Você está na página 1de 17

Catarina Teixeira Marques de Sousa

Vítimas de violência doméstica: Definição,


direitos e proteção

Unidade Curricular Políticas de Justiça Penal

Professor Docente Pedro Jacob Morais

Mestrado em Ciências Criminais

2022/2023
Índice

Introdução ......................................................................................................................... 2

Definição legal de vítima de crime ................................................................................... 2

Definição de violência doméstica ..................................................................................... 3

Conceito de vítima ao longo do tempo ............................................................................. 4

Estatuto de vítima: Princípios e direitos ........................................................................... 5

Estatísticas sobre violência doméstica .............................................................................. 9

Prevenção e proteção das vítimas de violência doméstica ............................................... 9

Conclusão ....................................................................................................................... 12

Referências ..................................................................................................................... 14

Legislação ....................................................................................................................... 15

1
Introdução

O presente trabalho surge no âmbito da Unidade Curricular Políticas de Justiça


Penal e vem enquadrado na problemática da proteção das vítimas. A escolha de tratar do
tema de violência doméstica surge do facto de ser um problema atual e pertinente,
sobretudo pelas cifras negras assocadas a este crime. Torna-se, portanto, relevante discutir
sobre violência doméstica e sobre os mecanismos que existem para prevenção e proteção
para alertar a comunidade e desmistificar a denúncia e o pedido de ajuda.

Na elaboração deste trabalho em primeiro lugar fez-se uma revisão da literatura


sobre o tema e procedeu-se a apresentar um enquadramento, com a definição de vítima
de crime e de violência doméstica.

Passou-se por explicar como o papel da vítima mudou ao longo do tempo para se
chegar ao Estatuto da Vítima. Quanto a este Estatuto referiu-se os princípios e direitos a
ele inerente.

Relatou-se algumas estatísticas sobre violência doméstica em Portugal e por fim,


explicou-se como se procede à prevenção da violência doméstica e como se protege as
vítimas deste fenómeno.

Definição legal de vítima de crime

O conceito de vítima apresenta uma panóplia de definições. A definição legal de


“vítima” surge com a Lei n.º 130/2015 de 4 de setembro, que alterou o Código do
Processo Penal e aprovou o Estatuto da Vítima efetuando a transposição da Diretiva
2012/29/UE de 25-10-2012, esta lei veio trazer normas relativas aos direitos e à proteção
das vítimas de criminalidade e trazer esta conceitualização de vítima que há época era
inexistente, com exceção ao crime de violência doméstica previsto no artigo 152.º do
Código Penal, no nosso ordenamento jurídico.

Portanto, segundo o artigo 676.º- A do Código do Processo Penal, considera-se


“vítima” a pessoa singular que sofreu um dano físico, psíquico, moral, emocional ou
patrimonial diretamente causado por ação ou omissão, no âmbito da prática de um crime
ou os familiares de uma pessoa cuja morte tenha sido causada por um crime e que tenham
sofrido um dano por consequência dessa morte. Pelo que, só em caso de morte da pessoa
singular por força do ato criminoso é que a lei atribui o estatuto de vítima a alguns dos
seus familiares.

2
Definição de violência doméstica

“Entende-se por violência doméstica toda a violência física, sexual ou psicológica


que ocorre em ambiente familiar e que inclui, embora não se limitando a maus-tratos,
abuso sexual das mulheres e crianças, violação entre cônjuges, crimes passionais,
mutilação sexual feminina e outras práticas tradicionais nefastas, incesto, ameaças,
privação arbitrária de liberdade e exploração sexual e económica. Embora
maioritariamente exercida sobre mulheres, atinge também, direta e/ou indiretamente,
crianças, idosas e outras pessoas mais vulneráveis, como os/as deficientes” (Resolução
do Conselho de Ministros nº 88/2003, de 7 de julho).

O crime de violência doméstica encontra-se explanado no art. 152.º do Código


Penal.

A violência doméstica engloba diferentes tipos de abusos, que podem ser


separados em violência emocional/psicológica, social, física, sexual,
financeira/económica e na perseguição.

Segundo a GNR (2021), a violência física abrange qualquer comportamento que


compreenda a utilização de força com o objetivo de causar dor e, ou, que impeça a
obtenção de bens essenciais alimentares e tratamentos de saúde. A violência psicológica
ou emocional traduz-se em qualquer atitude e, ou, comportamento, que desrespeite os
sentimentos da vítima e consequentemente a levem à culpabilização, e por vezes mesmo
ao isolamento. Violência sexual é qualquer comportamento que imponha práticas de cariz
sexual contra a vontade e sem o consentimento da vítima, sendo utilizadas ameaças, força
física, persuasão, uso de álcool ou drogas ou o recurso a uma posição de autoridade.
Qualquer comportamento que intente privar ou controlar o dinheiro da vítima sem que
esta deseje refere-se à violência económica. Na violência social enquadra-se qualquer
comportamento que vise controlar e, ou, impedir, a vida social da vítima. Pode ocorrer
através de estratégias para a afastar rede familiar e social impedindo a comunicação,
tornando-a mais facilmente manipulável e vulnerável. Por fim, a perseguição que é
qualquer comportamento que tenha o objetivo de atormentar a vítima, seguindo-a e
controlando todos os seus movimentos quando sai de casa.

Relevante referir que na violência doméstica se pode observar um destes tipos de


violência ou é mais frequentemente uma conjunção de vários.

3
Segundo a APAV, a violência doméstica funciona como um sistema circular,
chamado de Ciclo da Violência Doméstica e que se apresenta em três fases, regra geral.
A primeira fase é o aumento da tensão, onde o agressor cria na vítima uma sensação de
perigo iminente, com as tensões que são acumuladas no quotidiano através de injúrias e
ameaças. Na fase número dois, chamada de ataque violento, o agressor maltrata a vítima
física e psicologicamente, com tendência a serem maltratos cada vez mais frequentes e
intensos. Por fim, a fase da lua de mel, onde o agressor envolve a vítima em atenção e
carinho, desculpabiliza-se pelo que ocorreu e promete que irá mudar. “Este ciclo
caracteriza-se pela sua continuidade no tempo, isto é, pela sua repetição sucessiva ao
longo de meses ou anos, podendo ser cada vez menores as fases da tensão e de
apaziguamento e cada vez mais intensa a fase do ataque violento. Usualmente este padrão
de interação termina onde antes começou. Em situações limite, o culminar destes
episódios poderá ser o homicídio.” (APAV)

Conceito de vítima ao longo do tempo

Ao longo da história verificou-se que a vítima passou de ocupar um papel de


protagonista para uma figura esquecida, com a posição de mera informante, no Processo
Penal. Com o estabelecimento da Vitimologia como uma ciência autónoma, no âmbito da
Criminologia, a partir da segunda metade do século XX, sentiu-se a necessidade de se
conferir à vítima um papel de relevo na comunidade científica, tornando-se fundamental
que ela seja reconhecida como sujeito de direitos, conferindo-lhe o postulado da
dignidade da pessoa humana.

Inicialmente havia a ideia de que a resposta para certo crime devia ser
proporcional ao crime cometido. Fala-se aqui na Lei de Talião (“olho por olho, dente por
dente”). A considerada “idade do ouro da vítima” uma vez que esta tinha todo o
protagonismo na justiça penal e poderia então recuperar os danos sofridos por meio de
vingança privada, sem intervenção do Estado.

Posteriormente, com a Lei das XII Tábuas substituiu-se a vingança privada por
uma recuperação pecuniária do lesado pelo crime de que foi vítima.

O controlo dos poderes punitivos passou assim para o Estado e a repressão do


crime passou para a esfera pública, colocando a vítima em segundo plano no direito penal.

4
A partir do Iluminismo e das Escolas Positivistas surge o respeito pelo agente do
crime e pelos seus direitos, fazendo com que o Estado e o acusado se tornassem os
protagonistas do processo penal.

O interesse pela vítima ressurgiu após a Segunda Guerra Mundial, com os horrores
do holocausto procurou-se, a nível internacional e já na segunda metade do século XX,
encontrar “maior sentido de justiça para os direitos fundamentais e para a proteção de
todos aqueles que sofrem as consequências de atos criminosos” (cit.)

A Vitimologia como ciência que estuda a vítima, associada a este fator provocou
o ressurgimento da preocupação com as vítimas de crime. Também a descoberta da
percentagem de cifras negras através de inquéritos de vitimação e a ideia de que o Estado
tem de ser promotor de mecanismos indemnizatórios permitiu o maior contato das vítimas
de crime com o sistema de justiça.

Em 2001, surge a Decisão – Quadro nº 2001/220/JAI, do Conselho de 15-3-2001,


onde o Conselho da União Europeia vem preocupar-se com a vítima em Processo Penal,
na linha da prioridade conferida à criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça
com a entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, nesse mesmo ano de 2001.

A Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho veio substituir a


Decisão-Quadro de 2001 e resulta diretamente do Programa de Estocolmo (2010). Esta
Diretiva estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das
vítimas de criminalidade.

Em 2015, a Lei n.º 130/2015 de 4 de setembro veio consagrar pela primeira vez o
“Estatuto da Vítima” para todas as vítimas de crimes no direito interno português. A Lei
n.º 130/2015, de 4 de setembro alterou o CPP, nomeadamente através do aditamento do
artigo 67.º-A que passa a definir “vítima”, e que também aprova o novo “Estatuto da
Vítima”. Esta lei transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva 2012/29/UE do
Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012 e contém um conjunto de
medidas que visam assegurar a proteção e a promoção dos direitos das vítimas de crime.

Estatuto de vítima: Princípios e direitos

Em primeiro lugar, importa referir que o Estatuto da Vítima não gerou uma
mudança estrutural nem uma alteração qualitativa da posição da vítima no processo penal
português, mas antes uma mudança de perspetiva.

5
O primeiro princípio consagrado no Estatuto da Vítima é o Princípio da igualdade
(de oportunidades) e, segundo Pinto (2001) citado por Santos e Cerqueira (2017),
encontra-se decalcado do artigo 5º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (Regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência às suas
vítimas), com exceção da utilização de “saúde psíquica” em vez de “saúde mental” da
vítima para ser assim, mais abrangente.

O que este primeiro princípio implica é, por parte do sistema de justiça e das
instâncias formais de controlo, um tratamento sem discriminação para com as vítimas,
seja pela ascendência, nacionalidade, condição social, sexo, etnia, raça, língua, idade,
religião, deficiência, convicções políticas ou ideológicas, orientação sexual, cultura e
nível educacional da vítima.

O segundo princípio é o de Respeito pela dignidade pessoal da vítima e respeito


integral da sua vontade. “O Estatuto da Vítima, assegura à vítima, em todas as fases e
instâncias de intervenção, antes, durante e após a instauração e duração do processo penal
- pois o Estatuto não se aplica apenas na fase processual - tratamento com respeito pela
sua dignidade pessoal. Este princípio programático - com inúmeras aplicações práticas -
entronca no princípio basilar de todo o Estado de Direito, o respeito pela dignidade da
pessoa humana” (Santos e Cerqueira, 2017).

O âmbito deste princípio, referir o art.5.º do Estatuto da Vítima onde está


expressamente previsto o respeito integral pela vontade da vítima.

O direito à proteção (integridade física), respeito pela sua vida privada (sigilo de
informação) e acesso equitativo aos cuidados de saúde é também explanado no Estatuto
da Vítima. No art. 6.º do Estatuto é consagrado o princípio da confidencialidade, sendo
uma cópia do art. 8.º da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro e que estipula que os serviços
de apoio à vítima asseguram o respeito pela sua vida privada.

“O Estatuto consagra, nos artigos 15º a 25º e 27º, medidas concretas para proteção
física das vítimas de crime, como a garantia da sua segurança em caso de ameaça séria de
represálias e situações de revitimização ou indícios fortes de que a sua privacidade possa
ser perturbada. Tal proteção física também é assegurada aos seus familiares – artigo 67º-
A, n.º 1, al. c), do CPP.” (Santos e Cerqueira, 2017)

6
Em fase de inquérito, o juiz ou o Ministério Público pode determinar que seja
prestado apoio psicossocial à vítima desde que seja respeitada a autonomia da sua
vontade.

A vítima tem o direito a ser ouvida em ambiente informal e reservado de forma a


evitar que sofra pressões e que seja revitimizada.

“Os gabinetes de atendimento à vítima, em qualquer serviço dos órgãos de polícia


criminal têm de ser dotados de condições de privacidade para proteção da vítima,
transmitindo-lhe todas as informações necessárias” (Santos e Cerqueira, 2017). A APAV,
por exemplo, procura ajudar as vítimas de crime a exercer alguns dos seus direitos já
mencionados, prestando-lhes informação e esclarecimentos para orientar no percurso
institucional. Contudo, não representa vítimas de crimes em processos judiciais.

Uma questão interessante é que a garantia da segurança e salvaguarda da vida


privada das vítimas pode ser ultrapassada pela proteção à vítima e os seus familiares, que
está prevista no art. 15.º do Estatuto, sempre que as autoridades competentes - policiais
ou judiciárias - considerem que existe uma ameaça séria de represálias e situações de
revitimização ou fortes indícios de que essa privacidade possa ser perturbada.

No caso da vítima dar o seu consentimento, é consagrado o direito a apoio


psicossocial, se o juiz ou o Ministério Público, julgar imprescindível à proteção da
mesma.

O Estatuto da Vítima destaca ainda o direito das vítimas especialmente


vulneráveis e das crianças vítimas serem olvidadas, no seu art. 22.º.

Quanto ao direito a Indemnização e restituição de bens, o Estatuto da Vítima


reconhece no seu art. 16.º a toda a vítima de crime o direito a uma decisão relativa a
indemnização em processo penal por parte do responsável pelo crime e o imediato exame
e restituição dos bens pertencentes à vítima que sejam apreendidos em processo penal.

Existe ainda um regime específico em legislação avulsa, a Lei n.º 104/2009 de 14


de setembro, que aprova o regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes
violentos e de violência doméstica, que confere direito à concessão de um adiantamento
da indemnização pelo Estado, mesmo que as vítimas não se tenham constituído
assistentes ou que não possam vir a fazê-lo, “mas têm que se verificar três requisitos
cumulativos: que a lesão tenha provocado uma incapacidade permanente, uma

7
incapacidade temporária e absoluta para o trabalho de, pelo menos, trinta dias, ou a morte;
o facto tenha provocado uma perturbação considerável ao nível da qualidade de vida da
vítima ou, no caso de morte, do requerente; e não tenha sido obtida efetiva reparação do
dano em execução de sentença condenatória relativa a pedido deduzido nos termos dos
artigos 71º a 84º do Código de Processo Penal, ou, se for razoavelmente de prever que o
delinquente e responsáveis civis não venham a reparar o dano, sem que seja possível obter
de outra fonte uma reparação efetiva e suficiente.” (Santos e Cerqueira, 2017)

Às vítimas podem ainda ser conferidas medidas de apoio social e educativo e


terapêutico adequadas à recuperação física, psíquica e profissional, no quadro de
protocolos a celebrar entre a Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes (CPVC) e
entidades públicas e privadas pertinentes em razão da matéria.

Neste diploma, está previsto uma norma excecional para as vítimas de violência
doméstica, no que diz respeito ao adiantamento da indemnização pelo Estado apenas com
os seguintes requisitos: estar em causa um crime de violência doméstica praticado em
território nacional, previsto no artigo 152º, n.º1, do Código Penal e a vítima incorrer em
situação de grave carência económica em consequência do mesmo.

O Estatuto da Vítima assegura ainda o princípio e direito à informação, nos termos


do art. 11.º e 12.º, que correspondem aos artigos 15º e 17º da Lei n.º 112/2009, de 16 de
setembro, mas mais ampliados e precisos.

“Desde o primeiro contacto com as autoridades, ainda sem proceder a qualquer


denúncia, a vítima tem o direito a ser informada do tipo de serviços e organizações a que
pode dirigir-se para obter apoio, o tipo de apoio disponível, onde e como apresentar a
denúncia, os procedimentos subsequentes e o seu papel nos mesmos, como e em que
termos pode receber proteção, as condições de acesso a consulta jurídica, apoio judiciário
e outras formas de aconselhamento, os requisitos do seu direito a indemnização,
condições do direito a interpretação e tradução, procedimentos para denúncia se os seus
direitos não forem respeitados no contexto do processo penal, mecanismos especiais para
defesa dos seus direitos se residente em outro Estado, como e em que condições pode ser
reembolsada das despesas de participação no processo penal, e as condições para ter
direito à notificação das decisões proferidas no mesmo.” (Santos e Cerqueira, 2017).

8
O direito a assistência gratuita é assegurado à vítima, logo no momento de
apresentação de denúncia e ainda, o direito à tradução da confirmação da denúncia por
escrito.

A assistência gratuita é assegurada pelo Estatuto nos casos das vítimas que
preencham os requisitos da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, para beneficiar de apoio
judiciário, para terem acesso a consulta jurídica e o subsequente apoio judiciário e esta
medida encontra-se prevista no artigo 13º do Estatuto. De igual forma, no artigo 14º do
Estatuto da Vítima prevê-se o reembolso das despesas efetuadas pela vítima em resultado
da sua intervenção no processo penal, pelo arguido condenado, em função da posição
processual que ocupe no processo.

Por último, o direito de participação ativa no processo, no art. 67º-A, n.º4, do


Código de Processo Penal dispõem o previsto no Código e no Estatuto da Vítima,
conferindo-se à vítima o direito de colaboração com as autoridades policiais e judiciárias
competentes, prestando as informações e facultando provas de que disponha.

Estatísticas sobre violência doméstica

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna (RASI), 2021, a violência


doméstica contra cônjuge ou análogo apresenta índices de participação muito elevados
(26.520 participações em 2021), apesar de registar uma descida de 4% comparado com
2020. De referir que 93,6% dos denunciados e 73,3% das vítimas tinham mais de 25 anos
de idade e que dos denunciados 81% eram homens e 74,9% das vítimas eram mulheres.

Registou-se 639 casos de violência doméstica contra menores.

Quanto ao homicídio voluntário consumado em contexto de violência doméstica,


no ano 2021 registou-se 23 vítimas, 16 mulheres, 5 homens e 2 crianças e jovens do
género masculino.

Da população prisional, encontram-se 810 condenados por violência doméstica


243 reclusos preventivos. Desde, 208 a aguardar julgamento e 35 a aguardar trânsito em
julgado de decisão proferida.

Prevenção e proteção das vítimas de violência doméstica

A proteção das vítimas de violência doméstica é assegurada por Instrumentos


Jurídicos Internacionais de proteção das vítimas de crimes, que são de destacar a Diretiva

9
2011/99/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, que estabelece medidas europeias de
proteção, permite assegurar a proteção das vítimas de crime no espaço da União Europeia
de 13 de dezembro de 2011, e a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 25 de outubro de 2012, referida anteriormente.

Quanto a Portugal existe um Instrumento de Política Pública, na Estratégia


Nacional Para a Igualdade e Não Discriminação 2018-2030 encontra-se prevista a
prevenção à violência contra as mulheres e à violência doméstica (VMVD),
especialmente no “Plano de ação para a prevenção e o combate à violência contra as
mulheres e à violência doméstica 2018-2021 (PAVMVD)”. O PAVMVD tem como
principais objetivos “Prevenir – erradicar a tolerância social às várias manifestações da
VMVD; conscientizar sobre os seus impactos e promover uma cultura de não violência,
de direitos humanos, de igualdade e não discriminação; Apoiar e proteger – ampliar e
consolidar a intervenção; intervir junto das pessoas agressoras, promovendo uma cultura
de responsabilização Qualificar profissionais e serviços para a intervenção; Investigar,
monitorizar e avaliar as políticas públicas.” (Comissão para a Cidadania e a Igualdade de
Género, 2021)

No mesmo sentido a Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, que estabelece o regime


jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à proteção e à assistência das suas
vítimas, prevê que as forças de segurança garantem um nível adequado de proteção à
vítima, à sua família ou a pessoas em situação equiparada.

Em Portugal, a avaliação de risco é realizada pelas forças de segurança pela ficha


de avaliação (RVD), constituídas por 20 itens, o qual pretende apoiar a intervenção dos
elementos das Forças de Segurança na análise do nível de risco existente nas situações de
violência doméstica. Se da aplicação da ficha resultar o risco baixo a primeira reavaliação
deverá ser realizada até 60 dias e a segunda até 120 dias após a avaliação inicial. Caso
resulte o risco médio a primeira reavaliação deverá ser realizada até 30 dias e a segunda
até 60 dias após a avaliação inicial. Na eventualidade de resultar risco elevado a primeira
reavaliação deverá ser realizado até 7 dias e a segunda até 14 dias após a avaliação inicial.

Segundo o RASI (2021), foram efetuadas 26.977 avaliações de risco. No que se


refere ao nível de risco atribuído na avaliação inicial, 20,3% de casos foram classificados
de risco elevado, 50,9% de risco médio e 28,7% de risco baixo.

10
“No seguimento da denúncia das forças de segurança os superiores hierárquicos
elaboram Despacho com medidas a adotar para proteção da vítima. As medidas a adotar
podem ser as seguintes:

a) Propor ao Ministério Público medida de coação ao ofensor;

b) Verificar se se encontram reunidos os pressupostos para proceder à detenção


do suspeito fora de flagrante delito;

c) Sensibilizar a vítima para a importância de considerar a hipótese de se afastar


do ofensor, recorrendo a casa abrigo, ou casa de familiar;

d) Fornecer às vítimas as indicações de proteção pessoal (plano segurança);

e) Sinalizar a vítima para o programa de teleassistência;

f) Encaminhar a vítima para uma estrutura de apoio que diligencie no sentido dela
ser acolhida numa casa abrigo;

g) Reforço da informação relativa aos recursos de apoio;

h) Diligenciar sobre a apreensão de armas caso existam;

i) No caso de existirem crianças, sinalizá-las para a Comissão de Proteção de


Crianças e Jovens;

j) Promover a retirada de crianças nos termos do art.º 91.º da Lei 147/1999 de 1


de setembro;

k) Determinar contactos periódicos com a vítima;

l) Reforçar o patrulhamento de certos locais frequentados pela vítima trabalho,


residência;

m) Providenciar se necessário acompanhamento da vítima para retirar os bens da


habitação;

n) Promover o acompanhamento da vítima ao tribunal, segurança social e hospital;


o) E outras medidas consideradas necessárias e urgentes.” (Gonçalves, 2017)

Em casos mais complexos podem ser aplicados planos de segurança. Estes planos
consistem num conjunto de orientações e estratégias que visam a promoção da segurança

11
de determinadas vítimas de violência e das suas crianças, devido à sua especial
vulnerabilidade e de acordo com a avaliação de risco e são aplicados pelas polícias,

O Ministério Público pode também determinar ao órgão de polícia criminal (OPC)


a realização de atos processuais urgentes, como a tomada de medidas de proteção à vítima
e a promoção de medidas de coação, quando tem conhecimento da denúncia.

Nos casos de crime em flagrante delito, por crime de violência doméstica, os OPC
procedem à detenção do suspeito, constituindo-o arguido para ser apresentado a audiência
de julgamento sob a forma sumária ou a primeiro interrogatório judicial para aplicação
de medida de coação ou de garantia patrimonial. No sentido de reforçar a proteção
imediata das vítimas, o legislador preceitua que para além dos casos de flagrante delito
previsto no n.º 1 do artigo 257.º do Código de Processo Penal, a detenção fora de flagrante
delito pelo crime de violência doméstica pode ser efetuada por mandado do juiz ou do
Ministério Público, se houver perigo de continuação da atividade criminosa ou se tal se
mostrar imprescindível à proteção da vítima.

Segundo o RASI (2021), o modelo de auto de notícia/denúncia padrão de


violência a utilizar pela GNR, Polícia de Segurança Pública, Polícia Judiciária e pelos
Serviços do Ministério Público em situações e violência doméstica foi aprovado (Portaria
n.º 209/2021, de 18 de outubro). Também foi aprovado o Manual funcional a adotar pelos
OPC nas 72 horas subsequentes à apresentação de denúncia por maus-tratos cometidos
em contexto de violência doméstica.

Conclusão

Como foi possível observar e segundo Santos e Cerqueira (2017), a Convenção


de Istambul e o Estatuto da Vítima trouxe alterações relevantes que traduzem o
pensamento criminológico quanto à figura da vítima de crime. Contudo, mostram-se
ainda assim pontuais e não revelam uma transformação na estrutura do processo penal
português.

Para vítima que continua a não ter poder verdadeiro de conformação processual,
passa a existir uma série de princípios e direitos importantes como o direito de ser ouvida
enquanto vítima sempre que o requeira, no n.º 5 do Estatuto de Vítima, que prevê o direito
a colaborar com as autoridades policiais ou judiciárias, prestando informações e
facultando provas, os princípios de igualdade de oportunidades para viver sem violência,

12
do respeito pela dignidade pessoal e autonomia da vontade da vítima, e da informação.
Para além da homogeneização estabelecida para todas as vítimas de crimes, sem colocar
em causa os direitos concedidos para particulares tipos de vítimas, reforçando a proteção
de toda e qualquer vítima de criminalidade, entre outros.

Quanto às medidas no âmbito da proteção das vítimas de violência doméstica


previstas na Lei, Gonçalves (2017) revela serem insuficientes, visto que em maioria dos
casos ocorre revitimação, sobretudo pelas faltas de alternativas para as vítimas
abandonarem a sua morada de família ou as vítimas não pretendam abandonar a
residência.

Também realça o autor que as vítimas de violência doméstica não têm por muitas
vezes o atendimento especializado que está previsto, por falta de recursos humanos nas
instituições.

Concluindo, a violência doméstica é um problema que já tem vindo a aparecer nas


pautas de discussões, mas ainda é preciso um trabalho árduo, sobretudo no que diz
respeito à aplicação prática da Lei.

13
Referências

Associação Para Apoio à Vítima (2012) Violência Doméstica


https://apav.pt/vd/index.php/features2

Associação Para Apoio à Vítima. 25 medidas da APAV para um Plano dos Direitos das
Vítimas de Crime em Portugal.
https://apav.pt/apav_v3/images/pdf/25_medidas_plano_apoio_vitima.pdf

Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes () O que é uma vítima de crime?


https://cpvc.mj.pt/?page_id=35

Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes. Vítima de Crime https://cpvc.mj.pt/wp-


content/uploads/2018/03/Vitima_Crime.pdf

Comissão de Proteção às Vítimas de Crimes. Sobre a CPVC – Missão


https://cpvc.mj.pt/?page_id=49

Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (2021) Instrumentos de Polícia


Pública https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/instrumentos-de-politica-
publica/

Cruz, A. N., Brandão, A. P., Conceição, A. R., Gonçalves, F. da C., Martins F., et. al.
(2022) Prevenção, Policiamento e Segurança - Implicações nos Direitos Humanos I
Congresso Internacional JusCrim. Escola de Direito da Universidade do Minho; Centro
de Investigação em Justiça e Governação - JusCrim (Justiça Criminal e Criminologia)
https://www.jusgov.uminho.pt/pt-pt/publicacoes/prevencao-policiamento-e-seguranca-
implicacoes-nos-direitos-humanos/

Fonseca, F., Gonçalves, F. C., Monteiro, L. V., Cerqueira, M., Santos, M., Esteves, M.
L., Mendes M., Santiago, N., Guerra, P., Santos, M. (Coord.), & Grangeia H. (Coord.).
(2017) Novos desafios em torno da proteção da vítima: uma perspetiva multidisciplinar.
Centro de Investigação Interdisciplinar em Direitos Humanos – DH-CII.
https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/50675/1/EBOOK_Novos_desafios
_em_torno_da_protecao_da_vitima_2017.pdf

FRA — Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Criminalidade,


segurança e direitos das vítimas. https://fra.europa.eu/sites/default/files/fra_uploads/fra-
2021-crime-safety-victims-rights-summary_pt.pdf

14
Guarda Nacional Republicana (2021) Violência Doméstica
https://www.gnr.pt/Cons_VilolenciaDomestica.aspx

Monteiro, M. de A. V. (2020) A proteção das crianças vítimas de crime no Processo


Penal Português. [Dissertação de Mestrado, Universidade Católica Portuguesa]
Repositório Institucional da Universidade Católica Portuguesa.
http://hdl.handle.net/10400.14/31983

Rodrigues, A. M. (2005) Política criminal: novos desafios, velhos rumos. Repositório das
Universidades Lusíadas. http://hdl.handle.net/11067/5407

Santos, M. (2017) Estatuto da vítima e suas implicações no processo penal português.


[Dissertação de Mestrado, Universidade do Minho] Repositório aberto da Universidade
do Minho. https://hdl.handle.net/1822/51684

Silva, M. B. H. da. (2020) A proteção da vítima no processo penal: análise crítica da


evolução do estatuto processual da vítima. [Dissertação de Mestrado, Universidade de
Lisboa] Repositório da Universidade de Lisboa. http://hdl.handle.net/10451/49617

Sistema de Segurança Interna (2021) Relatório Anual de Segurança Interna 2021


https://www.portugal.gov.pt/download-
ficheiros/ficheiro.aspx?v=%3D%3DBQAAAB%2BLCAAAAAAABAAzNLI0NgcAIU
gtZwUAAAA%3D

Vieira, P. M., (2016) Vítima Enquanto Sujeito Processual e à Luz das Recentes Alterações
Legislativas. Revista Julgar; Coimbra Editora. http://julgar.pt/wp-
content/uploads/2016/01/08-V%C3%ADtima-enquanto-sujeito-processual-Pedro-M-
Vieira.pdf

Legislação

Lei n.º 55/2020, de 27 de agosto

Lei n.º 130/2015, de 04 de setembro (Estatuto da Vítima)

Resolução da AR n.º 4/2013, de 21 de janeiro (Convenção de Istambul)

Lei n.º 104/2009, de 14 de setembro (Regime de Concessão de Indemnização às Vítimas


de Crimes Violentos e de Violência Doméstica)

Código Penal Português

15
Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro (Regime Jurídico Aplicável à Prevenção da Violência
Doméstica e à Proteção e Assistência suas Vítimas)

16

Você também pode gostar