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A PROTEÇÃO JURÍDICA EM CASOS DE ESTUPROS DE

VULNERÁVEIS POR CRITÉRIO ETÁRIO: ANÁLISE A PARTIR DE


UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA, CRÍTICA E FEMINISTA

JURIDICAL PROTECTION IN PRESUMED RAPE BY AGE


STANDARD – AN ANALYSIS FROM THE HISTORICAL, CRITICAL
AND FEMINIST PERSPECTIVE
Gabriela Lerri Manoel ¹
Gabriela Vidigal Santos ²
Stéfanie dos Santos Spezamiglio³
EIXO TEMÁTICO: Infância, Juventude e Criminalidade

RESUMO: O trabalho analisa a relativização da vulnerabilidade dos menores de catorze


anos nos crimes de estupro. A argumentação será focada em estabelecer uma possível
vinculação entre a cultura do estupro e as decisões dos tribunais. Assim, buscar-se-á analisar a
proteção jurídica à esses menores, desde uma contribuição histórica e dogmática. Em seguida,
analisaremos o tratamento institutional dos tribunais dado às vítimas, menores de catorze
anos, do crime de estupro a partir da revisão da bibliografia. Finalmente, estabelecer-se-á
uma vinculação entre esta e as práticas dos tribunais. Para atingir o objetivo, a perspectiva
metodológica empregada cruza a análise do tipo penal com a historicidade do trato da vítima
do estupro nos tribunais e o contexto social que corrobora com a culpabilização da vítima.
Palavras-chave: cultura do estupro, culpabilização da vítima, estupro de vulnerável por
critério etário.

ABSTRACT: This essay analyses relativization of etary criteria in cases concerning


presumed rape of underage victims by Brazilian Court of Law practice. Efforts are focused in
discussing a possible association between socialization in rape culture and Court of Law
decisions. Firstly, Brazilian Legal Protection over underage victims will be addressed in a
historical and dogmatical perspective. In sequence, the discussion will focus on how
institutional treatment given by Brazilian Courts of Law to underage rape victims can be
perceived, parting from evidence presented by literature. Lastly, it will present how an
association can be established between rape culture socialization and Court of Law practice.
To achieve that objective, the methodological approach of this study employs either a legal

¹Graduanda do curso de Direito na Universidade do Estado de Minas Gerais.


²Graduanda no curso de Direito na Universidade do Estado de Minas Gerias. Membro do Desconstrua-
Grupo de Pesquisa em Direitos Fundamentais, Políticas Públicas e Minorias, da UEMG.
³ Orientadora. Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (USP-FDRP), Bacharel em Direito
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP).Advogada.
analysis of penal standards, a historical review of institutional treatment regarding underage
rape victims and a context analysis of Brazilian’s sexist and misogynist cultural background.
Key-words: rape culture, blaming the victim, presumed rape by age criteria.

1 INTRODUÇÃO
A importância da presente discussão mostra-se uma vez que a infância e a
adolescência são bens jurídicos de tutela Estatal e assegurar o pleno desenvolvimento da vida
e da dignidade sexual dessas pessoas é garantir que serão entendidas como sujeitos de
direitos, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil e o Estatuto da Criança e
do Adolescente aduzem. A pesquisa conta com três eixos principais. O primeiro busca
levantar dados históricos acerca do tratamento da vítima de abuso sexual através dos códigos,
com ênfase no de 1940 e o Código de Mello Matos, ambos responsáveis pela inserção de
direitos à criança e adolescente, como de mulheres dentro do processo penal. O segundo
tópico, assume a análise sociológica crítica feminista que busca compreender a maneira como
ocorre a prática dos tribunais brasileiros no que se refere a aplicação do artigo 217-A do
Código Penal. Por último, o terceiro tópico, ocupa-se da delimitação do tema cultura do
estupro atuante não apenas na sociedade civil, mas inserida dentro do contexto das decisões
dos tribunais, que perpetua a ideia de que a vítima alvo do estupro tem responsabilidade nos
crimes cometidos contra ela, com ênfase no caso do vulnerável por critério etário.
A análise se coloca, sobretudo, a partir da relativização da vulnerabilidade de menores
entre 12 e 14 anos, a faixa etária considerada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como
adolescência. Esses menores, não sendo mais crianças abriria uma interpretação divergente
sobre o consenso da vulnerabilidade absoluta por critério etário, retirando do agente infrator a
culpa pelo ato sexual. Compreendemos que não se pode tomar a idade biológica como critério
único e absoluto para a compreensão do consentimento sexual da menoridade. Já que a idade
biológica está associada a moralidades específicas da construção histórico cultural das
sociedades e seria realmente mais efetivo compreender a idade associada a outras assimetrias
como a de gênero e a de classe. No entanto, ao considerar os números expressivos da
violência sexual no Brasil, o contexto social de machismo e misoginia presentes inclusive,
dentro do judiciário, e a compreensão de que o sexo entre um adulto e uma
criança/adolescente configura uma relação abusiva, partimos em defesa do cumprimento do
artigo 217-A do Código Penal.
2 ANÁLISE HISTÓRICA DOGMÁTICA DA PROTEÇÃO JURÍDICA PENAL EM
CASO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEIS POR CRITÉRIO ETÁRIO NO BRASIL

O cenário brasileiro no que tange os direitos da criança e do adolescente, passou por


grandes mudanças nos últimos cem anos. Antes da década de 90, ano de criação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), não havia normas de proteção à criança e ao adolescente,
assim sendo, havia a compreensão de que não eram considerados sujeitos de direito para o
Estado (LENZI, 2015, p.7). O ordenamento jurídico brasileiro, em tempos pretéritos, contava
com o chamado Direito do Menor, o qual orientava a política infanto-juvenil através do
Código de Menores, diploma advindo de uma cultura que coisificava a infância, cujo qual
entrou em vigor a partir do ano de 1923 e tinha um forte caráter assistencialista, protecionista
e controlador, consistindo num verdadeiro mecanismo de intervenção sobre a população
pobre (COSTA, 2015, p.7).
É neste contexto que surge o Código de Menores em 1927, o primeiro documento legal
para a população menor de 18 anos, conhecido como Código Mello Mattos, que buscava
legislar sobre crianças de 0 a 18 anos, em estado de abandono, quando não possuíssem
moradia certa, tivessem os pais falecidos, fossem qualificados como vagabundos, mendigos,
de maus costumes, fossem prostitutos ou economicamente incapazes de suprir as necessidades
de efeito de ausência (LENZI, 2015, p.8), atribuindo, então, ao Estado a tutela sobre o menor.
Criou-se uma diferença entre a criança e o menor, que a princípio não estava relacionada à
idade, pois o termo “menor” era dado às crianças e adolescentes marginalizados e
delinquentes das camadas mais pobres, enquanto as crianças das famílias mais abastadas não
recebiam este termo (COSTA, 2015, p.10).
O Código Penal de 1940 foi o primeiro a instituir a presunção de violência para o crime
de estupro praticado contra menores de 14 anos, até então, as descrições de crime de estupro
constantes do Código Criminal de 1830 e do Código Republicano de 1890 não previam
qualquer tipificação específica para o crime praticado contra menores de catorze anos,
tampouco traziam hipóteses de agravamento de pena para essas situações. A evolução
legislativa constante do Código Penal de 1940 foi reflexo de uma nova concepção da infância,
considerada em seu contexto de fragilidade e subjetivação, a inspirar um compartilhamento
social do cuidado e da responsabilidade pela preservação do ser em desenvolvimento (SILVA,
2014, p.4; 78).
Contudo, na década de 40, quando foi publicada a primeira redação do Código Penal
brasileiro, por meio da Lei nº 2848/40, reinava um quadro extremante conservador, em que
mulheres e crianças não possuíam poder algum perante a sociedade, uma vez que todo poder
se encontrava nas mãos do patriarca da família (LENZI, 2015, p.8). A exemplo do delito de
estupro, que foi originalmente inserido no art. 213 do Capítulo I, que versava acerca “Dos
crimes contra a liberdade sexual”, do Título VI, que tratava “Dos crimes contra os costumes”,
com a seguinte redação: “Constranger mulher honesta à conjunção carnal, mediante violência
ou grave ameaça” (ROSSI, 2015, p. 39). Destaca-se que a compreensão de “mulher honesta”
foi posteriormente retirada da definição do crime de estupro, mas, foi mantido na tipificação
de outros delitos, como posse sexual mediante fraude (art. 215), o atentado ao pudor mediante
fraude (art. 216) e o rapto violento mediante fraude (art. 210) (ROSSI, 2015, p. 39).
A compreensão de mulher honesta pairava sobre a moral conservadora da década, nos
crimes sexuais nunca o homem era tão algoz que não poderia ser, também, um pouco vítima,
e a mulher nem sempre era a maior e a única vítima dos seus pretendidos infortúnios sexuais,
o que além do conservadorismo explícito, também mostrava um discurso de culpabilização da
vítima. Dessa maneira a construção social da vítima perfeita de estupro partia da ideia de que
a castidade feminina deveria ser protegida. Tratava-se de uma questão moral, a virgindade era
o atestado de bons antecedentes, logo a virgindade era não somente o status físico do hímen
intacto, era também, a representação da honra que foi maculada (SOUSA, 2017, p.7).
Outro exemplo da amenização histórica do sofrimento da vítima é a redação do art. 107,
cujo qual excluía a punibilidade pelo casamento do autor do crime de estupro com a vítima
(BRASIL, 1940). Dessa forma, o acusado caso aceitasse se casar com a vítima, recebia o
perdão do Estado, uma vez que era mais relevante para a vítima, sob o ponto de vista social,
que o mal que lhe foi causado pelo estupro ou atentado violento ao pudor, fosse reparado pelo
casamento, e por conseguinte, via cessada a persecução penal contra o seu ofensor (apud,
CAPEZ, 2017,p. 603). Além de previsto no Código Penal, o casamento entre a vítima menor
dezesseis anos e o agente de crime sexual foi amparado pelo Código Civil de 2002 no art.
1.l520: “Excepcionalmente, será permitido o casamento de quem ainda não alcançou idade
núbil (art. 1.517), para evitar imposição ou cumprimento de pena criminal ou em caso de
gravidez” (BRASIL, 2002).
A primeira alteração realizada no tipo penal do estupro do Código Penal de 1940
ocorreu por meio da Lei Federal n 8.069-1990, conhecida como Estatuto da Criança e do
Adolescente, a qual acrescentou o parágrafo único ao artigo 213, prevendo pena de quatro a
dez anos de reclusão nos casos em que a ofendida fosse menor de catorze anos de idade
(ROSSI, 2015,p. 39). Ainda no plano positivo interno, a reforma instituída pela Lei n.12.015
de 2009, modificou a disciplina do tema no Código Penal, alterando a nomenclatura do Título
VI de “Crimes contra os Costumes” para “Crimes contra Dignidade Sexual”, além de inserir
capítulo específico relativo aos crimes sexuais contra vulnerável, seja na modalidade abuso
sexual, seja na modalidade exploração sexual (SILVA, 2014, p. 4). Outra grande mudança foi
em relação a antiga denominação “presunção de violência”, trazida pelo art. 224, que tinha a
seguinte redação: “Presume-se a violência, se a vítima: a) não é maior de catorze anos;b) é
alienada ou débil mental e o agente conhecia esta circunstância; c) não pode, por qualquer
outra causa, oferecer resistência”. (BRASIL, 1940).
Destaca-se ainda a alteração da própria nomenclatura conferida ao Título VI, pois a
expressão “crimes contra os costumes” foi substituída por “crimes contra a dignidade sexual”,
dando relevo à dignidade sexual, que está diretamente vinculada à liberdade e ao direito de
escolha de parceiros (ROSSI, 2015, p. 42). Visto isso, os tipos penais que têm como objetivo
tutelar o bem jurídico liberdade estão inseridos em um capítulo específico, do Título I da
Parte Especial do Código Penal, que trata “Dos crimes contra a pessoa” (art’s. 121 a 154). No
entanto, dentro da liberdade geral, como exercício da própria sexualidade e, de certo modo, a
disposição do próprio corpo, trata-se de um bem jurídico merecedor de uma proteção penal
específica, não sendo suficiente para abranger toda sua dimensão a proteção genérica
concedida à liberdade em geral (BITERCOURT, 2018, p. 45).
Com o afastamento do julgamento moral no tocante aos crimes contra a dignidade
sexual, foi entendido como faculdade individual de escolher livremente não apenas o parceiro
ou parceira sexual, como também quando e onde, além de como exercitá-la e, ademais, é
constituído como um bem jurídico autônomo, independente, distinto da liberdade geral, com
contexto valorativo de regras (não jurídicas) que disciplina o comportamento sexual nas
relações interpessoais, pois estabelecerá os parâmetros de postura e de liberdade de hábitos,
como uma espécie de cultura comportamental, que reconhece a autonomia da vontade para
deliberar sobre o exercício da liberdade sexual de cada um e de todos livremente. Em 1959 ,
destaca-se a Declaração Universal dos Direitos da Criança através da Organização das
Nações Unidas (ONU), estabelecendo que a partir de então, as crianças e adolescentes são
reconhecidos como sujeito de direitos, protegidos integralmente pelo Estado (LENZI, 2019, p.
7).
A Lei n° 8.069, em 13 de julho de 1990 foi responsável por implementar o Estatuto da
Criança e do Adolescente no Brasil que dispõe sobre a proteção integral à criança e ao
adolescente (art. 1°), sendo considerado criança, para os efeitos da Lei, a pessoa até 12 (doze)
anos de idade incompletos, e adolescente àquele entre 12 (doze) e 18 (dezoito) anos de idade
(art. 2°) (BRASIL, 1990). A criação deste documento transparece a preocupação do legislador
em garantir o pleno desenvolvimento das capacidades físicas e intelectuais desses seres,
garantindo seus interesses de maneira integral e prioritária (LENZI, 2019, p. 18).
Assim, a violência física ou moral empregada nos crimes de estupro e estupro de
vulnerável, por exemplo, constitui, em si mesma, violação da liberdade individual, mas sua
incidência direta e específica na liberdade sexual lhe dá autonomia delitiva, distinguindo-a de
outras infrações genéricas contra a liberdade, tais como constrangimento ilegal, ameaça, lesão
corporal, entre outras, que são afastadas pelo princípio da especialidade (BITENCOURT,
2018, p. 36). Na realidade, o conteúdo essencial desses crimes não se limita à transgressão da
liberdade alheia, mas se concentra na intimidação com que tais crimes sexuais são praticados
contra a vontade da vítima, caracterizando crimes complexos.
Além disso, as condutas caracterizadoras do crime de estupro foram ampliadas, visto
que hoje a expressão “estupro” consiste na conduta do agente que constrange alguém,
mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com
ele se pratique ato libidinoso, logo, há uma virada de ótica, uma vez que na redação anterior, o
sujeito passivo do crime de estupro era somente a mulher e o sujeito ativo apenas o homem,
sendo que a mulher só responderia pelo ilícito em hipótese de concurso de pessoas e na
condição de coautora ou partícipe. Contudo com as mudanças trazidas em 2009, passou a ser
definido como um crime comum, isto é, pode ser praticado ou sofrido, indistintamente, por
homem ou mulher (ROSSI, 2015, p. 43).
Com as alterações trazidas pela Lei nº 12.015 de 2009 e consequente a inclusão do tipo
autônomo previsto no artigo 217-A do Código Penal, com sanção própria, ficou evidente a
visão do legislador quando o assunto é o objeto jurídico a ser tutelado, o qual, em suma, é a
dignidade e liberdade sexual do menor de 14 anos ou daquele que, por enfermidade ou
deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a pratica do ato, ou que por
qualquer outra causa, não pode oferecer resistência (DELAZERI, 2015, p. 56). Por
conseguinte, a vulnerabilidade passou a ser questão protegida pela legislação, deixando de
lado a questão da presunção da violência empregada, uma vez que a proteção agora recai
sobre a dignidade da menor vulnerável, a violência não é mais presumida ou aplicada, a
análise é feita sob a ótica da idade da vítima (caput do art. 217-A).
Nesse mesmo sentido, a Súmula 593 do Supremo Tribunal de Justiça, veio para
pacificar as divergências relacionadas ao crime de estupro de vulnerável, determinando que
não é possível a relativização da vulnerabilidade por critério etário. Isto porque as súmulas
são o resultado da jurisprudência dominante nos tribunais superiores e servem para
proporcionar maior estabilidade jurídica e simplificar o julgamento das questões que são mais
submetidas ao Judiciário (FURTADO, 2018, p. 34). Assim, discorre o texto: “O crime de
estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com
menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato,
sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente”
(Súmula 593, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 25-10-2017, DJe 06-11-2017).

3 ANÁLISE SOCIOLÓGICA DO TRATAMENTO JURÍDICO DOS CASOS DE


ESTUPRO DE VULNERAVEIS POR CRITÉRIO ETÁRIO NO BRASIL
O Brasil, segundo dados do Anuário de Segurança Pública do primeiro semestre de
2020, registrou 22.201 casos de abuso sexual contra crianças e adolescentes do sexo feminino.
O Ministério Público do Paraná (MPPR), aponta para uma preocupação, o aumento dos casos
em comparação com 2019 (18.903), o que coincide com um momento crítico para o
enfrentamento deste tipo de violência. Já que desde 2019, os programas federais foram
descontinuados e a desarticulação entre entidades da sociedade civil e entes governamentais
passaram e passam um momento crítico. Além da desvinculação dos órgãos governamentais
para com a sociedade civil no combate ao crime de estupro contra menores, é possível
observar um aumento de absolvições de autores do crime de estupro de vulnerável pelos
Tribunais dos Estados Federados. A tendência da absolvição pode ser traduzida na tentativa
dos tribunais em aplicar a relativização da vulnerabilidade, pautada no consentimento do ato,
assim não haveria tipificação, o que gera divergências de posições de doutrinadores,
jurisprudência e exposição de motivos legislativos (MENDES et al, 2017,p. 2-4).
O conceito de vulnerabilidade pode ser enxergado de forma ampla, de acordo com
Bitencourt (2017), pode-se afirmar que há diversas formas de vulnerabilidade, seja pelo fator
físico, mental, psicológico ou cronológico, fazendo com que a vulnerabilidade seja relativa ou
absoluta. Visto isso, a relativização da vulnerabilidade é interpretada por magistrados a partir
da afirmação de que se necessita avaliar caso a caso para entender se é preciso aplicar a
relativização quando a vítima é mesmo vulnerável, concordou ou até combinou com o réu o
ato sexual praticado, ou seguir fielmente a legislação vigente no momento em que houve
estupro porque o réu empregou a força ou usou grave ameaça contra a menor
vulnerável(MENDES, et al, 2017, p.8). A justificativa para a relativização pode fundamentar-
se no erro de tipo, uma vez que aceita a incidência do instituto do erro de tipo, de acordo com
o Código Penal em seu art. 20 (BRASIL, 2009).
Para incorrer em erro de tipo basta que o agente comprove que não tinha conhecimento
da idade da vítima, esta menor de catorze anos de idade, uma vez que o crime de estupro de
vulnerável não admite a modalidade culposo, apenas a dolosa. A modalidade culposa fica
absorvida pelo erro de tipo, que se apresenta quando o agente mantém a relação sexual com a
menor vulnerável sem imaginar que sua idade é inferior a catorze anos. Assim, o autor do
crime de estupro de vulnerável poderá ser absolvido do crime caso comprove em juízo que a
vítima aparentava ter idade superior ou assim lhe mencionou, concretizando atipicidade do
fato (MENDES, et al, 2017, p. 8).
A relativização da vulnerabilidade surgiria da premissa da adequação com a realidade
social, já que a liberdade sexual é um processo dinâmico e não estático. O arco etário de 14
anos encontra-se travado no cenário dos atos sexuais há décadas, segundo o doutrinador
Nucci (2010), o que se denota o imperativo ao legislador brasileiro de acompanhar a evolução
dos comportamentos na sociedade, a fim de adequar a norma à atualidade. Por consequência
disso, o discurso jurisprudencial é fomentado por menções como “ao amadurecimento
sexual”, “experiência sexual pretérita da vítima”, ou mesmo a utilização da expressão
“criança sedutora”, como se o reconhecimento de tais circunstâncias em alguma medida
justificasse a ocorrência dos crimes sexuais praticados (SILVA, 2014, p. 6). É possível
exemplificar o julgamento da falta de “moral sexual” da vítima através da fala da Min. Lizete
Andreis Sebben:
Em que se pese a vítima possuísse, ao tempo do fato, menos de 14 anos de idade, é
perceptível na declaração judicial sua plena capacidade de entendimento sobre seus
atos, bem como que a conjunção carnal deu-se com o seu consentimento, o que
relativiza sua vulnerabilidade. O caso dos autos não retrata, exatamente, uma
situação de abuso sexual, mas de precocidade e, como tal, seria uma hipocrisia
impor pesada pena ao denunciado, quando há na mídia e, principalmente nas
novelas, filmes, seriados e programas de televisão, todo um estímulo à sexualidade,
fazendo que, cada vez mais cedo as meninas despertem para essa realidade (TJ-RS -
APR: 70082598897 RS).
Outrossim, é imprescindível que se faça a análise do discurso judicial dos magistrados
que analisam esses casos de estupro, considerando a dúvida de que: os magistrados analisam
somente o fato, imparcialmente, ou sofrem interferências externas ao processo? É necessário a
análise da forma como o sistema penal interpreta a vítima, e a sua insistente culpabilização
(ROSSI, 2015, p. 49). Operadores do direito conceituam e nivelam os casos ao chamado
estupro padrão, que é aquele realizado por um ser desconhecido, detentor de problemas
mentais ou desejo sexual incontrolável, efetuado sob ocorrência de forte violência. Quando o
acontecido foge desse padrão aludido, foge do “perfil de estuprador” pré-concebido, se
enquadrando em ser uma “pessoa de bem”, com comportamento social adequado, com
família, etc, o depoimento da vítima é subestimado ou até menosprezado, pois isso não é
tratado como conduta possível desses indivíduos. Contrariando isso os casos concretos de
estupro que ingressam no judiciário demonstram que a grande maioria dos acusados são
conhecidos pela ofendida e/ou pela família (ROSSI, 2015, p. 60). O fato é que a relativização
da vulnerabilidade absoluta dessas crianças e adolescentes até 14 anos de idade é muito
presente, mesmo com a súmula n° 593 do STJ (prescrição legal já citada), como se observa na
6ª Vara Criminal da Capital/PB:
A relativização da vulnerabilidade deve observar as condições reais da vítima de
entender o caráter das relações sexuais e de se orientar de acordo com esse
entendimento. - Devidamente comprovada a relação de namoro, a anuência dos
genitores e a coabitação com fins de constituição de entidade familiar, não há, sob
este prisma, qualquer tipo de violação ao bem juridicamente tutelado, sendo o fato
em questão materialmente atípico” (TJPB - ACÓRDÃO do Processo Nº
00001351720118150201, Câmara Especializada Criminal, Relator DES. LUIZ
SILVIO RAMALHO JÚNIOR , j. em 21-03-2017).
Além de que, durante o processo, há um juízo de integridade realizados sobre o réu e a
vítima e suas vidas, sempre equiparando aos papéis tradicionalmente remetidos à homens e
mulheres, especialmente no caso das mulheres. Na prática, nos tribunais é ainda comum o
fantasma do conceito de “mulher honesta”, anteriormente tratado pelo Código Penal, mesmo
não havendo mais previsão legal para o termo, prevalecendo o julgamento moral da vítima em
agravo a consideração dos fatos jurídicos do delito (PIMENTEL, 2015, p. 64). Dessa maneira,
o estupro só ganha veracidade no campo jurídico quando os envolvidos, principalmente a
vítima, se enquadram na conduta moral sexual esperada pela tradicional sociedade e sistema
jurídico a cada gênero, exemplificando claramente a discriminação contra as mulheres no
cenário jurídico, que é reflexo da desvalorização e misoginia existentes na sociedade.
Verifica-se assim que o discurso jurídico não é neutro e imparcial, e que, apesar de a
legislação vigente não estereotipar os agentes dos polos passivo e ativo e suas condutas
exigindo um “tipo certo de comportamento”, o sistema de justiça brasileiro através de seus
representantes, o faz (ROSSI, 2015, p. 51-52).
A relativização da vulnerabilidade e a adequação ao meio social contemporâneo
desprotege e expõe seres imaturos a graus diversificados de atos de iniciação sexual precoce,
atos que muitas vezes são influenciados e protegidos pelos próprios genitores e responsáveis
pela criança ou adolescente (MENDES, et al, 2017, p. 10). A própria relativização é resultante
de uma compreensão moralista da infância, uma vez que quando se trata de uma
criança/adolescente, o julgamento das suas condutas, é orientado pelo parâmetro de quem as
julga, segue em um sentido de espera do cumprimento do dever do menor em se manter puro,
dessa maneira, um consentimento (mesmo que não entre em consonância com o que a
legislação prevê), significaria um rompimento desse caráter imaculado, e dessa forma, seria
respaldado a absolvição do agente do crime. Essa noção pode ser observada a partir da
conformação do conceito de “criança libertina” ou “criança provocadora”, referida pelo
sociólogo francês Georges Viragello, que aduz que a defesa dos acusados concentrava-se em
buscar por intermédio de provas testemunhais, incutir nos julgadores dúvidas acerca do
comportamento das crianças, de modo a desviar a análise da conduta criminosa para a análise
da culpabilidade comportamental da vítima (apud SILVA, 2014, p. 4).
A dúvida da palavra da vítima decorre de uma culpabilização, que não se confunde com
culpabilidade, e implica em atribuir à mulher a responsabilidade pela violência sofrida, como
se algo em seu comportamento tivesse o condão de provocar ou ate mesmo justificar o estupro
(ROSSI, 2015, p. 70). Desse modo, o consentimento se encaixaria dentro do conceito de
culpabilização, já que ocorre uma aproximação com o agente do crime, retirando de quem
pratica o crime o caráter de culpa. Como já apontamos, a proteção jurídica penal estabelecida
é expressa e pela presunção de vulnerabilidade (art. 217-A, do Código Penal) tem como
função evitar a prática sexual com pessoas que não tenha atingido a idade determinada em lei.
Aos menores de 14 anos é atribuída a innocentia consilii, que significa que pela sua inocência,
os menores de 14 são incapazes de consentir os atos sexuais. A lesão ao bem jurídico ocorre
independe da violência real. Isso acontece porque nesse período o estado psíquico do jovem
ainda se encontra em formação, visto que o desenvolvimento mental e psíquico nem sempre
acompanha o desenvolvimento físico e que o adolescente pode possuir maturidade mental e
psicológica, mas não pode possuir maturidade física para tal ato (LENZI, 2015, p. 19).
Não relativizar a vulnerabilidade é interpretar adequadamente a norma fechada do art
217-A do Código Penal, que restringe a interpretação do juiz para decidir fora do enquadro. A
decisão contrária presente nos tribunais reflete um ativismo judicial inadequado desde as
premissas hermenêuticas de um Estado Democrático de Direito, uma vez que molda as
decisões, a partir de questões morais, no que tange a excludente de ilicitude (MENDES, et al,
2017).

4 ANÁLISE DA CULTURA DO ESTURPRO PARA A COMPREENSÃO DA


PRÁTICA JURÍDICA NA PROTEÇÃO DE VULNERÁVEIS POR CRITÉRIO
ETÁRIO
A expressão “cultura do estupro” informa a banalização social do fenômeno da
violência contra as mulheres, especificamente a violência sexual – que, vale ressaltar, atinge
todas as classes sociais e idades. O estupro é uma maneira de exercer o domínio sobre a
mulher da forma mais violenta possível, ou seja, a partir do controle do seu corpo. Ocorre que
a sociedade estabeleceu padrões de interação de gênero em que o corpo da mulher é
permanentemente objetificado e posto a serviço do desejo do homem. E essa objetificação é
banalizada. Cabe destacar que, ao se transformar a mulher em objeto, retira-se dela a
capacidade de agência sobre o processo de violência e a capacidade de mudar essa situação
(MATOS, 2016, p. 2).
O tema cultura do estupro tornou-se notório a partir de uma ampla divulgação dos casos
de abuso sexual pela mídia. Alguns desses episódios causaram comoção em uma parcela
das(os) expectadoras(as), gerando debates nas redes sociais, além de reflexões textuais e
imagéticas sobre algo mais amplo que os fatos em si (ENGEL, 2017, p. 7). A necessidade de
iniciar discussões acerca dos abusos, não abordando apenas a culpabilidade do agressor, por
parte das mulheres diante desses casos, provém de uma observação massiva da naturalização
do assédio sexual e violência dos corpos femininos, não restringidos a violência sexual
consumados, mas também a aceitabilidade das violências cotidianas.
Existe na sociedade uma cultura do sadomasoquismo, isso significa que a a prática
sexual violenta baseada em grande maioria na submissão das mulheres não se limita apenas
ao sexo, mas de acordo com Wolf (1992, p. 176) traduz,o desejo patriarcal de afirmar que as
mulheres gostam de ser forçadas e violentadas, e que o estupro e a violência sexual são
modernos, em outras palavras, a cultura está descrevendo o sexo como estupro para que os
homens e as mulheres se interessem por ele. Dessa forma, a figura do violentador não é
apenas ligada ao estuprador, é uma construção de imagens, atos e falas que constroem o
imaginário coletivo, que transferindo para o real, faz-se compreensível através da acusação do
objeto de desejo, de uma provocação exagerada, de maneira que tanto a postura de sedução
como a falta de cuidado em esconder o corpo seriam motivos para que o polo ativo sentisse
desejo e, com ele, uma necessidade incorrigível de aliviá-lo (ENGEL, 2017, p. 11).
Posto isso, é possível concluir que a criminalização da vítima faz parte da cultura
machista e misógica do sadomasoquismo. A análise da violência sexual quase sempre tende a
unir seus protagonistas, o que significa confrontar não somente a culpabilidade do agressor,
como até mesmo a própria existência do delito, com um profundo detalhado exame acerca da
conduta da vítima, se ela observa ou não os preceitos de moralidade pública, se amolda-se ao
padrão de decência sugerida pela comunidade (SILVA, 2014, p. 2). Por conseguinte, diante da
existência da construção do corpo feminino puro e busca da vítima perfeita a partir da ótica da
virgindade, a cultura do estupro patriarcal também constrói corpos sexualizados, já que a
manipulação e a exposição do corpo feminino como objeto, não são processos que ocorrem
por uma única via e dentro de uma única lógica. Ao passo que determinados corpos de
meninas e mulheres brancas são esteticamente cristalizados como objeto contemplativo de
desejo, o corpo das mulheres e meninas negras é agenciado de outras formas, elas são
constantemente hipersexualizadas (ENGEL, 2017, p. 12).
É a partir de uma herança escravocrata que a mulher negra é desvinculada da noção de
humanidade, e por isso, consequentemente, a naturalização dela como objeto sexual ou como
uma mulher naturalmente sexual se perpetua nos dias atuais. Dado isso, as condições e
heranças socioculturais em ambos os casos, seja na mulher casta, ou no objeto sexual, as
donzelas e meretrizes são condicionadas socialmente de acordo com a sua classificação
sexual. Em regra, a cultura do estupro, tem o poder de classificar as pessoas de acordo não
apenas com a percepção própria da sexualidade, mas, mas também, com o modo como a
sociedade percebe seu comportamento sexual (SOUSA, 2017, p. 7).
Há um paradoxo na sociedade brasileira, a sociedade contemporânea que se preocupa
em criar leis e recursos para proteger a condição de vulnerável de crianças nas interações
sexuais com adultos, também utiliza dos corpos infantis, especialmente infanto-juvenil, como
recurso estético e erótico (ENGEL, 2017, p. 12). A obscenidade dos atos, principalmente dos
corpos femininos, não é censurado quando atende a um determinado propósito de ser utilizado
como reprodutor de um poder já vigente, como o padrão de beleza, que pode ser resumido na
procura das agencias de modelo por meninas de 13 e 14 anos, onde o lugar que irão ocupar as
retratarão de forma esteticamente erótica, dessa maneira, obedecendo a cultura do estupro.
A atual distribuição do poder é sustentada por uma enchente de imagens sexuais hostis e
violentas, mas ameaçada por imagens de erotismo mútuo ou de desejo feminino. A elite da
estrutura do poder parece ter suficiente consciência disso para agir de acordo (WOLF, 1992,
p. 178). Se por um lado, há a necessidade das mulheres levantarem a voz cada vez mais sobre
as questões referentes a cultura do estupro, em contrapartida não há uma ampla reflexão de
um coletivo masculino sobre suas vivências com as masculinidades e com o
compartilhamento de imaginários e práticas que possibilitam e perpetuam cotidianamente o
estabelecimento de relações que não tomam mulheres e meninas como sujeitos (ENGEL,
2017, p. 20). Um exemplo sobre a vivencia masculina como perpetuador da objetificação dos
corpos femininos é o consumo de pornografia. Sendo assim, é preciso entender que gênero
está ligado a noções socialmente construídas de masculinidade e feminilidade, deste modo, o
papel socialmente distribuído à mulher é a passividade e de submissão, e que muitas vezes é
vista como objeto, por conta dos meios midiáticos e comunicacionais (SUZIN, 2016, p. 12).
O ato sexual é aprendido, antropólogos encontraram em primatas diferenciação na
hora da copulação entre as espécies que vivem em comunidade e as que são isoladas, assim
também funciona a sexualidade humana (WOLF, 1992, p. 180). A mídia, então, exerce grande
influência sobre a sexualidade na vida do adolescente, observa-se, atualmente, nos meios de
comunicação, uma propagação da sexualidade e da visão de um corpo que pode ser comprado
e vendido (GAGLIOTTO, 2014, p. 53). Essa introdução precoce, na medida de maior ou
menor exposição à imagens e conteúdos sexuais, pode determinar a sua postura ao se deparar
com essas questões no futuro, normalizando situações extremas como sexo na tenra idade
com maiores de idade.
O impulso sexual é formado pela sociedade. Até mesmo os animais têm de aprender o
comportamento sexual. Os antropólogos acreditam atualmente que é o aprendizado, mais do
que o instinto, que leva a um comportamento reprodutivo bem-sucedido. Macacos criados em
laboratórios são inaptos no que diz respeito ao sexo, e os seres humanos também precisam
aprender o seu comportamento sexual a partir de sugestões externas. As sugestões externas da
pornografia da beleza e do sadomasoquismo remodelam a sexualidade feminina sob uma
forma mais dócil do que a que ela assumiria se fosse verdadeiramente liberada. (WOLF, 1992,
p.170).
Até que o Estado possa garantir o pleno acesso à informação e educação para os
Direitos Sexuais e Reprodutivos adequados às especificidades de crianças e adolescentes, não
é válido presumir que a mídia o faça, transferindo-se as responsabilidades, tampouco utilizar-
se desta presunção de senso comum, desprovida de qualquer embasamento empírico ou
teórico, para afastar a presunção legal de violência e considerar a validade do consentimento.
Não se pode presumir, em desfavor da pessoa menor de 14 anos, que tal consentimento tenha
sido emitido em condições de autonomia e igualdade com o de um adulto. A presunção de
paridade não pode se operar em detrimento da proteção à imaturidade e vulnerabilidade da
infância, sobretudo em uma sociedade extremamente machista e violenta sob os padrões de
gênero (SILVA, p. 13-14).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o Código Mello Matos em 1927, crianças e adolescentes começaram a ser
entendidos como entes de direitos perante o Estado, e essa perspectiva evoluiu, a partir dos
clamores da luta política feminista, para uma tratativa diferenciada pela Constituição Federal,
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas modificações inseridas no Código Penal em
2009. O estupro de vulnerável é configurado como ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 anos, pessoas que possuam deficiência mental ou indivíduos que
por qualquer outra razão não consigam impedir o ato. A partir dessa configuração jurídica a
ideia de que a vulnerabilidade é absoluta em casos de menores de catorze anos é colocada, já
que o bem jurídico tutelado é a imaturidade psicológica da criança, ou seja, não se admitem
provas ao contrário.
A súmula n° 593 reforça tal afirmativa e acrescenta que é irrelevante o eventual
consentimento da vítima, sua anterior experiência sexual ou existência de relacionamento
amoroso com o agente. Porém, o poder judiciário, de forma que tem se mostrado majoritária,
posiciona-se a favor da relativização da vulnerabilidade por critério etário, de forma a
considerar estereótipos de “criança sedutora” ou precoce. Por meio da bibliografia,
demonstramos que é possível identificar que há interferências externas ao processo de
subsunção do fato à norma nas decisões dos magistrados.
As decisões, muitas vezes, são respaldadas por preconceitos e discriminações contra as
vítimas de estupro, resultando na sua exclusão do reconhecimento como sujeitos de direitos.
A cultura do estupro, então, é agente formador de opinião dos juristas imersos na socialização,
uma vez que existe na sociedade um aspecto da cultura sadomasoquista que afirma que as
mulheres gostam de serem forçadas e violentadas, e que os homens tem um poder sobre
corpos vulneráveis e dóceis. Tal perspectiva determina que esses atos delitivos sejam
encarados com normalidade. Assim, crianças e adolescentes devem ter suas condições de
desenvolvimento psíquico, moral e sexual resguardados, garantindo seu direito à integridade e
segurança sexual, assim como o desenvolvimento pleno e saudável desses indivíduos,
respeitando sua condição de seres em formação. Responsabilidade que cabe ao Sistema de
Justiça.

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