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Isso significa dizer que a depender do momento histórico uma conduta pode
ser valorada como mais ou menos lesiva. Foi exatamente o que aconteceu com o
“porte ilegal de arma de fogo”:
- até 1997 era uma contravenção penal: art. 19 da Lei das Contravenções
Penais (Decreto-lei nº 3.688/41);
1
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 173.
2
Ibidem, p. 174.
3
Ibidem, p. 174.
- em 1997 foi elevado à categoria de crime; e
- em 2003, algumas figuras chegaram a ser rotuladas como inafiançáveis pelo
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003).
Rogério Sanches Cunha observa, ainda, que: “A conduta de portar arma de
fogo sem autorização não mudou, mas sim a visão do legislador sobre a sua gravidade 104
do comportamento”.4
A melhor maneira de entender as diferenças existentes entre o crime e a
contravenção, além da diferença quanto ao valor, acima mencionada, é por meio do
seguinte quadro comparativo, elaborado a partir do quadro resumo presente na obra
de Cunha:5
Crime Contravenção Penal
Tipo de pena privativa ▪ Reclusão ▪ Prisão simples e/ou
de liberdade ▪ Detenção e/ou ▪ Multa
▪ Multa Art. 6º, LCP. A pena de prisão
simples deve ser cumprida,
sem rigor penitenciário, em
estabelecimento especial ou
seção especial de prisão
comum, em regime semiaberto
ou aberto.
Espécie de Ação Penal A Ação Penal será em regra Pública A Ação Penal será sempre
Incondicionada, porém, Pública Incondicionada, nos
excepcionalmente, poderá ser Pública termos do art. 17 da LCP.
Condicionada ou Privada.
Punição da tentativa É possível a punição da tentativa, nos Não se pune a forma tentada
termos do parágrafo único do art. 14 (art. 4º, LCP).
do CP.
Regras da Admite a extraterritorialidade da lei Não admite a
extraterritorialidade penal, nos termos do art. 7º do CP. extraterritorialidade da lei penal
(art. 2º, LCP).
Competência para ▪ Justiça Federal e ▪ Justiça Estadual
processo e julgamento ▪ Justiça Estadual
Limite de cumprimento ▪ 40 anos, nos termos da atual ▪ 5 anos, nos termos do art.
da pena redação do art. 75 do CP, dada 10 da LCP.
pela Lei nº 13.964/2019.
Período de prova do ▪ 2 a 4 anos ou 4 a 6 anos, nos ▪ 1 a 3 anos, nos termos do
sursis termos do art. 77, CP. art. 11 da LCP.
Cabimento da prisão ▪ Cabe nas hipóteses do art. 313 do ▪ Não cabe
preventiva e CPP e do art. 1º, III, da Lei nº
temporária 7.960/89.
Possibilidade de Só instrumentos do crime podem ser Não é admissível o confisco de
confisco confiscados. instrumentos da contravenção
penal.
Ignorância ou errada O desconhecimento da lei é A lei pode deixar de ser
compreensão da lei inescusável; serve no máximo como aplicada quando a ignorância
atenuante de pena (arts. 21 e 65, II, do ou a errada compreensão for
CP). escusável (art. 8º, LCP).
4
Ibidem, p. 174.
5
Ibidem, p. 177.
Especificamente quanto ao conceito legal de crime e contravenção penal, o
legislador traz esse conceito no art. 1º do Decreto-Lei n. 3.914/41 (Lei de Introdução
ao Código Penal): “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a
pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, 105
2. Sujeitos do Crime
Como regra o sujeito ativo é a pessoa física capaz e com 18 (dezoito) anos
completos que pratica a conduta típica prevista em lei como infração penal, seja
isoladamente, seja associado a outros na forma de concurso de pessoas (coautoria
ou participação). Estudaremos o concurso de pessoas no último item desta unidade.
“O sujeito ativo do crime pode receber, conforme a situação processual ou o
aspecto pelo qual é examinado, o nome de agente (arts. 14, II, 15 do CP), indiciado,
acusado, denunciado, réu, sentenciado, condenado, recluso, detento (nas normas
processuais) e criminoso ou delinquente (como objeto das ciências penais)”.6
Capacidade penal é o conjunto das condições exigidas para que um sujeito
possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo do Direito Penal. Essa
capacidade é verificada inclusive em momentos anteriores e posteriores ao delito.
ATENÇÃO!
O crime é chamado de crime comum quando o tipo penal não exige
qualidade especial do agente. Admite coautoria e participação. É denominado de
crime próprio quando o tipo penal exige qualidade especial do agente. Também
admite coautoria e participação. Por fim, é denominado de crime de mão própria ou
6
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 108.
conduta infungível o tipo penal que exige qualidade especial do agente, admitindo
apenas a participação.
Em regra, apenas o ser humano (pessoa física) pode ser sujeito ativo de
infrações penais, porém existem discussões na doutrina quanto à possibilidade de 107
Esta corrente chegou a ser adotada pelo STJ. O STF, no entanto, decidiu em
sentido diverso, concluindo que a responsabilização penal da pessoa jurídica
independe da pessoa física. Argumentou-se que a obrigatoriedade de dupla
imputação caracterizaria afronta ao art. 225, § 3º, da Constituição Federal,
pois condicionaria a punição da pessoa jurídica à condenação simultânea da
pessoa física.7
Importante!
A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem outros
desdobramentos, porém para os fins que se propõe neste estudo ficaremos nessa
abordagem superficial.
O sujeito passivo, por sua vez, é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado
de lesão. Pode ser tanto uma pessoa física como uma pessoa jurídica, ou ainda um
ente indeterminado, destituído de personalidade jurídica, como por exemplo a
coletividade, a família etc. A doutrina divide o sujeito passivo em duas espécies:
a) Sujeito Passivo constante, mediato, geral, genérico, indireto ou formal: é
o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é sempre lesado pela
conduta do sujeito ativo;
b) Sujeito Passivo eventual, imediato, particular, acidental, indireto ou
material: é o titular do interesse penalmente protegido, podendo ser a pessoa
7
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 179.
física (Exemplo: art. 121, CP), a pessoa jurídica (Exemplo: art. 171, § 2º, V,
CP), o Estado (crimes contra a Administração Pública) ou uma coletividade
destituída de personalidade jurídica como, por exemplo, a sociedade (arts. 209
e seguintes do CP).
Cumpre observar que: 109
3. Objeto do Crime
Há, efetivamente, certos delitos cuja conduta não recai sobre pessoa nem
coisa, estando, por isso, destituídos de objeto material. Tal ocorre com os
delitos de mera conduta (ex.: reingresso de estrangeiro expulso – art. 338,
CP) e com todos os crimes omissivos puros (ex.: omissão de socorro – art.
135, CP). Os crimes formais podem ou não ter objeto material. Falso
testemunho, por exemplo, não tem objeto material. No tocante aos crimes
materiais, todos têm objeto material porque o resultado
necessariamente deve produzir-se sobre uma pessoa ou coisa.8
8
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 193. Grifos nossos.
9
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
completos (Crime completos (Crime por quem esteja
Comum). Comum). contaminado
pela moléstia
infecciosa (Crime
Comum).
Objeto
Jurídico
Vida Patrimônio Saúde Pública Administração da
(Bem jurídico Justiça
penalmente
tutelado)
10
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
19.
Feitas essas considerações, a partir de agora estudaremos cada um dos
elementos que compõem o conceito analítico de infração penal, começando
pelo fato típico.
112
5. Fato Típico
“Fato típico é o fato humano que se enquadra com perfeição aos elementos
descritos pelo tipo penal”.11 São quatro os elementos do fato típico:
▪ conduta;
▪ resultado naturalístico;
▪ relação de causalidade (nexo causal); e
▪ tipicidade.
5.1. Conduta
11
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
12
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 43. Ebook.
13
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
destaque, dentre eles, Aníbal Bruno, Magalhães Noronha, José Frederico
Marques, Basileu Garcia, Manoel Pedro Pimentel e Nélson Hungria.
De acordo com Cleber Masson:
Trata-se, portanto, de mera relação de causa e efeito. Daí o nome dado a essa
teoria: causal, mecanicista etc.
“Na teoria clássica, dolo e culpa se alojam no interior da culpabilidade,
momento em que se procede à análise do querer interno do agente”.15
Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria Causalista
(Teoria Clássica ou Causalismo):16
TEORIA CAUSALISTA (CAUSALISMO)
Crime É ato voluntário contrário ao direito, culpável e sancionado com uma pena.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
Fato Típico A ação integra o fato típico e é definida como movimento corporal voluntário
que causa modificação no mundo exterior. É elemento objetivo, não
admitindo qualquer valoração.
Antijuridicidade ou Elemento objetivo. É a conduta típica sobre a qual não incide nenhuma
Ilicitude causa de justificação (valoração objetiva de um fato natural).
Culpabilidade Elemento subjetivo. Constituída por dolo e culpa (suas espécies), além da
imputabilidade (culpabilidade psicológica – valoração psicológica do autor
do fato).
Críticas Desconsidera que toda ação humana é dirigida a uma finalidade; não
explica de maneira adequada os crimes omissivos, formais e de mera
conduta; desconsidera os elementos normativos e os elementos subjetivos
do tipo).
14
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
15
Ibidem.
16
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 216.
seu maior expoente Edmund Mezger. Essa teoria insere o método axiológico
(valorativo) em substituição ao método exclusivamente experimental do
positivismo inerente à Teoria Causalista.
De acordo com Juarez Cirino dos Santos:
114
A desintegração do sistema clássico do fato punível do modelo causal de
ação originou o atual sistema neo-clássico de fato punível, um produto da
reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins e valores
do direito penal: o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser,
também, normativo, redefinindo como comportamento humano voluntário; a
tipicidade perde a natureza de livre-de-valor para incluir elementos
normativos, como documento, motivo torpe etc., e elementos subjetivos,
como a intenção de apropriação, no furto e até mesmo o dolo, na tentativa; a
antijuridicidade indica não apenas infração formal da norma jurídica, mas o
significado material de dano social, admitindo graduação do injusto conforme
o valor lesionado; a culpabilidade, sensível a juízos de valor, se estrutura
como conceito psicológico-normativo, com a reprovação do autor pela
formação de vontade contrária ao dever: somente comportamentos
reprováveis podem ser atribuídos à culpabilidade do autor.17
c) Teoria Finalista ou Final: Foi criada por Hans Welzel no início da década de
30 do século passado, foi acolhida no Brasil, dentre outros, por Heleno Cláudio
Fragoso, René Ariel Dotti, Damásio Evangelista de Jesus, Julio Fabbrini
Mirabete e Miguel Reale Júnior.
17
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 6. ed., ampl. e atual. Curitiba: ICPC
Cursos e Edições, 2014.
18
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 218.
Segundo Cleber Masson:
19
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
20
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 221.
Essa teoria foi parcialmente adotada pelo Código Penal brasileiro após a
reforma da Parte Geral pela Lei n. 7.209/84, posto que no seu art. 18 reconhece que
o crime ou é doloso ou é culposo. Outra forte evidência dessa teoria é encontrada no
art. 20, caput: “O erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o 116
dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Tal dispositivo
evidencia que o dolo e a culpa integram a conduta do agente e não mais sua
culpabilidade.
d) Teoria Social: Foi criada por Johannes Wessels e defendida por Hans-Heinrich
Jescheck e acrescentou aos postulados das teorias anteriores o aspecto
social. Para essa teoria conduta é o comportamento humano com
transcendência social. Assim, para que o agente pratique uma infração penal é
preciso que, além de realizar todos os elementos descritos na norma penal
incriminadora, que tenha também a intenção de produzir um resultado
socialmente relevante.
Todavia, essa teoria apresenta uma imprecisão no ordenamento jurídico
brasileiro, visto que o art. 2º, caput, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LINDB
– prevê que costume, ainda que contra legem, não revoga lei, do mesmo modo que o
magistrado não pode revogar normas editadas pelo Poder Judiciário, sob pena de
macular o princípio da separação dos poderes.
Logo, o critério de se considerar dada conduta como relevante ou irrelevante
para o Direito Penal é exclusivo do legislador, cuja atribuição é a elaboração das
normas jurídicas. Assim, se uma norma vigente é considerada inadequada
socialmente, cabe ao legislador revogá-la, não podendo o juiz tomar para si essa
tarefa.
Portanto, tendo em vista a imprecisão do conceito de “adequação social”
conclui-se que ele por si só é agente de insegurança dogmática, porém como critério
auxiliar de interpretação e valoração das normas jurídicas, em consonância com os
ditames constitucionais é de extrema importância.
Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria Social da
Ação:21
21
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 222.
TEORIA SOCIAL DA AÇÃO
Crime É o comportamento humano voluntário dirigido a uma finalidade
socialmente reprovável, antijurídico e reprovável.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
117
Fato Típico Adota-se a estrutura do finalismo, mas acrescenta-se a noção da relevância
social da ação.
Antijuridicidade ou Contrariedade do fato a todo o ordenamento jurídico (desvalor da conduta
Ilicitude – análise subjetiva).
Culpabilidade Se identifica com a estrutura do finalismo, mas inclui nova análise do dolo e
culpa.
Críticas Vagueza do conceito de “relevância social”.
22
Ibidem, p. 222.
23
Ibidem, p. 222/5.
exigibilidade de conduta diversa e necessidade consciência da ilicitude e a exigibilidade de
de pena. conduta diversa”.
“A maior crítica que se apresentou contra a teoria “As premissas sobre as quais se funda o
formulada por Claus Roxin foi a substituição do funcionalismo sistêmico deram ensejo à
elemento culpabilidade pela noção de exumação da teoria do Direito Penal do Inimigo,
responsabilidade ou reprovabilidade, com a representando a construção de um sistema 118
Qual dessas teorias foi adotada pelo vigente Código Penal brasileiro?
Originalmente adotava claramente a Teoria Causalista da ação, com a
reforma da parte geral em 1984, passou a adotar parcialmente a Teoria Finalista da
ação.
Rogério Sanches Cunha afirma que: “A doutrina moderna, no entanto,
trabalha com premissas funcionalista de Roxin, negando, porém, algumas de suas
ideias, como, por exemplo, a responsabilidade considerada substrato do delito”.24
24
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 226.
25
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 181.
A omissão é a conduta negativa, que consiste na indevida abstenção de um
movimento. Nos crimes omissivos a lei penal é mandamental ou imperativa, visto que
determina uma ação, punindo aquele que se omite. Aqui a lei penal é chamada de lei
penal preceptiva, pois impõe a realização de uma ação, ou seja, reclama um
comportamento positivo. A omissão é exatamente o descumprimento do 119
comportamento devido por lei. “Ao lado da ação a omissão aparece como uma forma
independente de conduta humana, suscetível de ser regida pela vontade dirigida para
um fim”.26
Exemplo de omissão: “Um pedestre presencia um atropelamento e
sadicamente acompanha os gemidos da vítima até a sua morte, sem prestar-lhe
qualquer socorro”.
São duas as teorias acerca da omissão: teoria naturalística e teoria normativa.
Teoria Naturalística: para essa teoria, a omissão é um fenômeno causal, que pode
ser claramente percebido no mundo dos fatos. Em vez de ser considerada uma
inatividade, a omissão caracteriza-se como verdadeira espécie de ação, já que quem
se omite faz alguma coisa. A omissão provoca modificações no mundo naturalístico,
na medida em que o omitente, ao permanecer inerte, faz coisa diversa da que deveria
ser feita; assim, a omissão nada mais é do que uma forma de ação. “Ora, se a omissão
é uma ação, então ela tem relevância causal, ou seja, aquele que se omite também
dá causa ao resultado e por ele deve responder”.27
Para essa teoria o pedestre sádico do exemplo anterior deve responder por
homicídio, pois ao se omitir a prestar o socorro devido deu causa ao resultado morte.
Teoria Normativa: para essa teoria, a omissão é um nada, um indiferente penal, que
não pode causar coisa alguma, pois quem se omite nada faz e, portanto, nada causa.
Assim, o omitente não deve responder pelo resultado, uma vez que não o provocou.
Mas, excepcionalmente embora não se possa estabelecer o nexo causal entre
omissão e resultado, essa teoria admite que quem se omitiu seja
responsabilizado pela sua ocorrência quando presente o chamado “dever
jurídico de agir”.
Logo, a omissão penalmente relevante é constituída de dois elementos: o
non facere (não fez) e o quod debeatur (aquilo que tinha o dever jurídico de fazer),
26
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 162. Ebook.
27
Ibidem, p. 163. Ebook.
sendo preciso que no caso concreto haja uma norma determinando o que devia ser
feito, pois só assim o comportamento omissivo assume relevância perante o Direito
Penal. Assim, para que a omissão tenha relevância causal, há necessidade de uma
norma impondo o dever jurídico de agir, e só aí se pode falar em responsabilização
do omitente pelo resultado. Essa é a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro, 120
28
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 164. Ebook.
29
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Força maior é a uma força imprevisível e inevitável que opera sobre o ser
humano de tal forma que o faz intervir como uma mera massa mecânica. Pode ocorrer
por fatos da natureza ou por intervenção de terceiros. Na realidade não existe conduta.
Exemplo: a pessoa forçada a apertar o gatilho; a inundação provocada por uma
tempestade. 121
5.2. Resultado
30
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 167. Ebook.
é a consequência da conduta. Exemplo: um raio provoca um incêndio. Trata-se de um
evento”.31
Aduz Masson que o resultado, em Direito Penal, pode ser jurídico/normativo
ou naturalístico/material. O resultado jurídico ou normativo é a lesão ou exposição
a perigo de lesão do bem jurídico penalmente tutelado. Assim, consiste na mera 122
violação da lei penal, mediante a agressão do valor ou do interesse por ela tutelado.
Já o resultado naturalístico ou material, é a modificação do mundo exterior
provocada pela conduta do agente.32
Não existe crime sem resultado jurídico ou normativo, pois todo delito ofende
bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Entretanto, existem crimes sem resultado
naturalístico. É o caso dos chamados crimes de atividade (crimes formais e de mera
conduta) e dos crimes materiais quando apenas tentados.
Ante o que foi estudado as infrações penais podem ser classificadas no que
se refere ao resultado em:
Crime de Crime Material É aquele cuja consumação só ocorre com a produção
Resultado do resultado naturalístico. Exemplo: o homicídio
somente se consuma com o resultado morte.
Crime Formal É aquele que se consuma independentemente da
produção do resultado naturalístico. Nesse crime é
possível a ocorrência do resultado naturalístico,
Crimes de porém não é necessário para que se dê a
Atividade consumação. Exemplo: a extorsão mediante
(Crimes de sequestro, que se consuma com a exigência do
resultado resgate. Caso haja o pagamento do resgate ocorrerá
normativo) o mero exaurimento.
De acordo com Capez: “Os tipos que descrevem
crimes formais são denominados ‘tipos
incongruentes’, uma vez que neles há um
descompasso entre a finalidade pretendida pelo
agente (quer receber o resgate) e a exigência típica (o
tipo se contenta com a mera realização do sequestro
com essa finalidade)”.33
31
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 177. Ebook.
32
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
33
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 178. Ebook.
Crime de Mera É aquele que não admite em hipótese alguma o
Conduta resultado naturalístico. Exemplo: a desobediência,
que não produz nenhuma alteração no mundo
concreto.
123
O nexo causal é também denominado pelo Código Penal (art. 13, caput) de
relação de causalidade (denominação legal, portanto), e pela doutrina de nexo de
causalidade, e corresponde ao elo concreto, físico (material, natural) que se
estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual
é possível dizer se uma conduta deu ou não causa a um resultado. O nexo causal é
comprovado por meio da relação de causa e efeito.
Ensina Cleber Masson que:
34
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
dolo ou culpa (quando admitida). A isso se dá o nome de nexo normativo. Exemplo:
no ato obsceno não existe resultado naturalístico; logo, para a existência do crime
basta que exista a conduta e o dolo por parte do agente, não havendo que se falar em
nexo causal.
Além disso, também inexiste nexo causal nos crimes omissivos. Não há 124
causalidade na omissão já que do nada, nada surge (Lerner). A omissão não produz
o resultado. Deste modo, a doutrina afirma que nos crimes omissivos o nexo causal
é normativo (o que liga o resultado ao agente não é a natureza das coisas, mas a
norma penal).
Importante:
A Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais é melhor
compreendia com a utilização do processo de exclusão mental denominado
procedimento hipotético (ou processo de eliminação hipotética) desenvolvida por
Thyrén. Assim, para se saber se uma ação é a causa do resultado, basta mentalmente
excluí-la da série causal. Se com a exclusão o resultado deixa de ocorrer, é causa.
Sendo que a pergunta deve ser formulada nos seguintes termos: “sem a conduta o
resultado teria ocorrido, COMO OCORREU”?
Neste sentido é o exemplo de Damásio: “Suponha-se que ‘A’ tenha matado
‘B’. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes,
dentre os quais podemos sugerir os seguintes: 1º) a produção do revólver pela
indústria; 2º) aquisição da arma pelo comerciante; 3º) compra do revolver pelo agente;
4º) refeição tomada pelo homicida; 5º) emboscada; 6º) disparo de projéteis na vítima;
7º) resultado morte. Dentro dessa cadeia de fatos, excluindo-se os fatos sob nos
números 1º a 3º, 5º, e 6º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados
causa. Excluindo-se o fato sob o número 4º (refeição), ainda assim o evento teria
acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada causa”.35
De acordo com André Estefam, “essa teoria já sofreu várias objeções, dentre
as quais se podem apontar, a de confundir a parte com o todo e a de gerar soluções
aberrantes, mediante um regresso ao infinito [regressus ad infinitum] ou produzindo
35
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 37. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
p. 248.
um ciclo causal interminável”.36 Exemplos clássicos de soluções aberrantes
decorrentes dessa teoria: a discussão da relação de causalidade entre a fabricação
da arma de fogo e o homicídio praticado com o instrumento bélico; o nexo causal entre
a confecção de uma cama por um marceneiro e o estupro nela cometido; a relação
sexual entre os pais que conceberam o criminoso e o delito por ele praticado... 125
36
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 187.
37
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
38
Ibidem.
a) Causas Absolutamente Independentes
São aquelas que têm origem totalmente alheia à conduta do agente. Assim, o
advérbio “absolutamente” serve para designar que a causa não partiu da conduta,
mas de fonte totalmente distinta. Além disso, por serem independentes, tais causas 126
atuam como se tivessem, por si só, produzido o resultado, situando-se fora da linha
de desdobramento causal da conduta.
As causas absolutamente independentes têm como consequência a ruptura
total do nexo causal, de modo que o agente só responde pelos atos até então
praticados. São classificadas em causas absolutamente independentes:
1) Preexistente: é aquela que existe anteriormente à prática da conduta,
assim o resultado naturalístico teria ocorrido da mesma forma, mesmo sem
o comportamento ilícito do agente. Exemplo: “A” efetua disparos de arma
de fogo contra “B” atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico,
todavia, conclui ter sido a morte provocada pelo envenenamento anterior
efetuado por “C”.
2) Concomitante: é aquela que incide simultaneamente à prática da conduta,
ou seja, surge no mesmo instante em que o agente realiza seu
comportamento criminoso. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo
contra “B” no exato momento em que o teto da casa deste último desaba
sobre a sua cabeça.
3) Superveniente: é aquela que incide posteriormente à conduta praticada
pelo agente. Exemplo: “A” subministra dose letal de veneno a “B”, mas,
antes que se produzisse o efeito almejado, surge “C”, antigo desafeto de
“B”, que nele efetua inúmeros disparos de arma de fogo por todo o corpo,
matando-o.
Observem que em todas as modalidades de causas absolutamente
independentes o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do
agente. As causas surgem de forma autônoma, isto é, não se ligam ao comportamento
criminoso do agente e assim sendo, produzem por si sós o resultado material. Logo,
devem ser imputados ao agente somente os atos praticados e não o resultado
naturalístico, em face da quebra do nexo de causalidade. Aplica-se aqui a teoria da
equivalência dos antecedentes causais ou conditio sine qua non (art. 13, caput,
in fine, CP), pois suprimindo mentalmente a conduta do agente, ainda assim o
resultado teria ocorrido. Em todos os exemplos mencionados, o agente somente
responderia por tentativa de homicídio e não por homicídio consumado.
assim são relativas, pois não existiriam sem a atuação criminosa dele. Apesar disso,
são causas independentes, ou seja, têm idoneidade para produzir, por si sós, o
resultado, já que não se situam no normal trâmite do desenvolvimento causal. São
classificadas em causas relativamente independentes:
1) Preexistente: é aquela que existe previamente à prática da conduta do
agente, ou seja, antes que ele agisse, ela já estava presente. Exemplo: “A”
com ânimo homicida, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-
o de raspão. Porém, pelo fato de “B” ser hemofílico, vem a falecer devido a
grave hemorragia. Nesse caso, o “A” somente responderia pelo
resultado morte se tivesse conhecimento da condição de “B” de
hemofílico.
2) Concomitante: é aquela que ocorre simultaneamente à prática da conduta.
Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, no mesmo instante
em que ele morre em decorrência de um ataque cardíaco. Nesse caso, se
o ataque cardíaco se desencadeou em função dos disparos, o “A”
responderá por homicídio, entretanto se os tiros não foram a causa da
morte responderá por simples tentativa de homicídio.
3) Superveniente: é aquela que incide posteriormente à conduta praticada
pelo agente e pode ser dividida em dois grupos:
3.1) as que não produzem por si sós o resultado: incide a teoria da
equivalência dos antecedentes ou da condicio sine qua non, adotada
como regra geral no tocante ao nexo causal (art. 13, caput, in fine, CP).
Exemplo: “A” com a intenção de matar, efetua disparos de arma de fogo
contra “B”. Entretanto, a vítima não morre imediatamente, sendo levada
para o Hospital onde é operada. Durante a cirurgia a vítima morre de choque
anafilático. Nesse caso o agente responde pelo resultado naturalístico,
pois, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado não teria
ocorrido como e quando ocorreu. Ou seja, a causa superveniente
relativamente independente não rompe o nexo de causalidade, pois
constitui um prolongamento ou desdobramento da ação cometida pelo
agente.
39
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
“São obrigatoriamente previstos em tipos penais específicos, em obediência
ao princípio da reserva legal”.40 “A omissão é descrita pelo próprio tipo penal, e o crime
se consuma com a simples inércia do agente. Não são, assim, compatíveis com a
figura da tentativa”.41
- Crimes Omissivos Impróprios, Impuros, Espúrios, Promíscuos ou Comissivos por 129
Omissão: nesses o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez o que
deveria ser feito. Há, portanto, a norma dizendo o que ele deveria fazer, passando a
omissão a ter relevância causal. Como consequência, o omitente não responde
apenas pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se
este resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa.
“São crimes de resultado, não têm tipologia específica, inserindo-se na
tipificação comum dos crimes de resultado, como o homicídio, a lesão corporal etc.”.42
Para que alguém responda por um crime comissivo por omissão é
necessário que, nos termos do art. 13, § 2º do CP, tenha o dever jurídico de evitar o
resultado, seja por dever legal, dever de garantidor ou por ingerência na norma (ocorre
quando o agente criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do
resultado. Exemplo: o nadador exímio que convida para uma travessia pessoa que
não sabe nadar torna-se obrigado a evitar seu afogamento).
No Direito Penal, o que difere o dever jurídico de agir do dever legal de agir é
que o dever jurídico é o gênero do qual o dever legal é espécie, ou seja, o dever
jurídico decorre do senso comum da coletividade e segundo o Código Penal brasileiro
abrange a determinação específica de agir, isto é, o dever legal ou imposição legal
(Exemplos: a mãe com relação aos filhos; o diretor do presídio com relação aos
presos), ou que o omitente tenha assumido por qualquer outro modo a obrigação de
agir, configurando o dever de garantidor ou “garante” (Exemplos: o médico
plantonista; o guia de alpinistas; o salva-vidas em relação aos banhistas; da babá para
com a criança).
O Código Penal ainda menciona a situação da ingerência ou da situação
precedente, que é aquela em que o agente com seu comportamento anterior, cria o
40
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 279.
41
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
42
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 279.
risco da ocorrência do resultado. Exemplo: o marinheiro que lança ao mar um
tripulante do navio tem o dever de salvá-lo da morte. Se não o fizer, responde pelo
homicídio.
Em síntese: “Esse é o significado da expressão ‘penalmente relevante’: a omissão
que não é típica, por não estar descrita pelo tipo penal, somente se torna penalmente 130
Inação do agente
Relevância penal da +
omissão nos crimes Poder de agir
omissivos impróprios
+
Dever jurídico de agir
O tipo penal descreve uma omissão O tipo penal descreve uma ação
43
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
outra árvore. “A” e “C” atiram ao mesmo tempo e produzem a morte de “B”, sem que
seja possível saber de quem foi a munição que produziu o resultado naturalístico
morte. “A” e “C” não sabiam do intento um do outro.
Nesse caso, aduz Masson que a doutrina brasileira se inclina pela punição de
ambos os autores por homicídio consumado.44 131
44
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
45
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 200/1. Ebook.
46
Ibidem, p. 201. Ebook.
47
Ibidem, p. 203. Ebook.
48
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 203. Ebook.
49
Ibidem, p. 203. Ebook.
“Em resumo, a imputação objetiva exclui a tipicidade da conduta quando o
agente se comporta de acordo com seu papel social, ou, mesmo não o fazendo, o
resultado não se encontra dentro da linha de desdobramento causal da conduta, ou
seja, não esta conforme ao perigo”.50
132
5.4 Tipicidade
50
Ibidem, p. 205. Ebook.
51
A ação socialmente adequada está, desde o início, excluída do tipo penal, por que se realiza dentro
do âmbito de normalidade social, ao passo que a ação amparada por uma causa de justificação só
não é crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a
realização da ação típica.
52
Os princípios da adequação social e da insignificância afastam a tipicidade material e, de
consequência, o crime, logo são considerados causas supralegais de exclusão da tipicidade.
Elementos Normativos do Tipo: são aqueles que demandam uma valoração
jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro
campo do conhecimento humano por parte do aplicador da norma, deixados
propositalmente em aberto pelo legislador, para que se faça a identificação da
situação de fato. Aparecem sob a forma de expressões como “sem justa causa”, 133
desaparecerá.
Tipos Penais Derivado: são aqueles que se formam a partir do tipo fundamental,
mediante o acréscimo de circunstâncias que o agravam ou atenuam.
Se a agravação consistir em um novo limite abstrato de pena, como no caso
do art. 121, § 2º, do CP, em que a pena passa a ser de 12 a 30 anos, tem-s o tipo
qualificado; se constituir em um aumento em determinado percentual, como 1/3, 1/2
ou 2/3, ocorre a chamada causa de aumento (art. 155, § 1º, do CP); no caso de
atenuação, surge o tipo privilegiado (art. 121, § 1º, do CP). Nesses tipos, estão os
componentes secundários do tipo, que não constituem a sua essência. Localizam-se
nos parágrafos dos tipos incriminadores fundamentais.
Objetivos
Subjetivos
Normativos
5.5 Dolo
De acordo com Masson: “Em nosso sistema penal tal teoria deve
ser afastada, por confundir o dolo com a culpa consciente”.53
Teoria da Vontade Para essa teoria o dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir
o resultado. Logo, existe dolo quando se pratica a ação consciente
e voluntariamente.
De acordo com Masson: “Essa teoria se vale da teoria da
representação, ao exigir a previsão do resultado. Contudo, vai
mais longe. Além da representação, reclama ainda a vontade de
produzir o resultado”.54
Teoria do Assentimento O dolo é o assentimento do resultado, ou seja, a previsão do
Também chamada de Teoria resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo. Não basta,
da Anuência portanto, representar; é preciso aceitar como indiferente a
produção do resultado.
De acordo com Masson: Essa teoria “complementa a teoria da
vontade, recepcionando sua premissa. Para essa teoria, há dolo
não somente quando o agente quer o resultado, mas também
quando realiza a conduta assumindo o risco de produzi-lo”.55
53
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
54
Ibidem.
55
Ibidem.
produzir o resultado. Basta, para a verificação do dolo, que o resultado se
produza em conformidade com a vontade esboçada pelo agente no momento
da conduta. Exemplo: “A” queria matar “B”. Efetua contra ele disparos de
arma de fogo. Erra os tiros, mas “B”, durante a fuga, despenca de um
barranco, bate a cabeça no solo e morre em decorrência de traumatismo
craniano. “A” queria matar, e matou. Nessa situação “A” responderá pelo
resultado”.
Como se vê no exemplo de Masson, não é necessário que o iter criminis, ou
136
seja, o caminho do crime transcorra na forma idealizada pelo agente, basta
que exista o nexo causal. “Subsiste o dolo se o objetivo almejado for
alcançado, ainda que de modo diverso.56
56
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
57
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Vejamos o seguinte esquema elaborado por Masson:58
Consciência
Dolo Natural
+ (Teoria Finalista)
Elementos do 137
dolo Vontade
Dolo Normativo
+
(Teoria Clássica)
Consciência da Ilicitude
58
Ibidem.
conduta. Acaba atingindo um pedestre que vem a falecer. Responde por homicídio
doloso, pois presente se encontra o dolo eventual”.59
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já admitiu a possibilidade do dolo
eventual em homicídio praticado na direção de veículo automotor.
Dolo Alternativo: ocorre quando a vontade é dirigida a um ou outro resultado. “Sua 138
59
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
60
Ibidem.
61
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
injusto”.62 Apesar disso, é comum encontrarmos na doutrina a expressão elemento
subjetivo do tipo referindo-se ao dolo (antigo dolo genérico) e a expressão elemento
subjetivo específico do tipo referindo-se a finalidade específica do agente (antigo
dolo específico).
Dolo Geral, por erro sucessivo, dolus generalis ou aberratio causae: ocorre 139
5.6. Culpa
62
Ibidem.
63
Ibidem.
64
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
culposo’”.65 O parágrafo único do art. 18 do CP consagrando o princípio da
excepcionalidade do crime culposo, afirma que “salvo nos casos expressos em lei,
ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente”.
Assim, em regra, os tipos penais que descrevem crimes culposos são tipos 140
65
Ibidem.
66
Ibidem.
▪ Violação do dever objetivo de cuidado: consiste na quebra do dever de cuidado
imposto a todos e que se manifesta por meio de três modalidades: a
imprudência, a negligência e a imperícia (serão particularmente estudadas na
sequência);
Cumpre destacar que o Princípio da confiança em se tratando de crimes 141
67
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
68
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
A previsibilidade subjetiva não constitui elemento da culpa, logo não a exclui
quando ausente. A previsibilidade subjetiva é a possibilidade que o agente dadas
as suas condições peculiares tem de prever o resultado. Não importa se uma pessoa
de normal diligência poderia ter previsto, relevando apenas se o agente podia ou não
o ter feito. Diante da ausência da previsibilidade subjetiva a consequência será a 142
69
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
do caráter misto ou híbrido da culpa imprópria (dolo tratado como
culpa), revela-se como a única modalidade de crime culposo
que comporta a tentativa”.70
Exemplo: O pai que de madrugada atira com dolo de matar
(animus necandi) no próprio filho acreditando que se tratava de
um meliante. Não mata, mas produz graves ferimentos. 144
70
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
71
Ibidem.
ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na
culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.
72
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
abstratamente a pena. Logo, ocorre quando a lei acrescenta ao tipo penal básico ou
fundamental a expressão “se resulta” (ou expressão equivalente) na ocorrência de
resultado mais grave, cominando-se pena mais rigorosa do que a prevista para o tipo
fundamental. Exemplo: art. 157, § 3º, CP.
“Todo crime qualificado pelo resultado representa um único crime, e 146
73
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Conduta culposa e O sujeito pratica um delito culposamente (Exemplo: incêndio
resultado agravador culposo – art. 250, § 2º, do CP), e, em razão desse crime, dá causa,
culposo também por culpa, a um resultado agravador culposo (do incêndio
culposo, resulta uma morte também culposa – art. 258, parte final,
do CP).
Os crimes qualificados pelo resultado com culpa no antecedente e culpa no 147
74
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
consequente. Quando a morte for acidental (culposa), o latrocínio será preterdoloso,
porém, neste caso, será impossível a tentativa.
perfeitamente que está cometendo um crime. Por essa razão, é um erro que não traz
qualquer consequência jurídica: o agente responde pelo crime como se não houvesse
erro. São espécies de erro de tipo acidental:
Erro sobre o objeto ou error in objecto: ocorre quando o sujeito supõe que sua
conduta recai sobre determinada coisa, mas na realidade incide sobre outra.
Exemplo: o agente furta um relógio supondo que o mesmo é de ouro, mas na realidade
é apenas folheado a ouro.
Aqui é preciso observar que se a coisa estiver descrita como elementar do
tipo o erro deixa de ser acidental e passa a ser essencial. Por exemplo: se o agente
confunde cocaína com talco, tal erro é essencial, pois aquela é elementar do crime de
tráfico, e o talco não é. O mesmo ocorre no caso do furto, se uma coisa tem grande
valor e outra, pequeno, o erro também passa a ser essencial, pois o pequeno valor é
circunstância do crime de furto (art. 155, § 2º, CP).
Erro sobre a pessoa ou error in persona: nos termos do § 3º, do art. 20, do
CP: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidade de vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”.75 Ocorre, portanto, quando o
agente atinge uma pessoa na firme suposição de que se trata daquela que realmente
pretendia ofender. Não se considera, neste caso, as condições ou qualidades da
vítima efetiva. Exemplo: o agente, pretendendo matar seu cunhado espera-o em
emboscada, mas ao passar o vulto atira e mata o próprio pai.
Erro na execução ou aberratio ictus (art. 73, CP): essa modalidade de erro
ocorre quando o sujeito, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, visando
alvejar uma pessoa, vem a ofender outra. Se atingir apenas a pessoa diversa da
pretendida responde nos termos do § 3º, do art. 20, do CP; porém se atinge também
a pessoa pretendida, responde nos termos do art. 70, do CP.
75
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis (art. 74, CP): é o mesmo
que desvio de crime; o agente pretende atingir um bem jurídico, mas acaba ofendendo
outro (de espécie diversa). Aqui, não se trata de atingir uma pessoa em vez de outra,
mas de cometer um crime no lugar de outro. Se ocorre resultado diverso do que foi
pretendido pelo agente, responde este por culpa, caso o fato seja previsto como crime 150
Erro de Proibição: É aquele que incide sobre a norma de proibição; o agente, por ele
supõe não contrariar o ordenamento jurídico; não possui a consciência da ilicitude do
fato pratica o proibido na impressão de estar fazendo o permitido; enquanto o erro de
tipo exclui o dolo, o erro de proibição (escusável) exclui a culpabilidade, por ausência
de potencial consciência de ilicitude.
Formas de erro de proibição:
Erro de proibição escusável (ou inevitável): Divide-se em três espécies, sendo que
em todas elas exclui a culpabilidade.
Erro de Proibição Direto: o agente, por erro inevitável, realiza uma conduta
proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não
compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência. Exemplo: camponês que mata
animal silvestre para comer ou vender não age com a mesma consciência de um
membro de uma ONG (protetora do meio ambiente) que pratica o mesmo fato.
Erro de Mandamento: é quando, nos crimes omissivos, o agente se encontra
na posição de garantidor diante de uma situação de perigo, mas supõe não possuir o
dever jurídico de impedir o resultado. Exemplo: vizinha que se propôs olhar uma
criança até certo horário, após este a abandona supondo que já cumpriu seu favor;
por ausência de vigilância o menor sofre queimaduras. 151
6. Iter Criminis
crime);
▪ Crimes que a lei só pune se ocorrer o resultado (art. 122, do CP);
▪ Crimes de atentado: aqueles que a lei pune a tentativa como crime consumado
(art. 352, do CP);
▪ Crime Unissubsistente: aquele que se perfaz com um único ato, como a Injúria
verbal, por exemplo.
São duas as teorias existentes sobre a tentativa:
a) Teoria Subjetiva: a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime
consumado, pois o que vale é a intenção do agente;
b) Teoria Objetiva: a tentativa deve ser punida de forma mais branda que o crime
consumado porque objetivamente produziu um mal menor. O Código Penal
brasileiro adotou essa teoria (art. 14, parágrafo único, CP).
Assim, como regra, aplica-se à tentativa a pena correspondente ao crime
consumado, diminuída de uma a dois terços. O quantum da redução é inversamente
proporcional à proximidade da produção do resultado; em outras palavras, quanto
mais próximo o agente chegar da consumação, menor será a redução e vice-versa.
Existem hipóteses, excepcionais, em que à tentativa aplica-se a mesma pena
do crime consumado, quando aquela for elementar do tipo. Exemplos: evasão ou
tentativa de evasão com violência do preso – art. 352, do CP; votar ou tentar votar
duas vezes – art. 309, do Código Eleitoral.
Diante de tudo o que foi estudado, a tentativa pode ter a sua natureza jurídica
analisada sob dois aspectos ou pontos de vista:
a) Causa de diminuição de pena (art. 14, parágrafo único, CP);
b) Norma de adequação típica por subordinação mediata.
à obtenção do resultado;
- passar a agir em favor da vítima; e
- evitar que o resultado ocorra. Caso ocorra o resultado o agente não será beneficiado
pelo arrependimento eficaz.
Crimes que não admitem Tentativa Abandona ou Qualificada
Crimes Unissubsistentes: não admitem desistência voluntária, uma vez que, praticado o primeiro
ato, já se encerra a execução, tornando impossível a sua cisão; o que não significa não ser
admissível o arrependimento eficaz.
Crimes Culposos: não comportam desistência voluntária e o arrependimento eficaz, pois, como se
trata de tentativas que foram abandonadas, ambos pressupõem um resultado que o agente pretendia
produzir (dolo), mas, posteriormente, desistiu ou se arrependeu, evitando-o.
Crimes de Mera Conduta e Formais: não admitem o arrependimento eficaz, tendo em vista que,
encerrada a execução, o crime já está consumado, não havendo resultado naturalístico a ser evitado.
Só é possível, portanto, nos crimes materiais, nos quais o resultado naturalístico é imprescindível
para a consumação.
- voluntariedade do agente; e
- até o recebimento da denúncia ou queixa; se posterior, é circunstância atenuante
genérica (art. 65, III, b, do CP).
É possível a ocorrência do arrependimento posterior nos crimes cometidos
com violência na hipótese de crime culposo, pois a lei se refere à violência dolosa,
podendo a diminuição ser aplicada aos crimes culposos em que há violência, tais
como homicídio e lesão corporal culposa. E ainda, quando a violência é empregada
contra a coisa e não contra a pessoa, como, por exemplo, no crime de dano, é possível
a aplicação do benefício.
A redução da pena decorrente do arrependimento posterior pode operar-se
nas seguintes espécies de crimes:
a) dolosos e culposos;
b) tentados e consumados; e
c) simples, privilegiado ou qualificado.
A delação eficaz ou premiada é um instituto distinto do arrependimento
posterior no qual se estimula a delação feita por um coautor ou partícipe em relação
aos demais, mediante o benefício da redução obrigatória da pena. O § 4º do art. 159,
do CP prevê a aplicação da delação premiada mediante a satisfação dos seguintes
requisitos:
- prática de um crime de extorsão mediante sequestro;
- cometimento em concurso de pessoas;
- delação feita por um dos coautores ou partícipes à autoridade; e
- eficácia da delação, mediante a libertação do sequestrado.
Já a traição benéfica é uma forma de delação premiada, prevista no
parágrafo único do art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8072/90), aplicável aos
crimes de quadrilha ou bando formado com a finalidade de praticar tortura, terrorismo,
tráfico ilícito de entorpecentes (ver art. 41, da Lei n. 11.343/2006) ou crimes
hediondos. Nesse caso, a delação do bando por um dos seus integrantes leva à
redução da pena de um a dois terços, desde que resulte no desmantelamento do
bando. A eficácia da delação exige dois requisitos:
- desmantelamento do bando; e
- nexo causal entre a delação e o desmantelamento.
O benefício do arrependimento posterior não impede a aplicação de outros 159
Atenção:
Na sistemática dos Juizados Especiais Criminais, a reparação do dano
funciona como causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 74, da Lei n.
9.099/95. Logo, não se aplica o art. 16, do CP.
7. Ilicitude ou Antijuridicidade
aspectos:
Conceito Analítico: segundo o qual a ilicitude ou antijuridicidade é o segundo
substrato do crime.
Conceito Material: entende-se por ilicitude ou antijuridicidade a relação de
contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo, inexistindo
qualquer exceção determinando, incentivando ou permitindo a conduta típica. Em
resumo trata-se de conduta típica não justificada.
Quanto à classificação, Estefam esclarece que a doutrina classifica a
antijuridicidade ou ilicitude em genérica e específica.77
Sendo que a genérica diz respeito à contradição do fato com a norma
abstrata, em razão da lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
Já a específica se refere à ilicitude presente em determinados tipos penais através de
elementos normativos do tipo.
Ressalta, entretanto, o autor acima citado que: “Na verdade, dessas, só a
primeira realmente trata-se efetivamente de ilicitude”.78
No que se refere à relação da ilicitude ou antijuridicidade com a tipicidade são
quatro as teorias desenvolvidas pela doutrina em síntese construída por Rogério
Sanches Cunha:79
1ª Teoria: da autonomia ou absoluta independência: para essa teoria a tipicidade
não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude. Logo, são dois institutos
absolutamente autônomos, o que significa que desaparecendo a ilicitude o fato típico
permanece.
2ª Teoria: da indiciariedade ou ratio cognoscendi: para essa teoria a tipicidade
gera indícios de ilicitude. A tipicidade gera suspeita, ou seja, presunção relativa de
76
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 159.
77
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 243.
78
Ibidem, p. 243.
79
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 292/3.
ilicitude. Assim, para essa teoria se desaparecer a ilicitude não desaparece o fato
típico.
3ª Teoria: da absoluta dependência ou ratio essendi: para essa teoria a ilicitude
confirma a tipicidade, servindo como sua essência. Assim, um fato só será típico se
também for ilícito. 162
80
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 159.
81
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 13.
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
82
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 244.
83
Existe quem defenda que a tipicidade é material, enquanto a ilicitude é meramente formal, de modo
que causas supralegais são causas excludentes de tipicidade e não de ilicitude.
84
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 244.
Se o consentimento for manifestado depois de praticado o crime não excluirá
a ilicitude, mas pode figurar caso de renúncia ou perdão do ofendido e extinguirá a
punibilidade, nos termos do art. 107, V, do Código Penal.
85
Ibidem, p. 244.
1ª Hipótese – durante um roubo, o ofendido reage à abordagem do agente e mesmo
após desarmá-lo e dominá-lo por completo continua a agredi-lo por supor que o ladrão
ainda não foi completamente dominando.
2ª Hipótese – durante um roubo, a vítima, sem se dar conta de que o ladrão usa uma
arma de brinquedo, reage à investida efetuando disparos de arma de fogo, matando- 165
o.
O excesso exculpante pode ainda derivar do medo. Tal situação ocorre
quando o medo provoca na vítima uma alteração psíquica que a impede de avaliar de
forma objetiva os fatos.
Exemplo: uma senhora de idade avançada que uma vez atacada por um
bandido reage golpeando-o com seu guarda-chuva, e mesmo depois de provocar nele
um estado de inconsciência continua a agredi-lo até matá-lo.
Quando se fala em causas de exclusão da ilicitude ou antijuridicidade é
preciso mencionar algumas questões processuais:
1ª) O reconhecimento de uma das causas de exclusão da ilicitude pode resultar no
arquivamento do Inquérito Policial ou na rejeição da denúncia ou queixa com fulcro no
artigo 395, II, do CPP (falta de uma condição da Ação Penal – fato narrado não
constitui crime).
2ª) Em caso de dúvida quanto à existência ou não da causa de exclusão será dado
prosseguimento à Ação Penal, pois na fase de oferecimento da denúncia vigora o
princípio in dubio pro societate.
Para Refletir:
É possível afirmar que o reconhecimento de causa de exclusão da ilicitude é
um direito público subjetivo do acusado quando presente os seus requisitos?
salvaguardar a ambos.
O exemplo clássico de estado de necessidade cunhado pela doutrina é o da
“tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem obrigadas a dividir a
mesma tábua, porém ela somente suporta o peso de uma delas. Neste cenário, o
direito autoriza que um dos náufragos mate o outro, com o objetivo de salvar a própria
vida.
Diante do que foi exposto, verifica-se que existem requisitos para a
configuração do estado de necessidade. São eles:
Requisitos objetivos:
a) perigo atual - que pode advir de conduta humana, da força da natureza ou de
comportamento de animais. O perigo atual é recente, sem destinatário certo.
Prevalece o entendimento doutrinário (adotado dentre outros por Fernando
Capez) de que o perigo iminente não está abrangido pelo conceito de estado de
necessidade. Isso ocorre em razão da compreensão de que o perigo de iminente é
incompatível com o requisito da inevitabilidade do comportamento lesivo.
b) é imprescindível que a situação de perigo não tenha sido causada
voluntariamente pelo agente.
necessidade de terceiro).
Para Refletir:
Um determinado bombeiro em um incêndio só possui condições de salvar
mais uma pessoa. Porém, existem duas pessoas esperando salvamento. Ele tem que
usar algum critério para escolher quem irá salvar?
reparar o dano causado ao terceiro, bem como o direito de entrar com ação regressiva
em face daquele que causou a situação de perigo.
86
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 246.
87
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
312.
contexto individual, não sendo cabível invocá-la para a defesa de interesses
coletivos, como a ordem pública ou o ordenamento jurídico”;
b) Prisma jurídico-social: “o ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto”,
logo só é aceitável a legítima defesa quando for essencialmente necessária.
“É desse contexto que se extrai o princípio de que a legítima defesa merece 170
88
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 15.
c) Uso moderado dos meios necessários: considera-se meio necessário o menos
lesivo dentre os meios a disposição do agredido no momento da agressão e suficiente
para repelir o comportamento injusto.
De acordo com Nelson Hungria é o caso concreto que vai dizer se os meios 171
Requisito Subjetivo:
Consiste no conhecimento da situação de fato justificante e é fundamental
para a configuração da excludente. “Deve o agente conhecer as circunstâncias do fato
justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual
ou iminente”.90
89
Ibidem, p. 15.
90
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 14.
f) Legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude.
g) Legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade de erro (art. 20, §
1º ou art. 21, ambos do CP).
h) Legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio.
i) Legítima defesa de terceiro: quando o agente defende direito alheio. 172
j) Legítima defesa com aberratio ictus: ocorre quando o sujeito, ao repelir a agressão
injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa daquela que o agredia.
Neste caso, age ao abrigo da excludente de ilicitude e deverá ser absolvido
criminalmente; porém na esfera cível deverá responder pelos danos decorrentes de
sua conduta em face do terceiro realmente atingido, tendo direito de regresso contra
seu agressor.
Para refletir:
O que significa a “legítima defesa da honra”? É possível a defesa da “legítima
defesa da honra” hodiernamente?
91
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 18.
O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito (art. 23,
III, CP) constituem as chamadas excludentes de ilicitude “em branco”. Posto que, o
seu conteúdo definitivo depende de uma outra norma jurídica (normas extrapenais),
da mesma hierarquia ou de hierarquia inferior.92
Exemplos citados por André Estefam:93 173
92
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 256.
93
Ibidem, p. 256/7.
São exemplos de atos lesivos a bens jurídicos penalmente tutelados que são
permitidos em lei e que se enquadram na excludente em exame (os cinco últimos
exemplos foram elaborados por Estefam:94
1) Art. 301 do CPP: “flagrante compulsório”. Se um policial acaba ferindo a pessoa
está agindo dentro do cumprimento de um dever legal, desde que haja em limites 174
aceitáveis.
2) Art. 292 do CPP: violência para executar mandado de prisão. “O art. 292 do CPP,
norma permissiva, não autoriza, contudo, que os agentes do Estado possam, amiúde,
matar e ferir pessoas apenas porque são marginais ou estão delinquindo ou então
estão sendo legitimamente perseguidas”.
3) Art. 293 do CPP: execução de mandado de busca e apreensão e arrombamento.
4) Oficial de Justiça que executa ordem de despejo.
5) Soldado que fuzila o condenado por crime militar em tempo de guerra, cuja sanção
é a pena de morte.
6) Agente policial infiltrado com autorização judicial que se vê obrigado a cometer
delitos no seio da organização criminosa (art. 2º, V, da Lei n. 9.034/95).
Cumpre destacar que também no estrito cumprimento do dever legal é
possível a ocorrência do excesso (doloso, culposo ou exculpante).
94
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 258.
95
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 257.
a) Pro magistratu: que são aquelas situações em que o Estado não pode estar
presente para evitar a lesão a um bem jurídico ou recompor a ordem pública. Nesse
caso o agente age no lugar do Estado visto que ele não está presente. Exemplo: art.
301 do CPP, que permite o flagrante facultativo praticado por qualquer um do povo.
b) Direito de castigo: decorre do direito de educação e do exercício do poder familiar. 175
Ofendículos
De acordo com Estefam “compreendem todos os instrumentos empregados
regularmente, de maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum
bem jurídico, geralmente posse ou propriedade”.96
Assim sendo, significam o aparato preordenado para a defesa do patrimônio,
como por exemplo: cacos de vidro no muro; ponta de lança nos muros; corrente
elétrica etc.
Quanto à natureza jurídica dos ofendículos existem quatro correntes:
1ª) O ofendículo enquanto não acionado configura exercício regular de direito. Quando
acionado repele injusta agressão, configurando legítima defesa. É a chamada legítima
defesa preordenada. Esta corrente diferencia o ofendículo acionado do não acionado.
2ª) O ofendículo acionado ou não configura exercício regular de direito.
96
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 255.
3ª) O ofendículo acionado ou não configura legítima defesa preordenada.
4ª) A quarta corrente diferencia ofendículo de defesa mecânica predisposta:
ofendículo é o aparato visível (ex.: cacos de vidro no muro); já a defesa mecânica
predisposta é um aparato oculto (ex.: cercas eletrificadas, armadilhas, etc). Assim, o
ofendículo seria exercício regular de direito, enquanto a defesa mecânica predisposta 176
Para refletir:
O animal pode ser considerado ofendículo?
8. Culpabilidade
Segundo Mirabete:
[...] as palavras culpa e culpado têm sentido lexical comum de indicar que
uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou seja, por ter
praticado um ato condenável. Somos “culpados” de nossas más ações, de
termos causado um dano, uma lesão. Esse resultado lesivo, entretanto, só
pode ser atribuído a quem lhe deu causa se essa pessoa pudesse ter
procedido de outra forma, se pudesse com seu comportamento ter evitado a
lesão.97
97
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 181.
Assim, para a maioria da doutrina a culpabilidade é entendida como o juízo
de reprovação que recai sobre o autor culpado por um fato típico e antijurídico.98
De acordo com Fernando Capez, que é adepto da corrente bipartida do
conceito analítico de crime a culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém
culpado pela prática de uma infração penal. “Por essa razão, costuma ser definida 177
98
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 259.
99
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 276/7. Ebook.
100
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 325.
Mirabete afirma que na teoria psicológica “a culpabilidade reside numa ligação
de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e o fato criminoso. Dolo
[vontade] e culpa [previsibilidade], assim, seriam as formas da culpabilidade”.101
Em resumo para essa teoria a culpabilidade tem as seguintes características:
▪ tem base causalista: o dolo e a culpa estão na culpabilidade; 178
101
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 180.
102
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
323.
103
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 326.
104
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 182.
▪ a culpabilidade tem os seguintes elementos: imputabilidade,
exigibilidade de conduta adversa e culpa ou dolo;
▪ o dolo é constituído de: consciência, vontade e consciência atual da
ilicitude (a consciência atual de ilicitude é o elemento normativo) e é
chamado de dolo normativo. 179
Crítica: O dolo e a culpa não podem estar na culpabilidade, mas fora dela, para
sofrerem a incidência do juízo de censurabilidade.
105
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 283. Ebook.
106
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
323.
107
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 182.
▪ tem base finalista (dolo e a culpa migram da culpabilidade para o fato
típico);
▪ o dolo que migrou não foi o dolo normativo, mas o dolo constituído só de
consciência e vontade, o elemento normativo (consciência da ilicitude)
permanece na culpabilidade. Por isso não pode mais ser chamado de 180
108
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 284. Ebook.
109
Ibidem, p. 285. Ebook.
postulados, salvo no tocante à natureza das descriminantes putativas, conforme foi
elucidado acima.
putativas fáticas são tratadas como erro de tipo (art. 20, § 1º), enquanto as
descriminantes putativas por erro de proibição, ou erro de proibição indireto, são
consideradas erro de proibição (art. 21)”.110
110
Ibidem, p. 285. Ebook.
111
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 260.
Este princípio encontra-se implicitamente reconhecido em diversos
dispositivos do atual Código Penal brasileiro, tais como nos arts. 23, 26 e 28.
112
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
328.
8.3. Causas que não excluem a culpabilidade
Fique atento!
A teoria da coculpabilidade consiste na “reprovação conjunta que deve ser
exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com relação ao autor de uma infração
penal, quando se verifica não ter sido proporcionada a todos igualdade de
oportunidades na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime por falta de
opção”.113
Neste caso, não há exclusão da culpabilidade, “mas essas circunstâncias
externas devem ser consideradas na dosimetria da pena. O nosso Código Penal
possibilita a adoção dessa teoria ao prever, em seu artigo 66, uma atenuante
inominada: “A pena poderá ser ainda ATENUADA em razão de circunstância
relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em
lei”.114
8.4.1. Imputabilidade:
113
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
114
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 327.
imputabilidade, elemento (ou pressuposto da culpabilidade) [de acordo com a Teoria
da Culpabilidade adotada]. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável”.115
A doutrina de um modo geral conceitua a imputabilidade como o “conjunto das
condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o
caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento”.116 184
115
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 195/6.
116
PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal Brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 3. ed. rev.
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1. p. 346.
117
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 285. Ebook.
118
Ibidem, p. 285. Ebook.
119
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
a) Biológico: analisa apenas a condição mental do agente, verificando se é, ou
não, doente mental ou se possui, ou não, um desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. “A adoção restrita desse critério faz com que o juiz
fique absolutamente dependente do laudo pericial”;
b) Psicológico: analisa apenas se o agente é capaz de apreciar o caráter ilícito do 185
Atenção!
Não se deve confundir:
1) Imputabilidade Penal com Responsabilidade Jurídico-penal: “Por
responsabilidade jurídico-penal entende-se a obrigação de o agente sujeitar-se às
consequências da infração penal cometida. Nada tem que ver, portanto, com a
capacidade mental de compreensão e autodeterminação (imputabilidade). Tanto é
assim que um inimputável por doença mental (art. 26, caput), embora desprovido de
condições psíquicas de compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar
conforme essa compreensão, será juridicamente responsável pelo ato delitivo
praticado, pois ficará sujeito a uma sanção (a medida de segurança)”.120
2) Imputabilidade Penal e Capacidade: “a capacidade é gênero do qual a
imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla,
que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade
(Imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na
órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem
assistência de curador etc. (capacidade processual). A imputabilidade é, portanto, a
120
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 261.
capacidade na órbita penal. Tanto a capacidade penal (CF, art. 228, e CP, art. 27)
quanto a capacidade processual plena são adquiridas aos 18 anos”.121
a) Inimputável:
Em regra, todo agente é imputável, salvo diante de uma causa excludente da 186
121
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 286. Ebook.
122
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 262.
imputável, ou que ele pudesse prevê-lo como consequência de seu
comportamento”.123
Exemplo clássico de actio libera in causa: é o da embriaguez preordenada, em que
o agente bebe com a intenção de cometer determinado delito (a embriaguez será
objeto de estudo, ainda, nesta unidade). 187
Doença Mental:
Para o filósofo Emanuel Kant “não é necessário ser médico para determinar
se uma pessoa é alienada Mental, basta um pouco de bom senso”, e do mesmo modo
pode ser afirmado que “não é necessário ser médico para determinar se uma pessoa
está normal, bastando um pouco de bom senso”. Entretanto, quando se fala em
doença mental ou saúde mental a questão não se reduz a esses dois extremos e o
que, realmente, interessa são os variados casos situados entre esses dois extremos.
O certo é que os transtornos mentais não se manifestavam de maneira
simplesmente binária, tal como ocorre na obstetrícia com as grávidas e não-grávidas.
Nas questões emocionais e mentais há graduações de sofrimento e
comprometimento. Dessa constatação surgiu a necessidade para a Justiça de que
fossem feitos exames e avaliações médicas para atestar o estado mental do acusado
pela prática de um crime. Nasce a Psicopatologia Forense.
Apesar disso, os conceitos de imputabilidade e inimputabilidade é
exclusivamente jurídico e não médica. Eles são pertencem ao mundo jurídico e já
foram trabalhados nos itens acima. O que a medicina faz é oferece à Justiça os
subsídios que facilitam a decisão do juiz. Assim, o médico não atesta a imputabilidade,
123
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 201.
124
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 268.
mas sim a qualidade da consciência crítica e das faculdades mentais, deixando para
a Justiça a decretação de imputabilidade ou não.
De acordo com Capez doença mental “é a perturbação mental ou psíquica de
qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter
criminoso do fato ou a de comandar à vontade de acordo com esse entendimento. 188
125
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 286. Ebook.
126
Ibidem, p. 286. Ebook.
127
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 263.
128
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 198.
ou a pedido das partes determinar a instauração de um Incidente de Insanidade
Mental (arts. 149 a 152, do CPP). Cumpre destacar, entretanto, que o laudo pericial
não vincula o magistrado, podendo este decidir segundo a sua livre convicção (arts.
155, caput e 182, do CPP).
Excluída a imputabilidade do agente que praticou um crime nessas condições 189
(art. 26, caput, CP) haverá absolvição, porém, essa absolvição será imprópria, posto
que a ele será aplicada uma medida de segurança (é a sanção penal adequada em
função da periculosidade do agente) de internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Porém, em
se tratando de crime punido com detenção, o juiz poderá submeter o agente a
tratamento ambulatorial, nos termos do art. 97, do CP.
Obs.: “A comprovada inimputabilidade do agente não dispensa o juiz de analisar na
sentença a existência ou não do delito apontado na denúncia e os argumentos do
acusado quanto à inexistência de tipicidade ou de antijuridicidade. Inexistindo
tipicidade ou antijuridicidade, o réu, embora inimputável, deve ser absolvido pela
excludente do dolo ou da ilicitude, não se impondo, portanto, medida de segurança”.129
Já na hipótese do parágrafo único, do art. 26, do CP, o agente é imputável,
porém para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação precisa de maior
esforço, logo a sua sanção será reduzida diante da culpabilidade diminuída de que é
portador.
Alerta a doutrina que, “embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade,
semirresponsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis
de críticas”.130 Isso porque a imputabilidade não tem meio-termo: o agente é
imputável, porque compreendeu bem a ilicitude do ato e teve plenas condições de se
autocontrolar, ou não”.131
129
Ibidem, p. 199.
130
Ibidem, p. 199.
131
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 264.
e emocional. No entanto, com a evolução da idade ou o incremento das relações
sociais, a tendência é de ser atingida a plena potencialidade”.132
Tal situação se verifica com os seres humanos de um modo geral, assim os
menores de 18 anos são inimputáveis por força de lei (art. 27, CP). Também é o caso
dos silvícolas, desde que inadaptados à sociedade e dos surdos-mudos que não 190
Menoridade:
Por expressa previsão legal (art. 27, do CP) e constitucional (art. 228, da
CF/88) os menores de 18 anos são considerados inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n.
8.069/90.
O legislador adotou o critério puramente biológico (idade do autor do fato)
neste dispositivo, logo não leva em conta o desenvolvimento mental do menor, que
132
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 287. Ebook.
133
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 197/8.
134
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 287. Ebook.
135
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 198.
não está sujeito a sanção penal, ainda que seja plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
“Trata-se de uma presunção absoluta de inimputabilidade que faz com que o
menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em
decorrência de um critério de política criminal. Implicitamente, a lei estabelece que o 191
136
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 202.
137
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
aliás, instrumentos potencialmente eficazes para impedir a prática reiterada de atos
ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados”.138
Obs.: O marco temporal do início da maioridade penal aos 18 anos, predominante na
doutrina e na jurisprudência, é a partir do primeiro instante do dia do aniversário, pouco
importando à hora exata do nascimento, nos termos do art. 1º da Lei n. 810/49, que 192
Emoção e Paixão:
Nos termos do art. 28, I, do CP, a emoção e a paixão não excluem a
imputabilidade penal.
Emoção: “é um estado afetivo que, sob uma impressão atual, produz repentina e
violenta perturbação do equilíbrio psíquico. Sendo intensa, é comparável à torrente
que rompe um dique (Kant). São emoções a ira, o medo, a alegria, a surpresa, a
vergonha, o prazer erótico etc.”.139
De acordo com Nélson Hungria a emoção é “um estado de ânimo ou de
consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e
transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas
ou modificações particulares das funções da vida orgânica (pulsar precipite do
coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral, aceleração do ritmo
respiratório, alterações vasomotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores,
fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas etc.)”.140
Paixão: “é uma profunda e duradoura crise psicológica que ofende a integridade do
espírito e do corpo, o que pode arrastar muitas vezes o sujeito ao crime. É duradoura
como uma força que se infiltra na terra, minando o obstáculo que, afinal, vem a ruir.
São paixões o amor, o ódio, a avareza, a ambição, o ciúme, a cupidez, o patriotismo,
a piedade etc.”.141
138
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 202.
139
Ibidem, p. 205.
140
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
334.
141
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 205.
A paixão tem sua origem na emoção, porém é uma excitação sentimental
levada ao extremo, de maior duração, causando maiores alterações nervosas ou
psíquicas.142
Deste modo, ambas se diferenciam por ser a emoção aguda e de curta
duração e a paixão crônica e de existência mais estável. Não têm caráter patológico, 193
logo não significam perturbação da saúde mental, são meras perturbações dos
sentidos.
Cumpre destacar, entretanto, que o Código Penal brasileiro prevê como
atenuante genérica ter sido o crime cometido sob a influência de violenta emoção,
provocada por ato injusto da vítima (art. 65, III, c, última parte) e admite como causa
de diminuição especial da pena terem sido praticados o homicídio ou as lesões
corporais estando o agente sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à
injusta provocação da vítima (arts. 121, § 1º, e 129, § 4º). Devem estar presentes
nessas hipóteses os requisitos previstos nos dispositivos, posto que a emoção, por si,
não atenua a responsabilidade, derivando a atenuação apenas dos motivos que a
causaram.
Também é circunstância atenuante genérica ou causa de diminuição da pena
o motivo de relevante valor social ou moral que pode estar relacionado com uma
paixão social (piedade, patriotismo etc.), nos termos dos arts. 65, III, a, 121, § 1º e
129, § 4º. Uma paixão antissocial, por sua vez, pode ser uma circunstância agravante
genérica (como a cupidez, no art. 62, IV) ou até uma qualificadora (art. 121, § 2º, I).
Embriaguez:
Embriaguez é a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool ou
qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio
etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (LSD) cujos efeitos podem progredir de
uma ligeira excitação inicial até o estado de paralisia e coma. Sendo, portanto, capaz
de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente.
“Deve-se verificar, porém, se o agente não é portador de doença mental ou
perturbação da saúde mental provocadas pelo uso de drogas, hipóteses em que
poderá caber a aplicação do art. 26. Tratando-se de crime descrito na Lei n.
11.343/2006, se a incapacidade ou a redução da capacidade de entendimento ou
142
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
334.
autodeterminação decorre da dependência do agente do uso de drogas ou de se
encontrar ele sob seu efeito, em razão de caso fortuito ou força maior, determina a Lei
de Tóxicos a isenção (art. 45) ou a redução de pena (art. 46).143
De acordo com Capez a embriaguez possui as seguintes fases:144
Excitação: consiste no “estado eufórico inicial provocado pela inibição dos 194
143
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 208.
144
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 290. Ebook.
capacidade de entendimento e a vontade Importante: “a moderna doutrina penal não aceita a
do agente. aplicação da teoria da actio libera in causa à
embriaguez completa, voluntária ou culposa e não
preordenada, em que o sujeito não possui previsão, no
momento em que se embriaga, da prática do crime”. 145
Para ele a aplicação da mencionada teoria neste caso 195
145
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 289. Ebook.
146
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 269.
da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua conduta. E, segundo os
penalistas, essa consciência provém das normas de cultura dos princípios morais e
éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. São
conhecimentos que, no dizer de Binding, vêm naturalmente com o ar que a gente
respira”.147 196
147
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 158/9.
148
“À exceção do art. 8º da Lei de Contravenções Penais, que prevê o erro de direito como hipótese
de perdão judicial, ao dispor que, ‘no caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando
escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada’, de nada adiantará o agente alegar que não sabia
que determinada conduta era tipificada como infração penal, pois há uma presunção absoluta em
sentido contrário”. Apud CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v.
1. 26. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022. p. 298. Ebook.
149
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 292. Ebook.
lhe foram ensinadas durante sua experiência de vida. Pode-se dizer, então, que ele
agiu sem a menor possibilidade de conhecer o caráter ilícito do ato praticado”.150
(grifo nosso).
Assim, quando o agente interpreta equivocadamente a realidade que recai
sobre a ilicitude de seu comportamento se fala em ERRO DE PROIBIÇÃO, que está 197
150
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 269.
151
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 299. Ebook.
152
Ibidem, p. 301. Ebook.
Qual a consequência da consciência da ilicitude deixar de ser atual (teoria
psicológica normativa) para ser potencial (teoria normativa pura)?
Na teoria psicológica normativa o erro de proibição também podia ser evitável
ou inevitável. O inevitável exclui consciência atual e potencial da ilicitude. Se evitável
exclui consciência atual. Nesta época só interessava a consciência atual. Mas ela era 198
excluída não importando se o erro era evitável ou inevitável. Qualquer erro excluía a
culpabilidade
Já para a teoria normativa pura o erro de proibição podia ser evitável ou
inevitável. O inevitável exclui consciência atual e potencial. Se evitável só exclui o
atual. Só o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade, porque aqui interessa o
potencial, daí se evitável não exclui a culpabilidade.
Quando a consciência era atual qualquer erro de proibição, evitável ou
inevitável excluía a culpabilidade. Adotando-se hoje a consciência potencial, somente
o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade.
153
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 270.
alcançar tal compreensão”.154 O erro inevitável isenta de pena (exclui a
culpabilidade).
b) Direto, Indireto e Mandamental.
- Direto: ocorre quando a falsa percepção da realidade recai sobre a
proibição constante em um tipo penal incriminador. Exemplo dado por Roxin: “o caso 199
daquele que mantém relações sexuais com uma mulher doente mental, e não sabe,
em absoluto, ser essa conduta proibida” (estupro de vulnerável – art. 217-A, CP). O
erro direto, quanto aos efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja
vencível ou invencível;155
- Indireto: também chamado de erro de permissão, ocorre quando a falsa
percepção da realidade incide sobre uma autorização contida em uma norma
permissiva. Aqui o agente sabe que sua conduta é proibida, porém, acredita
equivocadamente, que no caso concreto existe uma excludente de ilicitude em seu
favor. É o erro de proibição oriundo de uma descriminante putativa156. O erro indireto,
quanto aos efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja vencível ou
invencível;
- Mandamental: ocorre quando se referir a um comportamento omissivo. “É
possível, nesses casos, que alguém obre em erro de proibição, ao não fazer algo na
crença sincera de que não devia agir. Como se trata de um erro referente ao
desconhecimento de uma ordem, de um mandato de ação, fala-se em erro
mandamental”.157 Exemplo: O banhista que “podendo prestar socorro à vítima que se
afogava, não o faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com
ela, acreditava não estar obrigado a isso”.158 O erro mandamental, quanto aos
efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja vencível ou invencível;
154
Ibidem, p. 270.
155
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 411.
156
“Na descriminante putativa por erro de proibição [erro de proibição indireto], há uma perfeita noção
da realidade, mas o agente avalia equivocadamente os limites da norma autorizadora. O agente
responderá pelo resultado com pena reduzida, se o erro for evitável, ou ficará isento de pena, se
inevitável”. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed.
São Paulo: Saraiva Jur, 2022. p. 292. Ebook.
157
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 270/1.
158
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 413.
Distinção entre Erro de Proibição e Erro de Tipo:
No erro de tipo, o agente tem uma visão distorcida da realidade, não
vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo
penal incriminador como elementares ou circunstâncias. O erro de tipo exclui o dolo
e, quando escusável, a culpa. 200
Não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido o fato com
possibilidade de lhe conhecer a ilicitude para que surja a reprovação social
(culpabilidade). Além dos dois primeiros elementos, exige-se que nas circunstâncias
de fato o agente tenha a possibilidade de realizar outra conduta, de acordo com o
ordenamento jurídico.
A exigibilidade de conduta diversa consiste na possibilidade de se exigir do
sujeito ativo conduta diversa daquela efetivamente praticada, ou seja, é a expectativa
social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Deste
modo, só haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar
que o agente tivesse atuado de outra maneira.
Este elemento da culpabilidade é excluído em duas hipóteses: coação
irresistível e obediência hierárquica.
Art. 22, CP. “Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita
obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da coação ou da ordem”.
c) Uma relação de direito público entre ambos, já que o poder hierárquico é inerente
à Administração Pública, estando excluídas da hipótese de obediência hierárquica as
relações de direito privado, tais como as entre patrão e empregado;
d) Uma ordem do primeiro para o segundo;
e) Que a ordem não seja manifestamente ilegal (claramente ilegal), posto que a ordem
legal exclui a ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal;
f) Aparente legalidade da ordem.
Consequência:
Só é punível o autor da ordem, também na condição de autor mediato.
9. Concurso de Pessoas:
159
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
338.
concorrente ocorra até a consumação do crime (se depois, haverá delito autônomo,
como por exemplo, receptação, favorecimento real etc.).160
Mirabete conceitua o concurso de pessoas como “a ciente e voluntária
participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal”.161
Em suma: Quando duas ou mais pessoas cooperam voluntária e 204
160
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 417.
161
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 212.
162
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
338.
163
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 357.
c) Teoria Dualista ou Dualística: havendo pluralidade de agentes, com
diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores,
que praticam um delito, e os partícipes, que cometem outro. “Existe no crime uma
ação principal, que é a ação do autor do crime, o que executa a ação típica, e ações
secundárias, acessórias, que são as realizadas pelas pessoas que instigam ou 205
164
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 212/3.
165
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 486.
166
Ibidem, p. 459.
d) identidade de infração penal: o que significa que os agentes, unidos pelo
liame subjetivo, devem querer praticar a mesma infração penal. “Seus esforços devem
convergir ao cometimento de determinada e escolhida infração penal”.
Conclusão: “Somente quando duas ou mais pessoas, unidas pelo liame subjetivo,
levarem a efeito condutas relevantes dirigidas ao cometimento de uma mesma 206
O Código Penal não define legalmente o que é autor e partícipe, logo tais
definições ficaram a cargo da doutrina, que ao longo do tempo construiu várias teorias
que revelam o quanto é polêmico o assunto.
Destaca Greco que os conceitos de autoria, coautoria e participação, antes de
serem jurídicos são conceitos inerentes ao homem, posto que na vida cotidiana são
diversas as situações em que somos autores, cooperamos ou incentivamos condutas
lícitas e/ou ilícitas.167
“Embora a lei não distinga expressamente a coautoria da participação, essa
divisão é revelada, por exemplo, no art. 62, IV, do CP, que se refere à execução (e,
portanto, à autoria ou coautoria) e à participação no crime mercenário”.168
Destacando que são modalidades ou espécies de concurso de pessoas a
coautoria e a participação. Entretanto, para falar das mencionadas modalidades de
concurso de pessoas é necessário analisar a autoria.
a) Autoria
Teoria Extensiva ou Subjetiva da Participação: para essa teoria não existe
distinção objetiva entre autores e partícipes, logo todos aqueles que, de alguma forma,
colaboram para a prática do fato, são considerados autores (autor é quem, de
qualquer modo, contribui para a realização do crime). Essa teoria busca “traçar um
critério de distinção entre autores e partícipes, valorando o elemento anímico dos
agentes. Existe uma vontade de ser autor (animus auctoris), quando o agente quer o
167
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 460.
168
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 213.
fato como próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente
deseja o fato como alheio [exercendo um papel secundário, acessório]”.169
Interessante:
O Código Penal, em sua redação original, de 1940 adotava a Teoria
Extensiva, tanto que dava ao título que tratava sobre esse assunto a denominação de 207
“Da Coautoria”.
Exemplos de aplicação dessa teoria: Esse teoria produz exemplos que revelam
sua incoerência e injustiça.170
1) Exemplo trazido por Santiago Mir Puig: um tribunal alemão condenou como
cúmplice (partícipe) o agente que causou a morte de um recém-nascido, a pedido da
mãe da criança. Como o fato foi praticado a pedido da mãe da criança e não porque
o agente queria o fato como próprio, não foi condenado como autor, mas apenas como
partícipe.
2) Exemplo trazido por Zaffaroni e Pierangeli: um tribunal alemão considerou
que um assassino profissional contratado num país estrangeiro, que fora enviado para
matar asilados croatas com uma pistola de gás venenoso, não era autor, porque não
queria o fato como seu, pois o interesse pelo resultado pertencia à potência que o
enviava.
Teoria Restritiva ou Objetiva da Participação: para essa teoria o autor seria apenas
aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal (verbo). Assim, todos
aqueles que, de qualquer modo, o auxiliassem, mas que não praticassem a conduta
descrita pelo verbo do tipo penal seriam tidos como partícipes.
Exemplos de aplicação dessa teoria:171
1) “Suponhamos que A e B agindo com animus furandi (dolo da subtração),
unidos pelo liame subjetivo, resolvam furtar um televisor existente na residência de C.
A tem a função de vigiar a porta de entrada da casa, bem como de transportar a res
furtiva, enquanto B nela ingressa e efetua a subtração do televisor”. Para a teoria
objetiva na sua vertente formal, como foi B quem praticou o verbo (subtrair), somente
ele seria considerado autor, sendo A partícipe de um crime de furto, uma vez que,
169
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 464.
170
Ibidem, p. 464.
171
Ibidem, p. 464.
mesmo querendo a subtração, não realizou a conduta descrita no tipo penal. Na
vertente material a teoria objetiva “distingue autor de partícipe pela maior contribuição
do primeiro na causação do resultado”.172
2) “Um médico, querendo causar a morte de seu inimigo que se encontrava
internado no hospital no qual aquele exercia suas funções, determina a uma 208
enfermeira que nele aplique uma injeção, por ele preparada, contendo um veneno
letal. A enfermeira, atendendo ao pedido levado a efeito pelo médico, aplica a injeção
e causa a morte do paciente. Como se percebe, o médico não realizou a conduta
descrita no núcleo do tipo penal do art. 121 do Código Penal. Na verdade, quem matou
alguém, por erro determinado por terceiro, foi a enfermeira. Como o médico não
praticou a conduta narrada pelo verbo do tipo, pela teoria objetiva não poderia ser
considerado autor”.173
Teoria do Domínio do Fato: essa teoria surge numa posição intermediária entre as
teorias objetiva e subjetiva, em 1939, pela cátedra de Hans Welzel. É considerada
uma teoria objetivo-subjetiva e traduz a ideia de que o autor é aquele que tem o
domínio final sobre o fato.174 De acordo com Nilo Batista, “o autor será aquele que, na
concreta realização do fato típico, consciente, o domina mediante o poder de
determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo”. “É não só o
que executa a ação principal, o que realiza a conduta típica, como também aquele que
se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa (autoria mediata)”.175
Afirma Alberto Silva Franco que nesta teoria “o autor não se confunde
obrigatoriamente com o executor material. Assim, o chefe de uma quadrilha de roubos
a estabelecimentos bancários, que planeja a ação delituosa, escolhe as pessoas que
devam realizá-la, distribuindo as respectivas tarefas, e ordena a concretização do
crime, contando com a fidelidade de seus comandados, não é um mero participante,
mas, sim, autor porque possui ‘o domínio final da ação’, ainda que não tome parte na
execução material do fato criminoso. Do mesmo modo, não deixa se der autor quem
172
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 37. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
p. 433.
173
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 464.
174
Ibidem, p. 466.
175
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 216.
se serve de outrem, não imputável, para a prática de fato criminoso, porque é ele que
conserva em suas mãos o comando da ação criminosa”.176
Entende boa parte da doutrina que o Código Penal após a Reforma Penal de
1984, diante da aceitação da teoria finalista da ação, passou a adotar a Teoria do
Domínio do Fato. Destaca Capez que a teoria do domínio do fato não exclui a teoria 209
176
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 313. Ebook.
177
Ibidem, p. 313. Ebook.
178
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 420.
179
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 438.
O Código Penal brasileiro prevê expressamente quatro casos de autoria
mediata:
1º) Erro determinado por terceiro (art. 20, § 2º);
2º) Coação moral irresistível (art. 22, primeira parte);
3º) Obediência hierárquica (art. 22, segunda parte); e 210
180
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 442.
Autor Intelectual
É o “cérebro” da atividade criminosa”, o “homem inteligente”, aquele que
“planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade”.181
De acordo com a Teoria do Domínio do Fato, ainda que o autor intelectual
não exerça qualquer função na execução do plano criminoso por ele arquitetado, será 211
b) Coautoria
Na lição de Welzel “a coautoria é autoria; sua particularidade consiste em que
o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Coautor é quem possuindo as
181
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 162.
qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em
virtude disso toma parte na execução do delito”.182
“Dentro do conceito de divisão de tarefas, serão coautores todos os que
tiverem uma participação importante e necessária ao cometimento da infração, não
se exigindo que todos sejam executores, isto é, que todos pratiquem a conduta 212
Coautoria Sucessiva
A coautoria sucessiva ocorre quando o acordo de vontade para a realização
da empreitada criminosa se der após o início da execução. Afirma Nilo Batista que a
coautoria sucessiva pode ocorrer “não só até a simples consumação do delito, e sim
até o seu exaurimento, que Maurach chama de ‘punto final’. Dessa forma, o agente
que aderisse à empresa delituosa de extorsão (art. 158, CP) por ocasião da obtenção
182
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 467.
183
Ibidem, p. 467.
184
Ibidem, p. 467.
185
Ibidem, p. 463.
186
Ibidem, p. 463.
da indevida vantagem econômica (que está situada após a consumação, configurando
mero exaurimento) seria coautor sucessivo”.187
Destaca Greco que “quando o coautor sucessivo adere à conduta dos demais,
responderá pela infração penal que estiver em andamento, desde que todos os fatos
anteriores tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, e desde que eles não 213
importem fatos que, por si sós, consistam em infrações mais graves já consumadas”
(por exemplo, um latrocínio).188
c) Participação
Compreende-se por partícipes todos aqueles que cooperam para a realização
de uma infração penal praticada por um autor conhecido e individualizado. Assim,
enquanto a autoria é sempre a atividade principal, a participação é sempre uma
atividade secundária, acessória.
Destaca Greco “para que se possa falar em partícipe é preciso,
necessariamente, que exista um autor do fato. Sem este, não há possibilidade
daquele, pois que, conforme determina o art. 31 do Código Penal, o ajuste, a
determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição em contrário, não são
puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado, e, como sabemos, somente
o autor pode chegar à fase do conatus (tentativa) de determinada infração penal. E,
se isso não acontece, a conduta do partícipe não poderá ser punida pelo direito
penal”.189
A participação pode ser moral ou material. Será moral nos casos de
induzimento ou determinação (quando o agente cria, incute, coloca, faz brotar a ideia
criminosa na cabeça do autor) e instigação (quando o agente se limita a reforçar,
estimular uma ideia criminosa já existente na mente do autor); ao passo que será
material quando realizada por cumplicidade através da prestação de auxílios materiais
(por exemplo: cedendo a escada para que o autor entre na casa da vítima, a fim de
subtrair coisa alheia móvel; emprestando a arma para que autor mate a vítima; etc.).
Ressaltando que a instigação levada a termo pelo partícipe deve ser dirigida
a autores e a fatos determinados. Não se admite a estimulação genérica ao
187
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 466.
188
Ibidem, p. 467.
189
Ibidem, p. 471.
cometimento de fatos não determinados. “Caso o agente venha a incitar publicamente
pessoas indeterminadas à prática de crime, não será considerado partícipe, mas, sim,
autor do delito de incitação ao crime, tipificado no art. 286 do Código Penal”.190
São quatro as teorias que buscam determinar quando aquele que exerce um
papel secundário e auxiliar na prática do fato cometido pelo autor poderá ser punido. 214
São elas:
a) Teoria da Acessoriedade Mínima: haverá participação punível a partir do
momento em que o autor já tiver realizado uma conduta típica (ainda que acobertada
por uma excludente de ilicitude). “A participação é acessória ao mínimo quando para
sua punição é suficiente que o autor principal haja concretizado um tipo penal”.191
b) Teoria da Acessoriedade Média ou Limitada: pune a participação se o
autor tiver levado a efeito uma conduta típica e ilícita. “É preciso que o autor tenha
cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa
ser penalmente responsabilizado”.192 Para a maioria da doutrina o CP adotou essa
teoria.
c) Teoria da Acessoriedade Máxima: somente haverá punição do partícipe
se o autor tiver praticado uma conduta típica, ilícita e culpável.
d) Teoria da Hiperacessoriedade: somente será punível o partícipe se o
autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível.
Os efeitos da desistência voluntária do autor ou do seu arrependimento
eficaz também alcançam o partícipe?
Existem autores como Nilo Batista e Esther de Figueiredo Ferraz que
entendem que “se o executor desiste voluntariamente da consumação do crime ou
impede que o resultado se produza, responderá apenas pelos atos já praticados (art.
13), beneficiando-se dessa circunstância inteiramente alheia às respectivas vontades
os vários partícipes, uma vez que a isso conduz a doutrina unitária do concurso
acolhida pelo art. 25”.193
Apesar disso, existe em discorde desse entendimento, como por exemplo
Greco, dizendo que “nas hipóteses de desistência voluntária ou de arrependimento
eficaz do autor o partícipe não será beneficiado com a regra contida no art. 15 do
190
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 475.
191
Ibidem, p. 473.
192
Ibidem, p. 473.
193
Ibidem, p. 476.
Código Penal, uma vez que, ao ser iniciada a execução, ali nasceu a possibilidade de
se punir o partícipe”.194
A participação não integra a conduta típica, portanto deve ser alcançada pela
norma de extensão prevista no art. 29, do CP. Ainda, em razão do disposto no art. 31,
do CP, que diz que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo 215
disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo
menos, a ser tentado”, assim, não se pode falar em tentativa de participação.
É possível a participação em cadeia ou a participação de participação?
Afirma Greco que não existe qualquer impedimento para a chamada
participação em cadeia ou participação de participação, posto que em qualquer caso
de participação esta só será punível se o autor vier a praticar a infração penal para a
qual fora estimulado pelo partícipe, nos termos do art. 31, do CP.195
É possível falar em participação por omissão?
Entende majoritariamente a doutrina que é impossível a participação moral
realizada por omissão.
Exemplo: Durante uma conversa em um Bar, “M” diz a “A” que pretende matar “C”.
“A”, percebendo em “M” o firme propósito de fazer o que dizia – e intimamente de
acordo, pois também era inimigo de “C” – abstém-se de qualquer comentário, seja no
sentido de estimular o projeto, seja no de evitar o crime, que acaba concretizado.
Neste caso, o simples silêncio e o aplauso íntimo não caracterizam participação, visto
que não há, por parte de “A”, o dever legal de agir para obstar o projeto criminoso de
“M”.
“Já a participação material, contudo, pode concretizar-se numa inação do
partícipe, que, com a sua omissão, contribui para a ocorrência da infração penal.
Merece ser frisado que o partícipe que contribui para o fato auxiliando materialmente
a sua execução não pode, em qualquer hipótese, ser considerado garantidor da não-
ocorrência desse mesmo fato, pois, caso contrário, se, tendo o dever de agir para
impedir o resultado, nada faz responderá pela infração penal a título de autoria, e não
de participação”.196
194
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 477.
195
Ibidem, p. 479.
196
Ibidem, p. 481.
Exemplo: Um vultoso furto em luxuosa residência, cujos moradores estavam
ausentes, foi facilitado pela omissão do vigia, que, no momento do fato, estava em
sono letárgico, resultante de embriaguez completa, incapaz de qualquer ação para
impedir o crime. Presos os autores, esclareceu-se que o vigia, com eles
mancomunado, colocara-se voluntariamente naquele estado para justificar sua inação 216
e safa-se do caso com mera sanção trabalhista. Neste caso, o vigia é partícipe do
furto. Contratualmente obrigado a agir para evitar o delito (art. 13, § 2º, b), aderiu a
sua realização. Não lhe socorre a incapacidade de agir no momento do fato,
decorrente de embriaguez preordenada, que, ao contrário, deve agravar-lhe a pena
(art. 61, II, l).
197
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 482.
198
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 156.
cooperou para a realização do crime, limitando-se a participação secundária, mínima,
inclusive atenuando, com sua atenção para com a vítima, as agruras do cativeiro.
Já o § 2º do art. 29, do CP dispõe que “se algum dos concorrentes quis
participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será
aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. 217
199
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 486.
A questão do concurso de crimes em se tratando de crimes culposos é
controversa na doutrina. Apesar disso, duas situações merecem destaque: a coautoria
em delitos culposos e a participação em delitos culposos.
A doutrina moderna vem aceitando a possibilidade de coautoria em crimes
culposos, quando duas pessoas deixam de observar, em ato conjunto, o dever 218
objetivo de cuidado que lhes cabia, produzindo um resultado lesivo com a união de
suas condutas.
Já no que se refere à possibilidade de participação em crimes culposos
entende majoritariamente a doutrina que não é possível. Contudo, Greco defende a
possibilidade da participação culposa em delito culposo, rechaçando-se, entretanto, a
participação dolosa em crime culposo.200
Por fim, cumpre destacar que em se tratando de concurso de pessoas em
crimes culposos a teoria do domínio do fato não se aplica, posto que neste delito o
agente não quer o resultado, logo não pode ter domínio final sobre algo que não
deseja. Neste caso aplica-se a teoria objetiva no seu aspecto formal. Será autor
aquele que realizar o verbo do tipo culposamente, ou seja, com imprudência,
negligência ou imperícia, e partícipe, o que tiver concorrido com culpa, sem, no
entanto, realizar o verbo do tipo.
Exemplo: “motorista imprudente atropela e mata um pedestre. Ele é o autor, pois foi
ele quem matou a vítima. O acompanhante que, ao lado, o excitava, instigando-o a
imprimir maior velocidade, é o partícipe. Convém notar que nenhum deles detinha o
domínio final do fato”.201
200
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 503.
201
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 327. Ebook.
9.5 Comunicabilidade e Incomunicabilidade de Circunstâncias e Elementares
do Crime
análise exige que seja faça a distinção doutrinária entre circunstâncias e elementares.
a) Circunstâncias: nas palavras de Capez “são dados acessórios, não fundamentais
para a existência da figura típica, que ficam a ela agregados, com a função de
influenciar na pena. Como o próprio nome diz, apenas circundam o crime, não
integrando a sua essência. Dessa forma, sua exclusão não interfere na existência da
infração penal, mas apenas a torna mais ou menos grave. Encontram-se na Parte
Geral ou na Parte Especial, situando-se, neste último caso, nos parágrafos dos tipos
incriminadores (os chamados tipos derivados)”.202 (grifo nosso). Exemplo: se o furto é
praticado durante o repouso noturno, incide uma causa de aumento de pena de 1/3
(art. 155, § 1º, CP).
As circunstâncias podem ser de duas espécies:
- Subjetivas ou de caráter pessoal: dizem respeito ao agente e não ao fato. São elas,
exemplificativamente: os antecedentes, a personalidade, a conduta social, os motivos
do crime (quem tem motivo é o agente, e não o fato), a menoridade relativa (maior de
18 anos e menor de 21 anos), a maioridade senil (maior de setenta anos na data do
julgamento), reincidência, o parentesco do autor com o ofendido (cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão etc.).203 Não se comunicam aos concorrentes do
crime.
Exemplo: “A” e “B” praticam furto na residência dos pais deste último, que necessitava
de dinheiro para pagar dívidas de jogo. “B” é isento de pena por força do disposto no
art. 181, II, do CP. Entretanto, a escusa pessoal absolutória não se comunica a “A”
nem elimina, em relação a este, a qualificadora do art. 155, § 4º (concurso de
pessoas), CP.
Obs.: Rogério Sanches Cunha considera como condições “as relações do agente com
a sua vida exterior, que o acompanham independentemente do cometimento ou não
202
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 327. Ebook.
203
Ibidem, p. 327. Ebook.
de crimes, como por exemplo, menoridade, reincidência, casamento, parentesco etc.”
Essas condições também não se comunicam aos concorrentes do crime.204
- Objetivas: dizem respeito ao fato e não ao agente. São elas, exemplificativamente:
o tempo do crime (se cometido à noite, de manhã, em época de festividades); o lugar
do crime (local público, ermo, de grande circulação de pessoas); o modo de execução 220
204
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 423.
205
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 328. Ebook.
206
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 488.
diante. As elementares encontram-se no caput dos tipos incriminadores, que, por essa
razão, são chamados de tipos fundamentais”.207
Do mesmo modo que as circunstâncias, as elementares podem ser subjetivas
ou objetivas, conforme digam respeito ao fato ou ao agente. Comunicam-se, desde
que tenham entrado na esfera de conhecimento do concorrente do crime. O 221
207
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 328. Ebook.
208
Ibidem, p. 328/9. Ebook.
209
Ibidem, p. 329. Ebook.
O Infanticídio (art. 123, CP):
Parte da doutrina, adota o entendimento de Nelson Hungria, afirmando que o
estado puerperal constitui condição personalíssima, estranha à regra do art. 30, pelo
que devem os cooperadores responder por homicídio qualificado.
Apesar disso, outros doutrinadores observam que o Código Penal não 222
210
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 160.
211
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 423.
212
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 331. Ebook.
provocado por um temporal. O roubo foi executado pelos demais, com pleno êxito.
Neste caso, “A”, mesmo tendo participado apenas dos atos preparatórios, responde
com os demais pelo crime consumado.
223