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1 INTRODUÇÃO
A importância da presente discussão mostra-se uma vez que a infância e a
adolescência são bens jurídicos de tutela Estatal e assegurar o pleno desenvolvimento da vida
e da dignidade sexual dessas pessoas é garantir que serão entendidas como sujeitos de
direitos, conforme a Constituição da República Federativa do Brasil e o Estatuto da Criança e
do Adolescente aduzem. A pesquisa conta com três eixos principais. O primeiro busca
levantar dados históricos acerca do tratamento da vítima de abuso sexual através dos códigos,
com ênfase no de 1940 e o Código de Mello Matos, ambos responsáveis pela inserção de
direitos à criança e adolescente, como de mulheres dentro do processo penal. O segundo
tópico, assume a análise sociológica crítica feminista que busca compreender a maneira como
ocorre a prática dos tribunais brasileiros no que se refere a aplicação do artigo 217-A do
Código Penal. Por último, o terceiro tópico, ocupa-se da delimitação do tema cultura do
estupro atuante não apenas na sociedade civil, mas inserida dentro do contexto das decisões
dos tribunais, que perpetua a ideia de que a vítima alvo do estupro tem responsabilidade nos
crimes cometidos contra ela, com ênfase no caso do vulnerável por critério etário.
A análise se coloca, sobretudo, a partir da relativização da vulnerabilidade de menores
entre 12 e 14 anos, a faixa etária considerada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente como
adolescência. Esses menores, não sendo mais crianças abriria uma interpretação divergente
sobre o consenso da vulnerabilidade absoluta por critério etário, retirando do agente infrator a
culpa pelo ato sexual. Compreendemos que não se pode tomar a idade biológica como critério
único e absoluto para a compreensão do consentimento sexual da menoridade. Já que a idade
biológica está associada a moralidades específicas da construção histórico cultural das
sociedades e seria realmente mais efetivo compreender a idade associada a outras assimetrias
como a de gênero e a de classe. No entanto, ao considerar os números expressivos da
violência sexual no Brasil, o contexto social de machismo e misoginia presentes inclusive,
dentro do judiciário, e a compreensão de que o sexo entre um adulto e uma
criança/adolescente configura uma relação abusiva, partimos em defesa do cumprimento do
artigo 217-A do Código Penal.
2 ANÁLISE HISTÓRICA DOGMÁTICA DA PROTEÇÃO JURÍDICA PENAL EM
CASO DE ESTUPRO DE VULNERÁVEIS POR CRITÉRIO ETÁRIO NO BRASIL
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde o Código Mello Matos em 1927, crianças e adolescentes começaram a ser
entendidos como entes de direitos perante o Estado, e essa perspectiva evoluiu, a partir dos
clamores da luta política feminista, para uma tratativa diferenciada pela Constituição Federal,
pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelas modificações inseridas no Código Penal em
2009. O estupro de vulnerável é configurado como ter conjunção carnal ou praticar outro ato
libidinoso com menor de 14 anos, pessoas que possuam deficiência mental ou indivíduos que
por qualquer outra razão não consigam impedir o ato. A partir dessa configuração jurídica a
ideia de que a vulnerabilidade é absoluta em casos de menores de catorze anos é colocada, já
que o bem jurídico tutelado é a imaturidade psicológica da criança, ou seja, não se admitem
provas ao contrário.
A súmula n° 593 reforça tal afirmativa e acrescenta que é irrelevante o eventual
consentimento da vítima, sua anterior experiência sexual ou existência de relacionamento
amoroso com o agente. Porém, o poder judiciário, de forma que tem se mostrado majoritária,
posiciona-se a favor da relativização da vulnerabilidade por critério etário, de forma a
considerar estereótipos de “criança sedutora” ou precoce. Por meio da bibliografia,
demonstramos que é possível identificar que há interferências externas ao processo de
subsunção do fato à norma nas decisões dos magistrados.
As decisões, muitas vezes, são respaldadas por preconceitos e discriminações contra as
vítimas de estupro, resultando na sua exclusão do reconhecimento como sujeitos de direitos.
A cultura do estupro, então, é agente formador de opinião dos juristas imersos na socialização,
uma vez que existe na sociedade um aspecto da cultura sadomasoquista que afirma que as
mulheres gostam de serem forçadas e violentadas, e que os homens tem um poder sobre
corpos vulneráveis e dóceis. Tal perspectiva determina que esses atos delitivos sejam
encarados com normalidade. Assim, crianças e adolescentes devem ter suas condições de
desenvolvimento psíquico, moral e sexual resguardados, garantindo seu direito à integridade e
segurança sexual, assim como o desenvolvimento pleno e saudável desses indivíduos,
respeitando sua condição de seres em formação. Responsabilidade que cabe ao Sistema de
Justiça.
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