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Fernando Salla
Pesquisador Associado do Núcleo de Estudos
da Violência (NEV-USP) e docente do
Mestrado Profissional Adolescente em
Conflito com a Lei (Unian)
Viviane Borges
Docente do Departamento de História e do
Programa de Pós-Graduação em História da UDESC.
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jurídico sobre as concepções acerca do crime e de como tratar os criminosos. Essa
presença, contudo, não se traduziu, em instrumentos jurídicos, como no Código Penal
de 1890, nem mesmo em leis ordinárias, que conservaram a inspiração liberal (Fry e
Carrara, 1986). Expoentes do pensamento no campo jurídico, nas primeiras décadas do
século XX, como Lemos Brito, Evaristo de Moraes e Paulo Egydio ou no campo
médico, como Nina Rodrigues, Leonídio Ribeiro, Heitor Carrillo e Oscar Freire foram
fundamentais na disseminação desse pensamento criminológico. Seu empenho, contudo,
se traduziu mais em procedimentos institucionais do que em dispositivos legais. O
‘fracasso’ do pensamento lombrosiano no campo normativo não impediu a sua
dispersão pelas práticas de controle social. De fato, foi no plano da concepção das
instituições de confinamento (manicômios, prisões, institutos disciplinares etc.) e na sua
organização cotidiana que vai se exibir com muita força a influência do pensamento
criminológico positivista (Alvarez, 2002; 2003). Isso se traduziu no padrão
arquitetônico adotado pelas instituições que foram criadas, no perfil dos profissionais
que foram contratados, nos exames realizados, nas formas de registro de tais exames e
nos diagnósticos que eram elaborados e, ainda, nas prescrições adotadas para os
internos.
As primeiras décadas do século XX tiveram uma intensa busca no controle
social sobre os menores (aos quais o Código de Menores de 1927 vai atribuir depois a
condição de abandonados, ‘pervertidos’ ou delinquentes) na medida em que se
reconhecia na figura desses sujeitos a potência do criminoso futuro, do mau cidadão, do
mau trabalhador. Várias intervenções por parte de órgãos públicos associados a
instituições filantrópicas e religiosas redundaram na criação de instituições de
confinamento, de abrigamento, de correção e trabalho para os menores. A presença
crescente de profissionais (médicos, psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e
educadores) nos espaços de confinamento e uma progressiva produção de informações
sobre os antecedentes legais dos menores, seu passado familiar, suas características
psicológicas, sua sociabilidade, suas potencialidades para o trabalho – passaram não só
a contribuir para a conformação das instituições a serem criadas como também para
organizar a própria dinâmica interna dessas instituições e ainda a circulação dos
menores por elas.
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A gestão da menoridade
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1923) e em São Paulo (Lei n. 2.059, de 31 de dezembro de 1924). Colocava-se a figura
do juiz no centro da gestão dos menores, fossem eles abandonados, pervertidos ou
delinquentes, retirando da autoridade policial o arbítrio que até então havia marcado a
sua relação com os menores.
Embora vários autores (Alvarez, 1989, Rizzini, 2011) já tenham analisado o
significado desse Código e seus efeitos, cabe aqui discutir como ele estipulava algumas
determinações que foram importantes para amplificar a produção de informações sobre
os menores (além, por exemplo, das estatísticas policiais) no sentido de elaborar
diagnósticos sobre esses sujeitos. Os menores constituíam uma categoria não
considerada irremediavelmente perdida para a pátria e a sociedade, pois ainda não eram
“delinquentes experientes”.1 O Código trabalhava com várias categorias – abandonado,
pervertido, vicioso, libertino, delinquente e débeis – que demandavam necessariamente
o recolhimento de informações, exames, diagnósticos para a tomada de decisões fosse
para o encaminhamento para uma instituição de abrigo, fosse para um instituto de
natureza correcional, como os institutos disciplinares. O discurso positivista instituía a
menoridade enquanto categoria especial, a qual “deveria corresponder uma justiça e
instituições de internamento específicas” (Ferla, 2009, p. 267).
É de se observar que já no Decreto n. 16.272, de 1923, que criou o juízo de
menores no Distrito Federal, criava-se o cargo, pelo artigo 39, de médico psiquiatra (ao
lado do juiz, do curador, comissários e outros funcionários administrativos). A redação
dada ali foi conservada no Código de Menores, no seu artigo 150. Era ele incumbido de
realizar os exames médicos “e observações dos menores” levados ao juízo e também
àqueles que o juiz viesse a determinar (inciso I). Além disso, pelo inciso II, era tarefa do
médico-psiquiatra que atuaria no juízo de menores: “fazer às pessoas das famílias dos
menores as visitas médicas necessárias para as investigações dos antecedentes
hereditários e pessoais destes”. As preocupações expressas nesse inciso, no sentido de
investigar os antecedentes hereditários dos menores, são bem representativas do ideário
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Termo retirado do prontuário número 484 (de 1937), de um menor internado na Penitenciária de
Florianópolis: “[...] não se trata ainda de individuo irremediavelmente perdido para a Pátria e a Sociedade.
Tudo indica que é um desprotegido de fortuna, que da vida só conheceu misérias e tristezas. Mostra-se
arrependido. Não é um delinquente experiente”.
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criminológico que caracterizava o período, no qual as determinações biológicas eram
consideradas fundamentais na explicação da prática dos crimes pelos sujeitos bem como
nas tendências que poderiam apresentar.
No mesmo sentido, as decisões do juiz de menores poderiam ser precedidas de
uma série de exames e avaliações como expressam o artigo 175 do Código de 1927:
I, julgar sem mais formalidades o menor, quando se tratar de contravenção, que não
revele vício ou má índole podendo entregá-lo aos pais, tutor ou encarregado, depois
de advertir o menor, sem proferir condenação;
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conveniente”, entregues aos pais ou confiados a pessoa idônea (artigo 55). Segundo a
letra b desse artigo esse local poderia ser “hospital, asilo, instituto de educação, oficina,
escola de preservação ou de reforma”.
Já em relação aos menores de 14 anos que fossem cúmplices ou tivessem
praticado crime ou contravenção não deveriam sofrer “processo penal de espécie
alguma” (art. 68). Uma avaliação de sua condição tornaria possível sua internação:
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O número total de prontuários pertencentes ao acervo da Penitenciária de Florianópolis é de cerca de
4209 documentos, compreendidos entre 1930 e 1979. No que se refere à década de 1940, temos 519
prontuários; dentre estes, 41 correspondem a prontuários de menores.
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§ 5º - Se for imputado crime, considerado grave pelas circunstâncias do fato e
condições pessoais do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18
anos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de indivíduo
perigoso pelo seu estado de perversão moral, o juiz lhe aplicará o art. 65 do Código
Penal, e o remeterá a um estabelecimento para condenados de menor idade, ou, em
falta deste, a uma prisão comum com separação dos condenados adultos, onde
permanecerá até que se verifique sua regeneração, sem que, todavia, a duração da
pena possa exceder o seu máximo legal.
Seguia a mesma orientação, em São Paulo, o artigo 11, § 3º, do Decreto n. 3828,
de 25 de março de 1925 que regulamentou o Juízo de Menores criado em São Paulo em
dezembro de 19243:
§ 3.º - Quando se tratar de crime de grave, praticado por quem tenha mais de 16
anos de idade e menos de 18, provado o caráter perigoso do agente pela sua
perversão moral, lhe aplicará o juiz ou o tribunal o art. 65 do Código Penal, sendo a
pena cumprida em prisão comum ou especial; no primeiro caso, com separação dos
condenados adultos.
O Código de Menores de 1927 acabou por legitimar essa prática, por meio de
seu artigo 71, que reeditava exatamente o conteúdo do § 5º do artigo 25 do Decreto n.
16272 de 1923 mencionado acima:
Art. 71. Se for imputado crime, considerado grave pelas circunstâncias do fato e
condições pessoais do agente, a um menor que contar mais de 16 e menos de 18
anos de idade ao tempo da perpetração, e ficar provado que se trata de indivíduo
perigoso pelo seu estado de perversão moral o juiz lhe aplicará o art. 65 do Código
Penal, e o remeterá a um estabelecimento para condenados de menor idade, ou, em
falta deste, a uma prisão comum com separação dos condenados adultos, onde
permanecerá até que se verifique sua regeneração, sem que, todavia, a duração da
pena possa exceder o seu máximo legal.
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Em Santa Catarina o Juízo Privativo de Menores foi criado somente em 1935.
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perigosos (ou estivessem “em perigo de o ser”), poderiam ser mantidos em prisões
comuns desde que separados dos detentos adultos.4 :
No caso de Santa Catarina não foi localizado nenhum documento específico que
estipulasse a rotina dos menores de forma diferenciada dos pesos adultos, ou mesmo sua
separação dos presos adultos. A análise dos prontuários permite aventar que estes
estavam condicionados aos Regimento Interno da Penitenciária, o mesmo destinado aos
presos adultos, prevendo rotinas rígidas, trabalho nas oficinas e castigos. O termo
“internação”, presente em todos os prontuários desses menores, corrobora o caráter
“jurídico-assistencialista” do Código de Menores. Através de legislação própria e da
ação tutelada do estado, os menores deveriam receber tratamento dentro das instituições
que os abrigavam, eram tidos como “pacientes”. Eles eram também denominados como
presos, detentos, sentenciados, da mesma maneira que os adultos (Borges, 2016).
Somente em 1940, o Abrigo de Menores assume a missão de fornecer a formação e o
cuidado aos menores do sexo masculino considerados carentes e abandonados (Arend,
2011).
Em São Paulo, até a década de 1930, os adolescentes que cometiam infrações
tinham três destinos: o Instituto Disciplinar, criado em 1902, o Reformatório
Profissional de Taubaté (originalmente criado como Instituto Disciplinar em 1909) e o
Instituto Disciplinar de Mogi-Mirim, inaugurado em 1924. No início dos anos 1930,
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As crianças e jovens com problemas mentais, os “anormais”, viviam problema semelhante. O Decreto nº
24.559, de 3 de julho de 1934 indicava que: “§ 2º Os menores anormais somente poderão ser recebidos
em estabelecimentos psiquiátricos a eles destinados ou em seções especiais dos demais estabelecimentos
especiais desse gênero”. Contudo, da mesma forma que os menores infratores, em muitos casos a
existência de um espaço específico foi tardia, levando estes a instituições onde não havia a separação dos
adultos. No caso de Santa Catarina, por exemplo, o Hospital Colônia Sant’Ana (1941), hospital
psiquiátrico do estado, recebia os menores anormais, mas não garantia a separação entre estes e os adultos
internados. Ver Viana (2013).
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Cândido Motta Filho, que foi diretor do Instituto Disciplinar da Capital reconhecia que
esses institutos eram insuficientes uma vez que a delinquência juvenil havia crescido
bastante e ainda que havia muitos “menores na cadeia de Ribeirão Preto e outras
cidades. Havia menores no Presídio do Paraíso” (Motta Filho, 1998). Sucessivamente,
foram sendo criados novos institutos para a internação desses menores (como, por
exemplo, pelo Decreto n. 9.744, de 19 de novembro de 1938, que reorganizou o Serviço
Social dos Menores, do Departamento de Serviço Social ou o Decreto-lei n. 15.968, de
14 de agosto de 1946, que criou o Instituto Agrícola de Menores, de Batatais).
A Lei n. 2.497, de 24 de dezembro de 1935, organizou o Departamento de
Assistência Social do Estado e criou o Serviço Social de Assistência e Proteção aos
Menores ao qual ficariam subordinados os institutos para a internação dos menores. É
nessa lei (artigo 75) que foi criado o Instituto de Pesquisas Juvenis (IPJ) que, entre
outras, teria as seguintes atribuições:
a) - o exame médico-pedagógico do menor (estado físico e mental), no momento da
admissão, psicobiograma, história clínica complementar, anexos ao psicobiograma,
investigação social (levada a efeito por intermédio do Comissariado de Menores) e
estudo psiquiátrico complementar eventual;
(...)
c) - orientar e auxiliar as atividades do Serviço, referentes à reeducação dos
menores, acompanhando o desenvolvimento das medidas corretivas, em prática nos
estabelecimentos do Serviço e, eventualmente, nos particulares que isso solicitem;
(...)
f) - lavrar pareceres sobre assuntos médico-pedagógicos.
Esse Instituto, que funcionava junto ao Abrigo Provisório de Menores, para onde
todos os menores eram enviados e que ficavam à disposição do juiz, era o posto de
observação que fornecia as principais informações e diagnósticos para os juízes e
mesmo para os administradores dos institutos. Inicialmente, era composto por um
gabinete de exame clínico, um gabinete de psicologia, um serviço de investigação social
e um “serviço de biogenética” (artigo 76). Mas em 1938, quando o Serviço Social foi
remodelado, sua estrutura se diversificou ainda mais. Embora as atribuições do IPJ não
tivessem se alargado tanto com a reorganização, passou a ter, pelo parágrafo único do
artigo 6º, os seguintes serviços: “a) - Serviço de Psicopatologia; b) - Serviço de
Neuropediatria; c) - Serviço de Biotipologia e Patologia constitucional; d) - Serviço de
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Psicopedagogia; e) - Serviço de Psicologia experimental; f) - Serviço de Pesquisas; g) -
Serviço de Arquivo e Estatística; h) - Serviço de Tradução e Biblioteconomia; i) –
Serviço de Desenho; j) - Serviço de Identificação”.
Considerações finais
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Legislação consultada
Referências
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LIMA, Elça Mendonça. (1983) Origens da Prisão Feminina no Rio de Janeiro: o
período das freiras (1942-1955). Rio de Janeiro: OAB.
MOTTA FILHO, Cândido. Relatório apresentado ao Dr. Secretário de Justiça pelo Dr.
Candido Motta Filho, Director do serviço de Reeducação do Estado e Director do
Reformatório Modelo 1935. Versão Facsimilar publicada em Boletim CCAPH (Centro
de Documentação e Apoio à Pesquisa em História da Educação da Universidade São
Francisco). Bragança Paulista, CDAPH-USF, Vol. 1, n.2, 1998.
RIZZINI, Irene. (2011) O século perdido: raízes históricas das políticas públicas para
a infância no Brasil. São Paulo: Cortez.
SALLA, Fernando (1999). As Prisões em São Paulo: 1822-1940. São Paulo,
Annablume/Fapesp.
VIANA, Adriana de Resende B. (1999). O mal que se advinha: polícia e menoridade no
Rio de Janeiro, 1910-1920. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional.
VIANA, Bruna da Silveira. (2013). Um lugar para os ditos anormais: assistência
psiquiátrica a crianças e jovens na primeira dedada do Hospital Colônia Sant’Ana
(1941-1951). 2013. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade do Estado de
Santa Catarina, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Disponível em: http://www.faed.udesc.br/arquivos/id_submenu/2025/bruna_viana.pdf
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