual, quando voluntário”. “Traz com sua presença
solidária o rito e o sentido de uma vida ainda não dominada pela concorrência, pelo
interesse individualista e pelo fechar-se em si mesmo e no que é ‘seu’” (BRANDÃO, 2009.
p. 51).
As contradições do poeta também estão expressas na ambiguidade do
progresso. A Barragem Manoel Novaes, de Mirorós, era vista com empolgação. “O nobre
potencial / que causa admiração / vai fornecer água doce / pra engrandecer o sertão”
(ROCHA, 2002b. p. 19). “Mas não devo em banco / vivo sossegado” (ROCHA, 2002b. p.
16). Mesmo a família Dourado é admirada por Dimas como portadora de civilidade. Em
América “os Dourados pisaram / trazendo a civilização” (ROCHA, 2002b, p. 14).
Civilidade era associada à “cidade”.
Nos registros da história da Serra Azul, o pioneiro foi Rigner Carneiro da
Silva. Sem ter publicado uma obra de memória histórica, seus dados, produzidos a partir da
oralidade, deixado em manuscritos e colaborando com outros pesquisadores, deixara as
bases para uma tradição de memória. O professor e agricultor de Palmeiras de Central
iniciou seus registros nos anos 1970. “Ele anota tudo e graças a isso pôde colaborar
bastante nesta obra” (DUARTE, 1978, p. 62).
Rigner Carneiro, em seus cadernos, deixou dados genealógicos das famílias
Carneiro de Brito, Pires Maciel de Carvalho, Ferreira dos Santos, Rocha Novaes e Rocha
Machado, relatos breves de encontros, casamentos, propriedades, registros de datas de
mortes de membros das famílias com dados biográficos e uma pequena história de São
Gabriel. Os encontros românticos são simples e suas dificuldades com a lavoura e com a

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secas aparecem nos seus cadernos; o principal de seus escritos é o registro de datas e de
genealogias (SILVA, 1971a; SILVA, 1971b; SILVA, 1995).
Seu discípulo Adão de Assunção Duarte empenhou-se em uma “História de
Central” a partir dos dados de Rigner, de bibliografia especializada e de documentação
cartorial. Concluída em abril de 1978, quando o autor residia em São Paulo, seu texto
inicia com uma genérica discussão a respeito da “visão geral da história” com definições
de Henri Irenés Marrou, Marc Bloch e Lucien Febvre. Consciente de seu “pioneirismo”,
ele reconhecia a necessidade do “controle das emoções” no ato de escrever uma história
“quando dela fazemos parte” sem envolver “sentimentos pessoais e grupais” (DUARTE,
1978, p. 7-8).
No primeiro capítulo, fala dos primeiros viajantes do sertão e personagens
ilustres, como Gabriel Soares, Belchior Dias Moreira, Joana da Silva Guedes de Brito e
outros que tem suas histórias de algum modo entrelaçadas com a história da região de
Central, Uibaí e Presidente Dutra (DUARTE, 1978, p. 7-9). Menciona as lutas intestinas
que devastaram Xique-Xique no século XIX, a passagem de ladrões, os garimpos; a
valentia, a pujança do ouro do Assuruá compõem uma “terra soberba, terra prodigiosa,
povo em desordem”, contraste que merece um “véu” para ocultar “aqueles bárbaros
tempos” (DUARTE, 1978, p. 11-12). No segundo e terceiro capítulos, os “aspectos
regionais” e as “tradições históricas” aparecem. O autor inventaria linha de sucessão
dominial que liga os Guedes de Brito aos fundadores de Central e realça que quando a
Coluna Prestes atacou Tiririca, “um filho de Central lá estava pronto para a luta”
(DUARTE, 1978, p. 15), revelando que nem toda violência merece um “véu”. No quarto
capítulo, o autor esclarece quem foram alguns nomes “famosos na região” como Gabriel
Soares, Belchior Dias, José Alfredo Machado, Luiz Ribeiro Nunes, Bento José de Brito e
Francisco Dias Coelho (DUARTE, 1978, p. 16-17).
Somente no quinto capítulo, Duarte chega à história de Central que tem início
no vale do rio Verde, com o casal Felícia e Alberto Pires Maciel e seus supostos 24 filhos –
uma “índia” e um “português – e com o casal Marçal Ferreira dos Santos, “outro
português” e Josefa Ferreira de Brito que criaram os filhos na fazenda Saco dos Bois
((DUARTE, 1978, p. 18). A partir daí, o autor traça uma “genealogia básica” dos filhos
desse último casal, os fundadores de Roça de Dentro, João Ferreira dos Santos e Egídio
Ferreira dos Santos – grafado pelo autor como Izidro. João era “estranho, enérgico, de
muita força física (...) farejava bem na serra e na roça; rastejava perfeitamente”, sendo, um

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“ser de relacionamento problemático”, enquanto Egídio era “pacato, moderado, de boas
relações com todos” (DUARTE, 1978, p. 19). Eles e seus filhos casaram-se com gente das
famílias de Raimundo Pereira da Rocha e Mariana Pereira de Novaes, de Riacho d’Areia,
Venceslau Pereira Machado e Francisca Rita da Rocha de Canabrava e dos já citados
Ferreira dos Santos e Pires Maciel. Estaria aí a síntese da natureza de Roça de Dentro: o
antagonismo do caráter corajoso e trabalhador, pacato e cordial dos dois irmãos e a
mestiçagem com famílias desbravadoras de origens indígenas e portuguesas. A seguir, o
autor narra a descoberta da Toca de Dentro, o estabelecimento das primeiras roças, a
conciliação dos dois irmãos e o papel da fazenda Riacho Largo como “ponto comum” onde
“nosso povo” – entenda-se de Roça de Dentro – encontrou agasalho, água doce, fonte para
lavagem de roupas, ponto de diversão e caça e extrativismo de paralelepípedos (DUARTE,
1978, p. 23). A partir daí, o autor narra o desenvolvimento de Roça de Dentro até tornar-se
Central. Mestiçagem, trabalho e progresso são características do lugar. Duarte narra a saga
da ampliação da Toca de Dentro – trabalho manual, dinamite – a construção das primeiras
casas de farinha, a primeira igreja, ponto da passagem da primeira estrada de rodagem, os
valorosos habitantes do lugar.
A seguir, no sétimo capítulo, Duarte contrasta os “costume um tanto
primitivos” dos primeiros habitantes que não possuíam “nossa civilização”. Lamenta que a
“terra boa foi cultivada com métodos primitivos” diante da inexistência da técnica.
Todavia, também lamenta pelas “rusgas e brigas possessórias que hoje surgem”, quando
“de início, as roças não precisavam de cerca”. As atividades econômicas se limitavam “a
caça, a lavoura, as bodegas e raras lojas de tecido” são comparadas à industria moderna
que “já nos acena”, às olarias, engenhos, casas de farinha e cordoarias de sisal. Sua
“população mestiça” não possui “preconceitos raciais” ou estes “ficam escondidos como é
a moda”. Apesar de um vislumbre aparente do progresso, o autor lamenta o “custo de vida”
característico do “super-mercado”, “as bênçãos dos filhos aos pais e aos mais velhos da
família é tradicional, mas está caindo bastante” e a população não é “muito religiosa
quando a de Gabriel, Uibaí”, existindo a procissão que “já foi linda” e o respeito aos “dias
grandes” da semana santa (DUARTE, 1978, p. 28). A narrativa da origem dos povoados do
município de Central é marcada pelo mesmo tom com que foi narrada a história da sede.
São destacados os feitos novos como a construção de escolas, a sua origem na
agropecuária, os seus descobridores, encerrando com história de sua “independência
política” (DUARTE, 1978, p. 43).

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O primeiro empreendimento de escrita de uma história local de Uibaí foi a do
professor e político Antônio Machado Souza. Numa monografia datilografada, intitulada
“Pequena História de Uibaí” (SOUZA, 1985), o autor narra a chegada na serra Azul de
Vicente Veloso e apresenta os dados da evolução política e administrava de Canabrava,
desde a fazenda a até a emancipação, além de dados de seus prefeitos.
Geraldo Rocha não seria o fundador do ufanismo são-franciscano, mas
figurava como o mais bem acabado representante. Um euclidiano que escreve na década de
1930, com as roupagens da tendência keynesiana e simpatiza com o conservadorismo
nacionalista de Mussolini. Em sua obra sobre o “rio da unidade nacional” que seria “fator
precípuo da existência do Brasil”, o barrense destaca que o vale tem potencial para a
pujança econômica (ROCHA, 2004, p. 13).
O comércio fluvial criou a região do São Francisco e lhe conferiu unidade
cultural (ROCHA, 2004, p. 46). Os garimpos criaram um mercado consumidor de farinha,
peixe seco e feijão em meados do século XIX. Tudo isso está em decadência, a pecuária
que foi a “mais estável das atividades” econômicas brasileiras “decresce a olhos vistos” e a
“paralisação dos garimpos de Santo Inácio e Gentio e a redução dos trabalhos em Lençóis”
((ROCHA, 2004, p. 51-52) desocuparam suas gentes, restando apenas o imaginário dos
tempos de suposta fartura do comércio regional.
Rocha destacou as especificidades da sub-raça ou povo são-franciscano. Um
linguajar supostamente rico em termos indígenas contrastaria com o vocabulário africano
do Recôncavo. O meio também determinou o homem que seria “tenaz, sóbrio, resistente” e
possuiria hábito de “lutar contra a natureza, afrontando as secas ou as inundações” e
“vencendo caatingas ressequidas para salvar seus rebanhos”. Essa “raça forte” teria
“energia e inteligência raramente encontradas em outras regiões”. O vaqueiro é para
Geraldo Rocha um homem que “não conhece perigos”. Os “heróicos caboclos desprezam
os jacarés covardes, afrontam as piranhas ferozes ou as águas traiçoeiras do rio”.
Enfrentando “perigos”, impondo-se “canseiras”, tudo faz “apenas por amor ao gado”, o
sertanejo é “rude, emotivo e desinteressado” (ROCHA, 2004, p. 57- 61, 64-66). O homem
do São Francisco não seria o nacional autêntico, mas o elemento superior em especial para
o trabalho rural.
Porém, Rocha não lamenta a modernização, antes protesta pela demora. Para
ele, ao contrário de outros que lhe sucederam, o mal que afeta o sertão são-franciscano

47
possuiria causas internas, entre elas, a decadência da mineração e o primitivismo da técnica
(ROCHA, 2004, p. 109).
Apresentando uma proposta de reforma agrária inspirada na Itália fascista,
reclamando um líder planejador e nacionalista para o Brasil. Com “terra quase de graça e
braços baratos pela sobriedade do nosso trabalhador”, possuiria condições favoráveis como
o “mais largo trato de terras planas” com “menor distância do mar” e solo fértil devido à
“abundância de calcário”, o São Francisco careceria apenas de investimentos e tornar-se-ia
“o empório do algodão, do milho, do arroz, da banha, da uva”. Todavia, em meio a tanto
potencial, há um entrave à aplicação de leis trabalhistas, a pobreza dos fazendeiros
(ROCHA, 2004, p. 83, 90, 130, 86, 92). O planejamento econômico, a alocação de
recursos e o uso da tecnologia no vale retirariam a região do primitivismo, a agricultura do
protecionismo e o povo da marginalização. Da matriz euclidiana, Rocha retirou a
capacidade de trabalho e lhe acrescentou as condições econômicas favoráveis,
keynesianismo e nazi-fascismo que redimiria o São Francisco e o Brasil. Conserva,
também de Euclides da Cunha, a proeminência da pecuária, pois entende que a “pecuária
(...) sempre uma pioneira da agricultura”, foi fator fundamental na ocupação. “Os
desbravadores do São Francisco foram pastores e não lavradores” (ROCHA, 2004, p. 177).
Na década de 1950, alguns anos após a primeira edição de “São Francisco”,
um escritor nascido em Pilão Arcado, educado em Barra e em Salvador, onde vivia e
legislava, Wilson Lins se dedicou a uma prosopografia da aristocracia sertaneja12, mas
restrita a região do Médio São Francisco. Rocha falava do Velho Chico para o Brasil,
enquanto Lins reportava-se para Salvador. Seu sertão seria de “pastores” sanguinolentos,
que praticavam seus crimes numa região de caatingas e um rio caudaloso.
Concordando com a tese hegemônica até então, o sertanejo seria caboclo e
descenderia de Amoipiras, Massaracás, Pontás e Aracujãs, povos Gês. Com o conceito
crítico de “despovoamento”, Lins afirmava que “o explorador branco substituía por
boiadas as tribos” do rio São Francisco. Ainda assim, sobraram índias o bastante para a
“promiscuidade sexual” com os brancos, dando origem a “uma raça (...) mais rija e viril
com o isolamento a que seria submetida” (LINS, 1983. p. 20, 21, 34). Significativamente,
Lins considerou “promíscua” a relação de brancos com índios, entre brancos não era.

12
Algumas semelhanças entre Wilson Lins e Eurico Alves serão destacadas no texto. Inclusive, Lins
prefaciou a obra mais importante de Eurico, Fidalgos e vaqueiros (SOARES, 2009, p. 94).

48
Esse isolamento determinaria algumas características como prioridade da
política municipal e o desinteresse pelo Estado ou federação. Uma aristocracia
característica de fazendeiros que trabalhariam na pecuária e na anarquia causada pela falta
do Estado apoiavam seu domínio na “força bruta” (LINS, 1983, p. 82, 55). Diferente de
Eurico Alves, Lins não contrapôs a imagem tradicional dos coronéis como “violentos,
retrógrados, autoritários e anacrônicos” à de um patriarca benevolente. Antes ele procurou
conciliar o patriarca com o guerreiro e mostrar que o uso da força foi uma necessidade para
garantir a “civilização do interior” (SOARES, 2009 p. 94). As vilas do vale, apesar do
isolamento, promoviam um “pobre intercâmbio comercial” (LINS, 2009, p. 89).
A influência de Rocha sobre Lins está na tese da “sub-raça” e no desenho da
especificidade do São Francisco em relação a outros lugares. Para o último, “os baianos do
São Francisco são muito pouco baianos” (LINS, 1983, p. 83). Enquanto Rocha era o
engenheiro que planejava desenvolver uma economia estagnada, Lins era um antropólogo
que registrava os tipos humanos pitorescos, a culinária pobre e o folclore de uma sociedade
que se desintegra, “uma civilização à parte, uma sociedade de proscritos econômicos
dentro do deserto cinzento” (LINS, 1983, p. 35).
O personagem mais pitoresco e simbólico do rio seria o remeiro. Ele levava
uma “vida miserável, vestindo mal e comendo ainda pior” sem deixar de gracejar “sua
própria miséria”. Com uma dor permanente nos pés apodrecidos pelo rio, o “pé-pubo”,
desenvolveu uma poesia popular sarcástica e boêmia. A “pinga” era indispensável nas suas
festas e teria uma queda para a bagunça. Com um repertório rico de contos populares, o
“ouro abunda nas histórias forjadas pela imaginação daquele povo”, esta muito fértil,
talvez pelas febres da malária. O remeiro compraria a “farinha de Pilão Arcado para vender
em Remanso; compra o sal de Remanso para vender em Pilão Arcado” (LINS, 1983, p. 92,
97, 88).
Pitoresco e extinto seria o jagunço. A espécie do São Francisco seria “um
homem temente à lei” que estabeleceria relações de compadrio com os “vizinhos mais
ricos”. Nasceria uma relação de reciprocidade, na qual cada um daria o que possuía: os
pobres obteriam ajuda em casamentos, sepultos, “proteção” e contribuiriam na vaquejada,
nos votos e nas armas. Na narrativa da história de seu pai, o coronel Franklin Lins de
Albuquerque, em confronto com família Nogueira, recebeu ajuda de “seus melhores
amigos, homens de bem, negociantes e fazendeiros”. O “jagunço ribeirinho” não seria
“mercenário”, segundo Lins e “só por extrema necessidade o chefe são-franciscano

49
recorria a jagunços mercenários”, contando com o apoio de “agregados, afilhados e
compadres”, seus irmãos nas armas. O jagunço, portanto, participaria das lutas armadas ao
lado de amigos ricos ou pobres. Os salteadores que infestariam o vale do São Francisco
seriam forasteiros. Para Lins, seria como se essa terra gerasse boa índole nos homens.
Identificando o jagunço com o sertanejo, Lins afirmava que “jagunço todo mundo é, pois,
no sertão, os covardes nascem mortos” (LINS, 1983, p. 99, 72, 82, 98).
Embora tenha uma grande dose de idealização nos heróis, não há em Lins o
saudosismo da vida campestre ou a idealização da fartura do passado, existente em
Osvaldo Alencar e outros. Seu discurso é exterior ao sertão, vem das cidades e dá ao
Médio São Francisco a indulgência necessária para entender essa gente “pura e inocente”
na prática de “seus crimes hediondos” (LINS, 1983, p. 53).

Passado como projeto


Osvaldo Alencar Rocha, operário durante a construção de Brasília, advogado e
militante socialista, nasceu em Uibaí, vivia em Goiânia onde lecionava Direito Agrário na
Universidade Católica quando publicou uma “história escrita ao compasso das batidas do
coração”, mas que se pretendia “direta e objetiva como convém aos filhos e aos costumes
do sertão”13.
Após um primeiro capítulo de contextualização do século XIX, o autor
destacava a “ebulição social” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 17) das revoltas, as
relações internacionais e sua influência na soberania do país, o genocídio do Paraguai
orquestrado pelos diplomatas ingleses, perspectiva superada por novas pesquisas, o
“sadismo do famoso Conde D’Eu”, a fundação da Primeira Internacional e a publicação do
primeiro volume de “O Capital” por Karl Marx (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 25), o
abolicionismo e as lutas da “raça negra” pela liberdade. Entre suas fontes, estão Leôncio
Basbaum, José Júlo Chiavenatto, Joaquim Nabuco, Francisco Alencar e Cruz e Costa
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 29). Seu texto não tem os aparatos de erudição que são
características da disciplina.
No capítulo II, narrava a história do vale do São Francisco. A busca da herança
indígena, as vilas ribeirinhas do século XIX, a exaltação do rio da unidade nacional, nas
trilhas de Geraldo Rocha, a navegação e a monocultura. Dando certo destaque à formação
13
De acordo com a própria obra, a genealogia da família Machado, as fotos e o anexo literário foram
organizados por Edimário Machado, correspondendo o texto à autoria de Osvaldo de Alencar Rocha
(ROCHA; MACHADO, 1988. p. 12).

50
do latifúndio dos Guedes de Brito e dos Garcia d’Ávila através da fazenda de pecuária, o
autor elogiava o desbravador lusitano que possuía “amor à terra conquistada” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 40).
A apropriação da tese do sertanejo como mestiço do índio e do branco foi
problematizada. Osvaldo Alencar destacava que nas “cidades (...) às margens do rio” a
“bonita raça cor de ébano” é marcante, enquanto nas caatingas e brejos o “campesinato
são-franciscano” em geral é “branco acaboclado”. O discurso euclidiano, retomado com
mais força por Geraldo Rocha e Wilson Lins, carregava-se de positividade e afirmava que
o “caboclo do São Francisco” possui “estatura invejável”, teria “fala macia”, seria
“destemido” e se tornaria “endiabrado e sanguinolento quando na coronha de um rifle”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 41).
Numa passagem inspirada provavelmente em “Deus e o diabo na terra do sol”,
de Glauber Rocha (1964), o vaqueiro vira fanático e depois cangaceiro. Osvaldo Alencar
estabeleceu o elo entre a violência de sua região e a questão agrária: o sertanejo pegaria nas
armas em favor dos coronéis e não poderia permanecer neutro; se não era luta pela terra
ainda, era luta em função da terra. Desse modo, nas trilhas de Wilson Lins, citado,
parafraseado e por vezes, quase plagiado, o vaqueiro, o roceiro, o agregado se tornariam
jagunços e atirariam por seus chefes para depois retornarem ao trabalho e à passividade.
Osvaldo Rocha não se envergonhava da violência, nem a renegava, como fazem os autores
da família Dourado, antes a justificava.
Porém, não deixava de destacar as vilas ribeirinhas, em especial Barra, como
“berço de ilustres figuras de nossa história” como João Maurício Wanderley, o Barão de
Cotegipe, Abílio César Borges, o Barão de Macaúbas, José Bento da Cunha Figueredo, o
Visconde do Bom Conselho, José Mariani, Francisco Bonifácio de Abreu e outros
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 41).
Neste segundo capítulo, predomina a influência de Euclides da Cunha, Geraldo
Rocha e Wilson Lins. É como se Osvaldo Alencar estabelecesse seus tributários. O
primeiro produziu o discurso matricial sobre o sertanejo como “elemento de uma pretensa
unidade nacional” (SOARES, 2009, p. 77). Geraldo Rocha apropriou-se da grande
capacidade de força do sertanejo para fundamentar suas propostas de transformação do São
Francisco em um celeiro agrícola e recortava um sertão específico dentro dos “sertões”, o
são-franciscano. Lins subdividia a região e fazia o folclore, a quase-antropologia do Médio
São Francisco, trazendo seus remeiros, vaqueiros, jagunços, coronéis e romeiros de Bom

51
Jesus da Lapa, conformando a civilização no deserto sob as marcas da violência, da
pecuária e do patriarcalismo. Osvaldo Alencar recebeu suas influências e buscava a
história de uma vila específica, Canabrava do Gonçalo, fragmentando ainda mais o sertão.
Tal qual Euclides e diferente de Geraldo Rocha e de Wilson Lins – e Eurico Alves – o
sertanejo de Osvaldo era camponês e pobre.
No terceiro capítulo, baseado na “tradição oral”, iniciava a história de
Canabrava. Desde a descoberta do vale do Canabrava pelo escravo fugitivo Vicente
Veloso, em 1844, mencionando a “excelente fonte de água”, “caça com fartura” e a
“fertilidade da terra preta e úmida”, até a compra dos terrenos por Gonçalo José dos Santos
e Venceslau Pereira Machado – foram ignoradas pelo autor as esposas de ambos,
Raimunda Pereira Rosa e Francisca Rita da Rocha, respectivamente. Venceslau, o
protagonista do capítulo de Canabrava no século XIX, seria mulato, “pequeno criador e
filho de escrava”14.
O rio da narrativa de Osvaldo Alencar recebeu, nesse capítulo, os tributários de
Rigner Silva, Adão Duarte e Antônio Machado de Souza. As histórias de Alberto e Felícia,
Marçal e Josefa, patriarcas-matriarcas das famílias Pires Maciel e Ferreira dos Santos.
Esses, ao lado dos Alves dos Santos da família de Gonçalo José, dos Pereira Machado da
família de Venceslau, dos Pereira Rocha da família de Raimundo de Riacho d’Areia e os
Nunes da Gama da família de Herculano foram os pioneiros da caatinga e formaram uma
rede familiar extensa, complexa e numerosa. Há um culto ao poder local centralizado na
figura do patriarca. As origens mestiças da família de Canabrava estão em homens
portugueses e mulheres africanas e indígenas são determinantes na ocupação (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 52-53). Os “pioneiros (...) desbravaram a caatinga brutal, plantaram
roças e fundaram povoados” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 54). Xique-Xique era a
“praça” onde se vendia o excedente agrícola e comprava-se o “sal e as quinquilarias”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 55). A seguir, Osvaldo traça a evolução política e
administrativa da região destacando que Presidente Dutra, Central e São Gabriel são
“esteios de Canabrava” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 57).
No capítulo IV, Osvaldo Alencar esboçava sua história econômica. Iniciando
com a narrativa da formação racial, o autor navega na ambiguidade ao sustentar teses
euclidianas do sertanejo como mestiçagem de branco e índio e revelar “brancos, pretos,

14
O autor ignora que Venceslau faleceu em 1850, três anos após comprar a propriedade, e que provavelmente
sua mãe, Maria Semente, fosse forra se não, como o parto seguia o ventre, ele próprio teria nascido escravo.

52
índios, mulatos, mamelucos” – ignorando mouros, ciganos, judeus (NEVES, 2008b). Tal
miscigenação conclui-se num mestiço “arredio e de fala mansa” que é “fisicamente forte” e
suporta “longas horas de trabalho estenuante”. Aí como dotes da natureza, os homens
possuiriam “muita coragem e determinação pessoal” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 65).
A história iniciou com “lavoura de subsistência, pequena criação de gado, além
de caça e a extração de mel silvestre” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 65). Baseada na
agricultura, na pecuária e no extrativismo, a economia seria natural. “Dinheiro era coisa
rara” e exportava-se couro e toucinho, depois rapadura, para “o Rio” como denominavam
Xique-Xique ((ROCHA; MACHADO, 1988, p. 66). Comprava-se aí café, armas, munição,
ferramentas, querosene. Marcava-se a região pela “auto-suficiência” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 66-67), além da diversidade de produtos. A policultura camponesa,
para o autor, seria idílica.
A seguir, Osvaldo Alencar exaltava a culinária sertaneja e responsabiliza a
culinária “moderna” pela desnutrição e doenças. Rompe com Wilson Lins que vê os
produtos do vale como “secos e duros como o povo que os criou” (ROCHA; MACHADO,
1988, p. 39). O “pão nosso de cada dia” urbano de farinha de trigo, contra a “broa” de
milho rural. Em Osvaldo, a mesa caatingueira é diversificada, rica, sustenta fortemente o
trabalhador de “estatura invejável” e saúde férrea. Em contraposição, a subnutrição e o
raquitismo modernos são causados pelo “mal da monocultura. “É o preço do progresso”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 68-69). A modernidade é responsável pelo atraso ou
retrocesso que foi imposto ao vale. Temos uma espécie de choque entre modalidades de
desenvolvimento: o camponês são-franciscano sobrepujado pelo capitalista. O autor
também romantizava o trabalho familiar da casa de farinha, cenas muito comuns em sua
infância. A cana-de-açúcar utilizada na produção de rapadura atraía “operários” do Piauí
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 69). Além disso, a agricultura tradicional de
autoabastecimento compunha-se de feijão, milho, amendoim, abóbora, gergelim, arroz,
batata-doce e fumo (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 72).
Osvaldo Alencar não era um nostálgico irremediável. O progresso é
contraditório e a pecuária revela isso: a qualidade do rebanho foi “aprimorada” com a
introdução da “raça zebu”, mas a introdução de relações capitalistas na criação teria
desaparecido com o “curraleiro” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 73). Como aliás,
desapareceu a importância da pecuária frente à produção de cereais. A região teria deixado
de exportar couro, farinha, toucinho e rapadura e limitava-se a feijão, milho e mamona. O

53
campo propiciou o surgimento do vaqueiro e o cercamento das terras teria lhe dado fim.
Com ressentimento, o autor anotava que o “cowboy do sertão” era uma “inesgotável fonte
de inspiração para os poetas do cordel e os repentistas das feiras livres” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 74).
O mercado tradicional merecia menção e eram os butecos ou budegas espaços
de comércio e interação social. Os garimpos de pedras e metais preciosos que eclodiram
em Chapada Velha, serra do Assuruá, Lavras Diamantinas exerciam influência direta no
comércio e na migração de canabraveiros. O autor não deixava de mencionar os tropeiros,
boiadeiros, mascates e ciganos que compunham essa paisagem perdida (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 75).
Na conclusão do capítulo, o Osvaldo Alencar se detém no “progresso” que
“não significa, necessariamente, desenvolvimento social”. O “sistema semi-feudal de
produção” teria sido abalado e houve “alguma melhoria de vida” ainda que não
acompanhada de “uma conquista política” pelas gentes do São Francisco. Essas
“conquistas econômicas e sociais” seriam “estradas” e “escolas”, mas vieram
indissociáveis de terríveis mazelas. A luz elétrica traria a cultura de massa, abolindo as
rodas de conversa na calçada e tornando “a velhice mais solitária” (ROCHA; MACHADO,
1988, p. 80). O rio deixaria de ser caminho e as estradas asfaltadas se tornavam o principal
meio de transporte, abolindo a poesia das barcas, vapores e gaiolas. A mecanização da
produção agrícola expulsaria o trabalho braçal15 e o lucro privado prevaleceu sobre a
sobrevivência, levou à concentração de terras e à eliminação do minifúndio, favorecendo a
média propriedade que funciona como empresa capitalista.
Com base em estudo de Jorge Zahur, Osvaldo Alencar enumerava as
estatísticas para fundamentar sua argumentação. Sua tese é de que entre 1940 e 1980 houve
um retrocesso das forças produtivas e um ataque à autonomia regional. Na década de 1940,
a região exportava mamona, algodão, feijão, couro, pele, parte significativa era
comercialização de excedente de unidades camponesas. A modernização rebaixou o padrão
de consumo da população, qualitativa e quantitativa. Em 1980, “em termos relativos não
daria para exportar nada”. Todavia, ao contrário do saudosismo tradicionalista dos
senhores de engenho do Nordeste que olhavam com nostalgia para a “sua terra” a “partir
da varanda da casa-grande” (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009. p. 97), Osvaldo Alencar

15
John Wilkinson em estudo sobre a região demonstra que a mecanização, quando em seu princípio, aumenta
o número de postos de trabalho ao ampliar drasticamente as áreas cultiváveis (WILKINSON, 1986).

54
aponta para o futuro: “a questão agrária é pertinente e está na ordem do dia” tornando
urgente uma “reforma agrária” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 81).
O quinto capítulo se destaca dos demais. O historiador econômico, o analista
científico, o militante da reforma agrária, todos saem de cena. O narrador épico de
saudosismo indisfarçável aparece, ainda que conserve algo do socialista, pois não se limita
às bravuras dos chefes, mas também das cabroeiras. Iniciando com o estudo sobre a
influência da maniçoba, Osvaldo Alencar contrasta a “monotonia do povoado”, a
“morosidade dos dias”, o vilarejo que se importava mais com a morte do “velho patriarca
Venceslau Pereira Machado” do que com a proclamação da República e com abolição da
escravidão; no período posterior ao advento da borracha, as imagens trazidas são de “dias
de turbulência”, “muitas mortes”, “arraigada inimizade entre os membros da família”. O
bucolismo de Canabrava teria sido eliminado pelos forasteiros da borracha e suas armas
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 91).
A construção do templo católico é apresentado pelo autor como uma
“testemunha de um grande preito de coragem e gosto pela aventura” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 91), quando na realidade dividiu a família Machado. A questão seria
em qual dos dois largos ele seria construído e os descendentes de Isabel Pereira Rocha, a
primogênita de Venceslau e Francisca, venceram, concluindo a pequena capela em oito de
agosto de 1888 e determinando a padroeira do lugar como Nossa Senhora da Conceição.
Desde o século XIX, Canabrava era marcada pela fome e violência. O filho mais jovem do
“patriarca” foi assassinado numa vendeta de sangue; Martinho Pires de Carvalho foi morto
com tiros e degolado no riacho do Peixe e uma mulher de Olho d’Água foi morta pelo
marido com golpes de foice. O ano de 1898 foi marcado por uma seca terrível, a “fome do
noventinha” que certamente ameaçou os membros mais pobres da família. Ou Osvaldo
Alencar desconhecia esses fatos ou os ignorou na composição de sua narrativa idílica.
Comparando a economia da borracha com “a corrida do ouro da Califórnia,
guardando as necessárias proporções”, a chegada de forasteiros trouxe pânico às mulheres
e êxtase de riqueza fácil aos homens que abandonaram a lavoura. A “corrida da maniçoba
veio quebrar para sempre o sossego da vila”. Aparece o grande vilão da história.
Cunegundes, “rico, poderoso, extremamente violento”, andando sempre “cercado de
capangas” – o que nesse contexto, representa covardia – trouxe o terror para Canabrava
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 93). Comerciante de armas, “violento e mau” tentou
exercer uma “certa liderança” na Canabrava, intimidando os membros da família local e

55
matando somente “pessoas de fora”. Como reação, o “conselho” do povoado decidiu pela
“expulsão sumária” e um bravo, João Gonçalves da Rocha, “não se fez de rogado” cumpriu
a decisão da maioria e em um “cerrado tiroteio” pôs o valentão em fuga. Cunegundes jurou
vingança, mas foi assassinado no caminho. O herói caboclo sobrepuja o “bandido” cercado
de “pistoleiros” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 94) e o valente que age em prol de seu
povo usa de violência legítima. De certo modo, a maniçoba abalou o sossego e a vida
pacata, mas a violência abriu caminho para os heróis catingueiros que faltavam para chegar
ao clímax da narrativa de Osvaldo Alencar.
As “armas e ambições políticas” levaram dois primos e compadres ao conflito.
Benjamim Miranda e Jóvito Machado, “homens probos, honestos e valentes”. A nomeação
da chefia do lugar foi realizada com “total irresponsabilidade” levando ao “acirramento dos
ânimos” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 99) e a guerra foi inevitável, de acordo com o
autor. Algumas “brigas isoladas”, um insuportável clima de guerra psicológica e não
tardaram as mortes: tocaias, troca de tiros, assassinatos com requintes de crueldade
pintavam o quadro de uma “guerra estúpida e fratricida” (ROCHA; MACHADO, 1988, p.
101). Francisco Pereira Rocha, Eduardo Santana, Ludovico Rocha e o chefe Jóvito
Machado foram abatidos numa luta entre parentes.
A ambiguidade da narrativa é marcante. O conflito entre “dois grupos [que]
eram constituídos de homens valorosos, honrados e de conhecida integridade moral, apesar
da ignorância e do ódio imenso que os cegava” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 103). Um
severo código moral era imposto aos combatentes e emboscadas esparsas ganham tons
épicos na pena de Osvaldo Alencar, graças, é claro, à estatura moral dos guerreiros.
Mesmo quando o grande herói Abílio deixa Ludovico ferido e foge junto com Carmo, o
autor isenta de responsabilidade e falta de companheirismo os dois que teriam julgado que
o rapaz baleado estava morto (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 103). O encerramento da
guerra é o saque da fazenda de Benjamim e Abílio. Curiosamente, emboscadas, saques,
crueldades e homicídios de parentes são costurados numa trama em que um severo código
moral é praticado com a rigidez por guerreiros valorosos. É da violência que Osvaldo
Alencar retira a matéria do heroísmo. Ao lado, é claro, do épico paralelo da ocupação do
sertão.
Na descrição dos heróis da guerra, Abílio Machado e João Rocha, num diálogo
digno de cavaleiros românticos, mas rudes e diretos, o autor constrói imagens de
demonstração de respeito mútuo e honra entre “homens de verdade” (ROCHA;

56
MACHADO, 1988, p. 105). É aí que começam as maiores falhas da acriticidade do
analista e persiste o narrador épico. Horácio de Matos, um coronel que se transforma em
um “diplomata” que é “pacifista”, embora “enérgico” (ROCHA; MACHADO, 1988, p.
108). Nas grandes batalhas de “guerra convencional” de Campestre e Barra do Mendes,
aparece o estrategista “magnânimo” que realiza um sítio “perfeito e intransponível”. Seu
adversário, o “velho caudilho” Militão Rodrigues Coelho, “autoritário e violento” arrasta
esse amante da paz e da ordem à guerra (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 108-109).
Abílio Machado é apresentado por Osvaldo Alencar como um jagunço que
“entrou como soldado e saiu como general” do “Estado maior das forças revolucionárias”
de Horácio. Todavia, nenhum dos demais livros sobre o coronel da Chapada Velha sequer
o menciona como participante do conflito (MORAIS, 1997; MENDONÇA, 1981;
MENDONÇA, 2002; CHAGAS, 1961; QUEIROZ, 1985; PANG, 1979). Repetindo
acriticamente a apologia de Walfrido Morais, Osvaldo Alencar, no afã de engrandecer o
herói de Canabrava, o associa aos feitos criminosos de Horácio, apresentando-os como se
fossem qualitativamente distintos dos demais chefes.
Quando trata da Coluna Prestes, temos uma nova contradição. Confrontam-se
os heróis catingueiros de Canabrava e Horácio, de um lado, e a Coluna Prestes do
Cavaleiro da Esperança, um ícone da esquerda à qual Osvaldo Alencar pertencia. O autor
elogiou o heroísmo, sinônimo de valentia, independente de quem o praticava. Os
defensores de Canabrava seriam comparáveis aos Doze Pares da França, os guerreiros
míticos de Carlos Magno, populares na literatura de cordel. A batalha de Canabrava
definida por Lourenço Moreira Lima como “o mais trágico e doloroso dos aspectos da
guerra civil” e “um dos mais belos combates em que nos empenhamos, não só devido à
resistência que o inimigo nos ofereceu, como também pela topografia do campo de ação”
(LIMA, 1979). Exaltando os Revoltosos – como a Coluna ficou conhecida no sertão – e
caatingueiros, rebeldes e voluntários, Osvaldo Alencar alega que “o povo simples do sertão
não entendeu” a “proposta” de levante “contra a secular opressão que o aniquila”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 124).
O capítulo sexto é um encerramento melancólico. O clímax encerrado permite
o retorno do analista. Ainda segue os caminhos acríticos de Morais na descrição da derrota
e morte de Horácio de Matos. O desarmamento vencera o sertão (ROCHA; MACHADO,
1988, p. 136). Estaria implícito no texto do autor a concepção de cidadania armada,
característica da independência das Treze Colônias inglesas e da Revolução Francesa, de

57
que uma nação se faz de cidadãos armados? Difere totalmente, como se vê, dos pacifistas.
Enquanto alguns acreditam na “força do Direito”, Osvaldo Alencar apresenta o Judiciário
como uma relação política e defende que o oprimido possui o “direito da força”.
A partir de “Canabrava do Gonçalo” de Osvaldo Alencar Rocha e Edimário
Machado, novos trabalhos de genealogia surgiram e enriqueceram o quadro regional, como
uma genealogia da família Martins de Carvalho (MARTINS SOBRINHO, 1991), um
trabalho de história das famílias Pires Maciel, Ferreira dos Santos e Pereira Machado
(SANTANA, 1999), assim como trabalhos que trataram da família Machado que ocupou
os posteriores municípios de Presidente Dutra (NOVAES, 1994) e São Gabriel16 e uma
narrativa histórica do povoado de Canoão de Ibititá (ALENCAR, 2002).
Duas décadas depois de sua publicação, estudos de pós-graduação sobre a
região passaram a abordar temas como uso e posse da terra (SODRÉ, 1999), passagem da
Coluna Prestes (MACIEL, 2001), mulheres camponesas (ROCHA, 2008; MARTINS,
2008), organização social, demografia, estrutura econômica (FERREIRA, 2008),
coronelismo, lutas políticas (LEITE, 2009; SAMPAIO, 2009), escravidão (MARTINS,
2010c), seca e migração (MARTINS, 2010a), além do desenvolvimento de algumas
pesquisas que ainda estão inéditas. Baseados em modernas técnicas de pesquisa histórica,
uso do método comparativo, história oral, pesquisa em documentação primária
revolucionaram o conhecimento sobre o passado na região.

16
Uma parte da família que ocupou São Gabriel está em MACHADO, 2004. Uma genealogia mais completa
e rigorosa da família Pereira Rocha de São Gabriel está em PEREIRA; PEREIRA, 2012.

58
A FORMAÇÃO DA PROPRIEDADE NA CAATINGA

O conceito de propriedade é central nos sistemas de costume e direito. Sem


dúvida, o Império Romano e seu complexo sistema de direito agrário, composto de
regimes de terras públicas e privadas, com aforamento, conquista, enfiteuse, comércio de
terras é o principal ancestral do direito nos chamados países do Ocidente, ainda que pese
bastante a influência germânica visigótica. As características da sociedade e do
imperialismo romano deram destaque para a lex agrari, a maior referência para conceitos
ocidentais como ocupação de solo conquistado, privadus, usucapião, alienabilidade,
enfiteuse, arrendamento (WEBER, 1994).
O período medieval na Europa Ocidental, em especial, abrangeu uma
diversidade de regimes de propriedade, no território do Império Carolíngio, em geral, e na
península Ibérica, em particular. O direito era diverso como as formas de produção das
comunas, feudos eclesiásticos, feudos da nobreza e outras formas de organização social
existentes. Isso dificultou, inclusive, a própria conceituação a respeito do período
medieval. Van Bath, por exemplo, afirmava que houve feudalismo nos limites do Império
carolíngio, “entre o Loire e o Reno”, existindo “a partir do exterior” na Inglaterra e nos
reinos cristãos nascidos das Cruzadas no Oriente e “não se instaurou ou só muito
imperfeitamente” na Escandinávia, Mar do Norte, Espanha, Irlanda, Sardenha, Córsega e
Europa Oriental (VAN BATH, 1984, p. 38). Em certas condições, sob determinadas
circunstâncias, Witould Kula mencionou um “feudalismo polonês” (KULA, 1979) e
Armando Castro fala sobre “feudalismo” em Portugal (CASTRO, 1980). A existência do
feudalismo não significa que não houve um campesinato autônomo, isento da opressão de
taxas feudais. Há, inclusive, historiadores espanhóis que defendem a existência de um
capitalismo agrário com base na exploração familiar desprovida de senhores e de extrações
de renda (CALATUYUD; MILLÁN, 2010. p. 210).
O início do período moderno, em especial após o advento da Revolução
Francesa e da Revolução Industrial é que tivemos a formação e disseminação de um direito
e de uma jurisprudência centradas na propriedade privada, ainda que, no Brasil, ele só
chegasse com força na segunda metade do século XIX e ainda hoje, embora consolidado,
não é o único e convive com costumes distintos em antagonismo.
Um dos arautos da propriedade burguesa, George Hegel entendia que a
existência da pessoa no Direito pressupunha a ocorrência de algo que lhe fosse exterior –

59
condicionando o sujeito à existência em relação a um objeto. Na “determinação” da
propriedade, é preciso que haja algo que possa “constituir o domínio da sua liberdade é
algo distinto dela” sendo a pessoa uma “vontade infinita em si e para si” (HEGEL, 2007. p.
72). Uma coisa, para existir, precisa não ser uma pessoa e precisa estar relacionada a uma
pessoa.
Para Hegel, uma propriedade que não se usufrui não é uma propriedade. Ele
defendeu o fim da enfiteusis e a legitimação do acesso à terra por meio da posse. Sua
defesa da propriedade relacionava a legitimidade dela com a utilidade que se lhe dão.
“Uma terra abandonada, ou sem uso permanente, contém apenas uma vontade vazia, sem
presença, e com sua violação nada é violado; por conseguinte, o respeito a ela não pode ser
assegurado” (HEGEL, 2007, p. 86).
Hegel definiu a propriedade como garantia da vida, da liberdade e da
civilização moderna. O seu conceito de propriedade era revolucionário quando luta contra
os privilégios senhoriais. Ele defendia a propriedade útil contra a propriedade de direito.
“O simples instinto de conviver dessas pessoas já tem a finalidade consciente da segurança
de suas vidas e de sua propriedade” (HEGEL, 1998. p. 29). Não obstante ter sido um
grande defensor da propriedade burguesa, o seu mais genial discípulo indireto se tornou
um dos maiores críticos da propriedade.
Karl Marx saiu da Alemanha por seu radicalismo político. Em Paris, em 1844,
teve contato sistemático com a literatura socialista e com a economia política. Em seus
manuscritos, procurou historicizar a propriedade privada como produto de uma sociedade
de classes, portanto, como resultado da divisão do trabalho entre produtores e
apropriadores da produção. “A propriedade privada é, portanto, o produto, o resultado, a
consequência necessária do trabalho exteriorizado, da relação externa (äusserlichen) do
trabalhador com a natureza e consigo mesmo” (MARX, 2004, p. 87).
Em Paris, Marx concluiu que a luta proletária pela revolução social seria uma
luta contra a exteriorização do trabalho humano objetivado na propriedade privada e contra
o estranhamento do homem consigo mesmo. “A supra-sunção (Aufhebung) positiva da
propriedade privada, enquanto apropriação da vida humana é, por conseguinte, a supra-
sunção positiva de todo estranhamento (Entfremdung), portanto o retorno do homem da
religião, família, Estado, entre outros à sua existência humana, isto é, social” (MARX,
2004, p. 106).

60
Em “A ideologia alemã”, em co-autoria com Friedrich Engels, a crítica à
propriedade burguesa avançou. A vulgarização dos contratualistas tornaria senso comum a
ideia de que a propriedade privada era um dado natural. “Todos os modernos escritores
franceses, ingleses e americanos declaram que o Estado existe apenas em função da
propriedade privada, de tal modo que isso também foi transmitido para o senso comum”
(MARX; ENGELS, 2007, p. 75). Se o Estado e o direito – em Hegel, como já visto –
existem em função da propriedade, até mesmo o indivíduo passa a ter sua existência como
desdobramento da condição de proprietário.
Quando o burguês de mentalidade estreita diz para os comunistas: ao suprimirdes
a propriedade, isto é, minha existência como proprietário de terras, como
fabricante, e a vossa existência como trabalhador, suprimis a minha e a vossa
individualidade; ao tornardes impossível que eu explore a vós, trabalhadores, e
embolse os meus lucros, juros ou rendimento, tornais impossível a minha
existência como indivíduo (MARX; ENGELS, 2007, p. 224).

Essa crítica à ideologia burguesa ou uma crítica do falseamento da realidade


pela burguesia conforme a defesa de seus interesses de classe, já que condiciona a
existência da individualidade e do próprio indivíduo em si à conservação da propriedade
burguesa e da sociedade burguesa.
Somente nos “Grundrisse”, no livro 3 de “O Capital” e nas “Teorias da mais-
valia” é que Marx “elabora” uma teoria da propriedade, a partir de seus estudos sobre
renda fundiária. Não podemos dizer que ela estava a contento para o autor, visto que todas
são publicações póstumas. Para alguns, a teoria da renda fundiária é “a parte mais obscura
do marxismo” (CARDOSO, 1982, p. 52). Outros, vendo a inexistência de uma “teoria
marxista da questão agrária” enxergam como principal contribuição nesse campo “as
teorias de Marx sobre renda fundiária” (ABRAMOVAY, 2007, p. 262).
Com origem na teoria econômica da Escola Fisiocrata francesa, a renda da
terra é tida como a fonte original de riqueza. Para esses economistas, a manufatura e a
indústria somente transformam os produtos. A agricultura é a verdadeira fonte de riqueza.
Como os fisiocratas viam apenas a terra e o trabalho agrícola como fontes de valor, a
tributação dos seigneurs feodales favoreceu o capital burguês. No tempo dos fisiocratas, o
estágio atrasado da tecnologia para ampliar o poder do trabalho, favorecia a crença de que
a natureza era a única fonte de riqueza (MARX, 2011, p. 260).
David Ricardo entendia que a renda era “a porção do produto da terra paga ao
seu proprietário pelo uso das forças originais e indestrutíveis do solo” (RICARDO, 1982,
p. 65). O cultivo das terras menos férteis aumenta o custo de produção por exigir mais

61
trabalho. “Quando a terra de qualidade inferior começa a ser cultivada, o valor de troca dos
produtos agrícolas aumenta, pois torna-se necessário mais trabalho para produzi-los”
(RICARDO, 1982, p. 68). Assim, o que onera os produtos agrícolas de um determinado
solo em relação a outro é “o emprego de mais trabalho” para produção de “porção”
(RICARDO, 1982 p. 69) idêntica. Terra e trabalho são funções: um terreno pobre exige
mais horas de trabalho e aumenta a renda.
Marx estudou detidamente a teoria da renda de Ricardo e dedicou centenas de
páginas à sua crítica. Para o filósofo alemão, a moderna propriedade surge sob a égide do
capital. A história da propriedade é da transformação do senhor feudal “em rentista
fundiário”, do servo da gleba e camponês em trabalhador assalariado (MARX, 2011, p.
194-195). Há um “efeito civilizador” no comércio exterior, pois o valor de troca e a
circulação de mercadorias modificam a “organização da própria produção interna”
(MARX, 2011, p. 198). A “ação retroativa do capital sobre as formas mais antigas da
propriedade fundiária” transforma estas em “renda monetária”. Assim, “o próprio
proprietário então limpa a terra de suas bocas supérfluas” e o objetivo da produção agrícola
torna-se a produção de valor e não do autoabastecimento. O “trabalho na terra” perde sua
“natureza” de “fonte imediata de subsistência” e se torna “fonte de subsistência mediada
inteiramente dependente de relações sociais”. Cada vez mais, aproxima-se da agronomia
industrial e libera trabalho para a indústria possibilitando “a aplicação da ciência e o pleno
desenvolvimento da força produtiva”. A propriedade fundiária moderna é “renda da terra
capitalizada” sendo cara e inacessível para a produção de autoabastecimento. Assim, as
novas relações sociais se desenvolvem num terreno dado pelas “relações de produção
tradicionais herdadas, e em contradição com elas” (MARX, 2011, p. 215-217).
Assim, as formas jurídicas da propriedade fundiária são aparentes, sendo o
determinante o papel do capital na exploração agrária, que pode ocorrer de duas formas. A
primeira acontece quando “o usurário ou o comerciante, o capital usurário ou o capital
comercial (...) suga parasitariamente” os “produtores independentes, que exercem seus
ofícios ou lavram a terra com métodos tradicionais e antigos”. Quando predomina essa
“forma de exploração”, não temos “modo capitalista de produção” (MARX, 2006. p. 579).
A segunda é a economia agrária que produz mais-valor elevando a produção à escala social
e com o uso de tecnologia, cooperação complexa do trabalho e trabalho assalariado.

62
A transformação de toda produção em produção de valor ocorre com a
dissociação do trabalho e da propriedade e a “chamada acumulação primitiva é apenas o
processo histórico que dissocia o trabalhador dos meios de produção” (MARX, 2006, 828).
Há momentos em que ocorre ainda subsunção formal da produção ao capital.
Ele exerce certas funções, mas não é dominante, a exemplo do capital usurário que fornece
meios de produção na forma de dinheiro e obtém “juros enormes” e assim “extorque ao
produtor imediato” mais-valor sob outro nome (MARX, [s.d.]. p. 91). Há na subsunção
formal o domínio do capital sobre mais-valor, através de juros ou de autoexploração. O
capital “não se imiscui no processo de produção” que “se desenvolve à margem dele, à
maneira tradicional” (MARX, [s.d.], p. 91). Não há, na subsunção formal, transformação
do processo produtivo em termos de matéria-prima, relações sociais de produção, trabalho,
entre outros. “O processo de trabalho, do ponto de vista tecnológico, efetua-se exatamente
como antes, só que agora como processo de trabalho subordinado ao capital” (MARX,
[s.d.], p. 95).
Subsunção formal é a “forma que se finda na mais-valia absoluta, pois só se
diferencia formalmente dos modos de produção anteriores sobre cuja base surge (ou é
introduzida) diretamente, seja porque o produtor atua como empregador de si mesmo, seja
porque o produtor direto tem que fornecer sobretrabalho a outrem” (MARX, [s.d.], p. 94).
Com a subsunção real, o capital assume integralmente o processo produtivo e
temos “a perda de autonomia anterior no processo de produção” e o capital hegemoniza e
subordina produção industrial é possível a cooperação complexa, o uso de maquinário e o
mais-valor relativo em uma escala nunca antes vista, seja pela criação e alargamento do
mercado mundial, seja pela transformação do conhecimento científico e tecnológico em
força produtiva. A “subsunção real do trabalho ao capital – modo de produção capitalista
propriamente dito – só entra em cena quando se apoderam da produção capitais de
grandeza, seja porque o comerciante se transforma em capitalista industrial, seja porque,
com base na subsunção real, se constituíram capitalistas industriais mais fortes” (MARX,
[s.d.], 96). A subsunção real ocorre “em todas aquelas formas que produzem mais-valia
relativo, ao contrário da absoluta” (MARX, [s.d.], p. 104.
Uma vez desenvolvidas as formas de produção capitalista no campo, a força
natural é base para lucro suplementar, embora não seja sua causa. A renda fundiária é
determinada pela monopolização das forças naturais pelo capital com objetivo de auferir
renda extra além do mais-valor. Esse lucro suplementar gerado da monopolização das

63
forças naturais é renda fundiária e não pode ser confundido com o mais-valor (MARX,
2008. p. 861-862). A situação do capitalismo agrário da Inglaterra exemplifica isso: há
arrendatários que empregam capital e trabalho assalariado e obtém mais-valor; os
proprietários que monopolizam as terras e vivem de seus foros, recebem a renda fundiária.
O “pior solo” que não gera renda fundiária é o “regulador do mercado” e a
“fertilidade natural” cria níveis de renda distintos gerando renda diferencial (MARX, 2008,
p. 877). A renda fundiária cresce proporcionalmente à aplicação de capital e de trabalho no
solo e com o aumento da área cultivada. Cresce, portanto, de forma extensiva e intensiva
(MARX, 2008, p. 884).
A renda diferencial pode se dividir em duas. Quando o lucro suplementar que
tem origem na maior fertilidade do solo, na disponibilidade de água ou vento para
abastecimento ou força motora, temos a renda diferencial I, de base natural. A aplicação de
capital através de tecnologia, adubos, estradas, máquinas e outros insumos dá origem à
renda diferencial II. Toda terra produz uma renda absoluta e as melhores – ou melhoradas
– produzem renda diferencial. Os velhos países e as terras ruins é que determinam preço e
taxa média de renda fundiária (MARX, 2008, p. 890). O modo de produção capitalista tem o
globo como área de atuação e todas as rendas fundiárias são potencialmente capitalistas e,
em determinados momentos, aquelas mais favoráveis à produção de renda diferencial são
incluídas no rol da exploração internacional. Daí que o modo de produção camponês e o
mercado mundial capitalista estão em permanente contato nas diversas fases da história do
sertão baiano, seja quando produzem metais e pedras preciosas, seja quando exporta
algodão, couros, borracha ou toucinho.
A desmistificação da propriedade enquanto um ente a-histórico, natural e
sacralizada ocorre através do estudo teórico e empírico da evolução da propriedade
fundiária. Pretendemos “denunciar a tendência juridicista que domina a historiografia (...)
que tende a ver a propriedade como algo perfeitamente moldado e moldeado pelas leis”
(CONGOST, 2007, p. 13, livre tradução). Aqui rejeita-se a “ideia do Estado como um órgão
protetor que garante a propriedade” (CONGOST, 2007, p. 17, livre tradução) pensada como se
a mesma fosse “definida de forma exclusiva pelas leis e códigos” e entende-se a
propriedade fundiária “como reflexo produto e fator das relações sociais existentes”
(CONGOST, 2007, p. 19, livre tradução).

64
Da sesmaria à lei de terras
O período medieval na península ibérica assistiu a uma tentativa de viabilizar e
regularizar o uso e a posse da terra em decorrência das condições originais criadas pelas
vitórias cristãs nas guerras da Reconquista. Duas instituições fundamentais assentavam as
bases do feudalismo em Castela: as amortizaciones eram formas de propriedade
imobiliária da nobreza; o mayorazgo vinculava uma série de bens indivisíveis e
inalienáveis e os vinculava ao primogênito. Havia propriedades do clero, dos nobres, da
coroa e das comunas. “Os senhores possuíam jurisdições sobre os camponeses assentados
em suas terras” (NEVES, 2003. p. 81). Os censos eram de três tipos: os enfiteuticos, formas
de arrendamento perpétuo, os reservativos, que seu proprietário passa em troca de pensões
e os foros que podiam durar duas ou três gerações, mas eram arrendamentos de terras e
casas de forma temporária. A behestria era reservada a um grupo de camponeses que
possuíam o direito de eleger o senhor ao qual prestariam serviços (NEVES, 2003, p. 83).
Durante o período da Reconquista, a pecuária foi a atividade econômica
fundamental. Neste período, se desenvolveu a Mesta uma sociedade pecuarista criada por
Afonso X de Castela, em 1273 (NEVES, 2005. p. 58). Em Aragão, foi criada uma
organização similar, a Veintana, composta de senhores feudais e monastérios eclesiásticos.
Em Portugal se destacava o pagamento do vínculo feito pelos produtores
diretos aos titulares do morgado, um privilégio reservado à nobreza que era “indivisível e
inalienável” com direito de primogenitura. A capelania era um privilégio em que um
súdito doava uma terra a um “santo ou divindade” e os “cultivos ou edificações” realizados
pagavam uma determinada quantia anual para provimento de despesas de templo e outras
atividades religiosas (NEVES, 2003, p. 84).
Foi comum em Portugal a prática da presúria no período de 800 a 1000,
quando desocupavam militarmente as terras dos mulçumanos. Esta consiste no ato de
camponeses saírem das propriedades da nobreza e do clero e ocupavam as terras liberadas.
Os espanhóis praticaram a presúria entre 700 e 1000 (NEVES, 2003, p. 85).
A presúria levou à formação da sesmaria, cuja denominação vem do fato de o
foro vir da sexta parte, cuja data mais aceita, proposta por José Manuel Garcia, é 26 de
maio de 1375, pelo Rei Fernando I de Portugal. A sesmaria objetivava a ocupação das
terras conquistadas com policultura para que o excedente dos camponeses e os direitos

65
abastecessem a sociedade, em especial, os exércitos da cristandade portuguesa (NEVES,
2003, p. 88).
A Lei que criou as sesmarias possuía “essência coercitiva”, impondo o trabalho
agrícola, “determinando a cultura direta ou através de outrem, de todas as herdades
abandonadas ou improdutivas, como melhor conviesse aos titulares”; também
regulamentava “a disponibilidade de bois para o trabalho dos agricultores” com a exigência
de que “apenas quem lavrasse suas terras poderia criar gado”. Obrigava “a dedicação à
lavoura, por todos os familiares de agricultores com patrimônios inferiores a 500 libras”,
desde que não possuísse “ocupação mais produtiva, nem senhores certos”. Também
determinava “o emprego obrigatório de ociosos, vadios e mendigos, em condição de
trabalhar na agricultura” e estabelecia “o confisco das terras para quem negligenciasse ou
desacatasse as determinações” (NEVES, 2003).
A instituição da sesmaria sofreu modificação na “transposição” para a América
Portuguesa, onde a possibilidade de isenção de foros aos colonizadores dispensou o
pagamento do sesmo, ao lado da ampliação das áreas concedidas” (SILVA, 1996. p. 21),
fatores que possibilitaram a ampliação das terras dos sesmeiros. O Reino de Portugal
fechou os olhos para o tamanho das sesmarias no Brasil, gerando o latifúndio do
“sesmarialismo colonial” (SILVA, 1996, p. 40).
Em 20 e janeiro de 1699, uma provisão régia possibilitou a manutenção de
sesmarias que excediam o tamanho original, desde que cultivadas pelo donatário ou por
meio de arrendatários, sendo que áreas sem cultivo passariam de forma legítima a
denunciantes e posseiros, ainda que se limitasse a três léguas por uma ou légua e meia
quadrada. Essa provisão deu garantia legal aos latifúndios que “Antonio Guedes de Brito
se apoderara, na margem direita do Médio São Francisco” e estabelecera fazendas de gado.
Ao mesmo tempo, “possibilitou aos mineiros ocuparem as terras que Brito transferira à sua
filha Isabel Maria Guedes de Brito no rio das Velhas”, permitindo “aos mineradores de
Jacobina fazerem o mesmo nas cabeceiras do Itapicuru, já no domínio da neta Joana da
Silva Guedes de Brito” (NEVES, 2003, p. 118). Como “inexistia qualquer aparelho de
vigilância ou repressão que impedisse a ocupação intrusiva de terras virgens”, exceto a
autoridade senhorial, foi possível que “homens livres pobres ou negros fugidos” fossem
ocupando terras sertão adentro “estabelecendo suas roas” formando um campesinato
sertanejo (LINHARES, 1981, p. 130).

66
Em 1663, Guedes de Brito em associação a Bernardo Vieira Ravasco recebeu
do Conde de Óbidos uma sesmaria que vai do rio Itapicuru até o São Francisco e o
Itapicuru até nascentes do Paraguaçu, com reserva de uma légua de terras a cada aldeia
indígena existente na região. Isabel Guedes de Brito declarou que o pai comprou a parte do
sócio (NEVES, 2003, p. 121). Exigia-se que primeiro se estabelecesse a fazenda para depois
formular o pedido de carta de sesmaria.
O descontrole parcial do domínio fundiário colonial na América Portuguesa e a
formação do Estado brasileiro levaram ao caos agrário. As reformas liberais na Europa e
seus reflexos na América criaram condições para a revisão da legislação agrária pelo
Império Brasileiro. Reformas legais que transformavam a terra em objeto de mercado
surgiram na Península Ibérica, “em alguns países da América Latina, América do Norte e
Austrália” (SMITH, 1990. p. 25). Em 17 de julho de 1822, por ordem do Príncipe Regente
D. Pedro “suspendeu-se a concessão de sesmarias” ( MOTTA, 2008. p. 135). A doação de
terras públicas foi suspensa na espera de uma nova legislação. Na ausência de doação,
temos como duas únicas vias possíveis de acesso à terra, a posse e a compra.
Nos anos 1830, a “obrigatoriedade de foros de sesmarias”, de acordo com a lei
de 15 de novembro de 1831, foi instituída desestimulando os sesmeiros a permanecerem
com suas terras nessa modalidade. Para completar o quadro, ocorreu a “extinção do
morgadio (lei de 6 de outubro de 1835)” e da capelania (SILVA, 1996, p. 85). Essa
combinação tornou possível e estimulou a liquidação do latifúndio que a Casa da Ponte
possuía no sertão da Bahia. O sétimo Conde da Ponte Manoel de Saldanha da Gama e a
condessa D. Joaquina Castelo Branco nomearam o capitão Tomás Garcia Paranhos para
“vender todos os bens”1.
Na região de Jacobina, foi nomeado sub-procurador, Manoel Fulgêncio de
Figueiredo. Em Morro do Chapéu, no dia 26 de setembro de 1837, ele vendeu as fazendas
Berlingas, Roçado e Tapera a Tereza de Jesus Maria2 pela quantia de 9:000$000, sendo
que 6:000$000 deveriam ser pagos em 15 de dezembro e outros 3:000$000 em primeiro de
novembro do ano seguinte. Não se sabe se Tereza já havia, então, feito uma “sociedade”
com Felipe Ferreira dos Santos que entrou com 275$000 para pagar metade do preço e da
sisa (imposto de transferência imobiliária) da fazenda Tapera3. Ao comprador José de
Souza Bessa coube as fazendas Jaboticaba, Olho d’Água de São Lourenço e Barriguda de
1
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Proc. 01
2
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Reg. 04
3
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Reg. 09

67
Dentro pelo preço de 650$000. A compra foi realizada em 27 de setembro de 1837 e o
pagamento seria efetuado em primeiro de julho de 18384. No dia 28 de setembro de 1837,
o padre Francisco Gomes de Araujo e a viúva Anna Umbilina de Araújo, em sociedade,
compraram as fazendas Pedras e Barra pela quantia de 300$000 com pagamento previsto
para janeiro do ano seguinte5. No mesmo dia, Dona Helena da Silva Xavier de Meneses
comprou um “prédio”, sinônimo de imóvel, denominado Poços, por 150$000 a serem
pagos em primeiro de novembro6. Nos registros de terra da freguesia de Morro do Chapéu,
declararam que compraram terras à Casa da Ponte, Manoel Joaquim de Santana – fazenda
Barracão7 – Bartolomeu da Silva Miranda e Antonio da Silva Miranda – a fazenda Manga
no rio Jacaré8.
Nos registros da freguesia de Xique-Xique, Domingos Antônio do Vale
declarou ter comprado a fazenda Varzinha9à Casa da Ponte, através do procurador Tomás
José da Costa. Maria da Rocha do Nascimento e seu filho José Alves Bessa declararam que
a fazenda Caldeirão fora comprada ao “Conde e Condessa da Ponte” através de seu
procurador, Marco Antônio de Campos1. Antonio José de Assunção e Felipe Pereira Freire
compraram a fazenda Mattos à Casa da Ponte representada pelo capitão Álvaro Antônio de
Campos2. Este também, do patrimônio da Casa da Ponte, a fazenda Bom Sucesso, a
Dionísia Maria da Conceição3 e a fazenda Boa Vista a João Alves Pereira em 12 de
setembro de 18254.
A Lei nº 601 de 1850 inspirava-se em “Letters from Sydney” de Edward
Wakefield. O projeto inicial, de autoria do ministro da Marinha, Rodrigues Torres, foi
apresentada em 10 de junho de 1843, causando violento debate na Câmara. Em 16 de

4
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Reg. 06. APB. Judiciário. Inventário e testamento de
José de Souza Bessa. 1842.
5
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Reg. 07
6
FCA. Livro de Notas. Escrituras. 1832-1849. Livro A. Reg. 06
7
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora da Graça do Morro do Chapéu. 4752.
1858-1860. Nº 02.
8
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora da Graça do Morro do Chapéu. 4752.
1858-1860. Nº 146
9
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. 1857-1859. Nº
117
1
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. 1857-1859. Nº
175
2
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. 1857-1859. Nº
205
3
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. 1857-1859. Nº
204
4
APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. 1857-1859. Nº
223

68
setembro, aprovado, foi encaminhado ao Senado, foi reformulado à luz do fim do tráfico
negreiro, decretada no início de 1850. Após a independência, houve luta pela terra nas
zonas de fronteira do café. Agora, queriam o “reconhecimento legal das propriedades que,
quase sempre, haviam conseguido com meios escusos” (MATTOS, 1984, p. 239, 243).
Analisada em vários momentos por Karl Marx, a proposta de colonização da
Austrália consistia no encarecimento artificial do preço da propriedade e “o provimento
momentâneo dos trabalhadores assalariados” (MARX, 2011, p. 217). No caso australiano,
a ideia era evitar que os trabalhadores migrantes se tornassem camponeses e desenvolver
uma propriedade baseada “na exploração do trabalho alheio” oposta à propriedade
camponesa “que se baseia sobre o trabalho do próprio produtor”, crescendo a primeira
“sobre o túmulo da segunda” (MARX, 2006, p. 881). No Brasil, a lei de inspiração
wakefieldiana objetivava prover de braços livres e assalariados a lavoura cafeeira, além de
regulamentar a ocupação fundiária. O liberalismo brasileiro, pragmático e adaptado às
condições escravistas e coloniais, tentou adaptação da teoria da colonização australiana
desse economista britânico. Abandonava-se, assim, a fisiocracia e o bulionismo5.
O erro de Wakefield, de acordo com Marx, seria supor que meios de produção
e subsistência são capital, quando somente em situações específicas eles atuam como
capital, ou seja, como produtor de mais-valor, instrumentos de valorização de si próprios
através do trabalho excedente. Porém, a disponibilidade de terra inviabiliza a produção de
mais-valor, pois trabalhadores tendem a se tornar produtores independentes e não
assalariados. O governo determina artificialmente o preço da terra e o trabalhador
imigrante leva anos como assalariado para reunir o necessário para comprar a terra. O
preço da terra é o resgate de saída para o trabalhador do mercado assalariado de trabalho e
seu ingresso na produção autônoma. A aplicação da teoria de colonização sistemática foi
um “fiasco”, devido à força magnética que o ouro da Califórnia causou sobre os
imigrantes. A Guerra Civil endividou o Estado e levou as terras às mãos de sociedades
especuladoras.
Marx concluiu que o fiasco da teoria wakefieldiana de colonização se deve ao
fato de que “o modo capitalista de produção e de acumulação” e seu correspondente
necessário “a propriedade privada capitalista”, “exigem (...) o aniquilamento da
propriedade privada baseada no trabalho próprio, isto é, a expropriação do trabalhador”

5
Um economista brasileiro fisiocrata é José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho (COUTINHO, 1808a;
COUTINHO, 1808b. COUTINHO, 1816).

69
(MARX, 2006, p. 891). O capital é o “criador” da moderna propriedade fundiária e da
renda da terra moderna e a “ação” do capital se confunde com a “dissolução da forma
antiga da propriedade fundiária”, surgindo a moderna propriedade a partir “da ação do
capital sobre a antiga” (MARX, 2011, p. 215). As novas relações sociais se desenvolvem
num terreno dado pelas “relações de produção tradicionais herdadas, e em contradição com
elas” (MARX, 2011. p. 217).
A lei de terras possui algumas interpretações divergentes. Para alguns, a lei
buscou “implantar no Brasil a propriedade privada das terras” de modo a solucionar o
problema da mão de obra. Ela procuraria transformar a terra em mercadoria, transformando
a terra de um privilégio e uma mercê, em um valor de troca, acessível a “qualquer cidadão”
que quisesse – e pudesse – “se transformar em proprietário privado de terras” (STEDILE,
2005, p. 24-25).
Uma interpretação clássica é a de José de Souza Martins que entende ter o
escravo cumprido “dupla função” de ser fonte de trabalho e de capital e que “a terra sem
trabalhadores nada representava e pouco valia em termos econômicos” (MARTINS,
2010b, p. 43, 41). Desse modo, o movimento dos proprietários de terra no século XIX,
desde a lei de terras até a abolição procurava garantir o “monopólio de classe sobre a terra”
(MARTINS, 2010b, p. 82). Comparando a lei de terras com a “acumulação primitiva”,
embora “tênue”, Martins diz que ela foi “condição das grandes transformações
institucionais que (...) levaram à abolição da escravatura e à utilização plena do capitalismo
no Brasil” (MARTINS, 2010b, p. 195). Ele argumenta que “a leitura dos Registros”
permite perceber que “frequentemente” o fazendeiro fazia com que posseiros declarassem
terras em nome “dele e não deles” renunciando “sem o saber” ao “registro que lhes daria
direito a terem como sua a terra ocupada” sendo depois “expulsos da terra” (MARTINS,
2010b, p. 196). Não foi encontrado algo semelhante em paróquias nas fontes da Bahia.
A terra conjugada unicamente com a força de trabalho não produz coisa
nenhuma. É preciso o intermédio de meios de produção, como instrumentos de trabalho,
insumos e recursos para a manutenção da força de trabalho. Em nossa pesquisa,
percebemos algumas formas de acesso à terra e todas elas necessitaram de algum tipo de
acúmulo de bens. Seja a via do garimpeiro que transforma seu bamburro em terra, escravos
e gado, seja a via do meeiro, do agregado, do vaqueiro de sorte ou do posseiro membro da
comunidade e contando com o apoio desta.

70
José Murilo de Carvalho atenta para o fato de que o projeto de lei original
priorizava a colonização (CARVALHO, 2007, p. 335). No debate na Câmara, as propostas
de imposto territorial e retomada de terras irregulares e inadimplentes acirrou ânimos de
deputados, com o exemplo do mineiro João Antão que afirmou possuir o projeto uma
conotação comunista capaz de deflagrar uma guerra civil, mas essa polêmica proposta foi
retirada quando o projeto tramitou no Senado (CARVALHO, 2007, p. 340). Uma
“tentativa de modernização conservadora” frustrada, “fracassou o objetivo da lei, que era a
atração de imigrantes europeus” (CARVALHO, 2007,343). Não foram demarcadas as
terras devolutas, concluindo que “a Lei de Terras não pegou” (CARVALHO, 2007, p.
346). Sua inaplicabilidade revelou que o Estado imperial seria inoperante quando
contrariava os interesses dos proprietários rurais.
Ilmar Mattos argumenta que com a Lei de Terras, o Estado pretendia instituir
um imposto territorial, “monopolizar a venda de terras devolutas” e usar a receita para
importar colonos que seriam obrigados a trabalhar um tempo mínimo. A fração
hegemônica dos parlamentares, o partido saquarema, intencionava “a criação de uma
reserva de trabalhadores não escravos, mas que deveriam estar sujeitos aos interesses
dominantes” de modo a poupar trabalho escravizado. Era, portanto, uma política de mão de
obra e de terras que tentava articular a economia, mas seu objetivo último era preservar a
hierarquia política (MATTOS, 1984, p. 249-250).
Lígia Osório da Silva afirma que “um dos objetivos do projeto era encarecer as
terras” (SILVA, 1996, p. 99) de modo a encerrar, a partir dali, a posse, legalizando as
realizadas anteriormente de forma pacífica e legítima, e vender as terras devolutas para
subvencionar a colonização (SILVA, 1996, p. 108, 146). Porém, a tentativa de encarecer as
terras elevando o valor das devolutas e proibindo a posse fracassou. “A política de
emancipação gradual da escravidão que manteve a economia girando em torno do escravo”
e a “incapacidade do Estado em regularizar a situação da propriedade territorial” são as
suas razões (SILVA, 1996, p. 151-152). Os inimigos poderosos dos legisladores eram “o
costume arraigado da posse e o elemento essencial da prescrição aquisitiva” (SILVA,
1996, p. 155).
Márcia Maria Menendes Motta critica a tese de José de Souza Martins que vem
sendo reproduzida acriticamente por inúmeros autores para os quais “a Lei de terras viera
tão somente para assegurar os interesses dos grandes proprietários, constituindo-se como
um marco importante no processo de apropriação capitalista no Brasil” (MOTTA, 2006).

71
Para Motta, o projeto de lei buscava resolver o problema conexo de “sesmarias
e colonização” (MOTTA, 2008, p. 142) sendo “debatida, discutida” durante sete anos, não
estando ligada automaticamente ao problema da transição do trabalho escravo para o livre
(MOTTA, 2008, p. 158). Ela correspondeu aos “conflitos existentes à época de sua votação
e expressa em percepções diversas sobre os diferentes costumes e concepções em relação
ao acesso à terra” (MOTTA, 2008, p. 154). Seus artigos permitiam leituras contraditórias
conferindo-lhe uma ambiguidade.
O dispositivo criado por seu regulamento previa registros por paróquia que
seriam encaminhados ao Diretor Geral de Terras Públicas em cada Província que efetivaria
o cadastramento e faria “medições e demarcações das terras” para proporcionar ao posseiro
e ao sesmeiro “um título seguro de suas terras” (MOTTA, 2008, p. 181).
Os registros, todavia, não serviram para isso. A jurisprudência do código
filipino prevaleceu na decisão dos conflitos de terra em todo o Brasil e adentraram a
República. Nem todos os fazendeiros, posseiros e sesmeiros declararam suas terras. Alguns
talvez o fizessem acreditando uma garantia de “suas terras em decorrência de conflitos
perto de suas fazendas” se dispondo “a se submeter à determinação legal, na expectativa de
que isto viesse a garantir o seu domínio, potencialmente ameaçado pela presença de
invasores” (MOTTA, 2008, p. 177). Outros talvez não participaram para não se
submeterem ao governo e para evitar “contestação, por outrem, dos limites de sua terra”
preferindo “manter a posse de suas terras pela força de seu prestígio e poder ou das
alianças que conseguisse tecer ou preservar” (MOTTA, 2008, p. 190).
Ao contrário do que subentende-se da interpretação clássica de que a Lei
legaliza a propriedade-mercadoria, Motta defende que “a legalização de terras se dá nos
bastidores dos cartórios locais, com a conivência de tabeliães e testemunhas que
simplesmente alteram a extensão de terra e forjam cadeias sucessórias” (MOTTA, 2008, p.
229). Em contraposição, a lei foi vista “como um instrumento legal que permitia a
legalização de posses, ocupadas por pequenos lavradores” (MOTTA, 2008, p. 230).
Para Erivaldo Neves, a “Lei de Terras atendera aos interesses particulares dos
‘saquaremas’, ao dinamizar o tráfico interno de escravos, e se opor ao regime de parceria”.
Contudo, as razões internas eram determinantes na definição da lei configurando mesmo
um projeto nacional em elaboração. Um projeto, entretanto, que garantia a propriedade
fundiária a quem a possuía e excluía aqueles que não dispunham de dinheiro para comprá-
la. Foi comum a burla da sisa – imposto de “transmissão de imóveis, equivalente a 10% do

72
valor venal” – através da “transferência de domínios, apenas com documentos
particulares”. Isso também tinha por consequência a indivisibilidade das propriedades
fundiárias de modo que os “titulares de posses em comum” eram herdeiros ou
compradores, mas proprietários. Os registros paroquiais, fonte importante, apresentam
lacunas para os historiadores e foram de “inutilidade jurídica”, pois não eram referidos em
“autos de questões de limites de terra” (NEVES, 2005c, p. 195).
Os registros da freguesia de Xique-Xique permitem analisar a via de acesso à
propriedade. Foram 270 registros. Mais da metade das propriedades, 151 declarações
(55,91%), foram adquiridas através de compra, sendo os maiores vendedores de terras
Manoel Joaquim Pereira de Castro (17 vendas) e Ernesto Augusto da Rocha Medrado (10
vendas), tendo o primeiro comprado à Casa da Ponte. Destaca-se que Manoel Joaquim
Pereira de Castro, grande proprietário e comerciante de terras de Xique-Xique, era filho do
sub-procurador da Casa da Ponte em Rio de Contas, Joaquim Pereira de Castro e que
Ernesto Augusto da Rocha Medrado possuía laços de parentesco com a família Castelo
Branco, da Condessa da Ponte, revelando que relações sanguíneas pesavam na sucessão
dominial e na liquidação do patrimônio da Casa da Ponte no Brasil. Quase metade das
propriedades (110 registros, 40,73%) foram adquiridas através de herança – quando o
mesmo proprietário declarava terras adquiridas por meio de herança e compra, foi
quantificado em herança por garantir o acesso à propriedade – e apenas uma doação. Oito
não declararam como conseguiram terra. A partir disso, conclui-se que a extinção do
patrimônio da Casa da Ponte reduziu o arrendamento e criou um mercado de terras; fatores
como a mineração na Lavra do Gentio na década de 1840 permitiram muitos garimpeiros
se tornassem fazendeiros. A grande relevância da herança mostra que a região já estava
razoavelmente ocupada desde, pelo menos, uma geração anterior. E revela que a posse era
exceção, mas havia algum espaço; o fato de os limites das terras não serem declarados com
precisão e a extensão não aparecer na maioria dos registros demonstra que havia
interstícios que poderiam ser ocupados pelos herdeiros do comprador ou por outros,
ocupando-se, com o tempo, mais terra do que havia sido comprada. O conteúdo qualitativo
das declarações permite concluir que a menção ao vendedor da terra – Casa da Ponte, o
Comandante Superior Ernesto Augusto da Rocha Medrado – além de comprovarem a
cadeia sucessória, legitimam a propriedade com a garantia de um “poderoso”. Também era
bastante comum, nas heranças especialmente, a posse “em comum” de vários proprietários,
em geral ligados por laços familiares.

73
Os registros da freguesia de Morro do Chapéu são um pouco distintos. No total
de 332 registros, prevalece a compra com 161 (48,46%), seguida pela herança com 75
registros (22,57%), inferior a Xique-Xique, sugerindo ocupação e loteamento das terras da
Casa da Ponte realizado mais recentemente. Aparecem também duas doações, dois dotes e
33 registros de “descoberta” (9,93%), o que sugere o ato de “descobrir” – desmatar, ocupar
– terras em Morro do Chapéu ganhou institucionalidade. Os livros de nota sugerem que
alguns dos compradores na década de 1840 poderiam pagar com recursos adquiridos no
garimpo, a exemplo de Manoel Joaquim da Silva Miranda que comprou várias
propriedades ao longo do rio Jacaré6, tal qual João José da Silva Dourado que se
encontrava em Lavra do Gentio, em junho de 1840, quando estabeleceu procuração para
que a propriedade de Lagoa Grande fosse registrada no cartório de Morro do Chapéu7.

A região
A controvérsia em torno do conceito de região é extensa. Não é intenção fazê-la
aqui. Todavia, definir o que se entende por região é fundamental quando o mesmo possui
tanta centralidade no objeto em análise. Originado da geografia, o conceito possui uma raiz
na estratégia militar, pois, segundo Foucault, tem origem etimológica em reger, regência
(FOUCAULT, 1999, p. 158). Há, no entanto, aqueles que pesam “historicamente região
como emergência de diferenças internas de qualquer nação, no que concerne ao exercício
de poder, como recortes espaciais que surgem do enfrentamento de diferentes grupos
sociais” (NEVES, 2002, p. 59). Afinal de contas, a nação é a composição de partes que
opõem-se e são contrárias em características fundamentais, mas que, com o processo
histórico, podem constituir-se em uma sociedade comum (BLOCH, 1968, p. ix).
O conhecimento geográfico e a criação de regiões é um processo político de
poderes simbólicos que influenciam em proporções várias, a depender do processo
histórico de regionalização, na criação de regiões (ARRUDA, 2000, p. 137). Gilmar
Barbosa destaca, para a análise da ocupação do interior paulista, o significado político da
toponímia. Os nomes estão carregados de simbolismo e separam o bárbaro do civilizado,
de acordo, é claro, com aqueles que se julgam civilizados (ARRUDA, 2000, p. 141). A
criação de um imaginário de hostilidade justificou o genocídio de populações indígenas do
6
O Major Manuel Joaquim declarou as fazendas Canabrava, Santa Cruz, Tigre, Bom Sucesso, Lagoinha,
duas partes de terras na Bruacas e duas partes de terras na fazenda Porcos, sendo as três primeiras situadas no
sertão do rio Jacaré. APB. Colonial. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora da Graça do Morro do
Chapéu. 4752. 1858-1860. Nº208, 209, 210, 211, 212, 213, 214, 300 e 307.
7
FCA. Livro de Nota. Escritura. 1832-1848. Livro A.Nº 32

74
extremo oeste do Estado de São Paulo no início do século XX, ao municiar a política com
o status científico do discurso cartográfico (ARRUDA, 2000, p. 158-159). No caso da
região em estudo, percebemos que uma fazenda ou povoado era nomeada como
homenagem a lugares de origem de seus habitantes, destacavam o acesso à água como
Caldeirão, Lagoinha, Riacho Largo, Poço, Lagoa das Éguas, Lagoa do Patos e Canoão.
A região também é um lugar de identidade de grupos que compartilham
conceitos a respeito de uma tradição específica, baseada em alguns comportamentos
padronizados que são mais complexos do que os estereótipos. Assim, por exemplo, a
construção da região do sertão como um “lugar de tradições e costumes antigos”, de
acordo com Ivone Cordeiro Barbosa. Partindo de um conceito de espaço como “dimensão
das relações entre os homens, pressupondo tensões e conflitos tanto quanto consensos,
como resultado das experiências humanas”, entendidas enquanto ações e “interpretações
construídas sobre elas” (BARBOSA, 2000, p. 33-34).
A categoria sertão é “portadora de sentidos históricos, geográficos, sociológicos
e antropológicos” diversos. No Brasil a nacionalidade foi interpretada na dualidade entre
litoral e sertão. Daí a importância da regionalização como processo para construção da
própria identidade nacional. É singularizando a nação, calcada em uma desigualdade
interna entre o litoral conhecido e o sertão como espaço do outro, da alteridade, que se
define a nacionalidade. O bandeirante, enquanto viajante, foi visto como marco originário
da nação, vista como um país em marcha, marcado pela liberdade e pelo enfrentamento da
natureza hostil do sertão. Como argumenta Candice Vidal e Souza, por vezes a literatura
não buscava o sertão como material de estudo empírico, mas como referente de Brasil: lá
estava a solidariedade armada, a vendeta sanguinária, o sertão móvel em oposição ao
litoral fixo, a oportunidade de clandestinidade, o super-poder local privatista. Desse modo,
é fundamental a regionalização do Brasil para a compreensão de sua identidade (VIDAL E
SOUZA, 1997).
Todavia, a dicotomia sertão-litoral, fundamental para a formação da identidade
nacional brasileira no Brasil republicano, foi superada em muito pelo processo de
regionalização que se deu com aquilo que o historiador Durval Muniz de Albuquerque
Júnior chamou de “invenção do Nordeste”. Um arrojado e complexo empreendimento
político-intelectual tendo à frente Gilberto Freyre e a elite pernambucana levou à formação
de um discurso de nordestinidade na década de que 20 que permeou a produção cultural
brasileira no período posterior, sendo reproduzida – na forma elitista original ou no giro de

75
180 graus dado por intelectuais que não se libertaram das prisões do discurso regional –
por nomes como Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego, Luís Gonzaga,
Glauber Rocha, Candido Portinari e outros (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2009).
A regionalização do Brasil foi fundamental para o processo de planejamento
econômico que estava vinculado à luta política em curso nos anos 1950. Não foi diferente
o caso do Nordeste como “problema nacional” (DÓRIA, 2007). Não é à toa que o Estado
criou o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – O GTDN. Sob a
liderança do economista paraibano Celso Furtado, o GTDN elaborou um documento
publicado pelo Ministério do Interior intitulado “Uma política de desenvolvimento
econômico para o Nordeste”, redigido basicamente por Furtado, que se tornou o texto-base
para a SUDENE – Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Partindo da
dicotomia entre o Centro-Sul e o Nordeste com “disparidade de níveis de renda” e um
“desenvolvimento da economia nordestina” “inferior” ao do Centro-Sul, buscou-se a
superação dessa dicotomia através de projetos de reforma agrária, industrialização e
deslocamento demográfico (GTDN, 1957).
Em crítica a essa interpretação chamada dualista que dividia o país em um
Centro-Sul moderno e industrializado e um Nordeste agrário e atrasado, o sociólogo
Francisco de Oliveira produziu um artigo clássico. Trata-se do texto “Crítica à razão
dualista” (OLIVEIRA, 2003), uma crítica ao “desenvolvimentismo” baseado no
pensamento da CEPAL – escola econômica da qual Furtado era um dos alunos e
representantes – e na teoria do feudalismo do PCB. Identificando o “dualismo” com
reformistas, ou seja, medidas moderadas de transformação dentro da ordem capitalista,
Oliveira destaca que no Brasil o atraso impulsiona o moderno. Para os dualistas a
permanência de restos feudais atrasava a agricultura brasileira, enquanto Oliveira entende
que um “padrão primitivo” permitiu um “extraordinário crescimento industrial”, na qual
esse setor atrasado fornece “contingentes populacionais que iriam formar o ‘exército de
reserva’ das cidades, permitindo uma redefinição das relações capital-trabalho, que
ampliou as possibilidades da acumulação industrial” contribuindo com “excedentes
alimentícios cujo preço era determinado pelo custo de reprodução da força de trabalho
rural” (OLIVEIRA, 2003, p. 46). Tal interpretação chamada por alguns de
integracionismo ganhou grande audiência nos meios intelectuais e políticos redefinindo o
problema da região no Brasil.

76
Em outro texto, Francisco de Oliveira trata especificamente do “problema
Nordeste”. Seguindo a proposta do texto anterior, não percebe o Nordeste como um
“atraso” que impede o país de levantar voo, mas como elemento fundamental que
possibilita a industrialização. Ao tratar da ação da SUDENE, Oliveira a entende como uma
proposta de planejamento do capitalismo sob o signo da luta de classes e a relação entre
Estado e sociedade. No tocante ao problema da região, adota um conceito econômico: o
determinante para a demarcação regional seria a forma de acumulação, o modo de
produção. O mesmo percebe, para o contexto brasileiro, um fim das regiões através do
processo de “homogeneização do espaço econômico do sistema capitalista no Brasil”
(OLIVEIRA, 2008, p. 141). De acordo com o autor, as contradições da expansão
capitalista engendraram particularidades na divisão regional do trabalho, mas o
desenvolvimento do capital levará ao desaparecimento das regiões. Para o autor, até
mesmo a cultura sofre um processo de homogeneização realizado pelo capital. “À parte
certas diferenças que chamaremos aqui de ‘culturais’ – e que a própria evolução capitalista,
sob a forma das comunicações, da televisão, da indústria ‘cultural’ em suma, se encarrega
de dissolver” (OLIVEIRA, 2003, p. 143). O autor “privilegia (...) um conceito de região
que se fundamente na especificidade da reprodução do capital” (OLIVEIRA, 2003, p. 145),
lembrando que “existe uma tendência para a completa homogeneização da reprodução do
capital” que fará “desaparecer as ‘regiões’, no sentido proposto por essa investigação”
(OLIVEIRA, 2003, p. 146). Conceituando região, ela seria “o espaço onde se imbricam
dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital e, por consequência, uma
forma especial de luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem
uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos da reposição”
(OLIVEIRA, 2003, p. 148). Retornando o debate sobre o dualismo, o mesmo coloca que a
diferenciação acontece quando “uma das formas de capital se sobrepõe às demais” e a
oposição existe entre classes e não entre regiões (OLIVEIRA, 2003, p. 149).
Um dos textos elementares para a questão regional é o ensaio inacabado de
Antonio Gramsci, “Alguns temas da questão meridional”. Escrito em 1926, interrompido
pela sua prisão, mesmo sendo incompleto oferece uma chave interpretativa para o
problema do desenvolvimento italiano e da via nacional para o socialismo. A realidade
fortemente regionalizada da Itália permitiu o surgimento de um Norte industrial, o
Piemonte e a “permanência” de um Sul atrasado, o Mezzogiorno. De acordo com Gramsci,
a dominação exercida sobre os operários do Norte e os camponeses do Sul é oriunda do

77
mesmo grupo hegemônico e que, longe de atrasar o desenvolvimento italiano, o sul agrário
o impulsiona, quando um “monstruoso bloco agrário (...) atua como intermediário e
controlador a serviço do capitalismo setentrional e dos grandes bancos” (GRAMSCI, 2004,
p. 428). Apontando como unitário o desenvolvimento do capitalismo na Itália e percebendo
que as contradições desse capitalismo se manifestavam em formas distintas de acumulação
em regiões industriais e agrárias, destacando a dependência da força de trabalho que a
região industrial possui em relação à agrícola, Gramsci se tornou referência para a questão
Nordeste no Brasil.
Refletindo-se sobre o enquadramento da região Nordeste na realidade nacional,
Gadiel Perruci questiona quais os interesses envolvidos nessa definição de região? O
mesmo prossegue questionando como se configura o modo de produção capitalista no
Nordeste e opta pelo uso dos conceitos de centro e periferia do modo de produção
capitalista, entendendo que o moderno sustenta seu progresso a partir da criação do atraso.
Para ele, o capital criou as relações de produção não-capitalistas presentes nas regiões
atrasadas com o objetivo de acumular capital. Corroborando com Francisco de Oliveira,
Gadiel Perruci argumenta que o processo de industrialização da SUDENE demanda força
de trabalho exógena e que esse processo leva à unificação da economia capitalista. A
carência de formação de um mercado de trabalho seria uma resultante da inexistência de
divisão regional do trabalho. Não importam as relações de produção, os trabalhadores do
Nordeste são explorados e sua força de trabalho é quase de graça. A criação da ideia de
Nordeste justificaria uma intervenção salvadora do Estado, atribuindo à modernização
capitalista das relações de produção a solução para os males da “sociedade nordestina”.
Para Perruci, “a questão básica das reivindicações populares não passava por esta entidade
chamada Nordeste”, para ele uma categoria que mitifica um particularismo inexistente e
não fazer avançar as lutas (PERRUCI, 1984).
A questão Nordeste foi demasiado importante para o desenvolvimento das
ciências sociais no Brasil. Inúmeros estudos foram realizados sobre o mesmo, sobretudo
com a emergência das Ligas Camponesas. Todavia, havia autores dos dois lados. De um,
aqueles que se identificavam com a revolução camponesa de Francisco Julião e falavam
em “república socialista do Nordeste” (OLIVEIRA, 2008, p. 22) e havia aqueles que
estavam do lado do status quo. Naturalmente, o que nos interessa aqui em particular é a
riqueza do debate a respeito da região que o fenômeno suscitou.

78
O objeto de estudo aqui trabalhado carecia de uma definição regional
satisfatória. Ele aborda uma parte da fronteira dos municípios de Xique-Xique e Morro do
Chapéu que posteriormente ficou conhecida como microrregião de Irecê e Território de
Cidadania de Irecê. Todavia, o município que a centraliza somente existiu definitivamente
a partir de 1933 o que tornaria anacronismo utilizar esse termo, além do fato de que a
“região de Irecê” emergiu como sinônimo de “terra do feijão” no período de produção do
tri-consórcio de feijão-milho-mamona em meados do século XX. Essa produção de tri-
consórcio, subsidiada pelo Estado, era uma produção de mercado, identificada com valores
empresariais e produtivistas. Em resumo, tratava-se de uma forma de produzir e de viver
distinta daquela dos catingueiros que se tornaram estrangeiros em sua própria terra.
Desenvolveu-se a categoria de agrocaatinga para dar conta de especificar espacialmente o
objeto de estudo, destacar suas especificidades em relação a outras regiões e apontar
algumas regularidades internas de organização social e estrutura econômica, tais como a
importância do campo para pecuária, da reserva florestal como recurso econômico, da roça
como uma das dimensões de produção e da alteridade em relação à feira – e
consequentemente a cidade e o mercado – como espaço de sociabilidade – e não ainda de
regulação social.
Denominou-se aqui as agrocaatingas de Serra Azul e de América Dourada em
virtude da centralidade que ambas exerceram na ocupação das caatingas de Xique-Xique e
Morro do Chapéu. Serra Azul justifica-se pela ocupação inicial de fazendas nas margens de
riachos que nascem nessa serra e que exerceram papel fundamental na articulação de
fazendas, roças e arraiais que se desenvolveram no município de Xique-Xique.
Posteriormente, essa região também era conhecida como caatinga central. América
Dourada justifica-se pelo nome da fazenda que englobava quase todo o terreno ocupado e
pela centralidade do povoado homônimo para os seus ocupantes.

A formação da Agrocaatinga da Serra Azul


Xique-Xique surgiu a partir da fazenda Praia de Teobaldo José de Carvalho, no
século XVIII. Elevada à categoria de vila por meio de decreto de seis de julho de 1832,
instalada em 23 de outubro de 1834 (VIANA, 1893, p. 505). Teve grande impulso o
povoamento do interior do município a exploração de ouro na serra do Assuruá, a partir de
1837, e de diamante a partir de 1841, embora indícios apontem exploração aurífera por
quilombolas em 1799 (FERREIRA, 2008, p. 101, 106). As caatingas situadas a sudeste,

79
além do vale do rio Verde, foram povoadas a partir da mineração, já que alguns de seus
ocupantes eram oriundos dos núcleos habitacionais da serra do Assuruá.
Temos como fator importante para ocupação da caatinga de Xique-Xique, a
mineração na serra do Assuruá. Iniciada com ímpeto a exploração em 1837, o bambúrrio
proporcionou a alguns garimpeiros o recurso necessário para a aquisição de terras, gado e
escravos. Quando a produção de uma mina entrava em declínio, a população por ela atraída
ia procurar subsistência noutro lugar ou investia na pecuária e na policultura nas caatingas.
Toda a borda leste da serra Azul, contínua à serra do Assuruá – as duas margeiam o rio
Verde – foi ocupada dentro dessa determinação: lavradores que compravam as terras na
década de 1840, em consonância com o sucesso das minas e seus parentes e herdeiros
empobrecidos que foram se destinando às propriedades como lavradores, alguns
agregados, outros comprando parcelas de terra, se apossando livremente e abrindo
pequenas roças. Auge e declínio das minas levam, portanto, uma parte da população a se
deslocar para as fazendas e roças que formaram a agrocaatinga.
Denomina-se agrocaatinga a região do sertão de Xique-Xique e Morro do
Chapéu que fica entre os vales dos rios Verde e Jacaré e que foi ocupada desde meados do
século XIX, inicialmente com pecuária e policultura para autoabastecimento.
Posteriormente, essa região produziu mercadorias como borracha de maniçoba, algodão,
mamona, banha e toucinho de porco, até na década de 1940. Compreendendo terras dos
municípios de Itaguaçú da Bahia, Central, Jussara, Uibaí, Presidente Dutra, São Gabriel,
Irecê, João Dourado, Ibititá, Ibipeba, Barra do Mendes, Canarana, Lapão, América
Dourada, Barro Alto e Cafarnaum. Neste capítulo, explora-se a formação dos arraiais de
duas agrocaatingas dentro dessa região. A agrocaatinga da Serra Azul, por compreender
um complexo de arraiais, vilas e cidades onde alguns grupos familiares estabeleceram e
passaram a produzir sua sobrevivência tendo como ponto de partida e referência histórica
as fazendas Santo Euzébio, Pontal, Chapada, Arrecife, Laranjeiras, Olho d’Água,
Canabrava, Riacho d’Areia, Traíras e Riacho Largo, territórios que mais tarde
compreenderam os municípios de Central, Uibaí, Presidente Dutra e Jussara.
Essas terras abrigam uma série de vales como o da vereda de São Rafael –
atual baixão de Gabriel, o riacho do Baixão, o riacho Canabrava, o riacho Largo, o riacho
do Olho d’Água, o riacho da Fonte Grande. Nas rochas de alguns desses vales na serra
encontram-se pinturas rupestres. Mas até onde se sabe, povos nômades não se fixaram com

80
aldeias na região. Podem ter sido desalojados ou mortos por Antônio Guedes de Brito que
conseguiu a sesmaria original, antes supracitada, que abrangia essas terras.
Os primeiros registros8 de comercialização de terras nessa região datam de cinco de maio
de 1841, quando o procurador da Casa da Ponte na região, o capitão Manoel Joaquim
Pereira de Castro vendeu a Felix Gonçalves Chaves a fazenda Pontal e metade da fazenda
Santo Euzébio (FERREIRA, 2008, p. 129). Não sabemos, todavia, se Felix era um
arrendatário que adquiriu as terras – comum em outras regiões da Bahia onde os Guedes de
Brito e seus sucessores possuíam terras. Em outras regiões da Bahia, na década de 1830, a
Casa da Ponte converteu “seus inquilinos em proprietários” (NEVES, 2005c, p. 184).

Figura 2. Região de Irecê

Fonte: IBGE.

O irmão de Felix, Antônio Gonçalves da Rocha Chaves, ao falecer em 1851,


possuía benfeitorias, currais e mangas em Santo Euzébio, Arrecifes e Chapada, havendo
uma casa em cada lugar. Entre suas dívidas, estava a quantia negociada de 3:127$000,
originalmente devida ao coronel Cerqueira, de Feira de Santana, repassada ao capitão
Liberto Teixeira Palha, de Xique-Xique. Teixeira Palha recebeu as terras, avaliadas em

8
De acordo com Adão Duarte, em seis de novembro de 1827 a fazenda Santo Euzébio foi vendida pela Casa
da Ponte através do procurador capitão-mor Alvaro Antonio de Campos ao vendedor Francisco Dias Lima
(DUARTE:1979, p. 13).

81
900$000, as casas que somavam a quantia de 23$000, dois cavalos e uma égua, avaliadas
em 30$000, 133 cabeças de gado, avaliadas em 1:064$000 e os escravos Micaela, cabra, 22
anos, Mardiliana, parda, meio ano de idade e Marcelino, pardo, 16 anos (FERREIRA,
2008, p. 136). O capitão Teixeira Palha vendeu as terras de Santo Euzébio a Américo
Francisco Miranda, sobrinho de Felix9. Não sabemos precisar se houve ocupação contínua
de Chapada e Arrecifes que formaram, posteriormente os arraiais de Chapada, e Recife.
Felix faleceu em 1858, deixando para a viúva Ana Francisca de Oliveira e suas
filhas Efigênia, Joana Carolina e Maria Francisca, terras, gado e outros bens. Uma casa de
palha em Santo Euzébio, avaliada em 30$000, e outra com oficina de farinha em
Mundinho, 20$000. A fazenda Pontal e metade de Santo Euzébio foram avaliadas em
400$000. Além de plantar mandioca e transformá-la em farinha e outros gêneros
alimentícios, Felix criava gado: 52 cabeças, avaliadas em 1:040$000 e 24 animais
cavalares, avaliados em 2:000$000 (FERREIRA, 2008, p. 157).
Américo Francisco Miranda morava entre Pontal e Santo Euzébio. Comprara a
fazenda Santo Euzébio a Liberato Palha e uma parte de terras em Pontal a José Quintino de
Oliveira por 60$000. Ao falecer em 1866, deixou 50 animais cavalares e 130 cabeças de
gado bovino. Sua viúva, Antonia Miranda, contava apenas 20 anos de idade (FERREIRA,
2008, p. 310).
Novos moradores e proprietários se estabeleceram em Santo Euzébio
posteriormente. Em cinco de março de 1919, Luiz Ribeiro Nunes, morador em Tiririca,
recebeu de herança de José Ribeiro da Silva, uma légua de terreno, correspondente à
metade da fazenda Santo Euzébio10. De acordo com registro de oito de abril, outra metade
das terras, com casa, mangas, currais e “cultura effectiva”, avaliada em 600$000, passou
para Maria Joaquina do Espírito Santo, residente em Tiririca11.
Partes de terra na fazenda Pontal eram propriedades de Maria Madalena de
Novais Mariano e seu esposo João da Cruz Mariano, negociante, tenente-coronel e
membro do partido liberal. Em 1874, no inventário de Maria Madalena, as terras em Pontal
foram avaliadas em 200$000 (FERREIRA, 2008, p. 206). Não viveram em Pontal e a
propriedade era parte de uma fortuna avaliada em 21:372$938.
Nesse mesmo período, ainda moravam em Pontal os descendentes de Felix. Ao
menos Joana Carolina do Espírito Santo, casada com Simão Martins Pereira. Sem filhos,

9
APB. Judiciário. Inventário de Américo Francisco Miranda. 5-1444-5, 1866
10
FCLV. Livro de Transcipção de imóveis. nº 04. 1916-1919. F. 120
11
FCLV. Livro de Transcipção de imóveis. nº 05. 1918. F. 28

82
ela faleceu em 1873, deixando “Meia posse de terras” avaliada em 100$000. É possível
que tivessem instrumentos de um curtume pela presença de couro curtido de gado e veado
em seu espólio, além de cabeças de gado (FERREIRA, 2008, p. 298).
Houve venda de posses em Pontal em 29 de março de 1918, quando uma “parte
de terra em commum” foi vendida por Manoel Joaquim dos Santos para Silvestre Martins
Pereira de Carvalho, ambos residentes em Tiririca, pelo preço de 26$00012. Um ano
depois, foi registrado que André Pereira Machado, então falecido, vendeu por 5$000 “casa
de morada habitual, cultura de cereaes e pastagem, curral, terreno próprio para criação e
plantação” para Marcolino Martins Pereira Machado, residente em Tiririca13. Em oito de
abril de 1919, Antônio Ferreira dos Santos e Feliciana Rita da Rocha venderam casa,
mangas, currais, roças e pasto para Roberto Manoel de Novaes pelo preço de 50$000;
comprador e vendedores residiam em Roça de Dentro14. Em 29 de abril de 1919, Francisco
Pires Maciel pagou 20$000 por terras em Pontal ao casal João Felix Tarrão e Ana Felix
Tarrão15. Em 19 de maio do mesmo ano, morador no local, Hosênio Fernandes de
Carvalho recebeu de herança de João Fernandes de Carvalho, casa, roças e pasto avaliados
em 10$00016. Em 1920, foram registrados como proprietários Archias Martins Pereira e
Ladislau Martins Pereira (BRASIL, 1923, p. 334).
Quanto à fazenda Chapada, é possível que Liberato Palha tenha vendido a
outros proprietários. A sua proximidade com a estrada de Dona Joana e com o rio Jacaré
podem ter atraído migrantes oriundos de São Gabriel, Pilão Arcado e Xique-Xique. A
fazenda Chapada da falecida Ermelina dos Reis Fraga17 inventariada pelo viúvo Modesto
Claro. Provavelmente, Ermelina morreu em decorrência de complicação no parto, pois
deixou apenas um filho de sete meses, talvez agravada pela penúria causada pela seca de
1889. O pouco que possuíam na Chapada eram 20 cabeças de gado bovino, dois burros e
dez cabras. O viúvo afirmou que seus bens foram depauperados pela seca (FERREIRA,
2008, p. 177).

12
FCLV. Livro de Transcipção de imóveis. nº 04. 1916-1919.
13
FCLV. Livro de Transcipção de imóveis. nº 05. 1918. F. 5
14
FCLV. Livro de Transcrição de imóveis. nº 05. 1918. F. 29
15
FCLV. Livro de Transcrição de imóveis. nº 05. 1918. F. 50
16
FCLV. Livro de Transcrição de imóveis. nº 05. 1918. F. 72
17
Não foi possível estabelecer nenhuma ligação entre Ermelina e José dos Reis Fraga, proprietário de “Poço
comprido na Verêda do Jacaré”, que adquiriu por herança, segundo declarou em dez de maio de 1858. APB.
Colonial. Registro de terra da freguesia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu. 4752. 1858-1860.
nº 121

83
Nesse período, outra família também morava em Chapada. Clementina de
Souza Brito e José Honorato de Souza tiveram treze filhos que posteriormente povoaram
as duas partes de terra que o casal possuía em Arrecife, uma na Chapada e uma em Pontal,
dando origem a alguns arraiais, como o Baixão dos Honorato no município de São Gabriel,
distrito de Recife e a cidade de Jussara. Viviam basicamente da criação e policultura:
possuíam uma oficina de farinha, dois burros cargueiros, uma égua e 11 cabeças de gado.
Moravam em uma casa “já velha” coberta de palha de carnaúba na Chapada (FERREIRA,
2008, p. 336).
Em Chapada, foram registrados como proprietários Daniel de Souza, Pedro
Honorato, Gregório de Souza – provavelmente filhos de José e Clementina -, Jacinto
Pereira, Evaristo Costa e Higino Carvalho. Outros descendentes do casal como Manuel H.
de Souza, Florêncio H. de Souza, Eloy de Souza, José de Souza, Florêncio de Souza – ou
mesmo pode tratar-se do pai –, Martinho H. de Souza foram registrados em Largo da
Chapada, ao lado de Venâncio Mendes, Joaquim Mendes – oriundos de Barra do Mendes,
vila de Brotas de Macaúbas – e Manoel Piauí, Pedro Gama, Hermogenes P. de Souza e
José B. de Souza (BRASIL, 1923, p. 336). Atualmente o arraial é conhecido como Largo
dos Mendes, no município de Jussara.
A fazenda foi comprada por Gonçalo José dos Santos pela quantia de
1:200$000 ao coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado18. Saindo de Olho d’Água de
Joaquim Santos ou Olho d’Água do Cristal na serra do Assuruá, na segunda metade da
década de 1840, Gonçalo era descendente materno de índios mocoazes e provavelmente do
lado paterno de um garimpeiro mestiço ou branco. Gonçalo casou-se com Raimunda
Pereira Rosa com a qual teve os filhos Bertolino, Eugênio e Honório – que formaram,
posteriormente, o arraial de Água Clara, atualmente no município de Presidente Dutra –,
Tomás, Nicolau, Manoel, Pedro, José, João e um provável Francisco. Seus descendentes
povoaram os municípios de Uibaí e Presidente Dutra (REGMENDES, 2011b). Ficaram
mais conhecidos como “caboclos” pelos vizinhos que os qualificavam de índios pelo seu
suposto desinteresse em acumular riquezas e por sua forma primitiva de vida. Sobreviviam
de policultura e criação.
A tradição oral estabeleceu como marco inicial da ocupação das terras de
Canabrava a chegada de Vicente Veloso, escravizado fugitivo, que, “por volta de 1844”,
após assassinar seu senhor e adentrar no mato, chegou ao “boqueirão onde hoje tem início

18
APB. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. Reg. Nº 103.

84
o arruado de casas que vai formar a aprazível cidadezinha de Uibaí”. Ao atravessar a serra
Azul e subir a serra do Assuruá, teria encontrado Venceslau Pereira Machado, dando-lhe
notícias de terras por onde andou. Venceslau comprou a fazenda Canabrava e para lá se
deslocou com seus filhos, genros, noras e netos (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 18).
Em 26 de março de 1847, Venceslau e seu genro e sobrinho de sua esposa
Francisca Rita da Rocha, José Pereira da Rocha, casado com Isabel Pereira da Rocha,
compraram a fazenda Canabrava ao coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado. O sítio
limitava com Sitio de Traíras, no riacho do Peixe, no sul com riacho do Meio, no leste com
“sertão inculto” e no oeste com a fazenda Conceição do coronel Ernesto19.
Venceslau faleceu em oito de dezembro de 1849. Em 18 de janeiro do ano
seguinte, Francisca compareceu em Xique-Xique frente ao juiz substituto de órfãos e
declara que seu falecido marido não possuía testamento. Analfabeta, a viúva nomeou seus
herdeiros José Pereira da Rocha casado com Isabel; Balbino Pereira da Rocha, viúvo, 30
anos; Jesuino Alves da Franca casado com Luzia Francisca da Rocha; Ana Rita da Rocha,
27 anos; José Pereira Machado, 26 anos; Joaquim Pereira Machado, 25 anos; Antonio
Pereira Machado, 23 anos; Felix Pereira Machado, 21 anos; Rita Maria da Rocha, 19 anos;
Mariana Francisca da Rocha, 18 anos; Clemente Pereira Machado, 16 anos e Maria Rita da
Rocha, 14 anos20.
Os bens declarados pela viúva eram uma escrava Maria, africana, 25 anos,
avaliada em 400$000, possivelmente a mãe de Manoela, de um ano e alguns meses, cabra,
avaliada em 150$000, o menino Antônio, crioulo, com 12 anos, avaliado em 300$000.
Também deixou um “cavalo russo castanho velho” avaliado em 16$000 e metade das
terras da fazenda Canabrava, descoberta, “com todas as suas benfeitorias e fruteiras de
arvores de fructas” avaliada em 500$000. Os avaliadores Antonio Mendes da Costa e José
Antônio Garrido fizeram seu trabalho em 19 de fevereiro de 1850. José Pereira Machado
foi nomeado tutor de seus irmãos, Rita Maria, Mariana, Clemente e Maria Rita21.
No dia dois de março de 1850, foi realizada a partilha, cabendo à viúva
Francisca o “Escravinho Antonio”, a “Escravinha Manoela”, o cavalo e a parte de terras de
Canabrava, totalizando 683$000. Os filhos ficaram, cada um, com uma parte da escrava

19
APB. Colonial, 4692.Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 1857-1859.
Reg. Nº 119
20
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
21
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853

85
Maria estimada em 33$333 e com uma parte das terras da fazenda Canabrava
correspondente a 23$58322.
Não houve venda de bens para divisão entre os herdeiros. Até mesmo a escrava
Maria permaneceu na fazenda. Pelo menos até 20 de julho de 1853, quando o tutor José
participou do Auto de Contas de seus irmãos órfãos. Quando perguntado pela escrava, o
tutor respondeu que “he viva e trabalha para (...) órfã” Maria Rita e “não tem dado cria
alguma”23.
Os herdeiros de Venceslau “deram toda preferência pelas margens dos riachos”
sendo, a princípio, cultivadores de “brejos” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 51). Nesse
período, acreditavam que as caatingas eram um “sertão inculto” imprestável, mas o
aumento demográfico, o acúmulo de conhecimentos adquiridos com a experiência agrícola
e as estiagens periódicas forçavam esses camponeses a adaptarem-se à “catinga inculta e
sem serventia”24.
Em 1850, havia alguns filhos de Venceslau casados e pelo menos um viúvo.
Balbino era o pai de seis órfãos. Em 1862, Balbino já aparece casado com Ana Rosa25,
com o qual teve dez filhos. Luzia Francisca, em 1850, era casada com Jesuino Alves da
Franca e tiveram oito filhos, sendo duas, Francisca e Lucinda, casaram-se com parentes de
Gonçalo do Olho d’Água. Outras duas filhas, Maria e Justina casaram-se com homens de
São Tomé, no vale do rio Verde (ROCHA; MACHADO, 1988, p.160).
Ana Rita da Rocha nasceu em 1823 e era, presumivelmente, solteira em 1850,
já que não aparece no inventário o nome de seu marido, como em algumas irmãs, nem a
qualificação de viúva, como seu irmão. Já contava, no entanto, com 27 anos de idade26. Em
1858, aos 35 anos, também não consta que fosse casada no registro de terras 27. Em 1862,
aparece como viúva28. É possível que entre maio de 1858 e agosto de 1862, tenha se
casado com Antônio Alves de Franca e tido seus três filhos. Um deles se casou com
mulher de origem desconhecida, enquanto as outras duas se casaram com parentes. Numa
segunda união com um rapaz de Lagoa Grande, depois distrito de Ibipeba, Ana Rita teve

22
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
23
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
24
Caracterização recorrente em APB. Colonial, 4692.Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de
Xique-Xique. 1857-1859. “catingas incultas sem serventia” (Reg. nº 89); “catinga inculta” (Reg. nº 107);
“catinga inculta” (Reg. nº 122); “catinga inculta sem capacidade alguma” (Reg. nº 162); “catinga inculta”
(Reg. nº 224); “catinga inculta” (Reg. nº 238)
25
APB. Judiciário. Inventário de Mariana Pereira da Rocha. 07-2924-09. 1862-1867
26
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
27
APB. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119
28
APB. Judiciário. Inventário de Mariana Pereira da Rocha. 07-2924-09. 1862-1867

86
uma filha, Maria do Carmo. Pobre, Maria teve dois filhos num relacionamento com
Bernardo Carvalho, que era casado com sua prima. Marinho Carvalho, o varão, tornou-se
político em Xique-Xique na década de 1920 e 1930 (ROCHA; MACHADO, 1988, p.161-
163).
José Pereira Machado nasceu em 1824 e casou-se com uma mulher de origem
desconhecida chamada Joaquina de Abreu. Seus filhos foram seis. Casaram-se com gente
da família Ferreira dos Santos, parentes pela parte da mãe de José e com um forasteiro da
serra do Assuruá. Benjamin disputou a chefia da vila de Canabrava na década de 1900,
época em que se tornou protestante.
Joaquim Pereira Machado nasceu em 1825 e casou-se com Maria Clara.
Tiveram quatro filhos. Uma casou-se com Clemente Nunes, enquanto os demais preferiram
parentes nas suas uniões. Após enviuvar-se de Maria Clara, Joaquim teve mais filhos com
uma mulher desconhecida: Moça, e um homônimo do avô, Venceslau, que se casou com
Florinda Martins dos Anjos (ROCHA; MACHADO, 1988, p.170).
Antônio Pereira Machado nasceu em 1827 e casou-se com Maria Benta
Pereira, filha dos fundadores de Laranjeiras. Seus dezessete filhos que realizaram cinco
casamentos com forasteiros desconhecidos. Um a filha casou-se com João Gualberto da
Silva, proprietário em Patos, depois município de Lapão (BRASIL, 1923, p. 426), quatro
casaram com parentes paternos e um com parente materno (ROCHA; MACHADO, 1988,
p.78-83).
Maria Rita da Rocha nasceu em 1836 e se casou com Felix Joaquim, depois de
1853 e antes de 185829. Dos seis filhos do casal, três se uniram com parentes maternos e
um com parente paterno. Outra se casou com Reginaldo, oriundo do Assuruá e um com
Verônica Martins dos Anjos (ROCHA; MACHADO, 1988, p.163-165). Seus descendentes
dispersaram-se, predominantemente, nos núcleos populacionais originais de Uibaí e
Presidente Dutra.
A partir do arraial de Canabrava, formaram-se novas roças e povoados dentro e
fora dos limites da fazenda homônima, em especial a partir da descoberta de fontes de água
salobra como cacimba, caldeirão, canoão, lagoa. A princípio o objetivo era apenas o
plantio de roças e a criação de gado, mas o rápido crescimento da família Rocha Machado
e a atração de migrantes, por meio ou não de casamentos, fez com que a pressão

29
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853. APB. Registros de
terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119

87
demográfica do arraial inicial empurrasse os herdeiros para dentro das caatingas “incultas”
e “imprestáveis”. Uma fase de transumância, em que o ano era dividido entre moradia nas
roças da caatinga durante o verde e no pé da serra Azul na seca precedeu a ocupação
definitiva.
Outro importante arraial no pé da serra Azul foi Riacho d’Areia. Oriundo de
São Domingos do Severo, na serra do Assuruá, Raimundo Pereira da Rocha era casado
com Mariana Pereira de Jesus30, possivelmente “filha de uma índia”, “amansada” na serra
do Assuruá (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 2). Seguindo o exemplo do cunhado
Venceslau, casado com sua irmã Francisca, do sobrinho José que compraram a fazenda
Canabrava e da possível parente Raimunda Pereira Rosa, esposa de Gonçalo de Olho
d’Água, Raimundo comprou a fazenda Riacho d’Areia em seis de setembro de 1854 por
400$000 ao coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado (MARTINS SOBRINHO, 1991,
p. 2).
Instalados na nova fazenda, na margem de um riacho da serra Azul, a fazenda
limitava ao sul com a fazenda Canabrava. Além de sua esposa, seus filhos Francisca, José,
Gustavo, Joaquim Manoel, Antônio, Francisco e Mariana, Raimundo levou os agregados
Joaquim Alves de Souza e Joana Silva para atividades características na região: policultura
de autoabastecimento e pecuária (REGMENDES, 2011c).
Joaquim Manoel desposou Rita Maria da Rocha, nascida em 1831, filha de
Venceslau e de sua tia Francisca. Rita Maria era solteira em 20 de julho de 1853 31, mas já
havia se casado em 185832. Dos nove filhos do casal, um se uniu à família do agregado de
Raimundo, quatro se casaram com membros da família Pires Maciel de Tiririca e dois com
parentes (SANTANA, 1998, p. 44-46). Seus descendentes ainda fundaram dois povoados:
Aragolândia, antiga fazenda São João de João de Aragão e Maxixe do coronel Felinto Pires
Maciel (BRASIL, 1923; MACIEL, 2001; VIOLA; CORDEL, 2008)
Outro filho de Raimundo, José da Rocha Novaes, era conhecido como Zé do
Pinga e ficou marcado pelos conflitos de terra e poder na região que vitimaram o próprio, e
quatro de seus filhos, levando outro filho e um genro para a prisão (SANTANA, 1998, p.
43-44). Os casamentos realizados por seus filhos foram com parentes – três – e com uma
mulher da família Carneiro de Brito. Seus descendentes vivem principalmente no povoado
de Sobreira, município de Uibaí, e no município de São Gabriel.

30
APB. Judiciário. Inventário de Mariana Pereira da Rocha. 07-2924-09. 1862-1867
31
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
32
APB. Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119

88
Riacho d’Areia também recebeu migrantes procedentes de outras regiões. Sua
localização na estrada de gado e tropeiros que saía de Goiás e Piauí, passando por Barra,
com destino a Feira de Santana e Lavras Diamantinas. No final da década de 1910, Felinto
Soares Fernandes, pernambucano, casou-se com uma bisneta de Raimundo. Com a
transição do período de pecuária e policultura para a fase do algodão e da banha de porco,
o arraial de Riacho d’Areia, hoje distrito de Hidrolândia no município de Uibaí, atraiu
outros migrantes, em especial da serra do Assuruá (REGMENDES, 2011c).
Dentro das terras da fazenda Olho d’Água, por volta do início dos anos 1860,
Herculano Nunes da Gama tornou-se agregado de Gonçalo José dos Santos. Saindo de
Pacheco, na serra do Assuruá, Herculano “Maroto” era sogro de uma parente de Gonçalo e
se instalou com sua família nas margens do riacho do Gasta-Sabão, atual povoado de Poço
no município de Uibaí33.
Um fato relacionado à Canabrava levou à fixação dos primeiros moradores nas
terras do Baixão do Poço. Clemente Pereira Machado, filho mais novo de Venceslau,
engravidou a cunhada, Cândida Pereira de Araujo. Porém, para minimizar o conflito,
Clemente articulou o casamento de Cândida com seu agregado Laurindo Martins de
Miranda que batizou o filho do enlace, Antônio Machado, nascido em primeiro de janeiro
de 1860. As terras em que os dois se fixaram pertenciam à fazenda Olho d’Água34.
João Ferreira dos Santos casou-se com Francisca Rosa de Jesus, filha de
Raimundo e Mariana de Riacho d’Areia. O casal comprou ao Dr. José Alfredo Machado e
Ana Joaquina da Rocha Medrado Machado, herdeiros do coronel Ernesto, “uma légua de
terras”. Em 23 de outubro de 1868 foi pago o imposto da sisa, mas não se sabe a data da
compra (DUARTE, 1978, p. 22). A fazenda de João e Francisca formou o arraial de
Fazendinha, município de Central. Para estender suas terras, João comprou as propriedades
de Salina e Pequeno Boqueirão a Fernando Olímpio Machado, irmão e inventariante de Dr.
José Alfredo, em 25 de agosto de 1895. Em registro de 20 de junho de 1919, consta que
João Ferreira dos Santos e Francisca Rosa de Jesus deixaram de herança oito partes de
terra, avaliadas em 257$000 para Gustavo Martins dos Anjos, Lourenço Ferreira dos
Santos, Joaquim Ferreira Assunção e Angenor Ferreira dos Santos, outras oito partes de
terra avaliadas em 287$000 para Maximiano Ferreira dos Santos, José de Assunção
Ferreira, Augusto Ferreira dos Santos e Francisco Ferreira da Silva, três partes de terra para

33
Dados fornecidos por Celito Regmendes. Uibaí, 31 de maio de 2011
34
Dados fornecidos por Celito Regmendes. Uibaí, 31 de maio de 2011

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Francisco Ferreira dos Santos, Lourenço Pires Maciel e Maria Ferreira dos Santos e outras
oito partes de terra avaliadas em 305$923 para Jacob Ferreira dos Santos, Manoel
Lourenço da Rocha, Venerando Ferreira dos Santos e Domingos Nunes da Gama35. Em
1920, foi registrada por Maximiano F. dos Santos (BRASIL, 1923, p. 336)
A fazenda Riacho Largo foi vendida em 15 de fevereiro de 1870 por Dr. José
Alfredo Araujo a Egídio Ferreira dos Santos e Mariana Francisca da Rocha. Também
situada na serra Azul, Riacho Largo foi ponto de apoio importante para a ocupação do
município de Central, ao lado das fazendas Pontal e Santo Euzébio Mariana nasceu em
1832 e se casou com Egídio entre fevereiro de 1850 e agosto de 1853 36, morando, a
princípio, na fazenda Canabrava, onde Egídio construiu a primeira oficina de farinha de
mandioca (ROCHA; MACHADO, 1988, p.53). Seus oito filhos realizaram cinco
casamentos com parentes do lado paterno e cinco com parentes paternos. Egídio também
foi, ao lado de alguns de seus filhos, descobridor da Toca de Dentro que originou o arraial
de Roça de Dentro, atual cidade de Central. Um de seus filhos, Lúcio, é um dos fundadores
de Gameleira no mesmo município.
Possivelmente, Romualdo Pereira Bastos e Maria Gertrudes de Araujo Teixeira
se mudaram para a fazenda Laranjeiras em 1870. Não é possível saber se a forma de acesso
à terra, possivelmente compra através de escritura particular. Duas filhas do casal se
uniram a filhos de Venceslau e Francisca de Canabrava. A fonte de água existente no
arraial foi importante para o estabelecimento da pecuária extensiva e da policultura de
auto-abastecimento37. Ganhou relevância no período da exploração da borracha de
maniçoba, atraindo famílias como a Gomes, Alves Barreto, Paiva. Em 11 de maio de 1917,
Tomás Alves dos Santos, filho de Gonçalo José da fazenda Olho d’Água e Manoela Ana
Luzia, residentes em Chapada, venderam um “campo de lavoura e criação de animais” em
Laranjeiras para Porfírio Pereira Bastos, através de escritura particular no valor de
200$00038. Foram registrados como proprietários Dionísio P. Santos, Abraão S. Paiva,
Severiano dos Santos, João Pereira Bastos, Firmino S. Paiva, Elpídio J. de Souza,
Marcelino B. Teixeira, Ângelo M. Souza em 1920 (BRASIL, 1923, p. 336).
A origem do sítio Traíras é problemática. Valentim Correia de Carvalho,
procurador de José Pereira da Rocha e de Francisca Rita da Rocha e dos herdeiros de
35
Livro de Transcrição de imóveis. nº 05. 1918. F. 83-86
36
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853. APB. Registros de
terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119
37
Dados fornecidos por Celito Regmendes. Uibaí, 31 de maio de 2011
38
FCLV. Livro de transcrição de imóveis. nº 04. 1916-1919.

90
Venceslau Pereira Machado, ao declarar as terras do sítio Canabrava ao vigário, no registro
de terra de 1858, coloca que o sítio “limita pela parte do Norte com o sítio de Traíras no
riacho do Peixe”39. Porém o atual riacho do Peixe fica no Sobreira, alguns quilômetros ao
sul do arraial de Traíras que é cortado ao meio pelo riacho do Pinga. Adão Duarte afirma
que Joaquim Manoel da Rocha, filho de Raimundo, comprou as terras do sítio Traíras a Dr.
José Alfredo Machado (DUARTE, 1978, p. 22). Desse modo, não se sabe se o sítio Traíras
que Joaquim Manoel vendeu a seu genro é parte de outro sítio que possuía, ao norte do
Riacho d’Areia ou se Traíras é um parcelamento do próprio. Possivelmente, o sítio
denominava-se Traíras, mas foi renomeado por Raimundo em homenagem a sua terra de
origem, o Riacho d’Areia na serra do Assuruá.
Todavia, Joaquim Manoel vendeu o sítio Traíras a Martinho Pires de Carvalho
em 25 de agosto de 1874 pela quantia de 6$000 (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 4).
Martinho, de Tiririca era casado com Maria Clara da Rocha, nascida em março de 1858.
Talvez essa confusão toponímica seja oriunda de uma “rixa de extrema de terras e furto de
criação” envolvendo o proprietário de Traíras e José da Rocha Novaes, o Zé do Pinga, tio
de sua esposa. Este, ao lado de seu genro Felix Pereira Machado e os filhos Jonatas Pereira
da Rocha, Gustavo Pereira da Rocha e José Francisco Pereira da Rocha tramaram a morte
de Martinho. Ele foi assassinado no início de março de 1899, aos 45 anos de idade. Felix e
Jonatas foram presos e condenados a doze anos, sendo que o primeiro morreu na prisão e o
segundo cumpriu seis anos em Xique-Xique e seis anos em Salvador40. Gustavo se retirou
da região e José Francisco, Marcos, Carmo e Ludovico, filhos de Zé do Pinga, foram
assassinados nos conflitos que envolveram toda a região da agrocaatinga da Serra Azul
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 101; SANTANA, 1998, p. 44; MARTINS SOBRINHO,
1991, p. 20-21). Maria ficou viúva com dezesseis filhos. Desses, cinco se casaram com
parentes paternos, seis se casaram com a família Ferreira dos Santos em Riacho Largo e
Fazendinha, um se casou com parentes maternos, um com uma pessoa de Pilão Arcado,
uma com um migrante, um com um sergipano e um na família Machado de Caldeirão
(MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 4-20). Dos filhos de Maria e Martinho, cinco
permaneceram em Traíras, uma na Fazendinha, duas em Gameleira, uma em Canabrava,
uma em Mandacaru, uma em Boa Vista, duas em São Paulo, uma em Nova Vista, uma na
Gia de Uibaí e uma em Ramalho (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 21). Em 1920, foram

39
Registros de terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119
4040
APB. Judiciário. Processo crime. Homicídio. Jonatas Pereira da Rocha e Outros. Xique-Xique. 02-85-06.
1899.

91
registrados em Traíras os proprietários Antonio R. Pereira, Eurípedes P. Carvalho, Horácio
Carvalho e Manoel P. Carvalho (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 21).
A primeira fase de ocupação da agrocaatinga da Serra Azul é marcada pela
policultura de auto-abastecimento nos brejos e encostas úmidas nos riachos da serra, roças
de milho e mandioca abertas na catinga e pecuária extensiva no campo, ou seja, naquilo
que era denominado impropriamente de “catinga inculta”. Esse campesinato catingueiro
em formação ocupou com fazendas de gado, roças e oficinas de farinha as terras que,
outrora pertenceram aos Guedes de Brito e foram transferidas à Casa da Ponte, seja através
do cultivo em fazendas que foram compradas na fase de fragmentação do espólio ou
simplesmente através da posse. As fazendas sertanejas, de limites imprecisos,
fragmentaram-se em minifúndios e sítios divididos de forma costumeira entre os herdeiros
sem escritura legal, ou vendidas a outros utilizando escritura particular, aumentando ainda
mais a desorganização legal da propriedade fundiária.
A ampliação das famílias através da chegada de migrantes e de numerosas
proles e as tensões abertas ou ocultas em torno do abastecimento de água da Serra Azul,
assim como a disponibilidade gratuita de terras em algumas áreas de catinga, o
conhecimento dos terrenos e de fontes de água como lagoas, cacimbas, caldeirões, a
abertura de tanques levaram à ocupação gradual das áreas de catinga mais afastadas da
serra Azul.
Ainda assim, as fazendas e os arraiais, posteriormente, permaneceram como
importantes bases de apoio para os habitantes das catingas que dependiam exclusivamente
de fontes de água como lagoas, cacimbas, caldeirões e tanques. Em secas prolongadas, a
serra Azul era a garantia de água para consumo familiar e dos animais, de solidariedade de
parentes, de fontes de água para lavagem de roupas e feiras como a de Canabrava, criada
em 1927.
De Canabrava, partiram os vetores de ocupação de roças e, posteriormente,
arraiais como Quixabeira, Lagoinha, Caldeirão, Veredinha, Grama, Formosa, Sobreira,
Baixão do Poço, Lagoa e São Gabriel. Um dos pioneiros na ocupação das catingas foi o
filho mais novo de Venceslau, Clemente Pereira Machado. Nascido em 1834, casou-se
entre 1853 e 185841, com Luzia Maria Araújo, filha dos primeiros moradores de
Laranjeiras. Tiveram sete filhos, dos quais dois se casaram com pessoas da Vereda,

41
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853. APB. Registros de
terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 4692. Reg. Nº 119

92
atualmente povoado de Ibipeba, dois desposaram duas irmãs da família Ferreira dos
Santos, dois se casaram com parentes do lado materno e um do lado paterno. Clemente
construiu um alambique na Lagoinha, onde tinha gado e roças, além de um curral, uma
oficina de farinha de mandioca e uma roça no Caldeirão. Tanto Lagoinha, quanto
Caldeirão originaram arraiais, sendo que seus filhos Joaquim, Aureliana e Luzia moraram
no segundo com suas famílias. A ocupação de Caldeirão se deu por volta de 1870, ainda
como moradia sazonal, já que no verde – outubro-março – ficaram em Caldeirão e na seca
– abril-setembro – se dirigiam para a Lagoinha, onde havia melhores possibilidades de
abastecimento de água. Os descendentes de Clemente estabeleceram uma roça que mais
tarde se tornaria o povoado de Brasil no município de Uibaí (MARTINS, 2007, p. 14-21).
Violento, Clemente assassinou um homem e, anos depois, morreu pela vingança dos
orfãos. Seu corpo foi encontrado na estrada que ia para Laranjeiras, “com um punhal
enfiado no peito” (ROCHA; MACHADO, 1988, p.166). Era próximo ao natal de 1882.
Um de seus filhos, Jóvito, foi subdelegado em Canabrava na década de 1910 e terminou
assassinado.
Em 1885, Egídio Ferreira dos Santos, seus filhos Manoel e Lúcio e seu genro
Francisco iniciaram a abertura de uma picada rumo ao nascente. Após cinco dias, seguiram
pássaros que voavam na direção da Toca de Dentro, onde encontraram água (DUARTE,
1978, p. 20). As primeiras roças foram feitas em 1890 por Egídio e sua família, mas João
Ferreira dos Santos, irmão deste, reivindicou as terras apresentando documentação e
argumentando, provavelmente, que “as roças de dentro” ficavam dentro dos limites de sua
parcela da fazenda Riacho Largo (DUARTE, 1978, p. 24). Manoel permaneceu nas roças
com água que descobrira, mas posteriormente se muda para Lagoa (DUARTE, 1978, p. 21;
ROCHA; MACHADO, 1988, p.175).
A ocupação de Roça de Dentro prosseguiu com Francisco Ferreira dos Santos,
casado com Cassimira, filha de Egídio e Mariana. Francisco era filho de João Ferreira dos
Santos e era mais conhecido com Chico Vermelho. Construiu a primeira oficina de farinha
de mandioca em 1895 (DUARTE, 1978, p. 24). No início da década de 1910, as primeiras
residências permanentes já existiam, entre elas a de José de Assunção, filho de João
Ferreira dos Santos.
Apesar de tentarem por várias formas ampliar a disponibilidade de água da
Toca de Dentro, durante muito tempo a fazenda Riacho Largo permaneceu como ponto de
lavagem de roupas e caça para os moradores de Roça de Dentro. Em 1920, foram

93
registrados como proprietários em Roça de Dentro os já citados Assunção F. Santos e dois
sob o nome de Francisco Ferreira dos Santos, possivelmente pai e filho homônimo.
Também foram registrados Joaquim Pires Maciel, Francisco Wenceslau Rocha, Pedro
Ferreira de Brito, Lourenço Santos, Bernardo Carvalho, Waldemiro M. dos Anjos, Arnizau
Santos, Antônio Ferreira dos Santos, Lourenço P. Maciel, Wenceslau Santos, Joaquim B.
Filho, Wenceslau Machado e Manoel F. Santos, provavelmente o filho de Egídio.
O trecho de terras da fazenda Canabrava em que se originou o arraial de
Quixabeira ficou para Felix Machado, mas o uso “em commum” das terras da fazenda,
mais a ausência forma de partilha e a lógica móvel de ocupação das terras com pecuária
extensiva e roças de milho e mandioca levou vários herdeiros de Canabrava a ocuparem
efetivamente na década de 1880. No recenseamento de 1920 aparecem como proprietários
da fazenda Quixabeira Irineu Machado, Joaquim Lourenço e Antônio Lourenço (BRASIL,
1923, p. 335).
Outra área que ofereceu uma razoável garantia pela segurança de
abastecimento de água foi a fazenda São Gabriel. Nas margens da vereda São Rafael foi
uma área de litígio na fronteira dos municípios de Xique-Xique e Morro do Chapéu. Em 16
de agosto de 1873, José Pereira da Rocha comprou ao Dr. José Alfredo Machado a fazenda
que nomeou São Gabriel por 1:000$000. Com três léguas de comprimento e duas de
largura a demarcação da fazenda teve como ponto central os “olhos de água”, hoje
conhecido como Tanque do Baixão, “de onde partiram as quatro demarcações”. O
pagamento foi feito com um escravo de 31 anos, Domingos, cabra (PEREIRA; PEREIRA,
2010, p. 16).
José Pereira da Rocha não morou em sua nova fazenda. Estabelecera-se em
Canabrava, que comprara junto com o sogro em 1847. Quando faleceu em 1883, a fazenda
aparentemente não havia recebido nenhuma benfeitoria, sendo avaliada pela mesma
quantia da compra. Sua parte da fazenda Canabrava aparece descrita como “1 caza de taipa
com porta e janela de frente coberta de taboa, em bom estado, com um cercado de fundo,
contendo purção de pés de côco, laranjeiras, limeiras e mais fruteiras com um corrente de
água natural” avaliada em 200$000 – diga-se de passagem, bastante valorizada para o
período. Provavelmente os “2 currais em mao estado” avaliados em 20$000, a “caza de
officina com todos seus pertences” avaliada em 40$000 e suas “132 cabeças de gado toda
sorte” avaliadas em 2:112$000 estavam em suas terras em Canabrava. A viúva, Isabel

94
Pereira da Rocha, se recusou a prestar juramento e realizar o inventário e, em carta anexa
ao inventário, disse que os herdeiros já partilharam os bens, mas não informa como42.
As terras de São Gabriel foram ocupadas por dois filhos de Isabel e José a
partir de meados da década de 1880. Antônio Pereira da Rocha, conhecido como
Pereirinha, nasceu em 1849. Era casado com sua prima Hermenegilda Ana da Rocha e
tiveram 13 filhos. Nove deles casaram-se com parentes, três casaram-se com filhos de
Olímpia Carneiro da Rocha e Gil José de Brito, oriundos de Brotas de Macaúbas, que se
mudaram para Canabrava no final do século XIX. Um se casou na família Honorato de
Souza e um se casou na Neves de Almeida (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p. 30-57).
Lourenço Pereira Rocha nasceu em 1851 e se casou com Mariana Ferreira dos
Santos, sua prima. Tiveram dezessete filhos. Um casou-se com filho de Gil José de Brito e
Olímpia Carneiro da Silva, quatro casaram-se na família Nunes da Gama e doze casaram-
se com parentes de São Gabriel e Canabrava (PEREIRA; PEREIRA, 2010, p. 57-89).
A sua proximidade geográfica com a agrocaatinga de América Dourada não foi
capaz, durante décadas, de romper a identidade familiar e cultural com Canabrava.
Também é importante mencionar que a família de Jonatas Pereira da Rocha, filho de Zé do
Pinga, também permaneceu em São Gabriel após sair da prisão. A razão aparente é que
São Gabriel pode ter sido um ponto de refúgio ou de afastamento do centro das tensões
políticas do início do século XX, localizados em Canabrava, ainda que Jonatas tenha
recebido garantias do coronel Felinto Pires Maciel, do Maxixe, liderança política do grupo
de seus adversários. Outros povoados como Lagoa e Baixa Verde também desempenharam
esse papel.
A descoberta das lagoas que deram origem a roças e formaram o arraial de
Lagoa, depois Presidente Dutra, está relacionada à abertura da estrada entre as fazendas
Canabrava e São Gabriel. A empreitada foi realizada em 1890, sob a liderança de Manoel
Carvalho da Rocha, ao lado de Lourenço Pereira Machado, Joaquim Pereira Machado –
Machadinho –, José Pereira Machado – Dedé Pereira –, cunhados de Manoel.
Ao longo da última década do século XIX, as lagoas das proximidades foram
ocupadas com roças, casa de taipa e gado. No início do século XX, as primeiras famílias
que estabeleceram moradia fixa foram as de Dedé Pereira, Machadinho, Felix José Pereira
Machado, Manoel José Pereira Machado, descendentes de Felix José e Antônio Pereira
Machado, filhos de Venceslau e Francisca (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 176-178, 180-

42
APB. Judiciário. Inventário de José Pereira da Rocha. 7-3119-17. 1886.

95
181). As terras de Lagoa ficam nos limites das fazendas de Canabrava, sendo uma área de
posseiros e herdeiros. Porém, como as fazendas limitantes eram Canabrava no oeste e São
Gabriel no leste, a legitimação foi relativamente fácil.
Os descendentes de Felix Pereira Machado tiveram destaque na ocupação de
Lagoa. Felix nasceu em 1829 e casou-se com Lizarda da Rocha, sua prima pelo lado
materno, com a qual teve oito filhos. Quatro casaram-se com primos, uma com um
tiriricano da família Pires de Carvalho, dois com forasteiros de origem desconhecida e um
com uma pessoa oriunda da serra do Assuruá. Virgínio Carvalho e Josefa foram moradores
efetivos do arraial de Canoão, atual município de Presidente Dutra (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 176-178).
No recenseamento de 1920, são registrados como proprietários João Alves de
Souza, Francisco Ferreira – possivelmente o filho de Egídio –, Cornélio F. Machado, José
F. Machado, Ladislau P. Machado, Claudemiro P. Machado, Pedro A. de Souza, Agenor P.
Machado, Wenceslau Machado, José Rufino dos Santos, Justino Pereira Rocha, José
Pereira Machado (BRASIL, 1923, p. 335). Agenor era filho de Dedé Pereira (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 181), José F. Machado, provavelmente era José Felix, filho de Felix
José, neto de Venceslau (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 175). Cornélio F. Machado
possivelmente fosse neto de Felix José, filho de José Francisco, também relacionado com o
nome de José F. Machado (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 178). Ladislau era filho de
Antônio Pereira Machado, neto de Venceslau. A grande participação de lavradores de
Lagoa no recenseamento de 1920, se compararmos a outros lugares onde a legalização da
terra foi regular no processo de compra como Canabrava, Olho d’Água ou Riacho d’Areia,
pode se justificar, entre outros fatores, pela busca de legalização de suas posses através da
emissão de algum documento. Lagoa estava próxima a Caraíbas e São Gabriel, região de
fronteira com as terras de Lagoa Grande e com recorrência de tensões fundiárias.
Na década de 1910, ocorre a ocupação da Gia. Ela não ocorreu sem conflitos.
Consta que a cacimba de água e as lagoas que abasteceram originalmente o arraial foram
descobertas por Benjamim Pereira Machado. O mesmo teria construído um amansador, um
curral e iniciado algumas roças. Porém, com os conflitos políticos de Canabrava,
Benjamim saiu de sua fazenda em Lagoinha e se dirigiu para São Gabriel e,
posteriormente, Miguel Calmon, no norte da Chapada. Seus bens foram saqueados e suas
terras ocupadas por seus inimigos. Romão Pires de Carvalho, filho do proprietário de
Traíras, Martinho, se apossou das terras e passou a ocupar a Gia. Inclusive, a tradição oral

96
afirma que Abílio tentou assassinar Romão, em vingança pela tomada das terras, mas não
conseguiu (REGMENDES, 2011a, p. 18).

A formação da Agrocaatinga de América Dourada


Concomitantemente à expansão da ocupação camponesa na região da
agrocaatinga da Serra Azul, no qual as fazendas Olho d’Água, Laranjeiras, Canabrava,
Riacho d’Areia, Traíras, Riacho Largo e Fazendinha serviram de ponto de apoio e partida,
ocorria um outro vetor de ocupação que lentamente ia ao seu encontro. Trata-se da área
denominada agrocaatinga de América Dourada. Localizada no município de Morro do
Chapéu, nas margens do rio Jacaré, América Dourada foi importante referência para a
ocupação de uma região em seu entorno e principalmente para o oeste, em direção às terras
da agrocaatinga da Serra Azul, em Xique-Xique. Não se trata do rio Jacaré como um todo
por ele abranger uma série de fazendas, comunidades e outras regiões que não são objetos
desse estudo.
Morro do Chapéu tem na fazenda de gado homônima da Casa da Ponte.
Elevada à freguesia por lei de primeiro de junho de 1838, recebeu nesse ano um Cartório
de Notas. Foi transformada em vila por resolução 993 de sete de maio de 1864 (VIANA,
1893, p. 529).
Não queremos menosprezar a importância de Caraíbas, que incluímos nessa
agrocaatinga, importância revelada pela elevação desse arraial à condição de distrito, em
1910, e pela elevação a município de Irecê em 1926. Todavia, América Dourada se destaca
nesse contexto porque foi ponto de partida da mais numerosa família dessa agrocaatinga, a
família Dourado, responsável pela ocupação de um número de povoados superior ao dos
moradores de Caraíbas e com base efetiva em América Dourada, em especial, em períodos
de seca.
Os vetores de migração para ocupação dessa caatinga são oriundos de três
pontos de partida. Primeiramente, temos as famílias Sena, Cambuí, Alves de Andrade e
Santana, oriundos da região de influência de Brotas de Macaúbas e da serra do Assuruá,
em Xique-Xique. Em segundo lugar, há a família Dourado, que sai do município de
Macaúbas. Em Moquém do Peixe, no vale do rio Jacaré, houve a ocupação da família
Martins dos Anjos. Há também a ocupação das terras de Manoel Joaquim da Silva
Miranda, das fazendas Canabrava, Lagoinha, Bruacas e Santa Cruz no município de Morro
do Chapéu, onde a agrocaatinga de América Dourada se situava. Nos limites desse

97
trabalho, circunscreve-se à família Cardoso Silva Dourado, sem menosprezar de modo
algum a importância de outras famílias na ocupação da região e por entender que a
abordagem de outras famílias exigiria maior dedicação e pesquisa.
Segundo La Banca, em 21 de fevereiro de 1807, Felipe Alves Ferreira e
Antônio Teixeira Leite compraram a fazenda São Rafael à Casa da Ponte (LA BANCA,
1988, p. 4). Felipe Alves Ferreira faleceu por volta da década de 1830 e deixou herança
para seus filhos e genros, Joaquim Alves Ferreira e sua mulher Maria Tereza, Joaquim
Gomes Pereira e sua mulher Rosaura Pereira da Silva e Domiciano Barbosa e Luciana
Ferreira. Felipe e sua mulher Rosaura Pereira da Silva, conseguiram a terra “por compra
q[ue] fizeram a Casa do Conde e da Condessa da Ponte Manoel Saldanha da Gama Melo
Torres Guedes de Brito e sua consorte D. Joaquina de Castelo Branco”. Os herdeiros de
Felipe venderam as terras a João José da Silva Dourado em quatro de julho de 1840. A
quantia paga de 1:200$000 “em um só pagamento” no ato da escritura. Os vendedores
foram representados por Domiciano Barbosa Pereira43.
As extremas de Lagoa Grande eram: a leste “no sentro das caatingas ao pé da
Vereda de São Rafael” tendo “trez légoas” de “fundo”; oeste nas “fazendas do Rio Verde”;
norte “na travessia de D. Joana” e sul na “Serra Azul dentro das catingas”. Ainda
compreendia “uma pursão de terra” na “vereda de São Rafael” na Ponta d’Água tendo
como extremas a vereda a leste, a Lagoa Grande ao oeste, o Travessão ao norte e a
“passaje velha dos Tapicuruz” a sul44.
Na época da escritura, João José da Silva Dourado vivia na Lavra do Gentio,
no distrito de São José, serra do Assuruá, município de Xique-Xique. Provavelmente
garimpando ouro, João José estabeleceu como procuradores em Morro do Chapéu o alferes
Antônio Ferreira dos Santos, Antonio de Souza Bessa e o capitão Manoel Joaquim da Silva
Miranda “especialmente pª poderem assinarem por mim na Escritura das terras compradas
a Joaquim Gomes e Domiciano Gomes”. A procuração foi subestabelecida ao Reverendo
Francisco Gomes de Araujo45, o primeiro padre da freguesia de Nossa Senhora da Graça,
criada em primeiro de junho de 1838 pela lei provincial nº 67 (DANTAS JÚNIOR, 2006,
p. 27). Na década de 1870, Demétrio da Silva Dourado, filho de João José, era eleitor na
freguesia de Xique-Xique.

43
AFCA. Livro de Nota. Escritura. 1832-1848. Livro A. Reg. Nº 32
44
AFCA. Livro de Nota. Escritura. 1832-1848. Livro A. Reg. Nº 32
45
AFCA. Livro de Nota. Escritura. 1832-1848. Livro A. Proc. 3

98
João José Dourado residiu na fazenda Algodões, na freguesia de Macaúbas, já
que seu pai José da Silva Dourado era titular da mesma fazenda, pelo menos desde 1806
(NEVES, 2003, p. 397, 413). Depois em Botuporã, a fazenda apareceu como propriedade
de João José em 1816 (NEVES, 2003, p. 379). A tradição oral da família assegura ser neto
de Mateus Nunes Dourado e Joana da Silva Lemos (DOURADO, 2003, p. 11). Ele teria
sido um português que estabeleceu-se em Jacobina. Talvez por possuir parentesco com a
família Souza Lemos da elite de Jacobina e Morro do Chapéu, optou por fazer a escritura
lá e não em Xique-Xique.
Não sabemos quando, mas Joaquim Firmiano da Silva comprou a Rosa da
Silva Dourado e José Joaquim Roque, possivelmente sua irmã e cunhado, uma parte de
terras na fazenda Algodões. Joaquim Firmiano, porém, já havia falecido em 185846. Nesse
mesmo período, João José também já se encontrava falecido47, sem que seus herdeiros
demarcassem ou declarassem suas terras nos registros da lei de 1850.
Além da fazenda Algodões, em Macaúbas, João José possuiu terras em Morro
do Fogo – depois município Érico Cardoso – tendo vendido uma parte de pelo menos 25
braças a Remígio José dos Prazeres e Aleixo Alves Pereira (NEVES, 2008, p. 109). Após
sua morte, seus herdeiros também venderam terras: Demetrio da Silva Dourado e sua
mulher Brizida Ribeiro da Cruz e Manoel da Silva Dourado e sua mulher – filhos e noras
de João José – venderam uma gleba chamada Patos, desmembrado da fazenda Algodões,
ao capitão Venâncio Teodoro48. Os filhos de Joaquim Firmiano herdaram terras em
Algodões. João de Mattos Pereira declarou uma parte de terras nessa fazenda que herdou
dos sogros Ignacio Loyola Jardim e Paula da Silva Dourado49. Possivelmente, Paula, Rosa,
Joaquim Firmiano e João José fossem irmãos ou cunhados.
João José exercia as atividades econômicas de garimpo, compra e venda de
terras e provavelmente, pecuária e policultura. O garimpo explica-se pela sua trajetória, da
região de Rio de Contas à serra do Assuruá. Sua família, ao que parece, esteve em
Macaúbas, Caetité e Morro do Fogo. Casado com Guardiana Cardoso foram seus filhos:
Maria, Demétrio, Joaquim, Bento, Manoel, Antonio, José, João, Ana Joaquina, Constança,
Francisca, Lucrécia e Clemencia. Também teve um filho natural, Clemente (DOURADO,

46
Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora de Macaúbas. 4732. Reg. Nº 46
47
Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora de Macaúbas. 4732. Reg. Nº 669
48
APB. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora de Macaúbas. 4732. Reg. Nº 427
49
APB. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora de Macaúbas. 4732. Reg. Nº 50

99
2003, p. 7), que viveu em América Dourada e não foi beneficiado com a herança,
morrendo sem espólio o bastante para pagar as dívidas.
As terras de Lagoa Grande e Ponta d’Água não foram ocupadas ao período dos
registros de terra. Nenhum dos herdeiros a declarou, mas seus limitantes lhe fazem
referência: José Gabriel Pereira, de Itapicuru ao sul; José Marcelino d’Amorim e Manoel
José de Amorim, da Travessa, ao norte; Joana Benedito de Espírito Santo, do Boqueirão da
Lagoa e Joaquina Quintilina da Paixão, de Boqueirão do Sedro no leste; e Constantino José
Cavalcante, da Vereda do Romão Gramacho, no leste reconhecem suas terras50.
A ocupação tardia pelos herdeiros de João José ocorre por volta da década de
1870. Sabe-se que a seca foi um fator de deslocamento populacional importante e que a de
1861 vitimou 79 pessoas “sem o registro paroquial” (NEVES, 2008, p. 210) em Algodões.
Outro fator pode ter sido a problemática política com os liberais, já que a família Dourado
era partidária dos conservadores de Macaúbas (DOURADO, 2003, p. 11). Ainda há a
sugestão de que o alto preço do algodão a partir de 1861 tenha estimulado a migração e
que a guerra civil estadunidense, fator da elevação do preço do algodão, inspirou o novo
topônimo da fazenda América Dourada.
O registro mais antigo de ocupação das terras da fazenda Lagoa Grande é o
inventário de Maria Rosa da Silva Dourado. Ela faleceu em 28 de agosto de 1880,
deixando o órfão José, de 13 meses e tendo como inventariante Antonio Benigno da Silva
Dourado. O viúvo declarou que “vivia em sua companhia e da lavoura (...) e faleceu no
lugar denominado Lapa Grande”. Deixou pulseira, alfinete e um anel de ouro “tudo muito
velho”, um par de caixas, dois selins usados, 40 cargas de algodão e 70 cabeças de gado.
Seus escravos eram Felipe, preto, 50 anos, “lavoura”, matriculado na cidade de Lençóis em
oito de outubro de 1872; Vicente, preto, 18 anos, natural de Macaúbas, lavoura,
matriculado em Macaúbas em oito de maio de 1872; Simão, preto, 13 anos, matriculado
em Caetité em três de julho de 1872; a escrava Marcelina, preta, 19 anos, casada com
Felipe, com uma filha ingênua chamada Tomásia, matriculada em Macaúbas em 18 de
setembro de 1872; e a escrava Raquel, preta, 13 anos, filha de Victorio e Frutuosa, natural
de Macaúbas, lavoura, matriculada em Macaúbas em 18 de setembro de 1872. Além disso,
devia ao major Bento Dourado a quantia de 1:400$00051. Esses bens sugerem que Antônio
Benigno e Maria Rosa eram recém-casados e empregavam seus escravos na lavoura de

50
APB. Registros de terra da freguesia de Nossa Senhora da Graça de Morro do Chapéu. 4752. Reg. Nº 117,
119, 122, 124, 156
51
FCA. Inventário de Maria Rosa da Silva Dourado. 1880.

100
autoabastecimento e na cultura do algodão. Não é possível precisar desde quando residiam
na fazenda Lapa Grande, nas margens da Vereda Romão Gramacho (rio Jacaré), nem o
porquê de não constar propriedade de terra no inventário, indício de que eram rendeiros. O
registro dos escravos em Macaúbas, Lençóis e Caetité pode indicar que só depois de 1872
eles foram residir no sertão de América Dourada.
Em 1885 foi noticiado pelo coletor provincial em Morro do Chapéu o
falecimento de Ana Joaquina da Silva Dourado, “sem deixar herdeiros legítimos”,
moradora da fazenda América Dourada. Ana Joaquina era filha de João José e Guardiana
Cardoso. Seu marido, Manoel Joaquim de Carvalho, “há tempos se acha ausente deste
termo” e o “irmão mais velho”, Bento da Silva Dourado foi chamado para inventariante.
Bento informou que o viúvo estava em Cana Vieira e que não poderia aceitar a nomeação
devido a “encomendas da minha senda que em prisão das viagens, não posso também
freqüentar a actos públicos”, pedindo dispensa do encargo. O inventário conclui com o
requerimento ao Alferes Manoel da Silva Dourada para desempenhar a função de
inventariante, sem maiores informações52.
Bento não cumpriu a função de inventariante, mas também não teve muito
tempo para cuidar dos negócios. Em 29 de abril de 1889, faleceu em América Dourada.
Deixou como herdeiros Gualter, Clemente, Teotônio, Rita – casada com o tenente-coronel
Antônio Lourenço Seixas Junior –, Geralda Brandelina – casada com João da Silva
Dourado –, Guardiana Amélia – casada com Olímpio de Oliveira Cardoso –, Ana Amélia –
casada com Antonio Oliveira Cardoso –, Amélia Augusta – casada com Aprígio da Silva
Dourado –, Bellarmina Elvira – casada com Augusto Pereira Nunes – e a falecida Maria
Rosa, citada em inventário acima, representada pelo filho João, então com sete anos. O
espólio do major Bento era considerável: relógio de ouro, bridas de prata, espada com cabo
de platina, esporas, crucifixo de prata entre outros utensílios de platina e prata. Também
possuía três tachos de cobre, uma bacia, tesoura grande, duas máquinas de prensar algodão,
uma balança grande, alguns animais de montaria e 300 cabeças de gado acima de um ano
em América Dourada. A maior parte de sua fortuna era em imóveis: “metade da caza da
dura direita” da vila de Morro do Chapéu avaliada em 200$000, a fazenda dos Angicos
onde possuía uma casa coberta de palha, dois currais, uma “sisterna dagoa nativa”, e “um
grande tanque com açude de pedra” avaliado em 8$000 e parte das terras da fazenda

52
FCA. Inventário de Ana Joaquina da Silva Dourado. 1885.

101
América Dourada, herdada do pai João José, avaliada em 37:000$000 53. O preço da terra
nesse inventário é uma anomalia, pois outro herdeiro de América Dourada teve parte igual
na fazenda, igual à dos demais irmãos, avaliada em 500$000. Mônica Duarte Dantas, em
estudo da comarca de Itapicuru e Soure, explicou uma subida no preço das fazendas como
decorrentes de maior controle das fronteiras das fazendas e limitação da ação de posseiros
e do “parcelamento das propriedades da camada mais rica da população” tornando
imperativa a compra de novas fazendas pelos herdeiros dos antigos proprietários, além da
inflação (DANTAS, 2011, p. 352).
Em América Dourada faleceu Maria Amélia da Silva Dourado em três de
março de 1890. Deixou os herdeiros Alfredo, 21 anos, Alípio, 14 anos, Aliva, 12 anos,
Adelina, 10 anos, Abílio, oito anos, Elvira, cinco anos e Maria, dois anos. Seu viúvo e
inventariante Clemente Marques Dourado declarou algumas joias – relógio de trancelim,
alfinete de ouro francês –, bens de uso doméstico – tacho de cobre, máquina de costura
quebrada, mesa –, animais de montaria, 10 cabeças de gado de ano acima, 5 de ano abaixo
e 15 bezerros, além de uma casa coberta de cavaco com uma porta e uma janela de frente,
uma roça de pasto, parte de uma casa em comum na vila e parte de terras em comum em
América Dourada, bens que somavam 447$50054.
Em nove de junho de 1891, faleceu sem testamento Júlia de Castro Dourado
enviuvando Rogério da Silva Dourado. Seus herdeiros foram Augusta, casada com
Joaquim Justiniano da Silva Dourado, Atília, casada com Victorino da Silva Dourado,
Anídia, casada com Jesuíno de Castro Dourado, Alfredo, Antonio de 17 anos, Julia de oito
anos e Durvalina de sete anos. Moravam em América Dourada, mas Júlia faleceu em
Gameleira, distrito de Canabrava do Miranda. Deixou vários bens como relógio, copo de
prata, bridas, tachos, caldeirões, trempes de ferro, esportas, espetos, “chacolateira”, mesa,
selas, sete animais de montaria entre cavalos e burros, 125 cabeças de gado acima de um
ano e 25 com menos, uma casa, um tanque, uma cisterna na fazenda Gameleira, partes de
terras na fazenda Poço Redondo e na fazenda América Dourada – “por herança de seu avô
João José da Silva Dourado” e parte de uma casa na vila. O montante chegou a
consideráveis 5:749$54055.

53
FCA. Inventário de Major Bento da Silva Dourado. 1889.
54
FCA. Inventário de Maria Amélia da Silva Dourado. 1890.
55
FCA. Inventário de Dona Julia de Castro Dourado. 1891.

102
Figura 03. Fazendas do vale do rio Jacaré. Meados do século XX

Fonte: cedida por Jackson Ferreira

Fortuna semelhante ao de sua prima Ana Flora da Silva Dourado, falecida em


12 de agosto de 1890. Deixou viúvo Abílio Cardoso Pereira e os filhos José, nove anos,
Maria Rosa, sete anos, Ana Flora, cinco anos, Victorino, quatro anos, Elpídio, três anos,
Belarmino, dois anos e Abílio de um ano. Dois selins, um parte de talheres velho, um tacho
e duas bridas foram o espólio junto com 200 cabeças de gado, 11 animais de montaria, 30
cabeças de cabra e alguns móveis, além de uma casa coberta de cavaco e uma manga na
fazenda Volta Grande e uma casa no distrito de Canabrava56.
A maior fortuna da agrocaatinga de América Dourada, somando 57:235$380,
pertenceu ao capitão José da Silva Dourado, seguida imediatamente pela de seu irmão, o
major Bento, que somava 55:461$500. O capitão José e sua esposa faleceram em dias

56
FCA. Inventário de Ana Flora da Silva Dourado. 1891.

103
muito próximos e o filho mais velho, Antônio Benigno da Silva Dourado – viúvo de Maria
Rosa – cumpriu, pela segunda vez, o papel de inventariante. Os herdeiros, Antônio
Benigno, Gualter – pela esposa falecida Antônia Leopoldina –, Aurélio, Antônia – casada
com Abílio Cardoso Pereira –, Ana, Atílio, Arquias, Alípio, Amélia – representando a
falecida mãe Antônia Leopoldina –, Belarmina, Clemência Rosa – casa com Teotônio
Marques Dourado –, Constança – casada com Antônio da Silva Dourado Júnior –, Aprígio,
José, Vital e os filhos da falecida Ana Flora, José Vitorino, Maria, Ana, Vitorino e Abílio.
A avaliação dos bens foi demorada. O capitão José deixou seis moedas de prata
portuguesa, relógio de ouro, crucifixo de prata, espada, bridas, colheres de platina, esporas,
tachos, caldeirões, ferro de gomar, chaleiras, três enxadas, três machados, uma foice, uma
alavanca, madeira, selas, bruacas, baús, cangalhas, um carro, mesas, 500 arrobas de
algodão sem descaroçar, 80 varas de pano de algodão, 23 animais de montaria, seis bois de
carro, 690 cabeças de gado, 20 cabras, dois porcos castrados e três porcas partidas, além da
fazenda Lapa Grande que continha uma casa coberta de telhas, com uma porta, dez janelas
de frente, contendo uma máquina de descaroçar algodão, uma prensa de enfardar algodão,
dois currais e uma manga e uma casa coberta de telhas que serve para guardar algodão.
Também possuía uma casa no Torneado com currais, terras na fazenda Várzea dos Bois e
um engenho de ferro quebrado com bois de engenho. Terras em América Dourada
avaliadas em 500$00. Também possuía em Macaúbas, inventariado por seu filho Aprígio,
que realizou o inventário naquele município57, um roçado, terra e uma casa na Fazenda
Tigre, terras na fazenda Caititú (depois Botuporã), onde havia uma casa de telha, dois
currais e uma manga, uma casa e uma parte de terras na fazenda Algodões, na qual criava
430 cabeças de gado e seis animais de montaria58.
Os motivos da migração foram vários: dificuldades econômicas e políticas em
Macaúbas talvez fossem menos interessantes que as terras nas margens da vereda Romão
Gramacho, o rio Jacaré, que foram ocupadas com policultura para autoconsumo,
comercialização do excedente nas feiras de Morro do Chapéu, Ventura e Lavras, além da
pecuária extensiva. Além disso, a sua relação de parentesco com a família Souza Lemos,
da elite regional de Jacobina e Morro do Chapéu, permitia melhores condições de
acomodação política. O primeiro intendente de Morro do Chapéu foi Antônio Lourenço
Seixas Junior, casado com Rita da Silva Dourado, neta de João José, filha de Bento da

57
FCA. Inventário do capitão José da Silva Dourado. 1896
58
FCA. Inventário do capitão José da Silva Dourado. 1896.

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Silva Dourado e Maria Cardoso de Oliveira (DOURADO, 2003, p. 88). Herculano
Dourado foi escolhido intendente em 1893, cargo que ocupou até 1897 (CUNEGUNDES,
1976, p. 22).
A ocupação das terras de Ponta d’Água e Lagoa Grande, uma vez iniciada, foi
rápida, se comparada com a ocupação da agrocaatinga da Serra Azul. Estabeleceram como
ponto de partida a fazenda Lagoa Nova, renomeada América Dourada, na beira do rio
Jacaré, área propícia para pecuária, policultura para auto-consumo, abastecimento de água
assegurado e favorecimento pela proximidade das feiras de Ventura e Lavras, cujas
economias extrativistas no auge de sua pujança demandavam gêneros alimentícios para
abastecer seus trabalhadores. Ao contrário, a serra do Assuruá entrava em franco declínio
na segunda metade do século XIX.
Das proximidades de América, partindo para o oeste, se desenvolveram as
fazendas Bom Conselho de Júlio Marques Dourado e Maria Rosa França Dourado
(BRASIL, 1923, p. 224). A fazenda Tanque foi registrada em 1920 como propriedade de
Otaviano da Silva Dourado e Ana Joaquina da Silva Dourado e Teotonio Marques
Dourado e Amélia Joaquina da Silva Dourado (BRASIL, 1923, p. 224), pais de Júlio de
Bom Conselho. A fazenda Macambira pertenceu ao coronel Clemente da Silva Dourado
(BRASIL, 1923, p. 224). A fazenda Queimada pertencia ao capitão Abílio da Silva
Dourado e Maria Amélia Seixas Dourado. América Dourada teve rápido crescimento e foi
elevada à categoria de distrito em 1915.
João da Silva Dourado e Geraldina Brandelina da Silva Dourado, netos de João
José, filhos de João da Silva Dourado e Carolina Cardoso Pereira e Bento da Silva
Dourado e Maria Cardoso de Oliveira (DOURADO, 2003, p. 88, 94, 199). João nasceu em
sete de janeiro de 1854 em Caetité e Geraldina nasceu em seis de janeiro de 1860.
Casaram-se na fazenda São João em Morro do Fogo. Viveram em Angicos, nas
proximidades de América Dourada, e, por volta de 1888, se mudaram para Canal
(MATOS, [s.d.]). Tiveram 14 filhos e dois não se casaram, um se casou na família Loula,
um na família Cardoso e o restante com parentes. Canal teve rápido crescimento com o tri-
consórcio na década de 1970, a irrigação no período 1980-1990, a estrada do feijão e foi
elevado a município de João Dourado.
Em Lagoa Nova, 1920, foi registrado como proprietário o capitão Antonio
Nunes Dourado (BRASIL, 1923, p. 424). Casou-se duas vezes, com duas irmãs, Maria
Rosa da Silva Dourado e Damiana da Silva Dourado, filhas do coronel João e de

105
Geraldina, seus tios. Dos seus 16 filhos, dois casaram-se na família Loula e o restante se
uniu a parentes. Posteriormente, município de João Dourado.
A fazenda Bom Despejo foi registrada em 1920 por Leonel da Silva Dourado
(BRASIL, 1923, p. 426), casado com Ana Maria Cardoso Dourado. Filho de Clemente da
Silva Dourado e Ana Amélia Cardoso Dourado, neto de Bento e Maria Cardoso de
Oliveira, bisneto de João José e Guardiana, Leonel e sua esposa tiveram oito filhos. Dois
casaram-se na família Cardoso, um na Alves Araujo e cinco com parentes (DOURADO,
2003, p. 93). Posteriormente, município de João Dourado.
O arraial de Achado era relativamente denso em 1920. No recenseamento
aparecem diversos proprietários. Renério Justiniano Dourado era casado com Ana Amélia
Marques Dourado e tiveram sete filhos. Uma casou-se na família Rodrigues de Jesus, uma
na Rocha Gomes e cinco com parentes (DOURADO, 2003, p. 131-132). Renério era filho
de Joaquim Justiniano e Augusta de Castro Dourado, neto de Manoel e bisneto de João
José e Guardiana (DOURADO, 2003, p. 130). Foi prefeito de Irecê no período de 1938 a
1946 (DOURADO, 2003, p. 22, 27). Adolfo Moitinho Dourado era filho de Aristides
Rodrigues Moitinho e Maria Cota de Castro Dourado. Pai e filho aparecem no
recenseamento de 1920 como proprietários em Achado (BRASIL, 1923, p. 426). Adolfo
casou-se com Amalia da Silva Dourado e tiveram 10 filhos (DOURADO, 2003, p. 51). Em
Achado também vivia a filha de Aristides, Laura Moitinho Dourado, casada com Francisco
Marques Dourado, que também aparece no recenseamento. Laura e Francisco tiveram 11
filhos, dos quais um casou-se na família Andrade Moitinho, um na Silva Pereira e quatro
com parentes (DOURADO, 2003, p. 125-126). Atualmente município de Irecê.
Nesse período morava na fazenda Alto Bonito José Alves de Andrade
(BRASIL, 1923, p. 428), casado com Ana Joaquina Alves Dourado. José era oriundo de
Olho d’Água do Batata no vale do rio Verde, filho de Antônio Alves de Andrade. Mais
tarde, povoado de Mocozeiro, município de Irecê. Não muito distante, a Fazenda Nova
pertencia a Casemiro de Souza Dourado (BRASIL, 1923, p. 426). Depois, povoado de
Itapicuru, município de Irecê.
No final do século XIX e início do século XX, após a descoberta de cacimbas e
lagoas nas caatingas e acuados pela pressão demográfica no vale do rio Verde e na serra do
Assuruá, algumas famílias de São Tomé, Morro do Gomes, Olho d’Água do Batata
passaram a plantar roças e criar animais em cacimbas descobertas por Mamede Alves dos
Santos. Posseiros e/ou compradores de parcelas de terras, Hermógenes Santana, Antônio

106
Alves de Andrade, Sabino Badaró, Deoclides Sena e Joaquim Sena foram alguns dos
primeiros ocupantes da fazenda Coãzal. No início do século XX, a família Pereira de
Souza, que mais tarde adotou o nome de Cambuí, chegou ao lugarejo, ao mesmo tempo em
que chegaram no lugar os primeiros Dourados, período em que predomina o topônimo de
Caraíbas, possivelmente trazido por essa última família da região do Alto Sertão. Em 1920
foram registrados como proprietários Altino S. Cambuí, Manoel S. Cambuí, Casemiro S.
Cambuí, Pedro P. de Souza, Deoclides Alves, João Vieira, Herculano S. Pereira, Augusto
Nunes, Aurélio José Marques e Fausto M. Barreto (BRASIL, 1923, p. 428). Elevado à
categoria de distrito em 1905, transformou-se na sede do município de Irecê em 1926. É
possível que a escolha de Irecê para sede do município secionado de Morro do Chapéu sob
a liderança de Teotônio Marques Dourado Filho, com apoio do coronel Terêncio Dourado,
tenha se dado como estratégia para recuperar o controle de terras que julgavam pertencer à
fazenda América Dourada / Lagoa Grande, já que a densidade populacional não justificava.
A localização de Caraíbas num ponto avançado da caatinga próxima a uma região
historicamente ligada a Xique-Xique, num período de valorização das terras pela
cotonicultura pode ter sido uma tentativa de recuperação do controle das terras pelos
chefes Dourados.
A fazenda Rochedo de Bento de Castro Dourado, que se casou com Ana Flora
Marques Dourado e Florinda Jardim Matos e a fazenda Riacho (BRASIL, 1923, p. 425-
426) de Martiniano Marques Dourado, que se casou duas vezes, com Carlota Joaquim
Rodrigues Dourado e Maria Rosa Vilela Dourado (DOURADO, 2003, p. 46, 51) formaram
o arraial homônimo, elevado à categoria de vila em 1927 e de município de Ibititá em
1961. As duas uniões de Bento resultaram em 11 filhos, dos quais nove se casaram com
parentes. Martiniano teve 22 filhos com Carlota Joaquina e Maria Rosa. Todos os
casamentos realizados por seus filhos foram com parentes. Um deles, Américo Marques
Dourado, casado com Adelia Marques Dourado também aparece no registro de 1920 como
proprietário de Riacho (BRASIL, 1923, p. 428).
Ainda no município de Ibititá, tivemos a declaração de terras dos moradores do
arraial de Recife dos Cardosos, sendo João de Oliveira Cardoso, Alfredo Marques
Dourado, Olimpio de Oliveira Cardoso, Altino de Oliveira Cardoso e Braulio de Oliveira
Cardoso. Em Pedra Lisa foi registrado como proprietário Clemente Cardoso Dourado,
casado com Guilhermina de Castro Dourado. O casal teve oito filhos. Entre eles, Francisca
Castro Dourado, casada com Manoel Quirino de Matos, primo e aliado do coronel Horácio

107
Queiroz de Matos, e Daniel Cardoso Dourado, que aparece como proprietário de Pedra
Lisa (BRASIL, 1923, p. 425).
Na fazenda Alto Bonito, posteriormente município de Lapão, houve os
proprietários Victorino da Silva Dourado e Atília de Castro Dourado e Joaquim Augusto
de Castro Dourado e Ana Joaquina da Silva Dourado (BRASIL, 1923, p. 425). Vitorino e
Atília tiveram 11 filhos que estabeleceram casamentos com 12 parentes – um casou-se
duas vezes (DOURADO, 2003, p. 187-193). Joaquim Augusto e Ana Joaquina tiveram sete
filhos, sendo que seis se casaram com parentes, um se casou na família Avelino de Souza e
outro na Cardoso Pereira (DOURADO, 2003, p. 141).
A fazenda Boa Sorte foi declarada por Arlindo da Silva Dourado e Custódia da
Silva Dourado e Lucia da Silva Dourado (BRASIL, 1923). Dos quatro filhos de Arlindo e
Custódia, os três que se casaram o fizeram com parentes (DOURADO, 2003, p. 77).
As terras de Vila Castro, posteriormente jurisdição do município de Lapão,
foram declaradas por Jesuíno de Castro Dourado e Justiniano C. Dourado (BRASIL,
1923). Jesuíno casou-se com Felizarda da Silva Dourado e tiveram oito filhos, sendo que
um se casou na família Cambuí, dois na Marques Vilela e cinco na família Dourado.
Justiniano era filho do casal e teve duas esposas: Maria Cândida da Silva e, numa segunda
união, Zulmira Cambuí (DOURADO, 2003, p. 41-42). Afirma-se que Jesuíno, Felizarda e
seus filhos chegaram por volta de 1900. Saídos de América Dourada e, no meio da
caatinga, teriam encontrado uma cacimba na qual foram estabelecendo roças de policultura
e plantio comercial de algodão (RUBEM, 2010, p. 390).
A fazenda Boi, em território, posteriormente, do município de Lapão, declarada
por Anísio da Silva Galvão no recenseamento de 1920 (BRASIL, 1923), foi situada por seu
pai, Herculano da Silva Dourado. Provavelmente, após a descoberta da Lagoa do Boi,
situaram a fazenda, no final do século XIX e estabeleceram criação de gado, plantio de
algodão e policultura de autoabastecimento (RUBEM, 2010, p. 28-29). Com o tempo,
saíram de América e foram em direção à fazenda Boi. Herculano foi intendente de Morro
do Chapéu no período entre 1893 e 1897 (CUNEGUNDES, 1979, p. 22).
Lapão Pequeno foi declarada por Odonel da Rocha Cesar no recenseamento de
1920. No mesmo recenseamento, declararam terras Lindolfo de Oliveira Cardoso na
fazenda Lapãozinho e a fazenda Lapão, que posteriormente veio formar o arraial de Lapão,
depois sede do município homônimo, foram declaradas por João Alfredo de Oliveira e José
Marques Vilela (BRASIL, 1923). Outros que também participaram da formação do arraial

108
de Lapão foram Roberto Ferreira dos Santos e Antônio Pereira da Silva, de Brotas de
Macaúbas, Candido Matos, possivelmente posseiros. Os filhos de Herculano, Aurelino,
Augusto, Aurélio, Anísio, Adelaide, Almira, Almerinda, Artur e Alípio também possuíam
casas no arraial, por volta da década de 1910.

Conflitos agrários: visões do direito de propriedade


Entende-se por conflitos agrários todo e qualquer tensão, com ou sem violência
física, envolvendo pelo menos dois sujeitos e que um dos motivos do conflito é a
reivindicação do direito ao acesso a bens fundiários de qualquer natureza – propriedade e
posse de terra, fonte de água, criação, reserva ou pasto. Não podemos separar os conflitos
fundiários do restante das relações sociais, sejam elas políticas, familiares, afetivas ou
religiosas.
A fundação de Roça de Dentro envolveu dois irmãos em um conflito fundiário.
Tratava-se de João Ferreira do Santos e Egídio José Ferreira dos Santos. Egídio descobriu
as águas da chamada Toca de Dentro e lá estabeleceu roças. Depois “convidou seu irmão
João Ferreira dos Santos para com ele compartilhar da descoberta”. Este, de acordo com
Osvaldo Alencar Rocha, era “muito esperto” e teria exibido um recibo falso da compra
daquelas terras ao “Dr. Alfredo da Conceição” – tratava-se do bacharel José Alfredo
Machado, genro do falecido Coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado. De acordo com
Rocha, Egídio, “desgostoso, abandonou suas roças”, convenceu seu filho Manoel a não
resistir à “grilagem do tio” e “para acalmar seu filho, deu a este sua antiga propriedade,
situada na Canabrava do Gonçalo” e “voltou, cheio de mágoas, para sua Fazenda Riacho
Largo, de onde nunca mais veio a sair” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 56-57). Todavia,
não sabemos se através de um consenso ou se por resistência, mesmo residindo em Lagoa
da Canabrava, Manuel registrou terras de Roça de Dentro no recenseamento de 1920.
Adão Duarte registrou que Egídio, acompanhado de seus filhos Manoel e Lúcio
e seu genro Francisco Ferreira dos Santos abriram uma picada catinga adentro, partindo de
Riacho Largo, e, seguindo pássaros que voavam “numa só direção”, encontraram “as
pedreiras da Toca Velha”, a “Toca de Dentro”. Isso em 1885, sendo “as primeiras roças
feitas em 1890”. Em 1890, as roças de Roça de Dentro “tiveram grande produção” e que
João Ferreira dos Santos “com documentos de compra de terrenos não bem delimitados”
reivindicou a propriedade, embora “fora Egídio que o chamara para plantar no novo local”.

109
Tal “desentendimento” “desgostou Egídio” que se retira para Riacho Largo (DUARTE,
1978, p. 20-24).
Enquanto Osvaldo Rocha alegava que o documento seria falso e houve
“grilagem” por parte de João, Adão Duarte explicava por “desentendimento” causado por
imprecisão documental nos limites do terreno adquirido “como era na época”. Osvaldo
Rocha era advogado da CPT e estava habituado a defender posseiros contra latifundiários
em Maranhão, Goiás e Tocantins. Talvez influenciado por sua prática jurídica e pelas
características da grilagem, deduziu que o recibo seria falso e tomou partido de Egídio,
posseiro e verdadeiro descobridor das terras de Roça de Dentro, elogiado por Rocha como
“enérgico, mas pacífico e cordato”, dono de um “espírito desbravador” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 56-57). Todavia, Adão Duarte atribuiu o conflito entre irmãos ao
acaso e às características dos documentos imobiliários do período, tenta atenuar o conflito,
criando assim a imagem de homens pacíficos, ordeiros que colocavam o valor da família e
da paz acima de questões de terra.
É preciso considerar que houve um conflito entre duas formas de acesso à terra
na catinga: 1) a posse baseada no direito de descoberta e direito de ocupação e 2) a
propriedade adquirida por compra. A primeira estava legitimada por uma tradição “que
justifica a legitimidade da primeira ocupação como forma de aquisição de uma parcela de
terra” (MOTTA, 2008). O direito de dispor de Roça de Dentro, portanto, caberia à Egídio,
a partir de uma “noção de justiça” que “era resultado da experiência” adquirida “na sua
relação com a terra, fruto do trabalho diário e estafante para derrubar uma mata, plantar,
cuidar e esperar pelos resultados de sua labuta” (MOTTA, 2011). Em contrapartida, havia
o direito de compra, assentado na tradição sertaneja com a fragmentação dos domínios da
Casa da Ponte que pretendia a “proibição da posse” e estabelecer como única forma de
acesso à terra – além da herança e doação – a compra (SILVA, 1996, p. 146).
Percebemos que na contenda entre irmãos vence o mais velho – é possível que
isso tenha algum valor na relação entre os dois – que apresenta um recibo de terra,
possivelmente uma légua de terra, da Salina Grande, comprada a José Alfredo Machado e
Ana Joaquina Medrado Castelo Branco Machado, filha do coronel Ernesto, em 23 de
outubro de 1868, conforme os Autos de Arrolamento nº 1197/1941, na folha 10,
documento pertencente à família de Adão Duarte(DUARTE, 1978, p. 22). Ao que parece,
João reivindicou Roça de Dentro por estar dentro dos limites da fazenda que adquiriu.

110
Há o relato de que o descobrimento da Boca do Lapão, em 1900, uma caverna
onde corre um rio subterrâneo dentro da caatinga, também gerou conflito. Os caçadores
Antonio Nenê de Matos, de Lagoa dos Patos, João e Pedrinho, de Rochedo, Honorato
Veríssimo dos Santos, de Canarana e Antônio de Virgília, caçavam e extraíam mel na
catinga, quando Pedrinho se distanciou do grupo e buscando uma gameleira alta encontrou
uma “enorme Lapa de Pedra” onde havia um “rio subterrâneo”. Os outros companheiros o
encontraram depois, quando este escondia a existência dessa fonte de água na catinga e
“disseram-lhe que as terras pertenciam a Herculano Dourado”, sendo que Pedrinho “disse-
lhes que o lugar era seu, pois foi ele quem descobriu”. A fonte de água ficava nos limites
da Fazenda Boi uma fragmentação de América Dourada. Herculano Dourado, ao saber da
história, “mandou que Fernando Oliveira, seu ex-escravo (...) fosse acompanhado de outras
duas pessoas e dissessem para Pedrinho que as terras tinham dono (...) e que o trouxessem
vivo, mas bem amarrado, pois tinha muita coisa a lhe dizer”. Depois de “longa conversa”,
ele “deu-lhe um pedaço de terra para cultivar”. Depois disso, teria doado terrenos “para
fundação do povoado” que se tornou sede do município de Lapão (RUBEM, 2010, p. 36-
38).
Com bases nesses relatos de memorialistas, percebemos que havia discordância
a respeito da forma de aquisição de terras unicamente como compra e herança. A
descoberta de uma fonte de água na caatinga seria, para alguns, uma forma legítima de
acesso à terra e, principalmente, terra com água. No caso de Roça de Dentro, o proprietário
teria desalojado os descobridores – entendendo descobrir como sinônimo de desmatar para
cultivar – das roças através da alegação de que as terras ficavam dentro de uma
propriedade que adquiriu por compra e que possuía recibo. No caso de Lapão, vemos que
não houve o plantio e posse do terreno próximo à fonte de água. O proprietário, Herculano
Dourado, que acreditava ser a fonte de água sua por direito de herança, teria usado da força
para intimidar possíveis ocupantes de terras de sua propriedade, embora tenha sido
“generoso” ao ceder roças para fundação de Lapão.
Às vezes, o conflito de terra não era possível de resolução através de consenso,
tal qual o existente entre os irmãos Egídio e João Ferreira dos Santos. Algumas questões
foram parar nos tribunais, como o que envolveu Raimundo Pereira da Rocha e José Pereira
da Rocha, Zé Cazuza, em razão da herança de Mariana Pereira da Rocha, irmã de
Raimundo e tia de Zé Cazuza. “A morte de um fazendeiro inaugurava, muitas vezes, uma
querela por suas terras”, e pelos bens em geral, que no caso de Mariana, somando escravos,

111
animais de montaria, ferramentas e terras somavam 3:400$000. Nesse caso, “a partilha
inaugurava ou consolidava desavenças entre herdeiros, trazendo para à luz do dia ódios e
rancores entre familiares” (MOTTA, 2008, p. 74).
O conflito teve início após a morte de Mariana, quando seu sobrinho Zé
Cazuza apresentou um testamento que o instituía como herdeiro único. Entretanto, o irmão
Raimundo Pereira da Rocha tornou-se inventariante ao protestar que o testamento do
sobrinho era um documento “sem aprovação” e “de cuja validade ainda se duvida”59. Ao
que parece, Zé Cazuza não conseguiu – ou sequer tentou – provar a validade do
testamento. Deu-se início, então, ao inventário dos bens de Mariana. Zé Cazuza perdeu a
chance de ser o único herdeiro da pequena fortuna da tia, um valor considerável. Ele
deixou em 1886, ao falecer, 5:162$00060, que não corresponde ao auge da pujança
econômica de Zé Cazuza, que morreu idoso.
A partilha foi feita entre um total de 40 herdeiros, contando os irmãos
Raimundo Pereira da Rocha, Maria da Rocha Nascimento, e mais os filhos dos irmãos
falecidos Francisco Pereira da Rocha, Joana da Rocha, Francisca Rita da Rocha e Manoel
Ferreira da Rocha. Os intentos de Zé Cazuza foram derrotados e a pequena fortuna da tia –
sem descendentes – foi dividida na extensa família. Se não podemos constatar nenhum tipo
de conflito mais direto entre os descendentes de Zé Cazuza e Raimundo, por outro lado,
não foi possível encontrar matrimônios entre eles, o que pode indicar alguma tensão
(SANTANA, 1998; ROCHA; MACHADO, 1988; PEREIRA; PEREIRA, 2010).
Nem sempre, porém, as forças dos tribunais resolviam as querelas por terras. A
força da coerção e, possivelmente, das armas, tem papel central em tais tipos de disputa nas
caatingas. Não foi possível encontrar nenhum tipo de processo cível envolvendo questões
fundiárias, mesmo na acepção ampla utilizada neste estudo.
O caso mais nebuloso é o que envolve os limites da Lagoa Grande e a
discordância entre a família Dourado e a família Rocha Machado ocorrido nas fronteiras
entre Morro do Chapéu e Xique-Xique. A fazenda Lagoa Grande, depois denominada
América Dourada, foi comprada por João José da Silva Dourado em 1840. No inventário
de seu filho, major Bento Dourado, consta uma descrição feita em 1889. Limita ao “norte
na estrada antiga chamada travessia de Dona Joana, pelo poente com a fazenda da
Conceição, pelo sul na serra azul e pelo nascente com os proprietários dos terrenos da

59
APB. Judiciário. Inventário de Mariana Pereira da Rocha. 07-2924-09. 1862-1867
60
APB. Judiciário. Inventário de José Pereira da Rocha. 7-3119-17. 1886.

112
Vereda de São Raphael ou Romão Gramacho”, medindo “quatrocentas e quarenta e quatro
legôas quadradas”61. A imprecisão dos limites no sul, a serra Azul, supõe que seria
possível que houvesse discordância acerca de onde terminava América Dourada e onde
começava, por exemplo, Canabrava, Olho d’Água ou São Gabriel. “A imprecisão tem
antecedentes no antigo costume dos sesmeiros requererem cartas de sesmarias sem
precisarem suas áreas, numa burla da legislação que definia a medida máxima de uma
concessão”; assim, a “tradição incorporou-se aos métodos de transação fundiária e
perpetuou-se na cultura agrária brasileira” (NEVES, 2005c, p. 173). Considerando que na
serra Azul havia diversos boqueirões com riachos de água doce e que as 444 léguas
quadradas de caatingas, com o do vale do rio Jacaré na fronteira leste, temos mais um fator
recorrente de conflito no sertão: água. Além disso, a família Rocha Machado era ligada
historicamente ao coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado, ao qual comprou a fazenda
Canabrava. O coronel Ernesto era ligado aos liberais e foi sucedido por seu genro, José
Alfredo Machado, que vendeu a fazenda São Gabriel a José Pereira da Rocha 62. A família
Dourado se relacionava com os conservadores de Macaúbas.
Dispõe-se de indícios pouco esclarecedores sobre um conflito entre a família
Dourado e a família Rocha Machado. Adão Duarte registra que em Riacho de Areia “teve
os Dourados entre seus primitivos habitantes e parecem ter vindo pela Serra de Macaúbas”
(DUARTE, 1978, p. 21), expulsos pelo Coronel Ernesto Augusto da Rocha Medrado.
Valmir Rosa de Miranda afirma que, nos primeiros anos da ocupação de Canabrava,
algumas pessoas da família Badaró e “um tal de Zé Dourado” ocuparam terras dentro da
fazenda Canabrava. Os Machados teriam procurado o coronel Ernesto Medrado que enviou
alguns homens para auxiliá-los na expulsão dos “invasores”. Saíram para a caatinga e
foram morar “debaixo de uma quixabeira”, “aí que foram descobrir Irecê”63.
Consta na memória da cidade de Irecê que entre seus primeiros moradores
estava Sabino Badaró, ao lado de Antônio Alves de Andrade, Hermógenes José Santana,
Joaquim José da Sena, Deoclides José de Sena e Benigno Andrade. Posseiros, negociaram
ou posteriormente compraram glebas à família Dourado.
Todos esses conflitos estão na sombra. As fontes escritas não os mencionam e
os memorialistas – principalmente da família Dourado – deixaram-lhe no esquecimento.

61
FCA. Inventário de Major Bento da Silva Dourado. 1889.
62
APB. Judiciário. Inventário de José Pereira da Rocha. 7-3119-17. 1886. APB. Colonial. 4692. Registro de
terra da freguesia de Senhor do Bonfim de Xique-Xique. 1857-1859. Reg. nº 119
63
Depoimento de Valmir Rosa de Miranda a Flávio Dantas Martins. Uibaí, 01.maio. 2011

113
Apenas indícios e vazios, como por exemplo, a ausência de casamentos entre Dourados e
Machados, bastante incomuns até a década de 1950, apesar da proximidade em que viviam.
Os membros da família Machado foram “designados pelos Dourados de Irecê como uma
tribo de índio bravo” (MACHADO, 2004, p. 65). “Na ausência de fontes e na recusa da
memória em tratar do tema, ainda é insatisfatório levantar maiores hipóteses sobre a
história da propriedade no sertão.
Nas agrocaatingas de América Dourada e Serra Azul não houve nenhum
coronel de envergadura estadual. Durante o século XIX, a Serra Azul compartilhava das
brigas da vila ribeirinha, envolvendo Manoel Martiniano da França Antunes, Ernesto
Augusto da Rocha Medrado e José Alfredo Machado. No século XX, o eixo dos conflitos
se deslocou para as áreas de mineração da Chapada Diamantina e Morro do Chapéu, e as
duas agrocaatingas sofreram a influência de Militão Rodrigues Coelho, Francisco Dias
Coelho e Horácio de Matos, chefes de projeção regional. Oriundos da caatinga de América
Dourada existiram algumas lideranças. Marcadamente, no século XIX, temos o major
Bento Dourado e o capitão Zeca Dourado, que possuíam considerável fortuna e patentes.
Porém, a maior projeção política foi a de Herculano da Silva Dourado, intendente do
município de Morro do Chapéu entre 1889 a 1891. Inclusive, quanto intendente, foi
acusado por seu opositor de favorecer exclusivamente à família64.
Um dos maiores conflitos ocorridos no período, na agrocaatinga, envolveu a
família de Raimundo Rocha de Riacho d’Areia. Entre seus filhos, estava José da Rocha
Novaes, conhecido como Zé do Pinga, que se casou com Agostinha Pires Maciel, da
fazenda Tiririca, nas margens do rio Verde, no início dos anos 1870 – seu primeiro filho
nasceu em 1872. Tiveram oito filhos: Jonatas, Ana, Albertina, Gustavo, Ludovico, Marcos,
Carmo e José Francisco, este último nascido em 1875 (SANTANA, 1998, p. 43). Zé do
Pinga era lavrador e um dos herdeiros da fazenda Riacho da Areia.
Tudo teria mudado com a chegada de Martinho Pires de Carvalho. Martinho
nasceu em 16 de março de 1854 e era filho de Efigênia Ferreira dos Santos e Porfírio Pires
Maciel, portanto, sobrinho de Agostinha, esposa de Zé do Pinga. Martinho teria se casado
com Maria Clara da Rocha, filha de Joaquim Manoel da Rocha – irmão de Zé do Pinga –
na fazenda Tiririca e teve dezesseis filhos: Ana, nascida em 12 de outubro de 1875,
Carlota, em 16 de agosto de 1877, Manoel, em 26 de janeiro de 1879, Rita, em oito de

64
FCA. Correspondência de Porfírio Cavalcanti de Oliveira Fita ao Presidente da Província. Morro do
Chapéu, 13 de agosto de 1889. Correspondência de Herculano da Silva Dourado ao Presidente da Província.
Morro do Chapéu, 3 de setembro de 1889.

114
maio de 1880, Pulquéria, em sete de junho de 1881, Horácio, nascido em quatro de agosto
de 1882, Eurípedes, nascido em 16 de março de 1884, Laudelina, nascida em 29 de junho
de 1886, Ernesto, nascido em 10 de janeiro de 1888, Angelo, nascido em 23 de agosto de
1889, Isabel, nascida em três de novembro de 1890, Joaquim, nascido em 24 de fevereiro
de 1892, João, nascido em 31 de agosto de 1893, Paulo, nascido em 10 de janeiro de 1896,
Romão, nascido em 23 de outubro de 1896 e o homônimo Martinho, nascido em 26 de
setembro de 1898. Lavrador, no dia “25 de agosto de 1874, Martinho comprou ao seu
sogro, Joaquim Manoel uma faixa de terra desmembrada da Fazenda Riacho de Areia,
localizada ao norte, no valor de seis mil réis”, nas margens do Riacho Traíras “e a Escritura
particular foi passada e assinada pelo vendedor e o comprador” (SANTANA, 1998, p. 28).
Possivelmente, a fazenda Traíras fosse o local onde já havia morado Zé do Pinga e isso
tenha gerado algum desentendimento entre Zé e Martinho, ainda nos anos 1870, quando os
dois estavam iniciando a constituição de suas famílias. Enquanto Martinho fixou residência
em Traíras, que limitava ao norte da fazenda Riacho da Areia, Zé teria se situado na
fronteira sul da dita fazenda, no riacho do Peixe, a divisa com a fazenda Canabrava.
Atualmente, descendentes e herdeiros de Martinho habitam no povoado de Traíras, situado
na divisa dos municípios de Central e Uibaí, enquanto dos descendentes de Zé do Pinga
viviam próximo ao riacho do Peixe, no povoado Sobreira de Uibaí.
Martinho “tinha uma roça que produzia de tudo, plantava milho, feijão, andu,
fava, mandioca, aipim, abóbora, cana e banana, possuía muito gado, como vacas, cavalos,
cabras, ovelhas, porcos, galinhas, perus e patos, e criava também alguns jumentos”.
Exageros como o “muito gado” à parte, era também dono de “um brejo no Riacho do
Peixe” no qual ele “plantou muita banana e batata” (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 20).
Porém, em 1899, quando ambos já eram senhores com filhos adultos e casados,
com netos – ou seja, uma quantidade maior de bocas para alimentar nas terras que
conseguiram por compra e por herança na partilha da Riacho da Areia – o conflito não teve
uma solução simples. Martinho dispunha de uma “roça do brejo” no “logar conhecido por
Peixe”, não sabemos como adquirida – possivelmente através de compra de algum herdeiro
da Riacho de Areia ou de herança de sua mulher, neta do proprietário dela. Na estrada
entre essa roça de Martinho e sua residência em Traíras, havia as residências de Zé do
Pinga, seus filhos e genro. De acordo com o processo-crime autuado em Xique-Xique, em
“dias de principio deste mês de Março”, “passando Martinho pela estrada que de sua
morada ia ter a sua roça” viu Zé do Pinga, seus filhos Jonatas, José Francisco, Gustavo e

115
seu genro Felix Pereira Machado, casado com sua filha Ana. O proprietário da fazenda
Traíras viu que estavam armados, “porem, seguio sua viagem” e, no Peixe, “de súbito
appareceu-lhe” Jonatas, José Francisco e Felix “que disparando-lhes armas fizeram-lhes
diversos ferimentos produzindo-lhes morte instantânea, como tudo affirmão as
testemunhas”. Martinho foi morto com “tiros e facadas”. Após sua passagem, os homens
armados “dividindo-se em dois grupos foram esperar a victima no dito logar ermo”.
Jonatas e José Francisco foram presos e Felix ficou como testemunha do processo.
Condenados pela justiça cumpriram pena de doze anos. A razão do homicídio teria sido
“rixas antigas provenientes de extremas de terras e furto de criação” 65.
Joaquim Martins Sobrinho apresenta uma versão, baseada na oralidade, com
mais detalhes e solidarizando-se com a família de Martinho, chamando os demais de
“malfeitores”. De acordo com ele, Martinho foi para o Brejo do Peixe e levou com ele
seus três filhos menores: Horácio, com 17 anos, montado em um cavalo
com uma carga, Eurípedes com 15 anos montado em outro cavalo com
uma carga, e ele Martinho montado em outro cavalo com uma sela, e
levava Joaquim na garupa com 7 anos de idade (...) para ir ao brejo
tinham que passar junto da casa de José do Pinga, e quando se aproximou
da casa, estava ele amolando um grande facão e Martinho falou. Bom dia
senhor? E perguntou. Onde vai hoje? Matar uma onça. Martinho seguiu
na estrada com os seus filhos, e de repente surgiu em sua frente um grupo
de malfeitores composto de quatro irmãos: Marcos, Félix, José conhecido
por Zeca e Jonas, e naquele momento houve vários disparos contra
Martinho que foi atingido por uma bala caindo mortalmente do cavalo
juntamente com seu filho. (...) os malfeitores (...) apoderaram de uma
espada que a vítima conduzia, e com a mesma o sagraram, e no mesmo
cadáver fizeram muitos disparos (...) os menores quando viram seu pai
varado de bala tentaram socorrê-lo, quando Horácio naquele momento
recebeu um forte golpe de facão na cabeça, e Eurípedes outro forte golpe
na testa. Ambos cobertos de sangue, Horácio e Eurípedes chamaram o
seu irmão Joaquim, montaram nos animais, e chorando amargamente
voltaram em direção a Traíras, ficando seu pai morto na Estrada. Os
malfeitores tentaram matá-los três vezes, mas um deles o Jonas não
consentiu, dizendo para os outros, já matamos o pai vamos deixar as
crianças. Quando os filhos de Martinho chegaram em Traíras todos
ensaguentados trazendo a triste notícia, Maria Clara da Rocha não sabia o
que fazer naquele trágico momento de angústia, sendo os seus filhos de
menores. Ela convidou seus irmãos e foram buscar o seu esposo que o
encontraram crivado de balas por todo o corpo, e ainda a garganta cortada
pela espada, trouxeram para Traíras e o sepultaram. Ficou Maria viúva
com dezesseis filhos menores (MARTINS SOBRINHO, 1991, p. 20-21)

65
APB. Judiciário. Processo-crime. Homicídio. Acusado: Jonatas Pereira da Rocha e Outro. Vítima:
Martinho Carvalho. 02.65.06. 1899.

116
Possivelmente, influenciaram na formação da “rixa” as indefinições das terras
vendidas para Martinho e herdadas pelos dois casais. Também é preciso levar em conta
que o riacho do Peixe, uma fonte de água permanente até mesmo nas piores estiagens,
pode ter definido o conflito, visto que março de 1899 é posterior a seca de 1898. Afinal, “a
existência de disputa por uma parcela de terra, às vezes um pequeno quinhão ou um
córrego d’água, poderia significar o rompimento do frágil equilíbrio entre fazendeiros e
subordinados, entre o chefe de família e seus parentes” (MOTTA, 2008, p. 73). Como Zé
do Pinga e Martinho já dispunham de famílias numerosas, a necessidade de terras e água
para plantio e criação aumentava, sem ocorrer a correspondente ampliação dos recursos
disponíveis, com exceção, naturalmente, da possibilidade de novas roças nas “caatingas
incultas” e da maior capacidade de trabalho que cada família poderia dispor. “A decisão
sobre o destino do melhor quinhão de terras ou de uma fonte d’água fazia com que as
partes envolvidas buscassem defender aquilo que julgavam lhes pertencer” (MOTTA,
2008, p. 74). Porém, uma estiagem cruel – como foi a de 1898 – é capaz de depauperar as
reservas de uma família camponesa catingueira e levar ao “furto de criação” ou mesmo aos
limites uma tensão em torno de uma fonte de água.
Todavia, o assassinato de Martinho foi somente o início de uma escalada de
violência e estabelecimento de complexas alianças. Numa tentativa de prisão efetuada pela
polícia de Xique-Xique, em 1902, Zé do Pinga foi assassinado no Riacho do Peixe. Talvez
aí já tenha entrado em cena um novo personagem fundamental na transformação de um
conflito fundiário localizado em uma guerra familiar e política de proporções regionais.
Jóvito Pereira Machado era filho de Clemente Pereira Machado e Luzia Pereira
Bastos. Jove, como ficou conhecido, casou-se com Perpétua Ferreira dos Santos, filha de
Lúcio Ferreira dos Santos e Joana Ferreira da fazenda Riacho Grande, e tiveram nove
filhos: Arnizau, Cassimiro, Ambrósio, Januário, Clemente, Floripes, Maria, Ana,
Venceslau e José (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 26-27).
Ele teria se envolvido na disputa pela liderança local – representada no cargo
de sub-delegado, nomeado pelo intendente – com um primo e compadre, Benjamin
Machado Miranda, conhecido como Beija, filho de José Pereira Machado Miranda e
Joaquina de Abreu. Seu pai era filho de Venceslau e Francisca. Benjamin casou-se com
Josefa, filha de sua tia, Mariana Pereira Machado e de Egídio, proprietário de terras em
Riacho Largo e “descobridor” de Roça de Dentro e tiveram três filhos: Abílio, Leolvina e
Maria (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 170). Os pais de Benjamim e Jóvito eram irmãos e

117
suas esposas primas. Somado ao parentesco consanguíneo, havia o social, eram compadres,
sendo Jóvito padrinho de Abílio.
O intendente de Xique-Xique, Ciro de Medeiros Borges, “nomeou ao mesmo
tempo” Benjamim e Jóvito para a subdelegacia – os memorialistas mencionam apenas a
“chefia” do lugar – e “confirmava o cargo para qualquer dos dois que o procurasse em
Xique-Xique”. Borges, “não queria perder tempo com os problemas da caatinga onde ele
sequer ia visitar” (ROCHA; MACHADO, 1988 p. 99). O primeiro a chegar, Benjamin, foi
nomeado. O logro não durou muito tempo.
De acordo com Cassimiro Machado Neto, “grande parte da população de
Canabrava do Gonçalo não aceitou a nomeação” alegando que Benjamin “seria de religião
protestante” (MACHADO NETO, 1999, p. 117). O protestantismo chegava ao sertão em
1900, quando o Reverendo William A. Waddel e a Professora Laura Chamberlain Waddel
“organizaram o Instituto Ponte Nova, na atual cidade de Wagner”, Chapada Diamantina.
Nas caatingas, a influência não tardou a chegar, pois em 1905, o reverendo Waddel fundou
uma igreja em Canal (SILVA, 2010, p. 50-54) e em 1907 houve algumas conversões em
Traíras. Todavia, os memorialistas mencionam a influência do tropeiro Benjamin Nogueira
Paranaguá, piauiense que alugava pastos no sertão baiano e praticava proselitismo
convertendo várias pessoas, como alguns filhos de Martinho, Ernesto, Eurípedes e Romão,
e o coronel João da Silva Dourado. O protestantismo era uma prática “temida pela
população católica”, vista como “coisa do Diabo” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 100).
Em versos, o poeta Virgilio Bié Alves Machado, de Canabrava, condenava e satirizava a
nova prática religiosa
O Deus dos protestantes
É ministro estudado na Ponte Nova
Que só crer no dinheiro
Mas na religião não dá as provas
Porque a lei de Cristo é mais velha
E a de Lutero é mais nova66

Naturalmente é preciso considerar que havia os interesses políticos do grupo de


Jóvito que jogava a seu favor com a intolerância religiosa católica de parte da população,
porém, havia um equilíbrio de forças nos “partidos”. Seria bastante reducionista colocar
um líder como representante do catolicismo e outro como seu adversário. Afinal, foram
alguns dos filhos de Martinho Pires de Carvalho que criaram, em 1907, a primeira

66
Virgílio Alves Machado. ABC do protestantismo (fragmento). Poema conhecido do público de Uibaí.

118
Congregação Batista e Presbiteriana na caatinga de Xique-Xique, e eram aliados
incondicionais de Jove. Todavia, a acusação de “protestantismo” foi fundamental para
conseguir um poderoso aliado na sede municipal, o vigário.
Deste modo, uma “comissão deslocou-se de Canabrava do Gonçalo para a sede
municipal, visitando primeiramente o vigário” (MACHADO NETO, 1999. p. 117). Como
“para tomar as decisões mais importantes” a respeito do interior do município, o intendente
“consultava o vigário, que, por dever de desobriga, conhecia os catingueiros”, a decisão foi
rápida: Benjamin estava destituído do cargo e Jóvito era o novo subdelegado (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 99).
O município de Xique-Xique e a Chapada Diamantina possuíam uma cultura
política de violência. Desde meados do século XIX, temos notícias de conflitos violentos
envolvendo os grupos partidários em torno da Câmara Municipal. Autores como Wilson
Lins, Elisângela Ferreira, Geraldo Rocha, Osvaldo Rocha e vários outros atestam que os
conflitos políticos eram resolvidos em meio a negociações, alianças com forças estaduais e
força paramilitar.
A década de 1910, na Bahia, foi conturbada na política estadual e regional.
Para não negligenciar, basta citar que nessa década Salvador foi bombardeada por ordem
do então ministro J. J. Seabra – para garantia de sua posse como governador –, a capital foi
palco de uma greve geral, e, na região da Chapada Diamantina e Médio São Francisco,
povoados, vilas e cidades inteiras foram saqueadas e destruídas pelas milícias paramilitares
com apoio de forças policiais, como Campestre, Barra do Mendes e Pilão Arcado. O fim da
década foi marcada pela ameaça de invasão da capital por mais de 2.000 jagunços de uma
aliança dos coronéis oposicionistas.
A luta envolvia questões regionais e estaduais e não somente a liderança local.
Jóvito teria estabelecido uma aliança com Militão Coelho, intendente de Barra do Mendes,
partidário do governador J. J. Seabra até a morte. Benjamin teria se aliado a Horácio de
Matos, chefe da oposição à Seabra na Chapada Diamantina durante a década de 1910.
Benjamin não quis entrar no jogo da política local em que a força era
importante para o exercício do poder. Seu filho, Abílio assumiu a liderança dos
“mandiocas”, como eram conhecidos os correligionários de Horácio de Matos, em
Canabrava. Em uma “festa que teve lugar no povoado de Lagoinha”, um “indivíduo de
fora”, João Sapateiro, “protegido de Jove”, “sem nenhuma razão aparente”, “insultou”
Abílio de “moleque e canalha”, que reagiu com “uma bala de pistola automática, mas sem

119
gravidade”. Uma nova “rixa” havia surgido (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 100)
motivado, tudo indica, pela rejeição de Abílio à cobrança de impostos realizada por Jóvito.
O conflito de terras envolvendo Zé do Pinga e Martinho e a disputa política
entre Jóvito, Abílio e Benjamin entrelaçaram-se quando, o “delegado” teria dado “apoio” a
“mortes” e “invasão de propriedades alheias com o uso da força, atitude contrária ao
pensamento de outras famílias”. Algumas dessas mortes, eram vinganças dos filhos de
Martinho contra a família de Zé do Pinga. Dois filhos de Zé do Pinga “foram assassinados
pelos parentes de Martinho” com o apoio ativo de Jóvito (SANTANA, 1998, p. 26, 44). É
oportuno assinalar que as invasões promovidas por Jóvito podem referir-se a cobrança de
impostos por ele praticada, exercendo sua função de delegado da força pública, visto que a
resistência à tributação de impostos, especialmente em períodos de crises de
abastecimento, deu origem de revoltas e conflitos em toda a história da colônia, do Império
e do início da República (DANTAS, 2011, p. 362) ou a saques contra bens de inimigos,
prática comum nas lutas de jagunços e seus chefes no São Francisco. É pouco provável que
se refira a roubo puro e simples.
No riacho do Peixe, em quatro de janeiro de 1915, Paulo Martins de Carvalho e
“um jagunço de Neco Preto” – Apolinário Martins de Carvalho, cunhado de Paulo –
assassinaram Marcos e José Francisco “de tiro e cortado os dois corpos de facão” (SILVA,
1971). Tratava-se de vingança: Paulo era filho de Martinho e possuía apenas três anos de
idade quando seu pai foi morto (SANTANA, 1998, p. 31). Marcos e José Francisco eram
filhos de Zé do Pinga e o último teria participado do assassinado de Martinho, ao lado do
irmão, Jonatas. Jóvito deu cobertura aos assassinos.
Todavia, seus dias estavam contados. Em quatro de janeiro de 1916, pela tarde,
Jóvito estava na estrada entre Caldeirão – fazenda onde possuía roças, ao lado de seus
irmãos – e Canabrava, com seu filho Clemente, montados em animais. Ambos “foram
surpreendidos com o pipocar” de tiros e Jóvito, “atingido mortalmente nos primeiros
disparos, tombou sem vida no chão da estrada”. Seu filho, “ferido na perna” atirou fugiu
em busca de socorro. Os atacantes teriam sido surpreendidos por aliados de Jóvito e
sustentaram tiroteio sob cerco. Abílio e Carmo – filho de Zé do Pinga – conseguiram fugir
deixando Ludovico – irmão de Carmo – para trás que “estava apenas ferido” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 103). Ambrósio, filho de Jóvito, teria terminado com a vida de
Ludovico, sem direito a um tiro de misericórdia. O filho de Zé do Pinga “morreu queimado
numa coivara de lenha” (SILVA, 1971). Ele teria sido “suspenso sobre o braseiro até o

120
último gemido” com os pés e mãos amarrados até ser “assado vivo numa fogueira”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 103).
Não temos informações muito precisas sobre os acontecimentos: Rigner Silva
apresenta as datas e uma pequena descrição das mortes de alguns. O genealogista Adelmo
Santana comenta indignado que Jóvito foi “um dos responsáveis por muitos atos selvagens
na Vila de Canabrava e adjacências” (SANTANA, 1998, p. 28). Somente Osvaldo Rocha e
Edimário Machado realizam uma narrativa da luta, mas o foco deles está em Abílio, Jóvito,
Benjamin e João Rocha – um aliado de Jóvito. Não mencionam o conflito entre as famílias
de Martinho e Zé do Pinga, apenas dizem que “com Beija ficaram (...) os Pingas”. Talvez
questões de parentesco, empatia e afetividade, Osvaldo Rocha – principal autor da
narrativa – tenha amenizado algumas questões do conflito, priorizado a apologia de Jóvito
e Abílio, “homens probos, honestos e valentes”, “primos e bons amigos”, mas que,
movidos por forças maiores, meio ingenuamente, terminam por enfrentar-se até a morte. O
mesmo dá exemplo de uma tocaia armada por Arnizau para matar Abílio. Ele “não passou
na estrada onde era emboscado, e sim sua mãe”. Arnizau teria repelido os jagunços que
“quiseram atacar a velha” e afirmou “minha briga é só com homens”. Abílio, ao tomar
conhecimento, teria vaticinado “meu rifle não dará mais fogo contra Arnizau”, “frase que
respeitou até o fim” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 101-103).
Fica evidente que os autores, em especial Osvaldo Rocha, o autor do texto
narrativo, no intuito de eleger como heróis seus jagunços, se inspirou na interpretação de
Wilson Lins. Ao narrar uma série de crimes bárbaros que ocorreram na política beiradeira
de Pilão Arcado, Remanso e Xique-Xique, ele afirma: “gente estranha, gente bárbara,
gente pura na inocência dos seus crimes hediondos”. Seu Robin Hood, Militão Pláscido de
França Antunes, “não foi um malfeitor”, pois “encarna em si todas as qualidades e vícios
da malsinada estirpe dos chefes rurais”, que são “caudilhos típicos das sociedades pastoris”
e só nasceram porque encontraram “solo propício ao desenvolvimento de suas tentaculares
raízes” “no vale do São Francisco” (LINS, 1983, p. 53). Enquanto Lins justifica a
brutalidade de seu herói com subterfúgios de determinismo geográfico, Rocha e Machado
apelam para outro determinismo, o econômico, que ajuda a entender as características da
política estadual, mas não justificam os crimes praticados por seus antepassados: “nas
raízes das divergências e das lutas sangrentas que se desencadeavam a partir daí, estavam
os interesses econômicos dos grandes proprietários”, afinal, “com a perda dos escravos e a

121
consequente derrocada da economia rural, ficaram ávidos pelas terras e por qualquer bem
durável que servisse para imobilizar seus capitais” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 101).
Na imprecisão dos dados, fica difícil saber o que aconteceu com a disputa
política. Os memorialistas apresentam indícios de versões desencontradas. Na época do
assassinato de Jóvito, Benjamin “já havia deixado” Canabrava. Todavia, Rocha e Machado
colocam que por temer pela “segurança de sua família (...) resolve tirar a esposa e as filhas
para a vila de Caraíba (atual cidade de Irecê), onde ficariam mais protegidas” numa
“retirada, que por questão de segurança foi feita à noite e passando por Rochedo”,
acompanhadas por Francisco Lourenço da Rocha. O desafeto de Abílio e adversário
político, João Sapateiro, foi designado por Jóvito para “intercepitá-los” e tirar a vida de
Abílio, que julgavam, acompanharia a mãe e as irmãs. Numa emboscada, João Sapateiro
“disparou à queima-roupa” e matou Francisco, pensando que “estava atirando em Abílio”.
Este teria sido “a primeira vítima fatal desta guerra estúpida e fraticida” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 101). Leonellea Pereira e João Purcino Pereira afirmam sobre o
fato:
Chico Lobá, ainda jovem, foi assassinado numa emboscada armada por
Jóvito Pereira Machado, conhecido com Jove, quando acompanhava um
grupo de mulheres que estavam fugindo do conflito que abalou a Serra da
Canabrava, em 1916. O ocorrido foi próximo ao povoado de Rochedo,
hoje cidade de Ibibitá, onde o bando de Jove acreditava que tinha
acertado o valente Abílio Machado (PEREIRA; MACHADO, 2010, p.
87)

Porém, Rigner Silva afirma que Francisco Lourenço da Rocha “morreu


assassinado por tiros, ninguém sabe quem foi, perto da laranjeira (sic) no Município de
Ibititá, no dia 11 de julho de 1916” (SILVA, 1971). Caso Silva esteja certo, Francisco não
foi a “primeira vítima da guerra”, mas, morrendo meses depois de Jóvito, uma das últimas.
Todavia, existe um questionamento que pode esclarecer melhor o conflito. De
acordo com Rocha e Machado, a “ausência da família de Beija, fez com que sua fazenda
ficasse relativamente abandonada, sendo mais tarde completamente saqueada pelos
inimigos, que levaram todos os seus bens como tributo de guerra”. Os autores situam o
saque como algo posterior ao conflito. Porém, adiante, eles reproduzem um dialogo entre
Abílio e João Gonçalves da Rocha, um dos aliados de Jóvito. O diálogo está situado num
momento após o conflito com o objetivo de “acertar as coisas”. Abílio teria dito “estou
aqui para cobrar o que é meu e de minha família. Quero fazer justiça e terminar as
desavenças” ao que João respondeu: “comi muito boi seu que os outros me deram já no

122
prato, pessoalmente não peguei nada, por isso não lhe devo coisa alguma” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 104-105). O saque à fazenda de Benjamin e Abílio teria sido uma
consequência da guerra ou um de seus motivos? Por isso que Adelmo Santana afirma que
Jóvito praticava “invasão de propriedades alheias”? Se o saque foi posterior ao conflito,
porque Abílio, sempre voltava de surpresa para aterrorizar seus inimigos, como uma
tentativa de assassinar Romão Pires de Carvalho, morador da Gia, filho de Martinho? Uma
narrativa baseada na memória oral afirma que na emboscada que tirou a vida de Jóvito,
Abílio teria dito que Carmo e Ludovico deveriam atirar: “a dívida dele comigo é de gado,
mas a de vocês é de sangue”. A motivação de tal conflito teria sido também gado e terras?
Perpétua Maria Machado registrou “uma parte de terras na fazenda Canabrava
do Gonçalo, em commum, com posse na mesma onde tem morada habitual, cultura
effectiva de cereais, curral e manga de pasto terreno próprio para cultura e creação de
animais” avaliada em 44$000 adquirida através da herança conforme “certidão de
inventário”67 e que no recenseamento de propriedades de 1920, Arnizau Machado, filho de
Perpétua e Jóvito, é um dos poucos moradores de Canabrava a aparecerem como
proprietários, dessa vez da Fazenda Caldeirão. Por que a viúva Perpétua e Arnizau
requereram a registros oficiais de propriedade para garantia de suas terras, representando
exceção à regra dos herdeiros de Venceslau e Francisca. Ambos estariam se precavendo de
retaliações de Abílio, que “voltava sempre, e de surpresa, para fustigar seus inimigos”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 104-105)? Ou tentariam garantir legalidade já que a
legitimidade de seus pares pode ter sido abalada com a ação do falecido marido e pai que
teria praticado “invasão de propriedades alheias”?
Percebe-se que há uma divisão na família-tronco dos Machado. Todavia, isso
não exclui o fato de que na luta pela legitimidade da posse o principal recurso com o qual
se podia contar era a aliança de parentesco. Pelo contrário, apenas a reforça. O plano que
levou Martinho à morte foi feito por Zé do Pinga, seus filhos Jonatas, José Francisco e
Gustavo e seu genro Felix Pereira Machado. O assassinato foi motivado por “extremas de
terras”. Quando Paulo Martins de Carvalho vingou-se da morte do pai, obteve o apoio de
seu cunhado, Neco Preto. A cobertura coube ao subdelegado, Jóvito, casado com Perpétua
Ferreira dos Santos, prima de Martinho. Benjamin era amasiado de Olímpia Carneiro da
Silva, viúva e mãe de Maria Carneiro da Silva, casada com Jonatas Rocha, filho de Zé do
Pinga. As questões familiares estavam tão imbricadas na luta política e no conflito

67
FCLV. Livro de trasncrição de immoveis. nº 04. 1916-1919. F. 149

123
fundiário que alguns casamentos eram acontecimentos políticos. Outra filha de Olímpia,
Carmozina “namorada de um rapaz negro de nome Florêncio”, filho de Pedro Luiz, natural
de Xique-Xique, dono de um “buteco ou coisa parecida” em Canabrava. Benjamin “tentou
impedir o romance” porque Florêncio “era gente de Jove”. Jóvito interferiu “e o casamento
se realizou sob a proteção da polícia que veio” de Xique-Xique, em 1914, “especialmente
para este fim, por ordem do intendente e solicitação do próprio Jove” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 100; SILVA, 1971). Havia, ainda, aqueles que, membros da família
que estava dividida, para evitar a tomada de partido e a onda de violência, se retiraram do
povoado de Canabrava. De acordo com Daiane Martins, uma de suas entrevistadas, Dona
Josefa Machado, “relatou que seu pai, parente de ambos os envolvidos na discórdia, saiu
de Canabrava do Gonçalo, na época para não tomar partido de nenhum lado” (MARTINS,
2010a, p. 29).
Quando foi preso, Jonatas Pereira da Rocha era casado com Maria Carneiro da
Silva e tinha uma filha, Leonila. Foi condenado a 12 anos de prisão, cumprindo seis anos
em Xique-Xique e seis anos em Salvador, mas retornou à região, morando em São Gabriel.
Após sofrer algumas ameaças e um atentado em Caraíbas e se retirar para América
Dourada, obteve proteção do coronel Filinto Pires Maciel, da fazenda Maxixe. Teve mais
cinco filhos, Antônio, Meranda, Purcino, Eliezer e Rosa. Faleceu em São Gabriel em 23 de
junho de 1923 sem mais se envolver no conflito. Benjamin faleceu em Miguel Calmon no
ano de 1928 e sua esposa Josefa morreu na cidade de Nazário, Goiás, em 18 de setembro
de 1948. Abílio morreu em Nazário, Goiás, em 15 de março de 1971 (SILVA, 1971).
A exacerbada violência desse conflito que envolveu terras, poder, prestígio e
vinganças familiares, embora seja um caso isolado, não deixa de ser representativo de
várias características da sociedade catingueira.

124
HISTÓRIA ECONÔMICA: ABASTECIMENTO E ESCASSEZ NAS CAATINGAS

Este capítulo inicia com uma discussão baseada em fontes primárias,


secundárias e bibliografia especializada sobre as unidades camponesas de policultura e
pecuária desenvolvidas no sertão, prossegue com uma síntese sobre a pecuária regional e
sobre a cotonicultura e encerra com uma investigação a respeito da economia da borracha
de maniçoba.
Os sertões baianos apresentavam grande diversidade de meios de
abastecimento de água e de alimentos. Na caatinga, a agricultura era mais difícil em
comparação com a vazante e o brejo, fator que ajuda a entender sua ocupação tardia. O que
viabilizou a sua ocupação foram os riachos e rios que propiciavam lugares úmidos.
Distância e precariedade de estradas e meios de transportes impunham o auto-
abastecimento para viabilizar a ocupação. Escoar não era fácil e importava-se apenas o que
não podia ser produzido num mercado regional. Daí uma das razões para surgimento da
diferença entre catingueiros e ribeirinhos, brejeiros e serranos. Estes tinham o rio, as
estradas, os mercados e o acesso facilitado.
A região possuía alguns caminhos importantes. A primeira, mais antiga, era
conhecida como Estrada de Dona Joana e ligava Jacobina com Xique-Xique. A referência
à Joana Guedes de Brito sugere que a sua abertura tenha se dado por sua iniciativa. Outra
estrada importante foi a que ligava Xique-Xique a Morro do Chapéu através da serra Azul
e do vale do Jacaré, justamente pelo riacho do baixão de São Gabriel ou de São Rafael –
por onde passavam boiadeiros, tropeiros, ciganos, mascates e bandidos. Tinha uma
vantagem sobre a estrada de Dona Joana por ser em uma região mais úmida com
possibilidade de melhor abastecimento de água e pasto para os animais e com maior
presença de moradores – nos povoados de Canabrava do Gonçalo, Riacho Largo e América
Dourada. Por ela passava o gado oriundo do Piauí, de Goiás e das margens direitas do São
Francisco baiano que se destinavam para as feiras de gado de Lavras Diamantinas, Mundo
Novo, Morro do Chapéu e Feira de Santana. Um boiadeiro protestante, Bejamin Nogueira
Paranaguá, natural de Corrente, no Piauí (MATOS, [s.d.]), além de alugar pasto em Traíras
e Canal, evangelizou os catingueiros desses dois povoados.
O transporte era feito individualmente ou com tropas de lotes de mulas, cavalos
e carros de boi. As mulas eram preferidas e seu valor era superior ao da rês de gado vacum.

125
Em 1850, um burro custava 35$000 enquanto uma rês adulta era avaliada em 15$0001. Em
1889, um burro ou mula nova custava 60$000, enquanto a rês alcançava 20$0002. Em
1896, um “burro sendero novo” custava 200$$000, enquanto a rês custava 32$0003. Nesse
mesmo ano, um boi de carro ou boi carreiro foi avaliado em 60$000 em América
Dourada4, único local onde um deles foi localizado nos inventários. Na década de 1930,
consta que o terreno arenoso inviabiliza o transporte com esse tipo de carro em Canabrava
(MACHADO, 2008, p. 326). Para Bom Jesus da Lapa, seja pela pobreza ou por promessa,
os romeiros iam “com os pés no chão” com apenas um jumento carregando “mantimentos”
(ROCHA, 2002a, p. 18).
Porém, é impossível falar em abastecimento sem a sua relação dialética, a
escassez. E escassez no sertão tem nome próprio: Seca. As estiagens periódicas matavam o
gado, inviabilizavam a lavoura, geravam carestia de alimentos no mercado regional.
Porém, é preciso destacar que a seca “aflige sobremaneira não o ‘sertanejo’ em geral, mas
o ‘sertanejo’ pobre, o pequeno proprietário, o sem-terra, o trabalhador rural” (MARTINS,
2010a, p. 20). Tradicionalmente, o sertanejo flagelado é visto como o arquétipo da
resignação e do conformismo, mas a sua teimosia em permanecer como camponês é “uma
forma de resistir a condição de opressão”. A seca faz parte do cotidiano sertanejo de tal
modo que seus significados “vão além do momento em que ele está presente, ou seja, as
preocupações quanto à possibilidade da ocorrência” (MARTINS, 2010a, p. 20). Produzir
na caatinga era, portanto, produzir contra e para a seca. Era comum entres as famílias com
maiores recursos o armazenamento de farinha de mandioca capaz de abastecer a família
em estiagens prolongadas.
A família Martins dos Anjos, na fazenda Moquém do Peixe, era um exemplo
de uma unidade que associava policultura e pecuária sobre garantir seu abastecimento. José
Martins dos Anjos faleceu em 27 de janeiro de 1885, na sua fazenda Moquém do Peixe,
vale do rio Jacaré, a alguns quilômetros acima de Canabrava do Miranda. Deixou vários
herdeiros: a viúva Fecunda Maria da Conceição e o filho com ela, Emídio Martins dos
Anjos, então com 22 anos; os herdeiros do seu primeiro casamento, Ana Justina da Paixão,
casada com Antônio José de Araújo, Delfina Maria da Paixão, casada com Jesuíno Antônio
Francisco, José Joaquim dos Anjos, Antônio Ignacio dos Anjos, Manoel dos Anjos

1
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853
2
FCA. Inventário do Major Bento da Silva Dourado. 1889.
3
FCA. Inventário de Maria Francisca da Silva Dourado. 1896.
4
FCA. Inventário do capitão José da Silva Dourado. 1896.

126
falecido representado pelos filhos Ricardo Martins dos Anjos, 16 anos, Antônio Martins
dos Anjos, 10, José Luiz dos Anjos, 12, Manoel Maria dos Anjos, 6, Umbilina Martins dos
Anjos, 5, Fernando Martins dos Anjos, 3, Moisés Martins dos Anjos, 1, Geraldo Martins
dos Anjos, falecido, representado pelo filho Izidro Martins dos Anjos de 6 anos, Maria
Norberta da Paixão, falecida, representada pela filha Maria Isadora da Paixão casada com
José Benício dos Santos, José Raimundo dos Anjos, falecido, representado pela filha
Bibiana, 15 anos e Maria Clara da Conceição, falecida, representada pelos filhos
Francolino Martins dos Anjos, 25 anos, filhos Francisca Clara da Conceição casada com
Candido José da Silva e Porcina Clara da Conceição casada com Sergio Barbosa de Souza.
O casal “nada deve a ninguém”, tendo emprestado 14$000 a José Benício, esposo da neta.
Possuíam peças de mobília, caixas encouradas, bruacas, quatro cavalos avaliados em média
de 40$000, 14 cabeças de gado adulto avaliadas em 350$000, sete rezes de anos abaixo
avaliadas em 87$500, três ovelhas avaliadas em 3$000, duas partes de terra em Muquem
do Peixe, avaliadas em 100$000, uma “casa coberta de telhas de barro já bastante velha”
de 50$000 e uma “casinha pequena coberta de cavaco na Fazenda de Canabrava” avaliada
em 20$000. Supondo que os filhos e netos de José tivessem seus rebanhos, talvez não
destoassem muito das atividades que o mesmo praticava, a pecuária de pequenos rebanhos
e a agricultura, já que ainda foram avaliados no espólio uma “casa de fazer farinha” em
50$000, uma roça de mandioca no valor de 20$000, um roçado sem especificação
nenhuma avaliado em 2$000 e um cercado de capim de 20$000. Daí conclui-se que o
preço de um bem não era correspondente à sua importância no abastecimento. Uma roça de
mandioca inteira custava menos que uma rês. Uma ovelha, tão importante no
abastecimento das famílias mais pobres, custava 1$0005.
A necessidade de autoabastecimento da caatinga era imperiosa. A ocupação do
vale do rio Jacaré, na parte da agrocaatinga de América Dourada, em Morro do Chapéu,
está relacionada à expansão da cotonicultura e da pecuária e pode ter sido influenciada pela
formação de um mercado consumidor de alimentos nas minas de carbonato em Ventura.
Seus ocupantes, as famílias Cardoso e Dourado, fugiram de estiagens em Macaúbas. As
terras do entorno de Ventura e Morro do Chapéu sofreram alta de preço e houve um
deslocamento de grandes proprietários e camponeses para as regiões das caatingas no
sudoeste e noroeste da sede do município, em especial para as proximidades dos distritos
de Canabrava do Miranda e Caraíbas onde “ficavam as terras mais desprezadas do

5
FCA. Inventário de José Martins dos Anjos. 1885.

127
município” que, de acordo com Moisés Sampaio “no seu subsolo não existiam pedras
preciosas”, “não tinham vocação para pecuária” e “destinavam-se exclusivamente à
agricultura” (SAMPAIO, 2009, p. 90), equívoco do autor, já que no vale do rio Jacaré
viveram criadores de rebanhos de até 300, 150 ou mesmo 690 reses, como os de major
Bento Dourado em 1889, Júlia de Castro Dourado em 1891 e capitão José da Silva
Dourado em 1896, respectivamente6. Por aí, passavam tropas de gado oriundas de Goiás,
Piauí e da região que mais tarde seria chamada de Oeste Baiano, não era o isolamento o
único fator para o autoabastecimento, mas a possibilidade de produzir. A família Dourado,
ocupante das terras da caatinga no distrito de Caraíbas, era “predominantemente, de
lavradores e pecuaristas” (DOURADO, 2003, p. 26).
Morro do Chapéu foi visitada por Durval Aguiar em 1892. A vila possuía 200
casas e 9 estabelecimentos comerciais. O termo possuía 7.419 habitantes, com duas escolas
na vila, uma para cada sexo, uma escola de meninos em Utinga e outra em América. Seu
solo “ubérrimo para toda espécie de lavoura (...) ainda não tem desenvolvimento
compatível com sua fertilidade” (AGUIAR, 1979. p. 126). Além de produzir café e cacau,
a 14 léguas da vila, em Canabrava do Miranda, “se lavra o algodão” e América Dourada, a
sete léguas de distância, possuía “terrenos algodoeiros”. Utinga, Cachoeirinha e Pega
produzem “cereais, muito cacau, fumo e cana, e fabrica-se o açúcar e a cachaça”. Ventura,
a cinco léguas de distância, produzia diamantes e carbonato. Cortado pelo rio Jacaré ou
Romão Gramacho, que nasce na serra de Brotas de Macaúbas a sete léguas da vila, pelo rio
Utinga, que desce para o sul e deságua no rio Paraguaçú, além do rio Jacuípe a três
quilômetros da zona urbana (AGUIAR, 1979, p. 126-127).
Havia “percepção circular do tempo” própria de uma “preeminência da
racionalização tradicional e conformista”, característica das sociedades camponesas
(SHANIN, 1980, p. 47). Os meses de chuva, de outubro a março, eram de limpeza das
roças, plantio, colheita, maior produção de leite de vaca, grande disponibilidade de frutas,
facilidade de acesso à água para rebanhos em caldeirões7, cacimbas8, lagoas, riachos

6
FCA. Inventário de major Bento da Silva Dourado. 1889. Inventário de Dona Júlia de Castro Dourado.
1891. Inventário de capitão José da Silva Dourado. 1896.
7
Caldeirão ou canoão é o nome dado a cavidades em rochas de calcário que reservam água doce das chuvas
no período de seca.
8
Cacimbas são nascentes de água doce e salobra encontradas nas serras e caatingas.

128
intermitentes e baixas9. Os meses de seca, de abril a setembro, eram de beneficiamento de
mandioca, no fabrico de farinha, tapioca e outros derivados, como também da produção de
rapadura, deslocamento dos rebanhos para regiões mais distantes e diminuição do trabalho
diretamente na lavoura. A condição de ser ou não proprietário determinava nuances: donos
de terra e engenhos que não suprissem com mão de obra familiar, complementavam a
demanda recorrendo a diaristas e meeiros. “A própria ideia de seca está presente na divisão
do ano em etapas – seca e verde – que orientam as tarefas desempenhadas em cada
momento” (MARTINS, 2010a, p. 22).
Richard Burton, em passagem em Xique-Xique no ano de 1866, destacou que a
vila possuía “criação de gado”, “cabras tão pequenas e raquíticas”, carneiros que “eram os
melhores do Brasil”, produzia “anualmente, de 1.000 a 2.000 alqueires de sal ao Alto São
Francisco”, “mandioca” que “dá boa farinha”, “milho e excelente fumo”. De acordo com o
viajante, “Os habitantes se vangloriam de que sua terra é das mais ricas, senão a mais rica,
das proximidades do rio” (BURTON, 1977. p. 163 ).
Teodoro Sampaio, de passagem em 1879, apesar de acreditar que a vila “nada
oferecesse de particular e interessante” destaca que o vizinho “município de Barra é
reconhecidamente pobre do ponto de vista agrícola” tendo a “criação de gado” como “sua
melhor industria” e seria “Chique-Chique [que] fornecelhe mantimentos” (SAMPAIO,
1955. p. 92).
Durval Vieira de Aguiar passou pela vila ribeirinha em 1892 e identificou a
ilha do Miradouro ser “muito fértil de cereais” (AGUIAR, 1979, p. 56). Pesca abundante,
garimpos em Gentio do Ouro, Lavra Velha, Baixa Grande, Mineiro, Desterro e Jardim,
água encanada em Santo Inácio pela Companhia das Minas do Assuruá, sal extraído da
lagoa de Itaparica, pó e madeira da carnaúba, todos os fatores para uma próspera vila de
1.200 almas (AGUIAR, 1979, p. 57-58). Porém, Xique-Xique “completamente saqueada”,
“estava em perfeita penúria”, as “fazendas de criação devastadas”, “seus “edifícios mais
sólidos estavam sem portas e janelas”, o comércio suspenso, pois “as barcas passavam ao
largo” e “os catingueiros não se atreviam a entrar”, sendo o abastecimento feito na Barra,
devido aos conflitos entre os partidos Pedra, herdeiros dos liberais, e Marrão,
conservadores, além dos Bundões, que se aliavam “à que melhor paga” (AGUIAR, 1979,
p. 59). Julgava Francisco Vicente Viana, em 1893, que “poderia ser uma das primeiras do
9
“Baixão é depressão de terra ou Canon, fora das serras ou na proximidade delas, mas de terra, entre
elevações; acumula água ou se torna uma torrente, nas chuvas, permitindo lavouras de cana, de arroz, como
outras hidrófilas, em pela caatinga” (ARAÚJO, 1953. p. 8).

129
rio São Francisco”, mas seria “retida na estrada do progresso pelas devastadoras guerras
partidárias” (VIANA, 1979, p. 505).
O município de Xique-Xique tinha uma produção mais diversificada e garantia
inteiramente seu abastecimento agrícola, exceto “café, a rapadura e o açúcar vindos da
Província de Minas Gerais” (MARTINS, 2010c, p. 21). Carne de gado vacum, peixe,
farinha, tapioca, feijão, milho, sal eram produzidos no município. “Os catingueiros não
dominavam o sal” (MARTINS, 2010a, p. 33) e necessitavam, também, comprar “tecidos
baratos, ferramentas, armas e munições, querosene, remédios, fósforos e algumas bebidas”
(ROCHA; MACHADO, 1989, p. 59). Mas eram capazes de produzir “milho, feijão,
mandioca e algodão”, podiam possuir pequenas criações como galinhas, porcos, cabras,
ovelhas e vacas e tinham à disposição a caça de animais – caititús, pássaros, tatus,
tamanduás, teiús, veados – e o mel silvestre (ROCHA; MACHADO, 1989, p. 51). Leo
Zehntner, cientista suíço que foi diretor do Instituto Baiano de Agricultura e realizou
diversos experimentos agronômicos e pesquisas de campo, que esteve na região em 1912 a
fim de estudar a produção de borracha de maniçoba, afirma que em princípios do século,
nas caatingas de Xique-Xique os comerciantes das zonas produtoras de borracha adquiriam
“farinha de mandioca, arroz, feijão, milho, batata doce e alguns legumes e fructas”, todos
“cultivados na zona mesma em relativa abundancia” e “por isso, vendidos a preços
commodos” (ZEHNTNER, 1914, p. 84).
Em períodos excepcionais, a caatinga não era capaz de produzir sequer farinha.
Por exemplo, em 1912, a borracha havia absorvido de tal forma os braços da lavoura que
“foi raro encontrar uma pequena plantação de mandioca ou de cereaes”. Nos mercados,
encontravam-se “apenas farinha” importada de Pojuca, no litoral norte da Bahia, e de
Mundo Novo, no norte da Chapada Diamantina (ZEHNTNER, 1914, p. 84). Nas secas,
também se recorria ao mercado de Xique-Xique para a compra de farinha, um dos
principais produtos da mesa do catingueiro no período. Destaca-se que os períodos de
escassez ocasionados por fenômenos climáticos não são naturais, mas socialmente
condicionados, originados da “baixa produtividade dos instrumentos de trabalho” (KULA,
1979, p. 137).
No caso de Xique-Xique, podemos falar na importância da mandioca para
produção de puba, farinha e tapioca, além de fruteiras, batata-doce, aipim, andu e fumo. No
Alto Sertão, a ocupação ocorreu com pecuária e policultura com “lavouras consorciadas de
algodão, milho e feijão”. “O povoamento do interior compeliu a produção de subsistência

130
capaz de gerar autonomia de abastecimento” (NEVES, 2008, 183-189). Em América
Dourada, onde os ocupantes eram oriundos de Rio de Contas, Macaúbas e Caetité, a
cotonicultura também prevalece, herança da origem alto-sertaneja de seus primeiros
ocupantes, além da policultura.
Essas condições criaram unidades econômicas camponesas com “controle dos
próprios meios de produção”, preocupados com uma “economia de subsistência” com
“qualificação ocupacional multidimensional” baseada no “trabalho familiar” (SHANIN,
1980, p. 46) complementado com cativos, meeiros e diaristas assalariados (NEVES, 2008,
p. 294). Tais unidades “não se caracterizavam como produção de subsistência, pois não se
limitavam apenas ao consumo dos próprios produtores” (NEVES, 2008, p. 184). As
grandes proles das famílias caatingueiras eram muito úteis; Zelita Ribeiro da Silva conta
que ainda na década de 1950 “foi muito bom ter na roça esse tanto de filho” (PAIVA,
2009, p. 24). As “famílias camponesas mais ricas são as mais numerosas” (KULA, 1979, p.
67).
Arão Sancho Paiva, proprietário e professor leigo em Laranjeiras, também
exercia serviços de sapateiro, carpinteiro e artesão de couro, confeccionando “cela, arreio,
sapato, chapéu, gibão, perneira, guarda-peito, calção” (PAIVA, 2009, p. 60). Mesmo com
alguma especialização nas tarefas, durante o século XX, com o surgimento de profissionais
como carpinteiros, açougueiros, oleiros, ferreiros, pedreiros, artesãos, até a década de
1950, a grande maioria das pessoas exerciam atividades agrícolas em roças e alguma
criação doméstica (SILVA, 1955).
Em apenas um inventário foi possível encontrar um número significativo de
escravos. Antônio Benigno da Silva Dourado declarou que sua esposa, a falecida Maria
Rosa da Silva Dourado, deixou “40 cargas de algodão em capucho”, 70 cabeças de gado e
cinco escravos da “lavoura”, Felipe, preto, 50 anos, Vicente, preto, 18, Simão, preto, 13,
Marcelina, preta, 19 e Raquel, preta, 13. Felipe e Marcelina eram casados e tinham um
filho ingênuo10. O casal proprietário possuía um filho de pouco mais de um ano. Foi a
única propriedade na qual foi possível inferir que a exploração dos cativos era a base da
lavoura de algodão e gêneros alimentícios e do pequeno rebanho.
A produção da farinha de mandioca era um empreendimento de cooperação de
trabalho natural que se encontra em um nível mais complexo, por reunir toda a mão de
obra disponível. Nas primeiras horas do dia, os homens extraem as raízes, armazenadas em

10
FCA. Inventário de Maria Rosa da Silva Dourado. 1881.

131
“bruacas de couro” e transportadas até o local da “desmancha” por cavalos, burros e
jumentos. Mulheres com auxílio de crianças se encarregam de descascar com faca a
mandioca, “ralada no bolinete” movido à manivela “através de roda raiada de ferro”, um
serviço masculino. O “movimento da manivela, através de correias de couro aciona “o
bolinete (cilindro recoberto de dentes de ferro)” e desmancha a mandioca em farelos.
Empregava-se também tração animal para mover o bolinete com boi manso ou cavalo
“preso ao cabeçalho”. Depois de ralada, mulheres espremem o farelo e depositam o líquido
em cumbucas e cochos; da decantação origina a tapioca (polvilho). A massa retirada levada
à prensa de madeira, depois ao forno para ser torrada e se transformar em farinha
(MACHADO, 2008, p. 33).
Nas partes mais secas, era possível o cultivo de mandioca, feijão, algodão,
melancia, gergelim, maxixe, quiabo, andu, mamão, inhame, aipim e milho. Nas partes mais
úmidas se cultivava abóbora, batata-doce, arroz, banana, cana-de-açúcar, laranja, manga e
coco.
Além da roça, a caatinga ou campo, ou seja, uma área de reserva, “constituía
uma porção importante do produto total” (LE ROY LADURIE, 2007. p. 57) servindo de
pasto para o gado pé-duro ou curraleiro, cabras, ovelhas, aves, cavalos, jumentos e burros.
Fornecia a madeira para a construção como baraúna, aroeira, quebra-facão, umburabana,
pau-ferro, jatobá, sucupira, folha larga, sãojueiro e outras que serviam para confecção de
portas, janelas, cabos de ferramentas, tamboretes, carro de boi, moendas, parafusos e
outros instrumentos de casa de farinha e engenho, colheres, cochos, gamelas, bancos, paus
de porteira, mourões, carotes, dornas, sarrilhos (manivela para extrair água de poços
artesianos), cangaias, cercas, ripas, caibos e linhas para telhado. No espólio do capitão José
Dourado, havia 23 tábuas pequenas de umburana avaliadas em 3$68011, demonstrando que
a madeira possuía preços irrisórios. Também era “reserva” para se extrair a fibra de caroá
servindo de barbante e como matéria-prima de uma corda altamente resistente. Na
caatinga, encontravam-se frutas como umbú, cumadinha, araçá, puçá, jaboticaba, goiaba,
guabiraba, juá, bananinha-de-macaco, favela, quixaba, juamirim, e exclusivamente nas
zonas serranas, murici, puçá, mangaba, macaca, maçaranduba, capinó, cajuí, pataca e
jaboticaba.
A caça, além de lazer, era fonte de carne para os mais pobres em tempos difíceis matava-se
de tudo: porco do mato, tamanduá-bandeira, caititú, gia, tatu-bola, tatu-peba, tatu-

11
FCA. Inventário do capitão José da Silva Dourado. 1896.

132
verdadeiro, cutia, saruê, teiú, preá, papa-mel, mocó, michila ou tamanduá-mirim, aves
como o jacu e a codorna e pássaros como a zabelê, juriti e a verdadeira. Mesmo algumas
cobras podiam servir de cardápio. A caça de felinos, desde os menores como o gato-do-
mato, a jaguatirica e o mourisco, até as onças de diversos tipos – a pintada, a lombo-preto,
a lombo-vermelho, a preta, a mão-torta, a parda, a canguçú, a suçarana (sussuarana) –
tinham a função da proteção de rebanhos e era uma prova de fogo da valentia masculina,
sendo os animais abatidos exibidos como troféus. Na caatinga encontrava-se a cabaça e a
cumbuca, utilizadas para transporte de água. Também era importante para a alimentação o
mel silvestre de várias espécies de abelhas como mandaguari, verdadeiro, sanharó, arapuá,
bórá, mandaçaia, tubí, jataí, mundurí. Delas também se conseguia a cera utilizada para
confecção de velas, torrado e remendos de recipientes de água. O mel também era utilizado
para uso terapêutico, assim como cascas, raízes, óleos e ervas, sem negligenciar o
espiritual, já que os chás e bebidas produzidos eram acompanhados de rezas, rituais, votos
e promessas. Em poema de Virgílio Bié Machado, ele menciona o uso terapêutico da
gordura do roedor preá e a solidariedade entre vizinhos e parentes

Minhas alvista, minha mãe


que meu pai ta pá chegar
ele já caiu dos quarto
não pode mais trabalhar
vem caçar um socorro
d’uma banha de preá

Essa grande margem de autoabastecimento de alguns municípios e os


reduzidos vínculos com mercados fora da região eram uma garantia de independência em
tempos de produção normal, mas um perigo em tempos de estiagem. A autonomia tão
elogiada pela Câmara em uns tempos convertia-se em uma lástima em outros. Em 1860,
Manoel Fulgêncio de Azevedo, na função de juiz municipal substituto, em ofício para o
presidente da província dá conta do “quadro de distruição” causado pela “mais terrível
secca”. No município de Xique-Xique, as zonas que não eram privilegiadas pelas águas do
Velho Chico, ou seja as serras e as catingas eram vitimadas com maior impacto pela seca.
Ainda de acordo com Manoel de Azevedo, “numerozos bandos (...) das Serras do Assuruá,
e mais lugares centrais do Termo desta” chegavam à vila. Uma alternativa foi a venda de
escravos, para quem os possuía. As estiagens e partilhas de heranças depauperavam as
fortunas das famílias abastadas da região.

133
Em Morro do Chapéu, Sampaio dá notícias de algumas dificuldades com o
clima. Uma “grande seca que se iniciou em 1859 e se prolongou até meados de 1862”
abalando a pecuária, principal atividade econômica da região. Outra estação sem chuvas e
com bastante dificuldade ocorre em 1868. Esta, porém, teve o agravante de vir
acompanhada pela suspensão do “comércio de animais”, visto que “epidemias de cólera e
varíola em Salvador e Recôncavo” “afugentaram os boiadeiros”. Outro fator que deve ter
piorado a situação foi a “crise açucareira” que derrubou os preços da carne “quase pela
metade entre 1870 e 1871” (SAMPAIO, 2009, p. 26-27). A estiagem também
“impossibilitou o garimpo de diamantes” com a ausência de água “para lavar o cascalho e
separar as pedras”. Alguns “donos de garimpo” passaram a investir em cacau no Sul da
Bahia. Em 1898, nova estiagem “degradou completamente as pastagens, e obrigou grande
parte dos pecuaristas da Chapada Diamantina a vender ou abandonar as suas propriedades”
(SAMPAIO, 2009, p. 13).
Ocorreram secas “na primeira década do século XIX e nas de 1830, 1860 e
1890”, sendo as mais terríveis as de 1857 e 1861 (NEVES, 2008, p. 206). Em 1860, o
Padre Jerônimo Dantas Barbosa de Rio de Contas registrou falecimento de 524 pessoas. O
padre Fernando Augusto Leão, de Macaúbas, relacionou 204 vítimas de fome ou doenças
que lhe era decorrente. Já o cônego José de Souza Barbosa, na paróquia de Bom Jesus de
Rio de Contas, relacionou 1.044 vítimas de morte pela seca e 3.274 de pessoas que
migraram (NEVES, 2008, p. 210-211).
Daiane Martins, em estudo sobre as secas da década de 1930, afirma que, no
município de Xique-Xique, flagelados recorriam a localidades nas margens de riachos e a
própria sede do município, na procura de trabalho ou esmolas em locais em que os
impactos da seca eram minimizados. Martins destacou a procura do peixe no rio São
Francisco, feita por alguns grupos de flagelados. Durante a seca de 1932, “os peixes (...)
serviram de sustento para os catingueiros que tentavam sobreviver”. Como Xique-Xique
era uma alternativa para os flagelados não morrerem de fome, logo, percebe-se que os
catingueiros são os “principais atingidos pelas secas e os primeiros a se retirarem”
(MARTINS, 2010a, p. 34). Muitos dos trabalhadores diaristas e agregados que chegavam
“tocados de crise” – flagelados de secas de outras regiões ou Estados – sendo a seca um
fator fundamental na migração entre os sertões. Lugarejos com riachos permanentes
estrategicamente situados, como Canabrava do Gonçalo nos anos 1930, atraíam famintos,
pois conseguiam com mais facilidade trabalho, esmolas e solidariedade para continuar o

134
caminho ou, até mesmo, permanecer na comunidade. Havia também a expectativa do peixe
do São Francisco, como na vila de Xique-Xique. Porém, não era estranho que famílias
saíssem de Canabrava e outros lugares do sertão com destino ao Oeste baiano ou Goiás,
zonas mais chuvosas onde a seca não representava um perigo constante12.
De acordo com Wilson Lins, nos marcos do seu determinismo geográfico, o
beiradeiro “tem a displicência sardônica dos que se cansaram de plantar para o rio comer”
e não se preocupa com a fome, já que possui “a comida garantida pelo peixe próximo”. Ao
contrário, “o povo da caatinga é mais resistente ao sofrimento”. Ele equivocava-se ao dizer
que a “água do catingueiro é de presa e de cacimba”, pois havia também os riachos
intermitentes, os boqueirões úmidos, as lagoas e as baixas – espécie de enxurradas que se
transformam em riachos capazes de durar alguns dias. Wilson Lins se surpreende por não
encontrar “explicação para o seu teimoso agarradio à terra”, a não ser “uma espécie de
instinto de propriedade que os prende à terra que foi dos seus tetravós e que hoje lhes
pertence” (LINS, 1983, p. 107-108). É certo que os proprietários não só demoravam em
sair de suas terras pelo “instinto de propriedade”, mas justamente por que a sua condição
lhes permitia o acúmulo de maiores recursos para resistir às consequências de uma seca.
Ao contrário, o arrendatário pobre, o meeiro, o diarista e o sem-terra estavam em posição
muito mais frágil para resistir à estiagem e eram os primeiros a migrarem em busca de
sobrevivência. Porém, mesmo o camponês que dispunha de uma quantidade de recursos
maior poderia perder tudo a depender da intensidade da estiagem. O poeta Virgílio Bié
Machado mencionava que
Eu me chamo Virgilio
mas meu apelido é Bié
em 39 tinha 12 burro
mas hoje eu ando de pé

À medida que a ocupação vai avançando na caatinga, as condições de


sobrevivência tornam-se mais duras para aqueles que não dispõem de recursos. Moradores
das “partes mais úmidas” de Canabrava do Gonçalo tinham suas “dificuldades de
abastecimento de água (...) amenizadas” pela presença dos riachos e cacimbas de água
doce, como acontecia a Olho d’Água, Riacho da Areia, América Dourada, Laranjeiras,
Lapa Grande, Volta do Angico, Riacho Largo e São Gabriel. Ao contrário, “nas zonas mais
afastadas (...) a luta pela água e pelos alimentos (...) era mais complicada, pois havia a

12
O bisneto de Venceslau Machado e Francisca Rocha, Rogério Pereira Machado, migrou com toda sua
família para Formosa do Rio Preto, localizada no oeste baiano (MACHADO, 2008).

135
necessidade de se percorrer vários quilômetros de distância para encontrar água para as
atividades diárias de beber, cozinhar, lavar utensílios, e matar a sede dos animais”
(MARTINS, 2010a, p. 36-37). Isto ocorria com os habitantes de locais como Roça de
Dentro, Chapada, Tanquinho, Quixabeira, Alto Bonito, Achado, Recife, Caldeirão, Lagoa
de Canabrava, Caraíbas, Canal, Belo Campo e Rochedo. Não é por acaso que “os
reservatórios de água, naturais ou construídos, adicionam um valor bem maior às
propriedades que os integram e mesmo quando em áreas públicas possuem proprietários”
(MARTINS, 2007, 45), ainda que na maioria das vezes, as fonte de água fossem de uso
coletivo.
A seca é um fenômeno climático com fortes impactos sobre a vida agrária e,
portanto, sobre uma sociedade camponesa. Todavia, ela é mais e menos do que isso em um
aspecto e menos em outro. Ao mesmo tempo, a seca é uma categoria válida para todas as
sociedades, mas tem características demasiado particulares e localizadas em um
determinado contexto espacial e de desenvolvimento de forças produtivas. Ela é distinta
em tempos históricos e em cada período apresenta impactos objetivos e subjetivos
distintos.
As estiagens mais poderosas foram capazes de desestruturar alguns núcleos
populacionais. Historiadores europeus usam o termo alemão Wüstungen para designar
regiões que foram despovoadas, “cujo vestígio se conserva na toponímia rural”. É o caso
de Juá Velho, desaparecido na seca de 1932, Barraca de Barro, extinto no último quarto do
século XIX. Na França, ocorriam em “solos ingratos que só a pressão demográfica local
havia levado os homens (...) a domar por um espaço penoso e de pouco proveito” (DUBY,
2001).
Japoneses, chineses, romanos, parzelen franceses, guarajis cubanos, qechuás
bolivianos, enfim, os sujeitos de diversos os meios rurais conheceram variações climáticas
de consequências catastróficas e negativas para a produção de alimentos. Seca é uma
possibilidade de denominação comum.
Se o fenômeno climático é a causa da seca, com uma origem natural – sem
dicotomizar aqui o intercâmbio de influência permanente que existe entre homem e
natureza – suas consequências são específicas em cada contexto histórico. Quando ela não
é potencializada por uma sociedade que destruiu as fontes de água ou desarticulou os ciclos
naturais através de desmatamentos, barragens, irrigações, destruição de nascentes,

136
canalização e outros tipos de intervenção, ainda assim a seca é um fenômeno de
repercussões sociais.
Enfrentar uma seca na condição de proprietário ou na condição de trabalhador
desprovido de meios de produção – fundamentalmente terra – implicam condições distintas
e, mesmo antagônicas. Ser membro ou não de uma rede familiar, participar ou não de uma
comunidade camponesa e de uma potencial rede de solidariedade estabelecida nela, estar
perto ou não de fontes de abastecimento de água para gado e gente, ter maior ou menor
propensão a contrair doenças são fatores distintos que podem aumentar a agrura de uma
estiagem. Nesse último fator, em especial, a seca do século XIX poderia vir seguida de
epidemias que encontram uma população caatingueira faminta e propensa a morrer por
infecções como a varíola, a rubéola e a tuberculose. A migração dessa população para
zonas ribeirinhas por sua vez amplia um público paupérrimo e fragilizado, alvo fácil de
males como a febre amarela, a malária e a febre tifóide. As secas que ocorreram após os
anos 1970 encontraram uma população que já havia sido imunizada por campanhas de
vacinação.
O grau de desenvolvimento das forças produtivas de uma região pode
representar nuances no impacto da secas, embora não seja possível a conclusão automática
de que um grande nível de desenvolvimento tecnológico possa reduzir as consequências de
uma estiagem, ainda porque muitas vezes o progresso técnico constituiu um sinônimo de
destruição ambiental e potencializa, portanto, as dificuldades de uso de recursos naturais.
Se as secas do século XIX e início do XX produziam campos de cadáveres, em regiões nas
quais a modernização capitalista resultou em esgotamento dos solos e destruição de fontes
de água, as secas do século XXI podem resultar em desertos. Fatores como demografia,
migração, intervenção estatal, nível de desenvolvimento de necessidades e economia
natural se conectam com os modernos recursos tecnológicos para produzir resultados
distintos. Sempre como produto da ação humana no espaço.
Independente das secas, “realidade cruel sertaneja é a pobreza”, visto que os
mais pobres caatingueiros capinam de sol a sol, vaquejam, trabalham sem comer, em
jejum. “As secas empobrecem os ricos e agravam a miséria dos que já vem num estado
permanente de penúria” (ARAÚJO, 1953, p. 55). Um poema de autor desconhecido da
primeira metade do século XX revela que o café era um produto de privilegiados
Eu vô falá uma quadra
rezada cum grande fé
na altura que já anda

137
a fama do tal café
o café é muito bom
pra os rico, pra os rigalho
tem todo o necessário
tem pancha, tem bolacha
tem paçoca, tem mantega
tem pires, tem a xícara
tem açúcar e a bule negra

A seca de 1932 gerou migrações em massa, epidemias, empobrecimento,


destruição de vilas e povoados, mortes em escala difícil de mensurar. Porém, excetuando o
intervalo de nova seca em 1939, foi seguida de um período de fundação de novos
povoados, ampliação das áreas cultiváveis, descoberta de novas fontes de água, ocupação
de novas terras com policultura, expansão das lavouras comerciais de algodão, feijão,
mamona e desenvolvimento do capital e crescimento da economia de mercado, ainda que
nem sempre em detrimento do modo de produção camponês. A seca de 1991 encontrou um
aparato estatal relativamente mais denso e ampliado capaz de criar frentes de trabalho,
distribuir cestas básicas e derrubar as taxas de mortalidade. Entretanto, trouxe um
fenômeno novo: a seca devastou a economia agrária regional e levou à falência e, alguns,
ao suicídio de diversos empresários rurais. O fenômeno climático pode até ser semelhante,
mas seu impacto é determinado historicamente. Afinal de contas, do início do século XX,
quando a proposta governamental era o “combate à seca”, até o início do século XXI
quando o enfoque está na convivência com o semiárido, muita coisa mudou.
A seca cumpre uma série de funções na sociedade agrária da caatinga baiana.
a) grandes movimentos demográficos com deslocamento interno de
populações, recepção de pessoas de zonas mais afetadas e saída para a
cidade;
b) despovoamento de pequenos e médios núcleos populacionais como função
da dificuldade de abastecimento de água;
c) fundação de novos povoados por migrantes em busca de novas terras e
possibilidades de sobrevivência;
d) exploração de novas fontes de água; as secas levam à procura de cacimbas,
à perfuração de poços, ao estabelecimento de água encanada em algumas
localidades.
e) rompimento e criação de alianças políticas – horizontais e verticais – entre
pessoas mais atingidas pela seca no provimento de suas necessidades e

138
outras com melhores condições de vida; tais relações podem reconfigurar
completamente a hierarquia de uma aldeia, pois roubar alimento pode levar
à expulsão de um membro da comunidade – como a atitude de respeito à
propriedade pode servir para integrá-la; aqueles com maiores recursos
econômicos que não se compadecem dos famintos e não ajudam aos pobres
podem perder suas referencias de prestígio e enfraquecer-se politicamente.
f) uma seca pode levar ao não pagamento de empréstimo adquirido tornando
o agricultor um dependente de novos empréstimos.
g) reforçar ou enfraquecer um determinado padrão de produção. Uma
estiagem que inviabilize uma cultura comercial tende a reforçar a economia
natural. Todavia, uma seca que abale a produção de autoabastecimento,
mas que não afete tanto um produto de destino comercial, reforça os laços
do produtor com o mercado;
h) a disponibilidade de água – e as características de uma seca – incidem
diretamente – ao lado de outras como solo, mercados, capitais disponíveis –
são essenciais na definição das culturas estabelecidas. Áreas mais sujeitas à
estiagem com solos pobres e pouca água são melhores para caprinocultura,
apicultura, enquanto gado vacum precisa de água em relativa abundância,
tal qual suínos. Cabras, bodes, mandioca, andu, abacaxi são culturas de
solos pobres e terras mais secas. Cana, gado, feijão, milho, arroz, banana,
frutas exigem melhores terras ou maior quantidade de água.

Pecuária
Em vários sentidos pode-se dizer que a conquista e ocupação do território
brasileiro continuou a Reconquista ibérica. A pecuária adaptava-se muito bem às condições
sociais em que predominava a escassez de força de trabalho e de capital, a mobilidade e a
facilidade de adaptação em terras pouco férteis. Pode-se afirmar que tanto na Reconquista,
quanto na ocupação econômica da América Portuguesa repetiram-se características de
economias bélicas. A “criação exige uma considerável posição de defesa, em relação ao
exterior; e de defesa contra os animais no sentido do interior das parcelas” (LE ROY
LADURIE, 2007, p. 70).
A ocupação do sertão foi realizada com a pecuária que subordinava a “lavoura
porque o boi era a mercadoria que com seus próprios esforços marchava em busca dos

139
mercados. A pecuária é sempre uma pioneira da agricultura”(ROCHA, 2004, p. 177), ainda
que nas agrocaatingas de América Dourada e da Serra Azul, tal qual em outras regiões do
sertão, “a pecuária associou-se à policultura” (NEVES, 2011b, p. 253) criando, desde o
princípio, uma empresa familiar com uma face mercantil – o gado, sua carne, seu couro – e
autonomia no abastecimento. A pecuária constituía a “principal atividade
econômica”(NEVES, 2011b, p. 254), pois era parte importante nos espólios de riquezas no
sertão, o gado adaptava-se com muita facilidade às caatingas. É possível afirmar que a
pecuária criava o sertão e não o contrário. Naturalmente, o gado não bastava para a
sobrevivência e a caracterização do mercado interno da América Portuguesa levou à
formação de uma economia agrária de autoabastecimento em torno do curral. O curral
demandou a roça e a sede da fazenda, não a moradia do proprietário.
Maria Yedda Linhares argumenta que uma das principais vias de ocupação do
interior do Brasil foi a pecuária nas regiões de fronteira, que convergia com o extermínio
das populações indígenas na formação do latifúndio colonial no “movimento de ocupação
de terras, erroneamente ditas ‘virgens’ ou inabitadas” (LINHARES, 1996, p. 109).
Após consulta ao Conselho Ultramarino, em 27 de outubro de 1700, a Coroa
Portuguesa expediu o alvará de 27 de fevereiro de 1701, ampliando o de 1688,
determinando que a pecuária era permitida dez léguas além do litoral. Ela estava destinada
à zonas mais distantes da cidade, pois o custo de transporte era decisivo no mercado.
Instaurou-se um sistema de extração de renda em que o sesmeiro arrendava a terra ao
arrendatário e este delegaria o trato do gado ao vaqueiro, permitindo a extração de renda-
trabalho deste, e de renda da terra para aquele. A finalidade do gado no sertão seria
econômica, assegurando a zona da mata para produção de açúcar, e política, ocupando o
território. O isolamento das fazendas de gado impuseram à produção com alguma margem
de autoabastecimento, transformando a pecuária em “parte de um sistema de subsistência”
(LINHARES, 1996, p. 112, 117, 119).
Essa importância da pecuária é explicada por uma série de fatores. Trazidos de
Cabo Verde e outras origens, os animais dispensavam a proximidade do litoral, adaptavam-
se bem no semiárido onde a cana de açúcar não tinha o mesmo sucesso, despendia pouca
mão de obra e capital, multiplicava-se naturalmente e era bom alimento (NEVES, 2011b,
p. 253, 258). Além disso, os latifundiários das Casas da Ponte e da Torre, além dos outros
grandes proprietários, obtinham nas fazendas de gado uma forma de relação econômica
bastante cômoda e que exigia menos capital e supervisão que uma empresa agrícola. As

140
fazendas de gado eram arrendadas a terceiros ou exploradas diretamente pelo proprietário,
através de sistemas de sorte e permitiam a extração de renda.
O gado vacum era o mais valorizado. Fornecia leite, carne, força motora para
casas de farinha, carros e engenhos, couro. Ovinos e caprinos eram comuns, geralmente
associados à subsistência, ocupavam com mais frequência mulheres e crianças. Por
exemplo, Modesto Claro declarou no inventário de sua falecida esposa, Ermelina dos Reis
Fraga, 10 cabras. Isso representava muito, já que só possuíam, depois da seca, uma parte de
terras na fazenda Chapada, 20 cabeças de gado, dois burros e três cavalos13. Porcos, muito
usados no consumo familiar, forneciam gordura de toucinho, torresmo e carne, além de
sebo para a produção de sabão. Criados soltos nas proximidades das casas, quando
invadiam roças de vizinhos poderiam ser motivos comuns de atritos. Jumentos eram
animais de extrema resistência, mas pequenos e difíceis. Cavalos eram valorizados, mas o
burro era o animal de carga e transporte mais valorizado. Afinal, “tem muita força, resiste
às puxadas, mastiga qualquer pasto seco, refaz-se com a ração” (ARAÚJO, 1953, p. 74).
Uma das consequências da pecuária foi a caracterização de uma sociedade –
chamada de “civilização do couro” por Capistrano de Abreu – com especificidades. A
tendência para o autoabastecimento que complementa a “empresa” pecuarista. A
instituição do campo como uma espécie de relação econômica de uso de terras em comum
como pasto; a propriedade poderia ter seus titulares, mas era de uso coletivo dos criadores
de uma região, algo semelhante ao openfield inglês. A criação de gado bovino nas
caatingas levou à formação de um tipo bovino específico, o “pé duro”, bem adaptado ao
clima do sertão (NEVES, 2011b, p. 268). A cultura imaterial desenvolvida nos sertões de
pecuária tem na mitologia do vaqueiro e no cancioneiro do gado um elemento forte.
Mesmo conflitos políticos e vendetas de sangue podem ter origem em “rixas antigas
provenientes de extremas de terras e furto de criação”14.
Geraldo Rocha afirma que o “vaqueiro (...) não conhece perigos” e “para salvar
seus rebanhos”, os “heróicos caboclos desprezam os jacarés covardes, afrontam as piranhas
ferozes ou as águas traiçoeiras do rio”, e seguiam “vencendo caatingas ressequidas” e, com
exagero do autor, “trabalha apenas por amor ao gado” (ROCHA, 2004, p. 61-65). De fato,
uma história cultural do vaqueiro revelará certamente que este herói sertanejo representa o
destemor, a força e a valentia e não foram poucos os autores que o aclamaram.

13
APB. Judiciário. Inventário de Ermelina dos Reis Fraga. 07-3119-25, 1889.
14
APB. Judiciário. Processo-crime. 02-65-06. Xique-Xique. 1889 (1899).

141
Imortalizado nas páginas de Euclides da Cunha - Os Sertões é um texto basilar
sobre o sertanejo – os vaqueiros são “solidários todos, auxiliam-se incondicionalmente em
todas as conjunturas” (CUNHA, 2006, p. 158), constituindo-se em uma espécie de ofício
coesa por uma identidade do trabalho capaz de engendrar uma solidariedade de estamento,
ainda não propriamente de classe – com os inevitáveis conflitos internos. Dotados, ainda
de acordo com Cunha, de uma “probidade” inquestionável, os fazendeiros nunca
duvidaram que, uma vez realizado o acordo com o vaqueiro, “nunca se violará a
percentagem”. “Todo sertanejo é vaqueiro”, assim como também é “bárbaro, impetuoso,
abrupto”, no estereótipo euclidiano. O vaqueiro ou o sertanejo – que em Cunha são a
mesma coisa, seria é “desgracioso e inerte” e teria uma “aparência triste de um inválido
esmorecido”, mas a natureza o faria “forte, esperto, resignado e prático” (CUNHA, 2006,
p. 57, 148-158).
Wilson Lins destaca que as elites beradeiras “não desprezam o gibão, as
perneiras, o jaleco e o chapéu-de-couro, que compõem a armadura gloriosa do vaqueiro do
Norte” (LINS, 1983, p. 65) e que havia antagonismo de interesses entre a aristocracia
pecuarista contra a burguesia comercial das vilas san-franciscanas. Os afilhados, filhos de
gente pobre com os padrinhos ricos, contraíam no batismo a reciprocidade de obrigações:
proteção e caridade aos mais fracos, auxílio na vaquejada e nas armas oferecidas aos
chefes; lealdade mútua em tempos de paz e em tempos de guerra (LINS, 1983, p. 99). Para
Eurico Alves Boaventura o sertão e o sertanejo são determinados pela fazenda da pecuária.
Responsável pelo desenho de outra Bahia, a “sertaneja”, a pecuária permitiu a formação de
uma aristocracia encourada que era irmanada com seus vaqueiros. O do “pleno convívio
com a natureza” foi a formação de “homens bravos, viris, orgulhosos” (SOARES, 2009, p.
20, 48).
Na agrocaatinga da Serra Azul se desenvolveu uma literatura sobre a pecuária.
Nada de especial ou exclusivo nela. Podemos perceber a riqueza de significados do boi na
cultura sertaneja local. Um poema anônimo do início do século XX, “Boi Gigante”,
apresenta um tema recorrente. Utilizando o artifício da hipérbole, o humor alcançado pelo
poema trás também o desejo da fartura numa sociedade marcada pela luta contra a
escassez.
O chifre desse boi
Mandei pro Rio de Conta
Botou cabo em mil facão
Mil e seiscentas faca de ponta
Se você num tive creando

142
O ferreiro é que lhe conta

A língua desse boi


Mandei fazer um assado
Uns morreu de caganeira
Outros de barriga inchada
Vão desculpando, minha gente
Qu’inda ficou língua assada

Dos cascos desse boi


Mandei fazer um pilão
Pra pisar canjica
Para o povo do sertão
E as garrinha que fico
Deu duas mãos de pilão

O espinhaço desse boi


Mandei fazer uma ponte
Uma ponte para um rio
Um esteio para um sobrado
E no buraco do tutano
Passava um vapor folgado15

O fígado desse boi


Fizeram um friquité
Comeu trezentos home
Duzentos e cinqüenta mulher
Cento e cinqüenta cachorro
Inda sobrou friquité

O couro desse boi


Fizeram logo um surrão
Que deu pra botar todo o arroz
Do estado do Maranhão

O fato desse boi


Desmancharam pá sabão
Deu pá abastecer dois estado
Ceará e Maranhão
E cinco arrobas que fico
Foi pras mulher lavar as mãos

O mocotó desse boi


Fizeram a mocotozada
Deu pá comer todo mundo
Dali daquelas beirada
Uns morreu de caganeira
Outros de barriga inchada
E aqueles que não morreram

15
Francisco Pereira Pontes nos forneceu esse poema, afirmava que o aprendeu por volta dos anos 40 ao ouvir
o seu avô Bilau Moreno, Ladislau Pereira Machado, recitar para os netos. Francisco Pontes chegou a atribuir
a autoria do poema ao avô. Bilau (1870-1956) foi o fundador da Formosa, casou-se com Bertina Pereira, era
agricultor e sua família fabricava tachos, gamelas e colheres de pau, entre outras coisas do gênero.

143
Disseram: oh, comida gorda danada

O rabo desse boi


Foi o que rendeu mais pouco
Fizeram oito mil rédeas
E um cabresto p’um cabôco
E o que mais me admirou
É que esse boi era tôco

Desse poema, podemos perceber a diversidade de produtos e usos dados às


partes da rês. O alimento destaca-se: a língua, o fígado, a gordura do tutano e o mocotó –
para não citar outras partes da carne – são pratos da culinária sertaneja e os dois últimos
são particularmente conhecidos como fontes de força. O uso do fato para a produção de
sabão – o chamado sabão de soda ou sabão de bolo – preenchia as necessidades domésticas
da maioria das famílias. O artesanato com o chifre e o couro tinha uso largo para uma
diversidade de produtos: tamboretes, peias, correias, vestuário, coletes, sapatos, jalecos,
perneira, calção, guarda-peito, gibão, sandálias (mais conhecidas como “alpercatas”),
chapéus, bainhas. Para não falar do uso imaginário da coluna vertebral – o “espinhaço” – e
dos cascos.
Nesse mesmo “gênero” de poema sobre o gado, apela para o exagero o poema
“As orelha do boi cabana”, do poeta de Canabrava, Virgílio Bié Machado, dando destaque
para o artesanato.
As orelhas do boi cabana
Todo mundo admirou
Deu sete par de alprecata
Fora as garras que sobrou
E das garras que sobrou
Deu um par pra Ginuveva
E outro pro véi Bolô

Dessas garras que sobrou


Se os cachorros não consome
Dava taca pra Zé Fele
Currião pra mais dois homem
Capanga pra mininome
Correia pro véi Justino
Currião pro véi Dione

Já correu por todo canto


Notícias dessas orelhas
Bié que fez a cantiga
Também já fez uma peia
Véi Quinca tem uma correia
Todo mundo tá alegre

144
Com o tamanho dessas orelhas16

Considerando que “boi cabana” era uma forma de designação para um tipo de
boi curraleiro ou pé duro com orelhas pequenas, a ironia acrescenta-se à hipérbole,
caracterizando o sarcasmo do poeta de Canabrava que incluía pessoas da vila nos seus
versos.
Outro subgênero de poemas do cancioneiro pecuarista é aquele dedicado aos
vaqueiros. O poeta do vale do rio Verde, Firmino Serra Grande é autor de um poema que
ficou gravado na oralidade da Serra Azul, ABC do Boi Bargadinho.
Aquiles e Marculino
Por tê grande desespero
Convidaram Gasparino
Encouraram três vaqueiro
Para pegar Bargadinho
Que é garote catinguero

Bem cedo se aprontou


Os cavalo se arriou
Os castanho e os fôvero
São cavalo chegador
O Brinquedo num tem prova
Por que nunca trabalhou

Chegamos nossa viagem


Vamos indo devagar
Concentrando nosso campo
E beirando a marginá
Gasparino pra Lagoa
E nós vamos campear

De lá, fomos no Morro


Apeamos um bocadinho
Para saber dos vaqueiros
Noticia de Bargadinnho
Por que o boi é danado
E é danado o boizinho

Folgado estava Bargadinho


Pensando que para cá num viam mais
Quando olho para uma banda
Vinha Aquiles mais atrás
Levanto e sacudiu a poeira
Segura os cavalo, rapaz

Já que corremos muito


Aprochemos mais a cria
Não fulga os animá
16
O Boca, Uibaí, nº 10, 2001.

145
Ao pino do meio-dia
Fazia um cigarro e pita
Com toda essa bizarria

Mas Bargadinho deu de si


Em procura de Zé Bento
Quando Aquiles respondeu
“Bargadin, eu te arrebento
Não me temo de buraco
Nem de espinho de quiabento”

E Bargadinho deu de si
No alto da Conceição
Bargadinho não se entrega
Não carrega prevenção
Bargadinho deu com os pé
Brinquedo sentava as mão

Adeus, serra do Ventura


Queimada e ponta de rama
Beirada do rio Verde
Que tem escorrego de lama
Bargadinho era boi novo
Morreu bom e deixou fama

Adeus imbuzero doce


Malhada das melancias
Adeus Lagoa da água doce
Nas aguada que eu bebia

Eu num gosto de teimar


Mas dou minha opinião
Que Bargadinho foi embora
Por falta de um ferrão17

Aqui estão presentes as principais características do épico do vaqueiro,


adaptação sertaneja da tradição ibérica dos cavaleiros como El Cid Campeador. “Os
tecedores de novelas regionais compediam no vaqueiro toda a virtude do caracter do
sertanejo” (ARAÚJO, 1953, p. 26). A coragem – “não me temo de buraco, nem de espinho
de quiabento” –, a força da rês e a bravura do cavalo – “Bargadinho dava com os pé,
Brinquedo sentava as mãos” –, a perseguição, a natureza hostil e mesmo o adeus do boi
derrotado, comum em poemas desse tipo. O supracitado poeta de Canabrava, Bié, também
produziu o seu poema nesse estilo, mas totalmente subvertido pela ironia e sarcasmo. Aqui,
a rês engana o vaqueiro. Este, ao invés de heróico, é sádico. Trata-se do “ABC do Boi
Branquinho”

17
Tribuna Estudantil. Salvador, ano III, nº 7, 2006. p. 4

146
Dos vaqueiros que correram
Com Branquinho
Segunda-feira meio dia
O melhor era Dedé Pereira
E esse nada valia

Antõe Manoel pé de sapo


Vaquero de mandar chegar
Quando apanha a rês cansada
É danado pra espancar

Do Poço até o Olho d’Água


Os que não tavam doente de cama
Vieram até o Riacho do Meio
E o Branquinho de tanta fama

Oh, Branquinho de tanta fama


Que se achou fazendo termo
Enganou Aureliano
Na volta do são juêro

O poeta não foi o único a contrapor-se ao mito do vaqueiro. O padre Araujo


afirmou que os vaqueiros “são parceiros da onça em liquidar o rebanho”. Recomendavam
os fazendeiros da região que “quem não tem vaqueiro bom, crie longe” para não ter
notícias do desastre da fazenda. Vaqueiros seriam “assíduos em reclamar cavalos e auxílios
monetários e víveres e consertos e reparos da propriedade”. Entretanto, não nega de todo a
existência do bom vaqueiro, já que se ele for “da velha fibra, o amo faz de tudo para não o
perder” (ARAÚJO, 1953, p. 26), admitindo que o tempo do verdadeiro vaqueiro é o
passado.
É certo que um bom historiador da literatura poderá debruçar-se com mais
competência e conseguir mais resultados desse cancioneiro da pecuária, que apresenta
ainda uma série de outros poemas e outras facetas, como também investigar os símbolos
dessa cultura.
Recuando, até o século XIX, a importância da pecuária na economia de Xique-
Xique e Morro do Chapéu fica evidente na disponibilidade de dados seriais. Nos
inventários, apenas o preço da rês permite a construção de uma série de dados e a
comparação ao longo do tempo. Raramente são mencionados ou mensurados outros
produtos relacionados ao abastecimento alimentar, sendo raras as avaliações de “alqueires
de farinha” ou “árvores fruteiras” no espólio dos falecidos. A menção a oficinas de fazer
farinha em diversas fortunas, grandes e pequenas, deixa clara a importância dos derivados

147
da mandioca para o abastecimento regional, mas não há dados seriais para proceder uma
avaliação quantitativa precisa.

Gráfico 1. Preço da rês em Xique-Xique. Século XIX.

25

20

15

valor da rês
10

Fontes: APB. Inventários Xique-Xique

Em 1893, Francisco Vicente Viana colocava que em Morro do Chapéu havia a


pecuária “mais notável do Estado, para cuja criação há vários e extensos pastos e taboleiros
para a solta, vindo o gado de diversos Estados, como Goyas, Piahuy, Minas, etc.”
(VIANA, 1983, p. 528).
As características do produto pecuarista, porém, favorecem a sua menção nos
inventários. A menor disponibilidade nunca faria de uma rês um valor desprezível numa
avaliação de fortuna. Um rebanho precisa manter-se para reprodução, alimentação e
prestígio. O gado não era somente um recurso, mas também uma poupança. Além do mais,
é mais fácil burlar os avaliadores de uma herança com alguns alqueires de farinha do que
com um rebanho existente – embora fosse possível diminuir o número.
Os dados disponíveis no gráfico 1, tomados isoladamente apresentam uma
tendência à subida de preço da rês de ano acima. Para a confecção do gráfico, foram
utilizados os dados disponíveis referentes à cabeça de gado vacum de ano acima. Nem
sempre os avaliadores especificavam a diferença do rebanho e é razoável crer que muitas
vezes era estabelecida uma média do preço corrente para avaliação.

148
A maior variação de preço compreende o período de 1841-1863, justamente a
fase de pioneirismo na caatinga da Serra Azul no município de Xique-Xique. Essa variação
sai de 6$000 em 1841 para 8$000 em 1847, mantendo-se estável por quatro anos, cai ao
preço inicial e alcança 10$000 em 1853. Daí em diante, as mudanças são abruptas e
crescentes, chegando a 20$000 em 1859 e 15$000 em 1860. Os fatores que podem explicar
essa subida estão relacionados à expansão da pecuária nas caatingas de Xique-Xique,
permitidas pelo boom do ouro na serra do Assuruá, desde o final da década de 1830
permitindo o aumento demográfico e aquisição de terras, escravos e gado pelos
garimpeiros que se tornavam camponeses – assim como daqueles que não deixaram a terra
e produziam alimentos para o mercado interno surgido com o afluxo de gente para os altos
das serras. O aumento de gente demandou mais alimentos e inflacionou os preços,
sobretudo o dos principais: a carne, e provavelmente o feijão e a farinha.
Esse aumento demográfico causou uma subida gradual no preço da rês. A
grande seca do final dos anos 1850 e início dos anos 1860 ergueram às alturas esse preço.
Após vintes anos de aceleração da ocupação, havia nas caatingas uma população pronta
para ser ceifada pela fome e para aumentar a demanda de alimento. Além disso, a fome
matou os rebanhos da caatinga e restringiu a oferta. Dados disponíveis referentes a 1840
poderiam desenvolver melhor essa hipótese – ou outras.
Algumas características desses dados trazem ressalvas na elaboração de
hipóteses conclusivas. Não é possível saber se o preço variava dentro do município de
Xique-Xique: uma rês na serra do Assuruá possuía o mesmo preço de uma rês comprada
na vila ou na caatinga? A comparação com os dados as freguesias de Xique-Xique e Feira
de Santana revelam que o preço da rês chegava a dobrar, do Velho Chico até chegar na
feira do gado. Em 1850, enquanto a rês custava 7$000 em Xique-Xique pagava-se 17$000
em Feira de Santana. Em 1860, a relação foi de 12$000 para 35$000 – lembrando que em
1859, ela alcançou 20$000 na primeira. Em 1870, a relação é de 12$000 para 25$000 e em
1880 está entre 12$000 para 25$000 (FREIRE, 2011, p. 396). Descontava-se a despesa
com manutenção da tropa, as perdas no caminho por exaustão, morte e ataque de animais e
os alugueis de pasto.
Após a grande seca de 1860, exceto 1863, os preços variavam entre 10$000 e
16$000. Mais uma vez eventos outros podem ter influenciado no valor da rês. De certo, a
desaceleração da economia mineral do Assuruá, a chegada da estrada de ferro em Juazeiro,
o boom do algodão sertanejo causada pela crise da cotonicultura nos Estados Unidos, em

149
guerra civil nos anos 1860, as mudanças na economia propiciadas pelo fim da escravidão,
as destruições periódicas da vila de Xique-Xique e de outras vilas graças às guerras
travadas por seus líderes, epidemias de febre amarela, malária, febre tifóide, cólera e
varíola, a ação de bandos armados de ladrões e salteadores de gado que assombravam a
região, a expansão demográfica acelerada pela migração e pelas altas taxas de natalidade e
a integração propiciada pela navegação no Rio São Francisco são alguns dos elementos a
serem levados em conta.
De acordo com Emmanuel Le Roy Ladurie, a “despecuarização” ocorre
quando há crescimento da demanda de “cereais” sobre “terras de lavoura” e sobre “os
mercados” (LE ROY LADURIE, 1997). Tal premissa exige alguma relação dos
camponeses com os mercados e o surgimento de uma demanda por produtos agrícolas em
uma região – ou um nível de desenvolvimento de forças produtivas – que tenha tal
proximidade do campesinato a ponto de ser viável a associação econômica entre oferta e
demanda. As demandas podem ter duas origens: a primeira é a criação de um mercado de
trabalho assalariado urbano ou extrativista na ocasião de garimpos e outras atividades
semelhantes.

Algodão
O algodão apresentava algumas vantagens de adaptação ao semiárido. Exigia
pouco dispêndio de meios de produção, proporcionava um trabalho leve em comparação
com outras culturas, era matéria-prima indispensável no vestuário e permitia
comercialização de excedente sem grandes dificuldades e seu caroço era um excelente
alimento para o gado. Talvez por isso, tenha sido, “a lavoura comercial do pobre”
(CANABRAVA, 1984, p. xiii). Embora, naturalmente, nem somente os pobres cultivaram
algodão, era uma cultura bastante acessível. A Revolução Industrial estimulou a
cotonicultura no semiárido baiano, e ela se desenvolveu especialmente no Alto Sertão da
Bahia (NEVES, 2011b, p. 268) ganhando importância a ponto de se tornar a “principal
atividade econômica regional” (NEVES, 2008, p. 193) até os últimos anos de colonização.
Bento Garcia Leal possuía nove toneladas de algodão sem descaroçar quando do inventário
de sua falecida esposa (NEVES, 2011c, p. 269). Entretanto, a concorrência com o algodão
americano levou a cotonicultura sertaneja à estagnação na década de 1830 (NEVES, 2008,
p. 193).

150
Recomendava-se a seleção de sementes, cobertura com pouca terra nas covas
rasa, seis grãos em cada (TAUNAY, 1839, p. 41). A ausência de incorporação de “novas
tecnologias” em uma produção “rudimentar” levava ao “cultivo de terras novas” para
aumentar a “produtividade” (NEVES, 2005c, p. 228). A lavoura permitia o consórcio com
feijão e milho; a colheita se realizava após a desses produtos, em agosto, nas vésperas do
preparo da terra para novo plantio.
Preocupados com a dependência da indústria inglesa em relação ao algodão
estadunidense – que correspondeu a 750 milhões de quilogramas dos 990 milhões
consumidos na Europa em 1861 (CANABRAVA, 1984, p. 4) – a Sociedade algodoeira de
Manchester já estimulava a produção mundial de algodão. “A procura crescente de
matéria-prima e o abarrotamento do mercado com manufaturas marcham naturalmente
paralelos”, sendo “a fome do algodão” da indústria inglesa um “exemplo contundente do
processo de produção interrompido por escassear e encarecer a matéria-prima” (MARX,
2008, p. 165, 169). Com a deflagração da guerra civil nos Estados Unidos, a demanda por
algodão estimulou a expansão da lavoura no país inteiro: no semiárido baiano ela foi
retomada e mesmo em São Paulo, graças a uma praga no café e ao baixo preço
internacional do açúcar, a produção de algodão cresceu (CANABRAVA, 1984, p. 33).
Em Xique-Xique, havia produção doméstica de algodão, não sendo possível
identificar nos inventários a presença da lavoura comercial voltada para o mercado
externo. Richard Burton, na sua passagem em 1866 viu “algodoeiros” que “cresciam nos
arredores da vila” (BURTON, 1977, p. 163).
No vale do rio Jacaré, quando Maria Rosa da Silva Dourado faleceu em 1880,
o viúvo e inventariante Antonio Benigno da Silva Dourado e seu filho José de apenas 13
meses18, moravam em Lapa Grande e o inventariante declarou que viviam “da lavoura”,
realizada por seus escravos Felipe, preto de 50 anos, Vicente, preto de 18 anos, Simão,
preto de 13 anos, Marcelina, preta de 19 anos e Raquel, preta de 13 anos. Todos foram
declarados trabalhadores da lavoura. As prováveis culturas de abastecimento não são
mencionadas, como era comum. Declarou-se também 70 cabeças de gado de ano acima e
um cavalo alazão. E 40 cargas de algodão em capucho avaliadas em 960$000. É possível
que as atividades econômicas dessa família combinassem pecuária, policultura de
autoabastecimento e cultura comercial de algodão com uso de trabalho escravo de cinco
cativos.

18
FCA. Inventário de Mario Rosa da Silva Dourado. 1880

151
Major Bento era pai de Maria Rosa e foi um fazendeiro que deixou espólio
considerável em América Dourada, tendo a cotonicultura como uma de suas atividades19.
No seu inventário, de 1889, constam dois “machinismos” para descaroçar algodão
avaliadas em 600$000, pequena parte da fortuna de 55:572$000 que incluía centenas de
cabeças de gado, metais preciosos e terras que equivaliam a quase 80% do total. Major
Bento também possuía uma “balança grande com braço de ferro” na fazenda dos Angicos,
provavelmente utilizada para pesar algodão. Essa cultura não era a sua principal atividade e
certamente não era uma forma de poupança, ao contrário do gado e das terras.
Durval Aguiar, passando por Morro do Chapéu em 1892, descreveu que nas
caatingas do município, em América Dourada e Canabrava do Miranda, “fazem plantação
de algodão, que ainda limitada, já é considerável, relativamente ao número dos produtos de
exportação para esta capital” (AGUIAR, 1979, p. 126). Para melhor aproveitamento do
algodão, seriam necessárias melhores estradas e fretes de animais mais baratos. Menos
otimista era a avaliação de Francisco Vicente Viana, em 1893, que considerava a
cotonicultura em Morro do Chapéu, uma “lavoura ainda insignificante” (VIANA, 1893, p.
529).
Também podemos encontrar a cotonicultura nas atividades econômicas do
alferes Gualter da Silva Dourado e sua esposa Maria Francisca da Silva Dourado20.
Quando a esposa faleceu em 16 de abril de 1895, um ano depois o viúvo abriu inventário e
declarou que o casal “vivia da lavoura e criação”. O alferes possuía entre seus bens uma
“thesoura grande de ferro”, um “prença de emprençar algodão faltando a peça denominada
pedra e portão”. Considerando os limites de seu rebanho (50 rezes), a policultura e a
cotonicultura ganhavam dimensão nas suas atividades econômicas.
O capitão José da Silva Dourado, ao falecer em 1896, deixou “500 arrobas de
algodão sem descaroçar” (500$000) e “80 varas de pano de algodão para encapar”
(32$000). O capitão possuía na fazenda da Lapa Grande, no vale do rio Jacaré, “um
machinismo de descaroçar algodão” e uma casa coberta de telhas com duas portas de frente
“que serve de deposito de algodão”21. O montante de 57:235$380 do capitão José incluía
centenas de rezes, animais cavalares e casas, jóias e móveis espalhadas no vale do rio
Jacaré e em Macaúbas.

19
FCA. Inventário de Major Bento da Silva Dourado. 1889
20
FCA. Inventário de Maria Francisca da Silva Dourado. 1895
21
FCA. Inventário do capitão José da Silva Dourado. 1896

152
Em Xique-Xique, era esperado da família que possuísse bens que merecessem
um inventário que os homens soubessem “ler e escrever e contar” e que as mulheres
soubessem “coser e costurar”, ou pelo menos era uma formalidade presente nos autos de
tutela de órfãos22. Essa característica persistiu nas primeiras décadas do século XX. Em
São Gabriel, o algodão era de “produção local” e “precisava ser descaroçado, transformado
em linho, tornar-se tecido” e depois transformado em vestuário, tarefa das “donas de casa”
(PEREIRA; PEREIRA, 2009, p. 119), geralmente com o auxílio de uma máquina de
costura Singer movida a força manual (MACHADO, 2008, p. 104, 239). Além de fiar,
tecer e costurar, as mulheres encarregavam-se de bordar e rendar. Tais atividades entraram
em declínio com a sociedade tradicional e se tornaram temática da poesia saudosista. O
poeta Dimas Rocha fala da alegria do homem que “chegando em casa / encontra a patroa /
na roda, a fiar / e sorrindo à toa” (ROCHA, 2002a, p. 15). O poeta do vale do rio Verde,
Firmino Serra Grande afirmava que era responsabilidade feminina a confecção do
vestuário: “cuida da roda, mulher / para me dar outra roupa”.
A falta de diversidade de tecidos produzidos nos teares da caatinga era uma das
fragilidades da produção. Dispondo apenas do tecido chamado algodão, os mascates,
tropeiros e ciganos vendiam os tipos bulgariana, cetim, algodãozinho, chita, opalina,
gorgorão, morim, seda e escocês (MACHADO, 2008, p. 179).
A partir da década de 1910, o algodão era significativo produto de exportação
da caatinga de Xique-Xique e Morro do Chapéu. Em Canabrava do Gonçalo havia dois
estabelecimentos de descaroçar com uso de máquinas movidas a querosene ou gasolina
(MACHADO, 2008, p. 239, 243). Em Lapão, outro povoado de comércio dinâmico devido
ao produto, havia outras “usinas” (RUBEM, 2010, p. 45, 85). Descaroçados e prensados na
caatinga, o algodão seguia em lotes de burros até Jacobina, onde era embarcado na ferrovia
até Salvador. Outra opção era levá-lo até Xique-Xique para, através de transporte fluvial,
chegava até Juazeiro e daí seguia em locomotiva até Salvador. Em 1840, o Baixo Médio
São Francisco exportou cerca de 1.570 toneladas de algodão, 5.217 toneladas de mamona,
645 toneladas de feijão, 449 toneladas de couro e 131 toneladas de pele (ROCHA;
MACHADO, 1989, p. 81). Até a década de 1950, o algodão era uma cultura comercial
relevante e o consumo doméstico do algodão tinha grande significado. O tri-consórcio
substituiu a cultura comercial do algodão e o fez entrar em decadência. As feiras e a
concorrência com os tecidos industriais destruíram o artesanato local.

22
APB. Judiciário. Inventário de Venceslau Pereira Machado. 07-3127-23. 1850-1853

153
A borracha sertaneja
Sem dúvida, um dos fatores fundamentais para a transformação econômica e
social da caatinga foi a exploração da borracha. Muito pouco se estudou do significado da
borracha de maniçoba para a economia de Estados como Piauí e Bahia. Caio Prado Jr,
registra brevemente o problema da borracha brasileira, sem mencionar que parte dela
advinha da maniçoba e da mangabeira sertanejas nos Estados da Bahia, Ceará e Piauí.
Contudo, sem dúvida, uma observação do historiador paulista representa muito bem o que
foi a produção, inclusive, no sertão do São Francisco: “o drama da borracha brasileira é
mais assunto de novela romanesca que de história econômica” (PRADO JR, 1977, p. 241).
A produção da borracha no Brasil data de 1821/1830, quando foram exportadas
379 toneladas. O máximo de exportação foi alcançado em 1901/10, com 345.079
toneladas. Nos anos 1870 a cultura de seringueira foi introduzida na ilha de Ceilão, depois
Sri Lanka e na última década do século, na Malásia e na Indonésia. Em 1910, a exportação
da borracha brasileira entra em declínio (BASTOS; MAIA; FIGUEREDO, 1985, p. 13-14).
A borracha de maniçoba já era explorada no Ceará em 1845, com a produção
de 5.160 quilos, alcançando seu máximo em 1.021.620 quilos em 1915 (BASTOS; MAIA;
FIGUEREDO, 1985, p. 15). Sua descoberta na Bahia aconteceu em 1897, quando o
Coronel José Henrique dos Santos e seu filho Otacílio dos Santos, da cidade de Maracás,
levaram ao governador Luís Viana uma quantidade de látex extraído (NOVAES, 2009, p.
30). De acordo com Gonçalo Athayde, um partidário do governador presente na ocasião,
oriundo de Remanso, no São Francisco, limites com Piauí “assegurou haver naquellas
paragens (...) uma arvore (...) conhecida por Mandioca brava”23. Então, o secretário de
agricultura, Dr. José Antonio Costa, sob ordens do governador, encaminhou o engenheiro
Joaquim Bahiana para Maracás. Após estudo, ele concluiu tratar-se da mesma maniçoba
que trazia lucros ao Ceará. Em 1903, o coronel Silva Benevides publicou no Correio do
São Francisco, periódico de Juazeiro, informação reproduzida no “Diário de Notícias”,
dando conta que a “cultura da Maniçoba” estaria “se desenvolvendo em toda a zona do rio
São Francisco”, na qual, “as catingas de quasi todo o valle do mesmo rio acham-se
cobertas de especimens naturais desta lucrativa arvore”24. Destaca-se que antes da

23
Diario de Notícias, Salvador, 11/nov/1911. Grifo no original
24
Diario de Notícias, Salvador, 11/nov/1911. Grifo no original

154
maniçoba, a Bahia já produzia “borracha extraída do látex da mangabeira” no povoado,
depois cidade de Barreiras, desde 1881, no oeste do Estado (SANTOS, 2011).
A exploração teve início em 1902 e cresceu rapidamente. Em dados reunidos
por João Reis Novaes, podemos perceber que no período de 1897/1901, quando a Bahia
exportava somente borracha de mangabeira, o valor total do produto exportado chegou a
3.288:778$000. De acordo com Zehntner, a produção da borracha de mangabeira era
constante, logo, o acréscimo de produto exportado a partir dessa época se deve à maniçoba.
Desse modo, no período 1902/06, o valor quase triplica para 9.364:249$000, chegando, no
período de 1907/11, ao valor de 20.035:249$000 (ZEHNTNER, 1914). Observa-se que os
dados podem não representar o total da produção, visto que regiões do São Francisco, onde
havia destaque na produção da borracha, escoavam sua produção pelo porto fluvial de
Juazeiro que se destinava pela linha férrea a Salvador, mas que também era possível ser
essa produção escoada a partir de Recife, através de Petrolina.
São Paulo e Rio de Janeiro “constituíam-se enquanto os principais
consumidores da borracha produzida no Brasil”, enquanto Estados Unidos e Alemanha,
“juntos davam uma renda aproximadamente de 127:124$000 para os produtores baianos”
(NOVAES, 2009, p. 32). A produção de maniçoba visava exclusivamente ao mercado
externo à região. O fenômeno não ocorria com o gado, sal, algodão e outros gêneros
produzidos no sertão.
A maniçoba baiana foi um surto rápido. Descoberta em 1897, explorada a
partir de 1902, chegou ao máximo em 1912, para entrar em declínio e praticamente
desaparecer uma década depois. A concorrência com a borracha asiática é apresentada
como dos principais fatores de fim da era da borracha na economia brasileira, ao lado da
entrada da “borracha sintética no mercado, oferecida a preço mais baixo do que a borracha
vegetal”. Afinal, em 1900, “o Brasil era responsável por 90 % da produção mundial da
borracha vegetal” e em 1930, “a borracha vegetal exportada pelo Brasil passou a
corresponder a apenas 3 % da produção mundial” (NOVAES, 2009, p. 32).

155
Quadro 1. Produção de borracha seca de maniçoba
Ano Produção (em
quilogramas/kg)
1902 117.952
1903 314.360
1904 891.961
1905 1.141.647
1910 1.319.838
1911 1.254.265
1912 1.444.243
Fonte: ZEHNTNER: 1914, 27.

A economia da borracha sertaneja representou uma transformação radical na


vida da catinga de Xique-Xique. As memórias da chamada “influencia da maniçoba” são
de violência, riqueza e mudança. Em aboio conhecido na região, podemos notar que a
primeira impressão que a maniçoba causou foi de enriquecimento.
Êêêêêê... Zé de Marco
Maniçoba deu dinheiro
Tu vai fazer barracão
Na serra do Boi Carrêro25

Osvaldo Rocha e Edimário Machado destacam sua importância na história de


Canabrava. Representaria o fim da “monotonia do povoado” terminando a “morosidade
dos dias”, comparada, com exagero, à “corrida do ouro da California” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 91-92). Temos boas razões para desconfiar que Canabrava
mantinha-se isolada: havia um vai-e-vem de negócios, pessoas, crimes e processos na vila
de Xique-Xique, alguns homens aptos a votarem nos pleitos municipais – Felix Machado e
José Pereira da Rocha constam na lista de eleitores – e as guerras que agitavam a política
na região certamente tinham ressonância em Canabrava. Todavia, as características da
policultura e da pecuária camponesas da catinga pareceriam idílicas se comparadas à
economia de barracão típica de garimpos que se instalou na região.
A serra Azul possui um planalto de 300 metros de altitude em relação às
caatingas onde foram fundados os povoados de Laranjeiras, Canabrava, Olho D’água,
Riacho d’Areia e Traíras. Acima da serra Azul, houve uma região que se destacou pela
abundância de maniçobas silvestres, decorrentes, acredita o botânico que esteve na região
em 1912, de uma grande queimada que ali ocorreu. “Velhos moradores (...) confirmam que
há muitos annos, as mattas da serra das Laranjeiras foram devastadas por um fogo” que

25
Aboio conhecido na região de Olho d’água no município de Uibaí.

156
“durou algumas semanas”. Provavelmente, queimadas na caatinga eram uma forma
peculiar de fazer nascer “numerrossimas sementes de maniçoba, muito mais do que o
terreno podia comportar”. Por isso, o viajante Zenhetner, concluía que “sem dúvida [foi]
depois desse acidente que nasceram os Maniçobaes afamados e excepcionais em questão”
(ZEHNTNER, 1914, p. 15).
A exploração da borracha na serra das Laranjeiras teve início com as
maniçobas silvestres situadas em um grande plano que há acima dessa serra, distante duas
léguas a oeste dos povoados de Laranjeiras, Olho D’água e a leste do povoado de Guigó,
atualmente Iguitú. Essas terras foram consideradas “em terreno em commum”, no qual
“qualquer pessôa podia dedicar-se à extracção da borracha”. Após descoberta e iniciada a
exploração de maniçoba, “os compradores da borracha estabeleceram os chamados
barracões, reservando-se cada qual a sua esphera de acção, que fica mais ou menos
respeitada pelos outros” (ZEHNTNER, 1914, p. 27).
Na serra das Laranjeiras, onde abundavam maniçobais silvestres, “não
faltavam os grandes armazéns de compradores de borracha e venda de mercadorias de
várias procedências” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 93). De acordo com Cassimiro
Machado Neto, as regiões de produção de maniçoba “receberam enormes contingentes de
pessoas provindas dos antigos garimpos de ouro e diamante, agora em busca da borracha
de maniçoba!” (MACHADO NETO, 1999, p. 110). A memória de violência da maniçoba
pode decorrer, entre outros fatores, dos conflitos para estabelecimento de fronteiras entre
esses barracões. No alto da serra, ainda hoje se conserva na toponímia o nome de donos de
barracão: Brito, Mendonça, Rodolfo e Nova Olinda. Há, também, na memória social a
marca da violência, pois a Grota do Jatobá, próxima ao povoado de Laranjeiras, teria sido
palco do assassinato de dois homens pelo barraqueiro Brito, que ficou na memória popular
como um colecionador de escalpos. Outro barraqueiro e comerciante que se destacou pela
violência, teria sido Cunegundes. Osvaldo Rocha e Edimário Machado o descrevem como
“rico, poderoso e extremamente violento”, responsável pela implantação do “terror na
região” e introdutor da “venda de armas de fogo”. Fora o implantador da “lei do mais
forte” na região onde maniçobeiros, “simples trabalhadores”, era gente que “matava e
morria a troco de nada” (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 94). “Era hábito, nos ominosos
tempos da borracha de maniçoba, comprar a arma e experimenta-la no primeiro inocente
que passasse pela estrada” (ARAÚJO, 1953, p. 34).

157
Cunegundes procurou ampliar seu poder para além dos maniçobais e liderar
Canabrava. Rocha e Machado acreditam que ele “por prudência, costumava escolher suas
vítimas entre as pessoas de fora”, e, aos moradores de Canabrava, “ameaçava e tentava
exercer uma certa liderança”. Porém, “os habitantes de Canabrava do Gonçalo resolveram,
então, formar um ‘conselho’ e decidir a sorte do valentão” e optando pela sua “expulsão
sumária”. João Gonçalves da Rocha “foi o escolhido” e “foi logo ao encontro do homem”
que “reagiu nas armas”. Após “cerrado tiroteio”, Cunegundes, “entricheirado (...) resistiu
ao fogo por horas a fio” e “escapou no lombo de uma égua em pelo”, deixando para trás
seu “armazém” que foi “saqueado e queimado pela multidão de maniçobeiros”. Preso em
Barra por outros crimes, “foi solto pela nfluência dos coronéis” e com “alguns
pistoleiros” planejou a volta para Canabrava. Porém, em Várzea Grande, povoado entre
Xique-Xique e Tiririca, teria sido surpreendido pelo cunhado, que reagiu em legítima
defesa, morrendo na hora com um tiro de pistola “no meio da testa” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 94-95). Ficou lembrado nos versos populares
Oh, Maria!
Cadê Cunegundes valentão?
Cunegundes foi pra Barra
Foi atrás de proteção
Quando chegou no porto
Recebeu voz de prisão (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 95)

As características de Cunegundes não eram próprias de um “bandido” – pelo


menos não no período –, seriam mais próximas dos líderes da época. Ao que parece, o
“conselho” de Canabrava não queria se livrar de alguém “violento e mau”, simplesmente.
Talvez, a decisão de expulsar o candidato a chefe do lugar coube a seu concorrente, Jóvito
Pereira Machado, que foi subdelegado de Canabrava e possuía, quando necessário, alguns
homens em armas, inclusive João Gonçalves da Rocha. Este provavelmente não expulsou o
“bandido” sozinho, visto que Cunegundes “andava sempre cercado de capangas”
(ROCHA; MACHADO, 1988, p. 93). Possivelmente, obteve auxílio de João Sapateiro,
“um indivíduo de fora, protegido de Jove”. Além do próprio Jove e de seus filhos Januário,
Ambrósio e Arnizau que participaram de outros tiroteios, tocaias e conflitos pela liderança
local no período (ROCHA; MACHADO, 1988, p. 100).
A razão de entrar para a história de Rocha e Machado não na forma de uma
disputa política, mas como uma decisão do consenso de Canabrava contra um “bandido”,

158
seria pelo fato de ser um estrangeiro o derrotado. Além disso, de acordo com o poema de
Firmino Serra Grande, os maniçobeiros não eram muito bem quistos
Quem fura tal maniçoba
Não acredita em Deus
O orgulho é demais
Faz desconhecer os seus
Toma café e não oferece
Esses irmãos não são meus
(...)
Quem fura tal maniçoba
Sei que não quer trabalhar
Não sei o que vão fazer
Quando a xeringa acabar

O uso da violência, ao que parece, foi generalizado. Além dessa disputa


política, temos possíveis desentendimentos entre barraqueiros e estes contra os
trabalhadores. Também há uma memória de violência ocasionada por brigas entre os
maniçobeiros. De acordo com Firmino Serra Grande, acontecia de estarem “uns furando,
outros panhando”, ou seja, um maniçobeiro estaria se aproveitando do trabalho alheio, que
consistia em cortar a árvore e, posteriormente, recolher o látex. O roubo do látex e a
disputa pelas árvores silvestres pode ter ocasionado conflitos e violência entre
maniçobeiros.
Ainda, de acordo com o poema, a violência tornou-se cotidiana
Foi mercê que Deus fez
O dinheiro vim na terra
Mas quêra Deus que maniçoba
Num venha se acabá em guerra
Pois os besta tão dizeno
Que os ladino tamém erra

Grande guerra nesta terra


Todo mundo em confusão
(...)
Quando vinhé arependê
É tarde meus irmão
(...)

Já fui ao Barro Vermeio


Pra minha capanga fazê
A cachaça era tanta
Que eu não pude me entretê
Cada hora e cada instante
De eu vê gente morrê
(...)
Não se iluda, minha gente
Maniçoba num é nada

159
Quem fura tal maniçoba
Eu vejo é cum a vida arriscada
Uns furano, ôtos panhano
Segue uma vida danada27

O cotidiano do trabalhador da borracha, portanto, era de violência. O


“maniçobeiro”, quando forasteiro, ao chegar contraía uma dívida com o barraqueiro, que
Firmino Serra Grande chama de “comprador de maniçoba” ou de “capangueiro” também
utilizado, ao lado de “pedrista” para o comerciante de diamantes e carbonato em Morro do
Chapéu, mais uma similitude com o garimpo (SAMPAIO, 2009, p. 50, 55, 58, 63, 89). Os
barracões são armazéns que “mantêm um stock de tudo que os Maniçobeiros podem
necessitar” e “como elles chegam quasi sempre sem recursos, é o barracão que lhes
adeanta viveres, roupa e outras necessidades, sob a condição de lhes ser vendida a
borracha”, inclusive, nos períodos de seca, em lugares onde não havia fontes de água
próximas, a própria água é fornecida pelos barraqueiros aos “Maniçobeiros que têm de
pagar as despezas respectivas” (ZEHNTNER, 1914, p. 27-28).
A situação de endividamento ou escravidão branca, provavelmente era uma
constante para os trabalhadores que chegavam sem recurso algum. Ocorre que em
“terrenos particulares (...) os Maniçobeiros têm, em geral, de pagar uma renda em dinheiro
ou em borracha, para permissão de trabalhar nos Maniçobaes” em locais onde havia grande
disponibilidade de árvores e em períodos de preço favorável. “Em 1912, encontrei ainda
Maniçobeiros na serra das Laranjeiras que pagavam um quarto de borracha ao dono do
barracão” dispondo, portanto de “três quartos” que “elles vendiam ao barracão ou a quem
lhes oferecesse mais vantagem” (ZEHNTNER, 1914, p. 27-28). Tratava-se da extração de
sobretrabalho através de renda-produto, uma forma não-capitalista de exploração de
trabalho.
Em situação melhor se encontrava o trabalhador que vivia nas fazendas e
povoados da catinga ou do vale do rio Verde, como Olho D’água, Riacho da Areia,
Canabrava, Laranjeiras e que poderia se alimentar das roças de policultura familiar.
Todavia, de acordo com Rocha e Machado, isso nem sempre acontecia, já que houve
“diminuição do trabalho na lavoura”. Firmino Serra Grande diz no poema que existe
“homem muito nessa terra / porém, poucos catingueiros” e que “quem fura maniçoba / não
planta milho, nem feijão”.

27
Firmino Serra Grande. ABC da Maniçoba. Poema inédito.

160
Rocha e Machado também destacam que houve inflação dos preços de
alimentos o que “encareceu o custo de vida”, já que houve “diminuição do trabalho na
lavoura, com sérios prejuízos para a produção de alimentos” (ROCHA; MACHADO,
1988, p. 93). Atesta isso o poema “ABC da maniçoba”, de Firmino Serra Grande, autor que
viveu os acontecimentos e possuía o ponto de vista privilegiado do comerciante:
Ignora esse mercado
É maniçoba sem lavar
A mil reis, a dois cruzados
Todo mundo quer comprar
Por causa da maniçoba
Fez farinha cariar
(...)
Kilo e meio de maniçoba
Dá dinheiro por demais
Quem não esqueceu da roça
Outro tanto também faz
Farinha de dois mil reis
Acho que nós não vê mais28

Essa “região não tinha o hábito e nem poder aquisitivo para importar os
alimentos básicos de que necessitava para o próprio consumo” (ROCHA; MACHADO,
1988, p. 93). É possível, portanto, que as famílias camponesas da catinga que se
desdobraram em trabalho nos maniçobais e nas roças tinham melhores condições de
acumular algum dinheiro do que os forasteiros.
O trabalho não era fácil. “O primeiro trabalho do borracheiro é abrir uma
picada” (ZEHNTNER, 1914, p. 28). Um facão, uma marmita – recipiente metálico que
ficava embaixo do corte no tronco da maniçoba – e argila para fazer uma “capanga” de
modo ao látex não se misturar com areia e diminuir a qualidade e o preço da borracha. Em
cinco dias na semana, com bastante movimento o trabalhador cortava árvores e esperava a
borracha se acumular na marmita. Por fim, após recolher a borracha na catinga, o
trabalhador pagava a renda combinada com o proprietário do maniçobal – temos o
exemplo acima de um quarto da produção – e vendia o restante ao próprio barraqueiro ou a
outro comerciante. Alguns trabalhadores passavam fome durante o trabalho: “passou três
dias no mato / em jejum, sem almoçar”.
Do ponto de vista da técnica, não bastava apenas uma ferramenta
“insignificante” e “muito sacrifício”, mas também alguma técnica, aprendida na
experiência, o que favorecia o borracheiro que fosse “velho e esperto” e “bom observador”

28
Firmino Serra Grande. ABC da maniçoba. Poema inédito.

161
e que tivesse “aperfeiçoado o methodo de sangrar” (ZEHNTNER, 1914, p. 37). O “bom
borracheiro” dotado dessas qualidades, melhorava sua técnica e escolhia somente as
árvores de maior produtividade. O mesmo utiliza o exemplo de Jerônimo, “bom
borracheiro”, que “numa semana regular” era capaz de “bem sangrar 600 e mesmo 700
arvores” obtendo 15,6 quilos de borracha verde, equivalente, a 10,92 quilos de borracha
seca. Ao contrário, os outros borracheiros, exemplificados por Miguel e Inocêncio,
furavam respectivamente 1.007 e 1.130 árvores e obtinham 11,5 quilos de borracha verde
ou 6,9 quilos de borracha seca e 12,75 quilos de borracha verde ou 7,65 de borracha seca.
Mesmo furando mais árvores, Miguel e Inocêncio não conseguiam obter o rendimento de
Jerônimo. Zehntner atribui a isso, as características pessoais de Jerônimo, mais atento e
capaz de aperfeiçoar sua técnica. “Bastaria, por exemplo, que Jerônimo usasse de um
furador de melhor qualidade e mais amolado, para lhe garantir uma superioridade sobre os
companheiros”, pois possibilita que o corte se faça “mais ligeiramente” e “com cortes bem
lisos, o látex corre melhor”. De acordo com o viajante, “os bons borracheiros costumam
abandonar as arvores de máo rendimento” (ZEHNTNER, 1914, p. 37).
O período de extração era um fator importante. Ordinariamente, se fazia entre
janeiro e agosto. A partir de setembro, as árvores eram postas em descanso para reporem o
látex. Porém, nem sempre isso acontecia. “Na Serra das Laranjeiras, os borracheiros
continuam a sangrar também neste tempo [entre setembro e dezembro], na esperança de
que de outubro por diante, com o apparecimento de flôres e de folhas nas maniçobas, o
látex comece a fluir com abundancia”. Contudo, em locais onde os borracheiros são “mais
criteriosos, não consentem sangria nessa epocha” (ZEHNTNER, 1914, p. 37).
Naturalmente, isso criava dificuldades para os trabalhadores que se ocupavam
exclusivamente da borracha. Conforme Zehntner, os borracheiros eram “gente ambulante”
em geral “vinda de longe” e conseguiam trabalho temporário nos maniçobais. Talvez, na
serra das Laranjeiras, a insistência em explorar no período de repouso esteja ligada à
dedicação exclusiva de maniçobeiros e capangueiros à produção e comercialização da
borracha, enquanto em outras regiões, a borracha era intercalada com policultura
camponesa para os pobres e comércio de outros gêneros para os mais remediados.
Conforme o viajante, os “moradores dedicavam-se temporariamente á extracção da
borracha, mas sempre que as suas pequenas culturas lhe davam a folga necessária”
(ZEHNTNER, 1914, p. 39). Isso, considerando o contexto de inflação dos produtos

162
alimentícios gerado pelo aumento demográfico, corrobora com a observação do poeta
Firmino que afirma que “quem não esquecer da roça, outro tanto também faz”.
As péssimas condições de trabalho e o pagamento de renda aos barraqueiros
que, provavelmente se apropriaram dos maniçobais silvestres mais abundantes a partir do
direito de descoberta e da garantia de violência, eram bem remuneradas. O preço era
relativamente alto. De acordo com o poema “quilo e meio de maniçoba / é dinheiro por
demais”. “Apenas uma semana de trabalho, um bom ‘furador’ de maniçoba podia fazer o
suficiente para comprar três boas novilhas e começar uma fazenda de gado” (ROCHA;
MACHADO, 1988, p. 93). Trata-se de um exagero. Quando o botânico Zehntner esteve em
Canabrava, em 1911, o proprietário de fazenda de maniçoba José Pereira Machado
empregava trabalhadores no regime da “meia”, sendo estes capazes de produzirem “12 a
16 kilos de borracha verde por semana”, no valor de 1$400 o quilo (ZEHNTNER, 1914, p.
62). O trabalhador mais capaz – que produzia 16 quilos – conseguiria 11$200 por semana.
A maniçoba, em seus princípios de exploração em 1902, remunerava muito os
trabalhadores, mas ao decorrer do processo, o preço foi caindo e os produtos alimentícios
foram subindo o preço elevando o custo de vida nas regiões dos maniçobais. Prevaleceu a
memória da riqueza. Sinobilino Sancho Paiva, afirma que a “maniçoba tava dando muito
dinheiro e à vezes muita confusão por aqui no início de 1900” e que em Laranjeiras “já
tinha gente com um bom recurso financeiro adquirido com a maniçoba”. Um “morador” de
Laranjeiras teria saído “de alforje cheio de moedas e trouxe umas trinta cabeças de boi da
Chapada do Jacaré, hoje Cidade de Jussara”, enquanto “outros compravam lote de burro
que era o mesmo que ter um carro hoje” (PAIVA, 2009, p. 57).
De acordo com o “ABC da Maniçoba”, e pelas características da economia da
borracha, foi criado, bruscamente, um mercado de alimentos, até então inexistente na
catinga. Se “farinha de dois mil réis / acho que nós não vê mais” e “por causa da maniçoba
/ fez farinha cariar”, havia grande demanda por produtos que alimentassem trabalhadores e
capangueiros. “Nos logares de maior affluencia de maniçobeiros a vida se torna cada vez
mais cara”. Por isso, concluía o poeta que “quem não esquecer da roça / outro tanto
também faz”, desde que, naturalmente, disponha de terras e trabalho para produzir
excedente em alimentos para vendê-los no nascente mercado local de Canabrava, Olho
d’Água e Laranjeiras. Porém, tudo indica que no município de Xique-Xique, poucos
tiveram a visão de combinar extração de borracha com a produção de policultura visando o
mercado. De acordo com o viajante, “no principio da extracção da borracha foi fácil para

163
os barracões a compra de negociantes ambulantes a farinha de mandioca, arroz, feijão,
milho, batata doce e alguns legumes e fructas”, produtos inteiramente “cultivados na zona
mesma em relativa abundancia” e “por isso, vendidos a preços commodos”. Todavia, em
1912, “foi raro encontrar uma pequena plantação de mandioca ou de cereaes”. Na sua
excursão entre cinco de abril até 20 de maio, o viajante não viu “uma só banana, nem
aipim, nem uma cebola ou chuchu”. Frutas, batata-doce eram uma “raridade” e, no
mercado, “havia, apenas farinha, vinda de muito longe” oriunda de Pojuca, através da linha
férrea Este Brasileiro da Bahia ao São Francisco e de Mundo Novo, município do norte da
Chapada Diamantina, a leste de Morro do Chapéu (ZEHNTNER, 1914, p. 84).
A inflação foi enorme. Infelizmente, o viajante não precisa o “antigamente”
para comparar com o preço de 1912. Não se sabe se “antigamente” refere-se ao início, ao
auge ou ao período anterior à maniçoba. Todavia, de acordo com ele, o litro de farinha de
mandioca saltou de 80 a 100 rs, “antigamente”, para o preço de 200 a 250 rs. O litro de
feijão que custava entre 200 e 250 rs, “antigamente”, saltou para entre 400 e 500 rs, em
1912. No mesmo período, a unidade de rapadura custava entre 250 e 300 subindo para 600
e 800 rs. Tal aumento de preços que ultrapassa os 200 % teria ocorrido com o restante dos
produtos. Proporcionalmente ao aumento do valor dos alimentos no mercado, houve o
barateamento da borracha verde “de modo que a situação dos maniçobeiros se tornou
bastante precaria” levando à supressão do fluxo migratório em direção aos maniçobais em
1913.
Ocorreu que “os pequenos lavradores desses logares, vendo que os
maniçobeiros ganhavam bom dinheiro, abandonavam, pouco a pouco, as suas roças e iam
também tirar borracha” ou tornavam-se “vendeiros, negociantes em borracha”. Por
conseguinte, “os mantimentos tinham de vir de fóra”. Como disse o poeta “quem fura tal
maniçoba / não planta milho nem feijão / quando vier arrepender / será tarde meus irmãos”.
O viajante ainda observa que “é difficil que os antigos lavradores voltem á lavoura”
(ZEHNTNER, 1914, p. 84). Os “filhos do lugar também deixavam tudo e iam atrás
daquela nova atividade, que todos garantiam que daria dinheiro com fartura!”
(MACHADO NETO, 1999, p. 111).
O poeta Firmino parece confirmar essa tendência de querer tornar-se
comprador de maniçoba. Ele afirma que “os inocente de agora / já querem negociar”
Bem vontade que eu tinha
De também sê comprador
Eu num entro nesse mercado

164
É por que meu vale acabou
Maniçoba de sessenta
Já tem muito atacadou

Com certeza maniçoba


Hoje é quem vale tudo
Compradô de maniçoba
É preciso ter estudou
Se pegá cum muita upa
No final vem perder tudo

Eu nunca vi uma gente


Como a do Barro Vermelho
Do Gentio ao Miroró
Todo mundo é capanguêro
A treta anda na frente
Não sei se terão dinhêro
(...)
Home muito nessa terra
Porem poucos catingueiro
Compradô de maniçoba
É preciso tê dinhêro
Senão vai inxuvriado
E leva o nome de trêtero
(...)
Ignora esse mercado
É maniçoba sem lavá
A mil réis, a dois cruzado
Todo mundo qué comprá
(...)
Chorando ficou uns poucos
Por não poderem comprar29

Porém, em contraste com as observações do viajante, temos o processo de


avanço dos camponeses sobre as catingas na região de Canabrava e Laranjeiras. É fácil
concluir que houve uma ampliação das roças na caatinga ao percebermos que as regiões
que correspondem aos municípios de São Gabriel, Presidente Dutra, Jussara, Central, Uibaí
e Ibititá eram parcamente povoados no século XIX. Em 1900, havia poucos povoados em
Uibaí – Laranjeiras, Olho D’água e Canabrava, que cresceram graças à maniçoba –
enquanto os demais possuíam somente fazendas ou roças em função das dificuldades de
obtenção de água. Em 1920, temos já o aparecimento de um número razoável de
proprietários de terra nas catingas e a transumância dá lugar à ocupação definitiva.
O que ocorreu no período análogo ao da maniçoba, a primeira década do século
XX, foi o avanço da ocupação de zonas de caatinga mais distantes das fontes permanentes

29
Firmino Serra Grande. ABC da maniçoba. Poema inédito.

165
de água como Canabrava, Riacho de Areia, Riacho Largo, Olho D’água e Laranjeiras. A
ocupação de Canoão, Lagoa de Canabrava, Caldeirão, Gia e Quixabeira se deu em fins do
século XIX, mas a fixação de moradores nesses locais se deu justamente no período da
maniçoba. Todos esses povoados não possuem riachos e o abastecimento de água se dava
mediante cacimbas – de água salobra – e água doce da chuva acumulada em lagoas,
caldeirões e açudes naturais. Desse modo, podemos levantar a hipótese de que o aumento
demográfico provocado pela maniçoba gerou um mercado de alimentos e estimulou às
famílias camponesas a avançarem na ocupação da catinga com vistas a produzirem sua
subsistência e algum excedente para ser comercializado no novo contexto da economia da
borracha. Naturalmente, não podemos ignorar que o aumento demográfico oriundo do
crescimento vegetativo das famílias catingueiras e pela migração e a pressão por novas
terras para cultivo seja fator determinante de ocupação da catinga mais distante dos riachos
e nascentes da serra.
A partir de 1907, teve início o cultivo de maniçobas em fazendas e
propriedades particulares. Em geral, eram as “plantações, todas de pouca extensão”. “Em
roda de Cannabrava existem plantações já em exploração; outras ainda muito novas”.
Porém, o viajante não chama de fazendas aquelas “plantadas” pelo método das
“Queimadas” – que consistia em atear fogo a um local, acreditando-se que, por
conseguinte, as maniçobas predominariam no terreno atingido. Por isso, observa que “na
Serra das Laranjeiras não encontrei plantações, mas, sim, as Queimadas que as substituem
completamente”. Como proprietários, havia José Viriato, Francisco Valmório e Antonio
Leal Lacerda. Em “terrenos particulares (...) os Maniçobeiros têm, em geral, de pagar uma
renda em dinheiro ou em borracha, para permissão de trabalhar nos Maniçobaes”
(ZEHNTNER, 1914, p. 27). Todavia, apesar de apresentar como a grande alternativa para a
continuidade da exploração da borracha, em vista do esgotamento dos maniçobais
silvestres, em vista do baixo custo das plantações, o autor acredita que parte dela está
“ameaçada de desapparecer, em vista do máo trato das sangrias exaggeradas a que é
submettida” (ZEHNTNER, 1914, p. 85).
A decadência da maniçoba estava em processo acentuada em 1912. “A situação
é complicada pelos preços muito baixos que não deixam de desviar da indústria extractiva
avultado numero de borracheiros” (ZEHNTNER, 1914, p. 40). O alto custo dos alimentos
nas regiões de exploração, aliado ao baixo custo da borracha que, faz com que os
borracheiros explorem as árvores até a exaustão completa e leva, portanto, à destruição dos

166
maniçobais. Logo, o conjunto de relações de trabalho engendradas com prioridade na
produção de borracha, sem preocupação com o abastecimento de alimentos para o mercado
local, levando em conta as dificuldades de transporte, o que barateava ainda mais a
borracha vendida – para que a mesma possua competitividade em outras praças – e
encarecia os alimentos importados de outras regiões, levou a cultura da borracha à
completa inviabilidade em pouco tempo. Em 1876, o botânico inglês Henry Wickham
levou exemplares e sementes de serigueira para a Ásia e, posteriormente, para a África
Ocidental, por volta de 1880, e a África Oriental. O plantio sistemático dessa árvore em um
novo ecossistema no qual inexistiam as pragas que impediam esse tipo de cultivo na
Amazônia, possibilitou aumentos de produtividade. Possivelmente uma crise de
superprodução levou à queda internacional dos preços da borracha em 1912 e 1913
(RODNEY, 2010, p. 382). Por fim, a baixa produtividade da maniçoba em relação à
seringueira definiu o colapso dessa exploração.
Parte da força de trabalho disponível foi deslocada para a extração de borracha
e aquela que permaneceu dedicada à policultura e pecuária não foi capaz de produzir para
além do autoabastecimento familiar. A incapacidade de aumentar a produção de excedente
alimentício de Xique-Xique e a necessidade de importar de outros municípios os alimentos
básicos tornou a economia monetária incapaz de satisfazer a compradores e trabalhadores.
Logo, aqueles que dispunham de algum capital ou de capacidade de trabalho e boa
aceitação nas comunidades terminaram por abandonar a atividade da borracha e
empreender a policultura e a pequena pecuária na catinga de Xique-Xique. O
estabelecimento de roças e fazendas nas catingas permitiu que alguma parte da população
migrante se fixasse no município.
Muitos daqueles forasteiros atraídos de municípios vizinhos e remotos,
findo o ciclo febricitante, acabaram por ficar nos povoados e vilas do
município de Chique-Chique, constituindo famílias e participando da
mesclagem populacional municipal e regional (MACHADO NETO,
1999, p. 111).

A borracha, em relação à policultura camponesa, age contraditoriamente: por


um lado a inibe atraindo-lhe os trabalhadores, inflaciona o preço dos alimentos numa
economia com pouca moeda, destrói roças, avança sobre o campo substituindo matas por
maniçobais através de plantação ou queimadas. Por outro, cria um mercado de alimentos,
monetariza as relações econômicas, desliga uma quantidade cada vez maior de
trabalhadores da policultura de autoconsumo e demanda cereais, rapadura, farinha, carne,

167
entre outros, possibilitando aos pequenos proprietários e posseiros a comercialização de
um excedente com vantagens e estimulando o crescimento do mercado interno com a
formação de pequenas roças de mandioca para a produção e venda de farinha.

Por fim, ao entrar em bancarrota, a borracha atraiu capital-dinheiro e


trabalhadores e possibilitou a um número razoável de famílias o acesso à terra e a outros
meios de produção de subsistência para ex-borracheiros, viabilizando sua fixação na
caatinga, por meio da compra – possível a partir do acúmulo de dinheiro adquirido com a
compra da borracha – ou posse de terra, assim como a aquisição de ferramentas, pequena
criação, etc. Portanto, grosseiramente, a borracha descamponeizou por um tempo, através
da brutal mercantilização, a caatinga, mas, ao desaparecer, permitiu um processo de re-
camponeização mais intenso, consolidando a formação do campesinato na caatinga, numa
convivência cada vez maior com a economia mercantil.

A expansão do capital, quando esta ainda se encontra em pequena escala,


ocorre com a simples relação entre o capital – predomina o tempo – sobre a comunidade
não-capitalista, geralmente baseada em uma economia familiar para o autoabastecimento.
Nas “formas de economia natural” como as “comunidades camponesas (...) o que a define
é a produção em função das necessidades domésticas” (LUXEMBURGO, 1970, p. 317).
Nessas comunidades “a sua igualdade e sua solidariedade surgiram das tradições comuns
de laços de sangue e da propriedade comum dos meios de produção” (LUXEMBURGO,
[s.d.], p. 205). As “comunidades camponesas (...) fundamentam sua organização
econômica na conexão do meio de produção mais importante – a terra – assim como dos
trabalhadores, pelo direito e tradição” (LUXEMBURGO, 1970, p. 318). A “igualdade de
direitos e a solidariedade dos interesses não iam mais longe do que esses laços de sangue”
(LUXEMBURGO, [s.d.], p. 205).

O contato entre capital e agrocaatinga exerce um poder dissolvente sobre a


última. O “capital empreende, diante de tudo e onde quer que esteja, uma luta até a morte
contra a economia natural” (LUXEMBURGO, 1970, p. 318). “A troca de mercadorias
começa nas fronteiras da comunidade primitiva, nos seus pontos de contato com outras
comunidades ou com membros de outras comunidades”. Todavia, quando os produtos de
uma economia natural saem da fronteira da comunidade e se tornam mercadorias, logo,
“por contágio, também se tornam mercadorias dentro dela” de modo que “a repetição

168
constante da troca torna-a um processo social regular” até que temos a separação entre
valor de uso e valor de troca (MARX, 2006, p. 112).

Somente com o passar do tempo é que a produção se torna produção de mais-


valor. “O capital submete o trabalho ao seu domínio nas condições técnicas em que o
encontra historicamente. Não modifica imediatamente o processo de produção” (MARX,
2006, p. 356). Não é automaticamente que o desenvolvimento das forças produtivas
transforma as relações de produção. O que interessa ao capital é o aproveitamento do
trabalho na acumulação e isso não precisa ocorrer necessariamente da forma assalariada,
ainda que exista uma tendência direta à expansão do mercado e das relações monetárias.
Todavia, a tendência universalizante de acumular e produzir valor do capital o
leva a incorporar os recursos naturais e o trabalho de economias não-capitalistas.
Assim, à expropriação dos camponeses que trabalhavam antes por conta
própria e ao divórcio entre eles e seus meios de produção correspondem à
ruína da indústria doméstica rural e o processo de dissociação entre a
manufatura e a agricultura. E só a destruição da indústria doméstica rural
pode proporcionar ao mercado interno de um país a extensão e a solidez
exigidas pelo modo capitalista de produção (MARX, 2006, p. 861).

Uma das condições fundamentais da “produção capitalista” é a “existência de


uma classe assalariada”. A produção de mercadorias, feitas por ela e para ela, “decompõe
e dissolve as velhas formas de produção, voltadas de preferência para a subsistência
imediata e que só transformam em mercadoria excedente da produção” levando ao objetivo
principal, a “venda do produto” sem, a princípio, “atacar (...) o modo de produção
existente”. Porém, ao criar bases sólidas, “destrói todas as formas de produção de
mercadorias que se baseiam no trabalho próprio dos produtores”. Em suma, o capital
“transforma progressivamente toda a produção de mercadorias” (MARX, 2005, p. 49-50).
Em busca de mercado consumidor, matéria-prima e trabalho, “o capitalismo combate e
aniquila em todas as partes a economia natural, a produção para o consumo, a combinação
da agricultura com o artesanato. Necessita impor a economia de mercado para dar saída à
sua própria mais-valia”, ou seja, realizar seus lucros (LUXEMBURGO, 1970, 319).
Os efeitos da destruição da comunidade pelo capitalismo são a transformação
da produção de valores de uso para produção de valores de troca, a disponibilização do
trabalho para o mercado internacional, a dependência dos pequenos produtores ao
mercado; separação entre artesanato e agricultura (LUXEMBURGO, 1970, p. 319).

169
CONSIDERAÇÕES FINAIS

A necessidade de estruturar um conceito de agrocaatinga se origina da tentativa


de perceber qual a determinação oposta e antecedente do capital. Em outras palavras, qual
o sistema de economia natural existente e as características que o determinavam antes da
integração produtiva ocorrida através da ligação entre região e mercado mundial. Daí o
recurso ao conceito de agrocaatinga para a compreensão do articulador social que cumpria
o papel de integrador não-capitalista e que se opõe e a ele se integra no momento de
modernização capitalista.
A agrocaatinga é uma articulação regional construída a partir da economia
natural que agrega um número razoável de camponeses proprietários e posseiros que
ocupam roças, fazendas, povoados e vilas e instaura nos interstícios de uma sociedade
nacional, uma sociedade regional. Esse agrupamento de unidades produtivas de economia
natural e pequenos núcleos de habitação. Elas se integram em uma comunidade ampla em
que família, território, religião e trabalho são elementos estruturais e determinantes de uma
identidade social regional.
A família é um elemento fundamental aí. Nela reside a socialização dos novos
indivíduos e é dentro dela que se dá a reprodução social. É por meio dela que os indivíduos
organizam a produção e é através dela que se articulam social, política e economicamente
com os outros indivíduos.
O conflito e a aliança passavam necessariamente pela relação familiar. Quando
não era possível o parentesco consanguíneo, então uma série de artifícios que permitiam o
parentesco social como o compadrio como o batismo, a crisma, a primeira comunhão e o
batismo de fogueira. A relação familiar permitia a estabilidade das relações econômicas e
políticas entre os indivíduos e inibia o conflito concitando à aliança, animosidade e
tolerância, o que nem sempre era possível. Porém, mesmo quando os laços familiares da
agrocaatinga correspondentes à família-tronco eram quebrados – e se fazia por meio de
conflitos em torno da propriedade da terra, portanto, conflitos de interesses de classe (sem-
terra, proprietário, posseiro) – havia a necessidade de se reforçar os laços familiares
nucleares e das famílias em um sentido mais estrito, dependente, naturalmente, da
convergência de interesses e das alianças políticas possíveis.
A religião cumpria um papel fundamental no estabelecimento da família, pois
era um elemento legitimador das uniões (casamentos) e das alianças políticas (compadrios)

170
além de propiciar o ritual e a conceituação para que essas fossem possíveis. Eram os
eventos religiosos, em geral, que permitiam o intercâmbio social. Também era dentro do
universo religioso que determinadas alianças políticas eram reforçadas através de
compadrios, responsáveis pela maior aproximação dos indivíduos, ainda que nem sempre
eficientes. Os rituais de casamentos, velório e sepultamento, batizados e missões eram
importantes momentos de integração social e de revalidação de certos conceitos e valores
estruturantes na comunidade. Era na morte que os laços familiares, mesmo distantes, eram
afrouxados dentro da agrocaatinga. A presença de toda a família sanguínea e social no
sepultamento é uma forma de assegurar conforto emocional a viúvos e órfãos e, se preciso,
mobilizar apoio material.
A forma do trabalho também desempenhava o papel hierarquizador nessa
sociedade de economia camponesa, tão dependente ainda do intercâmbio com a natureza e
com um baixíssimo desenvolvimento das forças produtivas. Como se tratava de uma
sociedade pobre em escravos, o absenteísmo do processo de trabalho só foi possível em
casos raros, no tocante ao trabalho manual, especialmente ao trabalho agrícola. Afinal,
abster-se de qualquer forma de trabalho era um elemento desqualificador em sociedades
camponesas regionais. Os chefes mostraram-se homens laboriosos como uma forma de
reforçar seu prestígio: naturalmente, o trabalho agrícola, com enxada, não era tão bem visto
para essa posição social de comando, quanto o trabalho na pecuária ou no comércio.
Tanto mais inferior a posição social do indivíduo, mas subordinado aos piores
e mais pesados tipos de trabalho manual o mesmo estava. Quanto mais posição e prestígio,
mais tempo livre e menos quantidade de trabalho manual, o indivíduo estava geralmente
exercendo papeis meramente gerenciais e fiscalizadores.
Trabalho não é só uma determinação de diferença, mas também de identidade.
Ele fundamentou uma ética do trabalho manual que aglutinava indivíduos dentro da
agrocaatinga, como também era um distintivo que excluía e desfavorecia quem não
compartilhasse desses valores que geralmente eram a imensa capacidade qualitativa e
quantitativa de trabalho, a austeridade, o laconismo, a poupança e a obediência. Dança,
música, cachaça, desperdício e preguiça em excesso são estigmas que marginalizam o
indivíduo numa sociedade em que se vive do trabalho para satisfação de necessidades. Só
podem ser almejadas e valorizadas numa sociedade como a capitalista em que a exploração
do homem não é só tido como normal, como também é tratada de forma natural.

171
Para Luxemburgo é preciso uma evolução capaz de unir os “contrários”,
superando, tanto a comunidade camponesa, quanto o capitalismo. Preserva-se a
solidariedade, a igualdade da comunidade e aproveitam-se os benefícios científicos e
tecnológicos. Assim, chegaremos a um estágio superior, uma “forma econômica que é, por
definição, uma forma mundial, um sistema harmonioso em si mesmo, baseado não sobre a
acumulação, mas sobre a satisfação das necessidades da humanidade trabalhadora e na
expansão de todas as forças produtivas da terra” (LUXEMBURGO, 1970, 412).

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