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VITIMOLOGIA: A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA VÍTIMA PARA CASOS DE

ESTUPRO

Thamyres Machado Valarini1


Sara Rodrigues Ferreira Martins2
Jéssica Batista Martins3

Resumo: o exposto trabalho tem como objeto aprofundar de maneira íntegra a incumbência
da vitimologia no processo criminal, em especial, em casos de estupro. Bem como, verificar o
liame precípuo entre essa vertente e compreender por completo todos os tópicos desde a
resolução do caso à busca pela justiça. Ademais, identificar o papel da vitimologia dentro de
um ordenamento jurídico é um dos passos mais importantes na busca pela sociedade mais
justa e segura, com um foco ainda maior quando se trata de crimes contra a dignidade sexual
previsto nos arts.213 à 229 do Código Penal.

Palavras-chave: Vitimologia; Estupro; Criminologia; Crimes contra a dignidade sexual;

INTRODUÇÃO

Ao falar-se em crime, é natural, desde muito tempo, que se discuta a ação e o autor, as
circunstâncias do ocorrido e o contexto histórico-social que o cercam. Todavia, a partir da
Segunda Guerra Mundial e das mazelas deixadas pelo nazismo, a criminologia adotou uma
nova perspectiva a somar-se com as demais, o olhar para e a partir da vítima. No presente,
contamos com a vitimologia como ferramenta essencial na análise do crime, que coloca em
evidência no estudo o indivíduo vítima e seu comportamento anterior e posterior ao fato,

1
thamyres.mv@gmail.com
2
Thamyres Machado Valarini – Discente Unifimes.
3
Vínculo institucional.
buscando sempre uma visão completa do cenário observado, bem como, uma decisão justa,
como o previsto no art. 59, caput do Código Penal brasileiro.
A vitimologia era discutida desde as primeiras civilizações, quando a autotutela era um
meio comumente aceito e a vítima tinha poder de escolha em relação à punição do réu.
Todavia, essa ciência, acompanhada da justiça de modo geral, passou por diversas mudanças
e voltou a ser estudada apenas no final da Segunda Guerra Mundial, diante dos tantos crimes
praticados pelo nazismo alemão. Somente na década de 50 foi criado o Instituto de
Vitimologia pelo criminólogo e jurista Benjamim Mendelsohn (1956) e o papel da vítima
voltou a ser parte importante do processo penal e do estudo dos juristas.
Apesar de ser frequentemente citada como parte da criminologia, a vitimologia é
considerada por muitos doutrinadores, como Hasn Von Hentig, Fredeick Wertham e o próprio
Mendelsohn, uma ciência autônoma. Entende-se que classificá-la como elemento de outra
disciplina é reduzir seu objeto ao estudo unicamente da vítima, quando, na verdade, ela
abrange muito mais que isso, o contexto social e jurídico no qual ela se insere, os diretos
humanos, os fatores precedentes e as consequências do crime, além do posicionamento da
sociedade, do Direito e do Estado frente aos casos.
Quando associada aos crimes de estupro, a vitimologia evidencia a importância de seu
papel, uma vez que seu estudo e sua execução resultam na disseminação de informação sobre
o assunto, no fortalecimento da rede de proteção social, no reconhecimento das vítimas
concretas ou em potencial, na reparação dos danos, quando houver possibilidade, e no
fomento à promoção de políticas públicas voltadas à prevenção e à difusão dos canais de
denúncia.

METODOLOGIA

Para obter resultados e respostas sobre a problematização, será utilizada uma pesquisa
descritiva para analisar a vitimologia e toda a sua relevância nos casos de abuso sexual, seja
dentro do processo ou mesmo em relação às vítimas, a partir de uma crítica composta por
importantes autores da área.
A finalidade é demonstrar a importância de abordar uma temática tão atual e conseguir
servir como alerta para a sociedade. Como objeto empírico, foram selecionados os materiais
necessários para a construção deste texto. Todos foram escolhidos para serem enquadrados
como núcleos ativos e com trabalho constante dentro das ciências criminais, afim de difundir
este assunto.
A partir dos conceitos apresentados pelos autores da criminologia e da vitimologia, o
trabalho analisará a atuação desses objetos empíricos, compreendendo a função no processo
penal dos crimes contra a dignidade sexuais e analisando a situação das vítimas deste ato
criminoso.
O estudo terá um caráter essencialmente qualitativo, com ênfase na observação e
estudo documental, ao mesmo tempo que levará os levantamentos com todas as pesquisas
bibliográficas já feitas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

I- O conceito sob análise da criminologia


A vitimologia é considerada uma ciência nova e é um instrumento fundamental do
sistema jurídico, graças ao qual é possível traçar estratégias governamentais e, além disso,
garantir um processo mais justo em nossa sociedade.
O termo foi exposto pela primeira vez em 1947 com o advogado Benjamin
Mendelsohn, que defendeu a autonomia da vitimologia da criminologia, embora por muito
tempo, ainda seja extremamente relevante dentro das ciências criminais e, como já
mencionado, um dos pontos de dissolução e busca de justiça.
No Brasil, a Vitimologia foi dissertada através Paul Cornil com seu artigo
“Contribuição da Vitimologia para as ciências criminológicas'' e publicado pela Revista da
Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Paraná em 1958. Por meio desta grande
construção traga por Cornil, esta Ciência passou a ser abordada com frequência no Brasil e
utilizada nas prelações e teses posteriores.
Etimologicamente, a vitimologia pode ser definida como uma análise da vítima, mas
isso seria muito simples e limitado, este ramo não é dedicado apenas àqueles que sofrem os
danos diretos do delito.
É possível verificar e traçar uma visão de que a vitimologia é um novo caminho
biopsicossocial de extrema relevância jurídica e social. Através de sua visão integra e
completa, que consegue atingir desde da psicologia até o direito nos permiti a chegar o mais
próximo de justiça e fazer com que a vítima se sinta amparada e protegida.

II- Análise da vitimologia e dos crimes sexuais

Impor, obrigar ou aproveitar-se da situação vulnerável de alguém para forçar a prática


de ato sexual é denominado estupro, é uma agressão, um ato de violência e/ou coação. O
estupro é um delito que tende a acontecer clandestinamente, ocorre através da coação da
vítima pelo criminoso, quando há violência ou grave ameaça e acontece a conjunção carnal ou
outro ato libidinoso. É uma transgressão inafiançável que fere a dignidade sexual da vítima e
provoca inúmeros traumas. Segundo o artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, um
crime hediondo e, de acordo com a Lei 13.718\18, uma ação penal pública incondicionada.
O Código Penal estabelece:

Artigo 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter


conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato
libidinoso: pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. § 1o Se da conduta
resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18
(dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: pena - reclusão, de 8 (oito) a 12
(doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: pena - reclusão, de 12 (doze) a
30 (trinta) anos.

A vítima de violência sexual pode passar pelos três graus de vitimização classificados
pela vitimologia. É vítima primária da transgressão legal, o estupro, e de todas as
consequências físicas e psicológicas que aquele ato poderá lhe causar. É vitima secundária do
sistema, que na maioria das vezes se volta apenas para a busca e apreensão do delinquente,
não utilizando da cautela mínima necessária, não se importando com os direitos da vítima e
nem considerando os traumas sofridos. E é uma vítima terciária quando as pessoas mais
próximas a envergonham, quando fazem comentários de mal gosto, os quais fazem ela sentir-
se ainda pior, quando a culpam pelo estupro, quando a julgam e não a apoiam.

No livro Resumo de Criminologia, Lélio Braga Calhau aborda algumas questões


importantes:

Não existem soluções mágicas no controle da criminalidade. A prevenção do


delito é um dos principais objetivos da moderna Criminologia, que busca o
controle razoável da criminalidade, não a utopia do seu completo
desaparecimento. A Criminologia busca pesar a eficácia do controle do crime e
os custos sociais para a sociedade civil. [...] uma das principais preocupações da
Criminologia é com a qualidade da resposta ao fenômeno criminal. (p.14-15)

A partir de tal análise, é possível definir a relevância de se estudar os crimes sexuais


dentro da criminologia, reconhecer o crime, a vítima, suas classificações e danos físicos e\ou
mentais gerados pelo delito, encontrar o criminoso e um padrão, caso exista, e as
consequências que a ilegalidade gera na sociedade, buscando uma prevenção para evitar que o
ato ocorra novamente.

Grande parte da população vem contribuindo para a manutenção da prática de tal


infração, garantindo a perpetuação da cultura do estupro, por meio de comerciais,
propagandas, cenas de novelas e músicas que são machistas, que banalizam a resposta
negativa da mulher ou que expõe uma violência sexual e romantizam quem a praticou, além
disso, há pessoas que relacionam o caráter e o valor da mulher com o modelo da roupa que ela
usa, com a quantidade de bebida alcóolica que ela ingeriu, com quem ela se relaciona ou até
mesmo com a sua profissão.

A cultura do estupro precisa ser dissolvida, já que quanto mais forte ela fica, mais
ilegalidades tendem a ocorrer. Em 2021, conforme o Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
foram registrados 56.098 estupros de mulheres, no Brasil, isso significa dizer que, uma
mulher foi vítima de estupro a cada dez minutos, levando em conta apenas os casos que
chegaram às autoridades.

As mulheres são privadas de diversas oportunidades e vontades apenas pela sua


condição feminina, os homens, ao contrário, dificilmente têm alguma conduta limitada. São as
mulheres que são julgadas por usar determinado tipo de roupa, são elas que quando são
simpáticas e educadas já estão “se oferecendo”, além de tudo, são as mulheres que são
assediadas na rua, violentadas e julgadas, questionadas e culpabilizadas acerca do crime. Elas,
que são as vítimas, e muitas vezes são responsabilizadas por terem sido estupradas e ainda
desestimuladas a denunciar. É válido mencionar o que Amanda Rossito Bernardino dissertou:

A restrição da liberdade da mulher pelo medo de ser estuprada, violentada, ou até


mesmo morta pelo simples fato de sua condição feminina, é a exata definição prática
de cultura do estupro. Ou seja, a aceitação e a normalização da prática do estupro
numa sociedade torna-se um fenômeno grave e que precisa ser investigado.
O estupro e o assédio (sexual ou moral) cometidos contra a mulher, são os únicos
crimes em que a vítima sempre é encarada com extrema suspeição pela sociedade.
Há uma espécie de culpabilização da mulher. “Mas ela estava de saia curta”, “mas
ela estava indo para uma festa”, “mas ela não deveria andar sozinha a noite”, “mas
com essa roupa ela estava pedindo”, “mas ela estava provocando”- nenhum
argumento deve, em nenhuma instância, normalizar ou justificar atos bárbaros e
criminosos como o estupro. (Bernardino, Amanda Rossito, p.2)

É importante ressaltar, portanto, que violência sexual não pode ser normalizada, não
há argumento que justifique ou legitime o estupro. São os infratores que precisam ser
ensinados a não estuprar e mudarem de conduta, não são as vítimas que precisam ser
ensinadas a não serem estupradas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Mediante o exposto, pode-se concluir, com base no aprofundamento na vitimologia e


no seu contexto histórico-social, o processo de culpabilização da vítima de estupro. Como ela
é vista aos olhos da criminologia, do direito e da sociedade. Ademais, como esse olhar e a
resposta desses sujeitos perante o crime, o réu e a vítima refletem em todo o processo penal e,
ainda, nas mais diversas esferas da vida do sujeito passivo posteriores à tal violação de seus
direitos e de sua integridade físico-emocional.
Examinamos a vítima e como ela foi esquecida e, posteriormente, voltou à tona no
âmbito do Direito Penal. Percebemos sua relevância e a primordialidade da busca por
mudanças que visem o resguardo de sua dignidade humana no processo ao qual ela é
submetida após o crime, mitigando os constrangimentos impostos pelos procedimentos, além
do apoio que precisa ser prestado aos vulneráveis. Entendemos também a necessidade de
movimentos e campanhas a fim de minimizar o machismo e a cultura do estupro enraizados
na sociedade e promover o esclarecimento acerca do tema às grandes massas, bem como,
orientar e incentivar a denúncia.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 2848/1940, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Rio de


Janeiro, 7 dez. 1940.
LIMA, Maria Rafaela G.; ALVES Marlon Bruno; RIBEIRO, Lara de Paula. Um
Estudo Sobre a Culpabilização da Mulher Vítima de Estupro À Luz da Vitimologia JNT-
Facit Business and Technology Journal. Ed. 33. V. 2. Págs. 245-263.
BARROS, Lívya R. S. M. de; JORGE-BIROL, Aline P. Crime de Estupro e a Vítima:
a discriminação da mulher na aplicação da pena. In: Revista do Ministério Público de
Alagoas. Nº 21, p. 135-156, jan/jun. 2009
SENASP. Pesquisa Nacional de Vitimização. Questionário SENASP. Datafolha: maio
de 2013.
BURIGO, Joanna. A cultura do estupro. Carta Capital – Sociedade. 2016.Disponível
em:https://www.cartacapital.com.br/sociedade/a-cultura-do-estupro. Acesso em 01 de maio de
2018
G1.globo.com - Um em cada 3 brasileiros culpa mulher em casos de estupro, diz
Datafolha, Acesso em 20 Agosto. 2018
A importância da palavra da vítima nos crimes de estupro praticados no ambiente
doméstico e familiar. Vanessa Steffany Freitas, 2018.
Disponivelem:http://hdl.handle.net/11624/2183. Acesso em 15 de agosto de 2018
BARROS, Flaviane de Magalhães. A Participação da Vítima no Processo Penal. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
FERNANDES, Antonio Scarance. O papel da vítima no processo criminal. São Paulo:
Malheiros Editores, 1995.
JESUS, Damásio E. de. Direito penal. 22. ed., Vol. I; São Paulo: Saraiva, 1999.

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