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ANNA GICELLEjGARCIAjALANIZ

INGÉNUOS E LIBERTOS;

Estratégias de sobrevivência -familiar em épocas de transição.

1871-1895.

Dissertação de Mestrado a-
presentada ao Departamento
de História da Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de
São Paulo sob a orientação
da Praia Dra Eni de Mesquita
Samara.

São Paulo

1994
02

>1 GUISA DE AGRADECIMENTO

Não poderia deixar de lembrar, neste momento,

de todos os colegas e amigas que, com suas sugestões e palpi-

tes, aj udaram-me a desenvolver este trabalho. Gostaria de

destacar, es pe c i a 1mente as conversas que tive com Anicleide

Zequini Rcssi, Cássia Denise Gonçalves Jefferson Cano, Lu cia

Helena Oliveira Silva, Jonas Soares de Souza Francisco César

de Araújo e Eliane Cristina Lopes, bem como Adriana Pacheco

Aurea, que muito auxiliou-me na correção ortográfica do tex-

to. Aos outros, àque1es a quem deixo de citar, espero que

saibam que serão lembrados mesmo assim.

Tenho uma dívida de gratidão com o Prof . Dr.

José Roberto do Amaral Lapa, que orientou minha pesquisa du­

rante a graduação, na forma de Iniciação Científica. Devo ao

Prof. Lapa a escolha de vida que fiz, ao tornar-me pesquisa-

dora e, principalmente, todos os pequenos detalhes de um lon-

go e proveitoso aprendizado, dirigido com muito carinho ? e

que transformaram-me na profissional que hoje sou.

Do mesmo modo, devo à Profa Dra Eni de Mesqui-

ta Sarnara, o acolhimento carinhoso e a oportunidade propor-

cionada, ao receber-me e aceitar a orientação desta disserta­

ção. Seu exemplo profissional e suas críticas sempre acura-

das, mudaram um pouco a face de meu trabalho, levando-me a

reavaliar muitos preconceitos pessoais, em relação à demogra­

fia histórica.

■ Gostaria de lembrar, neste momento, à Profa

Dra Maria Helena Fíolim Capelato que, durante o período ini-


03

ciai de meu Mestrado, responsabilizou-se por minha orientação

junto às instâncias burocráticas da Universidade. Sua genti-

1 eza e atenção, assim como suas aulas sempre vibrantes, mar­

caram meu trabalho de modo definitivo»

Não posso e não quero esquecer de alguns pro-

fessores que, de um modo ou outro, influenciaram meu trabalho

durante os anos de graduação e pós-graduação, beneficiando-me

com suas criticas e sua simpatia. Assim, lembro agora à Profa

Dra Lei la Mezan Algranti, ao Prof . Dr. Paulo Celso Miceli, à

Profa Dra Maria José Trevisan e à Profa Dra Célia Maria Mari-

nho de Azevedo» Há em meus textos, marcas deixadas por cada

um desses profissionais.

Esta pesquisa levou-me a vários arquivos e bi-

bl iotecas, onde sempre fui muito bem recebida. Gostaria de

agradecer, então, aos arquivistas e bibliotecários da Camara

e da Prefeitura Municipal de Campinas, do Museu Republicano

"Convenção de Itú H !• da Biblioteca Sérgio Buarque de Holanda e

da Seção de Obras Raras da Biblioteca Central de* UNICAMP, do

Arquivo Histérico e da Biblioteca do Centro de Memória UNI-

CAMP. Sem a colaboração desses profissionais, o trabalho de

qualquer pesquisador tornar-se-ia um verdadeiro martírio.

Esta pesquisa con tou com o financiamento do

Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq - e da Fundação de Ampa-

ro à Pesquisa do Estado de São Paulo FAPESP -, apoio esse

que possibilitou sua realização.

Sendo esta uma pesquisa sobre famílias, onde

tive que "intrometer-me" na intimidade das memórias daqueles


04

que aqui já não estão para defender-se, gostaria cie agradecer

A minha •fami lia carnal e às muitas outras que adotei e que

adotaram-me f ao longo deste trabalho. Um agradecimento espe-

ciai ao meu cúmplice Duda que j tendo suportado todos os per—

calços desta trajetória. com seu carinho e sua paciência. me-

rece tanto os créditos obtidos !• quanto eu mesma.


Aos Gonçalos, Luíses, Cesá-

rios , Bened ictas Cand idas,

Therezas, Josés e Marias, que

lutaram para d ei xar de ser

considerados "coisas" com a

única arma que a 1i berdade

lhes deixou: a fam i1i a.


06

ÍNDICE

INTRODUÇÃO b » n a 09

PARTE is A família negra e a historiografia 26

1.1. Da família patriarcal de Gilberto

Freyre ao mundo dos escravos de Eu—

gene D. Genovese e Herbert Gutman u n 27

1.2. As novas tendências da historio-

grafia brasileira sobre a f am í1i a

negra.. 36

PARTE 2: A legislação j seu passado e suas conseqtlên-

cias. 39

2.1. Alguns séculos de debates sobre

escravidão e liberdade a 40

2.2. As leis abolicionistas no discurso

parlamentar 45

2.3. A situação legal dos ingénuos 52

2.4. A família negra perante a lei 56

PARTE 3: As batalhas familiares 62

3.1. Na vida: o nascer e o morrer 63

3.2. Na liberdade: os benefícios e os ma­

lefícios do vinculo

tutelar 78

3.3. Na família: sobrevivência 115


07

CONCLUSÃO 125

APENDICE 1: Tabe1 as 135

FONTES E BIBLIOGRAFIA 149


08

Abreviaturas utilizadas:

MRCI/MP/USP Museu Republicano "Convenção de Itú"

Museu Paulista / USP.

CMU/AH Arquivos Históricos do Centro de Memória

UNICAMP.

Arq «CMC Arquivo da Câmara Municipal de Campinas

índice das tabelas inseridas no texto

1. Número de menores em idade lactente s em relação aos óbitos

restantes. Tabela sem número no texto. P- 65.

2. Menores envolvidos nos processos judiciais pesquisados, de

acordo com seu sexo e idade. Tabela no 1. p. 85.

3. Percentagem de menores, de acordo com suas idades.

Tabela no 2. p. 85.

4. Percentagem de ingénuos, de acordo com suas idades.

Tabela no 3. P- 86.

5. Número de processos anuais, de acordo com a condição dos

menores pesquisados. Tabela no 4. P- 89.

6■ Número de menores, de acordo com sua condição e a cidade

pesquisada. Tabela no 5. p. 90.


INTRODUÇÃO
10

Esta dissertação tem por objetivo entender as

estratégias de sobrevivência da familia negra, escrava e 1 i-

berta, diante das alterações trazidas pela legislação aboli-

cionista, no contexto da própria abolição e do fim da monar-

qu.ia com a implantação do regime republicano. Considerando

esse processo de mudanças, bem como as transformações ocorri-

das na economia nacional, pretendemos estabelecer relações

entre a formação dos grupos familiares negros e sua sobre-

vivência económica. Nesse sentido, p & n s fii d s a permanência

das identidades familiares, como estando estreitamente vincu­

lada aos modelos de familia desenvolvidos por escravos e li-

bertos, dentro das condições oferecidas pelo regime politico

e económico vigente a essa época.

Nossa pesquisa visa entender o impacto das

leis, o significado e o resultado, em termos estratégicos,

que essas conflituosas relações sociais poderiam ter sobre o

futuro familiar e económico de libertos e ingénuos marcando-

os in delevelmente e gerando consequências irreversiveis em

suas vidas.

Na última metade do século XIX, houve uma su-

cessão de leis que aproximaram os escravos, lentamente, da

sua liberdade.,) Entre 1850 quando foi extinto o tráfico afri-

cano, através da lei número 581, e 1888, quando foi abolida

definitivamente a escravidão no Brasil, várias leis vieram a

regular o processo de libertação dos cativos visando minimi-

zar o impacto da conseqttente diminuição de mão-de-obra, para

a economia do pais. Nesse contex to, destacamos para nossa

pesquisa a lei número 2040, que trouxe mudanças significati-


11

vas para a estrutura da família escrava.

A lei número 2040, de 28 de setembro de 1871,

precede de dezassete anos a de número 3353, de 13 de maio de

1989, que 1i bertou definitivamente os escravos brasileiros.

As práticas geradas pela regulamentação e aplicação dessa

lei, con s t i tu i r am um capítulo interessante e importante na

vida de muitos libertos antes e após 1888, devido à influên­

cia que vieram a ter em suas estruturas familiares. 0 papel

das famílias nas estratégias desenvolvidas por esses agentes

históricos, ao longo de seu processo de emancipação 5 para en-

frentar as limitações impostas pela aplicação da legislação 5

e no sentido de adequar-se às novas realidades do mercado de

traba1ho, constituíram uma boa parte de nossa pesquisa.

A promulgação da lei número 2040 marcou a a-

ceitação, nos meios legais e oficiais, de algumas mudanças

sociais que estavam ocorrendo no Brasil. Conhecida posterior-

mente como "Lei do Ventre-Livre II 9 acompanhada de seu respec-

tivo regulamento, proporcionava aos escravos a realização,

através dos meios legais, de sua 1 iberdade.

Assim, estabelecia que, a partir da data de

sua promulgação, todas as crianças, filhas de mães escravas,

nasceriam livres; regu1ava as condições para que os adultos

pudessem-negociar sua 1 iberdade, sob formas de contratos de

prestação de serviços a seus senhores ou indenizando-os atra-

vés de pecúj io; e ainda, criava um pecúlio oficial, denomina­

da Fundo de Emanei paç’ào, destinado às indenizações a serem

pagas aos senhores anualmente, pela libertação de uma deter-


12

minada quota de escravos; estabelecendo _ também, as Listas de

Matrícula de Escravos controle fiscal__que gerou, aparente-

men te o. primeiro recenseamento__sistemático da população es-

crava brasileira.1
J
Quando observado e analisado de um modo ma is

profundo, o tex to da lei apresentava um tal número de ate-

nuantes, que todas as vantagens, à primeira vista. obtidas

pelos escravos, revestiam-se de um alto grau de dificuldade

para sua realização^ 0 que não quer dizer que muitos escravos

não acabassem por beneficiar-se com a sua utilizaçãoj Na ver-

dade, uma s i g n i fi ca t i va parte dos processos para a obtenção

de alforrias, que encontramos nos Arquivos Cartoriais pesqui-

sados, referentes ao período ora estudado, seguiram os moldes

da 1ei em questão, e obtiveram um resultado positivo. Entre-

tanto, apesar de textualmente acabar com o mecanismo natural

de reprodução da escravidão, libertando o ventre, essa lei

não a extinguiu de fato, como muitos esperavam e temiam.

No que se refere ao traço mais marcante dessa

lei, que era a ruptura definitiva do mecanismo de reprodução

da mão-de-obra escrava, podemos observar a existência, não

apenas em seu texto, mas também no de seu regulamento [e nas

práticas sociais e legais costumeiras] s de uma série de cir-

cunstáncias atenuantes, no sentido de manter-se um certo con-

trole social e económico sobre as crianças nascidas livres.

que vieram a ser conhecidas como 1 ingénuos" Assim, assegura-

X BRUNO, Fãbio Vieira. 0 Parlamento e a evolução nacional;


1871-1889. Brasilia, Senado Federal,J 1979.
13

va—se ao senhor da mãe escrava, a posse dos filhos livres

desta, até completarem a idade de oito anos j quando esse mes-

mo senhor poderia optar entre repassar os menores ao Estado,

recebendo uma indenização de 6004000 (seiscentos mil réis)

ou utilizar—se de seus serviços gratuitamente até que os mes­

mos completassem vinte e um anos. Mesmo tendo nascido livres,

se o senhor optasse por conservá-los em seu poder até a maio-

ridade, os menores deveriam pagar-lhe uma indenização, nos

moldes estabelecidos para as indenizações de escravos, no ca­

so de desejarem usufruir de sua 1i berdade. Note-se que deve-^

riam pagar para ter uma condição que já pertencia-lhes legal­

mente por nascimento!i 22

Entretanto, na iminência da aprovação de nova

legislação que acabasse definitivamente com o vinculo social

e económico que ligava senhores e escravos, transformando es-

tes em homens livres; e temendo as consequências do desmante-

lamento sistemático, não apenas do regime económico mas tam-

bém de toda uma realidade social e cultural construiria e ba-

seada no vinculo escravista; os senhores de escravos passaram'

a procurar opções e a redefinir relações já existentes F no

sentido de conservar algum controle sobre a mão-de-obra, CdEO

esta, viesse a tornar-se livre, como de fato ■■■

Um dos mecanismos aproveitados pelos proprie-

tários, nesse sentido, foi o vinculo tutelar. Localizado,

originalmente, nas Ordenações Filippinas, e herdeiro das tra-

dições do E>ireito Romano, o vinculo de tutela era estabeleci-

2 BRUNO, Fábio Vieira. Op. ci t. p.227-295.


14

do a partir do momento em que qualquer Juiz de Drfàos nomeava

um tutor para uma criança órfã ou, ainda, órfã apenas de pai

já que a mãe, não tendo o pátrio poder* não poderia assumir

legalmente as funções de tutora. No período estudado, encon-

tramos diversos processos onde são nomeados tutores- para

crianças não totalmente órfãs. alegando-se comportamento imo-

ral ou incapacidade do genitor sobrevivente. 125

Basicamente o vinculo de tutela pode ser es-

tabelecido somente entre pessoas 1 ivres, uma vez que o escra-

vo, não possuindo direitos de cidadão ou capacidade legal.

encontrava em seu senhor seu tutor ou curador natural. Já o

ingènuoj j^ue—nascecr~iegalmente~livreencontrava-se passive 1

de ser tutelado, se assim fôsse determinado por algum Juiz de

Orf ãos.

Essa distinção entre ambas as condições, de

escravo e ingénuo, deve ser considerada de importância capi-

tal , uma vez que, não sendo a tutela específica das legisla-

ções do e1emen to servi 1, não será revogada pela lei número

3353 em maio de 1888. Assim, por ocasião da abolição 5 os

ingénuos que estivessem sob a tutela dos ex-senhores de suas

mães, permaneceriam nesse estado até sua maioridade, que era

o momen to em que o vinculo tutelar findava-se

Devemos observar que não se tratava apenas de

tt n m M

"S As alforrias condicionais cu contratos de prestação de ser­


viços, previstas na mesma lei número 2040, também consti-
tuiram-se em importante mecanismo para o controle da mão-
de-obra escrava, largamente utilizado pelos proprietários
no período estudado.
15

um modo pelo qua 1 os senhores podiam conservar uma pequena

parcela de mão-de-obra ou exercer algum controle sobre a po-

pulação liberta, conservando-1hes os filhos ou netos. Trata-

va-se, principalmente, de uma redefinição nas relações so-

ciais, que encontrava-se intimamente ligada às transformaçôes

que iam ocorrendo na sociedade brasileira, no período estuda-

do, ou sej a, a ^substituição da escravidão—pelo—-t-r^a-bal-ho- -1 i-vre

e a mudança da monarquia para a República,.

Escravos, 1 ibertos e ingénuos, não aceitavam

passivamente as imposições dos setores dominantes da socieda-

de. A partir do momento em que algum Juiz de Órfãos nomeava

um tutor para um ingénuo, fosse este órfão ou não, no caso

da criança possuir uma familia ou qualquer ligação afetiva

que se 1 he asseme1hasse, logo desencadeava-se uma disputa j

judicial ou não, para reavê-la.

Entretanto, no caso em que não houvesse fami-

1i a ou, havendo-a e não possuindo esta recursos suficientes

para criar um certo número de menores, a opção da tutela po-

deria ter significado um meio de sobrevivência 9 uma vez que a

lei obrigava o tutor a garantir alimentação s moradia, vestuá-

rio e o aprendizado de uma profissão, a seu tutelado. Assim,

percebemos que uma situação criada, deliberadamente ou não,

por uma lei excessivamente ambígua 5 socialmente podia tradu-

zir-se em comportamentos bastante diferenciados.

A liberdade acompanhada pela responsabilidade

de zelar por um certo número de crianças, poderia tornar-se

bastante onerosa para os libertos que não possuíssem uma es-


.16

trutura familiar ou comunitária que os respaldasse. 0 compli-

cado equilíbrio nas relações sócio-económicas, mantido a ins-

tâncias dos trés poderes do Estado, não era apenas ténue mas

constituia-se também, em um limite móvel, no sentido de que

libertos e ingénuos, ao possuírem acesso à Justiça ? poderiam

alterar ou reverter situações que lhes fossem prejudiciais.

Na prática, leis e regulamentos transformavam-se com sufi-

ciente elasticidade para abarcar as complicadas relações so-

ciais geradas, freqúêntemente, em conseqtíéncia dessas mesmas

leis.

Para a aná1ise dessas premissas nos apoiamos

em diversos tipos de fontes documentais. Os principais núcle-

os pesquisadas foram; legislação abolicionista; processos ju-

diciais de tutela, apreensão, licenças de casamento e remo-

ções de tutela, das cidades de Campinas e Itú; livros de re-

gistro de óbitos de Campinas. Além disso utilizamos uma ampla

bibliografia, abordando as principais questões relativas ao

tema desenvolvido, e incorporando as alterações verificadas,

ul timamente, nos estudos de caráter teórico e historiográfi-

co.

Por legislação abolicionista, entendemos todas

as leis, decretos e regulamentos originados a partir da lei

número 2040 de 28 de setembro de 1871, conhecida como "Lei

Rio Branco" ou, ainda, "Lei do Ventre-livre". Para um melhor

entendimento da formulação, dos objetivos e da aplicação des-

se corpo 1 eq a 1 servimo-nos de fontes correlatas, ou seja,

debates par lamentares e comentários de juristas da época pes­

quisada.
17

Juristas como José Pereira de Carvalho e João

Baptista Pinto de Toledo, cujas obras detalham e explicam o,

assim chamado Processo Orphanologico", serviram de base para

algumas das discussões ora abordadas. Do mesmo modo, recorre-

mos a essa fonte para um entendimento maior da “máquina" do

Judiciário e da rotina de andamento dos processos, seus ritos

e sua burocracia es

A documentação propriamente dita, a rigor, os

processos judiciais e os 1ivros de óbitos, foi transcrita

conforme se segue. Para os livros de óbitos foi idealizada

uma ficha de pesquisa que visava recuperar o maior número de

informações possível, para fins estatísticos. Assim, veri f i —

cando-se um total de 2676 assentos, nos três livros pesquisa-

dos foi preenchida uma ficha para cada um, to talizando 2676

fichas que foram, posteriormente processadas e tiveram seus

dados organizados em tabelas, como consta do apêndice a esta

dissertação.

No caso dos processos judiciais, foi necessá-

ria uma seleção bem criteriosa, consultando as listagens dis­

poníveis nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp

e do Museu Republicano "Convenção de Itú". Considerando a

problemática formulada a partir da legislação abolicionista,

selecionamos 476 processos, envolvendo 608 menores, os quais

foram lidos integralmente e transcritos conforme de interes-

se. Em alguns casos 5 apenas os dados principais foram consi-

derados importantes 5 em outros ainda, houve a transcrição

parcial do processo; ÍTiSS if na maioria optamos por uma trans-

crição integral e literal do material pesquisado.


18

Os dados de identificação de cada processo fo-

ram separados para f ins de contagens estatísticas. vindo a

servir de base para as discussões decorrentes do próprio tex-

to de alguns processos. que foram considerados interessantes.

A bibliografia pesquisada compõe-se de obras

teóricas em geral, de História Social, História da Família e

Relações de Gênero, ensaios monográficos referentes aos temas

de escravidão e família escrava, de teor geral ou especifica­

mente regional. Uma das principais preocupações no ato de se-

leçào dos títulos, foi acompanhar as novas tendências e deba-

tes ocorridos nas últimas décadas, sem perder de vista alguns

objetivos básicos, que consideramos necessários aos estudos de

História. Nesse sentido, houvemos por bem conservar algumas

referências que talvez pareçam um pouco ultrapassadas neste

fim de século, embora de modo algum descartáveis^

A formulação dos debates historiográficos , a

partir dos anos '70, tem atravessado diversas mudanças.

Parece-nos que cl trilha percorrida, pelas grandes correntes

teóricas, é a de uma paulatina derrubada de todos os tipos

de modelos, de caráter determinista. Se partirmos de Karl

Marx4 e sua "história determinada pelas condições materiais"

poderemos observar como viemos a conhecer um apogeu da Histó-

ria Económica, sendo lentamente equiparada pela História So-

ciai. Atualmente esta última tendência fragmentou-se em his-

tória dos movimentos sociais, das relações de gênero, etc. 5

MARX, Karl .
Karl. Prefacio à Contribuição à crítica da economia
política. MARX, Karl & ENGELS,
ENGELS Friedrich. Obras escolhi­
das . São Paulo, Alfa-Omega, s.d. v.l p.301.
19

e. na medida em que tem aparecido uma história "nova" auto-

referida às "Mental idades", as tensões. contradições e simi­

litudes entre traj etória histórica e cultura tem passado a

patrocinar um debate fecundo entre Antropolologia e História.

Diz Jacques Le Goff;

"Em contato com outras ciências sociais, o

historiador tende hoje a distinguir diferentes

durações históricas. Existe um renascer do in­

teresse pelo evento, embora seduza ma is a

perspectiva da 1 onga duração. Esta conduziu

alguns historiadores, tanto através do uso da

noção de estrutura quanto mediante o diálogo

com a antropologia, a elaborar a hipótese da

existência de uma história "quase imóvel". Mas

pode existir uma história imóvel? E que rela-

ções tem a história com o estrutura1ismo (ou

os estruturalismos)? E não existirá também um

movimento mais amplo de "recusa da história"?*

Entre todas as mudanças surgidas no estudo da

História, sintetizadas por Le Goff neste parágrafo, devemos

chamar a atenção para o debate entre História e Antropologia

e, para a preocupação com os fenómenos da "duração" históri-

ca. Nesse sentido, algumas tendências ligadas à - assim deno-

minada História das Mental idades, tem optado por períodos

de duração mais longa, enquanto objetos de estudo. Entretan-

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, UNICAMP,


1990. p.8.
20

to, como a própria denominação indica, este tipo de trabalho

volta-se, essencialmente , para o estudo das atitudes e das

idéias, e Cl ã O das relações sociais propriamente ditas.-

De outro lado, durante as duas últimas déca-

das, a História Social tem demonstrado ampla versati1 idade

temática, no entanto, podemos salientar como vertente domi-

nante, o interesse dedicado aos sujeitos considerados como,

anteriormente, à margem do estudo da História. Assim, podemos

observar o interesse suscitado pela infância, pelas relações

de gênero, pela loucura, pela miséria, pelo confinamento; te-

mas estes que possibi1itaram a aproximação de sujeitos histó-

ricos até então considerados como "minorias" ou "marginais" .

Um dos maiores méritos da História Social tem sido o redimen-

sionamento dos papéis desempenhados, ctQ longo dos séculos 3

por uma grande parcela da humanidade !■ que havia sido restrin-

gida, em estruturas e modelos 3 por tendências analíticas de-

terministas ou universa 1izantes.

No que se refere à escravidão e às famílias de

escravos, as novas tendências historiográficas trouxeram di­

versas e variadas interpretações, formularam questões e cri-

ticaram sistematicamente a produção teórica anterior, vindo a

revitalizar esses temas e abrir novos caminhos para sua pes-

quisa. 0 estudo da escravidão tem levado a um interesse cada

vez maior pela composição e trajetória das famílias negras -

escravas ou 1ibertas inseridas no quadro social das rela­

ções escravistas e patriarcais e das alterações suscitadas na

economia capitalista pela transformação do braço escravo em

mào-de-obra livre.
21

Localizado na intersecção desses debates, e

complementando tanto os estudos sobre escravidão, quanto a-

queles sobre família, nosso trabalho contribue com a histo—

riografia existente, procurando avançar na compreensão do

complicado equilíbrio das relações sociais já explicitadas

nesta Introdução.

Nesse sentido. quando escolhemos as cidades de

Campinas e I tú, para realizar nossa pesquisa !» movia-nos, SO~

bretudo, a nE?C6?SSÍ.d3.d€? de localizar o impacto das mudanças

sociais e económicas de fins do século XIX, em algum local

onde essas mudanças pudessem ter, de fato, algum significado.

0 chamado Oeste Ve lho Paul ista ou, ainda, Oeste Histórico

Pau1 ista, por aqueles tempos, era uma área de progresso eco-

n Óm i co e material palpável, bem como o celeiro da política

republicana. Era ali que “as coisas" estavam acontecendg.

Mas estas duas cidades possuíam caracteres bem

particulares. Embora ambas tivessem nascido da passagem dos

bandei ran tes, rumo aos sertões paulistas, mineiros e goianos,

quase cem anos separaram seus surgimentos. Segundo historia-


-í:>
dores locais, I tú teria sido fundada em 1610 ao passo que

Campinas em 1732z, embora pairem controvérsias sobre esta da-

ta.

As décadas que separam o nascimento das povoa-

çòes que deram origem às duas cidades, podem ser responsáveis


n

& NARDY FILHO , F r ancisco. A cidade de Ytú. 3o vol . São


Paulo, Escolas Profissionais Salesianas, 1950. p. 7.
"Z
GESSO JÚNIOR 5 Gera Ido. Retalhos da Velha Campinas. Campi-
nas,? Emp. Gráf. e Ed. Palmeiras, 1970. p.31...
por algumas diferenças detectadas» Ao momento pesquisado, Itú

apresentava-se como uma comunidade menor, de economia está-

ve 1 , com sói idos capitais oriundos da lavoura canavieira»

Campinas, entretanto, crescia CÁ o 1 hos vistos, os capitais

circulavam entre as ferrovias e a produção e comércio de ca­

fé. Esse crescimento, um tanto desordenado talvez, pode ter

funcionado como foco de atração de migrantes e imigrantes,

que vinham a engrossar os setores miseráveis de sua popula-

ção.

Ao trabalhar com as duas cidades, procuramos

estabelecer algumas 1inhas de semelhanças, onde pudéssemos

inserir e minimizar as diferenças. Assim, elegemos a trajetó-

ria económica e o surgimento da elite política, que iria di­

rigir o Brasil durante uma boa parte do período conhecido co-

mo Repúb1i ca Ve1 ha como denominadores comuns, onde as dife-

renças mergulham e são absorvidas socialmente. Nesse meio é

que procuraremos entender o destino das famílias negras e as

conseqttências da legislação abolicionista para sua estrutura-

ção e permanência»

Diz Octavio lanni:

"A história de uma cidade pode ser um espelho

da história de uma província, estado, região,

nação. Se não um espelho fiel s ao menos um re­

f 1 exo de muitos traços, que a história da na-

ção às vezes esconde» A sociedade nacional em

suas diversidades, articulações e antagonis-

mos, tem sempre algo a ver com a cidade» A Cô­


23

1 ôn i a, o Império e a República, conforme as

especificidades de cada época, inscrevem-se no

todo e nas partes. E claro que cada época tem

o seu jeito e modo, mas também tem muito a ver

com a maneira de cada um em todos os lugares.

Na história da cidade, às vezes estão mais vi­

síveis os traços marcantes da história da na­

ção. A fisionomia da nação naturalmente é dis-

tinta, mas uma pode ser cúmplice da outra em

suas convergências e em seus desencontros."13

Com esta reflexão inicia-se o Prefácio de sua

crónica sobre a cidade de Itú, intitulada Uma c i d ade antiga.

Escrever sobre cidades, como o próprio autor procurou demons-

trar, não significa desdenhar os conflitos e as temáticas de

uma História Social. Não estamos, como diriam alguns, "fazen­

do petít histoire".

Conforme se verá no decorrer de nosso texto

procuramos o máximo de referenciais para a abordagem do tema.

Situando as famílias negras em seu contexto, englobando a 1 e-

gislação vigente, o regime político e o sistema económico,

esperamos obter uma profundidade maior na análise dos dados

obtidos, junto às fontes primárias.

Para melhor compreensão das etapas de nossa

pesquisa, dividimos esta dissertação em t rés partes, an­

de desenvolveremos as premissas expostas. Primeiramente, nes-

£3
IA N NI, 0 c t a v i c>. Uma cidade antiga. Campinas, Editora da
UNICAMP; São Paulo, Museu Paulista da USP, 1988. p.15.
24

ta Introdução, procuramos apresentar o tema de nosso traba-

1 ho, detalhar as fontes utilizadas e estabelecer a estrutu-

ra do texto que se segue»

Na primeira parte, descrevemos a trajetória do

tema, privilegiadq. na historiografia Analisando uma série de

obras, de suma importância para a compreensão da História da

Famí1 ia, visamos abordar algumas das questões básicas que vêm

norteando os debates nessa área/

Na seqtiéncia, dedicamos uma segunda parte à

análise da legislação abolicionista. Utilizando estudos pu-

bliçados por juristas contemporâneos aos fenômenos ora foca-

1 izados, procuramos descrever a situação legal da familia ne-

gra e de seus componentes. Nesse sentido, tornou-se-nos in-

dispensável entender o funcionamento da estrutura judiciária,

bem como a elaboração, aplicação e filosofia da norma jurídi­

ca »

Na terceira parte, mais extensa e detalhada,

expusemos o resultado de nossa pesquisa documental. Analisa-

mos as tabelas geradas, a partir das informações contidas nos

processos, assentos de óbitos e outros documentos consulta-

dos; e estudamos mais detidamente alguns casos específicos,

onde as famílias negras interagiram junto ao Poder Judiciário

na preservação de seus laços e interesses.

A Conclusão de nosso trabalho, onde retomamos

as questões apresentadas, e as conclusões a que chegamos, a-

través do estudo detido das fontes, encerra o texto desta

dissertação.
25

Para processar os dados obtidos a partir das

fontes- documentais, já citadas, utilizamos um software deno­

minado PROFESSIONAL FILE. Codificamos as informações pesqui-

sadas e, com estas, alimentamos a programa que efetuou con­

tagens e gráficos, através dos quais elaboramos as tabelas

que serão encontradas ao longo do texto e no apêndice. A aná-

lise desses resultados e o estudo detido de quatro processas

selecionados por sua relevância, forneceram-nos as bases para

verificar o impacto da legislação abolicionista na estrutura

das famílias negras, e suas estratégias de sobrevivência, pe­

rante as dificuldades enfrentadas.

Em sintese, os resultados de nossa pesquisa

levaram-nos a perceber a complexidade das relações entre as

instâncias do poder civil e os diferentes setores da popula-

ção á época estudada. 0 precário equilíbrio social e económi-

co, necessário à perpetuação do status quo dominante, depen-

dia, em grande medida, dos papéis sociais desempenhadas por

cada parcela da população. Nesse sentido, o Poder Judiciário

constituia-se, cl O mesmo tempo, em instância do poder consti-

tuído e grande mediador de conflitos.

Recorrendo ao Judiciário para dirimi r suas

questões, as famílias negras aceitavam os termos de convivén-

cia propostos, pelos setores dominantes, em uma sociedade

hierarquizada e estrati f i cada. A leitura que essas famílias

realizaram de seu espaço social, da legislação vigente e de

sua interação junto à Justiça constituem um fascinante desdo-

bramento do tema que nos propusemos a desvendar, conforme

ver-se-á a seguir.
PARTE Is

/I FAMÍLIA NEGRA E A HISTORIOGRAFIA.


1.1. Da fami1 ia patriarcal de Gilberto Freyre ao mundo dos

escravos de Eugene D. Genovese e Herbert Gutman.


28

0 estudo da f ami 1 i a negra, no Brasil, passa

primeiramente por um período de desenvolvimento do estudo da

família brasileira propriamente di ta. Isto deve-se. basica-

mente, aos trabalhos pioneiros de historiadores e antropólo-

gos, que partiram de uma crítica aos conceitos desenvolvidos

por Gilberto Freyre, ao referir-se a uma família patriarcal,

híbrida e amestiçada, proveniente dc< período escravocrata«

Nos anos ' 70, quando pesquisas tendo como universo temático a

família brasileira são retomadas, toda a produção intelectual

anterior passa por um profundo processo de crítica interna,

sob um novo viés teórico-metodológico.

0 conceito de família patriarcal de Gilberto

Freyre passa por uma delimitação temporal e espacial, d ivi-

dindo o universo intelectual em duas tendências diferenciadas

de pensamento. Assim, temos, de um lado, Eni de Mesquita Sa-

mar a, historiadora , e Mariza Corrêa, antropó1oga, criticando

o conceito de Freyre; e de outro lado, temos Angela Mendes de

Almeida, também historiadora , que utiliza o conceito de fami-

lia patriarcal como ponto de partida para entender-se a f amí-

lia brasileira. Nesse sentida, torna-se-nos necessário enten-

der o teor dessas críticas.

Tanto Samara, quanto Corrêa, baseiam suas cri­

ticas a Freyre na ampla generalização espacial e temporal que

este realizou em seus trabalhos. Se, por um lado, Samara,

como historiadora , preocupa-se com a diversidade regional e

n n

'V Gi1berto.
FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala, formação da famí­
lia braileira sob o regime da economia patriarcal.
17ed« Rio de Janeiro, José Olympio, 1975.
2?

social, ■ã q LI a 1 O C O r I C e í t O de Freyre não faz jus; por outro

1 ado, Corrêa, sendo antropóloga, preocupa-se com as impli-

cações saciais e polí ticas que a generalização do conceito

trouxe para a sociedade brasileira. Enquanto as questões de

Samara referem-se ao entendimento das relações de dominação e

do universo de ilegitimidade e concubinato que extrapola a

família patriarcal e encontra-se presente na região centro-

sul do pais; as questões de Corrêa referem-se ao discurso

conformador histórico e político, ou seja, de como ê que che-

gou-se a essa conceituação e a quais facções sociais esse dis-

curso favorece, nas relações de dominação vigentes à socieda­

de brasileira.

Samara1 o recorrendo a uma ampla pesquisa

documental, procura a família patriarcal extensa, miscigena-

da, em São Paulo, para deparar-se, entretanto, com um grande

número de famílias nucleares e/ou matrifocais e altos índices

de ilegitimidade e concubinato. Assim, a autora busca de-

monstrar a importância das diversidades regionais, económicas

e temporais para o entendimento da colonização brasileira.

De outro modo, Corrêa1 persegue o mesmo

tipo de crítica, mas prcfundamente voltada para o entendimen-

to das relações que formam o universo social durante o peri-

x<:> SAMARA, Eni de Mesquita. Tendências atuais da História da


Família no Brasil. In 5 ALMEIDA. Angela Mendes de (org.).
Pensando a famí 1 ia no Brasil, Rio de Janeiro, Espaço e
Tempo, 1987. P.25-36.

CORRÊAi, Mariza. Repensando a família patriarcal. In: ALMEI-


DA, Maria
i Suely Kofes (org.). Colcha de retalhos, estudos
sobre a família no Brasil. São Paulo, Brasiliense, 1982.
p.13-38.
30

odo colonial. Sua análise extende-se aos interesses envolvi-

dos na dominação e/ou marginalização de determinados grupos

so ciais, quais s e.j a m , mu1heres, negros, mestiços, etc. Seu

alvo de criticas é o discurso normatizador dos comportamentos

e da memória.

Do outro lado, encontra-se Angela Mendes de

Almeida, que não apenas aceita o conceito de familia patriar-

cal proposto par Freyre, que sugere que devemos tomá-lo

enquan to pon to de partida para a historiografia da família e

procurar enquadrar as diversidades sociais existentes, histo-

ricamente, nesse meio conceituai.

E exatamente em A1meida12, que vemos defini-

do o arsenal teórico deste debate. A autora identifica Gamara

e Corrêa à história da estrutura e da organização familiares,

calcada nos estudos de Peter Laslett e do Grupo de Cambrid-

ge; e a si própria à história dos valores éticos e padrões

morais dominantes, mais conhecida como História das Mentali-

dades. Essa análise traça uma separação radical, enquanto a

primeira tendência preocupa-se com a realidade da família, a

segunda tendência persegue a familia enquanto idéia.

A importância desse contexto historiográfico,

para nossa dissertação, resume-se no encontro das tendências

historiográficas que possibi1itaram, a partir desse momento

o estabelecimento d as bases para um estudo da familia negra.

Paralelo ao interesse que os estudos sobre a família vinham

12 ALMEIDA, Angela Mendes de. Notas sobre a familia no Brasil.


In; ALMEIDA, Angela Mendes de. (org.). Qp. Cit. p.53-66.
31

suscitando? no Brasi1, desenvolvia-se nos Estados Unidos um

debate de grande importància para o estudo das famílias ne-

gras, da escravidão e da liberdade. 0 encontro dessas tendén-

cias e desses debates parece ter sido como que um "batismo1'

para o surgimento da família negra, enquanto tema.

Estudos sobre a escravidão não são -fenômeno

recente no Brasi1 ou nos Estadas Unidos. A ótica de análise

teórico-metodológica e o meio temático é que tem-se modifica-

do, ao 1 ongo dos anos, possibilitando novas abordagens, in-

clusive comparativas« Do mesmo modo 5 os estudos sobre a famí-

lia escrava tem adquirido densidade e solidez conceituai, ao

longo das últimas décadas, em ambos paises.

Alicia Metcalf3-*3 e CJ O Sé Flávio Mota14, pro-

curam sintetizar algumas questões básicas da historlograiia

norte-americana, para uma análise critica» MetcaIf trabalha

formulando a interrogação sobre " como os escravos sobrevi-

veram à escravidão? ii !» ao passo que Mota realiza uma análise

mais pontual, um verdadeiro balanço historicgráfico. Dois

historiadores norte-americanos são destacados pelos autores.

com bastante nitidez, Eugene D. Genovese e Herbert Gutman.

Genovese e Gutman trabalham, de modo diferenciado, com a as-

sertiva de que os escravos teriam utilizado suas estruturas

familiares enquanto instrumento de sobrevivência à escravi-

METCAL.F, AI ida. Vida familiar dos escravos em São Paulo no


século dezoito: o caso de Santana de Parnaíba. Estudos
Económicos, São Paulo, FI PE/USP,!» 17(2):229-243. maio/ag o-
1987.

MOTA, José Flávio. Família escrava: uma incursão pela his­


toriografia. História: Questões e Debates. Curitiba, ju­
lho, 1988. p.104-159.
32

dão Enquanto Genovese afirma que os escravos faziam parte do

mundo de seus senhores, gerido por relações paternalistas,

Gutman acredita que os escravos teriam gerado uma cultura

própria e especifica, de teor étnico, e que senhores e escra-

vos viviam em mundos diferentes.

Genovese18 realiza uma leitura singular das

relações entre senhores e escravos, baseado no conceito de

"hegemonia cultural", extraído de Gramsci, e visando a apre-

ender um sentido particular nas relações paterna1istas do sul

dos Estados Unidos» Para esse autor, o salto qualitativo nas

relações entre senhores e escravos, mediadas pela ótica pa-

ternalista, estaria edificado no sentido de ter-se desenvol-

vido uma ideologia baseada nos direitos e deveres recíprocos

entre ambos. Essa ideologia teria humanizado a tal ponto a

escravidão, que subverteria seu principio básico de relação

de exploração económica para transformar-se em uma relação de

obrigações reciprocas.

Desse modo, quando Genovese propões

"Assim, ao acei tar o ethos paternalista e ao

legitimar o domínio de classe os escravos de-

senvolveram sua mais poderosa defesa contra a

desumanização impli cita na escravidão. 0 pa­

ternalismo sulista pode ter reforçado o racis-

(TÍO 4 assim como a e x p 1 o r a çã o de classe, mas

também, inadvertidamente, induziu suas vítimas


u

X!5 GENOVESE, Eugene D. A terra prometida, o mundo que os es-


cravos criaram, (I) Rio de Janeiro, Paz e Terra; Brasi-
lia, DF, CNPq, 1988.
33

a plasmar sua própria interpretação da ordem

social que pretendia justificar. Por fim os

escravos, recorrendo a uma religião que se su-

punha garantir-lhes a submissão e a docilida-

de, rej eitaram a essência da escravidão ao

descobrir seus próprios direitos e seu valor


H . X<£>
como seres humanos.

o autor preocupa-se em determinar os parâmetros de uma nova

discussão, não apenas sobre o caráter das relações senhor-es­

cravo, mas também sobre a composição cultural dessa nova

"mental idade" escrava, que absorve a ideologia senhorial pa-

terna1ista, devolvendo à sociedade sua própria interpretação

sobre os laços e obrigações que a prendem ao mundo de seus

senhores.

Gutman, de outro modo, persegue uma autonomia

cultural étnica dos escravos. Em um belissimo texto intitula-

do Marital and sexual norms amonq slave women o autor

procura demonstrar a sobrevivência de códigos internos regu-

ladores do comportamento sexual das escravas, que teriam suas

raizes em modelos africanos anteriores Assim, o autor movi-

menta-se em um mundo cultural que sofre as influências do am-

biente e da cultura branca senhorial, mas que permanece autó-

nomo enquanto ex pressão das comunidades escravas, seus an­

seies e seus principies.

GEMOVESE, Eugene D. Op. cit. p.25.

x-z euTMAN, Herbert. Marital and sexual norms among slave wd-
men. In; COTT, Nancy (ed.). A heritaqe of her own. New
York , Touchstone Books, 1979.
34

Desse modo, não é de estranhar que, para Geno-

vese, não exista família escrava como tal, mas sim enquanto

prolongamento ou parte do mundo patriarcal hierárquico dos

senhores. Já para Gutman essa família escrava existe no sen-

tido das 1 in hagens e dos relacionamentos comunitários, in-

fluenciados nitidamente por uma bagagem cultural africana.

Assim, se, por um 1 ado, Metcalf acredita que

essas duas perspectivas de análise não são excludentes, por

outro lado. Mota contrapõe os argumentos de ambas tendências

ressaltando semelhanças e diferenças para chegar praticamen-

te á mesma conclusão. Metcalf n'ào apenas considera pertinen­

tes as interpretações de Genovese e Gutman, como também pro-

cura trabalhá-las paralelamente a de Barry Higman que afirma

influir a conjuntura económica na formação e na permanência

da família escrava. Assim, a autora, baseada nessas três pre-

missas, procurou traçar uma análise dos ciclos familiares dos

escravos vinculados à prosperidade económica e à estabilidade

de seus senhores Ao alternar instabilidade e permanência fa­

mil iares, de acordo com as suas relações dentro da escravi-

dão, a autora recuperou a família negra em seu sentido “real"

e não ideológico. recorrendo a fontes demográficas e carto-

riais.

Nesse sen tido, as tendências historiográficas

no estudo da família escrava contemporaneamente, voltam-se

ao mesmo tempo para a análise da estrutura e formação dessas

famí1 ias, assim como para seu caráter ideológico. Questões

como a existência de famílias nucleares ou matrifocais envol-

vem muito mais que uma mera análise estrutural, envolvem tam-
35

bém, significaçôes e perspectivas de vida dos sujeitos histó-

ricos, que nâo devem ser horizontalizadas em análises ho-

mogèneas , mas sim, inferidas a partir das fontes e caracteri-

zadas em conceitos e análises mais flexíveis.


1.2. As novas tendências da historiografia brasileira sobre a

familia negra.
37

Eni de Mesquita Samara chama a atenção para

essas necessidades, em seu artigo A família negra no Brasil,

escravos e 1ibertos18, quando propõe o adensamento das ques-

tões a serem discutidas junto às fontes primárias. A autora

procura demonstrar que, a História Social, ao efetuar o res-

gate temático da famí1 ia negra, não deve ater-se apenas ás

fontes estatísticas, fílciS também trabalhar no nível conceituai

com os signifiçados das práticas sociais que as fontes des-

vendam.

Essa também é, aparentemente, a percepçâo de

Robert 81enes. Em comunicação efetuada em 1988 X «5» o autor

trabalha com memórias de viajantes estrangeiros, em visita ao

Brasil durante o sécu1o XIX. Slenes procura rastrear a e-

xis tên cia d a famí 1 ia escrava, onde os preconceitos do olhar

estrangeiro ou senhorial impediram sua visualizaçáo. Passando

d a h a b i t a çá o aos hábitos alimentares e c o r i j u g a i s , o autor

resgata estruturas familiares étnicas e culturais 5 onde o o-

lhar externo apenas vislumbrou a promiscuidade e a miséria.

"Promiscuidade" essa que. aliás, povoou a his-

toriografia durante várias décadas. José Flávio Mota, ao f a-

zer seu abrangente balanço historiográfico sobre a família

escrava, chamou a atenção para esse aspecto. Seu artigo, j á

ci tado, procurou entender a trajetória analítica dessa famí-

lia escrava, e foi dividido em três partes, a primeira cen-

X® SAMARA, Eni de Mesquita. A família negra no Brasil , escra-


vos e 1ibertos. Anais do V Encontro da ABEP, 01 inda,
ABEP, 1988.
x «y SLENES, Robert W. Na senzala, uma flor, "as esperanças e
as recordações" na formação da família escrava. mimeo.
38

trada no caso brasileiro, quando os intelectuais das Ciências

Humanas não aceitavam a existência de estruturas familiares

entre os escravos e visulizavam apenas a promiscuidade nas

relações sexuais dos cativos; a segunda refere-se ao caso

norteamericano e ao surgimento dessa nova historiografia , ao

longo da década de ' 70, que já foi aqui examinada, enfatizan-

do a existência de famílias escravas monogâmicas; a terceira,

finalmente, refere-se à historiografia brasileira contemporâ-

nea e fixação conceituai de uma família negra, escrava ou

1i berta, ma is estável e autónoma, utilizando suas relações

sociais como estratégia de sobrevivência.

Acompanhando as novas tendências teóricas des-

se debate, esta dissertação pretende aproximar-se da família

negra, no período compreendido entre 1871 e 1895. Para tanto,

será necessária uma breve incursão através da legislação abo-

1icionista, basicamente no que diz respeito à lei número 2040

de 28 de setembro de 1871, mais conhecida como "Lei do Ventre

Livre" ou "Lei Rio Branco" . Devemos salientar a importância

dessa incursão, uma vez que foi essa lei especifica que criou

a figura do "filho livre da mulher escrava", elemento indis-

pensável para c> entendimento da estrutura familiar escrava e

1iberta, nesse período.


PARTE 2s

A LEGISLAÇÃO, SEU PASSADO E SUAS CONSEQUÊNCIAS


2.1. Alguns séculos de debates sobre escravidão e liberdade.
41

A existência de uma África sempre pródiga, ao

fornecer a matéria prima, que alimentou o vil comércio do trá-

f i co, determinou, de certo modo o caráter das relações es-

cravistas, durante um bom período de tempo. Assim, a perspec-

tiva de um f o r n e c i m en t o ad eternum de mâo-de-nbra escrava

para a 1avoura, manteve candentes as discussões sobre os des-

tinos dos negros, enquanto componentes da população do Brasil

colonial20

As principais discussões referentes ao caráter

da escravidão realizavam-se no seio da comunidade religiosa

onde alguns defendiam a legitimidade da escravidão negra 5 ao

passo que outros contestavam-na21. A legislação pertinente

ao elemento servi 1, nessa época. curvava-se à vontade senho-

rial, restando ao escravo a opção do apadrinhamento ou da re-

vo1 ta indivídua1 e coletiva para a obtenção de sua 1i berdade


3121

320 Nessa época, os debates limitavam-se a questões muito


mais filosóficas, do que práticas. Paralelamente, debates
similares sucediam-se nas Américas Espanhola e Anglo-sa-
xônica.
aX Vide: BENCI, Jorge. Economia Cristã dos Senhores no Go-
verno dos Escravos. Roma,
I "1705. (ed. Grijalbo, 1977). R0-
CHA, Manoel Ribeiro, Pe . Ethiope resgatado, empenhado,
sustentado, corrigido, instruído e_ 1 ibertado. Di s cu rso
theologico-jurídico em que se propõe o modo de comerciar,
haver e possuir validamente quanto a um e outro Foro os
pretos cativos africanos e as principais obrigações que
concorrem a quem deles se servir. Lisboa, Officina Pa-
tríarcai de Francisco Luiz Ameno, 1758. CÒUTINHO, J. J.
da Cunha de Azeredo. Obras económicas, 1794-1804. São
Paulo, Companha Editora Nacional, s.d.
22
A organização social e jurídica do período colonial en­
contrava-se submetida à Corda Portuguesa. O Rei legislava
alvarás, ordens régias, etc. As
para o Brasil através de alvarás
Camaras locais (municipais)
( municipais) possuíam alguma autonomia,
mas não poderiam legislar em matéria servil, de acordo
com as Ordenações Filippinas. 0 arbítrio dos proprietá­
rios, gera1 mente, constituía o limite dessas relações.
geralmente,
42

Após a independência do Brasil, já na terceira

década do século XIX quando procurava-se definir os destinos

da jovem Nação, chegou-se a questionar a legitimidade da es-

cravidão. Lutava-se, a época, para construir um pais baseado

em princípios diferentes daqueles do periodo colonial ou ao

menos assim pensava-se. □s ideólogos do novo regime buscavam

identificar o caráter do povo brasilei ro, preocupação que

perseguiu as elites pensantes, mesmo adentrando ao século XX.

Se, por um lado, economi camen te, não poderia-se prescindir da

população escrava, e nem ao menos pensava-se nisso, por outro

lado, eticamente, algumas vozes erguiam-se para questionar a

legitimidade de obter-se a independência de Portugal e conti-

nuar a escravizar os africanos23.

Internacionalmente dois exemplos opostos pode-

riam ser visualizadoss os Estados Unidos da América indepen-

d i saram-se, mas mantiveram os negros na escravidão; de outro

1 ado, no Caribe, os escravos do Haiti, espelhando-se na Revo-

lução Francesa, levaram a cabo uma revolução assaz sangrenta,

para reivindicar sua 1 i berda.de, e acabaram por assumir o con-

trole do próprio governo do pais. Pendendo entre o medo do

segundo exemplo e a admiração pelo primeiro, os proprietários

de escravas e os políticos brasileiros uns e outros não

sendo necessariamente pessoas diferentes - procuravam conti-

nuar suas vidas, sem muito questionar.

tl

<lo®o Severiano Maciel da Costa, José Bonifácio de Andrada


e Silva, Domingos Alves Branco Moniz Barreto, Frederico
Leopoldo César Bur 1 amaque. Memórias s-obre a escravidão „
Rio de Janeiro, Arquivo Nacional , 198’3.
43

Em 1850, após vinte anos de significativa e

sistemática pressão por parte da Inglaterra, o tráfico de es­

cravos africanos foi finalmente abolido24. Perante a cessa­

ção imediata do próspero mercado externo de compra e venda de

escravos, outros problemas surgiram para a economia brasilei-

ra. Agora, a lavoura já nâo poderia contar com o afluxo cons-

tante de africanos para reposição e deveria portanto, recor-

rer a outras alternativas para manter-se e à sua mão-de-obra.

Uma dessas alterantivas foi o tráfico interno, intercambiando

escravos entre as províncias.

De outro lado, as relações de dominação entre

senhores e escravos, que ao longo dos séculos anteriores ha-

viam passado por processos de acomodação, visando a um equi-

líbrio de vontades, mesmo mediante a posição privilegiada dos

senhores; sofreriam agora novas pressões e alterações, uma

vez que a população do país, devido à cessação da entrada de

af ri canos, passava a definir-se em outros níveis. Assim, no-

vas questões colocavam-se tanto para os senhores quanto para

os escravos; o tratamento físico, as condições de trabalho e

as perspectivas de acesso à liberdade !> alteravam-se do mesmo

modo que o país e o mundo passavam por mudanças políticas- e

de atitudes»

E>efinido assim, em pinceladas excessivamente

rápidas, o quadro social do Brasil, onde evoluíram as condi-

ções para a emancipação dos escravos, transfc>rmara-se em uma

arena onde, em diversos níveis, interesses conflitantes de­

12-2» Lei número 581 de 4 de setembro de 1850.


44

frontavam-se. Após séculos em que sucederam-se lutas sangren-

tas, disputas legais individuais, espera passiva ou franca

revolta, finalmente os escravos brasileiros começavam a vis-

lumbrar as chances efetivas de alcançarem a liberdade. Esse

vislumbre chegava de modos diferentes para cada um dos envol-

vidos, mas em 28 de setembro de 1871 quando a lei número

2040 posteriormente batizada como "lei do ventre-1ivre"

foi aprovada, tornara-se um fato indiscutível.


2.2. As leis abolicionistas no discurso parlamentar.
46

Entre alguns dos aspectos que dificultam o

trabalho do historiador, ao estudar problemas ligados à le-

g i s 1 a çã o, em qualquer época, um dos mais pertinentes é a dis­

tância relativamente significativa, que se abre entre o texto

de uma lei e a sua eventual aplicação. Consideráveis grupos

de interesses encontram-se envolvidos na redação e promulga-

ção de cada lei; sua posterior regulamentação envolve aspec-

tos práticos que, por vezes, passaram despercebidos ao autor

do projeto original; assim, freqd.en temente, a lei possui um

c a r á t. e r d u r a n t. e sua redação e promulgação, mas adquire alte-

rações bem relevantes após sua regulamentação. Por outro la-

d o, como se não bastasse o exposto, resta-nos analisar ain-

da, a aplicação efetiva dessa lei, que depende da análise

pessoal, ditada pelos pressupostos filosóficos de cada Juiz e

das circunstâncias pertinentes a cada caso.

A análise de uma legislação qualquer, quando

realizada tendo como perspectiva apenas a própria lei em si <

pode perder-se em elucubrações filosóficas e legais, se não

forem consideradas os processos envolvidos em sua elaboração

e aplicação, bem como suas consequências para os grupos so-

ciais por ela visados. Primeiramente, devemos considerar que

a legislação, em seu conjunto, atua como mediadora das rela-

ções sociais entre os diversos grupos que compõem uma deter-

minada comunidade. Portanto, enquanto tal, pode representar

apenas a vontade do setor dominante. tudo dependerá do equi-

1.1 b r i o de forças existente entre esses grupos so ciais.

Assim, torna-se necessário percorrer o longo caminho entre o

fato gerador e os resu1tados, para analisar adequadamente


47

qualquer lei, ou suas consequências especificas.

As duas últimas décadas do século XIX, no Bra-

s i 1 , trouxeram algumas mudanças significativas para o univer-

so social e legal do pais. Se, por um lado, a abolição paula-

tina e total da economia com base no escravismo e a e x t i n -

ção do regime monárquico e sua conseqdente substituição pela

República, trouxeram algumas alterações nominais às relações

entre os diferentes setores sociais; por outro lado.

fenômenos ocorreram como resultado de processos históricos

que vinham desenvo1vendo-se a longo prazo. Assim, a lei que

emancipou os escravos brasileiros, em si, foi apenas o ponto

final de uma longa série de debates parlamentares, legisla-

ções paliativas e práticas sociais híbridas e revolucioná—

rias, que acabaram por possibilitar tal mudança.

Considerando, no caso pertinente à nossa dis-

sertação, o con j unto legal que precipitou o fim da escravi-

d ão, cumpre-nos chamar a atenção para uma série de fatores

significativos ao seu estudo a Primeiramente, devemos conside-

rar, conforme já foi exposto anteriormente, que qualquer le-

gis1ação reflete os conflitos sociais que a geraram e, por­

tanto, possui um passado. As relações entre senhores e escra-

vos passaram por diversas modificações ao longo de mais de

trés séculos de escravidão negra no Brasil. Enquanto signifi-

cativos contingentes de escravos africanos eram sistematica-

mente importados a cada ano e comercializados para diferentes

pontos do pais-continente, os séculos viram suceder-se impor-

tantes a1terações na economia e na política locais, passando

o Brasil de colónia portuguesa a país independente, recebendo


48

o ónus de uma economia extrativista e monocultora em diversas

reg iões, marcada pela mineração em outras. Localmente, o e-

xercício da política e da economia contribuiu para a formação

das relações escravistas e para suas modificações. ao longo

dos séculos.

Quando, em fevereiro de 1867, o imperador D.

Pedro II dirigiu aos parlamentares brasileiros um questioná-

rio urgindo uma solução para o problema do elemento servil 9

não deve pensar-se que foi unanimemente bem recebido. Longe

disso 5 o país en contrava-se atolado na interminável guerra

empreendida contra So1ano Lo pez, governante do Paraguai,

guerra essa disputada a instâncias de interesses imperialis-

tas e estimulada por outros tantos interesses da Inglaterra


•31 B Assim, em um primeiro momento, o Parlamento brasileiro

preferiu adiar a discussão sobre o eventual fim da escravi-

d ão, para apôs o final dessa guerra inglória 24>

Em 187.1, quando não apenas o imperador, mas

também outros interessados instaram para que se retomasse a

discussão. preparava-se uma 1 onga batalha, onde interesses

económicos e ideológicos disputariam arduamente para dar a

última palavra. Em abril de 1867, durante as discussões pre-

1iminares, as bases do debate já haviam sido lançadas, e vá-

rios projetos de lei haviam sido redigidos e prontamente ar­

S2» GRANZIERA, Rui Guilherme, A guerra do Paraguai_ e o Capi-


talismo no Brasil. São Paulo, HUCITEC/UNICAMP, 1979.

SENADO FEDERAL. Atas do Conselho de Estado. Obra comemo­


rativa do Sesquicentenário da Instituição Parlamentar.
(Dir., Org. e Introdução) José Honório Rodrigues. Bra­
sília DF, Centro Gráfico do Senado Federal, 1978.
49

quivados. Vale a pena, de certo modo, rever algumas das

q u e s t. & e s- fundamentais dessa primeira discussão, uma vez que,

em 1871, ao ser retomadas, irão definir em boa parte a reda-

ção final da lei número 2040.

As questões apresentadas pelo imperador em

1867, eram as seguintes:

"lo Convém abolir diretamente a escravidão? No

caso de afirmativa:

2o Quando deve ter lugar a abolição?

3o Como, com que cautelas e providências cum-

pre realizar essa medida?"'-27'

Uma vez confrontados com questões tão objeti-

vas, os pariamentares brasileiros procuraram defender seus

pontos de vista, alguns visando ganhar tempo e outros tentan­

do precipitar uma solução para o impasse. Assim, recorrendo a

estatísticas rea1izadas nacional e internacionalmente, ci-

tando políticos e filósofos europeus e norteamericanos, e

com uma longa gama de recursos, os titulares do império

procuraram defender acirradamente seus pontos de vista.

Poucos discordavam de que a escravidão deveria

ser abolida, no caso de desejar-se que o Brasil figurasse no

rol dos países civilizados. Entretanto, quando tratou-se de

fixar as bases para essa abolição, não apenas surgiram di-

verqências gritantes de interpretação entre os parlamentares

C O fTl O cH i n d cí uma vez manifestou-se o nocivo espírito de prote-

27 SENADO FEDERAL. Atas do Conselho... 0p. Cita p.171-172.


50

lação que tem caracterizado a política brasileira, sempre que

decisivos interesses politicos e económicos estiveram presen-

tes. Propondo toda sorte de datas para a eventual abolição -

a1gumas inc1us ive adentrando ao século XX - esses políticos

procuravam, evidentemente, transferir a responsabi1 idade e as

consequências de seus ombros para os das gerações futuras.

Para .justificar tais atitudes > apresentaram-se enquanto moti-

vos, o interesse na ordem pública, no futuro não apenas da

economia nacional, mas dos destinos da mão-de-obra negra e

todo um espectro de precedentes históricos. tanto positivos

quanto negativos, envolvendo a questão da abolição.

Finalmente, passaram a ser discutidos cinco

projetos de lei, apresentados pelo Marquês de São Vicente, e

que procuravam solver todas as eventuais questões que pudes-

sem surgir a partir das próximas discussões. Acompanhar as

atas dessa discussão pode revelar aspectos bem interessantes

sobre as práticas politicas e dos parlamentares


ideológicas
z
brasileiros dessa épocas por outro lado, podemos encontrar um

resumo igualmente interessante desses debates na narrativa de

Joaquim Nabuco, ao biografar seu pai, o Conselheiro Nabuco d'

Araúj o22*9. Nabuco (filho) 5 enquanto abolicionista e envolvi-

cio emociona 1 mente na questão, dada a participação de seu pai

nesses debates, apresen tou uma visão altamente critica dos

envolvidos e dos papéis desempenhados na elaboração da lei

número 2040.

20
NABUCO, □ oaquim. Um Estadista do_ Impérips Nabuco de Ara-
újo, sua vida, suas opiniões, sua época. Rio de Janei-
ro, H. Garnier, Livreiro Editor, s.d.
51

Na discussão dos "proj etos de São Vicente

datados de 1866, logo revelou-se a tendência por uma solução

protelatória, isto ê, 1ibertar-se-ia o ventre, em primeira

instância, e posteriormente iriam-se criando as condições pa-

ra uma abolição final. Alguns esperavam que, uma vez 1i berto

o ventre, o tempo encarregar-se-ia de fazer todo o trabalho.

As discussões, então, passaram a tratar de detalhes nominais,

isto ê, referentes à letra da lei. Assim, chegamos a uma par-

te da discussão que será de muito valor para o desenvolvimen-

to da presente dissertação, que é o estabelecimento da condi­

ção de ingénuo■
2.3. A situação legal do ingénuo.
53

"Ingénuo é quem nasce livre e continua livre.

pouco importando que o pai seja ingénuo ou li­

berto . Os ingénuos podem ser cidadãos romanos,

latinos ou peregrinos. Os primeiros tém todos

os direitos do cidadão romano; os latinos e

peregrinos tem situação juridica especial, in-

ferior à dos primeiros. A qualidade de ingénuo

ou ingenuidade ("ingenuitas") é adquirida ou

por meio de decreto imperial que confere à

pessoa o direito de usar o anel de ouro ( " jus

annulorum aureorum") sim bo1o da situação de

ingénuo ou por meio de privilégio especial que

sob todos os aspectos assimi1a a pessoa aos

ingénuos ("restitutio natalium").

Assim José Cretella r. 5 em seu "Curso de Di-

reito Romano", definia a condição de ingénuo, de acordo com

os usos e constumes dos antigos romanos. A legislação brasi-

leira sempre espelhou-se bastante no Direito Romano, sej a em

suas práticas, seja nas questões puramente nominais como es-

ta. Desse modo, não deve surpreender que se escolhesse a de-

nominação de ingénuos para as crianças nascidas livres de

mães escravas, uma vez que a semelhança de condiçftes bastaria

para justificar tal . Entretanto, a pés longa discussão, no

texto final da lei número 2040, a palavra ingénuo acabou de-

saparecendo misteriosamente30.

CRETELLA JR. , José. Curso de Direito Romano. Rio de ja-


neiro, Forense, 1968......
rjso BRUNO, Fábio Vieira. 0__Par lamento e a evolução nacional.
18'71-1889. Brasí1 ia”, Senado”Federal', 1979. 5v.
54

0 motivo do desaparecimento pode ser sutilmen­

te apreendido do teor dos debates legislativos. A condição de

ingénuo, quando devidamente decalcada de seu similar romano,

proporcionava a seu detentor todos os direitos de uma cidada-

nia integral desde que houvesse nascido romano assim,

transferindo a situação para o caso dos ingénuos brasileiros,

estes passariam a ter acesso a alguns direitos que a mera

condição de 1iberto não proporcionava. Considerando-se o te­

or eminentemente racista dos pronunciamentos de alguns parla-

mentares, e o perigo que poderiam vislumbrar na ascensão so­

cial dos negros, através de sua liberdade, talvez pOSScfcfROÍS

compreender a aversão suscitada pela proposição do uso da pa­

lavra ingénuo, e pe 1 o eventual perigo desta tornar-se uma

condição real da futura população negra do país.

Tivesse conservado a palavra ingénuo em seu

corpo, a lei número 2040, e talvez se houvesse tranformado em

alguma coisa diferente do que de fato foi. Um cidadão ingénuo

talvez não pudesse ser dominado do mesmo modo que ocorria com

um 1iberto que nem ao menos cidadão era -. A condição efe-

tiva de ingénuo talvez houvesse propiciado aos defensores

destes os instrumentos indicados para livrã-los do caráter

ambíguo da referida 1ei.

Entretanto, muito embora aparecessem nos do­

cumentos denominados como ingénuos, esta não era de fato sua

condição legal s uma vez que deviam obediência aos proprietá-

rios de suas mães e, inclusive, deveriam indenizá-los caso

quisessem usufruir de sua 1 i berdade. Assim, a lei número 2040

deixava aos p ro p r i e tá r i os das mães ? todos os instrumentos


55

para continuar explorando, eventualmente, a mão-de-obra des­

ses menores.

Nesse sentido, devemos chamar a atenção para o

fato de que, a partir de 15 de novembro de 1889 uma vez pro-

clamada a Fíepública no Brasil todos seus habitantes passaram

a ser considerados cidadãos, corrigindo [ao menos no que se

refere à nomenclaturaJ todas as aberrações produzidas pelos

códigos imperiais. Muito embora enfrentassem uma série de di-

ficuldades e preconceitos, após 1889, legalmente, os negros e

suas familias puderam contar com a legislação republicana pa-

ra resguardar seus direitos civis Se, na prática, isso faci-

litou ou dificultou suas vidas, trata-se de material para ou-

tra discussão.
2.4. A família negra perante a lei.
57

Em 1871, a partir dos cinco "projetos de São

Vicente II o Conse.1 heiro Na.buco d'Araújo redigiu um projeto

único, que foi submetido ao Parlamento bi-cameral e recebeu

as devidas emendas, até ser finalmente relatado pelo Visconde

do Rio Branco, transformando-se no texto hoje conhecido. Ma 1 -

grado todas as discussões e controvérsias ocorridas entre li­

berais e conservadores, até chegar—se ao texto final, uma

coisa parece clara, essa lei tinha tudo para desagradar»

Se, por um lado, os proprietários de vastos

plantéis sentiram-se virtualmente "apunhalados pelas costas"

pelo imperador (S q no caso pau1ista, passaram a engrossar as

fileiras republicanas; por outro lado ! os abo1i cion i stas con™

sideraram a referida 1ei como outra protelação do governo,

incapaz de resolver a questão do elemento servil e chamaram a

atenção para as imperfeições e ambiguidades do texto.

Paixões à parte, mesmo hoj e, o caráter ambíguo

de alguns poucos artigos dessa lei ainda chama a atenção E-

xiste ambigílidade quando não é definido a condição civil dos

filhos das escravas; do mesmo modo, no fato de atribuir-se

excessivo poder aos proprietários das mães e, estas pouco ou

nada ser mencionadas. Assim como também ao definir-se o modo

como essas crianças poderiam "1ibertar-se" dos senhores de

suas mães, uma vez que todas as opções a estes pertenciam»

Podemos supor que todas as vantagens que os

proprietários auferiam, no caso de conservar os menores, não

passavam de compensação por aquilo que poderia ser considera­

do uma espécie de expoliação» Senão vejamos, o escravo sendo,


58

à época, uma propriedade - no sentido legal do termo -, e ob-

jeto de virtual investimen to, assim como fonte de renda j não

deve ter agradado aos proprietários que o governo 1 hes

sequestrasse tal bem e fixasse a indenização em títulos de

renda.

Entretanto, os proprietários de escravos do

século XIX, souberam aproveitar muito bem cada opção ofereci-

da pela nova lei . Em sua obra Os últimos anos da escravatura.

no Brasil, Robert Conrad31 afirma que em 1885 existiam qua-

trocentos mil ou mais ingénuos matriculados, dos quais apenas

cento e dezoito (0,17.) , haviam sido confiados ao governo, a

càmbio da indenização oficial. Parece que os senhores prefe-

riram conservar esse significativo excedente de mão-de-obra

em seu poder.

Os anos arrastaram-se e,. dezesete anos depois

da. lei número 204O, em 1888, a monarquia, virtualmente pres-

sionada por todos os flancos, na pessoa da Princesa Isabel,

finalmente capitulou e assinou a abolição incondiciona 1 da

escravidão no Brasi1. Nenhuma criança libertada pela lei de

1871, portanto, alcançara a maioridade, conforme se verá.

a seguir, seus problemas estavam apenas começando.

Enquanto os escravos mal comemoravam sua re­

centemente conquistada liberdade, um novo problema começava a

afligir-lhes a existência. A abolição não viera do céu; os

■3 1
CONRAD, R o b e r t. Os últimos anos da escravatura no Brasil.
2aed . Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978.
P.142-144.
59

anos que a precederam estiveram repletos de comoção social e

sinais bem mais evidentes para quem quisesse enxergá-los Di­

ficilmente algum proprietário teria sido pêgo desprevenido,

por uma debandada em sua mão-de-obra, após o treze de maio.

Se, por um lado, vários senhores já começavam a importar imi­

grantes dos miseráveis "guetos" europeus; outros procuravam

negociar condições de trabalho com seus ex-escravos e outros !■

ainda. recorriam á tutela de crianças órfãs ou "ingénuas",

para garantir a continuidade das unidades de produção.

For ocasião da abolição, muitas crianças, fi­

lhas de escravos, encontravam-se tuteladas junto aos ex-se-

nhores de suas mães, como uma das a1ternativas de sobrevivên-

cia física. Entretanto, por tratar-se de vínculo entre pesso-

as presumidamente livres, discriminado nas Ordenções Filippi-

n ct sb «j essas tutelas não foram revogadas pela lei número 3353 5

de 13 de maio de 1888, que veio a ser conhecida como "lei Au-

rea " . Algumas crianças encontravam-se tuteladas por ser ór-

f ãs, outras por vontade de seus pais e outras, ainda, por de-

signação, arbitrária ou não, de Juizes de órfãos.

Assim, quando em 14 de maio de 1888, muitos

ex-escravos quiseram reunir suas famílias para gozarem os be­

nefícios. da 1i berdade, o "d ay after" revelou-se bastante a-

margo. E assim continuou por alguns anos que se seguiram, en-

quanto os libertos lutavam legal e ilegalmente para recuperar

seus filhos. Uma parte dessa história será recuperada na pre-

sente dissertação e as conseqtiéncias que esse "imbroglio"

legal teve para as famílias dos 1ibertos, poderão ser devida­

mente avaliadas.
60

Uma vez obtida a 1iberdade, os ex-escravos

tiveram de lutar pela sobrevivência, já que, abandonado o re-

gime de obrigações reciprocas representado pela escravidão

encontravam-se, literalmente por sua própria conta. A reunião

em famílias, além de ser uma necessidade psicológica !> poderia

também significar uma alternativa de sobrevivência, através

da junção dos ganhos dos diversos membros. Mas, para reunir

as famílias, seria necessário reaver as crianças tuteladas e

isso, só dava, em alguns casos recorrendo aos tribunais.

Em outros, quando apenas a mãe e seus filhos formavam a uni-

dade familiar, o expediente da tutela pode ter um significado

inverso, transformando-se em uma proteção ou, em uma opção de

sobrevivência.

Independente da i n ter preta ção dada a esses

gestos, podemos perceber a importância dc ambiente familiar

para os ex-escravos, mesmo antes da abolição. Durante o peri-

odo estudado, os documentos encontrados levam-nos a interpre-

tar seu comportamento como uma estratégia de sobrevivência

tanto física quanto psíquica. A liberdade. embora fôsse um

grande benefício, não trouxera grandes alterações à sua si-

tuação económica, e nada Ihes deixara 5 a não ser suas fami-

lias, e parece ter sido a partir delas que os ex-escravos

construíram seu mundo, nos anos que seguiram-se à abolição.

Acompanhando a dinâmica dessas relações, a tra­

vés dos documentos, temos percebido a interação entre o domí­

nio das leis e o cotidiano desses cidadãos. Esse tipo de li­

g ação reve1ou-se, aparentemente, bem mais complexa do que po-

deria-se esperar. Nosso trabalho visa a uma análise desse


6.1

processo, em suas diversas facetas. no sentido de contribuír­

mos, d s. sim , para o estabelecimento de bases ainda mais sóli­

das para os debates que ora desenvolvem-se no âmbito da His-

tória Social, tendo como objeto a •família negra.


PARTE 3:

/IS BATALHAS FAHI LIARES.


3.1. Na vida; o nascer e o morrer.
64

Diário de Campinas, dez de outubro de mil oi­

tocentos e setenta e cinco seção de obituários

"Conceição

Eufemia, um s n n o h filha de Innocencio escravo

de A. Araújo Roso." p.2

A edição de domingo do Diário de Campinas in-

formava, de modo corriqueiro s o falecimento de uma pequena

ingénua. Oculto pela aparente indiferença, desenrolava-se um

episódio triste !> mas comum na vida das famílias campineiras, ii

fossem escravas .livres ou libertas. 0 falecimento de uma no-

va criança não parecia motivo para alarme entretanto, Ç*9 Fn Só F—* F-*

outros tantos falecimentos podem ajudar-nos, ho j e, a perceber

algumas facetas do cotidiano das famílias dessa época.

No período compreendido entre primeiro de no-

vembro de 1875 e vinte e sete de maio de 1879 na paróquia de

Conceição, e entre trinta de novembro de 1875 e vinte e um de

março de 1878, na paróquia de Santa Cruz houve dois mil oi-

tocentos e setenta e seis falecimentos. A paróquia de Concei-

ção ocupava a área ligada à chamada Matriz Nova de Nossa Se­

nhora da Conceição, isto é ! a parte essencialmente urbana da

cidade e alguns sítios e fazendas próximos; a paróquia

de Santa Cruz localizava-se na área 1igada à atual

Igreja do Carmo, isto é, uma parte da cidade com-

posta basicamente de grandes fazendas, pequenos sítios e pou-

cas ruas na área urbana. A época estudada, ct c i d c? d e d e C ct m p í

nas pouco excedia além dessas duas paróquias.

Para uma população que, segundo Júlio Mariano,


65

em 1874 constava de quatorze mil almas32; o desaparecimento

de duas mil oitocentas e setenta e seis almas, em um periodo

de quarenta e três meses, para Conceição, e vinte e oito me-

ses, para Santa Cruz, parece bastante significativa. Segundo

as fontes pesquisadas, um mil duzentas e quatro dessas almas

eram crianças de zero a dois anos, isto é, pouco menos da me­

tade desses óbitos constituia-se de crianças em periodo lac-

tente. Dessas pequenas almas, seiscentas e seis eram de

crianças ingénuas, o que representa aproximadamente metade.

Ou sej a:

Paróquias/Obitos

TOTAIS
Conceição Santa Cruz
1.11.1875/27.5.1879 30.11.1875/21.3.1878

I
O a 2 anos 854 O a 2 anos 350 1204 ;

restantes 991 restantes 481 1672

To ta 1 1845 Total 83.1 2876

Fontes Livros de Óbitos do Arquivo da Camara Municipal de


Campinas.

0 que poderão dizer-nos esses números?

Em uma primeira aproximação, poderemos consta-

tar que a taxa de mortalidade infantil a na cidade de Campi-

nas, apresentava-se a 1 ta. Os valores encontrados na tabela

MARIANOI, Júlio. Campinas de ontem e de ant.e-ont.em. Campi-


nas, Maranata, 1970.
a c .x. m a , para os óbitos de zero a dois anos, correspondem a 427.

aproximadamente do total de falecimentos pesquisados. Não

possuímos informações a respeito da fertilidade apresentada

pela população campineira, durante o mesmo período; desse mo-

do, torna-se-nos impossível qualquer cálculo no sentido de

determinar o crescimento vegetativo dessa população.

Entretanto, fôssem as taxas de fertilidade al­

tas ou baixas, devemos deter-nos a considerar o impacto que

essa mortalidade infantil poderia produzir na estrutura fami-

liar d a c i d ad e, tanto da população livre, quanto da escrava

ou liberta. Nesse sentido, podemos formular algumas questões

reievan tes.

As moléstias que ceifavam um maior número de

crianças, segundo as fontes, eram basicamente as verminoses,

as doenças gastro-intestinais e pulmonares, o aparecimento da

primeira dentição e as gestações e partos mal sucedidos, ou

ainda, as febres infecciosas e epidémicas comuns na região.

0 conjunto dessas moléstias leva-nos a deduzir que as condi-

ções de higiene e a alimentação das crianças aparentemente

independente de seu meio social, não eram adequadas a que os

pequeninos vingassem. Esse foi um período anterior à ação fa-

nática dos médicos higienistas. anterior ainda ao surgimento

dos antibióticos e das modernas técnicas cirúrgicas; esse foi

um período em que o parto e a saúde do bebé ainda eram "as­

suntos de comadres", muito embora houvesse uma significativa

quantidade de médicos na cidade.

Nesse sen tido, Campinas acompanhava a tendén-


67

cia de outras cidades brasileiras, nesse período e em perío­

dos anteriores. Eni de Mesquisa Samara33, pesquisando maçD5

d e po pu 1 a çã o, nas cidades de São Paulo e Itú encontrou re­

sultados muito parecidos. A autora detectou taxas de mortali­

dade infantil altissimas, presentes em todos os tipos de la-

res, a despeito da situação económica ou posição social de

seus integrantes. As causas para a incidência desses números

discriminadas por Samara, foram as condições de higiene. a

insa1ubridade dos centros urbanos ignorância e despreparo no

tratamento das moléstias infantis e no período pós-parto en-

tre outras.

A década de 1870 representa, de certo modo, a

chegada do progresso económico à cidade 3 com o empreendimento

da Estrada de Ferro Mogyana o crescimento nas exportações de

caf é, e o constante trânsito de estrangeiros que começam a

afluir das mais diversas regiões da Europa Campinas poderia,

embora largamente provinciana, começar a considerar-se uma

cidade cosmopolita. Dentre as engenhocas introduzidas pelos

mascates na cidade, uma ao menos chamou nossa atenção :

"As mães de familia

0 periodo de mais tortura para a creancinha é

sem duvida o da dentição. Quantas vezes a po­

brezinha não resiste ao soffrimento, e vos a-

margura o coração trocando o bercinho onde a

acalentaes pelo leito dos finados! Pois bem: o

&3 SAMARA, Eni de Mesquita. As mulheres , o poder e a família.


São Paulo, século XIX. São Pau Ío7 iMarco Zero; Secretaria
de Estado da Cultura de São Paulo !> 1989. p.46-53.
68

GRAN TURCO, vos offerece um meio de evitar es-

ses soffrimentos, recomendando-vos os excel­

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B. Rua Direita - 1B
CAMPINAS"3-*

Este anúncio, deveras pitoresco. data de 1879.

De posse dessa informação, temos procurado, nos últimos qua-

tro anos, qualquer informação disponível, sobre os referidos

"coliares". Entretanto, não obtivemos resultado algum, na

tentativa de descobrir o formato ou funcionamento dessas en-

genhocas. A referência ficou-nos não apenas como curiosida-

de, mas também no sentido de percebermos até que ponto o apa-

recimento da primeira dentição poderia constituir risco de

vida para os pequeninos, por essa época.

A perda de um ou mais nacituros para uma fa-

m i 1 i a , poderia ser encarada como mera fatalidade 5 levando o

estoicismo religioso a uma preocupação maior com a alma do

que com o corpo de seus pequeninos. E bem significativo que,

na absoluta maioria dos registros a exceção de menos de

0,17. conste o fato de que as crianças que faleceram ao

nascer, f oram batizadas em casa, às vezes pela própria par-

34 ALMANACH popular de Campinas para o armo de 1879. Organi-


sado e publicado por Carlos Ferreira e Hypolito da Sil­
va. Segundo anno. Campinas, Typographia da "Gazeta de
Campinas", s.d.
69

teira. Houvesse ou não uma preocupação com a morte dos peque-

nos q parece-nos ter havido, entretanto, preocupação maior de

que estes falecessem pagãos.

Esse tipo de zélo não deve ser menosprezado e

muito menos considerado um privilégio das crianças livres

cristãs, uma boa parte dos ingénuos que faleceram ao nascer,

também foram batizados em casa. Do mesmo modo que, aproxima-

damente 707. dos ingénuos falecidos viviam em lares de escra­

vos considerados casados ou, quando não, em companhia de am­

bos genitores. Os restantes 307. constam como filhos de escra-

vas solteiras. Começa a apresentar-se-nos a família negra.

Por lar dificilmente poderemos entender um es-

paço físico determinado, uma vez que esses escravos residiam,

na maior parte, nas propriedades de seus senhores. Entretan­

to, as condições básicas para a existência de uma família são

facilmente reconhecíveis: a presença dos genitores, de irmãos

mais velhos, de padrinhos e parentes por afinidade, embora em

sua maioria escravos. Do mesmo modo, o reconhecimento do sta-

tus de ingénuos, torna os pequenos em uma promessa para seus

pais, e em um fardo para os proprietârios destes.

Entre 1871 e 1875, logo após sua promulgação,

a lei número 2040 passou por um período de regulamentação,

quando foram especif i cadas as providências que deveriam ser

tomadas pelos proprietários das mães, a fim de batizar, ma-

tricular ou em caso de falecimento, enterrar, os filhas li­

vres d as- mulheres escravas. Durante esse período, o minis­

tério de Agricultura Commercio e Obras Públicas, dirigiu aos


70

presidentes das províncias reiterados apelos por providências

para a educação e proteção desses menores.35* Assim pressiona-

dos, os presidentes passaram a urgir as Camaras Municipais, à

procura de soluções.

Assim, em onze de dezembro de mil oitocentos e

setenta e um , poucos meses após a promulgação da 1 ei , a Cama

ra Municipal de Campinas respondia do seguinte modo a uma

dessas exortações:

"Registro de um oficio ao Presidente da Pro-

vincia sobre as associações de que trata a Lei

2040:

limo. E x mo. Presidente. A Camara Municipal

desta Cidade, em observância da circular de V.

E x c i a . de 20 de Outubro findo ! tem a informar

que não encontra no povo disposição para auxi­

liar a organização de associações de que trata

esta circular; mas esta Camara está bem infor­

mada de que os possuidores de escravos deste

município tem procedido com toda humanidade e

zelo na criação dos menores libertos de modo

que é por assim dizer dispensável a criação

daquelas associações. Deos guarde V. Excia .

••sés VEIGA, Luiz Francisco da. (Org.). Livro do estado servil e


respectiva libertação, contendo a lei de 28 de setembro
cie 1871 e os decretos e avisos expedidos pelos ministé­
rios da Agricultura, Fazenda, Justiça, Império e Guerra
desde aquella data até 31 de dezembro de 1875: precedido
dos actos legislativos e executivos em beneficio da li­
berdade, anteriores à referida lei. Rio de Janeiro, Ty-
pographia Nacional, 1876. p.87
71

Campinas, em sessão de 11 de dezembro de 1871.

I 1 mo. Exmo. Sr. Presidente da Província de São

Paulo.

O governo provincial sugeria a criação de as­

sociações que acolhessem os ingénuos e lhes dispensassem a

necessária educação e cuidados. Posteriormente a esse perío-

do, datam alguns projetos de "Colónias Orphanologicas", des­

tinadas a aco1her, não apenas aos ingénuos, mas também a ou—

tros órfãos e abandonados Entretanto, os "humanitários"

senhores campineiros preteriram acolher a si as obrigações de

zelar pela saúde de seus ingénuos. Podemos argumentar que, se

a idéia de zêlo desses proprietários aplicava-se a seus pró—

prios filhos, do mesmo modo que aos ingénuos poderemos ter o

inicio de uma explicação para as elevadas taxas de mortalida­

de infantil na cidade de Campinas.

A bem da verdade devemos acrescentar que não

são apenas os senhores campineiros que deixam perecer seus

ingénuos, de modo tão indiferente. Os primeiros anos que

seguem-se à lei de número 2040, contemplam o crescimento

desmedido das taxas de mortalidade infantil no país; projeção

ocasionada devido basicamente, ao crescimento da mortalidade

entre as crianças negras, com a chegada dos ingénuos Tais

índices, são considerados alarmantes por alguns observadores

CAMARA Mun i ci pa1 de Campinas. Livro de Correspondências,


Posturas e Editaes. 1856-1872. p.186verso.
S7 PEREIRA, João Baptista. Relatorio e Documentos, sem página
de rosto e com as quatorze páginas iniciais bastante da­
nificadas. Anexo no 15. p.21. A Secretaria da Policia da
província de São Paulo apresenta projeto em 10.Nov.1878.
72

do governo. Entre estes, Veiga destacas

"Estatística.

Quadro dos ingénuos matriculados nas Provin-

das que ministraram as respectivas informa­

ç&es.

Extrahido do Relatcrio da Directoria de Esta-

tistica de Dezembro de 1874.

Províncias Matriculados Fallecidos Comparação entre


nascimentos e o-
bi tos

Amazonas ... 99 a 4 1524,8

Ceará .. 3859 488 1:7,9

Alagoas 3370 53.1 u e S 1:6,3

Sergipe ... n n n 3926 829 tt n 1:4,7

Espirito Santo 2448 388 1:6,3

Rio de Janeiro
incluído o Muni­
cípio da CÔrte .. 34908 7207 1:4,8

S. Paulo .. 18559 3783 1:4,9

Paraná 1009 109 1:9,3

F:io Grande do Sul 9538 1194 a 1:7,9

Matto Grosso .« 469 30 1:15,6

Esses algarismos, sem duvida alguma, attestam

a crescida e espantosa mortalidade de ingénuos

e indicam que medidas convenientes e promptas

devem ser tomadas no sentido de attenuar as

causas productoras de táo grande mal."”®

VEIGA, Luiz Francisco da. (Org.) □ p. cit. p. 349..


73

Assim, como podemos constatar do quadro acima,

j á em 1874, a mortalidade dos ingénuos, ao longo do país, ia

totalizando quantias a 1armantes. Os dados utilizados para a

confecção destas estatísticas provinham, ao que tudo indica,

dos relatórios •fornecidos pelas secretarias aos presidentes

de cada província e remetidos por estes, anua1 mente, cts Cama

ras Legislativas. Se esses dados são categóricos, ou apenas

aferidos, não podemos afirmar. Entretanto, podemos formular

algumas explicações para essas taxas tão significativas.

Podemos argumentar que quando um fazendeiro,

comer ciante ou profissional liberal dispóe-se a adquirir um

escravo para todo serviço ou para tarefas específicas. sem-

pre prefere C| Ll E? este seja um escravo adulto P de preferência

que tenha noções das tarefas às quais é destinado. Isso se

deve ao fato de que o escravo, além de uma "necessidade" à

época, era um investimento. Assim, dificilmente seriam procu-

rados escravos em idade 1acten te ou impúberes, uma vez que

estes não ofereceriam garantias de sobrevivência, bem como

necessitariam de maiores investimentos do proprietário, no

sentido de proporcionar-lhes o aprendizado necessário ao e-

xercicio de qua1quer tarefa. Desse modo. antes que o menor

começasse a oferecer lucros, novos investimentos tornar-se-

iam necessários ao proprietário.

Nesse sentido, a preferência dos compradores

seria por escravos já púberes ou jovens e adultos, com alguma

especialidade. A existência de escravas ou ingénuas dentro de

um plantei, ou no domicílio de um proprietário, seria apenas

O d C d. S O da "reprodução natural" da mão-de-obra, e não a von-


74

tade senhorial. Ao longo do tempo, as crianças que vingassem

e viessem a tornar-se escravos produtivos constituiriam um

certo lucro, mas este lucro não estaria necessariamente vin­

culado ao investimento inicial.

Um exemplo da possibilidade de investimento,

pode ser apreendido a partir do seguinte anúncio:

"Escrava

Vende-se uma de 30 annos de edade acompanhada

de tres filhos, sendo o primeiro de 10 para 11

annos, o segundo de 8 e o u1 timo de peito e

tanto a escrava como os filhos gosam muito boa

saúde, e a escrava serve para todo o serviço.

Pra vêr e tratar dirijam-se a França Camargo &

Irmào, no largo do Rosário n. 74A.

0 anúncio revela, para aqueles dispostos à

compra, d iversas possibi1 idades. A escrava é anunciada como

habilitada para todo serviço, entretanto, junto temos a in-

formação que seu filho menor, um ingénuo, uma vez que esta-

mos em 1876, é uma criança de peito. Então, podemos deduzir

que o novo proprietário poderá começar alugando essa escrava

como ama-de-leite durante o periodo que durar a amamentação.

Seus filhos de dez e oito anos podem ser ensinados em alguma

tarefa especifica ou, de outro modo, desempenhar recados à

espera da idade mais adequada ao aprendizado isto ê, por vol-

ta dos doze anos, No caso desse anúncio em particular. a coítí~~

Anúncio publicado no Diário de Campinas, em 15 de julho de


1876, à pág.4, em um sábado.
75

pra dos pequenos, junto à mãe, poderia tornar-se um bom in-

vestimen to.

Nem todos os compradores de escravos agiam

premidos pela ânsia empresarial de lucros. Havia aqueles que

pouco possuindo, investiam seus "cobres" em um escravo para

todo serviço e partilhavam com este sua miséria procurando

viver a partir dos ganhos do escravo e dos seus próprios.

Muitos destes indivíduos "viviam de suas agências" ■> isto é,

.locavam seus serviços à melhor oferta e dividiam o espaço de

seu trabalho, com os escravos de pessoas mais afortunadas.

FÔsse qual fôsse a circunstância, crianças impúberes raramen-

te seriam procuradas pelos compradores.

Embora a lei número 2040 responsabilizasse os

senhores das escravas, pelo bem estar dos ingénuos, em um

primeiro momento, a reação senhorial às crianças nascidas li-

vres, foi de pouco mais que indiferença. Isso pode ser apre-

end ido, não apenas do crescimento das taxas de mortalidade.

mas também do aumento no abandono de crianças negras em al­

I guns municípios

1870, os ingénuos
do pais.

constituiam-se
Nos primeiros anos da década de

apenas em mais bocas para

alimentar e pouca perspectiva de futuro.

Para as- familias negras, entretanto, cada

ingénuo poderia constituir-se em uma promessa, em uma espe—

rança, uma vez que sua aparente liberdade colocava-o, quando

a a

LIMA, Lana Gage da Gama; VENANCIO, Renato Pinto. Os órfãos


da lei: o abandono de crianças negras no Rio de Janeiro
após 1871. Estudos Afro-Asiéticos. Rio de Janeiro, CEAA,
junho/1988. Cadernos Cândido Mendes 15.
76

chegasse à idade de ganho, em posição de ajudar seus irmãos

ou seus pais a 1ibertarem-se mediante pecúlio. Justificadas

ou não, quantas esperanças não terão sido acalentadas em la-

res escravos !• pe 1 a presen ça ou pelo sorriso de uma criança

ingénua? Do mesmo modo, quantos sonhos perdidos e chorados, a

cada vez que um casal escravo, ou alguma escrava solitária,

dispunham-se a enterrar um pequeno ingénuo sacrificado à in-

diferença do mundo senhoria1, ou às condições precárias de

higiene e medicina da época!

Assim, a primeira década após a promulgação da

lei número 2040, parece ter acolhido os ingénuos com relativa

indiferença, por parte dos senhores proprietários. A família

negra existia, como podemos apreender dos registros cônsul-

tados. Os escravos casavam-se, geravam f i1hos, e onde quer

que lhes fósse destinado permanecer construíam seus lares;

sendo que por lares, podemos entender o estabelecimento de

laços afetivos, de parentesco e de compadrio.

Nesse sentido, Clotilde Paiva e Douglas Cole

Libby estudando a demografia da família escrava em Minas Ge-

rais, no sécu le­ XIX, chegaram a algumas conclusões interes-

santes. Os autores, baseando-se em nas Listas de Matrícula

de Escravos e no Censo populacional de 1872, em comparação em

informações de décadas anteriores, verificando a presença de

africanos, mulheres em idade fértil e um número significati-

n n

41
PAIVA, Clotilde A. & LIBBY, Douglas C. A middle paths
slavery and natural increase in nineteenth-century Minas
Gerais. Minneapolis, Latin American Population History
Builetin, (23)52-15. S p r i n g /1 99 3 ... ' ..... ’ ~..... ’
vo de crianças e ado1escentes, formularam a hipótese da e-

xistência de um processo de reprodução natural 3 entre os es-

cravos pertencentes a pequenos e médios plantéis 5 nas 1ocali-

dades pesquisadas. Contrariando as conclusões de uma histo-

riografia mais tradicional, que sempre privilegiou o tráfico

negreiro africano e inter-provincial como meio de reprodução

da mão-de-obra escrava, Paiva e Libby vieram a engrossar as

fileiras daqueles que defendem a existência de uma família

escrava.

A existência dos ingénuos conquanto ameaçada

pela indiferença das políticas municipais e pelas condições

insalubres em que a grande maioria da população brasileira

via-se mergulhada àqueles tempos, poderia ser viabilizada

quando em meio a estruturas familiares mais estáveis, embora

não convencionais. Alguns anos seriam necessários, ainda, p3"~

ra que os ingénuos viessem a chamar a atenção ou a estimular

a ganância dos proprietários. Entretanto, à medida que a le-

gislaçào abolicionista aproximava-se do treze de maio, as fa-

mílias negras iam encontrando dificuldades na conservação de

seus laços e em sua sobrevivência. E o momento em que a febre

tutelar tomava conta dos proprietários às vias de perder seus

investimentos. E desse momento que trataremos a seguir.


3.2. Na liberdade: os benefícios e os malefícios do vinculo

tutelar.
79

"Tendo sido extincta a escravidão no Brazil

pelo Decr. No 3353 de 13 de Maio ultimo, ê ma-

nifesto que [ ] a obrigação é. que estavao su-

jeitos os ingénuos, de prestar serviços aos

senhores dos respectivos paes, segundo o dis-

posto no ar t 4o 4o da Lei no 3270 de 28 de

7bro. De 1885, e como por semelhante circuns-

tancia os ditos ingénuos tenhão cabido no do-

minio do direito commum, reccomendo ao tutor

nomeado, que crie e eduque os seus pupillos !

como pessoas 1ivres, observando os preceitos

da Ord. Lo lo Tit. 88 e mais legislação em vi-

gor ? isto pondo-os á aprender a ler e á

escrever, sendo possive1, mandando ensinar-

lhes officio mechanico , ou prendas domesti-

C d ÍS ■( conforme o 58X0 q por cuja habilidade pos-

sac> futuramente adquirir os meios de subsis-

tencia, fazendo casar as do sexo femi-7/nino e

contractando-os á ganhar salario com pessoas

sufficientes, mediante approvação d'este Jui-

zo, sob condição de recolher trimensa1mente na

Collectoria o producto do que perceberem, sob

titulo d'empréstimo dado ao Governo, conforme

as leis em vigor, á fim de formar seu pecúlio.

que 1 hes possa prestar uti1 idade, quando se

emancipem, tratando-os, em suma, como um bom

pae trataria os seus filhos.

Esta regra deverá prevalecer na tutoria e cu­

radoria dos ingénuos menores, orphãos, e por


80

isso aqui a consigno, mandando que seja inti-

mado ao tutor para seu fiel cumprimento.

Ytú 11 de junho de 18tí8

FREscobar.

O Meritissimo Juiz de Direito e Órfãos da Co-

marca de I tu, Dr. Francisco Ribeiro d' Escobar, redigia suas

sentenças de modo deta1hado, e jamais cansava-se de frisar

adequadamente os deveres dos tutores. Tendo atuado em sessen-

ta e seis dos cento e nove processas estudados para a cidade

de Itu, Escobar sempre primou por sua clareza e por um exer-

cicio literal dos deveres da Justiça. Este juiz. que foi des-

crito posteriormente como tendo idêias conservadoras43, cha-

mou-nos a atenção para o caráter do vínculo tutelar.

Ao elaborar a sentença acima transcrita s Esco-

bar interpretava sua comunidade e a sociedade a que perten-

cia, de um modo bem claro e esquemático, onde cada um possuía

seu lugar, conforme seu sexo ou condição social, assim, os

ingénuos deveriam ser educados como pupilos, urna vez que ha-

viam nascido livres. Inclusive porque, com a chegada da eman-

cipação, os negros passaram a ser regidos pela legislação co-

mum, revogando-se os estatutos do elemento servil. Entretan-

to, as crianças negras deveriam ser tratadas como crianças

pobres que eram, seu aprendizado deveria restringir—se às

"primeiras letras", isto é, apenas ler, escrever e as opera-

•”= MRCI/MP/USP. Arquivo Judiciário. lo ofício. Caixa 133.


Doc. No 17. 04.Jun.1888. Fls. 3-3v.
■q-:s
NARDY FILHO, Francisco. A cidade de YtU, a I X X n Crónicas
Históricas. São Paulo, s.c". p., 1950. p.71-3.
81

çdes matemáticas mais elementares. Freqílén temente, alguns ju-

izes determinavam também o ensino de um ofício mecânico qual-

quer, para os meninos, e as prendas domésticas para as meni-

nas.

A -função do tutor s para Escobar e para muitos

outros juízes à sua época 5 era a de um segundo pai ou padri-

n ho, que deveria zelar da educação e do bem estar de seus pu­

pilos; se estes possuíssem bens, deveria administrá-los e

prestar contas regularmente de sua gestão 5 a fim de preservar

o património de seus tutelados. Quando um menor de posses

perdia seus genitores, nomeava-se um tutor que deveria repre-

sentá-lo no consequente inventário, independentemente da e-

xistência de paren tes dispostos a assumir os encargos da

criação e educação desse menor. A tutela representativa tam-

bém chamada de tutela "ad hoc II poderia ser exercida por um

estranho, pelo genitor sobrevivente ou por qualquer parente

habi1i tado; entretanto, no caso do tutor também possuir inte-

resses no inventário a ser acompanhado, os juízes preferiam

nomear, para tal fim, a pessoas ligadas ao exercício da Jus-

tiça, ou se j ct, solicitadores44 ou advogados.

E, no entanto, a grande maioria das crianças

tuteladas entre 1871 e 1895, nas cidades de Campinas e Itú ’ |

eram pobres. E não apenas pobres mas sim paupérrimas; eram

vítimas do abandono ou da orfandade, ingénuos, 1ibertos, f i-

lhos de imigrantes europeus, filhos de trabalhadores livres

solicitadores eram chamados os auxiliares dos advogados,


eram estudantes de Direito, ou pessoas com o curso incon-
cluso; possuíami poderes para representar em Juízo e exer-
cer algumas funções no meio jurídico.
82

nacionais, suj eitos pobreza de uma situação marginal. Dos

seiscentos e oito menores tutelados, quatrocentos e nove na

cidade de Campinas e cento e nove em I tú , apenas setenta e

trés- desses menores, receberam tutores "ad hoc" , ou sej a,

possuiam bens significativos. Os outros menores, em sua abso-

luta maioria, eram tão pobres que teriam que ser assalariados

1ogo aos doze anos, para não constituir-se em maior ónus aos

tutores.

Se os menores órfãos eram tão pobres, se só

traziam despesas, por que então o interesse constante de al­

gumas pessoas em tutelar?

Em alguns C3SOS q a inicativa de requerer a tu-

tela parte de parentes próximos como irmãos ou tios, paren-

tes por afinidade, como cunhados ou padrastos, ou pessoas li-

gadas aos menores, como padrinhos !> madrinhas ou outros prote-

tores. Messe caso, consideramos que os menores, em que pese

as condições desconhecidas de suas vidas 5 teriam permanecido

no seio de suas familias.

Mas havia os outros casos...

E a SStlEíS 5 a fala do Curador Geral de Órfãos

de Itúi, o Dr. Pinto de Toledo, poderá definir mais adequada-

mente:

"Entendo que Cândido de Siqueira, como diz o

Snr. Capm. Agostinho, é homem muito honrado e

bom pai de fami1 ia; porém, é muito pobre, &

isso difficultará o desempenho do cargo de Cu-

rador da menor Anna. Entretanto, attendendo a


83

que geralmente as pessoas que sao incumbidas

da tutela das menores de côr temnas mais como

criadas do que como pupillas, são antes pa-

tròes do que tutores; e attendendo mais a que

o Mestre Cândido, apesar de sua pobreza, por

ser tio da menor em questão e ter-lhe amizade,

empregará esforços para desempenhar bem o car-

go de que se o trata de investir, sou de opi-

nião que se o deve de nomear para tutor da me-

nor Anna.

Ytú , 14 de Fevereiro de 1888.


0 Curador Gal. Pinto de Toledo. "4!s

Tratava-se do caso de uma adolescente ingénua,

órfã, que teve a tutela requerida por seu tio, mestre Candi-

do, um liberto estabelecido como mestre de oficio, embora tal

oficio não tenha sido dado a conhecer durante o processo mas

que gozava de boa reputação. Perguntando-se ao Curador Geral,

se a jovem Anna poderia continuar a viver em conpanhia de seu

tio, nomeando-se este para tutor, o Curador respondeu como se

vê acima. E assim, o juiz Escobar nomeou Mestre Cândido para

tutor de sua sobrinha.

Nem todos 05 processos tiveram "finais feli-

zes" como esse. O parecer do Curador Geral Pinto de Toledo é

bem claro ao declarar que os tutores costumam explorar seus

tutelados pobres e negros em todos os sentidos. Mas, será que

■*» MRCI/MP/USP. Arquivo J ud i c i á r i o. lo Oficio. Caixa 13-3.


Doc. No 03. 10.Fev.1888. Fls.5.
84

podemos constatar essa exploração de outro modo que não o

discurso dos processos?

Uma das maneiras que idealizamos para conhecer

melhor as condições e identificar de modo mais categórico aos

menores envolvidos nos processos, foi codificar seus dados

pessoais e organizá-los em tabelas A tabela a seguir separou

os menores por idade e por sexo, sendo que, em alguns proces-

SOS , esses dados não encontravam-se disponíveis com exatidão,

e assim optamos pela designação "ignorado". Nos duzentos e

quarenta e sete casos em que a idade dos menores não foi es-

pecifiçada. preferimos realizar uma projeção dos dados obti-

dos nos outros processos, como pistas sobre suas idades.

Assim, como veremos a seguir, duzentos e qua-

renta e sete correspondem a 40,637. dos seiscentos e oito me-

nores pesquisados. Os restantes 59,377., equivalentes a tre-

zentos e s e s s enta e um menores, foram distribuídos conforme

as tabelas que se seguem.


85

Tabela no l^-*

Sexo

I dade Feminino Masculino I gnorado TOTAL

0 a 2 ctn os 8 10 0 18
3 a 8 anos 61 37 1 99
9 a 12 anos 81 46 O 127
13 a 21 anos 54 62 1 117
Ignorada 109 135 3 247

TOTAIS 313 290 5 608

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

Tabela no 2

Idade Número Percentagem (X) J

0 a 2 ânos 18 2,96
3 a 8 anos 99 16,28
9 a 12 anos 127 20,89
13 a 21 anos 117 19,24
Ignorada 247 40,63

TOTAIS 608 1007.

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

•M«S> Os dados para a elaboração de todas as tabelas referentes


aos processos de tutela foram obtidos nos seguintes arqui­
vos! Arquivo do Centro de Memória da UNICAMP (doravante
conhecido como Arq. CMU), onde foram consultados trezentos
e oitenta e um processos , referentes a quatrocentos e no-
venta e nove menores; e Museu Republicano "Convenção de
Itú" (doravante conhecido como MRCI/MP/USP), onde foram
consultados noventa e cinco processos, referentes a cento
e nove menores,, em um total de quatrocentos e setenta e
seis processos. referentes a seiscentos e oito menores.
86

Tabela no 3

I
I dade Número Percentagem (7.)

0 a 2 anos 18 5,00
3 a 8 anos 99 27,42
9 a 12 anos 127 35,18
13 a 21 anos 117 32,40

TOTAIS 361 1007.

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

0 que deduzir desses números?

Observando-os bem, podemos perceber pela Tabe­

la no 3, que a faixa etárea considerada produtiva, isto é,

dos nove aos vinte um anos, engloba 67,587. dos menores tu-

telados, ao passo que a faixa etária lactente e impúbere, is-

to é, de zero a oito anos, engloba 32,427. dos menores. Es-

tes dados, obtidos nos processos onde a idade dos menores foi

especificada, deixam perceber um interesse maior pela tutela

de menores em idade de aprender e desempenhar um oficio. Por

outro lado. nos processos onde não foi especificada a idade

dos menores, outras informações levaram-nos a deduzir que uma

boa parte destes encontrava-se entre os oito e os treze anos

de idade, distribuindo-se, assim, através das três faixas e-

táreas mais consideráveis, nas tabelas acima. Isto posto,

passamos a considerar a amostragem apresentada na Tabela no

3, como uma projeção do universo pesquisado, incorporando os

menores de idade desconhecida em percentagens equivalentes às

encontradas para os menores de idade conhecida»


87

Será que o interesse suscitado pela orfandade

desses menores seria o mesmo, por parte dos "humanitários”

tutores, se a maior parte dos menores estivesse no período

1 actente , sujei tos a todo tipo de moléstias e requerendo os

cuidados de amas de leite, etc. ?

Esta é uma questão a ser considerada, uma vez

que, a maioria dos processos onde menores entre zero e oito

anos apareceram s foram acompanhados de irmãos nas faixas etá-

reas produtivas. Por outro lado. muitos desses menores perma-

neceram junto às mães ou às famílias enquanto em idade impú-

bere, cabendo ao tutor apenas a obrigação de zelar por seu

bem-estar físico e moral. Uma vez chegados à idade de receber

as primeiras letras e começar a aprender um ofício 5 ai então

o relacionamento com o tutor poderia mudar de figura.

Para facilitar a exposição de nossa pesquisa

formulamos as seguintes questões:

la - A quem interessava tutelar?

— 2a - Como eram recebidas as tutelas pelos menores e suas

famí1 ias, no caso de não tratar-se de órfãos?

- 3a - Pode uma atitude humanitária constituir um disfarce

para outros interesses?

A partir destas três questões e analisando o

discurso de alguns processos mais relevantes, procuraremos

entender melhor as atitudes dos tutores s dos juízes e das fa-

mi 1 ias. Nesse sentido , p r o cu ra remos identificar as reações

dos ingénuos e suas famílias escravas ou libertas, a f i m d e

identificar o impacto que o fenômeno tutelar ocasionou na


88

formação e na so b r ev i vên c i a das famílias negras estudadas.

Finalizando, pretendemos analisar o fenômeno tutelar a partir

da sociedade em que se desenvolveu e procuraremos entendê-1o

a partir das percepçòes e premissas dos principais envolvidos

nos processos pesquisados.

Pois bem, então, a quem interessava tutelar?

Quem eram esses tutores? Alguns eram tios, irmãos, c u n h a d o s ,

padrastos ou padrinhos dos menores órfãos ou semi-órfãos. □u—

tros eram comerciam tes, funcionários públicos, lavradores (e

essa categoria inclui tanto sitiantes, quanto grandes fazen-

deiros), so1i ci tadores, etc. Quase todos dirigiam-se direta-

mente aos Juízes de Órfãos para solicitar a tutela dos meno-

res em questão. Em alguns casos, entretanto, o Curador Geral

dos Órfãos, indicava a existência de um menor necessitando de

tutor, e indicava a pessoa seu entender - mais adequada

a exercer a tutela.

Como é que o Curador identificava esses ór-

fãos? Acreditamos que, do mesmo modo que alguns candidatos a

tutor apresentavam-se perante os Juízes outros faziam-no pe-

rante os Curadores considerando que uma indicação do Curador

poderia ser meio caminho andado para a nomeação de tutor. Al —

guinas vezes, os candidatos a tutor eram chamados pelos Juízes

a "justificar", isto ê, provar mediante testemunhas que tra-

tava-se de pessoas idóneas para desempenhar as funções da tu-

tela» Tal era o caso de mães viúvas ou abandonadas que dese-

jassem exercer a tutela de seus filhos.

Durante o período de 1871 a 1888, houve pouco


8?

interesse em tutelar os pequenos ingénuos, ao passo que a tu-

tela de menores livres pobres permaneceu constante. Algumas

circuns tân c ias contribuiram para a incidência de um aumento

no número de tutelas em determinados anos. E o que se pode

concluir das tabelas a seguir.

Tabela no 4

A CONDIÇÃO
N
0
Ingénuo Liberto Livre Estrangeiro

187.1 0 0 1 1
1872 0 O 1 0
1873 o 1 16 .1
1874 o 0 12 0
1875 o 3 17 0
1876 o 5 29 o
1877 o 2 24 3
1878 1 0 33 0
1879 1 3 17 1
1880 3 3 12 0
1881 0 1 15 1
1882 1 2 23 5
1883 1 1 25 O
1884 O O 6 0
1885 1 0 8 2
1886 6 O 6 O
1887 3 0 14 1
1888 72 1 39 0
1889 10 0 33 5
1890 7 o 7 1
1891 5 o 5 0
1892 1 o 6 1
1893 4 1 20 8
1894 2 0 26 4
1895 2 0 29 5

; TOTAIS ! 120 23 424 39

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Histórico "Convenção de Itú".

Total : 606 menores, aos quais deveremos somar dois menores de


90

condição desconhecida que foram tutelados durante o

ano de 1888, e assim teremos os seiscentos e oito me-

nores pesquisados.

Tabela no 5

CIDADE
CONDIÇÃO TOTAIS

Campinas I tú

Ingénuos 71 49 120
Libertos 22 1 23
Livres 365 59 424
Es t rang ei ros 39 0 39
Ignorados 2 0 2

TOTAIS 499 109 608

Fonte; processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

Observando a T abela no 4 , torna-se evidente

que o ano de 1888 foi decisivo para os ingénuos e suas famí-

1 ias, quanto ma is não fósse pelo fim da escravidão, podemos

constatar que setenta e dois ingénuos foram tutelados durante

esse ano. Isso representa 607. de todos os ingénuos tutelados

durante o período estudado, isto é, entre 1871 e 1895. Será

que o abandono e a orfandade aumentaram drasticamente durante

esse ano? Ou será que os proprietários, vendo-se na iminência

de perder a mão de obra escrava, preferiram tutelar os

ingénuos, a fim de conservar sua posse?

Essas são questões complexas. Tudo parece in­

dicar que os propr i etár i os escondiam-se na pele de tutores-


9.1

para continuar explorando os ingénuos. Entretanto, isso nos

leva a recordar a segunda questão proposta acima: como eram

recebidas as tutelas pelos menores e suas famílias. no caso

de não tratar-se de órfãos?

Para responder a essa questão, escolhemos qua-

tro processos de tutela, onde a reação dos menores e de suas

famílias ficou evidenciada de modo mais categórico. Ana 1isan-

do estes processos, procuraremos, do mesmo modo, fixar os ar-

gumentos de nossa dissertação.

Em 03 de fevereiro de 1888, José Theotonio de

Araúj o, farmacêutico residente no "Salto de Ytú H 5 deu entrada

a uma petição, no Juízo de Órfãos da Comarca de Ytú, solici-

tando a tutela da ingénua Candida, de doze anos, filha de 1.5e

ned i cta, escrava, sendo o processo apreciado em apenas seis

dias. Em 09 de fevereiro de 1888 Araújo recebeu uma sentença

positiva do Juiz de Órfãos e tornou-se tutor de Candida,

"compromettendo-se a satisfaser a alimentação a educação e

vestuario" da menor. Acompanhando os pormenores deste proces-

so, poderemos perceber algumas relaçóes familiares para além

da percepção senhorial e às vésperas do treze de maio.

Sendo autuado no mesmo dia 03 de fevereiro o

processo foi remetido ao Curador Geral Pinto de Toledo para

aná. 1i se. Seu parecer, emitido em 04 de fevereiro, diz O s?©

guinte:

"E de necessidade nomear-se tutor á ingénua

Candida, uma vez que ella seja órfã; porém,

segundo Pereira de Carvalho .« Processo Orphano-


92

1 og i co , 129 no 5 e Ribas, on s . das Leis cio

Processo Civil notas ao Art. 923, o suppte.

não pode ser nomeado tutor. visto como são i-

nhábeis os [sic] voluntariamente se offerecem

para servir D cargo de tutor. 0 suppte. que

indique uma pessoa que possa desempenhar cons-

cientemente o referido cargo. E o meu pare­

cer./Ytú, 4 de fevereiro de 1888./O Curador

Geral Pinto de Toledo/Em tempo. Creio não ha­

ver disposição legislativa que sancione o pen-

sar d"esses escriptores. Esc est supra./Pinto

de Toledo. "^"z

Para emitir esse parecer o Curador Geral con-

sultou duas obras, de outros juristas, comentando a legisla-

ção de órfãos e sua aplicação. Essa tem sido uma política co-

mum entre os profissionais do Direito, ao longo dos tempos. A

existência de compiladores e comentaris-tas para as diferentes

áreas de 1eg is1 ação, tem auxiliado não apenas aos curadores,

mas também aos advogados e juízes 5 no embasamento para a ela-

boração de processos e emissão de sentenças e pareceres. A

atitude de Pinto de Toledo, enquanto Curador Geral, revela

seu cuidado no exame da petição em questão. Entretanto, ape-

sar de ter elaborado seu parecer conforme a praxís de sua á-

rea, o Curador não parece ter ficado muito convencido da acui

dade dos comentaristas para o assunto em questão. Assim, pa­

ra expressar sua opinião pessoal, acrescenta um "em tempo" ao

tt a

JJ.-7
MRCI/MP/USP Arquivo Judiciário. lo Ofício. Caixa 133.
Doc. No 01. 0-3. Fev . 1888.
93

parecer, contrariando a opinião dos comentaristas legais, e

tornando o próprio parecer bastante dúbio e inconclusivo.

Talvez, em virtude dessa dubiedade, possamos

explicar que em sete de fevereiro, o Juiz Francisco Ribeiro

d ' Escobar nosso velho conhecido tenha chamado José The-

otonio de Araújo a sua C -ã cK para prestar informações sobre o

caso. Disso seguiu-se um depoimento bastante revelador:

"O Juis passou a fazer-lhe perguntas sobre a

matéria requerida, ao que respondeu que a ma-

nor Candida é filha de Benedicta que foi es­

crava de? Francisco Fernando de Barros, e tem

dose annos de idade em consequência do que é

ingénua; que o dito Francisco Fernando de Ber­

ros vendeu-a a mencionada Benedicta a um pa-

rente de Antonio Narciso, cujo nome ignora.

acompanhando-a a mesma menor menor [ s í c ] , mas

este comprador vendeu-a posteriormente a Bene­

dicta á terceira pessoa deixando entretanto a

ingénua consigo. A ingénua refere que era mal­

tratada na CcrtScà onde se achava em consequência

do que acompanhando uma leva de negros fugidos

procurou no Salto a casa de Cesario, ex-escra-

vo do referido Francisco Fernando de Barros,

seu padrinho, pedindo proteção. o qual sabendo

que o dito parente de Antonio Narciso procura-

va leval-a amarrada exigindo cerca de cem mil

reis pelo tempo de serviço que a mesma tem de

prestar, dito Cesario pediu á elle respondente


94

que fisesse um requerimento reclamando a acçào

benefica do Juis de Orphãos á vista do que foi

a petição inicial na qual por mera humanidade

propõe-se a servir de tutor sem que tenha o

menor interesse pessoal em exercer semelhante

cargo, porquanto respeita em onus pesado vis-

to a menor não ter habilidade alguma para o

traba1ho. Disse mais que o padrinho da menor é

ferreiro, traba1hador e honesto, mas que não

sendo casado, j uIga-se inhabilitado para ter

em sua companhia a mesma menor. E para constar

manda o Juis lavrar este termo que assig-


ii -qe»
na. .

Estamos 1idando com um depoimento bem mais

rico do que as aparências poderiam revelar sob a linguagem

notarial do escrivão . 0 discurso de Araújo pressupõe uma sé-

rie de relações de parentesco, de compadrio, e um tipo de mo-

bilídade social, cu j a complexidade talvez ajude a entender

não apenas própria família negra. mas também as relações

entre escravos. senhores, 1ibertos e a saciedade civil das

últimas décadas do século XIX.

José Theotonio de Araújo era farmacêutico n"0

Salto de Ytú. Provavelmente um cidadão bem respeitável 5 se—

não, o liberto Cesario, simples ferreiro s não o teria procu-

rado para defender seus interesses junto ao Juízo de Órfãos.

n s

MRCI/MP/USP Arquivo Judiciário. lo Ofíco. Caixa 133.


Doc. No 01. 03.Fev.1888.
95

N u. n c a s a b e r e m o s o tipo de relação que ligava o farmacêutico

Araújo ao liberto Cesario, por outro lado. sabemos quais os

laços que ligavam Cesario à ingénua Candida e a sua mãe, a.

escrava Benedicta. Pertencentes ao mesmo plantei, de proprie-

dade de Francisco Fernando de Barros, em algum momento ante-

rior à época do processo Cesario e Benedicta podem ter sido

parentes distantes, próximos ou simplesmente amigos, mas de-

veriam ser próximos o bastante para que Benedicta cedesse a

Cesario o privilégio de batizar sua filha, Candida.

A relação de ccmpadrio colocava em jogo uma

série de obrigações que não podem ser ignoradas. Não foi por

mero acaso que a pequena Candida procurou ajuda na pessoa de

Cesario, seu padrinho n Não existe menção, durante o processo,

à existência do pai de Candida sua mãe foi vendida para fora

da cidade e ambas foram separadas 5 O CJ U. fô jt sob alguns aspec-

tos, seria ilegal; entretanto sozinha e maltratada, a menor

voltou-se para o sucedâneo natural de seus pais, em uma rela-

ção familiar, seu padrinho. E este, considerando suas respon-

sabi1 idades, não apenas recebeu a menor, como também cuidou

de conseguir as salvaguardas legais para protegê-la da situa-

ção em que se encontrava. Na falta de seus pais naturais 5 Ce-

sario tornou-se a única t-AHILIA de Candida.

Mas esse é apenas um dos aspectos revelados

pelo depoimento de Araújo. A trajetória da própria menor cha-

ma-nos a atenção; sua fuga, bem ousada, considerando sua pou-

ca idade, revela um conhecimento bastante preciso da situação

em que se encontrava. 0 ano de 1888, às vésperas da abolirão.

parece ter sido marcado por um clima de instabi1 idade social


96

bem peculiar. Em que outro momento poderíamos encontrar levas

de negros fugidos perambulando pela região, aparentemente im-

punes? modo como a criança juntou-se à leva, que a conduziu

junto ao seu padrinho, permanece desconhecido para nós. En-

tretanto, revela, senão a existência de laços de solidarieda-

de bastante sólidos entre os negros à procura de sua liberda-

de, quando muito a união que brota da necessidade.

Cabe-nos ressaltar, ainda, o conhecimento que

todos os envo1vidos no caso apresentaram sobre a estrutura

j udiciária, e dos direitos que lhes assistiam. A época. mui-

tos escravos possuíam o conhecimento efetivo das concessões

obtidas através da Lei número 2040, de 28 de setembro de

1871, que libertou as crianças nascidas a partir dessa data j

bem como e s t a be1e c eu condições legais para as alforrias

med i an te pecú1i o ou prestação de serviços. Entre outros as-

pectos essa lei previa uma indenização para os proprietários

das escravas que dessem à luz dai por diante, mas estipulava

que mães e filhos não poderiam ser separados através da ven-

da. Ora, o proprietário de Benedicta, o tal parente de Anto-

nio Narciso f que não foi identificado, separara mãe e filha,

ficara com a criança e ainda exigia uma indenização que não a

prevista pela lei , atitudes completamente ilegais. Uma vez

acionada a engrenagem do Judiciário, esta personagem evapo-

rou-se do processo, procedimento que não seria de esperar-se

se suas reivindicações fossem conseqdêntes, ou se se tratasse

de um período menos conturbado socialmente.

Po r ou t r o lado, Cesario deveria saber que, so—

z inho, poucas chances teria de resolver o problema de sua. a-


97
f i 1hada. Assim, procurou o farmacêutico Araújo, figura apa-

rentemente idónea, que poderia, ao mesmo tempo, atestar a ho­

nestidade do próprio Cesario. Araújo procurou deixar claro

que nenhum interesse monetário o estava movendo a solicitar a

tutela da menor, para tanto desqualificou-a "visto a menor

não ter habi1 idade alguma para o trabalho". Pois bem, uma

criança de doze anos que empreendeu uma fuga para outra cida-

de, s e n d o bem sucedida, e conseguiu acionar um tal aparelho

para livrar-se de uma situação que lhe era penosa, não parece

ser inútil ou inhábi1! Fica-nos claro que Araújo procurava

defender-se de qualquer acusação de interesse que pudesse

ser-lhe imputada. Finalmente, tendo conseguido a tutela de

Can d i d a, é bem provável que Araújo facilitasse a convivência

desta com seu padrinho. e assim, Candida teria conseguido e-

xatamente o que viera procurar junto a Cesario: o reatamento

de seus laços familiares.

Lamentave1men te, as vozes de Candida e Cesario

não transparecem do processo. Rodemos encontrá-las meio que

filtradas pelo discurso do farmacêutico Araújo, mas mesmo es-

te foi fixado no papel através das percepçóes e da linguagem

do escrivão. Entretanto, uma vez analisados esses filtros,

conforme procuramos fazer, algumas atitudes de cada um dos

protagonistas do processo, pareceram-nos tornar-se mais cla-

ras.

n tt

As premissas para a identificação e análise dos " f i 1tros"


existentes nas fontes vieram de;
GIN Z B U R G, Cario. D quei j o e os vermes, o cotidiano e as
idêias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São
Paulo, Companhia das Letras, .1987.
98

0 intercurso de escrivães, solicitadores e ad-

vogados, m e d i a n d o e normatizando o discurso dos agentes his-

tdricos, nos processos examinados, dificulta-nos a percepção

des pontos de vista desses agentes; antes fornece-nos a per­

cepção que deles era feita, no âmbito de sua interação so-

ciai , pelos instrumentos da Justiça. Entretanto, mesmo esse

tipo de percepção pode ser filtrada. A habilidade para sobre­

viver e interagir socialmente com as instituições jurídicas,

em di feren tes instâncias, proporcionou a alguns libertos a

possibilidade de conservar suas famílias. Essas estruturas

fami1iares, em si, podem ter-se tornado, assim, em instrumen-

to para a sobrevivência desses mesmos 1ibertos, não apenas no

sentido psicológico, ÍTictS também no sentido monetário.

Este pode ter sido o caso de Gonçalo do Lago,

liberto residente em I tú, e de suas "sobrinhas" Petronilia e

Isaura. Em 20 de julho de 1893, já extinta a escravidão por-

tanto, o liberto Gonçalo deu entrada a uma singular petição:

"Diz o abaixo assignado que, tendo creado com

so.lieitude de pae, a duas meninas Petronilia

e Isaura, a la com 15 pa 16 annos de idade e a

2a 12 Pã. 13, primas irmãs de sua mulher f i-

lhas de Anna Francisca que, fallecendo a 17 de

junho do corrente armo, recomendou-1he em ar-

tigo de morte, as suas duas filhas, soube ter

o Snr. Carlos Engler !> morador no sitio de cul™

tura de canna denominado - Piratinguy requeri-

do a Va Exa a sua tutoria para as duas meno—

res; mas por meio desta vem respeitosamente


99

ponderar a V. Exa que comquanto seja um homem

de côr preta, tratou as meninas desde sua in-

f ân c i a , como verdadeiro pai 5 tanto que deu-

lhes educação tanto quanto em sua força esta--

va, mandando-as escola (sabem ler e escre­

ver ) ; e por estas razdes vem respeitosamente

pedir a V. Exa se digne dar-lhe a tutoria des­

sas duas orphãs, podendo o suppte» apresentar

atestado de pessoas gradas de sua idoneidade

para bem desempenhar esse cargo» Acresse a-

inda a circunstancia de que as orphãs, sabendo

que iam ficar sob a tutela do Snr. Carlas En-

gler, reluctaram e de modo algum querem acom-

panhar seu tutor na fazenda» As orphãs estão

trabalhando em casas de familia, a la na casa

do Snr. Francisco Mariano da Costa Sobrinho e

a 2a na casa do Snr. Thomaz de Aquino perce-

bendo ordenado correspondente ao seu trabalho»

O supplicante // é operário das officinas da

Companhia Ytúana e tem salario sufficiente pa-

ra tractar das menores / Nestes termos pede

Justiça a Va Exa e / E. R. Mce. / Ytú, 20 de

julho de 1893. / Gonçalo do Lago."®0

Percebemos aqui algumas diferenças, mas trata-

-se de uma história de vida tão significativa quanto a que

envolvia Cesario e Candida. Gonçalo, ao contrário de Cesario,

MRCI/MP/USP Arquivo Judiciário. lo Oficio. Caixa 144»


Doc. No 09» 20.Jul.1893. Fls. 2-2v.
100

considerou sua própria posição su fieientenente forte para

procurar a Justiça. Tendo conseguido um parecer favorável do

Curador Geral Urbano Martins de Mello, conseguiu também que o

dito Carlos (Teixeira) Engler desistisse de tutelar as meno-

res. Assim, no dia seguinte à autuação de sua petição 21 de

j u 1 ho tempo record considerando a proverbial morosidade da

Justiça brasileira -, Gonçalo prestou juramento como tutor de

ambas as menores e a sentença foi escriturada no livro cor-

respondente e o Juiz de Direito e Órfãos da Comarca, Dr. J osé

Rolim de Oliveira Ayres, considerou o caso encerrado.

A primeira vista, essa trajetória pode pare—

cer-nos simples entretanto, há alguns aspectos que merecem-

nos uma maior atenção. 0 solicitador que representou Gonçalo

do Lago perante o Juízo de Órfãos permanece incógnito, não

sendo nomeado cã O longo do processo. Todos os documentos que

exigiram alguma assinatura, receberam-nas do próprio Gonçalo.

Os termos da petição inicial, transcrita acima, permanecem

bem significativos. mesmo após mais de cem anos. 0 suplicante

Gonça1o, em momen to algum sup1i ca; trata-se (conforme foi

posteriormente atestado pelo Curador Geral) de um homem tra-

balhador, de profissão ferroviário, com as primeiras letras

em dia, ciente de seus direitos e, também, de suas obriga-

çòes. Nunca se poderá verificar, de fato, se Gonçalo vestiu o

hábito de "bom liberto", de "trabalhador ordeiro e morigera-

do" por livre e espontânea vontade ou se foi por pura pres-

são social, para fins de sobrevivência: "com quanto seja um

homem de côr preta" tanto pode ser considerado como uma afir-

mação indignada de cidadania, q u a n t o c c> m o u m bom exercício de


101

ironia...

0 que encontrava-se em jogo para Gonçalo, F‘e-

tron.il ia e Isaura? A estrutura familiar ou a sobrevivência

económica? Conforme estamos procurando demonstrar, uma não

poderia ser separada da outra com facilidade.

Podemos começar ana1isando a estrutura fami-

1 iar. 0 que vem a ser duas crianças "primas irmãs de sua mu­

lher"? De fato, significa que Anna Francisca, mãe de Petroni-

1 ia e Isaura era prima em primeiro grau da mulher de Gonçalo

(que não foi nomeada durante o processo). Podemos pressumir

que tanto Anna Francisca quanto suas filhas, residiam em ca~

sa de Gonçalo a um tempo razoavelmente considerável; senão

vejamos, o falecimento da mãe deu-se a 17 de junho e a entra-

da do processo em questão a 20 de julho do mesmo ano, o que

deixa o espaço de um més apenas para que Gonçalo pudesse cui­

dar das meninas, colocando-as na escola para ser alfabetiza-

das e conseguindo-1hes os empregos mencionados na petição i-

nicial .O:L Devemos convir que isso seria impossível em período

tão curto. ou então, o liberto teria mentido para conservar

as meninas em sua companhia. Ora, o parecer do Curador Geral,

aprovando a pessoa de Gonçalo, afasta a hipótese de alguma

mentira por parte deste. Assim, podemos deduzir que Anna

Francisca não veio ã casa de Gonçalo para morrer e sim, que

esta e suas filhas já lá residiam o tempo suficiente não a-

penas para ter estreitado seus laços afetivos transformando-

U R n

Í3X
MRCI/MP/USP Arquivo Judiciário. lo Ofício. Caixa 144.
Doc. No 09. 20.Ju1.1893. F1.2.
102

se em u m s. famí1i a, como também para ter-se tornado um fator

integrante da economia doméstica e, portanto, importantes pa-

ra a sobrevivência daquela unidade familiar.

Ao que sabemos, Carlos (Teixeira) Engler não

era apenas um plantador de cana. Político atuante na Camara

de I tú e filho de Carlos Engler, médico alemão bastante co-

nhecido na região, não parece-nos ter sido um adversário a

ser subestimado durante um processo judiciário. Sua nomeação

para tutor de Petronilia e Isaura, aparen temen te s deu-se em

surdina, uma vez que, logo que descoberto pela família das

menores, Engler desistiu da nomeação e evaporou—se do proces­

so, conforme acontecera ao parente de Antonio Narciso, no ca-

so da pequena Candida. Isso leva-nos a pensar que !> cinco anos

passados do treze de maio, a locação de mão de obra para a

lavoura devia ser, ainda, uma preocupação constante para al-

guns fazendeiros. A alternativa de tutelar crianças órfãs pa-

ra garantir o acesso a alguns anos de trabalho semi-gratui-

to”, pode ter tentado não apenas a Carlos (Teixeira) Engler,

mas a muitos outros ex-proprietários de escravos.®®

Outro fator a ser encarado é a relutância das

menores em acompanhar Engler à fazenda de cana. Devemos per-

ceber que, para além da separação familiar, isso implicaria

Uma vez que, em Itú, os Juizes costumavam arbitrar peque-


nos jornais (salários) para os órfãos pobres tutelados,
que deveriam ser depositados, a seu crédito, no Cofre dos
Órfãos da cidade.
S.3
Aqui jà não se trata apenas de uma procura por ingénuos ou
jovens libertos; houve também uma grande incidência de tu­
tela sobre os órfãos livres pobres.
103

em uma "queda" no regime de vida e no status de Petronilia e

Isaura. Com quinze para dezeseis anos e doze para treze 5 mui-

to embora assim nomeadas, já não se trata de crianças. As

duas jovens encontravam-se empregadas no serviço doméstico,

em casas presumivelmente respeitáveis, e residindo no núcleo

urbano da cidade de I tú. Uma transferência para o sitio de

cultura de cana Piratinguy, de Carlos (Teixeira) Engler po-

deria significar, não apenas a perda de uma série de privilé-

gios já adquiridos. mas também o incremento de um trabalho

conhecidamente braçal e massacrante e a convivência com pes-

soas desconhecidas ou inconvenientes, o que limitaria consi-

derave1mente seu círculo social e as possibilidades de união

ma t r i mon i a1. A recusa em acompanhar Engler, portanto, pode

ser en t. en d i d a , assim, nesses dois níveis.

Transparece de um modo bastante conclusivo

que, todos os envolvidos nesse processo sabiam muito bem, não

apenas o que .1 hes seria melhor, como também o meio jurídico

para obtê-lo, os intrumentos a ser acionados para tal fim e

os argumentos a ser usados, seus direitos enfim, e suas obri-

gaç&es. Do mesmo modo que Candida livrou-se de ser levada a-

marrada pelo parente de Antonio Narciso e passou a viver pró-

xima de seu padrinho Cesario Gonçalo do Lago conseguiu neu-

tralizar as intenções de Engler e salvar as meninas, que ha-

viam-lhe sido recomendadas " em artigo de morte11 por Anna

Francisca, da perspectiva de definhar na lavoura da cana. E

as famílias permaneceram.

Significativo, do mesmo m o d o , é o caso do a-

fricano Luis Bengue1a. Uma ligeira confusão de datas na au-


104

tuação deste processo, leva-nos a -fixar entre setembro e ou­

tubro de 1893 o momento em que o Curador Geral de Órfãos de

Campinas, Dr. J un i o Soares Caiuby, 11 cioso" de seus deveres,

descobriu a menor Benedi cta., de onze anos, residindo em C cí S-cí

do cidadão Joaquim Antonio Chaves, e 1evou o fato ao conheci­

mento do Juiz de Órfãos, com a recomendação de que o própria

Chaves fosse nomeado tutor. Assim foi feito, e Chaves foi ju-

ramentado, enquanto tutor, quase imediatamente. Em 23 de ou-

tubro de 1893, pouco depois surge a figura de Luís Benguela,

encaminhando a seguinte petição:

"Diz Luiz Benguela, affricano casado com Sa­

briela Benguela, que elle suppe. tem uma filha

legitima de nome Honoria, solteira Esta tem

uma filha natural de nome Benedicta de 10 para

11 annos, que o suppe. creou no sitio, onde

mora; ÍTf 3. S 8.Q O pela semana saneta, entregou-

a a mae afim de ser posta em escola.


Em maio a mae entregou a creança á senhora de

Joaquim Antonio Chaves, que a queria para fa­

zer-lhe companhia.

Entretanto, consta-1he agora que o mesmo Cha­

ves foi por indicação do dr. Curador Geral dos

Orphams nomeado tutor da menor. 0 suppe., ten-

do amor á sua neta ? quer servir-lhe de tutor e

como a tu te1a 1eg i t i ma, qual ê a do avô, deve

ser preferida à dativa, requer a Va Exa se

digne de destituir o tutor nomeado, juramen-

tando em seu legar o suppe.


105

E. R. Mce, / Campinas, 23 de outubro de 1893 /

A rogo do suppe. por não saber escrever / An-

tonio C. de Moraes Salles.®'*

Se, tanto Cesario quanto Gonçalo eram libertos

nascidos no Brasi1, o caso de Benguela já não é o mesmo. A-

fricano e analfabeto, entretanto, o avô de Benedicta parece

ter sido bem assessorado. Seu representante, durante o pro-

cesso, Antonio C. de Moraes Salles, ■foi bem sutil na elabora-

ção dessa petição, abordando alguns aspectos de suprema im-

portância para entendermos como Benguela conseguiu reaver sua

neta. Primeiro, ficamos sabendo que o casamento do africano é

1 eg i t i mo, assim como sua prole. Fator importante consideran-

do-se que o que está em jogo neste proceso é um lar para a

pequena Benedicta» Entretanto, logo depois ficamos sabendo

que a menor é filha natural de mãe solteira e, progressiva-

mente, vamos sendo induzidos a antipatizar com Honoria, f i 1 ha

de Benguela, que retirou a criança da casa dos avós para co­

locá-la na escola e, ao contrário, dei xou-a em uma casa de

f a m i 1 i d , onde 1 ogo se deu uma tentativa de apropriar—se da

tutela da pequena. O texto de Moraes Salles provoca a nossa

solidariedade em relação a este pobre avô, que deseja reaver

sua netinha ao invés de deixá-la em poder de estranhos.

Explorada ou não, a permanência de Benedicta

junto à "senhora de Joaquim Antonio Chaves j que a queria para

fazer-lhe companhia II 3 não parecia recomendável. Fosse para

n a u

CMU/AH. TJC. lo Oficio. Caixa 307. Doc. No 5920.


07.0ut.1893. Fls.4.
106

serviços domésticos ou para pajem de algum doente talvez s o

certo é que «A pequena logo passaria a ser parte da unidade

doméstica dos Chaves, apesar de sua pouca idade» Voltar para

os avôs, no sítio onde fôra criada pareceu ao Juiz uma pers-

pectiva bem melhor, não apenas do ponto de vista da criança

mas também do ponto de vista legal. Assim, o Juizo de Órfãos

devolveu a criança a Benguela, nào sem antes ter sido neces-

sério intimar o reca1ci trante Chaves, que em novembro de

1893, ainda não consentira em separar-se de Benedicta.

Alguns processos começavam a partir da nomea-

ção do tutor e e>:tendiam-se 5 sendo retomados, amiúde 5 ao longo

dos anos. Esse é o caso de Thereza Elidia da Conceição j ovem

que foi liberta em 1883, via testamento, recebendo de Antonio

Francisco Leme Martins, seu ex-senhor, o legado de duzentos

mil réis (2005000)»»

For ser menor, Thereza só poderia receber es­

se dinheiro através de um tutor. Assim, o Juiz Queirós, nome-

ou Joao Baptista de Camargo Paes, para essa função. Uma vez

j uramentado, Paes retirou o legado, do qual foram descontadas

as custas processuais, ficando reduzido a apenas cento e qua-

renta e cinco mil e quatrocentos réis (1455400), não constan-

do do processo o local onde o dinheiro foi depositado.

Em 13 de abril de 1886 j o tutor pediu sua exo-

neração, a1egando que a menor havia fugido para a companhia

do pai. e indicou para substituí-lo a Francisco Ferreira Jor-

CMU/AH. TJC. 3o Ofício. Caixa 555. Doc. no 11502.


08.Maio.1883.
107

ge. Por essa época. era Juiz de órfãos o Dr. Baeta Neves, que

nomeou e juramentou Jorge imediatamente. Não houve qualquer

menção de localizar a menor ou conduzi-la à companhia de seu

novo tutor.

0 processo é retomado em 17 de outubro de

1889, quando Pedro Alexandre de Jesuz, cozinheiro e natural

da Bahia, identificando-se como marido de Thereza, solicita a

entrega do legado pertencente a esta, anexando sua certidão

de casamento como prova. Este pedido é negado pelo Juiz Baeta

Neves, alegando o seguintes

"Não tem logar o que requer visto não podia se

casar sem licença deste Juízo.

Camps. Esic] 23 de 8bro [sic] de 1889.

Baeta Neves"36.

Entretanto, parece bem evidente que o dito Ju­

ízo estava pouco preocupado, tanto com o paradeiro quanto

com o bem-estar da jovem Thereza, que tendo treze anos quando

do início do processo, deveria contar agora com seus dezoito

ou dezenove anos. Durante três anos de 1886 a 1889 a jo-

vém permaneceu em companhia de seu pai, tendo, inclusive con­

traído matrimónio, sem que o Juízo de Órfãos de Campinas

dignasse a tomar conhecimento. Nada consta do processo. in-

formando se c< Juiz Baeta Neves tomou alguma providência, no

sentido de anular a união de Thereza e Pedro, ou de devolver

esta à companhia do tutor nomeado !> apenas limitou-se a negar-

n n

=* CMU/AH. TJC. 3o Ofício, Caixa 555. Doe. no 11502


08.Mai.1883. p . 11.
108

lhe a entrega da legado.

F:‘edro Alexandre de Jesuz, o marido, procurou

en tão a assessoria profissional dos advogados João de Deus

Sampaio, Antonio Corrêa de Campos Mesquita •> e do solicitador

Orosimbo Maia. E foi este último quem redigiu e assinou a ex-

tensa petição que d eu prosseguimento ao caso. 0 documento

produzido por Orosimbo Maia constitui uma belíssima peça de

redação, raciocín io lógico e pesquisa em matéria legal 5 as-

sim, houvemos por bem transcrevê-1a na íntegra, como se se-

que.

"111 mc>. Snr. Dr. Juiz de Direito

Diz o Suppe. da petição inclusa, Pedro Alexan-

dre de Jesus [sícj, por seu advogado e procu-

rador abaixo assignado, que não tendo sido to-

m a d a em consideração por V. Sa. a mesma sua

petição, vem ma is uma vez reclamar contra o

mesmo despacho pedindo novamente haja V. Sa.

por bem reconsidera 1-o em face do direito e da

justiça e do [síc] vae expór.

A mulher do Suppe. nascida em 1870, vid doc.

no 1 , de paes captivos, cuja condição seguia,

foi liberta em testamento por seu ex-senhor

Antonio Francisco Leme Martins, que deixou-1he

o pequeno legado de que se trata, continuando

porém seus paes em sua infeliz condição.

Em face da legislação patria, não podia o pae

da mulher do Suppe. exercer o pátrio poder, em

virtude de sua condição servil, por isso foi


109

dado a mesma um tutor, não porque •fosse

orphan«

Perde o patrio-poder aquelle que perde //

<<os direitos de cidadão brasileiro, entre os

quaes se comprehendem os que requerem autori-

dade? do direito civi1, ca na a pat ri a p a der i

Frig. de Lons. E>ir. Civ. Braz . èè 34 e 90 no

2. >>

Ora, isso prova que em nosso direito o escra-

vo não tinha o pátrio poder j porquanto este se

comprehendia entre os direitos do cidadão,

qualidade de que carecia o captivo !■ e,

<<perdia tal poder ? quando reduzido a escravi-

dão, por qualquer das legítimas causas referi-

das na Ord. L 4o Tit. 63 èè 7 e 8, fugia e era

encontrado, tendo sob seu poder paterno um ou

mais filhos» F. Lons. // obr. cit. è 90 no

5. »

Liquidada assim a preliminar de que o pae es-

cravo não tinha o patrio-poder vejamos qual a

posição da mulher do Suppe. !» ao ser liberta»

Incidia ella sob a tutela pela incapacidade de

seu pae em exercer o pátrio poder:

<<Incidem sob a tutella todos os menores

(orphãos) que não tem pae 5 e as que est'àa fora

da acç'àa da pátria poder (o caso da mulher do

Suppe.) Lafayette Dir. de Fam. è 145.>>

Existe, portanto grande diferença entre

órphãos e aguei 1es que estão fora do pátrio


110

Boder, s i m p1esmente, por incapacidade do pae.

// Mas, se a incapacidade do pae para exercer

o pátrio poder provinha de sua condição escra-

va, por não ter os direitos de cidadão brazi-

leiro, es ta incapacidade desappareceu em vir­

tude da lei 13 de Maio [sic]. p- uma vez res-

tituida a sua liberdade, adquirindo e 11 e a

qualidade de cidadão e os direitos que 1 he

competem, entre os quaes se comprehendem os

que requerem sua autoridade do direito civil

co m o o pátrio poder, como diz o ci t. F r i g » de

Lon s, necessariamente voltou a mulher do Sup-

pe. para o pátrio poder, fiçando de nenhum ef-

■feito a tutella, que tinha sua unica razão de

ser na incapacidade do pae. Sublata causa to1-

litur effectus.

□ ra, assim sendo, obtido o consentimento de

seus paes, de nenhuma outra licença carecia

mais a mulher do Suppe. para se casar.

0 casamento effectuou-se depois de obtido //

esse consentimento, o qual o sogro do Suppe.

•faz publico e expresso pelo doc que apresenta

o Suppe. sob o no 2.

Ora, cessada a incapacidade do pae da mulher

do Suppe. para exercer sobre a mesma o direito

sagrado do pátrio poder; uma vez restituída ao

mesmo sua 1iberdade, pela Aurea Lei 13 de Maio

C s i c ] , em virtude da qual entrou elle para o

convivio de seus concidadãos, sendo-lhe consa-


111

grados os direitos que lhe competem; abrindo-

1he egua1mente, o caminho a todas as aspira-

ções que são dadas- ao homem livre em paiz li-

vre, porque, agora, quando deixa elle de ser

cousa, para adquirir todos os direitos ha de

lhe ser cerceiado esse como uma excepção,

que, como todos E ic] 9 chega a ser até odio-

sa?!.. . Porque ainda esse prolongamento da ne-

fanda instituição, que cahiu na consciência de

todos?!..

Em nome pois, do direito, da justiça e da li-

berdade, que se não perpetue esse prolongamen­

to da escravidão.

Assim, espera o Suppe. que V. Sa. reconside-

rando seu despacho, mande passar a favor do

Suppe. o mandado de levantamento requerido.

P. a V. Sa. deferimento, juntando-se esta aos

autos. / E. R. Mcé. / Campinas, 4 de Novembro

de 1889. / Orosimbo Maia. "csz

Seguiam-se à petição, os documentos necessá-

rios: a procuração constituindo os advogados, a certidão de

batismo de Thereza e uma certidão passada em cartório, onde

Elydio Ferreira, pai da jovem, declarava, sua concordância com

o casamento. De posse dessas razões finais, o Juiz Baeta Ne-

ves reformou seu despacho, concordando com as alegações do

solicitador. Refeitas as contas, o legado de Thereza chegava

n n a a

CMU/AH. TJC. 3o Ofício Caixa 555 Doc. no 11502


08.maio.1883. p. 12-14v.
112

a cento e oitenta e quatro mil e trezentos e setenta e nove

réis (184S379), em 5 de novembro de 1889. 0 último documento

do processo é exatamente o recibo de quitação, assinado por

Orosimbo Maia, no ato do recebimento.

Neste caso em particular, devemos à dramatici-

dade do solicitador, não apenas o resultado positivo do pro-

cesso, mas também o •fato de ter conseguido atrair a atenção

para o âmbito do Direito de Família. Toda a argumentação de

Maia, sobre o exercício do pátrio poder e a nomeação de tuto-

res, no caso dos escravos que possuíssem filhos livres ou li-

bertos, é bem pertinente. Mesmo após o fim do Segundo Reina-

do, alguns Juízos de Órfãos ainda recaicitravam em não consi-

derar os ex-escravos, como pessoas aptas à liderança de suas

famí1 ias, e preferiam privilegiar aos tutores. Os Juízes ti—

tulares, algumas vezes, precisavam ser lembrados com veemén-

cia, como neste caso, de que o país havia mudada e de que os

ex-escravos agora poderiam ser chefes de família.

Elydio Ferreira, na condição de liberto, pos­

suía a autoridade, conferida pelo pátrio poder, para concor-

dar com o casamento de sua filha. Mas, uma vez tendo sido es-

te realizado, competia ao marido de Ihereza zelar por seus

interesses. Provaivelmente foi por isso que Pedro Alexandre

de Jesuz dirigiu-se à Justiça, a fim de reaver o legado em

questão.

Entretanto, o fato da jovem ter fugido para a

companhia de seu pai e ali ter permanecido, consitui uma in-

terrogação. A aparente indiferença do Juízo de Órfãos quanto


113

ao paradeiro da menor, fica evidente, uma vez q u e não e x i s t. e

q u a 1 q u e r so 1 i c i t a ç ã o dos tutores nomeados para reaver There-

za, e nenhum mandado de busca e apreensão para ela foi emiti-

do, conforme seria de praxe.

Casos como estes foram mais freqdentes- do que

pode parecer, durante o período estudado, e constituem uma

das bases para as assertivas definidas nesta dissertação. Pa-

ra pensarmos a familia negra não bastam contagens estatísti-

cas. Para a 1 ém das percepções brancas. existiu todo um uni-

verso de relações perpassadas por uma necessidade premente de

sobrevivência, não apenas física, mas também psicológica. Ho—

mens como Cesario, Gonçalo do Lago e Luís Benguela !> pareciam

saber muito bem o que estavam procurando e a educação que de-

sejavam para os integrantes de suas unidades familiares. Lon-

ge de ter vestido o estereótipo social do "bom liberto" ou do

"negro de alma branca" y estes homens pareciam ter estado bem

cientes, tanto de seus direitos j unto ã sociedade civil,

quanto de suas obrigações enquanto pater fami1 ias f muito em-

bora não o fossem diretamente, nos processos em questão.

E, no entanto, uma boa parte dos processos

consultados não apresenta resultados tão efetivos, ou reações

familiares tão indignadas e eficientes. Muitas crianças li-

vres pobres ingénuas e libertas, foram removidas de seus la-

res, sem qualquer reação, sob as alegações de maus costumes

e/ou. vícios, ou a excessiva pobreza de suas famílias. Nesses

casos, a situação de desamparo das próprias familias parece

ter impedido qualquer providência no sentido de reaver legal-

mente seus pequenas. Em alguns casos, parece ter havido a op-


114

ção pela fuga para outros municípios, onde os menores e seus

responsáveis fossem poucos conhecidos.

A extrema pobreza também foi o argumento em-

pregado por algumas mães viúvas, ao entregarem seus filhos à

tutela de "pessoas gradas". Nos casos envolvendo alguns li-

bertos, houve a procura dos antigos senhores para que fossem

os tutores dos menores.Í3Í3 E, nesses casos, podemos ensaiar

uma explicação. Após o treze de maio, muitos libertos viram—

se subitamente sem moradia, alimentação ou vestuário, obriga­

ções que, anteriormente, pertenciam a seus senhores. A possi­

bilidade de sobrevivência, tendo de responsabilizar-se por

uma ou mais crianças, seria bem pouca. Assim, a procura aos

ex-senhores pode ter parecido um recurso bem natural a esses

1 i bertos, uma vez que a liberdade não lhes trouxera (em mui-

tos casos) nem a independência e nem a auto-suficiência.

Para responder à terceira questão, ou seja, se

uma atitude humanitária pode constituir disfarce para outros

interesses, devemos considerar o que já foi exposto até ago-

ra.. E bem provável que os tutores dos processos estudados !»

tivessem uma auto-imagem de humanitarismo e benemerência. A-

f ina 1 , A alternativa da miséria, da orfandade e do abandono,

alguns acreditavam oferecer a possibilidade do aprendizado de

um ofício e longos anos de trabalho árduo e honesto 9 "confor-

me a vontade de Deus". Discernir daí o que poderia ser boa

vontade, do que seria pura exploração. constitue uma tarefa à

qual talvez as fontes não permitam um bom termo.


«NMNattMlINIIMWaKMNItlIUMNMnaa

MRCI/MP/USP Arquivo Judiciário. lo Ofício. Caixa 133.


Doc. No 23. 09.Ju1.1888. e Doc. 25. 24.Ju1.1888.
3.3. Na família: sobrevivência.
1.16

Em vista do que foi exposto, podemos aventurar

a 1 gumas considerações, sobre o procedimento dos libertos na

constituição de suas f amí 1 ias . Em primeiro lugar, devemos

refletir sobre as diferentes reações ao estabelecimento do

vinculo tutelar; em segundo lugar, chamamos a atenção para a

faixa etárea de interesse dos tutores; e, finalmente, em ter-

ceiro lugar, salientamos a precariedade e extrema pobreza de

uma boa parte dos lares em foco. Esses três fatores poderão

ajudar-nos a entender melhor o que estava ocorrendo às famí-

lias negras e, em parte, às famílias pobres à margem da eco—

nomia capita1 ista.

No que se refere às reações suscitadas pelo

vínculo tutelar, conforme pudemos observar anteriormente,

houve uma variação considerável. Variação esta que acredita-

mos, poderá ser melhor ava1iada observando a situação e-

conômica das famílias em foco. Muito embora socialmente mar-

ginalizados, alguns libertos conseguiam prosperar dentro das

limitações que lhes eram impostas. Tal é o caso de Gonçalo do

Lago e de Césario, que possuíam emprego e ofício s e de Luiz

Bengue1a, que estava de posse de um pequeno sitio, não sabe-

mos se de sua propriedade ou arrendado. Essa relativa segu-

rança económica talvez tenha permitido o acesso à Justiça e

a possibilidade da manutenção de seus lares.

Por outro lado, a idade dos menores também de-

ve ser 1evada em consideração. Adolescentes e jovens, de um

modo geral, além de menos dependentes dos cuidados maternos

encontravam-se nas condições de contribuir de modo significa-

tivo para o equilíbrio financeiro de seus lares. A necessida-


117

de pode ter 1evado muitos libertos a reforçar certos laços

f ami1iares, muito embora a sociedade não percebesse ali fami-

lia a1quma«

Rodemos aventurar a hipótese de que o poten-

ciai de permanência de uma determinada unidade familiar pode­

ria depender dos três fatores acima citados. Assim, famí1 ias

excessivamente pobres, com várias crianças em faixas etâreas

impúberes, estariam fadadas a necessitar apoiar-se nos víncu-

1 os com seus antigos senhores, para assegurar alguma sobre-

vivência; ao passo que familias um pouco melhor estabeleci-

das, contando com menores em faixas etáreas mais produtivas,

estariam mais habilitadas a “viver por si", dispensando o au-

xí lio de seus ex-sen hores e, até mesmo, insurgindo-se con t ra

qualquer interferência externa em seu cotidiano.

Se, como vimos, uma boa maioria dos menores

t. u t e 1 a d o s e s t. a v a nas faixas etáreas produtivas, longe de es-

tar prestando algum auxilio às familias pobres, os "beneméri-

tos" senhores de Campinas e Itú, poderiam estar privando al-

gumas familias de vários de seus sustentáculos. Ao invés de

ter "uma boca a menos a alimentar", algumas familias poderiam

estar perdendo o concurso de alguns mil-réis em seu j á "mir-

rado" orçamento. A própria precariedade de sua situação impe-

diria, de qua1quer modo, o acesso à estrutura do Judiciário,

para reagir a essa "expoliaçào".

Do mesmo modo, parecer ter ficado evidente dos

números apresentados, que a pobreza n'ào se constituis em mo­

nopólio dos libertos. Como pode ser observado á tabela no 5,


118

à página no 90, em Itú o contingente de menores livres pobres

tute1ados, ultrapassa em pouco menos de 107. o número dos

ingénuos, ao passo que em Campinas a discrepância desses nú-

meros beira os 3007.. Será que o número de •famílias livres po-

bres de Campinas era tão maior que o de Itú? Ou, invertendo a

questão, s-e r a que o número de ingénuos per capita era maior

na cidade de I tú? Provave1mente, um pouco de cada um dos

dois.

Desde já podemos pensar que o vínculo tutelar

não poderia ser encarado como um comportamento especificamen-

te regional uma vez que as duas cidades parecem diferenciar-

se no modo de viver essa relação. Acreditamos que o surgimen-

to de novos e s t u d o s , sobre esse assunto, remetendo-se a ou-

tras localidades, poderão vir a confirmar algumas das asser­

tivas e esclarecer as dúvidas ora formuladas.

Nascidas à passagem das Bandeiras, Campinas e

Itú tiveram uma trajetória económica bem similar, embora a-

presentando resultados diferentes. A lavoura de cana-de-açú-

car, sucedeu-se pau1a t i namente a do café, convivendo ambas

com o algodão, em menor escala, e com algumas culturas de

subsistência. A existência da lavoura em regime de planta-

t i <> n , requereu o concurso do trabalho escravo, e este mui ti-

plicou-se nas duas cidades.

Muito embora constantemente a 1imentada pe 1 c

tráf i co primeiramente africano e pósteriormente inter-pro-

vincia 1 ? a população escrava de Campinas e I tú, á chegada

do treze de maio, contava com elementos crioulos de segunda e


.119

terceira geração. Nos grandes plantéis dos abastados fazen-

deiros, mesmo sob um regime de trabalho e disciplina excessi-

vamente difíceis, havia a diversidade necessária e suficiente

para o florecimento de estruturas familiares. cuja duração

poderia estar 1igada à prosperidade e permanência dos pro-

prietários.

A cultura do café, responsável pelo rápido

crescimento da região, trouxe as ferrovias 5 importante fenô-

meno que se extendeu qual uma rede de tentáculos, ligando a

produção e co1ocando repentinamente muitas pequenas cidades

"no mapa". A bordo dos trens e muito antes para a edifica-

ção da própria ferrovia fúra chegando uma variada "fauna"

de estrangeiros, cu j a presença aparece-nos mais nítida em

Campinas do que em Itú.. Eram italianos, espanhóis e alemães

que chegavam para a lavoura do café, com a proximidade do fim

da escravidão.

Mas havia os médicos, os engenheiros, os co­

merciantes e mascates, os artistas e artesãos, marceneiros,

sapateiros, músicos e pintores, das mais variadas nacionali-

dades. Alguns foram chegando aos poucos, precisando de déca-

das e décadas para estabelecer-se Outros foram trazidos aos

magotes, tangidos qual rebanho, na esperança de que viessem a

ocupar tão rapidamente o lugar dos escravos, que a economia

local não chegasse a sentir a mudança.

E ai começamos a notar o modo diferente como

as duas cidades absorveram esse impacto. Se bem que o cresci-

mento de Itú houvesse sido considerável passou de 10821 al-


120

mas em 1872 para 15840 em 1886®*’í‘ - Campinas superou-a, con-

tando já em 1874 com 14000 almas*0, número este que continuou

sempre crescente. Mesmo apesar de sua fundação mais tardia,

Campinas distanciou se cedo de Itú, com relação aos números

populacionais. Entretanto, devido a seu caráter mais cosmopo-

1 i ta, a cidade viu-se assolada por intermináveis epidemias ao

longo do século XIX.

Como uma sucessão de pragas, Campinas recebeu

a iz a r i o 1 a mais conhecida como "bexigas" em 1858 e, nova-

mente entre 1873-75, em surtos de grande virulência. Entre

1888 e 1897 foi a vez da febre amarela, que dizimou uma boa

parte da população e foi responsável pela introdução de polí­

ticas de saneamento na cidade. E, ainda, nos anos 1890, foi a

vez d a cólera morbo.x Afora outras moléstias como t i fo ,

hansenia.se mais conhecida como "morphéa " e tuberculose,

que pareciam onipresentes, causando altas taxas de mortalida-

de e devastações consideráveis nas unidades familiares da ci­

dade .

Nos relatos dos cronistas de Itú, nada encon-

tramos de parecido. Assim, concluímos que, enquanto Itú per-

manecia com uma população de crescimento mais estável; no ca-

so de C a m p i n a s, para verificar-se o movimento crescente já

NARDY FILHO, Francisco. A cidade de Ytú. Volume IV. Cronõ-


logia Ituana. São Paulo, 1951. P.171-190.
60 MARIANO, J úlio. Campinas de ontem e ante-ontem. Campinas,
Maranata, 1970.
1
MARIANO, Júlio. Op. cit. Aparentemente, o autor coligiu
seus dados das atas da Camara Municipal de Campinas.
121

observado, seria necessário um afluxo externo constante. f ôs-

se de migrantes ou imigrantes»

Nesse sentido, acreditamos que o crescimento,

a p a r e n t em en t e desordenado para a época, d a cidade de C a. m p i —

nas, se j a responsável por um impacto equivalente na economia

local. Com os capitais da agricultura, vindo a alimentar pau-

latina e parcialmente à indústria têxtil e manufatureira, nas

últimas décadas do século XIX, e esse aí luxo extra de mão-de-

obra, tan to qualificada quanto desqualifiçada, a região de

Campinas oferecia as condiçóes senão ideais, ao menos adequa-

d a s, ao desenvolvimento. Mesmo a região de Itú, embora pare-

cendo mais acanhada, atraiu algumas indústrias e conservou

um crescimento estável e próspero.

Considerando o exposto, será apenas uma sig-

nifcativa coincidência que a região responsável por uma maior

concentração de capitais, na economia do pais, passasse a di-

tar, do mesmo modo, a orientação politica brasileira?

Devemos convir que, apesar da existência de

clubes republicanos em muitas capitais e cidades do pais foi

do Oeste Paul ista que partiu a convocação para a primeira

convenção republicana de grande porte. Esta deu-se na cidade

de Itú, a 18 de abril de 1873 3 e dela participaram ativamente

os "capitalistas ii da região, conforme foi estudado por donas

Soares de Souzas

"Em São Paulo, os C1ubes Republicanos eram

formados tanto por representantes de grupos

urbanos (j orna1istas, comerciantes, méd i cos,


122

advogados, engenheiros, etc.), quanto por um

grande número de fazendeiros, princi pa1mente

do "Oeste". E estes formavam o núcleo mais im-

portante daqueles clubes, enquanto nas demais

províncias a maior parte era de representantes

das camadas urbanas»"02

Assim, devemos considerar a região privilegia-

da nesta dissertação, não apenas do ponto de vista de seu po-

tencial económico, mas também com uma área de forte concen-

tração de poder político, uma vez que, grande parte da pres-

são exercida no sentido da mudança do regime de monarquia pa-

ra o de república, partiu desta região. E, posteriormente, j á

adentrando ao século XX, o projeto republicano de inspiração

1iberal, ca1cado de certo modo no exemplo norte-americano,

que foi implantado no Brasil era o dos republicanos paulis-

tas.

Esse panorama não apenas justifica a escolha

desta região para nossa dissertação, mas também nos coloca

perante uma outra questão. Será que este ambiente específico

de fermentação económica e política, teve alguma responsabi-

1 idade na estruturação e permanência das famílias negras da

região? Provave1mente. Mas, em que medida?

No que se refere a Itú, a prática de tutelar

menores órfãos pode ter surgido a partir do costume anterior

SOUZA, Jonas Soares de» A Convenção de Itú e o Partida Re-


publica n o P aulis ta. Itú, Museu Republicano “Convenção de
Itú, 1987. " p.6.
123

de manter agregados menores. Eni de Mesquita Samara63, pes­

quisou a estrutura das famílias ituanas s de 1780 a 1830, dan-

do especial a t en ç ã o dO papel do agregado. Nesse contexto a

au tora explica:

"Com o d esenvo1v i mento da agricultura comer-

ciai e o respectivo aumento da riqueza houve

um certo alargamento das famílias na região de

I tu, que apresentam na época da lavoura cana-

vieira, uma estrutura bastante complexa. Estas

geralmente incluíam: o casal-chefe e seus fi-

1 hos, parentes, amigos, protegidos, dependen-

tes, escravos, agregados, enfim, uma grande

série de elementos que vinham se congregar ao

núcleo familiar.

Nesse sentido, a presença de agregados, inclu-

sive de menor idade ? junto às famílias ituanas, poderia vir a

ser considerada como um elemento precursor à prática tutelar.

Entretanto, não foi possível localizar dados que informassem

sobre a eventual permanência de agregados nos lares campinei-

ros, e assim, tornou-se-nos mais difícil extender essa expli­

cação a ambas cidades.

Nada há de conclusivo que ligue a prosperidade

económica á prática de tutelar menores, ou receber agregados

•e»3 SAMARA , Eni de Mesquita. 0 papel do agregado na região de


I tu, 1790-1830. Coleçã Museu Paulista, série de Histó-
ria, VI. ..
São Paulo, Museu Paulista,1977. p.1-105.

SAMARA, Eni de Mesquita. □ p. CÍ t . p. 104.


124

de menor idade nas unidades familiares. Poderíamos argumentar

no sentido de que a existência de fontes de trabalho, 1igada

ao crescimento económico veri f i cado na região, faci1itaria

essas práticas. Sendo assim, tanto em lares mais abastados,

quanto naqueles onde o trabalho de cada integrante era essen-

cia 1 , a presença dos tutelados significaria uma enorme dife-

rença no nível de vida do grupo


CONCLUSXO
126

Ao momento de codificar os dados pesquisados,

a diferença evidenciou-se-nos de modo inequívoco. As ■famílias

negras de Itú repres-entaram um número definido e significati-

vo. □s ingénuos tutelados em Itú beiraram os 447. do total de

menores para, essa cidade ao passo que, em Campinas, nào pas-

saram de 14,_237..y Em Campinas, as famílias negras perderam-

-se na maré de famí1 ias pobres, locais e imigrantes, nessa

populaçcío flutuante atingida pelas altas taxas de mortalidade

e constantemente alimentada pelo crescimento regional.6’

Nào houve crianças imigrantes tuteladas em

I tú, entre 1871 e 1895, ou, ao menos, os documentos dísponí-

veis nào nos permitem afirmativa diferente. Do mesmo modo.

as fontes documentais pesquisadas para a cidade de I tú, reve-

1 aram-nos uma comunidade mais estável, sem rastro de grandes

endemias ou epidemias. Nesse contexto, o cuidado com que os

Juízes de Orfàos lidaram com as seqd.elas do abandono e da or-

fandade, e o modo como os pequenos ingénuos foram tutelados,

minimizando-se ao máximo os conflitos, podem levar-nos a de-

duzir que, devido a seu caráter mais estável, a comunidade i-

tuana poderia administrar mais satisfatoriamente os conflitos

advindos de uma prática tutelar indiscriminada.

Os curadores e juízes da cidade de Itú, reve-

laram-se mais preocupados e cuidadosos com o eventual destino

dos menores t.ute.1 ados, fôssem estes ingénuos ou não. As sen-

tenças do Dr. Francisco Ribeiro d' Escobar, por exemplo, sem—

pre revelaram uma preocupação com o futuro de cada menor e o

03 Vide Tabela no 5, à pág. no 90


127

interesse de que estes fossem transformados em "cidadãos

prestantes" da com u ni d ad e. Acred itamos que, muito longe de

revelar uma eventual hipocrisia suas sentenças revelam o mo-

d o, através do qual 5 uma comunidade menor e melhor estrutura-

da lidava com ■3S décadas de transição politica e económica

ora estudadas.

Já para a cidade de Campinas, os dados obtidos

revelam uma instabi1 idade maior. Os juízes sucediam-se rapi-

damente, os processos eram analisados de modo mais frio e me-

nos conciliador, ocorrendo a freqttênte expedição de mandados

de busca e apreensão de crianças que ainda possuíam alguma

fami1 ia, a fim de que fossem entregues aos tutores nomeados

Os Curadores Gerais de Campinas aparentemente ? tinham o cos-

tume de? indicar tutores apenas por "ouvir dizer" não exami-

nando detidamente, caso a caso, e pouco avaliando o bem-estar

dos menores envolvidos.

Esse comportamento. entretanto, parece ter a-

tingido muito mais às famílias livres pobres locais e imi-

grantes, do que às famílias negras em geral. Nesse sen t. ido.

permanecem algumas interrogações! o que aconteceu às famílias

negras de Campinas? Tendo a cidade uma população escrava sig­

nificativa. como é que não vemos percentagens igualmente con-

sideráveis de libertos 5 no período pós-abolição? Será que al-

gum desleixo por parte dos escrivães e solicitadores ao i —

dentificar os protagonistas dos processos. pode ter levado a

essa distorção? São questões definitivas uma vez que as fon-

tes disponíveis não nos permitem respostas aceitáveis ou ade­

quadas .
128

No que se refere à estruturação e permanência

das famí 1 i as negras, podemos relacionar alguns pontos de con-

tato. As fon tes documentais levam-nos a afirmar que. em sua

estrutura, as fami1 ias negras nem sempre eram nucleares, o—

correndo com freqttência o fenômeno matrifocal e, do mesmo mo-

do, congregando diversas gerações dentro de uma mesma unidade

f ami liar ./

Nesse sentido, os resultados ora obtidos vem a

concordar com os trabalhos de outros pesquisadores da família

negra. João Luis Ribeiro Fragoso & Manolo Sarcía Florenti-

no66 , assim como Robert W. Slenes67, tem encontrado estrutu-

ras familiares bem estáveis entre os escravos de grandes


/
plantêisy' Podemos argumentar que, em períodos de economia

florescente, as possibilidades de estruturação e durabilidade

dos grupos familiares de escravos devem ter sido bem conside­

ráveis»

Entre os setores menos favorecidos da popula-

ção, pro1i feravam as mulheres viúvas. solteiras ou abandona-

das 3 acompanhadas de um ou mais filhos. Nesse sentido., os la-

res dos 1ibertos, não se constituíam em exceção. Outrossim,

n a

** FRAGOSO, João L. Ribeiro & FLORENTINO , Manolo Garcia. Mar-


celino, filho de Inocência Crioula, neto de Joana Cabin-
da: um estudo sobre famílias escravas em Paraíba do Sul
(1835-1872). in COSTA, Iraci del Nero da. (org.) Revista
de Estudos Económicos, São Pau1o, 17(2):151-173, maio/a-
gosto.1987.

SLENES, Robert Wayne Andrew. Escravidão e famílias padrões


de casamento e estabilidade familiar numa comunidade es­
crava: Campinas, século XIX. in COSTA, Iraci del Nero
da. (org.) Revista de Estudos Económicos, 17(2)s 217-27,
maio/agosto.1987»
129

em momentos de transição e instabilidade política e económica

ou, em cidades com altos índices de mortalidade e de popula-

ção flutuante, a permanência das unidades familiares via-se

constantemente ameaçada*

Entretanto, talvez devido a esses fatores, as

famílias negras estudadas apresentaram uma estruturação que

revela a criatividade advinda da necessidade. Congregando

tios, primos parentes distantes ou acolhendo sobrinhos e

afilhados órfãos, a família negra pós-abolição recolhia seus

membros entre as vítimas do descaso senhorial, após a disso­

lução dos vínculos ocorrida no treze de maio. Em certos ca-

sos, acreditando-se com direitos adquiridos após tantos anos

de servidão, mães libertas procuravam seus ex-senhores, a fim

de que estes tutelassem seus rebentos, talvez acreditando que

esse tipo de a padr i n hamento viesse a garantir senão um bom

futuro, ao menos a sobrevivência de seus pequenos^/

Assim sendo, o vínculo tutelar aguarda novas

interpretações. Não obstante as diferenças e seme1hanças re—

veladas pelas duas cidades privilegiadas nesta dissertação,

parece ter sido esse mesmo vínculo tutelar o meio escolhido

para superar a transição dos anos 1871-1895. E esse é um mo­

mento a ser refletido e analisado.

Iniciamos nossa pesquisa, partindo de uma si-

tuação específica, criada por uma lei ambígua. Procurávamos

conhecer as estratégias de estruturação e permanência das fa-

mi lias negras, em face às reticências da lei. Entretanto, en-

contramos uma adaptação de costumes mais antigos, em função


130

das mudanças ocorridas durante o período estudado.

0 vinculo tutelar não foi criado ou induzido

pela legislação de 28 de setembro < A prática de tutelar e

usufruir dos serviços de menores pobres ou órfãos, atingiu as

famílias negras, de Campinas e Itú, de modo significativo.

Entretanto, os números mostram-nos que o vínculo tutelar a-


contecia à sociedade como um todo}
Sendo facilitado legalmen-

te, no caso dos ingénuos pela legislação abolicionista, que

criava uma categoria a parte entre os setores da população.

No que se refere aos pobres locais e aos imigrantes miserá-

veis, a tutela encontrava seus precedentes nas Ordenações Fi-

1ippinas.

Sendo a tutela um costume já conhecido e a

presença de agregados e tutelados junto ás famílias, uma cir-

cunstância não tão rara&B, acreditamos que, com o passar dos

anos, o vinculo tutelar tornou-se uma relação mediadora entre

alguns segmentos da popu1ação. Dos senhores, convertidos em

com
p &tEõesj__c ■ seus títulos e baronatos tendo que ser reavalia-

dos em virtude d as mud an ças. económicas e po 1 í t i cas ags li —

ber tos- e suas famílias que foram surpreendidos pela face o-

c u11a. _ da__liberdade ..capitalista, forçados a conviver em uma

sociedade cujas regras não ..haviam escol hido, as relações so-

ciais passavam por mudanças difíceis de serem absorvidas, na­

quele fim de século.

SAMARA, Eni de Mesquita. Op. cit.

RIBEIRO, Júlio. A carne. Romance. 1888.


131

Messe contexto, o v íncu1o tutelar pode ter

constituído uma relação^gólida, que auxi1iasse os libertos e

seus ex-senhores a adaptarem-se à-nova ordem estabelecida . Se,

por um lado, os senhores garantiam uma parcela de sua mão-de-

obra, po r ou t ro lado, alguns 1ibertos -asseguravamassim, uma

possibilidade de sobrevivência para suas famílias» Uma de en-

tre várias alternativas, uma vez que nem todos aceitaram essa

situ.ação passivamente , a1guns preferindo trilhar seus pró-

prios caminhos.

Dispostos a assumir as rédeas políticas e eco­

nómicas dos p aís, os senhores e ex-senhores de escravos, não

se aventuravam a prever as reações de seus libertos no perio-

do que se seguiria à abolição, por isso esconderam-se atrás

de artifícios como a importação de imigrantes dos bolsbes de

misêria da Europa, e do vínculo tutelar j a fim de salvaguar-

dar as relações de trabalho e preservar a economia florescen-

te do "Oeste Paulista" . Não poderiam prever que alguns liber­

tos acolheriam o vínculo tutelar como uma extensão das obri-

gações contraídas pelos ex-senhores, durante o período da es-

cravidão, invertendo parcialmente. assim, uma relação de ex-

p1oração, em seu benefício próprio.

Do outro 1ad o, no caso das famílias negras me-

lhor estruturadas, que preferiam gerir seus próprios desti-

nos, será que os ex-senhores esperavam ou imaginavam que os

libertos procurariam a mediação do Judiciário, e que este a-

cabaria por apoiá-los em seus direitos? Casos como o de Gon-

çalo do Lago, de Cesario e Candida 5 de Pedro e Thereza, ou de

Luiz Bengue1a, revelam a outra face dessa relação. Alguns li-


.132

bertos rebelavam-se contra a permanência de laços que os lem-

tarassem da anterior escravidão; entretanto, para que -fossem

ouvidos pela Justiça, precisavam enquadrar-se no estereótipo

social do "bom liberto" ou do "cidadão prestante e morigera-

do" . No fim das contas, era sempre a sociedade branca que di-

tava as regras ou dava a última palavra/

Nas palavras do solicitador Orosimbo Maia fica

bem expresso que os libertos haviam deixado de serem "cousa" ,

mas ainda deveriam lutar para ter seus direitos reconhecidos,

em uma saciedade que havia-lhes negado durante séculos o sta-

ontológico do ser. Do mesmo modo, o solicitador Carlos

Kiehl, ao apresentar Gonçalo do Lago, define-o como um homem

honesta e d ed i cad o , a despeito de sua "cor preta". Não deve

ter sido fácil estru turar e conservar uma familia na pobreza

d a q ueles dias, carregando o Ónus de uma cor tão vilipendiada.

"Não devemos ter como único critério de julga­

mento o fato de as ações de um homem se justi-

ficarem, ou não, à luz da evolução posterior.

Afinal de contas, nós mesmos não estamos no


n »»<£>*?>
final da evolução social

Edward P. Thompson com esta sensata advertên-

cia, chamou a atenção para as dificuldades implícitas na ela-

boração de juízos de valor !■ ao examinarmos as trajetórias de

vida e as ações de seres do passado Assim, gostaríamos de

considerar as atitudes dos libertos e de seus ex-senhores,

n a n

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa.


Rio de Janeiro, Faz e Terra, 1987. v.l. p.13.
133

en q u an to e x p res sã o articulada de suas relações, ora confli-

tuosas, ora equi1i bradas.

Nesse sentido, as fontes pesquisadas permiti-

ram-nos a percepção, de um ponto de vista tanto estatístico,

quanto discursivo, de uma família negra não muito diferente

das outras famí1ias pobres em seu cotidiano. As diferenças

deveriam existir, de fato 5 nas marcas deixadas em seus inte-

grantes, pelo passado de escravidão}

□ tema foca1izado levou-nos a algumas refle­

xões de caráter teórico no que diz respeito à mobilidade so­

cial e às possibilidades de sobrevivência de estruturas fami-

liares de equilíbrio tão precário.^Em duas cidades que passa-

vam por um período de expansão económica, à época estudada

as probabi1 idades de emprego e permanência, deviam ver-se a-

treladas à capacidade dos libertos de incorporar-se aos.meios

de produção, ainda pertencentes aos antigos senhores.

Em outras pa1avras, "o mundo dos livres" so­

mente franquearia suas portas aos ex-escravos, se estes acei­

tassem viver sob as condições dos outros setores menos favo-

recidos socialmente. Ou, nas palavras de Karl Marx:

"Os homens fazem sua própria história, mas não

a fazem como querem; não a fazem sob circuns-

tâncias de sua escolha e sim sob aquelas com

que se defrontam diretamente, ligadas e trans­

mitidas pelo passado. A tradição de todas as

gerações mortas oprime como um pesadelo o cé-


134
11 70
rebro dos vivos.

Em síntese, o modelo de família negra de Gon-

çalo, de Thereza e Pedro 5 Cesário e Candida, ou de Luís E<en-

guela, é o modelo da necessidade e n<=(o o modelo do ideal. E,

em sendo gerado a partir das condiç&es encontradas socialmen-

te para sua sobrevivência, tornou-se real e único, hora e

ao local de sua existência

ro MARX ,Kar 1 . 0 Dezoito Brumário de Luís E<onaparte. In:


MARX, Karl & ENGELS Friedrich. Obras escolhidas. Sào
Paulo, AIfa-Omega, s.d. v.l. p.2C>3.
APENDICE 1:
TABELAS
136

Apresen tamos, neste apêndice, as tabelas con­

feccionadas a partir dos documentos pesquisados, ao longo de

nosso curso de Mestrado. Algumas destas tabelas foram discu-

tidas ao longo da presente dissertação e seguem a mesma nume­

ração anteriormente utilizada. Outras !• idealizadas apenas pa-

ra um esclarecimento maior ao leitor, poderão ser observadas

sem necessidade de remeter—se ao texto em questão.


137

Tabela no 1

Menores envolvidos nos processos judiciais pesquisados, de

acordo com seu sexo e idade.

Sexo

Idade Feminino Masculino Ignorado TOTAL

0 a 2 anos 8 .10 0 18
3 a 8 anos 61 37 1 99
9 a 12 anos 81 46 0 127
13 a 21 anos 54 62 1 117
Ignorada 109 135 3 247

TOTAIS 313 290 5 608

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória UNicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

Tabela no 2

Percentagem dos menores, de acordo com suas idades.

Idade Número Percentagem (7.) !

0 a 2 anos 18 2,96
3 a 8 anos 99 16,28
9 a 12 anos 127 20,89
13 a 21 anos 117 19,24
Ignorada 247 40,63

TOTAIS 608 1007.

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicana "Convenção de Itú“.
138

Tabela no 3

Percentagem de ingénuos, de acordo com suas idades.

Idade Número Percentagem (7.)

0 a 2 anos 18 5,00
3 a 8 anos 99 27,42
9 a 12 anos 127 35,18
13 a 21 anos 117 32,40

TOTAIS 361 1007.

Fonte! processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória (Jnicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".
139

Ta.bela no 4

Número de processos- anuais, de acordo com a condição dos me-

nores pesquisados.

A CONDIÇÃO
N
O
Ingénuo Liberto Livre Estrangeiro

1871 O 0 1 1
1872 0 0 1 o
1873 0 1 16 1
1874 o O 12 o
1875 o 3 17 o
1876 o 5 29 o
1877 o 2 24 3
1878 1 0 33 0
1879 1 3 17 1
1880 3 3 12 o
1881 0 1 15 1
1882 1 2 23 5
1883 1 1 25 0
1884 O 0 6 0
1885 1 O 8 2
1886 6 o 6 O
1887 3 0 14 1
1888 72 1 39 0
.1889 10 o 33 5
1890 7 o 7 1
1891 5 o 5 0
1892 1 0 6 1
1893 4 1 20 8
1894 2 0 26 4
I
1895 2 0 29 5

I TOTAIS : 120 23 424 39

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Histórico "Convenção de Itú".

Total: 606 menores, aos quais deveremos somar dois menores de


condição desconhecida que -foram tutelados durante o
ano de 1888, e assim teremos os seiscentos e oito me­
nores pesquisados.
140

Tabela no 5

Número de menores, de acordo com sua condição e a cidade pes-

quisada.

CIDADE
CONDIÇÃO TOTAIS

Campinas ItÚ

I ngénuos 71 49 120
Libertos 22 1 23
Livres 365 59 424
Estrangeiros 39 0 39
Ignorados 2 0 2

TOTAIS 499 109 608

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos Arquivos Históricos do Centro de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".

Tabela no 6

Tipos de processos, de acordo com a condição dos menores en-

volvidos.

CONDIÇÃO*
PROCESSO TOTAIS
1 2 3 4 5

; Exoneração ! 1 0 1 0 0 2
Justificação ; 1 0 0 0 o 1
í Licença p/
■ casamento ! 0 0 8 o o 8
] Pátrio poder ! 0 0 1 o o 1
! Remissão ! 3 0 0 o o 3
í Remoção de !
! tutela ! 0 0 : 2 o 0 2
! Sem título ; 0 0 ! 1 o o 1
! Tutela ] 115 23 ; 4ii 39 2 590

TOTAIS .120 23 424 39 2 608

Fonte: processos envolvendo tutela de menores, encontrados


nos- Arquivos Históricos do Centra de Memória Unicamp e
do Museu Republicano "Convenção de Itú".
141

Devido a que todos estes processos envolviam o


vinculo tutelar, de um modo ou de outro, optamos por traba­
lhá-los como se todos fossem basicamente processos de tutela.

Wnde: 1 ss Ingénuos

2 2Z Libertos

3 Livres

4 Estrangeiros

5 Ignorada

Tabela no 7

Número de óbitos de menores em idade lactante, em relação aos

óbitos restantes.

Paróquias/Óbitos

TOTAIS
Conceição Santa Cruz
1.11.1875/27.5.1879 30.11.1875/21.3.1878

O a 2 anos 854 0 a 2 anos 350 1204

restantes 991 restantes 481 1672

Total 1845 ; Total 83.1 2876

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Gamara Municipal de


Campinas.
142

Tabela no 8

Óbitos ocorridos na paróquia de Conceição de Campinas entre

01/11/1875 e 27/05/1879.

CONDIÇÃO*
IDADES ] TOTAIS !
(anos) 1 2 3 4 5 6

; 0 a 2 370 1 ; 445 ; o ! 38 o 854


! 3 a 8 24 1 : 63 : 8 ! 5 o 10.1
; 9 a 12 o 1 ! io : 12 : 2 o 25
; 13 a 21 o 1 : 27 ; 71 : 3 o 102
; 22 a 40 o 6 : ii2 : 200 ! 24 o 342
i 41 a 80 o 37 ; 128 ; 150 : 28 1 343
i + dg, 8Q o 9 : 17 : 15 : 2 1 43
! ignorada 5 1 : 20 ; 5 : 4 0 35

TOTAIS 399 57 ; 822 ; 461 104 2 1845

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Onde: 1 Ingénuos

2 = Libertos

3 Livres

4 xs Escravos

5 xz Estrangei ros

ó Ignorada
143

Tabela no 9

Óbitos ocorridos na paróquia de Santa Cruz de Campinas entre

30/11/1875 e 21/03/1878.

CONDIÇÃO*
IDADES ; TOTAIS ;
(anos) 1 2 I 3 4 5 6
í

! 0 a 2 186 O 159 0 5 O 350


! 3 a 8 19 1 14 6 0 1 41
! 9 a 12 0 2 4 5 0 0 11
! 13 a 21 0 0 12 41 0 o 53
; 22 a 40 0 4 54 94 17 o 169
1 41 a 80 o 9 47 104 5 o 165
! + de 80 o 4 7 17 0 o 28
! ignorada 2 1 5 5 1 o 14

TOTAIS 207 21 302 272 28 1 831

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Onde: 1 X5 I ngânuos

2 = Libertos

3 ts: Livres

4 3= Escravos

5 Estrangeiros

6 Ignorada.
144

Relação de causas mortis referentes às próximas tabelas

1. Vermes

2. Febres infecciosas nâo identificadas

3. Moléstias gastro-intestinais

4. Lesòes cardíacas

5. Hanseniase (Lepra ou Morphéa)

6. Varíola (Bexigas)

7. Febre Tifóide

8. Febre Amarela

9. Moléstias respiratórias e pulmonares

10. Natimortos "Mal de sete dias" Falecidos ao nascer

11. Parto - Febre Puerperal

12. Congestão Cerebral

13. Causas desconhecidas

14. Outros

15. Ilegivel

16. Dentição

17. Marasmo

18. Estupor

19. Hidropesia - Anazarca

20. Anemia Inaniçào

21. Velhice

22. Mortes acidentais (afogamento - queimaduras- picada de


cobra)

23. Assassinato

24. Suicidio

25. T étano

26. Impericia
145

Tabela no 10

Óbitos da Paróquia de Conceição de Campinas, de acordo com a


idade e a causa nortis das vitimas

IDADE*
; C4Í/8.4 ;
: hortis : 1 2 3 4 5 é> 7 8 TOTAIS

1 276 22 ; 2 0 : o : o ; 0 1 301
2 37 12 : 2 10 : 19 : is : 1 2 98
3 102 s : 3 9 : 35 : 46 ; 4 1 208
4 O 2 ; 1 3 ! 20 : 17 ; .1 2 46
5 O o : O 0 : i : 1 ! O 0 2
6 0 2 ; 1 1 : 9 : 2 : 0 1 16
7 5 6 i 4 9 : 22 ; is ; 0 2 63
8 0 o : 0 0 : i : o ; o 2 3
9 82 19 ; 4 25 ! 79 ! 43 ; 7 261
10 136 o ; 0 O : o ; o : o 0 I 136
11 O o ; 0 5 ; 23 : 2 : o 2 32
"Tf I
12 12 0 4 : 16 : 2i ; 2 2 60
13 47 4 ; O 6 : 13 : 20 ! 1 2 93
14 71 13 ; 3 18 : 68 ; 67 : 7 9 256
15 2 o : O O : o ; 2 : O O 4
16 28 o ; O O : o : o ; 0 0 28
17 36 4 ! 0 1 : 4 : 19 ; 7 o 71
18 0 2 : 0 O : o ; 2 ; 0 o 4
19 2 i : 1 3 : 19 : si ; 1 81
20 5 i : 3 : 2 ; 6 ; 0 o 19
21 0 o : o O : i : 5 ; 15 o 21
22 4 i ; 2 4 : 4 : 4 : 0 o 19
23 0 o : O 0 : i : i : 0 o 2
24 0 o ; 0 1 : i : 1 : o o 3
25 8 i : o 0 : 4 ; 2 ; o 1 16
26 1 o : o O : o ; i : o 0 2

TOTAIS 854 101 25 ; 102 ! 342 ! 343 I 43 35 1845

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Onde; 1 = 0 a ar i os
2 = 3 a 8 anos
3 = 9 a 12 anos
4 =
2= 13 a 2.1 anos
5 = 22 a 40 anos
6 = 41 a 80 anos
7 - + de 80 anos
8 “
ZZ ignorada.
146

Tabela no 11

Óbitos da Paróquia de Santa Cruz de Campinas, de acordo com a


idade e a causa nortis das vítimas

IDADE*
; C4D'S4 I ■ TOTAIS ;
: MORTIS ! 1 2 3 4 5 6 7 8

1 60 6 0 ; o : o : 0 o : 1 : 67
2 é> 3 o ; 1 ! 6 ; 6 o ; •-* ! 25
3 35 3 o ; 6 : 14 : 12 1 : o ; 71
4 0 0 o ; 3 : 2o ; 13 2 : o ; 38
5 0 O o ; O : i : 1 o : o ; 2
7 i
0 1 1 : 7 : 7 ; 2 o : 2 ; 20
8 o 0 o ; 0 : i : O o : o ; 1
9 17 o ; 15 ; 33 : 15 2 ; i : 86
10 14 o o ; 0 : o : 0 o : o ; 14
11 0 o o ; 0 : 2 : 0 o ■ o : 2
12 2 o o ; o : s ; 6 o : i : 14
13 166 20 4 : 9 ; 37 : 61 s : i : 306
14 35 1 •““1 |
8 : 27 : 29 4 ; i ; 107
15 0 0 o ; 1 ! o ; O i : o ; 2
16 4 o o ; O : o ; O o ; o ; 4
17 3 3 o ; 2 : 2 ; 3 •3 : o ; 16
18 0 o o ; 0 ! i : 1 o : o ; 2
19 1 o o ; 2 : i : 12 i : i ! 18
20 0 o o ; O : 2 : 1 o ; o ! 3
21 o o o ; 0 : o ; 1 6 ! o : 7
22 1 o ; 1 ! 6 ; 0 I 1 : 14
23 o o o ; o : 3 : o o ; o : 3
24 o o o : o : o : o o ; 2 : 2
25 4 o 2 : o : i : o o i o ; 7

TOTAIS 350 41 9 55 I 169 ;i65 : 28 14 831

Fonte; Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Onde; 1 = 0 a 2 anos
2 = 3 a 8 anos
3 = 9 a 12 anos
4 = 13 a 21 anos
5 = 22 a 40 anos
6 = 41 a 8 O anos
7 xs + de 80 anos

8 sx ignorada.
147

Tabela no 12

Óbitos da Paróquia de Conceição de Campinas, de acordo com a


condição e a causa sortis das vitimas

CONDIÇÃO*
CXWS.4 TOTAIS ;
MORTIS 1 2 3 4 5 6

1 163 1 0 132 : 5 0 301


2 ii 25 2 56 ! 4 0 98
3 38 66 8 85 ; 13 0 210
4 o 20 1 22 ; 3 0 46
5 o 1 0 i ; O 0 2
6 o 7 2 7 : 0 0 16
7 1 19 8 26 : 10 o 64
8 0 0 O i : 2 o 3
9 41 85 4 109 ; 19 o 258
10 51 0 0 80 ! 5 o 136
11 0 12 O 2o ; O o 32
12 4 26 3 17 ; 10 o 60
13 t 20 24 2 44 ; 3 o 93
14 36 87 10 106 : 16 X. 257
15 0 1 0 1 : 2 o 4
16 13 O 0 14 : 1 o 28
17 13 13 2 38 ! 5 o 71
18 0 O 0 4 : 0 o 4
19 1 37 9 3i : 2 o 80
20 2 9 1 6 ; 1 o 19
21 0 9 4 7 ; 1 o 21
22 1 9 1 s ; O o 19
23 0 1 O o ; 1 o 2
24 0 3 O o ; 0 o 3
25 4 6 0 s : 1 o 16
26 0 0 0 2 ; o o 2

TOTAIS 399 461 57 ! 822 ! 104 2 1845

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Onde; 1 Ingénuo
2 Escravo
3 X5 Liberto
4 Livre
5 XX Estrangeiro
6 Ignorada.
148

Tabela no 13

Óbitos da Paróquia de Santa Cruz de Campinas, de acordo com a


condição e a causa mortis das vitimas

CONDIÇÃO*
: C4WS.4 : totais ;
: MORTIS i 2 3 4 5 6

i 35 1 : 0 30 ! 1 o 67
2 2 7 ; 0 16 ; 0 o 25
3 22 27 : 1 19 ; 2 o 71
4 o 20 : 4 12 ! 2 o 38
5 o o : 0 2 ! 0 o 2
7 o 12 : o 6 : 1 1 20
8 o o ; o I o : 1 o 1
9 7 28 : 3 42 : 6 o 86
10 3 o ; o 10 ! 1 o 14
11 O o : o i : 1 o 2
12 1 9 : 0 3 : 1 o 14
13 106 96 : 3 ioo : 1 o 306
14 18 38 : 5 42 í 4 o 107
15 0 2 : 0 o : 0 o 2
16 4 o ■ O o : O o 4
17 5 s ; 0 3 : 0 o 16
18 0 1 ; 1 o ; o o 2
19 0 9 ; 0 7 ; 2 o 18
20 0 2 ! 0 i : 0 o 3
21 o 3 ; 3 1 ! o o 7
22 2 6 ; O 3 ; o 14
23 O 1 : 1 i : o o 3
24 O o ; O 1 : 1 o 2
25 2 2 : 0 2 ! 1 o 7

TOTAIS 207 272 21 302 28 1 831

Fonte: Livros de Óbitos do Arquivo da Câmara Municipal de


Campinas.

* Ondes 1 Ingénuo
2 Escravo
3 5S Liberto
4 Livre
5 Estrangeiro
6 Ignorada.
FONTES E BIBLIOGRAFIA
150

FONTES PRIMARIAS

I . Hanuscri tas

1. Arquivo da Câmara Municipal de Campinas

- Livros de registro de assentos de óbito (1875-1879).

- Atas da Câmara Municipal de Campinas (1871-1875).

2. Arquivo Histórico do Centro de Memória Unicamp

- Processos do tribunal de Justiça de Campinas

lo, 2o e 3o ofícios processos de tutela, licenças para ca-

sarnento, justificação de tutela, (1871-1895).

3. Arquivo do Museu Republicano “Convenção de Itú"

- Processos do Arquivo Cartorial de Itú

lo ofício, processos de tutela e justificação de tutela

(1871-1895).
151

11 . 2'ffip ressas

1.. ALVES, Francisco de Paula Rodrigues. Relatorio com que o

E x m. Snr. Dr. Francisco de Paula Rodrigues Alves passou

a Administração da Província de São Paulo ao Exm. Snr,

Dr Francisco Antonio Dutra Rodrigues, lo. Vice-Presi­

dente, no dia 27 de abril de 1888. São Paulo, Typogra-

phia a Vapor de Jorge Seckler & Comp. ? 1888.

2. AZEVEDO, Pedro Vicente de. Relatório apresentado á Assem-

bléa Legislativa Provincial de São Paulo pelo Presiden­

te da Província Dr. Pedro Vicente de Azevedo no dia 11

de Janeiro de 1889. São Paulo, Typographia a Vapor de

Jorge Seckler & Comp., 1889.

3. CARVALHO, José Pereira de. Primeiras linhas sobre o p r o—

cesso orphanoloqico: ex tensa e cuidadosamente anotada

com toda a legislação. jurisprudência dos tribunaes su-

per.iores, até o anno de 1879, e discussão doutrinal das

questões mais controvertidas do Direito Civil Pátrio

com applicação ao Juizo Orphanoloqico pelo Juiz de Di-

reito Didimo Agapito Veiga Jr„ Parte Segunda. Rio de

Janeiro, B. L. Garnier Livreiro Editor, 1880.

4. CARVALHO, José Pereira de. EXimeiras 1inhas sobre o pro-

cesso orphanoloqicos extensa e cuidadosamente annotada

com toda a legislação, jurisprudência dos tribunaes su-

periores até o anno de 1887, e discussão doutrinal das

questões mais controvertidas do direito civil pátrio

com applicação ao Juízo Orphanologico pelo Juiz de Di-


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do dos actos legislativos e executivos, em beneficio da

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REVISTA 0 DIREITO: Revista Mensal de Legislação, Doutrina e

Ju r i s p rud en c i a.

Ano I v.2 1873

Ano III v.6 1875

Ano III v.7 1875

Ano III v.8 1875

Ano IV v. 9 1876

Ano IV v. 10 1876

Ano IV v. 11 1876
155

Ano VI v. 16 1879

Ano VII v. 18 1879

Ano VII v. 19 1879

Ano X v. 28 1882.

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2. ZENHA, Celeste. As práticas da Justiça n o cotidia n o d a

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[mestrado]

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2. RIOS, Ana Maria Lugâfo. Famílias libertas? algumas conside-

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