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MANUAL DE

CRIMINOLOGIA
Coordenação
Laura M. Nunes
Ana Sani

Análise de risco, perigosidade e reincidência I Avaliação pericial I Ciência criminal I


Crime organizado I Criminal profiling I Criminologia forense I Criminologia, desvio e justiça I
Delinquência juvenil I Doença mental I Justiça tutelar I Prevenção criminal e policiamento I
Psicologia forense I Psicologia investigativa I Reinserção social I Relação droga-crime I
aura M. Nunes
Sistema prisional
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do projeto PTDC/DIR-DCP/28120/2017

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/ DIR-DCP / 28120/2017

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® Marca registada da FCA PACTOR Editores, Lda.
ISBN edição impressa: 978-989-693-118-6
1.ª edição impressa: outubro 2021

Paginação: Carlos Mendes


Impressão e acabamento: Tipografia Lousanense, Lda. – Lousã
Depósito Legal n.º 490259/21
Capa: José Manuel Reis

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PREFÁCIO
O generoso convite para escrever um Prefá- que afetam as suas relações, a sua confiança,
cio – Prólogo – à obra Manual de Criminologia a sua segurança familiar, social e cultural. O de-
e Vitimologia significa, sem dúvida, um duplo lito é gerador de elevado stress, que comove
desafio. Em primeiro lugar, contemplar a profundamente a pessoa que sofre a con-
extraordinária tarefa realizada em favor da crimi- duta violenta, quaisquer que sejam o tipo e as
nologia e vitimologia, com a coordenação das circunstâncias delitivas. Essas situações agra-
distinguidas especialistas Professora Laura M. vam-se nos casos de vulnerabilidade da vítima,
Nunes, Doutora em Ciências Sociais/Psicolo- pelo grau de conhecimento ator-vítima (familiar)
gia e Professora Ana Isabel Sani, Doutora em e nas circunstâncias de impunidade do delin-
Psicologia da Justiça, docentes na Universi- quente. As consequências do delito provocam
dade Fernando Pessoa (UFP), coordenadoras
mudanças profundas na sua vida pessoal e fa-
do Observatório Permanente Violência e Crime
miliar.
(OPVC) e, respetivamente, coordenadoras do
Mestrado em Criminologia e do Mestrado em Também e paralelamente, o ator do delito terá
Psicologia da Justiça na UFP, com a valiosa de enfrentar modificações existenciais na sua
colaboração de professores de universidades vida individual, familiar e social, designadamente
e profissionais que realizam, quotidianamente, o cumprimento de uma pena e o enfrentar de
atividades para o conhecimento, assistência e um futuro incerto, num meio que lhe é estranho.
investigação, sobre os processos de criminali-
As instituições sociais, a justiça, os sistemas
dade e processos de vitimização.
de saúde, carcerário, policial e forense, as ins-
O duplo desafio de escrever o Prefácio também tituições de investigação e as universidades
representa a intenção de destacar os importan- observam a criminalidade e as suas conse-
tes avanços e as novas problemáticas que a quências, não só na estrutura do indivíduo, mas
criminologia e a vitimologia têm enfrentado nas também nas estruturas socioeducativas-cul-
últimas décadas, esforço notável ao observar o turais-económicas. Perguntar-se-ão quantas
amplo e minucioso conteúdo interdisciplinar do perdas sociais, culturais e económicas implicará
Manual de Criminologia e Vitimologia.
o delito, e, em especial, que ética fica derrubada
Desde uma perspetiva histórico-sociocultu- perante o delito? Os questionamentos envolve-
ral, o delito sempre esteve nos interrogantes rão o porquê de nenhuma cultura, até mesmo
existenciais; o porquê de uma pessoa agredir, atualmente, poder mostrar que, num determi-
ameaçar, roubar e matar outra pessoa. Por que nado grupo sociocultural, não exista violência;
uma sociedade destrói outro grupo social e cul- o porquê de não podermos proclamar que não
tural? A história da humanidade mostra-nos a existam as prisões, instituições que já cumpri-
violência como uma manifestação permanente ram mais de 500 anos; o porquê de não aceder
em todas as sociedades e culturas. O delito – profundamente à personalidade do indivíduo,
a criminalidade – vulnerabilizam gravemente o que ultrapassa a linha moral e a ética imaginá-
tecido social, impactam ao nível individual, fami- ria e que agride. É inegável que a criminologia
liar, social e cultural. e a vitimologia tentam encontrar os caminhos
O delito provoca uma mudança existencial na interdisciplinares culturais e sociais para a dimi-
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vida da vítima, relacionada com os seus costu- nuição da criminalidade ou, pelo menos, para a
mes, os seus hábitos, o seu olhar sobre aqueles sua delimitação.

• III •
MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

Desde os pioneiros da criminologia, dos finais da criminalidade, a perversão, a tortura, os


do século XIX, que se iniciaram os estudos grupos delitivos e as organizações criminais, a
com a abordagem do positivismo italiano; vulnerabilidade dos movimentos migratórios, a
posteriormente, surgiram as clássicas teorias lentidão das respostas assistenciais às vítimas
criminológicas: criminologia clínica, interacio- e às suas famílias; sobre o sistema de penas
nista e organizacional, que predominaram até privativas da liberdade, o sistema penitenciário,
às décadas de 1960-1990 e, depois, se foram os adolescentes em conflito com a lei penal; e,
incorporando em novas teorias e linhas de co- principalmente, sobre o porquê de chegarmos
nhecimento que representam esperanças de tarde na prevenção do delito e no cuidado das
evolução para a criminologia. pessoas mais indefesas e vulneráveis, como as
A história da criminologia ensina de que maneira crianças, os idosos e pessoas deficientes. Por
os criminólogos foram pioneiros na compreen- que se desenvolvem as organizações criminais
são dos processos de vitimação e no respeito com alto nível de impunidade?
às vítimas, iniciados na década de 1940 com os
Não obstante os elevados índices de criminali-
trabalhos pioneiros de Beniamini Mendelsoln,
dade, conhecidos como as “cifras negras”, os
Hans Von Hentig, Henri Ellenberger, Marvin Wol-
factos não denunciados e o colapso das insti-
fgang e, posteriormente, de Irene Melup, John
tuições, é inegável o substancial progresso no
Dussich, Irvin Waller, Helmut Kury, entre outros
combate ao crime, tendo sido dados passos
mestres, e o impulso do Symposium Internacio-
transcendentes nos estudos e nas investiga-
nal de Vitimologia em 1973. Em especial, cabe
assinalar os transcendentes documentos das ções universitárias, bem como nas instituições
Nações Unidas sobre os Direitos Humanos, e, assistenciais e sociais, governamentais e não
já na segunda década do século XXI, podem governamentais. Salientam-se os avanços nos
observar-se os importantes progressos sobre o documentos dos Direitos Humanos das Nações
conhecimento da criminalidade e da vitimação, Unidas; os documentos sobre proteção das
nos seus diversos níveis. Este Manual, coorde- pessoas detidas ou em prisão; os Princípios de
nado pelas professoras Laura M. Nunes e Ana Justiça para as vítimas do delito e de abuso de
Isabel Sani, assim o demonstra. poder; a proteção de menores, a proteção de
todas as pessoas contra os desaparecimentos
As novas respostas perante o delito – a crimi-
forçados, a proteção de imigrantes e os nume-
nalidade – surgem devido às mudanças nas
rosos documentos sobre proteção das pessoas
modalidades delitivas e o seu agravamento; é
e grupos vulneráveis.
o caso do crime organizado, do delito econó-
mico, do tráfico e da escravidão de pessoas, O Prefácio – prólogo de uma obra – significa o
do crime cibernético, da violência familiar conju- escrito que se antepõe ao material da obra, com
gal, dos maus-tratos infantis, do abandono, das a sua mensagem sobre o que receberá o leitor
pessoas desaparecidas e da corrupção gover- e a advertência sobre a importância do texto.
namental e industrial. Os danos intencionais ao E é incontestável que o trabalho excecional do
meio ambiente, o silêncio das vítimas, a impu- livro, coordenado pelas Professoras Laura M.
nidade, a lentidão das respostas policiais e da Nunes e Ana Isabel Sani, permite ao leitor, e
justiça, e outros, promovem estudos aprofunda- em especial a quem trabalha nestas delicadas
dos, reflexões, investigações e conhecimentos, problemáticas vinculadas à violência, tanto teó-
bem como a necessidade de uma atualização ricas como práticas, ter acesso a observações,
científica, metodológica e social permanente.
estudos de investigação e respostas assisten-
Perguntas que nos conduzem a novos interro- ciais atuais num amplo contexto criminológico
gantes sobre o agravamento nas modalidades e vitimológico.

• IV •
PREFáCIO

O Manual Criminologia e Vitimologia é, pos- Cavalcanti, Antonio Carlos da Silva, Natália Fer-
sivelmente, o primeiro manual editado – o nandes e Marta Silva.
agradecimento à Editora Pactor, que inclui
O livro está dividido em duas partes: a primeira,
esta obra nas suas edições de Ciências So-
referente à criminologia, à contextualização
ciais, Forenses e da Educação – que relaciona
do crime, às diversas teorias, à criminologia
e apresenta, num mesmo texto, os enfoques
forense, à tarefa policial e à prevenção; e a
criminológicos e vitimológicos. Este facto valo-
segunda parte, referente à vitimologia e aos
riza e dimensiona a obra científica coordenada
seus conceitos, à história e teorias, às modali-
pela Professoras Laura M. Nunes e Ana Isabel
dades da vitimação e à violência infantojuvenil,
Sani, com a valiosa e destacada colaboração
familiar, entre gerações e contra migrantes,
de Rui Leandro Maia, Cândido da Agra, Rui
considerando a vitimologia e o sistema de
Mateus Joaquim, Mônica Resende Gamboa, justiça e, também, a vitimologia e os Direitos
Antonio de Pádua Serafim, Josefina Cas- Humanos.
tro, Eduardo Ponte Brandão, Celina Manita,
Margarida Matias, Margarida Simões, Cátia Uma obra útil e necessária para os profissionais
Pontedeira, João Próspero-Luís, Joana Torres, que trabalham nas diferentes áreas da dificílima
José Soares Martins, Isabel Dias, André Paulino tarefa de enfrentar o delito – a criminalidade – e
Piton, Ana Guerreiro, Miguel Saraiva, Carlos Fa- que representam uma consciência moral e ética
rinha, Aline Lobato, Raquel Reis Guerra, Olga da estrutura sociocultural.
Cunha, Marina Pinheiro, Vânia Salgadinho, A criminologia e a vitimologia ensinam que é ne-
Joana Daniel-Wrabetz, Cláudia Cruz, José cessário um olhar prospetivo, para evitar o delito,
Antunes Fernandes, Annie Lees, Lars Korsell, as novas consequências e o agravamento da
Pedro Pechorro, Rui Abrunhosa Gonçalves, violência, bem como um olhar preventivo, tanto
Jorge Quintas, Fernando Almeida, Diana Mo- criminológico como vitimológico. Entenda-se a
reira, Pedro Miguel Freitas, Teresa Lancry A. S. prevenção como eixo central de sociedades e
Robalo, Vanessa Azevedo, Dália Costa, Sofia culturas, focada no respeito à pessoa.
Neves, Ariana Correia, Mafalda Ferreira, Sandra
Walklate, Carlos S. Peixoto, Renata Benavente, Hilda Marchiori
Ana María Peligero Molina, Inês Sousa Guedes, Professora da Universidade Nacional de Cór-
Cynthia Silva, Helmut Kury, Ana Barbeiro, Mauro doba, Argentina
Paulino, Laura Alho, Pedro Cunha, Ana Paula
Monteiro, António Castanho, Frederico Moyano Fevereiro de 2021
Marques, João Lázaro, Vanessa Ribeiro Simon Tradução: Marta Arróniz
© PACTOR

•V•
PARTE
I

CRIMINOLOGIA
1 CRIME E
CRIMINOLOGIA

2 CRIMINOLOGIA:
PERSPETIVAS TEÓRICAS

3 CRIMINOLOGIA
FORENSE

4 CRIME, PREVENÇÃO
E POLICIAMENTO

5 CRIMINOLOGIA,
DESVIO E JUSTIÇA
INTRODUÇÃO
Este é um livro com duas faces: a da crimino- Importava também dar voz à criminologia fo-
logia e a da vitimologia, ambas distintas, mas rense, com apresentação do que se considera
não de costas, já que uma se faz acompanhar profiling, bem como da psicologia criminal e da
da outra. Também por isso pareceu pertinente perícia psicológica, não olvidando a análise de
publicar esta obra num volume único, em que risco, perigosidade e reincidência criminal.
não se dissociam essas duas vertentes de um Teria sido imperdoável que fossem esquecidas
domínio que acaba por ser um só. as questões de segurança, policiamento e pre-
O livro foca-se, numa das suas partes, em venção criminal, a que não falta o olhar sobre
temas da criminologia, iniciando-se com um crime transnacional e criminalidade local, aten-
enquadramento, conceptual, histórico e de na- dendo-se sempre à prevenção, dos pontos de
tureza mais pragmática, através da exploração vista teórico e das práticas já testadas, e com
resultados francamente positivos.
das medidas do crime.
Desvio e justiça estão particularmente presentes
Seguem-se depois as perspetivas teóricas da
em textos voltados para a delinquência juvenil
criminologia, com enfoque sobre o positivismo
e a justiça tutelar, atendendo-se a fenómenos
clássico e as abordagens de cariz biológico,
como a relação droga-crime, não deixando em
as abordagens psicológicas, bem como as
branco questões como a doença mental, o sis-
de caráter psicodinâmico, a que não faltaram
tema prisional e a reinserção social.
as grelhas interpretativas da linha psicomoral,
fenomenológica e de análise à personalidade Procura-se, desta forma, abordar a criminologia
criminal. Evidentemente, não são esquecidas como um todo e, concomitantemente, fazê-lo
as perspetivas cognitivas, integradoras e pro- de forma distribuída entre diversos contributos,
cessuais. multidisciplinares, complementares e, portanto,
enriquecedores neste domínio.
Já no plano da sociologia do crime, coloca-se o
foco sobre as teorias do consenso e do conflito, Em suma, a obra apresenta a criminologia e a
vitimologia revisitadas, sob díspares pontos de
não deixando de se salientar as perspetivas
vista e em distintos quadrantes.
ecológicas/ambientais e as novas perspetivas
criminológicas. As Coordenadoras
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• XVII •
ÍNDICE GERAL

Prefácio ..............................................................................................................................III
Hilda Marchiori
Os Autores ....................................................................................................................... VII
Introdução ...................................................................................................................... XVII

CRIME E CRIMINOLOGIA ............................................................................................... 1


1.1. Contextualização: Crime e criminologia ............................................................ 3
Laura M. Nunes
1.2. Medidas e dimensões do crime ......................................................................... 5
Rui Leandro Maia
1.3. Como se faz a história da criminologia? Do modelo ingénuo ao método
histórico‑crítico ................................................................................................. 13
Cândido da Agra

CRIMINOLOGIA: PERSPETIVAS TEÓRICAS ............................................................... 19


2.1. Perspetivas (psico)biológicas do crime ........................................................... 21
Rui Mateus Joaquim
2.1.1. Teorias clássicas e o positivismo ......................................................... 27
Mônica Resende Gamboa e Rui Mateus Joaquim
2.1.2. Criminologia e empirismo ..................................................................... 31
Antonio de Pádua Serafim
2.2. Perspetivas psicológicas do crime .................................................................. 36
Josefina Castro
2.2.1. Perspetivas psicodinâmicas para o crime ........................................... 39
Eduardo Ponte Brandão
2.2.2. Perspetivas psicomorais e fenomenológicas ...................................... 43
Celina Manita e Margarida Matias
2.2.3. Perspetivas da personalidade criminal ................................................ 47
Margarida Simões
2.2.4. Perspetivas cognitivas (do crime) ........................................................ 53
Cátia Pontedeira
© PACTOR

• XIX •
MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

2.2.5. Perspetivas processuais ....................................................................... 58


João Próspero-Luís
2.2.6. Perspetivas integradoras do crime....................................................... 62
Joana Torres
2.3. Perspetivas sociológicas do crime .................................................................. 67
José Soares Martins
2.3.1. Teorias do consenso ............................................................................. 73
José Soares Martins
2.3.2. Teorias do conflito ................................................................................. 86
Isabel Dias e Ana Sani
2.4. Novas perspetivas criminológicas ................................................................... 93
André Paulino Piton e Ana Guerreiro
2.5. Perspetiva ecológica/ambiental da criminologia ............................................ 98
Miguel Saraiva

CRIMINOLOGIA FORENSE ......................................................................................... 107


3.1. Ciência criminal e especialistas forenses...................................................... 109
Carlos Farinha
3.2. Psicologia investigativa e criminal profiling .................................................. 116
Aline Lobato
3.3. Psicologia forense e avaliação pericial ......................................................... 123
Raquel Reis Guerra
3.4. Análise de risco, perigosidade e reincidência ............................................... 130
Olga Cunha e Marina Pinheiro

CRIME, PREVENÇÃO E POLICIAMENTO .................................................................. 139


4.1. Crime organizado e transnacional ................................................................. 141
Vânia Salgadinho e Joana Daniel-Wrabetz
4.2. Diagnóstico local de segurança..................................................................... 146
Ana Sani e Laura M. Nunes
4.3. Crime, polícia e policiamento ......................................................................... 151
Cláudia Cruz e José Antunes Fernandes
4.4. Redes de prevenção criminal: O exemplo da Suécia ................................... 157
Annie Lees e Lars Korsell

• XX •
ÍNDICE GERAL

CRIMINOLOGIA, DESVIO E JUSTIÇA ........................................................................ 165


5.1. Delinquência juvenil e justiça tutelar ............................................................. 167
Pedro Pechorro, Rui Abrunhosa Gonçalves e Jorge Quintas
5.2. Relação droga‑crime ...................................................................................... 172
Laura M. Nunes
5.3. Doença mental e crime................................................................................... 177
Fernando Almeida e Diana Moreira
5.4. Sistema prisional e reinserção social ............................................................ 186
Pedro Miguel Freitas

Índice remissivo .............................................................................................................. 193


© PACTOR

• XXI •
CRIMINOLOGIA FORENSE 3

intervenção do perito, pessoa não autómato, na


vertiginosa velocidade de resposta, num ime-
3.1. CIÊNCIA CRIMINAL E diatismo permanente, num tempo instantâneo,
ESPECIALISTAS FORENSES e iludindo a ponderação, a validação de proce-
Carlos Farinha dimentos e perícias, a morosidade necessária
das conclusões.
Palavras‑chave: Efeito CSI; Investigação cri- A acrescer a tudo isto, a frequente confusão
minal; Ciência forense; Polícia científica; Prova entre possibilidade e garantia, entre hipótese
pericial. de resultado e certeza da verificação de resul-
tado, em todas as situações, parecendo não
Segundo Aristóteles, “Os ignorantes afirmam, haver margem de erro, além do equívoco de
os sábios duvidam e os sensatos refletem…”. que tudo se reconduz à intervenção da ciência
forense, como se a investigação criminal ficasse
Refletir implica, sempre, posicionarmo-nos na
reduzida a uma nova tipologia de intervenção,
qualidade de observador sobre determinado
monopolizando no seio desta toda a verdade da
objeto. Bem sabemos que o observador con-
justiça. Bem sabemos, da visão real que temos
diciona o objeto observado, pelo que a visão
de ter, que estas lógicas conduzem à identifica-
que vamos tendo das coisas é uma visão si-
ção da modernidade com a atividade de ciência
tuada, uma espécie de quinto ponto cardeal, o
forense, como se num instante tudo o resto
centro, a partir do qual não aceitamos perder
fosse obsoleto, pouco credível, duvidoso.
o norte; assumimos, porém, com honestidade
intelectual, um olhar a partir da vivência de mui- Sempre entendemos a investigação criminal
tos anos.1 como “conjunto de diligências que, nos termos
da lei processual penal, se destinam a averiguar
É, portanto, a partir daqui que observamos a
a existência de um crime, determinar os seus
realidade e que damos conta da extraordi-
agentes e a sua responsabilidade e descobrir
nária evolução da ciência forense nos últimos
e recolher as provas, no âmbito do processo.
tempos, no apoio à investigação criminal e no
A investigação criminal constitui uma área do
contributo para a prova científica; evolução de
conhecimento especializado que tem por objeto
conhecimento acrescido e evolução de repre-
de análise o crime e o criminoso e por objetivo a
sentação social, do hermetismo tradicional ao
tentativa de reconstituição da verdade material
fenómeno mediático, num deslumbramento de
dos factos penalmente relevantes e a demons-
eficácia que nos reconduz ao efeito CSI, uma
tração da sua autoria. Conjunto encadeado e
espécie de nova luz, de novo foco sobre o con-
preordenado de atos, num processo crimi-
tributo que o saber científico pode transmitir à
nal, destinado a averiguar a existência de um
investigação criminal, reforçando a racionali-
crime, a descobrir e recolher provas, a fim de
dade e a cientificidade dos procedimentos e
perseguir e punir os seus agentes. Sequência
lógicas.
lógica e cronológica de diligências, no âmbito
Porém, a imagem atraente que, hoje, se pro- de um processo, mais ou menos formais” (Braz,
paga encerra alguns equívocos. Desde logo, 2009).
a interiorização de infalibilidade da tecnolo-
Além do conceito, importa reconhecer a in-
gia e das bases de dados, desprezando a
vestigação criminal como uma atitude de
1
Um posicionamento que, sendo institucionalmente vin- aproximação e busca da verdade material, na
culado, influenciado por 39 anos de carreira na Polícia coexistência equilibrada entre o esforço de
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Judiciária (PJ), não vincula a instituição PJ, na medida em


que só o autor é responsável pelos seus comentários e
procura de respostas e a noção da margem per-
pontos de vista. manente de otimização dos resultados. Ou seja,

• 109 •
ESQUEMA-RESUMO DO CAPÍTULO 4

Crime

Organizado Criminalidade
transnacional local
Prevenção criminal

ü Diagnóstico local de
Exemplo prático do exterior: segurança (DLS);
ü Sistema policial;
ü Entre a ciência e as práticas;
ü (Re)Pensar
ü Sistema de aplicação no
policiamento;
terreno;
ü Adequar localmente
ü Trabalho em rede;
policiamento.
ü Adequação comunitária;
ü Estrutura de baixa pirâmide e
comunicação célere.

(Mutuamente influenciáveis)
CRIME, PREVENÇÃO E POLICIAMENTO 4

dos fenómenos é interpretada, mas também


como as questões de investigação são defini-
4.1. CRIME ORGANIZADO E das, os métodos selecionados e os resultados
TRANSNACIONAL interpretados.
Vânia Salgadinho Apesar de as pesquisas empíricas poderem ser
Joana Daniel-Wrabetz guiadas por diferentes modelos paradigmáticos
(Tang, 2011), o presente texto visa explorar o
Palavras‑chave: Crime organizado; Paradig- uso de três paradigmas específicos no contexto
mas; Reducionismo; Holismo; Dialética. do crime organizado – o reducionismo, o ho-
lismo e o dialético –, exemplificando como cada
NOTA INTRODUTÓRIA um deles pode contribuir para a produção de
O crime organizado é um fenómeno complexo conhecimento científico nesta área. Assim, o
que pode ser estudado de acordo com dife- subcapítulo começa por abordar algumas pre-
rentes modelos de análise. Modelos analíticos missas filosóficas do reducionismo e do holismo
podem ser definidos como representações e como estas, mesmo não declaradas, têm
abstratas da realidade que permitem reduzir vindo a ser utilizadas no estudo deste fenómeno.
a complexidade de um problema ou aconte- Posteriormente, são dados exemplos de alguns
cimento, de forma a possibilitar a sua análise dos seus contributos e limitações, terminando
(Giere, 2004). Porém, os modelos que escolhe- com uma apresentação dos pressupostos que
mos para analisar um determinado fenómeno sustentam o uso de uma abordagem dialética
dependem, sobretudo, da nossa perceção na análise do crime organizado.
sobre a realidade e da forma como achamos
que esta deve ser investigada, ou seja, do ABORDAGEM REDUCIONISTA E
nosso paradigma (Maxwell, 2013). Em inves- HOLÍSTICA DO CRIME ORGANIZADO
tigação científica, o termo “paradigma” pode
ter diferentes significados, no entanto, neste O reducionismo e o holismo são dois modelos
texto, este conceito deve ser entendido como paradigmáticos que, tal como outros paradig-
um conjunto de crenças ou padrões de pen- mas, se dedicam à natureza dos fenómenos
samento compartilhados entre os membros vivos e à forma como estes devem ser anali-
de uma determinada comunidade científica ou sados. Enquanto o paradigma reducionista
área de especialidade (Kuhn, 2012). defende que um determinado fenómeno con-
siste num conjunto desagregado de partes,
Alguns autores sustentam que os investigado-
sendo cada uma delas composta por pro-
res devem declarar, de forma explícita, o seu
priedades estruturais, o holismo postula que
enquadramento paradigmático (Bauwens, Ken-
nes, & Bauwens, 2013), mas, curiosamente, os diferentes componentes de um fenómeno
nem todos estão conscientes dos pressupostos estão interligados numa vasta rede de rela-
filosóficos que os guiam (Maxwell, 2011). Mas ções, dando, por isso, origem a propriedades
porque é necessário identificar os paradigmas emergentes. Do ponto de vista metodológico,
que informam e orientam os nossos estudos? o reducionismo implica a decomposição de
Os paradigmas desempenham um papel fun- um fenómeno nas suas partes individuais e a
damental no campo da investigação científica, análise das propriedades estruturais de cada
funcionando como “mapas intelectuais”, que uma, de forma isolada. Por outro lado, o ho-
nos guiam ao longo de todo o processo. Por lismo visa estudar um fenómeno com base no
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exemplo, de acordo com Morgan (2007), estes seu contexto mais amplo, incluindo a análise
influenciam não só a forma como a natureza das relações entre as suas partes ou entre o

• 141 •
MANUAL DE CRIMINOLOGIA

Exemplos de objetivos de prevenção: Exemplos de objetivos de prevenção:


• Aumentar os níveis de confiança na • Melhorar o relação cidadão-polícia;
polícia; • Reforçar o sentimento do cidadão
• Diminuir as “cifras negras” do crime; de pertença à comunidade;
• Reforçar o apoio à vítima de violên- • Diminuir a insegurança e o medo do
cia e crime. crime.

Estatísticas
DLS
criminais oficiais

Diagnóstico do Observação dos


meio escolar espaços físicos

Exemplos de objetivos de prevenção: Exemplos de objetivos de prevenção:


• Promover a “Escola Aberta”; • Incorporar o direito à cidade na ro-
• Fomentar o potencial e a inovação tina dos cidadãos;
dos jovens; • Disseminar informação sobre a se-
• Reduzir os comportamentos antis- gurança dos espaços;
sociais. • Reduzir as oportunidades de crime.

Figura 4.1 – Objetivos de prevenção por fontes primárias e secundárias de análise

ou aos contextos do desvio (prevenção se- formas ajustadas de “organização, métodos


cundária). Obviamente que se o problema e abordagens”?
está instalado e a nossa intervenção assume 4. Caracterize os três níveis de prevenção cri-
um caráter remediativo, com vista a minimizar minal.
os efeitos que possam decorrer da presença 5. Dê exemplos de estratégias de prevenção
de crime, estamos perante uma prevenção de criminal, associando-os aos níveis distintos
nível terciário. Este tipo de intervenção pode já de prevenção.
envolver outros subsistemas (por exemplo, o
sistema de justiça, as polícias, o sistema prisio-
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
nal, o apoio social), sendo também por isso que
acarretam mais custos financeiros. Seja qual Azevedo, V., Nunes, L. M., & Sani, A. (2020).
Diagnóstico local de segurança em comunidades
for a intervenção mais usada, importa que não
urbanas: Da teoria à prática. In R. Estrada et al.
existam efeitos contraproducentes (aumento da (Eds.), Crime, (in)segurança e mediatização (pp.
insegurança e do medo das pessoas, entre ou- 153-171). Edições UFP.
tros). Ao Estado compete garantir a segurança Caridade, S., Nunes, L. M., Sani, A., Gonçalves, M.
e não gerar outras inseguranças, pelo que uma J., Oliveira, A., Rodrigues, C., & Xavier, M. (2019).
reflexão profunda sobre o tipo de mecanismos Análise do meio escolar na perspetiva dos agentes
educativos: Características, dinâmicas e condutas.
e de propostas que possam ser sugeridos para
Revista Portuguesa de Investigação Educacional,
fazer prevenção criminal é muito importante.
19, 67-89. Disponível em: https://revistas.ucp.
pt/index.php/investigacaoeducacional/article/
view/5293 [acedido em 20/12/2020].
QUESTÕES-CHAVE
DGAI – Direção-Geral de Administração Interna.
1. Em que consiste um diagnóstico local de se- (2009). Manual de diagnósticos locais de
segurança: Uma compilação de normas e práticas
gurança (DLS)?
internacionais (Trad. M. Correia). Ministério da
2. Quais são os pressupostos-base de uma
Administração Interna. Disponível em: https://
abordagem de prevenção criminal? efus.eu/files/fileadmin/efus/Publications/Manual_
3. Considerando as boas práticas internacio- Seguranca_miolo_166pp_23_12_09.pdf [acedido
nais, como pautar a prevenção criminal por em 20/12/2020].

• 150 •
MANUAL DE
VITIMOLOGIA
Coordenação
Laura M. Nunes
Ana Sani
Cibercrime I Crime I Direitos da criança I Direitos humanos I Forças de segurança I
Género I Justiça restaurativa e mediação I Políticas sociais de apoio à vítima I
Sistema de justiça I Violência em relações de intimidade I Violência infantil e juvenil I
Violência intergeracional I Vitimologia forense I Vitimação institucional I
aura M. Nunes
Vitimação de populações desviantes e de migrantes (refugiados)

9 789896 931186
1 VIOLÊNCIA, CRIME
E VITIMOLOGIA

2 VITIMOLOGIA:
HISTÓRIAS E TEORIAS

3 VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA
E DE CRIME

4 VITIMOLOGIA, DESVIO
E TRANSGRESSÃO

5 VITIMOLOGIA E SISTEMA
DE JUSTIÇA

6 VITIMOLOGIA, DIREITOS
HUMANOS E POLÍTICAS
INTRODUÇÃO
Este é um livro com duas faces: a da crimino- específicas, como pessoas dependentes de
logia e a da vitimologia, ambas distintas, mas drogas e com conduta delinquente, socialmente
não de costas, já que uma se faz acompanhar mais fragilizadas e migrantes. A vitimação ins-
da outra. Também por isso pareceu pertinente titucional encontra também, neste livro, um
publicar esta obra num volume único, em que espaço para debate.
não se dissociam essas duas vertentes de um
domínio que acaba por ser um só. Na estreita associação da vitimologia com o
sistema de justiça resultam temas como a vi-
No contexto dos temas da vitimologia, en- timologia forense, assim como reflexões em
quanto um dos domínios explorados nesta
torno da vítima e modelos de justiça, bem
obra, que se dedica também à criminologia,
como da vítima e modelos de mediação. Já no
após um enquadramento teórico sobre a ví-
plano das políticas e dos direitos humanos, ex-
tima e a vitimologia, bem como de formas e
ploram-se temas como a proteção à vítima, as
processos de vitimação referentes à violência e
ao crime, passa-se à história e às teorias, per- questões de género, os direitos da criança e as
correndo um eixo temporal, até se perspetivar o políticas sociais de apoio à vítima.
futuro neste domínio do conhecimento. Numa Assim, a vitimologia é apresentada sob perspe-
parte dedicada a vítimas de violência e crime, tivas genéricas e, simultaneamente, sob olhares
é o momento de se abordar a violência infan- mais específicos e de caráter pluridisciplinar.
tojuvenil, bem como em contexto de relações
íntimas e em termos intergeracionais, não dei- Em suma, a obra apresenta a criminologia e a
xando de se visitar as questões do cibercrime. vitimologia revisitadas, sob díspares pontos de
vista e em distintos quadrantes.
Atendendo à vitimação em contexto desviante,
é explanada a vitimação de populações mais As Coordenadoras
© PACTOR

•V•
ÍNDICE GERAL

Introdução .......................................................................................................................... V

VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA ............................................................................. 1


1.1. Enquadramento: Vítima e vitimologia ................................................................ 3
Ana Sani
1.2. Violência, crime e vitimologia: Contextualizações ............................................ 6
Ana Sani e Teresa Lancry A. S. Robalo
1.3. Vitimação: Formas e processos ....................................................................... 12
Vanessa Azevedo e Ana Sani

VITIMOLOGIA: HISTÓRIAS E TEORIAS ....................................................................... 21


2.1. Perspetiva histórica da vitimologia .................................................................. 23
Ana Sani
2.2. Vitimologia positivista e radical ....................................................................... 27
Dália Costa
2.3. Vitimologia crítica ............................................................................................. 38
Sofia Neves, Ariana Correia e Mafalda Ferreira
2.4. Perspetivas futuras em vitimologia.................................................................. 43
Sandra Walklate

VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA E DE CRIME ......................................................................... 51


3.1. Violência infantil e juvenil ................................................................................. 53
Carlos S. Peixoto e Ana Sani
3.2. Violência em relações de intimidade ............................................................... 60
Ana Sani e Renata Benavente
3.3. Violência intergeracional .................................................................................. 67
Ana María Peligero Molina Ana Sani
3.4. Vitimação por cibercrimes................................................................................ 74
Inês Sousa Guedes e Cynthia Silva
© PACTOR

• VII •
MANUAL DE CRIMINOLOGIA E VITIMOLOGIA

VITIMOLOGIA, DESVIO E TRANSGRESSÃO ............................................................... 83


4.1. A vitimação de populações desviantes: O toxicodependente
e o delinquente ................................................................................................. 85
Laura M. Nunes e Ana Sani
4.2. Vitimação de migrantes (refugiados) ............................................................... 89
Helmut Kury
4.3. Vitimação institucional ................................................................................... 103
Ana Barbeiro

VITIMOLOGIA E SISTEMA DE JUSTIÇA .................................................................... 111


5.1. Vitimologia forense ......................................................................................... 113
Mauro Paulino e Laura Alho
5.2. Vítima, justiça restaurativa e mediação ......................................................... 119
Pedro Cunha e Ana Paula Monteiro
5.3. A vítima e as forças de segurança ................................................................. 125
António Castanho

VITIMOLOGIA, DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS ................................................ 135


6.1. Limiar mínimo de direitos das vítimas de crimes .......................................... 137
Frederico Moyano Marques e João Lázaro
6.2. Vitimação, género e direitos humanos .......................................................... 143
Vanessa Ribeiro Simon Cavalcanti e Antonio Carlos da Silva
6.3. Promoção, proteção e direitos da criança .................................................... 149
Natália Fernandes
6.4. Políticas sociais de apoio à vítima ................................................................. 156
Marta Silva

Índice remissivo .............................................................................................................. 165

• VIII •
1
VIOLÊNCIA, CRIME
E VITIMOLOGIA
ESQUEMA-RESUMO DO CAPÍTULO 1

Violência

Crime
Direito
Vitimologia Criminologia
Criminal

Processos de vitimação
Formas de vitimação

Função de:
Quanto a:
ü Tipologia de violência;
ü Natureza da violência; ü Experiências;
ü Envolvimento; ü Processo de vitimação;
ü Nível; ü Recuperação.
ü Reconhecimento/(In)Visibilidade.

Ligação
Enquadramento
Contextualização
VIOLÊNCIA, CRIME E VITIMOLOGIA 1

rapidamente reduziram o papel de vítima ao de


testemunha (Godfrey, 2018). O monopólio do
1.1. ENQUADRAMENTO: VÍTIMA E Estado relegou a vítima a uma posição de in-
VITIMOLOGIA visibilidade, que apenas em meados do século
Ana Sani XX (após a Segunda Guerra Mundial) reemergiu,
atribuindo-se-lhe um novo estatuto, simbolica-
mente construído neste período.
NOTA INTRODUTÓRIA
Na atualidade, o conceito de “vítima” está bas-
A violência e o crime são fenómenos tão anti-
tante associado à lei criminal. Em Portugal, a
gos quanto complexos, e o manifesto interesse
Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, no artigo
científico associado ao seu estudo tem permitido
2.º, define “vítima” como “a pessoa singular
encontrar formas de os combater. Se é certo
que sofreu um dano, nomeadamente um aten-
que a compreensão destes fenómenos exige
tado à sua integridade física ou mental, um
uma abordagem aos seus agentes, aos alvos
dano moral, ou uma perda material, directa-
e às dinâmicas e processos que possam estar
mente causada por acção ou omissão”. Este
envolvidos, não menos certo é que a atenção
conceito é reforçado quando, em 2015, a Lei
prestada à vítima é recente. Retratando a origem
n.º 130, de 04 de setembro, aprova o estatuto
da palavra, passando pela compreensão do seu
da vítima, transpondo a Diretiva 2012/29/UE do
significado e abrangência e cobrindo múltiplas
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de
situações em diversos contextos, abrimos es-
outubro de 2012.
paço para o debate das dinâmicas de vitimação,
do estatuto, e firmamos a importância da vitimo- Outros diplomas legais esclarecem que a noção
logia enquanto ciência autónoma, mas implicada de vítima vai muito além do fenómeno criminal,
necessariamente com a criminologia. Assim, estendendo-a à dimensão social e reconhe-
neste subcapítulo exploramos alguns dos con- cendo critérios não somente objetivos, mas
ceitos centrais associados ao estudo da vítima. também subjetivos, que evocam processos
e dinâmicas na compreensão e no estudo da
CONCEITOS CENTRAIS EM VITIMOLOGIA vítima. Assim, realcemos a noção de vítima pre-
sente na “Declaração dos Princípios Básicos de
A palavra “vítima” deriva do latim victima e esteve Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e
originalmente ligada à ideia de sacrifício, como de Abuso de Poder” (United Nations General
retratado na história bíblica de Caim e Abel Assembly, 1985), adotada pela Assembleia-
(Treffers, 2019), ainda que sem o uso daquela -Geral da Organização das Nações Unidas
palavra para designar a pessoa que sofre um (ONU) na sua Resolução n.º 40/34, de 29 de
ato praticado por um agressor. As civilizações novembro de 1985, que se refere a “pessoas
ancestrais deram ressonância a esta associa- que, individual ou coletivamente, tenham so-
ção (vítima e sacrifício), através da condução frido um dano, nomeadamente um dano físico
de atos sacrificiais exibidos em cerimónias re- ou mental, um sofrimento emocional, um pre-
ligiosas. Apenas mais tarde, nas sociedades juízo económico ou um atentado importante
anglo-saxónicas primitivas, as vítimas passaram aos seus direitos fundamentais, em resultado
a ser entendidas como pessoas, que, por terem de atos ou omissões que violem as leis penais
sido alvo de uma ofensa, deveriam ser compen- em vigor nos Estados Membros, incluindo as
sadas por quem infringia a lei, o que acabou por leis que criminalizam o abuso de poder” (United
implicar o Estado no processo de realização da Nations General Assembly, 1985: 1). De acordo
justiça. Entre o século XVII e o século XVIII, este com o mesmo diploma (United Nations Gene-
© PACTOR

envolvimento do Estado e os interesses que ral Assembly, 1985: 1), o termo “inclui também,
foram emergindo decorrentes desta intervenção sendo caso disso, os familiares próximos ou

•3•
MANUAL DE VITIMOLOGIA

TEORIA DA CRENÇA NO MUNDO JUSTO • O equilíbrio ou consonância cognitiva, que


nos leva a formar conjuntos e conjugações
Em meados dos anos 60 do século XX, Lerner
entre coisas positivas, separando-as das ne-
(1980) desenvolveu pequenas investigações
gativas, por exemplo, associando bondade e
empíricas sustentadas pelas suas observações
enquanto psicólogo clínico e professor numa felicidade, maldade e punição (Heider, 1958).
faculdade de medicina. No seu trabalho com Estes mecanismos estruturam a crença de que
doentes mentais, observava médicos do hos- “as coisas boas acontecem a pessoas boas”;
pital a culpabilizarem os doentes mentais pela o seu contrário remete para a ideia de que as
sua situação e pelo modo como reagiam às coisas más, negativas, que geram sofrimento
dificuldades com que se confrontavam devido acontecerão a pessoas más ou, por outras
à doença ou ligadas à doença. Enquanto pro- palavras, merecedoras. Esta crença permite
fessor universitário, observava também uma explicar a adoção de determinadas condutas,
tendência dos seus alunos para a atribuição incluindo a omissão de auxílio a pessoas que,
de culpa às pessoas em situação de pobreza. noutras circunstâncias ou contexto, seriam
Estas análises levaram-no a conceber que, sujeitos de compaixão, reagindo-se com empa-
mais do que uma atitude discriminatória, es- tia e prestando-se auxílio (Lerner & Goldberg,
taria perante uma função adaptativa. A teoria
1999).
da crença no mundo justo (usualmente referida
como CMJ) assenta na tese de que as pessoas As crenças, em geral, e a que permite explicar a
rejeitam a possibilidade de não serem capa- interpretação de determinadas pessoas acerca
zes, no sentido de se sentirem impotentes para de outras, por vezes racionalmente identificadas
dominar e alterar o seu destino. Na década de como estando em sofrimento, são importantes,
1970, sobretudo a psicologia deu um impor- por terem uma dimensão volitiva, ligando-se às
tante contributo para esta tese, demonstrando atitudes. As atitudes negativas sustentam, por
que quando as pessoas sentem essa impo- seu turno, a desvalorização e/ou a culpabiliza-
tência ocorre uma deterioração da integridade ção da vítima, a negação do seu sofrimento e/
física e emocional do organismo (Leftcourt, ou a racionalização da ocorrência criminal ou
1976; Wortman & Brehm, 1975). outra. Lerner (1980) acrescenta que esta ati-
O processo de construção desta crença, num tude também se manifesta quando recusamos
mundo justo, é social e ocorre por via de dois ou adiamos tomar conhecimento de algo que
mecanismos: ameaça a CMJ, incluindo recusar ver notícias,
adiar consultas médicas, lidar com o resultado
• A generalização, quer de experiências ante- de exames de diagnóstico ou negar a gravidade
riores, incluindo experiências pessoais em de determinada situação ou do seu impacto.
que uma conduta socialmente reprovável
traz efeitos negativos, sendo esta ligação A noção de que existe sofrimento merecido,
identificada e interpretada e funcionando do ponto de vista cognitivo, permite admitir a
como aprendizagem, quer de ensinamentos existência de sofrimento não merecido. Aqui,
integrados na sabedoria popular (como o o mecanismo do equilíbrio cognitivo permite,
adágio “cá se fazem, cá se pagam”), no pa- quando alguém é vítima, repor o equilíbrio. O
trimónio sociocultural, incluindo as histórias processo cognitivo, explicado de forma sim-
tradicionais (e as fábulas, como a da cigarra plista, é o seguinte: “Aconteceu-me a mim por
e da formiga, da lebre e da tartaruga, entre acaso (azar, destino ou outro), mas quem me
outras que contribuem para a construção de causou sofrimento terá o que merece, mais
uma moral que ajuíza os comportamentos); cedo ou mais tarde.”.

• 34 •
MANUAL DE VITIMOLOGIA

VIOLÊNCIA FILIOPARENTAL Maccoby e Levin (1957) cunham o termo


“síndrome dos pais abusados”. Por sua vez,
Uma das últimas tipologias de violência familiar
Harbin e Madden (1979) definem a violência
que, cronologicamente, deixou de permanecer
contra os pais como ataques físicos ou amea-
na esfera privada do lar foi a violência dos fi-
ças verbais e não verbais ou danos físicos. Já
lhos aos pais (Agustina & Romero, 2010). De
Laurent e Derry (1999) e Wilson (1996) refe-
acordo com Straus, Gelles e Steinmetz (1981),
rem-se ao fenómeno como um ataque físico
as poucas evidências científicas em relação às
repetido ao longo do tempo, realizado pelo
crianças que agridem os pais dever-se-iam à
menor contra os pais. Ibabe e Jaureguizar
necessidade de preservar o mito de que todas
(2011) e Aroca Montolío, Lorenzo e Miró (2014)
as crianças amam e respeitam os pais. Se-
consideram que, embora não exista uma de-
gundo Cornell e Gelles (1982), as causas seriam
finição empírica clara de VFP, a mais utilizada
a menor aceitação social desse tipo de violên-
na pesquisa é a de Cottrell (2001), que a define
cia e a maior vergonha dos pais, relutantes em
como qualquer ato de abuso (físico, psico-
procurar ajuda ou chamar a atenção para a
lógico ou financeiro) das crianças que cause
sua situação, por medo de serem responsabi-
medo nos pais e vise obter poder e controlo
lizados por ela. Pereira Tercero (2011) refere o
sobre estes. Posteriormente, Cottrell e Monk
sentimento de fracasso dos pais, a vergonha de
(2004) expandem a definição a outras vítimas
serem agredidos por uma criança e a proteção
potenciais, além dos pais, definindo VFP como
da imagem da família como alguns dos inibido-
qualquer ação de adolescentes com o objetivo
res da denúncia. Cuadros (2010) acrescenta
de causar danos económicos, psicológicos ou
o medo de romper os laços familiares como
físicos aos pais e/ou às pessoas que os subs-
resultado da separação forçada imposta pelo
tituem. Na mesma linha, Pereira Tercero (2006)
sistema penal e da qual derivam as retratações
define VFP como implicando comportamentos
das denúncias.
repetidos de violência física (agredir, bater, em-
Um fator decisivo para a visibilidade do fenó- purrar, arremessar objetos), verbais (insultos
meno (que permaneceu oculto como um dos repetidos, ameaças) ou não verbais (gestos
conflitos existentes em famílias com disfun- ameaçadores, quebra de objetos apreciados),
cionalidades) tem sido o seu surgimento em dirigidos aos pais e adultos cuidadores. Mais
famílias aparentemente normativas, que não recentemente, Ortega Ortigoza (2015) sinte-
recorrem a serviços sociais ou psiquiátricos. tiza os vínculos existentes entre as definições,
Segundo Agustina e Romero (2010), a dimen- concluindo que existem três dimensões que
são pública que a violência entre pais e filhos relevam para a definição: i) a intencionalidade;
alcançou no início do século XXI constitui uma ii) a busca de poder e controlo; e iii) a repetição
consequência da significativa evolução cultural de comportamentos violentos.
das relações paterno-filiais, mediante a qual se
Os estudos de revisão que analisaram a preva-
proíbe legalmente o direito dos pais à correção.
lência do fenómeno mostram diferenças óbvias
De acordo com a mesma fonte, em poucos
entre as investigações (Ulman & Straus, 2003).
anos, passou-se de um modelo autoritário
Aroca Montolío e colaboradores (2014) atribuem
para outro baseado numa cultura democrá-
essas diferenças estatísticas às divergências
tica pouco compreendida, na qual adultos e
metodológicas dos estudos: a definição utili-
crianças passam a assumir uma situação de
zada (violência física ou psicológica); o tamanho
igualdade na tomada de decisões (Agustina &
da amostra; a natureza da amostra (clínica, ju-
Romero, 2010).
dicial ou população geral); a composição (filhos,
As primeiras definições de violência filiopa- ambos os pais ou apenas um dos pais em famí-
rental (VFP) são breves e genéricas. Sears, lias monoparentais); a delimitação etária (idade

• 68 •

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