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A expansão do direito penal nas últimas décadas fez com que ele assumisse
características próprias, diversas do chamado direito penal clássico. Essas
características podem ser assim resumidas:
Neste último caso, o autor sustenta que tais princípios são suscetíveis de uma
acolhida gradual.
A questão pode gerar dúvidas, visto que uma conduta criminosa pode se dar
em uma data e seu resultado somente meses depois. À vista disso, deve-se
perquirir se as leis aplicáveis serão aquelas vigentes no momento da conduta,
ou as vigentes no momento do resultado.
O crime habitual é diferente, porque nele não há apenas uma conduta que
se prolonga no tempo, mas sim várias condutas. Como veremos
oportunamente, o crime habitual pode se concretizar através de apenas uma
conduta, ou de várias. Quando se apresenta através de uma reiteração de
condutas, todas estas condutas são vistas pelo direito como uma unidade. O
sujeito reitera condutas e há crime único. A habitualidade é característica de
alguns crimes (ex, art. 282 do CP), assim como a permanência ( arts. 148 e
159 do CP).
O crime continuado, previsto no artigo 71 do CP, será melhor estudado
dentro do concurso de crimes. O crime continuado não é uma característica
que alguns crimes têm. Todos os crimes podem ser praticados em
continuação, na sistemática do Código brasileiro, desde que presentes os
requisitos do artigo 71 do Código Penal. Em virtude disso, a continuidade
delitiva é uma forma, uma modalidade de concurso de crimes. Na continuidade
delitiva, cada conduta separada é criminosa isoladamente, mas, no seu
conjunto, por uma ficção, são vistas pelo direito como um crime único.
Nos 3 casos apresentados (crimes permanentes, habituais e continuados),
a jurisprudência entende que a lei nova mais grave, que advenha no curso
da empreitada criminosa, será aplicável a toda a cadeia.
Esta posição parece correta nos casos de crime permanente e habitual. No crime
permanente é evidente a unidade de conduta. No crime habitual, ainda que
haja várias condutas, ela adquirem em conjunto um único colorido penal. Já
no crime continuado, o entendimento da jurisprudência é questionável. Isto
porque cada crime cometido em continuação é uma uma conduta criminosa
autônoma. Dessa forma, permitir que uma lei posterior mais grave se aplique a
toda a cadeia, inclusive a crimes cometidos anteriormente a sua vigencia, pode
gerar uma situação de retroatividade mais grave, o que é vedado pela
Constituição.
Uma vez fixado esse arcabouço normativo, surgindo uma lei nova, será
possível aplicá-la a algum fato anterior? Existem dois princípios
fundamentais no estudo do tema: a) irretroatividade da lei mais severa; b)
retroatividade da lei mais benigna.
Em matéria penal interessa analisar se a lei posterior é mais benéfica ou
mais severa. Se for mais severa, não retroagirá; se for mais benéfica,
retroagirá.
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Em matéria processual penal é válida a ideia do tempus regit actum, isto é, aplica-
se a lei vigente no momento em que será realizado determinado ato
processual. A lei nova, se tem natureza processual, incide imediatamente,
ainda que pior. Por exemplo, se houver uma mudança nas regras que tratam
da citação, aumentando a possibilidade de citação editalícia ou criando a
citação por hora certa no processo penal, terá incidência imediata, mesmo
sendo mais gravoso, e aplicável a fatos ocorridos antes dela.
Imagine-se então que surja uma lei nova, aumentando a pena mínima de 1
para 2 anos. Essa lei é, em abstrato, mais grave. No entanto, em concreto
uma pena mínima de dois anos será mais benéfica, na medida em que, apesar
de incabível a substituição e o sursis, passa a ser cabível o livramento.
Tratando-se de reincidente, cumprirá somente metade, ficando preso por 1
ano. Veja-se assim que uma lei nova que, em princípio, é mais grave, por
aumentar a pena, pode ser, em concreto, mais benéfica, dado que permitiu
o benefício do livramento.
mais favorável.
A lei mais favorável tem as seguintes características:
(1) é retroativa - aplicável a fatos ocorridos antes da sua vigência;
(2) é ultrativa - aplicável mesmo depois de revogada.
Quando a lei penal mais benéfica está em período de vacatio legis, como ocorreu
na lei dos juizados especiais (Lei 9099), que contem vários institutos
despenalizadores e teve uma vacatio legis muito longa, vários julgados da época
admitiram a sua aplicação ainda em período de vacatio. O raciocínio é o de
que se a própria Constituição exige a retroatividade de lei melhor (art. 5º., inc.
XL), a previsão de vacatio legis em lei ordinária não tem o condão de impedir
essa retroatividade.
Vimos que no conflito de leis no tempo deve-se analisar qual das duas leis
é a mais benigna em concreto, para então escolher qual delas será aplicável.
O STJ e o STF sempre entenderam que não se podia combinar leis. Quando
surgiu a Lei de Drogas, o STJ manteve o entendimento, mas o o STF, em
decisão plenária, passou a entender que era possível a combinação de leis.
Alguns anos depois, porém, o STF voltou atrás e reassumiu o entendimento
pela impossibilidade de combinação de leis:
ABOLITIO CRIMINIS
Abolitio criminis é descriminalização de condutas. Trata-se de causa
punibilidade, prevista no artigo 107, III, do Código Penal.
Percebe-se que a questão não é simples e que não há uma resposta única.
Intuitivamente se percebe que no caso da maconha há uma necessidade de
retroatividade: a substância terá saído da lista em razão de a sociedade ter
percebido que não possui gravidade suficiente para constar da lista. Logo,
não faz sentido punir quem praticou o ato antes e está sendo processado.
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Assis Toledo preconiza, como critério, que seja analisada a perda do caráter
ilícito do fato. No caso da maconha isto é evidente. Já no caso da tabela de
preços é óbvio que a razão da mudança na tabela não tem relação com essa
percepção, mas sim com uma questão econômica de safra e entressafra,
oferta e demanda. Logo, não haveria retroatividade. O critério é simples, mas
não muito preciso.
Mesmo que se tenha uma visão crítica sobre o ativismo judicial, não se pode
deixar de reconhecer que o papel do juiz tem crescido consideravelmente nos
últimos anos, em virtude de uma série de questões relacionadas não somente à
necessidade de intervenção do Judiciário para resolver situações das quais o
Parlamento se exime, mas também a uma visão diferente sobre a teoria do
Direito, sobre o papel dos princípios e, principalmente, dos princípios
constitucionais. A constitucionalização do Direito, um fenômeno muito
importante nas últimas décadas, impregnou a aplicação do Direito dos juízos
valorativos constantes de princípios constitucionais.
Essa virada metodológica, qual seja, a retomada da importância dos valores,
ocorreu não apenas no Direito Penal, mas no Direito como um todo, sendo
certo que no Direito Penal está atrelada ao funcionalismo. A partir da criação
de vários institutos que demandam juízos valorativos complexos (como se vê
com a teoria da imputação), o papel da jurisprudência na conformação do
Direito (o papel criador) se tornou cada vez mais importante. Diante disso,
voltou-se a discutir a questão da ultratividade da jurisprudência de forma mais
atenta. Vejamos um exemplo prático da importancia da discussão.
EXEMPLO: Em uma situação hipotética (sem relação com o Direito
positivo), um sujeito comete um roubo com emprego de arma de brinquedo,
havendo um dispositivo específico na lei que alude apenas ao roubo com
emprego de arma. Imaginemos que a jurisprudência pacífica da época
inadmita que arma de brinquedo configure o roubo circunstanciado. No
momento do julgamento a jurisprudência muda e passa a entender que
arma de brinquedo configura roubo circunstanciado.