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DIREITO PENAL – ANA PAULA VIEIRA DE CARVALHO


AULA 10 – 13.07.2021

RESULTADO

Qual o conceito de resultado para Direito Penal?


Existem dois conceitos. O primeiro é o resultado jurídico, que é
sinônimo de lesão ao bem jurídico. Ao se trabalhar com esse conceito,
todo crime tem resultado, pois o princípio da lesividade exige que todo a
conduta criminosa produza lesão ou risco de lesão a bem jurídico.
Porém, o conceito de resultado que interessa ao presente estudo
é o de resultado naturalístico. Segundo ele, resultado é uma modificação
no mundo externo que se segue à conduta. Partindo-se desse conceito,
nem todos os crimes possuem resultado. Quando o tipo penal não exige
nenhuma modificação no mundo externo, teremos os crimes de mera
conduta.
Qual a localização do resultado nos estratos da teoria do
delito?
Para Welzel, o resultado deve ser considerado em nível pré-típico. Já
para Maurach e Zaffaroni, deve pertencer à teoria do tipo. Assiste razão
aos últimos. Não é qualquer consequencia da conduta típica que será
um resultado para fins penais, mas somente as consequências
selecionadas pelo tipo penal como relevantes para o direito.
EXEMPLO: Imaginemos um crime de mera conduta, como a
violação de domicílio. Se o agente ingressar sem permissão em casa alheia,
pode daí advir algum resultado? Sem dúvida. Pode ser que ele esbarre em
um copo e quebre. Ou que suje o piso da sala. Mas esses não serão
resultados para fins penais. E por quê? Pela simples razão de que não
foram selecionados pelo tipo do art. 150 do CP como algo relevante. Daí se
percebe, portanto, que o resultado penal é um problema dos tipos penais.
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A RESPONSABILIDADE JURÍDICO-PENAL PELO RESULTADO: VISÃO


GERAL

A responsabilidade jurídico-penal pelo resultado pelo


resultado é um tema relacionado à tipicidade. Neste capítulo estudaremos
se um agente, ao realizar uma conduta e produzir um resultado, será por
ele responsabilizado penalmente. Se o crime é doloso, decidiremos se
haverá crime consumado ou meramente tentado. Se culposo,
decidiremos sobre a própria existência de crime, já que o resultado é um
delimitador da tipicidade culposa, como vermos no capítulo 20 (não existe
tentativa de crime culposo).
No finalismo, a responsabilidade jurídico-penal pelo
resultado somente era aferida a partir da relação de causalidade física, o
que gerava uma série de distorções, que serão melhor expostas adiante.
Hoje, a doutrina admite que a relação de causalidade física será apenas
a primeira etapa de análise para concluirmos se um agente deve
responder penalmente pelo resultado. Numa segunda etapa serão
necessários princípios jurídicos, atinentes à chamada imputação. A
teoria da imputação foi desenvolvida a partir do funcionalismo.
Uma advertência importante é a de que a a responsabilidade
jurídico-penal pelo resultado somente será estudada nos chamados
delitos materiais, que são aqueles em que o tipo penal descreve, além da
conduta, um resultado naturalístico, que deve ocorrer para que haja crime
consumado (ex. homicídio) . Nos crimes formais e nos de mera conduta, o
tema não é relevante.

Passemos, então, à primeira etapa, a relação de causalidade física.

RELAÇÃO DE CAUSALIDADE

Em sede de relação de causalidade, o artigo 13 do Código Penal


adotou a chamada teoria da conditio sine qua non, que verifica a
causalidade física a partir do procedimento hipotético de
eliminação.
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Imagine-se o exemplo em que Antonio atira em Cláudia, que vem


a morrer em seguida, em razão de um desabamento da casa em que
mora.

O procedimento hipotético de eliminação consiste em eliminar em


mente (ou seja, hipoteticamente) o antecedente que se deseja averiguar se
foi o causador do resultado (o tiro de Antonio). Se, ao eliminar o
antecedente pesquisado, o resultado não desaparecer (a vítima morre ainda
assim), significa dizer que tal antecedente não foi a causa física do
resultado. Se, ao contrário, ao eliminar o antecedente pesquisado (o
tiro), o resultado desaparecer (a vítima deixa de morrer), tem-se que esse
antecedente é causa do resultado.

E nas hipóteses em que o resultado ocorreria ainda assim,


porém em momento posterior? Vejamos um exemplo.
EXEMPLO: a vítima derrapa na lama e cai, ficando dependurada em um
galho à beira de um penhasco. Ela está se segurando em um galho fino,
que quebrará a qualquer momento. O agente passa no local, vê a vítima
naquela situação e pisa em sua mão, para que ela caia. A vítima cai e
morre.
A hipótese pode gerar perplexidade. Poder-se-ia dizer que a
conduta do agente não é causa do resultado, porque aquele galho
quebraria em cinco minutos depois. Logo, ao eliminar em mente o
antecedente pesquisado (pisar na mão da vítima), o resultado não
desapareceria e o antecedente não poderia ser considerado causa do
resultado.

Tal raciocínio, contudo, não procede. Isto porque, para análise


da relação de causalidade física deve ser considerado o resultado
exatamente como ele ocorreu. Isto é, exatamente naquele momento,
daquela exata maneira. Com isso, mesmo que a morte ocorra depois,
ocorrerá de maneira e em tempo diverso, o que não afasta a causalidade
da conduta realizada.

Mas a teoria da conditio gera outras distorçoes. Isto porque a


relação de causalidade física é algo que existe no mundo da natureza e
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que, se transplantada pura e simplesmente para o direito penal, pode


levar a conclusões inaceitáveis.

Vejamos o chamado regresso ad infinitum.

EXEMPLO: Imagine que se tenha uma cadeia de antecedentes causais


muito longa, em que Antônio fábrica a faca, Cláudio transporta a faca,
João vende a faca para José e, finalmente, José esfaqueia a vítima.

Considerando que para o exame da causalidade interessa o


resultado exatamente como ele ocorreu (morte com aquela faca), todos
os antecedentes serão causa do resultado. Será razoável concluir que
em todos estes antecedentes há responsabilidade jurídico-penal pelo
resultado? Por óbvio que não.

Vê-se, portanto, que, a partir do modelo finalista, em que o tipo


objetivo se esgota com a relação de causalidade física, todos os
antecedentes elencados serão condutas objetivamente típicas. É bem
verdade que não haverá tipicidade subjetiva, pois o agente não agiu com
dolo. Mas, de qualquer sorte, soa estranho afirmar a tipicidade objetiva
dessas condutas.
Como fazia o finalismo para reduzir o âmbito de punibilidade nos
casos de regresso ad infinitum? Usava como limitador o dolo e a culpa. É
uma solução possível, mas não resolverá todos os problemas, como
veremos adainte.
Em relação aos crimes omissivos, há consenso na doutrina de que
neles a relação de causalidade física não existe. Por quê? Conforme já
explicado anteriormente, a omissão é um juízo de valor, uma comparação
entre o que acontece e o que deveria acontecer. A omissão não existe no
mundo da natureza. Por isso, não se pode dizer que uma omissão seja a
causa física de um resultado.

EXEMPLO: A mãe está na beira da piscina lendo um livro e a criança


brincando. De repente, a criança cai na piscina, a mãe não socorre e a
criança morre afogada. A causalidade física será apontada no laudo
cadavérico: afogamento. O não socorro da mãe não é causa física do
resultado.
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Vejamos agora alguns problemas que podem ser gerados pela teoria
da conditio sine qua non.

PROBLEMAS DA TEORIA DA CONDITIO SINE QUA NON

Além do regresso ad infinitum, a teoria da conditio apresenta


outros problemas, a serem a seguir analisados.

1. Não permite apurar a causalidade quando se desconhece a


virtualidade causal de uma determinada condição.

Para poder trabalhar com a teoria da conditio, é necessário


conhecer a potencialidade causal de cada antecedente, ou seja, se aquele
antecedente examinado tem a capacidade de, em tese, produzir o
resultado.

EXEMPLO: Há muitos anos atrás, um remédio para enjôo, chamado


Contergan, começou a ser usado por mulheres grávidas. Tempos
depois as crianças começaram a nascer defeituosas. Àquela altura não se
conhecia ainda a eficácia causal da substância para produzir aquele tipo de
resultado. Nessas hipóteses, o raciocínio da eliminação hipotética é inútil.

2. Quando o resultado causado se teria produzido igual e no mesmo


momento, porém por outro sujeito.

Imagine-se um campo de concentração, em que se uma pessoa


não houvesse puxado o gatilho, outra pessoa o teria feito naquele
mesmo local, naquelas mesmas circunstâncias. É a chamada
causalidade hipotética.

Embora essa situação possa trazer alguma perplexidade , a


doutrina afasta a relevância da causalidade hipotética. Assim, não
interessa se outra pessoa teria causado o resultado naquele mesmo
momento. O que interessa é o que aconteceu em concreto. Não há
relevância jurídico-penal para a chamada causalidade hipotética.

3. Quando cada uma das condições era suficiente, isoladamente,


para produzir o resultado (causalidade alternativa).

Essa hipótese já se mostra mais desafiadora. Temos aqui a chamada


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causalidade alternativa.
EXEMPLO: Imaginemos duas doses de veneno. Antônio ministra a dose
A, e Cláudio ministra a dose B. O que fazer se cada dose,
isoladamente, é capaz de produzir o resultado?
Nesses casos o raciocínio da eliminação hipotética falha, na
medida em que ao eliminarmos em mente qualquer das condições
anteriores, o resultado nunca desaparecerá. Isso levaria à conclusão
indefensável de que nenhum dos antecedentes foi causa.

A solução apontada pela doutrina é a de considerar que a vítima


morreu, em concreto, das duas doses em conjunto. Dessa maneira,
haverá causalidade para ambos.
Alguns autores, como Jescheck, aperfeiçoam a teoria da conditio
para trabalhar com a ideia de causalidade segundo uma lei (uma lei da
física, uma lei natural). Assim, se no exemplo dado fizermos a pergunta
em termos de causalidade no mundo das leis naturais (esse sujeito
morreu do quê?), a resposta será a de que ele morreu das duas doses em
conjunto, que produziram o envenenamento.

Portanto, para evitar a perplexidade apontada, que ocorrerá quando


cada antecedente isoladamente é capaz de produzir o resultado, parte da
doutrina sofisticou a teoria da conditio e passou a trabalhar com a ideia de
causalidade segundo uma lei.
4. Quando cada antecedente é, em si, insuficiente, todos serão
consideradas causa em conjunto (o mesmo raciocínio é aplicado às
decisões colegiadas, em relação aos votos).

Nesta hipótese temos dois antecedentes que se combinam, se aliam,


para produzir o resultado. EXEMPLO: Antônio coloca meia dose de
veneno no copo da vítima; em seguida, Cláudio, desconhecendo a
conduta de Antonio, coloca outra meia dose no mesmo copo. Cada uma
das doses seria insuficiente para matar, mas, conjugadas, matam a
vítima. Tem os aqui uma combinação de causas.

ATENÇÃO : Para a teoria da conditio, se uma conduta contribui de


alguma forma para produzir o resultado, ainda que ela não o produza
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sozinha, será causa. Em termos de causalidade, haverá causalidade


física para o antecedente que de alguma forma contribui para o resultado,
ainda que ele não seja a causa única ou a causa principal. Sendo assim,
no caso das combinações de doses de venenos, os dois antecedentes são
causa do resultado.

RELAÇÃO DE CAUSALIDADE- CONTINUAÇÃO

Passemos agora a estudar o art. 13 do CP. Já vimos que o art. 13, caput,
adota a chamada teoria da conditio sin qua non. Resta examinar o § 1º do
mesmo dispositivo legal. Para melhor compreendê-lo, é importante dominar
alguns conceitos antes. Vejamos.
Os antecedentes causais relacionam-se entre si de forma diferente.
Diante disso, podemos encontrar as seguintes situações:

1. Causas absolutamente independentes entre si

Nesse caso, os antecedentes não se combinam para produzir o resultado;


eles atuam de forma independente.

EXEMPLO: Antonio atira em Cláudia em uma praia, mas em seguida a


praia é atingida por uma tsunami. A vítima morre afogada. Nesse caso, os
antecedentes atuam de forma absolutamente independente, sem que se
combinem para produzir o resultado.

Para esse grupo de casos, basta usar o art. 13 caput do CP e o raciocínio


da eliminação hipotética.

2. Causas relativamente independentes

As causas que se combinam são chamadas causas relativamente


independentes. São hipóteses em que se tem uma combinação de causas.
Todas elas são consideradas igualmente causas do resultado.

Considerando que em um caso concreto sempre haverá um antecedente


que está sendo pesquisado, e outro com o qual ele se associa, podemos
classificar esse último como preexistente, concomitante ou como
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superveniente em relação ao pesquisado.

Vejamos os exemplos
a) Preexistentes
EXEMPLO: Hemofilia. O agente atira na vítima, que contava com uma
doença preexistente, como a hemofilia. Nesse caso, há uma associação de
causas que não exclui a causalidade.
b) Concomitantes
A segunda possibilidade ocorre quando conduta do agente se associa a
algo que eclode no mesmo momento.

EXEMPLO: A vítima sofre um tiro e, naquele momento, tem um ataque


cardíaco por causa do susto. Estamos diante da chamada causa
relativamente independente concomitante. Nesse caso, há uma associação
de causas que não exclui a causalidade.

c) Supervenientes
Na terceira e última possibilidade, a conduta se associa a uma outra causa
que lhe é posterior.

EXEMPLO: o agente leva um tiro e a ambulância que o leva para o hospital


colide com um caminhão, causando a sua morte. Entende-se que a
segunda causa é relativamente independente porque, não fosse o tiro, a
vítima não estaria dentro da ambulância. Logo, não são causas que operam
de forma absolutamente independente uma da outra.
Nas três hipóteses estudadas - causa antecedente, concomitante ou
superveniente - a causalidade física existe. O que pode não existir é a
imputação (a ser estudada oportunamente).
Nosso Código Penal é de 1984, uma época em que a teoria da imputação
era incipiente, principalmente no Brasil. Por isso, só tratou da
possibilidade de excluir a imputação, excepcionalmente, na terceira
hipótese (causa relativamente independente superveniente).
Vejamos o que diz o art. 13, § 1º do CP.

De acordo com o referido dispostivo legal, algumas causas


relativamente independentes supervenientes excluirão a imputação;
outras não. Para o CP, apenas as causas que, por si sós, levem ao
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resultado, excluirão a imputação.


Mas o que significa o “por si só” do art. 13, § 1º do CP? Significa que
a causa superveniente relativamente independente só afastará a imputação
quando levar ao resultado sem a contribuição da primeira causa no
momento do fato.
Veja-se o exemplo da ambulância. A primeira causa é importante sempre (se
não fosse o tiro, a vítima não estaria dentro da ambulância). Por isso é
relativamente independente. Todavia, o tiro não contribuiu para o
resultado no momento do fato, porque qualquer que fosse a situação física
dos ocupantes do veículo, eles teriam morrido com a colisão. Se, ao
contrário, a primeira causa contribui no momento do fato, haverá
responsabilidade pelo resultado.
EXEMPLO: Antonio atira em Cláudio. Ao chegar ao hospital, o médico usa
um remédio ineficiente, a ferida do tiro infecciona e Cláudio morre. A primeira
causa (o tiro), embora agregada à segunda (imperícia médica e infecção)
contribuiu para o resultado no momento do fato.

Em suma: o art. 13, § 1º do CP (i) só se aplica às causas relativamente


independentes supervenientes; (ii) não se refere à causalidade física, mas sim
à imputação; (iii) só exclui a imputação para aquelas hipóteses em que a
primeira causa não contribui para o resultado no momento do fato.

TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA

Como já vimos, o finalismo somente levava em conta a relação de


causalidade física no tipo objetivo, para assim afirmar a responsabilidade
pelo resultado. Posteriormente, procurava limitar os excessos do regresso
ad infinitum com base no dolo e na culpa.

Essa solução, porém, era insuficiente. A culpa trabalha com uma ideia
de previsibilidade ampla e pouco precisa. No exemplo anterior, do
fabricante da arma, teríamos que discutir até que ponto é previsível a
quem fabrica uma arma que ela seja utilizado em um crime. Essa discussão
é complicada na fabricação de armas de fogo, por exemplo. E o problema se
agravava nos chamados cursos causais extraordinários, em que o agente
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deseja o resultado (age com dolo), mas ele acaba ocorrendo por conta de
eventos posteriores incontroláveis (ex. o agente atira na vítima com vontade
de matar, e ela morre queimada em um incêndio no hospital)

Para resolver esses problemas, a teoria da causalidade adequada propõe


que somente as causas razoáveis, as causas adequadas, seriam
consideradas “causa” para o Direito Penal. Aquelas não adequadas apenas
seriam “causa” no mundo físico, mas não no Direito Penal. Nessa proposta,
“causa”, em sentido jurídico, é somente aquela adequada para produzir
um resultado. Ficam excluídas aquelas condições que só por uma
casualidade produziram o resultado.

A ideia seria, resumidamente, a de que, através do conceito de causa


adequada (que contem uma uma valoração), poderíamos afastar a
responsabilidade nos chamados cursos causais extraordinários.
O que seria uma causa adequada? É considerada adequada uma
condição (ou seja, um antecedente do resultado) quando ela eleva a
possibilidade de produção de um resultado de maneira relevante (juízo
de valor); quando não é improvável que o comportamento traga consigo
tal resultado.
Perceba-se que para considerarmos que um antecedente é causa do
resultado, devemos fazer um juízo de valor. Qual? Se ele eleva a possibilidade
do resultado acontecer de forma relevante, se o resultado é provável. Esse
juízo de valor é agregado ao estudo da causalidade física, para dessa
maneira chegarmos à conclusão sobre a responsabilidade jurídico-penal.

A concepção da teoria da causalidade adequada apresenta dois defeitos:


a) o primeiro deles é o de misturar em uma mesma etapa de raciocínio dois
planos de análise diferentes , o plano físico e o plano valorativo;

b) o segundo é o de não oferecer um critério seguro para a análise de


quando há uma elevação relevante da possibilidade de produzir o
resultado, quando a produção do resultado é provável ou improvável.
Contudo, tem o inegável mérito de jogar luzes a insuficiência da
causalidade física para justificar a imposição de uma pena.

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