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§ 1º A acção
a imputação penal.
CASO nº 1: A e B, na companhia dum terceiro, andaram a beber, até que entraram na adega
dum deles para tomarem mais uns copos. Quando A se encontrava agachado para tirar vinho
duma pipa, com as pernas afastadas, de costas para B, este agarroulhe, por detrás, com força,
por los genitales. Nesse momento, o A, contorcendose com dores, girou bruscamente o corpo,
batendo com o cotovelo no B, que perdeu o equilíbrio e caiu, dando com a cabeça no chão de
cimento. B ficou por algum tempo inconsciente e depois, muito abalado, pediu que o levassem
a casa, recusandose a ir a um hospital. Veio a morrer cerca de uma hora depois, apresentando
contusão frontoparietal produzida na queda. Resumo dos factos apreciados pelo aresto de 23
decisão em Silva Sánchez, La función negativa del concepto de acción. Algunos supuestos
Nos anos 50 e 60, o conceito de acção foi uma das questões mais debatidas
geral de acção pode eliminarse logo tudo aquilo que nunca poderia integrar
uma acção.
que é a culpa. Com efeito (cf. Fernanda Palma), a “conexão de sentido pré
relevância penal, estaremos simplesmente perante uma não acção, face a algo
sentido conferido pela sociedade a uma tal situação faz com que se elimine à
epiléptico não se espelha uma acção com relevo jurídicopenal, a sua desdita
o tipo ideal de uma acção, o qual, todavia, não esgota a variedade dos
“Acção é um comportamento humano que é, ou pelo menos pode ser, dominado pela
vontade”. Roxin, Teoria da infracção; e AT, p. 179 e ss. “Não há crime sem conduta. Os delitos
CASO nº 1A: A sabe que sofre de epilepsia e até já foi afectado na rua por essa doença, sem
consequências para terceiros. Por isso, tem a preocupação de seguir à risca as prescrições dos
recomendado, contra o que era seu hábito. Apesar disso, pôsse ao volante do automóvel. Em
certa altura do percurso A sofreu um súbito ataque de epilepsia e perdeu o controle do carro,
que foi atropelar violentamente B, na altura em que este atravessava pela passagem destinada
aos peões.
CASO nº 1B: A seguia conduzindo o seu automóvel. No momento em que circulava por
uma curva entroulhe pela janela, que se encontrava aberta, um insecto num olho. A fez, por
isso, um “brusco movimento de defesa” com a mão. Este movimento comunicouse à direcção
do carro e o A perdeu o domínio da condução, de tal sorte que o automóvel entrou na faixa
contrária e aí chocou violentamente com outro que vinha em sentido contrário, tendo ficado
todos os casos de vis absoluta, à qual se não pode resistir (cui resistere non potest),
irresistível de quem lhe comanda a mão (vis absoluta), “faz” a assinatura alheia,
Diferente será o caso do indivíduo que imita a assinatura de outro sob a ameaça duma pistola
apontada à cabeça (vis compulsiva, a violência moral ou relativa): aquele que “assina” age,
mesmo que o seu comportamento, típico e ilícito, possa ser desculpado, por aplicação do artigo
35º — houve uma acção voluntária, ainda que desacompanhada da liberdade de decisão e de
inteiramente “desligadas”, esmaga com o seu corpo o filho que dorme a seu
lado não poderá ser penalmente responsabilizada por uma morte causada nesse
sonífero, omitindo uma determinada acção que tinha o dever de praticar, pode
ser responsabilizado tanto civil como criminalmente. É certo que também a mãe
filho ou na inacção do médico que chegou ao hospital, mas sim “na conduta
precedente que criou uma situação de perigo para determinados bens jurídicos,
jurídicos alheios” (Prof. Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, p. 92). (1) Nesse
dormir, podendo prever que durante o sono o seu corpo abafaria o do menino
1
“A asserção de Roxin segundo a qual “quem cai inconsciente e parte assim um vaso não agiu” deve
frontalmente contestar-se: pode perfeitamente conceber-se que o agente devesse ter tomado um remédio
para evitar o ataque, sabendo que se o não fizesse poderia praticar um certo ilícito típico; neste caso a pessoa
“agiu” e pode mesmo, em certas condições, ser jurídico-penalmente responsabilizada e punível”.
Figueiredo Dias, RPCC 1991, p. 39.
em dúvida que um caso destes seja —no limite— inteiramente alheio ao Direito,
observandose, com Armin Kaufmann, que o epiléptico foi por si mesmo ao local
onde tudo aconteceu. Por maioria de razão, se o epiléptico do caso nº 1A, por
a sua responsabilização será ainda mais evidente, mas com base numa actio
reflexos, que são causados por uma excitação de carácter fisiológico, um acesso
por se ter inclinado para trás, defendendose dum insecto que subitamente lhe
Mas até onde poderá ir um tal alargamento? É a vontade que separa a acção
humana do simples facto causal. Esta vontade tem sido entendida, como
observa Lenckner, na maior parte dos casos, como vontade consciente, de forma
que a qualidade de acção parece estar posta em dúvida naqueles casos em que a
guinar a direcção para a esquerda ou para a direita, fazer sinais de luzes, meter
umbral da consciência”.
Também por essa altura apareceu em voga a teoria final da acção. Para esta teoria
vincadamente, não teríamos outro remédio que não fosse negar o seu
era inadmissível uma tal solução (Das Deutsche StrafR, p. 153), ao escrever que,
por ex., o condutor tem de adequar a velocidade à medida do seu domínio das
anteriormente, a sua falta pode ser censurada ao autor na medida em que ele,
Por isso mesmo, nos automatismos, como no caso das reacções emocionais ou
carro, diz Roxin, AT, p. 205, a propósito deste caso julgado pelos tribunais
reacção em situações que não consentem qualquer reflexão, por nisso se perder
acções. De acordo com Roxin, AT, p. 155 e ss., as disposições para agir que são
humano.
funcional, da que emprega Roxin. Por um lado, dá como assente que a maior parte das formas
entende que o facto de as reacções automáticas associadas à circulação rodoviária poderem ser,
por vezes, qualificadas como erradas — embora, na maior parte dos casos, felizmente sejam
correctas — mostra que aqui não se trata da qualidade da acção, porque, negandoa, não se
casos distinguemse dos reflexos corporais puros, constituídos por reacções que “aparecem
como resposta (pessoal), dada pelo comportamento, a uma determinada situação”. De forma
que, acrescenta Lenckner, o limiar da não acção só se ultrapassa quando de todo estiver
No caso aqui apresentado como o caso nº 1B, Eser / Burkhardt apreciam assim
mantém, executandose, porém a uma velocidade tal que ao agente falta a possibilidade de
mobilizar as reacções inibidoras do comportamento (Bacigalupo), por ex., o autor mata quem
acaba de matar o seu próprio filho — em geral afirmase a existência de uma acção, já que
nestes casos sempre seria possível interpor uma vontade consciente a orientar o
comportamento.
conceito de acção.
saber.
culpa. Para se poder sustentar que existe uma acção basta saber que o sujeito,
No ilícito não se levavam em conta factores de outra natureza: tudo o que for
Mais tarde, quando o sistema evoluiu, por influência da filosofia de raiz neokantiana,
pelos sentidos, e cuja ausência determina a atipicidade da acção. A descoberta destes elementos
Por outro lado, o conceito causal de acção foi sendo progressivamente rejeitado como a pedra
angular do sistema penal e como portador das características do crime. Vem desse tempo a
ideia, que ainda hoje subsiste, do bem jurídico como princípio metodológico para a
Acção
I. Tipicidade
III. Culpa
1. Capacidade de culpa.
2. Dolo.
entre e facto e o seu autor, que tanto podia revestir a forma dolosa como a
contornos (cf. Welzel, p. 139). A culpa não se esgota numa simples relação
fundamenta a censura pessoal contra o agente, já que este não omitiu a conduta
avaliar o ilícito: o autor está em condições de se motivar de acordo com a norma por ter a
(“purificar”) a culpa àquilo que verdadeiramente ela deve ser: um “puro juízo
Direito Penal. Questões fundamentais. A doutrina geral do crime. UC, 1996, p. 329).
contrária à teoria causal, o seu ponto de enlace com o direito penal foi, como
finalista, o tipo engloba, juntamente com a sua parte objectiva (que tradicionalmente aparecia
como sendo a sua essência), uma parte subjectiva, formada pelo dolo e pelos restantes
elementos subjectivos específicos do ilícito (cf. Welzel, especialmente, p. 58: “nos delitos
dolosos, o tipo contém uma descrição precisa dos elementos objectivos e subjectivos da
finalistas, e o tipo configura acções, compreendese perfeitamente que se inclua o dolo, não
na culpa, mas no tipo. Todavia, o dolo não se esgota na finalidade dirigida ao tipo objectivo:
conhecimento e a vontade próprios do dolo. Deste modo, o erro do tipo excluirá o dolo, e
Ainda o dolo como elemento do ilícito. Uma das conclusões mais relevantes da
negligência não são elementos da culpa mas formas de infringir uma norma e,
consumação.
Acção.
I. Tipicidade
2. Tipo subjectivo.
a) Dolo
III. Culpa.
1. Capacidade de culpa.
conduta que o seu autor poderia ter evitado se estivesse para tanto motivado.
parede não tinha nas suas mãos evitar tão trágico desfecho.
causalistas e finalistas está dada por encerrada. Muita coisa ficou do sistema de
realização do tipo objectivo; para alguns (cf., entre nós, a exposição de Teresa
Serra, Homicídio qualificado, tipo de culpa e medida da pena, 1992, cuja leitura atenta se
poderá faltar num determinado caso concreto sem que desapareça o desvalor
da acção, v. gr., na tentativa inidónea (artigo 23º, nº 3). Cf. Welzel, p. 62.
O fim da teoria finalista ocorreu do modo como Thomas Kuhn descreveu o "impulso
não foram de algum modo acolhidos — e a sua metodologia não foram refutados, mas apenas
e as omissões.
O irmão de vinte anos, dominando perfeitamente a língua francesa, mete na cabeça da irmãzita
de oito anos, que não sabe uma palavra daquela língua, que deve cumprimentar a professora
de música com a saudação "Bonjour madame la cocotte", para (como diz) dar a esta uma
grande alegria. Neste caso, a pequenita "agiu" pronunciando palavras de sentido injurioso. O
facto de ter querido dizer algo de totalmente diverso é absolutamente indiferente para efeito do
sentido social do comportamento (dela). A professora teve de suportar uma expressão lesiva da
sua honra. Só quando nos aproximamos da valoração jurídicopenal relativa a esta "acção" é
que interessa ponderar que a pequenita considerou a sua actuação como acto de gentileza e
comportamento do irmão: embora não tenha dito palavra perante a professora, o seu
defendidos por nomes conhecidos como Roxin e Jakobs, que visam atribuir
que para nada contribuem sem que se atenda à missão do direito penal.
“Roxin ensina a pensar com os casos penais, extraindo deles, na sua significação social, a
possibilidade regulativa das normas. Quem desliga a máquina que mantém as funções
vegetativas de uma pessoa, quando a situação se tornou irreversível, não realiza uma acção
homicida, mas apenas uma omissão por fazer, exclusivamente punível se houver posição de
vida). A acção deixa de ser um conteúdo fixo e transcendental para se tornar um conceito
máquina, naqueles casos, apenas não mantém uma vida vegetativa e artificial, apenas não a
Na teoria do delito de Jakobs tem lugar cimeiro a circunstância de a pena ser determinada pela
sua função de prevenção geral positiva. “A pena é sempre reacção à infracção de uma norma.
Com a reacção, tornase óbvio que a norma é para ser observada —e a reacção demonstrativa
tem sempre lugar à custa do responsável pela infracção da norma”. A finalidade da pena
coincide com a reafirmação das normas e do ordenamento (prevenção geral positiva), o que se
normas mas a coincidência das suas soluções com determinados fins político
material nos casos concretos. A préestrutura das normas não seria então dada
pela acção mas pelos fins das penas. Cf. o estudo de Roxin, Contribuição para a
crítica da doutrina final, publicado pela primeira vez em 1962, e traduzido para
a justiça penal e a execução das penas não se vêem apenas na função de perseguir o ilícito
criminal e impor o castigo ao criminoso, mas que visam pelo menos o objectivo de
Einführung, p. 22.
O direito para que serve? "... aos valores substituemse os fins (subjectivos), aos fundamentos
"razão crítica" e de todas as "teorias críticas" nelas fundadas a favor de uma total
emancipação, tal como no plano social o materialismo utilitarista do bem estar, etc." A.
nº 3884, p. 325.
• A. Castanheira Neves, O Direito hoje e com Que Sentido? O problema actual da autonomia
• Alfonso Serrano Maíllo, Ensayo sobre el Derecho Penal como ciencia. Acerca de su
teóricos del sistema de la teoría del delito de Jakobs, ADPCP, vol. L, 1997.
• Claus Roxin, Strafrecht, Allgemeiner Teil, Bd. 1. Grundlagen, der Aufbau der
Lisboa, 1983/84.
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• Eb. Schmidt, Teoria da infracção social, in Textos de apoio de Direito Penal, tomo II, AAFD,
Lisboa, 1983/84.
• Edmund Mezger, Derecho Penal. Parte General. Libro de estudio. Tradução da 6ª ed.
• Eser / Burkhardt, Strafrecht I, 4ª ed., 1992. Há tradução espanhola com o título Derecho
• Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, especialmente, p. 471 e ss. e p. 542 e ss.
• Günter Stratenwerth, Derecho Penal, Parte general, I, El hecho punible, 1982, p. 107 e ss.
• H.H. Jescheck, Grundfragen der Dogmatik und Kriminalpolitik im Spiegel der Zeitschrift
• H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: Allg. Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução
espanhola.
• Hans Welzel, das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969. Há tradução parcial para o espanhol
com o título Derecho Penal Aleman, Parte general / 11ª edicion, 4ª edicion castellana, Editorial
• Johannes Wessels, Strafrecht, AT1, 17ª ed., 1993: há traduções para português e para
• Jorge de Figueiredo Dias, Sobre a construção da doutrina do crime (do facto punível), in
• Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, 1ª parte, Revista
• Jorge dos Reis Bravo, Critérios de imputação jurídicopenal de entes colectivos, RPCC 13
(2003), p. 207.
• José Cerezo Mir, Curso de derecho penal español, parte general, II. Teoría jurídica del
• José Cerezo Mir, El concepto de la acción finalista como fundamento del sistema del
• José de Sousa e Brito, Sentido e valor da análise do crime, Direito e Justiça, volume IV
1989 / 1990.
• Juan Bustos Ramírez, Manual de derecho penal español. Parte general, 1984, p. 170.
• Juan Cordoba Roda, Una nueva concepcion del delito la doctrina finalista, Barcelona,
1963.
• Maria Fernanda Palma, A teoria do crime como teoria da decisão penal (Reflexão sobre o
com que opera a decisão judicial sobre os fundamentos e limites da responsabilidade penal, in
• Paulo José da Costa Jr., Comentários ao Código Penal, 6ª ed. actualizada, Saraiva, 2000.
• Ruiz Antón, La acción como elemento del delito y la teoría de los actos de habla: cometer
Jurisprudenz, hrsg. von Dieter Simon, Suhrkamp, 1994, p. 282 e ss.; encontrase traduzido para
português com o título História das ideias penais na Alemanha do pósguerra, e publicado pela
AAFDL, 1995. Há também tradução espanhola, com o título La ciencia jurídico penal en la
Pela acção perguntamos de que é o homem capaz. Pelo ilícito perguntamos de que é que o
culpa perguntamos de que é que este homem é capaz (Kaufmann, apud Faria Costa, O
Perigo, p. 423).
Neste âmbito pode surgir a questão das chamadas leis penais em branco. O Prof. Cavaleiro de
Ferreira identificava a norma penal em branco como “aquela em que falta inicialmente o
que contém a ameaça penal, é completado por remissão para outra norma. As
possibilidades de remissão são para outro preceito contido na mesma lei penal, para
outra lei distinta ou para uma disposição de grau ou nível inferior (v. g., um
regulamento). Hoje em dia pode ilustrase o conceito com o artigo 279º, onde se exige
que a conduta do agente poluidor contrarie prescrições ou limitações que lhe foram
sob a cominação da aplicação das penas previstas para a prática do crime, constituindo
como que uma condição objectiva de punibilidade. Cf. o acórdão da Relação do Porto de
3 de Abril de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 235. Há quem encare de modo diferente os tipos
penais abertos, em que parte dos elementos constitutivos da infracção não estariam
sustentara que o carácter vago e incompleto de parte da norma penal que refere
17.4.2001, RMP 2001, nº 88. Ainda, Figueiredo Dias, RPCC 1991, p. 47, e O problema da
“Justificar é explicar as razões por que aconteceu um determinado facto ou por que se teve
2
Faltando um desses elementos (basta a falta de um), a conduta será atípica. Se a coisa não é alheia
ou o agente não actua com intenção de apropriação não poderá haver furto; se a mulher adulta consente na
cópula, não se poderá falar de crime sexual; se alguém entra a convite do dono da casa, o consentimento
exclui a tipicidade da conduta. Na falta de dolo, o crime, eventualmente, poderá ser castigado como
negligente (veja-se em especial o artigo 16º, nºs 1 e 3). Nem sequer haverá acção, como já vimos, nos actos
reflexos ou em caso de força irresistível, entre outros.
Como adverte Bustos Ramírez, com isto, o que se pretende é oferecer ao jurista uma proposta
Tratase de conceitos que se põem ao serviço do jurista que quer analisar e resolver casos
concretos, reais ou fictícios. Por conseguinte, têm uma finalidade essencialmente prática
Se a lei penal quisesse descrever apenas o comportamento voluntário violador do bem jurídico,
enquanto tal, diria simplesmente: “Quem, através de uma conduta voluntária, lesar o
bem jurídico propriedade (ou: vida; ou: integridade física, ou: pureza da administração
pública, etc.), será punido desta maneira ou daquela”. Uma norma destas, porém, seria
“Quem matar…” – aqui é necessária a morte de outra pessoa para que o crime de
tornar não utilizável coisa alheia”. Nestes dois últimos casos, exigese não só a lesão da
especialmente, na usura, o facto punível é descrito ainda com uma maior gama de
pormenores.
A revisão de 1995 optou por uma sistemática, ao que se diz, (ainda) mais
coerente do que a da versão original, operandose nessa altura uma
considerável simplificação. Apontamse os crimes contra a integridade física e o
crime de furto —e, por via reflexa, a generalidade dos preceitos relativos à
criminalidade patrimonial— como objecto de significativas modificações,
abandonandose o anterior modelo de recurso a conceitos indeterminados ou
de cláusulas gerais de valor enquanto critérios de agravamento ou privilégio. A
Revisão optou ainda por deixar de fora do Código Penal a punição de muitas
condutas cuja dignidade penal é hoje já pacífica e consensual, mas que razões
técnicas legislativas aconselham que constituam objecto de legislação
extravagante. Mas logo se impôs e trouxe à discussão a novidade de um direito
à privacidade como bem jurídico autónomo "a reivindicar a incriminação de
delitos de indiscrição" (Costa Andrade).
dos crimes contra as pessoas. E neste sector os bens pessoais devem ter a
precedência sobre os bens patrimoniais.
Neste contexto, escreve o penalista brasileiro Paulo José da Costa Jr. que "o Código Penal é um
todo orgânico, que possui alma e razão. Não é constituído por um desordenado e aleatório
agrupamento de figuras delitivas, mas por sistemático conteúdo que exprime os valores
políticos, morais e culturais da colectividade. Como salienta Pannain, um Código não é "algo
que se encontra em um sector limitado e apartado da vida de um povo, mas se insere na vida
deste, aprofundando suas raízes para trazerlhe vida, em todos os sectores de sua constituição
jurídica, social, política, moral e cultural". E o critério da objectividade jurídica, a nosso ver,
A propósito dos crimes de resultado. Escreve o Prof. Jescheck, tendo unicamente em vista o
direito alemão: “Os delitos imperfeitos de dois actos e os delitos de resultado cortado
formam grupos especiais dentro dos delitos de vários actos e dos delitos de resultado. O
subjectivo, para assim adiantar a linha defensiva.” Falase nestes casos em delitos “com
“Nos delitos imperfeitos de dois actos basta que no momento da primeira acção concorra
falta; assim, na falsificação documental (§ 267) basta que, por ocasião da falsificação,
cortado. Nos delitos de resultado cortado, a produção do resultado não está incluída no
tipo, que se basta com a intenção do autor dirigida ao resultado. É o caso da intenção
imperfeito de dois actos, pois requer a intenção de apropriação mediante aquela acção
do agente” (H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts, AT, 4ª ed., 1988, p. 239; ainda,
Claus Roxin, Strafrecht, AT, 2ª. ed., p. 256, com expressa referência à apropriação no
furto (§ 242).
Schmidhäuser recorda que bem significa algo valioso para o indivíduo ou para a
comunidade. Para o indivíduo são bens por ex., a vida, a liberdade, os teres e
haveres, enquanto a eles se não renuncia validamente. Bens da comunidade, de
titularidade supraindividual, os que, por ex., se identificam com a tutela da
realização da justiça, ou o exercício de funções públicas. Registamse
igualmente situações concretas a que o legislador oferece uma protecção
simultânea de bens jurídicos de orientação individual e colectiva, tipificando
condutas que protegem ao mesmo tempo interesses com essa dupla natureza.
Cf., entre outros casos, o que acontece com a infracção de regras de construção
(artigo 277º), a poluição (artigo 279º) ou a corrupção de substâncias alimentares
ou medicinais (artigo 282º).
A noção liberal do bem jurídico anda geralmente associada à questão dos chamados crimes
sem vítima, por ex., as relações homossexuais, com consentimento, entre adultos, a
pornografia ou a prostituição. Na maior parte dos países ocidentais, deuse nesta área
ideia de que o direito penal representa uma espécie de último recurso ou ultima ratio,
intervindo nos casos em que os outros meios à disposição da colectividade não sejam
indefesas, em razão de idade, deficiência, doença ou gravidez. Cf. a Lei nº 65/98, que
comum parece ser agora uma sensibilidade acrescida aos sofrimentos individuais,
2001, p. 23).
(cf. Martin Killias, p. 24). Há quem veja na vitimização ou, mais exactamente, na
solidariedade para com a vítima, o único denominador comum com que as sociedades
partilhadas e aceites (Hans Boutellier, Crime and Morality: The Significance of Criminal
passivo, i. é, do titular dos interesses que a lei visa especialmente proteger com a
indemnização é deduzido pelo lesado, entendendose como tal a pessoa que sofreu
danos ocasionados pelo crime, dizse no artigo 74º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Este artigo 74º, nº 1, abarca na sua noção de lesado mesmo aquele que não possa
danos por crime é regulada, quantitativamente e nos seus pressupostos, pela lei civil; e
os artigos 71º e ss. do Código de Processo Penal, sobre as partes civis e o pedido de
do facto que dá causa às duas acções". É essa unidade que justifica um julgamento global
É corrente, hoje em dia, distinguir no tipo de ilícito entre desvalor da acção e desvalor do
resultado. Olhando ao dolo do tipo e a outros elementos subjectivos como fazendo parte do
tipo de ilícito, não se esgota este no desvalor do resultado, isto é, na produção de uma
outras intenções exigidas pela norma penal. Está aí compreendida, por ex., a intenção de
apropriação no furto. Em geral, não se dando o resultado típico, o crime não passa da
tentativa, se ocorrerem os elementos próprios do desvalor da acção. Mas não haverá ilicitude
5
1. Processualmente, ao tratar o ofendido como mero participante e ao vincular à sua constituição
como assistente para assumir a veste de sujeito do processo, "é ainda da formalização necessária a uma
realização mais consistente e efectiva dos direitos da vítima que se trata — e assim, a seu modo, de algo
paralelo ao que sucede com a substituição formal do suspeito como arguido". Figueiredo Dias, Sobre os
sujeitos processuais, p. 10.
Com a bibliografia relativa ao tema do correcto destinatário da norma pode formarse uma
pequena biblioteca. A. Kaufmann, Teoría de las normas, Buenos Aires, 1977, p. 162.
6
Quanto a esta matéria, uma das exposições mais conhecidas é a de Mezger, Derecho Penal, p. 133
e ss.), que distingue entre normas objectivas de valoração e normas subjectivas de determinação. As normas
de direito aparecem como juízos a respeito de determinados acontecimentos e estados do ponto de vista do
direito. Objecto desta valoração pode ser tanto a conduta de pessoas capazes ou incapazes de acção,
culpáveis ou não culpáveis, os acontecimentos ou estados do mundo circundante, etc. A esta concepção do
direito corresponde a antijuricidade (primeiro pressuposto da norma jurídico-penal), ou seja: o do ilícito
como uma lesão das normas jurídicas de valoração. Das normas objectivas de valoração deduzem-se as
normas subjectivas de determinação, que se dirigem ao concreto súbdito do direito. A lesão destas normas é
de importância decisiva para determinar a culpa.
querer das pessoas, dizendo a cada um de nós o que devemos fazer ou não
fazer. A norma de determinação é uma norma de conduta: através da norma de
proibição e dos dados que ela contém pretendese que o indivíduo se mantenha
à margem do ilícito, que não cometa crimes. A inobservância da norma de
proibição, diz Kühl, agindo o sujeito dolosamente, com conhecimento e
vontade, significa a realização pessoal do desvalor da acção. Esse desvalor é
certamente mais intenso no caso do autor doloso do que quando alguém o faz
negligentemente, ainda que com negligência grosseira. Mas como o ilícito se
desdobra igualmente em desvalor de resultado, deve entenderse, prossegue o
mesmo autor, “que as normas de proibição penais cunhadas nos tipos de ilícito
devem ser entendidas não só como normas de dever, mas também como
normas de protecção que garantem a esfera de liberdade do portador do bem
jurídico que elas protegem contra ataques do sujeito do crime. Normas penais
que proíbem determinados comportamentos, em primeira linha, porque estes
comportamentos podem conduzir à lesão de bens jurídicos alheios. Estas
normas contêm em si uma limitação valorativa de espaços de liberdade, são
normas de valoração, que postulam espaços de liberdade entre indivíduos.
Quem viola a esfera de liberdade assim protegida viola do mesmo passo a
norma de protecção e realiza consequentemente o desvalor do resultado”.
É na categoria do ilícito que se reflecte de modo directo a tarefa do Direito Penal: impedir as
condutas socialmente danosas não evitáveis de outro modo. Já se observou que nem
toda a conduta é uma conduta punível. Ainda que realizada, a proibição geral de
matar (na manifesta simplicidade da expressão literal do artigo 131º: "Quem matar
outra pessoa...") pode estar justificada por legítima defesa, por uma causa de justificação,
que em nada afecta a tipicidade da conduta, ainda que excluindo a sua ilicitude, ou
tipo do homicídio mas não será punido porque não actuou de forma ilícita. Por
Por último, considerese que na mesma situação o choque não pôde ser evitado e o
condutor que seguia na sua mão sofre lesões de alguma gravidade. Ao desvalor da acção
perigosa de A juntase o desvalor do resultado de dano (ou de lesão).
Já atrás se observou que, nos crimes dolosos, não se dando o resultado típico, o crime não
passa da tentativa, mas mesmo assim é necessária a presença dos elementos próprios do
desvalor da acção. Mas não haverá ilicitude se o resultado se verificar sem que se verifique o
correspondente desvalor da acção —o causador do resultado não será então punido. Nos
crimes negligentes não existe a correspondente tentativa. Cf., no entanto, um tipo de ilícito
como o do artigo 292º (condução de veículo em estado de embriaguez), onde, mesmo na forma
negligente, para a consumação se não exige qualquer resultado: é crime de perigo abstracto, de
mera actividade. Mas na maior parte das vezes a conduta negligente só é susceptível de
agente.
“A distinção entre ilicitude e culpa é o legado mais importante da ciência alemã do Direito
Penal na primeira metade do nosso século. Actua ilicitamente quem, sem justificação, realiza
um tipo jurídicopenal e, desse modo, uma acção socialmente danosa. Mas esse
comportamento só é culposo quando for possível censurálo ao seu autor por ter podido
absolutamente dominante na ciência alemã do Direito Penal — e considerase isso como uma
quase evidência — que, a par da distinção entre ilicitude e culpa, se devem também
prevencción en derecho penal; cf., ainda, Sentido e limites da pena estatal, in Problemas
(…) for incapaz (…) de avaliar a ilicitude…”) mostram, desde logo, que a culpa se refere
ao facto ilícito. Quando o portador de uma anomalia mental mata outra pessoa sem ser
Mesmo aquela criança que num golpe de fúria atira o companheiro de brincadeiras para
a água, onde o deixa morrer afogado, actua ilicitamente no sentido de que se trata da
morte de outra pessoa. Contudo, em nenhum destes exemplos se nos afigura ajustada a
imposição de uma pena. O mesmo deverá acontecer quando um adulto são de espírito
actua sem consciência da ilicitude do facto, “se o erro lhe não for censurável”, conforme
dispõe o artigo 17º. Se, por ex., aquela mãe que nada percebe de medicamentos ministra
ao filho doente o remédio errado, por o médico se ter enganado ao passar a receita,
ficando, por isso, a criança ainda mais doente —tanto a mãe como o médico preenchem
elementos típicos dum crime contra a integridade física. Dum ponto de vista objectivo, é
de reconhecer que a criança ficou afectada na sua saúde ainda mais do que estava antes.
O médico não deveria ter receitado este medicamento a esta criança. Observando,
paz: como pessoa que não estudou medicina não possuía os conhecimentos para
hoje em dia assistimos à peça de Sófocles sobre o mito tebano do Rei Édipo,
estremecemos com a enormidade do castigo sofrido. Édipo matou o próprio pai e tomou
a própria mãe como sua esposa, mas sem saber, tanto num caso como no outro, que se
tratava dos seus próprios progenitores. Podemos igualmente concluir que os gregos
mas tem a ver com a consciência do ilícito. É nestes momentos que intervêm situações
A este propósito, anotese que o Código alude ao “facto” (por ex., no artigo
1º) e ao “facto não ilícito” (por ex., no artigo 34º, nº 1). Alude à “ilicitude do
facto” (por ex., no artigo 28º, nº 1) e ao “facto punível” (por ex., no artigo 13º).
Alude à “culpa” (por ex., no artigo 35º, nº 1). A referida circunstância suscita,
entre outros problemas, a separação do ilícito e da culpa. Os artigos 34º e 35º
apontam, respectivamente, para a ilicitude e para a culpa.
c) Se o arguido actuou com culpa; d) Se se verificou alguma causa que exclua a ilicitude ou a
Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, Parte Especial, ed. da AAFDL,
Lisboa, 1979.
de Junho de 2001: Tipicidade. Exploração ilícita de jogo. Tipo excessivamente aberto. Falta de
Alfonso Serrano Maíllo, Ensayo sobre el derecho penal como ciencia. Acerca de su
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Winfried Hassemer, História das ideias penais na Alemanha do pósguerra, AAFDL, 1995.
• CASO nº 3: A e B trabalham no mesmo matadouro, mas são como o cão e o gato, andam
continuamente em discussão um com o outro e até já foram chamados à gerência, que os pôs
de sobreaviso: ou acabam com as disputas, ou vão ambos para a rua. Mas nem isso chegou
para os acalmar. Uma tarde, A, porque não gostou dos modos do companheiro, atiroulhe ao
peito, com grande violência, o cutelo com que costumava trabalhar, enquanto lhe gritava:
“desta vez, matote mesmo!”. A força do golpe foi atenuada pelo blusão de couro que B usava
por debaixo do avental de serviço e A só não prosseguiu a agressão porque disso foi impedido
por outros trabalhadores, que entretanto se deram conta da disputa. A ferida produzida pelo
cutelo não era de molde a provocar a morte da vítima, mas B foi conduzido ao hospital onde,
por cautela, ficou internado, em observação. Numa altura em que estava sob o efeito de
sedativos, B recebeu a visita de C, sua mulher, a qual tinha “um caso” com A, motivo de todas
as discórdias. Logo aí C, que ambicionava vir a casarse com A, aproveitou para se ver livre do
uma almofada na cara, impedindoo de respirar, até que o doente se finou. O posterior
relatório da autópsia descreveu a causa da morte, mas os peritos adiantaram que B sofria de
uma doença do coração que não lhe permitiria sobreviver senão uns dias.
Punibilidade de A e C.
logo comprometido com o tipo de ilícito de homicídio tentado dos artigos 22º,
nºs 1 e 2, 23º, nºs 1 e 2, e 131º.
negligentemente.
com a mão aberta na parte esquerda da cara. B sofreu por isso comoção cerebral e em
consequência dela a lesão dos vasos cerebrais que lhe ocasionou a morte imediata. Existe
aqui uma dupla relação de causalidade: em primeiro lugar, o nexo entre a acção da lesão
causado"; o processo de eliminação —"se não tivesses feito o que fizeste não
• CASO nº 3A: C seguia conduzindo o seu automóvel por uma das ruas da cidade
quando lhe surgiu uma criança a curta distância, vinda, em correria, de uma rua
seguinte, V, homem dos seus 30 anos, que seguia a pé pelo passeio, começou a invectiválo em
alta grita pelo que tinha acontecido. Perante o avolumar da exaltação e do descontrolo de V, C,
indivíduo alto e fisicamente bem constituído, saiu do carro e pediulhe contenção, obtendo
como resposta alguns insultos que, indirectamente, envolviam a mãe de C. Este reagiu dando
apesar de C lhe ter deitado a mão, caiu, sem dar acordo de si. Transportado a um hospital,
acabou por morrer, cerca de meia hora depois. A autópsia revelou que a morte foi devida a
que a mesma ocorreu como efeito ocasional da ofensa. Esta teria demandado oito dias de
• A mergulhou numa situação financeira muito grave após ter perdido um processo judicial
movido por um credor. Para se vingar do juiz, telefonou para casa deste e disse à mulher,
fingindo ser da polícia, que o marido tinha tido um gravíssimo acidente pouco antes e que não
resistira aos ferimentos. A mulher, perante a inopinada notícia, perdeu os sentidos e não
psíquicas, Prof. Faria Costa, O Perigo, p. 531). Nos parâmetros da teoria da equivalência, a
causalidade da notícia para a morte da mulher estabelecese do seguinte modo: “O que é que
teria acontecido se A não tivesse feito o telefonema para casa do juiz? Nesse caso, não tendo
sido informada do infausto acontecimento, a mulher nem teria desmaiado, nem teria morrido
pai bebe o copo preparado pela filha e morre, mas teria acontecido o mesmo se
tivesse bebido do outro copo. Cf. também Kühl, JR 1983, p. 33.
mortal do murro dado por C — ainda que V já estivesse em risco de morrer por se encontrar
extremamente depauperado. Todavia, mesmo para um não jurista, parece claro que a morte de
previsível.
a viatura às guardas da ponte que se propunha atravessar de tal modo que apertou entre a
carroçaria e as referidas guardas o peão B, de 70 anos, que não teve qualquer hipótese de evitar
ser entalado. B sofreu diversas fracturas, incluindo uma do colo do fémur, vindo a falecer em 5
O único problema a resolver é o de saber se a morte por embolia pulmonar resultou, directa e
Sustentouse (cf. o acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ, 1998, tomo
II, p. 56) que "este tipo de lesões e a imobilização prolongada são apenas dois dos
quarenta factores de risco dos quais pode resultar uma embolia pulmonar". O relatório
médico que o elaborou esclareceu que não foi possível estabelecer uma relação directa
morte de B em 5 de Setembro seguinte; pode contudo haver uma relação indirecta já que
Dezembro), concluise: "as fracturas sofridas pela vítima do acidente de viação ocorrido
semanas após o traumatismo." O tribunal acabou assim por concluir que as lesões
Tribunal, salvo quando a lei dispuser de modo diferente. Portanto, não se tratou de uma
de quem as fez. Não se provou, aliás, ao contrário do que se insinuava, que a vítima não
O juízo de adequação é levado a cabo mediante uma prognose posterior objectiva. Posterior,
da produção do resultado (ex post, pois então deixaria de ser uma prognose e deveria
do resultado se não tivesse ainda verificado (ex ante), deverá ajuizar de acordo com as
O juízo valorativo posterior ex ante tem por objecto estabelecer de forma objectiva, já depois de
realização do facto. Tratase, sem dúvida, de uma ficção, por se ajuizar a posteriori, i. e.,
em questão, se tivesse estado nesse lugar ou nesse momento. Por ex., se uma pessoa
convida outra para sua casa numa noite de tempestade e esta morre na queda dum raio,
convite levará à conclusão que estatisticamente não era previsível que essa pessoa
morresse, e portanto que não se havia produzido uma situação de risco certo. O juízo
valorativo ex ante concluirá que apesar de ter havido uma morte não se verificou perigo
com o convite. A prognose posterior objectiva não passa de uma ficção, como se disse;
apesar disso, constitui uma boa fórmula de trabalho e como tal tem de ser admitida. O
juízo ex ante tem por objecto predizer o que háde suceder quando já se sabe o que
sucedeu e se simula como se não se soubesse. O juízo ex post, pelo contrário, é uma
constatação valorativa feita a posteriori e com todos os dados do que realmente se passou.
Ex ante. Ex post. A causa a B uma forte comoção ao comunicarlhe a morte do filho. B, perante
a notícia e o seu estado de saúde, devido a problemas cardíacos, acaba por morrer.
el estado social y democrático, p. 93: “A morte de B foi causada por A. Todavia, ex ante,
no momento em que A deu a notícia, a conduta não se apresentava como perigosa par a
teremos que concluir que sim, mas se a proibição se refere ao momento da acção (ex
que pressupõe uma condição do resultado que não se possa eliminar mentalmente, mas
geral. Não está em causa unicamente a conexão naturalística entre acção e resultado, mas
improvável de circunstâncias.
"À base destes juízos podem darse várias hipóteses. A primeira é a de que
o resultado verificado era imprevisível. Nesta hipótese, a causalidade fica logo
excluída. A segunda hipótese é a de que o resultado era previsível, mas de
verificação muito rara. Assim, v. g., A entra num comboio que vem, daí a
pouco, a descarrilar. É claro que um comboio pode descarrilar, mas
normalmente não descarrila. Eis aqui um efeito que, embora previsível, é
anormal na sua verificação. Ora, também neste caso a causalidade deve
considerarse excluída. A terceira hipótese é a de que o resultado era previsível e
de verificação normal. Neste caso existe justamente a idoneidade abstracta, e,
por consequência, quando verificado o evento, deve considerarse adequado à
acção que foi sua condição". (Cf. Eduardo Correia, p. 258).
• Mas — agora vêm as críticas! —, como observava Roxin: "abstractamente, podemos prever
quase tudo...". Por isso, se se parte da visão de um "observador óptimo", alargase de tal forma
o círculo das circunstâncias a ter em conta que a teoria da causalidade adequada se torna
ineficaz para delimitar os casos atípicos, salvo nas situações extremas, preferindose por isso a
figura do "observador médio", como observador objectivo que tem os conhecimentos especiais
do sujeito (Eser, p. 57; Schünemann, GA 1999, p. 216). A esta luz, faltará a adequação no caso
da paralisia facial julgado pelos tribunais alemães: certo indivíduo teve uma discussão com
outro e começou a sentirse indisposto. Devido à excitação, sofreu uma lesão dos vasos
circunstâncias conhecidas como as desconhecidas pelo sujeito. Também entre nós se pode ler,
não pode o autor dele ser responsabilizado por essa consequência, desde que ele a não previu
nem podia prever. O acórdão de 20 de Novembro de 1963, BMJ131272, concluiu que não
morte em infecção superveniente, circunstância estranha, desconhecida do réu e que não era
consequência normal do acto que praticou, não existe nexo de causalidade entre a conduta e o
evento. Por sua vez, o acórdão do STJ de 25 de Junho de 1965, BMJ148184, entendeu que
sendo a perfuração intestinal que está na origem de uma peritonite de que a vítima veio a
morrer da autoria do réu, mas provandose que a vítima não foi convenientemente tratada e
que, se o houvesse sido, normalmente não resultaria a morte, não existe nexo de causalidade
pelos tribunais portugueses, que remetem para o artigo 10º do Código Penal, quando
refere a acção adequada a produzilo. "No entanto, não deve entenderse esta referência
a) nas condições muito remotas, negandose a imputação, por ex., aos avós do
réu, ou ao Adão e à Eva da Bíblia, ainda que essa imputação se pudesse
fazer de acordo com os critérios mais alargados da csqn;
b) nos processos causais atípicos, aqueles casos que fogem inteiramente às
regras da experiência, com os quais se não pode razoavelmente contar
empregando um juízo de adequação: processos naturais incontroláveis,
acontecimentos imprevisíveis; faltará o nexo de risco se A causa um leve
arranhão em B, que acaba por morrer por ser hemofílico, circunstância que
aquele desconhecia no momento da acção;
• O risco de comer uma sopa (OLG Stuttgart, NWJ 1982, 295; I. Puppe Jura 1997, p.
625): O arguido atropelou um reformado quando seguia com velocidade superior à legal. O
peão, devido à gravidade dos ferimentos, teve que ser operado, ficando nos cuidados
e começou a comer normalmente, "engoliu" um prato de sopa de tal forma que o líquido lhe
consequente pneumonia.
• Variante: a sopa entrou nos pulmões porque o doente estava tão fraco, depois do que lhe
Os autores advertem (por ex., Fuchs, p. 93) que o conceito de imputação é por vezes manejado
com outros significados, de forma que se deverá ter isso em atenção. Alguns autores,
a um determinado sujeito ou até o resultado das suas boas acções. Pode, aliás, imputar
no artigo 18º. No artigo 22º, nº 1, há tentativa quando não existe um resultado atribuível
ao agente que pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer. O resultado
decorrente da actuação em legítima defesa (artigo 32º) pode ser imputado à conduta do
defendente, não obstante actuar justificadamente. Diz Melo Freire, Instituições de Direito
Criminal Português, BMJ155180, que “a ninguém deve imputarse o que sucede por
Efeitos tardios. Não se podem imputar efeitos tardios por um tempo indefinido. A conclusão
revolta estudantil alemã de 1968, foi vítima de um atentado político e passou a sofrer
de deficiência, que permanentemente o afectava. Uns anos mais tarde, por causa disso,
• Hipóteses como as que aqui se apresentam, que arrastam questões de resolução mais
difícil ou duvidosa, costumam aparecer nos textos práticos dos exames e têm que ser
relação de causa e efeito é evidente, como quando A dispara sobre B a 3 metros de distância e
B morre logo ali por ter sido atingido no coração, só temos que lhe fazer uma ligeira
Código Penal), a agressão a tiro, conduzida por A, é a causa da morte — ou que, em sede de
imputação objectiva, o evento letal é "obra de A". Se tivermos um caso em que A, à paulada,
reduziu a cacos o vaso de flores da vizinha, só teremos que apurar que o vaso é uma coisa
que não pertence a A e concluir: "A partiu o vaso de flores de B — os danos por ele
produzidos foram em coisa alheia". Será perfeitamente desajustado insistir noutro tipo de
considerações.
nexo causal.
• CASO nº 3B: A e B são inimigos de C. Certo dia, A, com dolo homicida, ministra a C
um veneno que lhe produzirá inevitavelmente a morte, mas lentamente. Antes de surgir a
bastando para outros a negligente. De qualquer forma, a "participação negligente" não chega a
ser punida (artigos 26º e 27º). Se um processo causal baseado em acção não dolosa (deixar uma
arma carregada ao alcance de alguém) for aproveitado por outrem que actua dolosamente para
directamente provocar o resultado, o que está em causa é apenas a responsabilidade por dolo.
realidades que têm a ver com a antiga teoria da proibição de regresso e com a actual ideia da
autoresponsabilidade. Cf. Weber, in Baumann / Weber / Mitsch, AT, p. 225; Roxin, p. 159.
Colectivo deu como provado que, logo que a vítima caiu na calçada granítica o arguido
defesa alegara que, para a morte da vítima, tinha também contribuído uma
forma que, perante aqueles factos, é irrecusável a conclusão que nem a falta de
vítima às lesões que o réu lhe infligiu. Tendo querido molestar fisicamente a vítima, o
pois tal previsão não foi inibitória do comportamento agressivo. Movida com dolo
eventual (artigo 14º, nº 3), a sua conduta vai, portanto, preencher a autoria de um crime
questão está relacionada com a da autoria nos crimes negligentes, onde todo
aquele que infringe o cuidado devido em relação a um resultado lesivo deve
responder como autor.
VI. Exercícios
• Tenhase em atenção que o facto de uma pessoa ferida perder a consciência como
antes previsível. Isto vale também para a infecção da ferida. A morte de B, provocada por estas
circunstâncias, deve imputarse objectivamente a A. Nos outros casos, o resultado mortal fica a
risco criado por A ao atirar o cutelo, mas um risco de outra natureza, que não tem nenhuma
relação com a acção de A. O perigo, correspondente ao risco geral da vida, de ser vítima de um
acidente de trânsito ou de ficar intoxicado pelo fogo não se cria nem aumenta sensivelmente
por ter havido a agressão com o cutelo. Conforme à experiência geral, é improvável, sem mais,
que uma lesão como essa tenha como consequência um resultado dessa espécie. Por
conseguinte, a morte por acidente de B não deverá imputarse a A como obra sua, mas ao
condutor do camião. A só responde por homicídio tentado. O mesmo critério vale para a
intoxicação mortal, a qual deverá imputarse ao autor do incêndio como obra sua.
Acórdão do STJ de 29 de Julho de 1932, Col. Of., vol. 31: dandose como demonstrado que a
impossibilidade de trabalhar por toda a vida do ofendido era efeito de doença de que estava
atacado — sífilis — e não efeito necessário do traumatismo, que simplesmente podia intervir
como causa adjuvante, não deverá o ofensor ser incriminado pela infracção mais grave.
Acórdão do STJ de 15 de Janeiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 37: processo atípico; menor que
quando brincava com outros dois num edifício em adiantado estado de construção, no 2º andar
tocou num tijolo que, caindo, atingiu um deles, que se encontrava no résdochão. A falta de
sinalização do estaleiro não pode considerarse causa adequada das lesões sofridas pelo menor.
nada que faça presumir que a morte ocorrida após um acidente de viação é consequência deste,
não tem cabimento a pretensão de que se considere verificado o referido nexo de causalidade
por força das disposições legais relativas à prova por presunção, nomeadamente o artigo 349º
do Código Civil. Numa área de grande melindre, em que são requeridos particulares
ferimentos por ele sofridos no acidente háde resultar da prova que constar dos autos e não do
morte não poderá estabelecerse o nexo de causalidade por obediência ao princípio in dubio pro
reo. Se o julgador divergir do estado de dúvida do perito (que no fundo afirmou que face aos
optando pela existência do nexo de causalidade, deverá fundamentar a divergência nos termos
Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 56: crime de
homicídio por negligência, prova pericial, falecimento por embolia pulmonar durante o
do nexo causal. A adequação a exigir não se deve estabelecer só entre a acção e o resultado,
Acórdão da Relação do Porto de 10 de Fevereiro de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo I, p. 215:
Alfonso Serrano Maíllo, Ensayo sobre el derecho penal como ciencia, Madrid, 1999.
Carmen Gómez Rivero, Zeitliche Dimension und objektive Zurechnung, GA 2001, p. 283.
Cuello Calón, Derecho Penal, t. I (Parte general), vol. 1º, 16ª ed.
1990.
Eduardo Correia, Crime de ofensas corporais voluntárias, CJ, ano VII (1982), tomo 1.
Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, especialmente, p. 471 e ss. e p. 542 e ss.
apontamentos das Lições, coligidos pelo aluno Vítor Hugo Fortes Rocha, AAFD, Lisboa, 1952.
H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: Allg. Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução
espanhola.
Hans Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969, de que há tradução para o espanhol.
Ingeborg Puppe, Die Lehre von der objektiven Zurechnung, Jura 1997, p. 408 e ss.
Ingeborg Puppe, Strafrecht Allgemeiner Teil im Spiegel der Rechtsprechung, Band I, 2002.
(1998), p. 581.
João Curado Neves, Comportamento lícito alternativo e concurso de riscos, AAFDL, 1989.
Johannes Wessels, Strafrecht, AT1, 17ª ed., 1993: há tradução para português de uma edição
anterior.
Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º ano
José Cerezo Mir, Curso de Derecho Penal Español, parte general, II, 5ª ed., 1997.
Juan Bustos Ramírez, Manual de derecho penal español. Parte general, 1984, p. 170.
I. Generalidades.
negligência”,
ficamos a saber que o que revela, desde logo, o carácter de numerus clausus
(princípio da excepcionalidade da punição das condutas negligentes) reservado aos
crimes cometidos por negligência. Por outro lado, o dolo forma a característica
geral do tipo subjectivo do injusto e a base para a imputação subjectiva do
resultado típico. Ora, o legislador, tratandose de crime doloso, qualquer que
ele seja, limitase a descrever os correspondentes elementos objectivos —o lado
subjectivo fica implicitamente reservado ao dolo como elemento subjectivo
geral, i. é, como característica geral do tipo subjectivo do ilícito. Por isso mesmo,
o artigo 131º deverá ser lido como se rezasse: “Quem [dolosamente] matar outra
pessoa…”, mas dá no mesmo dizer: “Quem matar outra pessoa…”.
Certos tipos de crime descrevem determinadas características
subjectivas específicas, que não se confundem com o dolo. Ainda assim, por
vezes, no tipo descrevemse certas circunstâncias subjectivas, como a intenção de
apropriação no furto (artigo 203º, nº 1), que se não identificam com o dolo,
entendido como elemento subjectivo geral, quer dizer: como dolo de tipo. A
opinião geral é que elementos subjectivos como estes formam parte integrante
do tipo de ilícito como características que aí têm o seu carácter próprio e se
situam de forma autónoma ao lado do dolo de tipo (Wessels, AT, p. 61). O
legislador servese desses elementos subjectivos que contribuem para
caracterizar a vontade do agente contrária ao direito e que se repercutem nos
modos de cometimento do crime, no objecto da acção e no próprio bem jurídico
(cf. Jescheck, p. 284; Wessels, AT, p. 61; e Teresa Serra, Homicídio qualificado, p.
32). São elementos subjectivos específicos de certas classes de crimes dolosos.
com intenção de o realizar. 2 Age ainda com dolo quem representar a realização de um facto
que preenche um tipo de crime como consequência necessária da sua conduta. 3 Quando a
realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada como consequência
O duplo lugar do dolo. Dolo em sede de tipo de ilícito; dolo como forma de culpa.
Desvalor da conduta e desvalor da atitude. Portanto, dolo é saber e querer — e é algo mais:
culpa, enquanto modo de formação da vontade que conduz ao facto, o dolo é portador da
atitude pessoal contrária ao direito, especificamente ligado à realização dolosa do tipo". "A
diferença entre ilicitude e culpa residiria na distinção entre desvalor da conduta e desvalor
direito característica da realização dolosa do tipo". Cf. Teresa Serra, p. 32, com mais dados; e
7 Ainda assim, não se deverá exigir que o agente queira realizar todas as características típicas
objectivas, mas só a acção e o resultado dela decorrentes. No tocante a outros elementos, como por
ex. a situação de embriaguez do condutor, a idade da vítima nos abusos sexuais, ou a possibilidade
de infectar o parceiro com o vírus da sida, unicamente se exige que o agente conheça essas
231º, nº 1) deverá saber (representar) que a coisa que adquire foi obtida por
outrem mediante facto ilícito típico contra o património. O ladrão deverá saber
(representar) que a coisa subtraída é alheia.
Como se disse, o dolo referese ainda às circunstâncias que privilegiam ou
qualificam o crime (artigo 133º; artigo 204º, nº 2, alínea e). Para actuar
dolosamente, o autor deve ter previsto o processo causal (elemento futuro,
portanto, de previsão) nos seus traços essenciais, porque a relação de
causalidade é um elemento do tipo, como o são a acção e o resultado.
Consequentemente, o dolo do agente deve estenderse também ao nexo causal
entre a acção do agente e o resultado —de outro modo, não haverá actuação
dolosa. Deve contudo repararse que normalmente só um especialista poderá
dominar inteiramente o processo causal —na maior parte dos casos, o devir
causal só será previsível de forma imperfeita. De modo que o jurista também
nestes casos aceita a ideia de que o dolo tem que coincidir com o conhecimento
da relação causal por parte do agente, mas em traços largos, nas suas linhas
gerais. Se assim não fosse, bem difícil seria sustentar que uma pessoa agiu
dolosamente. Basta portanto que o agente preveja o decurso causal entre a sua
acção e o resultado produzido nos seus elementos essenciais. Um caso especial
de erro sobre o processo causal dáse quando o crime se executa em dois actos,
julgando o agente que o resultado se deu com o primeiro, quando, na verdade,
foi com o segundo que se produziu. A opinião geralmente seguida encara a
hipótese como um processo unitário: o dolo do primeiro acto vale também para
o segundo. Tratase assim dum dolo "geral" (doutrina do dolus generalis) que
cobre todo o processo e que não merece nenhuma valoração jurídica
privilegiada (Jescheck). Nesta perspectiva, se A, julgando que a sua vítima
morreu quando lhe deitou as mãos ao pescoço, deita à água o suposto cadáver,
vindo a morte a ocorrer por afogamento, deve ser castigado como autor
material de um homicídio doloso consumado. Outros pontos de interesse
residem, por ex., no erro sobre a factualidade típica (1ª parte do artigo 16º, nº 1):
o dolo fica excluído quando o erro versa sobre um elemento constitutivo do tipo
de ilícito objectivo; ou, na tentativa, a chamada do artigo 22º, nº 1, à decisão do
agente.
Fora do objecto do dolo ficam, entre outras, as condições objectivas de
punibilidade. O dolo é o elemento subjectivo geral do tipo de ilícito. Os
elementos de natureza objectiva (tipo objectivo) caracterizam a acção típica (o
autor, as formas, modalidades e objecto da acção, o resultado, etc.). A actuação
dolosa pressupõe que o autor conheça os elementos tipicamente relevantes.
Alguns desses elementos típicos são meramente descritivos e não levantam
CASO nº 4: A, possuído de um ódio implacável, quer matar B custe o que custar. Pega
na pistola que sabe estar carregada e a 2 metros de B apontalhe ao coração e dispara.
CASO nº 4A: A quer matar B, seu inimigo político. Quando este se desloca num
carro aberto, acompanhado do motorista e de dois guardacostas, A atira uma granada para
dentro do carro. A morte dos acompanhantes, tida como consequência certa da explosão, élhe
indiferente.
CASO nº 4B: Caso Lacmann. Num terreiro de diversões A promete uma
determinada quantia em dinheiro a B se este estilhaçar com um disparo de arma de fogo a bola
de cristal que uma das raparigas da barraca de tiro segura na mão, sem que esta fique ferida. B
sabe que não é um bom atirador e tem como bastante provável que o tiro não atinja o copo
mas a mão da rapariga. Apesar disso dispara e atinge a rapariga na mão.
CASO nº 4C: A quer matar T, seu tio, de quem é herdeiro. Trata de montar um
engenho explosivo num pequeno avião, que é invariavelmente pilotado por P, o qual deverá
explodir quando se atingir a altura de mil metros, por forma a causar danos graves na cabina
do aparelho. A não tem a certeza absoluta de que T seguirá na próxima viagem do avião.
Ainda assim, o plano acaba por ter êxito: a bomba rebenta, o aparelho despenhase, T e P
morrem. Além disso, um camponês que se encontrava nas proximidades é atingido pelos
destroços e fica gravemente ferido. A tinha previsto isso como possível (cf. Samson, caso nº 6).
Punibilidade de A no caso nº 4C?
A causou quatro eventos: a destruição do avião, a morte do tio, a morte do
piloto e lesões corporais no camponês. A partir deste exemplo, vamos ter a
oportunidade de contactar com as diversas formas de atitude cognitiva: pode
entenderse algo como improvável, como provável, como possível ou como
certo; utilizando a linguagem corrente, pode saberse de certeza certa, pode
suporse, duvidar, acreditar, estar convencido, etc.; o sujeito pode ter um
conhecimento certo ou incerto, seguro ou inseguro. E vamos ver que também se
pode ordenar a intensidade da outra componente do dolo, a volitiva.
No plano da vontade, o dolo de tipo manifestase na intenção, no dolo
necessário e no dolo eventual. (8) O dolo directo (dolo de intenção ou de
primeiro grau) está identificado, grosso modo, com a intenção criminosa no nº 1
8
As diversas formas de dolo não gozam de designação rígida na doutrina. Na Itália, Pagliaro
(Principi di diritto penale. Parte generale, 7ª ed., Milão, 2000, p. 274) fala de dolo intenzionale ou diretto,
de dolo indiretto e de dolo eventuale. Na Alemanha, correntemente, aponta-se para o trio intenção
(Absicht), dolo directo (direkter Vorsatz; dolus directus) e dolo condicionado / eventual (bedingte Vorsatz;
dolus eventualis). Também se usa chamar à intenção — dolo imediato (unmittelbarer Vorsatz) ou dolo
directo de primeiro grau (dolus directus ersten Grades); ao dolo directo — dolo mediato (mittelbarer
Vorsatz) ou dolo directo de segundo grau (dolus directus zweiten Grades).
do artigo 14º. O agente prevê a realização do facto criminoso e tem como fim
essa mesma realização: a realização do tipo objectivo de ilícito surge como o
verdadeiro fim da conduta (Figueiredo Dias, Textos, p. 115). Intenção significa que
o elemento dominante, a vontade do agente, está conotado com a acção típica
ou com o resultado previsto no tipo, ou com ambos: o resultado é o fim, a meta
que o agente se propunha. (9) A vontade é, por assim dizer, plena, completa
(Cadoppi/Veneziani, p. 271), como no caso nº 4. A intenção como forma de
dolo caracterizase portanto por um especial e intenso querer. Em termos
cognitivos, o resultado aparece então como "altamente provável ou como certo"
(cf. Faria Costa, Tentativa e dolo eventual, p. 26). É a forma de dolo que menos
problemas levanta.
O dolo necessário (dolo de consequências necessárias) está previsto no nº
2 — o facto criminoso não constitui o fim que o agente se propõe realizar, é,
antes, consequência necessária da realização pelo agente do fim que se propõe.
“Produzse um facto típico indissoluvelmente ligado ao almejado pelo autor e
que, por isso mesmo, é conhecido e querido por ele” (Bustos Ramírez). No caso
do dolo necessário, o resultado típico é representado pelo agente como
consequência certa da sua conduta, enquanto que no dolo de intenção “a tensão
do agente é forte e marcante, pois o resultado típico corresponde ao objectivo
primeiro e final da conduta do agente”. “O agente que actua com dolo
necessário movese ao nível éticojurídico no plano da certeza”. No caso nº 4B a
morte dos acompanhantes do odiado político é tida pelo autor como
9
Nos códigos usa-se o termo intenção com diversos significados. Já vimos alguns, como a intenção
de apropriação ou a intenção de enriquecimento, chamadas “intenções especiais”. Intenção é ainda a
forma mais intensa do dolo e existe quando o agente tem a vontade de produzir, de forma directa e
imediata, o resultado típico ou de realizar as circunstâncias típicas que a lei exige serem intencionalmente
produzidas; quando, por outras palavras, existe uma vontade finalisticamente dirigida àquele resultado ou
àquelas circunstâncias. Veja-se, a ilustrar, o artigo 227º-A (Frustração de créditos), recentemente aditado ao
Código Penal pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março, onde se faz depender a punição da circunstância
de o devedor actuar para intencionalmente frustar, total ou parcialmente, a satisfação de um crédito de
outrem. O Código conhece alguns crimes de tendência interna transcendente, em que as intenções
normativas não se limitam simplesmente a acompanhar as acções típicas, na medida em que remetem para
resultado posterior. É suficiente que o sujeito realize apenas uma parte da acção lesiva, sempre que esta vá
acompanhada da intenção ulterior de completar o processo interrompido, o que pode ser ilustrado com os
chamados crimes mutilados de dois actos, como a falsificação documental —o legislador, para prevenir o
uso do documento falso, antecipa a punição de quem falsifique com intenção de causar prejuízo a outra
pessoa ou ao Estado ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo (artigo 256º). Tenha-se
também em conta a burla do artigo 217º, nº 1, onde a expressão "quem, com intenção de obter..." aponta
para o que alguns autores (por ex., Jescheck, AT, p. 286) chamam crime de resultado cortado, em que à
acção típica acresce a prossecução de um resultado ulterior que vai para além do tipo objectivo e que poderá
ocorrer por si mesmo após o facto, i. é, sem outra intervenção do agente. O conteúdo da intenção não terá
que ser realizado para haver consumação. Se o ladrão, com intenção de fazer seu o relógio alheio, o furta ao
dono e o mete no bolso, sendo apanhado pouco depois e obrigado a restituir a coisa, o crime estará
consumado, ainda que a intenção não tenha sido realizada, porque o golpe falhou. Merece igualmente
atenção o disposto no nº 4 do artigo 20º: “A imputabilidade não é excluída quando a anomalia psíquica tiver
sido provocada pelo agente com intenção de praticar o facto”.
10
"É bem possível que a abordagem diferenciada que se faz entre crimes dolosos e culposos seja
consequência da diferente atitude fundamental do autor: quem age com dolo, decide-se pela lesão do bem
jurídico, quem involuntariamente pratica um crime, não". G. Stratenwerth, Derecho Penal, I, p. 94. O
agente decide-se contra o bem jurídico tipicamente protegido e é porque assim se decide que o autor dum
crime doloso se distingue do responsável por um crime involuntário. É uma ideia que nos parece poder ser
encontrada no ensinamento do Prof. Claus Roxin e noutros autores que afirmam: “o crime doloso supõe
uma rebelião consciente contra o bem jurídico protegido”. Segundo Mir Puig (El Derecho penal en el
Estado social y democrático de derecho, 1994), qualquer forma de dolo outorga à conduta um significado
de negação ou de claro desprezo pelo bem jurídico atacado, que se não encontram na conduta imprudente.
O interesse prático destas perspectivas será para outros bem pequeno: o que se aproveita (cf., por ex., a
exposição de Ragués I Vallès, p. 39) é a ideia de que quem se decide contra os bens jurídicos mostra uma
maior maldade ou insensibilidade e por esse motivo deve ser mais gravemente castigado do que o autor
negligente.
IV. O dolo no Código Penal português — os artigos 14º e 15º. O dolo é mesmo
negligência consciente.
possibilidade e não a qualquer outro" (Faria Costa). (11) O intérprete abre mão,
em suma, de qualquer quantificação da ideia de probabilidade ou de identificá
la simplesmente com a possibilidade da realização fáctica. E também não adere,
sem mais, ao entendimento de que a ligação psicológica entre o agente e o
resultado subsidiariamente visado se tem de estruturar na atitude de aceitação.
Com efeito, para alcançar o elemento diferenciador entre o dolo eventual e a
negligência consciente, o legislador optou (artigo 14º, nº 3) pela fórmula da
conformação do agente com a realização do tipo de ilícito objectivo.
CASO nº 4E: O caso dos mendigos russos. São, como se vê, inúmeros os casos
difíceis e de fronteira, que se encontram na zona cinzenta. A literatura da especialidade tem
exemplos continuamente retomados e discutidos, como o dos mendigos russos, que mutilavam
meninos para melhor conseguirem a esmola dos passantes. Algumas das crianças morreram,
mas mesmo assim continuaram a mutilar outras e uma destas também morreu. Como os
mendigos queriam o menino mutilado, mas vivo, não haverá dolo directo nem dolo necessário.
Haverá dolo eventual? E qual será então o seu conteúdo?
CASO nº 4F: O caso do cinturão: BGHSt, 363, a partir dos resumos de Roxin, p. 356;
Eser / Burkhardt, p. 83; e Th. Weigend. A e B são visitas frequentes da casa de C, seu
conhecido, que certo dia decidem roubar. Estão convencidos de que este os não denunciará por
não querer que as suas tendências homossexuais sejam conhecidas. De qualquer modo, a morte
de C seria para ambos altamente indesejada. O plano consiste em pôlo inconsciente, dandolhe
com um saco de areia na cabeça. Ambos recusam uma outra possibilidade: a de o porem
inconsciente aplicandolhe um cinturão de couro em redor do pescoço para que não respire.
Certo dia, combinam com C passarem a noite na casa deste. Por volta das 4 da manhã A
aplicou um golpe na cabeça de C com o saco de areia, que imediatamente se desfez. A e B
pegaram então no cinturão que, pelo sim pelo não, tinham levado. Envolveramlho no pescoço
e começaram a puxar, cada um pela sua ponta, até que o C deixou de estrebuchar. Deitaram
depois a mão às coisas do C, para se retirarem, convencidos de que este continuava vivo. Ainda
intentaram reanimálo, mas foi em vão.
Se um condutor ultrapassa outro carro de forma arriscada, apesar das
cautelas que o pendura lhe recomenda, e provoca um acidente, não se trata, por
via de regra, de um acidente doloso, mas causado por negligência, ainda que
consciente. E isso, não obstante o condutor —tal como no caso do cinturão—
saber das consequências possíveis e ter sido para elas advertido. O que separa
as duas situações é que o condutor normalmente confia, não obstante a
consciência do perigo, em que o resultado pode ser evitado devido à sua
habilidade como condutor —não fora isso, e procederia doutro modo, já que
então poderia ser a primeira vítima do seu próprio comportamento. Como aqui
não houve qualquer decisão contra os valores jurídicos tipicamente protegidos
(por ex.: vida, integridade física, património alheio) é menor a censura e só se
11
Cf. também, quanto à impossibilidade de identificar o termo probabilidade com uma quantidade
matemática, por ex., M-C. Nagouas-Guérin, Le doute en matière pénale, Dalloz, 2002, p. 246
lhe adequa a sanção por negligência. Cf. Roxin, p. 357. No caso do cinturão, os
dois amigos, conscientemente, estrangularam o dono da casa, não obstante
terem previsto a morte como consequência possível da sua actuação. Ambos
tinham consciência de que o uso do cinturão punha em perigo a vida do C,
como o demonstra o facto de inicialmente terem descartado esse método para
evitar tal resultado. Com o que fica comprovado o elemento intelectual. Os
delinquentes porém não queriam causar a morte. Prova disso é que
inicialmente, para deixar a vítima inconsciente, intentaram agir com um meio o
menos lesivo possível. Depois, procuraram até evitála, tentando reanimar a
vítima. Vale a pena confrontar ainda o caso do cinturão com o do professor que
leva uma turma de alunos numa viagem às margens dum rio caudaloso. Alguns
alunos insistem que ele os deixe tomar banho. O professor sabe que isso é
perigoso e que algum dos alunos pode ser arrastado pela corrente e morrer
afogado. Confia no entanto na sorte e nas capacidades natatórias dos seus
alunos, acabando por autorizar umas braçadas na água. Um dos alunos afoga
se e morre.
E se o agente não pensou no risco nem muito menos o tomou a sério ou
sequer entrou com ele em linha de conta por lhe ser completamente
indiferente o bem jurídico ameaçado? Que significa a "conformação" referida
no nº 3 do artigo 14º e quando deve ela considerarse existente? Nas palavras
do Prof. Figueiredo Dias, ao menos nos casos mais difíceis e duvidosos, não é
possível lograr uma afirmação do dolo teleologicamente fundada sem apelar,
em último termo, para a indiferença do agente perante a realização do tipo. "O
agente que revela uma absoluta indiferença pela violação do bem jurídico,
apesar da representação da consequência como possível, sobrepõe de forma clara a
satisfação do seu interesse ao desvalor do ilícito e por isso decidese (se bem que
não sob a forma de uma "resolução ponderada", ainda que só implicitamente,
mas nem por isso de forma menos segura) pelo sério risco contido na conduta e,
nesta acepção, conformase com a realização do tipo objectivo. Tanto basta para
que o tipo subjectivo de ilícito deva ser qualificado como doloso" (cf. Textos, p.
130).
Com este critério poderemos talvez dar resposta a alguns dos casos
indicados, convocandoos para o lado do dolo eventual. Vejase agora um caso
actual, em que o agente infectado com sida, no momento dos contactos sexuais
não protegidos, conhecendo a probabilidade de transmissão do vírus, encaraa
como um risco meramente abstracto —não podendo concluirse que se decidiu
contra o respectivo bem jurídico.
companhia de um seu amigo, o A ficou emocionado e chocado, não contendo o incómodo que
as mesmas lhe causavam. Cf. o acórdão de 13 de Fevereiro de 1998 do Tribunal de Círculo de
Oeiras, publicado em Sub judice / causas 2, 1998, p. 49 e ss.; e, a propósito, Maria Fernanda
Palma, Casos e Materiais de Direito Penal, Coimbra, 2000, p. 307, e O caso do Verylight. Um
problema de dolo eventual, in Themis, ano I, nº 1, 2000, p. 173.
A tinha sido acusado de ter lançado o foguete, propositadamente, na
direcção da bancada dos adeptos contrários, para os assustar e intimidar,
representando a possibilidade de o foguete, na sua trajectória, vir a embater
nalgum espectador. Ainda segundo a acusação, A sabia que se tal sucedesse o
impacto do foguete era susceptível de produzir a morte do espectador atingido,
pelo que se conclui que A admitiu essa mesma possibilidade, conformandose
com a sua eventual verificação (fórmula do dolo eventual).
A fórmula positiva de Frank: "em qualquer caso, eu actuo". O acórdão
sublinha que o Código Penal português acabou por perfilhar, em matéria de
dolo eventual, a fórmula positiva de Frank segundo a qual se o agente no
momento da realização do facto, e não obstante a sua previsão como possível,
quer actuar, e aconteça o que acontecer, seja qual for o resultado da sua
actuação, não renuncia à sua actuação, será responsável a título de dolo pelo
facto previsto. Haverá dolo se A diz: tanto se me dá que o livro seja meu ou
alheio — em qualquer caso, levoo; ou, o que dá no mesmo: aconteça o que
acontecer, em qualquer caso, eu actuo. Não haverá dolo se A separar as águas: se
tivesse tido a certeza de que o livro era alheio, não o teria subtraído. Com outra
formulação aparecenos a chamada fórmula hipotética de Frank: haverá dolo
eventual quando pudermos concluir que o agente, que previu o facto como
possível efeito da sua conduta, não a teria alterado, para o evitar, mesmo que
previsse aquele efeito como necessário (cf. Beleza dos Santos, Crimes de Moeda Falsa;
e Eduardo Correia, Direito Criminal, I, p. 381). O Prof. E. Correia, autor do
Projecto, criticou as duas fórmulas, e acabou por propor que a Comissão
adoptasse a seguinte redacção, que amplia a da fórmula negativa de Frank: Se a
realização do facto for prevista como mera consequência possível ou eventual da
conduta, haverá dolo se o agente, actuando, não confiou em que ele se não produziria —
ou seja: desde que o agente actuou, não confiando que o facto previsto como
possível se não produziria, haverá dolo. No decorrer da discussão, um dos
membros da Comissão revisora assinalou a sua preferência por uma fórmula
que consagrasse a ideia alemã do "in Kauf nehmen" ou do "sich mit ihr
abfinden"; outro preferia que se fizesse apelo à ideia da "indiferença do agente
pela realização do facto", um terceiro foi mais longe na ideia da restrição ao
âmbito do dolo, preconizando que este só deveria considerarse existente
quando o agente "aceitou a realização do facto previsto como possível". A
VII. A recklessness.
A partir do estudo, já por várias vezes citado, de Th. Weigend (cf. também,
por ex., Markus Dubber, Reforming American Penal Law, in The Journal of
Criminal Law & Criminology, vol. 90, p. 49), podemos apreender algumas
realidades do direito penal americano, que nem sempre se encontram
disponíveis, mas que de algum modo se projectam na boa compreensão do
chamado dolo eventual. Interessanos sublinhar o sentido da recklessness,
termo que faz parte do espectro dos elementos subjectivos (mens rea), que vai da
"improperly" àquela expressão terrível que dá pelo nome de "willful, deliberate,
malicious and premeditated". A edição de um modelo de código penal
moderno (Model Penal Code), no ano de 1962, contribuiu para reduzir
significativamente a complexidade existente, de forma que impera agora a
tendência para empregar apenas quatro diferentes formas de culpa: "intention,
purpose", "knowledge", "recklessness" e "negligence". Se lermos as definições
que estas quatro formas de mens rea têm, por ex., no Model Penal Code,
encontraremos a equivalência de "intention" na intenção (dolo directo), de
"knowledge" no dolo necessário, e de "negligence" na nossa negligência
inconsciente, mas neste caso só se houver uma violação grosseira das regras de
cuidado. A recklessness ficará situada entre o dolo e a negligência consciente
(grave) e definese assim:
• "A person acts recklessly with respect to a material element of an offense when he consciously
disregards a substantial and unjustifiable risk that the material element exists or will result from his
conduct. The risk must be of such a nature and degree that, considering the nature and purpose of the
actor's conduct and the circumstances known to him, its disregard involves a gross deviation from the
standard of conduct that a lawabiding person would observe in the actor's situation. "Actua recklessly
descuidada perante um risco injustificado e de certa monta, cujo elemento material se verifica
ou se realiza com essa conduta. A natureza e a medida do risco deverão ser de tal ordem que a
falta de atenção ao mesmo, considerando a espécie e os fins da conduta do agente, bem como
CASO nº 4k: A quer dar uma lição a B e não se importa mesmo de o mandar para o
hospital a golpes de matraca, mas como o quer bem castigado afasta completamente a hipótese
da morte da vítima, a qual, inclusivamente, lhe repugna. A morte de B, todavia, vem a darse
na sequência da sova aplicada por A.
Repare em que há aqui 3 resultados: as ofensas são provocadas com dolo
de dano; o perigo para a vida fica coberto com o chamado dolo de perigo; a morte,
subjectivamente, pode vir a ser imputada a título de negligência, por violação do
dever de cuidado. A representou as ofensas à integridade física de B e quis
provocarlhas. Além disso, representou o perigo para a vida deste, embora
tivesse afastado por completo a hipótese de lhe provocar a morte. Apesar da
morte de B, fica afastado o homicídio doloso, por falta de dolo homicida,
mesmo só na forma eventual.
CASO nº 4L: A dáse muito mal com B, seu inimigo de longa data, e quer vingarse
dele, custe o que custar. Como B tem um prédio, quase todo arrendado a uma firma de
exportações, com excepção do último andar —onde vive, sozinho, um indivíduo de idade—,
A, para tramar a vida a B, resolve deitar fogo ao prédio. Nada disso lhe parece difícil, até
porque já em ocasião anterior se tinha ocupado de tarefa semelhante e tudo correra bem. A
hora ideal será por volta das dez da noite, quando todos os empregados da firma, incluindo as
mulheres da limpeza, já estão nas suas casas. Problema é o inquilino do último andar. Para
evitar a morte deste, A remetelhe um telegrama, pouco antes de dar início aos seus planos,
fingindo que um filho do idoso está a morrer e o quer à sua cabeceira. A espera firmemente que
o telegrama chegue a tempo. Entretanto, prepara na cave do edifício uma mecha e rodeiaa de
materiais facilmente inflamáveis. Rega tudo com gasolina a que põe fogo, o qual se propaga
imediatamente e em grande velocidade. Quando as chamas já lambiam o último andar, os
bombeiros conseguem extinguilo, depois de chamados pelo morador, que a tempo sentiu o
intenso cheiro dos materiais a arder.
Punibilidade de A ?
Ninguém morreu, mas A pode ter cometido homicídio tentado, com dolo
eventual, talvez qualificado pela utilização de meio que se traduz na prática de
crime de perigo comum: artigos 22º, 23º, 73º, 131º, 132º, nºs 1 e 2, f ), e 272º, nº 1,
alínea a). A indagação deve começar pelo tipo subjectivo do homicídio,
procurando saber se este se mostra preenchido, portanto, se A actuou com dolo
de matar outra pessoa. Só poderá tratarse de dolo eventual relativamente à
pessoa do ocupante do último andar. Reparese que A não estava certo de que o
seu telegrama chegasse a tempo.
Quanto ao pessoal da firma, seguramente que não se poderá afirmar
qualquer dolo, mesmo eventual, sendo de excluir desde logo o correspondente
momento intelectual: A não chegou sequer a representar como possível a morte
de qualquer dessas pessoas, e essa representação é o primeiro pressuposto do
dolo (artigo 14º, nºs 1, 2 e 3), pelo que fica arredada a punição a esse título. Por
outro lado, o crime de homicídio negligente é de resultado material (artigo 137º)
e neste âmbito não se verificou qualquer resultado, ninguém morreu. Deve
recordarse, aliás, que a tentativa não é normativamente compaginável com a
negligência (artigo 22º), quer dizer, existe a impossibilidade legal de castigar a
"tentativa" de homicídio fora das hipóteses dolosas.
tentativa se verifique a intenção directa e dolosa por parte do agente, “em que
parece de excluir o dolo eventual, já que o agente, apesar da representação
intelectual do resultado como possível, ainda não se decidiu." Cf. Jornadas, p.
160; e STJ, Acórdão de 3 de Julho de 1991 (Tentativa e dolo eventual
revisitados), RLJ, ano 132º, nº 3903, p. 167 e ss. A tese jurisprudencial aparece
creditada com as palavras de Jescheck, para quem a tentativa exige o tipo
subjectivo completo. Em primeiro lugar, o dolo, tal como no delito consumado,
também na tentativa se deve referir aos elementos subjectivos do tipo. Do
mesmo modo, nos tipos qualificados os elementos qualificadores devem ser
abrangidos pelo dolo. O dolo pode igualmente revestir a forma de dolo
eventual, sempre que o mesmo seja suficiente para o tipo respectivo. (Cf. o ac.
do STJ de 3 de Fevereiro de 1995, cit.). Muñoz Conde (Derecho Penal, PG, 1993,
p. 372), para efeitos de imputação subjectiva, aceita a compatibilidade entre a
comissão dolosa eventual e a tentativa: o terrorista que põe uma bomba,
admitindo a possibilidade de ferir mortalmente alguém, comete um homicídio
na forma tentada se a bomba não chega a explodir, ou se, explodindo, não fere
ninguém ou fere ligeiramente alguém que por ali passava no momento. Na
Itália prevalece a orientação da jurisprudência a favor da solução positiva: o
dolo da tentativa é dolo de consumação, vontade de cometer o delito perfeito, e
neste compreendese também o dolo eventual. Em sentido contrário, todavia,
pode verse a Cass., de 20 de Outubro de 1986, in Foro Italiano, 1987, II, 509,
com apontamento de Fiandaca; e parte da doutrina, ao afirmar que não é
possível punir a tentativa com dolo eventual sem violar a proibição de analogia
in malam partem. Com efeito, no dolo eventual não seria admissível a
representação dos actos "come univocamente diretti", como univocamente
dirigidos à prática do crime. Desde Carrara vemse entendendo na Itália que o
momento executivo do delito exige não só a idoneidade da conduta como
também a sua inequivocidade: acto executivo é o acto dotado de idoneidade
(capacidade potencial de produção do evento) e de inequivocidade. Na situação
concreta, o acto deve denotar in modo non dubbio o propósito criminoso do seu
autor. Se o acto, além de inidóneo, se apresentar como equívoco, isto é,
ambíguo, não passa de acto preparatório. No exemplo de Paulo José da Costa
Jr., aquele que for surpreendido no topo de uma escada, apoiada numa janela,
se estiver praticando um acto idóneo, não estará por certo realizando um acto
inequívoco. A escalada poderá visar o furto, o rapto de mulher, que poderá ser
violento ou consensual; o sequestro de pessoa, com fins de resgate ou políticos.
Poderá também tratarse de conduta inócua, se o sujeito pretender proceder a
reparos de pedreiro, ou à pintura do prédio. (Cf. Mantovani, Diritto penale, p.
ipsa" que sem mais resultaria da comprovação da simples materialidade de uma infracção, cf.
Jorge de Figueiredo Dias, Ónus de alegar e de provar em processo penal?, Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 105º, nº 3474, p. 125. É sempre necessário comprovar a existência dos
especial — não existem presunções de dolo. "Outra coisa completamente diferente — seria a
genérico.
12
A Prof. Fernanda Palma (Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra as pessoas, Lisboa,
1983, p. 63) recorda que o comportamento intencional é definido, na leitura de Anscombe ("Intention", de
1963), como aquele que é possível utilizar no discurso linguístico como resposta à pergunta "porquê". "Na
base desta perspectivação do acto intencional está toda uma orientação filosófica sobre o conceito de
vontade que nega a equiparação da vontade a qualquer estado íntimo do agente, como um estado emocional
(por ex., desejo). Essa orientação "extrovertida" sobre a vontade já vem de Aristóteles, para quem o acto
voluntário se caracteriza pelo estado cognitivo do agente que consistiria no desenvolvimento de um
raciocínio prático dirigido à acção de que a própria acção surgisse como conclusão lógica". O livro de
Anscombe pode ser lido na tradução espanhola, com o título “Intención”, valorizada com uma interessante
“introdução” de Jesús Mosterín.
quem matar outra pessoa por negligência. São momentos típicos a causação do
resultado e a violação do dever de cuidado que todavia, só por si, não
preenchem o correspondente ilícito típico. Acresce a necessidade da imputação
objectiva do evento mortal. Este critério normativo pressupõe uma determinada
conexão de ilicitude: não basta para a imputação de um evento a alguém que o
resultado tenha surgido em consequência da conduta descuidada do agente,
sendo ainda necessário que tenha sido precisamente em virtude do carácter
ilícito dessa conduta que o resultado se verificou; por outro lado, a produção do
resultado assenta precisamente na realização dos perigos que deve ser
salvaguardada de acordo com o fim ou esfera de protecção da norma. O risco
desaprovado pela ordem jurídica, criado ou potenciado pela conduta
descuidada do agente, e cuja ocorrência se pretendia evitar de acordo com o fim
de protecção da norma, deve concretizarse no resultado mortal,
acompanhando um processo causal tipicamente adequado.
No âmbito da culpa deve comprovarse se o autor, de acordo com a sua
capacidade individual, estava em condições de satisfazer as exigências
objectivas de cuidado.
T terá violado o dever objectivo de diligência? A valoração jurídicopenal
realizase comparando a conduta do agente com a conduta exigida pela ordem
jurídica na situação concreta. Ora, o homem "sensato e cauteloso" do "círculo de
actividade do agente" (i. é, um caçador sensato e prudente...) teria previsto os
perigos que rodeavam a actividade desenvolvida e terseia abstido de a levar a
efeito sem que antes se tivesse informado de que disparava contra uma peça de
caça e não contra uma pessoa. O caçador está autorizado a realizar a acção
perigosa somente com as suficientes precauções de segurança, doutro modo,
impõeselhe que a omita completamente.
T estava aliás em condições tanto de se abster de disparar como de se
informar (exame da capacidade individual em sede de tipo de culpa). T devia e
podia ter procedido como fica indicado.
Em suma: o risco criado pela conduta descuidada de T concretizouse no
resultado mortal: T cometeu um crime de homicídio negligente do artigo 137º,
nº 1, do Código Penal.
CASO nº 4N: Dolus subsequens. A compra a B uma câmara de vídeo, que B
tinha furtado. A não suspeita de que se trata de coisa furtada, nem tem motivos para isso. Mais
tarde A lê num jornal que a câmara tinha sido furtada, mas nada faz. Poderá falarse de
receptação (artigo 231º, nº 1)?
CASO nº 4O: T aponta contra O com dolo homicida, aperta o gatilho da espingarda,
mas falha o alvo. Todavia, o tiro assustou uns cavalos que, em tropel, lançados em correria e
desnorteados, foram colher O mortalmente.
Mostrase preenchido o tipo objectivo do homicídio doloso. Não se poderá
razoavelmente questionar um nexo de causalidade entre o tiro disparado por T
e a morte de O. Vistas as coisas de um ponto de vista objectivo, a circunstância
de o agente ter espantado uns cavalos que vão provocar a morte da vítima é
seguramente um meio apto para atingir o fim, a morte de uma pessoa.
Os problemas surgem quando se pergunta se o lado subjectivo do ilícito se
encontra do mesmo modo preenchido. Com efeito, o dolo do agente não
abarcou, nem sequer eventualmente, o curso efectivo dos factos. Há aqui um
desvio do curso dos acontecimentos relativamente à representação que deles
fazia T. Ora, como se sabe, a relação causal entre a acção e o resultado também
pertence, como ponto de referência do dolo, ao tipo de ilícito objectivo (Wessels,
p. 77).
O dolo homicida referese ao conjunto dos elementos típicos do caso
concreto. Se assim não acontecer, faltará um elemento essencial do agir doloso e
o agente não poderá ser sancionado por conduta dolosa (artigo 16º, nº 1). Um
desses elementos típicos, cuja presença deve ser apurada, é, nos crimes de
resultado, a relação de causalidade entre a acção e o resultado produzido. Para
actuar dolosamente, o autor tem que conhecer tanto a acção como o resultado;
além disso, deve ter previsto o processo causal nos seus traços essenciais,
porque a relação de causalidade é um elemento do tipo, como o são a acção e o
resultado. Consequentemente, o dolo do agente deve estenderse também ao
nexo causal entre a acção do agente e o resultado — de outro modo, não haverá
actuação dolosa. Deve contudo repararse que normalmente só um especialista
poderá dominar inteiramente o processo causal na maior parte dos casos, o
devir causal só será previsível de forma imperfeita. De modo que o jurista aceita
a ideia de que o dolo tem que coincidir com o conhecimento da relação causal
por parte do agente, mas em traços largos, nas suas linhas gerais. Se assim não
fosse, bem difícil seria sustentar que uma pessoa agiu dolosamente. Basta
portanto que o agente preveja o decurso causal entre a sua acção e o resultado
produzido nos seus elementos essenciais.
Qualquer desvio do processo causal que se enquadre na experiência geral
ou seja adequadamente causado é um desvio não essencial (Hans Welzel, Das
Deutsche Strafrecht, 11ª ed., p. 73). Dito de outro modo: as divergências entre o
processo causal representado e o real não são essenciais e carecem de
CASO nº 4Q: A, enquanto estrangula uma sua vizinha — B —, enchelhe a boca com
duas mãos cheias de areia, para evitar que os gritos dela se ouçam. Ao proceder assim, A
actuou com dolo eventual, como o Tribunal, mais tarde, veio a apurar. B fica prostrada, sem
dar acordo de si, mas continua viva. A, julgandoa morta, atira o que supunha ser o cadáver de
B à água e B morre afogada.
13) A solução será diferente para quem afirme a conexão entre a acção e o resultado: o eventual erro
por parte de A quanto à causação da morte funcionaria como elemento de ligação entre a actuação de A -
estrangulamento, etc. - e a morte da vítima.
14 ) Repare-se na solução dada por Stratenwerth (Derecho Penal, Parte especial, I, 1982, p. 103): "Se
partirmos do critério da adequação, a solução está em saber se o curso realmente seguido era ou não
previsível no momento da primeira acção, ainda coberta pelo dolo. A resposta terá que ser afirmativa
quando o autor, desde o princípio, tinha a intenção de cometer o segundo acto que mais tarde se verifica ser
o que directamente causou o resultado. O crime doloso deverá entender-se assim como consumado. Se o
segundo acto não estava planeado desde o princípio, mas o autor só se decide a executá-lo no momento em
que se acha concluído o primeiro, então a adequação do desenrolar do processo que levou à produção da
morte é mais que duvidosa e provavelmente deveria ser negada: a resolução posterior apenas se pode prever
em geral durante a execução da primeira acção, ainda dominada pelo dolo homicida. Aqui estaríamos
mortal. M caiu sem sentidos no chão, onde ficou como se estivesse morta. B desligou a
televisão mas logo a seguir ouviu ruídos e tratou de se esconder atrás de uns cortinados. R, o
amante de M, entrou na sala. Debruçouse sobre M, que realmente estava apenas sem sentidos,
e deuse conta de que os ferimentos desta não eram de molde a causarlhe necessariamente a
morte. Pela natureza dos ferimentos, R convenceuse de que M tinha caído pelas escadas e,
como tencionava pôr termo á relação que mantinha com ela, decidiu aproveitar a situação para
se livrar de discussões intermináveis. Agarrou numa almofada do sofá e pressionoua contra a
cara de M. Quando R se convenceu de que M já não respirava, colocou de novo a almofada no
sofá e retirouse da casa. B, que se mantivera quieto atrás das cortinas, e que de nenhum modo
colaborou na actuação de R, aguardou 10 minutos e então arrastou M para a piscina e atiroua
para a água. M morreu por afogamento na água da piscina. Buttel/Rotsch, Der Fremde im
Zug, JuS 1995, p. 1096. A ideia foi baseada no filme de Alfred Hitchcock, Strangers on a train.
I. Punibilidade de B. Homicídio.
B pode ter cometido um crime do artigo 131º. M morreu. B deulhe com
um martelo na cabeça. Põese porém a questão de saber se a pancada na cabeça
é causal relativamente ao resultado apontado e se a morte de M pode ser
objectivamente imputada a B, já que M morreu por afogamento. Sem a acção de
B, M não teria desmaiado e não teria morrido depois por afogamento na
piscina, o que significa que a pancada dada por B é condiciosinequanon da
morte de M. Os problemas põemse no plano da imputação objectiva. Aqui tem
que se averiguar se entre a pancada do martelo que cria o perigo juridicamente
desaprovado e a morte por afogamento existe o necessário nexo de risco, i. é, se
o perigo criado por B — produção da morte em razão da lesão com uma
pancada — se manifesta no resultado (a morte por afogamento) por forma
tipicamente relevante. Do que não há dúvida é que a primeira acção de B está
coberta pelo seu dolo homicida, não assim a segunda, pois quando B atira o que
julga ser o cadáver para a piscina não actua seguramente com dolo homicida.
Como se viu antes, há autores que afirmam um nexo de risco entre a primeira
acção e o resultado final se o curso realmente seguido era previsível no
momento da primeira acção, coberta pelo dolo. No caso em análise, B tinha,
desde o princípio, a intenção de cometer o segundo acto, tinha a intenção atirar
M para a água da piscina, e esta segunda actuação é a que directamente vem a
causar o resultado. Quem optar por este caminho conclui que B cometeu um
crime de homicídio consumado. Resta averiguar a existência de um exemplo
padrão, já que as circunstâncias podem apontar para uma especial
censurabilidade ou perversidade de B (artigo 132º, nº s 1 e 2). Convém desde
logo indagar se o agente foi determinado por avidez (alínea c), em vista da
recompensa prometida.
II. Punibilidade de R. Homicídio.
CASO nº 4S: A quer matar B, seu marido, que nesse dia se encontra de turno ao
serviço de bombeiros da região. Lembrandose do gosto que ele tem por uma certa marca de
vinhos, levalhe uma garrafa, mas tem o cuidado de lhe adicionar uma dose de um certo
veneno que sem dúvida será suficiente para lhe dar a morte. B, todavia, é chamado para ir
combater um incêndio e oferece a garrafa a C, um dos companheiros que ficam no
aquartelamento, e qual é também um conhecido apreciador. C bebe o vinho e morre
envenenado.
A situação de desvio de golpe corresponde àqueles casos em que na
execução do crime ocorre um desvio causal do resultado sobre um outro
objecto da acção, diferente daquele que o agente queria atingir: A quer matar B,
mas em vez de B o tiro atinge mortalmente C, que se encontrava ali ao lado.
Distinguese do típico “error in persona” na medida em que o agente não está
enganado sobre a qualidade (ou identidade) da pessoa ou da coisa, pois no
como possível (dolo eventual) a morte da pessoa que não tendo sido visada
com a sua acção acabou no entanto por ser atingida (caso, por ex., do guarda
costas do visado: A quer atirar sobre B, apercebese, contudo, que pode atingir
C, que o protege, e apesar disso dispara, vindo a matar o último). Num caso
destes, em que mesmo os partidários da teoria da individualização têm que
admitir um homicídio consumado, põese a questão de saber se acresce um
homicídio tentado (na pessoa do visado que não chegou a ser atingido),
respondendose geralmente pela negativa, pois o dolo homicida já foi “gasto”: o
agente quis e conseguiu matar uma pessoa (contra, Roxin, ob. cit., p. 421, para
quem se verifica também uma tentativa de homicídio; a questão está
relacionada com o chamado dolo alternativo, em que o agente se propõe ou de
conforma com a realização de um ou de outro tipo de ilícito). Para os casos em
que a discussão se mantém, há propostas de solução que se situam entre a
teoria da individualização e a da equivalência. Alguns autores sustentam que
não faz sentido falar de “aberratio ictus” quando se trata exclusivamente de
bens jurídicos patrimoniais (teoria da equivalência material), pois carece de
significado a individualização do objecto da acção para a correspondente
realização típica e para a correspondente ilicitude: só os motivos que levaram à
actuação é que, na representação do agente, têm a ver com a individualização
do objecto, o que é irrelevante. Roxin entende que a teoria da individualização
merece ser acolhida na medida em que a realização do plano criminoso
(“Tatplan” Theorie) supõe um objecto individualizado, caso contrário, aplicam
se os critérios da teoria da equivalência. Assim, se A, durante uma altercação
num bar, quer matar o seu inimigo B e em vez dele atinge o seu próprio filho, o
plano do agente soçobra, tanto do seu ponto de vista subjectivo, como por
critérios objectivos. Não seria exactamente o mesmo se o tiro tivesse atingido
um terceiro, completamente desconhecido. Saber se o agente, que tivesse
contado com o desvio de golpe, ainda assim teria actuado, é um caminho que
pode indiciar uma solução correcta nestes casos. Entre nós, o tratamento a dar
aos casos de “aberratio ictus” tem sido objecto de larga querela (M. Maia
Gonçalves, Código Penal Português, 5ª ed, Coimbra, 1990, p. 100), mas o Prof. F.
Dias entende que a única solução correcta estará em punir o agente por
tentativa, em concurso eventual com um crime negligente consumado
(Figueiredo Dias, Direito Penal, sumários das Lições, p. 193).
CASO nº 4T: Dolo directo / dolo eventual. A e B haviam decidido cometer diversos
crimes de roubo, actuando sempre em conjunto. Na execução de um desses roubos, o B, indo
além do acordado, começou a disparar, atingindo três pessoas, das quais duas morreram,
com intenção de as matar. B agiu com dolo directo de homicídio. A, por sua vez, não planeou
tal resultado. Provouse porém em julgamento que A previu que tal resultado pudesse
munições ao B para efeito do cometimento dos crimes de roubo, prevendo que do seu uso
pudesse resultar a morte dos visados e deslocandose ambos para o local com a intenção de
roubarem. Chegados ao local, o A aguardou na viatura a consumação dos ilícitos por parte
desfechar a espingarda a cerca de 1,35 metros de distância sobre a vítima, tivesse tido a
intenção de causar a morte desta, e consequentemente que tivesse agido com o chamado dolo
directo. Porém, como essa morte se lhe representou como uma consequência possível da
conduta, e não obstante o arguido actuou, conformandose com tal resultado —agiu com o
ofendido um golpe com um canivete, dirigido de baixo para cima, atingindoo na zona do
pescoço, de modo voluntário e livre, na intenção de ferir: tais factos apontam inequivocamente,
ainda que de forma oblíqua e indirecta, que o golpe foi intencionalmente dirigido ao pescoço e
Acórdão do STJ de 1 de Abril de 1993, BMJ426154: dolo eventual: comprovação dos actos
psíquicos. A e B envolveramse em discussão, tendo o B caído no solo. Uma vez este no solo, o
A encavalitouse nele, e agarrandoo pela cabeça por várias vezes lhe deu com ela no
hospitalar, o Supremo deu como assente a conexão, em termos de adequação causal, entre as
ocorrência letal, aceitandoa, é autor de homicídio voluntário simples com dolo eventual.
consentirem a ilação de que o arguido, agredindo a vítima, representou a morte desta como
consequência possível da sua acção e agiu conformandose com tal evento, estará
Acórdão do STJ de 14 de Junho de 1995, CJ do STJ, ano III (1995), tomo II, p. 226: o dolo
eventual é integrado pela vontade de realização concernente à acção típica (elemento volitivo
intelectual do injusto da acção) e, por último, pela conformação com a produção do resultado
morte da vítima como consequência possível dos disparos que fez, e mesmo assim disparou,
duvidarse que agiu com dolo eventual e não apenas com negligência.
que todos sabiam estar carregada com a respectiva munição, prevendo a possibilidade de ser
se com esse resultado, sendolhes indiferente que da execução do seu plano, primordialmente
casal.
Albin Eser/B. Burkhardt, Strafrecht I. Schwerpunkt, 4ª ed., 1992, p. 86 e ss. (há tradução
Beleza dos Santos, Crimes de Moeda Falsa, RLJ, anos 66/67 (19341935), nºs 2484 e ss.
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Faria Costa, As Definições Legais de Dolo e de Negligência, BFD, vol. LXIX, Coimbra, 1993.
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p. 1.
Werner Janzarik, Vorrechtliche Aspekte des Vorsatzes, ZStW 104 (1992), p. 65.
outro respondeu: “Se queres matarme, matame”. Pouco depois, o A voltou ao café,
pediu água quente para descongelar o párabrisas do carro, regressou ali para
devolver a garrafa vazia e pediu uma cerveja, tendo permanecido no interior do café
até que este fechou e todos saíram. O A foi à frente, o B atrás e, saindo quase ao
carro donde retirou uma bengala. O A retirou, por sua vez, um revólver do seu carro.
apurada do corpo. Por causa da bengalada, o A veio a cair do outro lado da estrada,
tendo sido seguido pelo B, que o pretendia agredir pela segunda vez com a bengala.
Receando ser de novo atingido, o A efectuou mais quatro disparos. Os cinco tiros
1. Uma vez que A deu vários tiros na pessoa de B fica desde logo
comprometido com a tipicidade do artigo 131ª: A sabia que matava B (outra
pessoa) com os tiros e quis isso mesmo. A disparou e B morreu. Não se coloca
atenuação especial da pena (artigos 72º, nºs 1 e 2, alínea b), 73º, nº 1, alíneas a) e b), e
131º) com 5 anos de prisão. O A recorreu, desde logo por entender que agiu em
legítima defesa. Argumenta ter praticado o facto como meio necessário para evitar a
sua morte, intentando repelir a agressão que se iniciara e era actual e ilícita. Além
disso, quis defenderse e a existência de vários tiros — disse — não retira o animus
defendendi, pois um homem médio não tem tempo para pensar, após levar uma
sair do café; entretanto, o B, que se encontrava com uma elevada taxa de alcoolémia
de novo com o A, apesar daquelas idas e voltas deste, e só saiu quando saiu toda a
sabendose (porque também ficou provado) que este era pessoa conflituosa? Cá fora,
o A podia terse metido na viatura e partido, ma optou por aguardar que o B estivesse
àquele, se dirigir para a vítima, encurtando assim a distância entre os dois de modo a
nádegas. Só decorridos dez minutos é que o A, já fora do café, veio pedir satisfações
ao B pelo que tinha feito e logo este lhe deu um soco na cara, agredindoo a seguir
com um cinto. De imediato, o A abriu uma navalha que trazia no bolso e desferiu com
que pudesse atingir órgãos vitais e causar lesões e a morte; não obstante isso, não se
absteve de espetar a faca no B, por lhe ser indiferente o resultado previsto e com este
se ter conformado.
perante uma agressão ilícita e actual (artigo 32º). Também não agiu com
intenção de se defender, mas, como igualmente se provou, com o único intuito
de afastar de si o B. Não ocorrendo os pressupostos da legítima defesa, não se
verifica excesso de legítima defesa.
2. Qual a moldura penal aplicável a um caso destes? É a de 1 ano, 7 meses
e 6 dias no limite mínimo e de 12 anos e 8 meses no limite máximo (artigos 131ª,
22º, 23º, nº 2, e 73º, nº 1, alíneas a) e b).
especialmente atenuada (artigo 23º, nº 2), ou seja [artigo 73º, nº 1, alíneas a) e b)], 1/5
de 8 anos (=1 ano 7 meses e 6 dias) a16 anos1/3 (=12 anos e 8 meses).
nada consta do seu certificado de registo criminal; é tractorista e tem uma filha menor
abóbada craniana na metade posterior e outras fracturas que foram causa directa e
A.
Segundo o artigo 26.° do Código Penal, é punível como autor quem executar o facto, por si
mesmo ou por intermédio de outrem, ou tomar parte directa na sua execução por acordo
444209; CJ, ano III (1995), p. 221; e o acórdão do STJ de 18 de Março de 1993, CJ,
ano I (1993), p. 195).
O acórdão cita Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol. II, pág. 942, edição Bosch, que esclarece:
• Houve por parte da vítima uma agressão actual, ou seja, um desenvolvimento iminente aos
interesses pessoais (integridade física) de A e ilícita, por o seu autor não ter o direito
pontapé, tal como já o fizera a uma irmã, a um irmão e ao pai de ambos. Houve por
parte de A agressão à vida da vítima em defesa do bem acima referido, como meio
com animus defendendi, mas com uso de meio excessivo, injustificável, irracional,
para se defender, através de meio letal. O excesso do meio usado pelo A ficou a
deverse ao medo que o A tinha da vítima, pessoa que, embora mais baixa de
estatura, era mais encorpada e mais forte do que ele e tinha praticado luta grego
romana, de tal modo que já por diversas vezes o havia agredido e obrigado a
tratamento hospitalar.
B pediulhe 50 escudos, que A lhe negou, após o que arrancou. Mais tarde, no Bairro
dizendo: "Agora, filho da puta, passa para cá o dinheiro; voute roubar, filho da puta,
se com a morte, que veio a ocorrer. Cf. o acórdão do STJ de 11 de Dezembro de 1996,
BMJ462207.
dar qualquer explicação. Por causa dessas agressões, B não sofreu lesões graves, cuja
empunhou uma pistola que trazia consigo e apontandoa ao tórax de A disparou pelo
menos 3 tiros, atingindoo com duas balas nessa região do corpo e com uma bala na
região abdominal, que foram causa necessária e adequada da sua morte. B disparou
"com intenção de matar a vítima, querendo dessa forma obstar a que esta continuasse
a agredilo".
conduzir a viatura pelas ruas do Porto. Pretende dar com ela umas voltas e depois
chão. A parou, saiu do carro, e verificou que B acabaria por morrer se não fosse
levasse ao hospital lhe fariam aí perguntas embaraçosas. Alguém, porém, viu o que
se passou, mas B foi socorrido demasiado tarde e morreu. A polícia diligenciou por
deste. Logo que A viu os agentes G e N a fazeremlhe sinal para parar aumentou a
do carro que A conduzia por ter dado um salto repentino para o lado. Os dois
Tradicionalmente, indicamse as seguintes fontes do dever de garante: A lei, que define deveres
jurídicos primários. O contrato (por ex., uma educadora assume o dever de vigiar a
criança que foi confiada aos seus cuidados). Uma actuação precedente geradora de
perigos (ingerência): por ex., o dono de um bar que insta o cliente a beber até estar
ou que nele tenham origem. Exemplo de escola (Figueiredo Dias): dando um tiro na
vítima que a deixou a sangrar, o agente — ainda que sem intenção de matar, e por isso
mesmo — criou, com esta sua conduta anterior (anterior à omissão, entendese) um
perigo para bens jurídicos que ficava juridicamente obrigado a remover. Não o fazendo,
antes omitindo a acção necessária à remoção do perigo — e considerando ainda que este
perigo não só era adequado à realização do evento, como até foi criado com violação de um
dever jurídico e mesmo culposamente —, resulta daí que o evento letal era juridicamente
circunstâncias do caso.
Hoje em dia continua a entenderse que nos casos indicados existem deveres de garante. Mas o
critério é demasiado estreito. Assim, por ex., a educadora é garante, mesmo que o seu
contrato seja nulo face à lei civil. A indicada tripartição é formal, não nos indica o
outro modelo, que tem em conta também aspectos materiais (cf. Jescheck, p. 565). Este
autor distingue entre os deveres de garante que consistem: Numa função protectora para
fontes de perigo (deveres de segurança em que o agente pode ser responsável a três
títulos: ele próprio deu causa ao perigo (por ingerência); deve remover os perigos que
provêm de coisas pelas quais ele é responsável (vigilância de fontes de perigo); deve
remover perigos que resultam de pessoas por quem ele é responsável (vigilância de
outrem).
Como já se viu, não falta hoje quem defenda que, na “ingerência”, não basta que o perigo seja
adequado, mas é ainda necessário que ele tenha sido ilícita ou inadmissivelmente criado.
Rejeitase assim a doutrina que se contenta com qualquer actuação causal do resultado.
Por ex., quem conduz inteiramente de acordo com as regras de trânsito não tem o dever
por uma tontura e cai desamparado no chão, sofrendo um golpe na cabeça que exige
cuidados médicos. Terá neste caso A um dever de garante? Há aliás situações em que
outrem em legítima defesa não fica investido na posição de garante: quando alguém se
defende tem que violar bens jurídicos do atacante de forma “necessária” (cf. o artigo
32º). Mas nem por isso deixará de entrar em questão uma eventual omissão de auxílio
diversas aos filhos, repetidos insultos à mulher e ao próprio B, a quem já por mais de
uma vez extorquiu dinheiro com o pretexto de não revelar certas facetas da sua vida,
que bem conhece, e cuja divulgação seria ruinosa para B. Até que um dia B soube que
A, cerca de uma hora antes, se metera mais uma vez com a sua mulher, acabando até
gabando, sem despudor, do seu feito. B só teve tempo de procurar uma pistola e
munições com que a carregou, após o que se encaminhou para a casa de A, cuja
mulher lhe abriu a porta e o deixou entrar. B dirigiuse à cozinha, onde encontrou A
"boas tardes" e fez menção de se servir de uma cerveja. Foi então que tirou a pistola
cartas, acertandolhe mortalmente, por detrás, com vários tiros. B fugiu em seguida.
C, que estava presente e tinha consigo uma pistola, perseguiu B. C estava convencido
de que podia disparar sobre B para o prender e entregar à polícia. Por isso, apontou
às pernas e disparou vários tiros, para impedir que B desaparecesse. Uma das balas
passou por B de raspão e rasgoulhe as calças numa extensão pouco habitual em tais
casos; outra apanhou B nas costas, mas este conseguiu mesmo assim pôrse fora da
transportado a uma clínica. Ainda que — tudo o indicava — não fosse necessária
outro homem, na sequência da qual ficou grávida. Nessa altura pretendeu abortar,
mas o amante opôsse, declarando, nomeadamente, que iria viver com ela. A mulher,
acreditando nessa promessa, nada fez para interromper a gravidez; ele, porém,
alguns meses depois, deixou a ilha, e não voltou a dar notícias. Tendo conseguido
ocultar a gravidez até ao momento do parto, a agente matou a criança logo após o
constitui em certos casos uma arma sabiamente manejada por peritos (Le Clère). Pode
tifóide, ministrado pacientemente por via oral justamente por um perito (caso Monin,
febre tifóide pode verse no Jornal de Medicina Legal, nº 2, Julho de 1986, p. 23. Ao
acidente?
• Os autores repudiam, em geral, uma construção dualista dos crimes contra a vida, a qual
modo geral pode sustentarse, com Teresa Serra (p. 49), que a tutela jurídicopenal da
artigo 131º, e que os restantes crimes dolosos contra a vida se configuram como casos
especiais de homicídio que o legislador decide punir com uma moldura penal
diferente, mais pesada, ou mais leve. E isto, no entender da mesma autora, "em
e/ou à culpa". Deste modo, o homicídio privilegiado, nas suas várias forma típicas,
• O homicídio privilegiado do artigo 133º punese com pena de prisão de 1 a 5 anos; por
que significa que o homicídio doloso se pune numa moldura (fictícia, mas relevante
obstante, rejeitase a ideia de que os artigos 132º e o artigo 133º são apenas regras de
• A doutrina tem entendido que o art. 133º, pondo o acento no estado emocional do agente,
outro lado, e este aspecto não tem sido objecto de suficiente atenção, os tribunais
Na prática, recomendase que a análise comece pelo artigo 131º, que, como tipo fundamental,
(artigo 132º, nºs 1 e 2, g), a Relação optou pelo homicídio simples (artigo 131º) e o
Supremo acabou no homicídio do artigo 131º, mas praticado num quadro circunstancial
e a exposição ou abandono (artigo 138º) constituem delicta sui generis. Mas não se
agrupam aqui os chamados crimes agravados pelo resultado, por não ser a agressão
eles tiveram clara e próxima percepção, agindo sempre sem qualquer hesitação,
e não revelando uma personalidade estranha ao seu comportamento, já que não
mostrou arrependimento por ter causado a morte à sua companheira e mãe dos
filhos. De qualquer forma, os cônjuges não estão entre si, pelo menos em
princípio, naquela situação que eticamente caracteriza as estreitas relações entre
pais e filhos ou em geral entre parentes muito chegados. É uma solução que não
gozará de unanimidade a deste acórdão. Adiante veremos indicações a
propósito..
As circunstâncias enumeradas são, pois, índices reveladores da culpa, não
são elementos do tipo: estes constam do artigo 131º.
"perigosidade" de que outras legislações lançam mão, como na Suíça, e falase antes
agente face à lei" (Maria Margarida Silva Pereira, Rever o Código Penal, Sub Judice /
ideias, 11, 1996, p. 23). Mas tal entendimento é discutível e há quem se pergunte se o
artigo 132º será mesmo estranho a uma ideia de ilicitude. Do que parece não haver
dúvidas é que no furto, mas também noutros tipos de ilícito da parte especial, a
• O Supremo vem decidindo que os factos apontados no nº 2 do artigo 132º do Código Penal
apenas susceptíveis de revelar culpa especial, não sendo “presunções fatais dela”
aqui adoptada. Não deixa de ser razoável entender que o homicídio "nasce logo
uno, a sua conclusão levará de imediato a que se subsuma a conduta de quem tirou a
vida a outra pessoa ou ao artigo 131º, ou ao artigo 132º, ou, ainda, ao artigo 133º" (Cristina
três requisitos: Que o agente se encontre dominado por emoção violenta; que seja tal
emoção a causadora do acto criminoso; que tal emoção seja compreensível. Para a
doutrina (vd. Figueiredo Dias, parecer cit.) o juízo de compreensibilidade não assenta
provocador e o facto ilícito provocado. O facto que origina a emoção não tem agora
que radicar em qualquer provocação. “Na visão do artigo 133º — assente, não em
criminoso e, assim, efectuar sobre o mesmo o juízo de (des)valor que afinal constitui o
• A propósito do artigo 20º, nºs 1 e 2, recordese que entre a anomalia mental, cujos efeitos
intermédios que, embora sem o anular, enfraquecem todavia mais ou menos o poder
prática do facto, o agente não estaria num estado de perturbação mental que lhe
exterior estão mais ou menos perturbadas”. Pensese, como exemplos desses estados,
o sono, o estado agudo alcoólico, delírios de febre e estados afectivos intensos (Prof.
• Os casos mais frequentes de excesso têm a ver com a utilização de um meio de defesa que,
também era, previsivelmente, adequado" (Prof. Taipa de Carvalho). Por ex., durante
uma discussão por razões de trânsito, os dois condutores saem dos respectivos carros
qual poderia ter sido evitada se B se tivesse limitado a defenderse a soco ou a visar
punido pelos artigos 131º ou 132º; se o agente apenas foi negligente quanto ao
surgimento da emoção, a sua culpa deve ser excluída; mas, se o agente previu
ou podia prever a prática do homicídio naquela situação de emoção
negligentemente criada, então será ainda possível fundamentar um juízo de
culpa diminuída, isto é, a emoção será compreeensível" (Amadeu Ferreira, p.
145).
• O artigo 20º, nº 4 (alic). São constelações de casos com a seguinte estrutura: o autor,
facto antijurídico (actio), após ter produzido na sua pessoa, de forma censurável,
aquele estado, sabendo, ou pelo menos podendo saber (causa libera) que em posterior
(produção da anomalia, actio praecedens, causa) tem uma relação relevante, no que
toca à culpa, com o segundo acto, posterior no tempo (facto cometido com anomalia
• No direito anterior à entrada em vigor do Código Penal de 1982, exigiase que o facto
provocador fosse injusto e imoral, adequado a provocar o estado de emoção que teria
(Jorge de Figueiredo Dias, parecer, CJ, 1987; Liberdade, culpa, direito penal, 1976, p.
92. E. Correia, Direito Criminal, II, p. 283; ainda Gomes da Silva, Direito Penal, 2º
volume, 1952, p. 261; Vitor Faveiro, Código Penal Português, 2ª ed., 1952, p. 151 e ss.).
Perante a letra do artigo 133º, a doutrina entende que a compreensibilidade ali posta
homicídio.
• Com os tiros, B inutilizou, tudo o indica, as roupas que A trazia vestidas. Tratase de coisa
alheia, cuja substância foi atingida. Foi apresentada queixa, como já se disse. Cf. o
artigo 212º. Parece ser caso de concurso de normas: a relação é de consunção. A pena
morte.
• A bala de raspão rasgou as calças de B, mas nada indica que nesse contexto C tivesse agido
julgador, que o tem que aceitar. Se dele divergir terá de fundamentar a sua
discordância e, não o fazendo, viola o artigo 163º do CPP, que leva à anulação do
não é um juízo técnico, científico ou artístico, nem tão pouco um juízo de técnica
aquela intenção, pelo que não se lhe aplica o disposto no artigo 163 do CPP (acórdão
Fernando Oliveira Sá, As ofensas corporais no Código Penal: uma perspectiva médico
• A questão do dolo: O dolo directo (nº 1 do art. 14º do C. Penal de 1982) não é indispensável
necessário resulta bem evidenciado se se mostra provado que o arguido agiu livre e
ofendido e bem sabendo que o seu comportamento era contrário à lei (acórdão do STJ
embora sem intenção de lhe causar a morte, o réu comete o crime do art. 131.° do C.
Penal de 1982, com dolo eventual, por, ao fazer o disparo, ter previsto a possibilidade
de atingir aquela e de a matar e, não obstante isso, não ter deixado de praticar a
acção, por lhe ser indiferente o resultado previsto e com este se ter conformado
pena de prisão, lhe fornece uma arma de fogo para lhe possibilitar a fuga da cadeia,
se o recluso, na fuga, usar tal arma e matar pessoa encarregada da sua vigilância, por,
em tal caso, o referido agente ter de prever como possível o resultado morte de
Janeiro de 1987, CJ, XII. t. 1, p. 321). O Código Penal de 1982 encerra uma terminante
opção normativa, ao erigir em padrão decisivo da distinção, nos artigos 14º, nº 3 e 15º,
por aquele previsto como possível. Para se considerar existente essa conformação,
tornase necessário que, para além da previsão do resultado como possível, o agente
tome a sério a possibilidade de violação dos bens jurídicos respectivos e, não obstante
isso, se decida pela execução do facto. Provandose que o réu representou a morte da
vítima como consequência possível dos disparos que fez, e mesmo assim disparou,
pode duvidarse de que o réu agiu com dolo eventual e não apenas com negligência
• CASO nº 5I: Dolo directo / dolo eventual. Excesso na execução. A e B haviam decidido
cometer diversos crimes de roubo, actuando sempre em conjunto. Na execução de um
pessoas, das quais duas morreram, com intenção de as matar. B agiu com dolo directo
de homicídio. A, por sua vez, não planeou tal resultado. Provouse porém em
julgamento que A previu que tal resultado pudesse acontecer, conformandose com o
do cometimento dos crimes de roubo, prevendo que do seu uso pudesse resultar a
morte dos visados e deslocandose ambos para o local com a intenção de roubarem.
de 2001, CJ 2001, ano IX, tomo III, p. 227: no que respeita aos crimes perpetrados —
lembrança dos mortos são praticamente as últimas coisas com algum significado
NJW 1995, 204; notícia em Der Spiegel 49/1996, p. 41). Os índices da vontade
anos, vítima de uma sobredose, mas cujo coração ainda batia. Isso em nome do
morte.
homicídio: cometido por um filho na pessoa de seu pai; com superioridade em razão da arma e
da idade; de noite; com espera, surpresa e traição; através de meio insidioso e com
automático.
causa adequada; imputação objectiva. Os arguidos agiram em conjunto com vista à captura de
P, tendo formado uma "linha de caça" para o apanharem. As lesões provocadas por A eram de
natureza letal e os sete réus que haviam apanhado o P, previram a morte deste como
povoação e aí o abandonaram, ainda com sinais de vida e enquanto se ouviam frases como
pudessem dar a morte, como veio a fazer o B. Vd. o resumo dos factos e um comentário breve
de Carlota Pizarro de Almeida à solução dada ao caso in Fernanda Palma (coord.), Casos e
Acórdão do STJ de 4 de Maio de 1994, CJ, ano II (1994), tomo II, p. 204: homicídio praticado
por agente da PSP, fora de funções, com a arma distribuída: homicídio simples.
Acórdão do STJ de 12 de Fevereiro de 1998, Processo n.º 1120/97 3.ª Secção: A presunção
médicolegal de intenção de matar não constitui juízo técnico ou cientifico que se imponha ao
julgador face à regra do valor pericial consagrado no art.º 163, n.º 1, do CPP. A intenção de
matar constitui matéria de facto a apurar pelo tribunal face à diversa prova ao seu alcance e
esta, salvo quando a lei dispõe diversamente, é apreciada segundo as regras da experiência e a
Acórdão do STJ de 19 de Março de 1998: o juízo sobre a intenção de matar não constitui
menção ou a conclusão num relatório de autópsia sobre a intenção ou não intenção de matar,
revestese assim tão somente de natureza e força sintomatológicas e é nessa medida que hãode
Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 172: medidas de
tribunal a quo em integrar os factos na previsão do artigo 132º do Código Penal, para o qual
relevam somente questões atinentes à culpa — o ilícito típico em questão para efeitos de
Acórdão do STJ de7 de Dezembro de 1999, BMJ492159: não se pode considerar agindo em
legítima defesa aquele que provoca deliberadamente uma situação objectiva de legítima defesa
Acórdão do STJ de 1 de Abril de 1993, BMJ426154: dolo eventual: comprovação dos actos
psíquicos. A e B envolveramse em discussão, tendo o B caído no solo. Uma vez este no solo, o
A encavalitouse nele, e agarrandoo pela cabeça por várias vezes lhe deu com ela no
hospitalar, o Supremo deu como assente a conexão, em termos de adequação causal, entre as
ocorrência letal, aceitandoa, é autor de homicídio voluntário simples com dolo eventual.
Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, artigos 131º a 201º,
Coimbra, 1999.
p. [266].
E. Gimbernat Ordeig, Eutanasia y Derecho Penal, Estudios de Derecho Penal, 3ª ed., 1990, p.
[51].
encobrimento de outro crime, Rev. do Ministério Público, ano 14 (1993), nº 55. São as alegações
Fermín Morales Prats, in Quintero Olivares (dir.), Comentarios a la Parte Especial del
Giovanni Cimbalo, Eutanasia, cure palliative e diritto ad una vita dignitosa nella recente
punibilidade no antagonismo entre “culpa” e “prevenção”, Direito e Justiça, vol. III, 1987/1988,
p. 98.
nº 11 (1983).
nº 14 (1984).
facto, Separata da Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XVII, nºs 2, 3 e 4, Coimbra, 1971.
Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal 2 Parte Geral. As consequências jurídicas do crime
(Lições ao 5º ano).
M. Cobo del RosalJ. C. Carbonell Mateu, Delitos contra las personas, auxilio e induccion al
suicidio, in M. Cobo del Rosal et al., Derecho Penal, Parte especial, 3ª ed., 1990.
reimp., 1995
doutoramento, 1991.
Manuel da Costa Andrade, Sobre a reforma do Código Penal Português — Dos crimes
contra as pessoas, em geral, e das gravações e fotografias ilícitas, em particular, RPCC 3 (1993),
p. 427 e ss.
Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra as pessoas, Lisboa,
1983.
Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, os homicídios, AAFDL, 1998.
Maria Paula Gouveia Andrade, Algumas considerações sobre o regime jurídico do art. 134º
Nuno Gonçalves da Costa, Infanticídio privilegiado (Contributo para o estudo dos crimes
Justiça de 5 de Fevereiro de 1992, RPCC 6 (1996), p. 113, com Anotação de Cristina Líbano
Monteiro.
Raúl Soares da Veiga, Sobre o homicídio no novo Código Penal — Do concurso aparente
Reinhard Moos, Wiener Kommentar zum Strafgesetzbuch, §§ 7579 StGB, Viena, 1984.
Rui Carlos Pereira, Direito Penal 2 (199495), lições coligidas e organizadas por Maria Paula
Código Penal, Bol. da Fac. de Direito de Coimbra, "Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo
Teresa Serra, Homicídios em Série, Jornadas de Direito Criminal. Revisão do Código Penal,
II, CEJ, 1998, p. 137; publicado igualmente em Jornadas sobre a revisão do Código Penal,
às costas uma pedra com 5 quilos e após haver derrubado o infeliz B, desferiulhe
supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador — que resulta de uma
imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo de culpa tido em conta
no artigo 132.°, n.° 2" — Figueiredo Dias, Comentário Conimbricense, tomo I, p. 26. Acrescentase,
mais adiante (ob. cit., p. 27) "que muitos dos elementos constantes das diversas alíneas do artigo
132.°, n.° 2, em si mesmos tomados, não contendem directamente com uma atitude mais
desvaliosa do agente, mas sim com um mais acentuado desvalor da acção e da conduta, com a
forma de cometimento do crime. Ainda nestes casos, porém, não é esse maior desvalor da
conduta o determinante da agravação, antes ele é mediado sempre por um mais acentuado
desvalor da atitude: a especial censurabilidade ou perversidade do agente é dizer o especial
tipo de culpa do homicídio agravado. Só assim se podendo compreender e aceitar que haja
hipóteses em que aqueles elementos estão presentes e, todavia, a qualificação vem em
definitivo a ser negada" e, a fls. 29, "o pensamento da lei é, na verdade, o de pretender imputar
à 'especial censurabilidade' aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta
na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente
desvaliosas, e à 'perversidade' aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta
directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente
especialmente desvaliosas". Cf. o acórdão do STJ de 11 de Maio de 2000. BMJ497283.
(ou mais) dos exemplosregra previstos na norma, o juiz poderá chegar à conclusão
Dias, Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, § 265; cf. também
Baumann / Weber / Mitsch, Strafrecht, AT, 10ª ed., 1995, p. 117). Por outro lado, a
157).
sem dúvida com frieza de ânimo: “A frieza de ânimo significa uma calma ou
imperturbada reflexão no assumir o agente a intenção de matar”, dizse no
acórdão do STJ de 18 de Junho de 1986, BMJ357211.
CASO nº 6A. Ainda o motivo fútil e a frieza de ânimo.
facto de não lhe ter sido permitido retirar a sua viatura do local sem que alguém se
responsabilizasse pelos danos por si causados, já depois dos seus padrinhos terem
lhe sido recomendada calma pela sua madrinha, que com o seu marido aí se
viatura em que se deslocara, e sem nunca pronunciar uma palavra, ao divisar o outro
companhia do segundo como a causa do desvario em que um seu filho andava, dado
à droga e ao álcool. Por várias vezes o A disse ao B que não queria que acompanhasse
o filho, retorquindolhe este que o A nada tinha com isso e que continuaria a andar
censurandoo, ao que se seguiu troca de palavras entre ambos. O A foi então à sua
causandolhe várias perfurações. A uns 3 metros do B, que continuava a pé, fez novo
temporoparietal direita, com destruição óssea total dessa região, que foi causa
Pretendia matar o pai, mas após alguns momentos de espera, recuou na sua decisão
determinado a matar o pai, mas algum tempo depois recuou de novo na sua decisão e
disparou três vezes a arma contra ele, a cerca de três metros de distância, tendoo
atingido no pescoço e na região esquerda do tórax, vindo por isso o pai a morrer. O
A, que na altura era o comandante da esquadra da PSP local, já há cerca de dois anos
vinha alimentando o propósito de matar o pai. Com efeito, este não contribuía para as
e um tenso e pesado ambiente familiar — e tudo isso, que perdurou por largos anos,
pacífica e cordata. Foi uns dois anos atrás que a ideia da morte do pai começou a
surgir no pensamento do A e este tornou a tomar consciência de que não havia outra
solução, tomando tal como uma missão a cumprir, no sentido de “fazer justiça” e
Não há dúvida de que a morte do pai de A foi devida aos disparos feitos
por este com intenção de matar e com conhecimento dos restantes elementos
típicos, com o que fica preenchido o ilícito do artigo 131º, pois não se mostra
presente qualquer causa de justificação.
Em princípio, tudo parece apontar para a qualificação. O A era, à data dos
factos, comandante da esquadra da polícia local, estando indiciados no seu
• Lembra a propósito Teresa Serra (Homicídio qualificado — Tipo de culpa e medida da pena, p.
68) que na Alemanha o BGH exige, para considerar revogado o efeito de indício do
“Daí que se possa dizer que só circunstâncias extraordinárias ou, então, um conjunto
filho que mata o pai dominado pelo desespero de o ver sofrer de forma atroz no
concreto ser negado. Cf., a título de exemplo, o BGHSt 35, 116; e os comentários de
Laber, MDR 1989, p. 891; e Wohler, JuS 1990, p. 20. Descrevendo a técnica dos
Typisierung) que estes representam simplesmente “uma suposição legal de que o caso,
globalmente considerado, é encarado como mais grave; todavia, essa suposição pode
ser desmentida. Por outro lado, mesmo que um caso se não ajuste a um dos
• Nos últimos anos, X tem sido vítima da extorsão continuada de A. Como já não vê outra
saída, ameaça A de revelar publicamente tudo o que vem acontecendo. A teme que se
descubram as suas malfeitorias e acaba por contar tudo ao seu marido, B, pondoo ao
corrente, inclusivamente, das ameaças entretanto feitas por X. Logo porém pede ao
marido que faça uma espera a X e o mate. Mas B manifesta escrúpulos em aderir à
ideia, por motivos morais. Depois de muito hesitar decidese por fazer a vontade à
mulher que de outro modo o abandonará. Como planeado, B esperou X sem se fazer
Punibilidade de A e B?
• Variante: suponhase que B atira sobre o primeiro vulto que lhe aparece, julgando que se
trata de X. Para seu grande espanto, B concluiu que afinal não matou X, mas um
traçado por A, acaba por, logo a seguir, matar X com outro tiro, quando o vê
no crime. E a razão era simples: não se podia tomar parte em algo que já estava
justiça, faz com o que o ilícito cristalize e até se amplie materialmente, ao mesmo
na sanção própria do encobrimento que nada terá a ver com a do delito precedente
(acto prévio). Reparese que no artigo 232º se incrimina o auxílio ao criminoso, para
que este tire benefício da coisa ilicitamente obtida. O favorecimento pessoal como
crime contra a realização da justiça foi autonomizado nos artigos 367º e 368º.
irrelevante tanto para o homicida como para quem colabora. O argumento não
depois de descobrir o erro, mata a "verdadeira" vítima, não pode o "homem por
detrás" ser punido por uma segunda instigação, pois só teve um único dolo homicida.
Dirseá contudo que o "homem por detrás" já determinou quem seria a vítima: A já
"resolveu" que a vítima seria X, é a morte deste que ela quer alcançar. É certo que,
desvio do processo causal relativamente ao dolo na forma de uma aberratio ictus (não
consumado. Tudo isto significa, ao fim e ao cabo, partir de uma perspectiva concreta; o
pessoa. E é por isso que pode ser punido pela participação na morte da vítima que
• CASO nº 6J. A viola M, que em seguida mata para encobrir a violação. C, que estava
presente desde o início e batia palmas, incitando A, foi quem inclusivamente forneceu
• CASO nº 6K. A mata F tendo em vista encobrir um crime. A, porém, ignorava que esse
crime estava justificado por legítima defesa.
• CASO nº 6L. O automobilista J está a ser perseguido pela polícia após ter causado um
acidente, quando conduzia em estado de embriaguez. Para poder fugir sem ser
identificado, abalroa o carro da polícia, que se despenha por uma ribanceira lateral à
estrada, morrendo um dos ocupantes. J sabia bem que isso podia acontecer, mas quis
• CASO nº 6M. A apercebese que deu à luz uma criança de raça não europeia, fruto de
relações sexuais que mantivera fora do convívio marital com o seu companheiro. A
logo empreendeu sobre o modo de ocultar tal facto, o que veio a concretizar através
• CASO nº 6N. A, madrasta de B, com dois anos de idade, numa altura em que o pai da
criança andava em viagem pelo estrangeiro, querendo eliminar a criança,
• CASO nº 6O. A comete uma tentativa de homicídio (artigos 22º e 131º) na pessoa de B.
Para encobrir este crime, mata C.
de o crime ser cometido contra vítima especialmente indefesa, por funcionário com
contra a honra. Esta orientação já estava consagrada nos crimes de maus tratos e
rapto (artigos 152º, nº 1, e 160º, nº 3), embora se não contemplasse ainda a situação de
técnica de qualificação do homicídio (artigo 146º, nº 2). Ainda no artigo 132º elimina
desvaliosas do agente.
• Em 1956, foi julgado o pai de um menino de 23 meses, que mandou acender dois fogareiros
atulhados de carvão vegetal num pequeno quarto, com intenção de tirar a vida à
pelas frinchas dessas portas e janelas não poderia evitar o seu envenenamento
vítima com a qual altercara por duas vezes, munido de uma espingarda de pressão
deitada sobre os joelhos e com o cano virado para a direita, tendo chamado a vítima
para logo a seguir disparar à “queima roupa”, de tal forma inesperada que o tiro já
do agente.
Por sua vez, o conceito de meio de perigo comum é fácil de alcançar quando
o agente, por ex., emprega uma bomba ou uma granada de mão dirigida a uma
pessoa ou a um número limitado de vítimas. Mas se utiliza uma faca com uma
lâmina de 13 cm, como no caso do acórdão do STJ de 13 de Maio de 1992, BMJ
417348, é duvidoso que se trate de meio de perigo comum, "antes parecendo
apenas a arma adequada a, quando manejada com força, causar a morte". Trata
se daqueles casos em que a conduta é realizada com o emprego de meios que
revelam uma enorme potencialidade expansiva, tornando difícil o controlo dos
seus efeitos (cf. Augusto Silva Dias, Entre "Comes e bebes", RPCC 8 (1998), p.
544). Com o emprego de uma bomba, o agente não pode em geral determinar
nem limitar os efeitos das forças que ele próprio desencadeia, não pode avaliar
antecipadamente o número de pessoas que irão morrer: a bomba é portanto um
instrumento dessa natureza. Cf. o acórdão do STJ de 11 de Janeiro de 1995, BMJ
44344 quanto ao uso de navalha de ponta e mola.
desvalor da acção dos crimes de perigo comum a que faz apelo a alínea f) do nº 2 do
recorda Augusto Silva Dias, Entre "comes e bebes", p. 545, que acrescenta: "Não se
perigo comum, pois a al. f) apenas alude aos meios que se traduzem na prática de
comum se estrutura em cada um dos preceitos incriminadores do art. 272 e ss. Meio
de perigo comum significa na al. f) um meio tipificado no art. 272 e ss. (não basta um
meio em geral perigoso, como, por exemplo, um automóvel descontrolado) cuja força
acção do homicídio e constitui, por essa via, indício de uma atitude acentuadamente
conteúdo desse indício, como sucede no crime de perigo presumido do art. 275, que
sua total falta de nocividade, ou situamse além dele, como é o caso dos crimes de
detenção ou uso de armas proibidas "fora das condições legais ou em contrário das
132, nº 2, al, f), não nos parece adequado falar em concurso efectivo, pois a
comum, p. 280.
cães, balde de água quente e automóvel, acórdão do STJ de 12 de Abril de 1989, CJ,
Dezembro de 1987, CJ, Xll, tomo 5, pág. 242; uma barra de ferro, um fueiro e uma
eventual. Há quem aqui inclua os casos em que o homicida mata para não ter
que pagar uma dívida ou para se ver livre do pagamento de uma pensão,
quando, em suma, pretende simplesmente evitar uma diminuição patrimonial
ou poupar nas despesas. Mas é uma opinião duvidosa, talvez seja preferível
invocar “motivo fútil” se alguém mata uma criança para lhe não pagar a pensão
decretada pelo tribunal; ou se, para alcançar o que “é seu” de direito, mata um
devedor que se recusa a pagarlhe, já que só assim se lhe adequa o específico
carácter de uma especial censurabilidade.
Outro exemplo a ter em conta está na alínea f): "ter em vista preparar,
facilitar, executar ou encobrir um outro crime, facilitar a fuga ou assegurar a
impunidade". Escreve Jähnke que o indivíduo que no caminho para a comissão
dum crime se quer ver livre de uma pessoa, matandoa, actua com elevada
censurabilidade. Se o agente mata tendo em vista, por ex., executar um outro
crime, é patente o presente exemplopadrão, mas se apenas tem em vista uma
contraordenação o que poderá detectarse é um motivo fútil. É por outro lado
irrelevante saber quem deverá ser agente ou vítima do outro crime; dá no
mesmo se o criminoso com o homicídio tem em vista preparar ou facilitar um
crime alheio. O homicídio será qualificado se o agente mata o acompanhante
duma rapariga para ter relações de sexo com esta usando de violência. Olhando
aos objectivos do criminoso, não é necessário que o homicídio anterior seja
condicio sine qua non do crime posterior. Basta que este seja facilitado com o crime
de morte. O ladrão que podia operar sem se fazer notar pelo vigilante mas que
prefere matálo, actua com especial perversidade, porquanto sacrifica uma vida
para se apropriar do que lhe interessa. Assentemos porém em que o homicídio
deverá constituir sempre o crime meio para a realização do outro crime, não
podendo ser simplesmente um facto acompanhante ou uma sua consequência
— o outro crime não terá contudo de ser realizado. Entre o homicídio e o "outro
crime", aquele que se tem em vista preparar, facilitar, executar ou encobrir,
poderão interceder problemas de concurso. Se este outro crime for praticado
quando o ladrão mata tendo em vista a subtracção de dinheiro na posse da
vítima (avidez), deverá ser punido com a pena do homicídio qualificado, que
engloba o desvalor do roubo igualmente consumado. Se o agente que praticou
um roubo espontaneamente mata a vítima do roubo para o encobrir, o caso
limitase ao homicídio qualificado, que consome aquele. Se o homicídio for
duma testemunha incómoda (outra pessoa), haverá roubo e homicídio, em
concurso. Um dos casos mais discutidos situase no âmbito dos crimes
permanentes, como o sequestro. Se um dos sequestradores, que tem em vista
impedir a libertação dos reféns, mata o polícia que se esforça por libertar os
detidos, o crime é também o qualificado.
Há autores alemães para quem a “intenção de encobrir um outro crime” é,
a vários títulos, uma característica problemática, já que este objectivo da
conduta não envolve, de modo necessário, uma culpa particularmente elevada,
ou seja, a especial censurabilidade da atitude do agente (Schmidhäuser). Tal
culpa é certamente de afirmar quando o agente planeia o homicídio já antes ou
na fase inicial do crime que com ele pretende encobrir. Ou quando dispõe de
uma fase de acalmia depois de cometer o crime que tem em vista encobrir com
o homicídio. Já não será assim nos casos de identidade da direcção de ataque, se por
exemplo, o crime anterior era, também ele, dirigido contra a vida, ou contra a
integridade física, e os dois crimes surgiam de uma situação conflitiva
imprevista (dupla espontaneidade). Havendo uma estreita coincidência temporal,
para além da coincidência dos bens jurídicos sacrificados, a qualificação não
estaria indiciada, por não existir uma relevante intenção de encobrir um outro
crime. Vejase o seguinte exemplo de Küpper, p. 15.
no decorrer da qual ele a agride com um murro que a projecta contra uma esquina do
responsabilidades, E mata a C.
de ferro, de que a vítima era guarda, sendo certo que a actuação homicida do arguido
desse um cigarro ou lhe vendesse um maço e da violência com que o A batera à porta
do bar — haver telefonado para a GNR a fim de a a alertar, sem o conseguir, porém,
por o A, de imediato e por não ter levado a bem a atitude do guarda da estação, ter
pegado num banco e com tal objecto lhe ter desferido duas violentas pancadas na
cabeça.
homicídio qualificado em que o arguido matou a vítima para encobrir um crime que
• Para comentar. “Adiantarei que o artigo 132º do Código Penal é, a meu ver,
defesa de bens jurídicos como fim das penas e pela atribuição à culpa de uma função
artigo 132º, sobretudo quando elas se referem ao modo de ser objectivo da acção, mas
do artigo 132º têm uma notória pretensão de exaustividade. E, por outro lado, será
como um tipo de culpa, referido aos tipos de garantia e de ilícito do primeiro”. Rui
• Acórdão do STJ de 8 de Junho de 1960, BMJ98352: A morte dum “tirano familiar”, julgada
passada uma hora, perto da meia noite, já quando o Serrano começava a dormitar,
cansado de clamar impropérios e toldado pelo álcool, sua mulher, mais uma vez,
incitou o filho de ambos a matar o pai, indicandolhe a machada que devia ser
utilizada e, acenandolhe com as mãos, a maneira como ele devia actuar. Então, o
Manuel (de 16 anos de idade), obedecendo a sua mãe, pois doutro modo não teria
agido, vibrou sobre a cabeça de seu pai, com manifesta intenção de matar, nem mais
nem menos do que nove violentas machadadas, das quais, apenas uma não seria
procriara” (sic).
V. Indicações de leitura
• Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 172: medidas de
tribunal a quo em integrar os factos na previsão do artigo 132º do Código Penal, para o qual
relevam somente questões atinentes à culpa — o ilícito típico em questão para efeitos de
• Acórdão do STJ de 1 de Outubro de 1998, CJ VI (1998), tomo III, p. 180: o recurso a uma
navalha ou canivete, como arma branca que é, tem sido considerado como utilização cobarde e
insidiosa duma arma de corte; é indicador da existência de perigo para a vida tornarse
física; comete pois o crime de ofensas corporais qualificadas pelas aludidas circunstâncias
aquele que desfere, com uma navalha que transportava, um violento golpe no pescoço e
• Acórdão de 1 de Junho de 1995, CJ, ano III (1995), tomo III, p. 178: crime passional; não é
crime passional o homicídio do amante da arguida, que ela e o seu marido planearam
previamente.
• Acórdão do STJ de 4 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo II, p. 222: tratase de
tentativa de um crime de homicídio qualificado, praticado com meio insidioso, em que a pena
de 3 anos de prisão foi declarada suspensa por 4 anos; arguido de 65 anos, sem antecedentes,
cujo crime, praticado sob o efeito do álcool — cujo consumo logo abandonou — aparece como
um acto isolado, sendo desconforme à sua personalidade, tanto mais que continuou a viver em
• Acórdão do STJ de 4 de Maio de 1994, CJ, ano II (1994), tomo II, p. 201: crime de homicídio
qualificado por a conduta do arguido se mostrar dominada por um motivo torpe: o homicídio
• Acórdão do STJ de 17 de Abril de 1991, CJ 1991, tomo II, p. 23: a circunstância de o agente
ter actuado com dolo eventual não é suficiente para afastar a qualificação do homicídio quando
o motivo é fútil.
irritação por a vítima estar a urinar contra a parede da discoteca, quando nesta existia casa de
de excitação ou irritação, é lógico deduzir que o arguido estivesse de algum modo perturbado
nas suas faculdades de autodomínio e ponderação, situação adversa a uma reflexão calma, fria
em face do eminente valor da vida humana que foi violado. A futilidade do acto é assim
inquestionável.
de funções.
golpes na vítima depois de esta ter caído ao chão e, indiferente aos seus gritos e gemidos de
dor, colocouse em cima dela, sentandose sobre as pernas e continuando a anavalhála pelas
• Acórdão do STJ de 14 de Abril de 1999, CJ, acórdãos do STJ, ano VII, tomo 2, p. 174:
para se apoderarem do dinheiro que levava, matam o motorista do taxi e depois o conduzem
• Acórdão do STJ de 13 de Dezembro de 2000, CJSTJ, ano VII (2000), tomo III, p. 247: com
voto de vencido, a entender que a perigosidade da arma usada não se afere apenas pelo
instrumento em si mas também pelas circunstâncias e contexto em que dela se faz uso.
encobrimento de outro crime, Rev. do Ministério Público, ano 14 (1993), nº 55. São as alegações
do MP junto do STJ no caso do Padre Frederico, condenado por acórdão do Tribunal do júri da
294.
• Fermín Morales Prats, in Quintero Olivares (dir.), Comentarios a la Parte Especial del
punibilidade no antagonismo entre “culpa” e “prevenção”, Direito e Justiça, vol. III, 1987/1988,
p. 98.
doutoramento, 1991.
• Manuel da Costa Andrade, Sobre a reforma do Código Penal Português Dos crimes
contra as pessoas, em geral, e das gravações e fotografias ilícitas, em particular, RPCC 3 (1993),
p. 427 e ss.
• Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra as pessoas, Lisboa,
1983.
• Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, os homicídios, AAFDL, 1998.
• Maria Paula Gouveia Andrade, Algumas considerações sobre o regime jurídico do art. 134º
• Nuno Gonçalves da Costa, Infanticídio privilegiado (Contributo para o estudo dos crimes
de Justiça de 5 de Fevereiro de 1992, RPCC 6 (1996), p. 113, com Anotação de Cristina Líbano
Monteiro.
• Raul Soares da Veiga, Sobre o homicídio no novo Código Penal Do concurso aparente
• Reinhard Moos, Wiener Kommentar zum Strafgesetzbuch, §§ 7579 StGB, Viena, 1984.
cirúrgicos arbitrários, in Textos de apoio ao curso de medicina legal, t. I, Lisboa, IML, 1990.
• Teresa Serra, Homicídios em Série, Jornadas de Direito Criminal. Revisão do Código Penal,
II, CEJ, 1998, p. 137; publicado igualmente em Jornadas sobre a revisão do Código Penal,
• A, pessoa casada, bem reputada no seu meio social e considerada séria e honesta no seu
abrigo dessa relação a sua família e a sua profissão. Caiu porém numa cilada, com o
fito de lhe ser extorquido dinheiro sob a ameaça de divulgação daquela sua relação e
de pormenores que, naturalmente, lhe criariam vergonha. Foi levado a entregar, por
instrumento de chantagem. Mas mais de cinco meses depois, A volta um dia a ser
procurado, com insistência pertinaz, por B, a pessoa que dele extorquira aqueles
valores, a qual de novo lhe exigia muito dinheiro. A insistência agora feita deuse
através de súbita entrada no carro do A, de ameaça com exibição de pistola que lhe
renova as insistências por dinheiro e vai ao ponto de até sobre a mulher de A exercer
ela dominar B e entregálo à polícia, com quem já havia contactado. Mas B reage
que o atingiu numa perna e depois, enquanto a vítima continuava a reacção que já
226).
• O tipo de culpa integra os elementos que contribuem para caracterizar de forma mais precisa
• A doutrina tem entendido que o art. 133º, pondo o acento no estado emocional do agente,
outro lado, e este aspecto não tem sido objecto de suficiente atenção, os tribunais
• Dinâmica dos estados de afecto. Como importante categoria de emoções costuma falarse
desde logo dos estados de afecto, que têm como característica fundamental a pré
bastante tempo. É este conflito interior que o agente não consegue resolver e que
pode dar origem à emoção. Depois, aqueles casos, como os de provocação (ofensa ao
agente é como que empurrado para a saída do túnel, para o crime, sem se poder
Em boa parte das decisões dos tribunais, para que a emoção violenta seja
fundamento de crime de homicídio privilegiado, é assim necessário que se
verifique uma relação de proporcionalidade entre o facto injusto (até no plano
moral) causador da emoção violenta e o facto ilícito provocado. Ou seja, a
emoção violenta só será compreensível quando tiver na sua base uma
provocação proporcionada ao próprio crime de homicídio. Para a doutrina,
porém "a procura de critérios concretos de compreensibilidade, na resolução
dos casos, é o único caminho para a correcta interpretação e aplicação" do artigo
133º, o qual "representa um elemento importante do carácter humanista e
eticista do Código Penal" (Amadeu Ferreira, p. 146).
• The major emotions include joy, grief, fear, anger, hatred, pity or compassion, envy,
jealousy, hope, guilt, gratitude, disgust, and love. Philosophers, psychologists, and
anthropologists generally agree that these are distinct, in important respects, from
bodily appetites such as hunger and thirst, and also from objectless moods, such as
of the family; the classification of same cases remains a matter of dispute; but there
is still great consensus about the central members in the family and their
Nussbaum.
• A foi informada por uma tal M que F, morador na mesma localidade, se andava a gabar de
se pôr nela. Exaltada, A foi buscar a espingarda de caça do marido e dirigiuse a casa
mulher do F. Ana respondeu que esta não estava em casa e colocouse à frente de A.
A carregou a arma e disparou um tiro contra Ana que veio a falecer dois dias depois
indignada, devido ao facto de se ter sentido atingida na sua honra e dignidade pelos
• A suspeitava de que B, sua mulher, de quem estava separado de facto havia alguns meses,
mantinha relações de sexo com um seu cunhado, C. Certo dia, A verificou que B e C
se encontravam juntos na mesma casa e foi procurar uma sua irmã, D, casada com C.
Cerca de duas horas depois, A e a irmã acercaramse daquela casa e levantando uma
que ambos se encontravam deitados na cama do quarto onde os foi procurar. Actuou
culpa, devendo ainda haver nexo de causalidade entre a emoção violenta e a prática
do crime (Maia Gonçalves). A ira, a grande dor produzida pela agressão injusta
supõe um estado emotivo de excitação, cólera, dor, que altere as condições normais
imoral e o estado emocional háde ter determinado a prática do crime (Prof. Eduardo
Correia, Direito Criminal, vol. II, p. 278 e ss.). Não basta que se verifique um estado
que exista uma adequada relação de proporcionalidade entre o facto injusto e o facto
224).
Acórdão da Rel. de Évora de 4 de Fevereiro de 1997, CJ, XXII (1997), t. 1, p. 304: se a vítima
não tiver sido quem praticou o facto determinante do estado de exaltação do agente, mas sim
outra pessoa alheia ao desencadeamento desse estado, aquele não pode ser considerado autor
do crime de homicídio privilegiado do artigo 133º visto que para isso era necessário que
Acórdão do STJ de 8 de Maio de 1997, BMJ467287: arguida que dispara por 2 vezes com
uma caçadeira contra o ofendido, após ter sido violada por este, passando a partir daí a viver
desgostosa, tendo crises de desespero e sentido grande revolta contra o ofendido; não é
e angústia pela insuportável situação económica e familiar criada pelo seu filho
toxicodependente, dispara contra este, com intenção de o matar, o que conseguiu, quando a
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 11:
mulher que mata o marido que viola os deveres conjugais, mas sem que tenha agido com
injustificada agressão praticada na altura pela vítima, à bofetada, a pontapé e com manifesta
relativas à vida íntima de uma mulher que a deixaram irada e a levaram a praticar o crime; a
autora procurou a vítima na manhã seguinte, esperandoa num local onde passaria a caminho
António R. Damásio, O Erro de Descartes. Emoção, razão e cérebro humano. PEA, Lisboa,
1995.
Dan M. Kahan and Martha C. Nussbaum, Two Conceptions of Emotion in Criminal Law,
Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra as pessoas, Lisboa,
1983.
Maria Margarida Silva Pereira, Direito Penal II, os homicídios, AAFDL, 1998.
LXXXIX.
Reinhard Moos, Wiener Kommentar zum Strafgesetzbuch, §§ 7579 StGB, Viena, 1984.
capaz de lhe dar uma morte suave, sendo assim que pretendia morrer. Oito horas
vida de B, o que C fez calmamente, dandolhe repetidas pancadas na cabeça com uma
• A razão da pena privilegiada com que se sanciona o homicídio a pedido da vítima ancora
numa diminuição da ilicitude, mas também num menor grau de culpa do agente
maneiras: "Quero morrer !" e "Matame !". A primeira expressão tem a ver com o bem
diminuilhe a culpa. Moos, § 77, nº de margem 7. Mas para alguns autores, por ex.,
decisiva a representação do agente face ao pedido sério, instante e expresso que lhe é
semelhanças com a cabeça de Janus, um deus romano com duas faces: para a
vítima, o homicídio a pedido é uma espécie de "suicídio" por mão alheia; para o
agente, só se pode falar da morte de outra pessoa. O tipo de homicídio a pedido
da vítima tem, como elemento negativo, a não existência de suicídio em sentido
literal (Gimbernat Ordeig). Ainda assim, é a vítima quem decide o "se" e o
"como" do facto, servindose para a execução de um outro, que passa a ser seu
“instrumento” (hoc sensu) — por não poder, ou por não querer, executar o facto
por si mesmo. O autor do crime é quem tem o domínio do facto.
Neste tipo de crime, o agente deve ter sido determinado por um pedido
sério, instante e expresso, transmitido por palavras, por atitudes ou por gestos
inequívocos. A lei quer que a actividade que se vai exercer sobre a vítima
resulte do pedido desta, exigindose algo mais do que a sua simples
concordância. Há até quem imponha que o pedido daquele que está farto da
vida vá para além do "se", abrangendo o "como", o "quando" e o "quem" da
pessoa do autor, assim se pondo ao mesmo nível as condições de tempo e do
modo da acção homicida (cf. Kienapfel, p. 25).
• Deixa de se aplicar o artigo 134º se o agente sabe que as motivações do outro não
• A está junto ao leito de B, doente terminal, e supõe erradamente que este lhe pede que lhe
acabe com a vida, por estar farto dela. Por isso, ministralhe uma droga em dose letal
que produz o seu efeito. Todavia, B limitarase a lamentarse da sua triste sorte.
ser colocado o problema do erro no artigo 134°. "Assim quando A mata B, maior e
imputável porque pensa que o seu pedido é livre quando não é porque se trata de um
pedido que B fez quando se encontrava sob hipnose (o que A ignora), ou porque
doença incurável mas está de perfeita saúde (o que tanto A como B desconhecem).
são as características do pedido, não se pode dizer que este "erro sobre o tipo" releve
nos termos preconizados pelo artigo 16°, 1 — o dolo de homicídio existe sempre e não
é excluído por este erro, já que o autor não está em erro quanto à sua própria
conduta, quanto à sua acção homicida. No entanto, deve entenderse que este erro
releva, e a sua relevância será sempre favorável ao agente" (M. P. Gouveia Andrade).
desistência.
um veneno qualquer, capaz de lhe dar a morte, livrandoo das dores. Após longa
adequado. O veneno, porém, não produz a morte, mas unicamente, e tanto quanto é
Reinhard Moos, Wiener Kommentar zum Strafgesetzbuch, §§ 7579 StGB, Viena, 1984.
• A mãe que matar o filho durante ou logo após o parto e estando ainda sob a sua influência
As normas que nos diversos códigos penais punem a mãe que matar o
filho durante ou logo após o parto (crime de infanticídio; Kindestötung) têm
atrás de si uma préhistória de séculos, desde logo, porque o homicídio do
próprio filho pode constituir uma circunstância especialmente censurável. Mas
as pessoas não deixaram de se impressionar, já no decorrer do século 19, com a
grande perturbação com que a mãe se deparava em certos casos. Com o
nascimento do filho, ficava patente perante a sociedade a vergonha da gravidez
da mãe solteira. Mas a atitude da sociedade modificouse em tempos mais
recentes. No Código de 1886, que vigorou até 1982, no § único do artigo 356º
ainda se previa uma situação privilegiada para o infanticídio cometido pela
mãe para ocultar a sua desonra, ou pelos avós maternos para ocultar a desonra
da mãe. Foi só em 1995 que se eliminou o infanticídio privilegiado da mãe que
mata o filho acabado de nascer ou durante o parto para ocultar a desonra, as
chamadas "razões de honra" foram então desvalorizadas, deixando o legislador
de atribuir relevo penal a esse facto. Ter um filho não pode ser nunca uma
desonra para ninguém: o sentido tradicional da referência perdese hoje em dia.
Não se põe de parte que situações honoris causa determinem, ainda hoje, a
mãe a matar o filho infante. Se não estiverem presentes os pressupostos do
conjuntamente com esta, só poderá ser punido pelo artigo 131º (tendo ainda em
atenção os artigos 132º e 133º), independentemente da sua culpa (artigo 29º). Como
cometer — ao contrário dos restantes crimes contra a vida, o preceito não começa
com o “quem” anónimo da generalidade dos crimes comuns. Sendo sujeito activo do
crime apenas a “mãe” que matar o filho, a situação não chama a si o mecanismo de
comunicação das circunstâncias do artigo 28º, mas unicamente o regime do artigo 29º,
crime através de outra pessoa, a punição fazse pelo artigo 136ª (supondo no caso
actua sob a influência perturbadora do parto, mas esta circunstância não é extensível
• 1. Quem matar outra pessoa por negligência é punido com pena de prisão até 3 anos ou
com pena de multa. 2. Em caso de negligência grosseira, o agente é punido com pena de prisão
até 5 anos.
pune quem matar outra pessoa por negligência (i. e, quem causar a morte de outra pessoa por
que todavia, só por si, não preenchem o correspondente ilícito típico. Acresce a necessidade da
imputação objectiva do evento mortal. Este critério normativo pressupõe uma determinada
conexão de ilicitude: não basta para a imputação de um evento a alguém que o resultado tenha
surgido em consequência da conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que tenha
sido precisamente em virtude do carácter ilícito dessa conduta que o resultado se verificou; por
outro lado, a produção do resultado assenta precisamente na realização dos perigos que deve
ser salvaguardada de acordo com o fim ou esfera de protecção da norma. O risco desaprovado
pela ordem jurídica, criado ou potenciado pela conduta descuidada do agente, e cuja
ocorrência se pretendia evitar de acordo com o fim de protecção da norma, deve concretizarse
• Imaginemos que A dá a B, seu amigo, uma porção de heroína e que este se injecta com a
Na medida em que A deu a heroína a B, pôsse uma condição para a morte deste. A
sentido contrário — uma vez que B ainda era capaz de, por si, tomar decisões, por ex.,
para com B, não era, por ex., médico deste, a morte de B não pode ser imputada a A.
• Em risco de perder o comboio, A promete uma boa gorjeta ao taxista se este o puser a
tempo na gare. O passageiro não será responsável por homicídio involuntário se, por
volante do carro, para que o conduza, uma pessoa notoriamente embriagada que vem
a causar a morte do peão. Neste caso, A actua com manifesta falta de cuidado.
ligado à produção de qualquer resultado proibido. A lei não deve consagrar um geral
resultados que pela sua gravidade ou frequência, a lei quer particularmente evitar,
mais grave o índice sancionador da infracção; mas há quem entenda que se dão
tantos crimes quantos os resultados mortais que se tenham causado (crimina culposa).
termos gerais, no artigo 72º, nºs 1 e 2, b). A provocação mais ampla do artigo
tentando agredilo, quando este recuava, o que o levou a ficar exaltado e enervado,
"mas não deixando nunca de se aperceber das consequências dos seus actos" — como
mais tarde o Tribunal veio a averiguar —, e a disparar três tiros na direcção daqueles,
da sua morte.
A morte de M foi causada pelo disparo de A, pelo que este fica desde logo
comprometido com a tipicidade do artigo 131º. A disparou e M morreu. A
morte foi produzida pelo tiro disparado por A, que agiu dolosamente. Dolo é
conhecimento e vontade de realização do tipo. A sabia que matava M, com a
sua descrita actuação, e quis isso mesmo.
contra as pessoas;
• — Que esse estado de dor, excitação ou exaltação seja consequência normal e ininterrupta
• — Que o estado de ira, dor ou exaltação provocado pelo facto injusto tenha sido o motor
determinada altura A falou de uma sua irmã em termos que J considerou incorrectos,
pelo que lhe chamou atenção. A, que não terá gostado do reparo feito, disse para J:
"tu és um cabrão" e "a tua mulher anda metida com o João Pinto, fez tudo quanto quis
e não quis". J interpelouo, no sentido de ele ser capaz de repetir o que dissera, ao que
ele de imediato retorquiu: "já te disse, seu cabrão". Então J levantouse da mesa,
dirigiuse a um quarto contíguo onde tinha a caçadeira, pegou nela, carregoua com
repetir o que dissera, tendo este respondido: "já te disse". Acto contínuo, J, que se
mesa e de frente para ele, apontoulhe a arma à cabeça e disparou um tiro. O projéctil
morte. J actuou com dolo homicida: quis causar a morte da vítima, resultado que
A provocação distinguese do desforço, entendendose por este a reacção contra uma ofensa que
não pressupõe o estado emocional da provocação, que não é o resultado desse estado,
Neste caso não se provou que J tenha agido em qualquer estado emotivo,
de excitação, cólera ou dor, com as suas condições normais de determinação
alteradas. Existiu um comportamento da vítima com virtualidade de criar esse
estado, mas de forma alguma se prova que ele tenha existido. J não agiu com a
sua capacidade de avaliação prejudicada por um estado psicológico anormal,
mas antes de modo frio, calculado, preparado. Agiu apenas para castigar a
vítima pelo que ela estava a dizer, revelando antes uma frieza e um cálculo
notáveis.
calculada ou da justiça por próprias mãos. Efectivamente, quando alguém aproveita uma
atitude provocatória de outrem mas, friamente, com toda a calma, resolve tirar desforço, nada
mais está a fazer do que justiça por próprias mãos, a revelar uma forte vontade de delinquir.
Faz logo ressaltar à ideia a figura dos pistoleiros dos westerns americanos.
por recusar ao arguido uma indiscutível atenuação especial da pena, atenuação esta que não
pressupõe uma provocação materializada numa grave (à paulada) e actual agressão, mas que,
• Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 11:
mulher que mata o marido que viola os deveres conjugais, mas sem que tenha agido com
inimputabilidade em razão da sua doença mental, mas como o arguido não perdeu a
consciência da ilicitude dos actos que cometeu com a maior barbaridade e crueldade, não se
• Beleza dos Santos, Lições ao 5º ano de 1949; e RLJ, ano 90º, p. 97.
• Eduardo Correia, parecer, Crime de ofensas corporais voluntárias, CJ, ano VII (1982), tomo
1.
A, que sofre de doença incurável e está farto da vida, pede a sua mulher, B, que abra a torneira
de gás na cozinha, o que ela faz e onde A se instala por seu próprio pé, aguardando que
Punibilidade de B?
colchões no chão da cozinha e a mulher, S, abre a torneira do gás. Ainda que em estado
de inconsciência, acabam ambos por ser encontrados e salvos. A acção que conduziria
S por homicídio a pedido na forma tentada (artigos 22º e 134º, nºs 1 e 2). O marido, M, foi
Comentar a decisão.
Não actua tipicamente o cônjuge que sabendo das inclinações do outro para o
suicídio inadvertidamente deixa ficar ao alcance deste uma caixa de
barbitúricos ou uma pistola carregada.
dos pais à mente da filha de 14 anos atiraramna para uma tentativa de suicídio. Foram
ambos condenados por tentativa de homicídio, mas a decisão está longe de conseguir a
unanimidade.
do facto ou, pelo contrário, ela deve ser já tratada como um mero “instrumento” nas
mediata. Uma compreensão das coisas que, aplicada à área problemática do suicídio
provocado mediante erro, fará, a nosso ver, avultar o acerto da tese segundo a qual, só
morte, pode fundamentar uma autoria mediata de quem provoca esse tipo de erro e,
com isso, um homicídio (cf. Costa Andrade, Sobre a reforma ..., p. 460). O suicida tem
Exemplo: A faz com que B, que de nada suspeita, toque num condutor de electricidade de
alta tensão. B não quer de forma nenhuma suicidarse, mas acaba por morrer.
impunidade do suicídio beneficie outras pessoas para além do suicida. Por isso
tipificou condutas de participação no suicídio que, de outra forma, ficariam
impunes por via do princípio da acessoriedade da participação. Problema
suscitado por alguns autores é se se justifica a equiparação entre a forma
mitigada da ajuda, com que se reforça a decisão do suicida, e qualquer forma de
fornecimento de meios. O próprio incitamento corresponde à instigação, que a
lei geral pune de forma mais grave do que a simples cumplicidade, a que se
pode referir a ajuda. A questão pode ser resolvida na fase da concreta fixação
da pena, face à suficiente elasticidade da moldura penal.
A nível de fundamentação do privilegiamento, dúvidas não restam que esta assenta, no auxílio
agente não ser tão desvaliosa para o Direito, na medida em que só indirectamente é que
A conduta de oposição ao suicídio de outra pessoa não é punível (artº 154º, nº 3, b). “Talvez
suicídio, mesmo contra a vontade expressa do paciente. Seja como for quanto a este
ponto, temos por seguro que as inovações legislativas assinaladas não alteram o quadro
normativo vigente no que respeita à eutanásia passiva. Isto é, que elas não impõem a
suicídio do artigo 135º do Código Penal, mas sim, segundo as circunstâncias concretas
do caso, em qualquer das situações do homicídio voluntário dos artigos 131º a 134º do
imediata, como s pode ver pela simoles análise dos artigos 26º e 27º do Código Penal.
arguido que a) Após se ter encontrado em sua casa com a ofendida (com quem mantinha
um namoro contrariado pelos pais dela) e no decurso de relação sexual que haviam
comprimento total de 28 cm. que estava sobre uma mesa de cabeceira do quarto onde se
encontravam; b) Acto contínuo, apontou essa faca à zona do peito da ofendida, onde a
e de novo espetoua mais quatro vezes sucessivas, assim causando a morte da ofendida;
d) Seguidamente espetou a mesma faca em si próprio, com o que provocou três feridas
pulmonares; e) E veio depois a ser assistido em hospital onde a faca lhe foi encontrada
15
() “Não há que considerar como verificada a existência de um “pacto de suicidio”. Isso
(
seria sempre irrelevante, à luz do nosso direito (tal como à luz de outros direitos estrangeiros,
nomeadamente o britânico—cfr. Suicide Act, de 1961, segundo o qual o interveniente num pacto
de suicídio que sobreviva é culpado de manslaughter e punível com prisão até 14 anos), porque
a intervenção activa e exclusiva, causadora da morte de outrem, ainda que em resultado de
um pacto dessa natureza, não é enquadrável na figura do incitamento ou ajuda ao suicídio, do
artigo 135º do Código Penal, como parece óbvio, mas, segundo as circunstâncias concretas do
caso, em qualquer das situações do homicídio voluntário dos artigos 131º a 134º do mesmo
diploma, e isso porque os conceitos de incitamento ou ajuda só podem corresponder às figuras
da autoria mediata ou da cumplicidade, mas nunca às da autoria imediata, como se pode ver
pela simples análise dos artigos 26º e 27º do Código Penal” (cf. o desenvolvimento do mesmo
acórdão).
Jacques Fierens, Critique de l’idée de propriété du corps humain, Les Cahiers de Droit
(2000) 41.
Saúde, “a saúde é um estado de completo bemestar físico, mental e social, que não
alargamento abusivo acolher uma tal definição nos quadros do direito penal; ela serve,
mas pode preencherse o ilícito de ofensa à integridade física mesmo que a pessoa
atingida não esteja necessariamente de boa saúde. Tratase, portanto, de uma noção
relativa. O critério de base não é um estado de saúde absoluto, mas o estado de saúde
em que se encontrava a vítima antes da ofensa. Protegese, pois, a saúde concreta. (Cf.
Pozo, p. 106).
funcional do organismo, geral ou local, com carácter evolutivo, seja para a cura, seja para
sequelas]. Não importa que esta alteração incida ou não sobre a capacidade de trabalho,
É por isso que se reconhece doença mesmo nas equimoses, escoriações, epistaxes, no
“abalo” psíquico e em tantas outras condições de escasso relevo médico” (Cf. Fernando
Oliveira Sá, RPCC 3, citando Franchini, Medicina Legal, 9ª ed., Cedam Padova, p. 441 e
O Código de Processo Penal edita regras especiais para os crimes particulares lato sensu (crimes
qual o titular do respectivo direito (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que
se verifique procedimento criminal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa
com ele relacionada (artigo 113º do Código Penal e artigo 49º do Código de Processo
Penal; cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português — As Consequências Jurídicas
do Crime, Aequitas, 1993, p. 665). O direito de queixa é assim uma declaração inequívoca
(1998), p. 601). Ensina também o Professor Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol.
que tais infracções não se relacionam com bens jurídicos fundamentais da comunidade
de modo tão directo e imediato que aquela sinta, em todas as circunstâncias da lesão, —
considera que assunto não merece ser apreciado em processo penal. Em certas
porque estritamente relacionados com a sua esfera íntima ou familiar; perante um tal
particular.
Tem razão Rodriguez Devesa quando escreve: Nunca vi nenhuma sentença que condenasse
por homicídio e ao mesmo tempo pelos danos causados na roupa pelo disparo que
provocou a morte ou pela facada que provocou feridas mortais na vítima. A pena do
homicídio já engloba o desvalor da utilização dos meios escolhidos para dar a morte.
desse mesmo dia, os pais de A fazem queixa contra a professora por crime de ofensa à
integridade física e por injúria, informando da sua intenção de se constituírem assistentes. No
dia seguinte de manhã, a mãe de A apresentase com este na sala de aulas, para ter uma
conversa com a professora, e às tantas agarralhe o pescoço com ambas as mãos, seguindose a
queixa desta na polícia. Nas averiguações que se seguiram, provouse que não fora o aluno A
quem atirou a bola de papel à professora. Cf. Wessels / Beulke, AT, p. 157; Claus
Roxin et al., Strafrechtliche Klausurenlehre mit Fallrepetitorium, 2ª ed., p. 75 e ss.
Ao agarrar A por um braço, aplicandolhe um tabefe na cara, P pode ter
cometido um crime doloso de ofensa à integridade física simples. Como já
vimos, o ilícito do artigo 143º, nº 1, consumase com qualquer ofensa no corpo
ou na saúde. Há dano da integridade corporal, por ex., quando o agressor
provoca equimoses, arranhadelas, ferimentos, fracturas, mutilações ou outras
lesões do mesmo género na vítima. Mas nem o derramamento de sangue
(hemorragia) nem a solução de continuidade dos tecidos são indispensáveis à
existência de uma ofensa no corpo. A dor e o sofrimento também não são
imprescindíveis. Quem dá uma bofetada noutra pessoa agridea fisicamente,
ofendendoa no corpo (eventualmente na saúde), mesmo que não ocorram
lesões, incapacidade para o trabalho ou, mesmo só, dor.
O direito dos pais corrigirem os filhos deverá ser considerado uma causa
de justificação. A legitimação dos pais deduzse do direito de educar. Cf. os
artigos 1877º, 1878º e 1885º do Código Civil. Mas não existe uma norma escrita a
conferir aos professores um direito de castigo na escola. Hoje em dia, aliás,
negase um direito de castigo do professor relativamente aos seus alunos, mesmo
que este pretenda que à sua actuação preside uma finalidade pedagógica e se
guarda uma relação adequada com a falta cometida e a idade do jovem.
Também por isso mesmo se não poderia prevalecer o professor da adequação
social da ofensa.
O critério da adequação social. No que toca à adequação social, escreve o Prof. Figueiredo
Dias, RPCC 1991, p. 48, “a ideia básica é a de que não pode constituir um ilícito jurídico
penal uma conduta que ab initio e em geral se revela como socialmente aceite e
reconhecida”. Segundo Welzel, ficam excluídas do tipo de injusto aquelas condutas que
embora estejam nele formalmente incluídas se mantêm dentro da ordem social histórica
impertinentes nos crimes sexuais. O critério da adequação social como causa de exclusão
insignificância, formulado por Roxin. Ver, sobretudo, Cerezo Mir, El delito como acccion
típica, in Estudios Penales. Libro Homenaje al Prof. J. Anton Oneca, Ed. Universidad de
Salamanca, 1982, p. 176. “As acções socialmente adequadas, isto é, as acções que não
uma abstracta fatispécie delituosa, ainda que, formalisticamente, lhe possam ser
Bettiol, p. 201. Ainda sobre cláusulas de adequação social: carnaval, praxe — cortes de
cabelo, cf. Maria Paula Ribeiro de Faria, A lesão da integridade física e o direito de
educar, com a observação de que “o direito não deve ser completamente permeável em
função das práticas sociais, mas também não pode ter uma relação ostensiva e realista da
distância em relação àquilo que se passa na realidade e na vida social”. No mesmo local,
podem ainda encontrarse elementos sobre o cumprimento das regras do jogo nas
pisadelas, que não têm dignidade lesiva para merecerem ou justificarem a intervenção
Figueiredo Dias, Textos, p. 295: “um direito de correcção do professor sobre os seus
alunos que implique a prática, por aquele, de factos criminalmente típicos não parece
“Por ofensa no corpo deve entenderse toda a perturbação ilícita da integridade corporal
todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem estar físico de forma
não insignificante. Com efeito, segundo a doutrina, a ofensa no corpo não poderá ser
insignificante. Sob o ponto de vista do bem jurídico protegido não será de ter como
acto de apertar o pescoço de outra pessoa não constitui uma forma de actuação
susceptível de se enquadrar numa via de facto e, face ao nosso ordenamento penal, deve
ser considerada como ofensa corporal, não sendo de recorrer à figura da adequação
integrar o crime do art. 142° do CP, versão primitiva, a agressão voluntária e consciente,
cometida à bofetada, sobre outra pessoa, ainda que esta não sofra por via disso, de lesão,
voluntárias a conduta daquele que agarra a ofendida pelas roupas, junto ao pescoço,
dandolhe fortes abanões) e de 5.4.89 (crime previsto e punido no art. 142º, nº 1 do CP,
professora e tendo o facto sido cometido no exercício das suas funções, está
CP, por referência ao art. 143º do mesmo diploma, na subsunção jurídica dos factos que
Observa o Dr. Oliveira e Sá que nesta alínea [artigo 144º, alínea d)], se integram apenas
(prognóstico reservado), falta a sua concretização (o estado crítico real) para configurar”
a indicada previsão.
O dolo tem que abranger nestes casos não só o delito fundamental, como
as consequências que o qualificam, mas basta o dolo eventual. Relativamente à
alínea d), citando Paula Ribeiro de Faria, acrescentase que se exige o
conhecimento das circunstâncias que tornam o comportamento perigoso sob o
ponto de vista do bem jurídico protegido (neste caso, a vida), não se tornando
II. Direito penal dos médicos. Ofensas corporais. O artigo 150º. Intervenções
se como tal em todos os aspectos da sua vida, aspirando intensamente a ser do sexo
feminina. Embora com dúvidas sobre se aquela intervenção cirúrgica lhe é permitida
por lei, B acede à solicitação de A, condoído com a situação psicológica, moral e até
que discorda dela não obstante ser amigo de A, irrompe pela sala de operações e
de Abril de 1991.
social deste. Parece clara aquela falta de convicção e vontade curativa. Afinal, B
acedeu por estar condoído com a situação de A... Reparese que não enjeitamos
que num caso como este a instituição médica se confronta com uma situação de
crise ou de necessidade espiritual relacionada com a dimensão física. Quando a
isso, o texto abunda em pormenores. Todavia, no polo oposto, parece faltar até
o esclarecimento bastante que, perante a observância das leges artis a pedido do
paciente, faria porventura pender a questão para um campo semelhante ao da
acção médica curativa.
A situação estará vocacionada para ser tratada no âmbito das ofensas
corporais, excluindose a sua integração no artigo 150º. Houve todavia
consentimento, para cuja relevância a integridade física se considera livremente
disponível (artigo 149º, nº 1). A menos que a ofensa contrarie os bons costumes
(nº 2). Ora, não seria difícil concluirmos pela ofensa dos bons costumes, perante
todo o quadro fáctico da intervenção médica, digamos que aligeirada, carente
de toda a planificação e de colaboração multidisciplinar, e a irreversibilidade e a
gravidade da amputação que o médico se propunha levar a cabo.
Perante a decisão tomada e a clara existência de actos de execução — o
paciente chegou a ser anestesiado —, parece indiciarse o ilícito doloso, embora
na forma de tentativa (artigo 144º: ofensa à integridade física grave). "Também
as operações em caso de transexualismo hãode, em princípio, cair fora do
conceito e do regime das intervenções médicocirúrgicas, devendo antes ser
embora normalmente realizadas por médico, não têm o "paciente" como seu beneficiário
159º) em que avultam três notas: não relevam como indiciadores do ilícito típico do
(crime contra a liberdade); não estão sujeitas ao limite dos bons costumes. Para as
limites, maxime os resultantes da cláusula dos bons costumes. Cláusula que tem,
vida do paciente. A favor desta conclusão aponta o próprio art. 150º, nº 2, ao estabelecer
que a violação das leges artis deve ser compatível com a finalidade terapêutica. Por outro,
a gravidade da inobservância das regras da medicina pode inviabilizar qualquer
identificação — ainda que só parcial — da actuação do agente com uma intervenção
médicocirúrgica, impondo antes a sua qualificação em bloco como uma lesão típica da
integridade física do doente. Teresa Quintela de Brito, RPCC 12 (2002), p. 379.
Teresa Quintela de Brito (RPCC 12 (2002), p. 392) entende que neste caso é
impossível responsabilizar o A por um crime de abandono (como fez o
Supremo) por ser necessário um dolo de perigo para a vida da vítima (cf. o
artigo 138º, nº 1), ou de recusa de médico (artigo 284º), “por lhe faltar o dolo
exigido pelos respectivos tipos, já que carece da consciência do perigo em que e
encontrava o paciente”. O A também não realizou o crime de omissão de auxílio
(artigo 200º) por lhe faltar o dolo correspondente. Uma vez que o A afirmou que
por ele dava alta àquele paciente, faltavalhe a consciência do perigo em que
este se encontrava. O A, por força do contrato que o liga ao hospital, “tinha o
dever jurídico de garante da vida e da integridade física dos pacientes que
ocorrem àquele hospital”, cabendolhe impedir a sua morte ou uma lesão da
saúde. O A “não o fez negligentemente”, apesar de alertado, pelo que terá
cometido um crime negligente por omissão (artigo 10º e 137º)..
Negligência. Omissão.
• CASO nº 11H. A vivia na mesma casa com uma sua amiga, B, mas tinham discussões
frequentes. Certo dia, por volta das 19 horas, quando A se encontrava já "bem
num cubículo, provido de uma porta metálica, que ali servia para guardar objectos de
Quase se poderia dizer que B ficou emparedada, sem se poder mexer e, pior ainda,
desenrolaram como que num instante, A nem chegou a darse conta que com a sua
descrita conduta punha a vida de B em perigo. Por volta das 7 horas da manhã
que ficou presa. Por causa do calor libertado pelo aquecedor, B estava já nessa altura
ferida de morte. Sem se importar com B, A saiu de casa, certo de que a companheira
iria morrer. Foi só por volta das 10 e meia que B foi finalmente tirada da terrível
mulher. B acabou por morrer dois dias depois devido às lesões mortais sofridas no
Punibilidade de A ?
O confinamento de B no cubículo.
(em que o elemento volitivo do dolo resulta da conformação do agente com o perigo). Dizse
que, se o agente se conforma com a possibilidade de se verificar o perigo, está a conformarse
com a possibilidade de uma possiibilidade e, desse modo, com a lesão... e então no nosso caso
haveria homicídio voluntário. Quando alguém aceita o risco está a conformarse com o dano...
Maia Gonçalves, sensível à dificuldade da questão, diz que se o agente, podendo prever o
resultado, actuou com inconsideração, confiando em que ele se não verificava, ou se não se
conformou com a sua verificação, terá praticado este crime. Se pelo contrário ele actuou
conformandose com o resultado, que previra, haverá dolo eventual e, consequentemente, não
se verificará este crime, mas o de homicídio voluntário. Mas boa parte da doutrina aceita que é
possível representar o perigo, pretendêlo como tal, para conseguir um objectivo, mas não
aceitar o dano, e até nem o representar (cf. Rui Carlos Pereira; Silva Dias).
18
(() Cf., porém, Faria Costa, O perigo, p. 511: por mais maleabilidade ou elasticidade que
inteiramente do acaso. (Cf. Cramer, in S/S, 25ª ed., p. 2092). A noção de acaso
ficará então envolvida com a impossibilidade de dominar o desenvolvimento
do perigo. Na nossa hipótese, porém, tendose realizado a lesão da vida (B
morreu), também não há dúvida que o perigo para a vida de B se concretizou.
Acontece no entanto que o dolo de A tem que incidir não só sobre a situação de
abandono, mas igualmente sobre a produção de um perigo para a vida — e só
assim é que a sua actuação, para além de ilícita, lhe poderá ser censurada. Não
deixa de ser duvidoso que A tivesse actuado com dolo de perigo. A conhecia
certamente as circunstâncias que envolviam a perigosidade da sua actuação,
uma vez que conscientemente manipulou o termóstato, que por se situar no
exterior do cubículo ficava fora do alcance da vítima. Sabia, por isso mesmo,
que esta ficaria exposta, de forma intensa, aos efeitos do aparelho de calefacção.
Mas A, como se viu, nem sequer se consciencializou de que daí poderia advir
um perigo para a vida de B. Falta assim, ao nível do agente, a representação da
possibilidade próxima da produção dum correspondente dano da vida. Na
ausência deste elemento subjectivo, o crime de exposição ou abandono (artigo
138º) não se verifica. Também por isso não é lícito aludir a qualquer agravação
da pena pelo evento mortal imputável à situação de risco criada por A
(preterintencionalidade).
poder falar de perigo para a vida, ainda que seja suficiente que esse perigo só
perdure por um curto espaço de tempo". Palavras que correspondem
justamente à ideia dum penalista austríaco: em comparação com o dano, o
perigo é o resultado menos grave. Ao contrário do dano, o perigo não se olha ao
espelho, porque não há nada para ver — o perigo não se revê no próprio objecto
típico. Ameaçao todavia de lesão pelo menos durante um instante. Nisto
consiste a sua concretização. (Cf. O. Triffterer, Österreichisches Strafrecht, AT, 2ª
ed., 1985, p. 63).
O perigo para a vida referido na alínea d) do art. 144.º deve ser entendido em concreto,
medido através da probabilidade estatística. Para que se verifique o crime do artigo 144º
quanto ao resultado. Acórdão do STJ de 17 de Maio de 2000, Proc. n.º 150/2000 3.ª
Secção.
Homicídio por omissão imprópria na forma de tentativa (artigos 10º, 22º, nºs
obrigado, como garante, a impedir a produção do correspondente dano. Quem cria o perigo
tem o dever de evitar que este venha a converterse em dano. Isso vale, muito especialmente,
para os casos em que alguém, com a sua conduta, pôs a vida de outrem em perigo. A nossa
atenção irá, por isso, incidir especialmente no que se dispõe nos artigos 10º e 131º. Mas porque
de tentativa se trata, como a seguir melhor se dirá, fica também para averiguar a
elenco dos actos de execução, apresentado pelo nº 2 do artigo 22º, apenas for compatível com o
desempenho de uma certa actividade corporal, nem sequer se verificará a primeira condição
pertinentemente adverte Teresa Quintela de Brito, fazendose eco de uma parte da doutrina, in
A tentativa nos crimes comissivos por omissão (p. 160 e ss.), recentemente publicado.
que no artigo 10º, nº 2, recai pessoalmente sobre o omitente. A situação típica que
desencadeia um dever de auxílio é um caso de grave necessidade. A grave
necessidade significa uma situação, por ex., de desastre ou acidente, com risco
iminente de lesão relevante para a vida, a integridade física ou a liberdade de
alguém. Discutese, no entanto, quais são esses perigos para a vida ou para a
integridade física. Uma doença ou uma gravidez só serão de atender quando
justamente se envolvam em caso de grave necessidade, isto é, quando estejam
sob a ameaça de perigo iminente para a vida ou a integridade física.
No caso, não há dúvida que B estava em situação de grave necessidade,
reflectindose esta, inclusivamente, na sua própria liberdade de movimentos.
A conduta que a lei descreve como ilícita é a não prestação (omissão) do
auxílio necessário ao afastamento do perigo. O auxílio é o necessário ou
adequado ao afastamento do perigo e o critério ou juízo da necessidade é o do
observador avisado. Uma boa parte da doutrina entende que a prestação do
auxílio já não é necessária se a vítima entretanto morreu; e que o dever cessa
naqueles casos em que a vítima é socorrida por outros meios. Mas não tem sido
esse o entendimento dos nossos tribunais. Sustentase, por ex., no acórdão do
STJ de 10 de Fevereiro de 1999, CJ, ano VII, tomo 1 (1999), p. 207, que comete o
crime de omissão de auxílio do artigo 200º, nºs 1 e 2, do Código Penal, o
condutor que se afasta do local do acidente sem providenciar socorro à vítima
— apesar de haver aí pessoas, uma delas haver mesmo chamado uma
ambulância —, e ter regressado mais de 10 minutos depois, já que ele, como
causador do acidente, continua obrigado a comportamento positivo no sentido
da prestação de auxílio.
Neste caso, mesmo que B estivesse irremediavelmente às portas da morte,
o auxílio justificavase e era exigido a A, que de tudo se deu conta.
O auxílio deve ser prestado em tempo oportuno, mas a correspondente
actuação não tem que ser pessoal, basta que o obrigado promova o socorro, por
ex., chamando um médico, o 112, etc. Se a prestação de auxílio logra êxito ou
não — é irrelevante, a lei apenas exige que se preste o auxílio. Aliás, tudo
depende das circunstâncias, inclusivamente, das capacidades pessoais de quem
tem o dever de agir.
A nada fez, podendo prestar o auxílio por diversas formas. Sabia não só
que B se encontrava perante uma situação de grave necessidade por si próprio
provocada, como conhecia os restantes factores típicos, nomeadamente que a
prestação do auxílio era necessária e lhe era exigível. Tendo A procedido
dolosamente, cometeu o crime do artigo 200º, nº 2 (agravação por ingerência).
Conclusão.
Como punir A ?
Os problemas gerados pelo concurso entre o crime de ofensa ao corpo ou à
saúde de outra pessoa com agravação pelo resultado morte (artigo 145º) e o
crime de sequestro com privação da liberdade de que resulta a morte da vítima
(artigo 158º, nºs 1, 2, b ), e 3), decorrentes de uma mesma actuação de A, deverão
resolverse dando relevância à punição pelo sequestro de que resulta a morte da
vítima e cuja moldura penal (pena de prisão de 3 a 15 anos) melhor tutela a
situação. De resto, foi a privação da liberdade que deu azo às ofensas corporais
e, por fim, à morte de B. Acontece, por outro lado, que a tentativa de homicídio
em comissão por omissão (artigos 10º, 22º, 23º, nº 3, e 131º, que fazem recuar a
norma do artigo 200º, nºs 1 e 2, por via do concurso aparente) se deu ainda na
ocorrência do sequestro, que é crime permanente — a punição pelo sequestro
na forma agravada é, assim, a que melhor se adapta ao desenho do caso e que
melhor tutela a situação do ponto de vista penal.
Por volta das 7 horas da manhã seguinte, A levantouse e foi espreitar B, que continuava
estado crítico em que ela se encontra, da possibilidade de não sobreviver se não for
imediatamente socorrida, mas afastase, sai para a rua, sem tomar quaisquer providências. Foi
só por volta do meiodia que B foi finalmente tirada da terrível situação em que se encontrava,
por um vizinho, e conduzida ao hospital que distava seus 500 metros da casa. B acabou por
morrer dois dias depois devido às lesões sofridas no contacto do seu corpo com o aparelho de
calefacção. Se lhe tivesse sido prestada prontamente a assistência médica de que carecia, e o
CASO nº 11J. A, uma jovem dos seus 23 anos de idade, faz de babysitter de B, de 2
anos e meio de idade, em casa dos pais da criança. Por volta das cinco da tarde, A distraise
com um programa de televisão e não impede que a criança caia da cama, para cima da qual
tinha trepado também sem que A tivesse reparado. Na queda, a criança sofreu fractura da
cabeça e por via dela acabou por morrer.
não bastará, portanto, a simples causação do evento típico, por ex., a morte de
uma pessoa.
A violação de um dever de cuidado é o eixo em torno do qual gira o
conceito de negligência O dever objectivo de cuidado concretizase, em
numerosos sectores da vida, através de regras de conduta (normas específicas,
como as normas de trânsito —que são as mais frequentemente invocadas, em
vista do desenvolvimento a que chegou a circulação automóvel—,
regulamentos da construção civil, regras de conservação de edifícios, etc.) ou
por regras de experiência, por ex., as leges artis de determinadas profissões ou
grupos profissionais, como o dos médicos, engenheiros, etc. Pode aliás ter
origem nas circunstâncias concretas do caso.
A causa das ofensas à integridade física deve assentar no comportamento
do sujeito activo, sendolhe objectivamente imputável como “obra sua”. A
jurisprudência opera normalmente com os critérios da causalidade adequada.
pressupõe uma condição do resultado que não se possa eliminar mentalmente, mas só a
considera causal se for adequada para produzir o resultado segundo a experiência geral.
Não está em causa unicamente a conexão naturalística entre acção e resultado, mas
circunstâncias com as quais, segundo a experiência da vida diária, não se poderia contar.
mais do que um arranhão e este vem a morrer por ser hemofílico, não lhe poderá ser
imputada a morte mas só ofensas corporais por negligência — faltará o nexo de risco.
Pressupõese, por outro lado, uma determinada conexão de ilicitude: não basta para a
conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que tenha sido precisamente em
V. Indicação de leituras.
3. Sobre a prática da circuncisão: G. Bettiol, Direito Penal. Parte Geral. Tomo II, Coimbra,
1970, p. 203.
41265): integra o crime do artigo 142º do Código Penal a agressão voluntária e consciente,
cometida à bofetada, sobre uma pessoa, ainda que esta não sofra, por via disso, lesão, dor
instrumento de que se munira para praticar a agressão — furador com ponta metálica de
coibiu de o usar, vibrando com ele vários golpes na zona torácicoabdominal da ofendida,
com o propósito de produzir, como produziu, lesões graves na vítima, querendo ele não só
o evento como também o resultado, não poderia deixar de representar o perigo efectivo e
concreto em que colocou a vida da ofendida, não tendo as lesões causadas provocado o
concreto, crimes de perigo e de resultado, dolo e negligência, crime de infracção das regras
de construção.
efeitos de qualificação do crime de ofensa à integridade física nos termos do artigo 146º, nºs
• Acórdão da Relação de Évora de 16 de Abril de 2002; CJ 2002, tomo III, p. 263: ofensa à
• Acórdão do STJ de 25 de Setembro de 2002, CJ 2002, tomo III, p. 182: crimes de resistência e
3. Fernando Oliveira Sá, As ofensas corporais no Código Penal: uma perspectiva médico
7. Jorge Dias Duarte, O crime de exposição ou abandono, Maia Jurídica, Revista de Direito,
das relações situacionais que têm sempre de ser aferidas pelo crivo da revelação de
“especial censurabilidade ou perversidade do agente” (artigo 132º, nº 1); mas nas ofensas
9. José Hurtado Pozo, Droit pénal. Partie spécial I, 3ª ed., Zurich, 1997.
10. Luigi Delpino, Diritto penale, Parte speciale, 10ª ed., 1998.
11. Manuel da Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, p. 514 e passim.
12. Maria Paula Ribeiro de Faria, A lesão da integridade física e o direito de educar — uma
UCP Porto.
15. Teresa Quintela de Brito, Responsabilidade penal dos médicos, RPCC 12 (2002).
1. CASO nº 12. Numa esquadra de polícia, A saca da pistola, que em serviço tem sempre
carregada, e com ela golpeia B na cabeça, porque este o insultara na véspera. Ao bater na
nos crimes preterintencionais que os autores procuram explicar, a par dos critérios em
face dos quais deve fazerse a imputação ao agente do evento mais grave. Tarefa que
nem sempre se apresenta com a simplicidade das coisas evidentes. Na verdade, um
evento pode ocorrer por obra do acaso ou do fortuito, não sendo justo imputálo então a
alguém como obra sua, nomeadamente depois que se reconheceu que não há
responsabilidade sem culpa.
Código Penal [espanhol] de 1848 consagravase a ideia de que quem realiza um acto
ilícito não se exime à responsabilidade pelos resultados fortuitos que possa causar. O
que o dano recaia sobre pessoa diferente da que o sujeito se propôs ofender (concluíase
assim que quem tivesse querido matar um terceiro e, por erro, matasse o próprio pai, era
responsável por parricídio). O Código limitavase a atenuar a pena de quem não teve a
intenção de causar todo o mal que produziu. A origem destes preceitos encontrase na
concepção que do crime tinha a escola clássica — quem actua voluntariamente sabe que
se nestas ideias — quem voluntariamente agride outra pessoa sabe que se expõe a
ocasionarlhe a morte. Neste sentido, afirmavase que a morte tinha sido querida porque
etiam pro casu”. Essa morte, realmente não querida, mas que também não estava
amparada pela eximente do caso fortuito, por ter sido precedida por um acto intencional
ou culposo, deveria assim ser imputada ao sujeito — e como o autor realmente não tinha
querido produzir tanto mal, atenuavaselhe a pena. Cf. Cuello Contreras, El Derecho
Penal Español, vol. I, 1993, p. 251. Perante isto, é mais fácil entender W. Hassemer
delitos eram qualificados pelo resultado e não pelo agente. (...). O § 18 representa agora,
a moldura penal dos artigos 143º, nº 1, (ofensa à integridade física simples) e 137º, nº 1
(homicídio por negligência): em ambos os casos prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Como bem se compreende, uma lesão corporal dolosa pode revelar o perigo que lhe é
característico não só pela natureza do resultado lesivo mas também pela concreta maneira de
actuar do agressor. Muito frequentemente, a própria lesão corporal espelha, de forma imediata
e em si mesma, o risco específico que pode conduzir à morte da vítima (“vulnus letale”),
reproduzindo a estreita “relação de afinidade” que intercede entre o crime fundamental doloso
e o evento agravante. Este específico nexo de risco pode detectarse, por ex., nestes outros
casos, que seguramente se incluem no artigo 145º: A espeta B com uma faca pontiaguda — a
ferida conduz imediatamente à morte, por ter sido atingido o coração; ou a morte ocorre logo a
seguir, devido a uma grave hemorragia ou a uma infecção ou através duma infecção
imediatamente a seguir à hospitalização. Em qualquer dos casos tenhase presente que A actua
unicamente com intenção de ofender corporalmente, por conseguinte fora de dolo homicida.
Mas o resultado mais grave também pode ocorrer, repetese, por simples
acidente ou derivar de um processo causal de tal modo anómalo e imprevisto
que nunca poderá ser posto a cargo do agente. Daí que, se por um lado deva
acrescentarse a necessidade de um nexo de adequação entre a acção
fundamental dolosa e o evento agravante, a consequência lesiva — a morte ou a
ofensa à integridade física grave — deverá, por outro, surgir directamente do
crime fundamental, portanto, sem a mediação do comportamento imputável da
vítima ou de terceiro (cf. Jakobs, AT, p. 331).
2. CASO nº 12A: Numa esquadra de polícia, A saca da pistola, que em serviço tem
sempre carregada, e vai para bater com ela na cabeça de B, que o insultara na véspera. Sem
que, porém, tenha chegado a tocar no B, a pistola disparase, provocando a morte deste.
A tentativa está excluída nos crimes qualificados pelo resultado? Mas não será caso de
chamarmos a terreiro a tentativa dos crimes qualificados? Para a maioria, a tentativa está
excluída nestes crimes qualificados pelo resultado, por se tratar de combinações de dolo
supõe, no agente, a decisão de cometer um crime (artigo 22º, nº 1). Centrando de novo a nossa
atenção no artigo 145º, este só ficará preenchido, ocorrendo o resultado imputável mais grave,
se a lesão do corpo ou da saúde estiver consumada, mas se o evento mortal não ocorrer só
poderá falarse de uma tentativa se o plano do agente incluir a morte de outra pessoa. O crime
será então o dos artigos 22º, 23º, nº 2, e 131º (tentativa de homicídio), não passando a ofensa
consequentemente o delito, no seu todo, estruturado como facto doloso. Suponhase o seguinte
A, sem dolo homicida, atira uma pedra ao companheiro que se desvia mas perde o equilíbrio,
despenhandose no abismo. O perigo específico do resultado mais grave relacionase aqui com
No artigo 145º é elemento típico uma ofensa corporal dolosa (consumada): “quem
ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa...”, diz o nº 1; “quem praticar as ofensas
previstas no artigo 143º...”, diz o nº 2, e isso só acontece no caso nº 12. No outro, a ofensa
corporal não chegou a concretizarse, daí que só possa aplicarselhe o concurso de
crimes (com a indicada limitação de não ser punível, no nosso direito, a tentativa de
ofensa corporal simples).
Ainda assim, há quem pretenda que o caso nº 12 não cabe no artigo 145º —
dizse que a ofensa corporal dolosa, mesmo consumada, não foi causa da morte,
enquanto tal, não desempenhou nisso qualquer papel. Os autores que assim
pensam só integram no artigo 145º aquelas hipóteses em que a ofensa corporal
dolosa conduziu à morte, como no caso nº 12B, ou naquele outro em que A,
sem dolo homicida, atinge com um objecto perfurante o coração de B, que
morre logo em seguida… Confuso? Vamos ver.
fazendoo despenharse duma altura de 3,5 metros, o que lhe provocou diversas fracturas e um
nos termos mais estritos e exigentes”: i) por um lado aferida em concreto e relativamente
de que se revestiu; ii) por outro lado particularmente rigorosa na valoração normativa
fundamental doloso, tal como foi concretamente cometido, era tipicamente idóneo a
resultado agravante. (Figueiredo Dias; ainda, J. Wessels, Strafrecht, BT 1, 17ª ed., p. 63).
Nos anais dos tribunais portugueses pode fazerse o confronto com o caso
de A, que podendo prever a morte de B, empurrao com violência para trás,
quando ambos se encontravam sobre um patamar em cimento, sem
gradeamento ou qualquer outra protecção, situado a cerca de 2 metros do solo,
fazendo cair a vítima de costas e bater com a cabeça no pavimento alcatroado
da rua, em resultado do que sofreu fracturas necessariamente determinantes da
sua mãe, agrediu B, a empregada doméstica, causandolhe uma ferida profunda no braço
direito e fractura do osso do nariz. O Tribunal veio a apurar que a empregada, amedrontada
perante a intenção manifestada por A de continuar a agredila, procurou fugir pela janela do
quarto para um terraço anexo, mas caiu e veio a morrer por causa dos ferimentos sofridos na
queda.
enquadrar nos crimes qualificados pelo resultado alguns destes casos, especialmente
a qual, aplicada aos feitos de moldura penal agravada, torna exigível a adopção de
vítima tentava a fuga, o risco típico, específico dos crimes qualificados pelo resultado,
não se realizou, não foi a ofensa sofrida que causou a morte da vítima. A consequência
Certos crimes, como os “incêndios, explosões, inundações”, etc., são especialmente dotados
para aparecerem qualificados pelo resultado: como crime fundamental, o ilícito do artigo
272º tem todas as condições para dele resultar morte ou ofensa à integridade física grave de
outra pessoa. Outros crimes com idêntica aptidão são os dos artigos 273º, 277º, 280º, 282º,
283º, 284º, 287º a 291º — cf. o que, a confirmar isso mesmo, se dispõe nos artigos 285º e 294º.
O roubo é também um desses crimes: cf., no artigo 210º, nº 3, a pena de prisão de 8 a 16 anos,
idêntica à do homicídio do artigo 131º, com que se pune o autor do roubo de que resulta a
morte de outra pessoa. Responda agora: por que motivo há um roubo agravado pelo
resultado morte, ou um crime de violação agravado pelo evento mortal (artigos 164º, nº 1, e
1. CASO nº 12D: C seguia conduzindo o seu automóvel por uma das ruas da cidade
quando lhe surgiu uma criança a curta distância, vinda, em correria, de uma rua
seguinte, V, homem dos seus 30 anos, que seguia a pé pelo passeio, começou a invectiválo em
alta grita pelo que tinha acontecido. Perante o avolumar da exaltação e do descontrolo de V, C,
indivíduo alto e fisicamente bem constituído, saíu do carro e pediulhe contenção, obtendo
como resposta alguns insultos que, indirectamente, envolviam a mãe de C. Este reagiu dando
apesar de C lhe ter deitado a mão, caiu, sem dar acordo de si. Transportado a um hospital,
acabou por morrer, cerca de meia hora depois. A autópsia revelou que a morte foi devida a
que a mesma ocorreu como efeito ocasional da ofensa. Esta teria demandado oito dias de
análise diacrónica com raízes no versari in re illicita (v. i. r. i.), teoria sustentada muito
especialmente pelo direito canónico, segundo a qual, quem se dispõe a realizar algo não
permitido, ou com “animus nocendi”, fica responsável pelo resultado danoso que a
acção vier a ocasionar. A teoria remonta, aliás, à chamada “irregularidade”, que tinha a
ver com a exclusão de pessoas indignas para o desempenho de funções eclesiásticas (cf.
Ed. Mezger, Derecho Penal, PG, Libro de estudio, Buenos Aires, 1957, p. 235; H. Blei,
Strafrecht, I. AT, 18ª ed., 1983, p. 118). Já nas primeiras décadas do século vinte, o “delitto
de quello voluto dall’agente”. Ainda assim, e durante muito tempo, especialmente por
concretizou a ideia da exclusão da culpa quando o resultado não era imputável a uma
actuação dolosa ou negligente de quem o havia causado: nos crimes qualificados pelo
resultado, o resultado qualificante cuja produção determina uma pena mais grave só
pode ser imputado quando tenha sido causado ao menos por negligência.
De acordo com a teoria das condições, de que tantos juristas ainda continuam a fazer
uso, a morte de V foi causada pela agressão. Com efeito, nesse contexto, todas as
condição de um resultado que não possa suprimirse mentalmente sem que desapareça o
resultado na sua forma concreta. É a fórmula da condicio sine qua non: causa do resultado
resultado na sua forma concreta (Mezger). Se procedermos a essa operação mental, com
apego ao que aconteceu, i. é, suprimindo a agressão, logo se vê que o resultado não teria
reconheceu, porém, que uma tal maneira de proceder, especialmente quando associada a
casos destes, era claramente insuficiente, carecendo de ser demonstrada uma estreita
relação entre a conduta do agente e o evento mortal. De modo que hoje em dia se situa a
O artigo 145º não tem aqui aplicação. Resta a norma residual do artigo
143º, nº 1, do Código Penal, que deverá aplicarse enquanto tipo de recolha, e
cujos elementos objectivos e subjectivos se encontram preenchidos.
3. CASO nº 12F: A, para roubar B, agrideo, batendolhe na cabeça com uma barra de
ferro. A não actuou com dolo homicida, mas deulhe com tanta força que B não resistiu à
da coisa alheia mas para a conseguir constrange outra pessoa a suportar a subtracção.
para a realização do crime contra a propriedade. Deste modo, sendo o roubo um crime
comete tal ilícito aquele que, empregando a força contra outra pessoa, lhe tira a coisa
que esta tem em seu poder, ainda que tal coisa seja de valor diminuto.
Para haver esta agravação, não basta que o roubo tenha sido condição sine
qua non do evento mortal. A mais disso é necessário que a morte resulte do
comportamento do ladrão e do específico perigo que lhe está associado.
Exemplo: durante um roubo o ladrão envolvese em luta com a pessoa
assaltada. Um dos tiros então disparados vai ferir mortalmente uma pessoa que
ia a passar e não teve tempo de buscar refúgio. Há quem todavia identifique
uma hipótese destas com a aberratio ictus: tentativa de homicídio na pessoa do
visado com o tiro (artigos 22º e 131º) e homicídio negligente do atingido (artigo
137º).
àqueles casos em que na execução do crime ocorre um desvio causal do resultado sobre
um outro objecto da acção, diferente daquele que o agente queria atingir: A quer matar
alheio, por supor que é a vítima que lhe fora indicada e que só conhece por fotografia.
igualmente fugia.
a Prof. Fernanda Palma que nos crimes agravados pelo resultado tentase justificar a
medida da pena, em certos casos superior à que resultaria do concurso ideal entre o
qualificada ou grave. (Direito Penal. Parte Especial. Crimes contra as pessoas, Lisboa,
1983, p. 102). Convém porém observar que na actual redacção do artigo 210º, nº 3, já se
não exige, como no anterior artigo 306º, nº 4, que o agente actue com “negligência
grave”.
compartimentos, que isolam, e começam a reunir valores para levarem consigo. Porém, como o
cofre é demasiado pesado e não conseguem transportálo pelas escadas, atiramno por uma das
janelas, mas ao cair do 5º andar o cofre atinge P, que por ali passava e que vem a morrer devido
às lesões sofridas.
No caso nº 12G haverá quem afirme que o crime só poderá ser o do artigo
137º (homicídio por negligência) em concurso efectivo com um crime de roubo
(este eventualmente agravado em razão do emprego de arma). E com razão, a
nosso ver. Com efeito, a vítima morreu por lhe ter caído o cofre em cima, mas o
perigo de isso acontecer não era específico do roubo, podia surgir dum crime de
furto, executado sem violência contra as pessoas, bastando que os ladrões
tivessem entrado na casa ou no escritório desertos, numa altura em que
ninguém mais ali se encontrasse, e procedessem de modo idêntico com o cofre.
Não deixa de ser verdade, por outro lado, que a morte do transeunte
ocorreu já depois de empregados os meios coercivos (ameaça com arma de
fogo) tendentes a colocar a pessoa visada pelo roubo na impossibilidade de lhes
resistir.
numa zona montanhosa, onde o frio é intenso e o tempo mostra muito má cara. Pretendem, e
conseguem por esse processo, que este lhes entregue toda a roupa que levava vestida,
incluindo um excelente casacão que lhe custara mais de mil euros na semana anterior. C morre
(latrocínio) uma figura em que concorriam os elementos típicos dos crimes de homicídio
de Março de 1994, CJ do STJ, ano II, 1º tomo, p. 247; e de 29 de Maio de 1991, BMJ407
será então o qualificado, absorvendo o desvalor do de roubo. Poderá até ser caso em que
o homicida teve “em vista encobrir” o outro crime ou assegurar a sua impunidade, o que
igualmente remete para exemplopadrão do nº 2 do artigo 132º, desta vez o da alínea e).
Vamos supor, no entanto, que não houve dolo homicida, ou que este se
não provou — e recordemos que o homicídio negligente só pode resultar do
facto, que não poderá ter lugar como motivo sob pena de configurar um absurdo.
Consideremos que a vítima do roubo da roupa morreu de frio, mas que o
mesmo poderia ocorrer com a simples subtracção, como naquele caso em que
alguém toma banho, deixando a roupa descuidadamente à distância, e o ladrão
aproveita para lha levar, vindo o infeliz banhista a morrer num resfriado, por
entretanto se terem alterado profundamente as condições atmosféricas. No caso
nº 12H, o perigo do resfriamento da vítima do roubo não é típico deste, o
mesmo poderia ter ocorrido por ocasião dum simples furto da roupa. Ainda
que se possa estabelecer uma relação causal entre a violência empregada contra
C e a subtracção da roupa, cuja falta provocou a morte deste pelo frio, não
existe qualquer relação específica de risco entre os meios coactivos empregados
e o evento mortal. Consequentemente, não aplicaremos o tipo preterintencional
do artigo 210º, nº 3. Chegaríamos a idêntica solução, se o C, ao procurar um
caminho de fuga, ou ao pretender chegar à povoação seguinte o mais depressa
possível para fugir duma ameaçadora tempestade, tivesse caído no abismo por
não prestar atenção ao trilho por onde caminhava.
III. Crime agravado pelo resultado; dolo de dano e dolo de perigo; violação
do dever de cuidado.
1. CASO nº 12I: A quer dar uma lição a B e não se importa mesmo de o mandar para o
hospital a golpes de matraca, mas como o quer bem castigado afasta completamente a hipótese
da morte da vítima, a qual, inclusivamente, lhe repugna. A morte de B, todavia, vem a darse
Repare em que há aqui três resultados: as ofensas são provocadas com dolo de
dano; o perigo para a vida fica coberto com o chamado dolo de perigo; a morte,
subjectivamente, pode vir a ser imputada a título de negligência, por violação do dever
de diligência.
mesmo; além disso, representou o perigo para a vida deste: a hipótese cai desde
logo na previsão do artigo 144º, d). Um dos elementos típicos deste crime é a
provocação de perigo para a vida: o crime é de perigo concreto e o agente deve
representar o perigo que o seu comportamento desencadeia, tem de agir com
dolo de perigo.
CASO nº 12J (ainda Puppe, p. 219): A e B deitaram a mão a C, filho dum rico
industrial, para conseguirem deste um elevado resgate. Meteram o preso num caixote de
madeira com uma aparelhagem ligada por um cabo a uma corrente eléctrica, informandoo de
que havia um microfone no interior, de modo que se ele gritasse ou procurasse fazer barulho
ou mesmo libertarse, a corrente ficaria ligada com “desagradáveis” consequências para o
detido. A e B meteram o caixote numa viatura e um deles bateu a porta com tal violência que
acabou por ligar a corrente eléctrica. A vítima sofreu com isso lesões na coluna de tal modo
graves que ficou impossibilitada de se movimentar.
Punibilidade de A e B?
3. CASO nº 12M: A e B, depois de uma discussão com C, homem dos seus 60 anos,
perseguiramno e, em conjugação de esforços, agrediramno repetida e violentamente, a soco e
pontapés, na cabeça e pelo resto do corpo. Fora a cana do nariz partida, C sofreu apenas
extensas contusões pelo corpo, mas com a excitação e a angústia o coração não aguentou e
pouco depois C teve dois ataques cardíacos sucessivos, tendo morrido por altura do segundo.
Punibilidade de A e B?
princípio da culpa, consagrado mais amplamente no artigo 13º, e constitui uma inequívoca
consideração de que se prevê, implicitamente, a agravação pelo resultado doloso. A existir dolo
quanto a um evento típico, não haverá lugar à agravação pelo resultado mas sim à punição
segundo o crime doloso — o que resulta do próprio princípio da culpa. A expressão “pelo
menos” só pode, assim, ser entendida num contexto mais amplo de exclusão da
a título de dolo, ou pode ser referida, quando se pretenda compreendêla à luz de uma real
grosseira ou grave). Mas à expressão “pelo menos” parecenos ainda ser atribuível um outro
sentido, quando o evento mais grave não constitua resultado de nenhum tipo de crime
(doloso). É o que sucederá, por exemplo, no crime de sequestro que tiver como resultado o
suicídio da vítima (alínea e), nº 2, do artº 160 do Código Penal de 1982). Neste caso, mesmo que
o agente queira que a vítima se suicide, mas desde que não pratique actos executivos dos
crimes de homicídio ou de incitamento ou ajuda ao suicídio, deverá ser punido nos termos do
nº 2 do artigo 160º, à semelhança do que acontece quando o suicídio da vítima lhe é imputável
a título de negligência. (...).” (Rui Carlos Pereira, O Dolo de Perigo, 105). Cf., ainda, Rui Carlos
Pereira, O crime de aborto e a reforma penal, 1995, p. 37; J. Damião da Cunha, Tentativa e
1. CASO nº 12L: A pretende dar uma sova na pessoa de B e para isso utiliza uma
matraca, atingindoo, porém, na cabeça e produzindolhe aí lesões que foram a causa directa da
morte de B. A não tinha sequer previsto o evento mortal como consequência da sua actuação.
Acontece que o A tinha sido induzido por C a dar a sova no B, mas o C, quando convenceu o
Punibilidade de A e C?
agravados pelo resultado. Consumação para fins de punição e efeitos para fins de
experiência comum; empurrão que leva alguém a embater com a cabeça numa parede.
de 2 metros do solo, fazendo cair a vítima de costas e bater com a cabeça no pavimento
da morte.
Acórdão do STJ de 9 de Junho de 1994, CJ, ano II (1994), tomo II, p. 245: empurrão que
leva a ofendida a embater com a cabeça numa parede, procedendo o arguido com
para trás.
Acórdão do STJ de 15 de Junho de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 221: morte de
Acórdão do STJ de 9 de Maio de 2001, CJ, ano IX (2001), tomo II, p. 187: agravação pelo
jurisprudenciais.
tomo II.
Eduardo Correia, Crime de ofensas corporais voluntárias, parecer, CJ, ano VII (1982),
tomo 1.
el resultado, Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XLII, fasc. III, Madrid,
Set./Dez., 1989.
2002.
(1992).
Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º
Jürgen Wolter, Zur Struktur der erfolgsqualifizierten Delikte, JuS 1981, p. 168 e ss.
Küpper, Zur Entwicklung der erfolgsqualifizierten Delikte, ZStW 111 (1999), p. 785 e ss.
Código Penal Español, Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, XLVII, fasc. II,
1994.
Santiago Mir Puig, Preterintencionalidad y limites del articulo 50 del Código Penal,
entrou em outra discoteca, que era então gerida pelos mesmos Y e Z. Estava já ali
trancou a porta e impediu que os amigos de A a abrissem, por serem essas as ordens
que havia. Também por isso, o mesmo Q ordenou a P, seu subordinado, que
impedisse qualquer ligação telefónica para o exterior e este assim fez, quando os
e picandoo várias vezes com uma navalha. A, que fora campeão de kickboxing,
agressores dar conta de A, V puxou dum revólver e com ele empunhado procurou
não se intimidou e continuou a lutar. Foi então que Z, já exausto, tirou o revólver das
mãos de V e contra a vontade deste e dos restantes agressores, com ele disparou um
apesar dos esforços dos outros por impedilo. Deste modo, atingiu A no dorso, onde
lhe provocou lesões determinantes de doença por 200 dias. A, que ao volante do seu
molestar fisicamente A.
• Z foi condenado por homicídio voluntário na forma tentada (artigos 22º, 23º, 74º, nº 1, e
131º).
• Não existindo rixa, não podem Q e P ser condenados pelo crime do artigo 151º, nem pode
ofensas corporais por não poder excogitarse aqui o dolo, elemento essencial da
O Código Penal, quanto à participação em rixa (art.º 151º), não nos fornece
mais que o "nomen juris”, deixando ao intérprete a tarefa de elaborar o
respectivo conceito. Ora, rixa é "disputa acalorada, acompanhada de ameaças e
pancadas; desordem; briga; contenda" (v. Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira, 25º, pág. 795). Na verdadeira rixa não se sabe bem quem ataca e
quem defende; há pancadaria generalizada entre todos os intervenientes, sem
que se possa determinar com precisão quem agride quem. Precisamente por
isso, e para que não ficasse totalmente impune a participação em rixa de que
resultou a morte ou a ofensa corporal grave de alguém, por não ser possível
apurar o autor da acção de que proveio esse resultado, o legislador introduziu
no Código Penal o artigo 151º. Como comenta Maia Gonçalves (Código Penal
Anotado, 3ª ed., p. 270), ficou assim colmatada uma omissão que se fazia sentir,
particularmente pelas dificuldades de provar quem causava as lesões aquando
de uma rixa, pois o simples tomar parte não era incriminado pela lei anterior. E
acrescenta que a rixa pressupõe que não há acordo ou pacto prévio entre os
intervenientes e que, se houver esse acordo, entramos no campo da
comparticipação nos crimes de ofensas corporais ou de homicídio. Deixa de
haver aí o acontecimento mútuo e confuso entre diversas pessoas que são
simultaneamente ofensoras e ofendidas, o que é o sinal característico da rixa.
Fevereiro de 1993, CJ do S.T.J., ano 1, tomo 1, p. 187: os intervenientes numa rixa são
crimes, já que a punição pela participação em rixa fica consumida pela punição deles.
prosseguir na luta com A, mas não foram indispensáveis para a realização dos actos
por estes praticados, nem foram motivadas pelo propósito específico de permitir a
agressão da parte dos outros, pois se demonstrou que constituíam atitudes “normais”
daqueles, por ordem dos gerentes da discoteca, nos casos em que se tornava
pelo artigo 27.º do Código Penal (prestação de auxílio material à prática por outrem
participação em rixa.
• Durante uma festa ao ar livre, grupos de rapazes de aldeias vizinhas envolvemse em acesa
mesmo tempo apurouse que E, uma das pessoas que por ali estavam e que se
chegara para apartar alguns dos contendores, tinha sido apunhalado. Não se
que tinha deixado o local antes de E ter sido ferido. Um outro indivíduo, R,
Punibilidade de A e de R.
• Código Penal espanhol: (art. 154); “Quienes riñeren entre sí, acometiéndose
pena de prisión de seis meses a un año o multa superior a dos y hasta doce meses.”
Muñiz, Comentarios a la Parte Especial del Derecho Penal, Aranzadi, 1996, p. 102 e ss.).
tumultuária e confusa, que surge quase sempre de inopino, onde é difícil estabelecer
a certeza das autorias dos ferimentos. Todos agridem todos e recebem pancadas, sem
Indicações de leitura
• Acórdão da Relação de Coimbra de 31 de Outubro de 1996, CJ, XXI (1996), t. 4, p. 72: motim
é uma aglomeração de pessoas com o fim de, com perturbação da ordem e tranquilidade
públicas, ser cometida violência contra pessoas ou contra a propriedade de terceiros. O dolo
dos participantes consiste em tomar parte no "ajuntamento" em que vão ser praticadas as
• Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Janeiro de 1997, CJ, XXII (1997), t. 1, p. 52: Motim é
de um interveniente numa rixa por autoria do crime de homicídio então por ele cometido, não
A e B para agredirem C, o que fizeram, sendo a sua acção complementada pela adesão de
outros dois.
• Acórdão do STJ de 5 de Julho de 2001, CJ, ano IX (2001), tomo II, p. 248: não existe uma
situação de participação em rixa que possa ser enquadrada no artigo 151º, nº 1, quando seja
possível determinar quem matou ou quem ofendeu a integridade física de modo grave.
participação em rixa a morte e a ofensa corporal grave são meras condições objectivas de
dos referidos eventos, mas, não se verificando algum deles, o crime não é punível. Segundo a
ameaças e pancadas; desordem; briga; contenda". Na definição legal, a rixa é constituída pelo
mínimo de três pessoas formando duas facções que reciprocamente se agridem fisicamente,
não existindo ela quando só um grupo ataca e o outro se defende. Deste modo, não cometeram
o crime de artigo 151º do Código Penal os arguidos que, agindo em comunhão de esforços, em
locais e momentos diferentes, ofenderam corporalmente vários indivíduos sem que estes
rixa, não é coautor do mesmo crime comum. A expressão “quem intervier ou tomar parte em
rixa” constante do artigo 151 significa que é punido tanto aquele que voluntária e
conscientemente deu início à briga, como aquele que interveio nela depois de iniciada e ainda
não terminada. O autor da morte ou das ofensas corporais graves não é punido como
• Acórdão do STJ de 22 de Junho de 1989: Não ficou provado que tenha sido o arguido a
disparar os tiros por acto voluntário seu; nem tãopouco que ele tenha querido provocar a
morte do Pimenta. O que sucedeu é que a pistola disparou duas vezes seguidas com os
movimentos de todos eles (isto é, dos envolvidos na desordem), tendo ido atingir o X, que se
encontrava sentado num muro. Perante esta factualidade, não resulta que o arguido tenha
previsto a morte de X, como consequência dos seus actos, e muito menos que se tenha
conformado com a realização desse resultado, pelo que fica afastado o dolo quanto ao crime de
homicídio. Quanto ao crime de participação em rixa, ficou provado que o arguido tomou parte
numa violenta desordem com outras pessoas, tendo, além de outros resultados, como
a forma de coautoria, é essencial uma decisão conjunta e uma execução igualmente conjunta.
O artigo 151º contém disposições residuais em relação aos crimes de ofensas corporais e de
homicídio, havendo sempre que indagar em vista de saber se não existirá qualquer desses
crimes, caso em que o da participação em rixa fica consumido. A novidade trazida pelo artigo
151º foi poder acudir àqueles casos de desordens em que, resultando morte ou ofensas
corporais, não se conseguia apurar qual o autor desses crimes, caso em que todos os
intervenientes ficavam impunes. O artigo 151º apenas pune os intervenientes em rixa se não se
qualquer destes, respondem por ele e não por participação em rixa, que então fica consumida.
186: A razão da previsão do crime de participação em rixa do artigo 151º do Código Penal é a
de assim poder acudir àqueles casos de desordem em que, resultando a morte ou ofensas
corporais, não se conseguia apurar o autor desses crimes. Os intervenientes numa rixa são
punidos pelo simples facto de nela intervirem. Todos aqueles que intervierem ou
integridades físicas dos seus contendores, bem sabendo da ilicitude das suas condutas,
utilizando e verificando que eram utilizados objectos aptos a produzir lesões dos quais podiam
• Acórdão do STJ de 11 de Abril de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 166: crime de participação em
rixa; crime colectivo; crime de homicídio. Devendo definirse rixa como a situação de
caracterizada pela oposição dos contendores sem que seja possível individualizar ou
distinguir a actividade de cada um — não pode restringirse a duas pessoas, como crime
conflito recíproco e não rixa. A participação em rixa pressupõe que não há acordo ou pacto
ou dos autores dos crimes de ofensas corporais ou de homicídio que sejam cometidos
durante a luta impede que cada um dos intervenientes na rixa cometa em acumulação real
Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XL, fasc. II, Madrid, Set./Dez., 1987.
• Rui Carlos Pereira, Os crimes contra a integridade física na revisão do Código Penal,
• Susana Huerta Tocildo, El nuevo delito de participación con medios peligrosos en una riña
confusa y tumultuaria, Anuário de Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XLIII, fasc. I,
I. Generalidades.
Existem outros tipos de ilícito que não foram incluídos no título apontado
mas que reflectem, mais ou menos acentuadamente, a lesão ou o pôr em perigo
de bens jurídicos patrimoniais. Os que mais claramente fazem parte deste
elenco são as falsificações (artigos 255º e ss.) e alguns dos crimes de perigo
comum (artigos 272º e ss.), que se dirigem a uma pluralidade indeterminada de
bens jurídicos, incluindo de índole patrimonial.
• O dano e o abuso de confiança podem ser entendidos como puros crimes contra a
subtracção tem por fim a deslocação patrimonial da coisa alheia de que o agente, ao
agente, a quem a coisa alheia foi entregue por título não translativo da propriedade,
passa a dispor dela animo domini, de tal forma que o crime é, estruturalmente, a forma
apropriação indébita. Outra distinção passa pela punição do furto qualificado, onde
a forma mais grave goza de um tratamento ainda assim menos severo face à norma
simples como ao abuso de confiança simples, não têm expressão própria ao nível da
lado, o furto de uso, mas unicamente de veículo (artigo 208º). A diferença entre uso e
receptação (artigo 231º, nºs 1 e 2) é um dos crimes contra direitos patrimoniais. Pode
capítulo dos crimes contra direitos patrimoniais, mas, por uma questão de atracção
acta da 14ª sessão). O preceito tem uma grande amplitude, que porém se pode
(Actas, acta da 14ª sessão), isto é, uma perspectiva essencialmente económica, que
faria reverter a actuação para o âmbito dos crimes patrimoniais. É neste domínio que
subtracção de documento (coisa) que integre o crime de furto (ou de roubo) e não o
do artigo 259º. O desenho típico do artigo 259º acompanha em parte o do artigo 212º
grave ao menos grave, para melhor traduzir o dano/violação (cf. as palavras do Prof.
técnica), a conduta do agente recai na previsão dos artigos 203º (furto) ou 212º (dano).
sujeito. No auxílio material (artigo 232º) o objecto do auxílio será normalmente uma
honestidade no tráfico como igualmente protegidas. E até certa altura com razão, pois a
burla era vista como um crime de perfídia, era estelionato, à imagem da salamandra,
animal que exposto aos raios solares toma cores diferentes. Historicamente, a burla
num resultado — o prejuízo patrimonial. Reconheceuse que era essencial agir “con
altrui dano” (cf., por ex., o artigo 640 do Código Penal italiano de 1930). Quando, a
seguir, se chegou à conclusão de que “il danno deve avere indole economica”, o
• Silva Ferrão, p. 122, explicava que: “Bulra ou inlicio era o nome com que a Ord. do liv. 5º
tit. 65º qualificava este delicto. Correspondelhe no Cod. Fr. a palavra escroquerie, com
comparação com o lagarto, notavel tanto por sua subtileza, como pela variedade de
suas côres. Os delictos d’esta especie mal se podem prever nem definir, porque são tão
este delicto com o furto. A Lei franceza de 22 de Julho de 1791 foi a primeira que o
distinguiu.” E acrescentava ainda Silva Ferrão, p. 123, que “no furto, assim como no
funcional de património.
Nada impede que uma coisa sem valor patrimonial seja objecto de
crime. As teses funcionalistas não impedem, por outro lado, a punição do
agente por furto simples quando a coisa não tiver qualquer valor objectivo. A
ideia de valor das coisas é determinante nos crimes patrimoniais, mas há quem
observe (cf. José Joaquim Oliveira Martins, p. 180) que nos tipos penais simples
dos crimes patrimoniais nunca se faz referência a qualquer exigência de
pecuniaridade da coisa, abrangendo coisa com simples valor afectivo. O que
estará em causa é o valor para a pessoa, de que o valor económico faz parte.
consolidação ou de perpetuação.
a pintura dum carro, que afecta não só o valor como a aparência, embora
Kindhäuser, p. 322.
coisa.
19
1 Com a destruição dá-se o desaparecimento da coisa física. A destruição, como forma mais
intensa do dano, exige uma actuação na substância que leva ao completo aniquilamento da normal utilidade
da coisa. Dito de outra maneira: “estamos perante a nadificação da coisa material, enquanto unidade física
com sentido, função e eventual valor económico-social” (Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, 1992, p.
395, nota (78).
20
2 Recorde-se a declaração de voto de Vital Moreira (BMJ-382-261) sobre o direito ao graffiti, que
é, "desde há muito, um modo corrente e socialmente adquirido de expressão e comunicação de mensagens e
ideias, sobretudo políticas e artísticas, na nossa como em outras sociedades. A inscrição mural como
elemento integrante do conceito de liberdade de expressão constitucionalmente garantido (o artigo 37º da
Const. fala, a propósito, na liberdade de expressão "pela imagem ou por qualquer outro meio".
Naturalmente que, tal como acontece sempre que o exercício de um direito colide com outro ou outros,
haverá que proceder à compatibilização do direito à inscrição mural com o direito de propriedade e
com o direito ao património e ao ambiente. Mas a compatibilização de dois direitos consiste, não no
sacrifício total de um deles a favor do(s) outro(s), mas sim na sua conciliação, de modo a que, através de
limitações recíprocas, se alcance a maximização do exercício de todos".
coisa alheia). Neste último caso, a coisa fica “inidónea, no todo ou em parte,
para desempenhar a sua própria função instrumental durante um tempo
juridicamente considerável” (cf. J. Oliveira Martins, p. 219, citando Mantovani).
Mas o agente háde sempre intervir fisicamente sobre a coisa, modificando a
sua estrutura material, mesmo que não se altere a substância: desmontar uma
coisa composta, levando a um grande gasto de tempo para a montar, ou retirar
um pneu dum automóvel, ou uma peça de uma coisa, impedindo o seu
funcionamento (exemplos referidos por Costa Andrade). Vistas assim as coisas,
atirar ao mar uma taça valiosa não terá expressão do ponto de vista jurídico
penal do dano (H. Otto, p. 184). Dirseia tratarse de uma conduta que não
incide na coisa em si mesma, mas unicamente na sua possibilidade de uso
(Muñoz Conde, apud Bajo Fernàndez / Peréz Manzano, p. 502).
“No danificar e destruir temos a presença da teoria substancialista, no
tornar não utilizável, da teoria da função, e no desfigurar, da teoria do bom
aspecto e da modificação do estado” (J. Oliveira Martins, p. 211).
CASO nº 14. A, na biblioteca que frequenta, pintalga as páginas dum dos livros que
requisitou pouco antes.
É de crime de dano que se trata, mesmo que ainda se possa ler o texto. O
livro é valorizado inclusivamente pelo seu bom aspecto, pela aparência (Harro
Otto, p. 183). O A sabia que se tratava de coisa alheia e que da sua conduta iria
resultar um dano. A mais disso, o A quis provocar directamente o dano, não se
exigindo no tipo qualquer motivação específica, nem há necessidade de um
animus nocendi ou damnandi. o A tanto pode ter actuado por raiva ou para se
divertir ou ainda para ganhar uma aposta (onde, necessariamente, punha à
prova a sua enorme estupidez).
• F. Puig Peña, p. 370 (Furto, burla, abuso de confiança): un autor, con frase gráfica, ha
tratado de pontualizar la diferencia entre los tres delitos: “En el robo y en el hurto, dice,
coge el culpable la cosa; en la estafa, alarga la mano para que le ponga la cosa una
pelo dono (C) fora de 3000 contos e o que A veio a acordar com o adquirente foi o
de 3050 contos; ii) este entregou àquele a quantia de 300 contos como sinal e
negócios do queixoso, bem sabendo que não dispunha de poderes para esse
19. Cometem o crime de burla dois indivíduos (A e B) que determinam terceiro (C) a
deixe espoliar. O burlado, nas hipóteses de erro, como de engano, só age contra o
mentira que lhe é dada a conhecer pelo burlão. A vítima, ao ser induzida em erro
toma uma coisa pela outra, pertencendo ao agente a iniciativa de causar o erro.
era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto pela
ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir
ele. Por sua vez, o réu comprometeuse perante o ofendido a pagarlhe juros
reside o engano em que o réu fez cair o ofendido que lhe entregou a aludida
importância tãosó por estar convencido de que o réu detinha tal quantia e estava
prometer pagar juros de 10 por cento ao mês, sabendo de antemão que tal lhe era
impossível, estando numa situação económica difícil e tendo vendido muitos dos
desculpa para o agente. O certo é que o arguido pagou ao ofendido tão só 100
contos respeitante a juros, tendose ausentado para fora do país, sabendo o réu
prova de que o credor não lhe concederia tal empréstimo se soubesse que, afinal,
ele já tinha, não apenas comprado o armazém, como até arrendado, comete um
crime de burla. Este crime tem como requisitos que o agente: tenha a intenção
dessa forma determine o mesmo ofendido à prática de actos que causem a este,
Revisora do Cód. Penal, 1979, pág. 138, e Cód. Penal Anotado, Maia Gonçalves, 3ª
ilegítimo, o modo pelo qual se realiza essa intenção tem de se revelar engenhoso,
fazendo crer que existe o que não existe) ou falseando directamente a realidade
determinem outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa,
prévio acordo se dirigirem ao ofendido, fazendolhe crer que eram pessoas sérias
com base nisso obtido a entrega do veículo por parte do ofendido (acórdão do STJ
23. Comete o crime de burla o arguido que induz o ofendido em erro tendolhe
referido que mediante a entrega de uma quantia monetária podia falar com o
examinando para que este lhe facilitasse a feitura do exame de condução (ac. do
24. Comete o crime de burla o arguido que faz publicar um anúncio num jornal para
venda de um terreno, dizendo que este era óptimo para construção, disso
convencendo o ofendido, que lho comprou, quando bem sabia que a construção
era ali proibida (acórdão do STJ de 5 de Junho de 1996, CJ, ano IV (1996, t. 2, p.
191).
realidade de que resultou (e aqui está a chamada relação causaefeito) agir ela
devido a esse convencimento em que foi induzido por tais manobras), é inegável
que existe uma relação de adequação de meio para fim. Se (primeiro momento),
manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as
médio até aos mais elaborados artifícios) adrede realizadas, e com isso consegue
(segundo momento) que esse sujeito pratique actos que lhe causem, ou a terceiro,
moeda) com o prejuízo patrimonial causado pelo acto e que deve existir uma
6 (1996).
26. Pratica o crime de burla o causídico que, tendo sido nomeado patrono oficioso do
ofendido para propor uma acção de divórcio e tendo proposto uma acção de
uma procuração em que este lhe concedia "amplos poderes forenses", sem lhe dar
27. Comete um crime de burla agravada dos artigos 313º e 314º, c), do CP de 82, o
arguido que, convence a queixosa, sua tia, a transferir todo o seu dinheiro
(4.509.050$00) que tinha depositado, em duas contas a prazo no banco F..., para o
Internet).
para o mês seguinte, sabendo, no entanto, que a sociedade não tinha capacidade
financeira para distratar a hipoteca e que, por conta de tal contrato, dela vão
BMJ466257
conseguem que estes lhes entreguem quantias em dinheiro, que gastam em seu
punição do crime continuado art.º 30, n.º 2 e 79, ambos do CP, revisto em 1995.
30. E procedeu à entrega, aos arguidos, da mala contendo o dinheiro, no pressuposto de que
receberia como contrapartida notas falsas de grande qualidade, enquanto muito idênticas
às notas verdadeiras e, por isso, susceptíveis de passar com facilidade como estas. Os
arguidos, tendo recebido o valor em causa, não entregaram, nem se propunham entregar,
qualquer outro valor como contrapartida. Apesar disso, agiram como se se propusessem
fazer com o E o negócio ilícito em causa. Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002,
Do confronto das disposições legais aplicáveis, podese concluir que o furto se traduz
numa apropriação física de bem móvel de outrem, que se não encontre dentro dos poderes de
utilização ou de disposição do agente (apropriação esta que passará a ser havida como roubo
se for feita com violência), e contra a vontade do lesado, e sem que o bem lhe seja entregue
voluntariamente por este último ou por terceiro. Na burla, o agente consegue apoderarse de
um bem alheio através de uma entrega voluntária do ofendido ou de terceiro, a quem
astuciosamente (isto é, por meio de fraude) convence da existência de um seu falso poder ou
direito sobre o aludido bem. No abuso de confiança, o agente, detentor do bem, que recebeu
para o utilizar em determinados moldes ou para lhe dar determinado destino (mas não para o
administrar, ou fiscalizar, ou para dele dispor em determinados moldes), viola a confiança em
si depositada, e dá a tal bem uma utilização ou um destino diferente daqueles para que o
recebeu. Na infidelidade, por último, a conduta do agente, em tudo semelhante à que é
configurada como abuso de confiança, tem de respeitar à disposição, administração, ou
fiscalização de interesses patrimoniais de terceiros, e só é punível se o prejuízo patrimonial
causado for importante e se, simultaneamente, para além de a actuação do agente ter de ser
voluntária, a mesma se traduzir numa grave violação dos deveres assumidos, conjunto este de
limitações globais que bem explica que este tipo criminal seja punido com pena mais leve do
que as dos restantes.
translativo da propriedade, ainda que parecesse sêlo, e que lhe não conferia
poderes de administração de tais dinheiros. Ora, nas situações em que a
actuação do agente que se apropria de dinheiros comuns, contra a vontade do
ou dos ofendidos, relativamente aos quais ele tenha poderes de administração
(como sucede quanto a bens comuns do casal distraídos por um dos cônjuges
em detrimento do outro), a sua conduta é enquadrável no crime de
infidelidade, do artigo 319º do Código Penal, mas a mesma já lhe não é
subsumível nos casos em que o agente só aparentemente tem a qualidade do
comproprietário do dinheiro ou bem, como ocorre no caso presente, por o
mesmo o receber por título não translativo da propriedade (mesmo quando
exista um pacto de que esta se transferirá para o agente se ocorrer a condição de
se verificar a morte do real proprietário antes da do titular autorizado a
movimentar). Desta forma, a sua conduta não corresponde à figura criminal da
infidelidade, do artigo 319º do Código Penal, mas sim à do abuso de confiança
pela qual foi condenado. Acórdão do STJ de 6 de Janeiro de 1993, BMJ 423146..
CASO nº 14D. A troca das etiquetas. A entra num supermercado. Num dos
expositores com garrafas de uisque de diversos preços, A troca a etiqueta do preço da garrafa
mais cara pela indicativa do preço das mais baratas. À saída, paga o preço mais baixo e leva a
garrafa mais valiosa, como pretendia.
CASO nº 14E. Dar o troco. A exibe uma nota de valor elevado e pede a B que lha
troque. Em lugar de lha entregar, A pega em tudo e desaparece. É caso de burla. A levou o
outro, por erro, a entregarlhe as notas e com isso a uma disposição patrimonial danosa.
Este furtum usus não seria, porém, punido, por ausência de norma que o
preveja.
• Alguns autores são de opinião que não existe subtracção quando ilegitimamente se utiliza
Numa boa parte dos casos, para aceder ao cartão multibanco, o agente usa
de violência contra a pessoa ou de qualquer outro meio típico do roubo, pondo
a vítima na impossibilidade de resistir ou exercendo ameaça com perigo
iminente para a vida ou para a integridade física. Do mesmo passo, esforçase
por conseguir o respectivo PIN, actuando igualmente com violência. Realizando
o ladrão os seus propósitos com êxito, acabando, portanto, por retirar o
dinheiro da máquina ATM, pode verse este último acto (o roubo é um crime de
dois actos) como o exaurimento do crime de roubo, que assim se mostrará
materialmente consumado, na medida em que o agente passa a dispor da
quantia levantada em pleno sossego. A menos que em lugar do roubo se
sustente haver antes extorsão (artigo 223º), uma vez que ao ladrão não é
entregue imediatamente o objecto do crime (a principal diferença entre o roubo
e a extorsão está nesse aspecto, de haver ou não entrega imediata de coisa
móvel alheia)..
Código pelas exigências de acentuada autonomização de que gozam os tipos de ilícito do que
Código estão abertas vias para a punição da actuação em nome de outrem, em contacto com a
criminalidade ligada às pessoas colectivas (artigos 11º e 12º). O regime legal das infracções
nacional revelase do maior interesse, entre outros, a consulta dos seguintes trabalhos: José de
Faria Costa, Direito penal económico, Quarteto, 2003; Jorge de Figueiredo Dias/Manuel da
de subvenção, subsídio ou crédito bonificado, RPCC 4 (1994), p. 337; Jorge de Figueiredo Dias,
Eduardo Correia, Introdução ao direito penal económico, Rev. de Direito e Economia, (1977), p.
práticas contrárias aos interesses dos consumidores, BMJ44837; Mário Ferreira Monte, Da
protecção penal do consumidor, dissertação de mestrado, 1966. Numa publicação do CEJ, com
o título “Direito Penal Económico”, 1985, reunemse os textos de algumas conferências sobre o
tema, podendo destacarse as de José Faria Costa, O direito penal económico e as causas
implícitas de exclusão da ilicitude, e de Manuel da Costa Andrade, A nova lei dos crimes
Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e
Justiça, 2001, tomo 2; e Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de bens da
sociedade, Direito e Justiça, 2001, tomo 2; Jorge dos Reis Bravo, Critérios de imputação
jurídicopenal de entes colectivos, RPCC 13 (2003), p. 207. Nos últimos anos têmse
• “Unidade de conta” (artigo 202º, alíneas a), b), e c)). O respectivo valor é o estabelecido nos
termos dos artigos 5º e 6º, nº 1, do DL nº 212/89, de 30 de Junho (cf. o artigo 3º da Lei nº 65/98,
de 2 de Setembro, que altera o Código Penal). Entendese por “unidade de conta processual”
arredondada, quando necessário, para o milhar de escudos mais próximo ou, se a proximidade
for igual, para o milhar de escudos imediatamente inferior. Trienalmente, (…) a UC considera
Dezembro), valores do salário mínimo nacional para vigorarem a partir de Janeiro de 2002: €
consideravelmente elevado” – artigo 202º, alínea b), do CP. Aplicação subsidiária no domínio
bonificado).
crime de dano qualificado em função do valor da coisa danificada, quando esta não é
totalmente destruída ou inutilizada, deve atenderse ao elevado valor da coisa e não ao elevado
valor do prejuízo.
dano; bem protegido; legitimidade do arrendatário. A norma que prevê e pune o crime de
dano visa proteger quem é ofendido na fruição das utilidades que das coisas pode ser retirada.
elevado.
• Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 212: noção de património.
que prevê e pune o dano visa proteger quem é ofendido na fruição das utilidades que das
coisas pode ser retirada, ou seja, o mero possuidor. Cf., porém, o acórdão da Relação de Lisboa
de 7 de Fevereiro de 1998, in Actualidade Jurídica II, nº 15, p. 28: tornase inexplicável que a lei
penal tenha querido especialmente proteger não só o proprietário como ainda o mero
possuidor, detentor ou fruidor, quando é certo que muitas vezes os interesses de uns e outros
• Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979.
• Alfredo José de Sousa, Infracções fiscais (não aduaneiras), 3ª ed., Coimbra, 1997.
• Américo Marcelino, Furto por introdução em casa alheia, Rev. do Ministério Público, ano
10 (1989), nº 39.
• António Miguel Caeiro Júnior, Algumas considerações sobre o objecto jurídico no crime de
furto, BMJ185.
• Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos patrimoniales y
económicos, 1993.
• Bajo Fernández, A reforma dos delitos patrimoniais e económicos, RPCC 3 (1993), p. 499.
RPCC, 3 (1993).
• David Borges de Pinho, Dos Crimes contra o Património e contra o Estado no novo Código
Penal.
• Fernanda Palma e Rui Pereira, O crime de burla no Código Penal de 198295, Revista da
• Frederico Isasca, O projecto do novo Código Penal (Fevereiro de 1991) uma primeira
• Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e
• Gonzalo Quintero Olivares (org.), Comentarios a la parte especial del derecho penal,
Aranzadi, 1996.
• Joaquim Malafaia, A insolvência, a falência e o crime do artigo 228º do Código Pena, RPCC
11 (2001).
funcionário em negócio ilícito, previsto pelo artigo 427º, nº 1, do Código Penal, RLJ, ano 121º, nº
• Jorge de Figueiredo Dias, Crime de emissão de cheque sem provisão, parecer, in CJ, ano XVII
(1992).
• Jorge de Figueiredo Dias/M. Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito
• José António Barreiros, Comissão de extorsão mediante extorsão de documento, ROA, ano
• José de Faria Costa, Conimbricense II, comentário aos artigos 202º e 203º.
• Maria Fernanda Palma, Aspectos penais da insolvência e da falência, Rev. da Fac. Dir. da
• Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 11ª ed. revisada e puesta al día conforme al
• Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais (o património, a falência, a sua
4 (1994), p. 521.
• Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal applicada ao Código Penal Portuguez, vol. VIII,
1857.
• T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed., 1990.
CASO nº 15. A, que se encontra a cumprir pena, em ocasião propícia consegue fugir,
levando consigo a roupa que vestia, fornecida pelos Serviços Prisionais e propriedade do
Estado, como A muito bem sabia. Haverá crime de furto? Será abuso de confiança?
O uniforme dos serviços prisionais é coisa móvel, alheia, relativamente a
A. É irrelevante saber se a actuação de A, ao fugir com a roupa que trazia
vestida, integra o elemento "subtracção" (típico do furto) ou se, pelo contrário,
existem os elementos objectivos do abuso de confiança ("entrega", etc.), pois A
não terá actuado com "intenção de apropriação", e esta é comum às duas
incriminações. Este elemento subjectivo, específico do furto, a "intenção de
apropriação", é a "ponte" que projecta a "subtracção" no âmbito do ilícito penal.
Sem ele não há furto, ainda que à actuação sobre a coisa se possa seguir, por ex.,
dano, ou ficarse pelo furto do uso. Suponhamos, ainda assim, que A agiu
dolosamente e com aquela intenção, inclusivamente, também levou consigo
uma muda de roupa que lhe estava distribuída. Perante uma situação tão
peculiar, somos tentados a afirmar que A tirou a coisa da posse do respectivo
dono, contra a vontade deste, e a colocou na sua posse. Em suma, houve a
subtracção, característica do furto.
• Sem dono é o conteúdo do caixote de lixo, mas não são sem dono as flores que se deixam
num túmulo. Também não são sem dono os animais domésticos nem os do jardim
Entre nós, as soluções jurisprudenciais não têm sido uniformes. Assim, para o
configura, à primeira vista, como muito duvidosa quanto aos bens comuns, por
estes serem propriedade comum dos cônjuges. Pode, porém, defenderse que os
património comum (...) e que, nessa medida, tais bens acabam por ter a
objecto de crime de furto por parte do cônjuge que os retira. A questão deve ser
resolvida no inventário para partilha dos bens do casal, com a sua restituição ou
retirada por um dos cônjuges de bens móveis contra a vontade do outro, não
• Acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2000, CJSTJ, ano VII (2000), tomo III, p. 209: bens
Mas não há dúvida que "comete um crime de furto aquele que subtrai
fraudulentamente uma máquina que, embora por si comprada, passara a
integrar o património de uma sociedade de que é sócio" (acórdão da Relação de
Coimbra de 20 de Abril de 1988, BMJ 376668).
CASO nº 15A. Ladrão que “rouba” a ladrão. A deambula por uma pequena
cidade e às tantas encontra um carro estacionado, com as chaves na ignição. A parte do
princípio de que o dono está por perto. Ainda assim entra sem esforço no carro que põe em
movimento, afastandose. A quer aproveitar a oportunidade para ficar com a viatura. Como
mais tarde se veio a apurar, o carro tinha sido furtado e o anterior ladrão fora dar uma volta
antes de voltar a movimentálo.
• Para alguma jurisprudência, se a segunda subtracção for executada por um dos autores da
BMJ318302).
• O depositário que, devidamente notificado para fazer a entrega dos bens penhorados, não
• É “coisa alheia” um dente de ouro tirado dum cadáver? A Cassazione italiana ocupouse
111984, nº 9802).
Sousa, O direito geral de personalidade, Coimbra, 1995, p. 189; Bruno Py, La mort et le
droit, PUF, 1997, p. 73 e ss.; Volker Krey , Strafrecht, BT, Band 2, 10ª ed., p. 3 e ss. A Lei
cremação. Aí se define cadáver como “o corpo humano após a morte, até estarem
comércio. Vd. também o "caso resolvido" por Marta Felino Rodrigues, in Casos e
Materiais de Direito Penal, p. 359: "a qualificação, ou não, como analogia proibida da
6. Furto de electricidade.
• O Tribunal do Reich decidiu, num aresto que fez história, que o furto de electricidade não
era punível pelo § 242 (furto) do StGB, por não ser a electricidade uma coisa e não ser possível
a aplicação da norma por analogia. Apareceu, por isso, o § 248c (subtracção de energia
eléctrica) como norma autónoma, destacada da do furto e sucessora da Lei especial de 9.4.1900.
Também a jurisprudência de outros países, incluindo a portuguesa, hoje ao que parece com
dificuldades em lidar com a questão, pela polissemia do conceito de “coisa” e pela incerteza
quanto à natureza da electricidade fluído ou energia (cf. Cunha Rodrigues, p. 528; acórdãos
códigos estrangeiros (§ 132 (subtracção de energia) do öst. StGB; art. 146 (subtracção de
energia) do Code Pénal Suisse), não se impôs como inevitável à Comissão Revisora do Código
tradicional, e na compreensão do respectivo conceito a esse nível; depois, pela rigidez que um
jurídico. Nesta categoria de coisa móvel susceptível de apropriação individual estão incluídas
outras forças ou energias naturais, como o vapor e a energia nuclear. Mas já a captação de uma
onda radiofónica ou televisiva não constitui objecto do crime de furto, porquanto a energia da
respectiva estação emissora não fica diminuída (cf. Cons. MansoPreto, p. 547).
subtracção.
• CASO nº 15D. O carro acabado de lavar. A deslocase ao Porto e como tem aí que
fazer durante umas horas deixa o carro numa estação de lavagens e recolhas, perto da Baixa.
Depois voltará para pagar e levar o carro, lavadinho e a reluzir como nos primeiros dias em
que andou com ele. A meio da tarde, B, que sempre se entusiasmou com aquela marca de
automóveis, dirigese à estação de recolhas, onde é atendido pelo empregado C. Fingindo ser o
dono do carro, paga e recebe de C as chaves da viatura, ausentandose nela, feliz por ter
embrulho, que este recebeu e guardou no bolso, fazendo o D menção de ir embora. Nessa
altura, a porta de entrada da casa foi empurrada com violência, surgindo, como combinado, o
E e dois dos amigos deste, envergando todos fardas da PSP. Fazendo todos de conta que não
conheciam o D, dirigiramse a este e à Josefa, dizendolhes que eram da polícia, que sabiam ter
estes na sua posse bens que tinham entrado no País ilicitamente, e que por isso estavam
detidos. Entretanto, revistaram o D, apoderandose do pacote com diamantes, dizendo que iam
proceder a uma busca. Para darem maior credibilidade à sua actuação, pediram a identificação
da Josefa, dizendolhe para não sair donde estava. Um dos arguidos começou a preencher um
impresso e estando a Josefa convencida de que se tratava de um agente da autoridade assinou
o sem sequer o ler, dizendolhe um deles que já não ia detida e que se apresentasse na
alfândega na segundafeira seguinte, após o que todos os intrusos abandonaram o local,
levando os diamantes que nunca chegaram a ser recuperados.
Responsabilidade dos diversos intervenientes? Apesar de a porta ter sido
empurrada com violência para os intrusos entrarem no apartamento, tal
violência não foi utilizada contra uma pessoa nem como meio de os mesmos se
apoderarem dos diamantes. O encontrão na porta, com violência, serviu
unicamente para os sujeitos disfarçarem o conluio com o E, facto que sai
reforçado pela utilização do fardamento da polícia e com a revista e a busca
simuladas. É de furto que se trata e não de roubo, ficando para averiguar se
existe qualquer circunstância qualificativa do crime.
CASO nº 15F. Encher o depósito. A decidese a não pagar a gasolina com que
acaba de encher o depósito do seu carro numa estação de abastecimento a funcionar em
sistema de self service. Numa retirada rápida, A alcança a autoestrada sem se deter no ponto de
pagamento.
A gasolina (coisa móvel) era para A alheia, já que no momento de encher o
depósito era propriedade do dono do posto de abastecimento. Uma das
dificuldades da resolução do caso, tal como se configura, consiste em o A não
ter actuado com intenção de apropriação no momento em que se abasteceu.
Para alguns autores, o caso configura um abuso de confiança. Diferente seria se
o A, desde início, tivesse a intenção de se apropriar da gasolina sem a pagar. De
qualquer modo: qual a semelhança deste caso com o daquele que furta um
pacote de lâminas num supermercado, passando a zona de caixas sem pagar? E
se A, já abastecido, se dirige ao ponto de pagamento, constatando entretanto
que não trazia a carteira e é por isso que resolve “pôrse ao fresco”?
CASO nº 15G. Crime de subtracção de documento do artigo 259º, nº 1;
crime de falsificação de documento do artigo 256º, nº 1, alínea a). A, tendose
apercebido de que na caixa do correio de uma sua vizinha tinha sido depositado um vale
postal dos CTT, consegue dali retirálo, ficando na posse do mesmo. Depois de ter forjado um
falso endosso, apondo no verso do título, pelo seu punho, uma assinatura com o nome do
beneficiário, depositouo numa sua conta bancária, onde lhe foi creditado. Acórdão do STJ de
11 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 192.
• CASO nº 15J. A, pastor, por ordem do dono do gado, levou os animais a pastar no
terreno de um vizinho deste: o dono das ovelhas e das cabras apropriouse, segundo o acórdão
da Relação de Évora de 6 de Novembro de 1990, CJ 1990, tomo V, p. 275, das ervas que os
animais comeram: “subtracção dolosa, aferida pela intenção apropriativa de alimentar o seu
Há no entanto quem sustente que no caso se trata de dano. Seja como for,
o nosso Código não tem uma incriminação como o artigo 164º do Código
brasileiro onde se pune autonomamente quem introduzir animais em
propriedade alheia. Mas se alguém, inspirandose nas cabras e nas ovelhas
alentejanas, for a um restaurante sem dispor de recursos, considerase que os
alimentos consumidos não são subtraídos e o que pode haver é burla para
obtenção de alimentos (artigo 220º). Cf. ainda o acórdão da Relação do Porto de
14 de Julho de 1999, BMJ489404: pastor que conduz um rebanho para um
olival, a fim de os animais ali se alimentarem com rebentos de oliveira e em que
é manifesto o propósito de apropriação em proveito do gado das folhas e
rebentos, que (o pastor!) bem sabia serem de outrem.
• Robert Villers, Rome et le Droit Privé, 1977, p. [407]: A palavra furtum começou por
latim. Os jurisconsultos acabaram por chegar a uma definição, a de contrectatio o agente põe a
mão fraudulentamente na coisa , por oposição à amotio ou subtracção. Mas este manejar
fraudulento da coisa pode incidir não só sobre a coisa em si mas também sobre a posse e
mesmo sobre o uso. O furtum passou então a ter um amplo campo de aplicação: a venda de má
finalmente dois elementos: é necessário que a contrectatio diga respeito a uma res aliena, o que
exclui o furto doméstico, e que o furto tenha sido lucri faciendi gratia, o que permite distinguir o
“clássico”, que no direito romano compreendia tanto a subtracção da coisa (furtum rei), como a
enriquecimento do agente(lucri faciendi causa), que a noção actual em geral já não comporta:
“Furtum est contrectatio rei fraudulosa lucri faciendi gratia vel ipsius rei vel etiam usus eius
• Noutros tempos: Estavam muito próximo do furto formigueiro e do furto de valor diminuto os
chamados furtos campestres, previstos no artigo 430º do Código Penal de 1886, consistentes em
pequenos ataques à propriedade (“o que entrar em terreno alheio para colher frutos e comêlos
no mesmo lugar...”; “o que do mesmo modo entrar em terreno alheio para rebuscar ou
respigar, não estando ainda recolhidos os frutos...”). Nas Ordenações havia o furto grande e o
furto pequeno. Também havia os ladrões formigueiros, que eram, naturalmente, pequenos
360 maneiras de enriquecer à custa dos outros pelo furto. Bem mais conciso, o artigo 379 do
fraudulenta.” É nestes termos que se inicia o capítulo, dedicado ao furto, do excelente Manuel
correspondente desenvolvimento enquanto tema de técnica policial, onde interessa desde logo
• Acórdão da Relação de Lisboa de 10 de Outubro de 2001, CJ ano XXVI 2001, tomo IV, p.
141: O sinal de televisão, ou mais concretamente o da TV Cabo, é uma coisa móvel incorpórea
Penal.
• Acórdão da Relação do Porto de 28 de Fevereiro de 2001, CJ, 2001, ano XXVI, tomo I, p.
239: Direito de queixa. Legitimidade do possuidor da coisa subtraída. Tem legitimidade para
apresentar queixa pelo crime de furto aquele que, não sendo proprietário da coisa furtada, no
entanto, tem sobre ela a disponibilidade de fruição das respectivas utilidades. O legislador,
pelo menos para efeitos de legitimidade quanto ao exercício do direito de queixa, elegeu como
figura central o titular do interesse que a incriminação quis proteger e não o titular do direito
• Acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 1998, CJ VI (1998), tomo III, p. 233: pratica um crime
abre neste um furo artesiano, dele extraindo a água, que utilizava na rega do mesmo terreno,
em que cultivava melão e tomate com o consentimento do rendeiro mas igualmente sem
conhecimento do proprietário.
considerar essencial para caracterizar o crime de furtum usus, sendo certo que o mesmo
sempre poderá ser imputado ao agente, desde que este, embora não tenha intervindo na
• Acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2001, CJ 2001, tomo III, p. 216: a entrega para
penhor de coisa furtada por outrem, com conhecimento da sua proveniência ilícita, com a
intenção de ajudar o autor do furto, integra a autoria do crime de auxílio material do artigo
• Acórdão do STJ de 25021998 Processo nº 1333/97 3.ª Secção: o art.º 206, do CP, contém
e a extinção do dano, o que se justifica dada a sua grande eficácia social e o seu alto interesse
de contribuir eficazmente para a defesa da propriedade. Num Código Penal como o vigente,
em que a raiz da censura é a culpa, a atenuação prevista no citado artigo deve justificarse
numa diminuição desta ou na redução da ilicitude. Ora, se tais circunstâncias podem ocorrer
quando tem lugar a restituição voluntária pelo agente, ou a reparação do dano quando tal
restituição não seja possível, já o mesmo não se poderá concluir, sem mais, quando a
recuperação dos objectos foi antes devida à acção da PSP. A lei é clara no sentido de que não
basta a ocorrência das circunstâncias enumeradas no n.º 2, do art.º 72, do CP, para efeito de
coisa comum por um dos comproprietários integra o crime de furto punível em atenção ao
as coisas comuns a cada um dos comproprietários de forma plena, mas antes à totalidade dos
consortes (artigo 1403º e seguintes do CC), terseão de considerar alheias para efeitos da
reparação de que fala o art.º 206, do CP, não podem ser identificadas, jurídicoconceitualmente,
restituir ou reparar, espontaneidade e voluntariedade essas que são de exigir a quem quer que
eventualmente providencie por tal restituição ou reparação, já que o art.º 206, na secura da
redacção utilizada, parece admitir que possa ser efectivada por outrem, que não pelo próprio
agente do crime).
• Acórdão da Relação do Porto de 22 de Novembro 2000, CJ ano XXV, tomo V, 2000, p. 228:
Não comete o crime de furto aquele que, em virtude de o comprador ter deixado de pagar
parte do preço, se apodera do veículo automóvel que lhe vendera com reserva de propriedade.
• Acórdão do STJ de 14 de Abril de 1999, BMJ486110: noção de coisa alheia para efeitos de
furto e de roubo; a execução do crime pode ter como alvo não apenas o proprietário da coisa
mas outrem que, no momento, seja detentor do seu direito de fruição, de guarda, etc., contidos
no direito de propriedade.
• Beleza dos Santos na Rev. de Leg. e de Jur., ano 68º, p. 252, especialmente sobre a noção de
• Mercedes Pérez Manzano, Hurto, in Bajo Fernández, Compendio de Derecho Penal (Parte
• Serrano Gómez, Derecho Penal, PE II (1) Delitos contra el patrimonio, Dykinson, 1996.
Diz o artigo 203º (Furto): 1. Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para
outra pessoa, subtrair coisa móvel alheia é punido (...).
A “subtracção”, característica objectiva do furto, é também o seu elemento
eficiente, por ser simultaneamente acção e resultado. A subtracção está, por um
lado, ligada às dificuldades que envolvem a definição da consumação deste tipo
de crime, a qual, segundo a tese mairitária, não depende de uma apropriação
conseguida; por outro lado, releva na distinção com outras incriminações,
especialmente com o abuso de confiança, a cuja realização se não associa a
quebra duma detenção originária, e com o dano, de todo alheio aos propósitos
de integração da coisa no património do agente.
É a actuação do ladrão sobre a coisa que molda o lado material da
subtracção. A maior parte dos furtos exprime, ao menos parcialmente, o modus
operandi do seu autor, o qual acaba por retirar a coisa do lugar onde se encontra,
por si ou por intermédio de outrem, de forma directa, com contacto manual, ou
utilizando uma terceira pessoa em autoria mediata. Ou até servindose o ladrão
dum animal ou dum processo mecânico ou químico. Diz Manzini, apud Luis
Osório: podese furtar o oxigénio aspirandoo, o leite sugandoo, o cão
chamandoo, a vaca tangendoa...
21
O facto do agente abandonar as coisas para facilitar a fuga ou para não ser identificado
com elas não constitui desistência.
III. A subtracção consiste na quebra, por parte do agente, da posse que sobre
a coisa era exercida pelo seu detentor e na integração da coisa na sua esfera
patrimonial ou de terceiro.
V. Na maior parte dos casos ocorrerá a apreensão da coisa; para haver furto
pleno sossego.
amotio (agarrar)
contrectatio (tocar)
bastava o contacto físico do ladrão com a coisa para se poder afirmar o momento
com “maus” propósitos. A teoria acabou por ser suplantada pelas outras três.
coisa ficando esta sob o controle de facto (exclusivo) do novo detentor, ou pelo menos
este háde ter algum poder sobre ela quando a desloca do seu lugar originário. Foi
compatível com a ideia de que o objecto pode ser furtado mesmo quando a pessoa
fisicamente de lugar.
A teoria da ablatio exige uma actividade posterior à deslocação da coisa do seu lugar
detentor.
ladrão leve o objecto para sua casa ou que o detenha em pleno sossego, por exemplo,
vida social dominam, porém, como critérios rectores, as soluções práticas (J. Wessels,
Acordo em Direito Penal, p. 502). Se a coisa (e o agente com ela) ainda se encontra na
esfera espacial do — até então — seu detentor, a nova relação de domínio (que
esconda num bolso enquanto por ali deambula. Mas há coisas que pelas suas
O furto não se consuma em geral com a apreensão (Ergreifen) desses objectos, mas só
quando o ladrão passa com eles o círculo de poder do titular da coisa (a porta da casa,
o muro da moradia). Até aí haverá tentativa. Será assim quando o ladrão salta o muro
arrancar, mas já não será assim se metros depois o condutor é surpreendido por um
actuação: a empregada da casa esconde a jóia no seu colchão para a levar depois para
ladrão atira para a linha um objecto doutro passageiro para mais tarde o recolher (cf.
coisa pelo agente como requisito mínimo para se poder afirmar que o crime se
consumou (Muñoz Conde, p. 221). O crime consumase logo que o autor tem a
possibilidade de dispor da coisa como dono (Cuello Calón, Bajo Fernandez, p. 67), o
que quer dizer que para se consumar o crime não bastará o contacto com o objecto e a
A vitória das doutrinas intermédias. Antes do actual Código Penal, em 1977, o Dr.
“por premência das realidades”. A subtracção não pode ser completamente integrada
com a simples contrectatio ou mesmo com a apprehensio rei, pois, então, seriam
incluídos na previsão do furto casos em que a posse não fora sequer violada. Mas
também a exigência da deslocação da coisa para lugar onde se consolide a posse não
apreensão da coisa, e pode mesmo não haver apreensão; essencial é que o agente a
é necessário que a coisa seja mudada de um lugar para outro, nem tampouco que
chegue a ser usada pelo agente ou por terceiro. Tampouco é necessário o lucri faciendi,
aponta até por vezes meios mecânicos, como o das máquinas de venda e o das
O Prof. Eduardo Correia (Direito Criminal, II, 1965, p. 44) sustentava que
“enquanto a coisa não está na mão do ladrão em pleno sossego não parece que
possa dizerse que haja consumação”. A tese de que para a consumação se exige
a posse pacífica em relação ao objecto furtado pelo ladrão foi acolhida, por ex.,
no * acórdão do STJ de 23 de Novembro de 1982, BMJ321316: Comete um crime
de furto na forma tentada aquele que, actuando conjuntamente com outro, entra numa
ourivesaria, retira de dentro de um balcão envidraçado um estojo que continha anéis em ouro
e, por não ter segurado bem esse estojo, o deixa cair no chão, fazendo barulho, facto de que se
apercebe o proprietário, que grita e, por isso, determina os agentes à fuga sem nada levarem
consigo. Não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do
agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a
deslocálo do local em que se encontra. É assim de afastar a consumação, porquanto o agente
não chegou a ter os anéis na sua mão, em pleno sossego ou estado de tranquilidade, embora
transitório, de detenção dos mesmos.
Mas o Código Penal (1982), segundo a corrente que acabou por se impor
na jurisprudência dos nossos tribunais, “repudia a tese de consumação do furto
que exige que a coisa entre pacificamente na esfera da disponibilidade do
ladrão e esteja em sua mão em pleno sossego, nomeadamente nos casos de fuga,
perseguição e transporte após a apreensão, tese que não protege eficazmente o
direito da vítima” (cf., por ex., o acórdão da Relação de Lisboa de 1 de Junho de
1983, BMJ335331). Assim, o arguido que coloca os objectos subtraídos dentro
de um saco e que é depois interpelado pela polícia comete um crime de furto
consumado. O mesmo acontece com o carteirista que retira a carteira do bolso
de outrem e no mesmo instante é impedido de fugir por um polícia que
observava a sua actuação. A aplicação deste critério tem, com efeito, o seu mais
decisivo alcance nos casos de perseguição imediata do agente da subtracção.
seja, a plena realização do objectivo pretendido pelo agente, mas ela não é
necessária, já que a norma se basta com a consumação formal ou jurídica.
Podemos então concluir que a terminação ou consumação material do
crime (crime exaurido) constitui uma fase do crime posterior à sua consumação.
Assim sendo, repudiase a tese da posse pacífica. A consumação é formal ou
jurídica. O que significa, nomeadamente, que não é necessário à consumação do
furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de
tranquilidade, embora transitório. Significa, também, por isso mesmo, que a
circunstância de ser muito curto o tempo de duração da situação de violação do
poder de facto sobre a coisa, ou seja, de decorrerem poucos minutos até as
coisas furtadas serem apreendidas ao ladrão, retiradas da sua posse e
devolvidas ao seu proprietário, é irrelevante (acórdão do STJ de 29 de Janeiro
de 1997, BMJ463319).
CASO nº 16B. O crime de furto é instantâneo? A e B, de harmonia com o
plano que conjuntamente conceberam, entraram no estabelecimento comercial, e enquanto um
distraia a mulher do dono da loja, examinando determinados artigos, o outro levou para a
cabine de provas determinados blusões que meteu dentro de um saco. Quando se dirigiam
para fora do estabelecimento, o que ia à frente alertou o outro, que vinha atrás, da chegada da
polícia, pelo que este retrocedeu para a cabina onde procurou desembaraçarse dos blusões
subtraídos. Acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1988, BMJ373279.
Pôese de novo a questão: furto consumado ou simplesmente tentado?
O Supremo começou por considerar: logo que a coisa subtraída passa da
esfera do poder do agente, o crime temse por consumado, nesse momento se
verificando o evento jurídico ou lesão do interesse tutelado (“o crime de furto é
instantâneo”). A e B conseguiram apropriarse subrepticiamente dos nove
blusões que colocaram e esconderam dentro do saco apreendido, e, quando se
encaminhavam para a saída do estabelecimento, deuse o aparecimento da
polícia, o que fez retroceder aquele que trazia o saco. A actuação dos agentes
preencheu todos os elementos do tipo de furto, e portanto a consumação do
crime teve lugar. (...) Ao lado da consumação jurídica ou formal falam os
autores na terminação ou consumação material do delito (crime exaurido),
como constituindo uma fase do crime ulterior à consumação. A consumação
material consistirá na produção de todos os efeitos ou consequências que, não
sendo embora exigidos como elementos essencciais do tiipo legal do crime,
constituem a plena realização do objectivo pretendido pelo agente. (...) Não é
por conseguinte necessária à consumação do furto que o agente tenha o objecto
furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, embora transitório.
Qual vai ser a evolução jurisprudencial? Seguindo a jurisprudência que tem por
dominante, o recente acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 170,
introduzlhe porém algumas precisões: tem de haver um mínimo de tempo que permita dizer que
um efectivo domínio de facto sobre a coisa é levado a cabo pelo agente, mas sem defender que tal
domínio se opere “em pleno sossego ou em estado de tranquilidade”. O acórdão tem dois votos de
vencido, um deles defendendo a posição da consumação instantânea.
O acórdão do STJ de 27 de Março de 2003, CJ 2003, tomo I, p. 237, entendeu que o
crime de furto de consuma quando o agente se consegue afastar da esfera de actividade
patrimonial, de custódia ou de vigilância do dominus, ainda que, perseguido, venha a ser
despojado. O furto é consumado e qualificado quando o agente, após escalar a varanda de
uma residência, penetrou ne mesma e, ali, retirou dos quartos diversos objectos, que colocou
nos bolsos, e uma faca, que escondeu nas costas presa ao cinto, depois do qiue veio a ser
surpreendido na sala por duas pessoas que ali se deslocaram.
pessoa à prática do facto para a incriminar, com vontade de que o facto não
passe da tentativa. Mas a solução não é de acolher no nosso ordenamento
jurídico. É na Lei nº 101/2001, de 25 de Agosto (Regime jurídico das acções encobertas
para fins de prevenção e investigação criminal), que se estabelece o regime das acções
encobertas para fins de prevenção e investigação criminal, considerandose acções
encobertas aquelas que sejam desenvolvidas por funcionários de investigação criminal ou
por terceiro actuando sob o controlo da Polícia Judiciária para prevenção ou repressão dos
crimes indicados no mesmo diploma, com ocultação da sua qualidade e identidade. Visase
com elas a descoberta de material probatório. A identidade fictícia com que os agentes da
polícia criminal podem actuar é atribuída por despacho do ministro da Justiça, mediante
proposta do director nacional da PJ. O artigo 6º desta Lei trata de isentar de
responsabilidade o agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta,
consubstancie a prática de actos preparatórios ou de execução de uma infracção em
qualquer forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que
guarde a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma. (23)
23
4A respeito do agente provocador, cf., designadamente, acórdão do STJ de 20 de Fevereiro
de 2003, CJ 2003, tomo I, p. 210 (agente provocador e agente infiltrado, nulidade da prova); Germano
Marques da Silva, Bufos, infiltrados, provocadores e arrependidos. Os princípios democráticos
e da lealdade em Processo Penal, Direito e Justiça, 1995; Teresa Pizarro Beleza, “Tão amigos
que nós éramos”: o valor probatório do depoimento de coarguido no Processo Penal
português, Rev. Min. Público, 74; e Manuel Augusto Alves Meireis, O regime das provas
obtidas pelo agente provocador em processo penal, 1999. Outras designações não
necessariamente coincidentes: agente infiltrado; agente informador; homem de confiança;
agente policial encoberto, “agent provocateur”; “Lockspitzel; VMann (VLeute, VPersonen),
Verdeckte Ermittler; undercover agent”.
generalidade das pessoas e que o juízo sobre a existência ou inexistência do objecto tem que
ser, em primeiro lugar, um juízo objectivo, pelo que não releva aquilo que o agente considera
existente ou inexistente. Todavia, tem de fazerse apelo, neste ponto, a uma ideia de
normalidade, segundo as aparências, que se baseia num juízo de prognose póstuma (Acórdão
do STJ de 28 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 1, p. 219).
Consideremos também hipóteses de furto tentado na sua forma
qualificada: Comete o crime de furto qualificado na forma tentada o arguido que se introduz
no interior de um café, tendo para o efeito rebentado a fechadura da porta do mesmo, com
intenção de daí retirar vários objectos e valores, fazendoos coisas sua. Só não concretizou os
seus intentos, por o alarme ter sido accionado (acórdão do STJ de 16 de Maio de 1996, processo
nº 293/96 3ª Secção, Internet). Cf. também o acórdão do STJ de 6 de Janeiro de 1993, BMJ423
166. Estando provado que os dois arguidos aprovaram entre si e decidiram apropriarse das
quantias monetárias que pudessem estar no interior do cofre do estabelecimento e, em
execução desse projecto conjunto e com esse objectivo, enquanto um procurava forçar a
fechadura da porta de entrada o outro vigiava a curta distância, tendo sido entretanto
surpreendidos e detidos por agentes policiais, não obsta à verificação do crime de furto, na
forma tentada, a circunstância de não terem ficado demonstrados, em julgamento, a existência
e o valor das quantias eventualmente guardadas no referido cofre, porquanto: a) é inegável que
os arguidos praticaram actos de execução; b) a inexistência dos valores a apropriar não era
manifesta; c) segundo as regras da experiência comum, era previsível que o cofre conteria
importâncias monetárias; d) os meios empregues pelos arguidos, nas exactas circunstâncias em
que actuaram, foram adequados a alcançar a apropriação, isto é, a preencher o tipo legal do
crime de furto; e) a falta de prova da existência e do valor das quantias monetárias
eventualmente guardadas no cofre apenas acarreta a impossibilidade de qualificação do crime
de furto tentado (acórdão da STJ de 7 de Junho de 1995, BMJ448115).
CASO nº 16C. A entra na casa de morada de B e introduzse no quarto de dormir, de
cujo armário vai tirando peças de roupa que estende no chão. A pretende levar consigo e
apropriarse unicamente das 3 ou 4 peças de roupa que mais lhe agradem, das muitas que tira
do armárioroupeiro, mas é surpreendido quando ainda havia muito para escolher.
Punibilidade de A?
Res derelictae (coisa abandonada), res deperdita (coisa perdida), res nullius (coisa que
nunca pertenceu a ninguém). Animus rem sibi habendi (intenção de ter a coisa junto de
si), animus domini (intenção que tem o agente em tornar própria a coisa alheia).
• Prof. José de Faria Costa, Conimbricense II; do comentário ao artigo 203º: tutelase “a
fruição das utilidades da coisa com um mínimo de representação jurídica. Desta forma
percebemos o furto como uma agressão ilegítima au estado actual das relações, ainda que
provisórias, dos homens com os bens materiais da vida na sua exteriorização material”
(des)apropriação (S/S Eser, cit. 46); elemento que “deve ser visto e valorado como a vontade
intencional do agente de se comportar, relativamente a coisa móvel, que sabe não ser sua,
como seu proprietário, querendo, assim, integrála na sua esfera patrimonial ou na de outrem,
traduzse em uma conduta que faz com que a coisa saia do domínio de facto do precedente
outrem detinha sobre a coisa”, não sendo de exigir a ablatio “para que se preencha o elemento
típico da infracção”.
• Acórdão da Relação de Évora de 14 de Julho de 1992, CJ, ano XVII (1992), tomo IV, p. 314:
intenção de apropriação; não é autor de crime de furto o pastor que leva 4 ovelhas para sua
casa e se recusa a entregálas ao respectivo proprietário enquanto não for pago pelos serviços
prestados.
de furto a actuação do agente que pretende subtrair porcos de uma pocilga e é surpreendido
consumativo do crime.
abriu a porta de um veículo automóvel de outrem, entrou nele, e se apoderou, sabendo que lhe
não pertenciam e que contrariava a vontade dos donos, uma carteira, que lhe foi retirada das
furto na forma consumada e não a simples tentativa o agente que, com intenção de o
alguns metros, vindo então a ser impedido por vários populares que observavam a sua
actividade.
Penal, p. 553: Quando os agentes retiram materiais das instalações da ofendida e os carregam
no exterior, na viatura que queriam utilizar para os levar, fica consumado o crime de furto.
violação do poder de facto de guardar ou de dispor da coisa que sobre ela tem o seu
de a coisa ficar ou não pacificamente, por mais, ou menos tempo, na posse do agente. Tendo os
de facto tal actuação, consumase o crime de furto relativamente à quantidade dos materiais
recolhidos pelos arguidos, não se poderá já falar de tentativa do mesmo crime relativamente à
parte dos materiais ainda não recolhidos que os arguidos tenham projectado subtrair.
• Acórdão do STJ de 12 de Fevereiro de 1998, CJ, 1998, tomo 1, p. 208: arguido que entra
numa residência pela janela, pega em anéis e pulseira, colocaos no interior das meias e é
• Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979.
• António Miguel Caeiro Júnior, Algumas considerações sobre o objecto jurídico no crime de
furto, BMJ185.
• Antonio Quintano Ripollés, Tratado de la Parte Especial del Derecho Penal, tomo II, 2ª ed.,
Madrid, 1977.
• Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos patrimoniales y
económicos, 1993.
• Bajo Fernández, A reforma dos delitos patrimoniais e económicos, RPCC 3 (1993), p. 499.
RPCC, 3 (1993).
• David Borges de Pinho, Dos Crimes contra o Património e contra o Estado no novo Código
Penal.
funcionário em negócio ilícito, previsto pelo artigo 427º, nº 1, do Código Penal, RLJ, ano 121º, nº
3777, p. 379.
• Jorge de Figueiredo Dias/M. Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito
• Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 11ª ed. revisada e puesta al día conforme al
• Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais (o património, a falência, a sua
• Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal applicada ao Código Penal Portuguez, vol. VIII,
1857.
• T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed., 1990.
dali uma cassete vídeo — cujo valor comercial era de 1500$ — com gravações da vida
Artigo 297º, nº 3, do Código Penal de 1982: "Se a coisa for de insignificante valor, não haverá
lugar à qualificação".
Artigo 204º, nº 4, do Código Penal revisto em 1995: "Não há lugar à qualificação se a coisa
ficou condicionado pela definição do artigo 202º, alínea c), como sendo aquele
que não exceder uma unidade de conta (UC). Agora —e não obstante
sustentarem alguns autores que o valor não é elemento do furto simples— o
aplicador do direito tem sempre que decidir qual o valor, expresso em unidades
de conta, da coisa objecto do furto. Nessa medida, a circunstância de a cassete
ser de "valor inestimável" para o casal é transcendida pela imposição normativa
do critério de avaliação pecuniária — valor de troca —, por referência à unidade
de conta (embora na fixação deste valor possam intervir considerações relativas
à pessoa do lesado, por exemplo, aspectos afectivos).
feitas à “unidade de conta”, cujo valor é o estabelecido nos termos dos artigos
Silva Ferrão, p. 8, comentava: o Código Penal (de 1852) “adopta, em regra, para a determinação
circunstancias da pessoa offendida pelo crime. Isto é visivelmente um erro, que conduz a
pena ao mal do crime; mas uma libra para o pobre, é maior damno, do que 50$000,
O artigo 421º do Código Penal português de 1886, após a Lei nº 2138, de 14 de Março de 1969,
ficou com a seguinte redacção: “Aquele que cometer o crime de furto, subtraindo
fraudulentamente uma coisa que lhe não pertença, será condenado: 1º A prisão até seis
meses e multa até um mês, se o valor da coisa furtada não exceder a 2.000$00; 2º A
prisão até um ano e multa até dois meses, se exceder a esta quantia, e não for superior a
10.000$00; 3º A prisão até dois anos e multa até seis meses, se exceder a 10.000$00 e não
for superior a 40.000$00; 4º A prisão maior de dois a oito anos, com multa até um ano,
invocação do dolo eventual como solução para este pendor objectivo não impedia que na
Kienapfel, p. 78), o que quer dizer, desde logo, que não se aceita um valor
acolhe o prejuízo total sofrido pela vítima. No valor da coisa não são por isso
incluídas as despesas feitas, por ex., com advogado, as perdas de tempo, os custos de
transportes com deslocações à polícia ou a tribunal, etc. Para o cômputo do valor não
importa que o lesado esteja especialmente dependente da coisa, ou que esta lhe seja
subtracção representa pouco mais do que um beliscão no seu património. Como logo
• Não estando minimamente identificados os bens subtraídos pelo arguido, sendo, por isso,
valor diminuto face ao princípio in dubio pro reo, não havendo lugar à qualificação
do mesmo, nos termos do art.º 204, n.º 4, do CP. Ac. do STJ de 13051998 Processo n.º
• A discussão em apreço ganhava um especial relevo quando não havia disposição penal a
permitida, tentou quebrar a rigidez das fórmulas legais, definindo o objecto do crime
de furto e abuso de confiança em termos idênticos aos que eram apenas aceitáveis
para o crime de dano. E numa orientação radical, tentou como que apagar as
fronteiras entre os vários crimes patrimoniais, escogitando para todos eles um objecto
património alheio, de modo que o prejuízo causado a esse património constituiria o “valor”
dolosa.” Tal teoria, diz ainda o Prof. Cavaleiro de Ferreira, "tenta por isso a extensão
tem sido fortemente criticada e dela quedou apenas uma função subsidiária,
Quer dizer: toda e qualquer extensão dos pontos de vista do valor para
além duma certa fronteira elimina as barreiras entre os diversos crimes,
incluindo os realizados com ânimo de enriquecimento, como a burla, ficando o
furto descaracterizado nos seus contornos. A teoria da unificação, mesmo
reduzida à sua aplicação subsidiária, veio atalhar alguns dos inconvenientes
referidos.
• Há cerca de meio século, o Prof. Eduardo Correia, partindo da ideia de que a não punição
não é a substância corpórea, mas sim o valor da coisa, "na sua qualidade como meio
para a satisfação das necessidades humanas". Deste modo, quem subtraísse uma coisa
de uso previsto no artigo 421º do Código Penal de 1886, já que "a apropriação de uma
agente deve actuar com intenção de fazer sua a coisa subtraída, intenção essa
Punibilidade de A?
• CASO nº 17C. A — que perdeu o seu cão de estimação — põe um anúncio no jornal
oferecendo alvíssaras a quem lho entregar. B — que se inteirara da oferta — encontra
o cão esfaimado e recolheo para o alimentar e entregar logo que possa. C — que de
tudo se deu conta — subtrailhe o animal, dirigese com ele a casa de A, a quem o
a sua grande eficácia social e o seu alto interesse de contribuir eficazmente para a
defesa da propriedade. Num Código Penal como o vigente, em que a raiz da censura
tem lugar a restituição voluntária pelo agente, ou a reparação do dano quando tal
restituição não seja possível, já o mesmo não se poderá concluir, sem mais, quando a
recuperação dos objectos foi antes devida à acção da PSP. A lei é clara no sentido de
que não basta a ocorrência das circunstâncias enumeradas no n.º 2, do art.º 72, do
até tutelado, entre aquelas duas qualidades. Daí que em termos de lógica material, e
não na base de uma pura e estéril relação jurídica formal, custe a admitirse que, se
entre o que tem a coisa e a própria coisa existe tãosó uma relação de mera posse, se
diga que o bem jurídico violado tenha sido a propriedade. Quem é ofendido na
fruição das utilidades que da coisa podem ser retiradas é, na hipótese anterior, o
gozo". Cf. José de Faria Costa, Conimbricense, II, p. 31. Sendo actualmente o crime de
furto simples de natureza semipública (artigo 203º, nºs 1 e 3, e 113º e ss.), para efeitos
• Como tratar o caso da cautela furtada (valor: 5 euros), a que depois cabe o primeiro prémio
da lotaria: Serano Gómez, Derecho Penal, Parte especial, II (1), Delitos contra el patrimonio,
p. 354.
135: valor consideravelmente elevado; o artigo 202º, b), do CP95 assume o valor de norma
• Acórdão do STJ de 21 de Abril de 1999, BMJ486132: não constando do elenco dos factos
provados a menor referência ao valor dos bens objecto da tentativa de furto, o princípio
geral do favorecimento do arguido não consente que se lhe atribua outra definição para
além da de valor diminuto. E sendo assim, face à norma do artigo 204º, nº 4, não pode
subsistir a designação do ilícito como furto qualificado, tendo de concluirse pela prática
elevado.
• Manuel Simas Santos, Roubo qualificado, introdução em casa alheia, coisa de valor não
automóvel; tentativa.
• CASO nº 18: A foi surpreendido pela polícia no interior do automóvel de B. Para entrar,
A rebentou a fechadura da porta do carro, provocandolhe danos. A agiu com
valor de 60 contos, instalados no carro, sabendo que nada disso lhe pertencia e que
agia contra a vontade do dono. A só não levou a cabo os seus intentos por ter sido
surpreendido.
Punibilidade de A ?
1. Furto simples, tentado (artigos 22º, 23º, 73º e 203º, nºs 1 e 2).
2. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea b)?
• "Apesar das diferenças de situações pressupostas nos diversos segmentos da norma [204º,
nº 1, alínea b)], toda ela visa a protecção do bem jurídico da livre disponibilidade da
fruição das utilidades das coisas móveis transportadas em veículo, quer sejam
gare ou cais. Elemento comum às diversas situações típicas é pois que a coisa móvel
se encontre numa relação de transporte com um veículo e não numa qualquer outra
sido deixada no veículo. A letra da lei logo aponta para ser esse o sentido, pois não
situações como a de objectos deixados n interior do veículo sem relação directa com a
guarda segura das coisas transportadas, resultante do entrecruzar dos vários factores
que diminuem o grau de eficácia das defesas normais desse poder de guarda com os
conhecimento por parte dos eventuais agentes. E ainda pela ideia tradicional da paz
dos caminhos." Acórdão do STJ de 1 de Março de 2000, CJ 2000, ano VIII, tomo I, p. 216.
alínea e)?
veículo.
8 anos se for de casa ou lugar fechado dele dependente (acórdão da Rel. do Porto de
18 de Março de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 237). Cf., no entanto, o acórdão do STJ de 15
arrecadação é, também, "casa" para os efeitos da apontada alínea d). Para além das
e industrial e ainda as outras casas que não podem incluirse nessas realidades, bem
4. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea f)?
5. Furto qualificado tentado (artigos 22º, 23º, 73º, 203º e 204º, nº 1, alínea e)?
comete este crime qualificado quem furta a coisa que se encontra fechada e deixa o
não se vislumbra razão para distinguir entre coisa furtada fechada em gaveta ou cofre
instalados.
• CASO nº 18A. No dia 18 de Junho de 2000, A, com uma chave de fendas, abriu uma
das portas do automóvel de B, que o estacionara, fechado, na Rua 1, e dali tirou
chave de fendas com que arrombou uma delas, dali tirando objectos diversos no
instrumento cuja natureza se não apurou, e só não tirou dali diversos objectos no
valor de 100 contos, como pretendia, por ter sido surpreendido. Logo a seguir, o A,
lha ia espetar, ao mesmo tempo que dizia “conto até três, se não me largas, cortote”.
Já com dois soldados da GNR presentes, o A disselhes “já chamaram estes filhos da
• O elemento "outro espaço fechado", referido no artigo 204º, nº 2, alínea e), só pode
"casa". Considerar que a circunstância "chave falsa" implicaria uma agravação, nos
termos do art.º 204.º, n.º 2, alínea e), que o "arrombamento" e o "escalamento" não
diferença de tratamento. O cerne do problema não está nas diferenças dos referidos
meios de "penetração", mas na natureza do local onde esta se verifica por qualquer
desses meios. Esse local não pode deixar de ser, no critério teleológico que nos deve
dependente, entendida aquela como todo o espaço físico, fechado, apto a ser habitado
culturalmente foi criado. Não pode pretenderse que um veículo automóvel, não
• Elemento comum às diversas situações típicas da alínea b) do n.º 1 do art.º 204.º, é que a
coisa móvel se encontre numa relação de transporte com um veículo e não numa
coisa móvel ter sido deixada no veículo. O veículo automóvel, quando ao serviço da
sua normal utilização, mesmo quando fechado e contendo objectos aí deixados, não
artigo 204º, pois tal conceito está intimamente conexionado, na economia do preceito,
receptáculo...". Sob pena de extensão para além dos limites pressupostos pelo
possa ser integrada por "outros receptáculos" que tenham um mínimo de semelhança
à segurança.
• O desenho típico do roubo junta os elementos do furto e da coacção num só crime — crime
complexo, de dois actos, em que o ladrão constrange a sua vítima a ficar sem a coisa
subtracção de coisa móvel alheia para o agente dela se apoderar (= ataque à coisa)
mediante a actuação descrita no artigo 154º, nº 1 (= ataque à pessoa). Outro não era o
espírito das Ordenações (liv. 5º, tít. 61º), tratando dos que tomam alguma cousa por
• Os casos em que o ladrão não chega a tocar na coisa serão pouquíssimos. Vamos deixar de
parte esses casos, que servem sobretudo para mostrar que as concepções de hoje são
para a qual bastava o contacto físico do ladrão com a coisa para se poder afirmar o
na coisa com "maus" propósitos”. A teoria acabou por ser suplantada. Com a
esta sob o controle de facto (exclusivo) do novo detentor, ou pelo menos este háde
ter algum poder sobre ela quando a desloca do seu lugar originário. Para alguns
autores, a teoria é compatível com a ideia de que o objecto pode ser furtado mesmo
quando a pessoa não o transporta consigo: se para a consumação do furto não basta o
simples contacto, também não é necessário que o agente toque na coisa e a desloque
da coisa do seu lugar originário, ficando o objecto fora da esfera de custódia do seu
elemento posterior: que o ladrão leve o objecto para sua casa ou que o detenha em
até então — seu detentor, a nova relação de domínio (que exclui a do lesado) ocorrerá
agente saia, levando a coisa do supermercado, ou a esconda num bolso enquanto por
ali deambula. Mas há coisas que pelas suas características, de peso ou de tamanho, se
não compaginam com a solução apontada. O furto não se consuma em geral com a
apreensão (Ergreifen) desses objectos, mas só quando o ladrão passa com eles o círculo
tentativa. Será assim quando o ladrão salta o muro do cemitério com o saco ou passa
viaturas a consumação dáse quando o ladrão consegue arrancar, mas já não será
casa esconde a jóia no seu colchão para a levar depois para o exterior (2ª actuação), a
exterior. Do mesmo modo, se numa carruagem de comboio o ladrão atira para a linha
um objecto doutro passageiro para mais tarde o recolher (Eser, S/S, p. 1717;
Kienapfel, p. 55).
podem unificarse, a menos que se trate da mesma vítima. Ora, o roubo contém
• “A conduta integradora do crime de roubo não pode considerarse estar numa relação de
continuação criminosa com as que preenchem os crimes de furto, faltando desde logo
furto, mas também pessoais, e considerando que o ofendido do roubo não é o mesmo
protegido pelo crime ou pelos vários tipos de crime que os factos integram de forma
plúrima.”
• O furto da caixa das esmolas não poderá qualificarse por esta alínea, mesmo quando em
cadeia celular pelo inqualificável feito que perpetraram de forçar a caixa das almas,
um inverno que tinham fome. Ali acumulavam os devotos o peculiozinho com que os
eles no purgatório da negra vida, e pagaram caro a tonteira de infringir a lei de Deus
e dos homens. E foilhes bem feito porque não lhes deu o Demo arte para assaltar um
Banco.”
• “É indiferente que o cofre seja aberto no local ou que o agente, para mais facilmente se
móvel se encontra fechada. Tanto comete este crime qualificado quem furta a coisa
contendo a coisa e de tudo se apropria; não se vislumbra razão para distinguir entre
próprio veículo, como também obviamente dos objectos que se encontram no seu
porta e só não concretiza os seus propósitos por ter sido surpreendido por agentes
• Cf. o acórdão do STJ de 9 de Março de 2000, BMJ495110, que põe em contraste a esta
corpo inteiro, no local onde cometeu o furto (acórdão do STJ de 4 de Janeiro de 1991,
seja ele de um hotel, de uma pensão, de uma residencial ou de uma simples casa
particular, enquanto ocupado pelo hóspede, sendo nele que dorme, que tem as suas
roupas e outras coisas, que aí se recolhe nas suas horas de lazer, que aí,
• Na prática, pode ser difícil distinguir o crime de furto, por esta forma qualificado, do crime
de burla, uma vez que o uso de título, uniforme ou insígnia de empregado público ou
a invocação de uma falsa ordem da autoridade pública bem pode integrar o erro ou
engano, astuciosamente provocado, que tipifica a burla (Carlos Alegre, p. 64). * “Não
aquele que lhe compete usar” (acórdão do STJ de 18 de Março de 1970, BMJ195132).
Alínea h): Fazendo da prática de furtos modo de vida (§ 243 Abs. 1 Nr. 3
StGB: Gewerbsmäßiger Diebstahl). Cf. com o artigo 218º, nº 2, alínea b). Pratica
furtos como modo de vida quem tem a intenção de conseguir uma fonte
contínua de rendimentos com a repetição mais ou menos regular de factos
dessa natureza. Não tem aplicação no caso do ladrão ocasional, ainda que
determinado à prática repetida de furtos, mas a lei não contém elementos para
avaliar o tempo necessário à definição do que seja o modo de vida. O
rendimento do crime não tem que ser a única fonte nem a maior fatia dos
proventos do ladrão que, com sorte, pode até viver do produto dum só furto
durante uma larga temporada sem que isso constitua caso de agravação. Note
se que este modo de vida criminoso acarreta o perigo da especialização e do
domínio de certas "artes" e inculca a ideia de vadiagem e de marginalidade,
aproximandose duma característica pessoal de pendor subjectivo. Está mais
perto da noção de "profissionalidade" do que da "habitualidade" ou da simples
"dedicação". A habitualidade é diferente, assenta numa inclinação para a prática
do correspondente delito adquirida com a repetição (Jescheck, AT, 4ª ed., p.
651). * O acórdão do STJ de 9 de Janeiro de 1992, BMJ413182, oferece
pertinentes informações sobre os conceitos de "habitualidade",
"profissionalidade", "modo de vida", "plurireincidência", "delinquência por
tendência", etc. *
não só quando o agente faz da sua prática um modo de vida habitual ou principal,
sua prática é por ele olhada como normal, expressão de uma segunda natureza, e
assumida sem a contenção psicológica resultante das proibições legais, por isso
• "O mundo das colecções particulares e o dos museus parecem completamente diferentes.
Podese entrever a unidade, salientar o elemento comum a todos esses objectos, tão
sujeitos a uma protecção especial num local fechado preparado para esse efeito, e
revendem.
• Será porventura útil a consulta da obra colectiva Direito do Património Cultural, INA,
Martins Claro, e "Protecção penal dos bens culturais numa sociedade multicultural",
pela Profª. Maria Fernanda Palma. Cf. ainda, Vasco Costa, A classificação e a
de 1998, p. 85 e ss.
• * O escalamento exige do arguido uma certa agilidade e dificuldade na passagem pelo que
não se verifica se ele se limita a entrar por uma janela aberta que se encontra tão baixa
de Novembro de 1991, CJ, XVI, t. 5, p. 89. * Deve ser considerada chave falsa a
direito de a usar. Porém, não pode assim considerarse a que o arguido tenha
para nela penetrar e praticar furtos (acórdão da STJ de 25 de Maio de 1994, CJ).
• A entrada num jazigo por arrombamento não constitui a agravação ditada pelo nº 7 do
Eduardo Correia (Direito Criminal, II, p. 254) que “parte da doutrina alemã costuma
crimes). E acrescentava: “parece, porém, que sempre que tais figuras não possam
que pode acontecer é que tais associações sejam tratadas como crimes autónomos,
direito penal” .
furtos. Não é suficiente, portanto, a associação para cometer um único furto, ainda
que na forma continuada. No furto praticado por bando há o eco, a evocação do crime
de tal actividade ser independente das entradas e saídas de cada elemento, situação
que não existe num bando de dois membros. Há por isso quem entenda que para
existir um bando são necessárias pelo menos três pessoas que acordam entre si,
dolosamente, praticar furtos, distintos uns dos outros, os quais não são de antemão
que não é decisiva a necessidade da existência de uma organização com pelo menos 3
pessoas, pois as formas especialmente perigosas de furto, isto é, aquelas em que o que
definido, basta para a qualificação que um único crime tenha sido cometido, ainda
que na forma tentada, desde que haja a colaboração nos termos postos pela lei.
Quanto ao agente, não é suficiente que ele pertença a um bando, é ainda necessário
que cometa um furto enquanto membro de bando. Para tanto exigese a consciência e
expressão de que o agente está integrado em bando, isto é, que pertence à rede de
comissão continuada de crimes dessa natureza. Não haverá assim dois furtos
numa estrada sem que tenham sabido ou querido que outro membro do bando
actuava na mesma altura numa estação de caminho de ferro como carteirista. O furto
um outro membro do bando. Bastará qualquer forma de participação, mas uma acção
qualificação.
• * Nos termos da alínea j) do artigo 24º do DL nº 15/93, para a existência de um bando basta
um grupo de pelo menos dois membros, porventura com um líder, ligados pelo
agravação no furto.
CASO nº 18C. A entra na loja de relojoaria de B para deitar a mão ao que pudesse.
Por cautela, leva no bolso uma pistola 6,35 mm, que em outras ocasiões já lhe serviu para se
desenrascar. Vendo um relógio a reluzir, A tomouo como valendo bem uns 500 euros, e
aproveitando uma distracção do empregado, meteuo ao bolso. O valor do mesmo, como
depois se comprovou, não era porém superior a 50 euros.
O produto do furto é de diminuto valor (artigos 202º, alínea c), e 204º, nº
4), pelo que, tomando à letra o preceito em análise, não haveria lugar à
qualificação. A qualificativa da alínea f) do nº 2 não funcionaria neste caso,
sendo o furto o do artigo 203º, nº 1. Noutra versão (Faria Costa, Conimbricense
II, p. 87): “se a coisa for de diminuto valor não chega sequer a preencherse o
tipo qualificador, remetendose o comportamento proibido para o tipo
matricial”, mas este contratipo “só deve funcionar se o agente da infracção
tiver representado que aquilo que quer furtar tem um diminuto valor”. Por
outro lado, há qualificativas, como a da alínea d) do nº 2, que não têm a ver com
o valor venal ou pecuniário da coisa, impossibilitando a aplicação da cláusula.
ter sido forçada a fechadura de uma das portas integra o crime do artigo 204º, nº
1, b), do CP.
arrombamento dado agora pelo art.º 202, al. d), do CP de 1995, sofreu uma
de veículo automóvel deixou de estar contemplado no art.º 204, n.º 2, al. e), do CP
artigo — seus n.ºs 1, al. f) e 2, al. e) — passou a ter de ser compreendida com o
espaço fechado. Não existe razão para distinguir entre coisa furtada fechada em
arguido partiu o vidro da porta da frente ou forçou o fecho de uma das portas da
viatura) integra a autoria do crime dos artigos 203º e 204º, n.º 1, al. e), do CP 1995.
rebentamento do fecho da porta, sem que conste da matéria de facto apurada que
p.p. pelo art.º 204, n.º 2, al. e), do CP, configurando, sim, o crime de furto
do conceito de arrombamento.
primeira situação se exige que a entrada se faça na totalidade (tanto mais que até
corpo pode ser apenas parcial desde que significativa, o que vale dizer suficiente
não sendo um veículo automóvel uma "casa", nem lugar fechado dependente de
"casa", não pode o furto nele praticado, pela penetração no seu interior, ser
Uma casa para arrecadação é, também, "casa" para os efeitos da apontada alínea
- Acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 1999, CJ, ano VII (1999), tomo 1, p. 177: face à
"casa ou em lugar fechado dela dependente", pelo que nunca poderá ocorrer em
- Acórdão do STJ de 27 de Maio de 1999, CJ, ASTJ, ano VII, tomo 2, 1999, p. 220: o
a mão pelo buraco aberto, retirando algumas peças de ouro que ali se
- Acórdão do STJ de 23 de Junho de 1999, CJ, ASTJ, ano VII, tomo 2, 1999, p. 233;
- Acórdão do STJ de 7 de Julho de 1999, CJ, ASTJ, ano VII, tomo 2, 1999, p. 243.
Mesmo depois da Reforma de 1995 deve manterse a jurisprudência que tem sido
seguida pelo STJ, segundo a qual se verifica concurso real de infracções entre os
instrumentos similares: o que releva não é a penetração por esses meios, mas a
natureza do local onde esta se verifica por qualquer desses meios; por sua vez, no
• O roubo é um crime especial em que se juntam, numa unidade jurídica, o furto (crimefim)
lei. * É um crime complexo, na medida em que o seu autor viola não só um bem
moral, contra uma pessoa, ou da redução desta, por qualquer modo, à incapacidade
integra na sua estrutura vários factos que podem constituir, em si mesmos, outros
Internet).
• O desenho típico do roubo junta os elementos do furto e da coacção num só crime — crime
complexo, de dois actos, em que o ladrão constrange a sua vítima a ficar sem a coisa
subtracção de coisa móvel alheia para o agente dela se apoderar (= ataque à coisa)
mediante o ataque à pessoa. Outro não era o espírito das Ordenações (liv. 5º, tít. 61º),
tratando dos que tomam alguma cousa por força e contra vontade daquele que a tem
em seu poder.
alheio, fazendoa crer que qualquer resistência da sua parte seria brindada com
um prejuízo imediato para a vida ou para a integridade corporal. O A simulou a
utilização de uma pistola verdadeira. A vítima pensou tratarse disso mesmo e
receou ser molestada na forma que ficou exposta. É inquestionável a adequação
da conduta do A para intimidar seriamente essa pessoa, fazendolhe crer que
corria perigo de ofensa iminente e incutindolhe o correspondente temor, por
aquela realmente sentido, a ponto de não esboçar resistência à subtracção que se
concretizou. O comportamento do A é o apropriado ao afastamento de
quaisquer veleidades de resistir e, sempre na perspectiva da vítima, em
disposição de a ofender.
Partindo da ideia simples de que para correcta avaliação do sucedido se
deverá perguntar se uma pessoa, colocada na situação da vítima, renunciaria,
como esta fez, a resistir, a resposta só pode ser afirmativa. Também por isso não
tinha o julgador que averiguar se da parte do A havia ou não a intenção de
enganar a vítima por forma a que esta pensasse que se tratava de uma arma
verdadeira. Efectivamente, não interessa a real capacidade da arma para
disparar, mas antes a mera aparência dessa capacidade vista por um homem
médio.
Outubro de 1977 (BMJ27075) afirmou claramente que "ainda que o réu se não
encontrasse armado, não tenha exercido violência física, nem tenha posto em perigo a
proceder como a vítima procedeu". Por outro lado, já na vigência do actual Código
expresso que "à violência física ou psíquica (ameaça) o artigo 306º, nº 1, do Código
Penal, equipara a violência que se concretiza por qualquer meio que ponha o sujeito
imprópria". Esta "terceira via pressupõe processos físicos ou psíquicos que coloquem
opor". Cf. ainda o acórdão do STJ de 5 de Abril de 1995, BMJ44638, onde se refere
necessariamente a que causa lesões ou magoa a vítima; não implica sequer contacto
físico com a vítima, bastando o uso da força adequada à subtracção com afronta, com
de impossibilidade de resistir.
• Violência é o emprego de força física adequada para vencer um obstáculo real ou suposto.
No crime de roubo, a violência ou ameaça não tem que ter especial intensidade, basta
que seja idónea para pôr o ofendido num estado de coacção absoluta, sem poder
mesma puxar o saco que ela levava numa das mãos, fazendoo coisa sua Acórdão
• Praticam o crime de roubo aqueles que, sendo noite e agindo de comum acordo, obrigam
de alarme em tudo idêntico a uma verdadeira arma de fogo que, por isso, criou na
um isqueiro em forma de pistola, apontado à cabeça dos ofendidos, a quem foi criada
determinante para que eles deixassem de opor qualquer resistência aos intuitos de
• Qualquer violência física, sem danos para a integridade corporal, como a violência moral,
• A subtracção fraudulenta feita com ameaça de seringa que o arguido diz infectada com
vírus da sida integra o crime de roubo ao artigo 210º, nº 1, já que ela deve ser
considerada como arma (acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV, t. 1
(1996), p. 206).
não executar, é indiferente. “A ameaça de que se trata é uma ameaça grave que
injusto ou justo, capaz de, no caso concreto, paralisar a reacção contra o agente”
• Integra o crime de roubo tipificado no artigo 306º, nº 1, do Código Penal82 toda a acção
cometida com força física contra as pessoas votada à finalidade de lhes tirar algum
objecto que elas transportem — pois que este lhes é subtraído com força. Essa
273).
• Integra crime de roubo a subtracção pelo agente, por esticão ou sacão, de uma pulseira de
1984, BMJ342434).
bolsa ou a vida” significa que a vítima tem que escolher entre a simples perda de uma
patrimonial, para quem foi roubado não ficou qualquer liberdade de escolha. Mas se
alguém tem uma pistola apontada à cabeça e subscreve uma letra de câmbio ou se
passa um cheque só se pode falar de extorsão. Se o coagido não verga, se opta por
agente que, por meio do recurso a cartas e telefonemas anónimos em que ameaça o
lesado da prática de algum mal, consegue que este lhe entregue bens ou valores
p. 315).
ameaçado seja injusto. No crime de extorsão é irrelevante que esse mal seja justo ou
injusto, uma vez que, mesmo quando o agente tenha o direito de infligir o mal
ameaçado, essa ameaça, enquanto meio de praticar um crime, fálo cair na alçcada
deste normativo. No crime de extorsão a ameaça não tem que ser para a vida ou
(acórdão do STJ de 10 de Outubro de 1996, CJ, ano IV, tomo 3, p. 156; e BMJ 460574).
certa pessoa, embora para isso atemorizem também os seus familiares. Isto porque o
defesa e um maior perigo para o ofendido e para quem acorra em seu socorro, além
como cometido com arma e assim qualificado (cf. Duarte Faveiro, Código Penal
Português anotado, 1952, p. 691). Ora, uma pistola de alarme — utilizada por forma a
mas é facto atípico para efeito de qualificação. De resto, as pistolas de alarme — quer
pela sua função quer pelo material em que são feitas — não são armas: estas têm
• O acórdão do STJ de 27 de Junho de 1996, CJ, ano IV (1996), p. 201, qualificou como
“arma”, para efeitos da verificação do crime de furto qualificado, uma pistola que não
estava em condições de disparar, mas sem que o ofendido soubesse ou devesse saber
este acórdão, que define “arma”, para efeitos dos artigos 204º e 210º, como sendo todo
na sua integridade física, mesmo que de facto e sem que elas o saibam não possa
• O acórdão do STJ de 11 de Março de 1998, CJ, 1998, tomo 1, p. 220, ocupase do mesmo
tema com a particularidade de ter dois votos de vencido. Ainda sobre o que deve
f): acórdão do STJ de 16 de Abril de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 187; Acórdão
do STJ de 20 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 201. Sobre a utilização da
seringa como arma: Acórdão do STJ de 20 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II,
p. 205; Acórdão do STJ de 8 de Julho de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 251.Posse
de uma réplica de uma arma de fogo sem capacidade para disparar: ac. do STJ de 16
tratava de uma pistola de verdade, receando pela sua integridade física e até pela
vida, se submeteu, sem reacção, à concretização dos desígnios dos arguidos, o certo é
que aquele objecto não pode considerarse como arma (instrumento eficaz de
agressão), para efeitos do disposto na alínea f), do n.º 2, do art.º 204, do CP, uma vez
que, de facto, nem autoriza o agente a sentirse mais confiante e audaz, nem reduz
de roubo "trazendo, no momento do crime, arma aparente ou oculta" (art.ºs 204, n.º 2,
al. f) e 210, n.º 2, al. b), do CP) é uma especial censura do agente, por o tornar mais
uma pistola de alarme pelo arguido constitui uma forma de intimidação idónea a
fazer o ofendido recear pela sua integridade física, logo causal da entrega de bens e
exigiu que este lhe desse determinada quantia em dinheiro) parece mais adequado
de induzir no ofendido a ideia de que se seguiria uma agressão caso aquele meio
objectivo, apto a configurar o conceito de "arma", ainda que aparente, e, por essa
n.º 2, do art.º 204, do CP. 18031998 Processo n.º 1461/97 3.ª Secção. Cf. também o
• O conceito de "arma" dado pelo art.º 4, do DL n.º 48/95, de 15 de Março, abrange apenas os
instrumentos que são ou podem ser utilizados como meios eficazes de agressão, ou
seja, aqueles que servem ou podem servir para ofender fisicamente uma pessoa, de
uma pessoa gera, sem dúvida, um temor que paralisa a vontade de resistir de quem
quer que seja, porque existe a séria possibilidade de que aquela esteja infectada,
crime de roubo descrito no art.º 210, n.º 1, do CP, como "ameaça com perigo iminente
que a seringa esteja ou não infectada, o mesmo já não acontece quando está em causa
a qualificação de tal instrumento como "arma". Para este efeito, o que é decisivo não é
que a seringa, na sua aparência, seja adequada a provocar um temor que anule a
capacidade de reacção da vítima, mas, sim, que ela, realmente, seja ou possa ser
utilizada como meio eficaz de agressão ou, por outras palavras, que sirva ou possa
insignificante. Deste modo, resulta claro que uma seringa infectada é uma arma
(uma vez que a transmissão de uma doença a uma pessoa representa, sempre, para
esta, uma ofensa física importante) como que o não é uma não infectada ou inócua do
ponto de vista sanitário (uma vez que a simples picada de uma agulha não pode,
a seringa utilizada pelo arguido, contra a ofendida, estivesse infectada, aquela não
art.º 204, n.º 2, al. f), do CP, e, por via dela, o crime de roubo qualificado, p.p. pelo art.
210, n.º 2, al. b), do mesmo diploma. 20051998 Processo n.º 370/98 3.ª Secção.
• Acórdão do STJ de 11 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 191: uma pistola de
estando provado que uma seringa estivesse infectada com o vírus da sida e
• Outra questão é a de saber se o ladrão é capaz de usar a arma. Cf. Kindhäuser, BT II, p. 131.
Cf., ainda, K. Geppert, Jura 1999, p. 599 e ss.; e Jura 6/2000, com comentário à decisão
do BGHSt. 45, 249, NJW 2000, 1050: ladrão que utiliza no assalto uma pistola sem
munições, mas que as leva consigo num bolso do blusão — colocase a questão de
Hipóteses:
vítima com uma barra de ferro, chegou a pôr em perigo a vida desta;
dos olhos;
e) O agente dá dois murros na vítima para conseguir que esta lhe entregue os 25 euros
eventualmente qualificados);
homicídio voluntário);
h) O agente que praticou um roubo mata uma testemunha incómoda (outra pessoa):
j) O agente subtrai a carteira que B tinha em cima de uma mesa e depois, porque não
k) O agente subtrai a coisa e, para conservála, usa os meios do roubo (artigo 211º);
homicídio);
m) O assaltante ameaça a dona e a empregada da loja com uma seringa que diz estar
infectada; quer todo o dinheiro da caixa, que está à guarda das duas;
n) O assaltante ameaça o cliente e o dono da loja com uma pistola; quer que este lhe dê
o dinheiro da caixa;
Indicações jurisprudenciais:
• O roubo encerra, fundidos numa unidade jurídica, o furto (que é o crimefim) e o atentado
pessoas foi meio para atingir o crimefim (furto), sendo certo que, se o não foi, pode
esse crime ganhar autonomia (como crime de ameaças, de ofensas corporais, etc.) sem
que faça parte do crime de roubo. Por isso é que, no caso em que um ou mais agentes
todos criando um forte estado de pavor, não se considera terem sido cometidos tantos
(a não ser que sejam individualmente despojados de bens ou que a violência sobre
subtracção das coisas, nem os agentes precisam de vencer essa resistência para atingir
dona deste tinham à sua guarda o dinheiro contido na caixa registadora; qualquer
em que são violados não só bens patrimoniais como bens eminentemente pessoais e
em que são ofendidas pessoas distintas (acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 1996, CJ,
(acórdão do STJ de 17 de Junho de 1993, CJ) cf., porém, o disposto nos artigos 204º,
nºs 1 e 2, e 210º, nºs 1 e 2, alínea b), pois nestes casos, não há lugar à qualificação se a
• Roubo e sequestro: quando o agente, para subtrair diversos bens ao lesado, para além da
22/4/92, CJ, e BMJ416363); são bens distintos os valores protegidos pelas normas
após se terem apoderado de diversos valores do ofendido lhe ataram as mãos atrás
abandonando o local logo de seguida. A detenção de uma pistola de calibre 6,35 mm,
não registada nem manifestada, não integra o crime do artº 275, nº 2 do CP de 1995
(ac. do STJ de 4 de Julho de 1996, Processo nº 155/96 3ª Secção, Internet). Comete o
crime de roubo em concurso real com o de sequestro, o arguido que encosta uma
outro, sendo a vitima mantida nessa situação dentro do veículo por si conduzido,
2002, tomo II, p. 178: podem coexistir, em concurso real, os crimes de roubo e de
STJ, ano II, 1º tomo, p. 247: acórdão do STJ de 29 de Maio de 1991, BMJ407205). O
Código Penal vigente não contém uma disposição semelhante ao artigo 433º do
passaram a configurar dois crimes autónomos, a punir em concurso real (artigo 30º,
tipo legal de crime de homicídio não protege ou consome, senão por forma impura, o
bem jurídico plúrimo tutelado pelo tipo de crime complexo de roubo, estandose
assim perante uma espécie de consunção impura, que não obsta à verificação de um
violência qualificar a última como roubo, pois está consumida no primeiro, havendo
resultado “subtracção”; se ela for excessiva, o agente cometerá, para além do crime de
• CASO nº 19D: A apanha o cão de estimação de B e golpeiao até que B lhe passa a
carteira para as mãos.
CASO nº 19F. A quer violar uma mulher e para isso dirigese a uma garagem nos
fundos dum prédio de grandes dimensões, pondose à espreita, escondido atrás duma coluna.
Quando B se aproxima e se prepara para abrir o carro, A atirase a ela, por detrás e de
surpresa, derrubandoa. Ataa, em seguida, de pés e mãos com uma corda que trazia no bolso e
fazlhe uma mordaça com a gravata — tudo para conseguir as práticas sexuais que se
propusera. Só que, no momento decisivo, repara na carteira de B, põese a revistála, mas não
encontra dinheiro. Pega, todavia, no cartão multibanco de B, a quem, com uma navalha nas
mãos e as palavras “senão retalhote a cara”, ordena que lhe dê o número secreto, ao mesmo
tempo que lhe retira ligeiramente a gravata da boca. Logo que consegue decorar o código, A
abandona sem mais a vítima, amarrada e amordaçada, no local, e dirigese a um caixa
multibanco, apropriandose aí de 300 euros da conta de B. Por fim, inutiliza o cartão
multibanco e deitao para o lixo, gastando depois o dinheiro em seu proveito.
Punibilidade de A?
A começou por ofender B, voluntária e corporalmente, derrubandoa,
inclusivamente. A ofensa, prevista no artigo 143º, nº 1, poderá ser qualificada
300 euros) a seu favor e à custa da vítima (extorsão agravada: artigos 223º, nºs 1
e 3, a), e 204º, nº 2, alínea f). Ainda assim, haverá que ponderar se esses factos
não se integrarão mais correctamente no crime de roubo (artigos 210º, nºs 1 e 2,
alínea b), e 204º, nº 2, alínea f). A retirada dos 300 euros poderá entenderse
como o exaurimento deste crime.
Finalmente, analisese ainda o crime de burla informática (artigo 221º, nº
1): o número secreto e o que consta da banda magnética do cartão são dados, no
sentido deste artigo, e o cartão foi introduzido num sistema informático. A
utilizou dados sem autorização, pelo que o crime estará consumado. A
inutilização final do cartão representará um acto posterior copunido.
Ficam para resolver, do mesmo modo, os inevitáveis problemas de
concurso.
concorrer com o crime complexo de roubo. O concurso será aparente, por uma relação
fim. Constitui, pelo contrário, concurso efectivo quando essa privação da liberdade se
desse bem jurídico em extensão ou grau tais que a sua protecção não pode considerar
se abrangida pela incriminação pelo crime de roubo. Cf. também o acórdão do STJ de
• Acórdão do STJ de 6 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 183: pratica um crime
crédito, com o qual não conseguiu levantar qualquer importância visto que, apesar de,
também por meio de violência ter obtido do ofendido o respectivo código, ter sido
enchido de combustível o depósito do mesmo, foge sem pagar, não sem antes agredir
• Ac. do STJ de 26 de Novembro de 1997, BMJ471168: crime de roubo cometido com pistola
• Acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV, t. 1 (1996), p. 198: não é subsumível à
violados não só bens patrimoniais como bens eminentemente pessoais e em que são
• Acórdão do STJ de 17 de Maio de 1995, CJ1995, II, p. 206: extorsão para cobrança de
dívidas.
• Acórdão do STJ de 3 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo II, p. 210: A e B ataram as
diversos valores que fizeram seus, abandonando depois o local e ficando C amarrado
correspondente código.
• Acórdão do STJ de 14 de Abril de 1999, CJ, acórdãos do STJ, ano VII, tomo 2, p. 174:
• G. Biletski, Die Abgrenzung von Raub und Erpressung, Jura, 1995, p. 635.
• Pereira do Vale, Furto simples ou furto qualificado?, Estudos Jurídicos, Março (1903), nº 3.
vítima adiada. B foi à loja de A fazer compras que somavam 15 contos, mas reparou
o dinheiro que trazia e deixoulhe 4 cautelas da lotaria nacional, no verso das quais
escreveu o seu nome e o nº de telefone, ficando de voltar para pagar os 4 contos em falta
conhecimento de que as cautelas haviam sido premiadas e porque B ainda não tivesse
contos — que fez seu. (Cf. o acórdão do STJ de 5 de Dezembro de 1996, BMJ462178).
Mas não basta que o agente queira simplesmente ficar com a coisa. Pelo
contrário, o querer, com esse significado, deverá, na maior parte dos casos, ser
confirmado de fora por uma actuação de apropriação claramente reconhecível
(veja, a seguir, o caso das vacas alentejanas). A simples decisão que permanece
no íntimo não corresponde à apropriação, tornase necessária uma manifestação
externa, reconhecível de fora, uma “indizielle Publizität” (MSchroeder, apud
Eser, Strafrecht IV, p. 49; ainda, Otto, Jura 1996, p. 383, e 1997, p. 472).
Também por isso se diz que no abuso de confiança é bem difícil conceber a tentativa, ainda que
a lei a preveja (artigo 205º, nº 2). "Como a coisa se encontra na posse do agente não pode
surgir nenhum obstáculo que impeça a apropriação" (F. Puig Peña, p. 375, citando Cuello
Calón).
que depende ele, exclusivamente, de circunstância subjectiva. Na maioria dos casos essa
restituir ou de dar o destino certo à coisa: venda, desvio, ocultação ou negativa expressa de não
exemplos citados para apoiar essa orientação, como o caso do mensageiro infiel que é
surpreendido a abrir o invólucro que contém valores, para deles apropriarse, para nós
configura crime consumado, já que existentes a posse e o animus rem sibi habendi”(Júlio
Mirabete p. 286).
CASO nº 20A. O caso das vacas alentejanas. A e B, que eram os donos do gado e o
haviam entregue como penhor à CGD, ficaram com os animais na sua posse, após a
obrigaramse nessa medida a conservar esses animais e a restituílos quando fosse caso
disso. Para que o crime se consumasse era necessário que houvesse inversão do título, o
que pressupunha que os arguidos passassem de novo a actuar como donos dos animais
e não como meros detentores, pois eles apenas estavam em seu poder como fiéis
depositários. Essa inversão do título é que traduziria a intenção, por parte dos mesmos
por actos objectivos que tornariam possível concluir que eles, a dada altura, passaram a
título da posse, vinham descritos, como não podia deixar de ser, na acusação. Aí se diz
que os arguidos não apresentaram as cabeças de gado e não o fizeram porque, sabendo
que eram apenas fiéis depositários, venderam os animais em proveito próprio, entre
1980 e 1983, a diversos talhantes. Todavia, essa venda não se provou. Deuse como não
provada essa matéria de facto e o que se apurou, em síntese, é que, devido à seca e à
doença, parte dos animais tiveram que ser abatidos ou morreram naquele período de
1982/83. Ficou assim por provar a inversão do título de posse, o que significa que a
confiança: a intenção de apropriação, por parte dos arguidos, dos animais dados de
penhor.” (Acórdão do STJ de 20 de Abril de 1995, CJ, acórdãos do STJ, ano III (1995), t. II,
p. 171).
constitutiva duma posse titulada por depósito, locação, mandato, etc., e que liga o
de violação dessa relação de confiança, que háde ter lugar mediante descaminho ou
confiança não consuma o crime. (Prof. Cavaleiro de Ferreira, Consulta, Sommer & Cª
furto —não obstante a inexistência de uma subtracção—, uma vez que a apropriação
detenção do agente, daí que se incluíssem neste ilícito os casos em que a apropriação
alguns destes aspectos, Christian Fahl, JuS 1998, p. 24 e ss.; e Hillenkamp, StrfR, BT, 22
und 23. Probl. No caso português não se colocarão problemas desta natureza, uma vez
que o Código pune, de forma autónoma, a apropriação de coisa achada (artigo 209º), em
detenção da coisa. Cf. também Prof. Figueiredo Dias, Conimbricence, PE, tomo II, p. 96.
Escreve no entanto o Prof. Figueiredo Dias (Conimbricense, PE, tomo II, p. 97) que "à "mera
acresce no (nosso) abuso de confiança um elemento novo, a saber, a relação de fidúcia que
intercede entre o agente e o proprietário ou entre o agente e a própria coisa e que aquele
viola com o crime. Neste sentido pode e deve dizerse — com consciência das
autor só pode ser aquele que detém uma qualificação determinada, resultante da relação
de confiança que o liga ao proprietário da coisa recebida por título não translativo da
que o "abuso de confiança", como conteúdo do lado psíquico da acção, não aparece
desenhado no tipo, sendo a sua invocação fruto de razões interpretativas, a começar pelo
na maior parte dos títulos que são pressuposto da apropriação indevida existe uma
relação de confiança, mas este é sobretudo um modus operandi, uma mera facilidade
comissiva e circunstancial. Com efeito, ninguém quererá abusar da confiança a não ser
para, servindose de tal abuso, alcançar uma finalidade ulterior mais concreta: a de fazer
sua a coisa. Ora, essa finalidade pode também atingirse sem abusar da confiança, quer
porque não existe uma relação prévia entre as partes geradora de confiança, quer porque
Pumpido, p. 126; Antolisei, p. 231; Quintano Ripolles, Tratado de la Parte Especial del
• Outro caso de cautela premiada. Duas pessoas que adquirem a meias (de preço e de
sociedade", previsto no artigo 980º do Código Civil. Se uma dessas pessoas recebe o prémio da
dita cautela premiada e não o divide com a a outra associada, depositandoo na sua conta
bancária pessoal e exclusiva, tem uma conduta que pode preencher o tipo legal de crime do
constitutivos do referido tipo legal de crime é a intenção apropriativa, a qual coincide com o
certa e determinada.
CASO nº 20B. A, advogado constituído de B, recebeu deste, para além de 25 contos a título
sabendo que dessa forma agia contra a vontade de B e em seu directo prejuízo, nem lhe
CJ, 1997, p. 204 e ss; e RPCC 7 (1997), p. 485 e ss., com anotação de Miguel Pedrosa
Machado).
["Na medida, porém, em que não haja interesse especial nas coisas fungíveis que
pessoa célebre ou foram o primeiro dinheiro ganho por quem as depositou — a sua
substituição por outras é possível sem que se verifique o abuso de confiança, visto que
CASO nº 20C. A, cotitular de uma conta bancária, mas não proprietário das respectivas
Outro caso de abuso de confiança com uma conta bancária. * Comete o crime de abuso de
confiança o agente que sendo cotitular de uma conta bancária de cujo dinheiro não era
dono, nem sequer parcialmente, e de que apenas poderia dispor quando isso lhe fosse
autorizado pelo outro cotitular, dono do dinheiro, se apropria dele sem conhecimento
Uma burla com contas bancárias: A convence B, sua tia, a transferir todo o dinheiro que a
mesma tinha depositado em duas contas a prazo num banco para outro e a colocálo em
determinado, ou de restituíla. De forma que, * se não se sabe a que título foi feita ao
arguido a entrega do dinheiro, e qual a finalidade a que se destinava tal entrega, não
pode ter lugar a condenação pela prática do crime de abuso de confiança (acórdão do
“Podese afirmar, enfim, que a posse ou detenção, para gerar o delito de apropriação indébita,
natureza da entrega como elemento típico do abuso de confiança, cf. agora o acórdão do
tipo legal não refere expressamente a licitude do recebimento das quantias. No abuso de
A entrega não tem que ser entendida num significado puramente material;
basta o simples alcance formal do termo; é o caso dos administradores de
sociedades (Beleza dos Santos; Dr. Laurentino da Silva Araújo, p. 92) ou dos
meros cotitulares de uma conta bancária que sem autorização fazem
levantamentos, tendo apenas poderes materiais sobre a coisa, como no caso 20
A. "Na sequência de Beleza dos Santos, R.L.J., 82º, pág. 34, tem a jurisprudência
do S.T.J. entendido, uniformemente, que para a verificação deste elemento do
crime não é necessário um prévio acto material de entrega do objecto, bastando
que o agente se encontre investido em um poder sobre o mesmo que lhe dê a
possibilidade de o desencaminhar ou dissipar. A entrega, por outro lado, pode
ser indirecta ou tácita” (Maia Gonçalves, anot. 2ª ao artigo 453º do CP1886; e
Código Penal Português, 1995, p. 709).
dono, duas valiosas ferramentas com que habitualmente trabalha. Guardaas em sua
A tem apenas uma relação com a coisa. Ainda que a coisa esteja ali à mão,
A comete um furto ao subtraíla, dolosamente, com intenção de apropriação.
“Apenas a detenção não vigiada pode dar origem à apropriação indébita, pois haverá
subtracção e, portanto, furto na posse vigiada. Cometem esse delito, por exemplo, o
assenhoreiam dessas coisas. Também há furto no caso citado por Hungria: alguém é
contém. O agente tem a livre disponibilidade do cofre e não de seu conteúdo” (cf. Júlio
Mirabete p. 283).
A doutrina alemã faz uso do critério do "servidor da posse" ou "gerente da posse". Este
só tem a coisa como um instrumento inteligente ao serviço do verdadeiro possuidor. O
conceito tem a ver com o § 855 do Código Civil, donde a doutrina extrai a conclusão de que o
"servidor" não é possuidor, ainda que lhe seja lícito o exercício dos direitos de autoprotecção
do possuidor contra ataques estranhos.
Outras indicações: O "abuso de confiança de uso" continua a não ser punível, mas a "dissipação
de bens sociais" é incriminada pelo artigo 205º. Se não houver dissipação com a
por meio de uma administração ruinosa, o ilícito será o do artigo 224º ("infidelidade"). O
dinheiro do Estado pelos funcionários que no exercício da sua função detêm a sua posse,
funcionário público tenham sido confiadas no exercício da sua função pública, para lhes
dar o destino legal. Sobre "abuso de confiança fiscal", cf. o ac. do STJ de 15 de Janeiro de
CASO nº 20F. A, que ultimamente tem vivido com dificuldades de dinheiro, alugou a B,
por um mês, um automóvel, pelo preço de 150 contos, que logo pagou. Passado o prazo
do aluguer, A não devolveu o carro, tendo continuado a utilizálo ao seu serviço e da sua
namorada recente, aos olhos da qual se pretendia fazer passar por homem de posses.
quilómetros.
Punibilidade de A?
Terá havido abuso de confiança (artigo 205º, nº 1)? Este supõe, desde logo,
a entrega de coisa móvel alheia — e o automóvel era uma coisa móvel que
pertencia ao B. A coisa foi entregue ao A por título não translativo da
propriedade, pois A simplesmente tomou o carro de aluguer por um mês. O
abuso de confiança significa ainda a apropriação ilegítima da coisa móvel assim
entregue. Apropriação é (qualquer) manifestação da vontade de apropriação
(Otto, Jura 1996, p. 383). No furto (artigo 204º), a subtracção da coisa móvel
alheia vai acompanhada da simples intenção de apropriação, a qual não tem
que ser realizada. No abuso de confiança, a apropriação é elemento do tipo,
ainda que se exija a sua realização intencionada. Se a coisa entregue não chegar
a ser apropriada, o que pode haver é um simples abuso do uso, que se não
pune. Em geral, as dificuldades prendemse com o significado de certas
condutas que podem ser equívocas. Suponhase que A empresta a B o seu
automóvel só por dois dias e que este não lho restitui no fim desse prazo,
mantendoo estacionado na sua garagem. Este comportamento, por si só, não
revela nem a apropriação nem sequer a intenção de o B se apropriar do carro.
Não chega para se poder afirmar que o B, mantendo o carro na sua própria
garagem, o utiliza como seu proprietário (se ut dominum gerere). No caso nº 20E,
a utilização da viatura para além do prazo combinado entre as partes pode
representar uma apropriação se o A quisesse "ter" a coisa como proprietário
(rem sibi habendi). Mas se o A não põe em causa o direito de propriedade do B e
continua a utilizar a coisa como um possuidor em nome alheio — não se poderá
de modo nenhum falar em apropriação. Não representa abuso de confiança a
simples utilização da coisa alugada para além do prazo do aluguer.
"La semplice disposizione abusiva della cosa altrui non è ancora appropriazione.
la cosa a una nuova signoria (di fatto), espropriandone con ciò stesso il dominus"
Aliás, a não restituição da coisa tanto pode ser explicada por desleixo
como pode corresponder a esquecimento. Pode até acontecer que o
proprietário, sabendo onde a coisa se encontra, a vá buscar sem dificuldades.
No caso nº 20E não poderá sustentarse que A cometeu o ilícito em referência,
ou qualquer outro de natureza penal.
confiança consumase quando o agente, que recebeu a coisa móvel por título não
da coisa como se fosse sua. Essa inversão do título de posse verificase quando
II. Acórdão da Relação do Porto de 21 de Maio de 2003, CJ 2003, tomo III, p. 208: o
uso indevido de um veículo automóvel por parte de quem o recebeu apenas com
confiança de uso.
III. Acórdão da Relação de Évora de 21 de Março de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo II,
agente já está a dispor da coisa como se fosse sua, não sendo suficiente a simples
IV. Acórdão da Relação de Coimbra de 2 de Abril de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 60: a
simples negativa de restituição da coisa ou omissão desta pode ser tida como
continuando a coisa em poder do agente, não tendo sido por ele alienada ou
VI. Acórdão do STJ de 13 de Outubro de 1999, CJ ano VII (1999), tomo 3, p. 184:
confiança aquele que contra a vontade do seu proprietário entrega a outrem para
IX. Acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2000, CJSTJ, ano VII (2000), tomo III, p. 209:
comum.
proveito quantias que lhe são confiadas por sua mulher, com quem é casado em
separação de bens.
parte de quem a recebeu ou de quem, pelas suas funções, ficou a deter poder
sobre ela.
XII. Acórdão do STJ de 20 de Janeiro de 1999, CJ, ano VII (1999), tomo 1, p. 48: estando
XIII. Acórdão do STJ de 28 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 1, p. 214; BMJ
454397: gerente de cooperativa que recebeu dinheiro para ser transferido para
terceiro e que não efectuou essas transferências, antes gastou esse dinheiro em
XIV. Acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1999, CJ, ano VII (1999), tomo 3, p. 167:
"entrega".
XVI. Acórdão do STJ de 16 de Outubro de 2002, CJ 2002, tomo III, p. 201: crime de
XX. Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979.
1987.
XXV. Arndt Sinn, Der Zueignungsbegriff bei der Unterschlagung, NStZ 2002, p. 64.
XXVI. Augusto Silva Dias, Os crimes de fraude fiscal e de abuso de confiança fiscal:
(1999).
XXVII. Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos
XXVIII. Beleza dos Santos, Estudos sobre “o crime de abuso de confiança”, RLJ, ano 82º
(19491950), p. 3, 17 e 33.
XXXI. Carlos Alberto da Costa Dias, Apropriação indébita em matéria tributária, RPCC 6
(1996), p. 443.
caderno.
XXXIII. Cesare Pedrazzi, Sui limiti dell' "appropriazione", Riv. ital. dir. proc. penale 1997,
p. 1441.
XXXVI. David Borges de Pinho, Dos Crimes contra o Património e contra o Estado no
XLIV. Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal. Parte Especial. Vol. 2. 17ª ed.
XLV. Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, II, 3ª ed., 1993.
XLVII. LealHenriques Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, Lisboa, 1987.
XLVIII. Luis Osório, Notas ao Código Penal Português, vol. 4º, 1925.
LIII. Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte especial, 11ª ed. revisada e puesta al día
LIV. T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed.,
1990.
StGB), JZ 8/2001.
entregou, no dia 10, a quantia de cinco mil contos, a título de sinal e princípio de
que tinha ficado entendido, A e B, ambos nas referidas qualidades, outorgaram, cinco
a favor do Banco Totta, para garantia de uma dívida de vinte mil contos, bem como dos
juros e demais despesas. Por altura das negociações entre ambos, este contrato de penhor
por um valor que então não era inferior a vinte mil contos, mas a A, se bem que tivesse
presente o penhor e todas as suas implicações, não falou dele ao interessado B, nem
mesmo lhe revelou a existência de outras dívidas da sociedade, como seja, ao Fisco e à
encargos, sabia que não tinha meios para solver a dívida junto do Totta e que ela ficaria,
mesmo tencionava pagar o que era devido ao Totta ou por qualquer outro modo
legítimo extinguir o penhor. Foi só para conseguir do B mais a quantia de quatro mil
contos, que dele então recebeu, que deliberadamente, de caso pensado, outorgou o
contrato com a indicada cláusula. E foi só porque a A lhe manifestou, pela indicada
quaisquer ónus ou encargos, que o B, induzido nessa falsa convicção, confiadamente lhe
voluntariamente, com intenção de conseguir a indicada quantia de quatro mil contos por
forma que sabia ilegítima e à custa de terceiro, sabendo que o fazia contra a lei.
Há quem, porém, admita a burla por omissão, ainda que com carácter
excepcional.
Apurouse que o B não teria contratado, sacrificando uma primeira tranche de 5 mil
contos seguida de outra de 2500 contos, se tivesse sabido dum penhor com aquela dimensão e
alcance. Ainda assim, não temos meios para precisar os contornos dum dever de garantia —
um dever jurídico que pessoalmente obrigasse a A a evitar esse resultado prevenindo o outro
contraente do erro em que caíra ou alertandoo para a ignorância de que estava possuído
(artigo 10º, cit., nº 2). A questão pertinente é que o dever jurídico de emitir uma declaração se
rodeia das mesmas exigências postas a qualquer outra posição de garante, não chegam simples
deveres contratuais derivados do princípio da boa fé para que se possa qualificar o silêncio
como típico (V. Krey, Strafrecht, B. T., Band 2, Vermögensdelikte, 10ª ed., 1995, p. 154 e ss.).
Persiste assim a impossibilidade de castigar esse comportamento da A a título de burla, ainda
que recorrendo aos pressupostos típicos da comissão por omissão (artigos 10º e 217º do Código
Penal).
Na burla, objecto do erro ou engano podem ser apenas factos, sejam eles
externos ou internos: o agente comete o crime "[...] por meio de erro ou engano
sobre factos que astuciosamente provocou [...]", dizse no artigo 217º, nº 1, do
Código Penal.
Este acabou por lhe entregar os quatro mil contos, confiando nas palavras
da A, e só procedeu assim porque a A lhe manifestou, pela indicada forma, mas
falsamente, a sua intenção de trespassar o estabelecimento comercial livre de
quaisquer ónus ou encargos, inclusivamente, livre do penhor ao banco.
CASO nº 21A. P é o pai de B, recentemente nascido das suas relações com M, mulher
solteira. P acaba de ter conhecimento do nascimento da criança, mas logo decide fazer
tudo o que estiver ao seu alcance para não contribuir com alimentos para o filho.
veementemente que seja o pai. Como a mãe garante que P é o pai da criança, o tribunal
consegue então que um seu amigo, C, a quem paga cem contos, se submeta ao exame em
seu lugar. Para tanto, troca a fotografia do seu bilhete de identidade pela de C, colandoa
lugar do amigo. Nas conclusões do relatório de exame, que vai acompanhado de uma
fotocópia do bilhete de identidade apresentado por C, fica a constar que P não pode ser o
pai da criança. Na sequência disso, o tribunal vem a decidir a favor de P e manda iniciar
arguidos.
património. Prejuízo.
CASO nº 21B. Um comerciante anuncia num dos diários da cidade que tem
gabardinas, em “autêntica e pura lã”, para venda, pelo preço irrecusável de 10 contos. A
compra uma dessas gabardinas, mas quando chega a casa logo soube que tinha sido
enganado porque alguém lhe chama a atenção para o facto de não ser a gabardina de lã,
como aliás, o comerciante bem sabia. Este defendeuse dizendo que a gabardina vendida
ao A valia bem os dez contos que este pagara, o que não deixava de ser verdade.
O artigo 217º, nº 1, do Código Penal, ao prever uma certa forma de ataque contra o
património, protegeo como um todo. O prejuízo deverá ser directamente causado por
actos que alguém pratica por ter sido enganado, ou em situação de erro, induzido pelo
burlão. O erro do sujeito passivo tem que ser provocado astuciosamente, agindo o burlão
engano elementos do tipo, têm estes que estar em relação, dum lado, com os meios
empregues pelo burlão, do outro, com os actos da vítima (duplo nexo de causalidade). A
prejuízo patrimonial.
1. A astúcia do burlão.
impôs como condição necessária do engano fraudulento. Para a doutrina francesa (cf.
Garçon, Code Pénal annoté, I, p. 1288) são precisos "actos externos, actos materiais,
incriminandose aquele que estivesse construído com uma certa riqueza de formas e
dissimulações ou reticências ficariam para o campo mais amplo do direito civil, pois
Esta posição, a considerar que só deverá ser perseguido o engano fraudulento com uma
faziam assentar na noção de dolo do direito romano. Mais tarde, sustentavam os autores
do Code pénal napoleónico: "A partir de agora, já não bastará a alegação dum simples
dolo, ficando excluídos os enganos e as mentiras que não sejam apoiados em factos
externos". Cf. Garçon, Code pénal, art. 405, 18; e F.J. Pansier, Le droit pénal des affaires,
1992, p. 15.
• Estabelecese assim uma distinção entre a mentira verbal, que não deve ser punida, e a
obter quando o agente se serve de actos exteriores que aparentam uma falsa realidade
pois, nesse caso, a possibilidade de verificar o engano fica facilitada pela sua
podendo resultar de um acto positivo, não se coaduna com a simples omissão, pelo
que não comete o crime quem se abstém de revelar a sua situação de insolvência à
pessoa a quem solicita um empréstimo (Code Pénal. Nouveau Code Pénal. Ancien Code
• No nouveau Code Pénal, a simples mentira só integrará um meio fraudulento (art. 3131) se
antigo art. 405, não há manobras fraudulentas por simples omissão, nem por simples
mentira. Se alguém cala os defeitos ou os gravames da coisa não faz mais que omitir
algo, sem reflexos externos, que também não existem nos enganos implícitos, quando
se adopta uma conduta ou atitude que leva implícita a ideia do cumprimento de uma
Carrara no seu tempo. A mentira tem que sair reforçada por um facto exterior que a
ratifique, o qual consistirá, na maior parte das vezes, ou numa miseenscène (v. g., se
mentiroso (J. Larguier / AM. Larguier, Droit pénal spécial, 9ª ed., p. 158; G. Giudicelli
As objecções que se fazem a estas posturas radicam especialmente no facto de que, mesmo a
simples mentira, desvinculada de qualquer aparato ratificante, pode ser perigosa para
ou as mais perigosas.
perfeitamente adequada para alcançar o injusto proveito económico. Por outro lado,
partir dos meios empregados — seria o mesmo que definir as lesões pela natureza da
poderiam ser objecto de engano os juízos de valor ou a emissão de opiniões que se não
costumam guiarse pelas suas próprias opiniões, pelos seus próprios critérios,
pela jurisprudência suíça no sentido de excluir da tutela penal quem não pôs um
mínimo de cuidado na sua própria protecção, por não merecerem protecção aquelas
situações em que o erro podia ter sido evitado com um mínimo de atenção, empenho
objecto o caso dum madeireiro que ao satisfazer uma encomenda remetera ao cliente
3,5 est. de madeira com a afirmação conscientemente falsa de que eram 5 est., bem
diferença. O tribunal considerou que "não bastava uma simples indicação falsa, pois a
outra parte podia ter procedido a uma verificação sem nenhum incómodo especial"
(BGE 72 IV 12f, apud Stratenwerth, p. 307): dum modo geral, as relações económicas
fazer uso de determinadas linhas mestras. Por ex.: Age astuciosamente quem se serve
de maquinações enganatórias, quem faz uso de uma construção de mentiras, sem que
se exija a sua verificação por parte do destinatário. Ou mesmo quem faz simples
exactidão das afirmações; ou nos casos em que não é exigível que o enganado
antemão sabe que em razão de uma especial confiança que a vítima nele deposita esta
• O artigo 640 do Código penal italiano (Código Rocco, de 1930) punia por truffa aquele que
para terceiro, um proveito injusto com prejuízo alheio. Enquanto no código anterior,
que não existe (por ex., riqueza, título, nome, qualidade, etc.), ou escondendo ou
disfarçando aquilo que existe (por ex., o próprio estado de insolvência, o de pessoa
precisamente, uma mentira revestida de algo idóneo a fazêla passar por verdadeira
• Deste modo, começou a admitirse que o artifício ou o enredo de que fala o artigo 640 não
induzir alguém em erro. De forma que, mesmo a simples mentira, quando seja
erro o sujeito passivo, pode integrar o elemento material do crime de burla (cf. Luigi
Delpino, Diritto Penale, parte speciale, 10ª ed., 1998, p. 990). Todavia, se por um lado
uma pessoa particularmente ingénua pode ser enganada — não poderá considerarse
artificio ou raggiro, outros (por ex., Antolisei) entendem que a expressão legal
embora reprovados pela consciência social, não podem ser considerados senão meras
incorrecções (Pedrazzi, apud Paulo José da Costa Jr., p. 525). Em suma, ficarão
excluídas aquelas condutas que, ainda que enganosas, os usos do tráfico não
• Também entre nós houve, desde sempre, lugar para a controvérsia em torno da exigência
qualquer acidente. Foi esta noção de artifício fraudulento que desencadeou, na época,
• Para uma primeira corrente (Jordão, Ferrão) a burla do artigo 451º, nº 3, devia concretizar
bastava a simples mentira, a mentira sem falácia, ardil ou astúcia. Era necessário que
mentirosos, mas conforma uma maior astúcia, uma maior pertinácia do réu, sendo
• Numa outra visão das coisas, avultava o entendimento, capaz de afastar a identificação dos
restantes hipóteses (palavras do Conimbricense) (Beleza dos Santos, RLJ 76, 322).
Deste modo, o nº 3 do artigo 451º não se contentava com a simples mentira. Para a
fáctico que lhe conferia uma particular credibilidade (v.g., o acto de encomendar uma
pagar). Por outro lado e como decorre deste último exemplo, a doutrina em apreço
art. 451º do CP de 1886 pudesse ocorrer através de actos concludentes e, até, por
das m. f. do dtº francês, atribuindolhe a amplitude atrás descrita (BS, RLJ, 76 307 e
• Em 1982, com o novo Código Penal, fizeram agulha, em termos de algum modo
Palma e Rui Pereira, como J. A. Barreiros. Outros (por ex., Sousa e Brito) afastam a
c) Omissis
passivo, iludindo a sua boa fé e levandoo a uma falsa representação da realidade. Nessa
determinada realidade não existente. (…) O agente convence o sujeito passivo de uma
manobras (e estas podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as
circunstâncias envolventes são de molde a tornar credível perante o homem médio até
• Mas na praxis dos tribunais não faltam outros enredos possíveis, capazes de desencadear,
ofendido, fazendolhe crer que eram pessoas sérias e de boa capacidade económica,
prontificandose a emitir cheques e letras, tendo com base nisso obtido a entrega do
“Comete o crime de burla o arguido que induz o ofendido em erro tendolhe referido que
mediante a entrega de uma quantia monetária podia falar com o examinador para que
“Comete o crime de burla o arguido que faz publicar um anúncio num jornal para venda de
um terreno, dizendo que este era óptimo para construção, disso convencendo o
ofendido, que lho comprou, quando bem sabia que a construção era ali proibida”
“O ofendido entregou ao arguido a quantia de quatro mil contos, sabendo que este, na altura,
10% sobre a quantia depositada. O engano utilizado pelo réu, para se apropriar de bens
do ofendido, consistiu precisamente no facto de lhe prometer pagar juros de 10 por cento
ao mês, sabendo de antemão que tal lhe era impossível, estando numa situação
económica difícil e tendo vendido muitos dos seus bens de raiz” (acórdão do STJ, de 19
Em Espanha, um indivíduo conseguiu 200 mil pesetas de uma mulher para adquirir uma
A, com a afirmação de que as notas emitidas no tempo do ditador Franco tinha sido
substituídas, conseguiu que B que lhe entregasse todas as que tinha “para serem
substituídas por dinheiro novo”. Foi igualmente condenado por estafa. (TS 24.3.1981).
manobras, que podem ser as mais variadas, desde a simples mentira que as
a vítima a uma falsa representação da realidade. Mas não será necessário que o
bastem para viciar a vontade da vítima. Tanto pode consistir em afirmações de factos
• d) Não ficará mal que se insista: a burla pode concretizarse numa qualquer "maquinação",
enganar, as formas são as mais diversas: palavras, gestos (aprovação com sinal de
cabeça), mímica (mostrando entusiasmo por algo sem valor), sinais (etiquetar como
sendo de uísque uma garrafa de chá) ou qualquer outra acção com valor declarativo
(mala só aparentemente cheia de notas de Banco), etc. (Cf. Eser, p. 112). Podese
pode faltar em qualquer caso concreto é a urdidura típica conferida por um processo
astucioso.
por forma expressa ou tácita, não surpreendendo a ideia de que manter silêncio é em
consciência, não obstante a via mediata ou oblíqua por que se exterioriza a vontade,
alguém convida outra pessoa para a sua mesa “aceita” pagar a despesa; quem entrega
um cheque para pagar algo que leva consigo “declara” que o título tem cobertura
acordo com os usos da vida, as convenções sociais, chegar a uma tal conclusão.
que se auto abastece e foge sem pagar integra o crime de burla (ou antes o de furto) e se
• O carácter típico do silêncio pode portanto associarse a uma forma concludente, activa,
caso do vendedor de carros usados que omite a informação sobre defeitos graves da
viatura também já foi tratado nos nossos tribunais, tendo o Supremo decidido que
aquele que atribui ao veículo qualidades que este não tem e que ele bem sabia não ter,
ao mesmo tempo que oculta defeitos graves que conhecia e não revelou, sendo que
sem tais falsidades e sem as omissões cometidas não teria obtido a adesão do
Gonçalves, anotação ao artigo 313º). No caso dos usados restará o argumento adicional
de que se um comerciante vende uma viatura que aparentemente não tem defeito grave
(acção) e omite que o carro tinha sido afectado gravemente num acidente (omissão) bem
pode tratarse de valoração, não de conhecimento. Ora, o que constitui erro é a falsa
representação de factos: a falsa avaliação de factos não determina um erro. Mas também
se diz (cf. Muñoz Conde, p. 278) que ocultar vícios da coisa ou os ónus que pesam sobre
ela simplesmente porque o comprador nada pergunta ou tem como bom o estado da
coisa não deixa de ser equivalente à negação quando efectivamente se pergunta. Cf., por
• As normas penais que sancionam uma acção exigem simplesmente que se permaneça
solidariedade e com ele a realização da acção devida ou esperada, pelo que a sua
remeteu para a parte geral do Código Penal (artigo 10º). A equiparação da omissão à
acção fazse de forma restritiva e só ocorre nos casos em que sobre o omitente "recaia
um dever jurídico que pessoalmente o obrigue a evitar o resultado" (artigo 10º, nº 2).
Deste modo, a burla só pode ser cometida através do silêncio autêntico se pudermos
admita a burla por omissão, se houver um dever de informação por parte do agente,
mas com carácter excepcional. Com efeito, na burla, o dever jurídico de emitir uma
para que se possa qualificar o silêncio como típico (cf. V. Krey, p. 157).
• (Omissis)
• Em jeito de balanço, temos assim quem admita a burla por omissão, mas com carácter
com o sentido concludente que já apontámos (cf., para o direito austríaco, a exposição
• Omissis.
Na jurisprudência não falta quem afirme a burla nas hipóteses em que “o agente, perante o
erro já existente, causa a sua persistência, prolongandoo, ao impedir, com a sua conduta
1982 não contemplava a burla por omissão (pelo simples aproveitamento das
CJ, ano IV (1996), tomo 1, p. 209: "apenas são punidos os casos em que o erro ou engano
2. O erro ou engano
• Omissis.
burla? Requerendose uma certa magnitude objectiva (Bajo Fernández), não haverá
da parte dessa gente uma actividade que baste para enganar — seriam condutas
atípicas. Por idênticas contas, também não haverá burla quando alguém solicita um
por 1200 pesetas”. Aliás, sempre se poderia acrescentar que o erro não é produto da
liberalidade, também não existe burla: videntes, falsos adivinhos, etc., não enganam
ninguém mas obtêm proveitos deste modo (Muñoz Conde, p. 278; Puig Peña, p. 351).
• Cabem aqui igualmente os enganos em que caem pessoas especialmente indefesas, como
nesta situação a entregar uma coisa constitui furto, segundo uma parte da doutrina.
O engano, dizse, não é meio idóneo para influenciar uma vontade inexistente no
âmbito jurídico, sem que esta conclusão implique a impunidade da conduta. O caso
A situação jurisprudencial que de algo modo paira nesta região é a do acórdão da Relação de
da sua mão, obter diversas assinaturas deste em cheque cujo valor posteriormente
levanta e utiliza em proveito próprio comete o crime de furto e não o de extorsão. Cf.,
241.
• Há quem pretenda recusar a tutela do direito a quem não actuou com a perspicácia e a
diligência de que era capaz. Ao actuar negligentemente: sibi imputet. Outros preferem
• Mas há razões muito válidas para impugnar esta doutrina: é inadmissível pretender
contradição com a experiência, pois até um bom pai de família pode de vez em
quando deixar enfraquecer a sua proverbial diligência, e neste caso não seria
admissível pôr à frente dos seus interesses outros interesses menos dignos; por fim,
considerese que a punibilidade da burla radica no seu conteúdo ilícito, de modo que
por não ter sido suficientemente diligente ao cuidar dos seus interesses.
• A burla do mendigo é um tema debatido na doutrina alemã que alguns autores introduzem
e só quer livrarse deste o mais depressa possível, o facto deverá ficar impune,
fictícias ou exageradas.
do Código Zanardelli (de 1889), em cujo artigo 413 se exigia a idoneidade genérica da
raggiri. Deste modo, sustentam alguns autores, por ex., Antolisei, que tendo sido
alheia, que figurava no código precedente, não se requer uma particular idoneidade
do próprio meio. Basta que em concreto o meio usado tenha ocasionado engano.
• Todavia, há quem, mesmo perante a supressão dessa passagem da lei italiana, continue a
poder aparecer como adequada para atingir o resultado que o sujeito activo se propõe
realizar. Para os compiladores do código, a supressão não deixa de ser coerente com
mesmo a concluir que qualquer indagação acerca da idoneidade dos artifizi e dos
estabelecer uma idoneidade abstracta dos artifizi ou dos raggiri, mas para
ou a sua ingenuidade, não podem constituir desculpa para o agente (assim o acórdão
se o meio era suficiente para enganar ou fazer cair em erro o homem médio suposto
pela ordem jurídica, uma vez que uma eventual culpa da vítima não pode constituir
Também a Cassazione italiana decidiu que, em matéria de truffa, uma vez acertado o nexo de
da vítima não chega para ilidir a existência do crime. (Cass. 1511990, p. 297).
• c) Quase seria desnecessário insistir em que a conduta enganosa deverá anteceder o erro —
ou motivadoras do erro em que a vítima caiu. É neste quadrante que convirá rever
aspectos das implicações penais de certas atitudes omissivas, sabendose que alguns
por não aparecer vertida na redacção definitiva. Pode certamente falarse de casos de
erro preexistente noutra pessoa, mas dificilmente se justificará que esse erro seja
causado ou induzido por um nada fazer ou por um continuar calado — como quando
embora se aguardasse dele outro procedimento. Há, no entanto, alguns autores (por
ex., CondePumpido) que apontam uma concausa para o erro quando a conduta do
sujeito passivo está numa posição em que é de confiar que o agente desfaça qualquer
equívoco sobre o tema — quem, no acto da compra, exprime a sua equivocada crença
de que o objecto que lhe interessa é de prata, ou que as pedras que o adornam são
autênticas, tem o direito a confiar em que, se assim não for, o comerciante vendedor
lho esclareça. E conclui. “Estamos de novo no terreno das omissões e das acções
passivo”. Mas esta é uma conclusão muito discutível e em todo o caso de dimensão e
alcance reduzidos.
ficam de fora os autênticos juízos de valor, o engano é a respeito de factos, que são
efeito, na burla, objecto do erro ou engano podem ser apenas factos, sejam eles
externos ou internos: o agente comete o crime "[...] por meio de erro ou engano sobre
sobre o que vai acontecer no futuro, por ex., que o preço de umas acções na Bolsa vai
emprestado (em tais casos, facto será o convencimento actual de quem compra a
que vai fazer com que suas acções subam em flecha, engana a respeito de um facto.
Facto é, por ex., “o conjunto das características de uma máquina, bem como o modo
por que ela é fabricada, o conteúdo duma conversa da véspera ou a ideia que alguém
hoje faz de algo determinado” (Blei, p. 221), o preço ou a data de fabrico de uma
mercadoria. A razão da burla não é o facto enquanto tal mas a afirmação do facto
(suposto). Esta afirmação é descrita na norma alemã como a referência a “factos falsos
• Tratandose de ignorantia facti, não chega mesmo a desenharse uma falsa representação da
de erro e ignorância. Alguns autores negam que sejam equivalentes, afirmando que a
(Valle Muñiz). Ora, a ignorância carecerá de eficácia para motivar a vontade, por
veio obviar a algumas destas dificuldades, punindo, em certas condições, quem, com
intenção de não pagar, entrar em qualquer recinto público sabendo que tal supõe o
penal a título de burla. Se o indivíduo conscientemente entra sem pagar bilhete numa
presença, não haveria burla da sua parte, por se não verificar qualquer hipótese de
erro. Noutro ex., o revisor do comboio não terá sido induzido em erro, quando um
passageiro inicia viagem sem se ter munido previamente de bilhete e o revisor pensa
que tudo está em ordem. Mas há autores que aderem a uma compreensão ampla do
erro, em termos de abranger os casos de simples ignorância, de forma que o erro será
então qualquer falsa visão — tanto a falsa visão positiva como a ignorância da
realidade.
3. A disposição patrimonial.
executivo — a lei limitase à expressão "determinar outrem à prática de actos que lhe
jurídico tutelado, será produto de uma actuação do próprio sujeito induzido em erro.
É aqui que reside o que de essencial tem esta matéria: a conduta do sujeito passivo,
consequência do erro — de forma que “o erro deverá ser analisado como motor do
sujeito passivo uma vontade de disposição, sendo indiferente que tal vontade se
Para negar a burla, apontase o exemplo do médico que alta noite é chamado à residência
ausência provocada para lhe pilharem a casa. Na hipótese, não houve qualquer
disposição patrimonial do médico, não obstante a tramóia em que caiu: os ladrões é que
consegue que F lhe entregue alguns bens, alegadamente “penhorados”, dirseá que
"só" restava entregar os bens. Terá havido furto, ainda que a solução seja discutível. A
que com a vontade viciada. Decisiva é aqui a margem de liberdade de que a vítima
(Stratenwerth, p. 315).
se vê, de outros ilícitos vizinhos, por ex., do abuso de confiança. Desde logo: no abuso
entrega obedece aos seus próprios interesses, como reflexo de uma relação contratual
apropriação ilegítima — falta, por isso, o engano prévio que é essencial na burla.
que ainda assim, subtrai uma coisa ao seu legítimo dono. Mas o nervo distintivo
conduta e o resultado não deverá mediar uma actividade do agente que se possa
prejuízo patrimonial tem lugar directamente, sem outra actuação delituosa do burlão
(cf. Wessels, p. 143). No furto, o dano do lesado ocorre a arbítrio do ataque do ladrão
interior da habitação aproveita para fazer mão baixa de alguns objectos, do que se
trata é de furto, não obstante o erro em que foi induzido quem lhe facultou a entrada.
podem envolverse três e até quatro. O burlão é sempre uma pessoa física
determinada, sendo errado afirmar que alguém foi “burlado” por um Banco ou por
uma companhia de seguros. Por outro lado, não se duvida hoje da burla a favor de
patrimonial tem que ser feita pelo enganado (sem o que faltaria a necessária relação
causal) mas pode prejudicar o património de terceiro, quiçá uma pessoa colectiva
alguém muda a etiqueta com o preço de um artigo exposto para venda, será caso de
um cúmplice com qualquer truque desvia a atenção do vendedor para outro subtrair
a coisa exposta para venda, haverá furto. E se numa joalharia alguém leva a jóia
• d) O que se exige é uma especial relação entre quem prejudica outrem com um acto de
falência não levantam especiais problemas, movemse num espaço onde as relações
são de natureza jurídica. A disposição não tem, porém, que se identificar com um
negócio jurídico (Wessels, p. 125; Bajo Fernández, p. 283), pois não se exige na burla
que o disponente tenha a faculdade jurídica de dispor. Essas relações podem ser
apenas fácticas. Se uma empregada doméstica entrega uma coisa valiosa a quem diz
sem que seja necessário que a transferência ocorra conforme o modelo do negócio
problemas.
Exs.: i) A sublocou um dos quartos da sua casa a B. Durante uma ausência de B, A entrega a
chave do carro deste a C, que falsamente se lhe apresenta como vindo a mando do
outrem. E se iv) alguém, dizendose falsamente dono de umas toneladas de lenha que se
• O tratamento destes casos é discutível (cf. Haft, p. 211). Podemos partir da ideia de que só
estava "na posição" do dono do carro, de acordo com a chamada teoria da esfera da
como furto, por corresponder a uma “usurpação unilateral”, i. e., a uma subtracção,
numa estação dos caminhos de ferro alguém convence com ardis o bagageiro a
representava, ou se isso, de qualquer forma, lhe era indiferente, parece que terá sido
que acontecera, mas ainda assim há burla. Quando alguém assina sem ler um
documento de assunção de dívida, cujo carácter nem sequer conhece, por lhe ter sido
apresentado como uma petição para melhoria das condições prisionais, procede
correspondente prejuízo. Para que se possa afirmar a burla em casos com esses, basta,
no entanto, quanto a nós, que o sujeito esteja consciente da realidade material do seu
e) Omissis.
casos em que a parte num processo, com a sua conduta enganosa, realizada com
ânimo de lucro, induz o juiz em erro e este, em consequência do erro, dita uma
sentença injusta que causa um prejuízo à parte contrária ou a terceiro (cf. José Cerezo
dados ou meios de prova falsos para conseguir uma decisão desfavorável à outra
juiz), o prejudicado é outra pessoa, por exemplo, o fisco. Na maior parte das vezes, os
Muñoz Conde (p. 280) admite que o tribunal é utilizado em certos casos como um instrumento
procesal” haverá factos que ficariam impunes, como quando se trata de cobrar dívidas já
princípio de boa fé processual que se impõe às partes, mas devem estar presentes todos
jurisprudência entende que não comete o crime de burla aquele que induz o juiz em erro
e consegue por isso uma decisão prejudicial à parte que se lhe opõe (RO 78 84 JT 1952 85,
contêm sanções adequadas, e cujo enquadramento criminal foi recusado pelos acs. do
fundamentos” (Maia Gonçalves, p. 732). A actividade judicial não pode ser considerada
meio idóneo para o cometimento do crime de burla (ac. do STJ de 6 de Outubro de 1960,
BMJ100449).
4. O prejuízo.
Omissis
social”, rectius aos “bons costumes”. Tratase, porém, no entender do mesmo Autor,
“de uma consequência inadmissível” em face da ideia (subjacente ao próprio art. 18º,
• Omissis.
mediante a paga de 50 contos que A, satisfeito, lhe entrega. C porém gasta o dinheiro
feita por erro, já que o A fica 50 contos mais pobre, sem ver satisfeita a
contraprestação equivalente. A conversa entre ambos incidiu num negócio ilícito, cuja
ofensor não recebeu carta branca do enganado para se enriquecer à sua custa. Além
criminoso, mas numa disposição patrimonial determinada por um erro. Numa tal
• Uma das áreas afectadas por estes negócios ilícitos tem a ver com os estupefacientes.
se em troca do pagamento da soma convencionada lhe for entregue uma mala com
papéis.
O Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 212, entendeu que
pratica o crime de burla aquele que promete vender notas falsas ao ofendido,
assim obtendo deste determinada quantia em dinheiro, mas não lhas entrega,
social ou dos bons costumes. Todavia, não constituindo a prostituição, enquanto tal,
uma actividade criminosa, o incumprimento por uma das “partes”, por ex., o cliente,
pode integrar a fattispecie da burla (cf., neste sentido, A. M. Almeida Costa, p. 289, e
Sousa Brito)
• Falase por vezes, e ainda a propósito, em burla sobre negócio com causa ilícita,
acrescentandose o exemplo da cobrança por um aborto ilegal que acabou por se não
realizar por não se encontrar grávida a mulher. Explica Pérez Manzano que a
valoração penal do facto como burla, por realizar um engano e produzir um prejuízo,
O Supremo Tribunal espanhol condenou por burla um médico que aceitou praticar um aborto
mas, estando a mulher já anestesiada, descobriu que o aborto era afinal desnecessário
por não haver gravidez. Mesmo assim, o médico cobrou o preço, fingindo ter levado a
cabo o acto abortivo ilegal. É uma posição que no país vizinho tem os seus adeptos
• Não falta quem sustente que igualmente há burla no caso do burlão burlado, parente
coisas que alguém possui ilicitamente (apesar de as ter obtido pela prática de um
segundo lugar porque a sua detenção está juridicamente protegida, no sentido de que
seu possuidor não pode ser privado delas a não ser por meios lícitos (cf., por ex.,
Valle Muñiz, p. 228). Outros autores, contudo, não aceitam que estes casos se
adaptem ao conceito de burla, uma vez que a coisa ou o valor detidos não contam
dentro dos quadros da burla, procedendo à análise do sentido que reveste a detenção
deslocar à terra distante para assistir ao funeral da mãe, que já morrera há anos, e
aproveita para passar umas férias na praia, a generosa ajuda financeira do patrão, “a
fundo perdido”, não representa qualquer prejuízo para o património deste. Falase
dados falsos, consegue, por ex., o acesso a uma casa fornecida pelos serviços sociais
ilegítimo.
• Se o agente está convencido do seu direito à prestação, o dolo fica excluído. Outra questão
é a de saber qual o momento relevante para a sua verificação, se ele deve ser
agente não tem direito a ela de acordo com o direito material. Se alguém engana
outrem para obter o pagamento de uma soma que lhe é devida por este não há burla.
restrição que no caso português foi introduzida na Comissão Revisora (Actas, acta da
9ª sessão).
enriquecimento que não tem apoio em qualquer direito ou interesse protegido por lei ou
ilegítimo há que atender ao conceito civilístico de enriquecimento sem causa que tem
Coimbra de 28 de Novembro de 1987, CJ. XII, tomo 5, p. 67). Deve considerarse como
terceiro (o agente, usando do conto do vigário, obtém a entrega de dinheiro por parte
leva outrem a satisfazer uma dívida sua, persuadindoo que lhe pertencia fazêla);
mediante a poupança de despesas, que são satisfeitas pelo lesado (o agente, devedor
V. Consumação. Tentativa.
de Julho de 1984, CJ, 1984IV, p. 150, entendeu que constitui a prática de um crime de
solidária feita por um dos seus cotitulares quando se demonstre que a inclusão do seu
todo o dinheiro que a mesma tinha depositado em duas contas a prazo num banco para
1982 como constituindo duas infracções: o crime de burla do art. 313º e o crime de
falsificação do artigo 228º, n.° 2. E porque não existe em tais crimes a relação de
agentes a participação em um novo concurso real de crimes tal como é definido e punido
nos artigos 30º e 78º do C. Penal de 1982 (acórdão do STJ de 24 de Março de 1983, Simas
Além do crime de falsificação do artigo 228º, n.° 1, al. a), e de um crime continuado de
falsificação do artigo 228º, nºs 1, al. a), e 2, comete um crime continuado de burla dos
artigos 313º, nº 1, e 314º, al. c), todos do Código Penal de 1982 quem: a) Se apropria, em
esses traveller'scheques, que sabia não lhe pertencerem e a fim de esconder a sua
verdadeira identidade, coloca no cartão uma fotografia sua; c) Apõe uma assinatura
sabendo que as descritas condutas não eram permitidas por lei; pois sabia que não podia
as assinaturas nos ditos traveller'scheques, sabia que iria pôr em causa a credibilidade
das pessoas em geral na genuinidade e na exactidão merecidas por tais documentos, não
se coibindo, não obstante, de o fazer; e) Agindo ainda com a intenção de obter uma
traveller'scheques que utilizou e também na facilidade com que em toda a parte lhos
aceitaram, sem as exigências, que seriam previsíveis, de melhor identificação da que era
pessoa; h) Não sendo de duvidar que tais circunstâncias, a que se juntou a pressão das
dificuldades económicas por que então passava, foram exteriores ao agente e facilitaram
a este repetição dos primeiros actos que cometeu e, portanto, lhe diminuíram a culpa
BMJ363279). * O arguido que coloque o seu nome no verso de um vale postal como seu
verdadeiro titular se tratasse e que logre obter o seu levantamento, comete um crime de
A doutrina do acórdão que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória “No caso de a conduta
documento falso (ac. do STJ, de 2/4/92, proc. n.° 42553, Simas SantosLeal Henriques, p.
468).
Para que o crime de burla possa ser agravado por a pessoa prejudicada ficar em difícil
situação económica, é necessário que o arguido haja previsto que o lesado fique nessa situação
e que, mesmo assim, agisse com intenção de o conseguir, aceitasse tal situação como
consequência necessária da sua conduta ou que a admitisse como possível e com ela se
A habitualidade a que se refere o artigo 314º, alínea a), do Código Penal de 1982, supõe a
prática reiterada de infracções da mesma natureza. Não se exige a condenação por essas
práticas criminosas, sendo suficiente a prova de que o agente se dedica à prática de uma
Entendese que determinado agente se entrega habitualmente à burla, quando o mesmo pratica
reiteradamente esse crime, revelando que já o faz por hábito, ou seja, por inclinação ou
propensão adquirida e estável que lhe facilita a sua realização. Não tem para tanto que ser
burlão profissional, nem tem de ganhar a vida dessa forma; basta que a prática frequente da
burla se tenha tornado uma das características principais do seu próprio modo de vida. A
habitualidade é susceptível de ser provada por qualquer meio legalmente admissível (ac. do
Para que se verifique a agravante da al. b) do n.º 2 do art.º 218, do CP/95, o que importa
é que o complexo das infracções revele um sistema de vida, como é o caso do burlão que
vive, sem trabalhar, dos proventos dos seus delitos de burla. Daí que, fazer da burla
devendo ser tomadas em conta não só as anteriores condenações do agente mas também
Pratica o crime de burla agravada a arguida que, através de estratagema por si montado,
obteve 19 contos da ofendida, a qual ficou em precária situação económica, pois tinha
como única fonte de rendimento a pensão mensal de 15 contos. Tendo a arguida, de 1977
até à actualidade, respondido e sido condenada pelo menos 26 vezes por crime de burla,
“Fazer da burla “modo de vida” é a entrega habitual à burla, que se basta com a pluri
pouco importa que as penas tenham sido de prisão ou de multa, suspensas ou não
Pratica um crime continuado de burla agravada o funcionário de Finanças que, não residindo
no local onde trabalha, consegue factura falsa de uma pensão atestando a sua residência ali,
recebendo, assim, subsídio de residência a que, de outro modo, não teria direito (acórdão da
Comete um crime de burla agravada dos artigos 313º e 314º, al. c), do CP de 82, o
arguido que, convence a queixosa, sua tia, a transferir todo o seu dinheiro (4.509.050$00)
que tinha depositado, em duas contas a prazo no banco F..., para o balcão do Banco Z...,
Internet).
do artigo 218º do Código Penal revisto não são coincidentes. O "modo de vida" pressupõe a
habitualidade mas exige ainda que o agente viva da actividade delituosa, faça dela fonte de
É necessário que haja uma prática reiterada da conduta encarada numa perspectiva
essa conduta ter sido ou não objecto de sucessivas condenações transitadas em julgado.
Comete esse crime aquele que há cerca de dois anos vem praticando burlas e outros actos
idênticos, que não tem emprego certo, apenas fazendo biscates como montadorreparador, e
que agia para fazer face ao consumo de estupefacientes, em que é viciado há oito anos. (ac. do
ao acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 1996, BMJ454368. Cf., ainda, Beleza dos Santos,
O fim da prevenção especial das sanções criminais valor e limites, BMJ73, esp. p. 16. E
habituais, vadios e equiparados, RLJ, anos 70 a 73. J. Seabra Magalhães e F. Correia das
Neves, Lições de Direito Criminal, segundo as preleções do Prof. Doutor Beleza dos
Acórdão do STJ de 14 de Outubro de 1998, CJ ano VI (1998), tomo III, p. 193 (para a
qualificação da burla, por o agente fazer da burla modo de vida, não é necessária a
vida, como é o caso do burlão que vive sem trabalhar dos proventos dos seus delitos de
burla. Fazer da burla modo de vida é a entrega habitual à burla, que se basta com a
Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 1995, BMJ, 444178: A definição de crime continuado do artigo
praticados crimes de burla agravada. Também não sofre discussão que o tipo de crime protege
Penal. Pode admitirse que o modo de execução dos crimes teve lugar por forma
essencialmente homogénea, embora com algumas particularidades em cada caso. Mas já são
fundadas as dúvidas quanto ao derradeiro elemento da definição, ou seja, que os crimes foram
praticados ”no quadro de uma mesma situação exterior que diminuía consideravelmente a
culpa do agente”. Tanto a doutrina como a jurisprudência têm salientado a exigência de uma
censurabilidade do agente. Igualmente se tem ponderado que não constitui crime continuado a
realização plúrima do mesmo tipo de crime se não foram as circunstâncias exteriores que
levaram o agente a um repetido sucumbir, mas sim o desígnio inicialmente formado de,
forma de comissão pressupõe uma certa conexão temporal e espacial, sendo, além disso,
decisiva a homogeneidade do dolo (unidade do injusto pessoal da acção), logo advertindo que
a jurisprudência exige um genuíno dolo global que deve abarcar o resultado total do facto nos
seus traços essenciais conforme o lugar, o tempo, a pessoa lesada e a forma de comissão, no
querido unitariamente, o mais tardar durante o último acto parcial. O autor refere que a
o qual se apresenta como um fracasso psíquico e sempre homogéneo do autor numa mesma
situação fáctica; e que alguns defendem também uma teoria puramente objectiva da
mesma oportunidade. E logo a seguir cita alguns exemplos, de que destacaremos dois,
particularmente expressivos pela aproximação relativa ao caso concreto em exame: para reunir
várias burlas num delito continuado é necessário que o dolo se dirija de antemão à totalidade
dos — diferentes — danos patrimoniais; não basta a resolução tomada com carácter geral no
sentido de cometer quantas burlas de uma determinada classe resultam possíveis; há dolo
unicamente se propôs realizar numerosos furtos de bicicletas cuja execução segundo , tempo e
primeiro era empregado há cerca de 10 anos, podendo, pois, aceitarse ter havido unidade de
resolução, já o mesmo não aconteceu com a exigível proximidade temporal entre as concretas
condutas em que se traduziu a execução daquele propósito e ainda com o requisito legal da
mesma situação exterior, a constituir solicitação para a prática continuada dos crimes, em
tem uma carga normativa que não pode ignorarse) a sua culpa. Quanto à proximidade
temporal, é mister atentar em que a primeira burla foi praticada em 8 de Setembro de 1992, a
vê bem onde estão as circunstâncias exógenas facilitadoras da execução dos sucessivos actos
Realmente, a execução do projecto criminoso processase em locais diversos, nem sempre com
os mesmos agentes nem com o concurso (involuntário) dos mesmos empregados das empresas
proprietárias dos valores, de que se propunham apoderarse. (...) A evidente diferenciação dos
locais dos crimes, das pessoas que neles se encontravam e a quem os executores materiais
tinham de dirigirse para obter a entrega dos sacos que continham os valores contrariam a
ideia de que se operou num quadro de “solicitação” que dispensaria uma revisão ou
reformulação do projecto inicial. Se é certo que o modo de execução apresenta semelhanças nos
três crimes de burla, não significa ou revela a existência de uma identidade perfeita das
diversas situações exteriores oferecidas aos agentes, de tal ordem que facilitasse a repetição dos
actos ilícitos, após o primeiro ter sido um sucesso. Quer isto dizer que, se o modo de execução
se revelou eficaz na comissão do primeiro crime, já não pode entenderse que aí residiu o
impulso que levou os agentes a dispensarem uma avaliação das condições de sucesso nos
restantes, sem necessidade de repetirem o processo volitivo. Daí não poder concluirse que o
segundo e terceiro crimes foram como que um “arrastamento” amolecedor do desígnio inicial e
X. Indicações de leitura.
31. Crime de concussão — artigo 379º, nº 1, do Código Penal: cometeo o funcionário que, no
exercício das suas funções ou de poderes de facto delas decorrentes, por si ou por
interposta pessoa com o seu consentimento ou participação receber, para si, para o Estado
33. Acórdão do STJ de 6 de Janeiro de 1993: abuso de confiança, burla, infidelidade ou furto?
Comete algum ilícito penal o cotitular de uma conta bancária (no caso o cotitular de
diversas contas bancárias a prazo), não proprietário das respectivas importâncias, que, sem
proveito próprio?
34. Acórdão do STJ de 23 de Maio de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 212: noção de património,
Prejuízo patrimonial que mereça a tutela do direito. Promessa de venda de notas falsas.
Fraude bilateral.
elevado.
36. Acórdão do STJ de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 222: burla informática.
por omissão.
38. Acórdão do STJ de 21 de Maio de 1998, processo n.º 179/98: para que o crime de burla se
verifique, é necessário que o agente, com intenção de obter para si ou para terceiro um
desse engano, que esse outrem pratique factos que lhe causem, ou causem a mais alguém,
integradoras ou inculcadoras da indução em erro ou engano (que não têm de radicar num
comportamento activo do agente, podendo ser passivo), pois que só da concretização dessa
práticas e das suas cambiantes envolventes, é possível exprimir um juízo seguro sobre a
39. Acórdão do STJ de 3 de Maio de 1961, BMJ107363: em 1949, o réu dolosamente levou o
credor à convicção de que era suficiente garantia para o empréstimo de 115 contos um
terreno que não tinha valor superior a 8 contos, mostrandolhe toda uma sua propriedade,
de que aquele terreno era somente uma pequena fracção, como sendo o que daria em
hipoteca. Foi dito ao credor que o terreno tinha o valor de 300 contos e que não existia
qualquer hipoteca já constituída, quando o réu sabia que existia uma anterior, que recaía
como um terreno para construção urbana. O Supremo entendeu que o réu, tendo induzido
40. Acórdão da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo III, p.
158: pratica o crime de burla o arguido que tenha estacionado a viatura que conduzia num
de duração limitada, colocando no seu interior um ticket no qual colou parte de um ticket
do dia anterior, no qual constava uma indicação horária superior à do bilhete utilizado.
42. Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, PE, ed. da AAFDL, 1979.
Derecho Penal y Ciencias Penales, tomo XLVI, fasc. 1, Madrid, Jan.Abril (1993).
47. Alfredo José de Sousa, Infracções fiscais (não aduaneiras), 3ª ed., Coimbra, 1997.
48. Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal, Parte especial, delitos patrimoniales y
económicos, 1993.
49. Bajo Fernández, A reforma dos delitos patrimoniais e económicos, RPCC 3 (1993), p. 499.
50. Beleza dos Santos, A “burla” prevista no artigo 451º do Código Penal e a “fraude” punida
pelo artigo 456º do mesmo Código, RLJ, ano 76º (19431944), p. 273, 289, 305 e 321.
52. Carlos Alegre, Crimes contra o património, Revista do Ministério Público, 3º caderno.
RPCC, 3 (1993).
56. Eduardo Correia, Responderá o ladrão que vende a coisa furtada simultaneamente pelos
60. Fernanda Palma e Rui Pereira, O crime de burla no Código Penal de 198295, Revista da
62. Gabriela Páris Fernandes, O crime de distribuição ilícita de bens da sociedade, Direito e
63. Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e
68. J. Figueiredo Dias/M. Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo direito penal
69. J. Sousa e Brito, A burla do art. 451º do Código Penal Tentativa de sistematização, Sc. Iur.,
71. Jean Cosson, Les grands escrocs en affaires, Éd. du Seuil, Paris, 1978.
72. Jean Cosson, Les industriels de la fraude fiscale, Éd. du Seuil, Paris, 1971.
73. Jorge Dias Duarte, Pode o Estado ser vítima do crime de burla?, Maia Jurídica, Revista de
75. José Manuel Valle Muñiz, El delito de estafa, Delimitación jurídicopenal con el fraude
76. Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, II, 3ª ed., 1993.
77. Le Monde diplomatique, nº 517, Abril de 1997, "Les beaux jours de la corruption à la
française".
78. LealHenriques Simas Santos, O Código Penal de 1982, vol. 4, Lisboa, 1987.
80. Luigio Delpino, Diritto Penale. Parte Speciale. 10ª ed., Simone, 1998.
81. Luis Osório, Notas ao Código Penal Português, vol. 4º, 1925.
82. M. Almeida Costa. Comentário ao artigo 217º. Conimbricense. Código Penal. Parte
83. M. Cavaleiro de Ferreira, Burla e fraude na venda, parecer, ROA, ano 9º (1949), p. 71.
85. M. J. Almeida Costa, Intervenções fulcrais da boa fé nos ocntratos, Revista de Legislação e
87. Mercedes Pérez Manzano, in Bajo Fernández et al., Manual de Derecho Penal (Parte
89. Paulo Dá Mesquita, A tutela penal das deduções e reembolsos indevidos de imposto.
Contributo para um leitura da protecção dos interesses financeiros do Estado pelos tipos
90. Pedro Caeiro, Sobre a natureza dos crimes falenciais (o património, a falência, a sua
91. Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal applicada ao Código Penal Portuguez, vol. VIII,
1857.
92. T.S.Vives, Delitos contra la propiedad, in Cobo/Vives, Derecho Penal, PE, 3ª ed., 1990.
94. Volker Krey, Strafrecht, B. T., Band 2, Vermögensdelikte, 10ª ed., 1995.
CASO nº 23: A e B são velhos amigos do tempo da "tropa", mas não se vêem vai para
20 anos. B vem ao Porto e encontra o amigo no final de uma animada partida de futebol. O
facto de cada um "torcer" pelo seu "clube" não impede que A convide o amigo para passar a
noite em sua casa e partir no dia seguinte para Lisboa. Entretanto, animados, aproveitam para
jantar juntos e beber uns copos. Até que, finalmente, por volta das duas da manhã, apanham
um táxi para casa. Chegados, A, por gentileza, dá a dianteira ao amigo que na fraca claridade
do "hall" de entrada se vê violentamente agredido com a única "arma" que havia em casa: o
rolo da massa. Como é seu timbre, B reage de imediato à ofensa e, para evitar "levar" mais,
como tudo indicava, assesta um vigoroso murro no agressor vindo do escuro, que logo cai no
chão, desamparado. Era, porém, uma agressora, a mulher de A, que já não se opunha às
contínuas escapadelas nocturnas do marido, mas que, estando sozinha em casa e temendo ser
assaltada, se munira do que tinha à mão, intentando defenderse do que supunha ser um
assaltante.
Punibilidade da mulher?
Norma proibitiva, norma permissiva. Causas de justificação, causas de
desculpação. Unidade da ordem jurídica. Vamos supor que, no desenrolar do nosso
trabalho, concluímos que uma acção realiza as características típicas de um tipo legal, que
preenche, por ex., o desenho típico do artigo 143º, nº 1, do Código Penal (ofensa à
integridade física simples), o que significa que o seu autor, actuando dolosamente, ofendeu
outrem corporalmente, a soco, a pontapé, à paulada, etc. A conduta afigurasenos ilícita,
mas essa qualificação será forçosamente provisória se o sujeito actuou numa situação
específica. Se o fez, por ex., em legítima defesa, a conduta, apesar de formalmente típica, é
aprovada pela ordem jurídica, devendo ser tolerada pelo afectado (artigos 31º, nºs 1 e 2, a), e
32º). Num caso como este entram em colisão uma norma de proibição e uma norma de
permissão, ficando esta em vantagem. As causas de justificação ou de exclusão da ilicitude
representam portanto decisões de conflito. Devemos distinguilas das causas de
desculpação, pois nestes casos a conduta continua a ser ilícita (antijurídica), embora o
agente não seja punido por não haver lugar à censura própria do agir culposo. Nos casos
práticos interessa portanto averiguar se uma determinada conduta é ilícita ou se está
justificada. Uma das questões envolvidas é a da unidade da ordem jurídica (artigo 31º, nº 1),
donde decorre que as causas de justificação não são apenas as que constam do Código Penal
(a legítima defesa, o direito de necessidade, etc.), mas também as que derivam de outros
ramos do direito (o estado de necessidade do direito civil, a acção directa), mesmo quando
não se encontram legalmente explicitadas (causas de justificação implícitas: a “adequação
social” e o "risco permitido").
jurídicos? Para responder de imediato a estas questões demos a palavra, uma vez
defesa do direito contra a agressão, ao princípio de que a ordem jurídica não quer
ceder perante a sua agressão". (Faria Costa, O perigo em direito penal, p. 393).
Mas então, como resolver o caso do dono da macieira que, para conservar
a sua maçã, mata a criança? A solidez da concepção tradicional, assente em que
a legítima defesa —qualquer que seja a proporção entre os bens do agredido e
do agressor a afectar pelo exercício da defesa— "realiza sempre o mais alto de
todos eles, que é, por força da sua essência, a defesa da ordem jurídica" (Prof.
Eduardo Correia), não deixou de ser temperada, nos casos de mais chocante
desproporção entre os interesses em causa, pelo recurso ao "abuso do direito".
A ilegalidade da agressão, considerada apenas sob o ponto de vista objectivo,
não podia deixar de ser confrontada com os casos de ataque de animais e de
crianças e inimputáveis, nem com o caso do proprietário que mata a criança que
lhe tenta furtar uma maçã (além de termos o sacrifício da vida para recuperar a
maçã, o valor desta é manifestamente "insignificante").
As grandes áreas problemáticas que contendem com a legítima defesa continuam a ser,
como melhor se verá na exposição que se segue, i) as agressões com origem em pessoas
incapazes de culpa, por ex., crianças, ou com culpa sensivelmente diminuída, por ex., em
virtude de embriaguez; ii) a legítima defesa em caso de provocação do defendente; iii) as
agressões a bens de insignificante valor ou de valor desproporcionadamente inferior ao dos
bens a sacrificar por via da defesa; iv) as agressões que ocorrem entre pessoas ligadas por
particulares relações de garantia.
Também, a partir de certa altura, se passaram a ouvir as vozes dos que
pretendiam introduzirlhe um ingrediente éticosocial, de consequências ainda
mais amplas, "que exclui a sua legitimidade, no caso de uma flagrante
desproporção entre os interesses do defendente postos em perigo pelo ataque e
os do agressor sacrificados pela necessidade da defesa" (Prof. Eduardo Correia).
Ao ponto de que, hoje, "tudo é questionado na legítima defesa" (Prof. Taipa de
Carvalho). E assim, para este Autor (A Legítima Defesa, dissertação de
doutoramento, 1995), se bem compreendemos, a agressão, para além de ilícita e
actual, deverá ser dolosa, censurável e não insignificante — e dirigida aos bens
jurídicos individuais vida, integridade física, saúde, liberdade, domicílio e
património do defendente ou de terceiro, ficando de fora da legítima defesa os
casos em que tenha havido provocação. Adiante se voltará a estes pontos de
vista. Acrescentese apenas que, numa obra igualmente recente (A justificação
por legítima defesa como problema de delimitação de direitos, 1990), a Prof. Fernanda
Palma distingue entre uma legítima defesa ilimitada e uma legítima defesa
limitada ou moderada. A legitimidade da defesa fica sujeita à igualdade da
natureza (não do valor concreto) dos bens defendidos e lesados. "Toda a
legítima defesa é regida por uma não desproporcionalidade, possibilitando a
ofensa de bens superiores, mas não qualitativamente superiores aos
assegurados, numa espécie de inversão do critério ponderativo previsto para o
agressão defesa
actual necessária
A agressão actual é a que se mostra A defesa é necessária se e na medida em
iminente, está em curso ou ainda que, por um lado, é adequada ao
agressor.
continuasse a avançar para si; a seguir, disparou, mas para o ar; e só no último instante,
estando o agressor praticamente sobre ele, é que atirou de verdade. "O segundo tiro foi
tanto mais necessário, quanto tinham sido inúteis o primeiro e a ameaça que o
precedeu".
Certo é que, para qualquer teoria que se reclame da defesa mais eficaz, o
ladrão de bancos chegou já ao estádio da agressão quando, no hall de entrada
do edifício, coloca a meia na cara para não ser reconhecido. Os partidários da
legítima defesa preventiva admitem que se atinja a tiro o voyeur que, em dias
seguidos, "espreita" uma e outra vez, e que vai a fugir, por ter sido
surpreendido, desde que haja a certeza de que se assim não for, o indiscreto
metediço voltará a fazer das suas. A aplicação da norma da legítima defesa, por
analogia, a situações desse cariz explicará igualmente que se invoquem os
critérios da legítima defesa no caso do tirano familiar, por ex., para justificar a
actuação da mulher que, apanhando a dormir o marido que permanentemente,
anos a fio, inferniza a vida de toda a família, aproveita para o abater e ter
finalmente descanso. Tratarseia daquelas situações em que a ameaça da
agressão está próxima mas não está iminente e só poderiam rotularse de
situação análoga à legítima defesa. A aceitação, por antecipação, destas situações
de legítima defesa é de rejeitar perante a nossa lei penal, mas não seria de todo
desajustado afeiçoálas ao estado de necessidade desculpante do artigo 35º.
"Fernanda Palma, depois de, adequadamente, criticar e recusar a "teoria da eficácia da
defesa", sugere que haverá uma certa analogia entre estas situações de criação de um perigo
actual de uma próxima (embora não iminente) agressão ilícita e as situações subsumíveis à
disposição jurídicocivil sobre a acção directa, prevista no Código Civil, art. 336º. É minha
convicção, todavia, que nem o teor literal, nem a função, nem a natureza dos direitos objecto de
protecção pelo art. 336º do Código Civil permitem a sua aplicação analógica às situações de
perigo actual de uma agressão (ou repetição de agressão) ilícita." Prof. Taipa de Carvalho, p.
290.
Cabe também aqui a discussão sobre o que representam certas instalações
agressivas, por ex., muros e cercas electrificados, armadilhas colocadas com
intenção de proteger vivendas isoladas contra assaltos, ou até minas explosivas,
falando alguns autores de legítima defesa antecipada. Esta, nos casos indicados, e
em outros semelhantes (no Minho, por ex., coroavamse os muros de cacos de
vidro), limitase à aparência da simultaneidade da agressão e da acção de
defesa e é rejeitada, inclusivamente, por poder atingir um não agressor, que até
produto do furto, quer dizer: até que a lesão do direito de propriedade para a
vítima não seja irreversível. Por conseguinte, a vítima poderá perseguir, in actu,
o delinquente para recuperar o subtraído — justificandose que para recuperar
os bens ou valores se utilizem os meios da legítima defesa.
No entendimento do Prof. Figueiredo Dias, Textos, p. 177, releva "o
momento até ao qual a defesa é susceptível de deter a agressão, pois só então fica
afastado o perigo de que ela possa vir a revelarse desnecessária para repelir a
agressão. Até esse último momento a agressão deve ser considerada como
actual. É à luz deste critério que devem ser resolvidos os casos que mais
dúvidas levantam neste ponto, os dos crimes contra a propriedade, nomeadamente
o do crime de furto. Ex.: A dispara e fere gravemente B, para evitar que este fuja
com as coisas que acabou de subtrair. Poderseá considerar a agressão de B
como ainda actual? A solução não deve ser prejudicada pela discussão e
posição que se tome acerca do momento da consumação do crime de furto. O
entendimento mais razoável é o de que está coberta por legítima defesa a
resposta necessária para recuperar a detenção da coisa subtraída se a reacção
tiver lugar logo após o momento da subtracção, enquanto o ladrão não tiver
logrado a posse pacífica da coisa".
O furto é (para a posição dominante) um crime instantâneo, mas os seus
efeitos são permanentes. Cf., aliás, com a situação desenhada no artigo 211º
(violência depois da subtracção) e com os casos de agressão frustrada em que o
ladrão foge de mãos a abanar porque não conseguiu apanhar o que queria. Por
outro lado, se o ladrão abandonou o que subtraiu e foge de mãos vazias, o
lesado não está autorizado a exercer a legítima defesa, que é desnecessária. De
qualquer forma, se o dono da coisa furtada não a recupera de imediato, i. e, se a
agressão perde a sua actualidade, no indicado sentido, a recuperação forçada da
presa só poderá fazerse com apoio na acção directa (artigo 336º do Código
Civil).
Discutese muito igualmente se e em que medida é que a vítima de uma
tentativa de extorsão (artigo 223º) fica em posição de se defender
legitimamente. Para negar a necessária actualidade, sustentase que a agressão à
liberdade de disposição cessa logo que a ameaça é proferida e que os perigos
para os interesses patrimoniais do visado se situam ainda no futuro, mas o
critério é muito discutível.
A agressão deverá ser ilícita. A agressão é ilícita se for objectivamente
contrária ao ordenamento jurídico — mas não se exige, como logo decorre da
letra do artigo 32º, que a conduta preencha um tipo de crime. O livreiro pode
reagir contra o estudante que pretende levar para casa um livro, só para o ler,
dos bens, existindo esta, por ex., no caso do furtum usus ou mesmo no caso do
furto da propriedade de um automóvel, mas em que o bem jurídico do agressor
a ser lesado pela necessária acção de defesa é a substancial integridade física do
ladrão ou mesmo, eventualmente, a sua vida. Agressão insignificante não é o
equivalente de crassa desproporção. (Prof. Taipa de Carvalho, p. 487). Para o
mesmo autor, não sendo a agressão dolosa e culposa intervirá, como também já
se acentuou, um direito de necessidade defensivo: o interesse lesado pelo
defendente não será então muito superior ao interesse defendido. As agressões
de crianças, doentes mentais notórios e de pessoas manifestamente
embriagadas terão assim um tratamento particularizado. Nos casos em que o
agente pretende criar uma situação de legítima defesa para, impunemente,
atingir o agressor, há quem entenda que, para lá da falta de vontade de defesa,
não se verifica a própria necessidade de defesa — o direito entraria em
contradição consigo mesmo se permitisse tais acções defensivas. Poderia
sempre invocarse o abuso do direito. Se a provocação não é intencional, mas
apenas negligente, devese evitar a legítima defesa agressiva. Mas do conceito
de necessidade resulta, por último, que não está em causa uma
proporcionalidade dos bens jurídicos — tanto a propriedade como o domicílio
podem ser defendidos com os meios necessários para repelir a agressão, ainda
que, nas concretas circunstâncias, o defendente deva servirse, unicamente, do
meio menos gravoso para a sustar.
Não será adequada como acção de defesa a reacção de quem foi intencionalmente
fechado numa cave e que aproveita para destruir as garrafas de vinho do proprietário. Na
verdade, nenhuma relação existe entre a agressão e a apontada reacção de quem foi privado da
sua liberdade.
A defesa é necessária se e na medida em que, por um lado, é adequada
ao afastamento da agressão e, por outro, representa o meio menos gravoso
para o agressor.
Saber se é necessária uma vontade de defesa foi objecto de larga
controvérsia, por detrás da qual se encontravam, dum lado, os partidários da
ilicitude objectiva, do outro, os da doutrina do ilícito pessoal. O conceito
objectivista é definido pelo desvalor do resultado, mas o ilícito como desvalor
da acção e com os elementos pessoais (subjectivos) que lhe estão associados
passou a influenciar largos sectores da doutrina. Hoje em dia entendese,
predominantemente, que o ilícito é desvalor do resultado mas é também
desvalor da acção e ambos têm o mesmo peso na sua conformação. Deste modo,
se A, dolosamente, cometeu homicídio na pessoa de B a conduta só estará
justificada se à situação de defesa e à acção de defesa se juntar o elemento
subjectivo do tipo permissivo que é a vontade de defesa, pois só assim se afasta
actuação. S foi atingido mortalmente atrás do pavilhão auricular direito. (Adaptação do texto
comentado por Bernd MüllerChristmann, Überschreiten der Notwehr BGHSt 39, 133, in JuS
1994, p. 649. A decisão apareceu noutras publicações, igualmente com comentários,
nomeadamente, de Roxin, NStZ 1993, p. 335, e Arzt, JZ 1994, p. 314; cf. também Fritjof Haft /
Jörg Eisele, Jura 2000, p. 313).
A questão que aqui se levanta prendese com a aplicação do artigo 33º:
• 1 — Se houver excesso dos meios empregados em legítima defesa o facto é ilícito mas a
CASO nº 23D: A estava desde o começo da noite de guarda a umas árvores de fruto
numa sua pequena propriedade. Acompanhavao um pequeno cão e tinha consigo uma
espingarda de caça. Pela manhã, viu dois homens que subtraíam fruta. A chamouos e os
homens puseramse em fuga, levando consigo a fruta, uma meia dúzia de maçãs. Não
responderam aos avisos que A lhes fazia, ameaçandoos com a arma, para pararem. A não viu
outra possibilidade de recuperar a fruta senão disparar um tiro. Ao disparar, A ofendeu
corporalmente um dos homens, de forma grave. Considerese, com ligeira variante, que A era
um inválido que utilizava uma cadeira de rodas.
A questão que se coloca é a de saber se A pode ser responsabilizado pela
prática, em autoria material, de um crime do artigo 144º (ofensa à integridade
física grave). Não há dúvida que houve uma lesão grave provocada com a
arma. Pode entenderse que A podia recuperar a fruta dos ladrões mesmo com
violência, por via da legítima defesa (artigos 31º, nºs 1 e 2, a), e 32º), já que no
caso concreto não tinha outro meio senão o uso da arma. Pode todavia
perguntarse se existia uma agressão actual. Numa certa perspectiva, os ladrões
estavam em fuga e a agressão terminara (este não será, contudo, o
entendimento corrente, pois os dois homens iam a fugir e levavam consigo a
fruta, que ainda não tinham em pleno sossego). Por outro lado: seria ainda
admissível este tipo de defesa? Seria relevante o valor da coisa furtada?
De muitos lados, a limitar a necessidade de defesa, exigese que não haja
uma sensível (escandalosa, crassa) desproporção entre os interesses ofendidos
pela agressão e a defesa, negandose a defesa a qualquer preço. Na medida em
que a defesa constitua resposta proporcionada a uma agressão injusta não há
dúvida de que, seja qual for a atitude anímica que acompanha a vontade de
defesa, existe autêntica causa de justificação que legitima o acto realizado.
Contudo, a importância e a transcendência contidas na concessão a uma pessoa
de direitos que inclusivamente se negam ao Estado, como, por exemplo, o de
matar outra pessoa, impõem a necessidade de limitar esse direito individual a
certas situações realmente excepcionais (Muñoz Conde, Derecho Penal, PG, 1993,
p. 292). Com efeito, se é certo que a legítima defesa visa salvaguardar interesses
individuais e com isso a salvaguarda geral do direito, nem sempre estas
necessidades individuais e comunitárias têm que ser valoradas de igual
maneira, podendo haver casos em que se exclua a protecção individual ou a de
um interesse geral, limitandose ou excluindose o direito de legítima defesa
(rectius, restringindo, em certos casos, a possibilidade de defesa ou
condicionandoa à inevitabilidade da agressão: F. Palma, p. 835).
defesa” (Prof. Eduardo Correia; Antolisei, p. 257). Também será difícil contestar
os restantes requisitos da legítima defesa, sobretudo a necessidade do tiro como
a única possibilidade de imediatamente pôr termo à agressão.
Ainda assim, face à extrema (crassa) desproporção entre o valor da fruta
defendida e o perigo para a vida, provocado pelo disparo, seria de denegar a
legítima defesa de A ? Em que termos?
Na interpretação corrente do artigo 32º do Código Penal continua a
entenderse, como já repetidamente se acentuou, que o defendente tem o
direito de praticar todos os actos de defesa idóneos para repelir a agressão,
desde que lhe não seja possível recorrer a outros, também idóneos, mas menos
gravosos para o agressor, não estando sujeito a quaisquer limitações
decorrentes da comparação dos bens jurídicos, interesses ou prejuízos em causa
(C. Valdágua, p. 54). O Prof. Figueiredo Dias (Legítima defesa, cit.) escreve que
"a L.D., enquanto causa de exclusão da ilicitude, atribui ao agente um autêntico
"direito de defesa", cujo exercício, à semelhança de qualquer outro direito
subjectivo, se tem de submeter aos limites do abuso de direito, regulado no
artigo 334º do Código Civil. Neste preceito consagrase, ao estilo de cláusula
geral, um princípio fundamental do direito, que ultrapassa o domínio
privatístico do diploma em que se insere. De acordo com ele, também a L. D.
encontraria determinados limites "[...] impostos pela boa fé, pelos bons
costumes ou pelo fim social ou económico desse direito", circunstância que
levaria a excluir do seu âmbito as hipóteses em que, atentos os critérios ético
sociais reinantes, se verificasse uma manifesta e gritante desproporção dos
interesses contraposto".
Existe hoje unanimidade sobre a ilegitimidade da defesa abusiva. "A
necessidade da defesa deve ser negada sempre que se verifique uma
insuportável (do ponto de vista jurídico) relação de desproporção entre ela e a
agressão: uma defesa notoriamente excessiva e, nesta acepção, abusiva, não
pode constituir simultaneamente defesa necessária". Prof. Figueiredo Dias,
Textos, p. 199.
Certos aspectos inovadores constituem [em certo sentido], ao nível da
legítima defesa, "reflexo do trânsito de uma concepção marcadamente
individualista para uma mundividência social ou solidarista, que se observa
no âmbito criminal" (Prof. Figueiredo Dias). Os autores alemães têm, com
efeito, procurado introduzir limitações de sentido éticosocial em atenção à
solidariedade, à consideração para com o atacante, sem que, todavia, as
opiniões sejam uniformes. Deve aliás notarse que a solidariedade é um
“corpo estranho” (Naucke, StrafR., p. 298 e ss.; Kühl, StrafR., p. 179) ao direito
agressividade que foi longamente recalcada e que em certo momento se tornou incontrolável" (L.
Knoll, Dicionário de psicologia prática, p. 21). Os nossos autores, como Tomé Pires e Fernão
Mendes Pinto referemse abundantemente à utilização de amoucos nos exércitos do mundo
malaio. A forma portuguesa amouco parece resultar do cruzamento do malaio amok com o
termo vernáculo mouco (A abertura do Mundo, vol. II, p. 217).
Neste âmbito, os casos mais facilmente reconhecíveis são os de ataques à
propriedade feitos por crianças ou por doentes mentais notórios, ou as palavras
com que ofendem a honra de outrem. Os casos de erro serão mais difíceis de
detectar, como quando alguém leva consigo o guarda chuva alheio, convencido
de que é o seu. O que então se impõe é o esclarecimento da confusão. Há,
porém, quem exclua deste grupo os indivíduos embriagados, que culposamente
se colocaram nesse estado. ii) Nos casos de sensível desproporção entre os
interesses ofendidos pela agressão e pela defesa (face à modalidade dos bens
jurídicos e a medida da respectiva lesão) não é admissível legítima defesa, já
que então se trataria de abuso do direito — não se mata a tiro de espingarda o
ladrão que vai a fugir com umas maçãs de pouco mais de cem escudos. Os
autores (por ex., Ebert, p. 72) advertem, no entanto, que o facto de se admitir
este tipo de limitações não equivale a acolher, em termos gerais, o critério da
proporcionalidade da legítima defesa. iii) Nas relações entre pessoas muito
chegadas (por ex., entre cônjuges), nomeadamente, com relações de garantia,
certos autores introduzem igualmente sensíveis limitações na legítima defesa. A
atenção para com as outras pessoas e o ideal da solidariedade sobrepõemse ao
interesse da defesa da ordem jurídica. iv) Nos casos de provocação, dolosa ou
intencional, em que o agressor se pretende acolher ao manto da legítima defesa
para assegurar impunidade, existe, claramente, um abuso do direito e o agente
será punido por crime doloso. Já acima se deu conta de outras justificações para
negar a legítima defesa em casos destes. v) Se a provocação não for dolosa, por
ex., se alguém causa uma agressão com negligência consciente, se no hotel abre
a porta errada, ou se, na condução, por falta de consideração, põe
repetidamente em perigo a vida de um peão, a legítima defesa fica limitada, em
atenção à função de protecção de interesses individuais, colocandose,
nomeadamente, a hipótese de evitar a legítima defesa agressiva. Também aqui
certos autores consideram, por último, as regras do estado de necessidade
defensivo e de situações de necessidade “análogas” ao estado de necessidade
justificante.
CASO nº 23E: A mantinha uma relação sentimental com F, mulher casada. O marido
desta, homem habitualmente desconfiado, tinha proibido A de entrar na moradia do casal. A
porém voltou à moradia. Às tantas, foi ali surpreendido por M (que se deslocava a casa
durante o seu turno de trabalho nocturno), na companhia de F, a qual tratou de se vestir
imediatamente e desaparecer de cena. M, irritado e furioso, pretendia ajustar contas, como
marido enganado que era, retendo A na moradia até que chegasse gente, nomeadamente a
polícia, para obter provas definitivas do adultério. Na luta que se seguiu, A foise defendendo
bem das pancadas de M. A certa altura, M logrou agarrar uma garrafa de cerveja, mas A tirou
lha e deulhe com ela na cara de tal maneira que M sofreu fractura do osso do nariz e uma
ferida ligeira. (Cf. Eser, Strafrecht I, 4ª ed., 1992, caso nº 11).
Não há dúvida nenhuma de que A ofendeu M voluntária e corporalmente,
provocandolhe fractura do osso do nariz e um ferimento ligeiro, com o que,
pelo menos, ficará incurso na previsão da norma fundamental dos crimes
contra a integridade física (artigo 143º, nº 1, do Código Penal). Se não for caso
de negar a legítima defesa, a questão estará em saber se a conduta de A podia
ser justificada ou se A podia ser desculpado. Todavia, não deixará de ser
razoável sustentarse que A provocou o ataque de M com o seu comportamento
adúltero e a entrada em casa de M contra a vontade deste. Deve por isso
perguntarse se, por sua vez, M não terá actuado em legítima defesa, e,
consequentemente, com vontade de defesa, ponderandose a
(in)admissibilidade da legítima defesa contra outra legítima defesa.
A ilicitude da agressão que a lei exige para que se possa verificar a
legítima defesa engloba dois aspectos: a prática por alguém de um acto violador
de interesses juridicamente protegidos de outrem, e a não contribuição do
defendente para o aparecimento daquele acto. E compreendese que assim seja,
porque, quando o defendente, pelo seu comportamento, dá origem àquela
actuação violadora dos interesses juridicamente protegidos de alguém, esta
última tem a susceptibilidade de funcionar como uma legítima defesa contra
aquele comportamento, e porque não pode haver legítima defesa contra uma
legítima defesa (ac. do STJ de 25 de Setembro de 1991, BMJ409483).
Ficará limitado ou excluído o direito de legítima defesa de A por causa do
seu comportamento provocatório? Ou, simplesmente, A excedeuse no seu
direito de legítima defesa?
M proibira expressamente a entrada de A na moradia do casal, mas este
violou o direito de M, verificandose, com isso, a lesão de interesses
juridicamente protegidos e susceptíveis de legítima defesa. Acontece todavia
que A, ao ser surpreendido, só não terá desaparecido, saindo da moradia,
porque M disso o impediu. Com o que bem se pode pôr em dúvida a
actualidade dessa apontada agressão. Com efeito, no momento em que M
impede a saída de A, fica totalmente excluído o perigo que anteriormente
ameaçava o correspondente bem jurídico. Por outro lado, M só poderia alegar o
agressor, actual e ilícita. — A actuou com o propósito de defesa, com animus defendendi. —
Mas com uso de meio excessivo, injustificável, irracional, para se defender, através de meio
letal. — O excesso do meio usado pelo A ficou a deverse ao medo que o A tinha da vítima,
pessoa que, embora mais baixa de estatura, era mais encorpada e mais forte do que ele e tinha
praticado luta gregoromana, de tal modo que já por diversas vezes o havia agredido e
obrigado a tratamento hospitalar.
Há que considerar aquele excesso como asténico e não censurável, por
falta de culpa, com a consequente não punição do A, uma vez que sem culpa
não há punição criminal.
Cf. o acórdão do STJ de 10 de Fevereiro de 1994, BMJ434286: A repeliu uma
agressão actual e ilícita (tiro de arma de fogo contra ameaças de agressão corporal, antecedidas
de insultos). Provouse o medo prolongado de A, de 77 anos, convencido de que a vítima,
homem forte, de 30 anos, o ia atacar, bem como a sua mulher, com mais de 90, na sua própria
casa: excesso de legítima defesa não punível artigo 33º, nº 2.
Cf. também o acórdão do STJ de 11 de Maio de 1983, BMJ327476: A vítima
preparavase para agredir o réu, pois logo que se deparou com ele disselhe: "É agora o fim da
tua vida". Então, convencido de que a vítima o ia matar, o réu foi imediatamente buscar a
caçadeira e, metendolhe dois cartuchos, disparoua contra a vítima. As palavras ameaçadoras,
proferidas por um homem como a vítima, não podem ser minimizadas. Este criara a imagem
dum marginal perigoso, andava sempre armado, trazia as pessoas em sobressalto, chegara a
abrir fogo contra agentes da GNR. A atitude da vítima denuncia claramente o perigo de uma
agressão ilegal iminente, não motivada por provocação, ofensa ou qualquer crime actual
praticado pelo réu. Houve, todavia, excesso nos meios empregados, mas o réu estava muito
perturbado, agindo dominado pelo medo de que a vítima viesse a concretizar as suas ameaças:
medo desculpável. O réu foi absolvido.
CASO nº 23G: Excesso de legítima defesa punível.
A parou o carro que conduzia na Rua do Progresso para conversar com X, sua
companheira. B aproximouse do veículo e bateu na janela fechada. A abriu a janela e B pediu
lhe 50 escudos, que A lhe negou, após o que arrancou. Mais tarde, no Bairro do Aleixo, quando
A com a companheira e os filhos saía do carro, B dirigiuselhe dizendo: "Agora, filho da puta,
passa para cá o dinheiro; voute roubar, filho da puta, passa para cá o dinheiro". A e B ficaram
frente a frente. A avançou então para B munido de um instrumento cortoperfurante, espetouo
no tórax, atingindo o coração. A representou a morte de B como consequência possível do seu
acto de espetar, no corpo dele, o instrumento cortoperfurante, mas espetouo, conformandose
com a morte, que veio a ocorrer. (Cf. o ac. do STJ de 11 de Dezembro de 1996, BMJ462207).
O homicídio privilegiado difere do homicídio com atenuação especial da
provocação pela diferença de grau de intensidade da emoção causada pela
ofensa e ambos diferem da legítima defesa, "grosso modo", porque nos
primeiros o agente, ao contrário do último, não actua com animus defendendi.
E o excesso de legítima defesa não se enquadra em alguns daqueles porque o
agente actua com a intenção de se defender mas exorbitando nos meios
empregados. No caso, verificavase a circunstância da provocação injusta
causa da bengalada, o A veio a cair do outro lado da estrada, tendo sido seguido pelo B, que o
pretendia agredir pela segunda vez com a bengala. Receando ser de novo atingido, o A
efectuou mais quatro disparos. Os cinco tiros atingiram o B, designadamente no tórax e no
abdómen, tendo um deles atingido órgãos vitais, provocando a morte do B como causa directa
e necessária. O A agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito de matar o B.
Uma vez que A deu vários tiros na pessoa de B fica desde logo
comprometido com a tipicidade do artigo 131º. A disparou e B morreu. A morte
foi produzida pelos tiros disparados por A. Este agiu dolosamente, com
conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito indicado. A sabia que
matava B (outra pessoa) com os tiros e quis isso mesmo. Tratase agora de saber
se se encontra presente qualquer causa de justificação ou de desculpação.
O Tribunal de Trancoso condenou A como autor material de um crime de homicídio com
atenuação especial da pena (artigos 72º, nºs 1 e 2, alínea b), 73º, nº 1, alíneas a) e b), e 131º) na
pena de 5 anos de prisão. O A recorreu, desde logo por entender que agiu em legítima defesa.
Argumenta ter praticado o facto como meio necessário para evitar a sua morte, intentando
repelir a agressão que se iniciara e era actual e ilícita. Além disso, quis defenderse e a
existência de vários tiros não retira o animus defendendi, pois um homem médio não tem tempo
para pensar, após levar uma arrochada na cabeça que o atira à distância. O Supremo (acórdão
de 7 de Dezembro de 1999, BMJ492159, relator Conselheiro Martins Ramires) entendeu que se
não configura “situação de legítima defesa”, pois o que existe é a propositada criação, pelo A,
da “aparência de uma situação de legítima defesa”. O A andou a entrar e a sair do café;
entretanto, o B, que se encontrava com uma elevada taxa de alcoolémia no sangue,
permanecera sempre ali e não há referência a que se tivesse intrometido de novo com o A,
apesar daquelas idas e voltas deste, e só saiu quando saiu toda a gente, incluindo o A. Porque
não foi o A embora enquanto o B estava no café, sabendose (porque também ficou provado)
que este era pessoa conflituosa? Cá fora, o A podia terse metido na viatura e partido, ma optou
por aguardar que o B estivesse armado com a bengala para, munido do revólver e
empunhandoo em direcção àquele, se dirigir para a vítima, encurtando assim a distância entre
os dois de modo a instigar o B a desferirlhe a bengalada e a poder ser por ela atingido, em vez
de o intimidar com o revólver, mantendose fora do alcance da bengala manejada pelo B.
Não pode por isso deixar de concluirse, como se fez no acórdão do
Supremo, que o A, conhecedor do temperamento conflituoso e agressivo do B,
quis tirar desforço da humilhação que este lhe infligira — e provocou
deliberadamente uma situação objectiva de legítima defesa, para deste modo
alcançar, por meio ínvio, a impunidade de um ataque que fez desencadear
propositadamente. Não há assim legítima defesa. E porque não há legítima
defesa, também se não configura excesso de legítima defesa, porque este
pressupõe a existência de uma situação autêntica de legítima defesa a que se
responde com excessos dos meios empregados.
IX. Palavraschave.
Abuso do direito; acção directa; actuação em erro sobre um estado de coisas que, a
existir, excluiria a ilicitude do facto; adequação social; agressão actual e ilícita de interesses
juridicamente protegidos do agente ou de terceiro; agressão frustrada; agressão ilícita e actual,
dolosa, censurável e não insignificante; agressões de crianças, doentes mentais notórios e de
pessoas manifestamente embriagadas; agressões insignificantes; animus defendendi; causas de
desculpação; causas de justificação implícitas; causas de justificação ou de exclusão da ilicitude;
conduta ilícita ou conduta justificada; Convenção Europeia dos Direitos do Homem; crassa
desproporção dos bens; critério de proporcionalidade entre os bens jurídicos que são
sacrificados pela defesa, por um lado, e os que são ameaçados pela agressão, por outro; defesa
de protecção e defesa agressiva; direito de defesa; direito de necessidade defensivo; direito de
necessidade; doutrina do ilícito pessoal; equidade; erro objectivamente inevitável; estado de
necessidade defensivo; estado de necessidade do direito civil; excesso asténico (perturbação,
medo, susto) e esténico (cólera, ira); excesso de legítima defesa não punível e excesso de
legítima defesa punível; o excesso de legítima defesa pressupõe a legítima defesa; excesso
intensivo; excesso nos meios conscientemente dirigido v. g. ao castigo do primeiro agressor;
flagrante desproporção entre os interesses do defendente postos em perigo pelo ataque e os do
agressor sacrificados pela necessidade da defesa; ilicitude objectiva; legítima defesa antecipada;
legítima defesa ilimitada e legítima defesa limitada ou moderada; legítima defesa preventiva;
legítima defesa putativa; limitações éticosociais da legítima defesa; limites temporais da
legítima defesa; meio necessário para repelir a agressão; não exigibilidade; necessidade de
defesa; necessidade de protecção de bens colocados em perigo; norma proibitiva e norma
permissiva; princípio da solidariedade; provocação intencional (préordenada) e provocação
não intencional; ratio individual de autoprotecção; risco permitido; salvaguarda da ordem
jurídica; situação análoga à legítima defesa; teoria da eficácia da defesa; teoria da permanência
da consumação; turpis fuga; tutela dos interesses individuais ameaçados pela agressão;
unidade da ordem jurídica; violação de um dever de cuidado; vontade de defesa.
segurança, milícias de bairro, movimento do vigilantism nos Estados Unidos): cf. a monografia
• Artigo 151º, nº 2, do Código Penal: A participação em rixa não é punível quando for
determinada por motivo não censurável, nomeadamente quando visar reagir contra um
de fogo e explosivos pelas forças e serviços de segurança. De acordo com os artigos 2º, nº 1, e
3º, nº 2, "o recurso a arma de fogo só é permitido em caso de absoluta necessidade, como
medida extrema, quando outros meios menos perigosos se mostrem ineficazes, e desde que
proporcionado às circunstâncias, só sendo de admitir o seu uso contra pessoas quando tal se
revele necessário para repelir agressões que constituam um perigo iminente de morte ou
• Direito de legítima defesa jurídicocivil (art. 337º do Código Civil): cf. Figueiredo Dias,
• Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Outubro de 2001, CJ ano XXVI 2001, tomo IV, p.
• Acórdão da Relação do Porto de 17 de Março de 1999, CJ, 1999, tomo II, p. 220: pressuposto
perfeitamente elucidativa de que o disparo efectuado pelo arguido teve lugar quando já havia
terminado a agressão de que tinha sido vítima, bem como de que a sua conduta se ficou a
• Acórdão do STJ de 12 de Junho de 1997, BMJ468129: agente que, para pôr termo a uma
discussão a soco e a pontapé, dispara três vezes uma pistola para uma zona vital do corpo do
agressor, a uma distância não superior a 1 metro: o acto não é praticado em LD nem com
• Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 13: medida da pena aplicável
ao crime de homicídio voluntário tentado, cometido com excesso de legítima defesa: atenuação
especial do artigo 33º, nº 1, e o disposto no artigo 23º, nº 2, para a punição do crime tentado.
defesa: a existência de uma agressão actual e ilícita. A «perturbação, medo ou susto não
censuráveis» de que fala o n.º 2, do artº 33, do CP, respeita ao «excesso dos meios empregados
em legítima defesa», isto é, aos requisitos da legitimidade da defesa: necessidade dos meios
utilizados para repelir a agressão. Uma coisa é o erro sobre a existência de uma agressão actual
e ilícita no qual o agente desencadeia a defesa (legítima defesa putativa), e outra distinta, a
• Acórdão do STJ de 19 de Novembro de 1998, CJ VI (1998), tomo III, p. 221: tendo a acção do
arguido ocorrido após ter terminado a agressão de que foi vítima, não existe legítima defesa e,
não punibilidade; conduta ilícita da vítima, in dubio pro defendente; excesso culposo e doloso.
Tem voto de vencido. Neste caso, o tribunal considerou correctamente que se usou do meio
• Acórdão do STJ de 26 de Maio de 1994, CJ, ano II (1994), tomo II, p. 239: não existe excesso
de LD, mas excesso extensivo, a pretexto de legítima defesa, nem conduta em estado de
perturbação, medo ou temor quando objectivamente não existe ou não existe já uma situação
de LD, nomeadamente por o arguido ter feito terminar a agressão de que tinha sido vítima.
em legítima defesa aquele que provoca deliberadamente uma situação objectiva de legítima
defesa para alcançar, por esse meio ínvio, a impunidade de um ataque desencadeado
• Carolina Bolea Bardon, El exceso intensivo en la legítima defensa, ADPCP, vol. LI, 1998.
• Costa Andrade, O princípio constitucional “nullum crimen sine lege” e a analogia no campo
• Eb. Schmidhäuser, Zum Begriff der Rechtfertigung im Strafrecht, Fest. für K. Lackner, 1987.
• Eduardo Correia, Crime de ofensas corporais voluntárias, CJ, ano VII (1982), tomo 1.
• Eduardo Maia Costa, Evasão de recluso, homicídio por negligência, comentário ao ac. do
besonderen Notlagen, in Rechtfertigung und Entschuldigung, III, her. von A. Eser und W.
Colex, 1995.
• Francisco Muñoz Conde, "Legítima" defensa putativa? Un caso límite entre justificación y
exculpación, in Fundamentos de un sistema europeo del derecho penal, 1995, p. 183. Publicado,
• H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: Allg. Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução
espanhola.
• Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º
• José Cerezo Mir, Curso de derecho penal español, Parte general, II, 5ª ed., 1997.
• José Cerezo Mir, Las causas de justificación en el derecho penal español, Fest. für H. H.
• José Faria Costa, O direito penal económico e as causas implícitas de exclusão da ilicitude,
• Julio Fioretti, Sobre a Legítima Defeza, Lisboa, Clássica Editora, 1925. Tradução de "Su la
Civil, 1990.
• Maria Fernanda Palma, A justificação por legítima defesa como problema de delimitação
de direitos, 1990.
• Maria Fernanda Palma, Legítima defesa, in Casos e Materiais de Direito Penal, Coimbra,
2000, p. 159.
• Marnoco e Sousa, A legítima defesa no direito penal português, Estudos Jurídicos, Abril,
1903, nº 4.
Granada, 1999.
• Vaz Serra, Causas justificativas do facto danoso, BMJ85, esp. p. 69 e ss. sobre a acção directa
(Selbsthilfe).
confiança.
• CASO nº 24: A é médico e o único especialista em doenças dos rins na região. Na noite
de Fim de Ano, cerca da uma hora, A foi chamado de urgência por D, sua doente, que
vem sendo submetida a diálises periódicas. Dado o estado da paciente, A sabia que
tinha ingerido uma boa quantidade de álcool (como médico sabia que a taxa de álcool
no sangue deveria andar por 1,4 g/l, como efectivamente acontecia), chamou um táxi.
Foi em vão: não havia táxis disponíveis àquela hora. Contrariado, acabou por se pôr
ao volante do seu próprio carro, a caminho da casa de D. Quando, porém, seguia por
uma das ruas da localidade, de repente, sem que nada o fizesse prever, apareceulhe
na frente do carro H, que saíra alegremente de uma festa ali ao lado e por breves
instantes tinha estado parado atrás de um muro, à beira da rua, sem que o condutor o
pudesse ter visto antes. Foilhe impossível evitar embater no peão, não obstante
vítima sofreu ferimentos graves e caiu, inconsciente, no chão. A parou, saiu do carro,
mas viu logo que para salvar a vida de H tinha que o transportar imediatamente ao
hospital. E assim fez, pelo caminho mais rápido, sabendo muito bem que punha em
jogo a vida da sua doente renal. Logo que deixou H no hospital, A dirigiuse
ocorrida poucos minutos antes. Se A tivesse chegado uns minutos mais cedo, D,
polícia. Cf. M. Aselmann e Ralf Krack, Jura 1999, p. 254 e ss., cuja proposta de solução
serviu de apoio a estas notas. Cf., igualmente, Bockelmann / Volk, AT, p. 99, e Otto,
AT, p. 131.
Punibilidade de A ?
1. O atropelamento de H.
i) Punibilidade de A por ofensas corporais por negligência (artigo 148º, nº
1).
Do acidente resultaram ofensas corporais graves na pessoa de H, pelo que
A pode estar comprometido com o disposto no artigo 148º, nº 1.
A estava obrigado a pôr na condução que empreendeu os necessários
cuidados. Seguia pela via pública, ao volante do seu automóvel, não obstante a
taxa de álcool no sangue ser superior a 1,2 g/l e deste modo contrariar o
comando do artigo 292º do Código Penal. Todavia, é duvidoso que o resultado
típico, as lesões corporais na pessoa de H, possa ser objectivamente imputado a
A. A causação do resultado e a violação do dever de cuidado, só por si, não
preenchem o correspondente ilícito típico. Tratandose de ofensas à integridade
física, acresce a necessidade da imputação objectiva do evento. Este critério
normativo pressupõe uma determinada conexão de ilicitude: não basta para a
imputação de um evento a alguém que o resultado tenha surgido em
consequência da conduta descuidada do agente, sendo ainda necessário que
tenha sido precisamente em virtude do carácter ilícito dessa conduta que o
resultado se verificou.
todavia, em termos de imputação objectiva, o resultado não poder ou não dever ser
avia, várias vezes, a pedido da mãe, doses de fósforo para uma criança que vem a
morrer por intoxicação; c) o caso do director de uma fábrica que, não cumprindo as
anestesia com cocaína, não cumprindo as leges artis, já que o indicado na situação
seria a aplicação de novocaína, o que provoca a morte do paciente. (...). Uma tal
consciência de que, para uma parte da doutrina, alguns daqueles casos, conquanto
objectivo de cuidado é condição necessária para que o facto nas acções negligentes
possa ser objectivamente imputado ao agente, é também certo que a não imputação
condutor não podia evitar o que aconteceu, porque, para além do mais, não
previu — nem tinha que prever — o resultado. Falta também aqui, como se vê,
um elemento essencial à imputação por negligência, que é a previsibilidade.
Podemos assim concluir que A não cometeu o crime de ofensas à integridade
física por negligência do artigo 148º, nº 1.
• "Há quem entenda — quanto a nós bem, adiantese — que o interagir motivado pelo
confiança. Mais do que o cumprimento das regras de cuidado, o que importa ter
presente é que, objectivamente, vigora a ideia de que qualquer utente da via tem de
confiar nos sinais, nas comunicações, dos outros utentes e tem, sobretudo, de confiar,
subsumir e como tal ser resolvido." Prof. Taipa de Carvalho, A Legítima Defesa, p. 173.
De acordo com o artigo 34º, não é ilícito o facto praticado como meio
adequado para afastar um perigo actual que ameace interesses juridicamente
protegidos de terceiro. Ponto é que se verifiquem os requisitos das três alíneas
seguintes. No caso concreto, existia um perigo actual para a vida da paciente,
• Todavia, e como se deixou dito, a solução poderá já ocorrer no domínio do artigo 36º, no
depois de esta ter sido acometida de doença súbita e grave — e de A ter, sem sucesso,
da culpa (artigo 35º). O Prof. Figueiredo Dias (Textos, p. 224) cita o acórdão da mesma
um automóvel para socorrer a mãe, que, sofrendo de doença grave e vivendo só, lhe
tinha telefonado dizendo que se sentia mal e necessitava de assistência — pode ser uma
conduta justificada se ela traduzir o meio único de conduzir em tempo um doente grave
ao hospital.
fundado num método de estrutura probabilística e será tanto mais válido quanto
"Uma vida não vale nada, mas nada vale uma vida. "
• Dáse uma situação de necessidade quando um perigo actual para um bem jurídico só for
removível através de uma acção típica que lesa ou põe em perigo um outro bem
defesa — o agressor cria um perigo que vai ser afastado à sua própria custa, mas
podem configurarse muitas outras variantes. A fonte do perigo pode, por ex., ser
uma coisa (ataques de animais, o fogo numa mata), ou pode empregarse coisa alheia
para afastar o perigo, e então teremos o afastamento do perigo à custa de terceiro. Cf.
Haf, p. 87.
menor pelo caso concreto (conhecimento ontológico). Destarte, uma dose de veneno
costuma matar (conhecimento nomológico); Tício ministra uma taça de veneno a Caio
causal in fieri (que está sendo feito), em estado embrionário. Projectase rumo ao
possibilidade relevante de vir a ser. Paulo José da Costa Jr., Direito Penal Objetivo, p.
24.
• "Même dans la destruction, il y a un ordre, il y a des limites" (A. Camus, Les Justes).
• A acção de necessidade configurase como uma actio duplex, por ter dois lados: "uma
de van Gogh pode bem ser salvo à custa dumas arranhadelas na pessoa do
guarda do museu. Recomendase que se aprecie a extensão e a iminência do
perigo, a intensidade dos sacrifícios, o tipo e a dimensão das consequências
secundárias ou mediatas, a obrigação especial da tolerância do perigo por parte,
por ex., de bombeiros ou polícias e, por fim, a esfera de procedência da fonte de
perigo (Eser, p. 260; pormenorizadamente, Figueiredo Dias, Textos, cit.). No caso
nº 24, o médico levou o atropelado com ferimentos graves ao hospital, não
obstante conduzir com uma elevada TAS, e nesse percurso não pôs em perigo
(perigo concreto!) qualquer bem jurídico dos restantes intervenientes no
tráfego. Num caso destes, como anteriormente já se acentuou, estão frente a
frente a concreta saúde de um e o perigo abstracto de alguém morrer
atropelado por um condutor embriagado (perigo presumido, do artigo 292º do
Código Penal).
• Imposição coactiva da doação de sangue? Pode acontecer que, por causa da raridade do
seu grupo sanguíneo, a vida de uma pessoa gravemente ferida só possa ser salva à
custa da transfusão de outra pessoa que, porém, se recusa a dar o seu sangue. Quid
caso ser utilizado como meio. Cf. Costa Andrade, Consentimento e acordo em direito
substituída por seis meses de cárcere. O caso seria hoje tratado no âmbito do estado
como nota Roxin, não tinha outra alternativa — o direito insular tinha que rejeitar,
logicamente, a causa de justificação, sendo certo que ali se não conhecia uma isenção
para seis meses de privação da liberdade "sem trabalhos pesados". E Roxin comenta:
alcançouse assim, por vias travessas ao estrito plano do Direito positivo, uma
solução próxima da que o direito continental oferece com a solução diferenciada entre
ilícito e culpabilidade.
• Excerto da sentença do caso Mignonette. Queens Bench Division 1884 (14 QBD, 273),
p. 269: "Não é correcto dizerse que existe uma necessidade absoluta e sem reservas
de alguém preservar a sua própria vida (...). Não é necessário sublinhar o grande
ser forte ou inteligente? (...) No caso que nos ocupa, foi escolhido o mais fraco, o
mais jovem, o menos capaz. Haveria uma maior necessidade de o matar e não os
adultos? A resposta deverá ser "não". Não se contesta, neste caso particular, que os
factos eram "diabólicos", mas também é evidente que uma vez admitido tal
princípio o mesmo poderá constituir o manto legal para que se passem a praticar
a sensível superioridade do primeiro. "O problema, posto com a maior largueza por
pode sacrificarse a este o bem jurídico da propriedade de outrem. É a esta luz, como
se sacrifica" (Eduardo Correia, Direito Criminal II, p. 81). A ideia do efeito desculpante
porque lhe não é exigível outra conduta deverá ser desculpado. Cf. Haft; e F. Palma,
Mignonette.
coacção moral ou situação de medo, usam a expressão duress. É mais fácil, assim
• CASO nº 24A: Após um acidente com várias vítimas, imediatamente compareceu uma
ambulância, vislumbrandose a possibilidade de salvar algumas vidas. Todavia,
as regras de trânsito.
adequados.
• CASO nº 24B: Um bombeiro pode salvar uma criança, mas só atirandoa, lá bem do
alto do edifício em chamas, para os colegas que improvisaram uma tela amortecedora
na base do prédio. Existe o perigo de a criança cair mal e partir a base do crânio. O
ocorrer.
• CASO nº 24C: Um médico, que tem que proceder a uma transfusão de sangue no local
de um acidente para salvar uma vida, dirigese para onde se deu o sinistro, a curta
distância da sua residência, durante a noite, por uma estrada bem iluminada mas a
citados).
• Os autores (vd., por ex., Eduardo Correia, Direito Criminal II, p. 70) ocupamse não só das
sacrificar são de igual valor, como aqueles em que eles são de valor superior ou de
valor menor, uns relativamente aos outros. "A história, a jurisprudência e os autores
capax", em que os interesses em conflito são de valor equivalente: vida contra vida;
"ou quando, para salvar uma vida é necessário fazer outrem cair de um andaime,
lançar ao mar parte da carga; quando, para vencer uma doença grave ou mortal, é
etc. E é ainda possível que alguém, como único meio de v. g. evitar uma grave ofensa
corporal, não resista a sacrificar a vida alheia (p. ex. para evitar a perda de um braço
ou da vista não resista a atirar sobre outrem, causandolhe a morte, a bomba que vai
menores para salvar valores maiores. Outras vezes exclui a culpa: casos de
missão do direito de proteger bens jurídicos com uma situação de perigo e de conflito
do direito por qualquer resultado, por não ser além disso a sanção jurídica o meio
aos cidadãos — o direito não quer exigir a ninguém que se abstenha de actuar. Por
exigibilidade específica ou superior por certos motivos são factores que também
• "O Autor do Projecto começou por, sumariamente, expor a teoria do chamado estado de
necessidade. Referiu as três posições possíveis que sobre ele podem ser e têm sido
como causa de exclusão da culpa; e a dita "teoria diferenciada", que o considera como
sacrificado e como obstáculo à culpa nas outras hipóteses. (…) E acrescentou: numa
visão puramente individualista do direito e dos bens jurídicos que aquele protege não
se compreende que seja lícita a intervenção de alguém na esfera jurídica alheia; mas à
medida que nos aproximamos de uma visão mais social do direito e dos bens
estado de necessidade que exclui a ilicitude do facto". Acta da 15ª Sessão, Actas, p.
234.
• CASO nº 24F: A apresentou queixa contra B, seu antigo empregado, por factos que em
seu entender integram a prática de vários crimes de abuso de confiança. No decorrer
das diligências em sede de inquérito apurouse que uma das letras em causa foi
quem são os titulares da conta onde foi efectuado o referido movimento, e bem assim
quem procedeu ao desconto, para o que se contactou o Banco ARP que, todavia, se
escusou a prestar tais informações, invocando sigilo bancário: artigo 78º, nºs 1 e 2, do
segredo profissional vem previsto no artigo 195º, excluindose apenas do seu âmbito
redacção do Código Penal de 1982, o artigo 184º excluía desse mesmo âmbito de
desse segredo, preceito este que não tem correspondência no Código Penal
considerar que a escusa é legítima mas, mesmo assim, entende que no caso concreto a
• "Onde estas regulamentações [artigo 339º do CC, artigos 195º do CP e 135º do CPP e outras
revelem mais estritas do que o art. 34º não pode recorrerse a este para cobrir uma
situação como capa da justificação. Mas, por outro lado, o art. 34º contém
questões o art. 34º como lex generalis na matéria." Figueiredo Dias, Textos, p. 214.
chegava para um (tabula unius capax). Para salvar a vida, A afastou B da tábua e este
morreu afogado. Põese o problema de saber se A pode ser condenado por homicídio.
dos artigos 34º e 35º do Código Penal. Tratase de um dilema jurídico, duma situação
coactiva em que uma pessoa tem que escolher entre dois males. A só podia tentar
salvar a vida afastando o outro da tábua, afogandose este. B podia tentar salvar a
vida actuando do mesmo modo contra A. Matar ou ser morto, eis o dilema dos
marinheiros. H. Koriath (JA 1998, p. 250) propõe quatro variantes da situação, mas
previu a morte de B e conformouse com ela. Agiu pelo menos com dolo
eventual. A actuação de A é ilícita, a menos que se encontre coberta por uma
causa de justificação.
Terá A agido em legítima defesa? Devemos em primeiro lugar apurar se A
se encontrava em situação de legítima defesa. Esta supõe uma agressão ilícita.
Ora, não há motivo para duvidar que a actuação de B, ao pretender que A
largasse a tábua, embora sem êxito, é uma agressão objectivamente ilícita.
Alguns autores exigem que a agressão seja igualmente dolosa e culposa (cf.
Prof. Taipa de Carvalho, passim), para que fique inteiramente livre a via da
legítima defesa. Esta posição apoiase no facto de com a legítima defesa se
pretender a salvaguarda da ordem jurídica. O defendente defende não só os
seus interesses individuais mas também a afirmação do Direito — e isso só
pode ser conseguido quando se trata de acções culposas, ou seja, de um
comportamento conscientemente dirigido contra o Direito. Nas circunstâncias
trágicas em que se desenrolou, a morte de B não poderá ser taxada de
conscientemente dirigida contra o Direito. Claro que, contra esta posição se
pode argumentar desde logo com a letra da lei, que invoca apenas a agressão
ilícita, sem mais. E depois, sempre ocorre perguntar: então, não podemos
defendernos de comportamentos objectivamente perigosos? A resposta é pela
positiva, mas tem uma nuance: para nos defendemos de condutas perigosas não
necessitamos de invocar os critérios estritos da legítima defesa — ilimitada, pois
temos à nossa disposição o estado de necessidade defensivo e mesmo o estado
de necessidade justificante do artigo 34º. Em conclusão: como B não actuou
culposamente, não houve uma agressão aos interesses juridicamente protegidos
de A, pelo que este não pode invocar uma situação de legítima defesa para
justificar o que se seguiu.
A também não pode invocar um direito de necessidade que justifique a
morte de B.
O direito de necessidade supõe uma situação de necessidade e a
justificação arranca de ter sido o facto praticado numa situação de necessidade.
O desenho é o de uma situação actual de perigo para um bem jurídico, que não
pode ser afastado de outra maneira (artigo 34º). Ora, no caso, estas condições
mostramse cumpridas: A encontravase numa situação de perigo actual para a
vida; e sem a morte de B o perigo não seria afastado.
Entre os requisitos do direito de necessidade contase o da alínea b) do
artigo 34º, onde se exige sensível superioridade do interesse a salvaguardar
relativamente ao interesse sacrificado. Ora, como o caso era de vida contra vida
— A não pode invocar esta causa de justificação. Não devemos sequer chamar
• A sensível superioridade a que se refere o artigo 34º, alínea b), não significa uma especial
processo que permite concluir pela superioridade de um dos interesses: uma “normal
taco de golfe que tinha à mão e deu com ele no cão de raça, que ficou sem um olho.
prémios já ganhos, que foi à cozinha do vizinho, B, donde tirou um par das suas
salsichas, dá uma pancada no animal com o taco de golfe que tem ali à mão. O cão,
com a violência da pancada, acabou por ficar sem um olho. A pancada com o taco era
Punibilidade de B?
• "Como crime contra a vida intrauterina, o aborto resiste quase incólume à lógica
feto não pode, com efeito, praticar uma agressão, em nenhuma acepção juridicamente
primeiro lugar, porque a vida (embora intrauterina) assume um valor tal que se
bem jurídico (incluindo mesmo a vida autónoma), nos termos do disposto na alínea
b) do artigo 34º. Em segundo lugar, porque tomando o nascituro como lesado não se
como seria exigível por força do disposto na alínea c) do artigo 34º. Por fim, o feto não
livremente disponível (artigo 38º, nº 1). Apenas o conflito de deveres pode ser
seriamente encarado como causa de justificação do aborto. Porém, não são nítidos os
limites deste instituto, quando aplicáveis a tal crime. Indiscutível é apenas que a
artigo 36º. A vida da mãe representa um valor pelo menos igual ao da vida do
provocado, através de uma conduta activa, para obter como efeito a salvação da vida
violação do dever de omitir uma actuação lesiva assume maior gravidade do que a
deveres quando a morte do feto vise assegurar não já a sobrevivência da mãe mas a
preservação da sua saúde. É certo que uma grave lesão no corpo ou na saúde é mais
uma penalidade até 3 anos de prisão. Estes raciocínios quantitativos não são, porém,
Penal respeitase essa ordem (artigos 131° e ss. e 142° e ss.). O facto de a um
corporais (cfr. os artigos 134° e 143°) não subverte aquela ordem axiológica; devese,
implicará que tenha sido apenas este que, cautelosamente, Eduardo Correia
Penal, seguindo uma via que Melo Freire preconizara em 1786, no seu Projecto de
expressa, a jurisprudência acabaria por criar com o risco de abusos uma causa de
aborto. Só a Lei n° 6/84, de 11 de Maio, o viria fazer." Rui Carlos Pereira, O crime de
135º. Segredo médico. O tribunal só pode impor a quebra do segredo profissional se verificar
que os interesses que o segredo visa proteger são manifestamente inferiores aos prosseguidos
ilicitude. Princípio da ponderação dos valores conflituantes. Condução sem habilitação legal.
Código Civil: artigo 339º, nº 2 — obrigação de indemnizar o lesado pelo prejuízo sofrido.
Claus Roxin, G. Arzt, Klaus Tiedemann, Introducción al derecho penal y al derecho penal
Claus Roxin, Teoria da infracção, Textos de apoio de Direito Penal, tomo I, AAFD, Lisboa,
1983/84.
Costa Andrade, O princípio constitucional “nullum crimen sine lege” e a analogia no campo
Eduardo Maia Costa, Evasão de recluso, homicídio por negligência, comentário ao ac. do
besonderen Notlagen, in Rechtfertigung und Entschuldigung, III, her. von A. Eser und W.
Colex, 1995.
Giuseppe Bettiol, Direito Penal, Parte Geral, tomo II, Coimbra, 1970.
Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º ano
José António Veloso, "Sortes", Separata de Estudos Cavaleiro de Ferreira, RFDL, 1995.
José Cerezo Mir, Curso de Derecho Penal Español, PG II, Teoría Jurídica del delito/2, 1990;
Juan Bustos Ramírez, Manual de derecho penal español. Parte general, 1984.
Maria Fernanda Palma, A justificação por legítima defesa como problema de delimitação de
direitos, 1990.
Maria Fernanda Palma, Justificação em Direito Penal: conceito, princípios e limites, in Casos
BFD, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, III, 1984. Publicado
§ 25º Justificação.
podia ter fugido da dependência e da própria casa de O2, logo que foi ameaçada a sua
integridade física. Em vez disso, porém, pegou num vaso de flores que se encontrava
ali à mão e arremessouo contra O1. O vaso atingiu O1 no peito, as flores bateramlhe
na cara. O1 tropeçou e caiu no chão. Sofreu uma ferida contusa. O vaso caiu e desfez
• Pode todavia acontecer que o facto se encontre justificado. Uma justificação da ofensa
podem ser no entanto diferentes e podem até não ocorrer. De qualquer forma, as
• Contra esta solução não se pode objectar que T se poderia ter posto em fuga (commodus
chama a atenção. Num caso regra, como este é, o defendente tem o direito de praticar
todos os actos de defesa idóneos para repelir a agressão, desde que não lhe seja
possível recorrer a outros, também idóneos, mas menos gravosos para o agressor. A
situação não está sujeita a quaisquer limitações decorrentes da comparação dos bens
através da fuga, por mais cómodo e possível que isso fosse (cf. Conceição Valdágua,
Como já se disse, o artigo 32° do Código Penal exige, para que se verifique
legítima defesa, que a conduta do agente tenha sido meio necessário para
repelir uma agressão. A exigência de o facto ser praticado como meio necessário
de defesa para impedir a agressão implica a necessidade de o agente actuar
com animus defendendi (cf., por ex., o ac. do STJ de 19 de Junho de 1991, proc.
41647). As condições deste (i. é, as condições subjectivas de justificação do facto
por legítima defesa) encontramse também satisfeitas: o defendente agiu com
vontade de defesa.
Há certas causas justificativas, por ex., a legítima defesa, relativamente às quais se põe o
problema de saber se bastará, do lado subjectivo, o conhecimento pelo agente da situação
justificadora, ou será ainda necessário um certo animus ou intenção de actuar no sentido da
licitude (cf. Figueiredo Dias, Pressupostos da punição, in Jornadas de Direito Penal, CEJ, 1983,
p. 61).
Como fizemos noutros casos, devemos agora apreciar o que se passou com
O2. Está em causa o dano causado por T.
que dele se aproximava para se certificar do caminho mais curto para o hotel onde
está hospedado, empurrao, fazendo com que X, caindo para o lado, sofra uma lesão
num joelho.
• CASO nº 26A (estado de necessidade putativo): A, que se sente perdido na serra, onde
foi apanhado por uma tempestade de neve, arromba a porta de uma vivenda isolada,
vendo nisso a derradeira possibilidade de não morrer de frio durante a noite que se
aproxima. A, todavia, podia ter entrado por uma das janelas da casa, sem causar
direcção de A. Este julgou que ia ser por ele atacado, o que objectivamente não
com a situação.
• Numa última variante, A dispara a espingarda porque odeia caçadores furtivos e está cada
25
. Diferente do excesso intensivo ou nos meios, que ocorre quando, apesar de se encontrarem
preenchidos os diversos requisitos da legítima defesa, o agente causa ao agressor mais danos do que os
necessários à estrita preservação do bem jurídico ameaçado. Para que se verifique o excesso intensivo é
indiferente o valor relativo dos interesses conflituantes, bastando apenas que, na defesa, se hajam
ultrapassado os meios considerados "idóneos" ou "adequados" para impedir a agressão. Não intervém aqui a
teoria geral do erro, mas toda a problemática da "inexigibilidade".
aquele que crê defenderse é, na realidade, um agressor; aquele que foi tomado por
real de que é vítima. E por paradoxal que pareça, ambos podem ficar isentos de
graves lesões. Francisco Muñoz Conde, "Legítima" defensa putativa? Un caso límite
Indicações de leitura:
necessidade.
• Francisco Muñoz Conde, "Legítima" defensa putativa? Un caso límite entre justificación y
• Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, RPCC, I (1991), p. 9;
2 (1992), p. 7.
• Jorge de Figueiredo Dias/Pedro Caeiro, Erro sobre proibições legais e falta de consciência
do ilícito (artigos 16º e 17º do Código Penal) Violação de normas de execução orçamental.
26
. A propósito do pensamento da inexigibilidade, a que no Código se não reconheceu valor geral, no
sentido de uma cláusula geral desculpante, e dos factos praticados em estado de afecto grave, que o agente
criou culposamente, o Prof. Figueiredo Dias admite, se bem percebemos, a possibilidade de analogia com o
que se estabelece no artigo 33º, nº 2, sendo decisivo apenas que aquela criação [e desenvolvimento] "não
radique em qualidades jurídico-penalmente desvaliosas da personalidade, pelas quais o agente deva
responder" (cf. Pressupostos, p. 79, e, especialmente, Sobre o estado actual, cit.).
§ 27º O erro
I. Erro — o erro intelectual exclui o dolo (artigo 16º, nºs 1 e 2); o erro moral,
• Essa realidade pode ter uma natureza diversa, traduzindose em elementos fácticos ou
• Relativamente ao seu objecto, o erro pode incidir sobre realidades de facto ou elementos
• Consequências: o erro intelectual excluirá o dolo (artigo 16º, nºs 1 e 2). O erro moral
• Cf. Teresa P. Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, O Regime Legal do Erro e as
da ilicitude ou da culpa (artigo 16º, nºs 1 e 2). O objecto do erro pode ser ainda a
própria proibição (ou permissão) legal, na medida em que a sua ignorância ou
deficiente representação seja sinónimo de uma falta de consciência da ilicitude
(artigo 17º).
outro erro que não exclui o dolo, mas que exclui sempre a culpa, quando não
for censurável?
agente não é punido por furto (artigos 14º, 16º, nº 1, e 203º). Não obstante o disposto
no artigo 16º, nº 3, a regra não funciona num caso como este por só serem puníveis
arbustos e começara a grunhir como se fosse uma peça de caça. A desconhecia que
atirava sobre “outra pessoa” (artigo 131º) e isso exclui a punição por dolo (artigos 14º,
crime negligente (artigos 13º, última parte, 15º, 16º, nºs 1 e 3, e 137º, nº 1).
dolo (artigo 16º, nº 1). Poderá, quando muito, haver punição a título de
negligência (artigo 16º, nº 3), nos termos gerais.
• “A razão porque o erro de tipo permissivo não segue o regime do erro de proibição reside,
que o agente acredita estar a actuar justificadamente, isto é, de acordo com o Direito e
não contra o Direito. Em consequência, por outro lado, também o conteúdo da culpa
dolo não se funda num ânimo, numa atitude contrária ao Direito, mas tão somente no
que se mantém incólume o dolo de tipo, havendo participação punível, mas que não
censura dolosa, para o agente vir a ser punido com a pena correspondente ao crime
negligente, nos termos dos artigos 16º, nº 3, e 13º.” (Cf. Teresa Serra, p. 85, chamando,
se aproxima de si (por ex., para lhe pedir uma informação, ou para lhe pedir um
Com base em que critérios vai o Tribunal decidir dessa natureza? Como é que é
decisão desta questão? Barbara Wooton escrevia há já muito, com a ironia que lhe era
peculiar, que desconfiava que os mala in se eram, simplesmente, mala prohibita há mais
marido, um (mero) malum prohibito? Assim, Teresa Beleza / Costa Pinto, O erro sobre
de um país estrangeiro, conhece aqui R e sabe que esta vai fazer 14 anos daí a dois
relações sexuais do tipo das descritas com raparigas de idade inferior a 13 anos.
Como T desconhece o que se passa em Portugal não tem consciência do seu facto, não
artigo 172º do Código Penal, mas faltalhe a consciência da ilicitude, pois não conhece
facto 17). ii) De erro sobre o âmbito de aplicação da norma: T, estudante de Direito,
entra em discussão com a sua irmã mais nova e não tendo gostado dos modos desta,
deixaa adormecer e aproveita para lhe cortar uma abundante porção de cabelo.
Depois, sustentou que não tinha cometido nenhuma acção ilícita, pois só pode haver
preenchido. É certo — continuou T, mas sem razão! — que o artigo 143º pune quem
ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, mas isso não acontece quando
norma de permissão: o funcionário T sabe que a norma penal que pune a corrupção
(artigo 373º) não lhe permite receber dinheiro como contrapartida de um serviço
prestado no exercício de funções, mas supõe erradamente que isso não se aplica aos
valiosos presentes que lhe queiram dar por altura do Natal e aceita receber vários. iv)
finalmente pôr termo à agressão de O. Quando este jaz, estendido no chão, T dálhe
ainda uns vigorosos pontapés que o atingem por várias partes do corpo (artigo 143º),
partindo da suposição errónea de que o facto estava ainda coberto por legítima defesa
(artigo 32º).
• CASO nº 27: T, que se encontra na casa de O, vê ali um livro que supõe erradamente ser
seu. Para não ter que voltar ali só para levar o livro, meteo na saca com que anda e
artigo 16º, nº 3, a regra não funciona num caso como este por só serem puníveis
situações de “furto” cometidas dolosamente.
• Mas se excepcionalmente o facto for punível por negligência (artigos 13º, última parte, e
15º), o agente poderá ser punido a este título: artigo 16º, nº 3 “fica ressalvada a
escondido atrás de uns arbustos e começara a grunhir como se fosse uma peça de
caça. T desconhecia que atirava sobre “outra pessoa” (artigo 131º) e isso exclui a
punição por dolo (artigos 14º, 16º, nº 1, e 131º), mas se o erro for censurável, T será
punido por crime negligente (artigos 13º, última parte, 15º, 16º, nºs 1 e 3, e 137º, nº 1).
IV. Erro; erro sobre a proibição; falta de consciência da ilicitude; erro sobre a
bolas e, junto dela, um cartaz, todo ele numerado. A máquina destinavase a uma
manípulo para a direita, recebe em troca uma bola, dentro da qual se encontram duas
senhas. Se nas senhas se encontrar um número que coincida com algum dos números
• Não se provou que A sabia que a exploração de tais máquinas fora das zonas autorizadas
de jogo é proibida. Também se não provou que A sabia que a sua conduta era
• A fora acusado da prática de um crime p. e p. pelos artigos 3º, 4º, 108º e 115º do DL 422/89
de 2 de Dezembro. O artigo 1º dispõe que "jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo
artigo 3º, nº 1, prescreve que a exploração de tais jogos só é permitida nos casinos
(existentes nas zonas previstas no nº 3) ou nos locais referidos nos artigos 6º a 8º. A
azar, para os efeitos do artigo 1º citado (uma vez que, depois de o jogador introduzir
sorte, o conteúdo da bola que sai em troca). A sua exploração era feita em local não
permitido, ou seja, fora das zonas de jogo legalmente instituídas, não constando dos
autos qualquer autorização das autoridades competentes. Por outro lado, o artigo
108º prevê que "quem, por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou
azar fora dos locais legalmente autorizados será punido...", mas não se incrimina a
E se, de acordo com o artigo 16º, nº 1, do Código Penal "o erro (...) sobre
proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o
agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo", de acordo
com o artigo 17º, nº 1,, "age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude
do facto, se o erro não lhe for censurável".
• O problema envolvese na questão mais geral da distinção entre erro sobre a mera
• Na verdade, toda a gente sabe que não se pode matar, nem roubar, nem violar, nem
ofender corporalmente, nem injuriar, nem acusar falsamente, pois todas estas
• Significa isto, em suma, que a estas normas não se podem ligar as virtudes dos chamados
“axiomata media”, isto é, dos princípios que gozam de validade universal e que
proveniências” (F.A.Z. de 26.4.96: Wie weit fällt der Apfel?, recensão ao livro de Detlef
Horster, Der Apfel fällt nicht weit vom Stamm. Moral und Recht in der postchristlichen
infracções que se põem boa parte dos casos ou problemas de erro. O Direito Penal
deverá ter regras para solucionar, de acordo com o ideal de justiça, os defeitos de
que isso não afectará a eficácia geral das leis, pois apenas exigirá que se faça uma
Assim, para que o dolo se ache excluído por aplicação do art. 16º, nº 1,
última parte, tornase necessária a análise prévia do conteúdo de ilicitude da
norma incriminadora, por referência ao bem jurídico protegido, a fim de
determinarmos, com segurança, se estamos perante uma proibição cujo
conhecimento era razoavelmente indispensável para que A pudesse tomar
consciência da ilicitude dos factos praticados.
Palavras chave: bens jurídicos pessoais, bens jurídicos supraindividuais; carácter ético de
valorações da ordem jurídica; Direito penal secundário, Direito penal de justiça; Direito
justificação.
VI. Um caso particular de erro: erro sobre circunstâncias que fazem funcionar
• CASO nº 27C: Segundo o artigo 134º, nº 1, do Código Penal, "quem matar outra pessoa
determinado por pedido sério, instante e expresso que ela lhe tenha feito é punido
com pena de prisão até 3 anos." A está junto ao leito de B, doente terminal, e supõe
erradamente que este lhe pede que lhe acabe com a vida, por estar farto dela.
• Existe aqui um erro sobre a própria existência do pedido. Mas o erro no artigo 134°
também pode incidir sobre as características do pedido: como se viu, o pedido tem de
• Maria Paula Gouveia Andrade (Algumas considerações sobre o regime jurídico do art. 134º
do Código Penal, Usus editora, Lisboa, s/d.) comenta os seguintes exemplos. A mata
B, maior e imputável porque pensa que o seu pedido é livre quando não é porque se
trata de um pedido que B fez quando se encontrava sob hipnose (o que A ignora), ou
porque pensa que o pedido é consciente: B formulou o pedido porque pensava sofrer
de doença incurável mas está de perfeita saúde (o que tanto A como B desconhecem).
são as características do pedido, não se pode dizer que este "erro sobre o tipo" releve
nos termos preconizados pelo artigo 16º, 1 — o dolo de homicídio existe sempre e não
é excluído por este erro, já que o autor não está em erro quanto à sua própria
conduta, quanto à sua acção homicida. No entanto, deve entenderse que este erro
• O Prof. Costa Andrade entende que o erro releva — de modo que se deverá aplicar o tipo
privilegiado que o agente supõe realizar (artigo 134º). Cf. Comentário Conimbricense,
• Outra é a opinião da Prof. Teresa Beleza: o erro deverá projectar a sua influência dirimente
outrem em erro sobre o pedido, e é o que acontece no caso 27C, tem intenção de
matar uma pessoa, i. é, tem dolo de homicídio, mas erra sobre uma circunstância
desse facto, sobre a existência do pedido. O agente deverá ser punido por tentativa de
crimes patrimoniais.
reportar ao futuro, é a previsão que falha ou o quadro de acontecimentos pressuposto que não se
futuro.
Acórdão da Rel. de Lisboa de 17 de Março de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 147: erro sobre os
limites da causa de justificação; hipótese em que o arguido invoca a convicção de ter agido na
convicção de que exercia um direito de crítica, a coberto da liberdade de imprensa; age com
erro que lhe é censurável aquele que dirige a sua crítica hostil e maliciosa ao apresentador dum
Acórdão da Relação de Évora de 14 de Março de 1995, CJ, ano XX (1995), tomo II, p. 274:
crime de prisão ilegal; erro sobre a proibição e erro sobre a factualidade típica; crime
negligente.
Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Abril de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 52: arguido de
crime de corrupção passiva que alega ter agido sem consciência da ilicitude. Crimes artificiais,
crimes de criação meramente estadual, crimes meramente proibidos ou mala prohibita. Dever
comércio, indústria, etc.) impõe um dever reforçado de conhecimento das regras que as
regulamentam, pelo que a estes casos não é aplicável o regime da segunda parte do nº 1 do
artigo 16º.
Acórdão de 16 de Março de 1994, CJ, ano II (1994), tomo I, p. 253: crimes “sexuais”; erro não
Acórdão de 8 de Novembro de 1995, CJ, ano III (1995), tomo III, p. 230: crime de fraude na
obtenção de subsídios; erro sobre a proibição; as fraudes dessa natureza não são condutas de
fraca coloração ética ou tipos legais previstos devido a razões de pura oportunidade de
estratégia social ou hipóteses de neocriminalização que ainda não ganharam ressonância ético
social.
Acórdão do STJ de 18 de Dezembro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 3, p. 204: aborda a
questão de saber se agentes da PJ acusados de sequestro agiram com erro e sem consciência da
essenciais e perceptíveis por qualquer ser humano, independentemente do seu extracto social e
cultural, pelo que não se compreende quanto ao mesmo a alegação de causa de exclusão de
culpa e violação do artigo 17º. Aliás a tipização de tal ilícito vem de tempos imemoriáveis e a
ela já se referiu a “Lex Cornelia de Sicariis” (Sila) como crime público – vd. R. Devesa, Derecho
Penal.
Acórdão do STJ de 28 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 1, p. 214; BMJ454397: é
de considerar censurável, para os efeitos do artigo 17º, nº 2, o erro sobre a ilicitude do gerente
de cooperativa que recebera dinheiro para ser transferido para terceiro e que não efectuou
essas transferências, antes gastou esse dinheiro em proveito da cooperativa, sabendo que assim
prejudicava aquele.
espanhola).
Augusto Silva Dias, A relevância jurídico penal das decisões de consciência, 1986.
Celia Suay Hernández, Los elementos normativos del error, Anuario de Derecho Penal y
Claus Roxin, Sul problema del diritto penale della colpevolezza, Riv. ital. dir. proc. penale,
1984, p. 16.
Francisco Muñoz Conde, "Legítima" defensa putativa? Un caso límite entre justificación y
apontamentos das Lições, coligidos pelo aluno Vítor Hugo Fortes Rocha, AAFD, Lisboa, 1952.
punibilidade no antagonismo entre “culpa” e “prevenção”, Direito e Justiça, vol. III, 1987/1988,
p. 81 e ss.
Jorge de Figueiredo Dias, Crime de câmbio ilegal, CJ, ano XII (1987), tomo 2, p. 53.
Strafrecht, in Rechtfertigung und Entschuldigung, III, herausg. von A. Eser und W. Perron,
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Jorge de Figueiredo Dias, Dos factos de convicção aos factos de consciência: uma
3570, p. 136.
1987.
Jorge de Figueiredo Dias, Para uma dogmática do direito penal secundário, RLJ, 3720, 117,
p. 75 e s.
Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, RPCC, I (1991), p. 9; 2
(1992), p. 7.
Jorge de Figueiredo Dias, Textos de Direito Penal. Doutrina geral do crime. Lições ao 3º ano
Jorge de Figueiredo Dias/Pedro Caeiro, Erro sobre proibições legais e falta de consciência
do ilícito (artigos 16º e 17º do Código Penal) Violação de normas de execução orçamental.
Luis Duarte D’Almeida, Sobre leis penais em branco, BFDUL, vol. XLII (2001), nº 1.
derecho penal, in Fundamentos de un sistema europeo del derecho penal, Bosch, 1995.
Rui Carlos Pereira, Justificação do facto e erro em direito penal, Jornadas de Homenagem ao
Rui Patrício, Erro sobre regras legais, regulamentares ou técnicas nos crimes de perigo
comum no actual direito português (Um caso de infracção de regras de construção e algumas
Ulrich Neumann, Der Verbotsirrtum (§ 17 StGB), JuS 1993, 10, p. 793 e ss.
Wolfgang Frisch, Der Irrtum als Unrechts und / oder Schuldausschluß, in Rechtfertigung
und Entschuldigung, III, her. von A. Eser und W. Perron, Freiburg, 1991.
§ 28º A omissão
CASO nº 28: Um casal, cujas relações estão praticamente desfeitas, passa férias junto ao mar.
Em certo momento, durante um passeio pelo molhe, a mulher cai acidentalmente à água, num
sítio já um pouco afastado da costa. Não sabe nadar e mal se pode mexer: como era já tarde,
vestira roupa grossa por causa do frio. Vaise afogar, inevitavelmente, dentro de instantes, se
ninguém a ajudar. O marido, que também está pesadamente vestido, mas que é bom nadador,
considera que deve “deixar que as coisas sigam o seu rumo” e é assim que se decide. No molhe
passeiam numerosas pessoas que ali passam férias. Algumas não se deram conta do acidente.
Outras observaramno mas não fazem nada. A mulher morre afogada. Cf. Wolfgang Naucke,
Ninguém mexeu uma palha, de forma que interessa definir o círculo dos
que podem ser acusados de um crime por omissão. Na primeira linha
encontramse o marido e os outros veraneantes que viram o acidente. Mas
também fará parte dos "suspeitos" o porteiro do hotel que viu o casal a discutir
e pensou que aquilo não iria durar mais do que dois ou três dias? Poderão ficar
excluídos os parentes do casal que conheciam a veemência das discussões? E o
advogado a quem a mulher informara das razões porque queria o divórcio? E o
grupo de turistas japoneses que a uns 500 metros do molhe sentiu que qualquer
coisa estava para acontecer?
O marido não prestou qualquer auxílio e deixou que as coisas seguissem o
seu rumo, pelo que fica logo comprometido com o crime do artigo 200º. O
mesmo acontece com alguns veraneantes, sobretudo os bons nadadores ou os
que tinham consigo um telemóvel e podiam comunicar com o 112 (número
nacional de socorro). O artigo 200º aplicase à omissão de auxílio, àqueles que,
pura e simplesmente, nada fazem numa situação de grave necessidade — na
norma não se exige que o afastamento do perigo seja efectivo, o que se exige é a
prestação do auxílio necessário ao afastamento do perigo. É por isso que a norma
do artigo 200º se aplica ao marido — porque, pura e simplesmente, este nada
fez. Deste modo, não é o facto da mulher ter morrido que se vai agora imputar
ao marido e/ou aos veraneantes, é apenas o facto de estes lhe não terem
prestado o auxílio necessário.
Deve, desde logo, atenderse a que são requisitos comuns gerais à omissão própria e à omissão
imprópria:
) À primeira vista, "punir as omissões pode parecer semelhante a punir pensamentos ou intenções; por
28
outro lado, omitir uma conduta é imediatamente equiparado a um "nada fazer" que não é abrangido por
uma ordem de proibições basicamente constituída por proibições de acções". Todavia, "no campo ético",
acções e omissões podem equiparar-se: "segundo a linguagem das normas, as proibições podem integrar
comando de acções" (Prof. Fernanda Palma, RPCC 9, p. 553; cf. também Prof. Eduardo Correia, Direito
Criminal, I vol., p. 271). Os crimes de omissão pura são crimes de desobediência — no artigo 200º o
comando versa sobre o auxílio necessário ao afastamento do perigo na concreta situação de grave
necessidade, o comportamento não consiste numa qualquer actividade, mesmo que em abstracto se trate de
uma actividade útil. Os crimes de comissão por omissão (omissão impura) devem ser vistos como de não
evitação do resultado ordenada pelo comando da acção com que se pretende obviar à lesão de um
determinado bem jurídico.
Veloso).
Os crimes de omissão são crimes de dever; os crimes de comissão por omissão são, além
disso, crimes específicos. Em ambos os casos, autor é o omitente. Nos crimes próprios, o facto
punível esgotase na infracção de uma norma preceptiva, nos crimes impróprios a norma
socorro, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
• 2. Se a situação referida no número anterior tiver sido criada por aquele que omite o auxílio
devido, o omitente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até
240 dias.
• 3. A omissão de auxílio não é punível quando se verificar grave risco para a vida ou a
integridade física do omitente ou quando, por outro motivo relevante, o auxílio lhe
É necessário ter em atenção as limitações da própria capacidade de agir. Tratase aqui, não da
capacidade física de executar uma determinada acção. Não se omite o auxílio com um barco a
uma pessoa que se afoga, se não existe barco (Stratenwerth, AT, p. 278 e ss.); ou, no exemplo de
Wessels, quem passeia em Bona não omite o salvamento de pessoas que caíram ao Reno em
socorro de um médico pode ser limitado se ele não dispuser dos instrumentos e dos
medicamentos necessários.
III. Artigo 10º — comissão por acção e por omissão, omissão imprópria.
domínio.
responsável pela morte da sua mulher deve ou não ser mais elevada do que a
pena dos que se limitaram a não prestar o auxílio a que estavam obrigados.
• "1. Quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não
podemos surpreender o enfoque dogmático sobre o qual gira a equiparação da omissão à acção
no actual Código Penal, qual seja: a existência de um dever jurídico de garante pela não
produção do resultado que recaia sobre o omitente. É, pois, nesta categoria dogmática —
claramente assumida como o único elemento capaz de dar consistência à própria imputação do
diminuída o que, em bom rigor, é o mesmo — que encontramos uma razão de ser para que um
non facere possa merecer o mesmo desvalor, quer de omissão, quer de resultado, que o próprio
Nos seguintes grupos de casos, pode não ser nítida a distinção entre acção e omissão (cf. v. H.
Heinegg, p. 362):
• i) Acção e omissão seguemse, uma à outra, no tempo — A, que, distraído, conduzia o seu
automóvel, atropela B, ciclista, que seguia pela sua mão de trânsito; A não socorre B, e
conscientemente abandonao, ferido, sabendo que o mesmo, se não for socorrido, vai morrer, o
que efectivamente acontece. Para boa parte da doutrina, tratase de um problema de concurso:
• ii) Durante a sua actuação, o sujeito omite o cuidado devido — A causa um acidente com
• iii) Em vez da acção esperada, seguese uma outra — A, médico, opera por erro a perna
consciente de B.
• vi) É o próprio sujeito quem se coloca na impossibilidade de actuar de acordo com o seu
dever: O nadadorsalvador não pode salvar B, que está prestes a afogarse, por ter perdido a
Vem de muito longe a questão da equiparação entre acções e omissões que num sentido
jurídico provoquem um certo resultado, lembra a Prof. Teresa Beleza, p. 519. E cita uma
disposição dos Fueros de Medinaceli relativa à omissão como uma forma de execução da pena
capital: non coma nin beba ata que muera. A propósito do ius maletractandi, também García de
Cortázar, na Historia de España Alfaguara II, p. 229, refere o amplo direito de coerção do
senhor relativamente aos camponeses: "al solariego puede el señor tomarle el cuerpo e todo
cuanto en el mundo ovier", dirá el Fuero Viejo de Castilla, y cuanto a Aragón, Pedro IV
reconoció en 1380 que el señor no sólo podía encarcelar al colono sino hacerlo morir de
hambre, sed o frío." Uma visita a Peñiscola levanos invariavelmente à residência do “último”
papa de Avinhão, o aragonês Pedro de Luna (Benedito XIII, o “Papa Luna”) e ao local dos
emparedamentos. O condenado era metido num buraco aberto na parede da principal sala do
“castelo”, que o carrasco se encarregava de tapar com tijolos. Faltandolhe uma fresta para
respirar, a morte era quase imediata (por acção?!). Na variante em que se lhe deixava uma
fresta, o condenado continuava a respirar, mas morria de fome e sede, lentamente, ao fim duns
dias (por omissão!), sem que lhe servisse de consolo o cheiro das iguarias alinhadas ali ao lado,
de Edgar Allan Poe, conta a história de um indivíduo que, sentindose humilhado, decide
vingarse ao jeito do Papa Luna — e castigar quem o injuriou, com a preocupação, conseguida,
de ficar impune. Na cave, diz o narrador já no final da novela, ouviuse por algum tempo o
tilintar de guizos. Depois, e durante meio século, nenhum mortal perturbou o sossego dos
• a) a produção do resultado típico (por ex., a morte ou a lesão corporal) — artigos 10º, nº
• a) o dolo do tipo;
conhecimentos pode impedir o sujeito de agir, por ex., se não souber fazer
funcionar o motor do barco.
Justificase a imputação do resultado ao omitente e, consequentemente, a
causalidade quando se puder afirmar que a acção devida e omitida teria
certamente evitado o resultado. Naturalmente, nunca se pode ter a certeza
absoluta de que o teria evitado. "Quando se fala de certeza neste contexto
entendese uma probabilidade muito elevada, uma probabilidade a raiar a
certeza, de modo que não subsistam dúvidas suficientemente relevantes para
impedir a condenação. Uma orientação moderna vai mais além e faz a
imputação sempre que se pode afirmar que a acção devida teria diminuído o
perigo de produção do resultado (critério do aumento de risco aplicado às
omissões)". (J. A. Veloso).
O dever de garantia, a posição de garante, assenta num dever especial
(dever pessoal, como diz a lei: artigo 10º, nº 2) de evitar o resultado. O artigo 11º
do Código Penal espanhol de 1995 equipara a omissão à acção quando exista
uma específica obrigação legal ou contratual de actuar ou quando o omitente
tenha criado uma situação de risco para o bem juridicamente protegido
mediante uma acção ou omissão precedente. Mas o legislador português não
seguiu essa linha de orientação. Nomeadamente, não limitou as fontes do dever
jurídico de agir à enumeração tripartida tradicional, que é considerada pouco
satisfatória: a lei, que define deveres jurídicos primários; o contrato, por ex., uma
educadora assume o dever de vigiar a criança que foi confiada aos seus
cuidado; e a ingerência, ou seja, uma actuação precedente geradora de perigos.
A questão tem a ver directamente com o princípio da legalidade, aceitando
se correntemente a determinação das posições de garante — na esteira da
doutrina alemã — a partir de planos que complementam os tipos. Em suma, a
ordem jurídica tem que fornecer a fundamentação para relacionar o omitente
com um certo resultado.
176.
Para o Professor Figueiredo Dias, o dever de garantia não resulta dos indicados fundamentos
positivos (lei, contrato e ingerência), mas sim de "uma valoração éticosocial autónoma,
acção na situação concreta, por virtude das exigências de solidarismo do homem para com os
(digamos existencial) entre o omitente e determinados bens jurídicos que ele tem o dever
pessoal de proteger, ou entre o omitente e determinadas fontes de perigo por cujo controlo é
garantia se afirma. Esta concepção (que liga o dever de garantia à proximidade do agente com
certos bens jurídicos e determinadas fontes de perigo, antes que directamente à lei, ao
contrato e à ingerência) tem a seu favor o advérbio “pessoalmente” do nº 2 do artigo 10º. Deste
modo, repetese, não haverá objecção decisiva a que as margens da equiparação sejam
alargadas, de modo a caberem dentro delas situações como as de “clara comunidade de vida”
ditas de “monopólio”.
tudo o resto, na esfera de domínio positivo do omitente. Este tem de poder intervir,
em termos reais, no nexo de causação/evitação do resultado desvalioso.
"Na verdade — escreve o Prof. Faria Costa —, se o dever jurídico de garante emergir da lei e do
contrato podemos conceber que o omitente não esteja fisicamente presente no momento em
que se desencadeia o resultado proibido e nem por isso ele deve ver excluída a sua
responsabilidade. O pai que, com manifesta negligência, deixa o filho, de 4 ou 5 anos, em casa
onde há uma varanda sem gardeamento protector e sai, para ir ao cinema, é responsável, se
bem que por negligência, pela morte de seu filho se este tiver caído da varanda abaixo.
Todavia, mesmo assim, o critério da presença física situacional do omitente — fora, repetese,
das situações que não tenham sido envolvidas pela força conformadora da lei e do contrato —
não é ainda de todo em todo convincente. Daí que ele deva ser visto tãosó como um critério
adjuvante e densificador. Mas com ele, verdadeiramente, ainda se não responde à questão
essencial, qual seja: porque razão é que um anónimo cidadão que passeia ao pé de um
pequeníssimo lago de um jardim público e vê nele uma criança a afogarse e nada faz —
quando é a única pessoa presente — pode e deve ser penalmente responsabilizado pela morte
da criança? Porque motivo é que nasce para esse anónimo cidadão um especial dever de
O fundamento dos deveres de garante: dever de justiça, obrigações naturais — artigo 402º do
Código Civil. "Com todas as dúvidas e hesitações que a complexidade do problema justifica,
talvez encontrar na norma que o artigo 402º do Código Civil contempla". (...). O étimo comum
das situações que queremos aqui encontrar poderseá resumir na seguinte fórmula: em ambos
os casos o agente deve, por um imperativo de justiça, actuar de modo juridicamente relevante.
Sucede que, no campo do direito civil, a ordem jurídica só retira consequências a partir do
exigida assenta no facere —, enquanto, se estivermos dentro do direito penal, a ordem jurídica
comunicacional que a comunidade quer ver cumprida." Prof. Faria Costa, A Omissão.
Situação
A E 1 5
UM UM BEM
PERIGO JURÍDICO
B C D 2 4
3
Muitos bens jurídicos indeterminados (A-E) Muitos perigos indeterminados (1-5)
estão ameaçados por um perigo ameaçam um bem jurídico
Não falta hoje quem defenda (cf. Figueiredo Dias) que, na “ingerência”, não basta que o perigo
seja adequado, mas é ainda necessário que ele tenha sido ilícita ou inadmissivelmente criado.
Sendo assim, o automobilista não estaria investido na posição de garante de evitar o resultado
letal se ele não tivesse produzido ilicitamente o acidente e ainda que este constituísse causa
adequada da morte. Mas não estaria excluída a punibilidade pelo artigo 200º.
garante será o seguinte: o do ciclista que, para salvar a vida, se desvia numa
curva do automobilista que em sentido contrário vem fora de mão e que,
despistandose, vai ferir uma pessoa que aguarda na paragem do autocarro.
Podendo o ciclista invocar uma situação de necessidade justificante no
afastamento dum perigo para a sua própria vida (vida em comparação com a
integridade física), ainda assim, parece que lhe compete o dever de evitar
outros danos maiores na pessoa do peão. Houve, da parte do ciclista, uma
intervenção na esfera pessoal de um terceiro que nada tinha a ver com o que
que se passou na estrada (Kühl, p. 590). Podemos chegar à mesma conclusão no
caso do indivíduo que, sem saber que outro se encontra dentro, fecha a porta
duma divisão dum edifício (actuação precedente), omitindo a libertação de
quem ficou privado de se movimentar quando posteriormente se apercebe do
que antes fizera. Por outro lado, não bastam perigos mínimos (princípio de
bagatelas): quem, por ex., oferece álcool a outrem não é ainda garante
relativamente ao perigo daí proveniente (por ex., através da condução
automóvel). O perigo de causar um prejuízo a outrem deve ser, como já se
disse, um perigo adequado. Assim, falta especialmente o perigo se se abre um
círculo de responsabilidade para outrem. Quem, por ex., indica outrem como
testemunha num processo não é cúmplice, por omissão, de falsas declarações
(artigo 359º, nº 1). Finalmente, o dever de garante do condutor nos casos
indicados é só em relação ao bem jurídico posto em perigo pela sua violação do
dever (vida, integridade física da vítima do acidente), já não em relação a outros
perigos que ameacem a vítima, ou que ameacem, por ex., o cônjuge do agente.
No capítulo da responsabilidade por condutas ilícitas de terceiro (dever
de garante por vigilância de outrem), cabe começar por observar que cada um é
responsável pelos seus próprios actos e que a este princípio apenas fogem os
educadores quanto aos menores, os professores relativamente aos alunos no
respectivo círculo escolar, os guardas prisionais para com os maus tratos
recebidos por presos de outros presos. A responsabilidade termina, por ex., no
cônjuge. Entre marido e mulher haverá um especial dever de protecção, mas
quem não impede o seu cônjuge de cometer crimes não assume qualquer
posição de garante, restando apenas a questão residual de saber se existe uma
forma de comparticipação.
Os laços familiares impõem deveres de garante, mas o âmbito em que isso
ocorre não foi ainda estabelecido com a necessária precisão. O núcleo
fundamental assenta no vínculo natural dos pais para com os seus filhos.
Enquanto os filhos, por si sós, são incapazes de sobreviver, têm os pais o dever
de lhes prestar a colaboração correspondente às suas necessidades. Não
Arzt, JA 1980, p. 713, põe em confronto duas situações extremas: os sobrevivente dum
naufrágio que — até em sentido figurado — se sentam no mesmo barco, procurando salvarse,
exterior são essencialmente distintos. No caso da discoteca não se origina uma autêntica
comunidade na desgraça. Mas, conclui Arzt, os náufragos, que se encontram no mais absoluto
e de se apoiar reciprocamente, são garantes da evitação dos danos que ameacem qualquer
deles.
No domínio da estreita relação de vida não existe pleno acordo quanto ao âmbito dos bens
jurídicos cuja lesão há que impedir se não se quer incorrer num crime de comissão por omissão:
"que se castigue por "homicídio por omissão" quem deixa morrer a tia doente com quem vive"
não significa, porque seria "grotesco", que o sobrinho responda igualmente por "dano por
omissão" se omite alimentar o canário da tia ou regar as suas flores. Gimbernat, que cita
Grünwald nesta passagem, comenta: estes exemplos, com que se pretende demonstar que as
por todos os bens jurídicos (vida, propriedade, etc.) de quem goza da garantia, fizeram carreira
assalto não comete qualquer receptação por via da sua omissão. Nem existe
qualquer dever jurídico que obrigue a remover escritos difamatórios na parede
de uma casa. O dono da casa não comete nenhum crime contra a honra por
omissão. A vigilância de fontes de perigo ligase ainda a camiões, animais —
pensese no tigre fugido do jardim zoológico ou do circo, e a determinado tipo
de instalações. Quando a ordem jurídica aprova o domínio sobre essas coisas
nasce o dever de as controlar e de evitar os perigos que delas derivam. Já
levantam dúvidas os casos em que um terceiro colabora na criação da situação
perigosa. O proprietário dum camião tem que o manter em condições de
circular mas também tem que impedir a condução por incapazes ou por quem
não esteja habilitado. Na condução por pessoa embriagada, os perigos derivam
do condutor e não da coisa, como bem se compreende.
Uma palavra ainda sobre as denominadas posições de monopólio, para
transcrever um apontamento do Prof. Taipa de Carvalho, p. 242, com o
entendimento de que estas devem ser incluídas no dever geral de auxílio (artigo
200º) e excluídas do dever de garantia, pois "não deverá ser o facto de poderem
ser vários ou apenas um a salvar o bem jurídico que fará com que se deva
afirmar apenas o dever de auxílio ou o dever de garante". Mas não se esqueça a
orientação doutrinária que apela à esfera de domínio positivo do omitente. Em
situações de monopólio, o resultado desvalioso bem poderá (deverá?) imputar
se ao omitente recorrendo a esses pressupostos explicativos e fundamentadores.
definitivo. Existem igualmente deveres de garante que não se adaptam a este esquema. Um
exemplo, para alguns, é o da burla. Pode a burla cometerse por omissão? Outra questão é a de
saber se concorre mais do que um dever de garante. Por ex., o pai (que tem naturalmente um
dever de custódia) coloca o seu próprio filho em situação de perigo para a vida (dever de
segurança por actuação precedente, geradora de perigos). Nestes casos, o próprio dever não sai
reforçado (dever não é um conceito graduável). Porém, sai reforçada a exigibilidade da acção
de salvamento.
acção — e deve estar consciente de que pode executar essa mesma acção. A
posição de garante pertence ao tipo, mas já não o consequente dever de acção,
que é elemento da ilicitude, tal como o correspondente dever de omissão nos
delitos de comissão por acção. No que respeita ao elemento volitivo do dolo, há
especialidades que devem ser assinaladas. Nos delitos de acção, há
normalmente uma clara expressão. Nos de omissão, o omitente frequentemente
"deixa as coisas seguirem o seu caminho", sem que se possa falar de uma
vontade em sentido próprio. Na maior parte das vezes excluise aqui uma
intenção. Para o dolo directo e o dolo eventual é decisivo assentar no factor
intelectual. Ex., A, mulher casada, observa no decorrer do tempo que o seu
amante se ocupa do plano de matar o marido. A situação aqui vaise
desenvolvendo, pouco a pouco, de tal modo que quanto à vontade da mulher
— comparandoa com a vontade num delito de acção — nenhumas dúvidas se
suscitam. Para o dolo basta que a mulher saiba da situação típica e conheça a
sua capacidade de agir.
No caso nº 28, parece que podemos agora colocar a pergunta decisiva: se
perante um casamento a todos os títulos "desfeito", ao marido é de impor uma
posição de garante e se, perante a sua omissão, será autor de um homicídio
cometido por omissão (artigos 10º, 131º) ou se simplesmente deve ser castigado
por aplicação do artigo 200º. Haverá ainda aí — ao menos — uma relação
fáctica de proximidade, "digamos: existencial" (Prof. Figueiredo Dias), entre o
omitente e determinados bens jurídicos que ele tem o dever pessoal de
proteger?
CASO nº 28A: A, que acompanha B, sua mulher, repara, numa aglomeração de pessoas à
entrada do Metro, que um carteirista deita a mão à bolsa da senhora e retira de lá uma nota de
para uma sua conta. Adviria então para o marido o dever de evitar o furto, por
nele se conter uma ameaça existencial. Com efeito, entendese geralmente que a
garantia só entrará em jogo quando a omissão acompanha a ruina total do
portador da garantia. Comparese a solução com o que anteriormente se
escreveu sobre os vínculos conjugais em caso de perigo para a vida.
benefício.
de uma corrente eléctrica, pelo disparo duma arma de fogo, etc. A recusa da
burla omissiva feita por M. Fernanda PalmaRui Pereira assenta na
interpretação conjugada dos artigos 217º e 10º do Código Penal, que, no
entender dos autores, só atribuem relevância à astúcia que se exprime por
acção. Estará em causa o modo de ser objectivo da acção, atendendo à energia,
ao engenho ou à persistência criminosa que ela revela. Nos crimes de forma
livre, a posição de garante é a decisiva na questão da equivalência da omissão
com um agir positivo. Pelo contrário, nos crimes em que a lei descreve os meios
de execução, a cláusula da equiparação funciona como obstáculo à comissão por
omissão, se for essa "a intenção da lei". No caso do homicídio, atendendo ao
elevado valor do bem jurídico que é a vida, basta qualquer acção que, de modo
objectivamente imputável, seja causa da morte de outra pessoa (O. Triffterer,
öst. Strafrecht, AT, 2ª ed., 1994, p. 56).
Realmente, em certos casos, não se torna necessário "procurar critérios
sofisticados de distinção" entre crimes de omissão e acção: a solução oferecida
pela experiência comum e pelo sentimento imediato possui "o toque bom" das
coisas evidentes (Prof. Figueiredo Dias, Pressupostos da punição, p. 53). Mas
naqueles em que o tipo descreve uma forma vinculada de execução, ou pelo
menos torna dependente dela o desvalor da acção, a apontada restrição legal
"só pode ter o sentido de reenviar o aplicador do direito para uma valoração
autónoma, de carácter éticosocial, através da qual ele determine se, segundo as
concretas circunstâncias do caso, o desvalor da omissão corresponde ou é
equiparável ao desvalor da acção, na perspectiva própria da ilicitude. Se, atenta a
interpretação devida ao tipo legal de acção quanto à espécie e ao modo de
execução ou aos meios determinados que ela supõe, o aplicador se pronunciar
pela não correspondência, deve ele então concluir que outra era no caso a
intenção da lei, nos termos e para os efeitos da cláusula geral de equiparação
contida no artigo 10º1" (Prof. Figueiredo Dias, ob. cit., p. 55). Ora, segundo
alguns autores, na burla a omissão tem significado social idêntico à
correspondente acção descrita no tipo, não está relacionada unicamente com a
produção do resultado, está igualmente implicada no modo típico da sua
produção: exigese, não uma qualquer lesão, mas uma lesão provocada por erro
ou engano (cf., Ebert, p. 163; Haft, p. 206). Ponto é que a astúcia, que na lei
portuguesa é elemento típico imprescindível, se possa então afirmar. No caso nº
28A ponderase a hipótese do erro que o agente causou sem astúcia (por erro:
ingerência), mas que astuciosamente não trata de remover. Se porém o
aproveitamento desse erro não corresponde ao erro provocado pela astúcia do
• Ebert, p. 163: A cláusula de equivalência tem a ver com o modo de produção do resultado,
diz respeito somente àqueles tipos que não se limitam a sancionar a simples causação
do resultado (desvalor do resultado), mas que, para além disso, exigem uma
relação somente com a produção do resultado, mas também com o modo típico da
sua produção. Na burla exigese, não uma qualquer causação dum dano mas um
dano por erro ou engano; a omissão deverá incluir portanto a não evitação de um
erro.
alargamento da punibilidade dos tipos legais da parte especial do Código. O artigo 10º
funciona como tipo aberto, necessitado de complemento, por força do qual certos agentes são
considerados como garantes da nãorealização típica. Os crimes negligentes são também tipos
abertos em que "a lei apenas descreve uma parte dos elementos do tipo e a outra parte se vê
remetida para a integração judicial do tipo, sendo dado ao juiz só o ponto de vista segundo o
qual ele tem de proceder a essa integração". Nos delitos por negligência esse ponto de vista é
agente (artº 15º do C.P.), nos delitos de omissão imprópria pela exigência da "posição de
garante". (Castanheira Neves, Digesta, p. 376). A propósito dos tipos abertos, cf. ainda Jorge
CASO nº 28C: A acabou de cumprir uma pena de prisão e encontra na casa do seu amigo
B, um apartamento de 3 divisões onde este vive com a sua companheira L e o filho de ambos,
F, com nove meses, ambiente familiar e um bom refúgio para quem, como A, se sente
desamparado. Enquanto B e L dormem com a criança num quarto, A fica numa cama
articulada, na sala, sendo os pais quem trata da criança. Às tantas, B é, por sua vez, preso e A,
que continua no apartamento, escrevelhe para a prisão, dizendolhe que tem vindo a olhar
pelo pequeno e a mãe. Esta desconhece o conteúdo da carta. Até então, a criança fora sendo
deixava, sem nada dizer, que A se ocupasse do filho. Passadas semanas, L perdeu o emprego e
passou a frequentar bares e a acompanhar com diferentes homens. A princípio, ainda L tratava
da comida da criança antes de sair, pedindo a A que lha desse, o que ele fazia, mas com o
correr dos dias a mãe foise esquecendo do filho. A, que lhe reprovava a falta de cuidado para
com a criança, ameaçou denunciála à segurança social, mas ainda assim foise ocupando dela
até que conseguiu um emprego. L não combinou nada de especial com A quanto aos cuidados
do filho, não obstante as suas prolongadas ausências, e este ficou ao abandono, pois A só ao
fim da tarde lhe podia valer. Mesmo assim, nunca mais foi limpo e as bebidas eramlhe
deixadas na cama que continuava numa sujidade execrável. Em Outubro, A esteve ausente por
uns dias, mas quando voltou não foi ver a criança. Durante esse tempo, em que a criança
passou fome e sede, a mãe esteve em casa apenas durante umas horas. A apercebeuse da
situação em que se encontrava a criança, mas nada fez, por estar convencido de que L tomaria
providências. Depois da morte da criança, A e L passaram a dormir juntos, até que ela iniciou o
em quando. A cuidava de L quando esta frequentemente se sentia mal. Certo dia, quando se
que a vida de L estava ameaçada mas nada mais fez, deixandoa confiada ao seu destino.
Algumas horas depois L morreu. Apurouse que, sem dúvida, teria sido salva se na altura A
CASO nº 28D: A é filho de um médico, B, com quem vive. A sofreu um acidente e para lhe
salvar a vida impõese uma transfusão de sangue imediata. A situação é de tal ordem que B é a
única pessoa cujo sangue serve para a transfusão. Acontece até que, de momento, B é também a
única pessoa que pode proceder a essa transfusão. Está junto de si uma enfermeira que o pode
ajudar a dar o sangue e a proceder à transfusão. Todavia, B não dá o sangue e A morre. A teria
do artigo 10º, nº 1 — e "meio adequado para afastar um perigo" do artigo 34º. Cf.,
perigo". Recorde, por último, que no artigo 200º, nº 1, se emprega o termo "auxílio
CASO nº 28E: X estava a tomar banho na albufeira de uma barragem quando, de repente,
lhe deu uma cãibra, ficando prestes a afogarse. A, que ia a passar, apercebeuse de tudo.
Podia, inclusivamente, terse lançado para um dos barcos que ali se encontravam ancorados e
alcançar o X, para o salvar, mas nada fez. X morreu afogado, mas teria sido salvo se A se
Variante: O barco de brinquedo do menino Zézinho estava prestes a ir a pique nas águas da
albufeira da mesma barragem o que, inevitavelmente, conduziria à sua perda. F, que por ali
passava, e que podia terse metido num barco e retirado o barquinho das águas, nada fez. Se F
tivesse acorrido a tirar o barquinho das águas, este não se teria afundado na barragem. Cf. J.
CASO nº 28F: O cão de estimação de A é um animal de raça e muito valioso, com vários
prémios já ganhos, mas que tem uma especial embirração pelo pequeno cão do vizinho, um
pacífico cachorro, rafeiro, igualmente estimado por B, seu dono. A "fera", às tantas, avança
sobre o pequeno animal que, imediatamente, fica ameaçado de morte. A, que sem esforço
podia impedir o seu cão de atacar o outro, nada fez, embora se tenha apercebido de que o
cãozinho mais fraco iria ser morto, como efectivamente veio a acontecer.
acompanhantes humanos. A, que tudo viu, nada fez para evitar a "apropriação" indevida e
definitiva das salsichas, ainda que, facilmente, pudesse ter evitado que tal acontecesse, fazendo
com que o cão "devolvesse" o alheio. As salsichas acabaram por ser comidas pelo cão de A. Cf.
Hruschka, p. 118.
CASO nº 28G: X estava a tomar banho na albufeira de uma barragem quando, de repente,
lhe deu uma cãibra, ficando prestes a afogarse. A, que de tudo se apercebeu, lançouse para o
barco de recreio de B, com intenção de rebentar a porta que dava acesso à cabina de pilotagem
agarrandose a ele com ambas as mãos —, impedindoo assim de entrar na cabina de pilotagem
e utilizar o barco. X morreu por afogamento. Teria sido salvo se B não tivesse impedido A de
no primeiro andar. A avó A, também no mesmo andar, mas em outra parte da casa, pede
auxílio. O fogo no interior da casa impede um e outro de fugir. X apercebese que o telhado se
vai desmoronar e que só terá tempo de, com o auxílio de uma escada, salvar o irmão I ou a avó
Wessels.
2. Qual seria a situação se X tivesse encontrado na casa que ardia em vez da avó A a sua amiga
Me
a) salva I e M morre;
Indicações para a solução: (cf. Wessels) Deve começar por verificar se é caso de omissão e se X
geral de auxílio. O resultado típico do homicídio (artigo 131º) produziuse: o telhado, ao cair,
matou a avó. No 1º caso, X não realizou a acção adequada para para salvar a avó. Antes de
foi causal da morte da avó. X, como garante, em razão da existência de um laço estreito com a
avó, tinha o dever de impedir a sua morte, pois familiares muito chegados e com quem se
integridade física ou a vida. No caso não tem que se fazer qualquer prova da equiparação da
omissão à acção, por se tratar de homicídio doloso. Pode pôrse a questão de saber se a não
actuação de X no que respeita à avó se encontra coberta por uma colisão de deveres justificante
(sendo os deveres de diferentes categorias, o agente não actua ilicitamente se cumprir com o
cumprir com um deles). No caso nº 28G, tratase de colisão de deveres. X estava obrigado a
evitar como garante o resultado face a ambos, e para o direito todas as vidas são absolutamente
deixa liberdade ao destinatário da norma para se decidir por um ou por outro dever. Assim, X
actuar, o de garante face ao irmão, que X cumpriu. Um dever de garantia afasta o dever geral
de auxílio.
No caso da alínea b) X realizou, face ao irmão, o tipo do artigo 131º. Não existe uma colisão de
deveres. Não consta a razão pela qual X se equivocou acerca do seu dever jurídico de actuar,
ou seja, se, por ex., tivesse acreditado que, na situação concreta, tinha a liberdade de salvar
qualquer dos dois. (E se salvou a noiva porque esta (por ex., estavam noivos) lhe estava
CASO nº 28H: P, exímio nadador, enquanto passeia na praia, observa um rapaz que por
entre as ondas se debate e que, manifestamente, se afoga se não for socorrido de imediato. P
O marido do caso nº 28 vê como a sua mulher se debate nas águas, prestes a afogarse, mas
nada faz, pois, conhecendo embora os recíprocos deveres que se devem os cônjuges que vivem
em estreita comunhão de vida, ainda assim está convencido que, perante as contínuas
infidelidades da mulher, só lhe cabe um difuso dever de auxílio e não o de evitar que a mesma
morra.
previsto que quem se afogava era o seu próprio filho. No segundo caso,
concluindose por um erro de valoração ou erro moral, o marido pode ser
absolvido com fundamento em erro não censurável sobre a ilicitude — artigo
17º, nº 1, ficando para resolver se nesse caso poderá vir a ser condenado com
base no artigo 200º.
perante os crimes de comissão por omissão: a omissão de auxílio só entra em questão onde não
interpretação do artigo 10º do Código Penal deve fazerse em si mesma e por si mesma,
dos dois preceitos em alguma área se cobrirem, deve aí darse decidida prevalência ao artigo
• Acórdão do STJ de 9 de Julho de 2003, CJ 2003, tomo II, p. 240: pratica um crime de
homicídio por omissão o arguido que vivendo com a vítima que é sua mãe, tem 80 anos de
idade e está acamada, durante 12 dias não lhe deu qualquer tipo de alimento, nem
providenciou para que alguém o fizesse; ausentouse de casa, bem sabendo que a vítima
ideia de que tal abstenção lhe poderia causar, como causou, a morte. A relação de
voto de vencido.
pondose em fuga, por recear as pessoas presentes, que imediatamente socorreram a vítima
• Acórdão da Relação de Coimbra de 1 de Junho de 1988, CJ, XIII, t. 3, p. 110: comete o crime
de homicídio por omissão a ré que teve plena consciência de que a conduta do coréu
filho, e podendo têla contrariado ou impedido, nada fez nesse sentido. O dever de agir
para evitar o resultado necessário derivava, nesse caso, do disposto no artº 1878º do C.
Civil.
• Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 1990, CJ, 1990, tomo I, p. 33: pratica também o crime de
omissão de auxílio o autor de crime de ofensas corporais qualificadas pelo resultado letal,
que não removeu, nem procurou remover o perigo que criou através da sua anterior
conduta criminosa.
• Acórdão da Relação de Évora de 14 de Maio de 2002; CJ 2002, tomo III, p. 269: o bem
mas sim o direito natural de socorro que assiste a todas as pessoas. Assim, o facto de a
morte da vítima ter ocorrido imediatamente após um acidente não obsta à verificação
daquele crime.
• Acórdão do STJ de 10 de Fevereiro de 1999, CJ, 1999, tomo I, p. 207: comete o crime de
omissão de auxílio do artigo 200º, nºs 1 e 2, do Código Penal, o condutor que se afasta do
local do acidente sem providenciar socorro à vítima, apesar de haver aí pessoas, uma delas
haver mesmo chamado uma ambulância, e ter regresssado mais de dez minutos depois, já
por omissão.
Conimbricense, p. 846.
Wert, p. 107.
• Augusto Silva Dias, A Relevância jurídico penal das decisões de consciência, Coimbra,
1986.
1999.
• E. Gimbernat Ordeig, Comentario al artículo 11, in Cobo del Rosal et alii, Comentarios al
• E. Gimbernat Ordeig, Das unechte Unterlassungsdelikt, ZStW 111 (1999), p. 307 e ss.
• Gunther Arzt, Zur Garantenstellung beim unechten Unterlassungsdelikt (2. Teil, 2. Hälfte),
JA 1980, p. 712.
• Hans Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969, parcialmente traduzido para espanhol
por Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez com o título Derecho Penal Aleman,
• José António Veloso, Apontamentos sobre omissão, Direito PenalI, AAFDL, 1993.
• José de Faria Costa, Omissão (Reflexões em Redor da Omissão Imprópria), BFDUC. vol.
LXXIII, 1996.
• Juan Antonio Lascuraín Sánchez, Los delitos de omisión: Fundamento de los deberes de
• Júlio Gomes, Estudo sobre o dever geral de socorro, in Rev. de Direito e Economia, ano XIV
(1988), p. 101.
• Karl Lackner, StGB, Strafgesetzbuch mit Erläuterungen, 20ª ed., Munique, 1993.
• Manuel António Lopes Rocha, A parte especial do novo Código Penal Alguns aspectos
Conimbricense, p. 91.
• Maria do Céu R. S. Negrão, Sobre a omissão impura, RMP, ano 7º (1986), nº 25.
• Maria Fernanda Palma, A teoria do crime como teoria da decisão penal (Reflexão sobre o
• Marta Felino Rodrigues, A teoria penal da omissão e a revisão crítica de Jakobs, Coimbra,
2000.
• Pedro Pitta e Cunha Nunes de Carvalho, Omissão e Dever de Agir em Direito Civil.
• Seelmann, "Unterlassene Hilfleistung" oder: Was darf das Strafrecht? JuS 1995, p. 281.
• Teresa Quintela de Brito, A tentativa nos crimes comissivos por omissão: um problema de
• Torio Lopez, Límites políticos criminales del delito de comisión por omisión, Anuário de
§ 29º A negligência.
automóvel, onde viajavam outras três pessoas, mas o carro vem a ser aí embatido por
ele dois dos passageiros. O outro ficou gravemente ferido. Considere as seguintes
variantes:
• a) A tinhase levantado nesse dia descontente com a vida e "disposto a fazer sangue". Não
lhe repugnava, até, que o seu nome viesse nas primeiras páginas dos jornais. Quando
abriu as cancelas sabia muito bem que o segundo comboio estava prestes a passar pelo
local e previu que o carro de B, que se aproximava, seria arrastado e esmagado pela
composição.
nortenho que ia jogar à Capital. A não fora informado da passagem deste segundo
comboio nem lhe era possível saber que esse comboio iria passar.
• c) A fora informado da passagem do segundo comboio, mas esqueceuse e foi por se ter
em estado de extrema fadiga por causa do trabalho a que vinha sendo submetido desde
há dias. Com efeito, quem fazia os outros turnos, inclusivamente os turnos da noite, não
uma vez, a protestar com veemência junto dos seus superiores, mas ninguém ligou.
actuação dolosa, pode ainda pôrse a questão da sua punição nos termos do artigo 137º,
desde que se conclua que o agente matou outra pessoa, já não com dolo, mas por
negligência. Além deste preceito, e de outros, não muitos, prevêse no Código Penal a
punição da ofensa à integridade física por negligência (artigo 148º) e a condução, pelo
menos por negligência, de veículo com uma TAS (taxa de álcool no sangue) igual ou
superior a 1,2 g/l (artigo 292º). O Código conhece combinações dolo/negligência. Por
ex., o artigo 272º (incêndios, explosões e outras condutas especialmente perigosas) segue
(ex., artigos 18º, 145º). Mas é em vão que se procura um dos vários crimes sexuais ou de
falsificação documental com esse desenho típico, pois todos têm expressão dolosa. Por
outro lado, em caso de erro sobre as circunstâncias do facto (artigo 16º) fica ressalvada a
punibilidade por negligência, mas esta só ocorre se uma norma a prevê nos termos
Até há relativamente pouco tempo, os crimes negligentes tinham uma importância limitada.
Historicamente, foram sendo tratados como uma raridade, só saíram da sombra em que
Hoje em dia domina a opinião de que o delito involuntário constitui um tipo especial da
acção penal com estruturas autónomas no que respeita à tipicidade, à ilicitude e à culpa:
a negligência não é uma simples "forma de culpa", mas um tipo especial de conduta
era igual, tanto dava que o crime fosse doloso como negligente. O crime construíase
importância, o resultado era exactamente o mesmo nos dois casos, não era possível
causalista, por isso mesmo, não aprofundou o problema do ilícito dos crimes
Bustos Ramírez, p. 262 e ss., podem lerse os pormenores da evolução posterior dos
crimes negligentes.
cfr. o artigo 15º. Rui Pereira, A relevância da lei penal inconstitucional de conteúdo
Deste modo, age com negligência quem, por não proceder com o cuidado
a que, conforme as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, não chega
sequer a representar a possibilidade da realização típica (negligência
inconsciente). Age ainda negligentemente quem, de forma ilícita e censurável,
representa como possível a realização típica mas actua sem se conformar com
essa realização (negligência consciente). Na negligência consciente (luxuria) o
agente representa como possível a realização de um facto que preenche um tipo
de crime mas actua sem se conformar com essa realização —o agente previu a
possibilidade do resultado, por exemplo, um acidente, e apesar disso actua, ou
deixa de tomar as medidas recomendadas na situação concreta. Na negligência
inconsciente (negligentia) o agente não chega sequer a representar a
possibilidade de realização do facto —o agente nem sequer pensou nas
consequências, embora pudesse têlo feito e devesse têlas previsto.
diferença está em que, neste último, o agente actua sem se conformar com a
realização fáctica.
resultado.
• Nem o exacto conteúdo da noção de negligência nem a sua integração na teoria do crime se
“conhecimento de realização típica” com que alguns a substituem ou que lhe dão
como acrescento. Contudo, acabou por se impor um modelo que inclui esta
negligente, entre as exposições mais conhecidas entre nós, para além dos autores
nacionais (por ex., Jorge de Figueiredo Dias, Velhos e novos problemas da doutrina da
as de Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: AT, 4ª ed., 1988, de que há tradução espanhola;
Johannes Wessels, Strafrecht, AT1, 17ª ed., 1993 (com uma 32ª edição em 2002
a partir de edições muito anteriores; e Mir Puig, Derecho Penal, Parte general,
Barcelona, com diversas edições. Cf., ainda, sempre com proveito, F. Muñoz Conde,
realização típica. Tratase de dois elementos internamente ligados e que não devem
ser apreciados isoladamente (Lackner). Escreve Kühl que os dois pressupostos típicos
não se encontram um ao lado do outro, mas estão tão “intimamente unidos” que
“não podem ser apreciados isoladamente”. Wessels exprime assim esta articulação:
não trazer nada de novo relativamente aos critérios gerais de imputação objectiva, na
medida em que só haverá negligência se o agente criar um perigo não permitido (AT,
conduz um automóvel e, por seguir distraído, não pára num sinal vermelho, age com
ninguém ou se nenhum peão ficou ferido, falta a concorrência dum evento típico —
uma coisa é a negligência enquanto elemento típico que fundamenta a ilicitude, outra
Estando indiciada a ilicitude, pode, ainda assim, intervir uma causa de justificação.
prever o resultado.
entender porque é que os mais capazes não têm que se empenhar, com toda a sua
capacidade, para evitar a lesão de bens jurídicos. Adiante veremos melhor que a
Cf., especialmente, Figueiredo Dias, Velhos e novos problemas, que, a propósito do que
alimentar".
O médico, quando leva a efeito uma diligência da sua especialidade, em especial uma
operação, deve agir de forma a evitar danos, procedendo como mandam as regras
O que em abstracto é perigoso poderá não o ser em concreto (Roxin). Todos esses
esquerda, violando a norma que o manda circular pela direita, e vem a embater
vida da criança — não será essa circunstância que fundamenta uma conduta
ilícita. Para evitar uma colisão, o condutor de um dos veículos pode — e deve —
imprimir à sua viatura uma velocidade bem acima dos limites permitidos se essa
for a forma de evitar embater no carro que vem em sentido contrário. Mas a
exige ao perito é que infrinja a norma, mesmo que, assim, se vá criar um outro
risco. Ponto é que este seja menor e se evite a fuga radioactiva. Não haveria então
chegar a impor a infracção da norma especial para evitar o mal maior. O estado
diferentes são entre si. Mas o dever de cuidado radica, desde logo, na abstenção de
risco que lhe está associado. Quem pretender conduzir um camião deverá
p. 523 e s.). Também Roxin, p. 902, entende que onde não existem modelos de
gerais de orientação: quem pretender levar a cabo uma certa conduta cujo risco
esclarecer deverá absterse de agir. Cf., agora, Figueiredo Dias, Velhos e novos
empobrecido.
certas ocasiões, nem mesmo com o maior cuidado se podem evitar. Põese em
social e, por isso mesmo, o Direito aceitaas, não as proíbe, não obstante os perigos
que lhes estão associados. As condutas realizadas ao abrigo do risco permitido não
contém nos limites do risco permitido, se num atropelamento não criou nem
Não actua de forma negligente quem se mantém nos limites dum risco permitido. As
medida em que a acção causadora do resultado — que assim não representa uma
lesão do dever de cuidado nem tão pouco a realização dolosa de um tipo de ilícito
quem causa um resultado típico através de uma acção que aumenta o risco acima
O problema material é já antigo; embora em 1861 se dissesse que o caminho de ferro era
perigosas", como também havia cavalos que tomavam o freio nos dentes, crianças
que caíam nos poços, combustões que causavam danos, em resumo, também
certas coisas do uso diário eram perigosas. Para poder chegar à formulação do
âmbito do tráfego ferroviário e rodoviário, e, por outro, que se soubesse até que
nas actividades perigosas que se iam ampliando — e mesmo saber até que ponto é
imprudente, p. 173.
desconfiança dos outros? Quem entra numa via rápida com muito trânsito confia
constante, tratase de uma confiança que não o deve ser, i. é, que não está
S/S, p. 211 a 215). No mesmo local podem consultarse outras indicações úteis
física (as quais justificam o comentário) que nesse âmbito possam vir a ser
cabine, etc. Também para Kienapfel aparece o princípio da confiança, bem como a
questão do tempo de reacção, com especial significado no que toca à limitação dos
A é atropelado e fica tão ferido que não restam quaisquer esperanças de o salvar. Ainda assim,
homicídio de A, nos termos do artigo 137º, nº 1, mas só pelas ofensas corporais (artigo
148º, nº 1) produzidas.
Com efeito, "as acções negligentes de resultado pressupõem uma estrutura limitadora da
objectivo de cuidado (...), valorado também pelo critério individual e geral, e de outro, a
violação do dever e o resultado". Prof. Faria Costa, O Perigo, p. 487. Os autores, citando
Exner, acentuam que a soma de uma conduta descuidada com um resultado causado por
esta não pode bastar para fundar a responsabilidade por um crime negligente, sendo
necessário que o perigo criado pelo agente com a sua conduta típica se concretize no
resultado para que este possa ser imputado àquela. Faltará o nexo de ilicitude ou
respectiva acção e no nexo de ilicitude. Falta este no caso em que o resultado se teria
reacção provocada pelo álcool, cai e é atropelado pelas rodas traseiras da viatura. Se o
condutor tivesse observado a distância regulamentar (1m, 1,5m) o acidente mortal teria
acção (ultrapassar a curta distância) sem que o resultado desapareça com a necessária
segurança, então não falta a causalidade mas a conexão de ilicitude. A actuação de T não
cuidado, só por si, não preenchem o correspondente ilícito típico. Para além da causalidade da
conduta, o resultado tem que ser "obra" do sujeito, tem que lhe ser objectivamente imputável.
Se A, por atropelamento, sofreu pouco mais do que uns arranhões, pode vir a morrer no
despiste da ambulância que o transporta ao hospital. Se a vítima partiu uma perna pode vir a
condutor do carro pela morte do atropelado, como "obra" sua? E se a vítima vem a morrer por,
Sofreu lesões na cabeça, mas apesar das dores violentas e do conselho dos médicos, não
desistiu da viagem e veio a morrer no avião. Se tivesse sido operado a tempo, havia
Ao lado dum risco básico permitido, que não pode ser excluído mesmo quando concorram
nevoeiro, partes de estradas com gelo, deslocações em horas de ponta) sempre que a
realização da actividade sob as condições que incrementam o risco se considere mais útil
do que a sua proibição absoluta. Tornase por isso impossível indicar o risco permitido
fazendo uso duma percentagem. (...) A medida mínima do risco quotidiano convertese
numa ampliação da liberdade de actuar: quem conduz com pneus gastos a uma
velocidade de apenas 10 quilómetros por hora, ou quem não respeita às duas da manhã
modo não permitido, mas não supera o risco mínimo permitido no tráfico rodoviário. G.
Jakobs, El delito imprudente, p. 174. Uma vez por outra, em dia de forte tempestade e de
• A mais do que se disse, não serão imputáveis resultados que não caiam na esfera de
protecção da norma de cuidado violada pelo agente: o ladrão que ao praticar o furto dá lugar à
perseguição pelo guarda, que vem a morrer atropelado, não infringe um dever de cuidado e
não é responsável por essa morte. Outro exemplo: O condutor T segue a alta velocidade e
condução, todavia, mesmo à velocidade regulamentar, o acidente não teria sido evitado: pode
lícito alternativo teria igualmente produzido o resultado danoso, este não dever ser imputado
ao agente.
(Gimbernat; Lackner, p. 124): não são imputáveis resultados que não caem na esfera de
protecção da norma de cuidado violada pelo agente. Deste modo, mesmo que tenha
este cuidado deriva não tinha por finalidade evitar resultados como o produzido.
protecção, não deve ser responsabilizado pelas ofensas corporais porventura sofridas
pelo peão pelo simples facto de circular a 50, já que a velocidade indicada no sinal tinha
por exclusiva função evitar ruídos exagerados que perturbassem os doentes e não a
tem que ser anestesiado para ser submetido a uma operação, mas o seu médico, antes
médico não poderá ser responsabilizado por homicídio involuntário, caso o paciente não
relativamente à anestesia mas simplesmente que a vida do doente teria sido prolongada
com o adiamento da operação. A função do dever de cuidado que impõe ao médico que
pela norma devem prevalecer sobre o registo do seu rigoroso cumprimento" (Prof. Faria
• Faltará um nexo de ilicitude se se concluir que o resultado produzido também não teria
sido evitado conduzindose o sujeito de acordo com o direito, i. e., usando do necessário
cuidado. De acordo com a fórmula do comportamento lícito alternativo, haverá que colocar a
seguinte hipótese: "O que é que teria acontecido se, na situação concreta, o agente se tivesse
comportado de acordo com o direito?" Gimbernat recorda que para evitar este recurso a
1962, a sua teoria do "aumento do risco", que não opera com nenhuma especulação hipotética,
mas apenas com saber se a conduta negligente, em comparação com a correcta, incrementou ou
não o risco de produção do resultado. O próprio Gimbernat, por seu lado e nesse mesmo ano,
introduziu na ciência penal a teoria do "fim de protecção da norma", que igualmente prescinde,
concreto produzido era um dos que o Direito queria evitar com a imposição de um
Recapitulando: Tal como o "dolo", o conceito jurídico da "negligência" tem, como forma de
conduta e forma de culpa, uma dupla natureza, o que implica um exame "de dois
graus". Dentro do tipo de ilícito deve comprovarse que não foi observado o cuidado
negligência individual.
1) Tipodeilícito
2) Tipodeculpa
nem "cumplicidade". Uma acção negligente, em que o autor “não conhece” nem
“quer” o resultado, nunca pode representar uma decisão de actuar (artigo 22º, nº 1).
Código Penal. Artigo 15º (Negligência). Age com negligência quem, por não proceder com o
como possível a realização de um facto que preenche um tipo de crime mas actuar sem
se conformar com essa realização; ou; b) Não chegar sequer a representar a possibilidade
da realização do facto.
conceito de negligência.
Nos crimes negligentes não podemos contentarnos com tão pouco. Tal
como o "dolo", o conceito jurídico da "negligência" tem, como forma de conduta
e forma de culpa, uma dupla natureza, que implica um exame "de dois graus":
Nos poucos crimes negligentes de mera actividade a acção típica está descrita na lei, por
ter sido realizada, o tipo de ilícito objectivo da negligência fica preenchido, desde que
o agente, pelo menos, pudesse ter previsto a sua realização como possível
necessário que o agente possa, de acordo com as suas capacidades pessoais, cumprir
Pela acção perguntamos de que é o homem capaz. Pelo ilícito perguntamos de que é que o
perguntamos de que é que este homem é capaz (Kaufmann, apud Faria Costa, o Perigo,
p. 423 sublinhámos).
ter previsto o acidente, com as mortes e as lesões corporais para as pessoas que
viajavam no carro, e absterse de abrir as cancelas antes da passagem do
segundo comboio, o que não fez. No entanto, face à situação de extrema fadiga
de A, será pelo menos arriscado afirmar que este podia ter previsto que o
desditoso evento resultaria da sua descrita actividade. Com o que estamos em
condições de afirmar que o tipodeilícito se encontra preenchido. Não assim o
correspondente tipodeculpa, pelo que a conduta de A, não sendo passível de
censura, também não será alvo de punição por homicídio ou ofensas à
integridade física negligente. Não seria certamente razoável nem exigível dirigir
um juízo de censura a quem, encontrandose nas descritas condições, não
acatou a norma de cuidado que no caso cabia para evitar o resultado danoso.
outras duas) não pode ter a virtualidade para desdobrar as infracções (cf. o ac.
anotado por P. Caeiro; ac. do STJ: BMJ374214; 387320; 395258; 403150; CJ 1990, II,
11; cf., ainda, ac. do STJ de 15.10.97, CJ, 1997V, p. 212). P. Caeiro discorda: o
fundamentar a decisão do tribunal (artigo 30º, nº 1); ainda que a decisão se baseie
pena única aplicável, de acordo com o princípio do cúmulo jurídico, começando por
determinar a pena concreta cabida a cada um dos três crimes cometidos, nos termos
nº 2, do CP) que teria como limite máximo a soma das três penas parcelares e como
• * O acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 1998, CJ 1998, tomo I, p. 173, considera que se não
• CASO nº 29A: A, durante um período, de Abril de 1995 aos começos de 1996, por
diversas vezes ofereceu a seu sobrinho E, nascido a 20 de Junho de 1981, cassetes
vídeo com filmes de terror. Entre outros, havia alguns da série "Sextafeira 13", que
herói da série era uma figura de terror conhecida por "Jasão". Na tarde de 2 de Março
Munido dum machado e duma faca, E encaminhouse para o local onde na sua ideia
deixou E irritado. Então, aproximouse de ambos e começou por vibrar duas facadas
deverão ser analisados. Por detrás destas teses está uma particular concepção da
ilicitude.
vítimas?
É, com efeito, difícil entender porque é que os mais capazes não têm que
se empenhar, com toda a sua capacidade, para evitar a lesão de bens jurídicos.
A opinião maioritária sentese obrigada a fazer uma excepção ao seu critério
generalizador do homem médio (cf., por ex., Roxin, p. 907): não obstante a
observância das exigências gerais de cuidado deve excepcionalmente afirmarse
a lesão do dever de diligência se o agente, a quem não faltam conhecimentos
especiais ou capacidades especiais, não os emprega para evitar o resultado
danoso. Como exemplo de conhecimentos especiais atentese nos de um
camionista quanto à perigosidade dum cruzamento que normalmente não é
reconhecido com perigoso. Como exemplo de capacidade especial, mencionese
o cirurgião altamente dotado ou o corredor de rali. Um e outro terseiam
comportado cuidadosamente se se tivessem empenhado de acordo com os
critérios médios de um cirurgião ou de um automobilista e assim causassem a
morte ou a lesão de uma vítima, que no entanto teriam sido evitadas se um e
outro se tivessem comportado de acordo com as suas especiais capacidades.
Notese, no entanto, que já em sede de imputação objectiva se entra em
consideração com os conhecimentos especiais do agente, o que leva o Prof.
Figueiredo Dias, negando a excepcionalidade do entendimento de ambos, a
perguntar com Roxin: "Porque é que o que vale para o conhecimento especial
não deveria ser igualmente válido para a capacidade especial?" Cf., ainda
Teresa Quintela de Brito, RPCC 12 (2002), p. 395.
• 1. Tipicidade
• i ) Tipo objectivo. Elementos típicos: acção, produção do resultado típico, conexão entre
acção e resultado.
• 3. Culpa
• i ) Capacidade de culpa.
objectivo de cuidado.
• CASO nº 29B: A e B vão juntos à caça para os lados da Idanha e resolvem ocupar o
mesmo bungalow no parque de campismo junto da barragem. Antes de se deitarem,
fazem o que em tais circunstâncias já se tornou um hábito, verificam mais uma vez
pega na arma e apontaa ao amigo, que ainda na cama se esforça por dormir "só mais
levantas já daí, levas um tiro. Então, para enorme surpresa de A, da espingarda sai o
tiro que inesperadamente atinge o amigo e o mata. A não representou nem quis tal
desfecho.
• A origem da figura "parece radicar na distinção "escolástica" entre culpa lata, leve e
levíssima que foi utilizada no direito penal comum por inspiração do direito civil. A
pretendia referir a culpa (quer a respeitante ao facto doloso, quer ao facto negligente)
• Existem normas estradais cuja violação apresenta um grau de perigo potencial superior ao
de outras: são aquelas cuja violação o Código da Estrada classifica como contra
aqueles casos em que, de forma mais flagrante e notória, se omitem os cuidados mais
lhe fez perder o controlo sobre a viatura, o que, por sua vez, deu lugar a que aquela
externo.
sem modo regular de ganhar a vida, e pela sua tendência para cometer pequenos
forma irregular, mas acabou por se deixar convencer que afinal se tratava da prenda
de anos dada por uma tia, como B insistentemente lhe assegurava. O rádio era
• De acordo com o artigo 231º do Código Penal, é desde logo autor do crime de receptação
aquele que, "com intenção de obter, para si ou para outra pessoa, vantagem
patrimonial, dissimular coisa que foi obtida por outrem mediante facto ilícito típico
para si ou para outra pessoa, a sua posse", sendo por isso punido punido com pena
de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias (nº 1). Além disso, pratica o
proveniência adquirir ou receber, a qualquer título, coisa que, pela sua qualidade ou
pela condição de quem lhe oferece, ou pelo montante do preço proposto, faz
razoavelmente suspeitar que provém de facto ilícito típico contra o património, sendo
por isso punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 120 dias.
• Na estrutura do código, o crime de receptação, para além de comportar ainda uma forma
agravada, integrase nos chamados crimes contra direitos patrimoniais, sendo, a par
anormal, por oposição a outros que, como o furto ou o dano, se caracterizam pela
subtracção de um objecto que é deslocado do seu legítimo dono para outrem ou que
auxílio material actua apenas no interesse de outrem. Na forma dolosa dos crimes de
manutenção de uma situação anormal é além disso necessário que o agente tenha
• Jescheck (Lehrbuch des Strafrechts, p. 521 e ss.) distingue, dentro do desvalor da acção
externo (cuidado como omissão de certas acções que envolvem riscos; cuidado como
• Imaginemos que A dá a B, seu amigo, uma porção de heroína e que este se injecta com a
Na medida em que A deu a heroína a B, pôsse uma condição para a morte deste. A
sentido contrário — uma vez que B ainda era capaz de, por si, tomar decisões, por ex.,
para com B, não era, por ex., médico deste, a morte de B não pode ser imputada a A.
• Em risco de perder o comboio, A promete uma boa gorjeta ao taxista se este o puser a
tempo na gare. O passageiro não será responsável por homicídio involuntário se, por
volante do carro, para que o conduza, uma pessoa notoriamente embriagada que vem
a causar a morte do peão. Neste caso, A actua com manifesta falta de cuidado.
nos casos em que, por regra, se deve confiar em que outrem não comete um crime
oportunidade de cometer um crime doloso então a vida moderna seria o mesmo que
permitido: os perigos inevitáveis são aceites por causa das vantagens individuais e
sociais que o princípio da confiança oferece. Reside aqui o autêntico núcleo da velha
teoria da proibição de regresso, segundo a qual não é punível a colaboração não dolosa
confiança.
vem sendo submetida a diálises periódicas. Dado o estado da paciente, A sabia que
tinha ingerido uma boa quantidade de álcool (como médico sabia que a taxa de álcool
no sangue deveria andar por 1,4 g/l, como efectivamente acontecia), chamou um táxi.
Foi em vão: não havia táxis disponíveis àquela hora. Contrariado, acabou por se pôr
ao volante do seu próprio carro, a caminho da casa de D. Quando, porém, seguia por
uma das ruas da localidade, de repente, sem que nada o fizesse prever, apareceulhe
na frente do carro H, que saíra alegremente de uma festa ali ao lado e por breves
instantes tinha estado parado atrás de um muro, à beira da rua, sem que o condutor o
pudesse ter visto antes. Foilhe impossível evitar embater no peão, não obstante
seguir com atenção e à velocidade regulamentar, que não era superior a 50 km/h. A
vítima sofreu ferimentos graves e caiu, inconsciente, no chão. A parou, saiu do carro,
mas viu logo que para salvar a vida de H tinha que o transportar imediatamente ao
hospital. E assim fez, pelo caminho mais rápido, sabendo muito bem que punha em
jogo a vida da sua doente renal. Logo que deixou H no hospital, A dirigiuse
ocorrida poucos minutos antes. Se A tivesse chegado uns minutos mais cedo, D,
Punibilidade de A ?
O atropelamento de H.
todavia, em termos de imputação objectiva, o resultado não poder ou não dever ser
imputado ao agente. Basta para isso pensar em um qualquer caso que a jurisprudência e
b) a hipótese do farmacêutico que não cumprindo a receita médica avia, várias vezes, a
pedido da mãe, doses de fósforo para uma criança que vem a morrer por intoxicação; c)
o caso do director de uma fábrica que, não cumprindo as disposições legais, não
leges artis, já que o indicado na situação seria a aplicação de novocaína, o que provoca a
morte do paciente. (...). Uma tal enunciação e o seu tratamento pela doutrina alemã
permitenos ter imediata consciência de que, para uma parte da doutrina, alguns
violação do dever objectivo de cuidado é condição necessária para que o facto nas acções
negligentes possa ser objectivamente imputado ao agente, é também certo que a não
Perigo, p. 487.
"Há quem entenda — quanto a nós bem, adiantese — que o interagir motivado pelo tráfego
Mais do que o cumprimento das regras de cuidado, o que importa ter presente é que,
objectivamente, vigora a ideia de que qualquer utente da via tem de confiar nos sinais,
nas comunicações, dos outros utentes e tem, sobretudo, de confiar, em uma óptica de
X. Indicações de leitura
Acórdão da Relação de Coimbra de 4 de Novembro de 1998, CJ, XXIII, 1998, tomo V, p. 45:
essencialmente o problema da culpa civil), a culpabilidade, a qual requer, para além do mais, a
prova (...) de que por sua inteligência e cultura, sua experiência de vida e situação o agente está
prescrito.
Acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 41: nos crimes
acidente produzido háde ser do tipo daqueles que a lei quis evitar quando impôs a disciplina
exige uma possibilidade concreta de agir de outra maneira, só podendo imputarse ao agente, a
título de culpa, o resultado que, dentro dos limites da sua conduta contrária ao dever, era para
ele previsível.
quando por via do mesmo acidente resulta a morte de duas ou mais pessoas, o agente comete
pluralidade de infracções.
Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 1997, CJ, 1997III, p. 212: culpa inconsciente; acidente
grave omissão das cautelas necessárias para evitar a realização do facto antijurídico, quando
não se observa o cuidado exigido de forma pouco habitual ou que no caso concreto resulta
Acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1998, CJ, ano VI (1998), tomo III, p. 183; publicado
sendo oito as mortes verificadas (por negligência), estáse perante um concurso de crimes, já
que por oito vezes se encontra violado o mesmo dispositivo legal: art.º 136, n.º 1, do CP de 1982
ou art.º 137, n.º 1, do CP de 1995. Tendo as oito mortes resultado como consequência
qualidade da água tratada para diálise — do arguido, que se prolongou de meados de 1992 a
22 de Março de 1993, verificase uma situação de concurso ideal. Estandose perante uma
insuficientes renais crónicos por não proceder com o cuidado a que estava obrigado , não
havendo manifestação de vontade de praticar actos ou omissões de que saísse tal resultado,
negligência inconsciente a ilicitude está intimamente ligada tão só ao não proceder o agente
negligência grosseira e de condução sob o efeito do álcool. Dupla valoração da condução sob o
efeito do álcool — na condenação por condução sob esse efeito e na agravação qualificativa do
Claus Roxin, Strafrecht, allgemeiner Teil, Bd. 1. Grundlagen, der Aufbau der
Eduardo Correia, Les problemes posés, en droit pénal moderne, par le développement des
Faria Costa, As Definições Legais de Dolo e de Negligência, BFD, vol. LXIX, Coimbra, 1993.
Faria Costa, Dolo eventual, negligência consciente (parecer), CJ, acórdãos do STJ, ano V
(1997).
H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: Allg. Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução
espanhola.
Hans Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969, parcialmente traduzido para espanhol
por Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez com o título Derecho Penal Aleman, Editorial
João Curado Neves, Comportamento lícito alternativo e concurso de riscos, AAFDL, 1989
Johannes Wessels, Strafrecht, AT1, 17ª ed., 1993: há tradução para o português de uma
edição anterior.
1983.
Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, RPCC 1 (1991).
José Cerezo Mir, Curso de Derecho Penal Español, parte general, II, 5ª ed., 1997.
Kienapfel, Grundriß des österreichischen Strafrechts, BT, I, 3ª ed., 1990, especialmente § 80.
ilícito negligente unidade criminosa e concurso de crimes princípio da culpa. RPCC 6 (1996).
•
•
• CASO nº 30: A quer matar o filho que acaba de dar à luz, mas sentese muito fraca por
ter tido um parto difícil e pede a B, sua irmã, que faça desaparecer o recémnascido. B
não tem qualquer interesse na morte do sobrinho, mas afogao na banheira, dando
autor, autor principal, autoria como causação, autoria como domínio do facto,
moral, autoria singular, auxiliator causam dans, auxiliator causam non dans,
No caso nº 30, B matou outra pessoa, agindo com dolo homicida. Tendo
executado o facto "por si mesma" (artigo 26º, 1ª alternativa) é autora material de
um crime do artigo 131º do Código Penal. A é instigadora, na medida em que,
dolosamente, determinou outra pessoa à prática do facto. Todavia, quando o
caso se colocou ao RG alemão, o tribunal considerou que a morte da criança só
era importante para A e que B se limitara a ajudála, pondo nisso uma atitude
puramente "altruística". Vistas as coisas assim, a figura central do
acontecimento é a mãe da criança e B figura acessória, que só deverá ser punida
como cúmplice e portanto com uma pena mais leve, como veio a decidirse.
• A induz B a matar X. B concorda e consegue que C lhe empreste uma arma de fogo, com
• Em face, todavia, das dificuldades a que tal ideia conduzia, procurouse construir a
cumplicidade o sujeito actuava com animus socii — que supunha agir em interesse
alheio — e não com animus auctoris — que seria um agir no próprio interesse. No caso
• O sistema unitário tem os seus inconvenientes, desde logo porque nivela todas as
que lhe forneceu a meia para tapar a cara. Alheandose da acessoriedade, as teorias
unitárias só tratam de contributos isolados, aos quais falta uma referência comum;
influência dos outros intervenientes nessa mesma realização. Nesta perspectiva, aliás,
consegue uma arma para daqui a algum tempo matar B, seu inimigo, o acto é
deve executar por si só tudo o que é necessário para o homicídio. Mas se houver
unitárias, convertese num contributo final (concluído) para o crime e deveria ser
punida como tentativa mesmo que nada mais aconteça, justamente porque se
• Se B, com dolo homicida, dispara o tiro que mata X, B é autor de um crime de homicídio,
qualquer que seja a colaboração que lhe tenha sido prestada, mesmo que lhe falte a
• A teoria do domínio do facto limita o seu âmbito de aplicação aos crimes dolosos.
Noutros casos, o elemento que define a autoria não é o domínio do facto, mas
simples actos de ajuda, sem participação na decisão nem no domínio final do facto.
Mas a teoria limita o seu âmbito de aplicação aos crimes dolosos, acompanhando o
distinguir a autoria da participação: é autor quem causa o facto por forma negligente
— é um conceito unitário. Cf. Mir Puig, p. 396. Recordemse, por outro lado, aqueles
casos em que a lei define o possível círculo de autores, como nos delitos específicos
próprios e nos delitos de dever. Impondo a lei um dever especial, agente será então
aqui, não quem detenha o domínio do facto, mas só quem, para além disso, se
encontre vinculado pelo dever contido no tipo (Figueiredo Dias, p. 54). Nestes casos,
o elemento que define a autoria não é o domínio do facto, mas apenas a característica
crimes omissivos, aquele que omite é sempre autor. Atenta a natureza dos crimes de
• Autor de um crime negligente pode ser não apenas o autor imediato, como o autor atrás
ex., vem a terminar por um homicídio negligente: o patrão que manda o motorista
aquele que dá droga a um dependente que com ela vem a morrer de overdose.
dever objectivo de cuidado ou o risco permitido. Por ex., A mata B com uma
p. 113. E se A vem a morrer por ter sido atropelado no momento em que B, com
falta de cuidado, dirige a manobra do condutor dum camião que faz marcha atrás
A teoria dos bens escassos ajustase à eficácia dos meios e dá relevo às contribuições
necessárias para o resultado. Mas nem sempre se distinguiu assim o cúmplice da figura
Farinacio, entre "auxiliator causam dans" e "auxiliator causam non dans", ou seja: quem
não dá causa será simplesmente cúmplice —, a teoria dos bens escassos serviu
frequentemente para afirmar que qualquer contribuição com um bem escasso para a
num bem abundante — não escasso — seria caso de cumplicidade. A teoria foi
cumplicidade. Uma bomba de muitos quilos de trotil seria um bem escasso, porque é
coisa que se não pode comprar como quem compra uma faca ou uma navalha. A
contribuição de quem fez a bomba ou a conseguiu por qualquer forma seria uma
intervenção essencial e o raciocínio serviria — com outros complementos que para aqui
O Prof. Eduardo Correia, por ex., in Direito Criminal, II, de 1965 (cf.,
ainda, a acta da 12ª sessão, Actas, p. 194), aderindo a um conceito extensivo de
autoria assente na teoria da adequação considerava supérflua a instigação, pois
a mesma podia e devia ser compreendida no conceito de autoria mediata, moral
ou intelectual, "desde que a este se dê um sentido lato que abranja todas aquelas
hipóteses em que alguém causa a realização de um crime utilizando ou fazendo actuar
outrem por si." A causalidade devia continuar a considerarse "o verdadeiro
fulcro" (Mezger: "o ponto de arranque cientifico") à volta do qual gira a teoria
da participação, de modo que, se alguém determina, e por conseguinte prevê ou
deve prever, actividades dolosas ou negligentes de outrem por força do seu
comportamento, o resultado considerase consequência normal, típica, não
obstante entre eles se interpor uma vontade humana.
Pergunta a Profª. Fernanda Palma: a autoria mediata será necessária? Resolve alguma categoria
Código Penal, é absolutamente justificável porque exprime uma ideia não “mecanicista”
desculpável, põese a questão de saber se, por detrás, existe alguém responsável
nos termos indicados. Se assim for, deverá verificarse se este tinha o domínio do
facto e só então será caso de lhe atribuir a actuação do executor, desde que
(co)mando. Num tal caso, o "homem por detrás" é o autor na forma de autoria
imediato, e querendo o resultado como efeito da sua própria acção (Teresa Serra, A
312).
excluir, encontramse os crimes de mão própria, nos quais a lei parece exigir que seja
a pessoa descrita no preceito que leve a cabo a execução (E. Correia). Uma vez que
autor de um crime de mão própria é apenas aquele que o pratica de forma imediata,
obsta a que, v. g., quem determine outrem a prestar um juramento falso se considere
autor de tal delito (E. Correia). No nosso Código, atentese no artigo 171º (actos
copo e aproveitam para digerir as suas raivas, até que se decidem — A matará a
almoço, sentado diante da mulher, faz por se esquecer do que, no dia anterior, tinha
combinado com A. Rise à socapa das tolices que passaram pela cabeça dos dois. Por
essa hora, A também tem à sua frente a respectiva mulher, mas, ao contrário do
amigo, está bem consciente do que ambos combinaram e disposto a executar a sua
parte no plano. Ao fim da tarde desce à cave e pega na espingarda. Já o sol se punha
quando tomou posição diante da casa do amigo: do lado de lá da janela via a mulher
deste, ali à distância do tiro, que tinha pronto a disparar. No momento crítico
sua parte. Para sua grande surpresa, fica então a saber que este nunca levara a sério o
Punibilidade de A e de B ?
1. Punibilidade de A.
i) Como B nada fez, não chegou sequer a praticar actos de execução, como
se dirá a seguir, também se não poderá afirmar que A determinou B, em termos
de ser instigador, já que a instigação está dependente do começo de execução
do crime (artigo 26º, última parte). A instigação não é autónoma.
ii) A nada fez para impedir que B matasse a sua mulher. A tinha o dever
jurídico de pessoalmente evitar o resultado morte da sua mulher (artigo 10º, nº
1). Não seria problema afirmar o dolo de A, mas não houve actos de execução
por parte de B, pelo que não haverá lugar para considerar um crime de
homicídio cometido por omissão, mesmo só tentado.
2. Punibilidade de B.
execução do plano.
no chão e lhe desse todo o dinheiro que tivesse em seu poder e se encontrasse no
de M de que aquele não hesitaria em atingilo na sua integridade física, retirou dali a
quantia de 85 contos que levou consigo. Antes de sair do escritório, A disse a M que
contra a vontade deste. A voltou para o carro onde o aguardava B e dali se afastaram
ambos o produto, apesar de saberem que tais valores lhes não pertenciam e que
apropriaram, dois contos, pertencia ao M, que veio mais tarde a ser indemnizado pela
até um outro empregado se ter apercebido do que se passava. Não se provou que o B
tenha participado por qualquer forma, dado o seu acordo ou tenha tido prévio
Conforme a definição legal (artigo 26º), várias pessoas podem ser co
autores, tomando parte directa na execução, por acordo ou juntamente com
outro ou outros. Interessanos sublinhar que, na distinção entre a autoria
singular imediata e a coautoria, o autor singular executa o facto por si mesmo,
enquanto o coautor toma parte directa na sua execução — e fálo por acordo ou
juntamente com outro ou outros. Se num determinado caso apenas A realiza os
elementos objectivos e subjectivos do ilícito, e se o faz sem justificação e de
forma culposa, então A é autor singular — imediato — desse crime: A executou
o facto por si mesmo e executouo integralmente.
por esse interveniente ser apenas parcial. No nosso exemplo, cada um dos dois
ladrões executa uma função que é essencial para o bom êxito do plano comum.
É o chamado domínio funcional do facto. Acontece o mesmo se o assalto ao banco
for assim executado: um dos ladrões fica no carro com o motor a trabalhar e
pronto a arrancar, outro trata de desligar o alarme do edifício bancário, um
terceiro vigia a aproximação de carros suspeitos, o quarto mantém em respeito
o caixa do banco apontandolhe uma pistola, enquanto o quinto recolhe o
dinheiro. Também aqui todos serão coautores, ainda que só o comportamento
dos dois últimos realize os elementos típicos do crime de roubo (violência,
subtracção: artigo 210º, nº 1). Mesmo a conduta do que fica ao volante se integra
na coautoria, mas já seria, provavelmente, cumplicidade o contributo do taxista
que pelo dobro do preço normal da corrida, conscientemente, acede a levar os
ladrões ao local do crime.
para fazer ver ao caixa que se lhe continuasse a perseguir a mulher o mataria, e se B,
que aguardava a sua vez de ser atendido, dandose conta do que estava a acontecer,
aproveitasse para deitar a mão a um maço de notas — então teremos dum lado um
crime de ameaças (artigo 153º) e do outro um crime de furto (artigo 203º), mas não
haveria coautoria.
• Quem impede a vítima de se defender para que outro a esmurre comete com este o crime
X segue para sua casa em Matosinhos, umas vezes pela Avenida da Boavista outras
pela Circunvalação. A e B, seus inimigos, querem a todo o custo matar X. Para que a
acção não falhe, executam assim o plano combinado: A esperao armado no primeiro
trajecto e B, ao mesmo tempo, no segundo. É B quem mata X, que nesse dia escolheu
falhas de actuação de uns sejam compensadas com os acertos de outros e que assim
que, para não falharem a morte dum político, se colocam cada um numa janela
próximo do local em que háde passar o político e, quando este passa, disparam todos
ao mesmo tempo, como fazem os pelotões de fuzilamento, não se sabendo que bala
ou balas lhe produzem a morte, mas sabendose que umas o atingem e outras não.
caso de coautoria nem de participação. Se por ex., A, que quer envenenar B, seu
marido, para casar com o amante C, e lhe mistura na bebida uma dose de veneno,
ainda assim insuficiente para provocar a morte de uma pessoa, e se, desconhecendo a
bebida, de forma que as duas juntas chegam para provocar a morte do odiado
Stratenwerth, p. 252).
• Mas, como já se acentuou, cada coautor responde apenas até onde vai o acordo recíproco.
providências para que outra viatura siga para o local com reforços, e avisando dos
• Vamos agora supor que A e B pretendem apoderarse dum valioso quadro a óleo que X
tem em casa. Fica entendido entre ambos que A entrará na moradia e que B ficará a
vigiar, mas como lhes repugna ter que enfrentar os moradores, aguardam uma
ocasião em que, tudo o indica, a casa ficará vazia, para passarem à acção. B faz até
passar a sua colaboração pelo facto de não terem que enfrentar qualquer dos
moradores. A entra na vivenda mas logo vê que está alguém em casa. Para assegurar
apanha um sabre que pende da parede e surpreende o único morador, a quem, sob a
ameaça da arma, obriga a acompanhálo até junto do quadro, com que foge.
Poderemos sustentar que há coautoria entre A, como agente dum roubo, e B, como
agente de um furto? Reparese que o uso da violência contra uma pessoa — elemento
do roubo — corre unicamente por conta de A, pois B não a aprovara, pôs até como
Por outro lado, para caracterizar a decisão conjunta não parece bastar a
existência de um qualquer acordo entre os comparticipantes — acordo que em
regra existe também entre o autor e o cúmplice, — exigindo uns que todos os
coautores tenham uma "incondicional vontade de realização do tipo"; —
impondo outros que o papel desempenhado por cada um revele objectivamente
a sua participação no domínio do facto (cf. Figueiredo Dias, p. 58). Deste último
ponto de vista, o essencial residirá então no segundo requisito da autoria: o
exercício conjunto do domínio (funcional) do facto. Um domínio funcional do
facto existirá quando o contributo do agente — segundo o plano de conjunto —
põe, no estádio da execução, um pressuposto indispensável à realização do
evento intentado, quando, assim, "todo o empreendimento resulta ou falha".
(Ainda Figueiredo Dias, p. 59).
Os casos práticos colocam por vezes problemas que nem sempre recebem
respostas uniformes. Por ex., o de saber se a execução conjunta poderá darse
quando os intervenientes estão longe um do outro ou se a contribuição
executiva para o facto comum pode ocorrer em momentos distintos. Já demos o
exemplo dos dois interessados na morte do seu inimigo comum, que escolhe
caminhos diferentes para chegar a casa. Um dos matadores emboscao num
ponto, o outro esperao no caminho alternativo. Do ponto de vista temporal, as
contribuições podem ocorrer durante toda a fase de execução, i. e, no intervalo
• "Se "ficar à porta" vigiando for uma forma suficientemente decisiva para permitir o
caso em que alguém fica a guardar o dono da loja para que não intervenha, ou a
distrair a vítima para que não impeça o assalto. Mas se "ficar à porta" apenas aumenta
artigo 26º do Código Penal não é impeditiva desta doutrina, como, por vezes, a
jurisprudência tem parecido entender, pois "tomar parte directa na execução" apenas
significa realizar uma conduta a que o resultado típico pode ser imputado no
como se de uma autoria singular se tratasse". Prof. Fernanda Palma, A teoria do crime
• "O vigilante é coautor se isso for necessário para a realização do facto, se portanto dessa
actuação se puder dizer que tem as características de uma função independente nas
tarefas de cada um. Se, por ex., um bando de criminosos leva consigo, pela primeira
num lugar sem importância, o caso será de cumplicidade. A realização do plano não
sem ele, ainda que para tanto tivessem que providenciar por um "sentinela" para um
• "O que se postou a uma certa distancia para facilitar o roubo he tanto autor do delito com o
pois sem a ajuda do vigia, o assalto não se faria jamais nas condições de segurança e
• A nossa lei começa por fazer assentar a coautoria num acordo, mas para alguns autores
na realização dum tipo legal de crime. Escreve, por exemplo, o Prof. Faria Costa, in
Jornadas, p. 170: "Para definir uma decisão conjunta parece bastar a existência da
de crime ("juntamente com outro ou outros"). É evidente que na sua forma mais
nítida tem de existir um verdadeiro acordo prévio — podendo mesmo ser tácito —
que tem igualmente que se traduzir numa contribuição objectiva conjunta para a
como se fosse autor singular da respectiva realização típica. " Cf. também, sobre isto,
com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, numa contribuição
objectiva para a realização, que tem a ver com a causalidade, embora possa não fazer
consciência de colaboração], sem que se exija que se conheçam entre si. No que
os actos ou tarefas em ordem a ser alcançado o resultado final, antes relevando, que a
Acórdão do STJ de 15 de Outubro de 1998 Proc. n.º 731/98. Existe coautoria material
nos casos em que, sem que haja um acordo expresso, as circunstâncias de facto em
Acórdão do STJ de 7 de Outubro de 1998 Proc. n.º 802/98. Havendo acordo prévio
dos agentes das infracções cometidas, e a aceitação prévia, por cada um deles, de
todos os actos que se seguissem para o executar, desde que cometidos por um deles,
eram proibidas por lei — passou, a certa altura, a colaborar na actividade que B, C e
p. 260.
sobre a vítima, na realização do plano de disparar sobre quem quer que fosse que os
pelo menos uma consciência da colaboração (...) a qual, aliás, terá sempre de
assumir carácter bilateral; — participação directa na execução do facto
conjuntamente com outro ou outros, um exercício conjunto no domínio do
facto, uma contribuição objectiva para a realização, que tem a ver com a
causalidade, embora possa não fazer parte da "execução" (v.g., a conduta do
motorista do veículo onde se deslocam os assaltantes do banco). Estes
elementos do acordo e da actuação conjunta com outro ou outros têm de ser
devidamente entendidos, convindo referir no que respeita ao primeiro, que
parece bastar a existência da consciência e vontade de várias pessoas na
realização de um tipo legal de crime. Assim, basta provar na coautoria a
adesão de vontade de cada um à execução do crime, e aquele que conheceu a
actividade dos outros e colaborou conscientemente nela, executando
parcialmente o crime, é responsável por toda a actividade. (Acórdão do STJ de
14 de Junho de 1995, CJ de acórdãos do STJ).
• Homicídio; suicídio; pacto suicida. À luz do nosso direito penal, é irrelevante a existência
homicídio voluntário dos artigos 131º a 134º do mesmo diploma. E isso porque os
pela simples análise dos artigos 26º e 27º do Código Penal. Comete o crime de
homicidio voluntario simples, do artigo 131º do Código Penal, o arguido que a) Após
se ter encontrado em sua casa com a ofendida (com quem mantinha um namoro
contrariado pelos pais dela) e no decurso de relação sexual que haviam decidido
total de 28 cm. que estava sobre uma mesa de cabeceira do quarto onde se
encontravam; b) Acto contínuo, apontou essa faca à zona do peito da ofendida, onde
atingida e de novo espetoua mais quatro vezes sucessivas, assim causando a morte
provocou três feridas pulmonares; e) E veio depois a ser assistido em hospital onde a
mínima.
• Também já vimos que para os seguidores das teorias subjectivas o decisivo estava na
essas teorias, ainda hoje aceites como idóneas para estabelecer a distinção entre autor
das condições, no plano da causalidade —, autor é quem quer o facto como próprio,
quem o leva até à consumação, actuando com ânimo de autor (animus auctoris);
cúmplice é quem quer o facto como alheio, quem actua com animus socii, por a sua
influência de v. Buri, que era juiz do Tribunal do Reich, onde se adoptou a teoria da
postas pelo partícipe, relativamente ao resultado, parecia não existir outra hipótese
26º e 27º, um facto ilícito, cometido dolosamente, o qual, pelo menos, deverá alcançar
o estádio da tentativa. Não se exige, porém, a culpa do "autor principal" (artigo 29º).
participação ficava excluída. Mas o Código não permite que a punição do cúmplice
fique dependente da culpa de outrem, como, por último, se retira do artigo 29º, onde
outrem (artigo 27º, nº 1). A participação é sempre num facto doloso e ilícito,
como decorre das normas mencionadas, mas que não tem, necessariamente, que
ser culposo (artigo 29º). A participação constróise no âmbito da acessoriedade
limitada, em contraste com as exigências da acessoriedade rigorosa, cujos
contornos passavam por um facto típico e doloso, ilícito, mas sempre culposo.
não é partícipe mas é vítima do crime — o bem jurídico violado não é alheio. Falta a
• Como o suicídio não é ilícito, o incitamento ou a ajuda ao suicídio não seriam puníveis se
No artigo 349º dizse que quem instigar, promover ou, por qualquer forma, auxiliar a
evasão de pessoa legalmente privada da liberdade é punido com pena de prisão até 5
anos. Aqui, quem instiga ou presta auxílio é autor do crime de tirada de presos.
Dispõe o artigo 27º, nº 1, que é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma,
Por conseguinte, tem que haver duas pessoas envolvidas: a que pratica o
facto principal (facto doloso e ilícito) e a que, dolosamente, lhe presta auxílio à
sua prática. O dolo é sempre referido à "realização de um facto que preenche
um tipo de crime" (cf. a redacção dos diversos números do artigo 14º),
consequentemente a um facto ilícito, que tanto pode corresponder a um crime
comum, como a um qualquer delito especial, próprio, por ex., o crime de
atestado falso do artigo 260º, nº 1. Não pode, por isso, abrangerse no conceito
de participação o facto justificado, por ex., por legítima defesa, ou o facto
negligente. Rejeitase assim a teoria da acessoriedade mínima, segundo a qual
bastaria que o autor realizasse o tipo de um crime, mesmo que o fizesse ao
abrigo de uma causa de justificação.
porta da casa. No local, A mete a chave na fechadura, mas não consegue fazêla
rodar. Por fim, parte o vidro duma janela e, por aí, entra na moradia, donde subtrai
duas valiosas (mais de sete mil contos) peças de ourivesaria. Haverá cumplicidade de
• i ) Quem auxilia o ladrão levandolhe a escada até ao local do crime (se não for caso de co
autoria) é punido como cúmplice do furto praticado, mesmo que o próprio agente a
pudesse ter levado para a usar com êxito, dispensando a ajuda alheia. A causalidade
• ii ) No caso das chaves que para nada servem não há qualquer contribuição causal para o
Comentemos agora a seguinte frase da Profª. Fernanda Palma: "A conduta do cúmplice
aumenta o risco de produção do resultado típico, embora não esteja numa verdadeira
• Responde como cúmplice aquele que acompanha o autor sabendo que ele vai praticar o
• Serão cúmplices os dois clientes dum bar que, ao entrarem, deparam com uma cena de
auxílio moral.
• De qualquer modo, o auxílio, para ser cumplicidade, não poderá implicar da parte do
Dias, p. 85). Se o agente vai além do auxílio simples e, tomando uma decisão conjunta
Abril de 1995, BMJ4467). O cúmplice, ao contrário do autor, não executa o facto, por
si ou por intermédio de outrem, nem toma parte directa na sua execução, nem
determina outra pessoa à prática do facto, pois somente favorece ou presta auxílio à
execução, ficando fora do facto típico. (Acórdão do STJ de 16 de Janeiro de 1990, BMJ
que se distinguem entre si pelo modo da sua realização e pelo grau da sua gravidade
objectiva. Nesta última, como se alcança do cotejo entre os artigos 26º e 27º do Código
Penal, o agente fica fora do acto típico, apenas favorecendo ou prestando auxílio à
execução. Porém, se aquele ultrapassar o mero auxílio e praticar uma parte típica da
execução, não poderá deixar de ser havido também como autor do facto ilícito. À luz
normas incriminadoras. 0406198 Processo n.º 235/98. Cf. também o acórdão do STJ
Boavida. Procurou já abatêlo a tiro (...). Dias depois, passou pela drogaria do seu
amigo Diamantino e pediu uma embalagem de certo veneno para ratos, que sabia ser
conhecia, e acrescentou entre dentes, naquele jeito próprio dos tímidos, que era para
“uma ratazana" que aparecia lá pela sala de mesa. Diamantino, que já se havia
conhecia) o referido Boavida, satisfez o pedido: nem lhe desagradava que a sua
suspeita se concretizasse (Boavida já lhe tinha frustrado uma conquista). Boavida veio
da intoxicação.
principal, a qual porém só será punível se o crime se consumar, ou se, ao menos, tiver
• CASO nº 30H: Em noite de Agosto, A esforçase durante horas por abrir uma caixa
multibanco e alcançar as notas que estão ali tão perto. Quando, já sem forças, recolhia
tinha apercebido, e que lhe fornece uma saborosa bebida fresca. A, com as forças
IX. Instigação. Instigador e autor do facto principal têm que comunicar entre
• CASO nº 30I: A acaba de assaltar um banco e é perseguido por B, que o segue, a correr,
uns 20 metros atrás. Adivinhase que, não tarda, B acabará por agarrar o ladrão do
banco. Para evitar o pior, A pega num maço de notas trazidas do banco e atirao para
Nas acções humanas apresentamse muitas vezes causalidades de natureza psicológica, ou seja,
29
) Da exclusão da punibilidade da instigação à instigação, na perspectiva do Autor do Projecto, cf. a
acta da 12ª sessão, Actas, p. 196: "quando, no nº 3, se fala em "directamente", pretende-se excluir a
punibilidade de uma instigação à instigação". Cf., mais adiante, o caso da boite Meia Culpa.
ou até por uma espécie de pacto entre ambos? Adoptandose uma fórmula
restritiva, então, no exemplo do ladrão que atira o maço de notas para serem
apanhadas por quem o persegue não haverá instigação a um crime, ainda que a
situação criada seja suficientemente estimulante para levar o perseguidor a
abandonar os seus propósitos iniciais. Mas, se aceitarmos que os meios
indutivos são indiferentes, como fazem os partidários da teoria da causação, o
ladrão será instigador do crime contra a propriedade cometido pelo
perseguidor que cai na tentação de deitar a mão às notas com intenção de se
apropriar delas, sabendoas alheias.
• Alguns seguidores das teses restritivas consideram, por ex., que só se justifica aplicar ao
por uma influência especialmente intensa sobre o criminoso: o instigador teria que
acender o rastilho para a execução do crime, só então é que o impulso dado com uma
• A procura convencer B a matar C, indivíduo odiado por meio mundo, mas B já tinha
• Os autores alinham ainda soluções para outras hipóteses de "mudança" induzida: troca de
instigação foi a um furto e o instigado usa de violência sobre a vítima para lhe
arrancar a carteira, circunstância que aquele não representou nem quis, a
punição do instigador não pode passar do furto. Se o instigado comete um
crime diferente, não se pode responsabilizar o indutor como instigador dele,
por não o ter querido. Se a coisa não chega a ser subtraída, como queria o
indutor, mas o induzido vai comprála ao ladrão, tornandose autor duma
receptação, não pode condenarse o primeiro pela correspondente instigação —
faltalhe o dolo relativamente ao crime cometido e a tentativa de instigação ao
furto não é punida, como já se observou.
• O caso mais conhecido de "instigação à instigação" parece ser o da boite "Meia Culpa", de
Amarante. O dono do "Diamante Negro" pretendeu, em recurso, que por nunca ter
de Janeiro de 1999 (30) entendeu que a intervenção desse recorrente "não foi a de mero
de uma acção ilícita. Aqui, toda a concepção e idealização da acção lhe pertencem. Ele
30
) Que aqui citamos por consulta a uma fotocópia do processo nº 1146/98.
é a inteligência e a vontade da acção e dos resultados. Ele detém desde o início até
Supremo, não tendo havido contacto directo entre o mandante inicial e os executores
Catarina Sá Gomes para Casos e Materiais de Direito Penal, p. 331, pode lerse um
defendido pelo STJ, "o facto de o mandante inicial ter planeado com algum pormenor
a execução do crime não o transforma, por esse motivo, em autor mediato do mesmo.
Autor mediato não é aquele que planeia, mas aquele que, de alguma forma, domina a
embora induzida, é dos autores materiais do facto criminoso. Quem detém a vontade
de acção são os autores materiais, e não quem planeou tal acção. O mandante apenas
criou a vontade de praticar o crime aos autores materiais, embora de acordo com um
inicial." Como, no caso, o mandante instigou outra pessoa a praticar o crime, "tendo
indirecta ou, dito por outras palavras, de uma coinstigação", ainda admitida pela
parte final do art. 26º do Cód. Penal e, como tal, punível. No fundo, o que importa "é
houver pelo menos "começo de execução". O artigo 26º, in fine, tornaa dependente de
uma execução por outro iniciada. Mas o instigador não executa o facto, limitase a
outrem ao crime, se oferecia para a sua prática, aceitava esse oferecimento ou com
matar Bismarck, feita ao arcebispo de Paris por um caldeireiro belga e tomou o nome
deste, ficando a ser conhecida como "parágrafo Duchesne". Cf. a Acta da 13ª sessão,
Actas, p. 206. Por outro lado, não existe uma instigação negligente! O dolo do
instigador deve ser dirigido à consumação do facto pelo autor material, mas pode
crime tentado: A pede a B que mate C. B cumpre o prometido, mas falha a pontaria.
• CASO nº 30J: A convence T a subtrair uma pulseira de ouro que B tinha deixado à
vista, com outras coisas, na mesa do café, quando momentaneamente dali se
Punibilidade de A?
Havendo excesso, porque, por ex., o autor imediato foi além do que o
instigador queria, este só responde na medida do seu dolo, ao menos eventual
—, ressalvada a responsabilidade por negligência nos termos gerais. Ex.: a
intenção era matar A, mas o executor rouba também a vítima (Figueiredo Dias,
p. 71). Para um caso de alteração do plano criminoso o ac. da Relação do Porto
de 24 de Maio de 1989, BMJ387648. Quanto ao error in objecto vel in persona do
autor imediato (irrelevante para este), há quem o trate na Alemanha como
aberratio ictus na esfera do instigador, cujo dolo não cobria o objecto atingido
pelo autor do facto (consequência: tentativa de instigação, § 30 I), e quem o
declare irrelevante para ambos.
XII. (omissis)
• CASO nº 30L: A pretende dar uma sova na pessoa de B e para isso utiliza uma
matraca, atingindoo, porém, na cabeça e produzindolhe aí lesões que foram a causa
consequência da sua actuação. Acontece que o A tinha sido induzido por C a dar a
sova no B, mas o C, quando convenceu o outro, nem sequer tinha pensado em que o
B podia morrer.
Punibilidade de A e C ?
associação criminosa, que a pressupõe bem definida, nem se contenta, como a co
autoria, com a mera comparticipação. Como também não se exige que o grupo que o
qualidade de membro de uma família não afasta a estrutura criminal do bando, já que
desviada aquela das suas finalidades próprias, pode até servir para melhor e mais
Secção.
• A figura do bando visa abarcar aquelas situações de pluralidade de agentes actuando "de
Tendo ficado provado: Que entre Maio e fins de Dezembro, os arguidos com
Vouzela e Águeda que afluíam diariamente às dezenas, para esse efeito, afluxo que só
diminuiu após a realização de uma terceira busca, da prisão dos arguidos e de uma
quer para contactar os compradores, quer para ir buscar droga que lhes vendiam,
revenda de droga, praticam aqueles um crime de tráfico agravado, p.p. nos arts 21º,
• * Para que se verifique o crime de associação criminosa exige o artigo 299º, nºs 1 e 2, do
crimes; c) Que o agente tenha querido fundar ou promover, fazer parte, apoiar,
saiba que a sua conduta é proibida por lei. Sendo um crime doloso, o dolo háde ser
cometer crimes de determinada natureza. O STJ tem vindo a exigir que o acordo de
• No artigo 132º, nº 2, g), a especial censurabilidade ou perversidade pode ser indiciada pela
• Dados sobre o conceito corrente de "bando", grupo, horda, clique, seita, etc., podem ser
ilícito de outrem, que pode ser simplesmente tentado: exigese que o facto tenha
combinam minuciosamente um assalto mas porque são indolentes não fazem nada
para cumprir o plano comum, não se pode sequer falar de tentativa. Não havendo
para o assalto, a cumplicidade não seria possível: para poder falarse de cumplicidade
para a cumplicidade (artigo 27º) como para a instigação (artigo 26º, última parte).
entendido como uma forma de participação no crime. E a razão era simples: não se
podia tomar parte em algo que já estava consumado. As formas de encobrimento têm
sem dúvida o seu próprio conteúdo de ilícito, na medida em que, ajudar o autor de
defraudar a acção da justiça, faz com o que o ilícito cristalize e até se amplie
ver com a do delito precedente (acto prévio). Reparese que nos artigos 231º e 232º se
• O facto terminado. (1) A dá vários murros na pessoa de B. O crime fica consumado com o
(ou adesiva) quando uma pessoa toma parte num facto cuja execução fora iniciada
em regime de autoria singular por outro sujeito, a fim de, em conjunto, conseguirem a
consumação (R. Mourullo). (2) A deu vários murros em B e desapareceu, mas logo P
aproveita a oportunidade para se vingar de B que está por terra. Dálhe por sua vez
diversos pontapés. Não há comparticipação. Cada um deles comete o "seu" crime. (3)
Considere agora o caso de um furto que ainda não atingiu a fase de exaurimento mas
ladrão.
qualidades ou relações especiais do agente (por ex., o artigo 360º), basta que um deles
as detenha para que a pena aplicável se estenda a todos os outros. Para a Profª Teresa
participantes detenham qualidades especiais, mas não as tendo o autor nem outros
autor imediato não responsável. O artigo 28º vem permitir que a punibilidade de
“leigo”. Ou seja, a ligação centrípeta entre a gravidade do facto central (de autoria
autonomia do facto de participação, O Direito, 126º (1994), p. 575). Não será necessário
recorrer ao artigo 28º quando um extraneus convence (instiga) um intraneus (por ex.,
acto judicial que não existiu e fabricando o documento em que se narra tal acto. O H
praticouo igualmente (ainda que como simples cúmplice) visto que, apesar de não
artigo 28º. É inegável que o H sabia que o seu coarguido tinha aquela qualidade de
escrivão do processo.
• Lei nº 101/2002, de 25 de Agosto (Regime jurídico das acções encobertas para fins de
o agente encoberto que, no âmbito de uma acção encoberta, consubstancie a prática de actos
• Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Março de 1996, CJ, XXXI, II, 50: artigo 28º;
• Acórdão do STJ de 3 de Novembro de 1994, in Col. Jur., Acórdãos do STJ: a rixa pressupõe
que não há acordo ou pacto prévio entre os intervenientes e que, se houver esse acordo,
• Acórdão do STJ de 11 de Fevereiro de 1998, Processo n.º 1191/97 3.ª Secção: o crime de
específico próprio, que só pode ser praticado por quem detiver certas qualidades pessoais,
para que a pena correspondente se torne aplicável aos demais (art.º 28, n.º 1, do CP).
totalidade do evento, pois sem acção de cada um o evento não teria sobrevindo. Muitas vezes a
simples presença de um agente no local do crime é suficiente para convencer outrem a praticá
lo.
de heroína e vários produtos e instrumentos para a sua transformação, pelo que é autor do
crime correspondente, não obstante não ter vendido ou cedido essas preparações a alguém em
concreto.
• Acórdão do STJ de 14 de Junho de 1995, CJ1995, II, p. 230: sublinhase que a arguida E, por
acordo com os seus dois coarguidos, o C e a P, aderiu sem quaisquer reservas ao plano de
roubarem a vítima Félix, que lhe foi dado a conhecer por esses dois, sendo decisivo o seu
envolvimento sexual calculado com o F para fazer entrar o C de surpresa em casa deste, como
entrou. A E realizou a parte do plano que lhe competia no plano que traçaram todos os três
arguidos, e mesmo na altura em que a vítima foi agredida e manietada ela deu a sua
consensual presença, ficando junto da vítima e do C e da P. Sem sombra de dúvida que ela
cumpriu a sua intervenção periférica, colocando decisivamente uma condição sem a qual se não
produzia o evento, intervenção essa que se pode contrapor à parte nuclear do crime de
homicídio (agressão e imobilização do Félix). Só que mesmo nesta ela tomou parte activa:
ela se libertava.
favorecimento pessoal; "para haver cumplicidade deve haver uma relação de causalidade entre
associação criminosa.
violento contra o ofendido por forma a imobilizálo para subtraírem determinados objectos, é
evidente que ambos tomaram parte directa na execução do crime e são seus coautores, mesmo
que os actos de maior violência tenham sido a seguir exercidos por um deles. Tendo os
arguidos actuado em conjugação de esforços, por forma deliberada e com vista ao mesmo fim,
o acordo entre eles é, pelo menos, tácito, e não é indispensável que cada um dos agentes
intervenha em todos os actos para a obtenção do resultado desejado, bastando que a actuação
quer o cúmplice, são auxiliatores. Cada um, a seu jeito, ajuda ou concorre para a produção do
feito. Porém, enquanto o primeiro assume um papel de primeiro plano, dominando a acção (já
que esta é concebida e executada com o seu acordo inicial ou subsequente, expresso ou tácito
intervém se o crime for executado ou tiver início de execução e, além disso, mesmo que não
interviesse, aquele sempre teria lugar, porventura em circunstâncias algo distintas. A sua
intervenção, sendo embora concausa do concreto crime levado a cabo, não é causal da
existência da acção, no sentido de que, sem ela, apesar de tudo, o facto sempre teria lugar,
non dans. Quer isto dizer, que sem autor não pode haver cúmplice mas já pode conceberse
cúmplice fica fora do acto típico, somente favorece ou presta auxílio à execução.
que incendiasse uns armazéns, mas nunca foi intenção deste fazêlo, já que apenas pretendia
receber do A e fazer seu o preço combinado pelo serviço e com isso ludibriálo. Ora, o
comportamento do autor mediato será punido se ele determinou outro ou outros à prática do
facto e desde que haja execução ou começo de execução do facto criminoso induzido ou
cumplicidade: A fornecia em sua casa a troco de dinheiro uma certa quantidade de heroína ao
coarguido B, sem que se tenha provado que isso se tivesse enquadrado no desenvolvimento
cumplicidade.
circunstâncias qualificativas dos furtos, resultante do artigo 28º, que contempla tanto a autoria
Boletim): este acórdão reitera a posição tradicional do Supremo em matéria de distinção entre
cumplicidade e coautoria, e que parte da distinção entre causa dans e causa non dans, devendo
ser considerado cúmplice o indivíduo cuja intervenção, a não ter tido lugar, não evitaria o
crime, antes faria com que, eventualmente, fosse cometido em condições de tempo e modo
diferentes.
homicídio os que, embora não tenham estado presentes quando o ofendido foi apanhado,
colaboraram no seu transporte para o largo de uma povoação e ao chegarem ali previram a
possibilidade de ele ser morto pela populaça e, não obstante isso, não se retiraram, e
• Acórdão do STJ de 7 de Dezembro de 1994, BMJ44293: para que possa afirmarse que o
arguido agiu em comparticipação criminosa, basta terse provado que ele contou com a
colaboração de outrem para levar a efeito ou concretizar os seus desígnios criminosos, mesmo
que esse outro não tenha sido identificado, já tenha falecido ou ainda não tenha sido julgado
do evento e de todas as circunstâncias objectivas em que este teve lugar Actas, 12ª sessão;
cada um dos executores, ainda que algum tenha praticado apenas parte dos actos materiais de
execução, tornase coautor desde que tenha havido acordo prévio e consciência da colaboração
• Acórdão do STJ de 9 de Maio de 2001, CJ, ano IX (2001), tomo II, p. 187: agravação pelo
altura do percurso, A e B declararam à C que queriam manter com ela relações de cópula
completas, o que a C recusou. D aproveitou uma paragem do carro e correu a pedir socorro,
mas o condutor arrancou, levando nele a C. Mais adiante pararam e a C tentou fugir, mas foi
agarrada por A e B, que a impediram, pela força, de se defender, até que ela se estatelou no
chão. O A manteve então relações de cópula completa com a C, ao mesmo tempo que o B a
Supremo recordou que a violação não tem o carácter de mão própria: o facto ilícito "em si" não
é a cópula, mas o forçar uma mulher a ter cópula (hoje em dia qualquer pessoa a sofrer um dos
actos típicos do artigo 164º, nº 1). Tratase de coautoria e não de autorias paralelas: cada um
conduz a carrinha onde a ofendida é transportada e telefona para a mãe dela a fazer exigências.
autoria do ladrão que fica de vigia enquanto o outro entra na casa de habitação do ofendido
contra a sua vontade, donde retirou valores que distribuíram entre eles.
cumplicidade dos que, intervindo no acordo, ajudaram a cimentar as vontades dos que
• Actas das sessões da comissão revisora do Código Penal, Parte geral, vol. I e II, ed. da
AAFDL.
(1998), p. 241.
• Claus Roxin, Teoria da infracção, Textos de apoio de Direito Penal, tomo I, AAFD, Lisboa,
1983/84.
• Eric Hilgendorf, Was meint "zur Tat bestimmen" in § 26 StGB?, Jura 1996, p. 9.
Granada, 1998.
comparticipação, 1992.
• H.H. Jescheck, Lehrbuch des Strafrechts: allgemeiner Teil, 4ª ed., 1988, de que há tradução
espanhola.
(1992), p. 561.
(1998), p. 581.
• Johannes Wessels, Strafrecht, Allgemeiner Teil, 17ª ed., 1987. Há traduções em português e
• Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, sumários e notas das Lições, 1976.
• José de Faria Costa, Formas do crime, Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983.
• Jose Manuel Gomez Benitez, El domínio de hecho en la autoría (validez y límites), Anuario
• Juan Bustos Ramírez, Manual de derecho penal español, parte general, 1984.
• Klaus Geppert, Die Anstiftung (§ 26 StGB), Jura 1997, p. 299 e ss; 358 e ss.
• Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, I. A Lei Penal e a Teoria do Crime
propaganda do suicídio na revisão do Código Penal (artigos 13º e 139º), Jornadas sobre a
reimp., 1995.
1988.
• Michael Heghmanns, Überlegungen zum Unrecht von Beihilfe und Anstiftung, GA 2000,
p. 473 e ss.
criminal y nuevo Derecho Penal (Libro Homenaje a Claus Roxin), Bosch, 1997, p. 295.
Roxin, 1995,
RPCC 5 (1995).
§ 31º A tentativa
• CASO nº 31: B, secretária de A, dirigese ao gabinete deste para assunto de serviço. Aí,
A agarraa pelos braços e empurraa contra a parede, tentando beijála. Acto
contínuo, A introduz uma das mãos por baixo da camisola que B vestia e apalpoulhe
os seios, ao mesmo tempo que a forçou a deitarse. Apesar dos gritos de B, A puxou
lhe violentamente as meias e as cuecas e, com uma das mãos, esfregoulhe a vagina, o
conseguiu por ela ter fugido. A foi em sua perseguição e forçoua a entrar de novo no
escritório, o que não sucedeu porque B, agarrandose à porta, acabou por fugir. Era
intuito de A manter pela força relações sexuais de cópula com a B, contra a vontade
desta.
“1. Há tentativa quando o agente pratica actos de execução de um crime que decidiu cometer,
retirarlhe as cuecas e, ao mesmo tempo, abrindo a braguilha das calças que trazia
vestidas, expor o seu órgão sexual, deitandose de seguida em cima dela porque,
Podemos por outro lado afirmar que a ideia delitiva surge na pessoa e que
a partir daí até à consumação vai percorrer um caminho, o chamado iter
criminis, em que se distinguem diversas etapas: a fase interna (a fase da tentação:
assim lhe chamavam os escolásticos), ou seja, a decisão de cometer o crime,
durante a qual o autor idealiza o seu plano; a fase preparatória; a da execução; e a
da consumação, quando todas as características típicas se encontram
preenchidas.
PG, 1992, p. 783). O termo latino conatus designa a noção de esforço, de tendência
Dic. latinoportuguês).
dolosa, não existe a tentativa dos crimes negligentes. Tentativa e negligência são,
por assim dizer, noções antitéticas. Atentese, no entanto, em que, por vezes, se
• 2. Sabe mais ou menos o tipo de estabelecimento adequado e acaba por encontrar uma filial
aparentemente antiquado e com uma saída para a autoestrada, logo ali a meia dúzia
de quilómetros.
• 3. A tem perfeita consciência de que não pode realizar sozinho o assalto, de modo que
pacientemente elaborado.
Mercedes (valor: 7 mil contos) a que conseguiram deitar a mão pouco antes, levando
consigo uma pistola metralhadora. Estacionam o carro perto do banco, num local
• 5. Contudo, poucos dias depois vão pôr de novo o plano em prática, deixando desta feita a
que lhe seria fácil imobilizar de surpresa enquanto B deitava a mão ao dinheiro.
• 6. Como tinham planeado, realizado com êxito o assalto, A e B, com o dinheiro num saco,
generalidade dos códigos penais, na parte especial a conduta punível é descrita por
referência a um autor singular (“quem” matar outra pessoa; “o médico” que recusar o
abranger mais pessoas no tipo penal (por ex., um cúmplice) ou aquelas situações que
não chegaram à consumação (A disparou a matar, mas o visado não morreu, continua
vivo) exige que nos códigos se estabeleçam normas que permitam ampliar os tipos
penais na correspondente medida. Dizse que tais disposições, como o artigo 22º ou o
artigo 27º, implicam uma extensão dos tipos penais: são uma causa de extensão da
tipicidade. Sem a norma sobre a tentativa esta ficaria impune, por na parte especial se
preverem unicamente as formas que levam à consumação. A tentativa não faz surgir
tipos autónomos, mas tipos dependentes que devem ser referidos ao tipo de uma
determinada forma de delito. Mas há autores para quem na tentativa se cria um tipo
diferente e autónomo. Por ex., Mir Puig (Derecho Penal, PG, 1990, p. 357, e ADPCP
1973, p. 349) entende que a tentativa não constitui uma “forma de aparição” do delito
com base no limite máximo da pena aplicável ao crime tentado (cf., em especial,
Miguel Pedrosa Machado, Formas do Crime, p. 11). Cf. a anotação ao artigo 118º no
crime planeado. Estes actos preparatórios não são puníveis (artigo 21º), embora,
por vezes, uma disposição legal preveja tais espécies de actos como crime
autónomo. Vejase, por ex., o artigo 271º, onde se pune quem preparar a execução
dos actos referidos nos artigos 262º (contrafacção de moeda), 263º (…), fabricando,
importando, adquirindo para si ou para outra pessoa, expondo à venda ou retendo:
formas, cunhos, clichés, prensas de cunhar, punções, negativos, fotografias ou outros
instrumentos que, pela sua natureza, são utilizáveis para realizar crimes. A rajada
disparada para o ar pode constituir um crime de ameaça do artigo 153º, mas
não seguramente o do artigo 211º (violência depois da subtracção), pois, não
obstante a situação de flagrante delito aí prevista, os arguidos não actuaram
para conservar ou não restituir o dinheiro subtraído. Tanto aqui como naquilo
que se descreve sob o nº 7 poderemos surpreender a fase de exaurimento ou
esgotamento do crime de roubo, que se consumou quando da subtracção do
dinheiro por meio da violência (consumação formal ou jurídica), mas que agora
logra a sua consumação material, com o completo êxito do assalto, a proporcionar
a divisão da presa em pleno sossego. Digase, por último, que também será
punível o uso da pistola metralhadora, que é arma proibida (arma proibida de
fogo, material de guerra: artigo 2º, nº 1, do DL nº 207A/75, de 17 de Abril), com
o cometimento do crime do artigo 275º, nº 1. Por aqui se vê a importância da
distinção entre actos preparatórios e actos de execução, pois só estes são
puníveis, em princípio, e ainda assim nem sempre. Com efeito, só é punível a
tentativa dos crimes mais graves (artigo 23º, nº 1: a tentativa só é punível se ao
crime consumado respectivo corresponder pena superior a 3 anos de prisão), salvo
disposição em contrário, como acontece, por ex., com o furto (artigo 203º, nºs 1 e
2). Vejase, a ilustrar, que no ilícito de ofensa à integridade física simples (artigo
143º, nº 1) os limites da punição manifestamse com a consumação do crime,
pois nenhuma disposição legal prevê a punição numa fase anterior: nem os
actos preparatórios nem a correspondente tentativa são puníveis.
• CASO nº 31B: A que acabara de ter um forte desentendimento com o cônjuge decide
pôr termo à vida. Para isso enche um copo com uma bebida alcoólica à qual adiciona
momentos, por uma qualquer resolução interior (in)condicionada, decide antes, por
aquele mesmo meio, matar o cônjuge já que sabia que este tinha uma forte
dependência alcoólica e não deixaria de beber o conteúdo do copo que deixara ficar
na outra sala. B não chega a beber o líquido envenenado por razões que para o caso
Na prova de um caso prático, a resolução tem de se discutir, logo de início, como primeiro
do tipo objectivo, enquanto não se sabe a que é que o autor estava resolvido. Quando,
por ex., numa troca de palavras, alguém puxa de uma pistola, isto pode ser o
interlocutor; se, pelo contrário, ele só quer ameaçar com a arma, tratase, quando
muito, do elemento que faltava para uma coacção. C. Roxin, Problemas fundamentais, p.
298.
inidónea (§ 22); a mais disso, limitase o âmbito da tentativa de acordo com critérios
para a tentativa impossível uma certa medida de perigosidade objectiva. (Cf. Ebert, p.
1
. A teoria subjectiva pura da tentativa aparece patrocinada inicialmente por aqueles que
professam uma concepção subjectiva pura do injusto, doutrina que, depois de ter ficado
obscurecida pela doutrina objectiva, ressurge modernamente — sem perder o seu carácter
absolutamente minoritário — na obra de Zielinski, entre outros autores. De acordo com ela, o
injusto é integrado, de modo não já fundamental, mas exclusivo, pela presença do desvalor
subjectivo de acção, reservandose para o resultado o papel de uma simples condição objectiva
de punibilidade. A concepção subjectiva do ilícito parte neste autor da premissa de que a
norma jurídica é prioritariamente uma norma subjectiva de determinação com a qual o Estado
pretende vincular a vontade dos destinatários, motivandoos ao comportamento social valioso.
O ordenamento jurídico não se limita a valorar o comportamento humano externo, antes trata
de motivar o comportamento valioso e de dissuadir os destinatários a adoptarem
comportamentos antisociais. Cf. Sánchez García de Paz, p. 15.
intenção de cometer o crime. Reflecte de algum modo o direito penal da vontade (por
• A polícia soube que um “rato de hotel”, há muito conhecido pelas suas actuações,
geralmente bem sucedidas, tinha sido visto a "rondar" uma residencial da “Baixa”. O
visado admitiu que andava por ali à espera de uma oportunidade para actuar.
• Com efeito, em 1930, na Itália, com o Código Rocco, abandonouse a fórmula do "início de
inequivocidade dos actos. Já Carrara se referia a esta "univocità degli atti", pois, se
alguém pega numa espingarda e se prepara para disparar, isso significa tanto que
destes tanto pode conduzir ao crime como à acção inocente, então não passa de um
acto preparatório."
• "A ilicitude material da tentativa [é] constituído pelo desvalor da acção. Entre nós essa
na ideia de perigo para o bem jurídico, embora mitigada pela valoração do plano
penal. " Augusto Silva Dias, Entre "comes e bebes", RPCC 8 (1998), p. 587.
• Onde se aproveita para falar do dolo na tentativa. "Aferir da ilicitude da tentativa na base
nesse momento é preso, qual o tipo de ilícito perante o qual vai pôrse a questão da
Dias, Direito Penal, Sumários e notas, 1976, p. 15). Sem uma referência ao dolo, ao
tipicização do ilícito" (Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, RPCC
1 (1991), p. 50).
dirigidos de modo não equívoco à prática dum delito? É difícil apontar com
precisão o momento em que se passa da fase dos actos preparatórios e se chega à dos
actos executivos. Os práticos, informa Paulo José da Costa Jr., ofereceram um critério
constituiu verdadeira via crucis. Critérios os mais variados foram propostos. Muito se
diversificadas e opostas.
• O Código italiano de 1930, como se viu, construía o crime tentado com referência aos
tipificação da conduta da tentativa. Por sua vez, o requisito da direcção não equívoca
limites do instituto.
• Na maior parte dos sistemas europeus, a conduta tentada continua a ser individualizada
simplesmente para "um começo de execução", como no art. 1215 do Código francês,
caracterizandoo a praxis pelos actos que devam ter como consequência directa e
espanhol: Hay tentativa cuando el sujeto da principio a la ejecución del delito directamente
por hechos exteriores, practicando todos o parte de los actos que objetivamente deberían
voluntad del autor. O Código português empenhase numa definição analítica dos
actos de execução — sem que esta especificação, diz por ex., o relatório da Comissão
1998), "seja realmente de molde a contribuir para a definição da conduta, por ser
imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos executivos.
"execução" (v. g., deitar veneno no copo) não têm qualquer relevância na sua forma
activa já que primeiramente foram praticados tendo em vista um acto que não é
socialmente era de esperar que o agente tivesse actuado de modo a evitar a lesão do
bem jurídico da vida. Só que, em segundo lugar, neste caso, o momento objectivo em
pelo próprio agente. Isto é, só quando ele decide inverter o acto de suicídio em
o agente removesse o copo com veneno". (Prof. Faria Costa, Formas do Crime, in
• CASO nº 31C: Uma mulher casada quer matar o seu marido, confeccionalhe uma sopa
envenenada e colocaa sobre a estufa, na cozinha. O marido costuma, todos os dias,
pretende regressar somente horas mais tarde, e espera vir a encontrar o marido
A mulher fez tudo o que era necessário da sua parte para a produção do
resultado. Só que se trata de dois diferentes tipos de matéria de facto: no
primeiro, ela detém nas suas mãos o acontecimento até ao seu último momento
— a mulher pode, em qualquer altura, deitar fora a sopa, o processo causal
pertence ainda à sua esfera de domínio. Roxin, p. 322: no 1º caso equiparase
estruturalmente a tentativa inacabada ao facto de que o autor detém, nas suas
mãos, o acontecimento até ao seu último momento. Assim, tal como o autor
pode em qualquer momento interromper a tentativa inacabada do crime, assim
também a mulher pode, em qualquer momento, atirar fora a sopa. Cf. com o
caso anterior.
• Caso nº 31C: A quer matar B com uma bomba e trata de reunir o explosivo e os
materiais para fazer uma bomba relógio, que monta em sua casa. Em seguida, escapa
se pela calada da noite e entra na casa de B, que supõe vazia. Começa por tirar a
elevado, e como ouviu barulho acende a luz para ver o que se passava. A dáse conta
de tudo. Com medo de ser preso, agarra no saco e deixa a bomba sem ter posto a
trabalhar o maquinismo que conduz à deflagração (cf. Samson, caso nº 28, p. 155;
Punibilidade de A ?
• Para que o agente seja condenado por tentativa não basta que os factos do crime
não ocorra por circunstâncias alheias à sua vontade. Todo o crime tem um sujeito
escudos, sem que esta tenha aceite a proposta daqueles e, desconfiando das suas
intenções, foi contar o que se passava à GNR, que procedeu à detenção imediata dos
arguidos pondo termo às intenções destes, não se passou dos actos preparatórios.
explosões de grande porte. A, porém, foi surpreendido e preso, sem ter conseguido o
facto global.
• CASO nº 31E: Três assaltantes combinam que qualquer perseguidor deve ser abatido.
Quando um deles ouve, atrás de si, um perseguidor, dispara sobre ele, enquanto os
• A solução passará então pela conjugação do artigo 26º com as diversas alíneas do artigo 22º
clássico (referido tb. por Valdágua, p. 59 e 183): um casal planeou um furto em casa
alheia, empregando chave falsa, ficando combinado que ambos entrariam para
subtraírem diversos objectos. O plano passava por uma primeira fase, em que o
marido entraria sozinho. Quando este já tinha a chave metida na fechadura da porta e
de furto: com a sua presença no local do crime "praticou já um acto de auxílio moral
(...) e a esse acto deveria, segundo o plano comum, seguirse, muito em breve, a
de crime (artº 22º, nº 2, alínea c)". Cf. Valdágua, p. 183, que adverte que ao mesmo
conduzem à aplicação do regime dos artigos 72º e 73º, há que atender, em primeiro
reincidência tem como moldura penal uma punição entre 2 anos e 8 meses e 8 anos de
prisão; sendo ele especialmente atenuado deve ser punido com prisão entre 30 dias e
5 anos e 8 meses de prisão. Ac. do STJ de 2 de Maio de 1996, CJ, ano IV (1996), p. 175.
• CASO nº 31G: Durante uma caçada, A dispara para uns arbustos, na convicção de que
aí se encontra um outro caçador, seu inimigo, que pretende matar com o disparo.
Afinal, não era uma pessoa que ali se encontrava, mas uma peça de caça.
Artigo 23º, nº 3: “A tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo
• Já não estão aqui em causa os limites entre actos preparatórios e actos de execução, mas um
Quiroga, p. 68). Adiantese desde já que a falta de objecto verificase quando o autor
pretende matar quem já está morto ou quando dispara para a cama julgando que um
seu inimigo ali se encontrava, quando na verdade era a almofada que semelhava o
vulto. A inidoneidade do meio aparece quando o autor pretende matar com açúcar,
perigosidade referida no bem jurídico, sendo certo que nesta hipótese, em boas
contas, o bem jurídico não existe; o que há é uma aparência de bem jurídico e neste
inexistência do objecto, também não deveria ser punível, pois que falta o bem
jurídico. Todavia tem de se fazer apelo, neste ponto, a uma ideia de normalidade —
acção merece ser punido não obstante não existir o bem jurídico. E mereceo porque
denotou perigosidade em relação a um bem jurídico ainda que este assuma a forma
de mera aparência. Mas mesmo que assim se não entenda é correcto dizerse que o
tipo legal não pode esquecer, do mesmo passo, que a norma incriminadora—na sua
perigo de violação daqueles bens jurídicos.” Faria Costa, Jornadas, p. 165. "Se a
e materialmente o tipo legal, então, o agente parece que não tenta nada." Faria Costa,
figura a existência de um elemento típico que na realidade não existe. Este erro,
como já se observou, constitui o reverso do erro sobre os elementos essenciais
do facto típico (artigo 16º, nº 1), em que o agente ignorou a existência de um
elemento que na realidade existe. Se o agente dispara sobre uma pessoa morta
na cama, pensando ele que a pessoa está apenas a dormir comete uma tentativa
impossível (o objecto não existe mas ele pensa que existe: será um caso de erro
por excesso, punível de acordo com o critério da teoria da impressão, acolhido no
artigo 23º, nº 3, na expressão de Teresa P. Beleza e Frederico de Lacerda da
Costa Pinto, cit., p. 12). Se o agente dispara sobre uma pessoa que está a dormir
na cama, pensando ele que está morta, actua em erro nos termos do artigo 16º,
nº 1, sendo punível nos termos do artigo 16º, nº 3. Se alguém na floresta dispara
contra uma árvore no convencimento de que isso é punível pratica um crime
impossível, a tentativa é irreal. Este último caso não é punível, por imperativo
do princípio nullum crimen sine lege. Quando a descrição típica não existe, tanto
a consumação como a tentativa são impossíveis: a atitude hostil ao direito não é
só por si fundamento da punibilidade.
Quando havia mercadorias tabeladas... A propósito: que é um crime putativo? "Essa palavra
vem do verbo latino putare, que significa julgar, pensar e acreditar. Mas no delito
tabelada, equivocase e cobra menos, pensando cobrar mais do que é permitido. É raro,
mas enfim, elucida... Isso é que é crime putativo, porque a pessoa está julgando
património, BMJ13858).
• CASO nº 31I: A, de visita a casa do avô, tentase e tira da gaveta de uma secretária
uma valiosa moeda comemorativa, desconhecendo que o avô, dias antes, lha tinha
atenuação especial; na punição da tentativa do que se trata é da fixação de uma moldura penal
abstracta, a qual comporta portanto a atenuação especial do artigo 73º, do que resultaria que no
consumado em relação aos objectos já carregados. No mais, o plano criminoso dos arguidos,
que não foi completado, não passou da tentativa. No final, com todos os objectos que
subjectivo que tinham de levar mais objectos. Portanto, consumado um crime de furto, com a
subtracção de materiais nos termos expostos, não mais se pode falar de tentativa desse mesmo
crime. De tentativa só pode falarse se justamente a consumação do crime não chegou a ter
lugar.
dado que a previsão do respectivo tipo incriminador engloba todos os actos possíveis que
• Acórdão do STJ de 19 de Setembro de 1990, CJ, ano XV (1990), p. 17: crime tentado, dupla
atenuação especial.
Crime impossível. A acordou com B arranjar alguém que incendiasse uns armazéns, mas nunca
foi intenção deste fazêlo, já que este apenas pretendia receber do A e fazer seu o preço
combinado pelo serviço e com isso ludibriálo. Ora, o comportamento do autor mediato será
punido se ele determinou outro ou outros à prática do facto e desde que haja execução ou
mediato.
• Acórdão do STJ de 28 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 1, p. 219: para a
inexistência do objecto tem que ser, em primeiro lugar, um juízo objectivo, pelo que não releva
aquilo que o agente considera existente ou inexistente. Todavia, tem de fazerse apelo, neste
ponto, a uma ideia de normalidade, segundo as aparências, que se baseia num juízo de
prognose póstuma.
• Acórdão do STJ de 4 de Janeiro de 1996, CJ, ano IV (1996), t. II, p. 161: A figura da tentativa
actuação de crime impossível nos casos em que o agente pratica todos os actos necessários para
a prática de um crime (de extorsão), mas o mesmo se não consuma, em resultado da actuação
• Acórdão do STJ de 7 de Janeiro e 1998, CJ, 1998, tomo I, p. 151: A inidoneidade do meio
pode ser absoluta ou relativa. A primeira existirá quando o meio for, por natureza, inapto para
apto, se torna inapto para produzir o resultado. Ao exigirse no artigo 23º, nº 3, que a inaptidão
do meio seja manifesta, para que a tentativa não seja punível, temse em vista a inidoneidade
absoluta.
arguidos aprovaram entre si e decidiram apropriarse das quantias monetárias que pudessem
estar no interior do cofre do estabelecimento e, em execução desse projecto conjunto e com esse
curta distância, tendo sido entretanto surpreendidos e detidos por agentes policiais, não obsta
inexistência dos valores a apropriar não era manifesta; c) segundo as regras da experiência
comum, era previsível que o cofre conteria importâncias monetárias; d) os meios empregues
pelos arguidos, nas exactas circunstâncias em que actuaram, foram adequados a alcançar a
apropriação, isto é, a preencher o tipo legal do crime de furto; e) a falta de prova da existência e
de 18 de Julho de 2001: qualificação dos factos como crime de tráfico na forma consumada,
qualificação como detenção na forma tentada, por não ter havido efectiva disponibilidade
sobre o produto.
• Relazione della Commissione Ministeriale per la Riforma del Codice Penale, in Riv. ital.
• Actas das sessões da Comissão revisora do Código Penal, parte geral, vol. 1 e 2, AAFDL, p.
184 .
• Claus Roxin, Die Abgrenzung von untauglichem Versuch und Wahndelikt, JZ 1996, p. 981.
• Claus Roxin, Teoria da infracção, Textos de apoio de Direito Penal, tomo I, AAFD, Lisboa,
1983/84.
• Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, 1983, p. 152 e ss.
• Faria Costa, STJ, Acórdão de 3 de Julho de 1991 (Tentativa e dolo eventual revisitados),
• Faria Costa, Tentativa e dolo eventual, separata do nº especial do BFD, Coimbra, 1987.
• Franz Streng, Der Irrtum beim Versuch ein Irrtum?, ZStW 109 (1997), 862.
• Georges Vigarello, História da violação, séculos XVI—XX, Editorial Estampa, 1998, p. 156.
• Herzberg, Das Wahndelikt in der Rechtsprechung des BGH, JuS 1980, p. 469.
• Ignazio Giacona, L’idoneitá degli atti di tentativo come “probabilitá”?, Riv. Ital. Dir. Proc.
(1992), p. 561.
• Manuel Augusto Alves Meireis, O regime das provas obtidas pelo agente provocador em
• Muñoz Conde / Mercedes Arán, Derecho Penal, Parte General, 1993, p. 373.
• Teresa P. Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, O erro sobre normas penais em
branco.
• CASO nº 33: A, médico, estava convencido de que B tinha algo a ver com a morte de um
seu cavalo e levouo consigo numa carrinha de caixa aberta para a sua quinta, onde
começou por amedrontálo. Mas como B nada lhe contasse sobre a morte do animal,
A empurrouo para dentro de casa e começou aos berros e a exibir uma pistola e um
punhal que trazia á cinta, ameaçandoo de morte, após o que o começou a agredir
com as mãos e aos encontrões contra as paredes. A dado passo, A apercebese de que
B jazia inanimado, sem dar acordo de si e a esvairse em sangue. Sem cuidar de, como
médico que é, o examinar e socorrer, se acaso ainda estivesse com vida, A, que já
pernas, dentro de um baú e sobre este colocou uma mala de viagem. A procedeu
assim com o objectivo de acabar com a vida de B, se acaso tal ainda não tivesse
directa e necessária, pelas múltiplas agressões que A lhe infligiu, tendo agido sempre
• 1—É inimputável quem, por força de uma anomalia psíquica é incapaz, no momento da
avaliação.
háde, nesse plano ético, fazer aumentar ou diminuir a gravidade daquele juízo.
• Seguramente que não. Pode mesmo dizerse que isso seria verdadeiramente catastrófico na
• Com efeito—escreve Mezger—na maior parte dos casos, senão em todos, é precisamente a
• Não diz a lei se a imputabilidade diminuída deve por necessidade conduzir a uma pena
entre nós defendida por Eduardo Correia e a que eu próprio me tenho ligado—de
atenuação ou até mesmo à agravação da pena. Isto sucederá, do meu ponto de vista,
dos fanáticos.
• A distinção entre ilicitude e culpa é o legado mais importante da ciência alemã do Direito
Penal na primeira metade do nosso século. Actua ilicitamente quem, sem justificação,
realiza um tipo jurídicopenal e, desse modo, uma acção socialmente danosa. Mas
esse comportamento só é culposo quando for possível censurálo ao seu autor por ter
isso como uma quase evidência que, a par da distinção entre ilicitude e culpa, se
culpabilidade.
• O Código Penal alemão de 1871 não continha esta distinção entre ilicitude e culpa; noutros
países há muitos ordenamentos jurídicos que ainda não a conhecem. Contudo, a nova
parte geral do Código penal da República Federal Alemã, entrado em vigor em 11
«não é ilícito» o facto realizado em legítima defesa; por outro lado, qualificase
como cometido «sem culpa». Pouco a pouco foise impondo na legislação alemã o
• Mas ao mesmo tempo que se dava esta vitória do conceito de culpa iase modificando
se entendia por "culpa". Ponto de partida desta transformação foi a mudança operada
teoria da retribuição, segundo a qual a pena supõe, por um lado, a culpa, mas, por
outro lado, esta, por sua vez, também deverá ser compensada (retribuída) pela pena.
Assim, por ex., diz o meu colega de Munique Arthur Kaufmann na sua fundamental
deriva unicamente desta concepção bilateral do princípio da culpa, isto é: a pena tem
que corresponder à culpa mas esta também torna necessária a pena. Não pode
proclamar o princípio da culpa como absoluto quem negar que, em princípio, à culpa
afirmar também a necessidade da pena pela culpa, isto é, não pode, com fundamento
obstante a existência da culpa» (p. 202). Kaufmann chega até a reclamar uma vigência
absoluta, fundada no Direito natural, para a tese segundo a qual «a pena tem que
corresponder à culpa, mas também a culpa exige em princípio pena» (p. 208).
Alemanha desde Kant e Hegel, foi abandonada nos últimos anos tanto pela doutrina
bilateral, mas sim unilateral. Quer dizer: a doutrina dominante na Alemanha afirma
que a pena supõe culpa e que também é limitada no seu quantum por ela; mas não
aceita já que um comportamento culposo exija sempre uma pena. Pelo contrário,
(«Das Schuldprinzip», 2ª ed., 1976, p. 276) «que a pena justificase não só pela culpa»,
mas deve ser exigida também «pela protecção de bens jurídicos necessária à
comunidade».
da culpa. Talvez possa afirmarse que razões religiosas ou filosóficas exigem uma
compensação da culpa; esta é uma questão que tem o seu lugar nas disciplinas que se
ocupam destes problemas. Mas o que é certo é que esta anulação da culpa não tem
que se produzir através da pena pública, pois esta não é uma instituição divina ou
uma ideia filosófica. Numa democracia pluralista não é missão do Estado decidir de
não pode, por conseguinte, ser imposta se não for necessária com base em razões
preventivas.
• Na política criminal esta ideia impôsse de forma ampla. Constitui, desde o Projecto
uma conduta só pode ser castigada, não já como se escrevia no Projecto oficial de
1962 pela sua imoralidade culposa, mas só quando isso for necessário para a
ordem social pacífica. Após muitos anos de discussão, a legislação alemã aderiu a
nem a prejudicam. Essas acções são certamente consideradas ainda por grandes
sectores da população alemã como imorais e culposas; mas na medida em que sejam
permanecer impunes.
pena. Por isso, a passagem de uma concepção bilateral a uma concepção unilateral do
princípio da culpa deve também incidir nestes sectores. (Claus Roxin, Concepción
• Pela acção perguntamos de que é o homem capaz. Pelo ilícito perguntamos de que é que o
culpa perguntamos de que é que este homem é capaz (Kaufmann, apud Faria Costa, o
Perigo, p. 423).
III. Semiimputabilidade.
• CASO nº 33A: A entrou na taberna de B e apropriouse de 575$00 que lhe subtraiu por
meio de violência física e também por meio de ameaça com uma pistola de alarme,
levandoa a crer tratarse de uma arma de fogo. A perícia médicolegal refere que A
apresenta uma ideação e senso críticos deficitários, sem noção nem extensão das
intelectivo baixo (borderline); deve ser considerado imputável com atenuantes perante
a lei; deve ser conduzido com regularidade à consulta de psiquiatria e assim sendo
ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, nº 2), óbvio é que, a não existir
especial perigosidade censurável ao agente, a imputabilidade diminuída deve
conduzir a uma atenuação da pena — cf. Cavaleiro de Ferreira, Lições de
Direito Penal, Parte Greal I, 1992, p. 280." E sendo evidente que a culpa do
agente diminui em função do abaixamento das suas faculdades intelectuais e
volitivas, seguese que, situandose o nível intelectivo do arguido, como se
situa, na linha limite (borderline), a graduação da pena não deverá exceder o
mínimo da respectiva moldura, mas sem que tal diminuição da imputabilidade
dê lugar obrigatoriamente a atenuação especial da pena.
• A lei não diz que a imputabilidade diminuída deva determinar, necessariamente, uma
atenuação da pena e pode haver situações em que essa diminuição conduza à não
atenuação ou até mesmo à agravação da pena, como nos casos em que, apesar da
(1996), p. 173.
um ilícito típico com outros elementos do crime que não tenham a ver com a culpa do
exemplo, quando a situação for de estado dee necessidade desculpante, de erro sobre
Antunes).
e conscientemente.
• A inimputabilidade não é uma causa de exclusão da culpa mas uma "causa impeditiva
Sentença de 1998, 11.15, caso Silva Rocha vs. Portugal, Tribunal Europeu dos Direitos do
Acórdão do STJ de 6 de Dezembro de 2001, CJ 2001, tomo III, p. 231: não consideração da
jurisprudência do STJ
Acórdão do STJ de 30 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 202: limite máximo da
Acórdão da Relação de Coimbra de 3 de Outubro de 2001, CJ ano XXVI 2001, tomo IV, p. 54:
factos objectivos integradores de crime ou crimes, não sendo necessário dela constar
ilícitos típicos.
aquele só deveria terminar quando a perigosidade criminal que lhe deu origem tivesse
findo o qual o internado tem de ser posto em liberdade, tenha ou não cessado o estado
Penal, no seu art.º 77, só prevê o cúmulo de penas parcelares concretas, de prisão ou de
multa, e por outro não é possível o recurso à analogia (art.º 1, n.º 3, do CP).
3 anos e máximo de16, devendo o despacho que fixa tais limites, ressalvar o seu termo,
Acórdão do STJ de 20 de Maio de 1998, CJ, ano IV (1998), tomo II, p. 205: A
ou de atenuação geral como indicia falta de preparação para manter conduta lícita: do
mesmo modo, embora essa circunstância possa implicar sempre uam redução da
não só não determina, necessariamente, uma atenuação da pena como até pode
1998, BMJ481152.
Acórdão do STJ de 28 de Junho de 1990, CJ, 1990, tomo 4, p. 92: arguido inimputável e
actividade criminosa.
Acórdão do STJ de 26 de Fevereiro de 1998, CJ, 1998, tomo 1, p. 211: ligeira deficiência mental
Acórdão de 19 de Outubro de 1995, CJ, ano III (1995), tomo III, p. 210: aceitando o tribunal
de livre apreciação quanto aos elementos de facto que revelem a sua perigosidade;
Acórdão do STJ de 20 de Abril de 1994, CJ, ano II (1994), tomo II, p. 190: danos por
inimputável; indemnização.
ano II (1994), tomo II, p. 238: a toxicodependência, em si e sem mais, não atenua a
resultante do falecimento de um ente querido, ocorrido anos antes da prática dos factos,
primarismo emocional e baixo juízo crítico afectou o arguido impedindoo de ser capaz
de avaliar a ilicitude dos actos praticados" e por outro, que "a doença do arguido implica
tendo o colectivo se apoiado neste segundo juízo para considerar o recorrente imputável
(posto que com uma imputabilidade diminuída), mas não tendo justificado a
atenuante: a lei vigente nem sequer a inclui entre as circunstâncias elencadas no art.º 72,
da pena.
atenuante quando, por força dela, preenchendo os requisitos do art.º 20, n.º 2, do CP, a
levar à aplicação ao agente de uma pena indeterminada, conforme dispõe o art.º 88, do
CP, podendo esta situação qualificarse como uma agravante qualificativa. Nos demais
psíquica de que sofra e do facto típico que tenha praticado, haja receio de que venha a
Ac. do STJ de 20 de Outubro de 1999, CJ ano VII (1999), tomo 3, p. 196: relatório da perícia
Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 172: medidas de
Penal, para o qual relevam somente questões atinentes à culpa — o ilícito típico em
Ac. do STJ de 29 de Novembro de 2001, CJ 2001, tomo III, p. 225: Inimputável. Habeas corpus.
habeas corpus.
imputabilidade diminuída.
Acórdão do STJ de 30 de Maio de 2001, CJ, ano IX (2001), tomo II, p. 215: limite máximo do
Claus Roxin, Sul problema del diritto penale della colpevolezza, Riv. ital. dir. proc. penale,
1984, p. 16.
Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de inimputáveis e "in dubio pro reo", BFD (Studia
Iuridica), 1997.
Cunha Rodrigues, Sobre o estatuto jurídico das pessoas afectadas de anomalia psíquica, in
pena na revisão do Código Penal, Jornadas sobre a revisão do Código Penal, FDUL,
1998.
J. Seabra Magalhães e F. Correia das Neves, Lições de Direito Criminal, segundo as prelecções
(1997), p. 461.
Jorge de Figueiredo Dias, Direito penal português. As consequências jurídicas do crime, 1993.
en raison d’anomalie psichique, Studi in memoria di Pietro Nuvolone. vol. 1º, 1991, p.
195.
Jorge de Figueiredo Dias, Pressupostos da punição e causas que excluem a ilicitude e a culpa,
Jorge de Figueiredo Dias, Sobre o estado actual da doutrina do crime, 2ª parte, RPCC 1992, p.
7 e ss.
derecho penal, in Fundamentos de un sistema europeo del derecho penal, Bosch, 1995.
(1998), p. 51; e Jornadas de Direito Criminal. Revisão do Código Penal, CEJ, vol. II, p.
119.
Susana Pereira Bastos, Da cidade e dos seus loucos, in Do desvio à instituição total, Cadernos
do CEJ, 1/90.
• CASO nº 35: A envia a B pelo correio uma carta em que, entre outras expressões, o
apelida de "ladrão" e de pessoa "sem escrúpulos e capaz de todas as patifarias". B
recebe a carta.
• Variante: A põe a carta no correio, mas B não a recebe por motivo que não vem ao caso.
Com efeito, há quem entenda que os crimes contra a honra alinham nos
crimes de perigo: serão crimes de perigo abstracto. Para haver consumação será
então suficiente a idoneidade da ofensa, pois, não só não se exige que a pessoa
se considere ofendida, como também se prescinde de que a afirmação tenha
encontrado crédito perante outras pessoas, podendo até suscitar repulsa. Nem
por isso a honra da pessoa deixou de estar exposta à probabilidade de um dano
(cf. Magalhães Noronha, p. 141). Neste sentido, cf. a opinião recente de Oliveira
Mendes (O direito à honra, p. 56): “os crimes de difamação e de injúrias terão de
ser classificados, quanto a nós, como de perigo abstractoconcreto”. Mas tem
vindo a difundirse a ideia de que a honra alheia não fica simplesmente exposta
a risco de ofensa e que se trata de crimes de dano que se consumam com a lesão
efectiva do bem jurídico — quando a imputação injuriosa ou difamatória é
compreendida ou entendida pelo seu destinatário. Neste caso, a lesão é lesão de
um objecto ideal — não há qualquer modificação de um estado de coisas. Cf.,
por ex., Augusto Silva Dias. Na opção por um ou outro entendimento, pensese
na situação dum doente mental ou de uma criança, que não entendem o
significado ofensivo de uma expressão, ou na do estrangeiro que não domina a
língua do país. A sentença de 4 de Outubro de 1994, comentada in Il Foro
Italiano, 1995, p. 377, apreciou o caso de uma jovem hospitalizada, em estado de
a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um
como escreve Bento de Faria (p. 160). Por seu turno, o ilícito previsto no artigo 181º
verificase quando alguém injuria outra pessoa, imputandolhe factos, mesmo sob a
A ideia de que a difamação ocorre na ausência do visado vem já dos tempos antigos. “As
relações da maledicência com os outros pecados da fala são numerosas. Partilha com o
próximo, mas aparece sempre separada destes outros pecados. S. Tomás retoma o tema
definitiva: o insulto, filho da cólera, virase contra a honra de uma pessoa presente mas
duma pessoa ausente. A duplicidade cobarde do difamador que ataca a vítima pelas
injustificada a pessoa que tem à sua frente”. Cf. Carla Casagrande / Silvana Vecchio, Les
“L’idée de l’honneur est une idée complexe formée nonseulement de plusieurs idées simples,
mais aussi de plusieurs idées complexes ellesmêmes” (Des délits et des peines, par
soma dos valores morais que o indivíduo se atribui a si próprio), e na chamada honra
ordem individual (a estima que alguém tem de si próprio) ou colectiva (a forma como
8.
rejeitar, por inadequadas. Assim, a reputação externa, vista nesta perspectiva, pode
levar à negação da tutela jurídica no caso de alguém cuja fama esteja muito por baixo
dizse, não haveria ofensa da honra de uma prostituta que fosse acusada de lançar
Por outro lado, se o bem jurídico protegido fosse um facto psicológico individual, um
doente mental ou uma criança não estariam a coberto da ofensa, em virtude da sua
cumprimento dos deveres éticos, de forma que, afinal, só tem relevo a honra
merecida.
éticosociais não pode depender da forma como cada um conduz a sua vida, do seu
direito ao bom nome e reputação que emana de outro valor constitucional, axial e
honra e a extensão com que é protegida têm assim a sua referência essencial no
dignidade e tem como correlativo uma conduta negativa dos outros; é, ao fim e ao
cabo, uma “pretensão a não ser vilipendiado ou depreciado no seu valor aos olhos da
comunidade” (A. Silva Dias, p. 18; ainda, M. P. Gouveia Andrade; Murillo, p. 17).
A doutrina dominante tempera a concepção normativa com uma dimensão fáctica (concepção
dual): “a honra é vista como um bem jurídico complexo que inclui quer o valor pessoal
consideração exterior. Sem margens para dúvida, esta é a única concepção compatível
uma interpretação restritiva do bem jurídico 'honra', que o faça contrastar com o conceito
conceito puramente fáctico, quer —no outro extremo— estritamente normativo”. Faria
"Os juristas têm que renunciar a um conceito inequívoco de honra, dada a plurivalência da
expressão. Bem pelo contrário, têm que se limitar a procurar o âmbito da protecção
• A honra (e, por aproximação, o bom nome) está ligada à imagem que cada um tem de si
também a boa fama) representa a visão exterior sobre a dignidade de cada um, o
apreço social, o bom nome de que cada um goza no círculo das suas relações ou, no
• “Palavras e acções são significativas no código da honra porque são expressões de atitude
física implica uma afronta à honra uma vez que a “esfera ideal” à volta da honra de
uma pessoa foi profanada. Além disso a importância da presença pessoal é altamente
relevante em matérias de honra. Aquilo que é uma afronta dito na cara pode não
desonrar dito pelas costas” (Julian PittRivers, Honra e Posição Social, p. 18 e 13).
desprezo do visado; atirar um balde de água suja contra uma pessoa com o
propósito de a molhar). Fazer troça de alguém, mesmo em jeito de brincadeira,
pode ofender se for expressão de um desvalor: por ex., tratar por “tu” de forma
impertinente — acentuase, por vezes, que a solução deve buscarse
especialmente no lado subjectivo, devendo o comportamento exprimir a
intenção de desvalorizar a pessoa a quem se dirige. Ofende quem cospe no
outro ou lhe lança imundícies. Ofende o puxão de orelha ou a bofetada que se
dá, não para magoar fisicamente mas para rebaixar o adversário.
Mas nem todos concordam em que seja injúria a recusa de apertar a mão
estendida, ou a de corresponder a uma saudação, não passando a atitude de
mera descortesia. Nem o recusarse alguém a dançar com outrem num baile.
Também se discute se certos comportamentos sexuais, especialmente com
pessoas jovens, ou se determinadas conversas (ou escritos) de cariz sexual
podem ser aqui incluídos. A jurisprudência alemã pronunciouse pela negativa
(Blei, p. 98: “com duvidosos fundamentos”) num caso em que alguém recebera
uma oferta de negócio para participar num Eroscentro.
“Não há dúvida de que os palavrões existem há tanto tempo como a linguagem. O Antigo
escritores gregos e romanos quase não deixaram testemunhos escritos sobre este
podemos concluir daí que os palavrões de então eram semelhantes aos de hoje”. “A
veemência meridional introduz, tanto nos palavrões populares como nas blasfémias
puníveis com o inferno, uma parte maior ou menor do corpo, exibindoo ou fingindo
[239] e [62].
“Os ouvidos são mais castos do que os olhos, disse Mário de Andrade. Quer dizer: lêse um
palavrão com mais facilidade do que o escutamos”. Otto Lara Resende, O palavrão do
"O que me ofende mais é "cabrão". Não gosto. Acho que é uma palavra horrível, é um insulto
baixo, ferino, de animais. Prefiro ser chamado "filho de puta". "Cabrão" é que não.
"Cabrão" é mais baixo que "puta". "Puta" é saudável. Sempre é uma actividade exercida
"cabrona", ou mesmo "cabra". A cabra tem dois aspectos: há uma cabra positiva, a da
mitologia clássica — a que oferece as suas têtas para amamentar Júpiter, e uma outra,
venenosa, que pode reduzir a deserto todas as ervas. Com "cabrão" o insulto é duplo:
sendo também o diabo, atinge igualmente a mulher, a que o pariu ou corneou." António
Injuriase alguém ofendendo “a honra subjetiva do sujeito passivo, atingindo seus atributos
O exército britânico tem, ou de qualquer forma teve, uma categoria de insulto conhecida como
“insolência silenciosa.” Peter Burke, A arte da conversação, Ed. Unesp, São Paulo, 1995.
comunicação, podendo esta ter lugar em tempo e modo diversos e mesmo com
um intervalo mais ou menos prolongado (Antolisei).
Na Idade Média, para alguns escritores, o critério da verdade é que separa a difamação da
correcção: “Dizer a verdade não é difamar”, escreve Jerónimo; “Aquele que diz dum mal
existente que ele existe, não pode ser considerado como denegrindo quem quer que seja,
alguém a outra pessoa, tornase não só permitida como também justa. Nos séculos 12 e
português simples e franco, serse aldrabão. E são as palavras mais brandas e menos
resolvido com uma falcatrua de feirante uma questão tão controversa como a dos touros
se das simples opiniões e do juízo de valor, que se analisa numa afirmação contendo
uma apreciação sobre o carácter da vítima que não está inscrita em factos (cf. A. Silva
(cf. Lenckner, in S/S, Strafgesetzbuch, 25ª ed., p. 1396 e s.). O que define as opiniões e
favor ou se é contra. “A linguagem dos valores não pode ser reduzida à linguagem
valor não se pode recorrer nem à demonstração lógica nem à verificação empírica,
cit. por A. Carrata, Rivista de Diritto Processuale, nº 32001). Os contornos entre facto e
juízo de valor são porém fluidos e na prática podem surgir dificuldades, com
veritatis).
O uso, pela comunicação social, de certa expressão na suposição de que o leitor a entenderá em
• Mas nem sempre as coisas foram assim entendidas. Durante muito tempo, para haver
injuriandi vel difamandi. Vejase, para ilustrar, o acórdão do STJ de 25 de Maio de 1948,
Madeira Hall, solteiro, maior, sem profissão...". O tribunal entendeu que o uso de tal
terminologia, na forma que dos autos consta, não podia considerarse como ofensivo
mesma corporação” (ac. da Relação do Porto de 4 de Julho de 1976, CJ, ano I (1976), t. 2,
quem é dirigido, pois retira a boa imagem que todo o indivíduo deseja ter” (ac. da
qualquer outro animal com cornos, e o cuco. O primeiro é utilizado nos países do sul da
Europa, o segundo nos do norte. Os escandinavos parece que dão pouca importância a
qualquer deles. Os franceses conhecem os dois: “il est cocu le chef de gare”, mas os
cornos têm mais saída que o cuco. Na Inglaterra, os cornos já não são utilizados e o cuco
(cuckold) é geralmente tratado com uma simpatia (escandalosa aos olhos dos espanhóis)
Um exemplo notável da força activa da língua é o insulto, uma forma de agressão na qual os
adjectivos e substantivos são usados menos para descrever a outra pessoa do que para
atingila. Na Roma do século XVII, como em outras partes do mundo mediterrâneo, era
improvável que tais caracterizações tivessem muito a ver com o comportamento social
de suas vítimas. Eram apenas o melhor meio de arrasar a reputação das vítimas,
1995.
constituía "a mor infâmia que pode ter um fidalgo português" — como escreve a
Kienapfel (p. 322) aponta uma curiosa expressão que no “milieu” vienense passa por inocente,
mas que suscita a cólera imediata dum estranho. A propósito, alude à vantagem de se
ponderar o conjunto das circunstâncias de cada caso, por ex., as motivações, a maneira
lesado, o “humor” dos envolvidos ou o “clima” em que as coisas acontecem, bem como
os hábitos específicos do lugar. Deve igualmente estarse atento às mudanças que se vão
exacto daquela palavra no contexto linguístico e social em que foi usada — o seu sentido
irónico, amigável, de desprezo, etc." Maria Fernanda Palma, A teoria do crime como
teoria da decisão penal, RPCC 9 (1999), p. 533. Qualquer falante de português destrinça
alguns dos quais fazem parte do “Cartel do Porto”, uma organização que controla a
galegas) e a droga. A moeda falsa é um "negócio lateral" que serve para financiar os
instaurado processo crime contra “A”, por abuso de liberdade de imprensa (arts.
164º, nº 1, e 167º nº 2, ambos do Código Penal de 1982, conjugados com o artº. 25º do
difamar. Apenas teve em mente revelar com total verdade alguns dos traços mais
cheios da história triste e deplorável da prostituição, droga e dinheiro falso. Para isso
no seu artigo. Essa indagação foi feita pelo arguido junto de fontes policiais e outras
arguido procurou por todos os meios ao seu alcance ouvir o queixoso. E fez para isso
num armazém de Matosinhos, tendo entretanto sabido que o queixoso andava fugido
à polícia pois havia contra ele mandados de captura. Ora, a partir desta informação o
arguido entendeu que a informação que possuía e que veiculou no referido artigo
interessava ao público e era verdadeira. Em seu entender, a sua conduta não teria
direito de crítica.
e 38º, nºs 1 e 2, a) e com lugar na lei ordinária (artigos 1º, nºs 1 e 4, 2º e 3º da Lei de
• Crítica e crónica, opinião e notícia, juízo e facto. Com a liberdade de expressão garante
Uma e outra variam quanto à matéria (desportiva, tauromáquica, teatral, etc.) e sua
páginas de diário; jamais os últimos. Opinião é, ainda, citar parecer alheio. Ficou
notícia, um facto actual com interesse geral. "Vejase que não é um facto
foi solucionado de maneira satisfatória nem na Alemanha nem nos outros países que
sociólogos discutiram esta questão. Temos diversas respostas mais ou menos concretas,
mas nunca apareceu uma solução que se perfile como o modelo perfeito para a
vol.10, nº 3, 1998).
de desconsiderar outrem: as palavras deviam ser aptas a ofender mas exigiase que
simultaneamente fossem proferidas com esse fim. Todavia, enquanto se entende que
Honra, RLJ, ano 115º, p. 133). Por outro lado, esta solução ocultava a verdadeira
dimensão do problema, que não reside na intenção com que se realiza o facto mas na
mútua delimitação do conteúdo objectivo dos direitos que entram em rota de colisão
(Molina Fernández).
americana, nem por isso se admite que se possa permitir seu exercício quando constitui
um perigo indubitável e iminente. Quem grita: "fogo" em um teatro repleto, e isso a fim
de provocar pânico, não pode invocar seu direito à liberdade de expressão para subtrair
se aos processos judiciais". Chaïm Perelman, Lógica Jurídica, São Paulo, 2000, p. 130.
concreto. E, por vias disso, apostada numa solução capaz de assegurar aos dois
protegidos "devem poder coordenarse entre si, de tal sorte que cada um alcance a
devem ser limitados para que possam gozar todos eles de uma virtualidade óptima",
ii) o meio utilizado háde porém ser o adequado ou o razoável, não deve
exceder o fim informativo, uma vez que a lesão da honra só pode justificarse
quando seja necessária, e não é necessária quando, por ex., a pretexto de
informar se usam expressões formalmente injuriosas ou insinuações torpes;
persone, soprattutto con riferimento allo specifico campo del diritto di cronaca e di
nº 2/99 de 13 de Janeiro).
livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem, ou por qualquer outro meio,
• No caso nº 35A, as imputações produzidas pelo jornalistas são idóneas para ofender a
honra do visado, a quem, desde logo, envolvem em actos que constituem crimes, e
subjectivos da difamação, pois o arguido agiu com dolo, pelo menos com dolo na sua
verdade da mesma imputação ou o agente tenha fundamento sério para, em boa fé, a
• Não foi feita a prova da verdade das imputações. Por outro lado, o jornalista não logrou a
prova da veracidade, como pretendia. Não pode invocar um interesse legítimo para a
sua descrita actuação. Não se verifica pois qualquer circunstância eximente, sendo a
conduta punível.
• Ideia geral da exceptio veritatis, segundo Murillo, p. 60: a exceptio veritatis reflecte de certo
representam condutas lesivas da honra. Não será assim se esses mesmos factos forem
verdadeiros. Mas deve notarse, por um lado, que há factos ofensivos da honra que
são insusceptíveis de prova, por outro, que a dignidade de uma pessoa pode ser
Estando em causa o que hoje chamamos a função pública da imprensa, compreendese que já
apreciar livremente os actos de cada um. Silva Ferrão, p. 314: pode entenderse por um
lado que a lei não deve punir a difamação como crime senão quando os factos
culminante é a falsidade, a fraude ou a mentira (Mello Freire, Inst. de Jur. Cr., tit. 12º, §
6º). O contrário equivale a adoptar o princípio veritas convicii non liberat ab injuria. Estas
• Vejase, por ex., o artigo 328º do Código Penal (ofensa à honra do Presidente da República):
“afigurasenos que não é admissível prova das imputações feitas, por razões de
Estado e porque não foi aqui reproduzida disposição correspondente à do artigo 180º,
nº 2, alínea b), sem prejuízo de o dolo poder ser afastado pela boa fé do arguido”
(Maia Gonçalves, Código Penal Português, 8ª ed., 1995, p. 944); e o ac. da Relação de
Lisboa de 30 de Maio de 1989, CJ, ano XIV (1989), t. 3, p. 168. No crime de ofensas à
141.
O artigo 180º, nº 2, exige, desde logo, que a imputação tenha sido feita
para realizar interesses legítimos, excluindo a prova nos casos relativos à
intimidade da vida privada e familiar (nº 3). Mas não se exige, necessariamente,
o reconhecimento de um interesse público, por ex., o de informar por meio da
imprensa, cuja missão está justamente relacionada com a formação da opinião
pública. Basta um interesse privado, o do advogado na defesa do seu cliente ou
na sustentação da acusação do assistente, o da parte num processo, o do
cientista que acusa outro de plágio. Na verdade, a noção de “interesse legítimo”
envolve a prossecução de uma finalidade reconhecida pelo Direito como sendo
digna de tutela, independentemente da sua natureza pública ou privada, ideal
ou material (cf. SchönkeSchröder, § 193, nº de margem 9).
“vida privada e familiar” (Figueiredo Dias, p. 135). "O desenho normativo reserva à
prossecução de interesses legítimos a força bastante para, só por si, tornar jurídico
não será assim em relação às condutas que se projectam ao mesmo tempo sobre
penal e a carência de tutela penal das condutas pertinentes” (Costa Andrade, Sobre a
agente diz ter realizado, da credibilidade das suas fontes e do fundamento que
teve para reputar como verídico o conjunto das informações a que teve acesso.
Todos esses dados devem ser controlados pelo tribunal, mas tal exigência ficará
frustrada se o agente (estamos a pensar no jornalista) simplesmente se refugia
no direito, que lhe deve ser reconhecido, de não revelar as suas fontes (cf. o
artigo 8º da Lei nº 62/79, de 20 de Setembro: “1 Os jornalistas têm o direito de
recusar a revelação das suas fontes de informação, não podendo o seu silêncio
sofrer qualquer sanção directa ou indirecta”).
V. Jus corrigendi?
• CASO nº 35B: A, professor do ensino básico, irritado com B, seu aluno, dirigiuselhe,
em voz alta, chamandoo de imbecil, idiota, estúpido e homossexual. No processo
corrigir o aluno.
ainda se faz.
• Honra herdada, honra cavaleiresca, honra hereditária, honra suprema, honra alheia, honra
honra, lesão da honra, lugar de honra, marcas da honra, dever de honra, livro de
perigo para a honra, pessoa de honra, hóspede de honra, mesa de honra, ponto de
honras, vender honras, merecer as honras, defender a honra, vingar a honra, denegrir
a honra, fazer as honras, fazer honra à sua fama, garantir a honra, redimir a honra,
responder por sua honra, beber em honra de alguém, prezar a honra, perder a honra.
honra, renderse com honra, satisfazer a honra, lavar a honra, ter a honra à flor da
pele, ter honra, ter a honra, ter a subida honra. Foros de senhores da Honra. Jurar por
sua honra. Prestar honras. Prestar as honras. Dar honras, dar honras de apelido.
guerra. Honras de Estado. Em honra de. Por imperativo de honra. Honra merecida,
honra provada, honra reconhecida, honra recusada, honra restaurada, honra sentida,
honra hipotecada. Pagar por honra da firma. Por minha honra. Honrar a camisola,
honrar o nome, honrar compromissos, honrar pai e mãe, honrar a Deus. Honra lhe
seja feita. Vossa honra. Dama de honor. Affaire d’honneur. Honneur oblige. Cursus
• Bibliografia:
• Carla Casagrande / Silvana Vecchio, Les péchés de la langue, Editions du Cerf, Paris, 1991.
• Mário Souto Maior, Dicionário do palavrÃo e termos afins, prefácio de Gilberto Freire, 6ª
ed., 1992.
• Stephen Burgen, A língua da tua mãe. Um guia de insultos europeus, Atena, 1998.
Adsetatio e appellatio – acto de acompanhar uma mulher honesta, na via pública, contra sua
Atrocitas injuria levada a cabo em lugares públicos, como o foro ou o teatro e por isso punida
mais severamente.
Blasfémia – é, segundo Melo Freire, Instituições, BMJ15596, “a injúria feita por palavras ou
Boato a notícia que corre, sem fundamento ou origem verificável; um facto falso,
outro, denuncia a informação escondida (João Luis de Moraes Rocha, O boato e a prova
notícia que é passada de boca em boca sem que seja possível (nem geralmente desejada)
até se tornar irreconhecível. Acontece muitas vezes que quem o propaga não se lembra
sequer de quem o ouviu ou acha as suas fontes tão pouco dignas de crédito que prefere
não as mencionar. O boato passa então a ser um "dizse" (L. Knoll, Dicionário de
Boato O boato é um vício detestável, sobre ser pecado de arrastar as almas às portas do
inferno. E porquê? Porque gera a calúnia e a calúnia engendra a infâmia e das infâmias
háde Deus pedirnos contas quando chegar a hora. Ver para crer, dizia S. Tomé, e se o
dizia de santíssimas verdades, que razões temos nós para o não dizer da primeira
atoarda que nos murmuram aos ouvidos? Carlos de Oliveira, Uma Abelha na Chuva, 11ª
Calúnia consiste numa imputação falsa; não existe sem o conhecimento da inocência do
Chalaceador indivíduo que exprime os seus pontos de vista pela via do humor, do cómico ou
da graçola. Encontramse indivíduos deste tipo, como pessoas divertidas e que divertem
tipo especial no âmbito do tipo geral. Aplicando à letra as regras de conduta do seu
meio, dálhes uma volta que as torna problemáticas e ridículas (L. Knoll, Dicionário de
Contumélia afronta, invectiva, sinal de desprezo; tudo o que é dito ou feito com intenção de
maledicente retira (detrahit) àquele que o ouve a boa opinião (fama) que este tem do seu
longe e passivo, é denegrido e caluniado por palavras que lhe não chegam aos ouvidos
(occulta verba), mas que lhe alteram ou destroem a imagem. A detractio é um discurso
mau a respeito de um ausente feito com intenção maléfica: detractio vero est mala de
detractio em verba, signa, nutus, scripta (libellus famosus), cantilenae remonta ao direito
romano, onde ela se referia contudo à iniuria, que designava qualquer palavra
Escatológico nauseabundo.
Exceptio veritatis exclusão da ilicitude penal por força da prova da verdade dos factos.
Humor O humor é o que faz rir, apesar de tudo (Otto Birnbaum). Vejase o caso do condenado
que era conduzido ao suplício debaixo de um grande aguaceiro e que dizia ao carrasco,
como se a morte lhe fosse indiferente: "E você que tem de voltar para casa com este
Injúria “non facto”, isto é, por omissão ou desprezo – também se faz injúria “non facto”, ou
seja, por omissão, quando por exemplo — explica Melo Freire —, por soberba se não
Injúrias atrozes eram casos agravados de injúria, por ex., a cometida relativamente aos
eclesiásticos, fidalgos, magistrados, ao amo pelo criado, ao pai pelo filho, ao senhor pelo
Insulto, insultar (lat. insulto, saltar sobre) ofender, ferir, magoar, injuriar, ultrajar, vituperar.
Invectivar (lat. inveho, precipitarse sobre, atacar, investir) atacar, agredir com palavras,
Libelo famoso (libellus famosus) a ofensa feita por escrito ou outro meio permanente. Diz
Majestas crime de ofensas contra o Chefe do Estado (cf. ac. da Relação de Lisboa de 30 de
Nominatio auctoris a indicação da fonte, no que toca a um “boato”, a uma afirmação alheia,
Ofensa ou injúria real a que é praticada por violência pessoal, por gestos (bofetada, chicotada,
puxão de orelhas, cuspir em alguém) ou risadas. O próprio beijo pode constituir injúria
real. Exemplo disso temos na peça teatral “Um panorama visto da ponte”, de Arthur
homem ou macho, já que eram rivais no amor pela mesma mulher (E. Magalhães
com a mão, vara ou outro instrumento, ou fazer gestos de desprezo e ódio, como mostrar
a língua, ameaçar com os olhos, fazer visagens, ou pendurar cornos às portas dos
a fogo ou a ferro em brasa etc.) ou vias de fato. Podem ser elas aviltantes em si mesmas:
“a bofetada, ou corte ou puxão de barba, a apalpação de certas partes do corpo (sem fim
ofendido ou pintarlhe a cara com pixe, virarlhe o paletó pelo avesso etc. Podem as vias
de fato e a violência ser aviltantes pelo meio empregado: bater com rebenque ou chicote,
atirar excremento ou outra imundície etc. Reconheceuse como injúria real o corte de
cabelo com intenção aviltante, expondo a vítima à humilhação, o atirar objeto ao rosto de
deve a sua origem aos costumes corruptos dos povos, não é aprovada pelas nossas leis, e
por isso nunca pode ser admitida; de facto, ela contém em si alguma torpeza e de modo
nenhum pode basearse nos princípios gerais das obrigações”, Melo Freire, Instituições,
BMJ155176.
"Peeping Tom" (termo ligado à lenda de Lady Godiva) an inquisitive person, voyeur; cf.
"voyeurismo" .
Propalar termo apropriado ao relato oral e que o Código emprega no artigo 187º: reproduzir,
"Rough shadowing" perseguição feita a alguém por outras pessoas, por ex., por detectives
privados.
Strepitus judicii dizse da publicidade, que pode ser negativa, por ex., do processo por
difamação ou injúrias.
destruindo a amizade.
Vias de facto é a ofensa física que não produz lesão ou incómodo de saúde e não deixa
vestígios.
• Qual, em rigor, o bem jurídico protegido pela norma incriminadora do artigo 187º? Esta
norma visa tutelar um bem jurídico mais do que poliédrico, um bem jurídico heterogéneo. Faria
• Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: acórdão Perna c. Itália: artigo 10º da Convenção
• Acórdão da Rel. de Coimbra de 23 de Abril de 1998, CJ, 1998, tomo II, p. 64: crime de
• Acórdão da Rel. de Coimbra de 25 de Fevereiro de 1998, CJ, 1998, tomo I, p. 57: os crimes
de difamação e de injúria são crimes de perigo; para que exista dolo basta que o agente actue
por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias
• Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de Junho de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo III, p.
• Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de Outubro de 1998, CJ, ano XXIII (1998), tomo IV,
p. 235: comete o crime de injúrias quem atira um balde de água suja contra uma pessoa com o
85C/75, nomeadamente no seu artigo 25º, nº 2. Por isso, é possível agora acusar apenas os
autores da ofensa, não o fazendo contra o jornalista, como autores do crime de injúria através
• Acórdão da Relação de Évora de 17 de Outubro de 1989, 17101989, CJ, ano IV, p. 275: o
expelir de ventosidades anais em postura ofensiva e com desprezo do visado pode, num caso
concreto, não ser constitutivo de um crime autónomo de injúrias, mas, mesmo em tal hipótese,
• Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Janeiro de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo I, p. 141:
• Acórdão da Relação do Porto de 11 de Janeiro de 1996, CJ, XXI, tomo I, 1996, p. 191: é dever
em termos de só noticiar factos verdadeiros e com relevo social. Mas no quadro do direito de
informação não se exige ao jornalista a verdade absoluta, bastando uma crença fundada na
de uma fotografia a acompanhar o texto em que o marido declara não se responsabilizar por
prova da verdade dos factos pode ter lugar em qualquer fase do processo, pode ter lugar quer
durante o inquérito, quer durante a instrução; e pode ter lugar também na fase de julgamento,
direito de crítica.
• Acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 2000, BMJ493156 e CJSTJ 2000, tomo I, p. 169 (Sousa
relacionado com uma actividade pretensamente ilegal (ou cuja legitimidade é susceptível de
discussão) tem virtualidade para ofender o visado, ao tempo ministro, na sua honra,
reputação. Apesar de a notícia relatar factos verdadeiros, de relevo social, sendo a sua
publicação legitimada pelo direito de informação, o título "Mão na bolsa" conjugado com
"Francamente" e o texto "Sousa Franco iludiu a lei" é objectivamente atentatório do bom nome e
reputação do ofendido.
• Acórdão do STJ de 19 de Janeiro de 1999, BMJ48357: indivíduo que entra num bar onde
• Acórdão do STJ de 2 de Outubro de 1996, CJ IV (1996), tomo III, p. 147: comete um crime
discussão e crítica, deixa de discutir o mérito de uma obra arquitectónica para se passar a
• Acórdão do STJ de 26 de Setembro de 2000, CJSTJ, ano VII (2000), tomo III, p. 42: direito ao
bem nome e reputação, liberdade de expressão, conflito de direitos, responsabilidade civil por
dever de indemnizar.
• Acórdão do STJ de 12 de Julho de 2001, CJSTJ 2001, tomo III, p. 21 (caso Maria Subtil vs.
Dezembro de 2000: o simples facto de ser submetido a julgamento não pode constituir, só por
de 1997; e BMJ464113.
Gomes da Silva contra Portugal): liberdade de imprensa; restrições para protecção do bom
Público, ano 21 (2000), nº 84. Cf., também, RPCC 11 (2001) e o comentário de José de Faria
Costa.
3985.
• Sentença do Juiz do 9º Juízo Cível do Porto, Dr. Álvaro Reis Figueira, CJ 1990, tomo IV, p.
311.
• Augusto Silva Dias, Alguns aspectos do regime jurídico dos crimes de difamação e de
injúrias, 1989.
• Beleza dos Santos, Algumas considerações jurídicas sobre crimes de difamação e de injúria,
• Berdugo Gómez de la Torre, Revisión del contenido del bien jurídico honor, Anuario de
• C. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais nas Relações entre Particulares, BMJ, Doc.
• Carla Casagrande / Silvana Vecchio, Les péchés de la langue, Editions du Cerf, Paris, 1991.
• Carlo F. Grosso, Sviluppi recenti del diritto penale della informazione a mezo stampa,
• David Garrioch, Insultos verbais na Paris do século XVIII, in P. Burke e Roy Porter (orgs.),
• Denis Barrelet, Droit suisse des mass media, Staempfli & Cie SA, Berna, 1980.
• Ernesto Rodrigues, "Literatura & jornalismo ligações perigosas", in LER livros & leitores,
nº 39 (1997), p. 40.
• Ingrid Siebrecht, Der Schutz der Ehre im Zivilrecht, JuS 2001, p. 337.
• Jean Larguier/Anne Marie Larguier, Droit pénal spécial, Mémentos Dalloz, 9ª ed., 1996.
• José de Faria Costa, O art. 187º do Código Penal: uma norma incriminadora opaca, RLJ ano
134º, nº 3926.
• José Hurtado Pozo, Droit pénal, Partie spéciale II, Zurich, 1998.
• José Luís Mendes d'Amaral, Quem não se sente não é filho de boa gente. A Ofensa em
• José Manuel Valentim Peixe e Paulo Silva Fernandes, A Lei de Imprensa, comentada e
soi ou don de soi: un idéal équivoque, Éditions Autrement, série Morales, nº 3, 1992, p. 20 e ss.
(há tradução portuguesa desta obra colectiva, com o título A honra, ed. Difel, 1991).
• Júlio Fabbrini Mirabete, Manual de Direito Penal. Parte Especial. Arts. 121 a 234 do CP.
• L. Scopinaro, Internet e delitti contro l'onore, Riv. ital. dir. proc. penale 2000, p. 617.
• Luis António Noronha Nascimento, Que defesa para o cidadão, in Justiça & Opinião
Pública, VI Congresso dos Juizes Portugueses, Edição especial. Associação Sindical dos Juizes
computador, BMJ31921.
imprensa, BMJ34615.
• Manuel da Costa Andrade e Jorge de Figueiredo Dias, Limites do direito de defesa, ROA,
Abril de 1992.
os Crimes de "Devassa da Vida Privada" (artigo 192º CP) e "Fotografias Ilícitas" (artigo 199º
• Manuel da Costa Andrade, Sobre a reforma do Código Penal português Dos crimes
contra as pessoas, em geral, e das gravações e fotografias ilícitas, em particular, RPCC, 3 (1993),
p. 427 e ss.
crimes contra a honra, Jornadas de Direito Criminal, vol. II, CEJ, 1998, p. 227.
• Maria Paula Gouveia Andrade, Da ofensa do crédito e do bom nome, contributo para o
(1999).
• Nuno de Sousa, A liberdade de imprensa, sep. do vol. XXVI do suplemento ao BFD, 1984.
• Paulo Mota Pinto, Anteprojecto para a localização do Código Civil em Macau na parte
• Ricardo Pinto Leite, Liberdade de imprensa e vida privada, ROA, ano 54 (1994).
• Ruiz Antón, La acción como elemento del delito y la teoría de los actos de habla: cometer
• Vives Antón, Delitos contra el honor, in M. Cobo del Rosal et alii, Derecho penal, parte
• CASO nº 36: No dia 1 de Agosto de 1998, Inácia encontrou no bolso das calças de
Jeremias, seu marido, umas chaves que lhe pareceram ser de um apartamento.
Estranhando esse facto, mandou fazer, sem o marido saber, um duplicado dessas
chaves. No dia seguinte, seguiu o marido para ficar a saber o seu destino e, depois de
direito de um edifício perto do seu local de trabalho. Regressou então a casa. Nessa
noite não conseguiu deixar de pensar que o marido utilizava essa casa para se
encontrar com a sua secretária, Anabela, rapariga nova sobre quem já tinha feito
alguns comentários. Intimamente certa de que assim seria, Inácia logo pensou
deslocarse num outro dia a esse apartamento para comprovar as suas suspeitas, o
que veio a fazer na tarde do dia 3 de Agosto. Depois de se certificar de que ninguém
nele se encontrava, abriu a porta e entrou no apartamento. Tinha aspecto de não ser
habitado. Saiu e, mais uma vez, regressou a sua casa. Nessa mesma noite, após o
jantar, Jeremias saiu. Algum tempo depois de ele sair, Inácia dirigiuse ao
verificando que as suas suspeitas eram fundadas. Com a câmara que consigo trazia,
conseguiu captar imagens dos dois enquanto mantinham relações sexuais e registar
carta que enviou aos pais da secretária do marido. A Inácia tinha conhecimento de
todos os factos descritos, querendo actuar da forma por que o fez. Sabia que a sua
conduta era proibida pela lei penal. (Da prova escrita de Direito e Processo Penal —
CEJ 1999).
• * ”São poucos os que resistem a espreitar a vida alheia pelo buraco da fechadura”
• * “Já se foi o tempo em que ninguém se metia em briga de marido e mulher — nem o
marido. Hoje todo mundo se mete em tudo. Se não me engano, isto começou depois
inútil. Ou quem sabe não. Afinal, íntimo é uma coisa; privado, outra.” (Otto Lara
• * Le lit n’est pas un meuble ordinaire. Dans l’univers du peuple, c’est le symbole du lien
“vie privée” (Daniel Roche, Un lit por deux, L’histoire, nº 63, p. 67).
desrespeitar a lei e não se importa que o saibam. Na semana passada, devolveu pelo
53 perguntas. "São coisas que um governo não tem o direito de perguntar. Porque é
que havia de lhes dizer quanto ganho? E se tenho autoclismo na casa de banho? É
ridículo. Quantas semanas trabalhei? Não têm nada a ver com isso. Para que é que
lhes iria dizer a que horas saio de casa para o trabalho? Se a informação for parar à
reforma, p. 435).
• Foi já no longínquo ano de 1891 que o direito à privacy fez a sua primeira aparição. Num
crónica mundana, publicada para fazer escândalo. Essa invasão da sua vida
"right to be alone", quer dizer, como direito a ser deixado só, privilegiando uma
sociedade de feição liberal como era a daquele tempo. Hoje colocamse outros
right of privacy fica a deverse ao artigo daqueles dois advogados, Samuel D. Warren e
tal modo que a intimidade só podia ser ofendida mediante transgressões de natureza
física. À evolução não será estranha a consolidação da burguesia como classe social a
partir da segunda metade do séc. 19. À medida que, ao longo do século, o sentimento
segredo do indivíduo, in História da vida privada (sob a dir. de Ph. Ariès e G. Duby),
vol. 4, p. 427), que finalmente se concebe e aceita como própria da natureza humana.
O significado da intimidade, longe de se fixar, vai continuar a variar, mas “já não
pode considerarse como algo pertencente a uma determinada classe social nem com
direito que todos têm à não intromissão e ingerência na sua vida privada” (Pilar
Gómez Pavón, p. 13, cuja exposição, de resto, seguimos de perto). Quando porém se
chega à conclusão de que todos têm direito ao anonimato, à protecção da sua esfera
íntima contra a ingerência ilegítima e arbitrária, em suma, a ser deixado em paz (the
right to be let alone), passa a imporse também a ideia de que a honra já não deve ser
entendida como simples reputação a que só alguns acedem por via do seu estatuto
confusão entre ambas, pois há condutas que, não sendo difamatórias, e que portanto
não constituem qualquer ofensa à honra de uma pessoa, podem em concreto implicar
contra a reserva da vida privada” (Costa Andrade, Sobre a reforma, p. 456). A sua
2, que, por si só, torna jurídicopenalmente toleráveis tanto as agressões à honra como
as agressões à vida privada. [Mesmo factos da vida íntima tornamse objecto legítimo
penal das condutas pertinentes” (Costa Andrade, Sobre a reforma, p. 455). A leitura
deve ser feita ainda com um olhar sobre o novo fundamento de agravação da alínea
b) do artigo 197º: as penas são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e
assim se pode em concreto falar da “subsistência do ilícito penal, então nada mais
• A noção de intimidade, tal como a da honra e do pudor, é um conceito que foi evoluindo
reserva—, quem, nas suas relações com o outro, adopta a medida, a prudência,
o tacto.
A teoria das esferas —onde se fala dos paparazzi e das public figures,
especialmente dum certo presidente americano.
repetidas até à exaustão nos seus mais íntimos pormenores nos jornais e nas
televisões do mundo inteiro e que, envolvidas na discussão pública, só assim se
compreendem (?) em vista do interesse comunitário que a figura do presidente
lhes associa.
• Saber até onde é que deve ir a exposição pública da vida pública das pessoas é outra
história do tempo em sentido absoluto (as que lideram a vida política, económica,
do tempo em sentido relativo (as pessoas atingidas por uma catástrofe natural, as
Zeitgeschichte em sentido absoluto pode consultarse BGH NJW 1996, 1128 e JZ 1997,
39 (40).
• * O deitar do ReiSol. "A ida do rei para a cama era, como as suas refeições, uma
privilégio conferido por alvará a isso autorizava. Era o momento em que o rei se
escudos. É preciso dizer, de resto, que era costume, entre pessoas de categoria, não se
por receita médica" (Jean Duché, História do mundo, III, A idade da razão, p. 323).
exercem uma profissão, saem à rua, vão ao futebol. Admitindose que a vida privada
estranhas à vida pública. Por isso, em França, a publicação de uma altercação entre
duas mulheres num lugar público “pour les beaux yeux d’un playboy parisien” foi,
192º, são crimes de intenção: para além de uma ilegítima intromissão mediante
(artigo 196º) é, por seu turno, um estrito crime de lesão, exigindose que o agente
• * E se fala de aparelhos para a montagem de escutas. Boa parte das condutas subsumíveis
• * E de disposições do Código Penal Suíço, na versão em língua italiana. Art. 179 ter 126:
Chiunque, senza l’assenso degli altri interlocutori, registra su un supporto del suono
una conversazione non pubblica cui partecipi, chiunque conserva, sfrutta o rende
ad un anno o con la multa. Art. 179 quater 127: Chiunque, con un apparecchio da
segreta oppure un fatto, non osservabile senz’altro da ognuno, rientrante nella sfera
un terzo un fatto, del quale egli sa o deve presumere d’essere venuto a conoscenza
terzo una presa d’immagini, che sa o deve presumere eseguita mediante un reato
128 Art. 179 quinquies 129: Non è punibile secondo gli articoli 179 bis capoverso 1 e
Código Civil — artigo 80º: 1. Todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida
Lei nº 1/2000, de 16 de Março: autoriza o Governo a transpor para a ordem jurídica interna a
médicos e genéticos.
da verdade (artigo 519º do Código de Processo Civil). Esfera da vida pessoal dos
de 2002; e Revista do Ministério Público, ano 23 (2002), nº 92, p. 117: restrições relevantes
Acórdão do STJ de 20 de Junho de 2001, CJ 2001, tomo II, p. 221: provas obtidas por sistemas de
videogração do local.
Acórdão do STJ de 6 de Novembro de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo 3, p. 187: crime de ofensa à
intimidade, crime de gravações ilícitas; cassete vídeo, com gravações da vida sexual dum
público, pode ser registada em imagem, não consistindo em intromissão da vida privada
Acórdão da Relação de Coimbra de 27 de Junho de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo III, p. 58:
arguido que tendo filmado cenas das práticas sexuais que manteve com a ofendida lhe
Acórdão da Relação de Coimbra de 5 de Julho de 2000, CJ, ano XXV (2000), tomo 4, p. 43:
• Acórdão da Relação de Lisboa de 28 de Novembro de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo V, p.
Tribunale di Roma, sentenza 13 novembre 1985, Il Foro Italiano, 1986, Parte II35, p. 497.
Madrid, 1995.
Cunha Rodrigues, Perspectiva jurídica da intimidade da pessoa, in "JL" Jornal de Letras, Artes
Guilherme de Oliveira, O Sangue e o Direito — entre o ser e o pertencer, RLJ ano 134º, nº 3924.
Helena Moniz, Notas sobre a protecção de dados pessoais perante a informática. (O caso
especial dos dados pessoais relativos à saúde), RPCC, ano 7 (1997), p. 231.
Jorge Dias Duarte, Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro. Breve comentário aos novos regimes de
José Hurtado Pozo, Droit pénal, Partie spéciale II, Zurich, 1998.
Klaus Rogall, Beleidigung und Indiskretion, Festschrift für H. J. Hirsch, 1999, p. 665.
Larry Alexander e Kenneth Kress, Contra os princípios jurídicos, in Andrei Marmor, Direito e
BMJ31921.
Crimes de "Devassa da Vida Privada" (artigo 192º CP) e "Fotografias Ilícitas" (artigo 199º
Manuel da Costa Andrade, Comentário conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I,
Manuel da Costa Andrade, Consentimento e Acordo em Direito Penal, p. 371 e ss. e passim.
Manuel da Costa Andrade, Sobre a reforma do Código Penal português, RPCC 3 (1993), p. 427
e ss.
Crimes contra a Honra, Jornadas de Direito Criminal, vol. II, CEJ, 1998.
Mario Chiavario, O impacto das novas tecnologias: os direitos do indivíduo e o interesse social
Mário Raposo, Protecção da intimidade da vida privada, ROA, 1972, IIIIV, p. 572 e ss.
Morales Prats, in Quintero Olivares, Comentarios a la Parte Especial del Derecho Penal.
privada.
informática.
Paulo Mota Pinto, Anteprojecto para a localização do Código Civil em Macau na parte relativa
Paulo Mota Pinto, O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, BFD 69 (1993), p.
479.
Pedrosa Machado, Sigilo bancário e direito penal, in Diogo Leite de Campos et al., Sigilo
Pilar Gómez Pavón, La intimidad como objeto de protección penal, Akal, Madrid, 1989.
Raymond F. Rigaux, Liberté de la vie privée, Revue internationale de droit comparé 1991.
Ricardo Pinto Leite, Liberdade de imprensa e vida privada, ROA, ano 54 (1994).
Rita Amaral Cabral, O direito à intimidade da vida privada (Breve reflexão sobre o art. 80º do
Código Civil).
Rodrigo Santiago, Do crime de violação de segredo profissional no Código penal de 1982, 1992,
p. 54.
• CASO nº 38: As declarações da vítima de violência sexual devem ser alvo de uma
análise rigorosa por parte do julgador, nomeadamente, quando não são conciliáveis
com a versão do arguido. Um bom exemplo disso é o caso da queixosa que envergava
até que se trata de uma operação difícil mesmo para essa pessoa. Cf. a Cassazione
• O arguido protestara a sua inocência, sustentando que a rapariga tinha consentido nas
instância dera crédito à queixosa, argumentando que não havia qualquer motivo para
• "O espartilho do bem jurídico, tão eficaz e prestável noutras sedes, afrouxa aqui um tanto.
Pois não é tão indiscutível proteger a vida, a integridade física ou o património como
mesmo da prostituição. O bem jurídico é aqui mais volátil, e por isso se reconduz
um mundo de tendencial insinceridade, uma terra com zonas de penumbra que não é
simples, nem porventura possível, identificar em muitos dos seus aspectos" (Maria
Para a história dos crimes sexuais em Portugal: beijos do galã à namorada — 14 meses de
pudor. Negou o estupro e a 1ª instância condenouo pelo outro, mas a Relação entendeu
que a espécie — beijos e abraços dele à namorada — não eram acções aptas a atentar
aproveita, em mau português, para uma extensa excursão (incursão?) pelos domínios do
beijo. Diz ele: "Prodigalizamse beijos, nas telas dos cinemas e demais lugares e
repetidos beijos com abraços, se comprazem varões e filhos e os de seu sangue; beijando
sociedade; e quantos e tantos, por diferentes fins, se dão e recebem — sem esquecer o
• A propósito, falase das Ordenações e dos crimes imorais. E do incesto. Crimes contra a
com açoites ou com degredo, a sodomia e o incesto com a morte pela fogueira. No
Código Penal de 1852 havia os chamados crimes contra a honestidade, mas não se
pensar que esta proibição pode ser considerada como fazendo parte tanto da
1997; cf. também Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, p. 190 (26). No Código Penal
português não se pune o incesto, mas certos crimes sexuais nele previstos são
agravados se a vítima for ascendente, descendente (...) do agente (cf. o artigo 177º, nº
1, a).
• É em nome da própria moral que deve exigirse que o direito penal só intervenha na
direito de punir. Sem que com isto, acentuese, se menospreze ou muito menos se
Tomás — que deve exigirse que o direito penal e os seus instrumentos punitivos só
Dias, Carrara e o paradigma penal actual, RDE 14 (1988), p. 12. Nota: Sobre o
relacionamento entre o direito penal e a moral, cf. Rui Carlos Pereira, Liberdade
exercício. A liberdade restringe o jus puniendi, desde logo, porque não é legítimo
cominar sanções para condutas que se insiram numa esfera estritamente pessoal e
não prejudiquem terceiros. Uma tal cominação violará o princípio da necessidade das
defesa ou, quando estão em causa bens jurídicos disponíveis, com o consentimento
como crimes. Algumas destas condutas, como por exemplo, a violação e o sequestro,
nosso horizonte histórico ser tão intensa como a do próprio direito penal. Rui Carlos
• No Código, após a Reforma de 1995, o tipo fundamental é o abuso sexual (cf. artº 163º,
“coacção sexual”, artº 165º e 166º “abuso sexual...” e artº 172º “abuso sexual de
Unzucht (acto contrário ao pudor) por acção sexual de algum relevo (sexuelle
Handlungen von einiger Erheblichkeit). Um acto é sexual (em regra por acção, mais
por objecto directo o sexo humano e pelo menos envolve o próprio corpo ou o corpo
de outrem; são desde logo todas as acções que de acordo com a sua aparência externa
permitem reconhecer a sua relação com o sexo. Associado a esta expressão externa,
5), que deve estar consciente dessa relação, não sendo, porém, necessária a intenção
de conseguir prazer (em sentido diverso, Maia Gonçalves, que se refere à intenção de
cantigas cujo tema seja o sexo, bem como o acto de as escutar, e também a
quantificação que se lhes pode associar permite pôr de lado, qualificandoos como
certos actos que ainda não se incluem no âmbito do tolerável (G.Jakobs, Strafrecht,
AT, 2ª ed., 1993, p. 81, nº de margem 31). Deste modo, serão actos sexuais de relevo os
1995, p. 946).
• * Para o CP de 1995 não podem deixar de ser considerados actos sexuais de relevo, o beijar
na boca uma menor de 9 anos, o passarlhe a mão pelas pernas e pelos órgãos
genitais, tudo com fins libidinosos, tal como esses actos não podiam deixar de ser
sua incapacidade, art.º 165 do CP de 1995, uma vez que é manifesto que uma menor
como aqueles que foram feitos pelo arguido, pessoa muito mais idosa e por quem ela
tinha grande amizade (ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 09011997, Processo n.º
712/96 3ª Secção, Internet). * Acto sexual de relevo, para efeitos do artigo 172º, nº 1,
do actual Código Penal, deverá ser aquele que, tendo relação com o sexo (relação
sexuais (ac. do STJ de 17 de Outubro de 1996, CJ, acs. do STJ, ano IV, t. 3, p. 170).* Um
beijo na boca da ofendida menor de 10 anos por arguido com 50 anos de idade,
agarrandoa pela cintura e depois de lhe ter oferecido dinheiro, tendo aquele agido
com intenção de obter satisfação sexual é um acto sexual de relevo para os efeitos ao
Acto sexual de relevo é todo aquele que viole intensamente a liberdade de expressão
sexual da vítima. Sendo os seios, como são, uma parte do corpo feminino
quando a vítima for menor de 16 anos (178º2: veja contudo as inumeráveis alterações
sofridas pelo preceito); menor de 14 anos (172º123; 176º3); menor entre 14 e 16 anos
práticas sexuais levadas a cabo sem violência, coacção, ordem ou fraude. (Cf.
parecer da Comissão de assuntos constitucionais, Sub judice / ideias, 11, 1996, p. 21.).
crimes contra a autodeterminação sexual (práticas sexuais com menores). Nos casos,
aí descritos, das práticas sexuais com menores, por um lado, afastase qualquer ideia
comum é que são levadas a cabo sem violência, coacção ou fraude, havendo, nesse
crimes da 1ª secção desde que não se trate de nenhum dos que se especializaram na 2ª
(cf. Actas (nº 24, p. 261: relativamente aos menores valem subsidiariamente os crimes
acresce o sacrifício da liberdade do “ofendido” que se visa tutelar como bem jurídico
• O crime praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais severamente que o
revisto o crime sexual praticado contra menor de 14 anos é sempre punido mais
vulnerabilidade da vítima (artigo 177º, nº 4). Uma outra nota que acentua a protecção
referidos no artigo 178º, nº 1, for menor de 16 anos, poder dar início ao procedimento
criminal se o interesse da vítima o impuser (artigo 178º, nº 4). Com isto, a intervenção
desenvolvimento da acção. Ac. do STJ de 7 de Julho de 1999, CJ, ASTJ, ano VII, tomo
direito de queixa não puder ser exercido porque a sua titularidade caberia apenas, no
• O género da vítima releva no crime de procriação artificial não consentida (artigo 168º).
• Ainda a propósito do caso nº 38: O tribunal colectivo aprecia livremente a prova e não
está inibido de socorrerse das declarações dos ofendidos, desde que credíveis e
coerentes. Tratandose de crimes sexuais, essas declarações têm especial valor, dado
vítima não necessita de lutar até ao esgotamento, para haver violência. Há violência
sempre que o acto seja praticado contra ou sem a sua vontade, sendo até irrelevante o
consentimento para a cópula quando este não for livre (ac. da Relação do Porto de 6
de Março de 1991, CJ, 1991, t. II, p. 287). * Os vícios do artº 410º, nº 2, do CPP têm de
portadora de algum atraso mental, mas, apesar disso, não tem dúvidas sobre a
mesmo tempo que os sovavam com os paus que traziam. Aí arrastaramnos pelos
cabelos para um local mais isolado. Chegados aí, disseram à J que queriam dinheiro
para ir para Espanha. Esta respondeu que tinha algum dinheiro no veículo
Ainda junto do veículo, o A arrancou à J todo o ouro que aquela consigo trazia.
dinheiro, a J tentou tirarlhe a camisola da cara para ver se o conhecia. Como resposta
de novo todos juntos, o A, pela força, rasgou todas as roupas da J e com ela manteve
relações de cópula completa. Enquanto isso, o D batia no I, uma vez que estava a
reagir à prática do acto a que estava a assistir. De repente surgiram luzes de veículo
os seios da J. Como a J gritasse, ameaçaramna de que lhe cortariam os seios com uma
ameaça de que a matariam se ele reagisse. Nesta altura o I não via o que os arguidos
junto do namorado, que se mantinha deitado no solo. Abandonaram então o local. Cf.
puxaramnos para fora do veículo, ao mesmo tempo que os sovavam com os paus
que traziam; depois arrastaramnos pelos cabelos para um local mais isolado;
batia no I, uma vez que estava a reagir à prática do acto a que estava a assistir.
• 3. Crime de roubo: a J foi levada para junto da viatura e aí foramlhe tirados 83 contos,
veículo, ao mesmo tempo que os sovavam com os paus que traziam; aí arrastaram
nos pelos cabelos para um local mais isolado; durante o tempo que o A e a J foram ao
• 5. Crimes de violação: estando de novo todos juntos, o A, pela força, rasgou todas as
coacção sexual? A e D serão responsáveis por uma única infracção ou por uma
pluralidade de infracções?
forma ou medida temporal, desse direito. Como diz Nelson Hungria, o sequestro é a
movimento da pessoa no âmbito espacial que a lei lhe assegura [...] o direito de ir ou
vir, ou escolher o lugar onde se quer ficar". Bem diferente é a tutela da liberdade
tutelada pela incriminação das ameaças, da coacção, do sequestro, entre outros — que
crime de sequestro / rapto (artigo 158º / 160º) e do crime de violação (artigo 164º)
arguidos cometeu dois crimes de violação, em concurso real, pois a relação sexual
das modalidades que o crime pode assumir. Reparese que, face à conduta de A e D,
violava a J, estando assim esta (e aquele) impossibilitada de resistir. Como bem se diz
entre si, a manter cópula com o outro, é cada um autor de dois crimes de violação, em
constranger a ter cópula com terceiro, pelo que é autor quem realiza essa acção em
ofendida. Por outro lado, cada um dos arguidos de comum acordo tomou parte
autor" (artigo 26º do Código Penal). Hoje, porém, perante a redacção do nº 1 do artigo
comparticipação criminosa para punir, como autor, quem constrange a mulher a ter
cópula com terceiro, mediante os meios descritos nesse número, porquanto esse
condutas dos arguidos, estamos em presença não de uma única infracção, mas de
mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. Ora, bem
evidente se torna que no caso presente não se vê que A e D tenham agido por este
último modo, isto é, que cada acto das suas condutas tenha sido precedido da
conforme ao direito.
• Há violência "sempre que o crime seja praticado contra ou sem a vontade da vítima". Ac.
1998 Proc. n.º 1033/98. * Achase preenchido o conceito de violência física para os fins
do artigo 201.°, n.° 1, do Código Penal, quando a ofendida, menor de quinze anos de
idade, foi coagida à prática de cópula pela mãe e por um homem de 32 anos de idade,
acto que não queria. Comunicouse ao réu a agravação resultante de a sua coré ser
mãe da ofendida (artigo 208.°, alínea a), do C. Penal) circunstância que ele não
ameaça revelar ao pai desta um seu relacionamento sexual anterior, bem como o
modo a que a menor só presta aquele consentimento para evitar essa possível atitude
punir nos termos do artigo 208.°, n.° 3, do mesmo diploma se daquelas tiver resultado
IV, p. 318).
agente na pessoa da ofendida, mas apenas na medida em que o uso dessa violência
• CASO nº 38B: Eva trouxe a sua filha A, de 15 anos, até certo lugar, onde a Eva
apresentou a A ao F que ali se encontrava a aguardálas de acordo com plano
F. A A ainda tentou resistir às insistências da mãe para entrar no carro mas acabou
por entrar, na sequência de ser sido empurrada pela Eva. Uma vez no interior do
automóvel e fechadas as portas pelo F, a Eva disse à A que iria copular com o F e que
por isso iria receber dinheiro. Logo após, a Eva saiu subitamente do carro e o F
deixasse sair mas o F prosseguiu sempre a marcha do veículo até um local ermo,
tempo que lhe disse para estar quietinha que lhe dava 5 contos. Perante a recusa dela
seu pénis erecto na vagina da A, assim mantendo cópula completa com a menor. Em
seguida regressaram para junto da Eva que os aguardava nas imediações do quartel
desta cidade. Cerca de quatro dias mais tarde a Eva levou de novo a A até ao mesmo
afirmado previamente que não queria ter relações sexuais com ele mas o F não fez
caso de tal propósito e, utilizando a sua força muscular ao tirar as cuecas da A fêla
ter a noção da inutilidade de qualquer resistência. Já há algum tempo que a Eva vinha
a propor à A que esta se dedicasse à prostituição, e como a filha não aceitasse apesar
de a Eva lhe criar a expectativa de largos proventos e de uma vida desafogada, a Eva
duas vezes que a menor foi pela mãe conduzida ao Fernando, porquanto a menor
sempre manter repúdio pelos referidos propósitos da mãe e pelas aludidas relações
penalmente punível.
"A maior parte dos violadores são homens, mas se a vítima é constrangida à cópula "com
terceiro", a autoria do crime pode ser atribuída a uma mulher". Maria Margarida Silva
Punibilidade de Eva e de F?
• Indicações para a solução: (seguindo o acórdão) a violência física pressuposta pode ter
lugar em qualquer momento do iter criminis e apenas se exige que tenha sido
inútil oporselhe. Como escreveu o Prof. Beleza dos Santos (RLJ, ano 57.°, p. 317 e
Penal (de 1986, entendase) quando a mulher cessou a resistência inicial mas foi posta
pelo agente em situação tal que seria inútil continuar a resistir. O consentimento para
a cópula não é relevante, quando não é livre." Além disso, a Eva maltratou a filha
para que ela cedesse à sua vontade e à do F; além disso, os factos ocorreram em lugar
ermo, sem possibilidade de socorro e a ofendida apenas contava quinze anos, o que
tudo bem explica como esta teve de ceder a manter relações sexuais de cópula que
não queria.
• * É obtido sob coacção moral o consentimento para a prática de relações sexuais de uma
menor de 12 anos, a quem o arguido, para o conseguir, ameaça revelar ao pai desta
aquele consentimento para evitar essa possível atitude do pai. As relações sexuais
violação, do artigo 201.° do Código Penal, e a punir nos termos do artigo 208.°, n.° 3,
gravação ilícita (artigo 179.° do C. Penal) não é consumido pelo de violação quando
dependa de qualidades ou relações especiais do agente, como será aqui o caso, basta
que um deles as detenha para que a pena aplicável se estenda a todos os outros. Para
impróprio). Como se sabe, o artigo 28º veio permitir que a punibilidade de qualquer
“leigo”.
• Indicações para a solução: para que houvesse crime continuado, seria necessário, segundo
o acórdão, que refere o artigo 31.°, n.° 2, do Código Penal, que os factos ilícitos
diminuísse a culpa do agente, e a verdade é que nada de exógeno se topa neste caso
prática de vários crimes, excepto se esse renovar do propósito criminoso for devido a
uma situação exterior ao agente que facilite a renovação da resolução dentro de uma
certa conexão temporal, tudo a revelar diminuição da culpa, caso em que se perfila a
figura do crime continuado. Tendo sido provado que após ter esfregado o seu pénis
circunstâncias, a esfregar o pénis na vulva da menor até, mais uma vez, ejacular, fica
segunda relação tivesse sido determinada por uma situação exterior ao agente que
com outro ou outros, sendo evidente que na sua forma mais nítida tem de existir um
acordo prévio — podendo mesmo ser tácito — que tem igualmente de se traduzir
numa contribuição objectiva conjunta para a realização conjunta". Cf. Faria Costa, em
Jornadas de Direito Criminal, págs. 169; E. Correia, Direito Criminal, vol. II, p. 136, e
Mezger, Tratado, vol. II, p. 306. A Eva, de acordo com o F, apresentou a este a filha
para que ele com ela copulasse; perante a recusa da A bateulhe para que ela entrasse
no carro daquele; recebeu dinheiro — em troca das cópulas que por sua iniciativa a
filha teve, com o seu coréu; incitoua frequentemente a que se prostituísse como
modo de vida; espancou a filha com frequência, antes e depois das cópulas que
Vejase outro caso aparentado com o caso nº 38B: crimes de mão própria
/ crimes específicos.
matéria de facto vem assente que a arguida é mãe das menores ofendidas. Portanto é
indiscutível que aqueles crimes por ela praticados são agravados. No nº 1 do artº 28º
certas qualidades ou relações especiais do agente” basta que estas se verifiquem num
dos comparticipantes para que a pena seja aplicável a todos eles. Maia Gonçalves
salienta que essas qualidades são as exigidas pelo tipo de crime e fazem que o círculo
dos seus possíveis autores seja restrito a quem as possui. Como exemplo de relações
que nos casos previstos no artº 28º, nº 1, a prática da factualidade que preenche o tipo
legal de crime pelo detentor dessa qualidade ou relações origina os chamados crimes
detenham essas qualidades ou relações preenchem o tipo legal de crime. É delas que
ilicitude e não no da culpa. Por isso é que se entende que essas qualidades ou relações
atentado ao pudor praticados pela coarguida Maria é agravado porque entre ela e as
excluídos pela parte final do artigo 28º, nº 1, os chamados “crimes de mão própria” e
Cf. o acórdão do STJ de 9 de Fevereiro de 1995, CJ, Acs. do STJ, III, tomo 1, 20. Uma
das questões que aqui se colocam é a de saber se os crimes sexuais serão crimes de
mão própria (crimes de mão própria são aqueles que, em princípio, só podem ser
cometidos em autoria directa e imediata, ex., 405º CP82; cf. o nº 1 do artigo 28º).
Ainda, com indicações sobre o crime de mão própria, cf. o acórdão do STJ de 20 de
interior da casa de A, este atirou B para cima da cama do seu quarto de dormir,
deitouse sobre ela, desapertou as calças, baixou as cuecas e puxou as saias dela, de
forma a deixar à vista a zona pubiana. Depois apontou o seu pénis erecto na direcção
da vagina da ofendida, roçando com ele na área dos grandes lábios. A deuse então
conta do disparate que estava a fazer e, desistindo do seu plano de manter relações
Punibilidade de A?
de violação o arguido que agarrou a ofendida por um braço, tapoulhe a boca para
que não gritasse, ameaçoua com uma navalha e, sem a largar da mão, a encaminhou
para um trilho marginal à estrada, em direcção a uma mata, para ponto afastado 20 a
30 metros e ali a procurou violar (ac. do STJ de 24 de Junho de 1992, CJ, 1992, t. 3, pág.
típico (ac. do STJ de 18 de Outubro de 1989, CJ, 1989, t. IV, p. 17. * Comete o crime de
violação, na forma tentada, aquele que, com o intuito de manter, pela força, relações
sexuais com a vítima, contra a vontade desta, pratica, em situação de estreita conexão
temporal entre acção e resultado procurado e de acordo com o plano concreto que se
propõe realizar, os seguintes factos: a) força a vítima a deitarse sobre duas cadeiras
seguida, com uma das mãos, esfregalhe a vagina, o ventre e as pernas; c) ao tentar
tentou fugir, mas foi agarrada por A e B, que a impediram, pela força, de se defender,
até que ela se estatelou no chão. O A manteve então relações de cópula completa com
Punibilidade de A e B?
• O Código (1998) não acolheu como violação "qualquer forma de penetração" — "toute
penetration" — assumida pelo legislador francês de 1993. Cf. porém a opinião de Rui Carlos
Pereira, Liberdade sexual. A sua tutela na reforma do Código Penal, Sub judice/ideias 11,
1996, p. 45: "A violação deveria ser definida como qualquer penetração sexual por meio de
Penal francês. Ao tipificar a "violação", o legislador equipara o "coito anal" à cópula, alargando
o âmbito da incriminação proposta pela Comissão de Revisão, que apenas abrangia a cópula.
Não se vê, porém, o motivo que justifica a discriminação do "coito oral", que constitui uma
violação da liberdade identicamente intensa". Cf. ainda Maria Margarida Silva Pereira, Rever o
Código Penal, Relatório e parecer da Comissão de assuntos constitucionais, Sub judice / ideias,
11, 1996, p. 22: "a ideia tradicional de violação terá alguma coisa a ver com um "processo
estigmatizador de um dos sexos"? (A maior parte dos violadores são homens, mas se a vítima é
constrangida à cópula "com terceiro", a autoria do crime pode ser atribuída a uma mulher).
Deverá acolherse antes como violação "qualquer forma de penetração", como fazem os
franceses? "
• No sistema francês, são actos de violação (...) os de penetração bucal (...) ou anal; a
1986.1.19 trata de um caso de violação cometido por uma mulher; 1987.6.24 trata de um outro
caso em que a vítima era um homem. Constituem violação os actos de penetração anal,
praticados com o dedo ou com cenouras, infligidos pela mãe à filha, para a iniciar sexualmente
(Crim. 27 de Abril de 1994, Bull. Crim. nº 157). É violação "tout acte de pénétration sexuelle, de
quelque nature qu'il soit, commis sur la personne d'autrui par violence, contrainte, menace ou
surprise". No artigo 178º do Código Penal espanhol: "el que atentare contra la libertad sexual
de otra persona, con violencia o intimidación, será castigado como culpable de agresión sexual
con la pena de prisión de uno a cuatro años. Artigo 179º: Cuando la agresión sexual consista en
acceso carnal, introducción de objetos o penetración bucal o anal, la pena será de prisión de seis
a doce años."
• O conceito de cópula ficou assim ao abrigo das discussões anteriores às alterações mais
vagina da mulher. Por ex., "a penetração peniana, ainda que simplesmente vulvar e
Penal (ac. do STJ de 14 de Abril de 1993, BMJ426185, e CJ, 1993, tomo II, p. 199).
das infracções recondutíveis à categoria dos crimes sem vítima. Consistiriam "na
leis que normalmente não se aplicam e têm, além disso, um papel promotor de
169, apud Rui Carlos Pereira, Liberdade sexual...). Ainda, Manuel da Costa Andrade,
Direito Penal e modernas técnicas biomédicas, RDE, ano XII (1986), p. 99; O Novo
Código Penal e a moderna criminologia, Jornadas. Infracções sem vítima são, por ex.,
prostituição. Na maior parte dos países ocidentais, deuse nessa área uma larga
ocidentais, o denominador comum parece ser agora uma sensibilidade acrescida aos
morais comuns de outrora (cf. Martin Killias, Précis de droit pénal, 2ª ed., 2001, p. 24).
• Haverá medidas para evitar crimes cometidos por homens com impulsos sexuais
mostra que não existe uma terapia fácil para evitar crimes cometidos por homens
com impulsos sexuais doentios. A reconhecida falta de domínio dessas pessoas não
pode ser combatida como se fora uma infecção. O tratamento pode, porém, ser
criminosos sexuais que se decidem pela castração podem conseguíla por meios
uma dose diária de 100 a 300 miligramas de Androcur, que pode ser tomado na
produzir os seus efeitos e a líbido ressurge — ao fim de alguns meses, a função estará
“curar” um criminoso sexual. Nesse sentido, a “bonança” sexual só lhe pode ser dada
com medidas de alcance psíquico. Na Dinamarca, a castração química tem sido feita
libertado, sem ter que cumprir a pena por inteiro. Em muitos estados americanos há
Califórnia prescreve que o criminoso que cumpriu a pena deve submeterse ainda a
Código penal, cf. as Actas (nº 25, p. 271. A pornografia só poderia ser entendida
código uma disposição sobre a matéria, o seu objecto teria que assentar na divulgação
revistas.
do seu desejo. Nada é sugerido, ou sequer revelado; tudo é exibido” (Kristina Orfali,
pornográficas nas redes de computadores (cf. Linda Williams, “Hard Core”. Macht,
• O erotismo. “Pode, é certo, objectarse que Eros [que o erotismo] não tem fixação
forma de um jogo de situações afectivas e sociais entre homem e mulher, quer seja
muito mais importante quando se pretende ter chegado ao descobrir do último véu,
arte de música e outros ensaios, 1986, p. 60); [Um lugar de nome “Aquilino”, in Cifras
do Tempo, 1990, p. 175]; Um lugar de nome Aquilino, in Colóquio, Letras, nº 85, Maio
de 1985, p. 12.
dispõe que "os cidadãos física ou mentalmente deficientes gozam plenamente dos
Segundo o acórdão, só há crime de violação punível nos termos deste artigo (202º, nº
1, do Código Penal de 1982) se a anomalia psíquica for tal que tire à deficiente a
determinar de acordo com essa avaliação. Assim sendo, a norma em causa não visa
deficiência psíquica de ter uma vida sexual normal (isto é, adequada às suas
226º, nº 2, do CP82 e não o crime de violação aquele que introduz o seu pénis na
vagina da mulher que acabou de matar, bem sabendo que ela estava morta (ac. do STJ
Ónus de alegar e de provar, RLJ, ano 105º, p. 125 (redacção adaptada): Nos crimes,
típica, erro sobre o tipo, erro de facto ou como quer que prefiramos exprimirnos. A
doutrina absolutamente unânime corre no sentido de que um tal erro exclui o dolo,
por mais censurável que em concreto ele se revele. E não vemos no direito português
vigente o menor ponto de apoio a permitir que se pretenda que uma tal doutrina não
defendeu, com boas razões, uma tal excepção, que teve consagração legislativa no
artigo 210º do CP82, segundo o qual, "quando o tipo legal de crime supuser uma
reduzirseá de metade no seu limite máximo". E isso mesmo fazia o artigo 252º do
que a pena nunca poderia exceder dois anos de prisão. Desta forma construiamse
CP/95, nem o sujeito passivo tem de ser, necessariamente, uma mulher, nem o fim
inclusão no capítulo dos crimes contra a liberdade pessoal retirase que, no rapto, a
manter cópula com ela, contra sua vontade, impedindoa sempre de sair da viatura e
em que iniciou aquela privação — onde, sempre pela mesma forma, obrigou a vítima,
em concurso real, não o crime simples de sequestro por que foi condenado, mas, sim,
o de rapto, p. e p. pelo art.º 160, n.º 1, al. b), do CP. Ac. do STJ de 15 de Abril de 1998,
interesse público [ou o interesse da vítima] assim o exigirem. A intenção de alargar esta
possibilidade a outros casos inserese num movimento mais geral que visa criar
RPCC 8 1998, p. 603, que igualmente trata das razões que estarão subjacentes à admissão
Acórdão do STJ de 15 de Junho de 2000, CJ 2000, tomo II, p. 226: por acto sexual de
relevo tem necessariamente de considerarse toda a conduta sexual que ofenda bens
jurídicos fundamentais ou valores essenciais das pessoas no tocante à sua livre expressão
do sexo.
Acórdão do STJ de 5 de Abril de 2001, proc. n.º 489/01 5.ª Secção: Decorrendo do art.º
10.º, n.º 2, do CPC, que "os menores cujo poder paternal compete a ambos os pais são por
acções" e intervindo a autora em nome da filha menor, sem que tenha alegado nem
provado que o poder paternal lhe competia exclusivamente, "deve o juiz, oficiosamente e
instância", determinando a notificação do pai para, "no prazo fixado, ratificar, querendo,
24.º, n.º 2, do CPC). Daquela questão devia o tribunal conhecer se dela pudesse desde
logo conhecer por ocasião do "saneamento do processo" (art.º 311.º n.º 1 e 312.º, n.º 2, do
CPP) ou, como "questão prévia", no momento processual a que se refere o art.º 338.º, n.º
poderia o tribunal deixar de dela ter conhecido logo que junta tal certidão ou, o mais
tardar, sob pena de "nulidade" (arts. 668.º, n.º 1, al. d) do CPC e 379.º, n.º 1, al. c), do
CPP), na sentença (arts. 660.º, n.º 2, do CPC e 4.º, do CPP). O art.º 113.º, n.º 3, do CP,
"quando dispõe que o direito de queixa pode ser exercido pelo representante legal do
dizerse que a queixa foi feita "depois de os dois progenitores se terem posto de acordo
sobre isso, ou depois de o tribunal ter suprido a falta de acordo entre eles, pois que não
se vê razão para afirmar que o direito penal estabeleceu uma excepção às regras do
direito civil, de tal modo que qualquer dos progenitores possa exercer sozinho o poder
paternal, para este efeito" (Guilherme de Oliveira, RLJ 3911/3912, p. 96). Esta ausência
do pai da ofendida levanta a questão que o tribunal deveria ter oficiosamente apreciado
(omissão que implicará nulidade da sentença art.º 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) da
eventual ilegitimidade na promoção do processo (art.º 49.º, n.º 1, do CPP), a menos que,
apesar da ausência do pai, o MP tenha dado início ao processo por "especiais razões de
interesse público" ou por imposição do "interesse da vítima" (art.º 178.º, n.º 2, do CP).
crimes sexuais, mesmo quando o ofendido é menor de 12 anos, continuam a ser crimes
MP, por considerar que existem especiais razões de interesse público, inicia o processo.
Acórdão da Relação do Porto de 31 de Janeiro de 2001, CJ, 2001, ano XXVI, tomo I, p.
232: uma vez iniciado o procedimento criminal pelo MP pelo crime de abuso sexual de
crianças, em virtude de isso ser imposto pelo interesse da vítima menor de 16 anos, o
Acórdão da Relação de Lisboa de 2 de Março de 2000, RLJ nºs 3911 e 3912, p. 94:
que o mesmo tenha sido vítima. Tem uma anotação do Prof. Guilherme de Oliveira na
mesma Revista, p. 96: quando o artigo 113º, nº 2, do Código Penal dispõe que o direito
de queixa pode ser exercido pelo representante legal do menor de dezasseis anos, remete
representação é exercida. (…) Não vejo razão para afirmar que o direito penal
estabeleceu uma excepção às regras do direito civil, de tal modo que qualquer dos
Acórdão do STJ de 12 de Janeiro de 1955, BMJ47211 (o marido que obriga a mulher, por
meio de violência física, a ter cópula com outros indivíduos é coautor do crime de
violação).
para promover o processo quando o direito de queixa não é exercido por quem, para tal,
possui legitimidade.
Acórdão do STJ de 11 de Julho de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 163: abuso sexual de
haver anomalias psíquicas que não relevam em definitivo para a inimputabilidade, mas
A. Boureau, Le droit de cuissage. La fabrication d'un mythe (13e 20e siècle), Paris, A.
Justiça.
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Fernando Torrão, A propósito do bem jurídico protegido nos crimes sexuais (mudança
Frederico Isasca, O projecto do novo Código Penal (Fevereiro de 1991) uma primeira
septembre 1997.
(1990).
nº 16 (1985).
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sexual, in Pólis.
Jorge de Figueiredo Dias, Nótula antes do art. 163º e anotações diversas, Conimbricense,
Jorge de Figueiredo Dias, O Código Penal Português de 1982 e a sua reforma, RPCC, ano
3 (1993), p. 161.
Jorge Dias Duarte, Homossexualidade com menores — Artigo 175º do Código Penal,
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José Souto de Moura, SIDA e responsabilidade penal, Revista do Ministério Público, ano
10º, nº 37 (1989).
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Manuel da Costa Andrade, Sobre a reforma do Código Penal Português — Dos crimes
(1993), p. 427.
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menores, licença.
1977.
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Stephen J. Schulhofer, Unwanted Sex. The Culture of Intimidation and the Failure of
(1994), p. 51.
Teresa Pizarro Beleza, Sem sombra de pecado. O repensar dos crimes sexuais na revisão
do Código Penal, Jornadas de direito criminal. Revisão do Código Penal, CEJ, I vol. 1996,
p. 159.
Yves Mayaud, Code Pénal. Nouveau Code Pénal, ancien Code Pénal, 93ª ed., Dalloz,
199596.
A fotocopiadora
funcionário policial, que tinha os seus informadores, e que, com base nisso, conseguiu
autorização judicial para colocar sob escuta os telefones dos dois amigos, logo que
estes foram libertados. Foi assim que P interceptou uma conversa de A para B, a dar
falsos. F, no entanto, não se mostrou permeável às razões de P e logo ali lhe foi
dizendo que “negócio é negócio” e que não queria perder a oportunidade de ganhar
o “seu”. Aliás, entregando a mercadoria, nada mais tinha a ver com ela, e disso estava
bem convencido, acrescentou. Foi assim que, logo a seguir, mandou entregar a
serviço de transportes urbanos, que ficou “uma beleza”, e que a T aceitou com
enganar o revisor sempre que lhe mostrasse o passe. Com efeito, logo que se pôs a
viajar, ninguém deu fé de que o passe era afinal uma fotocópia, tão perfeita estava.
Crentes de que estavam ricos, e interessados em não deixar rasto da sua actividade, A
por um preço de amigos, que este lhes pagou, ainda que cientes de que a explosão
que se seguisse podia matar o primeiro que se propusesse tirar fotocópias. A morte
pois também G era um conhecido moedeiro falso. P, entretanto, soube que a máquina
uma cópia de uma nota de cinquenta euros, para entregar no laboratório, P accionou
a fotocopiadora que logo explodiu, matandoo. Cf. Roland Hefendehl, Jura 1992, p.
374.
Punibilidade de A, B, F, M e T ?
passe.
I. Punibilidade de A e B.
O Código Civil tem um conjunto de disposições especiais (artigos 380º e ss.) a respeito de
certidões, certidões de certidões, cópias e fotocópias de documentos. Assim, as fotocópias de
documentos arquivados nas repartições notariais ou noutras repartições públicas têm a força
probatória das certidões de teor, se a conformidade delas com o original for atestada pela
forma dita no artigo 387º. Portanto, a cópia certificada de documento cujo original consta de
um processo judicial ou está depositado em cartório notarial tem o mesmo valor do documento
original.
II. Punibilidade de F.
Dispõe o artigo 27º, nº 1, que é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer
forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
perseguido pelo sujeito só a ele diz respeito. Refere o caso do padeiro que não
responde por participação em homicídio, mesmo que saiba que o comprador dos
pães lhes vai juntar veneno para acabar com a vida dos seus convidados. Quem se
limita a emprestar dinheiro sem perguntar para que fim não é responsável pelos
crimes que com ele venham a ser financiados. Schümann fundamenta a participação
profissão.
I. Punibilidade de A e B
II. Punibilidade de M
2. Artigos 22º, 23º, 73º, 266º, a ), (aquisição de moeda falsa para ser
posta em circulação)
III. Punibilidade de F
I.Punibilidade de T
actuou astuciosamente, usando um ardil ao fingir que o título era válido. Houve
prejuízo para os respectivos serviços, que não receberam a paga esperada.
Tudo indica que se trata de um único crime de burla, não obstante as
múltiplas viagens realizadas, por ter havido uma única resolução criminosa. Se
se tratar de várias resoluções criminosas, é indicado verificar se estão presentes
os pressupostos do crime continuado (artigo 30º, nº 2).
II. Punibilidade de A e B.
Punibilidade de A e B.
Parece não ser caso de burla, mas só porque falta o elemento subjectivo da
intenção de enriquecimento ilegítimo por parte de A e B.
outro objecto da acção, diferente daquele que o agente queria atingir: A quer matar B,
totalmente alheio, por supor que é a vítima que lhe fora indicada e que só conhece
com relevante carga de perfídia bem como os particularmente perigosos que tornam
defesa, pois não se apercebe de que está a ser objecto de um atentado (ac. do STJ de
31 de Outubro de 1996, BMJ460444). Quando a lei fala em meio insidioso não quer
a pistola, etc.), ainda que manejados de surpresa, mas sim aludir tanto às hipóteses de
utilização de meios ou expedientes com uma relevante carga de perfídia, como aos
que são particularmente perigosos e que, não pondo em risco o agente, do mesmo
passo tornam difícil ou impossível a defesa da vítima (ac. do STJ de13 de Outubro de
início da acção, concluiria pela perigosidade desta. Além disso, era previsível
que do desencadear do perigo correspondente iria resultar a probabilidade de
um dano para bens jurídicos alheios como a vida, a integridade física e
propriedade alheia (bens patrimoniais de valor elevado). O resultado, como já
se esclareceu, concretizouse. O crime consumouse.
discussão com um grupo de adeptos do clube da capital e saca da arma com que, à
cautela, se munira, uma pistola de 9 milímetros que conservara como recordação dos
seus tempos de "tropa", mas que já não funciona convenientemente por se lhe ter
avariado o percutor. A, que já há muitos anos deixou o serviço militar, não tem
• Palavraschave: acaso, acção adequada para lesar o bem jurídico, actuações que
patrimoniais alheios de valor elevado, perigo real para o objecto protegido, perigo,
Quando se fala dos crimes de perigo ocorre logo a ideia da criação de uma
área avançada de tutela que significa o adiantamento da consumação. A
punição nessas circunstâncias equivale, de algum modo, à clássica punição da
tentativa (31), que ocorre na forma dolosa dos crimes mais graves (artigo 23º, nº
1), onde o resultado não se chega a produzir, destacandose então o desvalor da
acção como sua nota mais saliente.
31
. À punibilidade dos actos preparatórios de certos crimes, como, por exemplo, da
constituição de uma organização terrorista (artigo 300º, nº 5), corresponde também uma
protecção dos concretos bens jurídicos dimensionada numa protecção duplamente antecipada.
• Nas últimas décadas têmse expandido (32) os casos que convocam essa necessidade de
ou dano patrimonial (Figueiredo Dias / Costa Andrade, O crime de fraude fiscal, p. 87).
chamados perigos abstractos, dolosos e culposos, são hoje aceites sem significativa
contestação.
fogo posto e dos danos. Mas na maioria dessas situações, e de poucas mais, tratavase
efeito, “no direito penal tradicional, por influência da ideia da responsabilidade pelo
especialmente na lesão do bem jurídico” (cf. Muñoz Conde, Derecho Penal, Parte
general, 1993, p. 279). É na segunda metade do século vinte, especialmente a partir dos
anos 60, face à crescente perigosidade da vida nesta “sociedade de risco”, que se
começa a pedir ao direito penal um campo de protecção que não espere pela
punição dos casos mais graves da tentativa, mas com a limitação subjectiva derivada
da acção intencional ou dolosa, como se exige nos artigos 22º e 23º do Código Penal.
destes com as formas de perigo a que estão sujeitos novos círculos de actividades de
Prof. Eduardo Correia, referindose ao assunto, lembrava que em 1938 tinha havido
em Portugal 83 homicídios por imprudência, mas que esse número subira para 272 no
ano de 1959. Acabava de resto por aludir a certos actos que comportam riscos e
limites de risco permitido, das normas de conduta que delimitam o dever de cuidado
de perigo surgem para castigar a realização das condutas perigosas imprudentes com
referência ao eventual resultado lesivo, mas sem esperar que esse resultado se
com a suficiente precisão, tornando possível a punição dessa conduta perigosa sem
resultado, e tudo isso sem desprezo pela segurança jurídica. Esta estrutura
corresponde à maior parte dos delitos de perigo e esta conexão com a tentativa e o
Montañes).
• "O perigo, como momento anterior à lesão que representa, de diversas maneiras, a
33
. Só se tratará aqui de uns quantos crimes de perigo concreto, dos muitos em que o
Código abunda. Vejase, por ex., a exposição ou abandono (artigo 138º) e o incitamento ou
ajuda ao suicídio (artigo 135º). Rui Carlos Pereira (O dolo de perigo, p. 27 e passim),
reconhecendo que no âmbito da descrição típica contida no nº 1 do artigo 135º o suicídio
tentado ou consumado deverá qualificarse como condição objectiva de punibilidade, qualifica
este crime como de perigo concreto — "crime de perigo concreto com resultado naturalístico e
dolo de dano": o perigo é descrito naturalisticamente, como sendo o suicídio tentado ou
consumado. A previsão do suicídio pelo menos tentado assume, diz o Autor, um carácter
necessariamente causal em relação à conduta típica. O que nele há de peculiar é a própria
descrição do "evento" perigo, através da exigência mínima da tentativa de suicídio. Vd. ainda
M. M. Silveira, Sobre o crime de incitamento ou ajuda ao suicídio, p. 128, que igualmente se
pronuncia pela incriminação de perigo concreto com dolo de dano, mas acrescenta: só se pode
afirmar a existência desse perigo concreto quando o incitado ou ajudado principia a execução
do seu propósito, antes disso não há evidência de que os pretensos incitamentos ou (e) ajuda
tenham tido eficácia.
de alguém se passear com uma arma de guerra. Mas o preceito respectivo fica
preenchido mesmo que no caso concreto se não verifique uma ameaça para a
vida ou para a integridade física de outrem. O artigo 275º, nºs 1 e 3, limitase a
descrever, pormenorizadamente (quem importar, fabricar, guardar, comprar,
vender, ceder ou adquirir a qualquer título, transportar, etc., armas proibidas),
as características típicas de que resulta a perigosidade típica da acção.
• A qualificação de um crime como de perigo abstracto pode colidir, com efeito, com o
estupefacientes (34) é de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano nem o
perigo de um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação (entre outros,
articula com o direito à integridade moral e física. Além disso, no âmbito do direito
sem culpa e à punição que exceda a medida da culpa. Decidiuse que na situação
34
. Em geral, sobre questões de legitimidade e de eficácia do exercício do poder punitivo
no domínio do consumo e do tráfico de estupefacientes, cf. Rui Carlos Pereira, "O consumo e o
tráfico de droga na lei penal portuguesa".
Janeiro) não põe em causa nenhuma das manifestações do princípio da culpa a que se
aludira, por se tratar, desde logo, de um crime doloso, por força do disposto no artigo
objectiva do agente. Acresce que o agente só será punido desde que culpado, não
podendo a pena exceder a medida da culpa. Por outro lado, as actividades em que o
contemporâneas.
• Também se coloca com peculiar acuidade nos crimes de perigo abstracto o problema da
tendência para o alastramento dos danos causados pelo tráfico dos estupefacientes
"não faz sentido referir uma inversão do ónus da prova; o cometimento do crime
deve ser, naturalmente, provado pela acusação, no plano das imputações objectiva e
acção (35), isto é, na sua aptidão causal para causar perigos de certa espécie,
35
) No acórdão do Tribunal Constitucional nº 246/96, de 29 de Fevereiro de 1996,
entendeuse também que a perigosidade pressuposta pelo legislador não envolve qualquer
inversão da prova contra reo, já que apenas separa a punibilidade da conduta da lesão efectiva
de um bem.
perigos se produza realmente; e, da mesma sorte, não se exige que o dolo abarque o
abstracto, em que a lei não exige a verificação concreta do perigo de lesão resultante
de certos factos, mas supõeo juris et de jure. Daqui resulta que os crimes de corrupção
este pratica o primeiro acto, que é o meio de levar a cabo um acto posterior, o do uso
singularizouse, deu "associação criminosa": artigo 299º, na secção dos crimes contra
a paz pública) têm também o seu espaço nos crimes de perigo abstracto. Os
"paz pública" como o bem jurídico protegido: basta a simples existência duma
associação criminosa com a dinâmica perigosa que lhe é inerente, para justificar a sua
criminosa decorre desde logo da sua fundação e não só quando se atinge a realização
Figueiredo Dias que lhes traçaram o rumo, igualmente com o apoio do que seja o bem
jurídico protegido, "a tutela da paz pública: "a mera existência de associações
destinadas à prática de crimes, ligada à dinâmica própria que lhes é inerente, põe
irremissivelmente em causa o sentimento de paz que a ordem jurídica visa criar nos
estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros ".
• Nos casos de tentativa impossível punível, que gira no espaço dos chamados crimes de
perigo abstracto, põese em perigo o bem jurídico de forma abstracta (na tentativa
punibilidade mesmo onde falta o bem jurídico e, por isso, inexiste real perigosidade,
ausência de objecto. Mas há um ponto para lá do qual é muito difícil, se não mesmo
impossível, chamar o bem jurídico — ou o seu halo, como neste contexto deve ser
bens jurídicos supra individuais) (cf. Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas, p. 160
comum.
• CASO nº 41A: A fez o serviço militar como sapador e nunca perdeu o gosto pelos
explosivos, que aprendeu a manejar com grande mestria. Por simples acaso, quando
passava pelos campos de Santa Margarida, onde noutros tempos fizera uma parte da
ainda assim, A levou tudo para casa, na mala do carro, sabendo da ilicitude da sua
• i ) Cansado das queixas da mulher, que não queria "aquilo" em sua casa, juntou as
dos sítios por onde costumavam passar pessoas, e fez rebentar todos esses materiais,
fez vários feridos graves e destruiu parte do edifício que era propriedade de uma
("criados pela fantasia dos juristas alemães": Giusino). Esta variedade de figuras
torna difícil a sua precisa delimitação.
• Para Binding — e para a sua concepção do perigo como Erschütterung (abalo, choque,
sempre que a norma penal proíbe a criação de um perigo, deverá terse unicamente
em conta uma situação real, concreta, em que um bem jurídico é posto em crise no
que toca à sua existência. Se faltar um prejuízo dessa ordem para a segurança do bem
rejeitava tanto a teoria do perigo "geral", como então se dizia, e segundo a qual o
legislador punia acções pelo seu carácter genérico de perigosidade, como a teoria do
existência de um perigo — não havia que distinguir entre delitos de perigo abstracto
crimes de perigo abstracto são hoje uma realidade indesmentível — as normas que os
• Numa certa perspectiva, os crimes de perigo concreto são aqueles em que a norma inclui o
perigo entre os seus elementos de facto típicos, exigindo que ele se verifique
realmente para que o crime atinja a consumação. Nestes casos, o juiz deverá
abstracto serão aqueles em que o perigo não constitui um elemento típico, de forma
que o juiz não tem que investigar se na situação concreta se verificou um perigo para
o bem jurídico. O perigo permanece então como ratio que levou o legislador a
luz dos conhecimentos técnicos, sabe que existem numerosas acções que, pelas
para bens socialmente relevantes. Por isso mesmo, o legislador proíbe tais
acordo com critérios ex post. Por ex., diziase que no juízo de perigo deveriam ser
posteriormente. Partindo deste conceito de perigo é claro que se não podiam incluir
nos crimes de perigo concreto aqueles casos em que a própria lei indica que o juiz
deverá formular o seu juízo na base de certos elementos e não de todos os que existem.
Uma vez que os crimes de perigo concreto são crimes de resultado, neles
assume particular importância, por um lado, a questão da imputação objectiva
desse resultado à acção perigosa. Interessa, por outro lado, a exacta
determinação das componentes do juízo de perigo. Ao juiz interessa saber quais
as circunstâncias factuais a partir das quais se comprova a probabilidade de
lesão e quais os conhecimentos de que se poderá servir para avaliar aquelas
circunstâncias de facto. Durante décadas lançouse mão de uma perspectiva ex
ante: o observador colocase na posição do sujeito e no momento em que este
actua, perguntandose se era previsível que o resultado de perigo ocorresse. Se
no momento em que o bombista coloca a bomba era de esperar que na altura da
explosão qualquer pessoa (um funcionário da empresa, um indigente que ali se
acolheu, um assaltante vindo pela madrugada) se encontrava no local, embora
efectivamente e por acaso ninguém lá estivesse, verificouse uma situação de
perigo. Objectouse a esta maneira de ver que ela reduzia os crimes de perigo
para o engenho explodir. Para A era indiferente que as possíveis vítimas fossem
velhas ou novas, portuguesas ou espanholas, boas ou más, gordas ou magras,
bonitas ou feias. É, além disso, um crime de perigo concreto, que se revê na
tipicidade do artigo 272º, nº 1, b ), punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. A
lei não se limita, como no caso anterior, a descrever a acção típica, à qual o
legislador associa um determinado feixe de perigos, que são simplesmente
presumidos: no artigo 272º, para além do desvalor da acção exigese a
ocorrência de um resultado (de um resultado de perigo), na medida em que se
não dispensa a criação de um perigo para a vida ou para a integridade física de
outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado. No caso concreto, o
perigo decorrente da explosão concretizouse. O bombista programou a
explosão para uma hora em que sabia haver pessoas no supermercado: numa
perspectiva ex ante, tratase de uma acção capaz de desencadear perigos vários
para objectos indeterminados. No momento da explosão havia no local pessoas
que poderiam ser por ela atingidas, pondo em perigo a sua vida e integridade
física (além naturalmente, dos perigos para coisas de valor patrimonial elevado,
mas aqui o perigo estaria numa relação directa com a potência do explosivo, o
local onde a bomba foi posta e o modo como a explosão foi orientada). Algumas
dessas pessoas sofreram até ferimentos, outras apenas o susto — ainda que
estando no âmbito do perigo, só por acaso foram poupadas aos estilhaços das
granadas e ao sopro da explosão. O A actuou com a consciência do desencadear
desses perigos, portanto, com dolo de perigo. Como se observou, nem só o
perigo se desencadeou, como houve até pessoas que foram atingidas e lesadas
na sua integridade física. Deverá portanto ponderarse a agravação ditada pelo
artigo 285º (cf., ainda o artigo 18º), que depende da gravidade das lesões.
• O perigo concreto aparece como o resultado típico destes crimes (no confronto com os de
perigo abstracto) e deve ser abarcado pelo dolo ou referido à negligência do agente. A
estes crimes não se aplica, portanto, a estrutura dos crimes qualificados pelo
conceito fazem com que o segundo seja consequência necessária do primeiro. Pode
eficácia da acção perigosa. O concreto perigo exige um concreto objecto de ataque que
• 2º Juízo de perigo: face a essas circunstâncias, deverá confirmarse, de acordo com as regras
da experiência, a falta de controlo da situação, que deixa de estar nas mãos do agente.
• CASO nº 41B: Amélia dá à luz um filho. Não se sente moralmente diminuída pelo
facto de não ser casada e entende que a sua qualidade de mãe solteira não deve ser
que vive para saber que esta a rejeitará como seu membro "respeitável". Como apenas
do filho para que tal conhecimento não alastre aos restantes elementos da
comunidade. Com esse objectivo vai colocálo, ainda com poucos dias de vida, na
margem de um ribeiro a cerca de 500 metros da povoação, por onde passam algumas
pessoas, na esperança de que alguma delas possa vir a encontrar e recolher a criança.
A chuva, que entretanto começa a cair com grande intensidade, leva Belmiro, dono de
água acumulada para o ribeiro, sem pensar nos prejuízos que podia causar nas
culturas agrícolas alheias situadas a juzante nem se dar conta do risco em que
corrente por se terem refugiado, a custo, em terras mais altas. O aumento do caudal
apercebe do risco que a criança corre, aproveita a oportunidade para lhe tirar um fio
de prata que aquela trazia ao pescoço, no valor de mil escudos, ficando com ele e
seguindo o seu caminho. O recémnascido veio a ser alcançado pelas águas do ribeiro
e a perecer nelas por afogamento. Quando, mais tarde, o corpo foi encontrado e
começaram a correr rumores sobre a identidade da mãe, Camilo foi entregar a esta o
cordão de prata antes de ser instaurado qualquer procedimento criminal. Cf. a prova
uma situação crítica em que a segurança de uma pessoa ou de uma coisa é de tal
modo atingida que unicamente dependerá do acaso que a lesão do bem jurídico se
realize ou não.
muitos bens jurídicos serem afectados (como acontece nos delitos em série), mas no
perigo comum só se poderá falar se, avaliando a acção ex ante, uma multiplicidade
desses indivíduos escolhidos ao acaso (ou o seu património) puder entrar no âmbito
36
. Na descrição típica da exposição ou abandono (artigo 138º) alargouse em 1998 a
âmbito da incriminação a todos os casos em que o agente deixe a vítima indefesa, desde que
sobre ela recaia o dever de a guardar, vigiar ou assistir. É da violação deste dever — e não da
debilidade da vítima — que resulta o carácter desvalioso e censurável da conduta. Assim,
praticará o crime, por exemplo, o montanhista que, guiando uma expedição, abandonar um
turista, criando um perigo para a sua vida.
37
. Discutese se é configurável um dolo de perigo como um momento de dolo eventual
(em que o elemento volitivo do dolo resulta da conformação do agente com o perigo). Dizse
que, se o agente se conforma com a possibilidade de se verificar o perigo, está a conformarse
com a possibilidade de uma possibilidade e, desse modo, com a lesão... e então no nosso caso
haveria homicídio voluntário. Quando alguém aceita o risco está a conformarse com o dano...
Maia Gonçalves, sensível à dificuldade da questão, diz que se o agente, podendo prever o
resultado, actuou com inconsideração, confiando em que ele se não verificava, ou se não se
conformou com a sua verificação, terá praticado este crime. Se pelo contrário ele actuou
conformandose com o resultado, que previra, haverá dolo eventual e, consequentemente, não
• E aqui renovase a questão de saber se no juízo de perigo será de empregar ainda uma
se verificará este crime, mas o de homicídio voluntário. Mas boa parte da doutrina aceita que é
possível representar o perigo, pretendêlo como tal, para conseguir um objectivo, mas não
aceitar o dano, e até nem o representar (cf. Rui Carlos Pereira; Silva Dias).
38
. Cf., porém, Faria Costa, O perigo, p. 511: por mais maleabilidade ou elasticidade que
se empreste à causalidade adequada, dificilmente esta permite que se consiga estabelecer um
juízo de causação entre a acção e, por ex., um resultado de perigo. O perigo deve ou tem de ser
objectivamente imputado ao agente. Todavia, o perigo não é um estádio que pertença ao
mundo do ser causal. O perigo é intencional e estruturalmente um categoria normativa, sem
que com isso perca a qualidade de se poder apreender de maneira objectivável. Nesta
perspectiva, por conseguinte, o perigo não é tanto causado pelo agente, antes o perigo é “obra”
intencionada do agente, não se concretiza, como acontece no dano/violação, em uma alteração
do real verdadeiro, configura antes uma situação com um pequeno, quantas vezes
pequeníssimo arco de tempo.
abstrai das circunstâncias que eventualmente ditaram a não verificação da lesão, não
comprovar ex post que alguém entrou num círculo de perigo, isto é, numa zona de
(39);
de exposição ou abandono, que assim veria a sua pena agravada nos termos do artigo
39
. E acrescenta em nota que assim se não faz retroagir a prognose ao tempo da acção
nem o intérprete se ocupa da diagnose, maior ou menor, das causas da ausência de lesão.
Consequentemente, no exemplo do carro que avança contra o polícia a uma velocidade
contrária às regras de trânsito, haverá uma crise aguda para o bem jurídico e portanto um
perigo juridicamente relevante, "quando o veículo descontrolado entra em rota de colisão com
o polícia, ou penetra num círculo de proximidade que torna o choque possível,
independentemente da existência ou não de leis científicas que expliquem a ausência de lesão
ou do carácter normal ou extraordinário da medida de salvamento".
• Para o aplicador do direito não será indiferente operar com um resultado de lesão ou com
permanece, o perigo, por sua natureza, ocupa sempre um lapso de tempo, mais ou
menos duradoiro, mas nunca por nunca, permanece. O perigo acontece; o dano
permanece” (Faria Costa, p. 323). São palavras expressivas, que completam a imagem
plástica dos crimes de perigo concreto como aqueles em que a probabilidade da lesão
concreta, real, implica de algum modo "uma comoção" para o bem jurídico" (40), o que
torna indispensável a prova de que um bem jurídico foi posto em perigo, tarefa
naturalmente bem mais difícil numa situação de perigo, que "nunca por nunca
40
. “Son delitos de peligro concreto aquellos en que la probabilidad de la lesión concreta
implica de algún modo una conmoción para el bien jurídico, es decir, que temporal y
espacialmente el bien jurídico probablemente afectado ha estado en relación inmediata con la
puesta en peligro; esto tiene importancia desde el punto de vista procesalpenal, pues es
necesario entonces probar que un bien jurídico fue puesto en peligro, que hubo una relación
entre el comportamiento típico del sujeto y el bien jurídico” (Juan Bustos Ramírez, Manual de
Derecho Penal Español, parte general, 1984, p. 191). Para Binding — e para a sua concepção do
perigo como Erschütterung (comoção, abalo, choque) — os crimes de perigo relevantes são
unicamente os de perigo concreto.
• Exante. Expost. Através de que tipo de juízo se afere a existência do perigo? Quando
numa determinada situação concreta emitimos um juízo sobre o que irá acontecer,
especialmente sobre o que irá acontecer se fizermos isto ou aquilo, estamos a ajuizar
sobre o futuro dum ponto de vista exante. Quer isto dizer que avaliamos
Neste caso, ajuizamos sobre esses acontecimentos numa perspectiva expost, tomando
quando dizemos: se eu agora atirasse esta pedra naquela direcção, o homem que além
está ficaria com um buraco na cabeça. Fazemos um juízo expost se dissermos: foi
porque atirei a pedra nesta direcção, que o homem que além está ficou com um
B, que tem graves problemas cardíacos, cai morto, fulminado, quando ouve da boca
de inimputáveis, p. 92.
• CASO nº 41C: Numa tarde de futebol, A e B, adeptos dum clube da capital, eterno
perdedor, aliviam as suas frustrações mandando umas pedras contra o autocarro
Como escreve Augusto Silva Dias, também aqui se não exige que o juiz
aprecie "se foi arremessado contra veículo projéctil perigoso, se era ou não
elevada a velocidade do arremesso, se as condições de deslocação do veículo
eram propícias à ocorrência de acidente, nem tão pouco se foi posta em crise a
vida ou a integridade física de algum tripulante, mas a exigência típica de que o
veículo esteja em movimento permitenos descortinar um modelo de
perigosidade e arvorálo em critério de averiguação da impossibilidade do
dano. Assim, por exemplo, não realiza o tipo alguém que apedreja um
automóvel que viaja sobre um comboio de mercadorias ou está a ser içado por
um guindaste para o convés de um navio portacontentores, porque este não é o
género de movimento que a norma visa abranger. O modo como o veículo
atingido se desloca, torna impossível a lesão da vida ou da integridade física de
alguém pelo comportamento referido".
• No direito alemão, o juiz, tratandose do crime contra a honra previsto no § 186 do StGB
(üble Nachrede), deve verificar a existência dos elementos típicos e, além disso,
"geeignet") para lesar o bem jurídico. Segundo uma parte da doutrina, estes casos de
41
. Quanto à natureza jurídica destas infracções, houve sempre quem sustentasse que se
trata de crimes de perigo, por não se exigir dano efectivo à honra. Nessa corrente, que foi
seguida pelos italianos Antolisei e Manzini, incluise também a opinião do Prof. Beleza dos
Santos. Para haver consumação, será suficiente a idoneidade da ofensa, pois, não só não se
exige que a pessoa se considere ofendida, como também se prescinde de que a afirmação tenha
encontrado crédito perante outras pessoas, podendo até suscitar repulsa. Nem por isso a honra
da pessoa deixou de estar exposta à probabilidade de um dano (Magalhães Noronha). Na
Suíça, a jurisprudência continua a entender que se trata de crimes de crimes de perigo
abstracto: “üble Nachrede und Verleumdung “sind abstrakte Gefährdungsdelikte” (BGE 103
IV 22).
• Um gesto com a mão direita apontada na direcção da assistente, simulando uma pistola,
250
42
. O que se exige para o preenchimento do tipo é que a acção reuna certas circunstâncias,
não sendo necessário que em concreto se chegue a provocar o medo ou a inquietação. Por ex.,
preenche o tipo o indivíduo que ameaça outro com uma arma, embora este último esteja no
interior de uma casa perfeitamente defendido da acção, pois tal acção é normalmente
adequada quer do ponto de vista do agente quer do que é geralmente reconhecido (Actas, nº
45, p. 500).
• CASO nº 41D: A, que tem graves desavenças com o dono de uma pequena pensão de
três andares duma vila da província, pegada a outros edifícios, lança fogo a um dos
quartos de hóspedes, depois de se ter assegurado que mais ninguém, além dele
para não ser visto, saía por uma das portas das traseiras, A apercebeuse, estupefacto,
patrão, derramou uma boa porção de gasolina no chão da cozinha, a qual, a breve
“O terramoto de Lisboa foi uma catástrofe natural. O que os soviéticos chamaram “avaria”
foi obra do homem. Aconteceu com um tipo de reactor produzido em quantidade, mas
em que as normas de segurança foram relegadas para lugar secundário por razões
erros e negligências do pessoal numa altura em que se fazia uma experiência donde
sistematização por parte da doutrina iluminista alemã com vista a unificar sob um
Gefahr", onde se envolviam dano e perigo para pessoas e coisas, passou para as
• * O nº 1 do artigo 253º do CP82 prevê um crime de perigo comum e com o atear do fogo,
que consiste num risco incontrolável ou de difícil controlo para a segurança de outras
pessoas ou para bens patrimoniais alheios de grande valor, devendo o dolo estar
incluído no risco. A destruição de uma viatura por fogo posto, sem que o incêndio
possa atingir terceiro ou outros bens valiosos, por não se encontrar recolhido dentro
• O ponto crucial destes crimes, escrevese na "Introdução" ao Código Penal, reside no facto
num desvalor de resultado de efeitos não poucas vezes catastróficos. O que está
primacialmente em causa não é o dano, mas sim o perigo. A lei penal, relativamente a
certas condutas que envolvem grandes riscos, bastase com a produção do perigo
(concreto ou abstracto) para que dessa forma o tipo legal esteja preenchido. O dano
que se possa vir a desencadear não tem interesse dogmático imediato. Punese logo o
perigo, porque tais condutas são de tal modo reprováveis que merecem
altamente danosos que estas condutas ilícitas podem desencadear o legislador penal
não pode esperar que o dano se produza para que o tipo legal de crime se preencha.
Ele tem de fazer recuar a protecção para momentos anteriores, isto é, para o momento
A primeira projecção indicadora do sentido interpretativo [do perigo comum] deve ser a
de surpreender a distinção entre o perigo que ameaça singularmente a vida de A, B. ou C e o
perigo que ameace simultaneamente a vida de A, B e C. (Faria Costa, O Perigo em Direito Penal,
p. 533).
desvalor da acção dos crimes de perigo comum a que faz apelo a alínea f ) do nº 2 do
recorda Augusto Silva Dias, Entre "comes e bebes", p. 545, que acrescenta: "Não se
perigo comum, pois a al. f ) apenas alude aos meios que se traduzem na prática de
comum se estrutura em cada um dos preceitos incriminadores do art. 272 e ss. Meio
de perigo comum significa na al. f ) um meio tipificado no art. 272 e ss. (não basta um
meio em geral perigoso, como, por exemplo, um automóvel descontrolado) cuja força
acção do homicídio e constitui, por essa via, indício de uma atitude acentuadamente
conteúdo desse indício, como sucede no crime de perigo presumido do art. 275, que
sua total falta de nocividade, ou situamse além dele, como é o caso dos crimes de
detenção ou uso de armas proibidas "fora das condições legais ou em contrário das
132, nº 2, al, f ), não nos parece adequado falar em concurso efectivo, pois a
Perigo comum tem ainda a ver com a indeterminação do titular dos bens
jurídicos ameaçados. Atentese na uniformização, justificada pelo Prof.
Figueiredo Dias, pelo emprego generalizado do termo "outrem" nas diversas
incriminações do artigo 272º e ss., designando os ofendidos com a prática destes
crimes, e exprimindo a ideia de que o perigo surge para uma pessoa
indeterminada e não para uma certa pessoa (ainda as Actas, p. 355 e ss.).
"Outrem" significa, assim, acrescenta Augusto Silva Dias, uma vítima indistinta,
alguém que pertence a um conjunto de pessoas que se encontra num
determinado círculo de perigo causado pela acção praticada através de meios
incontroláveis — ainda que o perigo se possa concretizar quando uma pessoa,
escolhida ao acaso, é colocada em perigo.
Perigo comum defineo Welzel como sendo o perigo que tem a ver com a colectividade,
consistindo esta na multiplicidade de indivíduos (objectos), mas também na indeterminação da
individualidade. Portanto, perigo comum é não só o perigo para uma multiplicidade de
objectos, sendo indiferente que o seu número seja determinado ou indeterminado, mas
também o perigo para um deles, sendo este um objecto indeterminado enquanto parte da
colectividade” (Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., p. 452).
punição. Não se chegando a criar perigo para a vida, etc., a norma não se aplica,
ainda que haja incêndio de relevo, por não se alcançar a consumação com o
simples perigo presumido. Criandose o perigo, por ex., para a vida de A e B, ou
para o prédio contíguo de C, que vale 50 mil contos, o crime de perigo concreto
estará consumado como acontece com os crimes de perigo singular. É assim
proveitosa a comparação com um crime de perigo singular na sua origem e
consumação, concreto no seu desenho típico, o do artigo 138º (exposição ou
abandono), em que se visa tutelar um único bem jurídico, a vida humana.
Particularmente interessantes, a propósito desta distinção, são as considerações do Prof. Faria
Costa, sobre uma parcela do crime de perigo comum do artigo 263º (infracção de regras de
construção, dano em instalações e perturbação de serviços) do Código Penal de 1982, que não
resistimos a transcrever: "No nº 2 do artigo 263º CP82 constróise um tipo legal de crime de
resultado de perigo negligente. Resultado este que está intimamente conexionado com a
violação das específicas regras de construção. Regras essas que, por outro lado, podem estar
positivadas em disposições legais ou regulamentares ou ainda contidas em “normas
geralmente respeitadas ou reconhecidas” (o que parece inculcar que também aqui se podem
detectar umas leges artis aedificandi). De sorte que o tipo legal do nº 2 do artº 263º fica, em
nosso entender, preenchido quando se viola dolosamente, por exemplo, as normas de
construção geralmente respeitadas ou reconhecidas e se cria um perigo negligente para a vida
ou para a integridade física ou ainda para bens patrimoniais de grande valor de outrem.
Perante esta construção, fácil é de reconhecer uma clara identidade entre a presente estrutura
dogmáticoincriminadora e aquela que o artº 150º, nº 2, espelha. Todavia, a construção
ordenativa em que se integra o artº 263º, nº 2, faz parte de uma arquitectura dogmática cujo
estilo é definido pelo legislador como sendo de “crimes de perigo comum”. (Faria Costa, O
Perigo em Direito Penal, p. 533).
1997, BMJ465661: uma casa de habitação, por mais modesta que seja, é um
bem de valor elevado em termos sociais.
o crime de dano, por ser aquele preceito o que melhor protecção confere ao interesse
perigo concreto para vários bens jurídicos do crime de incêndio (na altura o do artigo
253º) para se concluir pelo concurso efectivo , se os bens danificados não foram os
únicos bens postos em perigo. Cf., na mesma linha de orientação, * o ac. da Relação
infracções quando, com a sua conduta, o agente viola o disposto no artigo 253º
crime de incêndio e 308º crime de dano do CP. Cf., ainda, o * ac. da Relação de
Lisboa de 27 de Março de 1996, CJ, ano XXI (1996), t. 2, p. 149, acerca das relações
civil, sendo o encarregado daquela obra. Essas funções de Luis Albuquerque não
derrocada dos terrenos que, do lado traseiro, circundavam a área escavada. A terra e
pedras que caíram vieram a soterrar Manuel da Silva, carpinteiro, de cofragens, Raúl
até cerca das 23 horas desse dia, altura em que os bombeiros os conseguiram localizar
e retirar. Manuel da Silva foi encontrado já sem vida, tendo falecido devido a
onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica para amputação da perna direita.
Permaneceu internado até ao dia 20 de Fevereiro, data em que regressou a sua casa.
amputação, ficou incapacitado para o exercício da sua profissão. Raul Varela, para
além da profunda angústia que sentiu no período em que esteve soterrado, apenas
sofreu alguns hematomas e escoriações dispersos pelo corpo. A derrocada teria sido
evitada se, após a escavação, as paredes tivessem sido escoradas. José António,
embora sabendo estar legalmente obrigado a tal, decidiu não mandar proceder ao
referido escoramento por considerar que, dessa forma, a obra prosseguiria mais
qualquer objecção. Dada a sua experiência, tanto José António como Luís
José António não se encontrava presente, porque tinha ido a um dos Bancos com que
Acontece, por outro lado, que a situação fáctica que nos é proposta integra,
provavelmente, a prática de um crime de perigo comum, e não, simplesmente,
a prática de um crime de lesão ou de um crime de perigo singular. Nos crimes
de perigo singular — e um caso destes pode ser encontrado no desenho típico
do artigo 152º, nº 3 — o portador do bem jurídico é uma pessoa determinada.
Mas aqui o que prende a nossa atenção é a probabilidade da lesão da vida ou da
integridade física de uma pluralidade de trabalhadores. De resto, com a
iminência da derrocada ficaram afectados um número não determinado de bens
jurídicos e é nesta indeterminabilidade dos objectos do perigo que reside a
essência do perigo comum. Dentre os que trabalhavam no local — não sabemos
quantos, mas sabemos que a construção de um prédio de 10 andares demanda,
logo na fase das escavações, a participação, no local, dum número elevado de
pessoas — acabaram por ser "escolhidos" como vítimas o Manuel da Silva, o
Raul Augusto e o Rui Varela, e isso aconteceu por puro acaso. Só no instante da
derrocada é que se soube a identidade dos atingidos, como é característico do
perigo comum; e só nessa altura é que se soube que um deles perdeu a vida,
que outro ficou gravemente ferido e que um terceiro apenas sofreu uns
hematomas. Não se tratou portanto do perigo que ameaçava singularmente a
vida de A, B ou C (como é próprio dos crimes de perigo singular, do tipo do
artigo 152º, nº 3), mas do perigo que ameaçava simultaneamente a vida de A, B
e C, como é característico dos crimes de perigo comum.
Deverá, por outro lado, entenderse que da parte de José António como da
parte de Luís Albuquerque só se consumou um crime de perigo agravado pelo
resultado, não obstante ter ocorrido um resultado múltiplo, de morte e de
ofensa á integridade física grave. Como diz Paulo Albuquerque, Jornadas, p. 280,
"se o crime de perigo tiver por resultado a morte de várias pessoas ou ofensas
corporais graves em várias pessoas ou ambos os resultados, deve considerarse
que se consumou um só crime de perigo agravado pelo resultado, uma vez que
• CASO nº 41F: A é dono de uma pequena fábrica, das poucas que ainda se localizam
dentro ao espaço urbano de Ermesinde, com casas a toda a volta, onde residem
pessoas, a maioria de idade avançada. Mas os negócios, devido à conjuntura, não vão
nada bem e A teme o pior, sabendo que dentro de dois ou três meses já não terá
cobre as instalações e assim, A decide deitar fogo à fábrica, para receber o seguro e
não ter outros incómodos. Certo dia, depois da saída dos trabalhadores, incluindo o
materiais inflamáveis e fez uma derivação para o quadro. Imaginava que o fogo
manhã, quando nas proximidades já todos dormiam, A depôs, junto aos materiais
inflamáveis que reunira, uma vela de cera que logo acendeu, contando que a vela se
não apagaria até que A chegasse a sua casa, a uns quilómetros dali. Assim
procedendo, A sabia que tanto as casas ao redor da fábrica como as pessoas que ali
poderiam ser atingidas pelas chamas, causando danos em coisa alheia de valor
elevado e até mortes, mas não se conformou com qualquer destes resultados. Nada
montada, logo deu o alarme. A PJ interveio antes de a vela ter chegado ao fim.
Punibilidade de A ?
fábrica, nem para estas. O resultado típico do artigo 272º (crime de perigo
comum, concreto) não chegou a ocorrer, o crime não se consumou. Mas A
planeou deitar fogo à fábrica, sua propriedade, com dolo de lesar a seguradora,
sabendo que tanto as casas ao redor da fábrica como as pessoas que ali viviam
poderiam ser atingidas durante o sono pelas chamas provenientes da sua acção,
causando danos e até mortes, portanto com dolo de perigo, pois não se terá
conformado com qualquer desses resultados; a mais disso, A acumulou
materiais inflamáveis e dispôs as coisas de modo a ser atingido o quadro
eléctrico e a partir deste todo o edifício.
Há quem sustente que sim. Por ex., o Prof. Faria Costa, Conimbricense,
Parte especial, II, p. 879, que ilustra assim a sua exposição: se A arrasta para a
beira do edifício X dois bidões de gasolina e com eles as respectivas mechas
incendiárias que até já introduzira para dentro do edifício e se é, então,
apanhado, dúvidas não temos de que A praticou actos tentados de realização da
norma incriminadora prevista no art. 272º. "Com esta forma de perceber os
crimes de perigo concreto — crimes "estruturalmente perfeitos" de resultado de
perigoviolação — não tem pertinência, em nosso juízo, convocar a
impossibilidade de determinação concreta do perigo para, no caso de tentativa,
se dizer, então, que se não conseguiu determinar um elemento fundamental do
tipo e, desse jeito, sustentar que a tentativa não é punível. Quem assim raciocina
parece não se dar conta que se está perante um indesmentível crime de
resultado e de que se as coisas andassem do jeito que se critica, então, também a
tentativa de homicídio não poderia ser punida porque o resultado de dano
violação (a morte de outrem) não se verificou. A estrutura normativa dos
crimes dos crimes de resultado, sejam eles de danoviolação, sejam de perigo
violação, é intrinsecamente conatural aos chamados crimes tentados ou, como
tradicionalmente é designada, à sua tentativa".
VIII. A difteria
regresso, dois dos primos de N, com quem este tinha andado a brincar, apareceram
com sintomas de difteria, uma doença infecciosa e de fácil contágio, que se transmite
através do ar expirado quer por doentes quer por portadores, a qual ainda em época
explicação dada pelo médico assistente das crianças. Os primos de N foram logo
hospitalizados e A, queixandose da sua pouca sorte e dos trabalhos que tudo isto lhe
com a vozita nasalada e com evidentes sinais de febre. A sabia que esses eram
sintomas da difteria — e sabia que esta se transmite facilmente e que, em doentes não
fez para levar o neto ao médico. E como queria ir às compras, pois vinha farta
daquela pasmaceira da província e "já não aguentava mais", no dia seguinte levou o
neto ao infantário, sem nada dizer aos responsáveis sobre o estado de saúde da
transportado ao hospital, mas ainda nesse dia seis das vinte e duas crianças com que
difteria, que acabou por serlhes diagnosticada. Graças aos esforços e à dedicação do
pessoal do infantário, nenhuma das crianças sofreu mais do que uns dias de
Punibilidade de A ?
"Quem propagar doença contagiosa e criar deste modo perigo para a vida
ou perigo grave para a integridade física de outrem é punido com pena de
prisão de 1 a 8 anos. Se o perigo referido no número anterior for criado por
negligência, o agente é punido com pena de prisão até 5 anos": artigo 283º, nºs 1,
a ), e 2.
que, com essa conduta, se criou um perigo para a vida de qualquer das crianças.
E só as conclusões periciais dos médicos (que o texto não nos fornece) é que
poderiam valer para sustentar que se concretizou um perigo para a integridade
física de qualquer delas, que, como decorre do preceito incriminador, sempre
teria que ser grave: "... ou perigo grave para a integridade física de outrem ...".
IX. Exercícios
X. Indicações de leitura
das armas de fogo ou explosivos pelas forças e serviços de segurança. O DecretoLei nº 457/99,
(artigo 102º) e de destruição de vestígios, de bens ou outros indícios arqueológicos (artigo 103º).
O artigo 100º manda aplicar aos crimes praticados contra bens culturais as disposições
dos perigos associados a acidentes graves que envolvem substâncias perigosas. Portaria nº
acidentes graves.
Perigosas.
mercadorias perigosas.
• Acórdão da Relação de Guimarães de 5 de Maio de 2003, CJ 2003, tomo III, p. 297: crime de
condução perigosa.
ruído propagado pela actividade do arguido que atinge os apartamentos vizinhos em grau
respectivos moradores, afectando a sua saúde, ruído que excede o máximo legalmente
permitido.
46: A Lei nº 19/86, que prevê crime de incêndio florestal, não foi revogada pela redacção do
• Acórdão da Relação de Lisboa de 9 de Fevereiro de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo I, p. 149:
• Acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2000, CJ 2000, tomo III, p. 207: o bem jurídico
protegido com a punição do crime de condução perigosa de veículo rodoviário do artigo 291º
perigosa de veículo rodoviário e de homicídio por negligência, quando o arguido conduz com
violação grosseira das regras de circulação automóvel, resultando um perigo para a vida de
• Acórdão da Relação do Porto de 3 de Abril de 2002, CJ 2002, tomo II, p. 235: o crime de
poluição sonora (artigo 279º) como crime de desobediência; poluição em medida inadmissível.
• A. Leones Dantas, Crime de poluição (Artigo 279º do Código Penal). Acórdão da Relação
• Alberto Silva Franco, Globalização e criminalidade dos poderosos, RPCC, ano 10 (2000).
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comum no actual direito português (Um caso de infracção de regras de construção e algumas
abandonou o seu esconderijo e lançou mão de uma máquina de filmar vídeo, com o
respectivo cabo de ligação à impressora, no valor de 7.000$00, objectos estes que fez
seus, como pretendia, após o que saiu com eles. A actuou voluntária e
sumiço. A foi já condenado em diversas penas de prisão, que cumpriu, pela prática
audiência, o perito concluiu que na data dos factos A era inimputável por força de
condição social modesta, foi aplicada pela 2ª Vara Criminal a medida de segurança de
provado que o A sabia que com a conduta descrita praticava actos proibidos e
• Se com o teor actual do artigo 91º, nº 1, "se esclareceu o conteúdo mínimo do facto do
este facto ilícito típico tem o mesmo conteúdo dogmático do facto do imputável —
que o facto preencha um tipo objectivo de ilícito e o tipo subjectivo respectivo e não
37º, do Código Penal), a falta de consciência do ilícito não censurável (artigo 17º, nº 1,
24º e 135º do Código Penal)". Cf. Maria João Antunes, p. 122 e s. Vejase a seguir a
• Tenhase ainda em atenção os artigos 83º, 84º e 86º, relativos aos pressupostos de aplicação
prorrogação da pena concreta imposta aos delinquentes por tendência [cf. os outros
casos previstos nos artigos 84º e 86º] tem o seu directo fundamento na perigosidade,
pelo que tal prorrogação é uma medida de segurança. A tendência, após a reforma de
referência à pena de prisão que concretamente caberia ao crime cometido, caso não
fosse aplicada a pena relativamente indeterminada: até ser atingido esse momento,
regime dessa medida. Cf. Maria João Antunes, p. 134; e José de Sousa Brito, p. 571.
Penal", in Jornadas sobre a revisão do Código Penal, FDUL, 1998). Vejase como,
por exemplo, antes da revisão de 1995 se encontrava redigido o artigo 91º
(pressupostos e limites do internamento de inimputáveis): "quando um facto
descrito num tipo penal de crime..."; e como o mesmo dispositivo aparece depois
da revisão: "quem tiver praticado um facto ilícito típico...". O legislador penal,
numa atitude de maior rigor conceitual, substituiu a expressão "crime" pela de
"facto ilícito típico" e este surge, mas só agora, como pressuposto das medidas
de segurança aplicáveis a inimputáveis. No Código de Processo Penal o
elemento valorativo continua porém a coincidir com "o conjunto de
pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma
medida de segurança criminais", i. e, com a noção de crime dada pela alínea a)
do correspondente artigo 1º. Acolhendose na lei adjectiva um conceito assim
alargado que tanto se aplica às situações de imputabilidade como às de não
imputabilidade, não pode deixar de se identificar a regra do artigo 74º, nº 1, do
mesmo Código — enquanto remete para a prática de um crime — com os casos de
ilícito (penal) tipificado, aplicandoa também aos não imputáveis que, actuando
sem culpa, preenchem, ainda assim, um conjunto preciso de elementos
normativos, como é a hipótese do caso nº 44 relativamente ao furto. Como, por
último, a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela
lei civil (artigo 129º do Código Penal), nada obstará à aplicação do disposto no
artigo 489º do Código Civil. O montante da indemnização será fixado
equitativamente pelo tribunal, confiandose no prudente arbitrium boni viri
encarnado pelo juiz, que terá em conta a gravidade da ofensa e demais
circunstâncias susceptíveis de personalizar o dano e, assim, realizar a justiça do
caso concreto, a equidade. Ora, como vem provado, o demandado é de modesta
condição e encontrase internado em anexo psiquiátrico. Bem pode invocar uma
penúria desamparada, que ninguém estranhará. Foi, porém, por sua acção e no
seu exclusivo proveito que o Instituto de Reinserção Social ficou
irremediavelmente desapossado de uma máquina de filmar e de um
computador, cujo valor anda por x.
razões de equidade (artigo 489º do Código Civil) e com recurso à analogia. Não
havendo a mínima culpa dos lesados que sofreram graves danos físicos e morais, por
especialmente grave actuação do inimputável, deve este ser condenado, por “motivos
de equidade” a reparar os danos, ainda que de acordo com a sua precária situação
43) O que poderá relevar, por ex., para a detenção em flagrante delito, que só está
autorizada sendo o crime punível com pena de prisão (artigo 255º, nº 1, do Código de Processo
Penal). Já agora, atentese no respectivo nº 4: tratandose de crime cujo procedimento dependa
de acusação particular (cf., por ex., os artigo 180º, 181º e 188º, nº 1, e o artigo 207º, a), do Código
Penal), não há lugar a detenção em flagrante delito, mas apenas à identificação do infractor.
resulta sem mais da declaração de culpa", se bem que depois se afirme que é
• As penas acessórias distinguemse portanto dos chamados efeitos das penas, onde se trata
pela aplicação de uma pena, principal ou acessória, que não assumem a natureza de
verdadeiras penas, não obstante o seu carácter penal. Tanto as penas acessórias como
94).
Prevêse, como regime regra (artigos 44º e 45º), a substituição da pena curta
de prisão (pena aplicada em medida não superior a 6 meses) por penas não
detentivas: multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da
execução da pena de prisão. A pena curta de prisão (pena aplicada em medida
não superior a 3 meses) que, por razões preventivas, não deva ser substituída
por outra pena (por pena não detentiva, multa ou outra) poderá ser cumprida
por dias livres (correspondentes a fins de semana, incluindo os feriados que os
antecederem ou se lhes seguirem imediatamente) ou em regime de
semidetenção. Tratase então de dar ao condenado a possibilidade de
prosseguir a sua actividade profissional normal, os seus estudos, etc. Há no
Código diversas incriminações que apenas prevêem pena de prisão — se esta
for aplicada em medida não superior a 6 meses, poderá ser substituída por
multa (excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir
o cometimento de futuros crimes: 44º, nº 1). Cf. os artigos 134º, 135º, nº 1, 245º,
311º, nº 2, 316º, nº 4, 318º, nº 2, 321º, 333º, nºs 3 e 4, b) e c), 334º e 344º.
1
. No domínio do Código de processo penal de 1929, a reparação arbitrada em processo
penal era entendida como um efeito penal da condenação (cf. J. Figueiredo Dias, Sobre a
reparação de perdas e danos arbitrada em Processo Penal, Coimbra, 1966, p. 14 e s.). Sobre o assunto
dispõe agora o artigo 129º do Código Penal, segundo o qual a indemnização de perdas e danos
emergentes de crime é regulada pela lei civil. O princípio de adesão foi acolhido no artigo 71º do
actual código de processo, onde se preceitua que “o pedido de indemnização fundado na
prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado,
perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei”.
dias de multa: o furto punese com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa
até 360 dias (artigo 203º, nº 1). Mas, por ex., nos crimes contra a honra seguese um
modelo diferente — a injúria é punida com prisão até 3 meses ou multa até 120 dias
(artigo 181º).
imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa. A prisão subsidiária deve ser
fixada pelo juiz na sentença, ou posteriormente, quando for caso disso, o que significa que não
basta a própria lei (artigo 49º, nº 1) indicar o tempo de prisão subsidiária por referência ao
tempo da multa não paga. A substituição da multa por prestação de trabalho
depende de requerimento do condenado logo no momento da condenação.
Quando se aplicar uma pena de multa não há lugar à aplicação de uma pena de
substituição, como acontece com a pena de prisão de curta duração. Por outro
lado, não se permite, em geral, a suspensão da execução de uma pena de multa
no momento da condenação. Todavia, havendo incumprimento não imputável
ao condenado, pode a execução da pena subsidiária ser suspensa por um
período de 1 a 3 anos, sendo a suspensão subordinada ao cumprimento de
deveres de conteúdo não económico ou financeiro. Por outro lado, sempre que
a situação económica e financeira do arguido o justificar, pode ocorrer o
pagamento diferido da multa, ou permitirse o pagamento em prestações, com
limite temporal prescrito. Sobre o prazo para o pagamento da multa, após o
trânsito da decisão condenatória, vejase o artigo 489º do Código de Processo
Penal.
mas não aplicar qualquer pena”. Ponto é que à dispensa de pena se não
oponham razões de prevenção, o dano tenha sido reparado e a ilicitude do facto
e a culpa do agente forem diminutas. Tenhase em conta, na aplicação da
admoestação, o que se diz no artigo 497º do Código de Processo Penal,
nomeadamente, a possibilidade de a proferir de imediato (antes do trânsito em
julgado da decisão) se o Ministério Público, o arguido e o assistente declararem
para a acta que renunciam à interposição de recurso.
• "A admoestação, que é vista como a concessão mais importante que foi feita à prevenção
74º) a sanção mais leve do direito penal actual, expressandose o seu carácter
crime cometido, mas não se impõe a pena". Manuel Simas Santos / Leal Henriques,
44
Carl Stoos (18491934), nascido na Suiça, era em 1916 professor na Universidade de
Viena, onde viveu as perturbações políticas que acompanharam a ruína do império austro
húngaro.
• As medidas são necessárias porque a pena imposta em razão da culpa pessoal não é
exclusivo fim de prevenção especial. Devem actuar apenas sobre a pessoa individual,
para evitar que cometa novos delitos. A sua finalidade consiste, em parte, na
A base do sistema dualista (ou dupla via), assente na distinção entre penas
e medidas de segurança, tende a perder sustentáculo legal nas legislações
modernas, onde está cada vez mais difundido o sistema vicarial.
finalidade, de forma que a distinção entre pena e medida carece de sentido — tanto a
delinquente.
• Um sistema dualista em que, ao lado da pena limitada pela culpa, exista outro tipo de
• "A crise actual do dualismo manifestase numa série de aspectos fundamentais, como os
entre a pena e a medida de segurança, como sucede, por exemplo, com o fim
seu regime de execução, que se torna evidente em certos casos de penas e medidas
Estado de Direito, e chega a falarse na crise do chamado "Direito de medidas". Sob esta
Reparese, por outro lado, que as medidas de segurança não podem ser
aplicadas em medida desproporcionada à gravidade do facto e à perigosidade
do agente. É a regra do artigo 40º, nº 3. Quer dizer, no nosso actual sistema, as
medidas de segurança não poderão, na sua duração, exceder, por razões
exclusivamente preventivas (ou ultrapassar desproporcionadamente), as penas
de culpa correspondentes a ilícitos de idêntica gravidade. Cf. ainda o artigo 92º,
nº 2. Dando expressão, segundo a Profª. Fernanda Palma, “a um princípio geral
de orientação da prevenção especial e da prevenção geral pela gravidade do
ilícito, também relevante em matéria de exclusão da responsabilidade. Assim,
se um inimputável não fosse susceptível de uma responsabilidade por culpa,
devido à existência de certas circunstâncias condicionantes da acção, como o
medo de certas ameaças, não poderia o inimputável, vítima das mesmas
circunstâncias, ser sujeito a uma medida de segurança”.
V. Outras indicações
(artigo 101º).
previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de
pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do
crime contra a saúde pública. Aplicação automática ou por mero efeito ope legis.
Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Fevereiro de 2001, CJ, ano XXVI 2001, tomo I, p. 59:
representa a aplicação de uma nova pena de carácter psicológico, que, além de preencher
Acórdão do STJ de 2 de Março de 2000, CJ 2000, ano VIII, tomo I, p. 223: Pena de multa, prisão
subsidiária da multa. O Código Penal de 1995 deixou de impor que na sentença se fixe a
Acórdão do STJ de 14 de Dezembro de 2000, CJ 2000, ano VIII, tomo III, p. 256: a admoestação
prevista como medida de correcção no artigo 6º, nº 2, alínea a), do DecretoLei nº 401/82,
coexiste com a pena de admoestação do artigo 60º do Código Penal, não estando por isso
a sua aplicação sujeita aos requisitos impostos neste último normativo, mas apenas
Acórdão do STJ de 18 de Maio de 2000, processo n.º 140/2000 5.ª Secção: O instituto da
suspensão da execução da pena tem, hoje, de entenderse como uma autêntica medida
penal, susceptível de servir tão bem (ou tão eficazmente) quanto a efectividade das
sanções aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do
Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 172: medidas de
Penal, para o qual relevam somente questões atinentes à culpa — o ilícito típico em
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1994.
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Winfried Hassemer, História das ideias penais na Alemanha do pósguerra, AAFDL, 1995.
concreta.
scanner, uma impressora "Hewlett Packard" 690 C e a uma resma de papel de 80 grs.
acabaram por imprimir diversos exemplares das referidas notas. Dias depois, o B
entregou ao D cinco dessas notas de 10 contos, sabendo ambos que eram falsas.O D
produção e lançamento em circulação de moeda. Estavam cientes de que não lhes era
permitido usar as ditas notas como meio de pagamento, nem pôlas em circulação e
sabiam que as notas que fabricavam eram idóneas a serem tomadas como boas pela
generalidade das pessoas e foi por isso que decidiram utilizálas. D estava ciente de
que, devido às semelhanças com as notas autênticas, não lhe era permitido pôr em
circulação as notas que recebera. D tem 19 anos de idade. É o quarto de oito filhos
prisional frequenta o 3º ciclo e tem tido visitas regulares. A família dispõese a ajudá
lo, inclusivamente, no domínio laboral. A tem 20 anos de idade. Ficou cedo entregue
aos cuidados de uma avó, quando a mãe faleceu e o pai seguiu outros rumos.
contabilidade e gestão. O relatório social sublinha que em meio livre conta com apoio
incondicional de familiares e que tem projectos para futuro. B tem 22 anos de idade. É
criança foi acompanhado por psicólogos, mas fez o 6º ano aos 14 anos, tendo
começado a trabalhar aos 16, como empregado de balcão e tarefeiro, até que foi preso.
Na prisão tem revelado conduta adequada às normas e está ocupado com trabalho.
Conta com o apoio da família e o relatório social sublinha que o arguido conta com
trabalho assegurado na firma onde sempre trabalhou e está bem relacionado com os
durante vários anos, tendo trabalhado como tarefeiro num Banco. Cumpre agora o
serviço militar. É descrito como tendo forte ligação à família, reservado e algo
afectivo e material da mãe, com quem tem vivido. O relatório social apresentao como
logo que recupere a liberdade. São todos solteiros e nenhum tem antecedentes
fica relatado quanto à imitação das notas de dez e a intencionada destinação das
as cinco notas ao D.
b) Deste modo, a prevenção especial positiva nunca pode pôr em causa o mínimo de pena
violada.
c) Por sua vez, porém, a defesa da ordem jurídicopenal, tal como é interiorizada pela
consciência colectiva, também nunca pode pôr em causa a própria dignidade humana do
d) Por isso, a pena jamais pode ultrapassar a medida da culpa ou o máximo que a culpa do
agente é o que se define entre aquele mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e
• “A finalidade primeira das penas é a de restaurar e estabelecer a paz jurídica abalada pelo
limites da sua culpa”. Acórdão do STJ de 5 de Dezembro de 2001. Proc. n.º 3436/01
3.ª Secção.
• Domina a ideia de que a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da
1982 e a sua reforma, RPCC 3 (1993), p. 169; Luís Miranda Pereira, O primado da
prevenção como objectivo de uma nova política criminal, RPCC 5 (1995), p. 91). Mas
reincidência e prosseguir a vida no futuro sem cometer crimes" (Figueiredo Dias, ob.
cit., p. 174).
caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime,
deponham a seu favor ou contra ele.
• Considerando que a ilicitude e a culpa pelo facto "são conceitos graduáveis" (Mezger,
Derecho Penal, PG, Libro de estudio, 1958, p. 384), terseá em atenção o catálogo aberto
das circunstâncias (nº 2 do artigo 71º) que entram em consideração como elementos
AT, 18ª ed., 1983, p. 426). E entre essas circunstâncias, "no que toca à ilicitude, o grau
condições pessoais e a sua situação económica" (Manuel Simas Santos / Manuel Leal
A chamada teoria do espaço de liberdade é seguida pela jurisprudência alemã por forma a
conferir à culpa o primeiro lugar na decisão da medida da pena. Os fundamentos da
individualização da pena são, por um lado, a gravidade do facto e o seu significado para o
ordenamento jurídico e, por outro, o grau da culpa do autor. Tendo em conta estes dois pontos
de vista heterogéneos, e ponderandoos, o juiz deverá encontrar a pena justa, ou seja, a pena
adequada à culpa. Esta Spielraumtheorie baseiase na ideia de que a pena não pode ultrapassar a
medida da culpa. Na prática, porém, em razão da complexidade da avaliação da culpa e da
insuficiência do conhecimento humano, não se poderá alcançar uma grandeza exacta para a
culpa, a partir da qual se possa chegar a uma grandeza exacta para a pena. As dificuldades
superamse com uma "moldura da culpa" construída num espaço nuclear, dentro do qual não se
colocam dúvidas quanto à adequação da pena à culpa. Consequentemente, formase uma zona
de fronteira que delimita aquele espaço da moldura penal abstracta onde já não haverá lugar
para a consideração da culpa pelo facto. Esse quantum concreto da pena medido pela culpa, não
sendo inteiramente fixo, como se observou, contém uma margem maior ou menor de variação.
É no interior deste espaço de variação que as diversas finalidades preventivas logram
encontrar a sua validade, participando dessa forma na graduação concreta da pena. No interior
desta moldura da culpa — oscilando entre um máximo e um mínimo — avaliando o juiz a
medida da culpa e ponderando os diversos fins das penas, se encontrará a pena para o facto
concreto. Cf. Otto Triffterer, Öst. StrafR, AT, 2ª ed., 1994, p. 509; K. Lackner, StGB, 20ª ed., 1993,
p. 317.
• Por outras palavras: "Não se pode determinar com precisão a pena que corresponde à
culpa. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada, no máximo, pela
pena ainda adequada à culpa. O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não
pode, portanto, impor uma pena que na sua medida ou natureza seja tão grave que já
não seja, por isso, sentida como adequada à culpa. Mas o juiz poderá decidir até onde
penal, p. 96.
• Entendendo que a medida da pena deve ser dada essencialmente através da medida da
de que "a medida da pena tem como primeira referência a culpa, funcionando depois,
ilicitude. Mas não nos parece haver elementos que apontem para um potencial
energético particularmente intenso na preparação e no cometimento do delito.
O D, ao receber as notas que sabia serem falsas, agiu com dolo directo e
intenso e com plena consciência da ilicitude da sua conduta. Tratase — no caso
a ganhar relevo para aferir da quantidade do ilícito — de cinco notas para pôr
em circulação.
assente numa expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente
concreta.
mediante o seu acordo, com a mesma data, para pagamento de produtos que então
lhe foram fornecidos. A sabia que não tinha provisão na conta sacada suficiente para
que a mesma conta tinha sido bloqueada. Sabia igualmente que causava um prejuízo
M, que se viu privada daquelas quantias, que contava logo receber. Com efeito,
Outubro de 1998, com a indicação, aposta no verso de cada um deles pelo Banco
única resolução criminosa, fêlo consciente e voluntariamente, sabendo que isso era
idade; o marido ganha 104 contos e pagam renda de casa. Tem dois filhos e alegou
moldura penal abstracta a pena cominada é a de prisão até 3 anos ou multa (até
360 dias).
A agiu com dolo cujo grau não excede a média, mas com plena consciência
da ilicitude da sua conduta. Os cheques são dois, um de 82590$00, o outro de
66454$00 e foram dados em pagamento de artigos fornecidos. Os dados
pessoais da A são de molde a favorecêla, nomeadamente, não tem antecedentes
criminais. Tudo ponderado, fazendo apelo aos critérios do artigo 71º do Código
Penal, e sendo certo que se ao crime forem aplicáveis, como é o caso, pena
privativa e pena não privativa da liberdade o tribunal deve dar preferência à
segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades
da punição (artigo 70º), o que quer dizer que a pena de prisão é encarada como
ultima ratio, julgase adequada a pena de cento e vinte dias de multa à taxa
diária de quinhentos escudos.
outro lado encontravase a ideia — tão cara aos corifeus da défense sociale, em
retributivo em relação àquela e não a esta. Mas a situação evoluiu sensivelmente nos
reconhecido, na verdade, que a pena só pode ter por fundamento não a retribuição do
mal do crime ou a sua expiação pelo agente, mas considerações de pura prevenção.
(…) Assinalar à pena uma qualquer função retributiva significaria desligála por
conditio sine qua non da aplicação da pena e limite inultrapassável da sua medida:
aplicação da pena, mas unicamente em evitar — até por razões ligadas à desejável
eficácia da prevenção — que uma tal aplicação possa ter lugar onde não exista culpa
ou numa medida superior à suposta por esta. Aceite este ponto de vista fica sópara
1991, p. 26.
da pena. A pena é sempre reacção à infracção de uma norma. Com a reacção, tornase
óbvio que a norma é para ser observada —e a reacção demonstrativa tem sempre
expressamente dispõe o artigo 40º do Código Penal. A culpa, segundo a função que
máximo permitido pela culpa, a pena deve ser determinada no interior de uma
“moldura de prevenção geral positiva”, cujo limite superior é oferecido pelo ponto
óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas
(Américo Marcelino, Código Penal revisto, Expresso, 3.6.95). Com efeito, escreveu
Kant (apud Beleza dos Santos): “A pena judiciária (“poena forensis”) nunca pode
deve ser aplicada apenas porque o condenado cometeu um crime. É que o homem
nunca pode ser utilizado como simples meio para servir fins alheios”.
primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como
prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais
criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da
consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à
violação da norma ocorrida; em suma, na expressão de Jakobs, como
estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade e vigência
da norma infringida” (Prof. Figueiredo Dias, Direito penal português, II, p. 72;
RPCC I 1991, p. 22 e ss.).
culpa e também é limitada no seu quantum por ela; mas não se aceita já que
• “A distinção entre ilicitude e culpa é o legado mais importante da ciência alemã do Direito
Penal na primeira metade do nosso século. Actua ilicitamente quem, sem estar
danosa. Mas esse comportamento só é culposo quando for possível censurálo ao seu
autor por ter podido actuar de maneira diferente, isto é, de acordo o com o direito. É
considerase isso como uma quase evidência — que, a par da distinção entre ilicitude
da culpa.
• O Código Penal alemão de 1871 não continha esta distinção entre ilicitude e culpa; noutros
países há muitos ordenamentos jurídicos que ainda não a conhecem. Contudo, a nova
Janeiro de 1975, acolhe agora esta terminologia científica distinguindo claramente nos
32 que "não é ilícito" o facto realizado em legítima defesa; por outro lado, qualificase
como cometido "sem culpa". Pouco a pouco foise impondo na legislação alemã o
• Mas ao mesmo tendo que se dava esta vitória do conceito de culpa iase modificando
se entendia por "culpa". Ponto de partida desta transformação foi a mudança operada
teoria da retribuição, segundo a qual a pena supõe, por um lado, a culpa, mas, por
outro lado, esta, por sua vez, também deverá ser compensada (retribuída) pela pena.
Assim, por ex., diz o meu colega de Munique Arthur Kaufmann na sua fundamental
monografia "Das Schuldprinzip" (1961, 2ª ed., 1976): "o carácter absoluto da pena
deriva unicamente desta concepção bilateral do princípio da culpa, isto é: a pena tem
que corresponder à culpa mas esta também torna necessária a pena. Não pode
proclamar o princípio da culpa como absoluto quem negar que, em princípio, à culpa
afirmar também a necessidade da pena pela culpa, isto é, não pode, com fundamento
obstante a existência da culpa" (p. 202). Kaufmann chega até a reclamar uma vigência
absoluta, fundada no Direito natural, para a tese segundo a qual "a pena tem que
corresponder à culpa, mas também a culpa exige em princípio pena" (p. 208).
Alemanha desde Kant e Hegel, foi abandonada nos últimos anos tanto pela doutrina
bilateral, mas sim unilateral. Quer dizer: a doutrina dominante na Alemanha afirma
que a pena supõe culpa e que também é limitada no seu quantum por ela; mas não
aceita já que um comportamento culposo exija sempre uma pena. Pelo contrário,
("Das Schuldprinzip», 2ª ed., 1976, p. 276) "que a pena não só se justifica pela culpa",
mas também deve ser exigida "pela protecção de bens jurídicos necessária à
comunidade".
culpa. Talvez possa afirmarse que razões religiosas ou filosóficas exigem uma
compensação da culpa; esta é uma questão que tem o seu lugar nas disciplinas que se
ocupam destes problemas. Mas o que é certo é que esta anulação da culpa não tem
que se produzir através da pena pública, pois esta não é uma instituição divina ou
uma ideia filosófica. Numa democracia pluralista não é missão do Estado decidir de
não pode, por conseguinte, ser imposta se não for necessária com base em razões
preventivas.
• Na política criminal esta ideia impôsse de forma ampla. Constitui, desde o Projecto
uma conduta só pode ser castigada, não já — como se escrevia no Projecto oficial de
1962 — pela sua imoralidade culposa, mas só quando isso for necessário para a
ordem social pacífica. Após muitos anos de discussão, a legislação alemã aderiu a
nem a prejudicam. Essas acções são certamente consideradas ainda por grandes
sectores da população alemã como imorais e culposas; mas na medida em que sejam
permanecer impunes.
pena. Por isso, a passagem de uma concepção bilateral a uma concepção unilateral do
princípio da culpa deve também incidir nestes sectores". Claus Roxin, Concepción
derecho penal. Cf., ainda, Sentido e limites da pena estatal, em Problemas fundamentais do
1. A pena aplicável.
O caso de sinal inverso poderia ser, por ex., o de tratar como reincidente
qualquer dos arguido A, B ou C. Supondo que o tribunal declarava A
reincidente, para o que teria de atender aos pressupostos do artigo 75º, e
sabendose que, em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao
crime é elevado de um terço (ainda que a agravação não possa exceder a
medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores) e o limite
máximo permanece inalterado, teríamos a moldura penal abstracta, aplicável ao
reincidente de (2 anos + 1/3 = 2 anos e 8 meses) 2 anos e 8 meses de prisão a 12
anos de prisão.
2. A pena aplicada
3. A escolha da pena
Também pode acontecer que, sendo o crime punido unicamente com pena
de prisão, o juiz se decida, por exemplo, pela pena de 6 meses de prisão, a que
chegou pela consideração dos factores do artigo 71º, nºs 1 e 2. Neste caso,
manda a lei (artigo 44º) substituíla por pena de multa ou por outra pena não
privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida
pele necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. Havendo lugar
à substituição, o juiz, depois de justificar a medida da pena, dirá na sentença:
A pena pode aliás ser substituída por admoestação (artigo 60º), se for de
multa, ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (artigos 58º e 59º),
se for de prisão. Tenhase ainda em atenção o que se dispõe sobre a suspensão
da execução da pena de prisão, o regime de cumprimento por dias livres e o
regime de semidetenção.
• "Considerações de culpa não devem ser levadas em conta no momento de escolha da pena.
pena importou já decidir, é sabido, sobre a aplicação da pena de prisão e sobre a sua
medida concreta, para o que foi decisivo um juízo (concreto) sobre a culpa do agente.
Ora, esse juízo não importa agora referílo, sendo completamente irrelevante para
O tribunal pode não aplicar a pena quando o crime for punível com pena
de prisão não superior a 6 meses ou só com pena de multa não superior a 120
dias (artigo 74º, nº 1). A dispensa de pena só terá porém lugar se se mostrarem
preenchidos os requisitos do artigo 74º, nº 1. Da dispensa de pena ocupamse os
artigos 35º, nº 2, 186º, 286º, 294º, 364º, 372º, nº 3, 373º, nº 2, 374º, nº 3.
dizer que na dispensa de pena o que existe "verdadeiramente é uma pena de declaração
de culpa ou, se se preferir, uma espécie de admoestação em que esta resulta sem mais da
Ora, se em verdadeiro rigor há uma pena, então a toda a culpa corresponde uma
pena como a sua substituição por multa: entre os mais significativos, podem
nos anos seguintes, como se põe em evidência na anotação do Boletim (nº 395, p. 292)
ao acórdão de 21 de Março de 1990, ali publicado, "na esteira, aliás, dos acórdãos de
40.523) (...) já que em todos eles se optou pela substituição da pena de prisão". Passou
penais não detentivas. Ver agora o acórdão do STJ de 5 de Fevereiro de 1997, BMJ
464176, que apela às finalidades de prevenção geral para negar a suspensão da pena
Juiz Mário Mendes Serrano sobre a jurisprudência dos tribunais superiores quanto à
medida das penas aplicadas nos homicídios negligentes estradais, publicado in sub
• Cf. o acórdão do STJ de 8 de Julho de 1998, CJ 1998, ano VI, tomo II, p. 237. O Supremo
regras de construção (artigo 277º, nº 2) e subsumível, por duas vezes (eram duas as
emprego certo que com culpa grave e exclusiva colhe mortalmente um peão na
• Cf. ainda o acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Fevereiro de 2001, CJ, ano XXVI 2001,
infractor através de outros meios, menos agressivos, mas altamente punitivos, como
47
) É a posição do ProcuradorGeral Adjunto, transcrita no acórdão do STJ de 29 de
Março de 2001, processo 261/01.
vigorarem normas que prevejam pena cumulativas de prisão e multa, sempre que a pena
de prisão for substituída por multa será aplicada uma só pena equivalente à soma da
Sentença de 1998, 11.15, caso Silva Rocha vs. Portugal, Tribunal Europeu dos Direitos do
previsto e punido pelo artigo 292º do Código Penal, deve ser sancionado, a título de
pena acessória, com a proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, alínea a), do
Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Janeiro de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 43: pena acessória
77/2001, de 13 de Julho.
dia às 12 horas do dia seguinte, e uma vez que face ao artigo 479º, nº 1, c), do CPP o dia é
Acórdão da Relação do Porto de 4 de Junho de 2003, CJ 2003, tomo III, p. 210: internamento em
Acórdão do STJ de 3 de Abril de 2003, CJ 2003, tomo II, p. 157: regime dos jovens delinquentes;
não sendo o regime especial para jovens delinquentes, consagrado pelo DL nº 401/82,
modo de execução do crime e os seus motivos determinantes; mas não é de fazer uso da
atenuação especial prevista no artigo 4º daquele diploma quando for grande o grau de
ilicitude dos factos praticados pelo arguido e for grave a sua culpa.
45 metros desferiu uma pancada na cabeça da vítima, provocandolhe uma lesão grave
também no seu resultado (provocação de perigo concreto para a vida da vítima). O peso
factos, se puder concluir que é vantajosa para o menor, sem constituir desvantagem para
Acórdão do STJ de 10 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 189: apesar de ter
Acórdão da Relação de Coimbra de 7 de Novembro de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo V, p.
Acórdão da Relação de Coimbra de 17 de Janeiro de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo I, p. 50:
tem em vista tão só prevenir a perigosidade do agente, muito embora se lhe assinale um
Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de Novembro de 2000, CJ ano XXV, tomo V, 2000, p. 50:
A pena acessória de inibição de conduzir não pode ser substituída por caução de boa
embriaguez, suspensão da pena de prisão: arguido que já fora condenado por idêntico
considerando a sua situação económica, pena que se mostrou ineficaz para o afastar do
Acórdão da Relação de Lisboa de 20 de Dezembro de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo V, p. 149:
clemência.
sucessivo dos efeitos de diversas atenuantes especiais aplicáveis ao agente, num caso de
jovem imputável.
Acórdão do STJ de 1 de Março de 2000, CJ, ano VIII (2000), tomo I, p. 216: arguido que
haver razões sérias para crer que dessa atenuação resultarão vantagens para a reinserção
Acórdão do STJ de 12 de Abril de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 172: medidas de
Código Penal; crime de homicídio voluntário qualificado, com uma anotação na RPCC
previsão do artigo 132º do Código Penal, para o qual relevam somente questões
segurança era o do artigo 131º. Cf. também o acórdão do STJ de 30 de Maio de 2001, CJ
nível pessoal e familiar quer a nível social, não existindo discrepâncias relevante nas
económicos e sociais.
Acórdão do STJ de 31 de Maio de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 208: suspensão da pena;
obrigação de indemnizar mesmo que não tenha sido deduzido pedido cível. Tem voto de
vencido.
Acórdão do STJ, de 17 de Fevereiro de 2000, BMJ494236: regime de prova como sistema que
melhor pode garantir, num justo e eficaz equilíbrio, a sintonía entre as prevenções geral
intenção de matar, atinge o próprio pai com um tijolo e com um banco na cabeça, em
de confiança que o colectivo depositara na sua restituição a uma vida sem dependência de
na forma tentada (artigos 131º, 132º, nº s 1 e 2, a), 22º e 23º), cuja execução se suspendeu
Acórdão do STJ de 5 de Abril de 2001, CJ, ano IX (2001), tomo II, p. 178: atenuação especial;
arrependimento; crime de abuso sexual de menores. Não deve esquecerse que a solução
“válvula de segurança”, dificilmente se pode ter como apropriada para um código como
penais suficientemente amplas”. Ou seja, é uma solução antiquada. Daí o bem fundado
mesmo excepcionais”.
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Wilfried Bottke, La actual discusión sobre las finalidades de la pena, in Política criminal y
Winfried Hassemer, História das ideias penais na Alemanha do pósguerra, AAFDL, 1995.
A faz deflagrar uma bomba no quarto de hotel onde sabe que pernoitam B e C, que quer matar,
encargos a que a sua actividade houver dado lugar (artigos 513º e 514º do Código de
Processo Penal).
• Concluirá então o acórdão (49): A é autor material, em concurso efectivo, de dois crimes do
artigo 131º do Código Penal, pelo que, por cada um deles, os Juizes que compõem o
jurídico destas duas penas, nos termos do artigo 77º do Código Penal, vistos os factos
49
Tomam a forma de acórdão os actos decisórios dos juizes de um tribunal colegial, por
ex., um tribunal colectivo, a quem compete julgar, entre outros, os processos que respeitarem a
crimes dolosos ou agravados pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma
pessoa, ou cuja pena máxima, abstractamente aplicável, seja superior a cinco anos de prisão,
mesmo quando, no caso de concurso de infracções, seja inferior o limite máximo
correspondente a cada crime (artigos 14º, nº 2, a) e b), e 97º, c), do Código de Processo Penal.
• É no tipo que se focaliza o núcleo do juízo de ilicitude que tem como seu suporte material o
bem jurídico. Daí que não possa deixar de ser visto como uma referência essencial
181.
• A queria matar B e para isso, a uns dez metros de distância deste, disparou um tiro de
arma caçadeira que lhe acertou na zona torácica, dandolhe morte quase instantânea.
Alguns projécteis foram igualmente atingir C, que estava logo ali. A não tinha
previsto que, com a dispersão do tiro, também a integridade física de C podia ser
Neste exemplo, A disparou um único tiro e com ele atingiu duas pessoas. A
tomara a resolução de matar B, o que veio a acontecer, preenchendo a sua
conduta, desde logo, o crime de homicídio doloso (artigo 131º), pelo qual pode
ser censurado. A não previu que C poderia ser atingido; não actuou quanto a
ele com dolo homicida nem com dolo de ofensa à sua integridade física. Ainda
assim, A pode ser censurado pela sua falta de cuidado: não previu, mas devia e
podia ter previsto que C iria ser atingido, tornandose responsável por um crime
de ofensa à integridade física por negligência (artigo 148º, nº 1) — em concurso
efectivo com o anterior: um único disparo produziu os dois eventos, a morte de
um e as lesões corporais no outro, ofendendo interesses jurídicos de B e de C. A
essa actuação corresponde um juízo de censura na forma de dolo, outro na
forma de negligência inconsciente —por isso se verifica o concurso efectivo de
crimes (concurso ideal).
3. Para a teoria naturalista, o número de crimes cometidos determinase
pelo número de acções em sentido físico. Mas nem sempre é fácil, a partir de
critérios naturalísticos, saber quando se está perante uma só ou várias condutas,
pelo que geralmente se não opera com tais critérios. Assim é que, no artigo 30º,
nº 1, se adopta o chamado critério teleológico para a determinação do número
de crimes —não se parte simplesmente de bases naturalísticas. No plano
doutrinal, a norma coincide com a posição do Prof. Eduardo Correia, que
escrevia em 1965 (Eduardo Correia, Direito Criminal II, 1965, p. 200): "o número
de infracções determinarseá pelo número de valorações que, no mundo jurídico
criminal, correspondem a uma certa actividade. Pelo que, se diversos valores ou
bens jurídicos são negados, outros tantos crimes haverão de ser contados,
independentemente de, no plano naturalístico, lhes corresponder uma só
actividade, isto é, de estarmos perante um concurso ideal. Inversamente, se um
só valor é negado, só um crime existirá, já que a específica negação de valor que
no crime se surpreende reúne em uma só actividade todos os elementos que o
constituem"
Todavia, e uma vez que a conduta, o comportamento do agente, não deixa
de consistir num só facto ou em vários factos naturais, a anterior referência a "um
só acto", a "uma só acção exterior", à "unidade do facto", à "unidade de acção", a
"vários actos" ou a expressões semelhantes, merece, ainda assim, alguns
desenvolvimentos, por lhes estarem ligadas certas qualificações ou
determinadas consequências penais. Aliada à sua projecção temporal e
envolvida no correspondente elemento subjectivo do ilícito, a conduta
• Parece haver um só crime de furto no exemplo de Geppert do mordomo que, quando entra
limites que não podiam ser excedidos, foi um dos caminhos propostos para
fugir aos rigores do concurso real. A especial acuidade do concurso real da
mesma espécie e particularmente de furtos é sublinhada no âmbito do direito
estatutário "que mandava enforcar o autor de três desses crimes" (Prof. Eduardo
Correia, A teoria do Concurso, p. 164), de forma que —dizse— o crime
continuado foi elaborado com base no favor rei, para permitir àqueles que
tivessem recaído no terceiro furto escapassem à pena de morte (Paulo José da
Costa Jr., p. 134).
Os statuta foram “inventados” (cf. Martin Killias, Précis de droit pénal, 2ª ed., 2001, p. 4) pelas
cidades italianas. Puniam os atentados à paz pública, incluindo certas infracções sexuais.
subtraindo peças do mesmo automóvel, até que o dono, com os nervos em franja, lhe
vende o que resta. Ou o contabilista duma firma que, com falsos lançamentos, vai
• Exemplo de dolo de continuação: a empregada doméstica começou por tirar uma toalha de
rosto e inicialmente só queria tirar essa toalha —todavia, depois, fortalecida pela
• Ou talvez este não seja um bom exemplo, talvez socialmente se trate de uma situação de
adultério e não uma série de actos adúlteros, como pondera o Prof. Beleza dos Santos.
Sobre alguns problemas específicos do crime de adultério pode verse, por ex., o
mulher cujo marido vai à guerra é também oferecido por Welzel, para ilustrar uma
del mismo hecho delictivo; una pluralidad de actos hasta entonces no punibles,
contenido del dolo que existe cada vez y en la tendencia contra el mismo bien
jurídico, sino, ante todo, en la similitud del modo de comisión". O adultério ocorre
permanente".
Nesta visão das coisas, o segredo da conexão das actividades que formam
o chamado crime continuado vai ancorar na considerável diminuição da culpa do
agente que lhe anda ligada — e o fundamento desse menor grau de culpa deve
ser encontrado no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das
coisas para o facto. "Pelo que o pressuposto da continuação criminosa será,
verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira
considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez
menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de
acordo com o direito" (Prof. Eduardo Correia, A Teoria do Concurso, p. 205 e
ss.; Direito Criminal II, p. 209).
O Código Penal português consagrou no artigo 30º, nº 2, a figura do crime
continuado, na sequência dos ensinamentos do Prof. Eduardo Correia, expostos
pela primeira vez num dos dois estudos — Unidade e Pluralidade de Infracções
— que agora fazem parte do volume com o título A Teoria do Concurso em
Direito Criminal.
punido nos artigos 30º, nº 2, 79º e 203º, nº 1, do Código Penal, pelo que o condeno na
preceito legal, umas não absorvem as outras, e somente se atende à sua unidade para
1, do Código Penal.
crime do artigo 210º, ficando afastada a aplicação das normas dos artigos 203º e
153º.
iii) Uma única conduta preenche várias vezes o mesmo tipo de crime: A
faz deflagrar uma bomba no quarto de hotel onde sabe que pernoitam B e C,
que quer matar — 2 crimes do artigo 131º.
iv) Várias condutas preenchem vários tipos de crime: A atinge
mortalmente B, que quer matar, e no dia seguinte atinge C de raspão, querendo
apenas provocarlhe um arranhão numa perna — um crime do artigo 131º, um
crime do artigo 143º.
v) Várias condutas preenchem vários tipos de crime, mas só uma das
normas violadas se aplica: A penetra por arrombamento na habitação de B e
leva todas as jóias do cofre: um crime de furto qualificado do artigo 204º, nº 2,
e), ficando afastada a aplicação das normas dos artigos 204º, nº 1, f), 190º e 212º.
pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do
agente. Os problemas do concurso têm a ver com a pluralidade de crimes, que não
existe nas duas primeiras hipóteses antes apresentadas. O artigo 30º, nº 1, contempla
só uma delas acaba por ser aplicada na situação concreta, ficando excluída a aplicação
das restantes, como pode ser, de algum modo, a segunda hipótese acima apresentada,
e é seguramente a última.
unicamente pela norma que não for afastada. Nesta hipótese, em que só uma
das normas se aplica, esta abrange "o âmbito e o sentido de protecção da outra
norma" (Pedrosa Machado).
atingir e mandar para o hospital qualquer dos passageiros que possa atingir, o que
contra veículo) e a do artigo 143º (ofensa à integridade física), mas só esta última
• Exemplo de concurso efectivo ideal homogéneo: A faz deflagrar uma bomba que vai matar
• Exemplo de concurso efectivo ideal heterogéneo: A lança as pedras contra o autocarro que
• Exemplo: A deita ao rio a bicicleta que furtara uns dias antes, por se ver assediado pela
apropriada (dano).
• Exemplo: A, voluntariamente, mata B de manhã e à tarde atinge C a tiro, sem lhe provocar
a morte.
onde se perfilha o chamado critério teleológico, que estamos perante uma violação
mas que o artigo 30º, nº 2, encara como um único crime. A continuação criminosa é aí
favorável do que a situação do concurso real que doutro modo lhe corresponderia) do
pessoais, estando em causa mais do que uma vítima. Esta é outra regra que o
intérprete deverá ter sempre presente. A figura do crime continuado representa uma
• i) haverá concurso efectivo entre o homicídio negligente (artigo 137º) e a omissão de auxílio
(artigo 200º):
• ii) haverá concurso efectivo quando a duração da privação de movimentos (artigo 158º:
210º: roubo);
• iii) haverá concurso efectivo quando a duração da privação de movimentos (artigo 158º:
ofendida na sua própria casa, durante cerca de uma hora, fechandoa à chave e
impedindoa, contra a sua vontade, de sair (ac. do STJ de 21 de Junho de 1995, BMJ
anos, a leva no seu automóvel, com a promessa de a levar ao local que ela desejava, e,
no percurso para uma praia, não obstante os protestos e choros da ofendida, a retém
dentro do veículo durante hora e meia, e, para satisfazer as suas paixões lascivas (...)
• iv) o artigo 143º (ofensa à integridade física simples) é norma subsidiária relativamente à
norma do artigo 164º (violação) mas apenas na medida em que o uso da violência
entre o crime de furto qualificado do artigo 297º, nº 2, h), do Código Penal de 1982, e
o crime de introdução em casa alheia do artigo 176º, nº 2, do mesmo Código, pois que
virtude daquela constituir um facto que, no caso concreto, não faz parte integrante do
crime de furto, que já é qualificado por outra circunstância (duas pessoas): acórdão
de Junho de 1986, BMJ358292. No Código Penal de 1982 era punido com prisão de 1
concurso de infracções, cf. Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal II, p. 366.
• vi) a ratio do art. 200º é a preservação dos bens jurídicos vida, integridade física e liberdade
em situação de perigo para um dos bens jurídicos tutelados pelo art. 200º (50)
autónomos, entre si, o bem jurídico violado pela burla e o bem jurídico protegido pela
50
Assim, Prof. Taipa de Carvalho, Conimbricense, parte especial, I, p. 862. Cf., também,
por ex., Molina Fernández, in Bajo Fernández e outros, Compendio de Derecho Penal (Parte
Especial), vol. II, p. 176: "sendo várias as pessoas deixadas ao desamparo estaremos perante um
concurso de crimes, o qual será ideal se o socorro contemplar uma única actuação do omitente
e real se cada pessoa requer uma actuação própria. Do mesmo modo, parte da jurisprudência
entende que se verificam dois crimes, em concurso real, quando o arguido abandona
criminosamente duas pessoas sinistradas, uma vez que a vida humana e a integridade física
das pessoas aí protegidas são bens eminentemente pessoais (acórdão do STJ de 28 de Abril de
1994, cit. por Simas Santos — Leal Henriques, Jurisprudência Penal, p. 113). Mas a justificação
está longe de poder convencer.
51
Cf., a propósito, Miguel Pedrosa Machado, Nótula sobre a relação de concurso ideal
entre burla e falsificação, Direito e Justiça, vol. IX (1995), t. 1, p. 251. Valle Muñiz, in El
comentado, Madrid, 1881, tomo III, p. 350: "é muito comum que para preparar a burla
parte especial II, p. 690, distingue conforme haja ou não unidade de resolução
resoluções forem autónomas (uma de falsificar e uma posterior de burlar, por acaso
• viii) no crime preterintencional do artº 145º, nº 1, do Código Penal, o crime base, só por si já
inerente à acção praticada que conduziu àquele resultado. Esta punição mais grave
não obsta, porém, a que o agente do respectivo crime cometa também em concurso
Penal de 1886, vejase, entre outros, o acórdão do STJ de 8 de Junho de 1955, BMJ49
200, com o entendimento de que a falsidade não tem punição autónoma (concurso
aparente), pois o falso documento, no seu todo, foi o meio fraudulento de que o réu
constituiu um crime de burla. Posição semelhante foi retomada nos acórdãos do STJ
vencido): porque o uso de artifício ou meio fraudulento exigido pela figura criminal da
• ix) no que respeita à questão do concurso entre o crime de incêndio (artigo 272º) e o de
jurídico, aquele, mais fortemente sancionador, exclui este. Do mesmo modo, * comete
o crime de dano, por ser aquele preceito o que melhor protecção confere ao interesse
concreto para vários bens jurídicos do crime de incêndio (na altura o do artigo 253º)
para se concluir pelo concurso efectivo, se os bens danificados não foram os únicos
• x) o crime de uso de arma proibida (artigo 260º do Código Penal de 1982) concorre, em
crime de uso e porte de arma proibida consumase logo que o agente detém a arma;
punição do crime de ofensas corporais cometido com essa arma (acórdão do STJ de 13
de Abril de 1994, CJ, ano II (1994), tomo 1, p. 255). Mas, entre a detenção ou uso de
não nos parece adequado falar em concurso efectivo, pois a perigosidade geral do
Silva Dias, Entre "Comes e bebes", RPCC 8 (1998), p. 545. Em idêntido sentido,
criminosas" no Código Penal Português de 1982 (arts. 287º e 288º), p. 73). Não viola o
interpretação das normas dos artigos 21º, 24º e 28º do DL nº 15/93, de 22 de Janeiro,
linha do que "tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça", condenou o arguido por
verificadas (por negligência), estáse perante um concurso de crimes, já que por oito
não proceder com o cuidado a que estava obrigado —, não havendo manifestação de
vontade de praticar actos ou omissões de que saísse tal resultado, não pode falarse
inconsciente a ilicitude está intimamente ligada tão só ao não proceder o agente com
52
O texto integral pode ser encontrado na Revista do Ministério Público, ano 19 (1998), nº
76 e ss., com anotação de Paulo Dá Mesquita. Cf., ainda, o texto parcial do mesmo acórdão em
CJ, ano VI (1998), tomo III, p. 183 e ss. Sobre os problemas do concurso no âmbito dos delitos
negligentes, Pedro Caeiro/Cláudia Santos, in RPCC 6 (1996).
• xiii) há acumulação de crimes — ensina o Prof. Dr. Cavaleiro de Ferreira, Lições, p. 625 — se
o gatuno consegue burlar terceira pessoa com o objecto do furto. Acórdão do STJ de
planos distintos em que o arguido interveio, e não por pressão das circunstâncias
• xvi) o bem jurídico protegido com a punição do crime de condução perigosa de veículo
por negligência, quando o arguido conduz com violação grosseira das regras de
• xvii) ainda que consumados através da mesma acção, existe uma situação de concurso real
classificatório do que prático. Falta aqui uma regra geral, pelo que são
especialmente numerosas as questões duvidosas e discutíveis (Stratenwerth).
mesma situação possa convergir mais do que uma norma, verificandose entre elas
• Recentemente, o Código Penal espanhol (de 1995) passou a dispor, no artigo 8º, que "los
hechos susceptibles de ser calificados con arreglo a dos o más preceptos de este
siguientes reglas:
• 3.ª El precepto penal más amplio o complejo absorberá a los que castiguen las infracciones
consumidas en aquél.
• 4.ª En defecto de los criterios anteriores, el precepto penal más grave excluirá los que
sendo a+b os elementos da lei geral e a+b+e os da lei especial, resulta ser e o
elemento especializador. Assim se compreende que, neste contexto, o
intérprete não tenha que olhar aos comportamentos que se lhe apresentam, mas
somente aos preceitos abstractamente aplicáveis, sendo indiferente a natureza
— privilegiante ou, conforme os casos, qualificante — do elemento típico
especializador: há sempre especialidade — diz Jescheck — na relação entre o
tipo fundamental (Grundtatbestand) e as suas variantes (Abwandlungen)
qualificadas ou privilegiadas.
qualificação do crime punido com a pena mais grave sobre o da punição mais leve.
Outros exemplos:
• ii) o artigo 144º (ofensa à integridade física grave) é norma especial relativamente à norma
• iii) o artigo 152º, nº 1, a) (maus tratos físicos ou psíquicos ou tratamento cruel) é norma
• iv) o artigo 160º (rapto) é norma especial relativamente à norma do artigo 158º (sequestro);
154º (coacção);
• vi) o artigo 163º, nº 2 (coacção sexual) é norma especial relativamente à norma do artigo
153º (ameaça);
• vii) o artigo 164º (violação) é norma especial relativamente à norma do artigo 163º (coacção
sexual);
• viii) o artigo 223º (extorsão) é norma especial relativamente à norma do artigo 153º
• ix) o artigo 225º (abuso de cartão de garantia ou de crédito) é norma especial relativamente
• xii) o artigo 278º (danos contra a natureza) é norma especial relativamente à norma do
Outros exemplos:
• viii) artigo 355º (descaminho ou destruição de objectos colocados sob o poder público);
• Quem por inadvertência incendeia a habitação onde mora será punido unicamente por
crime de incêndio doloso se, depois de ter descoberto as chamas, não trata de as
• A jantou com os amigos e aproveitou para beber do seu vinho tinto preferido. Sabe que no
estado em que se encontra lhe é absolutamente vedado conduzir, mas mesmo assim
arriscase a seguir para casa ao volante do seu automóvel porque já são duas da
manhã e a mulher não lhe costuma perdoar tais atrasos. Numa passagem para peões
de completar a travessia. A apercebese que B sofreu lesões graves e que perde muito
sangue, mas, como não quer ficar sem a carta, como inevitavelmente acontecerá se a
homem vai morrer se não for conduzido ao hospital de imediato. B acaba por morrer
• Pôr fogo a uma coisa pode integrar, concomitantemente, o crime de dano [artigo 309º, nº 1,
• Do mesmo modo, quase todos estão de acordo em que a norma do artigo 200º cede
Falase até da sua função de reserva (Seier, Jura 1983, p. 223). A omissão de auxílio só
entra em questão onde não exista um dever de garante do agente pela não verificação
artigo 200º. E se deste modo os âmbitos dos dois preceitos em alguma área se
cobrirem, deve aí darse decidida prevalência ao artigo 10º sobre o artigo 200º (cf.
tratar de bens jurídicos que não são inteiramente idênticos). Certos estádios
Outros exemplos:
• ii) o artigo 158º (sequestro) é norma subsidiária relativamente à norma do artigo 210º
• iii) o artigo 158º (sequestro) é norma subsidiária relativamente à norma do artigo 164º
• iv) o artigo 143º (ofensa à integridade física simples) é norma subsidiária relativamente à
norma do artigo 164º (violação) mas apenas na medida em que o uso da violência
uma encomenda, que lhe não seja dirigida, o agente, por via de regra, produz
estragos em coisa alheia (artigos 194º, nº 1, e 212º, nº 1), mas se o fizer para tomar
pelo atentado à privacidade (artigo 194º, nº 1: facto principal), que só pode ser
acompanhante.
• Caso paralelo: o da falsificação material por rasura ou por um processo semelhante que
do artigo 212º, nº 1.
Uma boa parte dos casos práticos envolve o dano produzido, por ex.,
quando da violação de domicílio. Se o crime for cometido por meio de
arrombamento, a previsão é a qualificada do nº 3 do artigo 190º, mas pode
acontecer que o intruso produza apenas uns riscos nas portas ou paredes
(exemplo do Prof. Costa Andrade, Conimbricense II, p. 234), sem que se possa
falar em arrombamento, o dano será então facto típico acompanhante do crime
contra a reserva da vida privada. Jescheck adverte, porém, que não se deve ter
como consumido o dano quando o ladrão aniquila algo particularmente
valioso, por ex., uma janela da igreja, para aí poder cometer um furto. Com
efeito, a infracção acessória distanciase do que é corrente e apresentase com
um conteúdo de ilícito próprio.
Como os autores frequentemente advertem, lançamos mão do princípio da
consunção quando não existe uma modalidade mais específica para solucionar
o concurso de leis, de forma que, nos trabalhos práticos, o método que se
recomenda é o seguinte: primeiro analisamos a questão sob o ponto de vista da
especilidade; se esta não for aplicável, procuramos fazêlo dentro da
subsidiaridade; por último, abordamos o assunto na perspectiva da consunção.
Cf., por ex., Geppert, p. 425, e Mir Puig, p. 740.
• Tem razão Rodriguez Devesa quando escreve (p. 209): Nunca vi nenhuma sentença que
condenasse por homicídio e ao mesmo tempo pelos danos causados na roupa pelo
disparo que provocou a morte ou pela facada que provocou feridas mortais na
para dar a morte. Reparese, por outro lado, que na relação de consunção estamos
• Exemplo dum acto anterior não punido: A, a quem foram confiadas as chaves de uma
viatura, apropriase delas por forma ilegítima. Mais tarde, servese das chaves para
anteriores não puníveis têm um significado prático pouco acentuado. Assim, por ex.,
Blei, Strafrecht I. AT, 1983, p. 361, que refere os actos preparatórios e a tentativa nas
suas relações com o crime consumado que na maior parte das vezes são tratados
não deve ser punido autonomamente, já que o peso decisivo radica no furto da
viatura.
• i) o homicídio doloso (artigo 131º) afasta a punição por homicídio por negligência (artigo
137º):
• ii) o homicídio doloso (artigo 131º) afasta a exposição ou abandono (artigo 138º);
• iv) a ofensa corporal agravada pelo resultado morte (artigos 18º e 145º) afasta a punição do
• v) o homicídio tentado (artigos 22º, nºs 1 e 2, 23º, nºs 1 e 2, e 131º) afasta a punição das
ofensas à integridade física provocadas pelo agente que actua com intenção de matar
(artigo 143º);
• vi) a punição do homicídio doloso (artigo 131º) abrange a omissão de auxílio (artigo 200º)
• vii) o ilícito do artigo 143º (ofensa à integridade física simples) é tipo de recolha ou de
intercepção, actuando por via residual, relativamente aos demais tipos dolosos de
• viii) as ofensas corporais graves (artigo 144º) afastam a punição pelo crime de maus tratos
do artigo 152º;
• ix) a punição do agente pelo crime de violação de domicílio qualificado nos termos do
artigo 190º, nº 3, consome o crime de dano. Cf. a anotação do Prof. Costa Andrade,
auxílio (artigo 219º do Código Penal de 1982) se, em seguida, deixar de prestar ao
1987, BMJ369614);
• xi) existe uma relação de consunção entre os crimes de burla e de apropriação ilegítima de
bens do sector cooperativo, já que este último contém a protecção do mesmo interesse
jurídico que o crime de burla, mas mais valorado e daí que se lhe sobreponha,
• xii) é punido unicamente como homicida (artigo 131º) quem, para ocultar o seu crime,
oculta o cadáver da sua vítima, não concorrendo no caso a sanção pelo crime de
53
São relativamente frequentes os casos de homicídio acompanhado da ocultação ou
destruição do cadáver. No acórdão do STJ de 8 de Junho de 1955, BMJ49208, um tal Rafael
dos Anjos Cristão, ao ver passar José Pimentel "Pé de Cão", na suposição de que ele andava a
requestar a sua mulher, descarregoulhe repetidas e violentíssimas pancadas, matandoo, como
era sua intenção. O Cristão comunicou depois o facto a um seu cunhado e ambos levaram o
cadáver do "Pé de Cão" para o meio de uma seara de centeio, onde o deixaram ficar. Discutiu
se no processo se havia, por banda do cunhado, encobrimento (cf., agora, o artigo 367º) ou
ocultação de cadáver.
Como regra prática, convém alinhar por ordem cronológica os crimes (cr.)
e as condenações definitivas, transitadas em julgado (cond.). Assim,
i) cr.1, cr. 2, cond. 1, cond. 2;
ii) cr. 1, cond. 1, cr. 2, cond. 2;
iii) cr. 1, cr. 2, cr. 3, cond. 1, cr. 4, cr. 5, cond. 2;
iv) cr. 1, cr, 2, cond. 1, cond. 2, cr. 3, cr. 4, cond. 3, cond. 4.
A hipótese i) é de concurso, mas não a hipótese ii), que é de sucessão de
penas, podendo haver reincidência (artigos 75º e 76º). Na hipótese iii) devem ser
aplicadas ao arguido duas penas conjuntas, a primeira engloba as penas
parcelares aplicadas aos cr. 1 e cr. 2, a outra engloba as dos cr. 3 e cr. 4. Também
na hipótese iv) se devem aplicar duas penas conjuntas, uma relativamente aos
cr. 1 e cr. 2, que o arguido cometeu antes do trânsito em julgado da condenação
por qualquer deles; outra relativamente aos cr. 3 e cr. 4, que foram cometidos
depois do trânsito em julgado da cond. 2. Entre estes dois grupos de crimes
interpôsse a cond. 2, verificandose assim o desrespeito pela solene advertência
nela contida. Por essa razão, e porque o contrário é abertamente rejeitado pelo
disposto nos artigos 77º e 78º, é que o Supremo, por acórdão de 4 de Dezembro
de 1997, CJ, 1997III, p. 246, negou o cúmulo jurídico "por arrastamento", e
portanto a formação de uma pena conjunta dos cr. 1 a 4., devendo antes aplicar
se duas penas únicas (conjuntas), como se disse. No acórdão aludese,
incidentalmente, à sucessão de crimes e à reincidência específica.
O cúmulo dito "por arrastamento" contraria os pressupostos substantivos
previstos no artigo 77º, n.º 1, do Código Penal de 1995, e artigo 78º, n.º 1, do
Código Penal de 1982, designadamente por nele se ignorar a relevância de uma
condenação transitada em julgado como solene advertência ao arguido,
quando, relativamente aos crimes que se pretende abranger nesse cúmulo, uns
são anteriores e outros posteriores a essa condenação. 21051998 Processo n.º
1548/97 3.ª Secção. Cf. também o acórdão do STJ de 7 de Fevereiro de 2002, CJ
2002, tomo I, p. 202.
O concurso de crimes, intervindo uma pena relativamente indeterminada
e outra determinada (cf. CJ 1995, I, p. 168, e BMJ44646), suscita problemas
específicos, que se podem pôr igualmente com a aplicação de disposições de
clemência (leis de amnistia), quando algumas penas parcelares são abrangidas
pelo perdão e outras não.
Temse vindo, por outro lado, a entender que o tribunal que proceder ao
cúmulo pode revogar a suspensão da execução de uma ou mais penas
parcelares em concurso ou da anterior pena única, ainda que aplicada em
decisão transitada em julgado, se chegar à conclusão que é injustificada a
bem assim, para os efeitos do n.º 2, do artº 75, do CP, o tempo em que o agente tenha
CASO nº 46A: A e B entram por arrombamento numa moradia cujos donos estão
ausentes, de férias, no estrangeiro. Tanto procuram que acabam por descobrir o sítio do cofre,
implantado numa das paredes da sala, mas não conseguem abrilo com as ferramentas que
transportam. Antes de abandonarem a moradia pela porta das traseiras, aproveitam e enchem
uma mala de viagem com roupas e jóias. Logo ali, porém, A e B decidem voltar na manhã
seguinte e entrar pela mesma porta, para então abrirem o cofre. E acautelamse, levando com
eles a chave da porta, que se encontra ali à mão. No dia seguinte, conforme tinham planeado,
regressam à moradia. Mas também não foi desta vez que conseguiram abrir o cofre. A e B
contentamse com mais umas roupas com que enchem outra mala.
Nos casos de crime continuado existe um só crime. Numa visão material
das coisas, o crime continuado é uma unidade jurídica construída sobre uma
pluralidade efectiva de crimes (Prof. Figueiredo Dias), punível com a pena
correspondente à conduta mais grave que integra a continuação. Na medida em
que o agente deixa de ser punido por cada um desses crimes, a continuação
criminosa aparece como que limitando o campo de aplicação do concurso
efectivo, encontrando a medida da pena a sua razão de ser numa diminuição
considerável da culpa no caso concreto (artigos 30º, nº 2, e 79º). Deve excluirse
contudo a possibilidade de continuação criminosa das condutas que violam
bens jurídicos inerentes às pessoas, salvo tratandose da mesma vítima. Se A,
repetidamente, em dias seguidos, consegue registar em vídeo as cenas da vida
sexual de B e C na intimidade da casa destes, violando de forma plúrima o tipo
de crime do artigo 192º, serão tantos os crimes quantos os sucessivos registos da
imagem de B e de C. Convergindo, porém, no caso os pressupostos da
continuação criminosa, A é autor de dois crimes continuados de devassa, por
serem duas as pessoas atingidas.
1º Deve ser plúrima a realização do mesmo tipo de crime ou de vários
tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico.
Se tiver havido um só desígnio criminoso, o crime háde ser
necessariamente único, já que subsumível a um mesmo tipo criminal, ou seja,
ofensivo de idêntico bem jurídico. Ao invés, se o comportamento do réu revelar
uma pluralidade de resoluções poderseão pôr — e só então — as hipóteses de
pluralidade de infracções ou de crime continuado. Tendo havido mais do que
uma resolução, a regra será o concurso real de crimes, constituindo a
continuação criminosa uma excepção a aceitar quando a culpa se mostre
“consideravelmente diminuída, mercê de factores exógenos que facilitaram a
recaída ou recaídas”. Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 1986, BMJ353240.
Não se trata de uma resolução mas de várias. Pode existir relação de
continuação, por ex., quando as actividades se realizam em parte como
tentativa e em parte na forma consumada ou entre o furto simples e o furto
agravado, mas não entre o furto e a burla. Tratandose de bens eminentemente
pessoais (vida, integridade física, liberdade, honra), excluise igualmente a
forma continuada sempre que sejam afectados diferentes titulares: ex., a morte
de várias pessoas (afirmação que, por desnecessária e resultar da doutrina, não
vem expressa na lei). Deste modo, os casos mais frequentes de continuação
• Uma grande separação temporal entre os diversos crimes e a falta de diminuição da culpa
apreciada no “dolo global”, são factores que podem afastar a continuação criminosa.
• "É justamente em homenagem a uma ideia de menor exigibilidade que o crime continuado
ganha solidez dogmática, mesmo que só se admita, no plano subjectivo, uma "linha
Perante a matéria provada, aceitouse que podia ter havido unidade de resolução,
mas o mesmo não aconteceu com a exigível proximidade temporal entre as concretas
legal da mesma situação exterior, a constituir solicitação para a prática continuada dos
e onde se observa que o advérbio consideravelmente tem uma carga normativa que não
pode ignorarse). A ideia de que a execução se operou num quadro de solicitação que
C foi contrariada pela evidente diferenciação dos locais dos crimes, e das pessoas que
CASO nº 46B: J saiu de casa, dizendo que ia trabalhar, mas munido da espingarda
de caça, calibre 9 mm, devidamente municiada. Com intenção de assaltar alguém, a fim de
obter dinheiro, dirigiuse para uma mata, perto da localidade onde habitava, aguardando que
alguém passasse. Cerca de meia hora mais tarde viu passar E, rapariga que conhecia, mas
deixoua seguir, por acreditar que ela voltaria a passar por ali mais tarde, de regresso a casa,
altura em que certamente traria dinheiro de vendas que ia realizar. Cerca de 3 horas mais
tarde, J apercebeuse da chegada de E ao local, e interceptoua. Acercandose dela, apontoulhe
a espingarda e disselhe para lhe dar a carteira. E, incrédula, procurou minimizar a ameaça da
arma, retorquiulhe que ele estava a brincar e que inclusive tinha vindo da feira com o pai dele.
Porém, J persistiu na ameaça, com a arma, dizendolhe que lhe desse a carteira, pois estava a
falar a sério. E ficou assustada e começou a gritar, enquanto J se aproximava dela, até cerca de
um metro. Nesse momento disparou a arma, atingindo E na cabeça, derrubandoa
instantaneamente. De seguida, J, julgandoa morta, até porque se notava já perda de massa
encefálica, arrastou a vítima, pegandolhe pelos braços, e deslocoua para fora da estrada, até
bem dentro da mata. Aí, tiroulhe a carteira, que somente tinha 600 escudos em dinheiro, que
guardou para si, um fio de ouro, avaliado em 50 contos, e um relógio de pulso, avaliado em
7500$00. Da mesma forma, saíu de casa dois dias depois, com a arma, com intenção de assaltar
alguém para obter dinheiro. Aproximouse do automóvel onde estava F e, quando este o
avistou, logo disparou. Estando o F ferido, ordenoulhe que lançasse para o chão o dinheiro
que trazia, para se apoderar dele. Mais tarde voltou a disparar, por se convencer que viria a ser
descoberto quando a vítima fosse receber tratamento. (Acórdão do STJ de 29 de Maio de
1991, BMJ407205).
J cometeu por duas vezes o crime de roubo do artigo 210º. Para se
apropriar do dinheiro, como pretendia, utilizou violência, ameaçando com o
emprego da arma de fogo que levava consigo para o efeito. Mas a punição do
roubo não consome o homicídio: o artigo 210º bastase com a simples violência.
Reparese que se qualquer dos agentes produzir perigo para a vida da vítima
ou lhe infligir, pelo menos por negligência, ofensa à integridade física grave, a
pena é substancialmente agravada nos termos do respectivo nº 2, a). Por outro
lado, no nº 3 prevêse a morte de “outra pessoa” (e o crime punese então com a
pena do homicídio: artigo 131º), mas nem neste número nem no anterior se
prevê a morte da vítima do roubo. Ao provocar a morte daquelas duas pessoas
com dolo homicida, J cometeu, com o emprego de arma de fogo, dois crimes de
homicídio qualificado: é patente a especial perversidade e censurabilidade,
reveladas pela forma como ambos os crimes foram preparados e executados,
com avidez, e para preparar, facilitar e executar o roubo (alíneas c) e e) do nº 2
do artigo 132º).
dos dois crimes, previsto no artigo 433º do Código Penal de 1886 e aí punido com
legislador une ou funde numa só figura criminosa dois ou mais tipos de crimes
diversos, criando uma disposição complexa de normas penais mais simples (Eduardo
Código actual a figura criminal complexa do latrocínio, pelo que as situações em que
respectivo agente são imputáveis tantos crimes dessa espécie quantas as pessoas
e em que medida, o crime contra as pessoas foi meio para atingir o crimefim (furto),
sendo certo que, se o não foi, pode esse crime ganhar autonomia (como crime de
ameaças, de ofensas corporais, etc.) sem que faça parte do crime de roubo. Por isso é
que, no caso em que um ou mais agentes que irrompem num banco de metralhadoras
clientes que na altura ali se encontram, a todos criando um forte estado de pavor, não
apropriação dos bens objecto da subtracção) nem detêm as coisas objecto do furto
(crimefim), nem têm interesse directo em resistir à subtracção das coisas, nem os
agentes precisam de vencer essa resistência para atingir o seu objectivo. No caso dos
autos, tanto a empregada do estabelecimento como a dona deste tinham à sua guarda
delas tinha de ser vencida para o arguido conseguir fazer entrar na sua esfera
crimefim (furto), podendo concluirse que o arguido praticou, em concurso real, dois
crimes de roubo” (Acórdão do STJ de 16 de Junho de 1994, CJ, acórdãos do STJ, ano
distintas (Acórdão do STJ de 1 de Fevereiro de 1996, CJ, ano IV, t. 1 (1996), p. 198).
CASO nº 46C: Por volta das 2 horas, A quis que lhe vendessem cigarros no bar da
estação do caminho de ferro. Bateu à porta e apareceu L, que, apesar da insistência, se recusou
a atendêlo, por já estar fechado o bar, e que tratou logo de telefonar para a polícia com o
intuito de a alertar. A, não levando a bem a atitude do outro, pegou então num banco com que
desferiu duas violentas pancadas na cabeça de L. Este sofreu fractura da coluna cervical e a
secção da carótida direita, que foram causa directa e necessária da sua morte. A seguir, A
partiu a porta do bar e retirou do interior 10 maços de cigarros, com o valor de 3 contos. A agiu
livre e voluntariamente, representando a morte de L como consequência necessária das
descritas agressões. E com intenção de se apropriar dos maços de cigarros, sabendo que lhe não
pertenciam e que agia contra a vontade do dono.
O * acórdão do STJ de 20 de Março de 1991, BMJ405220, entendeu que A
cometeu o crime de homicídio do artigo 131º — e não do artigo 132º, nºs 1 e 2, e)
— e o crime de furto, em concurso real. Considerouse que a matéria factual não
permitia concluir que o homicídio fora realizado com intenção de preparar,
facilitar, executar ou encobrir o crime de furto. Quanto a este, entendeuse que o
valor diminuto da coisa furtada impedia a agravação. * Se o homicídio é perpetrado
antes da apropriação, visando executála, não deve a violência qualificar a última como roubo,
pois está consumida no primeiro, havendo assim concurso de homicídio e furto (Acórdão da
Relação de Coimbra de 11 de Fevereiro de 1987, CJ, ano XII, t. 1, p. 71). No ac. do STJ de 6 de
Junho de 1990, CJ, 1990, tomo III, p. 17, o arguido furtou a pistola de B e depois disparou contra
B com a mesma pistola, produzindolhe lesões graves: furto e ofensas corporais.
CASO nº 46D: A é empregado num banco e está à frente de duas caixas. Um dia
subtrai de uma delas determinada importância, com a intenção de a repor alguns dias depois.
Porque não consegue, todavia, haver o dinheiro a tempo, encontra como único expediente de
se salvar o de subtrair da outra caixa a mesma importância, pois sabe que esta última só mais
tarde será verificada. Chegado o momento desta ser conferida, como não conseguiu ainda
juntar o dinheiro, faz o inverso, voltando de novo a desfalcar a primeira caixa. Embora sempre
com intenção de repor o dinheiro e procurando de cada vez só ganhar tempo, certo é que
repete o estratagema inúmeras vezes (ex. do Prof. Eduardo Correia, Unidade e
pluralidade de infracções, p. 188).
Nos crimes contra a propriedade (furto, abuso de confiança, etc.) a
actuação do agente pode constituir:
a) um só crime, se ao longo de toda a realização tiver persistido o dolo ou
resolução inicial;
b) um só crime, na forma continuada, se o dolo estiver interligado por
factores externos que arrastam o agente para a reiteração das condutas;
c) um concurso de infracções — em que o número de crimes se determina
nos termos do artigo 30º, nº 1.
• No Código Penal de 1886, o § único do artigo 421º considerava como um só furto o total
das diferentes parcelas subtraídas pelo mesmo indivíduo à mesma pessoa, embora
em épocas distintas. Podia entenderse, e assim aconteceu, que a solução era a oposta
disposição, mas o crime continuado está previsto, como se viu, na parte geral, no nº 2
do artigo 30º.
• Resenha jurisprudencial:
artigo 421º do Código anterior, as diversas subtracções de que seja vítima o mesmo
normalidade dos fenómenos psicológicos, se puder concluir que os vários actos são o
• * Integram o crime continuado de furto qualificado, previsto nos artigos 30º, nº 2, e 297º, nº
dinheiro que totalizavam dois mil contos; b) praticada sempre no mesmo lugar e do
mesmo modo (introdução em farmácia alheia, à mesma hora e pela mesma porta,
utilização do mesmo meio (chave falsa, mandada fabricar pelo arguido, a partir da
chave verdadeira, à aqual teve acesso por virtude das funções que exercia) (Acórdão
de um juízo de censura uno ou plúrimo; o juízo de censura será plúrimo sempre que
furto, embora aqueles objectos pertencessem a ofendidos diferentes, já que neste tipo
• * Comete um só furto e não três o réu que, no âmbito da mesma resolução criminosa e
615).
• * Se a conduta do agente nos revela que em cada actuação houve um renovar da sua
renovar do propósito criminoso for devida a uma situação exterior ao agente que
vez que os objectos estavam normalmente expostos e não ofereciam qualquer espécie
de facilidade para serem furtados, e, assim, impõese a qualificação jurídica dos factos
praticados como concurso real de crimes de furto e não como continuação criminosa.
criminosas, pelo que se verificará apenas um crime, ainda que com pluralidade de
CASO nº 46F: * A continuação criminosa não se verifica quando são violados bens
jurídicos inerentes à pessoa, salvo tratandose da mesma vítima (ac. da Relação do Porto
de 9 de Abril de 1986, BMJ356446).
circunstâncias exteriores que lhe facilitavam a reiteração das suas condutas, mantido
relações de cópula, por três vezes, com a ofendida, então menor de treze anos de
idade, bem sabendo a idade da mesma e que a sua conduta era proibida por lei,
cópula com a vítima, menor de sete anos de idade, a qual violou por duas vezes,
exteriores" não surgiram por acaso em termos de facilitarem o objectivo tido em vista,
de modo a "arrastarem" o arguido para a reiteração das suas condutas, antes foram
facto de o agente esfregar o pénis erecto na vulva e coxas da vítima, então com seis
anos de idade, e ejacular, voltando a fazêlo nas mesmas circunstâncias após tal acto.
Neste caso, o crime continuado só seria possível se a segunda resolução tivesse sido
sexuais, o que vieram a fazer, sucessivamente, e por cinco vezes (Acórdão do STJ de
agente na pessoa da ofendida, mas apenas na medida em que o uso dessa violência
num compartimento e, usando de força, tenta com ela manter relações sexuais (ac. do
exibicionista perante uma criança integram um concurso real de crimes (ac. do STJ de
roubo com violação, pelo que agora cada um dos componentes receberá autonomia
Penal, p. 439).
• * Se o rapto for seguido de violação, haverá concurso de crimes. No caso de ter havido
desistência de queixa pela violação, tal concurso não se verifica, mas nem por isso
deixará de haver perseguição criminal pelo rapto (ac. do STJ de 16 de Maio de 1996,
CJ, ano IV (1996), t. II, p. 182). Cf., ainda, o acórdão do STJ de 10 de Janeiro de 1996,
sexual que são meros preliminares da cópula ou meios de excitação sexual que a
consumação.
172, n.º 1 e 30, n.º 2, do CP, o arguido que ao se aperceber da presença de uma menor
sendo certo que nos quinze dias seguintes, o arguido voltou a encontrar a menor
naquele local e, por duas vezes, reiterou os actos supra descritos. 12031998 Processo
• * Cada um dos três arguidos que conduziram a ofendida, por meio do uso da força física,
para um determinado local, onde cada um deles teve duas vezes relações sexuais com
três crimes de violação na forma continuada, p. p. pelo art. 164, n.º 1, do CP um que
num acidente de viação que tem como consequência a morte de duas pessoas o
involuntário.
de censura sem desrespeito do princípio ne bis in idem. Por isso, no concurso ideal,
sendo a acção exterior uma só, a manifestação da vontade do agente, quer sob a
vontade, tantos juízos de censura, tantos crimes. Nos termos do art. 15º do CP, o
consiste, pois, na omissão voluntária de um dever; não tem por conteúdo o facto e as
ilícito, ainda que de evento plúrimo, o número de juízos de censura não pode
ultrapassar a unidade. A acção negligente do arguido, que com culpa grave deu
causa ao acidente de que resultou a morte de uma pessoa e ofensas corporais noutras
As ofensas à integridade física, porque não fazem parte do tipo de crime, são
• * O ac. do STJ de 8 de Janeiro de 1998, CJ 1998, tomo I, p. 173, considera que se não verifica
como agravantes a ter em conta na fixação concreta da pena. Mas no acórdão do STJ
de 8 de Julho de 1998, CJ 1998, ano VI, tomo II, p. 237, o Supremo considerou que a
construção (artigo 277º, nº 2) e subsumível, por duas vezes (eram duas as vítimas), ao
• * Optando pelo concurso ideal de crimes, num caso de pluralidade de eventos — morte de
texto integral se pode ler na Revista do Ministério Público, ano 19 (1998), nº 76, com
anotação de Paulo Dá Mesquita. Cf., ainda, o texto parcial do mesmo acórdão em CJ,
acórdãos do STJ, ano VI (1998), tomo III, p. 183 e ss. * Sendo oito as mortes verificadas
(por negligência), estáse perante um concurso de crimes, já que por oito vezes se
encontra violado o mesmo dispositivo legal: art.º 136, n.º 1, do CP de 1982 ou art.º
vontade de praticar actos ou omissões de que saísse tal resultado, não pode falarse
inconsciente a ilicitude está intimamente ligada tão só ao não proceder o agente com
• Leiase, com proveito: Pedro Soares de Albergaria / Pedro Mendes Lima, Condução em
criminosa.
Janeiro, o arguido que vinha exercendo, há largos anos, até à sua detenção, uma
vastíssima actividade de compra e venda de heroína, sem que se provasse que ele
tivesse por finalidade exclusiva conseguir droga para o seu consumo, se bem que
fosse consumidor de heroína, ainda que a única droga que lhe fosse apreendida
para aquisição de droga, dado que esta quantidade excede a necessária para o
no art.º 9 da Portaria 94/96, de 2603 e respectivo mapa anexo, o limite máximo para
cada dose média individual diária, para a heroína é de 0,1 gr. Ac. do STJ de 15 de
• Cf., ainda, o acórdão do STJ de 18 de Abril de 1996, CJ, ano IV (1996), p. 170; sumariado no
ou pode ser imputada a uma realização única, e desta forma aquele em que o
resultado típico se obtem logo pela realização da conduta ilícita, de modo que a
real.
autoria; crime continuado — crime de trato sucessivo: é o agente que cria ou fomenta
infracções.
CASO nº 46I: Quando o cheque, mesmo emitido prédatado, podia constituir ilícito
penal se não obtivesse provisão (antes, portanto, da publicação do DecretoLei nº 316/97, de 11
de Novembro), A procedeu ao preenchimento e entrega de vários cheques, ao mesmo tomador
B , no mesmo dia e local, para pagamento de um único débito. B, que apresentou os cheques
a pagamento, mas sem êxito, fez queixas sucessivas contra A. Por sentença transitada em
julgado, decidiuse que A agiu sem dolo na emissão de quatro desses cheques, que não foram
pagos por falta de provisão, e foi absolvido. Num outro processo, julgado posteriormente,
onde estava em causa o preenchimento, assinatura e entrega de mais quatro daqueles cheques,
concluiuse que a questão estava definitivamente prejudicada pela existência daquele caso
julgado: "o caso julgado constitui excepção que obsta ao conhecimento do mérito da causa e dá
lugar à absolvição da instância artigos 288º, nº 1, e), 493º, nº 2, e 494º, i), do Código de
Processo Civil, aplicáveis ex vi do artigo 4º do Código de Processo Penal" (acórdão do STJ
de 17 de Setembro de 1997, BMJ469189).
O tribunal entendeu que, de acordo com o critério de normalidade, tendo
em conta a estreita conexão temporal em que se verificou o preenchimento e
entrega dos cheques, todos ao mesmo tomador e para pagamento de um único
débito, impõese concluir que à conduta de A, fraccionada nos vários actos de
emissão, correspondeu um único processo de determinação ou uma só
resolução. Consequentemente, a verificaremse todos os elementos típicos do
crime em questão, A teria cometido, não tantos quantos os cheques, mas apenas
um único crime de emissão de cheque sem provisão. Em virtude da existência
de uma única resolução e do carácter essencialmente doloso do crime, A só é
passível de um único juízo de censura, a título de dolo. Isso significa que, sendo
aquele juízo de censura (tal como a resolução) incindível, não é lícito excluir o
dolo de A em relação à emissão de algum ou alguns dos cheques e,
simultaneamente, afirmálo quanto aos demais.
Os factos apontados já não integrarão um ilícito penal, como se disse, mas
pode bem acontecer que, noutro qualquer domínio, uma conduta se tenha
naturalisticamente desdobrado em sucessivos actos que encontram a sua
unidade no plano normativo pelas razões apontadas.
A preclusão definitiva de novo e ulterior conhecimento judicial de
qualquer das infracções pode também acudir nos casos em que todas elas se
encontram em relação de continuação. Cf. a anotação no BMJ47895.
• Julgado o arguido por factos integrados numa continuação criminosa, por sentença
quaisquer outros factos integrados nesse crime, mesmo que por eles o arguido não
ao Direito Penal)
igualmente consagrado no artigo 25º do RGIT (Regime geral das infracções tributárias,
II série de 27 de Setembro de 2001: artigo 77º, nº 1, do Código Penal; entendimento quanto a ser
com a redacção original que lhe foi dada pelo DL nº 394/93, de 24 de Novembro, não se
verifica concurso real entre o crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 23º daquele RGIFNA, e
os crimes de falsificação e de burla, previstos no Código Penal, sempre que estejam em causa
apenas interesses fiscais do Estado, mas somente concurso aparente de normas, com
• Acórdão do STJ de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I, p. 220: a pena de prisão, resultante
da conversão da pena de multa, pode ser cumulada com pena de prisão, mas mantém a sua
autonomia como pena parcelar e, por isso, nada obsta a que o condenado efectue o respectivo
• Acórdão do STJ de 10 de Outubro de 2001, CJ, 2001, ano IX, tomo III, p. 189: apesar de ter
crime complexo de roubo. O concurso será aparente, por uma relação de subsidiariedade,
naturalmente associada à prática do crime de roubo, como crimefim. Constitui, pelo contrário,
concurso efectivo quando essa privação da liberdade se prolongue ou se desenvolva para além
daquela medida, apresentandose a violação desse bem jurídico em extensão ou grau tais que a
sua protecção não pode considerarse abrangida pela incriminação pelo crime de roubo.
• Acórdão do STJ de 29032001 proc. nº 128/01 5.ª Secção: Nada obsta a que num cúmulo
jurídico realizado sob a égide do art. 78.º do CP, se não aplique (ou se suprima) uma medida de
suspensão de execução da pena que haja sido determinada em decisão anterior. Mesmo que
razões legítimas de economia processual conduzam a não obstacular que na própria sentença
julgador realize, para efeito do n.º 2 do art.º 78 do CP, uma operação de cúmulo jurídico, ainda
assim e no concernente a esta particular incidência, terá de proceder de forma a que a dita
de cúmulo jurídico, de algum modo pela mesma ratio em que se radica a nulidade
contemplada na al. b) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP (também ela ligada à garantia de uma
defesa integral), e sob outro prisma, pela circunstância de ajuizar de questão de que o tribunal
exigido (cfr. artigos 472º e 379º, nº 1, al. c), do Código de Processo Penal.
• Acórdão da Relação de Coimbra de 10 de Janeiro de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo I, p.
47: concurso de crimes: burla informática e furto, artigos 203º e 221º — A apropriouse
titular, durante uns 20 dias foi retirando dinheiro das caixas bancárias respectivas.
• Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de Novembro de 1996, CJ, ano XXI (1996), tomo V,
p. 52: pratica dois crimes de difamação, por ofender a honra e consideração de dois ofendidos,
aquele que, dirigindose a outras pessoas, afirmou que "o A e o B andam a sair todos os dias
65: pratica dois crimes de omissão de assistência material à família (197º CP82) e não apenas
um, o arguido que tendo sido condenado a pagar alimentos a duas filhas menores,
• Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Janeiro de 2001, CJ, ano XXVI 2001, tomo I, p. 142:
montantes: unidade de desígnio criminoso — um único crime de falsificação do artigo 256º, nºs
1, a), e 3.
• Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Novembro de 1992, CJ, ano XVII (1992), tomo V, p.
omissão de auxílio cometemse tantos ilícitos quantas as vítimas deixadas sem socorro.
• Acórdão da Relação do Porto de 11 de Dezembro de 1996, CJ, ano XXI (1996), tomo V, p.
242: comete um só crime e não dois o arguido encontrado com duas navalhas no bolso das
calças. Havendo uma só resolução criminosa e estando em causa o mesmo tipo legal de crime,
este háde ser necessariamente único, qualquer que seja a configuração naturalística da acção.
239: o crime de fraude fiscal artigo 23º, nº 3, e), do RJIFNA, na redacção do DL nº 394/93, de
• Acórdão da Relação do Porto de 29 de Março de 2000, CJ ano XXV (2000), tomo II, p. 238:
• Acórdão do STJ de 4 de Novembro de 1992, CJ, ano XVII (1992), tomo V, p. 5: descoberta
da prática de actos ilícitos idênticos a outros pelos quais o agente já tenha sido julgado;
• Acórdão do STJ de 10 de Maio de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 184: havendo perdões
previstos em várias leis, aplicáveis apenas a algum ou alguns dos crimes, na determinação da
pena única há que proceder a cúmulos parciais sobre os quais se aplicará o perdão, entrando os
remanescentes, a final, com as penas dos crimes a que se não aplicou o perdão. Tem voto de
vencido .
especialidade e consunção entre o direito tributário e o direito penal, consagrando o artigo 13º
do RJIF não Aduaneiras o princípio de não verificação de concurso real com incriminações e
penas do Código Penal, quando as condutas põem em causa apenas os interesses do Fisco.
depois de julgado o agente por factos constitutivos de um crime continuado; caso julgado.
única resolução que se mantém e preside à prática de todos esses actos, o crime é
necessariamente único. O Acórdão aborda ainda a questão dos poderes de cognição do juiz em
sucessivo dos efeitos de diversas atenuantes especiais aplicáveis ao agente, num caso de
menoridade imputável.
• Acórdão do STJ de 14 de Abril de 1999, CJ, acórdãos do STJ, ano VII, tomo 2, p. 174:
para se apoderarem do dinheiro que levava, matam o motorista do taxi e depois o conduzem
Decreto nº 20.146, sempre admitiu tal categoria de infracções (crime contínuo ou continuado),
sem a restringir ao furto (por exemplo, Navarro de Paiva, Estudos de Direito Penal, pág. 59;
Caeiro da Mata, Direito Criminal Português, vol. 2º, pág. 208; sem qualquer reserva, jà Pereira e
• Acórdão do STJ de 16 de Junho de 1994, CJ de Acórdão do STJ, ano II, tomo 2, p. 253: é
praticados, determinar previamente se e em que medida o crime contra as pessoas foi meio
desenvolvimentos.
resultante do concurso de crimes é afastada desde logo a possibilidade de aplicação das penas
de substituição às penas parcelares e tem como limite máximo as somas destas e no limite
mínimo a mais elevada das penas parcelares. Uma vez encontrada esta moldura penal, então a
pena única tem de ser determinada com base nos factos e na personalidade do agente, tendo
fundamentos, ser revogada a suspensão de uma ou mais penas parcelares em concurso, ainda
arguido uma “carreira criminosa”, pode ser atribuído à pluralidade de crimes um efeito
deve ser considerada a pena declarada extinta pelo decurso do prazo da suspensão. No
momento da sua realização, o tribunal deve ter em conta a personalidade do arguido e a sua
conduta posterior aos factos, devendo, para o efeito, efectuar as diligências que entender
necessárias.
determinado indivíduo relativamente a várias pessoas, sãolhe imputáveis tantos crimes dessa
• Acórdão do STJ de 18 de Outubro de 2000, CJSTJ, ano VIII (2000), tomo III, p. 205: cúmulo
jurídico com penas que não beneficiam de perdão. Concorrendo no mesmo cúmulo jurídico
penas beneficiárias de perdão com penas não beneficiárias de perdão, deve procederse
jurídico das penas beneficiárias de perdão, o qual perdão só será aplicado, depois e a final, à
pena única que resultar do cúmulo da totalidade das penas parcelares; não se procederá assim,
porém, quando o perdão exceder a pena única resultante do subcúmulo das penas parcelares
abrangidas pelo perdão; em tal hipótese, o perdão deve ser aplicado de imediato, uma vez que
extingue tal pena, restando então a pena ou penas que não beneficiam do perdão.
concurso de infracções.
falsificação e burla.
• Acórdão do STJ de 5 de Julho de 2000, CJ 2000, tomo II, p. 234: deve continuar a seguirse o
burla do artigo 228º, nº 1, alínea a) e do artigo 313º, nº 1, do CP, verificase concurso real ou
efectivo de crimes”.
vezes que essa conduta desenhou o mesmo tipo legal de crime; falsificação e burla.
• Acórdão do STJ de 23 de Novembro de 2000, CJSTJ, ano VIII (2000), tomo III, p. 217:
quando o arguido tenha sido condenado em pena de prisão por crime que não beneficia de
perdão, nos termos da Lei nº 29/99, e doutro que dela beneficia, o cúmulo jurídico só se faz
depois de aplicado o perdão à pena do crime que dela beneficia; tendo o arguido sido
meses por um crime de tráfico, que dele não beneficia, há que perdoar um ano ao crime de
roubo e fazer o cúmulo do remanescente (6 meses) com a pena de 16 meses do tráfico. Tem um
anotação.
• Acórdão do STJ de 24 de Maio de 2000, CJ ano VIII (2000), tomo 2, p. 204: no caso de
também as penas que foram consideradas em cúmulo anterior, mesmo que extintas, total ou
crime continuado, transcrevendo as quatro situações exteriores referidas pelo Prof. Eduardo
• Acórdão do STJ de 24 de Novembro de 1999, CJ ano VII (1999), tomo 3, p. 206: cúmulos
parciais por existência de perdões previstos em várias leis, aplicáveis apenas a algum ou alguns
dos crimes; concurso dos remanescentes com as penas dos crimes a que se não aplicou o
perdão.
• Acórdão do STJ de 28 de Abril de 1999, Revista do Ministério Público, ano 20 (1999), nº 79,
ou meio fraudulento exigido pela figura criminal da burla compreende a prática de uma
redacção do art.º 217, n.º 1, do Código actual, ser idêntica à do correspondente artigo do
Código de 1982, deve regressarse ao entendimento de que o crime de burla consome o crime
de falsificação, quando cometido através desta. Relator: Cons. Sá Nogueira. Tem voto de
vencido).
• Acórdão do STJ de 3 de Julho de 1996, CJ, ano IV (1996), tomo II, p. 210: A e B ataram as
valores que fizeram seus, abandonando depois o local e ficando C amarrado no interior da
de 2001, CJ, ano XXVI (2001), tomo V, p. 132 (automobilista que dá boleia aos ladrões que se
para outro local, contra a sua vontade. Acórdão do STJ de 6 de Março de 2002, CJ 2002, tomo I,
p. 222: com o entendimento de que o sequestro necessário à execução do roubo no ATM não se
manteve para além do necessário à consumação do roubo e, como tal, não concorreu
efectivamente para ele (tem voto de vencido). Acórdão do STJ de 18 de Abril de 2002, CJ 2002,
tomo II, p. 178: podem coexistir, em concurso real, os crimes de roubo e de sequestro, quando o
agente, para subtrair bens ao lesado, antes ou depois de a subtracção ser consumada, para além
ameaças.
crédito e crime de burla informática; há concurso real, verdadeiro ou puro, quando os tipos
penais preenchidos pela conduta do agente, não estando em relação de hierarquia, surgem
dos bens, valores e interesses jurídicos protegidos e autonomia perante cada ilícito praticado.
• Acórdão do STJ de 8 de Janeiro de 1998, CJ 1998, tomo I, p. 185: conduta que preenche os
concurso real).
previsões da falsificação e da da burla — “são diversos e autónomos, entre si, o bem jurídico
violado pela burla e o bem jurídico protegido pela falsificação (...), ou sejam, respectivamente, o
sociais”.
1, alínea a), e do artigo 217º, nº 1, respectivamente, do Código Penal, revisto pelo DecretoLei nº
• A. Harald Greib, Verblüffend einfach: Die nachträgliche Bildung der Gesamtstrafe nach §§
• Adelino Robalo Cordeiro, A determinação da pena, Jornadas de Direito Criminal, Vol. II,
CEJ, 1998.
(1943), p. 337.
• Cuello Calón, Derecho Penal, tomo I (Parte General), vol. 2º, 16ª ed., p. 648 e ss.
• Germano Marques da Silva, Notas sobre o regime geral das infracções tributárias, Direito e
apontamentos das Lições, coligidos pelo aluno Vítor Hugo Fortes Rocha, AAFD, Lisboa, 1952.
• Hans Welzel, Das Deutsche Strafrecht, 11ª ed., 1969, parcialmente traduzido para espanhol
por Juan Bustos Ramírez e Sergio Yáñez Pérez com o título Derecho Penal Aleman, Editorial
• Jorge de Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade, O crime de fraude fiscal no novo
1993, p. 276.
• Klaus Geppert, Grundzüge der Konkurrenzlehre (§§ 52 bis 55 StGB), Jura 1982, p. 358 e ss.
e 418 e ss.
• Klaus Geppert, Grundzüge der Konkurrenzlehre (§§ 52 bis 55 StGB), Jura 2000, p. 598 e ss.;
e p. 651 e ss.
• Manuel Cavaleiro de Ferreira, Direito Penal Português, Parte geral, II, Ed. Verbo, 1982.
• Manuel Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte geral, I, Ed. Verbo, 1992.
RPCC, 2 (1991).
• Nuno Sá Gomes, Evasão fiscal, infracção fiscal e processo penal fiscal, Centro de Estudos
(6351) relator António Silva Henriques Gaspar (crime permanente; crime de deserção).
• Paulo Dá Mesquita, O concurso de penas, Revista do Ministério Público, ano 16º, nº 63, p.
21.
ilícito negligente unidade criminosa e concurso de crimes princípio da culpa. RPCC 6 (1996).
em lei anterior"; "… expressamente cominadas em lei anterior"; "… por lei
anterior ao momento da sua prática" (artigo 29º, nºs 1 e 3, da CRP; artigo 1º,
nº 1, do CP).
Uma lei vigora desde o momento temporal em que entra em vigor até ao
momento temporal em que deixa de estar em vigor, tem um início e um termo
de vigência formal. Todavia, a eficácia normativa da lei penal, por força do
princípio constitucional da lei favorável, estendese, muito frequentemente, para
aquém (retroactividade) e para além (ultraactividade) da sua vigência formal
(Taipa de Carvalho).
crime também se alterou, pelo que seria injusto castigar com uma pena, ou com
uma pena mais grave, que já não convence no momento em que deveria impor
se (Cobo del Rosal / Vives Antón).
• 2. O facto punível segundo a lei vigente no momento da sua prática deixa de o ser se uma
lei o eliminar do número das infracções; neste caso e se tiver havido condenação, ainda que
diferentes das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que
concretamente se mostra mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por
a) de “total” descriminalização
ou
b) em que a lei nova continua a punir o comportamento, mas com base
num fundamento não coincidente com o que subjazia ao direito anterior ou
seja, quando a sua qualificação como crime tenha em vista a tutela de outro bem
jurídico.
Por razões óbvias, semelhante conclusão não vale para os casos em que a
lei nova, continuando a proteger o mesmo bem jurídico, se limita a converter
um crime de perigo (concreto ou abstracto) num crime de dano. Nesta hipótese,
a respeito das condutas perpretadas durante a vigência do direito anterior, que
se apresentam subsumíveis na lei actual, não se verifica qualquer
descriminalização, passando a observarse o disposto no nº 4 do artigo 2º do
Código Penal.
Por ex., a lei nova não alterou o tipo legal, mas modificou a pena: a lei mais
favorável é a que possibilita a sanção mais suave no caso concreto (método de
consideração concreta).
geral de punição deste crime, quem causando prejuízo patrimonial: a) Emitir e entregar a
outrem cheque de valor superior ao indicado no artigo 8.° que não foi integralmente pago por
falta de provisão, verificada nos termos e prazos da Lei Uniforme relativa ao cheque; b)
Fazendo incidir a nossa atenção sobre este preceito penal, somos forçados
a concluir que, se os factos constantes do presente processo tivessem deflagrado
após a entrada em vigor do decretolei em questão, a conduta da A enquadraria
o drama estatuído no artigo 11º, nº 1, alínea b), e punido pelas disposições
combinadas dos artigos 313º, nº 1, e 314º, alínea c), do Código Penal.
das estabelecidas em leis posteriores, será sempre aplicado o regime que concretamente se
mostre mais favorável ao agente, salvo se este já tiver sido condenado por sentença transitada
em julgado.»
Tal escopo implica, assim, uma indagação junto de cada uma das
disposições legais citadas.
agravada previsto e punido pelos artigos 313.° e 314.°, alínea c), do Código Penal de 1982.
Actualmente, em face do Código Penal revisto de 1995, tendo em atenção o valor do prejuízo e
o valor da unidade de conta à altura dos factos, o comportamento dos arguidos é previsto e
punível pelas disposições combinadas dos artigos 202.°, alínea b), 217.°, n.° 1, e 218.°, n.° 2,
alínea a), havendo, no entanto, quanto ao C, a quem é extensivo o recurso, de ser tomado em
consideração o que agora se dispõe nos artigos 218.°, n.° 3, e 206.° do citado Código revisto.
Relativamente ao anterior acórdão deste Supremo Tribunal, proferido com base no Código
Penal de 1982, pode afirmarse que, nessa base, ficou esgotado o poder jurisdicional, não
podendo modificarse o que foi decidido. O tipo de burla agravada, com que lidou o anterior
acórdão, sofreu alterações na sua passagem para o Código Penal revisto de 1982, ao nível das
reparação desse prejuízo, mantendose a acção típica do tipo legal de burla do Código
posterior no restante e não havendo modificações na definição da auto ria constante do artigo
numa consequente menor necessidade legal de prisão aplicada, pelo que o novo
regime jurídico lhe é mais favorável em concreto.
arguido, o tribunal deve verificar quais as penas que lhe caberiam pelos
Assim, para efeitos do disposto no artigo 2.°, n.° 4, há que apurar qual dos
regimes é o concretamente mais favorável ao arguido.
No Código de 1995, o mesmo crime é punido com prisão até cinco anos
[artigo 265.°, n.° 1, alínea a)]. Como o circunstancialismo provado não faz
aproximar a medida da pena do mínimo legal, a medida concreta da pena não
se altera. Tem, pois, aplicação ao crime de passagem de moeda falsa o Código
Penal de 1982.
Penais, pág. 218), a queixa é uma condição de punibilidade, pois só com a sua ocorrência o
ser posta para favorecer o réu não impede que a situação que objectivamente dela resulta seja
tem a sua fonte no artigo 2.° do Código Penal italiano o qual, no entender de M.
Leone (ob. cit. de T. de Carvalho, pág. 220) se aplica «não apenas à norma
substantiva mas também a toda a larga esfera de normas processuais que toca o
interesse do arguido». Portanto, em abstracto, uma lei que transforma um crime
público em crime semipúblico é mais favorável ao arguido que a anterior. E sê
loá em concreto se queixa não houve. Foi o que aconteceu in casu. Os ofendidos
não apresentaram queixa. O MP deduziu a acusação sem prévia dedução de
queixa dos ofendidos e tinha legitimidade para tal porque a lei ao tempo
vigente tratava o crime de burla simples como crime público. Acontece, porém,
que, com a entrada em vigor das alterações de 1995, a queixa passou a ser
obrigatória, pelo que a mesma devia ter sido formulada no prazo de seis meses
a contar da data da entrada em vigor da lei nova —1 de Outubro de 1995 (artigo
115.° do Código Penal). Não o tendo sido, o direito de queixa dos ofendidos
extinguiuse por caducidade, e, automaticamente, o MP perdeu a legitimidade
para acompanhar o procedimento criminal e, retroactivamente, perdeu a
legitimidade para deduzir a acusação.
• Não se diga que, sendo a acusação um acto de natureza processual, se encontra abrangida
pelo regime do artigo 5.°, n.° 1, do CPP, segundo o qual a lei processual penal é de aplicação
imediata mas não se aplica aos actos processuais validamente celebrados anteriormente. Como
refere A. Taipa de Carvalho (ob. cit., pág. 226), aquele artigo 5.° só se refere às normas
processuais penais formais. Por isso, em concurso aparente da norma daquele artigo 5.° com a
do n.° 4 do artigo 2.° do Código Penal, esta sempre prevalecerá, por constituir um instrumento
Portuguesa.
equivaleria a tirar com uma das mãos aquilo que se dera com a outra.
a legitimidade para a respectiva acção penal, pelo que tudo se passa como se o
arguido não tivesse sido acusado pelos crime de burla. Ac. do STJ de 9 de
outubro de 1996, BMJ420564.
tem de ser feita em bloco e não como recurso aos aspectos parcelares mais
(art.º 120.°, n.º 2) e que o mesmo foi interrompido com a notificação para as primeiras
do despacho de pronúncia (4/05/94), considerando que a partir desta última data o referido
prazo esteve suspenso durante três anos art.º 119.º, n.º s 1 al. b), 2 e 3 em momento algum se
completou o referido prazo de dez anos. Também não decorreu o prazo que resulta da regra do
n.º 3 do art.º 120.º prazo normal da prescrição, acrescido de metade e ressalvado o tempo de
suspensão contado desde a data dos factos (30/09/83), prazo que se completará apenas em
30/09/2001.
no sentido de aplica ao condenado o regime que se mostre, em concreto, mais favorável, face às
circunstâncias do caso, devendo optarse por tal regime penal em bloco e não pela combinação
de normas do regime anterior com normas do regime penal novo". Acrescentase ainda no
mesmo acórdão: “Designadamente, é claramente violador do espírito do art.º 2.º, n.º 4, do CP, o
• Acórdão de 11/02/98, Proc. 1339/98, 3.ª Secção: «Verificado que o regime do Código Penal
de 1982, é o concretamente mais favorável ao agente, deve o mesmo ser aplicado na sua
totalidade, pelo que os critérios de suspensão da execução da pena e suas condições devem
• Acórdão de 1/04/98, Proc. 22/98, 3.ª Secção “Também no que respeita à prescrição do
aplicação global ou em bloco: será um único regime para a prescrição e quanto à medida das
penas”.
• Acórdão de 07/05/86, Proc. 38329, 3.ª Secção: “A opção pelo regime mais favorável art.º
2.º, n.º 4, do CP/82 significa aplicação de toda a nova estrutura de normas conexas com a da
fala em executoriedade da lei mais benigna tem de entender–se que a reformatio in melius só
caso em apreço, deve em relação a cada um deles aplicarse o CP/82 e o CP/95, em bloco,
• Acórdão de 08/02/96, Proc. 48863, 3.ª Secção: «...tem sido jurisprudência pacífica que na
aplicação da Lei Penal mais favorável, deve escolherse em bloco um dos regimes, não sendo
lícito respigar deles disposições isoladas. Todavia, nada obsta a que a um crime se aplique o
regime do Código Penal revisto e a outro se aplique antes o regime do Código Penal anterior,
dado tratarse de crimes em concurso real. Tal como já se decidiu, a determinação da lei como
regime concretamente mais favorável para o réu deve ser feita em relação a cada uma das
infracções cometidas por este, o que pode implicar a aplicação, quanto a crimes da mesma
• Acórdão de 05/96, Proc. 41/96, 3.ª Secçâo: «Para adequada obediência ao comando do art.º
2.º, n.º 4, do CP, o regime concretamente mais favorável ao agente é apreciado, antes de mais,
em relação a cada um dos factos punívels”. Ac. de 10/10/96, Proc. 436/96, 3ª Secção: “A
aplicação da lei mais favorável é feita em relação a cada uma das infracções cometidas pelo
arguido".
“Mas mesmo para esta jurisprudência, como se realça nalguns dos arestos
citados, a determinação do regime em concreto mais favorável, quanto a cada
um dos ilícitos cometidos em concurso real, terá de ser aplicado em bloco,
abrangendo não só a questão da medida da pena, mas também o modo de
execução desta, bem como todos os pressupostos da punibilidade, condições de
procedibilidade ou modos de extinção do procedimento criminal
nomeadamente no que concerne à prescrição. Nunca, até ao presente momento,
se admitiu nos tribunais portugueses a ideia defendida pelo recorrente, da
"miscigenação" de regimes, aproveitando de cada um deles o que mais
conviesse aos interesses do agente do crime. Isso seria criar novos regimes, e
não aplicar o mais favorável de entre os vigentes desde a prática do ilícito até à
decisão E o intérprete, ou o aplicador do direito, não se podem substituir ao
legislador, criando novos regimes punitivos, em matéria sujeita a reserva de Lei
da Assembleia da República.
1
. Diferentemente, defendendo que se trata de uma despenalização, J. Faria Costa, Noções
fundamentais de Direito Penal (1999), § 32, e já na nota (5) da Separata do Vol. LXII (1986) do BFD.
caso, ela desapareceu. É certo que não passou de crime a acto lícito, se
considerarmos a globalidade da ordem jurídica sancionatória. Mas, partindo da
premissa da especificidade do ilícito criminal—afastando portanto a velha ideia
da unicidade da ilicitude, combatida por diversidade de modos, o mais grave
dos quais seria o penal—, o que verdadeiramente importa para a questão que
nos ocupa não é o que a conduta passou a ser, mas sim o que deixou de ser. O
facto de se ter dado uma degradação de um ilícito de uma natureza a outro de
outra natureza e de ambos pertencerem ao género sancionatório terá relevância
para a questão que se passa a analisar. A nova lei da droga cria um problema
delicado—não original, mas sempre difícil: o de saber como tratar o agente que
praticou a conduta proibida quando ela se considerava crime e vai ser julgado
numa altura em que o legislador a vê como contraordenação. O intérprete
parece, em hipóteses como esta, ficar aprisionado por uma dupla corrente: a das
normas garantísticas—princípio da legalidade—que impõem, tanto para o
crime como para a contraordenação, que ninguém sofra pena ou coima se estas
não forem determinadas pela lei vigente no momento da prática do facto e a das
normas de equidade que procuram que todos os culpados beneficiem das
mudanças de valoração do legislador, nos termos do princípio da aplicação
retroactiva do regime mais favorável ao agente (artigos. 1.° e 2.° do CP e artigos.
2.° e 3.° da leiquadro das contraordenações). Aprisionado, dizíamos, porque o
sentido da justa solução do caso concreto gritarlheá, com certeza, que o jogo
desses princípios em situações de conversão de crimes em contraordenações
dará lugar a flagrantes injustiças materiais. Com efeito, por que razão deverá
passar sem punição alguém que praticou um facto que a ordem jurídica
continua a reprovar, embora de outra forma? Se o legislador tivesse diminuído a
pena, o agente seria punido por essa mais leve. Se a lei diminuísse o montante
da coima, o condenado pagaria menos, mas pagaria. Mais e tornando ao
problema concreto: quem consumir droga a partir de 1 de Julho praticará um
ilícito de mera ordenação social e aplicarlheão uma coima; quem a tiver
consumido no dia anterior, terá cometido ainda um crime e por isso mesmo não
conhecerá qualquer sanção! Julgamos que é possível, sem necessidade de torcer
conceitos, encontrar saída para a prisão dogmática em que parece estar metido
o intérprete. Para tal, convém adentrarmonos não tanto na letra quanto na
lógica, na teleologia do regime resultante dos artigos acima citados. Com toda a
certeza, late neles uma ideia garantística e têm como finalidade óbvia obstar à
arbitrariedade punitiva, por um lado, e à injustiça relativa, por outro. O
legislador não quer que o factor tempo (tantas vezes aliado ao factor sorte ou
azar) distorça a relação punitiva, obrigue o agente a sofrer mais do que em cada
momento a ordem jurídica quer que sofra pelo ilícito cometido. Nalguns casos,
por impraticabilidade de uma outra solução, a lei tolera mesmo alguma
excepção a este princípio: nas hipóteses do art. 2.°, n.° 4, do CP, o condenado
por sentença passada em julgado não beneficia de uma mudança de regime
sancionatório. Parece estar bem longe do espírito (da teleologia) da norma a
ideia (a suspeita sequer) de que a teia garantística que forja dê lugar a vazios de
punição. Perante isto, está o intérprete obrigado a “buscar o direito através da
lei” (2), a encontrar na linguagem do texto a forma de não trair o seu significado.
No caso que nos ocupa, julgamos poder dizer que a reserva de lei anterior,
exigida para as contraordenações, deve ser observada sempre que antes dessa
lei existisse o “nada” sancionatório; já não—por evidente ausência de
necessidades garantísticas—nas hipóteses em que, em momento anterior, sem
qualquer solução de continuidade, a mesma conduta estivesse proibida pelo
direito sancionatório de ultima ratio, o direito penal. Melhor dizendo: a reserva
de lei anterior rege sem excepção; só que umas vezes—a quase totalidade—essa
lei tem natureza contraordenacional, outras—muito poucas—carácter criminal,
i.é, força proibitória acrescida. Cremos poder afirmar ainda que o n.° 2 do art.
2.° do CP vale para os casos em que a conduta desapareceu de qualquer ramo
do direito sancionatório (foi “eliminada do número das infracções”) e o n.° 4
para aqueles outros em que o regime sancionatório se tornou mais favorável ao
arguido, quer por se ter operado uma despenalização (crime, mas pena
inferior), quer por o ilícito ter sido degradado, mudado de ramo sancionatório
(de delito para contraordenação). Também neste caso “as disposições penais
vigentes no momento da prática do facto punível são diferentes das
[disposições, o código não diz que tenham de ser necessariamente penais]
estabelecidas em leis posteriores”. Na prática, isto quer dizer que quem
consumiu droga ainda na vigência da lei incriminadora verá a sua sanção
converterse em coima, a não ser que tenha já passado em julgado a sentença
que o condenou. Poderseia perguntar se não seria mais fácil aderir à tese de
quem não vê diferença substancial, já ao nível do ilícito, entre crime e contra
ordenação e entende, por conseguinte, que estamos, com a nova lei da droga,
em face de uma mera despenalização. Sempre pensámos que uma facilidade de
solução num campo concreto não justifica uma distorsão da boa teoria. A
2
. A expressão é de Manuel de Cavaleiro Ferreira e encontra-se no Prefácio ao seu Direito Penal
Português, Verbo, 1982, no seguinte contexto: “A lei não é a essência, a quididade do Direito. Uma
concepção normativa do Direito não deve confundir-se com um entendimento normativista do Direito. Há
que pensar o Direito antes da lei, buscar o direito através da lei. Autonomizar a lei, limitando-a à expressão
da vontade do Poder, é absolutizar o Estado, relativizando o Direito”. (Notas da Autora do texto a que se
recorre).
11. Jurisprudência
23 de Setembro.
redacção dos seguintes artigos: 5.”, 7.°, 10.°, 83.°, 84.°, 86.°, 101.°, 102.°, 113.”,
120.”, 121.°, 132.°, 138.°, 150.°, 152.°, 155º, 158.°, 160.°, 161.°, 163.°, 164.°, 165.°,
166.°, 167.°, 169.°, 170.°, 172.°, 173.°, 174º, 175.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.°, 180.°,
181.”, 184.”, 185.”, 221º, 222.°, 223.°, 227.°, 228.°, 229.”, 240.”, 275º, 287.°, 320.°,
321.°, 335º, 344º, 358º e 364.° do Código Penal, aprovado pelo DecretoLei nº
em Portugal e não possa ser extraditado (artigo 5.°), sobre os limites mínimo e
não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida acusação (artigo 152.°),
101.°, 291.°, 292.° e 294.° do Código Penal. Não tem indicação da data da entrada em vigor.
seguintes artigos: 255º, 265º e 266º. Não tem indicação da data da entrada em
vigor.
seguintes artigos: 169º, 170º, 172º, 176º e 178º. Não tem indicação da data da
entrada em vigor.
redacção dos artigos 335º, 372º, 373º e 386º [e introduz alterações à Lei nº 34/87,
Janeiro de 2002.
Adenda: O artigo 8º do DecretoLei nº 323/2001, de 17 de Dezembro, deu nova redacção
ao artigo 47º, nº 2, do Código de Processo Penal: “Cada dia de multa corresponde a uma
quantia entre € 1 e € 498,80, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira
do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Coimbra, 1995
Cobo del Rosal/Vives Antón, Derecho Penal, Parte General, Valencia, 1984
Marmor, Direito e Interpretação, Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 445; sobre a
tempo.
1978.
de Setembro.
redacção dos seguintes artigos: 5.”, 7.°, 10.°, 83.°, 84.°, 86.°, 101.°, 102.°, 113.”,
120.”, 121.°, 132.°, 138.°, 150.°, 152.°, 155º, 158.°, 160.°, 161.°, 163.°, 164.°, 165.°,
166.°, 167.°, 169.°, 170.°, 172.°, 173.°, 174º, 175.°, 176.°, 177.°, 178.°, 179.°, 180.°,
181.”, 184.”, 185.”, 221º, 222.°, 223.°, 227.°, 228.°, 229.”, 240.”, 275º, 287.°, 320.°,
321.°, 335º, 344º, 358º e 364.° do Código Penal, aprovado pelo DecretoLei nº
estrangeiro desde que o mesmo seja encontrado em Portugal e não possa ser extraditado
(artigo 5.°), sobre os limites mínimo e máximo da pena relativamente indeterminada (artigos
83.°, 84.° e 85.°), sobre suspensão e interrupção do procedimento criminal (artigos 120.° e 121.°),
interesse da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida
como a agravação de crimes contra a liberdade e a auto determinação sexual (Capítulo V), a
emprego (artigo 222.°), a reformulação do tipo de falência não intencional, agora designada de
(artigos 275.°). Pela mesma Lei é dada nova redacção ao artigo 2.° do DecretoLei n.° 325/95, de
6. Sexta alteração: Lei nº 77/2001, de 13 de Julho: altera a redacção dos seguintes artigos:69.°,
101.°, 291.°, 292.° e 294.° do Código Penal. Não tem indicação da data da entrada em vigor.
seguintes artigos: 255º, 265º e 266º. Não tem indicação da data da entrada em vigor.
seguintes artigos: 169º, 170º, 172º, 176º e 178º. Não tem indicação da data da entrada
em vigor.
ARMAS
1. CASO nº 1.
A foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado, na forma tentada, praticado
com um cutelo, com uma lâmina de cerca de 10,5 cm de comprimento e 3,5 cm de largura, de
natureza cortante e perfurante, com um potencial de agressão letal (artigos 210º, nºs 1 e 2,
alínea b), 22º, 23º, e 73º, e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal), em concurso real com um crime
de detenção de arma proibida dos artigos 275º, nºs 1 e 3, do CP, e 3º, nº 1, alínea f), do Decreto
Lei nº 207A/75, de 17 de Abril). A foi, na sua vida profissional activa, vendedor, encontrando
se actualmente reformado.
O art. 275º (55) do Cód. Penal foi objecto de alteração pela Lei n° 98/01, de
25 de Agosto, através da qual se alarga o âmbito do tipo legal e se agravam
54
Para uma enumeração detalhada v. Maia Gonçalves, Código Penal Português, 13ª ed.,
1999, p. 813; e Parecer da PGR, n° 62/97, de 26/02/98, publicado no DR nº 193, de 31/07/98;
Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense, Tomo II, 1999, p. 893/4. Cfr. também a Lei
n' 6/97, de 12 de Abril (armas e explosivos em recintos públicos).
552
Na sua redacção anterior: 1. Quem importar, fabricar, guardar, comprar, vender,
ceder ou adquirir a qualquer título, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo
engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para a fabricação de gases tóxicos ou
asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade
competente, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa. 2. Se as condutas
referidas no número anterior disserem respeito a engenho ou substância capaz de produzir
explosão nuclear, o agente é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos. 3. Se as condutas
referidas no nº 1 disserem respeito a armas proibidas, nestas se incluindo as que se destinem a
projectar substâncias tóxicas, asfixiantes ou corrosivas, o agente é punido com pena de prisão
até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
algumas penas. Todavia, a remissão para as condições legais fixadas extra Cód.
Penal e para as prescrições administrativas mantémse. Uma parte das armas
proibidas passou a estar incluída no n° 1 desse art. 275°, sujeitandose as
condutas elencadas a penas mais graves, continuando as outras sob alçada da
legislação extravagante, mas sendo as infracções puníveis com a mesma pena
que no regime anterior (56)
563
A redacção actual do art. 275º é a seguinte: 1. Quem importar, fabricar ou obtiver por
transformação, guardar, comprar, vender, ceder ou adquirir a qualquer título ou por qualquer
meio, transportar, distribuir, detiver, usar ou trouxer consigo arma classificada como material
de guerra, arma proibida de fogo ou destinada a projectar substâncias tóxicas, asfixiantes,
radioactivas ou corrosivas, ou engenho ou substância explosiva, radioactiva ou própria para
fabricação de gases tóxicos ou asfixiantes, fora das condições legais ou em contrário das
prescrições da autoridade competente, é punido com pena de prisão de 2 a 5 anos. 2. Se as
condutas referidas no número anterior disserem respeito a engenho ou substância capaz de
produzir explosão nuclear, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos. 3. Se as
condutas referidas no nº 1 disserem respeito a armas proibidas, não incluídas nesse número, o
agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
armas de fogo permitidas e armas de fogo proibidas de acordo com a distinção feita pelo
DecretoLei nº 207A/75, de 1 7 de Abril (conceitos que não vierarn a ser redefinidos por
legislação posterior, facto que era do conhecimento do legislador); c) Que pretendia reacção
criminal apenas para as armas de fogo proibidas (o que é expressamente referido pelo
Presidente da Comissão Revisora do Código Penal como acima se viu); d) Que a norma a
formular não devia ser idêntica à do artigo 260º do Código Penal de 1982 (o que se extrai das
considerações feitas pelo Presidente da Comissão Revisora do Código Penal ao criticar o
aludido artigo 260º). E do exame da norma em questão—artigo 275º do Código Penal—vêse,
com segurança, que a intenção do legislador foi conseguida, atenta a redacção do referido
preceito legal, ou seja, o legislador atingiu os seus objectivos. Com efeito, tendo presente o já
aludido preceito legal, do mesmo resulta: O seu nº 1 referese a engenhos ou substâncias
explosivas ou capazes de produzir explosão nuclear, radioactivas ou próprias para fabricação
de gases tóxicos ou asfixiantes; O seu nº 2 referese a armas proibidas. As armas proibidas a
que este nº 2 se reporta, além da ampliação feita do tipo, são as armas absolutamente proibidas
referidas nos artigos 2º e 3º do DecretoLei nº 207A/75, de 17 de Abril, e não também as
permitidas ou relativamente proibidas (por se encontrarem fora das condições legais)
constantes daquele decretolei. (...) Esta posição é reforçada pelo facto de na proposta de lei n.°
58/VII, do Governo, inserta no Diário da Assembleia da República, 2ª sérieA, nº 65, de 4 de
Outubro de 1996, que visa criminalizar condutas susceptíveis de criar perigo para a vida e
integridade física, decorrente do uso e porte de armas e substâncias ou engenhos explosivos ou
pirotécnicos, no âmbito de realizações cívicas, políticas, religiosas, artísticas, culturais ou
desportivas, constar expressamente na respectiva exposição de motivos a p. 1532, quarto
parágrafo, daquele "Diário". "É certo que o uso e o porte de armas e substâncias explosivas ou
análogas já são incriminados nos termos do artigo 275º do Código Penal. Tal disposição,
porém, apenas respeita a armas proibidas, excluindo nomeadamente pistolas e revólveres cujo
calibre não exceda 6,35 mm e 7, 65 mm, respectivamente." Vêse que é o próprio "legislador" a
reconhecer que, presentemente, se está perante um vazio legal nesta matéria, não podendo o
juiz substituirse à lei. Pelo exposto, decidese estabelecer, com carácter obrigatório para os
tribunais judiciais, a seguinte jurisprudência: * A detenção, uso ou porte de uma pistola de
calibre 6,35 mm não manifestada nem registada não constitui o crime previsto e punível pelo
artigo 275º, nº 2, do Código Penal revisto pelo DecretoLei nº 48/95 de 15 de Março, norma que
fez caducar o assento do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Abril de 1989.
2. Legislação.
3. Diversos.
Ver sobre “arma transformada”: para além do acórdão (assento) do STJ nº 2/98, de 4 de
Novembro, BMJ48195, o acórdão do STJ de 27 de Setembro de 2000, CJ 2000, tomo III, p. 179,
relacionada com circunstâncias do nº 2 do artigo 132º (homicídio qualificado).
* Uma faca de cozinha com 30 cms. de lâmina é uma arma branca proibida
sempre que o portador não justifique a sua detenção (ac. da Relação de Coimbra
de 2 de Abril de 1992, CJ).
* Há concurso real entre o ilícito roubo e o ilícito arma proibida, nos casos
em que a arma utilizada pelo arguido seja considerada como arma proibida. A
arma branca só pode ser considerada como proibida quando, em harmonia com
o Decretolei nº 37.313, de 21 de Setembro de 1949, possam ou devam ser
consideradas como proibidas. Não se tendo apurado as características da
navalha não pode a mesma ser enquadrada no ilícito de arma proibida (ac. do
STJ de 2 de Maio de 1996, processo nº 48583 3ª Secção, Internet).
Arma branca, disfarce, ponta e mola, uso agressivo, faca de mato, faca de
cozinha, lâmina, não justificação da detenção, presunção da existência do
perigo, etc., Acórdão da Relação de Coimbra de 11 de Outubro de 2000, CJ, ano
XXV (2000), tomo 4, p. 56.
Não sendo a pistola de calibre 6.35 mm arma proibida, pois que não
consta do respectivo catálogo, a detenção de uma pistola de gás de 8 mm
adaptada a calibre 6,35 mm — contrariamente o que decidiu o assento 2/98 do
STJ — não constitui crime de detenção de arma proibida do artigo 275º, nº 3, do
CP. Acórdão da Relação do Porto de 20 de Dezembro de 2000, CJ ano XXV,
tomo V, 2000, p. 240.