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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

EMANOEL DA CUNHA GERMANO

ENTRE REALIDADES E DISSOLUÇÕES:


Emancipação, Imprensa republicana e abolicionismo em Pernambuco
(1848-1875)

Niterói
2020
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE HISTÓRIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

EMANOEL DA CUNHA GERMANO

ENTRE REALIDADES E DISSOLUÇÕES:


Emancipação, Imprensa republicana e abolicionismo em Pernambuco
(1848-1875)

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em
História Social.

Orientadora:
Prof. Dra. Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro

Niterói/Rio de Janeiro
2020
Ficha catalográfica automática - SDC/BCG
Gerada com informações fornecidas pelo autor

C972e Cunha germano, Emanoel da.


ENTRE REALIDADES E DISSOLUÇÕES : Emancipação, Imprensa
republicana e abolicionismo em Pernambuco (1848-1875) /
Emanoel da. Cunha germano ; Hebe Maria da. Costa Mattos
Gomes de Castro, orientadora. Niterói, 2020.
160 f. : il.

Dissertação (mestrado)-Universidade Federal Flumi-


nense, Niterói, 2020.

DOI:
http://dx.doi.org/10.22409/PPGH.2020.m.09152445437

1. Republicanos. 2. Imprensa. 3. Abolicionismo. 4. Per-


nambuco. 5. Produção intelectual. I. Costa Mattos Gomes
de Castro, Hebe Maria da., orientadora. II. Universidade
Federal Fluminense. Instituto de História. III. Título.

CDD -

Bibliotecário responsável: Sandra Lopes Coelho - CRB7/3389


EMANOEL DA CUNHA GERMANO

ENTRE REALIDADES E DISSOLUÇÕES:


Emancipação, Imprensa republicana e abolicionismo em Pernambuco
(1848-1875)

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da
Universidade Federal Fluminense,
como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em
História Social.

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________________________
Prof. Drª. Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro - UFF
Orientadora

_______________________________________________________
Profª. Drª. Larissa Moreira Viana - UFF
Arguidora

______________________________________________________
Profª. Drª. Keila Grinberg - UNIRIO
Arguidora

Niterói
2020
“Todo o conhecimento é inacabado, isto é um
processo que se desenvolve continuamente,
incorporando novos elementos e jamais deixando
de questionar a si mesmo”.

Paulo Freire
AGRADECIMENTOS

Como é de costume, este espaço é destinado a agradecer aos amigos e amigas que
no decorrer do processo de pesquisa e escrita foram fundamentais e muito importantes para
fechar esse rito de passagem que é o caminho do mestrado. Entretanto, para mim, como para
muitos outros que saíram do ensino público e de uma família oriunda do interior de Pernam-
buco para ingressar na pós-graduação na cidade cosmopolita - que foi um dia capital do impé-
rio - a ajuda de muitas pessoas foi essencial para que essa etapa fosse realizada. Sem todos
eles, a presente pesquisa não tomaria os rumos que ganhou e nem chegaria talvez a concluí-la,
mas concluí. Dessa maneira, caros leitoras e leitores, peço a vossa licença para corresponder a
cada um deles que compartilharam comigo esta curta, e ao mesmo tempo longa, trajetória que
foi o mestrado.
Primeiramente devo ser grato a duas pessoas que me receberam como irmão na
cidade do Rio de Janeiro, a começar por Joseane Rodrigues dos Santos e Lilian Franklin Bar-
bosa: ambas, de maneiras diversas pegaram na minha mão e aconselharam-me sobre o impor-
tante valor de uma amizade, que nesse presente momento passo cada dia a admirá-las mais e
mais. A Rayane Barreto de Araújo, esse ser humano incrível serei eternamente grato pela aju-
da nos momentos mais difíceis e complicados que compartilhamos na academia, a sua dispo-
nibilidade em sempre me ajudar, me faz admirá-la mais e mais. Ray, muito obrigado!
Da família, jamais me esqueceria de mencionar as minhas irmãs de criação: Joana
Darc da Fonseca, Jakeline Diniz da Fonseca, Andreza Freitas, Iades Laurentino, Luciana Au-
gusto Soares, Ornila Fernanda, Andresa Patrícia da Silva, Adriana Belarmino dos Santos, Gi-
ovana Kelly, Andreza Araújo, Elizângela Pereira, Edivânia de Lima Rangel (in-memória).
Aos irmãos, Jonatas Rodrigues (Thaysa), Alexandre Gonçalo, Leandro Carlos Da Silva Oli-
veira, Tomás Edilson, Jorge (in-memória), Felipe Araújo (in-memória) e Jonas José. Mesmo
diante da importância de cada um deles, devo atenção mais que especial a mainha, Severina
Rodrigues Maciel. Essa guerreira foi responsável de amar, cuidar e incentivar cada um desses
seres humanos acima citados. A minha mãe biológica Dilma da Cunha Germano e irmã Ana
Paula da Cunha Germano, as duas forneceram todas as condições possíveis para conquistar
meu sonho.
Durante a graduação em História, conquistei muitos amigos que até hoje mante-
nho contato. Todos eles de maneira direta e indireta acompanharam esses dois anos de pesqui-
sa de mestrado. Gostaria de lembrar dos nomes deles: Hellen Winin Silva Gomes, Rosileide
Ribeiro Souza, Bárbara Felício Gomes, Carliane Pantoja, Ìsis Carla Vieira Ferreira Coelho,
Joyce Santos de Oliveira, Críssia de Santana Marcelino, Letícia Gomes do Nascimento, Luci-
ana Araújo De Souza, Keila Paes de Vasconcelos, Simone Aparecida de Castro, Juliet Ferrei-
ra. Dos amigos, destaco: Adalberto Justino, Felipe Annunziata, Lucas Ferreira Pinto de An-
drade Alves e Gabriel Henricy, Márcio Henrique Wanderley Ferreira, Carlos Henrique Dantas
Cardozo, Peterson do Espírito Santo, Filipe Oliveira da Silva. A Filipe Oliveira, deixo meus
sinceros agradecimentos, pois suas conversas continuam sendo, para mim, verdadeiras inspi-
rações, auxiliando nas minhas reflexões sobre o Brasil Império e nos mais diversos temas da
atualidade.
No mestrado, fiz poucos contatos, nele tive a chance de conhecer Raphael Braga
de Oliveira e Clarissa dos Santos, agradeço-os pela confiança e pelos debates que comparti-
ram comigo durante esse período que estive no PPGH-UFF.
Para além das disciplinas da Pós-Graduação em História da UFF deparei-me com
ajuda de outros grandes amigos: Willian Bonne Monteiro dos Santos (UFC), Igor Rodrigues
(UERJ), Alice Maciel (UNIRIO), Adna Gomes (UERJ), Tamires Nogueira da Silva
(UNIRIO) e Juliana da Silva Drumond (SEEDUC-UFRRJ). A essa última, tê-la conhecido na
sessão “Política e Sociedade no Brasil Oitocentista” na Anpuh 2019, foi um dos melhores e
mais lindos momentos que tive a oportunidade de ter. Ao grupo de pesquisa do século XIX da
UNIRIO, meus caros e estimados agradecimentos. Nas suas reuniões, pude compartilhar e
conhecer as mais recentes pesquisas historiográficas em torno do Oitocentismo brasileiro. Aos
seus coordenadores e organizadores: Mariana Muaze, Ricardo Castro e João Marcos Mesqui-
ta, meu muito obrigado.
No primeiro ano de mestrado sem bolsa, fui acolhido pela equipe do Programa de
Estudos e Documentação Educação e Sociedade (PROEDES) da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, atuando como bolsista Capes, participei na montagem do processo de seleção,
organização, conservação e classificação do acervo do professor Rubim Santos Leão de Aqui-
no (1929-2013). Meus agradecimentos sinceros aos professores Libânia Nacif Xavier, Jucina-
to de Sequeira Marques, a Técnica em Assuntos Educacionais Denise Moraes e a Arquivista
do Proedes Michele Almeida.
Pude contar com o apoio de bibliotecas e dos arquivos públicos em que frequen-
tei, pesquisei e escrevi parte substancial dessa dissertação. Os funcionários públicos que me
auxiliaram a seguir em frente na pesquisa foram vários, por isso, congratulo as instituições em
que eles atuam e nas quais foram os pilares para eu ter acesso a documentação necessária para
o desenvolvimento e conclusão da pesquisa. A Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco
(BPE), Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE), Instituto Arqueológico, His-
tórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), Biblioteca Nacional (BN), Arquivo Nacional, A
Biblioteca Marina São Paulo de Vasconcelos do IFCS (UFRJ).
Reservo especial agradecimento à minha orientadora Hebe Mattos. Além das ori-
entações motivadoras de novas ideias que tive com a mesma, sou grato a ela pelas considera-
ções e reformulações que o projeto foi ganhando no decorrer da pesquisa, através dos relató-
rios de pesquisa pude sentir a confiança que ela debitou na qualidade de meu trabalho. Além
de ser um exemplo de historiadora é uma das maiores especialistas na abolição e pós-abolição
da sociedade brasileira. Além dela, agradeço as professoras Keila Grinberg e Larissa Viana,
por ambas através de seus conhecimentos guiarem os rumos dessa pesquisa.
Finalmente, assinalo um agradecimento especial à coordenação de pós-graduação
em História pelo recurso que me concebeu, em pleitear uma bolsa pela CAPES, concessão
essa adquirida no primeiro semestre de 2019, pelo Edital Repesq- PPGH. A CAPES nesse
último ano de pesquisa foi fundamental para me dedicar exclusivamente à pesquisa.
À todos aqui mencionados, minha eterna G R A T I D Ã O !

Rio de Janeiro, 27 de janeiro de 2020.


RESUMO

O objetivo dessa pesquisa é resgatar a cultura política dos impressos republicanos nos
debates abolicionistas na província de Pernambuco entre 1848 e a década de 1875. Analisei o
fenômeno da disseminação do republicanismo nesta região, atrelado aos debates
emancipacionistas em suas folhas políticas, realçando os pontos de interseção e de
afastamento entre esses dois movimentos, que podem ser verificados através dos jornais
republicanos. Privilegiamos analisar os periódicos que problematizaram a questão escravista
no país, além disso, recorrermos às pesquisas que trataram sobre esse assunto.
O estudo analisa o grupo de republicanos históricos que discutiram a abolição em seus
impressos e fizeram parte da geração 1848, grupos de intelectuais estes que tiveram por
alcunha “Quarante-Huitard”, caracterizada pelos historiadores pernambucanos. Esta iniciativa
torna complexa uma dada leitura da história nacional articulada às mais recentes
interpretações historiográficas regionais sobre o repensar da sociedade oitocentista. Refletir
sobre este grupo mostrar-se-á proveitoso como porta de entrada o entendimento da formação
de uma cultura política republicana abolicionista no Recife na segunda metade do século XIX.
No decorrer dos capítulos, busquei entender, como os republicanos desta geração que
data da revolta praieira 1848, até meados de 1870, difundiram dois movimentos em seus
impressos: desde o republicanismo, como o emancipacionismo. Assim, trabalhar com
conceitos como “sociabilidade”, “cultura política” e “horizonte de expectativa” foi um
caminho essencial para a pesquisa.
Para exemplificar o protagonismo desta tradição republicana nos guiaremos pela
reconstituição histórica da vida de um desses republicanos históricos. Neste sentido,
procurou-se investigar a trajetória do republicano Romualdo Alves de Oliveira durante o
período que cobre a pesquisa. Como republicano abolicionista, era conhecido como
advogado, profissão que exercia como rábula. A partir do percurso trilhado por Romualdo
Oliveira, tanto no Recife quanto na cidade do Rio de Janeiro, aqui atuando nos movimentos
abolicionistas, o estudo em questão visa apontar a participação política ativa dos republicanos
abolicionistas na imprensa em meados oitocentistas na província de Pernambuco.

Palavras-Chaves: Republicanos, Imprensa, abolicionismo, Pernambuco, século XIX.


ABSTRACT

The objective of this research is to rescue the political culture of the republican press
in the abolitionist debates in the province of Pernambuco between the 1848 and the 1875. The
phenomenon of the dissemination of republicanism was analyzed in this region and it was
linked to the emancipationist debates in its political pages. At the same time, the points of
intersection and distance between these two movements were highlighted. Such points can be
verified through the analysis of the republican newspapers at the time. We chose to analyze
newspapers from that time; also, bibliographic research about the issue was used.

The study analyzes the group of historical republicans who discussed slavery’s aboli-
tion in their printouts and who took part in the 1848 generation, called by Pernambuco Histo-
rians as “Quarante-Huitard”. Such endeavor makes it intricate a given interpretation of our
national History, which is, in its turn, more connected to the most recent regional historio-
graphical interpretations about rethinking the 19th century society. Considering this group
will be fruitful as to access the understanding of the rising of an abolitionist republican culture
in Recife during the second half of the 19th century.

I searched an understanding of how the Republicans of that generation used to discuss


republicanism linked to emancipation moves. Thus, working with definitions such as “socia-
bility”, “political culture” and “expectancy outlook” was an essential for this study.

In order to exemplify the role of these Republicans we will be guided by the historical
reconstruction of the life of one of these historical republicans. In this sense, we sought to
investigate the history of the republican Romualdo Alves de Oliveira during the period stud-
ied in this research. As an abolitionist republican supporter, he was known as a lawyer, an
occupation for which he was not graduated in. Based on life of Romualdo Oliveira, both in
Recife and in the city Rio de Janeiro, where he took part in abolitionist movements, this re-
search aims to point out the active political participation of abolitionist republicans in the
press in the mid-19th century in the province of Pernambuco

Keywords: Republicans, Press, abolitionism, Pernambuco, 19th century


SUMÁRIO

LISTA DE ILUSTRAÇÕES 1
LISTA DE QUADROS 1
INTRODUÇÃO 2

CAPÍTULO I A EMANCIPAÇÃO NA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO 11


1.1. As origens do republicanismo em Pernambuco ................................................11
1.2. Do radicalismo da Praia à difusão do pensamento republicano no Recife .......18
1.3. A geração Quarante-Huitard: da cultura impressa às ações..............................29
1.4. “Fazemos votos pela a prosperidade desta associação, ela é de todos e porque a todos
pertence”: a Associação de Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação dos Captivos em
Pernambuco (1859-1861).............................................................................................40

CAPÍTULO II OS DEBATES EMANCIPACIONISTAS E ABOLICIONISTAS NA MIRA DOS


IMPRESSOS REPUBLICANOS (1848-1875) 50
2.1. Entre histórias e impressos republicanos ..........................................................54
2.2. Republicanos emancipacionistas e abolicionistas: trajetórias de uma geração
antiescravista ................................................................................................................55
2.3. Os debates emancipacionistas republicanos .....................................................69
2.4. A Lei do Ventre Livre (1871) e a proposta de Abolição Total nos impressos
republicanos .................................................................................................................78

CAPÍTULO III ROMUALDO ALVES DE OLIVEIRA: A TRAJETÓRIA DE UM


REPUBLICANO ABOLICIONISTA (1825-1895) 89
3.1. Do interior para a cidade do Recife: percursos de republicano cosmopolita ....90
3.2. Recompondo histórias: de alfaiate à produção de impressos republicanos na segunda
metade do século XIX ..................................................................................................92
3.3. A política e a tribuna como palcos de ação e mobilização .............................114
3.4. Cinco livros .....................................................................................................121

CONSIDERAÇÕES FINAIS 128


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 131
PERIÓDICOS 146
FONTES MANUSCRITAS 147
DICIONÁRIOS E CATÁLOGOS 148
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fig. 1. A Memória de Dr. João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão. p. 49.


Fig. 2.. Caricatura de Romualdo Alves de Oliveira. p. 78 .
Fig. 3.. Ônibus do Cláudio na rua do Crespo em Santo Antônio. p. 85.
Fig. 4. Ônibus Estrutura da capa do Jornal O Brado do Povo. p. 92.
Fig. 5. Estrutura da capa do Jornal O Brado do Povo. p. 94
Fig. 6. Capa d’O Democrata, destacando a figura de um jovem romano sobre túmulo de Manoel P.
Moraes. p. 93.
Fig. 7. Capa do Jornal A República .p. 98.
Fig. 8. Capa do Jornal A República Federativa. p. 100
Fig. 9. Capa do Jornal A Luz. p.101
Fig. 10. Assinatura de Romualdo Alves de Oliveira. p. 108
Fig. 11. Contra-capa da obra: Direito Criminal – O crime de estupro e suas consequências. p. 112

LISTA DE QUADROS

Quadro 1. Periódicos republicanos publicados no Recife em 1850. p. 35.


Quadro 2. Associações Abolicionistas em Pernambuco - 1850 a 1875, p. 39.

1
INTRODUÇÃO

A presente dissertação empenha-se em resgatar a cultura política dos impressos


republicanos nos debates abolicionistas na província de Pernambuco entre os anos de 1848 a
1875. O embrião deste trabalho deu-se a partir das leituras sobre a imprensa negra no Brasil,
especificamente a produzida pelo jornal O Homem: realidade constitucional ou dissolução
social (1876), batizada como primeiro jornal abolicionista a circular na província de Recife na
segunda metade do século XIX.1
Com base na historiografia sobre a abolição e seus processos de emancipação,
elaboramos um trabalho de conclusão para o curso para graduação em História pela
Universidade Federal do Rio de Janeiro, orientado pelo professor Flávio Gomes dos Santos.
Sua orientação e suas aulas provocativas tinham a capacidade de deixar qualquer um(a)
maravilhado(a) por várias razões. Dentre elas, destaco a necessidade apontada pelo professor
de conhecer a história do movimento abolicionista nas províncias brasileiras. Neste caso
especifico, escolhemos analisar esse processo na região de Pernambuco, visto ser o lugar de
onde sou natural. Após o ingresso no Programa de Pós-Graduação de História da
Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF), o projeto inicial sofreu algumas
reformulações e desdobramentos, na medida em que se avançava nas disciplinas do curso, no
acesso às literaturas, bibliografias, e no estudo das fontes, e também no decorrer da orientação
da professora Hebe Mattos.
O projeto inicial consistia na proposta de investigar os impressos de cunho liberal e
conservador que tratavam sobre as implicações da questão escravista do final de 1860. O
objetivo central desse projeto era o de captar os debates emancipacionistas e/ou abolicionistas.
Tal estudo, porém, já havia sido bem apresentado na tese de doutoramento de Celso Castilho,
professor da Universidade de Vanderbilt.2

1
Sobre essa afirmação, Cf. SILVA, Leonardo Dantas. A imprensa e a abolição. Recife: Fundaj, Massangana,
1988; VALENÇA, Rafaela de Andrade Galvão. Felippe Nery Collaço: um homem de cor, de letras e de números
(1815-1894). Dissertação de Mestrado em História – Universidade Federal de Pernambuco, Pernambuco, 2016;
HOFFNAGEL, Marc Jay. “O Homem”: raça e preconceito no Recife. CLIO: revista de pesquisa histórica, n.1,
2016; Para uma visão geral da imprensa negra no Brasil, Cf. PINTO, Ana Flávia Magalhães. De pele escura e
tinta preta: a imprensa negra do século XIX (1833-1899). Dissertação de Mestrado em História – Universidade
Federal de Brasília, Brasília, 2006. Especialmente o capítulo 2. “Do Leão do Norte seguiu a notícia”. p. 55-101.
2
CASTILHO, Celso. Abolitionism Matters: the Politics of Antislavery in Pernambuco, Brazil. 1869-1888. Tese
de doutorado, Universidade de Califórnia, Berkeley, 2008; Há que se ressaltar a importância de seus artigos que
contribuíram para a presente pesquisa, Cf. “Já é lei no Brasil nascer-se livre”: a politização da Lei de 1871 em
Pernambuco”. In: Gomes, Flávio e Domingues, Petrônio (Org.). Políticas da Raça: experiências e legados da
abolição e da pós-emancipação no Brasil. Tradução de Fernanda Bretones Lane. São Paulo: Selo Negro, 2014, p.
2
Para nossa surpresa, nos deparamos com uma série de impressos republicanos contra a
escravidão, particularmente do período da praieira à formação do Partido republicano
positivista em 1875. Percebemos assim que o antiescravismo na província de Pernambuco
precede aos marcos que comumente são instituídos pela historiografia brasileira. Esta, que ao
sistematizar a origem de tal movimento, tem o costume de enquadra-los em “caixinhas”
historiográficas. E agora vem a questão: como chegamos a esse material?
Os jornais em questão foram sendo analisados no decorrer da investigação e
orientação, assim como da verticalização das disciplinas. Por esses e outros fatores, inerentes
ao historiador e ao seu objeto de pesquisa, foi possível perceber que esse movimento
carregara consigo uma tradição bastante vívida na pena dos republicanos.
Dado o extenso período de tempo durante o qual esse material foi produzido, foi
necessário estabelecer um recorte temporal para viabilizar a análise do material. Nosso
recorte, assim, contempla a fase de transição da imprensa oitocentista de artesanal a
empresarial. Há duas razões para a escolha deste período: uma delas é o fato de este ser ainda
pouco explorado pela história. A outra deve-se a circulação do republicanismo ganhar maior
quantidade de impressos.
Ao nos depararmos com a pouca bibliografia sobre o tema da abolição em
Pernambuco – em especial para trabalhos que tomem os republicanos nesse campo –
apoiamo-nos nas pesquisas da história da imprensa. O motivo de tal abordagem repousa sobre
a questão de que tais leituras ajudaram a lidar com as múltiplas temporalidades e retóricas do
século XIX, nos auxiliaram os estudos de Werneck Sodré, Marialva Barbosa, Marco Morel,
Luiza Martins, José Murilo de Carvalho e, em especial, a historiografia regional
pernambucana, através de obras como a de Francisco Augusto Pereira da Costa, Alfredo de
Carvalho e Luiz do Nascimento que catalogaram e registraram grande parte dos jornais
pernambucanos.3

17-34. Do mesmo autor, “Propõem-se a qualquer consignação, menos de escravos: o problema da emancipação
em Recife, c. 1870”. In: Tornando-se livre: Agentes históricos e lutas sociais no processo de Abolição.
CASTILHO, Celso Thomas & MACHADO, Helena P. T. (Org). São Paulo: EDUSP, 2015.
3
Cf, BARBOSA, M. História cultural da imprensa: 1800-1900. Rio de Janeiro: Mauad X, 2010; SODRÉ, N. W.
História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Maud, 1966; MOREL, Marco. As transformações dos espaços
públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial, 1820-1840. São Paulo: Hucitec, 2005;
MARTINS, Ana Luiza & LUCA, Tânia Regina de (Orgs). História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto,
2008; CARVALHO, José Murilo de e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das (org). Repensando o Brasil dos
Oitocentos. Repensando o Brasil do Oitocentos: Cidadania, Política e Liberdade. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2009. Para a historiografia da imprensa mais regional, ver: COSTA, Francisco Augusto Pereira da.
Dicionário biográfico de pernambucanos célebres. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1981
{1882}; CARVALHO, Alfredo de. Annaes da Imprensa Periódica Pernambucana de 1821 a 1908. Recife:
3
Tais trabalhos são objetos de investigação importantíssimos para quem pretende
mergulhar na sociedade pernambucana desde o Brasil colônia, passando ao império e
atravessando a república. Durante a investigação, uma pergunta que se tornou crucial foi: será
que os jornais monárquicos explorados pela pesquisa mais atualizada – a de Celso Castilho–
foram os primeiros a tratar sobre a temática da questão escravista nesta província? A resposta
que encontramos é: não. E segue o embasamento: pode-se comprovar que uma tradição de
escritores públicos recifenses, havia tempos, vinha defendendo a bandeira republicana de
matriz americana e francesa, empunhando em seus pendões a perspectiva emancipacionista,
tal como fizeram parte da criação de seus órgãos de imprensa.
Intrigado com tal questionamento, procurei ir além: registrei todos os jornais de
orientação republicana que foram publicizadas na imprensa pernambucana no período que
cobre nosso objeto de investigação. E, no conjunto desses impressos políticos, dezenas
posicionavam-se como antiescravistas. Em vista disto, a proposta preliminar foi tomando
novo significado à medida que encontrávamos debates contra a escravidão nos órgãos de
imprensa republicana circulantes pelo Recife mais especificamente no período anterior à
formação do Partido na corte do Rio de Janeiro em 3 de dezembro de 1870 e à Lei do Ventre
Livre, de 28 de setembro de 1871.
Essa produção relativiza a percepção inicial de que o jornal d’O Homem tenha sido o
primeiro impresso abolicionista do Recife. E quem afirma esse dado histórico é Leonardo
Dantas Silva em sua obra “Imprensa e abolição”, publicada no centenário da abolição em
1988. Anterior à circulação do referido jornal, é possível encontrarmos impressos de cunho
abolicionistas. As manifestações de ruas, publicações baseadas numa ótica antiescravistas nos
jornais do partido liberal foram bastante exploradas por Celso Castilho em seu trabalho de
doutoramento. O referido autor ao investigar os meetings, festas e teatros em torno da questão
emancipacionistas apresentou a enorme politização dos grupos liberais que trataram sobre a
política da escravidão.4 Seguindo outro rumo, procuramos aqui retroceder temporalmente e
direcionar nosso olhar para a articulação da questão antiescravista já desde o contexto da
Insurreição da Praieira até a geração de republicanos positivistas que destacaram a grande
importância na organização do movimento republicano na província pernambucana.

Typografia do Jornal do Recife, 1908; NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-
1954), 9 v. Recife: UFPE, 1969; Catálogo de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro (1808-1889) existentes na
Biblioteca Nacional. Anais da Biblioteca Nacional, Vol. 85, ed. fac-similada. Rio de Janeiro, 1965. p. 1-208.
4
CASTILHO, ibid, 2008.
4
Está posto, assim, o marco da pesquisa: de 1848 a 1875, cuja configuração a partir
deste ponto se inicia. A historiografia republicana e do movimento abolicionista pouco tem
ressaltado a participação de republicanos em sua agenda política. No entanto, recentemente
esse protagonismo vem sendo comprovado mediante ao amplo ativismo que a linguagem
republicana empregava na defesa de seu ideário político e social. É o que mostra Flávia
Bruna Ribeiro (UFPE) em sua dissertação "Ditadura, Abolição e República", defendida em
2017.
Na pesquisa Flávia Ribeiro procurou demonstrar que um grupo de jovens republicanos
positivistas de 1875 a 1889, oriundos da Faculdade de Direito do Recife tiveram suas agendas
voltadas para o fim da escravidão ao combaterem o regime monárquico e propagarem o
ideário republicano-federativo. Com essa proposição, Flávia Bruna Ribeiro desnuda um
ativismo pouco considerado pela historiografia local e brasileira, que ainda insiste em negar a
participação desse grupo no debate antiescravista.
O marco cronológico escolhido para este trabalho antecede, justamente, o recorte da
referida pesquisa de Flávia Ribeiro. Neste recorte, procuramos destacar o protagonismo de
republicanos históricos antiescravistas e de seu republicanismo através dos órgãos de
imprensa. Estes grupos também se organizaram através de sociedades abolicionistas e órgãos
de imprensa para mobilizar a opinião pública no sentido de convencer a nação brasileira de
que o melhor sistema de governo para seu povo era o republicano. Diante dos programas
como o da federação das províncias, nacionalização do comércio a retalho, reforma
constituinte, condenavam a mão-de-obra escrava e, consequentemente, destacavam-se como
abolicionistas nos seus impressos.
A participação desses grupos no processo abolicionista é parcamente conhecida e,
quando apresentada, seus protagonistas históricos emergem, antes, como meros exemplos
dessa militância política, configurando assim ao menos, injustiça e desconsideração extremas,
dada a importância destes homens para a história deste país. Este é o caso de indivíduos como
Luiz Gama, José do Patrocínio, Lopes Trovão e Vicente de Souza. Suas trajetórias fazem parte
de uma tradição de republicanos históricos que se incumbiram de disseminar o
republicanismo de viés democrático atrelado ao abolicionismo, diferentemente daquele que
viria a ser instaurado sobre um golpe político em 1889. A partir disso, inquirimos o porquê de
as dissonâncias das realidades vividas por esses republicanos históricos diferenciarem-se da
geração positivista.

5
Sendo contrários à monarquia constitucional, não se omitiram em destacar seus
princípios radicais e liberais através da imprensa: espaço de sociabilidade em que acreditavam
ser o melhor instrumento de reivindicação social e político, cujos ideais de civilização e nação
procuravam defender através da instauração de um governo democrático-federativo.
Acompanhar o engajamento político destes republicanos após a praieira nos faz
perceber que os acontecimentos a partir de 1848 não significaram apenas uma disputa entre as
duas facções políticas do governo imperial pelo poder político local. Representaram também
uma série de manifestações políticas, sociais e culturais que têm os republicanos na sombra de
seus acontecimentos. A historiografia contemporânea é bem pontual quando se remete a esses
indivíduos, ficando ainda eles subsumidos desses acontecimentos na história.
Ao buscar informações sobre estes personagens, procuramos apresentá-los em suas
contradições e convicções. É possível perceber que, ao se encarregarem de advogar a
república nos moldes da república dos Estados Unidos, esses sujeitos históricos também
procuraram se tornar deputados provinciais. Não obstante, não conseguiam o número de votos
suficientes; e, se o alcançavam, eram proibidos de assumir o posto, como ocorreu com o
republicano Antônio Borges da Fonseca.5
A cada jornal identificado como republicano, nos convencemos de que se
descortinavam personagens com historicidades pouco reconhecidas, a exceção do jornalista
Borges, já mencionado e com vasta bibliografia sobre sua trajetória. Foi por este motivo que
procuramos dar visibilidade à trajetória dos poucos conhecidos à luz dos movimentos
emancipacionistas e republicano.
Uma vez no encalço de um desses participantes do movimento emancipacionista e
republicano, até os dias de hoje, pouco conhecidos ou destacados, fomos capazes de reunir um
corpo documental com fontes que excedem os limites desta pesquisa. Ao percorrer cada
trajetória, muitas foram inseridas no texto, algumas apresentadas, e outras nem ao menos
aproveitadas, mas que integrarão estudos pósteros. Assim sendo, catalogamos o possível sobre
a trajetória e sobre os escritos de Romualdo Alves de Oliveira.
O critério de escolha deste material baseou-se em seu percurso exemplar e, da mesma
forma, prestando ao entendimento sobre as lutas, os obstáculos, os impasses e o protagonismo
travados pelo seu círculo de amizades.

5
Para biografias analíticas sobre Borges da Fonseca, cf. RICCI, Maria Lúcia de Souza Rangel. A atuação
política de um publicista. Campinas: PUCC, 1995; SANTOS, Mário Márcio de A. Um homem contra o
Império: Antônio Borges da Fonseca. João Pessoa: A União, 1994.
6
Como era escritor público, procurou aliar essa profissão a de advogado, atuando como rábula.
Enquanto exercia os dois ofícios, fez circular periódicos de grande importância para que o
republicanismo se mantivesse ativo nesta região.
Herdeiro do republicanismo e abolicionismo pernambucanos do tempo da praieira, a
trajetória deste personagem oriundo da cidade de Goiânia, interior de Pernambuco, serve
como exemplo, em maior ou menor escala, para compreendermos como era ser republicano
no século XIX. Também nos auxilia no entendimento de como estes cidadãos atuavam em
diferentes ofícios como estratégia de sobrevivência na sociedade monárquica. Em suas folhas,
tratou de temas políticos dos mais diversos: imprensa, partido republicano, república e
abolicionismo no Recife, imprensa antiescravista, Liga Progressista, Guerra do Paraguai, Lei
do Ventre Livre, etc.
Circulando entre a elite política e intelectual de Pernambuco, Romualdo sempre
defendia sua oposição à monarquia e, através da imprensa, fez campanha sistemática pela sua
dissolução. Entre realidades e dissoluções, o movimento republicano e seus defensores
apropriaram-se do passado e do presente para atuar perante os problemas presentes,
desqualificando assim o governo monárquico e seus partidos. Do ponto de vista
metodológico, inscrevemos essa pesquisa no campo da História Social da Cultura, cujo foco
são os caminhos sugeridos por Roger Chartier. O historiador, pertencente à chamada Terceira
Geração dos Annales, enfatiza os modos de representação e da construção discursiva das
identidades e subjetividades que, por sua vez constituem-se em reflexos daquilo que se
conhece por virada linguística.
A ideia é escrever uma narrativa histórica interpretativa de tudo o que corresponde e
está ligado ao homem na sociedade. Fundamentados nesta abordagem é possível recuperar a
observação das representações cotidianas, crenças e normas de conduta, e também recuperar a
cultura letrada, as diversas manifestações sociais de determinados grupos ou a produção
cultural dessa sociedade; enfim, uma gama infinita de eixos fundamentais ligados ao
polissêmico termo “cultura” que é analisada pelo campo da história cultural.
Assim, os pesquisadores compreenderam que, de alguma forma, é grave negar a
importância de lutas empreendidas por parcelas da população relegadas ao esquecimento, e
que essa relação de enfrentamento poderia significar um modo primordial de exercício de
poder. Entende-se aqui o conceito de poder para além do social, para além do político e, quem
sabe, aproximando-se de uma descrição do que seria o cultural.

7
O objeto aqui tratado percorre os passos de republicanos que historicamente atuaram
no processo de politização da história do republicanismo e abolicionismo, motivo esse que se
desenvolveu devido a muitos historiadores e historiadoras desvincularem a história dos
republicanos do movimento abolicionista. Ao longo do trabalho procuraremos mostrar o que
nos parece a criação de uma certa ruptura entre ser republicano e antiescravista após o
advento do Manifesto do Partido Republicano em 1870. Todavia, existiram sujeitos históricos
que intercruzavam essas duas fronteiras de pensamento mesmo antes da formação do Partido
na Corte (1870) e da Lei do Ventre Livre (1871).
Da mesma forma, o presente objeto de pesquisa procura resgatar a militância política e
social de seus membros, militância essa que foi transformando perspectivas e conceitos, e
criando metodologias próprias que lhes possibilitaram ganhar adesão e aceitação por grande
parte da sociedade brasileira. Desta forma, vamos contra a tese de que “o povo assistiu
bestializado” a proclamação da república que fora instituída através de um golpe de militar
em 1889.6
O que esses periódicos mostram é que parte da sociedade pernambucana estava
entronizada e em contato com um múltiplo vocabulário do que era ser republicano e
monarquista.7 Neste sentido, a imprensa republicana aqui analisada é nossa fonte e objeto de
estudo. Inserir estes importantes personagens no movimento da história nos auxilia a pensar
como esse grupo de redatores dessa imprensa construíram e representaram a sua relação com
a realidade social.

6
A expressão é do jornalista e republicano Aristides Lobo que a cunhou, em 18 de novembro de 1889, ou seja
três dias após os eventos de 15 de novembro de 1889. Nesta visão, o país, segundo o mesmo “dormiu
monárquico e acordou republicano”. A frase exprime a falta de participação popular na tomada das grandes
decisões de Estado, algo que não corresponde com a realidade, tendo em vista que o movimento social da
abolição e da república envolveu uma série de agências e processos em que culminou na organização e
mobilização de várias facções políticas em prol a concretização de suas reivindicações e demandas políticas.
Está frase está transcrita na biografia por A. de LYRA TAVARES. Aristides Lobo e a República. Rio de Janeiro:
vol. 205, Coleção Documentos Brasileiros, 1987, pp. 26-27; Vide. CARVALHO, José Murilo de. Os
Bestializados. Rio de Janeiro: das Letras, Companhia 1987.
7
Por conseguinte nos guiamos pela mesma orientação que a historiadora Claudia Santos tem procurado
demostrar em suas pesquisas sobre os republicanos abolicionistas do Rio de Janeiro, ou seja, que principalmente
da década de 1870, tem vários abolicionistas que vão oscilando entre ser monarquistas e republicanos, na medida
em que aquilo fosse de interesse para causa maior que era causa abolicionista e não à causa republicana. Cf.
SANTOS, Cláudia. Por uma história republicana da abolição. Rio de Janeiro: (em fase de elaboração), 2020,
Capítulo V. p. 4.
8
Por conseguinte, não descartamos as dificuldades – inerentes à pesquisa e ao contexto
com o qual nos defrontamos –, ao percorrer esses documentos oitocentistas: fragmentados, os
estudos da imprensa que se voltam para esse tema tem vasta lacuna quando se trata de analisar
a região em tela.
A imprensa aqui tratada tem recortes cronologicamente bastante relapsos, não
existindo ainda uma produção mais orgânica e abrangente. A documentação básica utilizada
como fonte são os jornais. Por isso, o texto debruçar-se-á em torno da produção desses
escritores públicos e jornais da época.
Ao mirarmos na trajetória de alguns republicanos, voltaremos nossa atenção para
experiências pouco reconhecidas, mas que, quando questionadas acerca dessa marginalização,
percebe-se que comportam narrativas que discutem desde os conceitos, a abordagens
políticas, cruciais para o entendimento do movimento republicano e abolicionista no Recife.
Seguindo essa reflexão, no primeiro capítulo da dissertação objetiva-se apresentar o contexto
político pós-praieira e historicizar o conceito geração quarante-huitard utilizados para
qualificar esses grupos de republicanos históricos. Esses homens públicos estão pouco
presentes na historiografia do republicanismo, e menos ainda do abolicionismo.
No segundo capítulo, ao percorrer as trajetórias desses republicanos vemos o quanto
vários deles provinham de diferentes classes e grupos profissionais. A ideia neste capítulo é a
de evidenciar os vários ofícios que estes personagens ocupavam, que jornais produziram e
quais debates registraram. Por meio da análise dos jornais, percebemos a existência de dois
tipos de posicionamentos políticos em relação a escravidão: a perspectiva emancipacionista
lenta e gradual e a perspectiva abolicionista e imediata.
O último capítulo, terá como foco a atenção para a trajetória de Romualdo Alves de
Oliveira. Seu republicanismo merece uma atenção pormenorizada na pesquisa justamente
pela militância política e pela sua contribuição nos diversos jornais que fez circular na cidade
do Recife.
O personagem nos é interessante por conta das articulações que desenvolveu durante
sua vida, já que sua história se cruza com vários republicanos na imprensa abolicionista
pernambucana. Este intelectual circulou e procurou se engajar em diferentes espaços de
sociabilidades e cidades (Recife e Rio de Janeiro) a favor do fim da escravidão, em décadas
muito antecedentes à da última década da abolição e da Lei 28 de setembro de 1871.

9
Diante do exposto, o estudo da carreira de Romualdo Alves de Oliveira na imprensa
pode ser lido como uma janela para investigar também outras histórias, uma vez que
atravessou todo o século XIX. É por essas linhas que pretendemos apresentá-lhes, caros
leitores(as), elementos da trajetória de republicanos históricos poucos reconhecidos na escrita
da história, mas que juntos contribuíram vastamente para que as ideias de democracia e de
direitos sociais e políticos tivessem a compreensão que atualmente conhecemos.
Afinal, suas participações nos movimentos políticos, sociais e culturais de sua época
forneceram a estes vultosos personagens as ferramentas necessárias para, através de seus
periódicos políticos, instruir e disseminar o ideal republicano, custando, inclusive a própria
vida de alguns destes homens incríveis.

10
CAPÍTULO I

A EMANCIPAÇÃO NA PROVÍNCIA DE PERNAMBUCO

No Brasil imperial (1822-1889), existiram diferentes grupos da sociedade civil que


mobilizaram maneiras diversas de se fazer e pensar a política para além da existência dos dois
partidos monárquicos consolidados no Segundo Reinado. Esse é o caso de liberais radicais,
aqui por nós tratados: os republicanos históricos, que ao disputar o poder político na província
pernambucana procuraram conquistar a opinião pública através dos órgãos de imprensa. Por
trás dessa articulação, este capítulo busca contextualizar o período histórico e político em que
a chamada geração quarante-huitard atuou na imprensa pernambucana e, posteriormente,
numa das primeiras sociedades emancipacionistas pernambucanas.
A partir do marco temporal que compreende o movimento praieiro em 1848 até
formação da primeira sociedade abolicionista dirigida por membros do Partido Republicano
em 1859 e seguindo os estudos da história da imprensa pernambucana de Luiz do
Nascimento, é possível dimensionar que cerca de dezesseis impressos republicanos circularam
pelo Recife.8 Neste sentido, aqui analisamos as origens do republicanismo em Pernambuco,
para depois partir para a análise da formação da imprensa republicana no período praieiro,
momento no qual alguns jornais problematizaram a emancipação em seus artigos, para além
de difundir valores, normas e crenças que os republicanos compartilhavam.

1.1. As origens do republicanismo em Pernambuco

Ao voltar nossa atenção para história do movimento republicano em Pernambuco, que


tem suas raízes no Brasil colonial, lidamos com uma historiografia bastante vasta, que vai
desde aquelas produzidas no final do século XIX até aquelas que foram produzidas após as
comemorações centenárias da proclamação da república (1989).9

8
Os dados dos periódicos foram retirados de: NASCIMENTO, Luiz do, História da Imprensa de Pernambuco.
Volumes V, VI, Recife, EdUFPE, 1966-1970. Dados sobre a publicação de periódicos da primeira a segunda
metade do século XIX podem ser obtidos em: BRAGA, Flávia, “Ditadura”, Abolição e República: a
propaganda da geração positivista em Pernambuco (1875-1889). Dissertação de Mestrado – Universidade
Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós Graduação em História, Recife 2017. pp. 245-257 (ANEXO
B) – Periódicos circulantes em Pernambuco (1875-1889).
9
Para a historiografia oitocentista, ver: BUARQUE, Felício. Origens Republicanas. Recife: F. Soares Quintas,
1894.
11
Ao ganhar maior atenção e interesse por parte dos pesquisadores políticos e
historiadores para explicar a queda do império, os temas relacionados ao Brasil republicano
passaram a ser motivo de disputa entre civis e militares. Autores como Felício Buarque e
Oscar de Araújo, destacaram em suas obras que o sentimento republicano já estava presente
nas revoltas do século passado e que tais aspirações eram populares e coube a propaganda
republicana de 1870, com alguns militares presentes, fazer estas ideias penetrarem em todas
as classes sociais.
Depois da interpretação historiográfica acima citada, outras seriam realizadas nas
décadas seguintes, destacando-se as que ressaltam as decepções com a república. É o caso de
Oliveira Viana, cuja interpretação atribui que o 15 de novembro 1889 estava intimamente
ligados apenas a Questão Militar, movimento responsável por destronar o imperador D. Pedro
II.10 Esta linha de interpretação viria a ser reavaliada por autores como Leôncio Basbaum, que
ampliou as explicações da derrocada do império brasileiro. Em sua interpretação, Basbaum
considerou fatores conjunturais como estruturais da época, o que pode ser considerado uma
superação, inclusive, das análises marxistas de Caio Prado Júnior e Nelson Wenerck Sodré.
Estes últimos explicavam que a queda do regime imperial deveu-se ao fato das instituições
vigentes estarem ultrapassadas, o que tornavam a república um sistema inevitável.
A interpretação de Basbaum foi além das respostas dadas por Caio Prado Júnior e
Nelson Werneck Sodré ao explicar que o fim do Brasil Império se deveu tanto por conta da
abolição da escravatura, como da Questão Religiosa e da Questão Militar.11 Críticas às
análises marxistas seriam realizadas por autores como Edgar Carone, para quem o
republicanismo significou um movimento social e político e que dissociava a Proclamação da
República da abolição da escravatura. Perspectiva contraditória, tendo em vista que existiram
grupos de republicanos abolicionistas que combateram a monarquia. Salientamos aqui que
tais grupos políticos existiram na província de Pernambuco e a eles couberam o papel de
disseminar as principais reivindicações sociais e políticas referentes à linguagem republicana.

10
OLIVEIRA VIANA, Francisco José de. O Ocaso do Império. São Paulo: Companhia Melhoramentos de São
Paulo, 1825. Na mesma linha interpretativa, ver: COSTA, Emília Viotti da. Da Monarquia à República:
momentos decisivos. 5. Ed. São Paulo: Ed. Brasiliense,1991, pp. 283-284.
11
É possível ver essas linhas interpretativas nas seguintes obras: PRADO JÚNIOR, Caio. Evolução Política do
Brasil. São Paulo. Revista dos Tribunais, 1993; SODRÉ, Nelson Wenerck. História da Imprensa no Brasil. 4ª
Ed. Rio de Janeiro: Maud, 1999; BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. São Paulo, Edições
L&B, 1963. Sobre a Questão Religiosa, ver: RAMIRO JUNIOR, Luiz Carlos. Entre o Syllabus e a constituição
moderna: debates políticos em torno da Questão Religiosa (1872-1875) no Brasil. 201 f. Dissertação (Mestrado
em Ciência Política) – Instituto de Estudos Sociais e Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2014.
12
Esse republicanismo precede aquele presente na imprensa da Corte que marcou o
discurso de diferentes jornalistas conhecidos por “liberais exaltados”, que foram bastantes
críticos ao regime Monárquico-Constitucional no Brasil Império, no final do Primeiro
Reinado. Ao escrever sobre este período, Marcelo Basile anotou: “(...) Imprensa, Câmara dos
Deputados e movimentos de rua foram os palcos privilegiados de manifestação do
republicanismo na Corte”.12 Não tão diferente da realidade da Corte, o republicanismo na
província de Pernambuco teve nestes mesmos espaços palcos privilegiados, lembrando que,
no mundo da imprensa, essa atuação tem sua marca desde os movimentos revolucionários de
1817 a 1824.
A luta pelo federalismo em Pernambuco tem uma longa tradição e pesquisas mais
atuais em torno deste tema têm apontado às especificidades do significado do conceito de
república, logo nos primeiros anos do Brasil Império.13 Segundo Christian Lynch e Heloisa
Starling, tais significados de “república” no Brasil tinham - por volta de 1821 a 1834 -, por
predominância, o sentido aproximado dado para a palavra “democracia”, compreendida pelos
contemporâneos como “ausência de privilégios” e “igualdade entre todos”.14
Neste sentido, nosso foco de análise será entender as especificidades deste conceito no
segundo reinado, especificidades estas que os impressos investigados aqui procuravam ilustrar
ao seu público leitor com a exposição das características positivas em relação a uma cultura
política republicanizada em relação à falência do regime imperial, desqualificando a
monarquia e enaltecendo a república.15 Ao analisarmos o contexto histórico do movimento
praieiro (1848) até o momento em que se organizaram o movimento positivista de base
cientificista (1875), é possível sinalizar que um grupo de republicanos históricos pertencentes
à geração de 1848 se incubiram de tratar sobre o emancipacionismo e, por vezes, o
abolicionismo em suas redações aliadas a crescente difusão de seu ideário político.

12
BASILE, Marcello Otávio Néri de Campos. O bom exemplo de Washington - o republicanismo no Rio de
Janeiro (c.1830 a 1835). In: Dossiê - republicanismo no Brasil do século XIX. Varia Historia, Belo Horizonte,
vol. 27, p. 17- 45, p. 19.
13
Cf. FONSECA, Silvia C. P. Brito. O conceito de República nos primeiros anos do Império: a semântica
histórica como um campo de investigação das ideias políticas. In: ANOS 90 (UFRGS. IMPRESSO), v. 13, p.
323-350, 2006. E também da mesma autora, FONSECA, Silvia C. P. Brito. A ideia de república no Império do
Brasil: Rio de Janeiro e Pernambuco (1824-1834). 1ª. ed. Jundiaí: Paco Editorial, 2016.
14
STARLING, Heloisa Maria Murgel e LYNCH, Christian Edward Cyril. República/republicanos. In: FERES
JÚNIOR, João (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
15
Silvia Fonseca caracterizou que a recorrência de tal linguagem, neste período, se deveu a articulação que os
membros desse pensamento político estabeleciam entre si, relacionando tais recursos e atributo linguísticos de
maneira articulada. Em oposição à monarquia, a república era louvada como forma de governo. Sobre o assunto
ver: FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de República no Império do Brasil: Rio de Janeiro e
Pernambuco (1824-1834). Rio de Janeiro: UFRJ, 2004 (História, Tese de doutorado).
13
Quando nos referimos a estas duas categorias, pretende-se enfatizar os modos distintos
que os republicanos avaliaram o problema de uma possível abolição da escravatura ou que
medidas deveriam ser tomadas como objeto de reflexão. E o que significava ser uma coisa ou
outra? Em linhas gerais, ser “emancipacionista” era advogar o fim da escravatura, buscando
alcança-la através de medidas paliativas e graduais. Por outro lado, propor medidas
‘abolicionistas’ se baseava na ideia de fim ou supressão imediata e radical da escravidão.
Tanto no primeiro reinado quanto no segundo, o emancipacionismo foi um movimento
de ideias que, o parlamento brasileiro procurou mediar em relação à abolição da escravatura,
sendo uma perspectiva precedente à própria abolição da escravatura no Brasil.16 Tais
discursos eram bastante claros sobre aquilo que pretendiam enfatizar quando analisavam as
sociedades escravistas, sempre despontando para as desigualdades do sistema escravista e
condenando a imagem do escravo.17 Exemplos desta produção são vários. Anterior mesmo ao
emancipacionista José Bonifácio defender a sua Representação contra a Escravidão, já em
1821 o Marquês de Queluz apresentou propostas emancipacionistas ao Parlamento, apoiado
na grande circulação de ideias que amplamente eram difundidas nos meios abolicionistas
ingleses, medidas estas que precedem aos anos 1870.
Com sua Memória sobre a necessidade de abolir a introdução de escravos africanos
no Brasil, sobre o modo e as condições com que esta abolição se deve fazer e sobre os meios
de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar, o Marquês de Queluz demarcava sua
contradição, pois, ao mesmo tempo em que reconhecia a necessidade de extinguir o tráfico de
escravizados, defendia a manutenção deste sistema no país.18

16
Em 1823, quando era deputado por São Paulo, Jose Bonifácio apresentou o projeto para a questão escravocrata
a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império. Sugeria prazo para o fim do comércio escravos no
país, e com este mesmo texto, refletiu sobre a vida jurídica, cultural e econômico-social dos escravos que seriam
libertados. Ver: ANDRADA E SILVA, José Bonifácio de. Representação à Assembleia Geral Constituinte e
Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura. In: MACIEL COSTA, João Severiano Maciel da.
Memórias Sobre a Escravidão. Rio de Janeiro/Brasília: Arquivo Nacional/Fundação Petrônio Portella/Ministério
da Justiça, 1988.
17
Essas referências antiescravistas podem ser encontradas nas rrevistas The Ediburgh Review e The Quarterly
Review na primeira metade do século XIX. Essa tarefa se deveu as representações que cronistas, viajantes e
cientistas da Europa, relatavam em suas viagens de estudos as províncias brasileiras, sobre o assunto ver:
COOPER-RICHET, Diana. De um Hemisfério ao Outro. O Papel das Revoluções na Circulação de Ideias: As
Representações da América do Sul na The Edinburg Review e The Quartely Review durante a primeira do
século XIX. In: LIVRO – Revista do Núcleo de Estudos do Livro e da Edição, Ateliê Editorial/ NELE. 2011. n.
1.
18
O Marquês de Queluz, titulo dado a João Severiano Maciel da Costa (1769-1833), em sua carreira ocupou
vários cargos, desde como Ministro do Império, Ministro da Fazenda, Conselheiro de Estado, presidente da
província da Bahia, até como Senador do Império do Brasil, entre os anos 1826 até por volta de 1833, ano de sua
morte. Para conhecer sua obra aqui citada, ver: COSTA, João Severiano Maciel da. Memória sobre a
necessidade de abolir a introdução de escravos africanos no Brasil, sobre o modo e condições com que esta
14
A proposta de uma abolição gradual foi também tomada por outros intelectuais
oitocentistas, como a publicação da Memória sobre a Escravatura e projeto de colonização
dos europeus e pretos da África no Império do Brasil, de Eloy Pessoa da Silva, em 1826.
Nesta obra, o autor discutia a importância de o governo imperial voltar para projetos políticos
de colonização compartilhada entre os índios, europeus e africano. Outro autor que se
interessou pelo tema foi Leopoldo César Burlamaque, que examinou os efeitos da escravidão
no futuro Estado-Nação em sua Memória analítica acerca do comércio de escravos e acerca
dos males da escravidão doméstica (1837).19
Apesar dos discursos antiescravistas acima apresentados demonstrarem quão forte este
tipo de movimento foi nas primeiras décadas do primeiro reinado, seu debate foi ganhando
maior expressividade na dimensão da esfera pública oitocentista à medida que publicistas de
orientações republicanas confrontavam os partidos imperiais no período que ocorria a disputa
parlamentar e partidária em meados de 1848. Seus grupos viam a público manifestarem seus
pontos de vistas, ora favoráveis à emancipação ora à abolição. Ainda no período do
movimento praieiro (1848), as tônicas sobre estes posicionamentos foram objeto de discussão
entre dois jornais republicanos.
Em conformidade com o historiador Marcus Carvalho, a origem do movimento
praieiro “está enraizada nas disputas das elites locais pelo governo de Pernambuco, que
começaram na Independência do Brasil. Mas ela também teve raízes nas disputas
parlamentares na Corte”.20 Raízes estas que sempre mantinham as elites regionais no controle
do poder regional, através de uma rede de clientelismo que vigorou por décadas na estrutura
da sociedade brasileira.21 Tendo em vista que as alternâncias dos referidos partidos causavam
desconforto por membros da sociedade civil, grupos de profissionais liberais se uniram sob a
bandeira dos princípios republicanos para reivindicar e competir na imprensa pernambucana
por um sistema político mais justo e democrático, cujos preceitos se baseassem nos princípios

abolição se deve fazer e sobre os meios de remediar a falta de braços que ela pode ocasionar (1821). In: COSTA,
João Severiano Maciel da. Memórias Sobre a Escravidão. Rio de Janeiro/Brasília: Arquivo Nacional/Fundação
Petrônio Portella/Ministério da Justiça, 1988. pp. 9-61.
19
SILVA, José Eloy Pessoa da. Memória sobre a escravatura e projeto de colonização dos europeus e pretos da
África no Império do Brasil (1826). In: COSTA, João Severiano Maciel da. op. cit., p. 416. A Memória de
Burlamaqui foi elaborada para um concurso realizado pela Sociedade Defensora em 1833, ver: Frederico
Leopoldo César Burlamaqui. Memória analítica acerca do comércio de escravos e da escravidão doméstica. Rio
de Janeiro: Typographia Commercial Fluminense, 1837. Disponível em:
http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00360900?show=full. Acesso em 26 de fevereiro, 2020.
20
CARVALHO, Marcus J. M de. CÂMARA, Bruno. A Insurreição Praieira. In: Almanack braziliense, São
Paulo, n.8, 2008. p. 38.
21
GRAHAM, Richard. Clientelismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ. 1997.
15
liberais, já que as garantias da Constituição de 1824, ao invés de conceder os direitos
políticos, privilegiavam apenas as duas facções que disputavam o poder na província.
Em torno da imprensa, esses grupos de republicanos federalistas procuraram difundir a
importância dos valores do sistema republicano, procurando convencer à população que lia e
eram alcançadas por suas informações à primazia do governo que advogavam. Esses impres-
sos cujos princípios eram advogados, são importantes documentos históricos que visam resga-
tar parte dos debates políticos que circularam na esfera pública do Recife, mesmo não existin-
do o Partido Republicano - que seria criado em 1870. Anterior à criação do mesmo, uma cul-
tura política já mantinha uma tradição bastante ativa, sendo forjadas por tipógrafos e redatores
de diferentes perfis sociais.
Alguns membros desta tradição de jornalistas e tipógrafos republicanos em
Pernambuco protagonizaram um republicanismo que destacavam os malefícios da escravidão,
por meio do qual trataram de questões como a emancipação. Não é fortuito que no decorrer de
suas trajetórias, é possível vê-los noticiarem em seus impressos à formação de sociedades
emancipacionistas, motivo este que demonstra grande relevância do movimento republicano
na questão emancipacionista no oitocentismo.
Para discussão teórica da imprensa, voltamos nossa atenção para os estudos de Tânia
Regina de Luca que, no seu artigo intitulado Fontes Impressas, problematizam esta fonte
como objeto de pesquisa, nos servindo de orientação para pensarmos o conjunto de impressos
a serem discutidos nesta pesquisa.22
Ao seguirmos esta abordagem, apropriamo-nos dos periódicos como fontes,
analisando-os não apenas como documentos concebidos uma dada realidade, mas sim
contextualizando com o debate teórico da História, pois, assim, garantimos o sentido da
objetividade na pesquisa histórica. Segundo esta estudiosa, “o debate em relação ao uso dos
impressos periódicos ganhou especial destaque nas últimas décadas do século passado”.23
Nossa atenção ao se dirigir para o marco temporal - da segunda metade do século XIX até
essas últimas décadas do século passado - representa o quanto esse tipo de produção impressa
vai ganhando aos poucos um público leitor específico, cuja leitura cultiva uma série de
representações políticas, sociais e culturais, das quais seus grupos políticos não concordavam
com a política vigente.

22
Para mais informações, ver: BASSANEZI, Carla Pinsky (orgs). Fontes Históricas. 2º Ed., 1º reimpressão, -
São Paulo: Contexto, 2008. pp. 111-112.
23
MARTINS, op. cit., 2008. p. 13.
16
Além da imprensa como fonte privilegiada, utilizamos também o conceito de cultura
política, fornecido pela historiadora Lynn Hunt que, ao estudar o impacto da Revolução
Francesa, interpreta como este evento foi recepcionado de diferentes maneiras e modos no
mundo ocidental. A Revolução teve reflexo aqui no Brasil e incidiu justamente nos debates
sobre a escravidão, tendo em vista que a Revolução da Ilha de São Domingos (1791) produzia
certos receios pelos partidos da Coroa e das autoridades governamentais da sociedade
escravista brasileira. O desenvolvimento de associações, sociedades secretas e manifestações
públicas passariam a demarcar uma relação de identidade entre seus membros, em diversas
frentes, desde a atuação na Assembleia Nacional ate livros, meetings, opúsculos, memórias e
periódicos.24
De forma metodologicamente parecida, deteremos nossa atenção ao republicanismo e
emancipacionismo presentes nos projetos dos jornais. Nestas matérias, se localizam artigos
que discorrem sobre quais perspectivas estes jornalistas pensaram em torno da escravidão,
posicionamento que ia de encontro ao projeto imperial. Neste sentido, os republicanos, ao se
referirem a cultura republicana, compartilhavam de valores, símbolos e percepções que
consideravam essenciais para aqueles que pretendiam advogar. Ao abordar tais narrativas, seu
conteúdo vai de encontro às visões que predominam as percepções dos partidos imperiais,
revelando uma face da cultura política oitocentista que parte da historiografia brasileira ainda
insiste em negar: o ativismo dos republicanos nos debates antiescravistas.
No período que se inscreve esta pesquisa, tais jornais formularam várias linguagens
políticas em torno do que entendiam por princípios republicanos, não deixando de vinculá-los
com a defesa da causa emancipacionista e abolicionista, tais como veremos no segundo
capítulo.25

24
Sobre nova cultura política, cf. HUNT, Lynn. Política, cultura e classe na Revolução Francesa. (Trad. port.).
São Paulo: Companhia das Letras, 2007 (1ª edição: 1984)
25
Refiro-me ao conjunto de atributos e recursos linguísticos que, de forma articulada e recorrente,
desqualificavam a monarquia e enalteciam a república enquanto forma de governo, tal como analisado por Silvia
Fonseca, que verifica a existência dessa mesma linguagem também na imprensa pernambucana e baiana na
primeira metade do século XIX. Cf. Idem. Contribuição para o estudo da imprensa federalista e republicana no
Império do Brasil: Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia (1820-1840). In: RIBEIRO, Gladys Sabina, e
FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz (orgs.). Linguagens e práticas da cidadania no século XIX.
São Paulo: Alameda, 2010. A historiografia da década de 1970 a 1990 ao se aterem às ideias republicanas da
época do primeiro reinado a regência não estava, tão somente, voltadas a um regime próprio do governo, mas a
elas havia o significado da coisa pública, ainda qualificando seus defensores como monarquistas. Os trabalhos
historiográficos originários dessa orientação são de grande importância, pois tem reinterpretado e
complexificado o significado dos conceitos no século XIX, em especial, por se tratar da história do Brasil
Império, ver: COSTA, Emília Viotti da. A consciência liberal nos primórdios do Império. In: Da Monarquia à
República: momentos decisivos. 5ª ed. São Paulo: Brasiliense, s/d.; CASTRO, Paulo Pereira de. A “experiência
17
Nas páginas que seguem, procuraremos contextualizar a formação da imprensa
republicana, justamente num momento histórico em que republicanismo passa a ser articulado
em oposição aos partidos imperiais. Da praieira até a organização de uma sociedade
abolicionista com republicanos a frente de sua direção, grupos de profissionais liberais se
utilizaram da imprensa para propagar o ideário republicano que, por muito tempo, aspiravam
como melhor sistema de governo. Além disto, alinhava a este pensamento político a
perspectiva de viés emancipacionista, atrelado à campanha da destituição do regime
monárquico. Isto significa considerar o que Leôncio Basbaum descreveu em relação às
origens dos republicanos depois da independência e dos movimentos de 1824 em adiante, ou
seja, “(...) homens para os quais a República era o sistema político ideal para o Brasil,
aspiração suprema e solução completa para todos os problemas brasileiros”.26

1.2. Do radicalismo da Praia à difusão do pensamento


republicano no Recife
Antes do movimento praieiro ganhar a repercussão política de uma guerra civil no
cenário nacional, a imprensa republicana já circulava a pleno vapor das máquinas tipográficas
do Recife oitocentista. É possível que sua produção tomasse de sobressalto os impressos
políticos do partido liberal e do partido conservador.

republicana”, 1831- 1840. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de; CAMPOS, Pedro Moacyr (orgs.). História geral
da civilização brasileira, t.II, v.2: In: O Brasil monárquico: dispersão e unidade. 5ª ed. São Paulo: Difel, 1985;
GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. Em nome da ordem e da moderação: a trajetória da Sociedade Defensora
da Liberdade e da Independência Nacional do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1990. (História,
Dissertação de mestrado); e RIBEIRO, Gladys Sabina. A liberdade em construção: identidade nacional e
conflitos antilusitanos no Primeiro Reinado. Rio de Janeiro: Relume Dumará/FAPERJ, 2002. Nesta dissertação
nos guiamos pelas abordagens da historiografia desenvolvida por Marcelo Basile, Marco Morel e Silvia Fonseca
que, ao se debruçarem no conceito de república, em fins do Primeiro Reinado e durante o período das regências
trinas, “compreendendo-o enquanto identidade, projeto ou linguagem política, relacionado a uma forma
específica de governo (eletiva e temporária)”. Ver: BASILE, Marcelo. O bom exemplo de Washington - o
republicanismo no Rio de Janeiro (c.1830 a 1835). In: Dossiê - republicanismo no Brasil do século XIX. Varia
História, Belo Horizonte, vol. 27, nº 45: p.17-45, jan/jun 2011. p. 19. Para mais informações sobre os estudos
que apontam para a importância da linguagem republicana como projeto político, ver: BASILE, Marcello Otávio
Neri de Campos. Anarquistas, rusguentos e demagogos: os liberais exaltados e a formação da esfera pública na
Corte imperial (1829-1834). Rio de Janeiro: UFRJ, 2000. (História, Dissertação de mestrado); BASILE,
Marcello Otávio Neri de Campos, Ezequiel Corrêa dos Santos: um jacobino na Corte imperial. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2001; MOREL, Marco. Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade. Salvador:
Academia de Letras da Bahia/Assembleia Legislativa do Estado da Bahia, 2001; MOREL, Marco. As
transformações dos espaços públicos: imprensa, atores políticos e sociabilidades na Cidade Imperial (1820-
1840). São Paulo: HUCITEC, 2005; e FONSECA, Silvia Carla Pereira de Brito. A ideia de República no Império
do Brasil: Rio de Janeiro e Pernambuco (1824-1834). Rio de Janeiro: UFRJ, 2004 (História, Tese de
doutorado).
26
BASBAUM, Leôncio. História Sincera da República. Das origens a 1889. vol. I, ed.4º. São Paulo, Alfa-
Omêga, 1975. p. 191.
18
Reunidos sob a bandeira de “órgãos” ou “clubes”, seus defensores se intitulavam
como verdadeiros representantes do povo, diante do qual seus periódicos políticos já
sistematizavam uma série de artigos voltados para instrução da forma do governo republicano
ao empreender a campanha política contra o império. Isto antes mesmo do partido da Praia
encabeçar sua resistência ao governo conservador. Frente a esse ativismo pouco destacado na
literatura do movimento republicano, como podemos avaliar as posições dos republicanos na
praieira? O que travaram em suas folhas políticas durante esse evento que marcou a última
das revoltas liberais ocorridas durante o Segundo Reinado?
Julgamos que um bom caminho para entendermos esse processo pode ser captado pela
análise das publicações da imprensa da época durante e após a revolta para tentarmos
dimensionar as implicações desse evento com relação à emancipação, à escravidão e ao
republicanismo. Dessa forma, acreditamos ser possível relacionar o impacto que o
antiescravismo exerceu para essa geração de republicanos históricos, mostrando, sobretudo,
como se articularam em torno de uma das primeiras sociedades emancipacionistas no Recife.
No ápice do movimento praieiro, por exemplo, os jornais republicanos: O Grito da Pátria, A
Reforma e A Verdade (1848), protagonizam a radicalização da defesa do sistema federativo
no país.
O primeiro deles – um dos mais importantes do grupo – circulou pelo Recife entre os
dias de 31 de maio até 18 de julho do corrente ano, perfazendo um total de treze números
saídos do prelo. Sabemos que era redigido por João de Barros Falcão de Albuquerque
Maranhão, conceituado poeta republicano que participou ativamente dos principais órgãos de
imprensa republicana do Recife oitocentista nos primeiros anos da década de 1830. O
segundo, diferente dos outros, ganhou publicidade semanal, entre 7 de julho até 19 de agosto,
todavia, pouco se sabe sobre quem foi seu redator.27 Já o terceiro foi redigido de maneira
irregular, por Afonso de Albuquerque Melo, gazeteiro que esteve à frente de vários jornais de
orientação democrática e que galvanizou importante trajetória política depois de se tornar, por
várias vezes consecutivas, deputado da Assembleia Legislativa Provincial de Santa Catarina.28

27
A composição do jornal se assemelha aos jornais de grande circulação, cujo formato 22 X 16, com quatro
paginas de duas colunas. Suas colunas tinham por base duas matérias, entre a primeira e segunda página, que
davam conta de defender e explicar a vida política do estado de Pernambuco, em diálogo com a política nacio-
nal. Ao mesmo tempo, expunha artigo que tratava sobre “Comércio a Retalho” e, por último a seção “A Repúbli-
ca”. Esta última noticiando os benefícios e as vantagens desse sistema na Europa e América.
28
Ocupou este cargo na dita província, desde a décima legislatura até a décima sétima. Para maiores informações
sobre essa ascensão, ver: MEMÓRIA POLÍTICA DE SANTA CATARINA. In: Biografia Afonso d'Albuquerque
19
O perfil desses três impressos é elucidativo no que tange à percepção destes grupos de
republicanos letrados, em torno da defesa da crítica ao sistema de governo imperial em
detrimento da articulação do movimento republicano nesta parte da região brasileira.29
Segundo O Grito essa forma de governo era a mais cabível nesses novos tempos, pois os
brasileiros, conforme artigo não deveria submeter-se a tirania do imperador e do seu sistema
político eivados de vícios, personificadas em torno das disputas políticas entre às facções dos
partidos políticos realistas, a saber, os praieiros e gabirus. Em suas palavras, com a república
estabelecerá: “a ordem do tesouro geral, e dos estados da república, consolida-se a paz
interna, e das nações vizinhas, e desaparecem as cenas de dissolução, que tanto afligem o
mundo, fruto da perversidade dos governos monárquicos”.30
No Arquivo Público Pernambucano Jordão Emerenciano (APEJE), a coleção d’O
Grito da Pátria: periódico Republicano Federativo (1848) só dispõe de um exemplar.
Segundo Luiz do Nascimento, seus primeiros números saíram pela tipografia d'A Voz do
Brasil para, a partir da quarta edição, ser publicada pela tipografia Nazarena.31 E de fato,
Borges da Fonseca, tipógrafo dessa última estabeleceu diálogo com seu colega republicano.
Ao circular entre maio a novembro de 1848, seu corpo documental perfaz um total de treze
exemplares. Foi impresso de maneira padronizada, em quatro páginas, cada qual com três
colunas, sem nenhum tipo de anúncio comercial.
O cabeçalho informava o programa do jornal, exibindo na página central os seguintes
dizeres do Pontífice Pio IX: “De Deus vem a justiça, a liberdade, fraternal união, doce
igualdade”. Essa frase é interessante porque nos faz rememorar às máximas da Revolução
Francesa (1789-1799). No artigo de lançamento, de 31 de maio de 1848, declarava que tinha
como objetivo principal dedicar-se “a luminosa tarefa de esclarecer aos seus compatriotas, e
patentear-lhes as vantagens do governo Republicano Federativo. Seguir outro rumo nas
circunstâncias atuais, é certamente trair o país.”.32

e Melo. 2019. Disponível em: <http://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/26-


Afonso_d_Albuquerque_e_Melo>. Acesso em: 12, fev, 2020.
29
Para além dos periódicos mencionados, circularam ainda os jornais republicanos: A Mentira (1847); O Homem
do Povo (1847), O Tribuno (1847), Advogado do Povo (1848).
30
O Grito da Pátria, 31, mai, 1848. p. 3. (Grifos nossos)
31
NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1954). Recife: UFPE, 1969. vol. IV,
pp. 287-289. Pela plataforma da Editora CEPE (PE), site de consulta de documentos fontes impressas raras para
estudiosos e pesquisadores, consta o referido número em tese.
32
O Grito da Pátria, Recife, 21, mai, 1848, p.1.
20
Descontente com os partidos imperiais de seu tempo, Barros de Albuquerque não
deixou de pronunciar sua insatisfação na imprensa em relação ao presidente da província de
Pernambuco, o padre Vicente Pires da Mota. Convém registrar que neste impresso,
publicaram-se artigos de denúncias contra a monarquia constitucional, destacando a
perspectiva emancipacionista que convinha aos republicanos em torno da escravidão do país
ao sistema de monarquia constitucional, no primeiro número de publicação. Numa dessas
publicações, especificamente, em sua oitava edição, nos informa Luiz do Nascimento que é
possível ler entre suas colunas, o projeto de Constituição da República Francesa de
Lammenais.33
Foi num desses artigos que O Grito discorreu sobre a concepção de emancipacionismo
para qual defendia enquanto republicano, chamando atenção do redator d’A Verdade (1848)
que discutiremos com mais detalhes. É necessário salientar que o diálogo estabelecido entre
esses periódicos de mesma orientação sinaliza o caráter indentitário que esses grupos
procuravam definir, em suas críticas à figura do imperador e aos partidos imperiais,
realizando campanha prol instauração da república.34 Esses dois periódicos, como notou um
contemporâneo, fazia parte do “grupo intelectual” que eram impressas na cidade do Recife,
pela tipografia nazarena.35
Desde seu artigo de abertura, A Verdade combateu as considerações que eram
impostas aos republicanos do Recife, cabendo a este impresso se colocar abertamente
contrário ao regime monárquico constitucional e aguerridamente bradar: “Queremos só pois
dizer a Verdade, e quem dela se convencer, que a siga, e quem quiser que nos siga”. 36 Ao
fomentar e sistematizar seu republicanismo, respondia o artigo d’O Grito, nas seguintes
palavras:

33
É forte a influência que o pensamento de Lamennais exerceu sobre esse republicano, assim como na orienta-
ção religiosa dos autores do Romantismo, entre eles Sainte-Beuve, Lamartine, Victor Hugo (Misérables), George
Sand (Spiridion). Da mesma maneira que Lamennais, estes escritores ter-se-iam evoluído politicamente em
direção da esquerda. Para exemplificar esse pensamento, Joaquim Nabuco sugere, a influência de Lamennais no
pensamento religioso de escritores e personalidades da vida pública do Brasil no século XIX parece ter sido de
excepcional significado. Para maiores informações, ver: Joaquim Nabuco, Minha Formação, prefácio de Caroli-
na Nabuco, Rio de Janeiro/São Paulo/Porto Alegre: Jackson 1952, pág. 12.
34
Intitulados de praieiros (liberais) e saquaremas (conservadores), a estes últimos ainda cabia à pecha de gabirus.
35
Em Pernambuco, no ano de 1848, é na Tipografia Nazarena que “se imprime – o Grito da Pátria, a Mentira, a
Reforma, a Verdade, o Tribuno, e este nosso Advogado”. Além do mais, segundo relato do próprio Advogado do
Povo, em Pernambuco estavam em plena circulação “11 jornais, e com 12 contando o nosso que é também lido
ali”. Cf. Advogado do Povo, n. 5. Recife, 25, ago, 1848. p. 4. (Grifos nossos).
36
A Verdade, Recife, 21. ago. 1848. p. 1.
21
Nem todos tem uma ideia exata do que seja a República; os
intrigantes realistas vivem a desacreditar a forma republicana, fazendo
entender que é ela uma forma de governo anárquica, em que não há garantia
nem para propriedade de cada um, nem segurança individual; que no
momento em que se estabelecer a república, os escravos se libertarão,
pedir-lhe-ão, as filhas que a lei sendo a da igualdade, ninguém poderá negar a
37
sua filha a qualquer que a pretender.

Esse artigo de abertura replicava a mesma posição que O Grito sistematizava em suas
folhas. Ou seja, replicava o que os republicanos pensavam a respeito da política da
escravidão38 que seria realizado para população cativa, caso esse sistema fosse instaurado. No
final, explicando de maneira didática e bem instrutiva, o artigo O que é a República,
publicado em agosto de 1848, alertava:

Nós não podemos deixar de ter escravos, e só com o tempo, e com a


introdução de colonos europeus, se pode ir acabando pouco a pouco, e sem
que se sinta de repente a sua falta; por isto a igualdade que proclama a
república, não pode ser entre nós para os escravos (...) a república (...)
reconhece uma grande desigualdade entre os homens.39

Este debate nos faz notar que indivíduos que se afirmavam republicanos tentavam se
diferenciar dos demais partidos imperiais, compartilhando de um vocabulário político que
procurava conquistar a pequena parcela da população letrada da sociedade oitocentista que se
percebiam e sentiam-se marginalizadas com o governo monárquico. Para isto, não mediram
esforços em vocalizar as concepções republicanas através dos periódicos. Exemplo dessas
concepções fez o periódico A Reforma (1848). Em nossas pesquisas pelos bancos de dados do
Acervo Cepe – uma plataforma digital – encontramos a digitalização de boa parte de suas
publicações.40

37
Idem, grifo nosso.
38
PARRON, Tâmis. A política da escravidão no Império do Brasil, 1826- 1865. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2011. 373 p.
39
A Verdade, Recife, 21. ago, 1848. p. 3.
40
CEPE é a sigla da Companhia Editora de Pernambuco. Nessa plataforma digital encontramos a segunda edição
até o nono número. O impresso é de orientação republicana, sem nenhuma dúvida, vide sua crítica aos praieiros e
gabirus, intitulados por essa alcunha por serem membros do governo imperial e qualificados, na época de “realis-
tas”. Prova desse posicionamento é tomada em várias passagens de suas matérias, à exemplo do artigo que Bor-
ges da Fonseca publicou no, procurando estabelecer diálogo harmonioso com outro republicano, afirmando em
22
Esse periódico se manifestou frente às acusações e inversões de vocábulos que a
imprensa monarquista atribuía aos republicanos, dentre essas trocas, chegavam afirmar em ser
esse grupo. Diante dessas dissonâncias de vocabulário, um redator desconhecido tratou de se
pronunciar, perante o erro que estava sendo imposto aos républicos do Recife. Segundo o
periódico, respondendo a concepções de anarquia e de várias explicações que eram
impingidas sobre a doutrina do comunismo, explicava:

Os “comunistas” não querem tomar nada de ninguém, mas somente


querem que o governo vá pouco a pouco substituindo os particulares na
direção dos grandes fenômenos de produção e distribuição, afim de que a
produção torne-se maior, a distribuição mais econômica, e a repartição mais
41
justa”.

Eis o que são comunistas, nas palavras do redator d’A Reforma que pugnava pela
republicanização do país, ostentando em seu cabeçalho os verbetes Liberdade, Igualdade,
Fraternidade.42 Note-se aqui que os republicanos pernambucanos tinham uma composição
bastante distinta e diversificada do que os partidos da monarquia. Quase todos os seus
membros estavam fora do mundo da política oficial (a exceção de Albuquerque de Melo),
mesmo assim, alguns estavam ligados ao Estado pelo funcionalismo público.
Alijados do governo, pautavam-se, sobretudo pela soberania do povo, nos ideais
republicanos da matriz francesa (Liberdade, Igualdade e Fraternidade) para todos os cidadãos
brasileiros e alguns deles se voltavam para a experiência da matriz americana. Sobre as
matrizes republicanas que eram desenvolvidas nas penas de jornalistas pernambucanos neste
período de intensa convulsão social, percebemos que a matriz francesa era predominante
tendo em vista que os redatores, ao tomar a imprensa como espaços de suas manifestações
políticas e sociais, questionavam a ausência de liberdade que vivia a província. Tais
linguagens despontam como o republicanismo dessa matriz tem sua vertente jacobina nesses
impressos.43

certa matéria que “Espero que o Sr. redator do Grito da Pátria, se é sincero republicano, repare o mal que irrefle-
tidamente fez” criticando seu colega republicano d’ O Grito da Pátria. Cf. O Advogado do Povo, n. 4, Recife,
18, Ago, 1848. p. 4. (grifos nossos)
41
A Reforma, Recife, 19. Ago, 1848. p.3.
42
A Reforma, Recife, n. 1-5, 1848.
43
De acordo com Myriam Cottias, em seus estudos sobre a escravidão no Caribe Frances “A revolução francesa
1848 levou ao Caribe o direito o trabalho”. Tais significados da cidadania oriundos da matriz francesa ao serem
23
Essa característica se realiza na medida em que, condenava a monarquia e exaltava a
democracia como horizonte de expectativa a serem conquistada por todo cidadão brasileiro.
Nesses impressos o “Povo”, diga-se, toda a população são protagonistas principais para fazer
valer a vontade política geral da nação.44 Este conjunto de periódicos, ao desmoralizar o
regime vigente em seus artigos, pretendia criar na opinião pública um horizonte de
expectativa em que seus princípios fossem inoculados para ganhar adeptos à sua causa entre a
população pernambucana letrada e iletrada.
Um dado importante a ser demarcado é que no nordeste brasileiro, as matrizes do
republicanismo em Pernambuco datam desde o início do setecentismo e ganham maior força
nas primeiras décadas do século dezenove, estando presente nas maiores crises de
legitimidade política que desembocaram nas principais revoltas na região de Pernambuco. De
acordo com Heloisa Starling, tais correntes estão presentes desde a contestação da autoridade
régia na Guerra dos Mascates, em 1710.45
No decorrer da tradição republicana existiram cinco que forneceram recursos
intelectuais e políticos que foram usados na América Portuguesa, tanto por funcionários do rei
quanto por colonos, conforme suas necessidades, a partir da primeira metade do século XVII
e ao longo de todo o século XVIII – a romana, da Antiguidade, a italiana, do Renascimento, a
inglesa, do século XVII, a norte-americana do século XVIII e francesa, dos séculos XVIII e
XIX.46 No caso de Pernambuco, Starling defende: “(...) a história do republicanismo em
Pernambuco é comprida. Teve início (...) durante a sedição de 1710, em Olinda, e entrou pelo
século XIX afora – a Revolução de 1817 foi só um recomeço”.47

confrontados com os impressos republicanos demonstram o mesmo sentido desse significado que tal afirmação
também teve para a geração pernambucana quarentiotista. Cf. COTTIAS, Myriam, “Slave Women, Citizenship,
Respectability, and Social Antagonism in the French Antilles, 1830-1890”, in: Gwyn Campbell; Suzanne Miers;
Joseph C. Miller, Women and Slavery: The Modern Atlantic (vol. 2). Athens (Ohio): Ohio University Press,
2008.
44
Uma pesquisa versa em torno da relação entre povo, tropa e escravizados de Pernambuco no início do século
XIX é a dissertação de FRANÇA, W. É. O serviço das armas, as gentes do povo e os escravizados: Pernambuco
na época da Independência (1817-1824). 2014. Dissertação (Mestrado em Programa de Pós-graduação em História
- UFPE) - Universidade Federal de Pernambuco.
45
Conhecida como Guerra dos Mascates. Cf. “Para que queremos nós reis?” e “A sedição de Olinda”. In:
STARLING, Heloísa. Ser republicano no Brasil Colônia: uma história de uma tradição esquecida. 1º Ed. São
Paulo, Companhia das Letras, 2018. p. 41-57. Para os acontecimentos e as personagens que compõem a Guerra
dos Mascates, ver: MELLO, Evaldo Cabral de, A fronda dos mazombos: Nobres contra mascates, Pernambuco,
1666-1715, São Paulo: Ed. 34, 2003.
46
Idem. p. 41-57
47
STARLING, Heloísa. op. cit., p. 15. Para história da revolução pernambucana, sob o enfoque do federalismo e
condição dos participantes ver: MELLO, Evaldo Cabral de. A outra independência: O federalismo
pernambucano de 1817 a 1824. São Paulo: Ed. 34, 2004; Autos da Devassa mandada realizar em Pernambuco
24
O republicanismo, de fato, era uma cultura política que estava em movimento e
circulação, pois seus impactos eram acompanhados pela imprensa do mundo ocidental uma
vez que regimes monárquicos estavam sendo destituídos e substituídos por regimes
republicanos. Essa forma de governo era vista como a ideal para a nação brasileira e foram
essas expectativas que são apresentados pela A Reforma, O Grito da Pátria, A Verdade e
outros jornais da época que não se furtaram em acompanhar e publicizar às notícias da
Revolução Francesa de 1848 e de outras repúblicas.
Em agosto de 1848, A Reforma dava conta de noticiar o movimento revolucionário
Frances, informando que “A República Francesa goza da mais profunda tranquilidade; a
assembleia constituinte prossegue seus trabalhos, e ninguém se lembra da guerra civil”. 48 Por
sua vez, em certo avisa esse periódico proclama, em sua seção de avisos: “A Reforma adere à
declaração do direito do trabalho proclamada pela Jovem República francesa, e roga a todos
os seus colegas de imprensa o favor de adotarem ou combaterem esta declaração”.49
Demonstrando claramente sua matriz republicana, no qual procura defender por meio de seu
impresso.
Coetâneo a essa folha republicana, A Verdade, publicada irregularmente, conseguimos
ter acesso a sua produção impressa. Sobre a França, esse democrata felicita: “depois da
revolução francesa e europeia, não sabem os pobres realistas (gabirus e praieiros) de que mais
estratégias usem para ir vivendo a vida covarde”.50 Como é possível depreender, cada um
destes impressos políticos interpretavam esses eventos a seu modo, sendo ora de maneira
positiva com as vitórias das derrubadas das monarquias, como fizeram estas folhas
republicanas; ora receberam essas mudanças de governo de maneira assustadora, como a
imprensa conservadora e liberal. Os anseios pela forma do governo republicano estiveram
sempre presentes em diferentes revoltas e rebeliões posteriores as grandes revoluções
pernambucanas. Por isso, suas ideias não eram fechadas apenas para esta região.

por ocasião da revolta de 1817. In: Documentos Históricos da Biblioteca Nacional. Revolução de 1817. Rio de
Janeiro: Biblioteca Nacional, 1954, V. CI a CIV; BERBEL, Márcia. Pátria e patriotas em Pernambuco (1817-
1822): Nação, identidade e vocabulário político, In: István Jancsó (Org.), Brasil: Formação do Estado e Nação.
São Paulo: Hucitec, Fapesp, 2003; SILVA, Luiz Geraldo. Igualdade. Liberdade e modernidade política:
Escravos, afrodescendentes livres e libertos e a Revolução de 1817, In: SIQUEIRA, Antônio Jorge. 1817 e
outros ensaios. Recife: Cepe, 2017; e CARVALHO, Marcus J. M. O outro lado da Independência: Quilombolas,
negros e pardos em Pernambuco (1817-1823). In: Luso-Brazilian Review, Madison, v. 43, n.1, 2006.
48
A Reforma, 8. Ago, 1848. p. 2.
49
A Reforma, 11. Ago, 1848. p. 4.
50
A Verdade, 28. Ago. 1848, p. 3.
25
Acredita-se que muitos silêncios ainda imperam nos estudos sobre o tema, em
especial, quando nos lançamos sobre a memória de republicanos populares que foram bastante
ativos no oitocentos com seus projetos de república.
O surgimento de jornais republicanos na praieira ilustra bem como é complexo pensar
os projetos de república que circularam nas diferentes tipografias desta região. Eram formados
por grupos urbanos letrados de diversos estratos sociais, descontentes com o sistema de
privilégios e hierarquias que conservava as regras da cultura imperial. Ao mirarem-se nas
experiências existentes do republicanismo americano, francês e europeu, os redatores em seus
discursos retóricos buscavam explicar as principais causas e consequências (segundo a
percepção de sua formação) das crises políticas então vividas com a marcha dos
acontecimentos, denunciando a política de privilégios do regime imperial para um pequeno
segmento da elite política. Muitos dos seus jornais não passavam de alguns números.
Instituições religiosas como o Seminário de Nossa Senhora da Graça (Seminário de
Olinda) teve peso significativo na difusão das ideias estrangeiras, em especial, os princípios
liberais e republicanos, que eram apropriadas pelos religiosos. Ao acompanharem as
constantes mudanças políticas e econômicas com a vinda da Coroa Portuguesa para o Brasil
em 1808, a influência dessa instituição foi crucial, pois em seus próprios espaços, costumava-
se reivindicar os direitos políticos da população pernambucana que viviam sob o pesado jugo
da centralização da Coroa Portuguesa.51
Sabemos que no anoitecer, no próprio Seminário de Nossa Senhora da Graça,
costumava-se ocorrer regularmente reuniões para debater sobre as insatisfações locais, cuja
presença de vigários, sacerdotes e frades, devotaram seus compromissos as ideias de um
federalismo de colorido republicano.52 Com efeito, a partir com a vinda da Corte Portuguesa
em 1808, o Rio de Janeiro tornou-se o centro nevrálgico da nação e seu avanço deixava
latente o desprestígio que as demais províncias sofriam.
O sentimento de marginalização se acentuava a medida que o governo monárquico
centralizava a economia e administração do império brasileiro no sudeste, o que causava
insatisfação e descontentamento por parte das demais províncias, que se sentiam prejudicadas
perante a organização política centrada então na nova localização da corte.

51
Para Seminário de Olinda, ver: NEVES, Guilherme Pereira das. Repercussão, no Brasil, das reformas
pombalinas da educação: O Seminário de Olinda. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio
de Janeiro, v. 159, n. 401, out./dez. 1988; e CARVALHO, Gilberto Vilar de. A liderança do clero nas
revoluções republicanas (1817-1824). Petrópolis: Vozes, 1980.
52
STARLING, Heloísa. op. cit, p. 223.
26
Por razão disto e da fomentação de projetos políticos que eram formulados pela Coroa
no Rio, surgem revoltas separatistas em várias províncias do país, cujos propósitos se
dirigiam para a descentralização política e maior autonomia local.
Os modelos por autonomia do governo não faltava para os contemporâneos, pois era
frequente se remeterem a constituição dos Estados Unidos e da república francesa nos
periódicos de tendência liberais, nos quais parte da sociedade civil se posicionava contra o
governo monárquico. Na segunda metade do século XIX, é fato que o desenvolvimento
acelerado das ferrovias, o grande impulso dos meios de comunicação e a modernização das
principais províncias impactaram os impressos periódicos brasileiros. A produção de
impressos conheceu mudanças significativas neste processo. Nas palavras de Hobsbawm, o
mundo:

(...) estava se tornando demograficamente maior e geograficamente


menor e mais global – um planeta cada vez mais estreitamente ligado pelos
laços dos deslocamentos dos bens e pessoas, de capital e comunicações, de
53
produtos materiais e ideias.

A publicação dos periódicos republicanos recifenses se distinguia pela crítica a ordem


vigente no Império. Diante disto, sua circulação desempenhou, de certa maneira, papel de
relevante serviço para a queda da Monarquia em 1889, tendo em vista que, suas concepções e
correntes pensamentos cruzavam a própria fronteira regional, alcançando várias partes da
nação.
No primeiro reinado, a centralização da monarquia e o unitarismo da Corte do Rio de
Janeiro levaram parte das elites locais e grupos de liberais radicais a encamparem suas críticas
a monarquia. Neste primeiro momento, couberam aos segundo importante papel na região do
Recife, pois através da imprensa articularam os movimentos políticos que se configuraram nas
revoluções de 1817 e 1824.54
Derrotadas estas revoltas de caráter republicano, seus princípios e alguns ex-
participantes destes movimentos não deixaram de atemorizar as autoridades da província
pernambucana nas décadas seguintes.
53
HOBSBAWM, Eric. A era dos impérios (1875-1914). 9° Ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p. 31
54
Para as duas revoluções, ver: MELLO, op.cit., 2004 e BERNARDES, Denis Antônio de Mendonça; JANCSÓ,
István. O patriotismo constitucional: Pernambuco, 1820-1822. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2002.
Para a Confederação do Equador, ver também: LEITE, Glacyra Lazzari. Pernambuco 1824: A Confederação do
Equador. Recife: Massangana, 1989.
27
Para se ter uma ideia: em fevereiro de 1829, duas revoltas eram tomadas com
temerosas cautelas pelas autoridades do governo imperial – uma em Afogados e outra na vila
de Santo Antão.55 Nas palavras do então presidente da província Thomaz Xavier Garcia de
Almeida, estes movimentos objetivam ir “a Vila de Santo Antão instalar um Governo
Republicano (...)”.56
Contidos os sentimentos revolucionários destas duas revoltas, foi aberta a Devassa
mais longa da história do país. A região nordeste seria controlada violentamente pelos
funcionários reais a serviço da Coroa. Entretanto, a centralização da Coroa e de seus agentes
na região não deixou de ser questionada, porque, graças à imprensa crítica, a forma de
governo era constantemente contestada por parte dos políticos liberais que viam esta região
sufocada pelas administrações escolhidas pelo Imperador Pedro I. Tal controle realizado pela
elite imperial seria um dos motivos principais para a eclosão da chamada Revolução Praieira
de 1848. Neste sentido, acredita-se que o estudo em torno do nascimento de culturas políticas
republicanas no oitocentos está ainda para ser devidamente explorado pela historiografia
brasileira, em especial aquelas que tomam o ano de 1870 por origem e o ano de 1889 como
fundamento do republicanismo brasileiro. 57
Em contexto marcado pelas mudanças políticas que eram empreendidas em meados de
1850, novas formas de sociabilidades se tornaram possíveis no Brasil imperial. Destacam-se
aqueles centros de associativismo antiescravista como a Associação de Socorros Mútuos e
Lenta da Emancipação dos Captivos, cuja instalação esteve responsável os republicanos por
nós aqui já citados durante este trabalho. Pelo que pesquisamos, esta rede associativista surgiu
em setembro de 1859 e teve em torno de 143 associados. É acompanhando os eventos desta
sociedade que discutiremos o importante papel que coube a imprensa republicana
pernambucana em registrar sua existência.

55
A historiadora Silvia Carla Pereira considera “provavelmente articulados e praticamente simultâneos” esse
evento que é conhecido como a “República de Afogados” contou com apoio e participação de libertos e
escravizados foi encetado como a última revolta revolucionária em Pernambuco. FONSECA, Silvia Carla
Pereira de Brito. A linguagem republicana em Pernambuco (1824-1835). In: Vária História, Belo Horizonte, vol.
27, nº 45, jan/jun, 2011. p. 67-70.
56
Cf. Ofício do Desembargador Ouvidor Geral do Crime da Relação Gustavo Adolfo de Aguiar ao Ministro da
Justiça Lúcio Soares de Gouvea, 7 de fevereiro de 1829. Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional. In:
Acontecimentos em Pernambuco para inaugurar uma república, 1829.
57
Parte-se, desse ponto a concepção do fenômeno de cultura política definidas por Serge Berstein: “corresponde
às respostas dadas a uma sociedade face aos grandes problemas e às grandes crises da sua história”, respostas
essas que se inscrevem na duração e atravessam gerações. Ver, BERSTEIN, Serge. A cultura política. In: Para
uma História cultural. RIOUX, J. P.; SIRINELLI, J.F. (Dir.). Lisboa: Editorial Estampa, 1998. p. 355. Para o
republicanismo, ver: BELLO, José Maria, História da República, 1889-1954. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1972.
28
1.3. A geração Quarante-Huitard: da cultura impressa às ações

A circulação de periódicos republicanos durante o movimento praieiro nos sinaliza


que o projeto de império já não era mais uma disputa entre os dois partidos da Coroa, mas sim
era tomado por um grupo de profissionais liberais descontentes com política vigente.
Empenhados em propagar o republicanismo que há muito tempo já havia sido proposto em
torno da bandeira federalista, estes republicanos combaterem fortemente as facções dos
partidos liberais e conservadores, radicalizando suas percepções do mundo público.
Ao disputar no campo da imprensa e da esfera pública, eles moldavam suas próprias
identidades. Após o movimento praieiro, a vitória dos conservadores sinalizava para esta
geração de republicanos que era preciso ter cuidado ao empreender uma campanha que tinha
como objetivo convencer a população que a forma do governo republicano era mais adequada
que a da monarquia. A esse grupo de redatores e jornalistas pernambucanos é intitulado a
alcunha de geração “Quarante-Huitarde”.
O termo foi designado ao grupo por dois historiadores pernambucanos, a saber: Amaro
Quintas, na sua obra O sentido social da Revolução Praieira; e o cientista político Vamireh
Chacon, na sua História das Ideias Socialistas.58 Esta categoria se deveu ao fato desses
escritores públicos disseminarem os ideais revolucionários da segunda república francesa na
região pernambucana, no contexto político que acontecia o movimento praieiro.
Derrotado o movimento praieiro, as ideias do Manifesto Ao Mundo, difundida pelos
jornais recifenses, fora propagada como um dos principais argumentos que legitimava o
sentido de “revolta” atribuída pelos governistas, que trataram de condenar o documento de
viés produzido pelo republicano Antônio Borges da Fonseca.59

58
Para compreensão da geração Quarante-huitard, ver: QUINTAS, Amaro. “O espírito Quarante-Huitard e a
Revolução Praieira”. In: Revista de História. 19(40): 303. dez. 1959; CHACON, Vamireh. História das ideias
socialistas no Brasil. 2º Ed., Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1981.
59
MARSON, Isabel. O Império do Progresso: A Revolução Praieira. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 209. Cf,
também: FIGUEIRA DE MELLO, Jerônimo Martiniano. Crônica da Rebelião Praieira: 1848-1849. Recife,
1850; Brasília: Senado Federal, 1978. MELLO REGO, General. A Revolução Praieira. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional, 1899. PESSOA DE MELLO, Urbano Sabino. Apreciação da Revolta Praieira em Pernambuco. Rio de
Janeiro, 1849; Brasília: Senado Federal, 1978.
29
Borges, por sua vez, tinha um círculo de amizade bastante vasto para o qual, muito
desses companheiros de sua geração, procuram manter-se obstinados na propagação dos
ideais republicanos, que há pouco tempo tinham defendido na imprensa.
Na década de 1850, o impulsionamento ao movimento se encontraria ainda vívido e
vigoroso, pois seus programas-editoriais noticiavam suas reuniões com bastante empolgação,
tratava-se de movimento democrático, federativo e mais inclusivo. Concomitantemente, ao
serem apropriadas nos frontispícios de seus jornais, todas essas máximas se valeram de
recursos e estratégias na publicação de artigos em torno do significado do princípio
republicano. De acordo com Valmireh Chacon, a produção desenvolvida por essa geração se
distinguiu pela disseminação de ideias socialistas em um cenário de crise do liberalismo.
Ainda que os termos “liberalismo” e “socialismo” soem um tanto anacrônicos e
descontextualizados na análise do cientista político, uma relativa crise do liberalismo
tradicional já era percebida nos panfletos políticos de padre João Ribeiro e Frei Caneca
durante as revoltas de 1817 e de 1824, quando estes liberais radicais compreendiam que a
federação das províncias estava associada às reformas sociais, podendo este posicionamento
ser percebido como parte de uma tradição do republicanismo em Pernambuco.
Para Amaro Quintas, a geração de 1848 radicalizou as lutas políticas do movimento
praieiro, tendência esta trabalhada nos jornais através das propostas democratizantes em prol
da reforma da Constituinte, associadas à autonomia das províncias e às reformas sociais - que
iam desde a defesa da participação da população nas eleições diretas até a defesa da abolição
gradual e lenta da escravidão ou a imediata abolição.60 Da temática antiescravista, estes
autores distinguir-se-iam, pois ao tomar na esfera pública o debate contra a escravidão
defenderia, ora a emancipação, ora abolição, posicionamento este bastante intrigante para
época. E como afirmamos essa surpresa? Estes republicanos deixaram seus periódicos como
fonte-documento. Sobre essa mobilização política, que alinhava a defesa da república e
emancipação, serão trabalhadas no capítulo dois.
Originários de estratos sociais das mais diversas profissões, parte destes redatores
republicanos abolicionistas contribuíram tanto para a história da imprensa pernambucana ao
empreender matérias sobre o sistema escravista, como também ajudaram a consolidar parte da
cultura política que seria definida com o movimento republicano, mobilizando artigos de
significativa importância para republicanos que se posicionaram a favor da abolição.

60
QUINTAS, Amaro. Idem.
30
Do conteúdo impresso nos jornais produzidos pela geração Quarante-Huitarde, é
curioso notar que a linguagem empregada é bem mais acessível didaticamente do que a dos
republicanos positivistas, pois os artigos de seus jornais não fazem largo uso de citações de
autores estrangeiros para se apoiar como argumento de autoridade, algo que será mais
corriqueiro nos impressos a partir da geração de 1870.
Os defensores da ideia de república - ora definidos como “apóstolos”, “patriotas” ou
“democratas” - tomaram esse ideário como bandeira política num horizonte de expectativa
bastante limitado, cuja origem pode ser remontada no Brasil colonial.61 Por outro lado, a
instrução e disseminação desta forma de governo na província sempre foi uma preocupação
constante dos agentes do governo português na colônia e, posteriormente do império até a
proclamação de 1889.62
Para além dos órgãos de imprensa que a geração Quarante-huitard desenvolvia, houve
interesse entre seus membros de instalar sociedades abolicionistas, como a Associação de
Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação dos Captivos, nas quais foram capazes de
articularem diferentes matrizes ideológicas para constituição de seu partido. Esses grupos, por
vezes, se uniam a facção dos partidos liberais, quando havia período de eleições no Império.
Tentaram pleitear uma vaga na deputação das províncias, porém eram degolados da malha
governamental. A expansão da opinião pública e com ela a propagação do republicanismo no
Recife, passa a se organizar e circular com maior frequência através de órgãos de imprensa.
Foi questionando a política de conciliação, chefiada pelo gabinete Marques de Paraná - cujo
domínio da máquina política-administrativa era exclusivo do partido conservador.
No final da década de 1850 o quadro mudava-se, pois o Partido Liberal que se
encontrava no ostracismo passam a ocupar posto de relevância política no governo. Entre esse
atrito que as facções se digladiavam, os defensores do sistema federativo questionaram a
maneira que o regime imperial conduzia a nação ao apontarem as contradições da política
conciliação.

61
Para maior compreensão do conceito de horizonte de expectativas, ver: KOSELLECK, Reinhart. Futuro
Passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Tradução: Wilma Patrícia Maas e Carlos Almeida
Pereira. Rio de Janeiro: Contraponto/Ed. PUC-Rio, 2006.
62
A obra histórica mais recente que trata sobre tema da história da República é o da historiadora e cientista
política Heloísa Murgel Starling, que resgata os principais momentos em que as ideias de república circularam
no Brasil colônia até a formação da incipiente cidadania antes da independência política do país, em 1822. Cf.
STARLING, op. cit., 2018; CASTRO, Celso. A Proclamação da República. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2000. 86p.
il. (Coleção Descobrindo o Brasil); e ; CASTRO, Celso. Os militares e o golpe de 1889: um estudo sobre cultura
e ação política. In: XIX Encontro Anual da Anpocs, Caxambu, MG, 1995.
31
Contrário a esta proposta política, o jornal O Democrata (1857-1859) informava que o
fundamento desta aliança conciliadora, representava para seus membros uma “marcha
centralizadora” de manifesta contradição, afirmando que “uma nova época se apresenta para
nós”, reconhecendo, o redator que todo “(...) o republicano conhece, que essa conciliação é
um engano sutil, e mostra até a evidência da verdade de sua política, que não pode ser vista
pelos cegos”.63
Das várias dezenas de jornais investigados no marco temporal que cobre a pesquisa,
chamou-nos atenção àqueles de orientação republicana que circularam na capital
pernambucana durante a década de 1850. A maioria delas, tem a presença da geração de 1848,
tal como pode ser apreendido no quadro 1.

QUADRO 1. Periódicos republicanos publicados no Recife em 1850.


Periódicos Redatores Período de publicação

A Revolução de Novembro Afonso de Albuquerque 19 de agosto de 1850 à 23


Melo e Antonio Borges da Fonseca, de outubro de 1852
Impresso por M. R.
Pinheiro

O Apostolo do Norte João de Barros Falcão de Junho de 1851 à agosto de


Albuquerque Maranhão 1854
Impressor: Manuel
Rodrigues Severino Pinheiro

O Artista Pernambucano Direção e redação: 25 de Janeiro á


Romualdo Alves de 9 de março de 1853
Oliveira
O Brado da Miséria 14 de fevereiro à 11 de
Romualdo Alves de março de 1853
Oliveira
Impresso por Manoel de
Jesus Oliveira

O Brado do Povo Romualdo Alves de 4 de Agosto de 1854


Oliveira à
Colaboração: Borges da 10 de novembro de 1856
Fonseca
Impressor:
O Brasileiro - Periódico Miguel da Cunha Pedrosa 19 de setembro de 1854
Republicano à
João de Barros Falcão de 23 de dezembro 1854
Albuquerque Maranhão

O Povo Luiz Ciriaco da Silva 10 de fevereiro de 1855


Correspondente de Paris: à
Dr. Antonio Borges da Fonseca 22 de dezembro 1859

63
O Democrata, 25. nov. 1857, p. 2.
32
O Democrata Romualdo Alves de 24 de setembro de 1857
Oliveira à
Colaborador: António 18 de setembro de 1859
Borges da Fonseca
A Tesoura 26 de agosto à 22 de
Francisco de Paula Vieira outubro de 1859
de Melo

O Constituinte Afonso de Albuquerque 19 de agosto de 1850


Melo e Antonio Borges da Fonseca, à
Impresso por M. R. 23 de outubro de 1852
Pinheiro

A Revolução de Novembro João de Barros Falcão de Junho de 1851


Albuquerque Maranhão à
Impressor: Manuel agosto de 1854
Rodrigues Severino Pinheiro
Direção e redação:
O Apóstolo do Norte Romualdo Alves de 25 de Janeiro à
Oliveira 9 de março de 1853

Romualdo Alves de 14 de fevereiro à 11 de


Oliveira março de 1853
Impresso por Manoel de
Jesus Oliveira

Fonte: NASCIMENTO, Luiz do. História da imprensa de Pernambuco (1821-1954). Vols. II,IV,V,
Recife: UFPE.
Dos jornais consultados, destacam-se aqueles que trataram da escravidão. A saber, A
Revolução de Novembro (1850), O Apóstolo do Norte (1851), O Artista Pernambucano
(1853), O Brado da Miséria (1853), O Brado do Povo (1854), O Brasileiro: periódico
republicano (1854), O Povo (1854), O Democrata (1857) e A Tesoura (1859).
Ao discutir a política partidária em torno dos projetos de nacionalização do comércio
em diferentes conjunturas políticas pelas quais passou a província, o historiador Bruno
Augusto Dornelas Câmara percorreu as divisões partidárias que a ala liberal se transformou
nas várias correntes após a Praieira.64
Esse autor, interessado nas manifestações de rua e de suas notícias estampadas na
imprensa, Dornelas demonstrou como a comunidade portuguesa ligada ao comércio procurou
manter seus interesses econômicos em Pernambuco através de uma rede de sociabilidade
dentro e fora da província.

64
Ver: DORNELAS, Câmara, Bruno Augusto. O “retalho” do comércio: a política partidária, a comunidade
portuguesa e a nacionalização do comércio a retalho, Pernambuco 1830- 1870. Recife: Universidade Federal de
Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em História, 2012.
33
Deste intenso conflito político que antecedeu o movimento praieiro, o pesquisador
chega a afirmar: “A geração da Praieira deixou seus herdeiros, sendo o mais notável de todos
Romualdo Alves de Oliveira, redator de inúmeros periódicos”.65
No terceiro capítulo desta dissertação, poderemos perceber com maior atenção como a
trajetória de Romualdo de Oliveira representa bastante os anseios e os ideais que republicanos
influíam nas publicações e periódicos desenvolvidos pela geração de 1848. A ligação destes
indivíduos com Borges da Fonseca é indicativa de uma intensa rede de sociabilidade que era
compartilhada desse republicanismo.
No decorrer da década de 1860, a conjuntura política e econômica da nação brasileira
iria lidar com novas preocupações para além das questões de ordem nacional, pois a
deflagração da tríplice aliança, com a conturbada guerra contra o Paraguai (1864-1870), faria
a nação entrar numa divisão de propostas, que desembocaria nas cisões dos próprios partidos
políticos do império. É a partir deste ponto que José Murilo de Carvalho percebeu com
bastante acuidade que a formação dos partidos, ante ao terceiro gabinete Zacarias, radicalizou
parte dos programas políticos, tendo em vista que, neste momento, medidas emancipatórias
dos países latino-americanos influenciaram o tratamento do tema nas províncias brasileiras.66
De fato, ao pôr em xeque a discussão da escravidão nesse momento de guerra, várias
propostas foram discutidas no Parlamento e na imprensa. Neste contexto, os republicanos
recifenses entravam em cena para discutir os meios de garantir a cidadania dos escravizados
ao protestarem contra o governo. Diante destes imbróglios, o regime escravista passa a ser
questionado por determinados setores da população, tais como professores, advogados,
poetas, comerciantes, padres, rábulas, dentre outros profissionais liberais, que de uma forma
ou de outra faziam parte dos círculos de amizade dos republicanos de Recife, procuram
descrever as insatisfações de sua sociedade através da imprensa.
O tema da abolição, por exemplo, foi uma dessas contestações, sendo que partes
desses grupos foram favoráveis a medidas de abolição lenta e gradual e outros optavam pela
via da ruptura total com o sistema escravista. Este tipo de discussão política foi travada pela
imprensa republicana muito antes das últimas décadas da abolição em 1880, período
tradicionalmente consagrado pela historiografia.67

65
Idem. p. 22.
66
CARVALHO, op. cit, 2009.
67
Para mais informações, confira MACHADO, Maria Helena. O plano e o pânico: os movimentos sociais na
década da Abolição. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/Edusp, 1994 (especialmente, capítulo 4). Ainda da mesma
autora, Teremos grandes desastres, se não houver providências enérgicas e imediatas: a rebeldia dos escravos e a
34
Das trajetórias de republicanos abolicionistas no Brasil Império, pouco se sabe a
respeito. O motivo da ausência se deve a vários fatores, desde o acesso a fontes oitocentistas
que traçaram o percurso político desses grupos, como de uma marginalização sistemática de
uma historiografia nacionalista e internacionalista que devotaram sua atenção apenas a setores
políticos de proa que fizeram parte da ordem imperante do Brasil Império.
Diante dos silêncios que ainda imperam em relação aos republicanos nos debates
emancipacionistas e abolicionistas, inquirimos que esse tipo de esquecimento pode ser
relativizado através da análise de trajetórias biográficas de alguns sujeitos que participaram
desse duplo movimento – republicanismo e antiescravista - em perspectiva local, justamente,
aquela criticada por Angela Alonso, mas que por nós pode ser contributiva para construirmos
uma memória do abolicionismo em que os republicanos fazem parte desse processo. Afinal,
esse movimento social não foi apenas encabeçado pelos partidos da Coroa nos momentos
finais da derrocada da instituição, mas também por republicanos históricos na cidade do
Recife.
É frequente na historiografia brasileira, ainda mais a regional quando ao se referir ao
movimento da abolição, superdimensionam o protagonismo político de sujeitos históricos
como de Joaquim Nabuco que ocupa a escala de um dos maiores vultos do abolicionismo
nacional. Entretanto, para além de Nabuco, existiu uma diversidade de intelectuais letrados
que empreenderam protagonismo político e popular, quando o assunto se tratava sobre o
antiescravismo na região, anterior mesmo à geração de 1870.
Estes grupos, de mais diversas categoriais sociais, não mediram esforços em
sistematizar acirrada oposição à luta antiescravista aliada aos seus ideários políticos. Esse é o
caso do pernambucano Felipe Neri Collaço (1815-1894), intelectual negro que fez parte das
malhas do governo conservador, porém aos 60 anos de idade veio a publicar em 1876 o jornal
abolicionista “O Homem: realidade constitucional e dissolução social”, denunciando o
sofrimento que a população negra pernambucana.68

abolição da escravidão. In: GRINBERG, K. R. Salles (org.). Brasil Império: 1870-1889. Vol. III. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2009; AZEVEDO, Célia Maria Marinho. Onda negra, medo branco: o negro no
imaginário das elites do século XIX. (1987), 2ª ed. São Paulo: Annablume, 2004. Sobre a influência da extinção
do tráfico em 1850 numa escala nacional, conferir CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil:
1850-1888. 2ª ed., Trad. Fernando de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978; e CHALHOUB,
Sidney. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na Corte. São Paulo: Companhia
das Letras, 1990.
68
Na obra de Ivana Stolze, intitulada “Cores, marcas e falas” a autora discute comoa imprensa carioca nos anos
que se sucedeu a abdicação de d. Pedro I até o período regencial, parte do jornalismo que se chamava parda
estabeleceu conexões com as questões raciais, todavia, esse debate para além de ter sua nuance nos periódicos
35
Para além de Collaço, que provocou certa ira dos impressos contemporâneos, outros
jornalistas antiescravistas se destacam como veremos durante esse trabalho. Concordamos
com o ponto de vista de Ângela Alonso quando esta autora analisa a historiografia do
abolicionismo brasileiro e afirma que nos trabalhos recentes “(...) não há preocupação em
coletar o número de organizações formadas em torno da causa. Por tudo isso, pouco se sabe
sobre o associativismo abolicionista”.69 Da década de 1990 para cá, as pesquisas em História
Social70 impulsionaram o surgimento de trabalhos inovadores.71 Suas contribuições são
imensas, destacando-se àquelas que recompõem trajetórias de intelectuais e publicistas
negros, anteriormente poucos explorados pela historiografia. Exemplo dessa produção são as
trajetórias de nomes como Francisco de Paula Brito, Luiz Gama, Antônio Pereira Rebouças,
Abílio Borges, Vicente de Souza, dentre outros intelectuais oitocentistas.72
A região de Pernambuco não fugiu à regra, pois republicanos abolicionistas já se
encontravam presentes no mundo da imprensa, no qual se utilizaram dos prelos para registrar
desde a organização de eventos, criação de sociedades e clubes favoráveis às medidas
emancipacionistas em seus impressos. No final dos anos de 1860, por exemplo, a Assembleia
Legislativa de Pernambuco criou um Fundo de Emancipação, juntamente com mais sete
províncias.73 Em longo prazo, medidas de emancipação para a população escravizada no
Recife foram sendo popularizadas e politizada no cotidiano da cidade, ganhando múltiplas
práticas cívicas em torno de seu processo.

pernambucanos, não é nosso objetivo perscrutá-lo, na presente pesquisa. Cf, STOLZE, Ivana. Cores, marcas e
falas: sentidos da mestiçagem no. Império do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003. Outro trabalho
com mesma orientação, mas com uma abrangência maior de impressos abolicionistas no século XIX, e inclusive
trabalha um capítulo específico sobre “O Homem” é de Ana Flávia. Cf. PINTO, Ana Flávia Magalhães. De pele
escura e tinta preta... op. cit. p. 55-101; Cf, também, VALENÇA, op. cit., 2016.
69
ALONSO, Angela. “Associativismo avant la lettre - as sociedades pela abolição da escravidão no Brasil
oitocentista”. In: Dossiê. Sociologias, Porto Alegre, ano 13, n o 28, set./dez. 2011, p. 170.
70
MATTOS, Hebe; História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (orgs). Domínios da
História: ensaios e teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
71
YOUSSEF, Alain El. Imprensa e escravidão: política e tráfico negreiro no Império do Brasil (Rio de Janeiro,
1822-1850). 1. ed. São Paulo: Intermeios, 2016. p. 21
72
Para mais informações, ver: GOGOI, Rodrigo Camargo de. Um editor no Império: Francisco de Paula Brito
(1809-1861). Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Campinas, São Paulo, 2014; AZEVEDO, Elciene. Orfeu de Carapinha. A trajetória de Luiz Gama na imperial
cidade de São Paulo. Campinas: Editora da UNICAMP, Centro de Pesquisa em História Social da Cultura, 1999;
GRINBERG, Keila. O fiador dos brasileiros: escravidão, cidadania e direito civil no tempo de Antônio Pereira
Rebouças, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. Para se aprofundar mais no tema, Cf.: PINTO, Ana
Flávia Magalhães Pinto. Fortes laços em linhas rotas: literatos negros, racismo e cidadania na segunda metade
do século XIX. Tese (Doutorado em História) – IFCH, Unicamp, Campinas, 2014.
73
Castilho sinalizou que pelo ao menos, sete outras províncias destinaram recursos a questão emancipacionista, a
saber: Piauí, Ceará, São Paulo, Amazonas, Santa Catarina, Espírito Santo e Minas Gerais. Sobre o processo
político da criação desse fundo, ver CASTILHO, op.cit., 2015. p. 277-292.
36
Através da imprensa, teatros, cerimônias de manumissão, manifestações públicas
realizadas de maneira bastante tímidas por grupos da sociedade civil e política, neste mesmo
movimento o abolicionismo republicano tem sua parcela de importância na extinção da
escravidão. Por conseguinte, o engajamento de republicanos na esfera pública com o tema da
escravidão conferiu novos significados à cidadania, frente aos constantes descasos dos
governos, fossem liberais ou conservadores. Acompanhar os embates travados entre os
próprios conservadores e liberais em torno da proposição da Lei do Ventre Livre - que seria
finalmente aprovada após grandes debates em 1871 - faria com que a geração de republicanos
da praieira saísse na dianteira na formação de cultura impressa, em defesa tanto da reforma
constitucional como também na criação de associativismo abolicionista.74
Ao atuar neste movimento emergente, esses grupos de republicanos abolicionistas
procuraram apresentar na opinião pública a discussão sobre a libertação da população
escravizada através de seus periódicos. Para percebemos como a questão da escravidão foi
uma tônica que preocupou a sociedade pernambucana, destacamos as organizações
emancipacionistas que vieram a público se manifestar a favor de uma perspectiva contra a
escravidão na região de Pernambuco, que foi um polo abolicionista.
Em sua tese de livre docência, Ângela Alonso mapeou estas organizações no período
que cobre sua pesquisa, possibilitando-nos construir um quadro que nos revela as tímidas
empreitadas abolicionistas que foram aos poucos ganhando um público bastante
diversificado.75 Estes espaços eram locais de grande importância política, uma vez que era
neles que discutia-se entre seus membros possíveis medidas em prol da liberdade da
população cativa.

74
O racha que se sucedeu no Partido Conservador foi entre aqueles que não desejam reformas de âmbito social,
denominados como Emperrados, e àqueles que tendiam para algumas reformas, conhecidos Reformadores. Neste
momento, os republicanos já se classificavam como autônomos politicamente, dados às duas tendências políticas
do governo monárquico. Para mais informações, ver: ALONSO, Angela. op. cit., p. 58.
75
ALONSO, Angela. op. cit.
37
QUADRO 2: Associações Abolicionistas em Pernambuco - 1850 a 1875

Associações Abolicionistas

Associação de Socorros Mútuos e Lenta Emancipação dos Captivos (1859)

Associação Acadêmica Protetora de Remissão dos Cativos (1860)

Sociedade Humanitária e Emancipadora Nazarena (1869); Sociedade Emancipadora


Pernambucana (1869)

Sociedade Jovem América (1870)

Clube Popular; Sociedade da Libertação (1871)

Anjo da Liberdade (1872); Sociedade Libertadora de Pernambuco (1872)

Clube Democrata pela Manumissão dos Escravos (1879)

Fonte: ALONSO, Ângela. Flores, Votos e Bala, São Paulo, Companhia das Letras, 2015. p.
435-437.

Aos poucos, o crescimento do abolicionismo no Recife era noticiado pela pequena e


grande imprensa brasileira. A expressão grande imprensa aqui empregada adquire um sentido
e significado bastante próprio em função do momento histórico. Suas publicações se
distinguiam pelo matiz ideológico enunciado nas causas que abraçavam, na altivez que se
esforçavam por construir e no público que pretendiam alcançar.
A força da pequena imprensa, por sua vez, foi exemplar também nesse sentido.
Exemplo disto é a pesquisa de Heloisa Cruz, que demonstrou a força desse órgão– formada
por um conjunto extremamente diversificado de folhetos, e jornais e revistas de bairros,
órgãos recreativos, educacionais, casas comerciais, humorísticos, étnicos, além da ativa
imprensa operária – na cidade de São Paulo, cidade símbolo do tão perseguido ideal de
modernidade no inicio do século XX.76 A disputa entre esses dois tipos de órgãos sempre
buscaram disputar pelo público leitor das cidades. Como bem defendido por Tânia Regina de
Luca, entre a pequena e grande imprensa, estabelecia-se palcos privilegiados de luta
simbólica, “por meio do qual diferentes segmentos digladiavam-se em prol de seus interesses
e interpretações sobre o mundo”.77

76
Heloisa Cruz, São Paulo em papel e tinta. Periodismo e vida urbana 1890-1915, São Paulo, EDUC: FAPESP,
2000.
77
LUCA, op. cit., 2008, pp. 149-175.
38
Essa produção impressa não esteve restrita apenas à elite, mas sim estava à disposição
de uma composição de profissionais liberais letrados fora do universo que abrangia a elite
imperial. Nela se reuniam e participavam várias categorias de profissionais e lideranças
populares. Por esse motivo, é válido perceber a imprensa como um dos mais potentes meios
de comunicação na segunda metade século XIX, haja vista que as publicações dos órgãos de
orientação republicana formavam e difundiam a opinião pública. Seus debates contribuíam
para que a própria ideia de escravidão e de escravo, criando rede de sociabilidades que
procuravam meios para extinguir a escravidão.78
A difusão do republicanismo anterior à geração de 1870 manteve larga tradição do
ideário republicano e, como pudemos analisar a partir de seus órgãos, é possível ver a
discussão do tema da escravidão de maneira mais aberta, sugerindo estes periódicos,
propostas políticas de emancipação dispostas a dialogar com o governo imperial.
Dado a multiplicidade dos impressos republicanos, podemos formular as seguintes
questões a partir desses jornais: Quem são eles? Por que não foram estudados? Como se
colocam em relação ao movimento emancipacionista? Na seção, traçaremos algumas
trajetórias desta geração de republicanos que fizeram do republicanismo sua linguagem
privilegiada, assim como demonstraram interesse na questão emancipacionista. Com isso, ao
concordamos com a distinção que Flávia Ribeiro realçou na introdução de sua dissertação
perante a atuação desses sujeitos históricos, que fizeram parte da “antiga tradição”. E de fato
no decorrer de nossa pesquisa, procuraremos demonstrar como eles diferem substancialmente
da geração de republicanos de 1875, pois esses republicanos por nós analisados pouco tiveram
destaque na história do movimento.79 Estas e outras questões são pertinentes para pensar as
próximas páginas.

78
Tal como asseverou Flávio Gomes, na nomenclatura “Escravidão”. In: Dicionário crítico das ciências sociais
dos países de fala oficial portuguesa. (orgs). Livio Sansone e Cláudio Alves Furtado; prefácio, Lilia Moritz
Schwarcz; apresentação [feita pelos organizadores], com a colaboração de Teresa Cruz e Silva - Salvador:
EDUFBA, 2014. p. 174.
79
BRAGA, op. cit, 2017. p. 17.
39
1.4. “Fazemos votos pela a prosperidade desta associação, ela é
de todos e porque a todos pertence”: a Associação de Socorros Mútuos e
Lenta da Emancipação dos Captivos em Pernambuco (1859-1861)80

Na manhã do dia 11 de setembro de 1859, era sob a euforia de associativismo que no


Recife comemorava-se à instalação de uma das primeiras sociedades antiescravistas de Per-
nambuco em um ato solene no palacete da Rua da Praia. Segundo um dos redatores d’A Te-
soura (1859) que acompanhou este ato, era com essa frase que intitulamos essa parte do traba-
lho, que tal iniciativa deveria ser eternizada a província de Pernambuco, pois sua celebração
dava lição aos inimigos da liberdade.
O evento era destacado como exemplo de humanidade, pois estiveram mais de 300
pessoas que assistiram à libertação de quatro escravizadas. A divulgação desse evento públi-
co, exposta no jornal apenas no dia 16 de setembro de 1859, se deveu as suas publicações sair
apenas às sextas-feiras.
Foi o que podemos constatar ao ler as fontes originais deste impresso que, em suas
páginas transcreveu uma série de artigos de outro impresso, cuja, manifestação de apoio, am-
bas deram conta de registrar a inauguração da Associação de Socorros Mútuos e Lenta da
Emancipação dos Captivos da ASMLEC.
Interessante porque, o referido impresso que transcrevia, denominado O Povo (1858-
1859), era também uma tipografia, no qual A Tesoura publicava seus textos, na época locali-
zada na Rua da Direita, nº 5.
O diálogo que esses dois periódicos estabelecem é importante, pois os mesmos publi-
caram matérias sobre sua instalação, e, pelo que nos consta, é a divulgação da primeira socie-
dade antiescravista na região pernambucana, tal como essas folhas de propaganda republicana
cujo ideário se propugnaram a defender, no final da década de 1850 nesta província.
Mas além dessas matérias, questionamos, houve outros órgãos de imprensa que tam-
bém noticiaram tal inauguração? Investigando os jornais contemporâneos a esses impressos –
tanto pela Base da Hemeroteca Digital, base da Coleção dos Jornais do XIX do Recife pelo

80
A referida frase está transcrita na seção de comemoração da instalação dessa sociedade. Cf, A Tesoura, 16, set,
1859.
40
CEPE81 e no próprio Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano – foi possível mapear
ainda a existência de outro impresso de conteúdo doutrinário, intitulado: O Democrata (1857-
1859), que na mesma linha, deu conta de parabenizar às atividades dessa sociedade.
Nesses três jornais referidos, podemos sinalizar que seus redatores mantiveram uma
rede de contato bastante próxima, seja por publicarem o republicanismo, como da importância
das transcrições de suas matérias serem recorrentemente utilizadas, entre uma e outra publica-
ção desses jornais.
Assim, conjecturamos que a transcrição da celebração da instalação dessa sociedade
abolicionista no Recife, não é fortuita dessa rede que existiu entre os jornalistas. Ao coligir-
mos tais documentos, podemos conhecer quais motivos foram decorrentes para criação dessa
sociedade e quem foram seus principais representantes, como até mesmo, as escravizadas
contempladas com a liberdade.
Vamos para o que nos interessa: quem foram esses jornalistas que estiveram no dia da
inauguração da ASMLEC? Podemos afirmar que nesse “ato tão solene” se fizeram presentes
vários profissionais liberais, tais como o famoso gazeteiro Antônio Borges da Fonseca, o pro-
fessor de primeiras letras Luiz Ciríaco da Silva e os jornalistas Inácio Bento de Loiola e Ro-
mualdo Alves de Oliveira.
Quanto aos dois primeiros, eles ocuparam os postos de maiores importância: o primei-
ro foi presidente e o segundo ocupou o cargo de primeiro tesoureiro. Quanto ao terceiro sua
matéria jornalística serviu de transcrição para os outros impressos, afinal ela reuniu tudo que
ocorreu no evento. Ao quarto, ou seja, o republicano Romualdo de Oliveira coube-lhe presti-
giar sua participação com a recitação de uma poesia de cunho abolicionista82, cuja leitura,
reproduzimos logo abaixo:

81
O acervo do CEPE é um acervo memorial de impressos, manuscritos e fotográficos, em formato
digital, produzidos pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE) para consulta universal de
pesquisadores e estudiosos. Consultar: http://www.acervocepe.com.br/acervo/colecao-jornais-seculo-xix---
recife. Acessado: 21, jan. 2020.
82
A Tesoura, ibid, p.2-3. Grifos nossos.

41
“É neste dia, consagrado à Virgem, Faz direta, ou indireta oposição. Mãe de Deus, sua Esposa e Filha Excelsa,
Dos céus e terra divina! Portento... Não é possível que um Deus imenso Que do inferno esmagastes o dragão,
É neste dia, em que celebra a Igreja Do mundo efetuasse a redenção, Cede nossa poderosa advogada,
A santa invocação do Livramento, Para o homem, a sua imagem feito, Ajudai-nos a esmagar a escravidão!
Que nós, fiéis cristão, de cristãos filhos, Nascer, viver, morrer na escravidão! (...)
Inspirados do amor da caridade, Para que santos hinos entoando,
Unânimes, concordes, instalamos Só o bárbaro, sem Deus, sem lei, sem Exclame com profundo acatamento:
A nossa humanitária sociedade; crença, - Viva a nossa piedosa intercessora, A
Que torce, e faz torcer, leis da natura, VIRGEM, Mãe de Deus, DO
Tendo por fins, sob tais auspícios, É que busca, a poder da força bruta, LIVRAMENTO!
Mútuos socorros todos nos prestarmos, Lançar na escravidão a criatura!
E lentamente aos nossos semelhantes (...)
Da vil escravidão emanciparmos. Eis-aí quatro vítimas inocentes,
Por nós do cativeiro libertadas...
Esse santo dever cumprindo agora Olhai bem para elas, contemplai-as,
Aos nossos inimigos demonstramos Pois merecem de ser vós ser contempladas!
Que nós, mais do que eles, caridosos, Ponderai nas funestas consequências,
O bem da humanidade desejamos. Que da sua escravidão resultariam...
Quantos filhos, e netos, n'alguns anos,
É destarte, senhores, que hoje mesmo Escravos, como elas, nasceriam! ...
Temos dado um solene desmentido
A esses que, lançando mão do embuste, Estais livres, inocentes criaturas...
Contra nós mil intrigas tem urdido. Dai graças aos poderes de Maria,
Que ajudou-nos a dar-vos liberdade,
Baldado foi o seu esforço insano; Como que por um milagre no seu dia!
Sabe o mundo quem somos, quem são eles;
E que nós, em humanos sentimentos, E vos, que tendes corações sensíveis,
Estamos muito e muito acima deles. Dizei-nos: haverá quadro mais belo,
E que demonstre com mais vivas cores
Reine, pois, entre nós toda a harmonia, A bem da humanidade o nosso anelo?!
A franqueza, a união, a lealdade; (...)
Seja a nossa divisa, a nossa glória, Nossa pátria feliz jamais será
Promovermos o bem da humanidade. Enquanto a escravidão nela existir,
(...) Que de males horríveis grossa enchente
O homem egoísta jamais possa Sobre nós, de contínuo, faz surgir.
Ter ingresso na nossa sociedade;
Nem tão pouco o orgulhoso aristocrata, É certo, meus irmãos, que liberdade
Que volta a cara à pobre humanidade. A centenas de escravos não daremos;
Do nosso grêmio repelido seja Porém, resignados e constantes,
Aquele que promove escravidão, O que podem livres peitos mostraremos.
E do seu semelhante à liberdade

A Tesoura ao reproduzir essa poesia de cunho abolicionista, que havia sido registrada
pelo O Povo denota o quanto Romualdo de Oliveira realçava o caráter público que muitos dos
telespectadores ali reunidos, compartilhavam e experienciavam do sentimento antiescravista.
Vale lembrar que, nessa época milhares de escravizados passavam a ser traficados interna-
42
mente para as regiões do sudeste brasileiro, mesmo com o decreto da Lei Eusébio de Queiroz,
cessando o infame comércio transatlântico escravista de África para o Brasil, em 1850. Se-
gundo Josué Humberto Barbosa,83 esta fase representa um período intermediário (1850-1871)
que esta região vivia e convivia em relação à política do tráfico interprovincial que passara a
ser posto em prática pelos escravistas do norte e nordeste. O apogeu da intensificação desse
comércio, segundo esse autor se verifica entre os anos de 1871 a 1881.
É provável que diante desta nova situação desenhada, esse fator, tenha mobilizado par-
te dos profissionais liberais recifenses a ser organizarem por meio de associação, contrários a
essa nova condição política que os traficantes e escravistas passaram por em prática a popula-
ção de escravizados.
A Tesoura notificou que, nessa reunião, o proceder dessas liberdades se estruturou da
seguinte forma: uma foi realizada por “por esforços da associação, e uma pelo digno diretor”,
nesta primeira fase, representada por Borges da Fonseca, para qual, neste dia “várias socieda-
des fizeram-se representar”.84 Nesta associação estiveram para além da plateia, vários grupos
da sociedade política e civil que, em um só coro, foram prestigiar a entrega das alforrias.85
Portanto, a criação desta sociedade abolicionista demonstra o interesse que foi compartilhado
tanto entre seus instaladores e parte da sociedade pelo desejo emancipacionista para com a
população escravizada na região pernambucana.
Esse tipo celebração e organização de setores da sociedade em prol a políticas eman-
cipacionistas não era algo novo naquele contexto, tendo em vista que a cultura política de
criar e formar sociedades, cujos objetivos visavam libertar cativos e africanos no país, já vi-
nha ocorrendo na Corte e na província da Bahia, duas regiões que segundo Angela Alonso,
identificou em suas pesquisas em torno de associativismos oitocentistas, destacando o caráter
elitista (avan lettre) da formação de sociabilidades semelhantes e com o mesmo propósito.86

83
Barbosa, Josué Humberto. Um Êxodo Esquecido: O Porto do Recife e o Tráfico Interprovincial de Escravos
no Brasil 1840-1871. Universidade Federal do Paraná, Pós-graduação em História. Curitiba, 1995.
84
Ver na seção “Recife 15 de Setembro”. In: A Tesoura, 16 set. 1859, pp. 1-2
85
Apropriamos-nos das categorias “sociedade política” e “sociedade civil”, de acordo com as análises do mar-
xista italiano Antonio Gramsci presentes em sua obra “Cadernos de Cárceres”. Para qual, ao nos remeter-nos a
grupos da sociedade civil, nos referirmos aos discursos que parte da sociedade crítica ao regime instituído, pro-
cura sistematizar reivindicações frente à marginalização e desigualdades que se encontram. Essa imposição se
dá, na maioria das vezes, pela hegemonia da sociedade política, aos quais, seus membros ao estarem ligados aos
aparelhos do Estado, são responsáveis por reprimir e coagir sistematicamente, a grande parcela dos setores de
parte dessa sociedade capitalista. Ver, GRAMSCI, Antônio. Cadernos do cárcere: os intelectuais. O princípio
educativo. Jornalismo. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.
86
As províncias do Rio de Janeiro e Salvador comportavam maiores cidades escravistas do Império, diante dessa
43
É possível confirmar tal conjuntura pela folha O Democrata, que ao tecer elogios dian-
te da plateia, em seu discurso informou aos presentes “Existindo o cancro da escravidão na
terra, não podia deixar de repercutir o generoso movimento da abolição; e de efeito, criaram-
se associações em Minas, Corte e Bahia, e entusiasmo-me dizê-lo – aqui”.87
No Brasil do século XIX, existiram diferentes tipos de associativismos, desde às em-
preendidas pelas organizações por grupos das sociedade civil, desatrelada “às instituições,
práticas e valores essenciais da sociedade imperial”, como àquelas associações tidas como
voluntárias, que formalmente eram registradas pelos governos da província e são por nós co-
nhecidas por estarem nos registros oficiais.88 Foi por este tipo de fonte que Moreira de Azeve-
do, interessado na história do associativismo brasileiro, da Independência (1822) ao início do
Segundo Reinado (1840), documentou grande variedade de associações.89
Todavia, nem todas puderam ser catalogadas, tendo em vista que outras surgiam no
espaço público, com propaganda na imprensa, eventos e/ou manifestos embora não inscreves-
sem sua existência por meio de registro formal. Para Ângela Alonso, há implicações quando
os trabalhos recentes se voltam para uma micro-história local do abolicionismo. Para essa
socióloga e historiadora esses tipos de pesquisas, apresentam interpretações circunscritas a
suas regiões, muitas das quais não estabelecem o diálogo nacional e transnacional que, na
grande maioria das vezes motivaram seus organizadores desenvolver às referidas sociedades.

conjuntura, existiu um tipo de associativismo avant lettre nas capitais dessas regiões, cujos membros pertenciam
as mais diversas categorias da sociedade política imperial. No Rio de Janeiro, entre 1852 a 1858, por exemplo,
Caetano Alberto Soares, membro-fundador da Ordem dos Advogados do Brasil (AIB) impulsionou a criação da
Sociedade Contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e da Civilização dos Índios (SCT). Na
região nordeste, duas outras sociedades emancipacionistas estavam ativas em Salvador, uma de nome alongado e
vida curta se chamava Sociedade Philantropica Estabelecida na capital da Bahia em benefício dos Brasileiros
que tiveram a infelicidade de nascer escravos e a outra inversamente, de nome curto e vida longa, a Sociedade
Libertadora 2 de Julho. Para maiores informações dessas sociedades, ver: GRADEN, D. T. From slavery to
freedom in Brazil. Bahia, 1835-1900. Univ. of New Mexico Press, 2006, p. 13; FONSECA, Luis Anselmo. A
escravidão, o clero e o abolicionismo. Ed.fac-similar. Bahia imprensa econômica, 1887. [Ed.
Fundaj/Massangana, 1988], p. 244. As sociedades emancipacionistas aqui mencionadas são analisadas
pormenorizadamente no trabalho de ALONSO, Ângela. “Associativismo avant la lettre - as sociedades pela
abolição da escravidão no Brasil oitocentista”. In: Dossiê Sociologias, Porto Alegre, 2011.
87
O Democrata, 14 set, 1859. p. 2. Grifos nossos.
88
ALONSO, Angela. “Crítica e contestação: o movimento reformista da geração 1870”. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, vol. 15, n.44, São Paulo, out, 2000, p. 50. Cf., CHALHOULB, Sidney. “Solidariedade e
liberdade: sociedades beneficente s de negros e negras no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX”,
in: CUNHA, Olívia Maria Gomes da e GOMES, Flávio dos Santos, Quase-cidadão: histórias e
antropologias da pós emancipação no Brasil. Rio de Janeiro, Editora FGV, 2007, pp. 219-239.
89
AZEVEDO, Duarte Moreira de. Sociedades fundadas no Brasil desde os tempos coloniais até o começo do
atual reinado: Memória lida nas sessões do Instituto Histórico em 1884. In: Revista do IHGB, v. 48, nº 2, 1885.
44
Orientada pela perspectiva transnacional, Alonso discute ainda a importância dos tra-
balhos de abrangência nacional, porém mesmo assim sinaliza que, “Por tudo isso, pouco se
sabe sobre o associativismo abolicionista”.90
Ao ser mapeado no período que cobre essa pesquisa, o abolicionismo na região portuá-
ria que representava o Recife nos faz perceber que este movimento acompanhava o abolicio-
nismo estrangeiro, diante do qual, caberá a jornalistas engajados com a política pernambucana
representar seus órgãos e agenda política. A instalação da ASMLEC pouco seria por nós re-
conhecidos, caso às divulgações de seu acontecimento fossem notificadas nos referidos perió-
dicos republicanos, que pelo visto, foram os únicos que comemoraram a realização de seus
eventos através de artigos.
Por essas fontes, procuramos compreender quem foram seus principais responsáveis,
assim como, a trajetória de seus principais organizadores. Por essas circunstâncias nos questi-
onamos, quais eram seus propósitos e objetivos, suas representações e até quando esteve em
funcionamento?
Uma primeira impressão que pudemos captar foi da ligação desses escritores públicos
com a defesa do regime republicano em seus jornais, e, por conseguinte, da importância que
esse núcleo de redatores passou a congregar-se numa das primeiras sociedades emancipacio-
nistas no Recife. Tal ativismo de republicanos antiescravistas sinaliza a agência histórica des-
se grupo, pertencentes a uma geração pós-praieira que se engajaram fortemente nesse movi-
mento político e social que se convencionou qualificar de emancipacionismo e, a posteriori,
abolicionismo, sua atuação, como pode ser visto, precede àqueles movimentos que passariam
a ser divulgadas, com maior força nas últimas décadas da abolição da escravidão.91
E o que mais se sabe mais sobre as atividades dessa associação antiescravista? Por
meio dos impressos, encontramos mais informações, é possível visualizar a divulgação dos
encontros para discutir o estatuto desta associação. Tais notícias demonstram o alcance destas
práticas coletivas que, de certo modo, amealhou reconhecimento por parte da sociedade e de
importantes figuras políticas de grande envergadura, como de intelectuais, tidos como mem-
bros da “República das Letras” nesta parte da região. Segundo consta nos periódicos A Tesou-
ra e O Democrata, a localização do prédio que funcionava as atividades dessa sociedade situ-
ava-se na Rua da Praia, e de acordo com a publicação de 21 de dezembro no Diário de Per-

90
ALONSO, Angela. Op. cit, 2011, p. 170.
91
CARDOSO, Ciro Flamarion, Escravidão e Abolição no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
45
nambuco, sua sede permanecia ainda no mesmo local, para o qual, registrava-se o corpo de
sua direção: o primeiro presidente, Antônio Borges da Fonseca, vice-presidente Modesto
Francisco das Chagas Cannabarro, 1º secretário Luiz Ciriaco da Silva; 2º secretário José Leo-
cádio da Silva, Tesoureiro João dos Santos Ferreira Barros.92
Em 1860, pouco se sabe das reuniões e mobilizações desse órgão. No entanto, para o
ano seguinte, é possível visualizarmos o novo conselho da ASMLEC através do Almanack
Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de Pernambuco, organizado
por José de Vasconcelos em 1861 de fevereiro de 1860.93 O novo grupo, responsável para dar
continuidade às atividades da associação antiescravista da capital, apresentava uma nova
composição. Mesmo sendo registrados no referido anuário, em pouco tempo tal grupo iria se
desentender e por fim se desfazer, dando fim à sociedade.
Não circunscritos à elite imperial, os membros desta sociedade abolicionista de
heterogeneidade social arregimentou variado público: desde professores primários,
comerciantes, liberais, médicos, farmacêuticos, advogados, jornalistas, etc. Mais de 150
sócios chegaram a compor sua lista de associados e mantiveram a sociedade ativa até meados
de 21 de agosto de 1861, quando por decisão unânime dos associados, teve seu fim deliberado
por uma Assembleia Geral.94
Pelo tempo que sobreviveu, a construção deste associativismo no final da década de
1850 e logo nos primeiros anos de 1860 viria a se expandir em outras sociedades, onde por
meio de anúncios nos jornais da província viam a público expressarem os motivos de criarem
essas entidades. Muitas delas se deviam a insatisfação de vários grupos da sociedade civil que
insatisfeitos com as estruturas do regime imperial não mediam esforços em se organizarem e
criarem tais atividades.
Prova desse sentimento de associativismo pode ser acompanhada na criação da
referida sociedade acima citada, cujo propósito antiescravista de republicanos abolicionistas
na sua coordenação, aliou seu republicanismo a perspectiva de emancipação lenta e gradual,
forma pela qual se organizaram, demonstrando dessa forma, seu protagonismo frente a
escravidão brasileira nesta região.

92
Diário de Pernambuco, 21, dez, 1859, p. 4;
93
VASCONCELLOS, José de. Almanack Administrativo , Mercantil e Industrial da Província de
Pernambuco para o Anno de 1860.
94
Diário de Pernambuco, 21, ago, 1861, p. 2.
46
Segundo O Democrata (1857-1859), periódico que também registrou os trabalhos
desta sociedade antiescravista, seu funcionamento demonstrava ser uma das tópicas que seu
programa “sendo órgão dos princípios republicanos” pretendia advogar por meio da opinião
pública na província pernambucana, ou seja, visava bradar pelo e para povo “o meio de
conquistar direitos que não tem”, cabendo-lhes o papel de “exigir do governo inauferíveis
direitos”.95
Esta folha política, que teve uma duração de mais de três anos, foi também um dos
poucos órgãos de imprensa que havia registrado os acontecimentos do dia da celebração em
11 de setembro de 1859. O Democrata, em sua publicação do dia 14 do mês corrente, cujo
número já havia atingido o número 37, deu conta de publicar os discursos que Romualdo
Alves de Oliveira realizara e até a poesia do jornalista e poeta Modesto Francisco das
Chagas96 no dia da instalação da sociedade de “Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação dos
Captivos”.97
Para o evento, sabemos que foi realizada uma missa com a presença do padre José
Avellino de Lima e vários membros que compunham a sociedade. Inclusive, é possível
sabermos que, dentre as mais variadas classes, a missa foi acompanhada por “diversos sócios
músicos”, como o João Marcellino que mandou cantar a “Senhora do Livramento”, padroeira
da referida associação.98
Solenizado a missa, reproduzimos o que se sucedeu:

95
O Democrata, 24 set, 1857.
96
Modesto Francisco das Chagas Canabarro foi poeta e redator de vários periódico satíricos, destacando-se O
Barco dos Traficantes (1858), substituído depois por O Vapor dos Traficantes (1858-1860). Cf. nota de rodapé
3, p. 94; Apud. NASCIMENTO, Luís. História da Imprensa de Pernambuco. Recife, vol. II, 1966. Ao percorrer
sua trajetória sabe-se que Modesto Canabarro, além de poeta era proprietário e redator da Tipografia Popular,
localizada na rua da Direita nº 86. Depois essa tipografia mudaria de local, pois, de acordo com Luís do Nasci-
mento, tal mudança de endereço para a “praça de Cinco Pontas nº 71” se deveu “por estar arruinada a casa da rua
da Direita, em consequência da estação pluviosa”. Para maiores informações, ver: NASCIMENTO, Luís. Histó-
ria da Imprensa de Pernambuco. Recife, vol. V, 1970. p. 141-143. O escritor pernambucano Osman Lins, em
sua obra prima romântica Avalovara, remonta a imagem alusiva a esse poeta: “um homem já idoso, de barba e
cartola, metido num fraque sovado grita agitando as mãos: “Sou Modesto Francisco das Chagas Canabarro. Sou
conhecido nestas paragens”. LINS, Osman. Avalovara. 6ª. edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. p.
97
O Democrata, 24 set, 1859. pp. 2-4.
98
Idem. p. 4.
47
“Findo a missa, a sociedade formou-se, e de dois em dois sócios, com duas
libertas na frente, tendo sido uma escrava do Sr. Dr. Borges, que para solenizar o ato,
e dar o exemplo, passou a carta de liberdade: foi até ao palacete da rua da Praia, onde
já estava um rico quadro da mesma SENHORA em altar para o ato preparado.
Tomaram assento, e as duas virgens foram colocadas nos lados do quadro, estando
cada uma com sua capela branca e os cabelos soltos”.99

Ante a essa teatralização de liberdade, assim posta em cena pública, convém


destacarmos uma das facetas pouco ressaltadas na literatura sobre os republicanos e seu papel
ante a escravatura nesse período em tela. Como se pode comprovar neste artigo, Borges da
Fonseca possuía escravos sob sua tutela, como podemos apreender da presença de uma de
suas escravizadas, que estava ali posta para receber alforria. Ver como ato benevolente de sua
parte, não nos cabe, tendo em vista que é preciso levar em conta que atitudes como essas –
entrega de alforrias em atos públicos - será uma das máximas que as sociedades
emancipacionistas, nas décadas que alavancarão o movimento abolicionista, a nível local e
nacional, irão recorrer estrategicamente à conquista de liberdade de milhares de cativos.
Adiante, neste mesmo artigo, compreendemos como se procedeu a arquitetura da
liberdade de “quatro vítimas da escravidão” no dia 11 de setembro, ali postas a salvo. Duas
crianças tinham sido libertas, logo no início do evento, porém, posteriormente as duas outras
liberdades adviriam da subscrição que Romualdo de Oliveira, acordando com o presidente da
sociedade (Borges) garantiram após os sócios e expectadores “dando caixa social o dinheiro
que faltava”, para nomear uma comissão que se encarregaria, ali mesmo de “ir á casa do
senhor passar o papel e entregar-lhe o dinheiro – o que aconteceu, e ficou livre ali mesmo”.100
É curioso perceber como essa teatralização ganharia rescaldo e se consolidaria como
uma cultura política que ficaria marcada nas atividades da grande maioria das sociedades
abolicionistas brasileira. Seria errado afirmar que os jornais republicanos apenas reprovavam
a monarquia. Todos iam além. Abordaram desde os problemas políticos nacionais e
internacionais, como discutiram o emancipacionismo em suas folhas. Além disso,
acompanharam as trocas de gabinetes e dos debates nacionais que discutiam projetos de
emancipação até sua concretização, como a lei Ventre Livre (1871).101

99
Ibidem.
100
Ibidem.
101
No segundo capítulo, este tema será discutido com maiores detalhes. Afinal as folhas republicanas debateram
as formatações e implicações da referida lei de 20 de setembro de 1871.
48
Estes impressos noticiavam também a candidatura destes republicanos a deputados da
assembleia provincial, o que demonstrava que eles não deixavam de se interessarem em
participar das malhas políticas. Como de praxe, não venciam pleito para as candidaturas que
tentavam se eleger, pois, neste período, não bastasse estarem à margem das malhas
clientelistas dos partidos monárquicos, também delas se afastavam mais por defenderem
doutrinas contrárias ao regime imperial. O que os jornais de cunho republicano e abolicionista
da segunda metade do século XIX nos possibilitam afirmar é que é possível complexificar
uma dada leitura da história nacional e local, articuladas às mais recentes interpretações
historiográficas regionais sobre se “repensar” a sociedade oitocentista.102
Pela ótica destes impressos de orientação republicana, é possível relativizar parte das
perspectivas macro-históricas que constantemente reiteram no âmbito de uma história
nacional - e também a regional - a negação da agência de republicanos no processo que
culminou no movimento abolicionista brasileiro. Entretanto, o que era ser republicano nesta
província em plena metade do século XIX?
A província pernambucana era uma sociedade escravista que mal havia acabado de
enfrentar uma série de mobilizações políticas de graves consequências, a partir da derrota do
movimento praieiro. Com a prisão dos revoltosos da praieira e da dissolução do movimento,
as ideias republicanas circularam ativamente e a geração de 1848, que pertenciam a mesma do
jornalista Antônio Borges da Fonseca.
A consagração desse republicanismo aos poucos foi se tornando crucial na medida em
que a mobilização desse movimento empreendeu uma articulada rede de sociabilidade. Seja
através da imprensa republicana, como também se agruparam por meio da criação de uma
sociedade abolicionista na região, demonstrando com isso, que não se eximiram de sugerir
caminhos e perspectivas a serem sistematizados pela política regional e, quiçá, nacional. Para
além de Borges, existem outros grupos de republicanos que trilharam uma carreira
republicana semelhante à dele, uma vez que esbarravam com os mesmos empecilhos e
compartilharam de mesmos sentimentos associativistas em seus impressos. Que geração
representou para época? Nas páginas que se seguem, procuraremos destacar ela.

102
Destaque-se as obras: CARVALHO, José Murilo. Nação e Cidadania no Império: Novos Horizontes. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007; CARVALHO, José Murilo de e NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das
(orgs). Repensando o Brasil dos Oitocentos. Repensando o Brasil do Oitocentos: Cidadania, Política e
Liberdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009.
49
CAPÍTULO II

OS DEBATES EMANCIPACIONISTAS E ABOLICIONISTAS NA MIRA DOS


IMPRESSOS REPUBLICANOS (1848-1875)

A seguir analisaremos o que os periódicos republicanos argumentaram em torno


das questões antiescravistas no marco temporal que essa pesquisa se propôs a investigar. Para
tal, no primeiro momento serão apresentadas algumas trajetórias desses jornalistas
republicanos poucos conhecidos, mas que mobilizaram em suas folhas políticas os mais
diversos temas sobre o republicanismo.
A proposta aqui são a de evidenciar a carreira de alguns deles e demonstrar como
ao longo de suas trajetórias profissionais, aliaram seus princípios a uma perspectiva
antiescravista em suas folhas. Alguns, inclusive, com participação em associações
emancipacionistas. Em seguida, destacaremos a discussão sobre o tema por eles travada.
É necessário, realçar que, nesse período inicial o movimento republicano e abolicionista não
era estruturado. Apesar disso, no Brasil Imperial, grupos de escritores públicos críticos à
ordem vigente utilizaram-se da imprensa para demonstrar seu descontentamento.
Ao remontar certa tradição republicana que discutia temas como a emancipação e a
escravidão, nossa intenção é a de complexificar ainda mais a história do movimento
republicano na província de Pernambuco.103
Analisando quais motivos que levaram esses jornalistas a tais escolhas políticas,
percebe-se que esse período foi mais complexo do que se poderia imaginar: nem todos os
republicanos eram adeptos desse posicionamento político, ou, comungavam de maneira
singular quanto à abolição, mas divergiam heterogeneamente. Vistos em seu conjunto estes
impressos, apresentam uma das faces mais importantes da história do movimento republicano.
Pouco foi escrito sobre a atuação de republicanos do período da Praieira à formação do
Partido Republicano em Pernambuco, através de um Club, em 1871, logo após a criação de
sua congênere no Rio de Janeiro.

103
Sobre a constituição do Partido Praieiro veja-se: QUINTAS, Amaro. O Sentido Social da Revolução Praieira.
Recife: UFPE, 1977, pp. 30-32. MARSON, Isabel. O Império do Progresso: A Revolução Praieira. São Paulo:
Brasiliense, 1987, p. 209. BARMAN, Roderick. Brazil: The Forging of a Nation, 1798-1852. Stanford, Stanford
University Press, 1988, p. 229. MOSHER, Jeffrey C. “Pernambuco and the Construction of the Brazilian
Nation-State, 1831-1850”. University of Florida at Gainesville, Tese de Ph.D., 1996, cap. 3.
50
Posteriormente, esse grupo ganha sua maior expressividade com a formação dos
jovens republicanos oriundos da Faculdade de Direito.104 Movidos pela doutrina positivista
em voga no final de 1860, os bacharéis que defendia a república, se incumbirão de demonstrar
cientificamente – por opúsculos, obras e impressos - a superioridade do regime república
através daquilo que Flávia Ribeiro intitulou de “Ditadura Comtista em 1875”.105 Os
positivistas do Recife ganharam visibilidade e importância no debate republicano, vindo a
substituir os républicos da geração de 48.106
Entre as gerações de 1848 e a de 1870, seus jornais possuem particularidades próprias.
Destacam-se, sobretudo, pela irregularidade da publicação de suas folhas e pela diferença de
linguagens que construíam seu conteúdo jornalístico. A primeira, longe de se apoiar nas
autoridades do pensamento republicano, publicava por meio de um vocabulário mais simples
e arrojado. A segunda, de estrutura mais acadêmica, recorria bastante aos argumentos de
intelectuais para afirmarem suas análises. Esse tipo de característica de publicação não
significa que um grupo específico de publicistas tenha se sobressaído mais que o outro.
Ambos foram fundamentais para erigir as bases do movimento de oposição contrário à
hegemonia dos partidos monárquicos que dominavam o poder político nesta província.
Ao confrontarmos a relação que esses impressos estabeleciam com os jornais da
época, os artigos que mencionava um ao outro sinalizam a formação de uma cultura política
desenvolvida por estes jornalistas que tiveram como meta a difusão e propagação do princípio
republicano-federativo. 107

104
BRAGA, Flávia Bruna Ribeiro da Silva. “Ditadura”, Abolição e República: a propaganda da geração
positivista em Pernambuco (1875-1889), 2007. Dissertação de Mestrado - História.
105
Idem.
106
Os positivistas acreditavam que a história era governada por leis imutáveis, que a doutrina articulava ciência à
ação política e garantia que essa articulação, conseguiria solucionar questões sociais e políticas fundamentais do
país. Nesse cenário, o significado de república passou a sofrer modificação entre liberais republicanos e
positivistas, onde a palavra “República”, de um lado tinha por seu contrário a monarquia, melhor dizendo era
uma forma de governo. No outro lado, a palavra “república” seu sinônimo era de governo democracia. Porém,
quando remetemos a esses múltiplos sentidos e significados, verificamos, conforme Starling “A concepção de
soberania nacional — e não popular — criava uma espécie de cinturão protetor para a democracia, capaz de
restringir a extensão da cidadania”. STARLING, ibid. 2018, p. 249.
107
O conceito de cultura política permitir-nos-á pensar metodologicamente uma abordagem que vê nos
fenômenos abolicionistas as disputas pelo poder de forma a encontrarmos nas publicações dos jornais
republicanos críticas relacionadas ao descaso social e a marginalização da população negra na província
pernambucana. A política acerca da abolição nessa parte da região já realizava práticas associativista que
estimulavam os debates sobre a emancipação desde 1850. Tal conceito admite que seus termos possam variar de
ideias, discursos ou hábitos, segundo as análises elaboradas por Rodrigo Patto Sá. Ver: Desafios e possibilidades
na apropriação de cultura política pela historiografia. In: MOTTA, Rodrigo (org.). Culturas políticas na
História: novos estudos. Belo Horizonte: Argumentum, 2009. pp. 13-37.
51
Dessa militância impressa, as ruas não estiveram fora da ordem do dia, pois para além
da esfera parlamente, esse espaço foram palcos privilegiados em que o ativismo republicano
estava fortemente influenciado com os acontecimentos sociais e políticos da sociedade
vigente.
Tendo a cidade do Rio de Janeiro como recorte espacial e o movimento nas últimas
décadas da abolição, de acordo com Maria Tereza Chaves de Mello o movimento republicano
na Corte ao mobilizar suas lutas políticas, seus grupos passaram a estabelecer um maior
diálogo entre os conceitos “liberdade e democracia” empregados em seus impressos na
década de 1880. E que grupos eram esses e fez ampliar tais linguagens políticas? Ela destaca
que fizeram parte: literatos, jornalistas, propagandistas e teóricos desta “nova cultura pela
sociedade brasileira letrada, uma cultura democrática e científica na qual o regime
republicano estava inscrito como uma inevitabilidade histórica”, atingindo desde a população
letrada ao público não letrado.108 Inevitabilidade porque, a crise do projeto saquarema já
estava em seu auge e, nessa década, os alicerces da hegemonia conservadora se via compelida
diante das reformas parlamentares em favor da abolição total da escravatura.109
Em consonância a esse ativismo, o mesmo empreendimento se dá, em mesma base, na
região norte da nação brasileira. Ademais, é possível mapear as redes de proximidade e, as
associações que os republicanos da geração pós-praieira procuraram estabelecer, tendo em
vista que procuravam dar sentido à experiência histórica que consideravam ser mais
democráticas e justas, de acordo com o liberalismo ocidental, numa época em que prevalecia
a rígida estrutura social e hierárquica de uma sociedade escravista que vivia sob o regime
imperial.110

108
MELLO, Maria Tereza Chaves de. A república e o sonho. Varia História, Belo Horizonte, v. 27, n. 45, 2004,
p. 124.
109
MATTOS, Ilmar Rohloff de. O tempo Saquarema: a formação do estado imperial. (5º Edição). São Paulo:
Hucitec, 2004.
110
Apropriamos-nos do conceito de experiência histórica do historiador inglês Edward Palmer Thompson por
compreender que a mobilização empreendida por homens públicos na propagação do ideário republicano no
mundo da imprensa se deveu às condições vigentes de uma sociedade baseada na hierarquia, exclusão,
manutenção da escravidão sob a bandeira de um regime constitucional. Era contraditório para esses republicanos
esse tipo de sociedade. Diante da acentuada exclusão, republicanos históricos se unem para divulgar suas ideias
políticas e reivindicarem pela transformação do governo, do monárquico, defendia-se a república federativa,
baseadas na matriz republicana dos franceses e estadunidenses. Para mais informações sobre a categoria, ver:
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria ou um planetário de erros. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
52
O aparecimento de folhas republicanas federativas, condenando tal estrutura de
governo em detrimento aos seus princípios, de certo, adquire certo impulso mediante as
disputas políticas partidárias, chegando parte de sua produção ultrapassar mais de um mês ou,
até mesmo de um ano a três anos de publicação. Os republicanos ao vocalizar os objetivos
para quais estavam se manifestando, destacavam, logo nas primeiras páginas, os programas
que mobilizavam suas folhas. Esses objetivos estavam expostos na introdução dos jornais,
onde o que havia de comum entre todos eles era a propugnação da República federada.
É possível nesses impressos encontrarmos desde críticas ao governo local, como
nacional, realçando nelas personalidades mais destacadas do movimento republicano.111 À
figura ativa de Borges da Fonseca, é quase sempre remetida em todos eles, sobre política se
pronunciavam sobre o tema da escravidão e abolição.112 A partir daí, é necessário
problematizar: quem foram esses grupos republicanos emancipacionistas e abolicionistas
parcamente mencionados pela historiografia? Coube-nos então investigar a atuação
profissional, a produção intelectual e as redes de sociabilidades que esse grupo de jornalistas
republicanos desenvolveram para assim, entendermos o que pretendiam discorrer a respeito
do escravismo nos jornais que redigiram. Como procuraremos demonstrar, o crescente
republicanismo desses escritores públicos descontentes com a monarquia, para além de
fomentar debates em torno das ideias de democracia, igualdade, nacionalização do comércio a
retalho, federalismo, reforma constituinte - pregando o fim sistema monárquico - apontavam
as contradições do regime constitucional que o Império brasileiro se sustentava através da
mão-de-obra escrava de milhões de seres humanos.
Federalismo significava descentralização, isto é, licença ou delegação de determinados
atribuições às províncias. Ao propagandear esses princípios acima elencados, objetivavam, ao
mesmo tempo, atingir tanto o público letrado como o iletrado sobre direitos políticos,
realçando a importância da forma de governo republicano ao qual eram devotos. Então,
mirados por esse horizonte de expectativa desenvolvido nos jornais desses democratas,
voltaremos nossa atenção ao que suas folhas denunciaram e fizeram circular a respeito do
escravismo na capital da província pernambucana.113

111
BRASILIENSE, Américo. Os programas dos partidos e o Segundo Império. Brasília: Rio de Janeiro; Senado
Federal: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1979.
112
A situação do jornalista Antonio Borges da Fonseca mereceu atenção nas páginas d’ O Homem do Povo, 27,
mai, 1847; O Grito da Pátria, 29, Jul, 1848; Advogado do Povo, 01, Ago, 1848; A Verdade, 22, set, 1848.
113
Sugestão metodológica formulada por Reinhard Koselleck, aqui entendida como uma construção coletiva e
política de um futuro que se organizará com a instalação do regime republicano, cujo universo de escolhas
53
2.1. Entre histórias e impressos republicanos

A questão é não separar a história do escravismo do contexto


da sociedade em que ele ocorreu, pois a escravidão não foi um processo
114
estanque, sem relação com os demais aspectos da história do momento .

De acordo com Marcus Carvalho (1998) se o historiador social basear-se apenas no o


viés de uma orientação cronológica dos levantes isolados realizados pelos escravos na cidade
Recife durante a primeira metade do século, deparar-se-á com um mosaico de rumores e
movimentos em que estes procuraram atuar não somente como “objeto, mas sujeitos da
história”.115 Concordando com esse historiador pernambucano, acreditamos que republicanos
também fazem parte desse empreendimento.
Anterior à consolidação de seu partido e, até mesmo antes de o movimento
abolicionista ganhar às ruas das principais províncias brasileiras, seus membros já estavam se
articulando e se pronunciando quanto ao escravismo. Alguns deslancharam para a
emancipação e outros, para a abolição.
Desde início do século XIX, com as grandes revoluções que agitaram a província
pernambucana, o republicanismo lançou suas bases em Pernambuco, especificamente no
Recife, com a fundação de órgãos de imprensa, cujos propósitos erguiam-se contra a
monarquia. Ao nos debruçarmos sobre suas leituras e seus redatores, percebemos como o
tema da questão servil e de sua questão política foi tratada em suas folhas chamando-nos
bastante atenção por vários motivos. O primeiro reside no fato de, esses debates relativizarem
a cronologia tradicional do abolicionismo, que a entende como um movimento estruturado,
relegando a esses grupos de letrados um protagonismo ausente no assunto em tese. O segundo
fator deve-se a estes jornais republicanos apresentarem um conjunto de sujeitos históricos
relegados pela historiografia.

pretendia superar as ações tomadas no presente. Tal reflexão nos ajudar a compreender melhor algumas das
atividades sociais e políticas ligadas ao fim da escravidão e as percepções que a imprensa republicana construía
sobre as políticas de emancipação. Como se vivia numa cultura monárquica, a conquista da transformação de um
governo para os quais sustentavam era incerta, este processo envolveu uma historicidade que merece ser objeto
de nossa atenção. Cf, KOSELLECK, op. cit., 2006.
114
CARVALHO, Marcus. Rumores e rebeliões: estratégias de resistência escrava no Recife, 1817-1848.
Revista Tempo, Vol. 3, n° 6, Dezembro de 1998. p. 12.
115
Idem.
54
De fato, o enquadramento de teorias históricas que visam dar conta de um contexto
político e social complexo do ser humano em sua história e sociedade, muitas vezes, deixa
escapar certas características de grande importância para a constituição de algum processo
histórico. O que essas fontes históricas evidenciam é que existiu um ativismo antiescravista
fomentado por republicanos recifenses em um período histórico muito precedente ao
consagrado pela historiografia. Afinal, o que são e representa esse conjunto de jornais? Qual
tradição e que ligação que seus grupos estabelecem com o pensamento emancipacionista e
escravista da época em que viveram, já que parece não haver uma visão homogênea, mas sim
heterogênea, dentro do próprio grupo com o qual compartilhavam suas ideias e ideais na
imprensa e nos espaços públicos que frequentaram?

2.2. Republicanos emancipacionistas e abolicionistas: trajetórias de uma


geração antiescravista

Após catalogar dezenas de impressos republicanos circulantes no Recife do período da


Praieira a 1875, chegamos a um grupo de jornalistas que se destacaram pela vastidão de sua
produção e conteúdo intelectual. A atuação do republicano histórico João de Barros Falcão de
Albuquerque Maranhão (1807-1881), por exemplo, é bastante ilustrativa para as demais que
serão analisadas.
Seu O Grito da Pátria (1848), foi um dos raros jornais que se colocaram contra a
política escravista, formulada tanto pelos partidos dos gabirus, quanto dos liberais
pernambucanos, principalmente depois de 1848, quando procurou esclarecer aos seus
compatriotas as vantagens do governo republicano.116

116
Natural de Pernambuco bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pelo Curso Jurídico da cidade de
Olinda em 1837. Barros Falcão era membro da Sociedade Federal, fez publicação criticando ao Sr. Montezuma
(futuramente, Visconde de Jequitinhonha), exposta no Diário de Pernambuco, rogando-lhe para o mesmo deixar
de comparecer às sessões da dita Sociedade por conta de seus “asnáticos discursos” que realizava, obrigando
seus sócios a se retirarem. Cf. Diário de Pernambuco. 31 de julho, 1833, p. 3. Como republicano, tentou pleitear
cargo a deputado, é que vemos em 1843. Concorreu a eleição das seguintes comarcas: Colégio do Cabo, Olinda e
do Colégio Eleitoral de Pajeú das Flores, obtendo respectivamente três, nove e onze votos, não vencendo o pleito
em nenhuma delas. Cf. O Diário Novo, 1/2/13 set, 1843, p. 2; Ano seguinte, em 1844, concorreu eleição para
deputado no Colégio Eleitoral de Rio Famoso, obtendo 16 votos. Cf: Diário de Pernambuco. 08, nov, 1844, p. 1;
Por volta de 1847 concorreu a eleição para Deputado à Assembleia Geral Legislativa Provincial. Cf. O Diário
Novo. 11/16 Dez, 1847, p. 2. Infelizmente, em nenhuma delas logrou sucesso.
55
Com uma linguagem republicana que mesclava ironia e crítica à monarquia, em seu
editorial de apresentação denunciou a tirania do presidente da província e do rei, trazendo à
baila, em sua quinta edição, o artigo com o seguinte título: “Estabelecendo-se o governo
republicano-federativo, convém forrar logo os escravos?”.117
Depois de ler esse questionamento, uma pergunta me veio: afinal, quem era esse
republicano que tratava sobre esse assunto em 1848? Procurei analisar pesquisas históricas
que me direcionassem para sanar essa dúvida e muitas que acompanharam essa questão,
porém com pouco êxito. Pelo que foi possível mapear, a atuação deste publicista, são
possíveis de serem mapeadas desde o período regencial, atravessando inclusive, a
consolidação do movimento republicano de Recife depois de 1875.
Ao investigarmos a fundo sobre Barros, pudemos constatar não haver quaisquer
pesquisas históricas em torno de sua trajetória a não ser aquelas sínteses expostas em
compêndios que sintetizam sua história. João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão
pertencia a uma das famílias mais ricas da região pernambucana e, pelo que nos informa
Sacramento Blake, era ligado a instituições históricas das mais renomadas na Europa.118
Barros Albuquerque era advogado de profissão e sempre que podia ostentava o título de
poeta. Bacharelou-se numa das primeiras turmas da antiga Faculdade de Direito que ainda era
localizada em Olinda.119 Ficou conhecido na história da imprensa pernambucana pelo apelido
“Barros Vulcão”, algo bastante comum para as intrigas que eram realizadas entre os
escritores públicos no século XIX.

117
O Grito da Pátria, 29, jul, 1848.
118
Sacramento Blake, em seu manual Diccionario Bibliographico Brasileiro, informa-nos que este republicano
fora poeta e sócio de importantes sociedades nacional e centros de instituições acadêmicas na Europa. Sendo ele
correspondente da primeira classe do Instituto Histórico da França, e também da Sociedade Auxiliadora da
Indústria Nacional, sócio (Eumênio Elladiense) da Academia de Arcades de Roma. Blake registra que sendo
filho do Doutor (porém era Tenente Coronel) Ignácio Antônio de Barros Falcão Maranhão. Segundo Sacramento
e José Galante de Coutinho (2001), este republicano tinha no final de seu extenso nome “de Drummond”. No
entanto, ao coligirmos este último nome na Lista Geral de Bacharéis e Doutores da Faculdade de Direito,
constatamos que “de Drummond” não existe. Sendo assim, o nome completo é: João de B. Falcão de
Albuquerque Maranhão. Tal confirmação pode ser comprovada na publicação de suas obras e impressos. Para
maiores informações, Cf. BLAKE, Sacramento. Op. cit.vol. 3. p. 366 e também, COUTINHO, Afrânio; SOUSA,
José Galante de. Enciclopédia de Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional;
Academia Brasileira de Letras, 2001. 2 v; Sobre a lista de bacharéis formados pela Faculdade de Direito, Cf:
HENRIQUE, Martins. Lista Geral dos Bacharéis e Doutores que têm obtido o respectivo grau Faculdade de
Direito do Recife (1828-1931). Tipografia Diário da Manhã, 1931, p. 91. Obras do autor: Poezias. João de
Barros Falcão de Albuquerque Maranhão. Impresso na Tipografia de L. I. R., Pernambuco, 1840. (Biblioteca
Nacional).
119
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no Brasil
1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
56
Entre réplicas e tréplicas desenvolvidas pelos jornais, ao ganhar um adversário
político, os opositores não mediam esforços para ironizar um ao outro por meio de apelidos.
No caso de Barros Falcão, seu apelido deveu-se a propagação do seu republicanismo ser
considerada radical. Além de homem letrado e de formação jurídica, como já dita
anteriormente, há tempos advogava impressos com mesma inclinação política. A saber,
iniciou seu republicanismo com O Constitucional: jornal político e literário (1829-1830).
Em sua carreira teve a experiência como membro da Sociedade Defensora, chegando a
redigir O Federalista (1831) órgão principal desta sociedade em Pernambuco.120 Logo, com o
Democrata Pernambucano (1834), do ponto de vista do teor doutrinário, percebe-se que se
manteve vinculado à Sociedade, evocando a reforma da federação das províncias brasileiras.
Sem dúvidas, este poeta, tornar-se-ia herdeiro do republicanismo no período que se
configurara o movimento da Praieira. De acordo com nossas investigações, Barros era de
posicionamento antiescravista desde a época de estudante do quinto período da Faculdade,
pois, já nesse período, o encontramos presente na instalação de uma sociedade benfeitora que
emancipava cativos.121
No ano de 1835 publicou O Republicano Federativo (1835-1836), cujo título
sobrescrito apresentava uma vinheta com brasão de armas, mar e sol, águia e as figuras da
república e da justiça. Posteriormente, insistindo em continuar com a empresa de advogar seus
princípios políticos, vê-se como tipógrafo122 e redator principal d’O Apóstolo do Norte (1851-
1854), O Brasileiro: periódico republicano (1854) e O Despertador Commercial do Norte
(1857).123

120
Ao lado de ex-integrantes da Confederação do Equador, como Jeronymo Villela Tavares, Antônio José de
Miranda Falcão e Padre Miguel do Sacramento Lopes Gama, Barros fez parte da composição dessa sociedade no
período regencial. Para mais informações sobre o funcionamento dessa sociedade, ver: FONSECA, Silvia Carla
Pereira de Brito. Federação e República na Sociedade Federal de Pernambuco (1831-1834). Revista
Saeculum. João Pessoa: Programa de Pós-Graduação em História/UFPB, v. 14, p. 57-73, 2006. Da mesma
autora, também: Federação e República na imprensa baiana (1831-1836). In: FONSECA, Silvia Carla Pereira de
Brito & LESSA, Mônica Leite. Entre a monarquia e a república: imprensa, pensamento político e
historiografia (1822-1889). Rio de Janeiro: Eduerj, 2008. Ver também ARAÚJO, Dilton Oliveira de. O tutu da
Bahia: transição conservadora e formação da nação (1838-1850). Salvador: EdufBA, 2009.
121
Em 1835, quando ainda era estudante do quinto ano da Academia Jurídica de Olinda, participou da
“Sociedade Benfeitora do Consistório de N.S. do Rosário” do Bairro de Santo Antônio, cujo propósito era
auxiliar os cativos forros. Sobre a referida instalação, Cf: Diário de Pernambuco, 18, ago, 1835, p. 3.
122
Sobre tipografias e tipógrafos na província de Pernambuco no primeiro quartel do século XIX, ver:
RAMIRES, M. F. Tipografias e tipógrafos em Pernambuco, 1815-1824. Clio - Revista de Pesquisa Histórica -
UFPE 2017, pp. 136-153; RIZZINI, Carlos. O livro, o jornal e a tipografia no Brasil. 1500-1822. Com um
breve estudo geral sobre a informação. São Paulo, Imprensa Oficial: 1988 [1946].
123
Estes jornais podem ser consultados na Base da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional e na Coleção de
Jornais do Século XIX, CEPE.
57
Resoluto na atividade em que acreditava na década de 1860, publicou ainda cinco
impressos de características pasquineiras, com propósito de sátira política. Em cada um desses
impressos, de efêmera publicação, há certa sequência de sua publicação. Na medida Barros
em que encerrava uma, iniciava com outra, fazendo com que seu público leitor não perdesse a
lógica de sua publicidade. Nestes referidos impressos, a primeira página carregava em seu
frontispício charges que retratavam a realidade da sociedade em que vivia, satirizando assim
os fatos do cotidiano da política pernambucana. Dessa monta, publicou A Dona Liga (1863),
A Estrella do Norte (1863), O Moyses (1863), O Rayo (1863), O Linguarudo (1863).124
Obviamente, a composição desses pasquins ou jornais, como eram chamados pela imprensa
local, era inspirada nas publicações do mesmo gênero que começaram a circular pela Europa
desde fins do século XVIII.
As publicações desenvolvidas pela Tipografia de Barros seguiam o mesmo padrão.125
Provavelmente, o inveterado republicano Barros Vulcão era leitor desses tipos de impressos
ilustrados estrangeiros, cujas publicações povoaram o imaginário europeu. E, pelo que
podemos depreender no imaginário de seus leitores, adeptos de sua propaganda política (cuja
leitura além de ser mais fácil assimilação ao público letrado), seus textos jornalísticos
tornava-se mais assimilável a parte da população iletrada, diante do qual, as imagens exerciam
uma função instrutiva e didática de ironizar a sociedade em que viviam.126
No final da década de 1860, o vemos ainda publicando O Kossuth (1866-1869) e, por
último A República (1868), dedicando-se à propagação da república-federativa que por anos
havia devotado como um apóstolo. O bacharel João de Barros Falcão, veio falecer no Recife
em 1881, e a memória de seu engajamento político chegou a ser considerada pelo monarquista
de peso de Sílvio Romero como “mártir do ridículo”.127 Julgamento injusto de um
monarquista, dado à multiplicidade dos impressos e conteúdos que seu republicanismo legou
para os pósteros democratas republicanos.

124
Dados sobre a publicação dos no período pós-praieira podem ser obtidos em Luiz do Nascimento, Vamireh
Chacon, Amaro Quintas e Werneck Sodré. Cf: “A Imprensa Praieira”. In: A História da Imprensa no Brasil.
SODRÉ, Nelson Werneck. Mauad Editora, 4ª. edição, 2004. pp. 136-153.
125
Dedicadas a propagar os princípios republicanos, informava em seu programa defender o comércio,
agricultura, literatura e emancipação. O programa desses periódicos denota o quão importante era o
republicanismo desse bacharel em direito. Segundo a pesquisa que realizamos, é possível acompanhar o embate
que Barros Falcão empreendeu para a compra da “typografia do falecido Luiz Ignacio Ribeiro Roma” aonde
faltava pouco para concluir o pagamento. Cf. Diário de Pernambuco, 16 de ago, 1863, p. 2
126
BAHIA, Juarez. Jornal, história e técnica: história da imprensa brasileira. 4. ed. atual. São Paulo: Ática,
1990.
127
PARANHOS, Haroldo. História do romantismo no Brasil. São Paulo: Edições Cultura Brasileira, 1937.
58
A contribuição intelectual não deixaria de ser reconhecida pelos seus partidários, uma
vez que recebeu in-memória um tributo a sua morte. Isso é o que inferimos, por conta da
publicação de lançamento d’O Etna (1881) que o homenageiam, testemunhando à
importância de seus esforços dedicados a república.

Figura 1. A Memória de Dr. João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão. Tributo do


Etna. O Etna, Ano I, n.1, 08 de outubro de 1881.

Percebe-se, assim, que a carreira pública de Barros Falcão foi profícua e bastante ativa
no que tange a propagação do republicanismo no Recife. Mas retornemos ao seu jornal O
Grito. Nele, João de Barros, questiona um dos pontos mais polêmicos: a emancipação de
parte da população que vivia no cativeiro. Pelos dados de um chefe de polícia da época, só
nessa província existiam mais de dez mil escravos.128

128
A população de Recife, nesta época, possuía 44.37 habitantes do relatório de Figueroa de Melo, Cf: Arquivo
Público Estadual (Recife): “Relação Numérica da População Livre e Escrava do Primeiro Distrito do Termo do
Recife”, 10, jan, 1856. FIGUEIRA DE MELLO, Jerônimo Martiniano.In: Ensaio sobre a Estatística Civil e
Política de Pernambuco. Recife, 1852; Reedição: Recife, Conselho Estadual de Cultura, 1979, p. 193.
59
Na resposta que dava sobre o escravismo e sobre sua posição perante a sua
comunidade, respondia com uma clássica negação: “Não!”. Não é de se estranhar, pois, que
esse tipo de pensamento era compartilhado por grande parte dos brasileiros; em especial, dos
partidos monárquicos que também usaram a imprensa para disseminar suas ideias de
emancipação. Mas, aqui, nosso foco está concentrado apenas nos republicanos.A questão
antiescravista era discutida pela política internacional, e os brasileiros, ao acompanhar os
movimentos republicanos na Europa e América, não deixaram de discutir a emancipação em
seus respectivos países.
Conforme O Grito, a emancipação deveria vir com um tempo e não de maneira
imediata. Esse pensamento pôde ser compreendido, nas próprias palavras no artigo que
publicou, logo depois de sua interrogação, explicou seus motivos:

Como agricultores, qual de nós não lamentaria ver um extenso terreno sem cultura?
Quando se estabelecer o governo republicano federativo, governo de economia e
progresso, e se executarem todas as leis protetoras da arte e das ciências, então a lenta
emancipação da escravatura terá, depois de meio século, restituído à justiça os seus
imprescritíveis direitos; então o Brasil, no píncaro da prosperidade e da glória,
129
desafiará os Estados Unidos para um duelo generoso de brio e humanidade.

Diante dessa sentença, procuramos investigar se essa pergunta ficou restrita apenas a
este periódico. Para nossa surpresa, não. Ela também fora motivo de questionamento para
outros impressos de mesma orientação política, a de dois outros conhecidos republicanos:
Afonso de Albuquerque e Melo (1811-1902)130 e Antônio Borges da Fonseca (1808-1872)131
que também partilharam na mesma linha do movimento emancipacionista.

129
Idem. Grifos nossos. O historiador Alfredo de Carvalho atribui a Albuquerque Maranhão o redator desta
folha, embora ele tivesse sido impresso na Typografia d’A Voz do Brasil de Inácio Loyola. Pela documentação
analisada, é possível contestar os esquemas que contemplam a omissão e oposição do republicanismo na
emancipação. Ao contrário dessa pressuposição, existiram grupos de republicanos emancipacionistas e os que
acreditavam na abolição imediata, sem indenização aos senhores, atuando inclusive, nos principais movimentos
radicais do abolicionismo e republicanismo em Pernambuco e na Corte do Rio de Janeiro; E esse é o caso de
Romualdo Alves de Oliveira, analisado no terceiro capítulo dessa dissertação.
130
Republicano histórico que havia atuado durante décadas de sua vida na propagação do ideal republicano em
Pernambuco. Sabe-se que em 10 de junho de 1883, cinco anos antes do 13 de maio de 1888, foi um dos
fundadores da Sociedade Abolicionista de Desterro/SC (hoje Florianópolis), conforme Souza (2012). Cf:
SOUZA, Luiz Alberto de. A cor e a forma: História e literatura na obra do jovem Cruz e Sousa (1861-1888).
2012. 370 f. Dissertação (Mestrado)-Curso de História, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. p. 168.
131
Reconhecido na Corte e em diversas províncias, foi jornalista e advogado de tradição republicana. No período
regencial, nas páginas do jornal O Repúblico agitou as ruas da capital do Império como um exaltado. Na
60
Ao último dispensamos comentários adicionais, por reconhecer que há vasta literatura sobre
sua biografia. Todavia, ao nos deslocarmos para o bacharel Albuquerque de Melo, poucas são
as informações sobre sua intensa trajetória republicana.132
Por seu turno, ele próprio publicou n’A Verdade (1848) uma matéria em resposta às
publicações de Barros Falcão (com o qual já havia mantido contato em outro órgão de
imprensa, pois ambos escreveram juntos com Borges da Fonseca n’O Nazareno (1843-1848).
Afonso Albuquerque formara-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1844, e cuja carreira
pública foi bastante parecida com a dos republicanos que faziam parte de seu círculo de
amizade.133 Publicou vários jornais, assim como Barros. Foi, ao mesmo, tempo publicista e
advogado, e chegou a se eleger por diversas vezes fora da província, produzindo até mesmo
livros.134
No que diz respeito a propagação do seu republicanismo que propugnou por várias
décadas, apareceu inicialmente publicando no jornal de Borges da Fonseca. O fato se deveu
em março 1848, quando Borges da Fonseca estava preso por ter sido enquadrado na Lei de
Imprensa no ano anterior. A partir de então, Melo encarregou-se com o então mencionado
Barros Falcão e Romualdo de Oliveira para manter a continuação dos princípios que
advogavam n’O Nazareno. É importante observar a categoria que esse periódico era
intitulado. Com sentido religioso, era como se O Nazareno de Borges da Fonseca, junto com
seus redatores fossem apóstolos da liberdade. Da cadeia Borges enviava artigos, solicitando
aos leitores desde os pagamentos das assinaturas para manutenção do impresso, como
publicando suas reivindicações em torno da Reforma Constituinte.

Rebelião Praieira, tinha bastante proximidade com a população do Recife. Tal fato se dava por defender a
nacionalização do comércio a retalho e o antilusitanismo, movimentos aos quais protagonizou importantes
atuações em Pernambuco, sendo ele figura marcante. Na imprensa e em manifestações públicas (meetings) atuou
até o fim de sua vida. Publicou em torno de 23 jornais durante sua carreira pública, tendo destaque na grande
maioria deles. Cf: SANTOS, op. cit., 1994.
132
Primo do republicano José Maria de Albuquerque Melo, onde em 1872 escreveram juntos no jornal
republicano O Seis de Março (1872). José Maria foi assassinado por motivos políticos em 4 de março de 1895,
no Recife. A informação sobre a morte desse republicano foi retirada de uma nota de rodapé da obra de Paulo
Cavalcanti. Eça de Queiroz: Agitador no Brasil. 4ª edição revista e ampliada. Recife, Cepe, 2015. Também Cf:
BLAKE, S. Vol. 1, 1970. p. 11. Em 1880, quando o abolicionismo já se tornara popular, Melo se posicionou
favorável ainda a abolição gradual, Cf: Diário de Pernambuco, 29, mar, 1883. Ver também as publicações nesse
sentido, entre os dias 5 e 17 de abril de 1883.
133
Lista dos Bacharéis e Doutores que têm obtido o respectivo grau na Faculdade de Direito do Recife. Desde
sua fundação em Olinda, no anno de 1828, até o anno de 1931. Faculdade de Direito. Tipografia Diário da
Manhã, 1931, p. 10.
134
Em fevereiro de 1902, o encontramos ativo na imprensa local com seus 82 anos de idade. Nas matérias
publicadas por “um dos mais antigos e ardentes republicanos deste Estado” informava que imprimira e distribuía
de graça “O Boletim da Libertação” e “A Libertação da Pátria Escrava”, levantando-se contra a República
Instaurada. Cf: A Província, 27, fev, 1902. p. 6. Meses depois, este mesmo jornal noticiou o falecimento de
Melo. Noticiou que com idade de 83, residia na Rua do Sol, n. 15. Cf: Província, 27, jun, 1902. p. 1.
61
Como bem pontuou Werneck Sodré, em sua História da Imprensa no Brasil, O
Nazareno foi um dos jornais de maior expressão republicana, sendo sua publicação um dos
fatores responsáveis por motivar a deflagração do movimento praieiro.135 Curiosamente, O
Grito da Pátria, anteriormente mencionado era confeccionado na tipografia do jornal A Voz
do Brasil de Inácio Bento de Loyola (1804-1867). Ao ser impresso nesta, o Grito aponta a
ligação entre esses dois jornalistas de posições bastante próximas. Comumente, combateram
os políticos gabirus em suas folhas, porém, havia divergência de perspectiva entre ambos: o
modo como pensavam a respeito da extinção escravidão.
Como vimos no artigo de Barros Falcão, ao se mostrar favorável a “lenta emancipação
da escravatura”, sinaliza que a escravidão seria prolongada por mais de “meio século”. Por
tabela, seu posicionamento era favorável à indenização dos senhores de escravos, caso fosse o
escravizado libertado por medidas emancipatórias, como as alforrias. Aos senhores deveriam
ser restituídos dos seus imprescritíveis direitos, segundo esse jornalista.
Em nossa consulta, o impresso de maneira padronizada, com quatro páginas, cada qual
com suas colunas, era vendido pelo preço de 80 réis; valor bastante significativo, tendo em
vista que poderia ser acessado por parte da camada popular. A ligação de amizade entre esses
republicanos, sempre que possível, era destacada tanto pela publicação dos jornais em suas
tipografias como da menção de seus nomes nos impressos. Exemplificaremos com mais
detalhes essa aliança: Melo Albuquerque, no seu O Homem do Povo (1847), ao proclamar os
direitos dos povos e da república federativa, denunciou a arbitrária prisão que se dera contra o
líder republicano. Infelizmente, O Homem não passou de dois números; porém em julho do
ano seguinte, ao publicar A Mentira (1848), criticou os partidos conservadores e liberais,
intercedendo ainda pela libertação de Borges que se encontrava preso. Com A Reforma
(1848), temendo a luta armada que se aproximava, clamava por “reformas radicais na nossa
organização social e política”.136 Neste ano ainda publicou A Verdade: órgão do partido
republicano (1848) sustentando com regozijo que “depois de um longo martírio de 17 meses
da mais iníqua prisão”, o jornalista Antonio Borges da Fonseca estava liberto da prisão.137
Neste último periódico seu programa, ao elucidar a “forma de governo republicana, único
meio que nos pode salvar”, pretendia adquirir partidários ou simpatizantes a sua causa.138

135
SODRÉ, op. cit, 1999. p. 137.
136
A Reforma, 27, jul, 1848. p.2
137
A Verdade, 22, set, 1848, p. 2.
138
A Verdade, 21, ago, 1848, p. 1. Para maiores informações ver: SODRÉ, Nelson W. História da imprensa, p.
151.
62
Por volta de 1849, com A Gazeta do Povo (1849), reivindicava, por meio de
linguagem satírica, a formação de uma nova Assembleia Constituinte, atacando os guabirus
que ocupavam o poder quanto os praieiros. Destaque-se que os galegos (portugueses) não
fugiram de suas penas. Em contrapartida, um de seus principais alvos era o órgão de imprensa
conservadora A União (1848-1855). Justamente nesse período, esse jornalista democrata
havia se tornado o redator principal do Diário Novo. Dado o contexto do julgamento
instaurado contra os praieiros em 1849 adiante, sua inserção no corpo deste jornal é
significativa, pois este órgão de imprensa era considerado um dos principais baluartes das
publicações do Partido Liberal. A defesa da constituinte foi um das principais bandeiras que
radicalizou o movimento de 1848 e marcou a sua história.
Nas proclamações desse órgão de imprensa liberal e republicana, podemos
acompanhar como os artigos desses impressos circulantes pelo Recife estimulavam a
população a se rebelar em prol de suas reivindicações políticas, como a oposição ao domínio
do partido gabiru na província. É interessante que, ao escrever no Diário, Afonso de
Albuquerque participou de um processo de longa perseguição política realizada contra
jornalistas na província.139
Nos seis meses anteriores a este evento, o órgão estava fechado e sua reabertura
deveu-se à viúva Umbelina Coelho da Silva Ribeiro Roma. Ela assinara a declaração de
reconhecimento da Tipografia Imparcial na Câmara Municipal do Recife logo após a morte do
marido que havia morrido em combate. Essa tipografia, todavia, não duraria por muito tempo.
Fora novamente impedida de funcionar pela política conservadora na província, que temia a
circulação de seus impressos. Ou seja, O Diário representaria uma ameaça aberta para a
ordem instituída. O que se vê depois é o surgimento de outros jornais liberais para substituí-
lo. Passará então a existir outros de grande expressão, como O Liberal Pernambucano (1852-
1862). Extinto a Insurreição da Praieira, o que percebemos é que jornais republicanos de
grande expressão surgem no decorrer das décadas seguintes. Borges da Fonseca, por exemplo,
em sua empreitada como jornalista, ligou-se por duas vezes a Albuquerque de Mello.

139
É Luiz do Nascimento (1968, p. 45) que informa que o presidente da província Honório Hermeto Carneiro
Leão “mandou fechar o afoito jornal, cujo último número circulou a 15 de novembro de 1849”. Nesse processo
foram presos, na ocasião, os redatores José Antonio de Faria Abreu e Lima, Padre Francisco Rocha Pereira de
Brito Medeiros e Afonso de Albuquerque Melo. Para acompanhar a trajetória de Umbelina Coelho, cf: BRAGA,
C. T. Viuvez e cotidiano das mulheres em meados dos Oitocentos (Pernambuco, 18422-1853). Dissertação de
Mestrado em História Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, 2019. Cf.
especialmente, o capítulo 3. Impresso na Typ. da viúva Roma. pp. 100-147.
63
Redigiram juntos n’A Revolução de Novembro (1850-1852) e, posteriormente, O
Tribuno (1866-1869).140 Dois jornais de grande expressão, difundiram a forma do governo
republicano e trouxeram como bandeiras políticas questões como a emancipação e a reforma
radical no sistema eleitoral. Outras bandeiras, como a nacionalização do comércio a retalho e
a federação das províncias brasileiras, caracterizam bastante a geração desses republicanos
que participaram da luta armada praieira. Para finalizar o publicismo de Melo, este ainda
publicou n’A Gazeta do Norte (1865-1866), A República (1871), O Seis de Março - Diário
Republicano (1872) e por último n’A República Brasileira (1892).
Ao nos reportamos à resposta que Melo de Albuquerque endereçou ao tema da
abolição da escravidão, na folha A Verdade, por volta de 1848, devemos considerar que sua
leitura de mundo sobre sua compreensão escravidão era compartilhada por grande parte de
seus contemporâneos. Ao optar pela via da emancipação lenta e gradual, discordava dos
correligionários mais radicais. Sua resposta era “quem deseja o governo republicano no Brasil
não pode querer acabar com a escravatura, porque será isto o mesmo que aniquilar a
república”.141 Tal crítica era justamente direcionada para os republicanos e liberais radicais
que desejavam a abolição imediata da escravidão. Diante desse excerto acima, somos levados
a compreender que nem todos que eram partidários da república comungavam das mesmas
ideias que aparentemente assemelhariam seus pensamentos políticos. A defesa da abolição em
sua totalidade, sob o ponto de vista político de Melo, não deveria ser compartilhada pelos
republicanos, mas sim condenada.
Suzana Cavani, ao analisar a reorganização do Partido Liberal no Recife - nos anos
que seguiram a Insurreição da Praieira - investigou quatro impressos liberais que circularam
na imprensa pernambucana.142 A partir dessa análise, a historiadora destaca que a história da
produção e circulação dessas fontes cruza-se justamente com o contexto histórico do gabinete
da conciliação (1853-1857), política esta que fez parte de um processo de reorganização
política entre os partidos da monarquia.

140
É válido enfatizar que, neste interregno, Melo de Albuquerque foi deputado na Assembleia Legislativa
Provincial de Santa Catarina por diversas legislaturas entre 1854 até 1869. Cf, MEMÓRIA POLÍTICA DE
SANTA CATARINA. Biografia Afonso de Albuquerque e Melo. 2019. Disponível em:
<http://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/26-Afonso_d_Albuquerque_e_Melo>. Acesso em: 31 de
janeiro de 2020.
141
A Verdade, 21, Ago, 1848. p. 2. As citações foram retiradas de Vamireh Chacon, Ibid, p. 46.
142
ROSAS, Suzana Cavani. Da "constituinte soberana" a "conciliação política sobre as bases das reformas": O
Partido Liberal em Pernambuco e o gabinete Paraná de 1853. In: Revista de História. São Paulo, n. 170, p. 291-
316, Jun 2014. Da mesma autora, ver: Ação, Reação e Transação: A Sociedade Liberal Pernambucana (1851-
1861). In: Clio. Série História do Nordeste (UFPE), Recife, v. 1, n.17, 1999. pp. 159-170.
64
A alternância de governo brasileiro entre Luzias e Saquaremas viria desembocar na
reorganização do Partido Progressista no Recife que por volta de 1860, que, por sua vez,
opor-se-ia ao domínio dos conservadores.143 Além das críticas que os praieiros levantavam
contra os Luzias do Rio de Janeiro, seus membros defendiam a nacionalização do comércio a
retalho e federalismo, mostrando-se também empenhados na luta pela Reforma Constituinte.
Partes desse grupo também estiveram interessadas no tema da escravidão, mas a exposição
desse posicionamento raramente era expressa na imprensa no período que compreende os
marcos dessa pesquisa. Cavani explica que “Cabe ressaltar que essa bandeira unia não
somente os liberais de Pernambuco, mas todas as forças de oposição da província, o que
incluía os republicanos, estes chefiados por Borges da Fonseca”.144
Os republicanos, por sua vez, além de protestar contra tais demandas, também
destacaram a questão da escravidão. Sobre a união, podemos afirmar que ela existia até certo
ponto, pois, além de denunciar ambos as legendas dos partidos da monarquia, os defensores
do regime republicano, ao arvorar pelo fim do regime monárquico, denunciavam, como efeito
secundário, a corrupção de seus partidos.
A propaganda que realizam em prol das reformas da constituinte e da nacionalização
do comércio a retalho, gerou uma sucessiva onda de repressão da imprensa radical na cidade
do Recife. Este é o caso de Bento de Loyola (1804-1867), oficial reformado de milícias que se
tornou um dos mais virulentos jornalistas na imprensa pernambucana com seu A Voz do
Brasil, aqui já mencionada sua tipografia.145 Loyola, conforme Marcus Carvalho, tornou-se
famoso por publicar ideias radicais num período que influenciou nos eventos da Praieira.146
Ao esse sujeito histórico ao realizar a campanha favorável às demandas do movimento
político dos Cinco Mil, segundo Amaro Quintas, esse liberal radical passou a pertencer a uma
facção extrema do Partido Praieiro.147

143
O artigo explorou A Imprensa (1850-1852), Argos Pernambucano (1850-1852), O Echo Pernambucano
(1850-1856) e O Liberal Pernambucano (1852-1861). Cf, CAVANI, 2014.
144
CAVANI, 2014, Op. cit. p. 298.
145
Encontramos mais informações sobre a profissão e sobre a vida deste personagem no mês de setembro no
jornal A Ordem (1859-1867), por ele redigido até o final de julho de 1867. Após sua suspensão por um mês, A
Ordem retoma suas atividades, informando o falecimento de Inácio Bento em 26 de agosto. O necrológico
informou que o virulento jornalista, dois dias antes de falecer, havia desabado da escada de sua residência.
Informa-nos o necrológio que morreu em extrema pobreza, com um total de 16 filhos. Cf: A Ordem, 10, set,
1867 e também ver: O Recife Illustrado, 28, ago, 1867.
146
CARVALHO, M. J. M. “Os nomes da Revolução: lideranças populares na insurreição praieira”. In: Revista
Brasileira de História, São Paulo, v. 45, n.1, 2003. pp. 209-238,
147
O movimento dos Cinco Mil foram agitações populares que ocorreram na região do Recife entre os anos de
1844 a 1848. Em todas essas manifestações, havia um ponto em comum, a principal reivindicação da populaça
do Recife era a nacionalização do comércio a retalho. Houve até a criação de um abaixo-assinado, levado por
65
Semelhante posição os republicanos teciam em suas folhas. Desde sua defesa do comércio a
retalho, como antilusitanismo que esboçava em sua folha, A Voz do Brasil tornou-se umas das
principais redações da época, combatendo fortemente a população estrangeira na província,
em especial, o principal órgão de imprensa dos gabirus O Lidador (1845-1848).148
No período que circulou entre 1855 a 1859, tornou-se popular por imprimir os anseios
de grande parte da população pernambucana. Para Marcus Carvalho a leitura d’A Voz do
Brasil “terminava encontrando quem estivesse disposto a ouvir, influenciando condutas,
agitando a população contra os empregados estrangeiros”.149
Ao apelar com discursos nativistas em sua folha contra os portugueses, convocava o
povo às ruas para se reunirem através dos meetings, nova cultura política que já agitava a
população de Recife com a participação de milhares de pernambucanos. É importante notar
que os impressos que contradiziam os partidos da monarquia, ao manifestar suas publicações
destacando os descontentamentos que atingia a maior parte considerável da população,
contribuíram para a grande repercussão do movimento dos “cinco mil”. Incrivelmente, esse
movimento foi conduzido por Borges da Fonseca que, por sua vez, encarregou-se de elaborar
um abaixo-assinado para Assembleia Legislativa.
Ao nos atermos à trajetória que Bento de Loyola empreendeu no campo da imprensa,
percebemo-la como um paradigma do embate empreendido por republicanos da geração
quarante-huitard favoráveis ora a emancipação, ora a abolição em sua totalidade. Outra
característica perceptível no itinerário que desenvolveu em sua de carreira de publicista: a
afirmação sobre sua imparcialidade política nos impressos. Além de ter publicado A Voz do
Brasil que chegou a ter seu desfecho com sua prisão em 3 de janeiro de 1849150 Loyola,
permaneceria com sua oficina tipográfica. Loyola, no seu periódico O Conciliador,151 ao se
manifestar favorável à abolição imediata da escravatura, tocava em um ponto que nem Barros,
Albuquerque de Melo ou Borges da Fonseca defenderam no Manifesto ao Mundo (documento
em que exigiam o fim da monarquia e a proclamação de uma república).152

Borges da Fonseca Assembleia Provincial, nela se exigia a nacionalização do comércio a retalho e a expulsão
dos portugueses solteiros na província. Para maiores informações, ver; CARVALHO, Marcus, idem, 2003.
148
ROSAS, Suzana Cavani. Cidadania, trabalho, voto e antilusitanismo no Recife na década de 1860: Os
meetings do bairro popular de São José. In:RIBEIRO, Gladys Sabina e FERREIRA, Tânia Maria T. Bessone da
Cruz. (orgs.). In: Linguagens e práticas da cidadania no século XIX. Rio de Janeiro, Alameda, 2011.p.168.
149
Idem, p. 230.
150
A Voz do Brasil, 05, Jan, 1849. p. 4.
151
Diário de Pernambuco. 17, dez, 1850.
152
Autos, op. cit, pp. 107-109.
66
O interesse de Inácio Loyola, ao tratar do seu apoio a escravidão total, possivelmente
esteve aliado ao desejo de instruir seus leitores sobre os benefícios que traria a forma de
governo republicano-federativa, caso esse sistema fosse instaurado. A aspiração não era
comum a todos, em uma sociedade atravessada por uma cultura escravista com mais de três
séculos e meio.
Ao se remeter a esse grupo de republicanos e liberais da ala radical da praieira
liderados por Borges da Fonseca, Vamireh Chacon afirma “(...) com seu abolicionismo radical
(inédito na própria geração quarante-huitarde), Inácio Bento de Loyola e seus adeptos,
apresentam a ala mais avançada da ala radical, sua extrema esquerda”. 153 Neste contexto, tais
posicionamentos dos republicanos antiescravistas sinalizavam que acompanhavam em
perspectiva transnacional os debates que já faziam parte do cotidiano das repúblicas europeias
e americanas que, ao discutirem a abolição da escravatura de suas colônias ex-escravistas,
estavam cientes de que seus impactos atingiam também a América do Sul.
Diferentemente de seus contemporâneos, o famoso redator d’A Voz do Brasil, sob seu
ponto de vista republicano, considerava ser necessária a extinção do sistema escravista,
justamente em um período que comumente afirma-se um período de calmaria entre os
partidos políticos. Seu discurso parece não ter sido um ponto comum entre os demais
impressos na cidade do Recife, mas é preciso ter em mente que a sociedade brasileira
apoiava-se nesse regime por mais de três séculos e meio. Porém, como nos explica Hebe
Mattos, a cultura do escravismo convivia com a contradição do liberalismo, tornando-se
comum a sociedade escravista aceitar esse regime secular.154 Na sua oficina, fez sair o Diário
do Povo e O Fiscal (1849), dois impressos publicados duas vezes por semana. O primeiro
teve apenas três números publicados; o segundo deu seguimento à exposição de suas ideias
enquanto liberal e constituinte. Ao defender a liberdade dos praieiros nestas folhas, execrava a
política dos saquaremas Hermeto Carneiro Leão e Manoel Vieira Tosta.155

153
CHACON, op. cit., 1981. p. 46. Sendo um homem do seu tempo, não estava imune às concepções racistas da
época, mas no começo de sua longa carreira já era um simpatizante da emancipação gradual dos escravos.
Militou na sociedade secreta A Popular, que favorecia a emancipação gradual, e na década de 1860 flertaria com
o nascente abolicionismo. CARVALHO, Op. cit. Os nomes da revolução. pp. 269-270; CHACON, Vamireh.
“Introdução”. In: Autos, p. LXIII. Sobre a atuação política de Borges da Fonseca no Rio, durante o Primeiro
Reinado, veja-se RANGEL RICCI, Maria Lúcia de Souza. A Atuação Política de um Publicista: Antonio Borges
da Fonseca. Campinas: Pontifícia Universidade Católica, 1995; RIBEIRO, op. cit., 2002, pp. 267-268.
154
MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
155
Durante a Revolução Praieira ou Insurreição Praieira (1848-1850), conflito armado de caráter liberal e
federalista, ocorrido em Pernambuco, Tosta foi nomeado Presidente desta Província e permaneceu no cargo de
1848 a 1849. Para conhecer o governo dos conservadores, Cf: MARSON, Izabel. A Política, Polícia e Memória:
67
Foram estes mesmos políticos que se incumbiram de persegui-lo na imprensa. Não
demorou muito para que este periodista lançasse, entre junho a setembro O Conciliador
(1850). De caráter republicano, este último passou a ser substituído pelo O Echo
Pernambucano (1850-1856), este em particular, era considerado um dos órgãos da imprensa
liberal. Ao suceder o Echo, pôs em circulação o Jornal do Commércio (1856-1858),
publicado três vezes na semana, em sua própria tipografia. Na abertura de seu editorial,
demonstrava-se desiludido, por conta de todos os esforços dispendidos nas fileiras do Partido
Liberal, frisando o acentuado o individualismo dos partidos políticos na província. Após essa
experiência inglória, retrata a passagem no artigo de abertura d’A Ordem: periódico político,
imparcial (1859-1866), sua mais longeva publicação.
Com A Caipora de Pernambuco (1852) frisava seu posicionamento como liberal
praieiro e, por conseguinte, o principal articulista do periódico político.156 Não era pelo fato
de estar alinhado aos liberais que teria sido literalmente eliminado da Sociedade Liberal
Pernambucana. Defendeu-se contra essa expulsão através de artigos,157 entrando ainda em
polêmica com os redatores d’O Liberal Pernambucano, outro órgão do Partido
Liberal.158Deste momento adiante, declarava-se com imparcialidade, não se comprometendo
mais a tomar partido de qualquer facção partidária em seu jornal. Estes periódicos, como
pudemos constatar, tiveram efêmera e outras longa duração. A impressão só veio a finalizar
com a sua morte em 1866. Além deste publicista que carregava em suas penas as tradições do
ideário praieiro radical, ainda encontraremos outros como Luiz Círiaco da Silva e o goianense
Romualdo Alves de Oliveira (1825-1895), sujeitos históricos pertencentes a essa geração de
republicanos. O último, em particular, será analisado pormenorizadamente no nosso terceiro
capítulo.
Romualdo de Oliveira, tão radical quanto Bento de Loyola, nunca deixaria de
empreender suas ideias republicanas. Além de republicano que participou de diferentes órgãos
de imprensa, estabeleceu outras redes de sociabilidades, seja criando sociedades
antiescravistas ou delas participando como sócio, e também atuou em manifestações públicas
- como teatros e ruas das cidades - palcos privilegiados em defesa da associação entre a
república e a abolição.

a atuação do chefe de polícia Jerônimo Martiniano Figueira de Melo na Revolução Praieira. In: Justiça &
História, Porto Alegre, v. 4, n.7, 2004.
156
A Caipora de Pernambuco, 2, Jan, 1852. p. 1.
157
O Echo Pernambucano, 23, nov, 1852. p. 2.
158
O Echo Pernambucano, 10, fev, 1854. p. 3.
68
A emancipação ou a abolição imediata foram dois pontos de vistas que pudemos
acompanhar entre esses grupos de republicanos históricos nos jornais recifenses. Ao explorar
seus artigos publicados em diferentes folhetins republicanos, estes homens imprimiram suas
considerações a respeito da escravidão em contexto no qual as lutas travadas entre os partidos
liberais (praieiros) e conservadores (gabirus) tornavam-se cada vez mais intensas.
Logo na segunda metade do século XIX, a imprensa vai ganhando cada vez mais
espaço no cotidiano da população brasileira. Nos bastidores da sociedade civil e da vida
política do império brasileiro, grupos de homens letrados republicanos, ao se mostrarem
insatisfeitos com as administrações dos partidos da Coroa - que insistiam preservar a visão de
uma tranquilidade política - recorreram às letras para publicizar seus princípios e suas
indignações contra a monarquia e a escravidão, objetos de interesse desse grupo.

2.3. Os debates emancipacionistas republicanos

Segundo nossa investigação sobre os jornais republicanos que circularam no Recife,


mensura-se que, entre as décadas de 1848 a 1875, circularam em torno de 38 periódicos. Os
assuntos que trataram em suas folhas variaram desde à analise desses grupos com relação aos
acontecimentos locais, nacionais, até a descrição dos eventos internacionais que chegavam
através dos jornais estrangeiros e dos próprios viajantes.
O projeto em comum que os une é a divulgação em prol da república, cujas
publicações contribuem para que a público leitor pudesse interpretar aquelas ideias sobre a
federação, democracia, soberania nacional, nacionalização do comércio a retalho e
participação da população nas decisões do governo.
Iniciamos por destacar as matérias d’A Tesoura (1859)159, um os principais periódicos
republicanos antiescravistas que circulou entre agosto a outubro do ano de 1859.160
Interrompidas suas matérias, retornava em 1868, dando continuidade ao seu viés
antiescravista na província pernambucana. Seu redator, o republicano Francisco de Paula
Vieira de Melo, advertia aos conservadores “Ladrões, assassinos, concessionários, passadores
de cédulas falsas, negociantes de escravos e toda esta caterva de celerados que bebem o

159
A Tesoura, 16, set, 1859. p. 2.
160
A coleção desses jornais foi consultada no APEJE.
69
sangue do povo: preparai-vos, que A Tesoura irá tomar conta de cada um; e então! ai de
vós!”.161
Seus artigos noticiaram a instalação da Associação de Socorros Mútuos, Lenta
Emancipação dos Captivos (1859-1863),162 fato que levou seu redator agradecer do íntimo do
seu coração: “prestar-nos ante, a mãe de Deus pelo benefício que acaba de fazer 4 míseras
meninas, que sob sua invocação quebrarão as algemas do infame cativeiro”. 163 Mais adiante,
fez transcrições d’O Povo, outro periódico republicano que também havia registrado a
fundação dessa sociedade antiescravista, incluindo nesta matéria a poesia que “deixou todos
os espectadores comovidos e arrebatados”. Desta matéria, ao que tudo indica, estiveram
presentes vários grupos da sociedade civil e política, representados por diferentes associações.
Dentre elas, como o Atheneu Pernambucano, Gabinete Português, Associação da Arte e
Amizade e Monte Pio. Desse jornal, foram publicados apenas sete números. E, em suas
últimas publicações, concitou os pernambucanos a desprezar o imperador que havia
anunciado sua visita à província.164
No ano seguinte, vemos Vieira de Melo pôs em circulação o periódico O Pharol
(1859), rapidamente substituído pela publicação d’O Leão do Norte (1860).165 É interessante
sinalizar que ao retornar com A Tesoura em 1868, tratou como alvo de dois de seus artigos a
abolição da escravidão. Estes temas foram analisados sobre os títulos “A escravatura no
Brasil” e “O Elemento Servil”.166
Em um dessas matérias, seu redator chegava até mesmo exagerar, observando que
“(...) todos os periódicos desta bendita terra de Santa Cruz, nenhum dos Pragmáticos
lembrou-se da questão servil para resolvê-la em algum princípio necessário a humanidade e
proveitoso Brasil”.

161
Publicado todas às sextas-feiras, formato de 28x19, com quatro paginas de duas colunas, custando 200 réis
cada exemplar e 500 réis a assinatura mensal. Circulou entre agosto e outubro, com sete números. A Tesoura, 26
de agosto de 1859. NASCIMENTO, 1970. v. 5, pp. 120.
162
A Associação de Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação dos Captivos foi fundada em setembro de 1859
com 143 associados, no seu primeiro ano, foi presidida pelo republicano António Borges da Fonseca e seu
secretário, o professor de primeiras letras Luiz Ciriaco da Silva. Sua instalação foi noticiada pelos jornais
republicanos, A Tesoura, 16 set. 1859, pp. 1-2; O Povo, 15, set, 1859. p. 1; O Democrata, 14 set, 1859. pp. 2-3.
163
A Tesoura, 16, set, 1859. p. 1.
164
A Tesoura, 16, out, 1859. p. 2.
165
Informou que sairia quatro vezes por mês, subscrevia na loja de Livros, na rua do Crespo ou na rua do Velha,
n. 68. Preço da assinatura por ano adiantado, 7, 000 réis e por trimestre, 2,000. Typografia da Ordem, localizada
na rua da Praia, n.43.
166
Cf: A Tesoura, 1, out, 1868. pp. 1-2 e A Tesoura, 14, out, 1868. pp. 1-2
70
Não tentava custar ser primeiro a lançar seu olhar em torno do tema. Para isso, ao
mostra-se inteirado da libertação dos escravizados dos Estados Unidos, estava admirado que o
Brasil não seguisse os mesmos passos da Espanha, que, a esta altura “(...) já tenha abolido a
escravatura de suas províncias (à exceção de Cuba, faltou destacar esse fato)”.167
Ao discorrer sobre a escravidão de modo simples e vulgar, foi contundente em afirmar
que se dirigia ao Povo “que também é escravo” criticando que “enquanto no Brasil houver um
só escravo, o Povo não será livre enquanto um só Brasileiro for proprietário do outro e muitas
168
vezes de um estrangeiro, o imperador será nosso senhor”. Aqui o artigo d’A Tesoura
aproveitava para realçar seu republicanismo, elencando uma lógica então atribuída pelos
republicanos: a de que ser governado por um rei, cuja família descendia de Portugal, era
mesmo que está agrilhoado na eterna prisão. Era preciso desatar desse laço do passado.
A instituição escravista no Brasil, como bem sabido pelo redator d’A Tesoura, tinha
sua origem desde o período em que as primeiras embarcações aportavam no território
brasileiro. Diante dessa situação que fora controlada pela administração a Coroa Portuguesa,
culpou os portugueses ambiciosos que arrancaram “do centro de África milhões de famílias”
para saciar a sua cobiça.169 De acordo com o autor, mesmo com a Independência (1822) e
influxo da Constituição (1824), o tráfico de escravos havia continuado, cabendo à Inglaterra o
papel dar um fim nesse sistema através de tratados. O Brasil, pelo contrário, ironizava o
redator: “Acabou-se o tráfico, mas os escravos ficaram e existem” tudo isso, por conta dos
homens do governo “que souberam bem harmonizar a liberdade com a escravidão”.170
Obviamente, ao perceber as poucas mudanças a que a nação se arriscara durante
séculos sobre o elemento servil, não deixou de responsabilizar a figura do imperador pela
situação presente. Para o redator d’A Tesoura:

No tempo do tráfico não era crime a escravidão, combatê-la era até


perigoso, como hoje é arriscado combater a tirania que nos oprime, mas
tempo virá em que crime será o tolerar os tiranos, como é crime hoje reduzir
171
a escravidão a pessoa livre!

167
A Tesoura, 1, out, 1868. p. 1. As duas frases foram extraídas nesse número.
168
A Tesoura, 1, out, 1868. p. 2.
169
A Tesoura, 14, out, 1868. p. 1.
170
A Tesoura, idem. p. 2.
171
Ibidem.
71
Ao longo das publicações, mostrava-se em desacordo com os princípios monárquicos,
defendendo a liberdade do povo e contribuindo para que a linguagem republicana ganhasse
mais adeptos de sua causa em torno desse tema tão melindroso. A notícia da instalação de
umas das primeiras sociedades antiescravista nesse periódico foi também compartilhada por
mais dois outros jornalistas republicanos: Luiz Ciriaco da Silva e Romualdo Alves de
Oliveira. É possível considerar que, pela formação profissional e mesma orientação política,
esses jornais tiveram a importante função de registrar os trabalhos desta associação.
Com isso, não deixa de interessar que essa instituição tenha servido como um espaço
de sociabilidade para divulgar as atividades do grupo. Afinal de contas, ambos estavam
engajados na organização da instalação, como também faziam parte de seus membros. Sobre a
trajetória de Luiz Ciriaco sabe-se, era oriundo da camada popular. Era homem de cor e sua
profissão, professor público de primeiras letras.172
Pouco se sabe da trajetória biográfica de Luiz Ciriaco da Silva. Porém, ao
consultarmos seu nome na Base de Dados da Hemeroteca Digital foi possível vê-lo atuando
como redator d’O Povo (1855-1859) e O Advogado dos Guardas Nacionais (1856).173 Foi
justamente seguindo o nome desse republicano que o encontramos como membro da
ASMLEC, conforme consta seu nome na lista de convocação dos sócios para reunião
estampada no mesmo Diário, em 1860.174
Durante o período que redigia seus artigos d’O Povo, chegou a ser preso por divulgar
seu republicanismo na província de Pernambuco.175 Este direcionamento político da parte
desse professor de primeiras letras não deixou de provocar uma espécie de redações modelos,
diante do qual outros impressos passaram a propagar o ideal republicano como meta a ser
atingida.

172
Pelo fato do republicano Luiz Ciríaco encontrar-se doente, o jornal informa a substituição desse professor por
outro. Era professor de primeiras letras na cadeira elementar da freguesia de São Pedro Gonçalves, um dos
bairros mais antigo da cidade. Cf, Diário de Pernambuco, 01 Set, 1851. p. 1.
173
Iniciou sua circulação em 10 de fevereiro de 1855, e foi impressa em várias Tipografias: O Brado do Povo,
Tipografia Pernambucana, Tipografia do Povo Pernambucano, Tipografia Republicana Federativa Universal.
Seu tamanho de 22x16 possuía o formato de quatro páginas de duas colunas, publicava-se duas vezes por
semana. A subscrição podia ser adquirida na residência do redator, a 500 réis por série de 25 números, com o
preço avulso inicialmente era de 20 réis.
174
Diário de Pernambuco, 26 de abril de 1860, p. 3
175
Consta que foi preso por destacar em suas folhas atos não agradáveis sobre o Padre Joaquim Belisário Luiz de
Melo. Na publicação do dia 18 de julho de 1858, Luiz Ciríaco veio a público manifestar-se sobre sua prisão Em
12 de setembro, celebrava agradecendo pelo provimento de impetração dada pelo juiz de direito José Quintino de
Leão. Cf, NASCIMENTO, op.cit., p. 64
72
Durante a pesquisa pudemos perceber que a maior parte da imprensa republicana teve
uma pequena duração, comparada aos jornais monarquistas que tinha maior duração de
tempo, mas isso não impossibilita de enxergar que nesse movimento de impressos estivessem
se constituindo e se desenvolvendo uma cultura política republicana na cidade do Recife.
Crítico do regime monárquico Luiz Ciríaco, chegou a ter a colaboração de artigos feitos por
Borges da Fonseca e Romualdo de Oliveira.
No início de seus artigos n’ O Povo, esse republicano pôde ser visto apelando para “A
República, única tábua de salvação que nos promete a redenção brasileira”. 176 Todavia, no
final do ano de 1856, já o vemos se declarar não ser mais republicano e sim favorável às
ideias do Partido Liberal.177 Consciente da marginalização que vivia o povo e a classe dos
profissionais liberais de sua época, denunciava que a população pernambucana aspirava por
melhores condições de trabalho, pois os portugueses monopolizavam o comércio a retalho e
os empregos públicos desta província.
É de se notar que Romualdo de Oliveira n’O Democrata (1857-1859) foi quem mais
deu cobertura à instalação da sociedade antiescravista. Esse republicano e antimonarquista,
como testemunha ocular da inauguração assegurou que “Existindo o cancro da escravidão na
terra de Santa-Cruz, não podia deixar de repercutir o generoso movimento de abolição; e, de
efeito, criaram associações em Minas, Corte e Bahia, e entusiasmo-me dizê-lo - aqui!”.178
Após declarar-se pertencente à corrente abolicionista, posição que dizia manter desde que
criara a Sociedade Popular de Socorros Mútuos,179 Romualdo regozijou-se ao ponderar que
seu posicionamento político era também compartilhado pelos seus compatriotas que “não
podia ficar estacionado no grande banquete da emancipação lenta dos captivos”.180
Em 18 de setembro, Borges da Fonseca o enviou artigo para ser impresso no seu
jornal, referenciando o seu projeto de como suprir a mão escrava e pouco a pouco abolindo a
escravatura. Nesta matéria específica, este publicista, lenda viva do velho republicanismo do
tempo da regência, destacou que a libertação deveria ocorrer de maneira lenta e gradual, de
preferência; explicou ainda que essa medida deveria se iniciar pelas “meninas e mulheres
escravas”.

176
O Povo, 18, jul, 1858. p. 2.
177
O Povo, 01, dez, 1856. p. 4.
178
O Democrata, 14, set, 1859, pp. 3-4.
179
Sobre essa sociedade, ela também era abolicionista, pois um dos artigos determinava “a libertação de uma
escrava em cada aniversário”. Cf, Discurso de Romualdo. Recitado por ocasião da instalação da Sociedade de
Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação. O Democrata, 14, set, 1859, p. 2.
180
O Democrata, 14, set, 1859, p.2.
73
Note-se que esse gazeteiro fez referência a seu emancipacionismo histórico, afirmando
Borges: “muitas medidas convenientes, eu mesmo tenho por muitas vezes lembrado a
conveniência dessa lenta manumissão, e pretendido que as câmaras municipais fossem disto
incumbidas em seus respectivos municípios”.181 As tentativas dos partidários de Borges da
Fonseca de noticiar a questão do elemento servil em seus jornais republicanos na década de
1850 foi uma das múltiplas estratégias que esses jornalistas se utilizaram para combater a
política monarquista em Pernambuco.
Denunciar a escravidão, assim, tornou-se assunto de relevante serviço para seus
membros, diante do qual transgrediram com a criação da sociedade antiescravista da
ASMLEC.Na medida em que redações de jornais republicanos passam a crescer na década de
1860, o grupo não mais poderia ficar restrito apenas a um pequeno número de jornais para
defender seus interesses e expressar seu republicanismo.
Quando o imperador demonstra interesse político em realizar reformas na questão do
elemento servil, a reação da imprensa foi imediata: tantos das fileiras monárquicas como dos
republicanos. Borges da Fonseca esbravejava em seu O Tribuno (1866-1869), dando “Viva a
Liberdade” e a libertação dos escravos, então encaminhados para a Guerra do Paraguai (1864-
1870).182
Preocupado com o destino da nação, retomava suas atividades ligadas ao jornalismo,
apoiando abertamente “Em nome da humanidade pede o Tribuno aos poderes do estado, que
se ocupem seriamente nesta questão melindrosa da escravidão”.183 Pela mesma vertente
seguiu o redator d’O Democrata Pernambucano (1868-1869),184 do comerciante
pernambucano João José de Albuquerque185: ao defender com afinco em seu programa
editorial as ideias “(...) republicanas; tratará de demonstrar com toda a evidencia que o único

181
O Democrata, 18, set, 1859, p.2.
182
O Tribuno. 3, dez, 1866, p. 2
183
Cf, “Orror, orror.” O Tribuno. 01, nov, 1866. p. 1.
184
Órgão homônimo de João de Barros Falcão de Albuquerque Maranhão que havia circulado noticiado em
novembro de 1833. Cf, Diário de Pernambuco. 11, nov, 1833. p. 3
185
Era natural de Pernambuco, seu nome não consta nos grandes compêndios das figuras ilustres
pernambucanas. Consta no Diário de Pernambuco sua profissão, era comerciante e alferes. Por conseguinte, era
dono de um estabelecimento de açougue na rua da direita, número 56. Cf, Almanak Administrativo no anuário de
1861 e n’O Liberal Pernambucano, 21, out, p. 3. É interessante realçar a ligação dele com João de Barros Falcão
de A. Maranhão, pois na seção de anúncios d’O Brasileiro informa Barros que a subscrição de seu impresso
poderia ser adquirida em várias regiões da cidade, inclusive, na “venda do Sr. João José de Albuquerque”,
localizada no bairro dos Afogados, na rua direita. Cf, O Brasileiro, 20, out, 1854. p. 4. José de Albuquerque
atuou na carreira política, pois em setembro de 1864 informou ao jornal O Liberal: periódico político, judiciário
e literário, na seção “Noticiário” que concorreu à eleição para juiz de paz, sendo o segundo mais votado, saindo
vitorioso, com o total de 294 votos. Cf, O Liberal. 19, set, 1864. p. 2; O Almanak também confirma esse cargo.
Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Província de Pernambuco, 1864, p. 104.
74
sistema de Governo que melhor nos pode convir são as instituições livres, como adotadas nos
Estados Unidos d’América” trabalhou com grande ênfase a proposta antiescravista que
acreditava ser a mais adequada, procurando dialogar com proposta do imperador e de seus
governantes.
Logo que o periódico foi lançado, debruçou-se sobre o assunto da escravidão. A
campanha a favor da liberdade dos escravos e da soberania do Povo era levada em
consideração por esse redator que, de forma bastante irrequieta, bradava “somos povo e que
estamos vendo o que se passa entre os escravos, asseguramos que o negócio não se demora
por muito tempo, e então teremos um S. Domingos”.186
Ao remeter a revolta de São Domingos, o redator d’O Democrata Pernambucano
pretendia espalhar medo e terror entre seus leitores. No entanto, o haitianismo não passou de
uma estratégia política elaborada pelas diferentes bandeiras partidárias no jogo político
oitocentista, e pelo que se percebe, foi utilizado por este republicano para causar medo, em
relação à questão da aprovação das leis emancipacionistas que ganhava maior atenção pelo
imperador D. Pedro II. O espectro do Haiti teve um impacto enorme nas sociedades
escravistas do Novo Mundo, desde Cuba, que presenciou mais de um levante escravo, até nos
Estados Unidos, onde não ultrapassou a etapa conspiratória. E no Brasil? Sobre os eventos do
Haiti, vários historiadores se debruçaram sobre o tema. Uma análise mais atual e que tem
avançado sobre seu impacto na historiografia brasileira foi discutida na dissertação do
historiador Alain El Youssef.187
Ao investigar sobre quatro revoltas ocorridas no Rio de Janeiro no período da
Regência, esse historiador procurou demonstrar que a tese de impacto do haitianismo,
amplamente analisada pelos historiadores da escravidão e, em especial, por aqueles que
estudaram as revoltas escravas da década de 1830 “ampliaram, para a esfera do cativeiro, a
visão de anarquia e turbulência”. 188 Saliente-se que para esse autor “nenhuma revolta escrava
ocorrida no Império foi impulsionada pelo exemplo de São Domingos”.189 Youssef, para
chegar a essa afirmação, apoiou-se nos principais debates retratados pelas folhas moderadas,
exaltadas e restauradoras.

186
O Democrata Pernambucano. 26, set, 1868. p. 2.
187
YOUSSEF, op. cit.,2016, pp. 141-154.
188
REIS, João José. Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos malês em 1835 (Edição revista e
ampliada). São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 509-545; GOMES, Flávio dos Santos. História de
quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro (séc. XIX). Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 1995, pp. 179-296.
189
Ibidem, p. 143.
75
A reavaliação historiográfica que esse historiador baseou-se na imprensa como objeto
de fundo, cujas finalidades políticas dos redatores são possíveis de serem interpretadas, uma
vez que, ao trabalhar essas fontes, esse material “nos oferece um bom caminho”. Destaque-se
que, “além de servirem como caixa de ressonância dos principais temas e debates de
determinada sociedade, fornecem uma noção ampla do pensamento dos seus redatores,
impulsionados a escrever quase que cotidianamente”.190
Em essência, ao pretender colocar como parte do programa o combate à escravidão o
que percebemos nos artigos de José de Albuquerque era a que visava combater a opressão
vivida por parte da população cativa. Ao acompanhar a vida do Imperador e de sua solicitação
aos governantes do Império, esperava por um projeto que deliberasse sobre a emancipação.
Não satisfeito com empecilhos que essa ideia travava no Parlamento e na Câmara, O
Democrata Pernambucano percebeu como um dos principais problemas a posição do chefe
do gabinete, chegando declarar este ser um dos fazendeiros do Rio de Janeiro que mais
escravos possuem.
Inconformado diante dessa situação, estava disposto a ajudar no debate político que D.
Pedro II havia sinalizado na Fala do Trono. Com isso, por meio de suas reflexões,
aconselhava aos seus leitores que se associem às ideias democráticas para que “promovam a
emancipação lenta”.191 Não confiando na sinceridade do Imperador, advertia que, ao tomar
providências da emancipação, ele próprio fez cair os governantes que pretendiam dar conta
dessa matéria política.192 Com base nessa desesperança e não confiança, José Albuquerque
comunicava aos leitores: “Venha a emancipação do elemento servil, pelo qual continuaremos
a clamar nos números seguintes”.193
Embora a questão da emancipação fosse pela medida lenta e gradual, sua análise era
baseada em perspectiva comparada. Em certa matéria, enfatizava que a origem da
emancipação tinha sua razão de ser, pois “o trabalho lento da emancipação dos escravos, era
consequência inevitável da extinção do tráfico. A guerra civil dos Estados Unidos veio dar
grande impulso a ideia”. Dado esse evento que impactava as sociedades escravistas, defendia
que “No Brasil e em Cuba a escravidão não tem mais razão de ser a questão é de tempo”.194

190
Op. cit. p. 142.
191
O Democrata Pernambucano, 3, out, 1868. p. 3.
192
O Democrata Pernambucano, 21, out, 1868. p. 3.
193
O Democrata Pernambucano, 24, out, 1868. p. 4.
194
O Democrata Pernambucano, 28, out, 1868. pp. 2-3.
76
O Democrata Pernambucano, curiosamente, presumia que por-se-ia termo a
escravidão doméstica na aurora de 1880. Além das posições políticas que defendia com muita
veemência, apresentava uma sugestão para tornar possível a emancipação. Segundo José
Albuquerque, três eram as medidas a serem adotadas: 1) A liberdade do ventre, esta era
apresentada no parlamento; 2) a concessão de prêmios pelo governo aos senhores que
forrassem seus escravos; e 3) A responsabilidade do governo em aplicar capitais na libertação
dos escravizados, ao invés de investir na colonização de estrangeiros - medida essa vista como
a mais vantajosa.
Os escravos, ainda assim, permaneceriam trabalhando por dois anos para seus
senhores. Por contraste, terminava por argumentar que o encaminhamento de tais medidas
estavam justificadas e, com isso, “o rei que não declamamos” devia se decidir em adotar uma
delas, asseverando “o que nós queremos é a liberdade dos escravos, pois de modo algum
convém mais que seja demorada tal questão”.195
Insistindo em clamar que “O Povo tem o direito de exigir isso do governo: o assunto
de que nos ocupamos”,196 denunciava a atitude antiescravista do imperador que “inculca-se
abolicionista da escravidão, mas, entretanto, possuindo tanto escravos, ainda não se lembrou
um sequer”.197Por fim, em uma de suas últimas publicações, ao tratar sobre a escravidão,
escreveu como se estivesse descrente: “estamos a subir em um monte de areia”, pois nem
Pedro II e seu governo tratavam de levar em conta a medida de liberdade dos escravos; assim,
nada mais justo, segundo o redator que a maioria da nação “com armas em punho - imponham
como vencedores a sua liberdade”.198
É possível entrever que, no final de 1869, os debates antiescravistas insuflaram não
apenas os jornais de orientação republicana e monárquica, mas também ela se tornaria motivo
principal que parte dos “moços’ da Faculdade de Direito que, ao suceder essa geração de
republicanos, deram nova roupagem à imprensa republicana, como a formação de novas
comunidades abolicionistas no Recife.199 Para Celso Castilho, no final dos anos de 1860, as
atividades associativas abolicionistas:

195
O Democrata Pernambucano, 04, nov, 1868. pp. 1-2.
196
O Democrata Pernambucano 12, dez, 1868. p. 2.
197
O Democrata Pernambucano 19, dez, 1868. p. 1.
198
O Democrata Pernambucano 23, dez, 1868. p. 1.
199
CASTILHO, op. cit., 2015. p. 480.
77
A ascensão de atividades antiescravistas criou mais um caminho para a consolidação
de alianças políticas e de conexões dentro e entre diferentes grupos. Por exemplo, a
Sociedade Patriótica Dois de Julho, composta por estudantes de direito e comerciantes
baianos que viviam no Recife, forneceu uma porta de entrada para as ideias e
200
dinâmicas de iniciativas associativas antiescravistas anteriores à lei de 1871.

Dentro desta conjuntura aberta pelos episódios da formulação da Lei do Ventre Livre, em
concomitância no deslanche da formação do Partido Republicano na Corte, no final de 1870,
não convinha à Coroa dar um passo atrás, pois a politização desta lei sinalizava que, para
além da instabilidade política, novas práticas políticas ganhavam às ruas cidade. A leitura
dessa lei como arma política, contudo, não seria apenas resultado de sua formalização jurídica
era necessário buscar a sua efetivação na prática através de sua aprovação na esfera pública.

2.4. A Lei do Ventre Livre (1871) e a proposta de Abolição Total nos


impressos republicanos

É possível entrever que, no final de 1869, os debates antiescravistas insuflaram não


apenas os jornais de orientação republicana e monárquica, mas também ela se tornaria motivo
principal que parte dos “moços’ A origem desse grupo político, como é sabido, adveio da
junção de antigos liberais dissidentes, descontentes com a morosidade das reformas políticas
que a monarquia não realizava. Com isso, sentindo-se marginalizados do processo de
participação na política nacional, no final da década de 1860, grupos de publicistas radicais
passam a se concentrar no Clube Radical e o Correio Nacional.201
Para além de se organizar em torno desses espaços, destacam-se as conferências e as
manifestações públicas empreendidas por seus membros que se uniram para condenar o atraso
da monarquia constitucional e defender em conjunto o sistema republicano federativo como
melhor forma de governo.
Com o lançamento do Manifesto do Partido Republicano em novembro de 1870, com
o surgimento d’A República - órgãos de imprensa do Clube Republicano do Rio de Janeiro, a
mobilização desses grupos de republicanos na imprensa local, trariam sua melhor expressão,

200
CASTILHO, ibid., p. 280.
201
CARVALHO, José Murilo de. Liberalismo, radicalismo e republicanismo nos anos sessenta do século
dezenove. In: CARVALHO, op. cit., 2009. pp. 19-48.
78
deixam de circular os dois jornais acima mencionados para se concentrarem neste último.
Aqui, portanto, é necessário enfatizar que órgãos do clube republicano já circulavam na
província de Pernambuco muito antes da formação do Partido na corte. Destaque-se aqueles
que apresentamos no início do capítulo que se responsabilizaram por disseminar o
republicanismo.
No Recife, no início da década de 1870, ou seja, antes mesmo do Manifesto
Republicano ganhar sua definição, um “núcleo de moços” da Faculdade de Direito, deram
conta de se lançarem na formação de clubes ou centros democráticos. É o caso d’Outeiro
Democrático (1870-1871), que surgia em resposta à repressão policial que sofreram em praça
pública por defender a república e “a mais bárbara e estúpida das instituições que o mundo
tem sido testemunha: a escravidão”. Essa manifestação sinalizava que o republicanismo
propugnava “em favor dos mais santos interesses da causa pátria”. 202 Publicado aos
domingos, esse jornal político tomou notas a respeito do elemento servil. Determinado a
manifestarem seu emancipacionismo em praças públicas e desejos de formar comissões para
angariar contribuições para libertar escravizados, chamava atenção dos seus leitores para “as
tristes consequências da escravidão” sustentando que era necessária uma reforma política
sobre essa questão.203
Na série que lançou “A escravidão é contra a economia da sociedade” a mocidade
tratou de contrapor-se à doutrina do direito Divino sustentada pelos lentes da Faculdade de
Direito. Para sistematizar e fundamentar suas críticas, informaram o caminho pelo qual
trilhariam: “Procuremos, já que temos conhecimento que o código que consagra o injusto,
cancelar essa lei, sem que nenhum abalo social haja, sem que classe alguma tenha de ser
prejudicada”.204 Na matéria seguinte, apoiou-se em uma série de autores estrangeiros, como o
economista Bastiat, o ilustre Thomas Jefferson e Montesquieu, autor do Espírito das Leis,
afirmando que suas ideias davam dar a entender: “É, pois contra a economia de uma
sociedade a fatal instituição da escravidão, porque tendo a corromper os costumes e minorar a
atividade humana e a decrescer os produtos que o mundo progredirá”.205

202
HOFFNAGEL, Marc J. From Monarchy to Republic in Northeast Brazil: the Case Pernambuco, 1868-1895.
Tese de Doutorado, Indiana. Indiana University, 1975. Cf, “Algumas palavras sobre a escravidão”. Outeiro
Democrático. 8, mai, 1870. p. 4.
203
Essa prática política era chamada de Fundos de Emancipação, sobre o assunto ver: CASTILHO, Celso e
COWLING, “Bancando a liberdade, popularizando a política: Abolicionismo e Fundos de Emancipação na
Década de 1880 no Brasil”. In: Afro-ásia, n. 47, 2013. pp. 161-197.
204
Cf, “A escravidão é contra a economia da sociedade I”. Outeiro Democrático. 5, jun, 1870. p. 4.
205
Cf, “A escravidão é contra a economia da sociedade II”. Outeiro Democrático. 12, jun, 1870. pp. 3-4.
79
Depois da publicação desses artigos contra a escravidão, outros impressos republicanos
passam a compartilhar dos mesmos sentimentos e crenças que eram publicizadas no Outeiro
Democrático.206
É o caso d’O Americano (1870), cujo redator era o famoso Tobias Barreto de Menezes,
conhecido como operário das ideias republicanas. Pela nossa consulta, este jornal deu conta
de noticiar as celebrações antiescravistas realizadas pela cidade do Recife. Através da prática
política de manumissões, sociedades abolicionistas procuraram dar conta de emancipar a
população escravizada em suas festividades que, na grande maioria das vezes eram realizadas
pelo centro da cidade. Esses tipos de celebrações eram acompanhadas por parte da população
que assistia a concessão de alforrias. Este fato não passou despercebido pelo órgão
republicano, cujo ato significou para os redatores uma “marcha patriótica”.207
Não se eximindo desse movimento emancipacionista que era discutido na Assembleia
Legislativa e na imprensa pernambucana, seus debates mobilizaram a população recifense
através de atividades associativas, cuja redação d’Outeiro posicionava-se favorável à questão.
É o que depreende-se das publicações que trataram do projeto de emancipação de José de
Bonifácio Andrada e Silva208 e dos discursos do líder dos republicanos espanhóis, Emiliano
Castelar, em defesa da abolição imediata da escravidão.209 Contemporâneo a esses grupos de
estudantes, sabemos por Celso Castilho da existência da mocidade de republicanos chamada a
Juventude Libertadora.210
O pernambucano Romualdo de Oliveira, ao que tudo indica, e pela sua passagem no
campo da imprensa republicana, não deixou de fazer menção aos debates sobre a escravidão
brasileira. A defesa da liberdade dos escravizados fazia parte de uma luta histórica que os
verdadeiros republicanos deveriam prosseguir. Nesta direção, fazia tempos que advogava pelo
fim desta instituição secular.

206
A publicação d’O Americano no Recife é saudada pelo Outeiro por compartilhar de mesmo sentimento
republicano e representar no Recife um brado de animação aos liberais do Club Republicano da Corte. Cf,
Outeiro Democrático. 4, dez, 1870. p. 2.
207
É o caso da comemoração da sessão solene da Sociedade Emancipadora, cujo número de libertações não foi
pequena. O Americano fez questão de registrar que quatro “cidadãos distintos” concederam a liberdade de suas
escravas, totalizando 50 libertações. Cf, O Americano. 2, out, 1870, p. 1.
208
Cf, O Americano. 26, jun, 1870, p. 3.
209
O Clube Republicano decidiu celebrar, no Recife, a queda da monarquia na Espanha, dando vivas à
proclamação da Primeira República na Espanha. Ressaltamos que o veículo principal de difusão de ideias e
propaganda política do grupo sempre foram jornais.
210
Cf, O Americano. 26, jun, 1870, p. 3; O Americano. 18, set, 1870, pp.3-4; O Americano. 25, set, 1870, pp. 2-3
e O Americano. 9, out, 1870, p. 2. Sobre a Juventude Libertadora, ver: CASTILHO, Apud. Jornal do Recife, 30,
set, 1870.
80
No ano de 1870, ao empunhar a bandeira da república aliada à proposta da abolição
total, recorreu a diferentes explicações para se resguardar da cultura imperante que era o
escravismo. Entre o final de janeiro à julho de 1871, Romualdo de Oliveira tomou a tarefa de
apresentar com nome aguerrido e vigoroso o jornal A República: órgão do Partido do
Republicano.211 Em seu primeiro número, apelava que, por mais que na corte “se organizou
um partido Republicano e uma Gazeta”, Pernambuco deveria se orgulhar pois “tem em todos
os tempos marchado na vanguarda da liberdade”.212
Diante desse movimento, não cabia ficar estacionado, dando à luz a seu impresso, cuja
publicidade prosseguia no combate dessa luta.213 Passando pelos eventos históricos da
Revolução de 1817, a expulsão dos holandeses, dentre outros, que enchiam de orgulho o
passado patriótico dessa província, esse redator através de uma escrita simples e prática
procurava instruir os benefícios que o sistema republicano traria para os cidadãos brasileiros.
Procurou realizar campanhas sistemáticas em busca dos direitos políticos do Povo,
compreendendo a função política de órgão de comunicação que exerciam, destacavam: “Hoje,
encetamos uma nobre carreira bem árdua na senda jornalística; hoje que novos horizontes se
descortinam para um povo”, privilegiando como seu principal alvo de ataque a monarquia no
Brasil.214
Um dos principais aspectos que nos chamou atenção d’A República foi o de sua linha
editorial, de orientação abolicionista. Extrapolando sua forma de instruir sobre os princípios
de liberdade, não deixou de discursar contra a escravidão pugnando pela abolição. Por isto, A
República, como os demais impressos por nós aqui trabalhados, foram periódicos que
mantiveram um posicionamento abolicionista muito anterior que a historiografia brasileira
comumente classifica a imprensa abolicionista e ainda são comumente reiteradas pelas
pesquisas atuais.215 Em se tratando da “Abolição do elemento servil”, reservou sua coluna
para tratar viagem do imperador e de seu desejo de abolir a escravidão. Vale a pena reproduzir
a matéria.
211
A República, n.1-14, 1871.
212
A República, 28, jan, 1871, p. 1.
213
A Gazeta republicana do Rio congratulou a publicação desse impresso, dando vidas a sua publicação. Essa
matéria foi transcrita e inserida pel’A República na seção de transcrições. Cf, A República, 12, mar, 1871, p. 4.
214
Idem. p. 3.
215
Assim, acreditamos que O Homem, publicado no ano de 1876 pelo intelectual e jornalista negro Felipe Neri
Collaço faça parte de uma cultura impressa de jornais abolicionistas que desde 1848 já circulavam pelo Recife
oitocentista. Não sendo correto enfatizar que “O Homem” tenha sido “o primeiro jornal abolicionista de
Pernambuco” reiterado na dissertação de Rafaella Valença e tanto outros historiadores. Cf, GALVÃO, R. V. A.
Felippe Neri Collaço: um homem de cor..., 2016, op. cit., p. 81; SILVA, Leonardo Dantas. A imprensa e
abolição, Recife: Editora Massangana, 1988; HOFFNAGEL, op. cit., 1977 e PINTO, op. cit., 2006.
81
Se diz geralmente, que o imperador antes de ir a Europa acabará com a
escravidão da maneira seguinte: Art. 1. - D’esta data em diante não haverá
mais escravos no Brasil. Art. 2. - Todos os possuidores de escravos serão
indenizados em apólices de dívidas públicas. Art. 3. - Ficam revogadas as leis
.216
em contrário

No complemento do texto, por mais que esse discurso do redator quisesse exprimir sua
vontade de abolir a escravidão, de maneira irônica valorizava a figura do Imperador, desejan-
do não de esperar outra coisa de D. Pedro II que “não há de aparecer na Europa sendo rei de
escravos”.217
Observe-se que seus artigos são incisivos, chamando atenção o segundo, onde consta
que os senhores não receberiam a indenização pela perda dos escravos, mas sim pagariam de
acordo com suas dívidas públicas. Ao acompanhar as expectativas dos debates que a Assem-
bleia Legislativa estava a realizar em torno da efetividade daquela que seria conhecida por Lei
do Ventre Livre naquele junho de 1871, fez Romualdo de Oliveira também tomar iniciativa
sobre o tema na imprensa. Nas páginas de seu jornal, ao acompanhar a cruzada da aprovação
da lei “Lei Rio Branco”. Para este republicano, vivia-se num período de agonia, pois uns acei-
tavam o projeto como estava, e outros não. Diante desse imbróglio parlamentar que pendia
para beneficiar mais os escravocratas e seus apoiadores no governo, escreveu com todas as
letras que nessa altura do campeonato “não era mais de espera; é sim de tal exigência e cir-
cunspeção”.218
Além der ser um traço marcante d’A República a abolição imediata e não lenta e gra-
dual, seus redatores não se intimidavam em exprimir que medida tomar: “Nossa opinião é que
devemos acabar com os escravos (...)” felicitando em seu artigo ao concluir que “Venha sem
demora à abolição da escravidão, não ouçamos as queixas injustas do sul do Brasil do defi-
nhamento da agricultura”.219 O republicano e abolicionista Romualdo, sempre que podia, re-
tomava sua postura antiescravista ao resgatar num outro artigo n’A República Federativa:
órgão do Club Republicano no Recife (1872).220

216
A República, 16, abril, 1870, p. 3.
217
Idem.
218
A República, 14, mai, 1870, p. 2.
219
A República, 23, jul, 1870, p. 2.
220
A República Federativa, 29, fev, 1872, p. 1.
82
Ao transcrever parte de um excerto da Correspondência de Portugal, mostrava-se insatisfeito
ao noticiar um incidente em que o imperador protagonizou.
O fato era que Pedro II encontrava-se presente numa das aulas do lente Mr. Frank no
Colégio de França, cujo tema discutia a escravidão no Brasil. Era um incidente, porque o mo-
narca havia se enturmado entre os ouvintes, porém fora reconhecido. Até aqui tudo bem. No
entanto, o autor do artigo contestava a postura branda que lente discorrera em torno da aboli-
ção da escravatura no Brasil. No referido artigo, intitulado “A abolição da escravatura” seu
autor criticava essa posição, revelando que a escravidão era uma realidade presente da socie-
dade brasileira e o imperador seu responsável maior. Com isso, desaprovava:

Quisesse Mr. Frank aludir à abolição da escravatura no Brasil, manifestando


puramente a verdade aos seus ouvintes, deveria ter dito: ali está o rei e senhor do
império americano, onde, calcando-se desaforadamente a lei, vivem reduzidos à
escravidão cidadãos desse país, brasileiros natos, que pela constituição e leis
desse império tinham o direito de ocupar até os mais elevados cargos do estado,
e cujo número alcança talvez a um milhão, sem contar os que viveram e
morreram no cativeiro, nem os que por dinheiro compraram sua liberdade, ou a
221
obtiveram por esmola dos pretendidos senhores.

Diante desse trecho, é possível depreender a razão do autor. Denunciava que depois da
lei da abolição do tráfico, datada de 7 de novembro 1831, seriam declarados livres todos os
escravos que fossem importados, porém esse nefando tráfico havia perpassado o governo im-
perial de D.Pedro II que veio somente a ser respeitado e ter seu cumprimento em 1850 por
imposição “dos canhões ingleses”.222
Ao tecer comentários sobre as contradições de D. Pedro II, o autor do artigo questiona
o discurso proferido pelo ilustre professor diante de seu numeroso auditório no colégio de
França. Quanto ao assunto da implementação da Lei do Ventre Livre a República Federativa
não se eximiu de justificar:

221
Ibidem.
222
Ibidem, Idem.
83
Nós os republicanos protestamos contra o poder despótico do imperador; e ainda
acreditamos que se os representantes brasileiros e o povo não quisessem, a lei do
ventre livre, não teria passado. A abolição da escravidão está no coração de todos
223
os brasileiros.

A República Federativa foi um periódico de curta duração e que teve por objetivo dar
continuidade do republicanismo de seu redator principal, Romualdo Alves de Oliveira, no
qual teve o cuidado de argumentar quando se tratava não só sobre a escravidão, mas também
sobre elaborar as vantagens do sistema republicano e as desvantagens da monarquia. Em suas
colunas, ocupou-se do movimento republicano em São Paulo, dando destaque à tradução de
jornais americanos, como Da Emancipation de Toulouse, dentre outros noticiários que visa-
vam cultivar nos seus leitores o princípio da igualdade e liberdade, como de instruí-los acerca
de seus direitos políticos. Não escaparam de seus artigos a importância da mobilização e ação
do povo, tomado como os protagonistas das mudanças sociais e políticas. Circulou apenas
entre março a julho de 1872.224
No ano seguinte A Luz: periódico republicano (1873-1875),225 um dos jornais mais
populares do republicanismo no Recife, deu continuidade ao programa da proposta do impres-
so anterior. A participação de Romualdo de Oliveira e Luiz Ciríaco da Silva, dois republica-
nos históricos na redação desse jornal impresso na Tipografia Liberal não deixaria de chamar
atenção. Tanto Ciríaco como Romualdo foram grandes defensores dos ideais republicanos,
diante do qual, mantinham contatos sempre que podiam, não é a toa que através do periódico
d’A Luz, bradavam em uníssono “em prol da liberdade, em prol da causa republicana que há
de ser a salvação do Brasil”.226
O rigoroso combate feito à escravidão é uma das melhores evidências da tonalidade
jacobina do republicanismo dos redatores. O ensinamento do que era a república e quais seus
benefícios para uma nação como a brasileira encontrava n’A Luz um dos mais destemidos e
radicais colaboradores.
Em todas as suas edições, a Monarquia aparece como um sistema falido e a república
como o padrão para ser priorizado. Em editorial do dia 30 de abril de 1873, A Luz, valendo-se
de argumentos que tecera em publicação anterior, enfatizou seu “Horror à maldita escravidão”

223
A República Federativa, 29, fev, 1872, p. 2.
224
A República Federativa, 6, mar, 1872, p. 4.
225
A Luz: periódico republicano, n. 1-64, 1873-1875.
226
A Luz: periódico republicano, 9, abr, 1873, p. 1.
84
afirmando: “No número cinco de nosso periódico ocupamos desse assunto, profligando consi-
deravelmente, no que interessa-nos [...] se revolvam a extinguir a escravidão deste solo de
uma vez”.227 O jornal expunha, assim, matérias então publicadas pela imprensa local, desta-
cando todo tipo de barbaridade e o estado de degradação que vivia a população cativa em
Pernambuco.
É na seção “Noticiário” desse jornal que os Frutos da escravidão deram conta de ma-
nifestar a situação que vivia grande parcela escravizada, como por exemplo, o da escrava do
senhor Antonio da Costa, morador da comarca de Escada. Sabendo que sua escrava estava
para dar a luz, a esposa desse senhor castigou-a por essa se ver impedida de executar tal servi-
ço. Enraivecida sua senhora, nos informa o descaso: “lançou-a para fora da casa, indo ela dar
à luz debaixo de um arvoredo”. Situações como essa faziam parte do cotidiano da vida de
muitos homens e mulheres que estavam sobre o peso de uma instituição que conservava, se-
gundo os redatores a “selvageria e irreligiosidade”.228 Por esses atos e tantas outras barbarida-
des que sofria a população cativa, o jornal justificava sua defesa em favor da abolição. É o
caso do abuso de autoridade do subdelegado da freguesia de Santo Antonio que esbordou e
fortemente amarrou em uma tábua o escravo do português Antonio Duarte de Figueiredo em
praça pública. As pessoas até que desaprovaram a atitude do subdelegado, mas o verdugo
justificou-se, dizendo que a prisão era dada por desobediência.229
Nesse contexto, A Luz não havia apenas protestado contra esses agravos impostos à
população escravizada, como também dera conta de convencer que esses tipos de atitudes
deveriam ser denunciados, insistindo na tese de que todos os escravos eram cidadãos e tinham
direito à liberdade, à igualdade, à fraternidade.
Dessa maneira, ao notificar essa cultura do escravismo, A Luz condenou veemente a
instituição escravista. Dado o abolicionismo histórico desses seus redatores que fizeram parte
da Associação Mútua e Lenta da Emancipação dos Captivos no campo da imprensa se reen-
contraram para apreciar o debate que há tempos advogavam. Anterior a Lei do Ventre Livre
(1871), os fundos de emancipação já estavam postos como nova prática política que eram
noticiadas nos periódicos republicanos, tal como aqueles eventos registrados da instalação da
ASMLEC em 1859.

227
A Luz: periódico republicano, 30, abr, 1873, p. 2.
228
A Luz: periódico republicano, 07, jun, 1873, p. 2.
229
A Luz: periódico republicano, 24, set, 1873, p. 2.
85
Ao remeter-se à ineficiência da dita lei e de seus percalços, opinou “Não podemos, nós
os verdadeiros republicanos, mostrar-nos satisfeitos, vendo ainda continuar a escravidão no
Brasil”. Era preciso cortar com o “nó górdio dessa questão” e, se o obstáculo presente era a
indenização, A Luz não temia concordar que “Indenizemos os senhores de escravos da melhor
forma que for possível [...] já que a maledicência e ambição dos homens nos arrastaram nesse
estado”.230
Esse tipo de parecer dar a entender que apelavam para qualquer medida que visasse
almejar a abolição. Perante o seu público leitor e os redatores, como se percebe, pretendiam
permanentemente forjar o sentimento antiescravista e os traços de identidade com seu público.
Cônscios de que a escravidão era a negação da liberdade, defendia na imprensa que era neces-
sário conquistar a libertação dos escravizados e por elas estariam empenhados, seja pela opi-
nião pública ou por meio de suas manifestações públicas. Para tal, defendiam nos seguintes
termos: “A liberdade há de vencer, e abolição total da escravidão há de abrir uma nova era
para os presentes e vindouros. É o que nos ditam a razão e a justiça da causa, e o futuro di-
rá”.231
O último registro encontrado deste episódio foi publicado um ano após a seção edito-
rial, com o artigo “Abolição Total da Escravidão”. Essa última matéria sinalizava aos senho-
res do governo e aos que ocupavam a cúpula do poder que era necessário findar a escravidão,
clamando “Acabem com ela, e bem assim com o sistema pernicioso do governo - que, o Bra-
sil será salvo”, concluindo seus redatores, na esperança de que “a razão e a justiça advogarão
a causa da escravidão. E nós os republicanos com ela, nós, cujo fim é a regeneração social”.232
Os jornais republicanos surgidos posteriormente a A Luz seriam fundamentais para consolidar
o republicanismo de viés positivista na cidade do Recife. Essa aspiração doutrinária seria
conduzida por uma nova geração que se apresentava com as novas demandas a serem con-
quistadas. Ainda que a variação de periódicos, como as mais diversas propostas editoriais
tornasse o cenário público da imprensa republicana diferente daquela trabalhada pela geração
pós-praieira, a maneira como os positivistas continuariam a abordar a escravidão, segundo
Flávia Ribeiro, influenciará significativamente nas suas posições sobre a imigração.233

230
Cf, “Abolição Total da Escravidão”. A Luz: periódico republicano, 04, jun, 1873, p. 2.
231
Cf,” Abolição Total da Escravidão II”. A Luz: periódico republicano, 14, jun, 1873, p. 3. Ver também,
Abolição Total da Escravidão III. A Luz: periódico republicano, 15, out, 1873, pp. 2-3.
232
Cf, “Abolição Total da Escravidão”. A Luz: periódico republicano, 10, jun, 1874, pp. 1-2.
233
RIBEIRO, Flávia Bruna. “Ditadura”. Op. cit., Abolição e República. p. 54
86
Analisando a trajetória de alguns republicanos e de seus impressos, logo após a gera-
ção pós-praieira até 1875, pode-se perceber como esses grupos tomaram a tarefa de se assegu-
rar não apenas pela circulação dos ideais que sustentavam, como também destacaram a luta
antiescravista em suas folhas, motivo que, de uma maneira ou de outra, ajudaram a consolidar
a imprensa republicana de caráter abolicionista. Não por acaso, os redatores desses jornais se
entrecruzaram em vários momentos no campo da imprensa e, algumas vezes participaram nas
mesmas sociedades abolicionistas.

87
Figura.2. Caricatura de Romualdo Alves de Oliveira.
Fonte: Revista Ilustrada, 1876.234

234
Imagem retirada das páginas do livro Eça de Queiroz: um agitador no Brasil de Paulo Cavalcanti, revista e
ampliada pela Companhia Editora de Pernambuco (CEPE) em 2015. CAVALCANTI, op. cit., 2015. p. 190.
88
CAPÍTULO III

ROMUALDO ALVES DE OLIVEIRA: A TRAJETÓRIA DE UM REPUBLICANO


ABOLICIONISTA (1825-1895)

Este terceiro capítulo examina o protagonismo de um republicano histórico pouco co-


nhecido pela própria historiografia do movimento republicano e do abolicionismo, cuja parti-
cipação revela parte da mobilização do espírito Quarante-Huitard no desenvolvimento da
revolta de 1848 na província de Pernambuco.235 Segundo Amaro Quintas, essa geração teve
como peculiaridade a responsabilidade de disseminar o ideário republicano e as ideias libertá-
rias francesas nessa região do país. Tais reivindicações corporificadas no Manifesto ao Mundo
da Revolução Praieira de 1848 exigiam a implantação do sistema federalista e a nacionaliza-
ção do comércio a retalho.236
Dado a participação de jornalistas republicanos na defesa desses ideários políticos, a
história do republicano goianense Romualdo Alves de Oliveira nos chama atenção para além
da imprensa, uma vez que ele esteve à frente da chefia de vários jornais republicanos que fo-
ram impressos nesse período, cujo teor emancipacionista e abolicionista chamou atenção des-
sa pesquisa. As peripécias em que se envolveu foram várias, resta-nos percorrer parte delas,
porém não pretendemos esgotar as várias dimensões em que ele esteve envolvido.
Desta monta, neste último capítulo, apresentarei parte da trajetória de Romualdo Alves
de Oliveira descrevendo os impressos que fez circular no Recife no período que cobre essa
pesquisa. Abordaremos também sua atuação enquanto rábula, ofício de advogado, profissão
esta no qual não era formado, porém teve licença para advogar pelo Tribunal da Relação de
Pernambuco. As fontes principais deste capítulo serão a bibliografia sobre o tema, bem como
os impressos por ele redigidos e chefiados, assim como os jornais contemporâneos à sua pro-
dução.

235
Em fevereiro de 1848, destronara-se Luis Felipe da França. Aboliram-se as instituições monárquicas e
proclamara um regime republicano. O impacto desse evento, conhecido como a primavera dos povos chegou a
todo Ocidente, inclusive no Brasil. De acordo com Amaro Quintas, ao ler Wanderley Pinho em sua obra
“Cotegipe e seu Tempo” conta-se que o imperador estava “no teatro quando soube haverem chegado jornais com
a narrativa da revolução contra Luís Filipe. Mandou logo à casa de Otaviano buscar essas folhas e, recebidas
elas, "um pouco alterado", retirou-se para dentro do teatro e foi lê-las; dizem que agitado”. Ver, (1937,
p.308, apud PINHO, 1937, p. 140). Para maiores informações, Cf. QUINTAS, op. cit., pp. 303-324
236
Doc. In: Autos do Inquérito da Insurreição Praieira, Recife: 1849; Brasília: Senado Federal, 1979, pp. 107-
109.
89
3.1. Do interior para a cidade do Recife: percursos de republicano cosmopolita

No interior de Pernambuco, na primeira metade do século XIX, a comarca de Goiânia


era umas das principais áreas de influência econômica e política na história da região açuca-
reira. Relevância essa dada não apenas pelo volume de produção de açúcar que nela se produ-
zia durante todo período colonial e imperial, mas também pela participação ativa de seus
compatriotas, presentes nos principais acontecimentos que conformam a identidade dos per-
nambucanos. Dentre esses e outros aspectos relacionados a essa cidade interiorana, importan-
tes personalidades históricas nela nasceram. Esse é o caso de Romualdo Alves de Oliveira.
Republicano histórico pouco conhecido pela própria historiografia do movimento que advoga-
ra por décadas e pelo que registraram as fontes, é sem sombras de dúvidas, um dos precurso-
res do movimento antiescravista em Pernambuco.237
Romualdo Alves de Oliveira nasceu no mesmo ano em que o Imperador D. Pedro II
veio ao mundo, em 1825, e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, por volta de 13 de janeiro de
1895. Sobre sua filiação consta no manual de Sacramento Blake238 que foi filho de dona Lou-
rença Alves de Oliveira e Joaquim Alves de Oliveira.239
Romualdo exerceu várias profissões, as de principais destaques foram o jornalismo e
advocacia. Ao nos determos nos dados documentados sobre sua trajetória, percebemos que
era homem livre e circulou entre a elite política e intelectual de Pernambuco, se reconhecia
como membro dela, passando a atuar na imprensa local. Ao publicar impressos republicanos
na região, tomava para si a tarefa de advogar pela liberdade do povo pernambucano, contra a
monarquia instituída. Reconhecia o potencial da imprensa da época e por esse instrumento
procurou participar de redes de sociabilidades que comungassem com os princípios para os
quais advogava. Casou-se com dona Eufrosina Alves de Oliveira. Sabe-se que desse matri-
mônio teve três filhos: duas mulheres e um homem.240

237
Sobre Romualdo Alves de Oliveira ver, Paula Cavalcanti. Eça de Queiroz: agitador no Brasil. São Paulo, 4ª
edição revista e ampliada. Recife, Cepe, 2015, p. 7. Nasceu em Tejucupapo, em 1855 quando grassava a epide-
mia de cólera em Pernambuco, Romualdo escreveu no seu Brado do Povo “Ali onde nasci pela primeira vez vi a
luz do dia, e onde tenho alguns parentes, muito sinto se for devastado pelo terrível viajante – o cólera-morbo”.
Cf. O Brado do Povo,
238
Sacramento Blake. Diccionário Bibliográphico, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, v. 7, 1970, p. 153.
239
Encontramos o nome de Joaquim Alves de Oliveira, pai de Romualdo Alves, na seção de “Notícias Maríti-
mas” no jornal mais antigo da província. Provavelmente, era envolvido com o comércio exportador de farinha de
Pernambuco. Diário de Pernambuco. 21, nov, 1829. p. 4.
240
No decorrer da pesquisa, encontramos os três filhos de Romualdo Alves: Josepha Águeda Felisbella Merce-
des de Oliveira e D. Jovelina Alves de Oliveira e Romualdo Alves de Oliveira Filho Sobre as filhas, Cf. Discur-
sos que deviam ser proferidos na sessão magna do Club Abolicionista. pp. 10-12. Tipografia Jornal do Recife,
90
Como jornalista republicano, antes mesmo do surgimento de o Partido Republicano
em 3 de dezembro de 1870 na Corte, Romualdo Oliveira já atuava na defesa de um republica-
nismo e de um debate sobre a escravidão nos impressos circulantes no Recife entre as décadas
de 1850 e 1870. Na década de 1850 já é possível encontrá-lo redigindo três periódicos de cu-
nho político, nas quais analisava sua sociedade. Não se eximindo dos debates de seu tempo,
sua presença foi ativa. Participou dos clubes republicanos que se organizaram antes e logo a
partir do movimento republicano no Rio. Caracterizou-se assim pelo seu forte protagonismo
republicano oitocentista.
De alfaiate, também se lançou como escritor público. Como escritor, publicou livros
de pouco sucesso. Por meio das redes associativas que estabeleceu, tentou amealhar carreira
política como deputado provincial, porém sem êxito. Em suma, mesmo sendo interpelado no
campo político, alcançou certo prestígio no espaço público recifense, uma vez que foi respon-
sável por uma rica produção impressa de textos que defendia o regime republicano na provín-
cia pernambucana. No curso desse processo foi reconhecido pelo Tribunal de Relação do Re-
cife para atuar como advogado, cuja formação não possuía, atividade que exerceria durante
toda sua trajetória.
Durante a pesquisa, é perceptível que a bibliografia dedicada a este republicano foi
parcamente explorada pela historiografia e, quando analisada, atribuiu a esse personagem um
papel social e politicamente secundário, particularmente associado a eventos políticos isola-
dos que resultaram na mobilização de Romualdo Alves na defesa da emancipação da mulher
em meados de 1870 na Assembleia Legislativa do Recife.
Reconhecidamente árduo defensor das mulheres, discutia na época a possibilidade de
estudarem medicina, algo que grande parte dos políticos pernambucanos não considerava re-
levante na sociedade pernambucana, a exceção de alguns poucos deputados que passaram a
apoiar a causa. Romualdo lutou para que sua filha pudesse garantir uma subvenção (ajuda de
custo) para estudar medicina nos Estados Unidos. Tal situação causou o maior rebuliço na
região. As circunstâncias se deveram às discussões sobre tais ideias virarem ou não projeto
pelos parlamentares recifenses.

1882. APEJE, R.1438, Cx.6. 0484 e Diário de Pernambuco. 17, fev, 1882. p. 8; Curioso notar que Romualdo
Filho, está presente na seção “Movimento do Porto”. Nesse documento consta sua chegada na cidade do Rio de
Janeiro pelo paquete Espírito Santo, período esse em que seu pai, já se encontrava residindo na capital federal.
Cf: Jornal do Comércio. 31 de mar, 1883, p. 3
91
Tal acontecimento não nos interessa no momento, mas cabe destacar que a presença
desse republicano nesse evento, face à agitação do assunto, que preencheu as galerias da Câ-
mara Legislativa do Recife, na qual discutia-se projeto de lei de ajuda de custo às mulheres
para estudarem fora do país, em meados de 1879. Esse debate, por si só, justifica o valor de
sua participação.
Em suma, após consultarmos os impressos políticos produzidos por nosso personagem
nas dependências do Instituto Arqueológico, Geográfico e Histórico de Pernambuco (IA-
GHP), Arquivos da Biblioteca Pública Jordão Emerenciano - como de seu prédio Anexo - e,
os presentes nos dados da base do Arquivo da Biblioteca Nacional, podemos traçar uma série
de informações e questões que visam reconstituir parte das experiências vivenciadas por Ro-
mualdo Oliveira no Recife do XIX, indagando continuamente quais seriam os motivos de sua
ausência na historiografia.241
Diante desse esquecimento, questionamos por que Romualdo caiu nas valas comuns
da história? O fato de ser republicano e abolicionista, num período anterior ao movimento
abolicionista no seio de uma cultura monárquica imperante, seria o suficiente para tirar-lhe as
oportunidades de galvanizar lugares sociais de maior destaque? Seu nome não deixou de ser
mencionado por pequena parte da historiografia regional que sustenta partes isoladas de sua
historicidade. Será que os historiadores teriam desprezado suas experiências, mediante a essas
indagações? Para enfrentar estes questionamentos construímos neste último capítulo uma nar-
rativa de caráter biográfico.

3.2. Recompondo histórias: de alfaiate à produção de impressos republicanos


na segunda metade do século XIX

A decisão de percorrer a trajetória do republicano abolicionista Romualdo Alves de


Oliveira não foi fortuita, mas tomada pelo fato de termos poucos escritos historiográficos so-
bre as experiências de republicanos históricos na província pernambucana logo após a Revo-
lução Praieira (1848) até a criação do Partido Republicano (1875).242

241
AMARAL LAPA, José Roberto Do. História Política Da República. Editora Papirus, 1990.
242
A Revolução da Praieira (1848-1849) está inserida no conjunto de rebeliões liberais que, apesar de apresenta-
rem características regionais, possuíam pontos de confluência em seus questionamentos referentes a centraliza-
ção monárquica realizados nos primeiros anos do Segundo Reinado com a política do Regresso, mobilizando
especificamente setores da camada média urbanas e rurais de várias províncias brasileiras. As reivindicações
liberais desse período culminaram em movimentos sediciosos e emancipacionistas, promovidos pelo Partido
92
O acesso aos escritos dos republicanos pernambucanos no período que cobre essa pes-
quisa é caminho interpretativo que permite uma analise mais abrangente dos processos políti-
cos, econômicos e sociais experenciados por seus grupos no Império do Brasil durante a se-
gunda metade do século XIX.
No site da Hemeroteca Digital, por exemplo, é possível ter acesso a 168 periódicos
que circularam no período da pesquisa. Entretanto, a totalidade dessas fontes armazenados no
site não corresponde com o número total dos impressos que foram publicados nas dezenas de
tipografias que existiram no período.243 Dentre o vasto campo que compõe a cultura impressa,
em alguns deles encontramos vestígios que sinalizam a atuação de nosso personagem, sendo
ele pouco reconhecido nos estudos do próprio movimento político dos quais havia participado
fortemente. Todavia, o que pouco se sabe de sua trajetória política é que foi um dos bastiões
na defesa do republicanismo no Recife e todos os estudiosos que o mencionam destacam a
necessidade de “um estudo pormenorizado” sobre sua trajetória.244
Não obstante, por que o qualificamos como intelectual? Não foi nem tradicional e nem
orgânico, tentou ser revolucionário, mas a realidade do seu tempo era outra, vivia-se sob um
regime de cultura monárquica constitucional, mas nem por isso deixou de ser militante repu-
blicano durante todo período de sua vida. As ambiguidades da trajetória e do pensamento de
Romualdo exigiam que sua atuação enquanto intelectual fosse refletida de maneira mais pro-
funda e menos rigorosa. Modelá-lo de acordo com as categorias de análises definidas antes do
contato com as fontes seria errôneo. No entanto, de acordo com o quadro referencial de que
dispomos no decorrer da pesquisa, pretendemos apresentá-lo como um intelectual circulan-
te.245

Liberal (Luzias) contra a manutenção do Partido Conservador (Saquaremas) no poder. Um dos maiores críticos
contemporâneos dessa nova agenda política foi o panfletista de pseudônimo Timandro. Ao escrever o Libelo do
Povo, o liberal Salles Torres Homem reconstitui, em forma de drama, a história da revolução no Brasil desde a
independência até o ano de 1849. No que tange às revoltas liberais, ver: HÖRNER, Erik. Em defesa da Consti-
tuição. A guerra entre rebeldes e governistas (1838- 1844). Tese (Doutorado). São Paulo: Faculdade de Filoso-
fia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2010. MARSON, Izabel Andrade. O Império da
Revolução: Matrizes interpretativas dos conflitos da Sociedade Monárquica. In. FREITAS, Marcos Cezar (org).
Historiografia brasileira em perspectiva. São Paulo, USF/Contexto, 1998, p.73-102.
243
O número de jornais publicados na província pernambucana no século XIX é bastante amplo, e os dados
acima mencionados se referem aos jornais que podem ser consultados na base da Hemeroteca Digital.
244
É o caso de Alfredo de Carvalho e Paulo Calvacanti. Cf: CARVALHO, op. cit., 1908; CALVACANTI, Pau-
lo. Eça de Queiroz, agitador no Brasil. 1ª ed. Brasiliana 311, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1959, p.
149.
245
Essa categoria conceitual é trabalhada por Ana Paula Barcelos em sua dissertação de mestrado sobre o rábula
e advogado Evaristo de Moraes. De acordo com a autora, Evaristo ao manter movimento de circulação entre a
classe dominante e classes subalterna, trouxe “para seu pensamento influência de ambas as matrizes”. Em meio a
esse entrelaçamento sua trajetória ganha significado, ascensão e produtividade. Cf: SILVA, Ana Paula Barcelos
93
Isto porque ele mantinha um interessante movimento de circulação não apenas pelas
diferentes influências teóricas, políticas e ideológicas de sua época, mas também pelas dife-
rentes esferas sociais que o fizeram pensar as questões de ordem política e social, como da
escravidão, do papel político da mulher, da civilização do país, dentre outras. No mais, ao
refletirmos, em diálogo com o objeto pesquisa, o intelectual circulante é apenas uma tentativa
de permitir que os percursos e as escolhas de um indivíduo ao longo de sua trajetória ganhem
espaço na análise de seu protagonismo como intelectual em determinados períodos da histó-
ria.
A produção intelectual de Romualdo encontra-se em estreita ligação com o contexto
histórico e social no qual está inserido. E é claro que os jornais e obras produzidos por ele
ganham sentido apenas quando analisamos em conjunto sua história de vida pessoal, política e
profissional.
No início da década de 1850, este ano especificamente parecia conturbado, pois era
um período de transformação política na sociedade brasileira. Em especial na vida de Romu-
aldo. Pretendia mudar-se da comarca de Goiânia (interior de Pernambuco) para o Recife. É
nesse momento em que o encontramos nos jornais da época. Em um deles, obtivemos a in-
formação que em Goiânia acabara de vender sua casa, situada na “rua da Soledade desta cida-
de”.
Essa notícia vinha acompanhada de outras informações, segundo correspondente d’O
Echo Pernambucano (1850-1851), Romualdo Oliveira, após vender e receber a importância
da venda de sua casa na comarca de Goiânia, covardemente fora-lhe imputado uma “arbitrária
prisão”, executada por dois policiais “galegos” (portugueses) da comarca de Goiânia que tra-
taram de lhe dar soltura por uma certa quantia. Nada menos que o valor de 80,000 contos réis
que tinham que ser divididos entre os “dois portugas e co-réus brasileiros” escreveu o corres-
pondente indignado com a situação.246

Ribeiro da. Discurso jurídico e (des)qualificação moral e ideológica das classes subalternas a passagem à
modernidade: Evaristo de Moraes (1871-1939), 2007. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
Fluminense, Departamento de História, 2007. 301, f. pp. 133-145. Agradeço a indicação da professora Doutora
da Faculdade de Direito UFRJ Hanna Sonkajärvi pela leitura da referida dissertação.
246
O Echo Pernambucano: Liberdade, União e Pátria. 3 jun, 1851. O caso foi levado pela imprensa para o pú-
blico recifense está informado sobre as arbitrariedades que ocorriam na comarca. Os portugueses são menciona-
dos, um se chamava Antonio Pinheiro, e o outro Ernesto Charuteiro. O “escritor de goiânia” vinha a público
destacar as arbitrariedades realizada sob a administração do delegado Antônio Francisco e o subdelegado Fran-
cisco de Paula Noberto de Andrade pela comarca de Pajeú das Flores, ambos pertencentes ao Partido dos Gabi-
rus. Os brasileiros mencionados são B. da Veiga e José Nunes.
94
Nas narrativas deste conflito, encontramos a informação sobre a profissão que Romu-
aldo Alves exercia: alfaiate. Dando seguimento ao desenrolar da referida injustiça que sofria
seu amigo, o correspondente que denunciava tal matéria n’O Echo Pernambucano comunica-
va aos leitores que esse “cidadão probo” morava nesta cidade e possuía “loja de alfaiate”. Por
fim, registrou que Romualdo era homem “bem procedido, viúvo, proprietário, tutor de 3 me-
nores que vivem sob sua companhia, estabelecido nesta cidade”.247
Nessa profissão, é possível encontrá-lo em exercício até por volta de setembro de
1852. Logo em seguida, iniciaria uma nova empreitada, estabelecendo moradia na região que
então compreendia o antigo bairro de Santo Antônio do Recife, especificamente, na “rua da
cacimba” de número 1, onde seria noticiada sua nova carreira como jornalista.248
É possível visualizarmos, num exercício lúdico, a localização geográfica de sua resi-
dência. A título de ilustração, miremos qualquer transeunte flanando pela Rua 1º de março no
centro do Recife, nesse sentido caminhando alguns metros até a direção da ponte Maurício de
Nassau. Dali por diante, ao atravessar essa grande obra arquitetada durante o período colonial
- empreendida no tempo de Maurício de Nassau - poderíamos encontrar, logo após alguns
metros, a residência de Romualdo Alves, fixada na então famosa Avenida Marquês de Olin-
da.249

247
O Echo Pernambucano: Liberdade, União e Pátria. 6 jun, 1851.
248
A casa desse republicano, era um dos locais (dentre outros estabelecimentos e lojas) de recebimento do jornal
republicano A Revolução de Novembro, impressa na Tipografia da Viúva Roma & Filhos, situada na rua da
praia. Cf: Diário de Pernambuco, 2, set, 1852.p.3.
249
Wilson Vilar Sampaio em artigo intitulado “Pequeno guia das antigas ruas do Recife” no site “Usina de Le-
tras” procurou resumir e levantar todas as informações que se referem às mudanças dos nomes das ruas, becos e
vielas na cidade do Recife, muitas delas, referentes do tempo dos flamengos (século XVI) às transformações
empreendidas no final do século XIX e início do XX. Para maiores informações, acessar sítio:
https://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=41703&cat=Artigos&vinda=S. Acesso, 23, nov, 2019.
95
Figura 4 - Ônibus do Cláudio na rua do Crespo em Santo Antônio.
250
Fonte: Acervo do APEJE. Desenho de Luis Schlappriz, litografado por F. H. Carls, 1863.

Exposta essa imagem ilustrativa, o que podemos sentenciar é que nessa localidade que
ficava bem no centro do Recife, Romualdo fixaria seu nome no campo da imprensa recifense
e iniciaria a mais longeva de suas carreiras, o jornalismo. Nesse ofício desempenhou um papel
histórico de grande relevância. De fato, além de fomentar uma cultura impressa de textos re-
publicanos, houve momentos que procurou se lançar como candidato a deputado da região em
tela. Porém, como era de se esperar, não obteve votos suficientes para o pleito.
No decorrer de suas publicações, não deixaria de sofrer perseguições e acusações por
parte das autoridades locais, resultado do republicanismo que propunha advogar. Em sua car-
reira como publicista, produziu significativos números de jornais políticos, inserindo neles
proposições políticas que iam contra a política conservadora que, nessa época, dominava a
política pernambucana.
Pode-se se afirmar que, no período em que os guabirus dominaram a política nacional
nesta província, os republicanos fizeram resistência aos partidos monarquistas, cuja predomi-
nância configurava-se através da alternância política entre conservadores e liberais no poder.

250
O desenhista Luis Schlappriz, natural da Suíça, chegou no Brasil por volta de 1863 e começou a trabalhar em
parceria com Franz H. Carls na cidade do Recife, cuja sua casa litográfica estabelecera em 1861. Nesta época,
visitando Recife e cidades próximas, elaborou um das uma das preciosidades da iconografia pernambucana,
intitulada Memória de Pernambuco, álbum para os amigos das artes composta com mais de trinta estampas,
cujos trabalhos em nada deixam a desejar os melhores gêneros produzidos e aperfeiçoados maquinismos da
Europa. Sobre litógrafos, desenhistas e artistas gráficos, ver: SILVA, Frederico Fernando Souza. FRANZ
CARLS: Memórias Litográficas do Recife Oitocentista. In: 21º Encontro Nacional de Pesquisadores em Artes
Plásticas - Vida e Ficção / Arte e Fricção, 2012, Rio de Janeiro. Vida e Ficção / Arte e Fricção, 2012.
96
Entre as décadas de 1850 a 1860, coube ao Partido Liberal estruturar-se como partido
de oposição e formar a Liga Progressista.251 Porém, tanto esse último grupo, quanto os repu-
blicanos históricos, ao não aceitarem a centralização dos conservadores na província passaram
a publicar impressos criticando sua dominação na política.
Pertencentes a uma geração de jornalistas que participaram do movimento liberal prai-
eiro (1848-1849), partes desses grupos passaram a defender uma série de reformas políticas e
sociais que visavam a reforma constitucional e a defesa da instalação de um regime federativo
para nação. Os republicanos também concordes com essas reformas, também buscaram de-
fender propostas que abrangessem toda a população, acreditando que a soberania popular de-
veria prevalecer sobre a monarquia constitucional. Tais contestações eram sinalizadas pelos
órgãos de imprensa que procuraram disseminar, antes mesmo da Praieira e logo, com maior
frequência, após aquele momento que a historiografia do século XIX passaria a denominar
“período de calmaria” do Segundo Império.
As reivindicações em torno da reforma da constituinte, comercialização a retalho, a
descentralização da província, a defesa de ideias emancipacionistas - dentre outras pautas so-
ciais - foram demandas que grupos de republicanos procuravam assegurar no campo da im-
prensa.
Nesse espaço, arguiriam em torno de uma república federativa, forjando uma série de
periódicos políticos questionando e exigindo o fim da ordem monárquica. Tal propósito não
deixou de chamar a atenção do público leitor, pois, por meio de seus artigos, procuravam
convencê-lo a apoiar a forma do governo republicano. Segundo Bignotto252, em seus estudos
sobre as origens da república, existiram cinco matrizes do republicanismo na sociedade brasi-
leira: a romana, a italiana, a inglesa, a francesa e norte-americana.
As abordagens dessa tradição política quando discutidas por alguns jornalistas republi-
canos estavam atreladas tanto aos valores públicos, quanto às noções de virtude política, cida-
dania, liberdade, igualdade e soberania popular. De certo, a noção matriz é dada porque acre-
dita o autor que tais modelos indicam a originalidade dessa tradição que, ao mobilizar tais
conceitos, atualizam a compreensão dos seus significados, a partir dos desafios de seu próprio
tempo.
A historiadora Heloisa Starling ao escrever um capítulo na referente obra de Bignotto,
ao explicitar sobre a matriz norte-americana, destaca a forte existência dessa matriz na Amé-
251
ROSAS, op. cit., 1999.
252
BIGNOTTO, Newton. (Org.). Matrizes do Republicanismo. 1. ed. Belo Horizonte: UFMG, 2013.
97
rica portuguesa entre os séculos XVII e XVIII. 253 Starling, neste texto, demonstra como atra-
vés de movimentos políticos o léxico das cinco vertentes apontadas circulavam nesse lado do
atlântico desde o período colonial. Embora nem sempre vinculado, tais movimentos políticos
são vestígios e evidências que demonstram a forte relação de amalgamento dessa herança do
republicanismo com as linguagens política do século XIX brasileiro.
As expressões desse republicanismo foram brilhantemente abordadas em sua recente
obra, Ser Republicano no Brasil254 que tem mérito em salientar suas recepções e adaptações
dessas linguagens políticas em momentos críticos anteriores à Independência, como a Guerra
dos Mascastes (1710), a Revolta de Vila Rica (1720), o movimento Carioca da Sociedade
Literária (1794), as Conjurações Mineiras (1789) e Baiana (1798), prosseguindo até à Revo-
lução e Confederação Pernambucana, respectivamente entre 1817 a 1824.
Romualdo Alves, em conjunto com outros profissionais liberais,255 foi responsável por
propagar o republicanismo na província. Essa linguagem “pode ser vista como um conjunto
de discursos e práticas que caracterizam a atividade política em determinada época”, arriscan-
do-se na construção de “uma criação histórica, sujeita à constante elaboração e desenvolvi-
mento, em sintonia tanto com os acontecimentos quanto com as atitudes dos indivíduos e gru-
pos, cujos propósitos ela define”.256 Dentre as múltiplas abordagens do republicanismo traba-
lhadas por esse grupo em seus jornais, interessam as que se voltaram às questões escravista e
abolicionista no Recife logo a partir da segunda metade do século XIX. Esse debate possibili-
tou a compreensão de como o grupo se articulou, desde suas ocupações, participação em mo-
bilizações de ruas à presença ativa em redes associativista, então divulgadas em seus jornais
de teor republicano.

253
STARLING, H. op. cit., pp. 231–314.
254
STARLING, op. cit, 2018.
255
Como os advogados e jornalistas políticos Antonio Borges da Fonseca (1808-1872) e Afonso Albuquerque de
Melo (1811- 1869), ambos redatores conhecidos por divulgarem suas ideias republicanas e emancipacionistas na
província pernambucana através do jornal A Revolução de Novembro. Ao primeiro coube-lhe presidir no ano de
1859 à Sociedade de Socorros Mútuos da Emancipação dos Cativos e ao segundo, presidir a Sociedade Abolici-
onista de Desterro/SC (hoje Florianópolis); outro republicano histórico e não menos importante é o João de
Barros Falcão d'Albuquerque Maranhão (1807-1881), que possui destaque por sua vasta produção de jornais de
orientação republicana ainda pouco reconhecidos pela historiografia, e por último, o professor negro de primei-
ras letras João Ciriaco da Silva, redator d’O Povo. Para mais informações sobre Afonso de Albuquerque de Me-
lo, consultar: Sacramento Blake. Diccionário Bibliográphico, Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, Rio de Janeiro
Tipografia Nacional, v. 1, 1970, p. 11. No sítio Memória Política há maiores informações sobre esse político.
Consultar: Afonso d'Albuquerque e Melo. Acesso, 27, nov, 2019.
256
As citações se encontram, respectivamente em: MOREIRA, Luciano da Silva. Imprensa e política: espaço
público e cultura política na província de Minas Gerais (1828-1842). Dissertação (Mestrado em História) – Fa-
culdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006. p. 12.
98
Ao nos voltarmos para a história social e política do movimento republicano em Per-
nambuco, raramente encontramos nas pesquisas históricas a atuação de republicanos históri-
cos nos eventos que conformam a identidade de seus grupos nos movimentos sociais e políti-
cos marcados por intensos conflitos no Recife após a Praieira até por volta de 1875. À exce-
ção de alguns poucos trabalhos na área, podemos destacar a tese de doutoramento do profes-
sor Marc Jay Hoffnagel257 e a dissertação de mestrado de Flávia Bruna Ribeiro,258 trabalhos
importantíssimos para compreendermos como esse movimento ganhou enraizamento na pro-
víncia de Pernambuco. Porém, diferindo da periodização de ambos que tomam como marco a
geração de políticos republicanos já após a formação do Partido depois de 1870, concentra-
mos nosso objeto numa geração precedente, acreditando ser relevante destacar a atuação de
um destes indivíduos letrados que tomou a responsabilidade de divulgar os princípios republi-
canos através da imprensa, em um momento em que a sociedade brasileira atravessava gran-
des transformações.
De acordo com os estudos de Alfredo de Carvalho e Luiz do Nascimento, por volta de
1840, por exemplo, dada a predominância de impressos governistas (gabirus e praieiros), é
possível sinalizar que, nessa década, circularam em torno de seis jornais de orientação repu-
blicana. Interessa-nos destacar a existência da orientação e circulação desses impressos, tendo
em vista que esses círculos de jornalistas convergiam quanto ao apoio ao fim da monarquia.259
Nas décadas seguintes, o movimento ganharia maior expressão, pois a circulação de impres-
sos empenhados a propagar a destituição do governo monárquico, em detrimento da defesa da
instauração de um sistema republicano na região, sinalizava que suas ideias conquistavam
maior público leitor.
Anterior à segunda metade do século XIX existiram defensores da forma do governo
republicano federativo. Estes indivíduos, ao mesmo tempo em que ilustravam e instruíam as
vantagens do sistema republicano, procuraram aliá-las nas redes de sociabilidades nas quais
estavam inseridos. Sem embargo, como o sistema hegemônico era de uma cultura imperial,
esses indivíduos buscaram exercer ocupações profissionais diversas para se estabelecer na
sociedade oitocentista pernambucana.

257
HOFFNAGEL, op. cit., 1975.
258
BRAGA, Flávia, op. cit., 2017.
259
A saber, os jornais consultados foram: O Homem do povo (1847), O Tribuno (1847-1848), O Grito da Pátria:
periódico republicano federativo (1848), A Reforma: Liberdade, Igualdade, Fraternidade (1848), Advogado do
Povo (1848) e A Verdade (1848). NASCIMENTO, op. cit., 1969, pp. 253-303.
99
Essa constatação pôde ser evidenciada na historiografia que, ao apontar as várias ocu-
pações desses republicanos na época, sinalizam que seus membros tinham dificuldades para
se estabelecer em uma égide de um governo monárquico.260 Como descrito por Flávia Ribeiro
em sua dissertação: “Não eram miseráveis, todavia, mas estavam em clara desvantagem em
relação aos monarquistas quando o assunto era conseguir acesso à ‘boas’ posições no governo
imperial”.261
Das múltiplas trajetórias que poderíamos percorrer, escolhemos a de Romualdo Alves
justamente por considerá-la uma trajetória marcada por um rico material intelectual que de-
senvolveu, e também pelas intensas relações sociais e políticas que procurou estabelecer na
sociedade vigente. Dessa análise, acreditamos que exercer diferentes carreiras, no século XIX,
foi uma importante estratégia de sobrevivência que parte da população letrada, não pertencen-
tes aos quadros dos governos monárquicos exercia. Principalmente os moradores das zonas
urbanas e periféricas das grandes províncias do país. E Recife, região representativa nesse
cenário, tinha nessas regiões oportunidades de trabalho diversas, onde a disputa pelo mercado
de trabalho era constante entre a população livre e escrava.
Nesse cenário, onde grande parte da sociedade convivia com acentuada exclusão e hie-
rarquia, a população livre e letrada habilmente fez da imprensa seu ganha-pão, divulgando ora
os conhecimentos, traduzindo livros estrangeiros para língua pátria, como publicizavam prin-
cípios em que acreditavam. Romualdo Alves foi um deles: ao mesmo tempo em que redigia
jornais, foi também tipógrafo, chegando ainda a publicar livros. Foi tipógrafo de importantes
jornais no Recife, destacando-se: O Brado do Povo (1854-1856), O Comércio a retalho
(1872-1873) e, posteriormente d’A Luz (1873-1875).262 Chegando a publicar cinco obras de
caráter instrutivo e político, conforme se depreenderá em seção específica, deste capítulo.
Nesses jornais em que foi tipógrafo e redator ao mesmo tempo, interessa-nos a parte em que
este republicano denunciava a sociedade escravista em que estava imerso, enfatizando seu
republicanismo abolicionista.

260
Tanto os historiadores Angela Alonso e Jay Hoffnagel apontam para essas dificuldades presentes na vida dos
republicanos. Ver: ALONSO, 2009; HOFFNAGEL, 1975.
261
BRAGA. Op. cit. p. 27
262
Essa informação pode ser confirmada nos registros que Luiz do Nascimento catalogou em sua monumental
obra “História da Imprensa em Pernambuco”, especificamente nos volumes 4 e 5.Ver, NASCIMENTO, 1869,
1870. op. cit. Sabemos ainda que Romualdo de Oliveira antes de iniciar carreira na imprensa pernambucana, de
acordo com Paulo Cavalcanti, este republicano “Antes de iniciar como diretor de jornal, colaborara em muitos
periódicos recifenses, como o Eco Pernambucano, Nova Era , O Povo, etc”. CAVALCANTI, Paulo. Eça de
Queiroz: um agitador no Brasil, 4ª edição revista e ampliada, Recife, Cepe, 2015. p. 161.
100
Dos republicanos abolicionistas que a historiografia brasileira pouco a pouco vem tra-
zendo a lume, ressaltar o ativismo desse republicano é necessário, pois nas duas frentes - re-
publicanismo e emancipacionismo - protagonizou ativismo político. Como periodista Romu-
aldo fez circular no Recife em torno de sete jornais no período que cobre nossa pesquisa, di-
ante do qual grande parte dessa produção tratou dos grandes problemas do país. Empunhando
sua bandeira antimonárquica, através de linguagem própria, sem por outro lado deixar de la-
dos às questões relativas à cidade do Recife, as matérias que esse republicano ressaltou seu
posicionamento abolicionista são bastante ilustrativas de seu ativismo, tal como demonstra-
remos no decorrer desta pesquisa.263Indubitavelmente, é um importante representante desses
movimentos, pois no conjunto de periódicos que produziu, mostra-se interessado pelos direi-
tos sociais da população, interligando aos direitos políticos.
O Democrata, por exemplo, Romualdo de Oliveira reproduziu o discurso que recitou
no dia da instalação da sociedade abolicionista de Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação
de Cativos.264 Nesse dia, em que comemorava a libertação de quatro crianças escravizadas, na
presença de mais de 300 pessoas, discursou “Eu criei a sociedade – POPULAR DE SOCOR-
ROS MÚTUOS; mas o espírito do mal – o anjo exterminador, mateu-se de permeio, e refor-
mou um dos seus mais humanitários artigos, que determinava a libertação de uma escrava em
cada aniversário”.265Além de enfatizar que seu ativismo a favor da perspectiva abolicionista
era precedente a criação desta sociedade, atrelava esse posicionamento nos impressos republi-
canos que publicava, uma vez que, é possível depreender que era membro dessa sociedade
emancipacionista.
Parte da “geração quarante-huitarde”, da qual já tratamos no primeiro capítulo, reuni-
ram-se em torno desta associação antiescravista concretizando, logo em suas primeiras ativi-
dades, a emancipação de quatro escravizadas na cidade do Recife. Romualdo esteve presente
e foi responsável por registrar esse evento, assim como outro periódico republicano A Tesoura
de Luiz Ciríaco da Silva. 266

263
Os referidos jornais são: O Artista Pernambucano (1853), O Brado da Miséria (1853), O Brado do Povo
(1854-1856), O Democrata (1857-1859) A República (1871), República Federativa: Órgão do Clube
Republicano no Recife (1872-1873) e A Luz: Periódico Republicano (1873-1875). Todos esses periódicos foram
por nós acessados no APEJE.
264
Cf, O Democrata, 14, set, 1859, p. 2.
265
Ibid,
266
A instalação da dita sociedade foi também noticia no impresso de Ciríaco. Cf, A Tesoura, 16 set. 1859, pp. 1-
2.
101
No jornalismo, fez seu nome como escritor público, pois com produções de cunho lite-
rário, político, crítico e jocoso, tratou de assuntos dos mais variados concernentes ao campo
econômico e político da nação que se consolidava seu império. No marco temporal que cobre
a presente pesquisa, destaca-se a ordem cronológica de sua produção, em 1850, foram três
jornais: O Artista Pernambucano (1853), O Brado do Povo (1854), O Democrata (1857-
1859).267
Na década seguinte, o encontramos escrevendo como colaborador nos jornais pernam-
bucanos. Para a década de 1870, o vemos engajado nos três primeiros órgãos republicanos: foi
redator d’A República (1871), República Federativa: Órgão do Clube Republicano no Recife
(1872), A Luz: Periódico Republicano (1873), A Marqueza do Linguarudo (1875) e do mes-
mo ano, A Mãe do Linguarudo (1876). Nestes últimos, há controvérsias quanto a sua auto-
ria.268
Dos jornais investigados, consta que O Artista Pernambucano (1853-1854) foi perió-
dico de efêmera duração. Posteriormente, em defesa da liberdade e direito dos homens passou
a publicar O Brado do Povo (1854-1855), esse de maior duração. Em ambos, advogou em
defesa da instauração de uma república no Brasil e dos direitos dos brasileiros a comercializa-
ção do comércio a retalho, esta última, pauta política que além de agitar a população de Reci-
fe através dos meetings, era reivindicada em impressos de liberais radicais no tempo da Prai-
eira. A Voz do Brasil de Inácio Bento de Loyola é ilustrativa desse protagonismo.
Ao noticiar sobre as festividades que ocorriam na província, destacou como muitas de-
las acabariam em violência contra a população de portuguesa.269 Romualdo deu continuidade
a essa tipo de antilusitanismo que vicejou durante grande tempo na sociedade pernambucana
oitocentista. Como redator d’O Brado, comprou tipografia própria localizada na Rua Direita
nº 7.270
Na investigação sobre dados que tratassem sobre quais jornais e de que tipos tinham
saído desse prelo, conseguimos encontrar aqueles de orientações política com circulação de

267
O Jornal O Democrata encontra-se disponível apenas nas dependências da Biblioteca Pública do Estado de
Pernambuco Jordão Emerenciano (APEJE). Divididos em 4 séries, o mesmo circulou entre setembro de 1857 a
setembro de 1859. APEJE, DJ-23, D-6.
268
Op. cit. CHACON, op. cit., 1981, pp. 53-58.
269
Arquivo Público Estadual de Pernambuco Jordão Emerenciano, A Voz do Brasil, Recife, 11/12/1847,
05/02/1848.
270
O Brado do Povo, 16, set, 1854.
102
dois anos.271 Esta folha, chegou a ser qualificada de pasquim, sendo inclusive impedido de
circular pelo chefe de polícia da província, sob as ordens do deputado Francisco Carlos Bran-
dão, posto que os princípios republicanos e os artigos neles tratados em prol da nacionalização
do comércio a retalho estavam repercutindo entre a população local e interiorana contra os
“galegos” na província.272
A estrutura deste periódico de circulação bissemanal apresentava geralmente quatro
páginas, divididas em duas colunas (ver figura 4). A primeira página era reservada aos acon-
tecimentos mais importantes do dia e tratava sobre sua concepção republicana criticando “A
corte (...) onde se projetam as mais depravadas leis contra os filhos do povo”.273 A segunda e
a terceira páginas eram dedicadas ao que ocorria na sociedade recifense e no país, denuncian-
do “este governo do inferno”.274 Especialmente, incluía transcrições d'O Republico, de Borges
da Fonseca, então publicado no Rio de Janeiro.

Figura 4 – Estrutura da capa do Jornal O Brado do Povo


Fonte: O BRADO DO POVO (16/10/1854) - APEJE - APS01 -P09/B83

271
A Tipografia Brado do Povo teve a duração de 4 anos, sendo nela impressas a totalidade de quatro jornais, a
saber: O Brado do Povo (1854) O Periquito (1854), O Povo (1855), O Democrata (1855-1857). Publicadas ora
semanalmente, como durante três vezes em um só mês. Op. cit, Nascimento, v. 5, 1970.
272
Essa discussão pode ser encontrada no artigo “O Brado do Povo e a Polícia” presente no Liberal Pernambu-
cano, 20, fev, 1855, p.1. A réplica, não demorou muito, pois no dia seguinte o deputado dava justificativa de não
ter incitado seu conterrâneo de goiana a denunciá-lo nas páginas contra sua pessoa. Cf: Diário de Pernambuco.
21, fev, 1855. p. 2.
273
O Brado do Povo, 16, set, 1854.
274
Ibidem, p. 4.
103
No final da década de 1850, publicou ainda outro, intitulado O Democrata (1857-
1859), esse impresso teria maior destaque, tanto pelo desenvolvimento de temas republicanos
neles inscritos, como pela composição do material impresso, pois era dividido em duas colu-
nas largas, com quatro páginas. Segundo Marialva Barbosa, esta estrutura reflete ainda os
velhos moldes do fazer jornalismo no oitocentos, como por exemplo, ter um único jornalista,
responsável por todo o processo produtivo.275
O Democrata (1857-1859) apresentava semelhante estrutura em relação ao perió-
dico anterior, reiterando seu posicionamento marcadamente antimonárquico e republicano.
Em certa publicação, apresentou-se capa comemorativa, na qual havia uma figura simbólica
de um jovem com vestes romanas, dando a entender que este chora sobre o túmulo de um dos
chefes democratas mais respeitados da ‘Revolução de 1848’: Manoel Pereira de Moraes.276 A
capa de comemoração fúnebre desse republicano (ver fig. 5) remete, a quem a vê, certa sau-
dade de alguém muito querido.

Figura 5 – Capa d’O Democrata, destacando a figura de um jovem romano sobre túmulo de Manoel P. Moraes.
Fonte: O DEMOCRATA (22/04/1858) - APEJE -DJ 23/D-6.

275
BARBOSA, op. cit., 2010, p. 16.
276
O Democrata, 22, abr, 1858. p. 1.
104
Entre os artigos redigidos e organizados para divulgação de seus princípios, destacam-
se as matérias relacionadas à questão da escravidão e da emancipação brasileira. 277 São maté-
rias de imprescindível valor, pois nos dão conta de como os republicanos pensavam a respeito
desse assunto, visto que, nesse período, parcamente se falava sobre a escravidão, tornando tais
matérias de relevante interesse para a sociedade em tela.
A aceitação da escravidão no Brasil na construção do Estado Imperial toca justamente
naquela problemática central que Hebe Mattos aborda em Escravidão e Cidadania no Brasil
Monárquico. Marcada pelo passado colonial escravista, a nação brasileira procurava uma
identidade, atrelada ao liberalismo político da época, preocupada com as noções de direitos e
deveres, concordando com a legitimidade da escravidão.278 E é a essa estrutura ideológica de
governança que as folhas republicanas se dirigem quando fazem circular o republicanismo
nesta parte do país.
A leitura conjunta desses três periódicos de Romualdo de Oliveira faz notar certa tra-
dição do republicano que circulou na segunda metade do século XIX, cujas características
assemelham-se desde a estrutura de duas a três páginas, como do valor acessível desses perió-
dicos. A grande maioria era vendida por 40$ réis (preço acessível a várias camadas da popu-
lação). Além de compostas por um só redator e impressor, esses jornalistas não deixariam de
serem destacados na opinião pública recifense, pois não haviam esquecido “as tradições repu-
blicanas” que procuravam difundir para a população recifense. E por que afirmamos isso? 279
Não é difícil tal conclusão, tendo em vista que, nos oitocentos, alguns publicistas
eram conhecidos pelas teses que pretendiam advogar ou através das rixas que protagoniza-
vam. Concomitantemente, a resistência a qualquer tipo de republicanismo era muito maior do
que a sua organização e mobilização. Esta percepção pode ser apreendida nos vários artigos
jornalísticos contemporâneos à sua produção, como àquela atribuída pelo Diário de Pernam-
buco que, frequentemente, ao se dirigir contra as publicações dos republicanos, qualificava-os
com a pecha de “maldizentes, invejosos, caluniadores e embusteiros”.280

277
O Democrata, 14, set, 1858. p. 2-4 e O Democrata, 18, set, 1858. p. 2-3;
278
MATTOS, Ibidem, 2004.
279
Partimos do pressuposto que os republicanos pernambucanos não se esqueceram das “tradições republicanas”
aventadas pela historiadora Heloisa Starling em sua pesquisa “Ser republicano no Brasil Colonial”. Ver, SAR-
TALING, 2018. A geração quarante-huitarde que já destacamos ao longo do trabalho, foi incumbida de instruir
e disseminar a linguagem republicana na capital pernambucana, podendo concluir que esse grupo fora um dos
bastiões do republicanismo e nos seus jornais procuraram atrair várias camadas da população pernambucana,
cujas ideias democráticas eram discutidas para arregimentar adeptos contra o sistema monárquico.
280
Diário de Pernambuco, 19, abr, 1858, p. 3
105
O Brado teve colaboração de textos de outros republicanos aos quais Romualdo sem-
pre esteve ligado, em uma de suas matérias solicitava aos seus leitores a votarem no nome de
Borges da Fonseca em virtude dele concorrer às eleições de 7 de setembro para vereador e
juízes de paz.281 Essa relação de proximidade com o “famoso líder republicano” já vinha sen-
do expressa desde o momento que escrevia em seu primeiro jornal.
Certa vez, no periódico O Artista recordou a glória de “um pequeno contingente de re-
publicanos agregados às tropas do norte - Nunes Machado, Pedro Ivo e Luiz Alves” - concla-
mando “2 de fevereiro, tu não serás riscado da lembrança dos republicanos, porque na tua
frente majestosa marchava, glorioso, Antônio Borges da Fonseca!”. 282N’O Democrata, órgão
“dos princípios republicanos”, esse republicano visava inocular com “prudência e reflexão” o
combate “a centralização da Corte, a acumulação de empregos e esbanjamento dos dinheiros
públicos”, reforçando um posicionamento de uma mudança de governo através da ordem,
atitude essa tomada por acreditar que no campo das ideias era possível conquistar as mudan-
ças na sociedade, destacando em seu programa “nada de virulência”, mas “a evidencia da ver-
dade”.283 Dos temas que mobilizou nos artigos da gazeta, o principal deles, sem sombras de
dúvidas, foi o Gabinete de Conciliação (1853-1857).284
Luiz do Nascimento confirma essa predominância do tema na sua obra História da
Imprensa em Pernambuco: “(...) o programa d’O Democrata, tendo como tema principal o
Gabinete de Conciliação, do qual se ocupava constantemente, sem registrar resultados positi-
vos”.285 Justificava que os verdadeiros liberais eram os democratas republicanos e não os do
Partido Liberal, argumentando que a seu grupo competia não cruzar os braços diante daquilo
que qualificou uma política de “vergonhoso letargo desta mistificadora conciliação” que vi-

281
O Brado do Povo, 9, ago, 1856. p. 2
282
Izabel Marson confirma que Borges era o líder dessa tropa e seu grupo configurou-se no combate de Cruangi
em 20 de dezembro de 1848, evento este que culminou na queda do presidente da província Pena. Dado a derrota
deste chefe conservador, outro de orientação mais conservadora o substituiu, Manoel Vieira Tosta. Em 2 de
fevereiro do ano de 1849, ao invadir a cidade do Recife, os praieiros radicais não conseguiram tomar a cidade,
chegando alguns a concordarem com a anistia concedida estrategicamente pelo chefe de polícia Figueroa de
Melo. Ao desmobilizar os líderes do movimento, alguns chegaram a refugiarem-se na província da Paraíba. Cf:
MARSON, Izabel Andrade. Política, história e método em Joaquim Nabuco: tessituras da revolução e da escra-
vidão. Uberlândia, EDUFU, 2008. p. 138
283
O Democrata, 24, set, 1857.
284
O Gabinete da Conciliação, organizada pelo Ministério Paraná, 12º gabinete do Segundo Reinado, é possível
dividi-lo em dois momentos: o primeiro, de setembro de 1853 a setembro de 1856, período em que o marquês de
Paraná esteve a frente do ministério; e o segundo, de setembro de 1856 a maio de 1857, período em que, devido
a morte de Paraná, o gabinete passou a ser chefiado por Caxias. Nesta fase em que a ideia de Conciliação perdeu
força e energia e o ministério se manteve apenas para os expedientes de rotina.
285
Apud: op. cit, NASCIMENTO, vol. 5, p. 89
106
venciava em sua própria pátria. Com isso, reconhecia a utilidade da imprensa para exprimir
“os dissabores e sofrimentos” vividos pela população pernambucana.286
Observemos que Romualdo Alves, com esses três jornais publicados em 1850, foi res-
ponsável por difundir uma vasta linguagem republicana. Seus artigos eram favoráveis à desti-
tuição do regime monárquico estabelecido, procurando, dessa forma, instruir aos leitores per-
nambucanos quanto às vantagens do governo republicano.
Mantendo-se fiel aos seus princípios, insistiu em defender essa forma de governo co-
mo horizonte de expectativa para a sociedade brasileira. A década de 1860 sinalizava outros
tempos, uma vez que novas mudanças no panorama político e social seriam empreendidas. Já
que os liberais retomam as principais ocupações no governo em 1868. Depois de um longo
período de afastamento na direção do governo central, o país experenciava novas transforma-
ções na política nacional e internacional.
Nesse contexto, países escravistas, como os Estados Unidos e Cuba, já realizam políti-
cas emancipacionistas em seus territórios.287Na província de Pernambuco, como vimos, é pos-
sível, já na segunda metade do século XIX visualizarmos o protagonismo de republicanos
históricos na defesa de propostas emancipacionistas e abolicionistas. Sua concretização se
realiza através dos embates que os periódicos republicanos realizaram a despeito da escravi-
dão e atrelada a essa produção, podemos ver o engajamento desses grupos na criação da Asso-
ciação de Socorros Mútuos e Lenta da Emancipação dos Captivos entre 1859 a 1861. Extinta
essa sociedade antiescravista, caberá à imprensa republicana dar continuidade de tão relevante
matéria.288
Como apontamos no inicio desta pesquisa, a literatura sobre a existência dessa socie-
dade, é pouco conhecida pela historiografia. Em busca de esse entender o que esse associati-
vismo representou, conseguimos encontrar maiores informações nos jornais republicanos que
destacaram que o objetivo da mesma visava libertar escravizados do Recife jugo do cativeiro.

286
O Democrata, 14, out, 1857. p. 4
287
Essas políticas de emancipação durante o período da Guerra Civil americana analisada pelo historiador ame-
ricano McPherson. Cf, McPherson, James M. This Mighty Scourge: Perspectives on the Civil War. Oxford, New
York: Oxford University Press, 2007.
288
Das jornais investigados, chamou atenção àqueles de orientação claramente republicana e abolicionista que
circularam na capital pernambucana, logo após a extinção dessa sociedade abolicionista. A saber, A Tesoura
(1868), União Democrática (1869), O Democrata Pernambucano (1868-1869), O Americano (1870-1872), A
República (1871), República Federativa: Órgão do Clube Republicano no Recife (1872-1873) e A Luz:
Periódico Republicano (1873-1875).
107
É importante ressaltar que os republicanos históricos que tratamos foram também su-
jeitos ativos no processo de uma organização dessa associação antiescravista, unindo-se em
prol da libertação de escravizados afro-brasileiros, sendo sua mobilização precedente àqueles
processos de politização das ruas e da própria política de emancipacionismo, que passam a
ganhar maior ação e reação no final de 1860 e início de 1871, quando é aprovada a Lei do
Ventre Livre (1871).289
Romualdo fez parte dessa associação, sendo inclusive o redator que cobriu com muitos
detalhes os acontecimentos da sua pré-inauguração. Reproduzindo, inclusive na seção de seu
jornal publicado do dia 14 de setembro de 1859 o “DISCURSO – Recitado por ocasião da
instalação da Sociedade de Socorros Mútuos e Lenta Emancipação dos Cativos”.290 Na edição
seguinte, tratou de publicar o artigo assinado por nada mais, nada menos que Dr. Antonio
Borges da Fonseca que discutia a importância política que significava a instalação da socieda-
de emancipacionista291
Neste artigo, Borges ao descrever que já se realizara o projeto de Eusébio de Queirós
que proibia o tráfico e o comércio intercontinental de escravos, chamava atenção para que
“não podendo mais estes braços serem supridos pela importação de africanos” intitulou seu
artigo, “Abolição da escravatura no Brasil. Como suprir os trabalhos dos braços escravos
pelos livres”.292 Nessa matéria destacava quais recursos seriam viáveis naquele contexto.293
A perspectiva que se apresentava era pela emancipacionista e nessa matéria, tratava
de explicar o porquê de seu posicionamento. Ao abordar que meios deveriam ser desenvolvi-
dos pela associação, procurou sinalizar as possíveis medidas em torno da transição de mão da
obra escrava para a livre. Enfatizou sua preferência em “libertar as meninas e mulheres escra-
vas”, explicando “porque admitido ser escravo o filho de ventre escravo, com a libertação de
uma mulher libertamos uma descendência que, aliás, pode ser muito numerosa”. Essa coloca-
ção, do então primeiro presidente era antiga, uma vez que ele próprio afirmava: “tenho cla-
mado no deserto, porque não temos governo para ouvir estas coisas” realçando seu ativismo

289
Para maior conhecimento desse processo de politização das ruas, teatros e festividades, ver: CASTILHO,
2014, pp. 178-34. Ver também do mesmo autor: CASTILHO, 2015, pp. 277-292.
290
O Democrata, 14, set, 1859. pp. 2.
291
O Democrata, 18, set, 1859, pp. 2-3.
292
O Democrata, 18. set. 1859. p. 2
293
Depois de muitos impasses, em 4 de setembro de 1850, tornava-se lei, o projeto de lei antitráfico de Eusébio
de Queiroz, não sem antes ter sofrido muita oposição na Câmara e no Senado. BETHELL, Leslie. A Abolição do
comércio brasileiro de escravos. tradução de Luís A. P. Souto Maior. Brasília: Senado Federal, Conselho Edito-
rial, 2002.
108
antiescravista no discurso de inauguração da benemérita associação.294 Seguindo a ordem
cronológica dos jornais produzidos por Romualdo, ressaltamos A República (1871), periódico
que circulou durante seis meses no Recife, logo após o advento da formação do Partido Repu-
blicano na Corte no final de dezembro de 1870. Publicado aos domingos, esse impresso per-
faz um total de 14 números, cuja suas quatro páginas carregavam em seu frontispício o subtí-
tulo: “é órgão do Partido Republicano”. (ver fig. 6).

Figura 6 – Capa do Jornal A República295


Fonte: A República (29/01/1871) – Hemeroteca Digital Fundação Biblioteca Nacional

Importa destacar que esse impresso cumpriu a função política de congregar o máximo
possível de membros do clube de republicanos, dialogando assim com as entidades centrais da
capital federal do Rio de Janeiro. Juntamente com o republicano histórico Afonso de Albu-
querque Melo, para além de discorrer sobre a distância que separava “Monarquia e Repúbli-
ca”, abordava artigos sobre “A Abolição do Elemento Servil”,296 interligando esse tema à
concepção republicana.

294
É clássico o antiescravismo de Borges da Fonseca. Conta Marcus Carvalho que não deixou de estar imune as
às concepções racistas de seu tempo, distinguindo-se porque era “um simpatizante da emancipação gradual dos
escravos. Militou na sociedade secreta A Popular, que favorecia a emancipação gradual, e na década de 1860
flertaria com o nascente abolicionismo”. Grifos nossos. Cf. CARVALHO, Marcus, Op. cit, p. 270.
295
A República, n. 1-14.
296
A República. 16. abr. 1871. p. 3
109
Ao seguir esse pensamento, seus redatores não mediam esforços para situar seus leito-
res: “Nós que escrevemos esse artigo somos frenéticos apologistas da abolição da escravidão
por considerá-la um horrível cancro [...] que é contra o direito natural e social, que é contra a
lei de Deus”.297 O sistema escravista posto em debate acompanhava as propostas de emanci-
pação então discutidas pelo governo no ano de 1871. As discussões sinalizavam quais visões
os republicanos compartilhavam sobre os meios que deveriam ser adotados sobre as políticas
de emancipação.
Neste jornal de caráter abolicionista, os escravocratas eram encarados como teimosos
e “convenientes” e, por isso, era sugerido que, para a imediata e completa abolição da escra-
vidão, o país poderia “para isto indenizar o governo aos intitulados proprietários do capital
desse maldito gênero bem empregado, pois quando ele quer tem de sobra até para desperdí-
cios”.298 A proposta abolicionista parecia ganhar cada vez mais adeptos nos impressos repu-
blicanos. Uma que chamava bastante atenção, publicada em quatro colunas, era a República
Federativa: Órgão do Clube Republicano no Recife (1872), ver figura 7.

Figura 7 – Capa do Jornal A República Federativa299


Fonte: A República Federativa (15/02/1872) – Hemeroteca Digital Fundação Biblioteca Nacional

297
A República. 23. abr. 1871. p. 2
298
A República. 14. mai. 1871. p. 2
299
A República Federativa, n. 1-3.
110
Nesse órgão de imprensa, vários artigos, ao se responsabilizarem pela instrução do re-
gime federativo republicano, propuseram para além da defesa do republicanismo, a abolição
da escravatura. Segundo um dos artigos: “calcando desaforadamente a lei, vivem reduzido à
escravidão cidadãos desse país, brasileiros natos, que pela constituição e leis desse império
tinham o direito de ocupar até os mais elevados cargos do estado, e cujo número alcança tal-
vez a um milhão”.300
Não cansado de reiterar os princípios da liberdade e de soberania popular, apontavam
para os direitos naturais de todo homem. Ferrenhos inimigos do regime monárquico, alerta-
vam “Os pernambucanos não ignoram que o Sr. D. Pedro II é imperador do Brasil, unicamen-
te por ser filho de Pedro I e neto de João VI, aos quais Pernambuco e as províncias vizinhas
só devem a honra de terem enforcado 13 de seus mais ilustres filhos em 1817, e 16 em 1825,
pelo grande crime de amarem a liberdade”.301
Romualdo Alves se destaca como um dos redatores que trataram desses temas com
bastante profundidade. Chegou a assinar seu próprio nome nas matérias sobre republicanismo,
informando aos seus leitores os benefícios da bandeira federativa, explicando que nessa sua
característica governamental “consiste o grande segredo dos maravilhosos resultados que tem
obtido os Estados Unidos e a Suíça pelo grau de prosperidade material e moral a que tem
atingido”.302
N’A Luz: Periódico Republicano (1873), ao abordar “Abolição total da escravidão no
Brasil” propugnou que essa causa humanitária, seria tarefa daqueles considerados verdadeiros
republicanos. Do contrário, seria contradição. Declarando: “Não podemos, nós os verdadeiros
republicanos, mostrarmos satisfeitos, vendo ainda continuar a escravidão no Brasil”.303
Compactuar com o escravismo não seria característica advinda do grupo, sentenciando
que seus leitores não deviam “recuar diante de preconceitos e mesmo de perseguições” na
defesa da liberdade. Esse sentimento fazia parte da propaganda por toda forma de liberdade,
seja dos escravizados como de todo povo brasileiro, frente aos partidos imperiais que ainda
insistiam em conservar seu poder político.

300
Ibidem.
301
A República Federativa, 15, fev, 1872. p. 1.
302
Ibidem, 20, fev, 1872. p. 1.
303
A Luz: periódico republicano. 04. jun. 1873. p. 2
111
A Luz (ver fig. 8), ao prever as poucas ações de liberdade do governo monárquico nes-
ta década, em relação às manumissões que eram concedidas para a libertação dos escraviza-
dos, prescrevia “A liberdade há de vencer, e a abolição total da escravidão no Brasil há de
abrir uma nova era para futuros vindouros”.304

Figura 8 – Capa do Jornal A Luz305


Fonte: A Luz: periódico republicano (09/04/1873) – Hemeroteca Digital Fundação Biblioteca Nacional

A partir de meados da década de 1880 o partido republicano do Recife aos poucos vai
ganhando expressividade política na conquista de pleitos para deputados de províncias. Até
que a república fosse instaurada em 1889, esses grupos aos poucos passaram a vencer os plei-
tos como candidatos a deputados provinciais, elegendo-se através da legenda constituída pelos
clubes republicanos.
Na província de Pernambucano, os grupos moderados de viés positivista passaram a
ser organizar e ganhar mais adeptos em torno de legenda política moderada, parte de seus
grupos ao se apoiar nas teorias de Augusto Comte, procuraram montar seus partidos políticos,
organizando-se através de pleitos para vencer as eleições da última década da abolição.

304
A Luz: periódico republicano. 19. jun. 1873. p. 3
305
A Luz: periódico republicano, n. 1-64.
112
Romualdo Alves não deixou de tentar eleger-se, tal como abordaremos adiante. Ao se
candidatar para deputado, procurou conquistar votos pelos jornais locais, no entanto, não lo-
grou o êxito naquilo que esperava conquistar. De fato, dado as publicações que advogara e por
ser republicano e abolicionista de longa data, isso talvez tenha causado certo receio por parte
dos eleitores pernambucanos. Compreendendo nós que seu esforço se dava em via dupla -
republicanismo e abolição - procurou aliar ambas frentes a um só tempo, o que percebemos é
que não vencendo as eleições em meados de 1883, foi morar no coração do Império. Continu-
aria a atuar no campo jurídico, sendo contemporâneo a figuras ilustres que, assim como ele,
carregavam a mesma postura política e ideal abolicionista.
Romualdo Alves participou de redes de sociabilidades que congregavam abolicionistas
de renome, como José do Patrocínio, Ferreira de Menezes e Vicente de Souza, todos militan-
tes republicanos radicais da capital do Rio de Janeiro.306 Diante dessa relação com intelectuais
engajados nas questões políticas de seu tempo, cumpre destacar a mobilização ativa que esse
republicano exerceu no Rio de Janeiro, que o reconhecia como verdadeiro tribuno do abolici-
onismo e republicanismo. É possível encontrá-lo atuando no movimento abolicionista carioca,
haja vista que recorrentemente era convidado para palestrar nas conferências de ruas, clubes e
teatro da cidade do Rio de Janeiro.307 Seja palestrando ou participando de associações e socie-
dades políticas, o que vemos é que seu nome continuamente aparece nos jornais republicanos,
anunciando seu ofício como advogado, informando aos leitores que para contratá-lo, sendo
pobre, defenderia gratuitamente.308
No curso desse intelectual circulante, conseguimos encontrá-lo exercendo múltiplas
atividades. Destaca-se sua grande contribuição jurídica, vasta e merecedora de destaque em
um trabalho futuro.309

306
Em sua obra “Flores, votos e balas” Angela Alonso destaca o pluralismo do movimento na figura de Vicente
de Souza e José do Patrocínio, dentre outros. Para além da tríade intitulada ‘Patrocínio-Rebouças-Nabuco’ a
autora não perde de vista outros abolicionistas como Antonio Bento, Abílio Borges, Ubaldino Amaral e Vicente
Ferreira, militantes com singularidades próprias, tendo em vista suas origens sociais diversas e estilos próprios
de militância política. Cf, ALONSO, op, cit., 2015.
307
Na Gazeta da Tarde há informe da participação desse republicano palestrando no Club Abolicionista Gutem-
berg. Cf: Gazeta da Tarde, 14 e 15 mar, 1884, p. 2; Para maiores informações dessa palestra, Cf, Gazeta da
Tarde, 17, mar, 1884, p. 2; É nesse mesmo jornal que também somos informados da participação da filha de
Romualdo, Jovelina Alves de Oliveira na “Festa de 15 de março”, a mesma havia doado contribuição para arre-
cadar dinheiro ao Clube Abolicionista Gutemberg, cujo objetivo visava conceder manumissão a população es-
cravizada. Cf. Gazeta da Tarde, 21, mar, 1884, p. 1.
308
Gazeta da Tarde, 04, out, 1884, p. 2; Diário de Notícias, 23, abr, 1886, p. 1.
309
As fontes que realçam o protagonismo desse republicano, enquanto rábula pelo Tribunal da Relação são pos-
síveis de serem acompanhadas pelos jornais locais que publicavam na seção “Jury” a atuação dos advogados que
atuavam na defesa de várias causas. São inúmeros os impressos que registraram esse sujeito histórico advogando
113
Romualdo Alves de Oliveira, sem sombra de dúvidas, tem seu nome inscrito na histó-
ria, dado sua relevância política na disseminação de ideal republicano e do movimento aboli-
cionista do qual participou ativamente. Dois projetos de vida que conseguiu acompanhar em
vida foram a Lei da Abolição da Escravidão em 1888 e a instauração de um governo republi-
cano que veio com um golpe em 1889. No norte, onde nasceu, mobilizou esforços instrutivos
em conjunto com outros republicanos, fomentou a produção de uma vasta linguagem republi-
cana.
No Rio de Janeiro sustentou tais princípios, advogando os princípios de liberdade e
democracia que tanto acreditara para instalação da república. Após longa jornada de atuação,
faleceu na capital federal logo nos primeiros anos da república federativa, por ele tão sonhada.
O que nos resta concluir de sua trajetória é que sua passagem na história do movimento repu-
blicano e abolicionista é ativa e tem sua marca, pois diante das incursões e sinuosidades para
que esse tipo de regime ganhasse o coração e aceitação por grande parte da população brasi-
leira, fez de seu percurso palco de luta para que raiasse um governo democrático aliado à li-
berdade de toda população brasileira. O ideal por ele propugnado atravessou a fronteira regio-
nal, não se restringindo a Pernambuco, mas alcançando as prerrogativas da conquista de ideal
político para todos os brasileiros e brasileiras.

3.3. A política e a tribuna como palcos de ação e mobilização

Romualdo não só publicou jornais, como também tentou se tornar deputado provincial
e advogar em causas criminais e cíveis. É possível encontra-lo aliando a profissão de redator e
advogado já por volta de 1860 adiante.310 Sua atuação na advocacia é vasta.
Dado o mapeamento que organizamos, registramos um banco de dados onde consta
sua defesa na sessão de Júri de dezenas de brasileiros, presentes nos jornais pernambucanos e
do Rio de Janeiro. Esses dados confirmam a trajetória ativa desse republicano e abolicionista.

em vários processos, desde as causas civis, como criminais. Citamos os principais jornais em que rastreamos a
atuação de Romualdo de Oliveira entre os referidos anos. Cf, Diário de Pernambuco (1860-1879), Jornal do
Recife (1860-1883); Para o Rio de Janeiro, ver: Jornal do Comércio (1883-1884), Diário de Notícias (1885),
Gazeta de Notícias (1884-1887).
310
Essa atuação enquanto rábula pode ser encontrado nos impressos do Diário de Pernambuco e Jornal do Reci-
fe. Cf, Diário de Pernambuco (1860-1879), Jornal do Recife (1860-1883).
114
Vez em quando é possível destacar a memória que ele procurava constituir pelos pró-
prios impressos que dirigia ou em que fazia publicar matérias nos jornais locais. Tais narrati-
vas de si trazem de certa forma um risco de parcialidade. Uma vez que é destacada não só a
imagem que o mesmo constrói de si, mas também dos argumentos e recursos por ele instru-
mentalizados na intervenção de sua candidatura nos pleitos em que tentou se eleger como
deputado republicano. Era no período de eleições que os políticos iam à imprensa solicitar
votos aos eleitores para concorrer uma vaga na administração do governo. Aqueles que venci-
am sempre estiveram atrelados aos partidos monárquicos, uma vez que esses grupos eram
favoráveis à manutenção das hierarquias sociais, da continuidade da escravidão e do monopó-
lio da propriedade fundiária.
Para a oposição - neste caso os republicanos - esse tipo de regime não seria nada fácil
de conquistar nas eleições imperiais, a não ser sob a condição de se aliarem aos políticos libe-
rais para conquistar alguma vaga. Romualdo Alves não fugiu à regra. Havia tentado concorrer
a deputado estadual e provincial, da mesma maneira que tanto outros republicanos históricos
que ressaltamos no primeiro e segundo capítulo. Mesmo sendo conhecido por atuar no campo
do jornalismo, dificilmente conseguiria vencer nas urnas.
As eleições do século XIX, segundo Richard Graham envolviam uma série de protoco-
los políticos diante do qual um grande proprietário procurava estabelecer laços de clientela
com seus protegidos políticos. Ainda que os republicanos populares vencessem, dificilmente
conseguiriam ter sua votação reconhecida pelas mesas eleitorais que era então regida pela
política Imperial. Tanto os liberais, quanto os conservadores era hegemonicamente mais fortes
politicamente. Todo processo eleitoral, cuja manutenção da política coronelista constituía
parte fundamental na manutenção da ordem política monarquista, deitou raízes na sociedade
brasileira.311
Encontramos Romualdo tentando conquistar, algumas vezes, vaga para deputado nas
eleições distritais da província.312 Primeiramente nas eleições de novembro de meados de
1856. Quem dá essa informação é Luiz do Nascimento que teve acesso a um maior número de
exemplares do impresso Brado do Povo na década de 50 do século XX. Afirma esse autor
que, em suas leituras, havia lido matérias nas quais Romualdo solicitava aos seus leitores vo-
311
GRAHAM, op. cit., 1997.
312
Metáfora teatral que José Murilo de Carvalho justifica para caracterizar o Império brasileiro. Esse tipo de
análise política se encontra no segundo capítulo da obra que originalmente é a Tese de Doutorado em Ciência
Política. Cf, DE CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem: a elite política imperial; Teatro das
Sombras: A política imperial. 2.ed. Rio de Janeiro: UFRJ, RelumeDumará, 1996.
115
tos a favor da chapa de Borges da Fonseca para as eleições de 7 de setembro daquele ano.
Contudo, alguns meses depois, Nascimento menciona que Romualdo “ele próprio candidata-
va-se a eleição de 2 de novembro, pelo círculo de Olinda”. 313
É sabido que não venceu, tendo em vista que por ser republicano e não estar aliado a
nenhum dos partidos monárquicos, o resultado esperado seria a invalidação de sua chapa.A
partir de 1878, já em outra conjuntura política, é possível encontrá-lo tentando angariar votos
em 1879.
O jornal O Diário de Pernambuco fez circular matéria sobre sua candidatura, onde fri-
sou “Sou republicano intransigente, porém entendo que tenho direito de pedir aos eleitores
pernambucanos, para que me elejam deputado provincial”314. Não venceu novamente, pois em
Pernambuco os republicanos, ao encampar disputas acirradas com os partidos monárquicos,
quem sempre vencia eram os últimos.
No campo jurídico, logrou maior reconhecimento. Sem ter estudado o curso jurídico,
decidiu advogar em diferentes tipos de causas no Tribunal do Recife, recebendo com isso um
título pelo Tribunal da Relação de Pernambuco em 1860 para atuar nessa área. Desse último
ofício, sabemos que era autodidata. Como costumava se mostrar interessado em diversos as-
suntos políticos nos jornais que redigiu, o do campo jurídico era um dos que mais lhe fascina-
va.
Na carreira jurídica advogou como rábula em diversos processos crimes e civis, con-
tribuindo inclusive, de maneira significativa na abertura do processo de requerimento de li-
berdade da escrava Silvéria em 1878.315 Como era letrado, provavelmente frequentou escola
de primeiras letras em sua cidade natal, mas não encontramos seu nome na lista dos bacharéis
formados da Faculdade de Direito do Recife. Infelizmente em nossa pesquisa não localizamos
seu nome nos registros dos principais estabelecimentos de educação primária da região.
Destarte, o que podemos aferir é que a imprensa e os tribunais passaram a converter-se
em espaços privilegiados para os combates deste republicano histórico que distinguia ironi-
camente naquela época o seguinte: “o governo republicano é o governo do homem livre, e o
governo monárquico é o do escravo”.316

313
Sobre esse periódico, só tivemos acesso ao número doze, único número que podia ser manuseado no APEJE,
publicado no dia 16 de setembro de 1856. NASCIMENTO, Op. cit. vol. 5. p.56.
314
Diário de Pernambuco, 3 out. 1879, p.3
315
Cf, Cod. de referência. BR PEMJ TRPE-PCR-HC-1879.03.09. Memorial da Justiça. Pernambuco.
316
O Artista Pernambucano, 26, mar. 1853.
116
A associação da monarquia atrelada à escravidão, conforme o autor, adivinha por ela
ser também escravista, sendo que o natural era todo homem ser livre numa sociedade republi-
cana. Em meados do século XIX, pelo que se pode depreender da carreira desse advogado, era
que qualquer indivíduo letrado e conhecedor das leis do Código Civil e Criminal poderia ad-
vogar em defesa de réus julgados em sentença. Para atuar nesse campo, era preciso conheci-
mento vasto do jurisdicionalismo vigente na época. Conhecimento este que o nosso autor
aprendeu na leitura de obras e autores da área. Nessa prática de leitura, Romualdo apropriou-
se de alguns autores e obras estrangeiras, remetendo a eles sempre que procurava defender os
réus pelos quais era responsável.
É possível que dessas leituras fizesse sucesso, pois conquistou muitas absolvições nos
processos que acompanhou, além do fato que nesse cargo, seria reconhecido.317 A título de
ilustração de sua atuação enquanto rábula, pode ser acompanhada em uma de suas brilhantes
defesas registradas na seção de “comunicados” do Diário de Pernambuco, onde um redator
admirado mandou publicar artigo intitulado “A defesa do Sr. Manoel Pereira, conhecido por
Manoel Caboclo”, esse escrito oriundo de um jurado que relatou a incrível defesa de absolvi-
ção que o condenado conseguiu através de Romualdo A. Oliveira nos informa da eloquência e
sabedoria que esse republicano tinha sobre o direito.318
Conseguindo livrar o réu da pesada pena que lhe seria aplicada, conquistou-lhe a ab-
solvição. Finda a defesa, o jurado afirmou que o tribuno foi “cumprimentado por muitas pes-
soas, tantos literários como das galerias que o abraçavam”, assegurando “(...) a estreia de Ro-
mualdo A. Oliveira no jury desta cidade foi demasiadamente feliz. Não sendo ele formado,
apenas escritor a 10 anos, e a 2 anos que particularmente advoga, obteve uma palma glorio-
sa”.319 A capacidade retórica de Romualdo, seu autodidatismo, sua inteligência no publicismo
e respeitabilidade adquirida entre os colegas da área jurídica são aspectos elevados sobre sua
pessoa.

317
Das defesas que realizou, destaca a da absolvição de Luis Francisco. Este réu foi preso por porte de arma
desde novembro de 1859, sendo pronunciado no art. 3 da lei 26 de outubro de 1831. Cf, Diário de Pernambuco,
07, set, 1860, p. 2; Outro caso foi do réu Gaspar Claudino dos Santos, pronunciado no art. 201 do cod. criminal,
por ter em 20 de abril de 1871 ferido levemente Severino José Pereira. Romualdo ocupou a cadeira de defesa. O
jury reconheceu que o réu ter cometido o crime mais mesmo assim foi absolvido pelo Desembargador do
referido tribunal. Cf, Diário de Pernambuco, 3, ago, 1871, p. 3 . Esses casos são ilustrativos da atuação desse
rábula, porém não será nosso foco registrar todas as absolvições conquistadas.
318
Diário de Pernambuco, 27, Jul, 1860, p. 2
319
Ibidem.
117
Como advogado sem formação, teve provisionamento concedido pelo Tribunal da Re-
lação, segundo o qual Romualdo Alves defendeu uma gama considerável de réus oriundos das
camadas mais pobres da sociedade.
Esses indivíduos incluíam uma ampla variedade de grupos populacionais, tais como:
escravizados, padeiros, pedreiros, cocheiros, caixeiros, marítimos, calafates. Este público para
o qual estava disposto a tomar causa nas barras dos tribunais, corrobora que esse intelectual
circulou por esferas sociais distintas, tendo sua trajetória marcada por diferentes correntes
teóricas do jurisdicionalismo de sua época, para qual recorria as suas noções de direito para
conquistar à absolvição de seus réus.320
Em suma, aqui não pretendemos nos debruçar sobre tais correntes, mas elas se desta-
cam por ser através do uso da retórica que os advogados oitocentistas expunham tais ideias,
não deixando de recorrer a elas para vencer os casos que defendiam nas tribunas do júri. O
modo como defendia a população pobre que não podia pagar é notória nesse sentido, pois
sempre noticiava que “sendo pessoa pobre defende grátis”, desde os casos classificados como
civis quanto criminais. 321
Nesse rol, percebe-se numa série de ocorrências em que interveio: casos de prisões re-
alizadas por brigas, ofensas físicas, portes de armas, furtos e assassinatos, em sua grande mai-
oria. O desempenho que realiza enquanto advogado poderá se tornar matéria de relevante in-
teresse numa pesquisa posterior.
Em especial, aquele que se destaca quando se trata de investigar a compreensão que
esse rábula tinha a respeito da criminalidade como das maiores implicações sociais que per-
passavam sua época. Porém, deixaremos essa análise para um trabalho futuro, tendo em vista
que nosso foco principal aqui,é sinalizar seu percurso na política e advocacia. No primeiro,
tentou representar cidadãos pernambucanos na Câmara por duas vezes, porém não venceu. No
segundo, se dedicou a profissão por longo tempo, pelo que nos consta por três décadas esteve
nos tribunais de justiça. Pelo que investigamos, advogou no Recife entre 1860 a 1883 e poste-
riormente daria continuidade de sua carreira na Corte do Rio de Janeiro, onde atuou entre
1884 a 1891.

320
Obra crucial para se compreender como atuava os advogados no século XIX, é da historiadora Keila Grin-
berg. Cf, GRINBERG, Keila, O fiador dos brasileiros- cidadania, escravidão e direito civil no tempo de
Antonio Pereira Rebouças, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
321
Gazeta da Tarde, 04, Out, 1884, p. 2
118
Válido sinalizar que era recorrentemente citado no jornal do abolicionista Gazeta da
Tarde do então republicano e famoso abolicionista Ferreira de Menezes e depois de José do
Patrocínio, do que depreendemos que fossem amigos.322
Os dados colhidos e descritos até aqui devem-se a principal referência teórico-
metodológica utilizada para realização desta análise: o método ou paradigma indiciário de-
senvolvida por Carlo Ginzburg.323 A partir de pistas e indícios que sinalizassem o nome de
Romualdo Alves nas seções jurídicas dispostas nos jornais de grande circulação das provín-
cias, pudemos reunir passagens que detalhassem a carreira dele enquanto rábula.
Logramos bons resultados com esse método, pois em várias seções confirmou-se sua
importância na defesa de vários casos réus. No Brasil, o método indiciário tem seus adeptos.
Um deles, que segue a proposta fundamentada pelo historiador italiano, está presente em uma
das obras mais conhecidas de Sidney Chalhoub. Em Visões da Liberdade,324 ao desenvolver
sua brilhante introdução, analisa a incrível sacada que Voltaire atribuiu ao seu personagem
Zadig, o sábio da Babilônia, conhecedor exímio da natureza e dos animais, a ponto de descre-
vê-los sem antes tê-los vistos, o mesmo reconhece-os através das pistas e vestígios, por meio
de detalhada observação. A adaptação do método de Zadig, segundo Chalhoub citando Ginz-
burg, pode auxiliar os historiadores em suas pesquisas em relação ao alcance da dimensão do
pensamento social.
Nessa seara, o historiador procurou demonstrar o papel dos escravos na construção da
liberdade e, como em torno de suas experiências, forjaram-se múltiplas estratégias nas últimas
décadas do cativeiro. Ter pensado nesse método no presente trabalho foi ter percebido que os
vestígios onde se encontra Romualdo Alves nos faz enxergar uma realidade muitas vezes im-
perceptível nos discursos deixados pelo passado. Por meio da reconstituição e cruzamento das
informações desses registros, pudemos reconstruir partes de um quebra cabeça no qual figura
a importância desse republicano engajado em múltiplas causas sociais e políticas de sua época

322
No Recife, através dos jornais encontramos Romualdo defendendo um total de 19 réus, publicados pelo Diá-
rio de Pernambuco e no Jornal do Recife 17 réus. Por volta de 1884, já estabelecido na cidade do Rio de Janeiro
coube ao Jornal do Comércio registrar 10 réus, em o Diário de Notícias defendeu 14 réus; na Gazeta da Tarde 4
réus e, um último réu ainda em 1890, presente n’O Pharol (MG). Em suma, foi advogado de um total de mais de
68 réus, ora conquistando absolvição de suas penas, como amenizando suas sentenças.
323
Este método tem raízes antigas (como nos textos divinatórios da Mesopotâmia e Gregos) até passando pelos
debates da modernidade entre a física e medicina, diante da qual Ginzburg possui o mérito de teorizar acerca de
um método que, historicamente fora tão intensamente utilizado na prática ao longo da humanidade, mas que
teoricamente praticamente não havia pensado. Cf: GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indi-
ciário” In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
324
Chalhoub, Sidney. Visões da Liberdade, uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São
Paulo, Cia. das Letras, 2003.
119
orientadas por um regime monárquico que, a todo instante, insistia em reforçar as diferenças
de classes que predominavam nessa sociedade escravista.
O próprio nome de Romualdo por nós achado em processos crimes por ele assinado é
uma chave importante para encontrá-lo em seu tempo e espaço. Nas fontes usadas, seu nome
aparece por vezes como descrito por “Romualdo Alves de Oliveira”, “R. A. d’Oliveira”,
“Romualdo Alves d’Olivª” e “Romualdo de Oliveira” (ver, fig.9)

Figura 9 - Assinatura de Romualdo Alves de Oliveira. Comarca de Recife - 1879 –


Processo Civil - Processo de Liberdade da escrava Silvéria. 325

A assinatura de Romualdo nos indica duas coisas: primeiro era homem letrado e, se-
gundo, seu nome registrado num processo de liberdade nos indica sua atuação antiescravista
enquanto rábula e republicano no mundo jurídico. Seu projeto de uma república no Brasil não
era uma perspectiva isolada. No decorrer das grandes transformações operadas no contexto do
Império brasileiro, jornais republicanos de várias províncias passaram a difundir esse ideário
marcado por mudanças políticas do governo.
É bem provável que, no decorrer dessas transições, a crítica à organização dos partidos
imperiais que alternavam o poder levou os republicanos a irem a público manifestar suas aspi-
rações políticas logo após as reformas de 1850. Com a promulgação do Código Comercial
brasileiro326 e a proibição definitiva do tráfico em 1850, a província de Pernambuco vivia num
cenário de agitação política revolucionário.
Logo após o dito “período de calmaria da praieira” há o estabelecimento da criação do
Partido da Liga Progressista, uma proposta que levou grupos políticos liberais descontentes e
alguns conservadores dissidentes a se organizarem como partido político. Dentre esses e ou-
tros aspectos, republicanos históricos passam a fazer front com defesa da forma do governo
republicano federativo na província.
325
Processos no Memorial de Justiça. In: Ação de Liberdade. Comarca de Recife - 1879 – Processo Civil - Pro-
cesso de Liberdade da escrava Silvéria. Requerente Romualdo Alves de Oliveira. 1878.
326
Código Comercial Brasileiro. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/lim556.htm.
Acesso: 18/12/2019.
120
Como republicano, Romualdo Alves de Oliveira é um digno representante deste ideá-
rio, procurando, de todas as formas, defendê-lo, antes mesmo da formação do Partido Repu-
blicano no Rio de Janeiro em 3 de dezembro de 1870.
Ao lado de republicanos históricos, como Antonio Borges da Fonseca - que segundo
seu biógrafo Mário Santos, no decorrer de seus 64 anos de vida redigiu mais de 21 periódi-
cos.327
Romualdo, por sua vez, publicou nove impressos, participou de sociedades antiescra-
vistas, exerceu a profissão de advogado, bem como se engajou politicamente em diferentes
redes de sociabilidades políticas do oitocentismo para poder angariar reconhecimento da po-
pulação recifense. Trajetórias semelhantes a dos republicanos Borges da Fonseca e Albuquer-
que Maranhão que também haviam tentado alçar a deputação na província, mas perderam e,
como pudemos perceber, sobreviveram da publicação de impressos republicanos, da tradução
de livros estrangeiros e da atuação na área jurídica.

3.4. Cinco livros

Além de ser jornalista e advogado, esse “intransigente abolicionista e republicano” 328


publicou livros: dois com perfil de aconselhamentos, dois didáticos e dois de cunho jurídico.
Romualdo possuía grande talento em relação aos assuntos que concernem à educação, à ins-
trução e às questões jurídicas.
De certo, a produção dessas obras ajudou-o na complementação de sua renda, mas não
chegaram a se tornar obras de sucesso. Quando noticiava ter escrito livros, enfatizava os inte-
resses imprescindíveis para aqueles leitores que buscavam valorizar uma sociedade justa e
democrática, hasteando o republicanismo de matriz francesa, liberdade, igualdade e fraterni-
dade, na qual justificava que era pela soberania popular que se deveria reger a nação e não
pelo desejo de uma só pessoa, o monarca bragantino.
Unindo as competências de jornalista e de advogado, pelo que é possível acompanhar,
em novembro de 1870, na seção “Publicações a Pedido” do Diário de Pernambuco, recorria
aos amigos para ajudá-lo a promover assinaturas, solicitando “Aos meus amigos e aos que me
quiseram proteger” a compra do trabalho literário O Livro do Povo.
327
SANTOS, op. cit., 1994.
328
Gazeta da Tarde, 02 mar. 1883, p. 2.
121
Com problemas na visão, estava impedido de dar prosseguimento ao término dessa
obra, da qual, nessa época, informava ter apenas concluído oito capítulos.329 No entanto, em
matéria deixou os leitores informados sobre qual seria a estrutura de sua obra, dividida em
doze capítulos com os títulos que se seguem:

1) Adão e Eva e a civilização, 2) Caim e Abel, 3) Jesus Cristo e a civilização, 4) A


mulher virgem, a civilização e os sedutores, 5) As vantagens do casamento, 6) O governo po-
pular e o governo hereditário e a civilização dos povos que sofreram, 7) A escravidão e a civi-
lização, 8) A pena de morte e a civilização dos povos, 9) A civilização mecânica e a civiliza-
ção social, 10) A liberdade política dos povos e a civilização destes, 11) As guerras e seus
330
efeitos destruidores, 12) A civilização dos povos que a elas se prestam .

Interessante notar o caráter instrutivo dos capítulos, tendo em vista que seu autor era
partidário dos princípios democráticos e do ideal civilizatório, tomando-as como garantias
elementares na direção e organização da liberdade na sociedade. Esse ideal dialogava com o
pensamento do autor, pois tais máximas eram constantemente tratadas nos artigos e periódicos
republicanos que redigia.
Das informações que colhemos nos jornais contemporâneos que elogiaram a obra, co-
menta-se “(...) termina o panfleto pela evangelização da necessidade de se proclamar a repú-
blica no Brasil”.331 A publicação, consequentemente, teve seu primeiro volume anunciado -
com mais de 122 páginas, dividida em 12 capítulos - na seção de “Publicações” do Jornal do
Recife onde era possível ler: “Livro do Povo - Analyse à Civilização dos povos de Adão até
este século, é título da obra escrita pelo Sr. Romualdo Alves de Oliveira do qual acaba de ser
publicado”.332Outra obra, Romance Brasileiro: O dinheiro, a sabedoria e a virtude, elaborada
no Recife em 1875, possivelmente trazia orientações relativas a aspectos moralizantes para
leitores que estavam interessados em empreender seus negócios. O gênero “romance” atribuí-
do no título era um artifício para chamar atenção daqueles interessados em obter sucesso na
vida.

329
Em nota explicativa, indicou que “a dezesseis meses que sofro horrivelmente”. Cf: Diário de Pernambuco,
12, nov. 1870. p. 3. Conseguimos rastrear o médico Dr. Francisco Machado Portella responsável por sua melho-
ra. O cunhado desse republicano, irmão de sua esposa é Antonio Faustino C. de Araújo, através do Diário mani-
festou lisonjas a Portella, orientando “para quem quer tratar dos olhos e de alguma gravidade de moléstia a exigir
a sua presença”. Diário de Pernambuco, 06 out 1870. p. 2.
330
Ibidem, p. 2.
331
Gazeta da Tarde, 02 mar. 1883, p. 2.
332
Jornal do Recife, 12 jul. 1871, p. 2.
122
Sabe-se que o recurso não era fortuito, pois segundo o redator da Gazeta essa obra ti-
nha um “fim altamente moralizador, que ele não perde de vista”, por isso considerava “é dig-
na de elogios”.333 O Norte, publicada em 1877 era uma obra que procurou ressaltar aspectos
relevantes direcionadas para as províncias do norte brasileiro. Fundado em argumentos de
ordem histórica e geográfica, percebia, já naquele contexto, como a centralização marginali-
zava outras regiões do império. Nas palavras dos redatores da Gazeta da Tarde que receberam
as brochuras das obras pelo próprio Romualdo, afere-se: “É um belo trabalho, em que se ad-
voga uma causa demasiado justa, com argumentos irrefutáveis”.334
As produções de textos voltados às questões jurídicas possuem uma pequena diferença
em seus nomes, mas cujo teor sustenta igual conteúdo. São assuntos relacionados à emancipa-
ção e ao direito da mulher. Expõem e tratam de leis que pudessem ser aplicadas na sociedade
brasileira, mediante a limitação do código penal que muitas sofriam na época.
Tratar de temas em que se sustentava a defesa da mulher, exigia de Romualdo certo
conhecimento das leis estrangeiras - que pouco a pouco, vinham dando destaque aos direitos
das mulheres no campo político. E foi por meio dessa base estrangeira que procurou contribu-
ir na formulação de proposições, cujo fim visava superar as lacunas vigentes no código jurídi-
co, que esbarravam a todo o momento na hora de julgar os agressores.
A primeira obra desse cunho tratava-se “A honra da mulher perante o direito crimi-
nal”, divulgada no Recife em 1876, escrita em “linguagem enérgica e precisa”.335 Por seu
turno, “O crime de estupro e suas consequências”, escrita por volta de 1888, é de uma rele-
vância singular pelo conteúdo que tratava. Foi impressa pela Tipografia Gazeta de Notícias,
sob muitas dificuldades. Na introdução, o autor agradece com elogios “Ao III. Sr. Dr” onde,
“impossibilitado de publicar (...) por dificuldades insuperáveis um conhecido meu aconse-
lhou-me que falasse ao Dr. ***”.336 Através de 51 páginas o autor trata de um assunto delica-
díssimo, sinalizando importância de um dos aspectos relacionados ao “Direito Criminal Bra-
sileiro”, por entender que “o crime da ofensa ao pudor da mulher brasileira não está na órbita
de nossa civilização e da moral, e que precisa de uma lei para tal assunto” dada essa falta rea-
liza “uma especial atenção sobre os artigos 219 até 225”. (fig. 10),337

333
Gazeta da Tarde, 02 mar. 1883, p. 2
334
Idem.
335
Ibidem.
336
O crime de estupro e suas consequências. Tipografia Gazeta de Notícias. Rio de Janeiro, 1888.
337
Idem, p. 5.
123
Figura 10 – Direito Criminal: O crime de estupro e suas consequências. Typografia Gazeta de
Notícias. 1888, Biblioteca Nacional.

Por conta de ser melindroso o assunto sobre o qual refletia, o objetivo que moveu este
autor a encarar o tema havia se dado “pôr vermos que ninguém dele se tem ocupado”, saben-
do que esse direito faz parte da garantia daqueles inerentes à liberdade individual e moral.
Estabelecendo uma minuciosa relação entre questões morais e liberdade, afirma: “E, como
esses direitos chegam até a mulher, nós procuramos demonstrar que ela, como o homem, deve
ter confiança nas disposições penais”. 338 Para o autor, os legisladores do Código Penal não
haviam dado atenção peculiar a esse crime “desde 1840 para cá”, considerando-os “indiferen-
tes”. A esses entes competiam estabelecer reformas necessárias para que a igualdade propor-
cional entre homens e mulheres fosse conquistada, principalmente naquilo que consiste a ob-
tenção dos interesses sociais e políticos na sociedade brasileira.339
Contudo, o que percebemos é que no contexto dessa análise, Romualdo refletiu sobre
um importante assunto que desembocava para temas que discorriam sobre direitos de igualda-
de e liberdade da mulher, debate bastante caro para uma época em que a cultura patriarcalista
estava em pleno vigor, frente às mudanças de uma sociedade que transacionava da cultura da
mão de obra escrava para um regime de trabalho livre pleno.340

338
Ibidem, p. 6.
339
Ibidem,
340
Duas obras de Freyre são importantes para compreensão desse contexto: Cf: FREYRE, Gilberto. Ordem e
Progresso. São Paulo: Global Editora, 2004; e do mesmo autor: Sobrados e Mucambos. São Paulo: Global Edito-
ra, 2004.
124
Já na Corte, em meados de 1880, sua atuação republicana continua sendo engajada,
tendo em vista que sua presença é forte nos ciclos republicanos da capital carioca. Nessa épo-
ca, o movimento republicano ganha seu maior destaque, afinal, a rua era ressignificada como
percebeu a historiadora Maria Thereza Chaves de Melo.341 Nesse processo de cultura demo-
crática no final do Império, há o surgimento de dezenas de pasquins que passam a inundar a
cidade carioca.
Quem analisou esse surto pasquineiro foi Rodrigo Cardoso S. de Araujo em sua disser-
tação que virou livro, chegando a demarcar a revalorização política praticada por esses im-
pressos em diferentes espaços públicos. Para Rodrigo, “os pasquins, que circularam nos pri-
meiros anos desta década, tiveram um papel importante neste processo de revalorização sim-
bólica do papel político concernente à sociedade civil”.342
Nos bastidores desse movimento, Romualdo Alves lutava persistentemente por um
governo democrático, assim como faziam os pasquins republicanos na capital do império. Por
meio de suas convicções políticas não deixou de publicar textos para qual, reiterava sempre a
importância da população aderir aos princípios republicanos em prol de seu posicionamento
de abolição imediata, tal como vimos nos artigos que o mesmo publicizara por escritos ou
convocando a participação do povo nos movimentos de rua contra destituição do império bra-
sileiro, aliada ao abolicionismo na cidade carioca.343
Ao tomar “As palavras como armas”344 para defender aquilo que propugnava, conside-
rava que a liberdade dos escravizados há tempos deveria ser efetuada. Seu engajamento nos
clubes republicanos cariocas, explorou o máximo de reuniões que existiram nesses clubes
para, por meio desses espaços, conquistar apoio político. Na pesquisa realizada, encontramos
esse republicano presente no Club Tiradentes, cujo presidente era o poeta Mathias Carva-
lho.345 Obtivemos a informação da presença de Romualdo neste clube através do Diário de
Notícias.

341
MELO, Maria T. Chaves de. A República consentida: cultura democrática e científica do final do Império.
Rio de Janeiro: FGV/Edur, 2007.
342
ARAÚO, Rodrigo Cardoso Soares de. Pasquins: Submundo da imprensa na Corte Imperial (1880-1883). 1
edição, Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2012.p. 229.
343
CARVALHO, José Murilo de. História intelectual no Brasil: a retórica como chave de leitura. Topoi, Rio de
Janeiro, v.1, n.1, 2000. pp. 123-152.
344
O Liberal, 25 mai. 1873, p. 4.
345
O Clube Tiradentes, segundo José Murilo de Carvalho foi criado em 1882 por republicanos abolicionistas
contra a colocação da estátua de D. Pedro I no local do enforcamento de Tiradentes. Tal insatisfação configurou-
se na dedicação destes republicanos, sobretudo na capital do Império e em São Paulo, à tarefa de recuperar a
imagem do inconfidente. Cf: CARVALHO, José Murilo de. O Código Tiradentes. In: Estudos Avançados, São
Paulo, v. 32, n. 92, 2018. p. 143.
125
Nesse clube participaram os jornalistas republicanos, Quintino Bocaiúva, dentre outras
figuras de proa do abolicionismo da Corte, como “Vicente de Souza, Luiz Nóbrega e Cyro
Azevedo, José do Patrocínio, dentre outros”.346
Já no final de sua carreira o desaparecimento de Romualdo na imprensa, ocupou certa
preocupação na imprensa fluminense. Em 16 de novembro de 1888, alguns meses após da Lei
Áurea, o jornal Diário de Notícias noticiava que estava vivo “um dos ornamentos do foro e
das conferências abolicionistas”. Imaginava-se que “Romualdo bem se podia ter mudado des-
ta para melhor, empregando o meio condenando pelo nosso colega Eloy, o heróe Figueiredo
Coimbra e outros inimigos do suicídio”, visto que, vários suicídios estavam acontecendo na
cidade do Rio. Sobre esse último assunto, ele não é foco de nossa matéria. Mas o que é fun-
damental é que este jornal enfatizava principalmente “o esquecimento... do Romualdo”.
Provavelmente, era um dos seus amigos da imprensa, dando vivas ao republicano his-
tórico que se encontrava na propriedade de seu genro no “hotel Familiar Sapucaiense”. 347 Da-
do seu desaparecimento, alguns jornalistas sentiram sua falta, pois sem ao menos escrever
“uma linha que tranquilizasse seus amigos”, declarava o redator: “é impossível que Sr. Romu-
aldo não tivesse lido as notícias declamatórias sobre a sua morte provável”. 348 A Gazeta de
Notícias também tratou do mesmo assunto.
Em matéria do dia 24 novembro, na seção intitulada “Apareceu”, informava que as fo-
lhas da cidade tem noticiado o desaparecimento do republicano abolicionista, julgando-se que
ele tivesse se suicidado. Registrava-se que estava na Vila de Sapucaia, como se vê presente na
Gazeta de Sapucaia, publicada no dia 22 corrente. 349
O historiador se depara com dificuldades em fazer tais análises do ponto de vista do-
cumental. Com isso, consideramos que existem mais questões abertas do que respostas sobre
a trajetória de Romualdo de Oliveira.
Em suma, ao tratar desse sujeito histórico republicano percorremos as profissões que
ele procurou exercer em vida, assim como seu contexto social e de seu deslocamento do nor-
deste para a corte do Rio de Janeiro. Nessa pesquisa foi possível destacar algumas breves con-
siderações baseadas na própria narrativa dos impressos de republicanos históricos sobre o
tema da abolição e republicanismo.

346
Diário de Notícias, 23 abr. 1886, p. 1.
347
O jornal informa que o Sr. Álvaro da Costa Dias era seu genro.
348
Essa informação pode ser encontrada no Diário de Notícias 16 nov, 1888, p. 1 e 25, nov, 1888. p. 1; Ver
também na Gazeta de Notícias, 24, nov. 1888, p. 1.
349 Gazeta de Sapucaia, 22, nov, 1888.
126
A partir da trajetória de Romualdo Alves de Oliveira, tomamos como análise compre-
ensiva das redes de sociabilidades que esses democratas, defensores da abolição da escravidão
procuraram difundir em Pernambuco, antes mesmo das últimas décadas da abolição e institui-
ção da república brasileira. As fontes impressas produzidas por esses intelectuais letrados,
demarcam, dessa forma, a importância que certas trajetórias de republicanos do período da
praieira até a formação do partido, empreenderam em vida, cujas lutas se tornaram uma reali-
dade dada: a liberdade, em 13 de maio de 1888, e posteriormente, a instituição da república
no ano seguinte. Romualdo Oliveira se destaca por suas articulações e produções intelectuais,
seja na imprensa do norte, como do sudeste, aonde veio a falecer por volta de 1895.350

350
Romualdo Alves veio a falecer na Capital Federal no dia 13 de janeiro de 1895. Foi enterrado no Cemitério
São João Batista, localizado no bairro Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.
127
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na historiografia do movimento abolicionista e até mesmo do movimento republicano,


é comum nos depararmos com determinadas percepções que não condizem a respeito de sujei-
tos históricos que trabalharam durante suas trajetórias em torno do projeto republicano, articu-
lando justiça e direitos sociais como motores do cotidiano da população brasileira.351
Por esses e outros motivos, é comum que exista vasta bibliografia relacionando apenas
a participação ativa dos partidos monárquicos (liberal e conservador) em torno da questão
servil. Vale lembrar que ao nos voltarmos para um conjunto dos impressos de republicanos no
Recife, demonstramos como esses grupos para além de propagar o republicanismo, debateram
questões sociais, apontando medidas emancipatórias que deveriam se realizar em prol de suas
liberdades. Como vimos, a tradição local de republicanos históricos nesta província advinha
de sujeitos históricos que participaram e empunharam as bandeiras políticas das revoluções
pernambucanas de 1817 e de 1824.
Nessa tarefa se encarregaram de divulgar por meio de sua incipiente imprensa, os ide-
ais de liberdade e igualdade oriundos da tradição republicana de matriz francesa, aliando tais
sentimentos aos valores relacionadas ao antiescravismo, posição contrária do imobilismo e
oportunismo352 que são remetidas aos seus herdeiros políticos.
Estes sujeitos históricos, composto de profissionais liberais das mais diversas catego-
riais - comerciantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, jornalistas - parte delas
formada pelas instituições monárquicas e outros não. Ao trazer, nos seus impressos, matérias
sobre a escravidão, enfatizavam o inverso que tem sido afirmado pela historiografia brasileira.
Tal como Heloísa Starling assevera:

351
Esse argumento está presente na obra mais recente sobre os republicanos no Brasil. Cf, STARLING, Heloisa.
Ser republicano no Brasil Colonial. Companhia das Letras, 2018.
352
De acordo com Maria de Lourdes Mônaco Janotti os primeiros cronistas da história republicana atribuíram
aos republicanos “um comportamento caracterizado pelo oportunismo e ausência de princípios”, reconhecendo
que em meio à crise da monarquia na segunda metade do século XIX, as duas forças do “abolicionismo e repu-
blicanismo” ao emergirem no cenário político “Ambas se prestariam a apressar o fim do sistema bipartidário”.
JANOTTI, Maria de Lourdes. “A República – oposições e consolidações”. In: AMARAL LAPA, op. cit., 1990,
p. 52.
128
Nem os liberais republicanos nem os positivistas investiram no tema da extensão da
cidadania ou tentaram responder ao problema do universo de pessoas que deveriam
participar da República. Não é difícil de compreender o motivo. O ponto nevrálgico
para todos eles era a escravidão e, em seguida, o conjunto da população de homens li-
353
vres, pobres e libertos.

Diferentemente dos republicanos do centro-sul brasileiro, os republicanos liberais e


positivistas do Recife, ao difundirem o republicanismo ligado às tradições das revoltas de
1817, 1824, 1833 e, em especial a de 1848, nos seus órgãos de imprensa, mantiveram-se liga-
dos a uma geração de inspiração de matriz francesa e também americana, cujos princípios
políticos e sociais eram voltados às concepções de cidadania, direitos políticos e sociais e pro-
curaram responder ao problema dos rumos da instituição escravista.
Os jornais republicanos recifenses, ao explorar a mão de obra escrava e os projetos de
libertação que a Coroa aos poucos discutia, por exemplo, aliaram seu projeto de extinção da
abolição a um posicionamento republicano, carregando no frontispício de seus impressos a
tríade: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.
Ao manifestarem esses direitos políticos, civis e sociais para o povo pernambucano,
sinalizavam para qual ideal de cidadania e democracia propugnavam, cuja fonte de inspiração
variava da matriz americana para os ideais da república francesa. Ao se demonstrarem anties-
cravistas, os jornais republicanos aqui trabalhados foram fundamentais para a consolidação e
difusão do movimento republicano e abolicionista, antes mesmo de crise do regime monár-
quico.354 Para além da maioria deste conjunto de impressos serem emancipacionistas, havia os
adeptos da abolição total da escravidão, como foi o caso de Romualdo Alves de Oliveira.
Com isso, reconhecemos as pesquisas atuais que tem ampliado o arco do ativismo político,
em especial, a do movimento social da abolição que tem explorado a trajetória de intelectuais
oitocentistas, porém são parcos ainda os que destaquem o protagonismo de republicanos abo-
licionistas engajados na luta antiescravista nas várias províncias do Estado-Nação, antes
mesmo da configuração do Partido Republicano e do Movimento Abolicionista ganhar os
contornos políticos de movimento social.355

353
STARLING, op. cit. Ser republicano no... 2018, p. 250.
354
SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: a Formação da Identidade Nacional no Brasil do Segundo Reinado.
Rio de Janeiro: Topbooks, 1996.
355
Perspectiva histórico-sociológica trabalhada pela historiadora e socióloga Angela Alonso na sua tese de livre-
docência, defendida na FFLCH-USP, em dezembro de 2012. Cf. ALONSO, Ângela. Flores, votos e balas: o
129
Pode parecer incomum para a historiografia, porém, a pesquisa realizada sobre os re-
publicanos aqui tratados prova que existiram sujeitos históricos anônimos que sequer foram
reconhecidos em vida, mas em sua militância política atuaram em diferentes frentes para que
o princípio em que acreditavam se tornasse no tempo presente uma realidade.
A produção impressa desses republicanos aqui explorados foi possível porque eles
produziram bastante em seu tempo, e suas inscrições nestas documentações desvelam parte
componente de um processo histórico que envolveu diferentes agências, sonhos, lutas, contra-
dições, assim como, mobilizaram grande parte da sociedade e a população no processo que
desembocou na estruturação do partido republicano e da república, por conseguinte, na con-
cretização da abolição da escravidão brasileira. Resgatar suas histórias através dos impressos
nos mostrou ser um bom caminho metodológico, pois há vastas documentações por eles pro-
duzidas, fontes riquíssimas para entender o pensamento social desse grupo que merecem uma
maior atenção em trabalhos futuros.
O reconhecimento e valorização a esses tribunos não deve ser medido, apenas, por es-
tarem na vanguarda dos debates políticos e sociais que empreenderam, mas também por obra-
rem pelos direitos políticos do povo, sejam através de passeatas, meetings, como de socieda-
des e organizações políticas. No Brasil oitocentista, os republicanos históricos recifenses e sua
imprensa exerceram papéis indispensáveis na configuração do partido republicano e foram
vitais para formação dos ideais democráticos do país.
Em suma, ao olhar a militância desses republicanos da segunda metade do século XIX,
somos pegos em flagrante porque ao atuarem em diferentes frentes na sociedade exclusiva do
século dezenove, o ativismo didático dos periódicos e articulação das reivindicações sociais
desses grupos, servem como fonte de inspiração para enfrentarmos a desvalorização que vi-
vemos com o governo republicano atual. É por esses e outros caminhos que momentaneamen-
te apresentamos este trabalho.

movimento abolicionista brasileiro (1868-88), Editora: Companhia das Letras, 2015. Da mesma autora ver, “O
abolicionismo como movimento social”. In: Novos Estudos. In: CEBRAP, v. 100, p. 1-30, 2015.
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A Tesoura
A Tesoura (homônimo)
A República
A República (homônimo)
A Luz: Periódico Republicano
A Lanterna
A Voz da Mocidade
A Lanterna de Diógenes
A Voz do Povo — órgão democrático
A Marqueza do Linguarudo
A Mãe do Linguarudo
A Duqueza do Linguarudo
A Liga Operária
A Princesa Linguaruda
A União Democrática
O Apostolo do Norte
O Artista Pernambucano
O Brado da Miséria
O Brado do Povo
O Brasileiro - Periódico Republicano
O Povo
O Democrata
O Constituinte
O Democrata Federativo
A Formiga
O Democrata Pernambucano
O Kossuth
O Americano
Outeiro Democrático
A América Illustrada
146
República Federativa: Órgão do Clube Republicano no Recife
O Pernambucano
O Republicano Federativo
O Peregrino
O Alfinete
O Rebate
O Nacional
Tribuna do Povo

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fe, 1852; Reedição: Recife, Conselho Estadual de Cultura, 1979.

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Biblioteca Nacional, 1954. Doc. In: Autos do Inquérito da Insurreição Praieira, Recife:
1849, Brasília: Senado Federal, 1979, pp. 107-109.

Divisão de Manuscritos da Biblioteca Nacional. Ofício do Desembargador Ouvidor


Geral do Crime da Relação Gustavo Adolfo de Aguiar ao Ministro da Justiça Lúcio Soares de
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república. 1829.

Ofício do Desembargador Ouvidor Geral do Crime da Relação Gustavo Adolfo


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L. I. R., Pernambuco, 1840. (Biblioteca Nacional).

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Schwarcz ; apresentação [feita pelos organizadores], com a colaboração de Teresa Cruz e
Silva.- Salvador: EDUFBA, 2014.

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Lei de 7 de novembro de 1831.


Lei de 4 de setembro de 1850 (Lei de Eusébio de Queirós).
Lei 2.040, de 28 de setembro de 1871 (Lei Rio Branco ou Lei do Ventre Livre).

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