Você está na página 1de 121

UNIDADE VII - TEORIA GERAL DO DELITO

Estudar a Teoria Geral do Delito significa compreender os “elementos


necessários à configuração do crime, bem como [os] pressupostos para a imposição
da sanção penal”.1 103

A Teoria Geral do Delito possibilita os recursos necessários para a


interpretação da lei penal, de modo que se possa aplicar essa lei de forma justa e
atrelada à critérios científicos aos fatos ocorridos no mundo concreto.

1. Infração Penal: crime e contravenção penal

Para que se possa compreender exatamente essa teoria é preciso esclarecer


que infração penal é o gênero do qual são espécies o crime (também chamado de
delito) e a contravenção penal (também chamada de crime anão, delito liliputiano ou
crime vagabundo).
É formalmente uma infração penal aquilo que a lei define como tal em uma
norma penal incriminadora. Já materialmente, a infração penal é o “comportamento
humano causador de relevante e intolerável lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico
tutelado, passível de sanção penal”.2
Feitas essas considerações é preciso analisar o que distingue o crime da
contravenção penal. Sobre esse tema Rogério Sanches Cunha explica:

[...] o rótulo de crime ou contravenção penal para determinado


comportamento humano depende do valor que lhe é conferido pelo legislador:
as condutas mais graves devem ser etiquetadas como crimes; as menos
lesivas, como contravenções penais. Trata-se, portanto, de opção política que
varia de acordo com o momento histórico-social em que vive o país, sujeito a
mutações.3

Isso significa dizer que a depender do momento histórico uma conduta pode
ser valorada como mais ou menos lesiva. Foi exatamente o que aconteceu com o
“porte ilegal de arma de fogo”:
- até 1997 era uma contravenção penal: art. 19 da Lei das Contravenções
Penais (Decreto-lei nº 3.688/41);

1
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 173.
2
Ibidem, p. 174.
3
Ibidem, p. 174.
- em 1997 foi elevado à categoria de crime; e
- em 2003, algumas figuras chegaram a ser rotuladas como inafiançáveis pelo
Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003).
Rogério Sanches Cunha observa, ainda, que: “A conduta de portar arma de
fogo sem autorização não mudou, mas sim a visão do legislador sobre a sua gravidade 104

do comportamento”.4
A melhor maneira de entender as diferenças existentes entre o crime e a
contravenção, além da diferença quanto ao valor, acima mencionada, é por meio do
seguinte quadro comparativo, elaborado a partir do quadro resumo presente na obra
de Cunha:5
Crime Contravenção Penal
Tipo de pena privativa ▪ Reclusão ▪ Prisão simples e/ou
de liberdade ▪ Detenção e/ou ▪ Multa
▪ Multa Art. 6º, LCP. A pena de prisão
simples deve ser cumprida,
sem rigor penitenciário, em
estabelecimento especial ou
seção especial de prisão
comum, em regime semiaberto
ou aberto.
Espécie de Ação Penal A Ação Penal será em regra Pública A Ação Penal será sempre
Incondicionada, porém, Pública Incondicionada, nos
excepcionalmente, poderá ser Pública termos do art. 17 da LCP.
Condicionada ou Privada.
Punição da tentativa É possível a punição da tentativa, nos Não se pune a forma tentada
termos do parágrafo único do art. 14 (art. 4º, LCP).
do CP.
Regras da Admite a extraterritorialidade da lei Não admite a
extraterritorialidade penal, nos termos do art. 7º do CP. extraterritorialidade da lei penal
(art. 2º, LCP).
Competência para ▪ Justiça Federal e ▪ Justiça Estadual
processo e julgamento ▪ Justiça Estadual
Limite de cumprimento ▪ 40 anos, nos termos da atual ▪ 5 anos, nos termos do art.
da pena redação do art. 75 do CP, dada 10 da LCP.
pela Lei nº 13.964/2019.
Período de prova do ▪ 2 a 4 anos ou 4 a 6 anos, nos ▪ 1 a 3 anos, nos termos do
sursis termos do art. 77, CP. art. 11 da LCP.
Cabimento da prisão ▪ Cabe nas hipóteses do art. 313 do ▪ Não cabe
preventiva e CPP e do art. 1º, III, da Lei nº
temporária 7.960/89.
Possibilidade de Só instrumentos do crime podem ser Não é admissível o confisco de
confisco confiscados. instrumentos da contravenção
penal.
Ignorância ou errada O desconhecimento da lei é A lei pode deixar de ser
compreensão da lei inescusável; serve no máximo como aplicada quando a ignorância
atenuante de pena (arts. 21 e 65, II, do ou a errada compreensão for
CP). escusável (art. 8º, LCP).

4
Ibidem, p. 174.
5
Ibidem, p. 177.
Especificamente quanto ao conceito legal de crime e contravenção penal, o
legislador traz esse conceito no art. 1º do Decreto-Lei n. 3.914/41 (Lei de Introdução
ao Código Penal): “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de
reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a
pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, 105

pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” (grifo


nosso).
Existe ainda o conceito analítico de infração penal. Esse conceito leva em
consideração os elementos que compõem a infração penal, ou seja, aqueles
elementos sem os quais não há infração penal.
Esse conceito é também denominado pela doutrina de critério analítico
(formal ou dogmático) e se funda, como o próprio nome indica, na aplicação do método
analítico, no qual é realizada uma decomposição sucessiva de um todo em suas
partes. E é obtido através da investigação, lógica e sistemática, das leis penais, num
esforço de construção doutrinária com vistas à formulação de um conceito geral, justo
e sistemático, em prol da segurança jurídica. Logo, é composto por elementos que
compõem a estrutura da infração penal.
A doutrina se divide quanto à conceituação da infração penal sob o aspecto
analítico, formal ou dogmático nos seguintes termos:
Para um setor da doutrina, dentre eles, Damásio Evangelista de Jesus, Julio
Fabbrini Mirabete, René Ariel Dotti e Celso Delmanto, filiando-se à teoria finalista da
conduta, a infração penal é o fato típico e ilícito (corrente bipartida), entendendo
a culpabilidade como pressuposto de aplicação da pena.
Já para outro setor da doutrina, ao qual se filiam, dentre outros, Nelson
Hungria, Aníbal Bruno, E. Magalhães Noronha, Francisco de Assis Toledo, Cezar
Roberto Bitencourt, Luiz Regis Prado e Guilherme de Souza Nucci, a infração penal é
fato típico, ilícito e culpável (corrente tripartida), ou seja, a culpabilidade integra o
conceito de crime.
O Código Penal de 1940, em sua redação original, acolhia um conceito
tripartido de crime, relacionado à teoria clássica da conduta. Eram, portanto,
elementos do crime o fato típico, a ilicitude e a culpabilidade.
Com a reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984 pela Lei n. 7.209 não
se pode mais afirmar com segurança qual o critério (ou corrente) adotado pelo Código
Penal brasileiro, se o bipartido ou se o tripartido, daí a necessidade de se conhecer
os dois critérios.
Apesar disso, doutrinariamente, prevalece o entendimento de que a
corrente ou o critério adotado quanto ao conceito analítico de infração penal é
o tripartido. 106

Portanto, partiremos dessa premissa para nossa análise da Teoria Geral do


Delito.

2. Sujeitos do Crime

Consideram-se sujeitos do crime as pessoas ou entes relacionados à prática


e aos efeitos da empreitada criminosa. São divididos em sujeito ativo e sujeito passivo.

2.1. Sujeito Ativo

Como regra o sujeito ativo é a pessoa física capaz e com 18 (dezoito) anos
completos que pratica a conduta típica prevista em lei como infração penal, seja
isoladamente, seja associado a outros na forma de concurso de pessoas (coautoria
ou participação). Estudaremos o concurso de pessoas no último item desta unidade.
“O sujeito ativo do crime pode receber, conforme a situação processual ou o
aspecto pelo qual é examinado, o nome de agente (arts. 14, II, 15 do CP), indiciado,
acusado, denunciado, réu, sentenciado, condenado, recluso, detento (nas normas
processuais) e criminoso ou delinquente (como objeto das ciências penais)”.6
Capacidade penal é o conjunto das condições exigidas para que um sujeito
possa tornar-se titular de direitos ou obrigações no campo do Direito Penal. Essa
capacidade é verificada inclusive em momentos anteriores e posteriores ao delito.

ATENÇÃO!
O crime é chamado de crime comum quando o tipo penal não exige
qualidade especial do agente. Admite coautoria e participação. É denominado de
crime próprio quando o tipo penal exige qualidade especial do agente. Também
admite coautoria e participação. Por fim, é denominado de crime de mão própria ou

6
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 108.
conduta infungível o tipo penal que exige qualidade especial do agente, admitindo
apenas a participação.

Em regra, apenas o ser humano (pessoa física) pode ser sujeito ativo de
infrações penais, porém existem discussões na doutrina quanto à possibilidade de 107

responsabilidade penal da pessoa jurídica.


A origem dessa discussão advém do disposto no § 3º do art. 225 da CF/88, in
verbs: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas,
independentemente da obrigação de reparar os danos causados”.
Em 1998 surgiu no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 9.605 – Lei dos
Crimes Ambientais, que dispõe no seu art. 3º, caput, que: “As pessoas jurídicas serão
responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei,
nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou
contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade”.
Diante disso, surgiram na doutrina três correntes sobre a possibilidade ou não
da pessoa jurídica figurar como sujeito ativo do crime:
1ª Corrente: De acordo com essa corrente, que é defendida, dentre outros, por Luis
Regis Prado e Ariel Dotti, a pessoa jurídica não pode praticar crimes ou ser
responsabilizada criminalmente, pois não tem vontade própria e nem é dotada de
consciência própria para compreender o caráter intimidatório da pena. Assim, a
responsabilidade penal da pessoa jurídica ofenderia aos seguintes princípios:
a) Princípio da Responsabilidade Subjetiva (pois não existe dolo ou culpa);
b) Princípio da Culpabilidade;
c) Princípio da Responsabilidade Pessoal (configurando uma responsabilidade
coletiva);
d) Princípio da personalidade das penas (pois, a pena pode passar da pessoa do
delinquente alcançando os integrantes da pessoa jurídica).
2ª Corrente: Defendida por Sérgio Salomão Sheccharia, aduz que a pessoa jurídica
pode ser autora de crime ambiental (art. 3º, Lei n. 9.605/98) e, portanto,
responsabilizada criminalmente.
a) Trata-se de responsabilidade objetiva autorizada pela CF/88;
b) A pessoa jurídica deve responder por seus atos, adequando-se o juízo de
culpabilidade às suas características;
c) Não viola o princípio da personalidade da pena transmitindo-se, eventualmente, os
efeitos da condenação.
3ª Corrente: Defendida por Fernando Galvão, segundo essa corrente, apesar de a
pessoa jurídica ser um ente autônomo e distinto de seus membros, dotado de vontade
própria, não pratica crimes, mas pode ser responsabilizada penalmente nas infrações 108

penais ambientais (art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98). Trata-se de


responsabilidade penal social. O art. 3º, parágrafo único, da Lei n. 9.605/98 traz o
sistema da dupla imputação no qual a pessoa física pratica o crime e é
responsabilizada criminalmente; e a pessoa jurídica beneficiada pelo crime, também
é responsabilizada criminalmente.
De acordo com Cunha:

Esta corrente chegou a ser adotada pelo STJ. O STF, no entanto, decidiu em
sentido diverso, concluindo que a responsabilização penal da pessoa jurídica
independe da pessoa física. Argumentou-se que a obrigatoriedade de dupla
imputação caracterizaria afronta ao art. 225, § 3º, da Constituição Federal,
pois condicionaria a punição da pessoa jurídica à condenação simultânea da
pessoa física.7

Importante!
A questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica tem outros
desdobramentos, porém para os fins que se propõe neste estudo ficaremos nessa
abordagem superficial.

2.2. Sujeito Passivo

O sujeito passivo, por sua vez, é o titular do bem jurídico lesado ou ameaçado
de lesão. Pode ser tanto uma pessoa física como uma pessoa jurídica, ou ainda um
ente indeterminado, destituído de personalidade jurídica, como por exemplo a
coletividade, a família etc. A doutrina divide o sujeito passivo em duas espécies:
a) Sujeito Passivo constante, mediato, geral, genérico, indireto ou formal: é
o Estado que, sendo titular do mandamento proibitivo, é sempre lesado pela
conduta do sujeito ativo;
b) Sujeito Passivo eventual, imediato, particular, acidental, indireto ou
material: é o titular do interesse penalmente protegido, podendo ser a pessoa

7
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 179.
física (Exemplo: art. 121, CP), a pessoa jurídica (Exemplo: art. 171, § 2º, V,
CP), o Estado (crimes contra a Administração Pública) ou uma coletividade
destituída de personalidade jurídica como, por exemplo, a sociedade (arts. 209
e seguintes do CP).
Cumpre observar que: 109

1) O crime cujo sujeito passivo é um ente despersonalizado é chamado de Crime


Vago.
2) O morto, não sendo titular de direitos, não pode ser sujeito passivo de crime.
Pune-se, entretanto, o delito contra o respeito aos mortos, sendo vítima a
família ou a sociedade.
3) Os animais também não são vítimas de crime e podem apenas aparecer como
objeto material do delito. Figura como sujeito passivo o proprietário do animal
ou a coletividade a depender da infração penal.
4) Não se deve confundir o sujeito passivo com o prejudicado pelo crime. Ainda
que muitas vezes tais características se reúnam na mesma pessoa, as
situações são diversas. Exemplo: sujeito passivo do homicídio é o ser humano
de quem foi tirada a vida, ao passo que prejudicado pelo crime é a família da
vítima.

Questões para reflexão:


É possível a existência de sujeito passivo próprio? Ou seja, que o tipo penal
exija condição especial do ofendido?
Sim, é o que acontece no art. 123, do CP (infanticídio). Este é o crime
bipróprio, ou seja, é aquele em que o tipo penal exige qualidade especial tanto do
sujeito ativo quanto do sujeito passivo.
O que é crime de dupla subjetividade passiva?
É aquele em que o tipo penal prevê obrigatoriamente (necessariamente) a
pluralidade de vítimas. Exemplo: art. 15, CP – Violação de Correspondência. São
sujeitos passivos o remetente e o destinatário.
A pessoa jurídica pode ser vítima do crime de extorsão mediante sequestro
(art. 159, CP)?
Sim. É preciso lembrar que a extorsão mediante sequestro tutela dois bens
jurídicos: a liberdade e o patrimônio. Logo, se “A” é sequestrado e a Empresa de “A”
paga o resgate tanto “A” quanto a sua pessoa jurídica são vítimas do delito em exame.
A pessoa jurídica pode ser vítima de crime contra a honra?
São crimes contra a honra a calúnia, a difamação e a injúria. De acordo com o
STF e o STJ, mesmo com os crimes ambientais, a pessoa jurídica não pode ser vítima
de calúnia, pois não pratica crime. A pessoa jurídica pode ser vítima de difamação,
porém não pode ser vítima de injúria, pois não tem dignidade ou decoro. 110

3. Objeto do Crime

Pode ser jurídico ou material. O Objeto Jurídico é o bem jurídico, ou seja, o


interesse ou o valor penalmente tutelado; já o Objeto Material é a pessoa ou a coisa
que suporta a conduta criminosa.
Vale destacar que nem todo tipo penal possui objeto material. Neste sentido
observa Cunha:

Há, efetivamente, certos delitos cuja conduta não recai sobre pessoa nem
coisa, estando, por isso, destituídos de objeto material. Tal ocorre com os
delitos de mera conduta (ex.: reingresso de estrangeiro expulso – art. 338,
CP) e com todos os crimes omissivos puros (ex.: omissão de socorro – art.
135, CP). Os crimes formais podem ou não ter objeto material. Falso
testemunho, por exemplo, não tem objeto material. No tocante aos crimes
materiais, todos têm objeto material porque o resultado
necessariamente deve produzir-se sobre uma pessoa ou coisa.8

Pode acontecer de um tipo penal tutelar mais de um bem jurídico, logo é


possível que exista crime com mais de um objeto jurídico. São os chamados crimes
pluriofensivos, dos quais é exemplo o crime de roubo (art. 157, CP), pois protege os
bens jurídicos patrimônio e incolumidade, vida, integridade física ou liberdade
individual.
Com o objetivo de exemplificar e dar concretude aos conceitos estudados até
aqui, veja o seguinte quadro em que se analisa esses conceitos nos crimes de
homicídio, furto, epidemia e fraude processual, a partir da doutrina de Cleber Masson:9
Homicídio Furto Epidemia Peculato
Art. 121, CP Art. 155, CP Art. 267, CP Art. 312, CP
Sujeito Ativo Pode ser Pode ser Pode ser cometido Só pode ser
qualquer pessoa qualquer pessoa por qualquer praticado por
física capaz e física capaz e pessoa, inclusive funcionário público
com 18 anos com 18 anos (Crime Próprio).

8
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 193. Grifos nossos.
9
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
completos (Crime completos (Crime por quem esteja
Comum). Comum). contaminado
pela moléstia
infecciosa (Crime
Comum).

Sujeito Estado Estado Estado Estado


Passivo 111
Constante

Sujeito A vítima do crime A vítima do crime É a coletividade É o Estado e


Passivo de homicídio: a de furto: a pessoa (crime vago). eventualmente o
Eventual pessoa morta. física ou jurídica particular lesado
desfalcada no pela ação do
seu patrimônio. agente.

Objeto Pessoa morta Coisa alheia Germe patogênico É o dinheiro, valor


Material (cadáver) móvel ou qualquer outro
bem móvel,
público ou
particular.

Objeto
Jurídico
Vida Patrimônio Saúde Pública Administração da
(Bem jurídico Justiça
penalmente
tutelado)

4. Classificação dos Crimes

A classificação dos crimes pode ser legal ou doutrinária. Compreende-se por


classificação legal o nome atribuído pela lei penal ao delito, é denominada de nomen
iuris ou rubrica marginal.
Já a classificação doutrinária é aquela dada pela doutrina às infrações
penais.
De acordo com Nucci:

[...] é a organização dos delitos em diversas categorias, com a finalidade de


proporcionar melhor estudo e aplicação de cada um dos tipos penais
incriminadores, ora levando em consideração o momento consumativo, ora o
sujeito ativo capaz de cometer a infração penal, dentre outros fatores.10

Sobre a classificação doutrinária veja a parte final do Capítulo XII do livro


“Manual de Direito Penal” de autoria do Guilherme do Souza Nucci, edição 2020,
disponibilizado como Texto Complementar.

10
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
19.
Feitas essas considerações, a partir de agora estudaremos cada um dos
elementos que compõem o conceito analítico de infração penal, começando
pelo fato típico.
112

5. Fato Típico

“Fato típico é o fato humano que se enquadra com perfeição aos elementos
descritos pelo tipo penal”.11 São quatro os elementos do fato típico:
▪ conduta;
▪ resultado naturalístico;
▪ relação de causalidade (nexo causal); e
▪ tipicidade.

5.1. Conduta

Fernando Capez sintetiza o conceito de conduta nos seguintes termos:


“conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e
voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz
ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime”.12
Ressalta Cleber Masson que “várias teorias buscam defini-la, e a adoção de
cada uma delas importa em modificações estruturais na forma de encarar o Direito
Penal”.13
Vejamos as teorias mais importantes:
a) Teoria Clássica, Naturalística, Mecanicista, Causal ou Causalista: Para
essa teoria a conduta é o comportamento humano voluntário que produz
modificação no mundo exterior. Foi idealizada no século XIX por Von Liszt,
Beling e Radbruch e foi recepcionada no Brasil por diversos penalistas de

11
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
12
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 43. Ebook.
13
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
destaque, dentre eles, Aníbal Bruno, Magalhães Noronha, José Frederico
Marques, Basileu Garcia, Manoel Pedro Pimentel e Nélson Hungria.
De acordo com Cleber Masson:

Em breve síntese, a vontade é a causa da conduta, e a conduta é a causa do


resultado. Não há vontade no tocante à produção do resultado. O elemento 113
volitivo, interno, acarreta em um movimento corporal do agente, o qual,
objetivamente, produz o resultado. A caracterização da conduta criminosa
depende somente da circunstância de o agente produzir fisicamente um
resultado previsto em lei como infração penal, independentemente de dolo
ou culpa.14

Trata-se, portanto, de mera relação de causa e efeito. Daí o nome dado a essa
teoria: causal, mecanicista etc.
“Na teoria clássica, dolo e culpa se alojam no interior da culpabilidade,
momento em que se procede à análise do querer interno do agente”.15
Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria Causalista
(Teoria Clássica ou Causalismo):16
TEORIA CAUSALISTA (CAUSALISMO)
Crime É ato voluntário contrário ao direito, culpável e sancionado com uma pena.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
Fato Típico A ação integra o fato típico e é definida como movimento corporal voluntário
que causa modificação no mundo exterior. É elemento objetivo, não
admitindo qualquer valoração.
Antijuridicidade ou Elemento objetivo. É a conduta típica sobre a qual não incide nenhuma
Ilicitude causa de justificação (valoração objetiva de um fato natural).
Culpabilidade Elemento subjetivo. Constituída por dolo e culpa (suas espécies), além da
imputabilidade (culpabilidade psicológica – valoração psicológica do autor
do fato).
Críticas Desconsidera que toda ação humana é dirigida a uma finalidade; não
explica de maneira adequada os crimes omissivos, formais e de mera
conduta; desconsidera os elementos normativos e os elementos subjetivos
do tipo).

b) Teoria Neokantiana: É também chamada de Teoria causal-valorativa, pois tem


base na Teoria Causalista. Foi desenvolvida no início do século XX e teve como

14
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
15
Ibidem.
16
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 216.
seu maior expoente Edmund Mezger. Essa teoria insere o método axiológico
(valorativo) em substituição ao método exclusivamente experimental do
positivismo inerente à Teoria Causalista.
De acordo com Juarez Cirino dos Santos:
114
A desintegração do sistema clássico do fato punível do modelo causal de
ação originou o atual sistema neo-clássico de fato punível, um produto da
reorganização teleológica do modelo causal de ação segundo fins e valores
do direito penal: o conceito de ação deixa de ser apenas naturalista para ser,
também, normativo, redefinindo como comportamento humano voluntário; a
tipicidade perde a natureza de livre-de-valor para incluir elementos
normativos, como documento, motivo torpe etc., e elementos subjetivos,
como a intenção de apropriação, no furto e até mesmo o dolo, na tentativa; a
antijuridicidade indica não apenas infração formal da norma jurídica, mas o
significado material de dano social, admitindo graduação do injusto conforme
o valor lesionado; a culpabilidade, sensível a juízos de valor, se estrutura
como conceito psicológico-normativo, com a reprovação do autor pela
formação de vontade contrária ao dever: somente comportamentos
reprováveis podem ser atribuídos à culpabilidade do autor.17

Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria


Neokantista:18
TEORIA NEOKANTISTA (NEOKANTISMO)
Crime Adota o conceito de delito do naturalismo, agregando ao tipo dados
valorativos.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
Fato Típico Ao invés de ação, prefere-se comportamento (abrangendo omissão), não
mais neutra, expressando uma valoração negativa da lei.
Antijuridicidade ou Deixa de ser puramente formal, exigindo danosidade social (antijuridicidade
Ilicitude material).
Culpabilidade Deixa de ser psicológica e passa a ser psicológica-normativa (dela faz parte
a exigibilidade de conduta diversa).
Passa a ser também juízo de censura.
Críticas Partindo de conceitos naturalistas, ficou contraditória quando reconheceu
elementos normativos e subjetivos no tipo.

c) Teoria Finalista ou Final: Foi criada por Hans Welzel no início da década de
30 do século passado, foi acolhida no Brasil, dentre outros, por Heleno Cláudio
Fragoso, René Ariel Dotti, Damásio Evangelista de Jesus, Julio Fabbrini
Mirabete e Miguel Reale Júnior.

17
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 6. ed., ampl. e atual. Curitiba: ICPC
Cursos e Edições, 2014.
18
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 218.
Segundo Cleber Masson:

Para essa teoria, conduta é o comportamento humano, consciente e


voluntário, dirigido a um fim. Daí o seu nome finalista, levando em conta a
finalidade do agente. Não desprezou todos os postulados da teoria clássica.
Ao contrário, preservou-os, a eles acrescentando a nota da finalidade. Uma
conduta pode ser contrária ou conforme ao Direito, dependendo do elemento
subjetivo do agente. Destarte, dolo e culpa, que na teoria clássica residiam 115
na culpabilidade, foram deslocados para o interior da conduta, e, portanto,
para o fato típico. Formou-se, assim, uma culpabilidade vazia, desprovida
do dolo e da culpa.19

Para os partidários desta teoria o conceito analítico de crime pode ser


tripartido ou bipartido, conforme se considere ou não a culpabilidade como elemento
do crime ou como mero pressuposto de aplicação da pena:

Crime = Fato Típico + Ilicitude + Culpabilidade

- Conduta (com dolo ou culpa) - Imputabilidade


- Resultado naturalístico - Potencial consciência da ilicitude
- Relação de causalidade (nexo causal) - Exigibilidade de conduta diversa
- Tipicidade

Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria Finalista da


Ação (Finalismo):20
TEORIA FINALISTA DA AÇÃO (FINALISMO)
Crime É o comportamento humano voluntário dirigido a uma finalidade, antijurídico
e reprovável.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
Fato Típico A ação deixa de ser concebida como mero processo causal (mero
movimento corporal, cego) para ser enfocada como exercício de uma
atividade finalista (exercício vidente). O dolo e a culpa migram da
culpabilidade para o fato típico.
Antijuridicidade ou Contrariedade do fato a todo o ordenamento jurídico (desvalor da conduta
Ilicitude – análise subjetiva).
Culpabilidade Passa a ser normativa pura, acrescida da potencial consciência da ilicitude.
Críticas A finalidade não explica os crimes culposos (sendo frágil também nos
crimes omissivos); a teoria se centralizou no desvalor da conduta,
ignorando o desvalor do resultado.

19
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
20
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 221.
Essa teoria foi parcialmente adotada pelo Código Penal brasileiro após a
reforma da Parte Geral pela Lei n. 7.209/84, posto que no seu art. 18 reconhece que
o crime ou é doloso ou é culposo. Outra forte evidência dessa teoria é encontrada no
art. 20, caput: “O erro sobre o elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o 116

dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei”. Tal dispositivo
evidencia que o dolo e a culpa integram a conduta do agente e não mais sua
culpabilidade.

d) Teoria Social: Foi criada por Johannes Wessels e defendida por Hans-Heinrich
Jescheck e acrescentou aos postulados das teorias anteriores o aspecto
social. Para essa teoria conduta é o comportamento humano com
transcendência social. Assim, para que o agente pratique uma infração penal é
preciso que, além de realizar todos os elementos descritos na norma penal
incriminadora, que tenha também a intenção de produzir um resultado
socialmente relevante.
Todavia, essa teoria apresenta uma imprecisão no ordenamento jurídico
brasileiro, visto que o art. 2º, caput, da Lei de Introdução ao Direito Brasileiro – LINDB
– prevê que costume, ainda que contra legem, não revoga lei, do mesmo modo que o
magistrado não pode revogar normas editadas pelo Poder Judiciário, sob pena de
macular o princípio da separação dos poderes.
Logo, o critério de se considerar dada conduta como relevante ou irrelevante
para o Direito Penal é exclusivo do legislador, cuja atribuição é a elaboração das
normas jurídicas. Assim, se uma norma vigente é considerada inadequada
socialmente, cabe ao legislador revogá-la, não podendo o juiz tomar para si essa
tarefa.
Portanto, tendo em vista a imprecisão do conceito de “adequação social”
conclui-se que ele por si só é agente de insegurança dogmática, porém como critério
auxiliar de interpretação e valoração das normas jurídicas, em consonância com os
ditames constitucionais é de extrema importância.
Rogério Sanches Cunha traz o seguinte quadro resumo da Teoria Social da
Ação:21

21
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 222.
TEORIA SOCIAL DA AÇÃO
Crime É o comportamento humano voluntário dirigido a uma finalidade
socialmente reprovável, antijurídico e reprovável.
Estrutura do crime Fato típico + Antijuridicidade (Ilicitude) + Culpabilidade
117
Fato Típico Adota-se a estrutura do finalismo, mas acrescenta-se a noção da relevância
social da ação.
Antijuridicidade ou Contrariedade do fato a todo o ordenamento jurídico (desvalor da conduta
Ilicitude – análise subjetiva).
Culpabilidade Se identifica com a estrutura do finalismo, mas inclui nova análise do dolo e
culpa.
Críticas Vagueza do conceito de “relevância social”.

Na década de 70 do século passado as chamadas Teorias funcionalistas


penais ganharam força, em especial na Alemanha. Essas teorias buscam adequar a
dogmática penal aos fins do Direito Penal.
De acordo com Rogério Sanches Cunha, essas teorias:

Nascem da percepção de que o Direito Penal tem necessariamente uma


missão e que os seus institutos devem ser compreendidos de acordo com
ela. São teorias funcionalistas, na medida em que constroem o Direito Penal
a partir da função que lhe é conferida. Visualizam o Direito Penal como uma
função inserida na ordem jurídica. Conduta, portanto, deve ser
compreendida de acordo com a missão conferida ao Direito Penal.22

São duas as principais correntes funcionalistas:23

Funcionalismo Teleológico, Dualista, Funcionalismo Radical, Sistêmico ou


Moderado ou da Política Criminal Monista
Tem como expoente: Claus Roxin Tem como expoente: Günter Jakobs
Função do Direito Penal: proteção de bens Função do Direito Penal: assegurar a vigência
jurídicos. do sistema.
“Conduta aparece como comportamento humano “Conduta é comportamento humano voluntário
voluntário, causador de relevante e intolerável causador de um resultado evitável, violador do
lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado sistema, frustrando as expectativas normativas”.
pela norma penal”. “Günther Jakobs recoloca a culpabilidade no
O crime é composto pelo fato típico, terceiro substrato do conceito analítico de crime.
antijuridicidade e responsabilidade. Assim, crime, no seu pensar, é fato típico,
A responsabilidade é integrada por: antijurídico e culpável. A culpabilidade tem como
imputabilidade, potencial consciência da ilicitude, elementos a imputabilidade, a potencial

22
Ibidem, p. 222.
23
Ibidem, p. 222/5.
exigibilidade de conduta diversa e necessidade consciência da ilicitude e a exigibilidade de
de pena. conduta diversa”.
“A maior crítica que se apresentou contra a teoria “As premissas sobre as quais se funda o
formulada por Claus Roxin foi a substituição do funcionalismo sistêmico deram ensejo à
elemento culpabilidade pela noção de exumação da teoria do Direito Penal do Inimigo,
responsabilidade ou reprovabilidade, com a representando a construção de um sistema 118

inserção da noção de culpabilidade funcional, próprio para o tratamento do indivíduo


tida como limite da pena”. considerado “infiel ao sistema”. Considera que
àquele que se dedica a determinados crimes não
se deve garantir o status de cidadão, merecendo,
ao revés, punição específica e severa, uma vez
que o seu comportamento põe em risco, de
forma ímpar, a integridade do sistema”.

Qual dessas teorias foi adotada pelo vigente Código Penal brasileiro?
Originalmente adotava claramente a Teoria Causalista da ação, com a
reforma da parte geral em 1984, passou a adotar parcialmente a Teoria Finalista da
ação.
Rogério Sanches Cunha afirma que: “A doutrina moderna, no entanto,
trabalha com premissas funcionalista de Roxin, negando, porém, algumas de suas
ideias, como, por exemplo, a responsabilidade considerada substrato do delito”.24

Independentemente da teoria adotada, são duas as formas de conduta: a


ação e a omissão.
A ação é a conduta positiva, que se manifesta por um movimento corpóreo.
Sendo que a maioria dos tipos penais descreve condutas positivas (matar, subtrair,
constranger, falsificar etc.), logo a lei penal nesses crimes (chamados de comissivos),
é chamada lei penal proibitiva (não matarás, não furtarás etc.). Assim, na conduta
comissiva o agente desatende a preceitos proibitivos (a norma mandava não fazer e
o agente fez). De acordo com a teoria finalista adotada pelo Código Penal brasileiro:
“Ação é a conduta humana consciente e voluntária dirigida a uma finalidade
(Welzel)”.25

24
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 226.
25
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 181.
A omissão é a conduta negativa, que consiste na indevida abstenção de um
movimento. Nos crimes omissivos a lei penal é mandamental ou imperativa, visto que
determina uma ação, punindo aquele que se omite. Aqui a lei penal é chamada de lei
penal preceptiva, pois impõe a realização de uma ação, ou seja, reclama um
comportamento positivo. A omissão é exatamente o descumprimento do 119

comportamento devido por lei. “Ao lado da ação a omissão aparece como uma forma
independente de conduta humana, suscetível de ser regida pela vontade dirigida para
um fim”.26
Exemplo de omissão: “Um pedestre presencia um atropelamento e
sadicamente acompanha os gemidos da vítima até a sua morte, sem prestar-lhe
qualquer socorro”.
São duas as teorias acerca da omissão: teoria naturalística e teoria normativa.
Teoria Naturalística: para essa teoria, a omissão é um fenômeno causal, que pode
ser claramente percebido no mundo dos fatos. Em vez de ser considerada uma
inatividade, a omissão caracteriza-se como verdadeira espécie de ação, já que quem
se omite faz alguma coisa. A omissão provoca modificações no mundo naturalístico,
na medida em que o omitente, ao permanecer inerte, faz coisa diversa da que deveria
ser feita; assim, a omissão nada mais é do que uma forma de ação. “Ora, se a omissão
é uma ação, então ela tem relevância causal, ou seja, aquele que se omite também
dá causa ao resultado e por ele deve responder”.27
Para essa teoria o pedestre sádico do exemplo anterior deve responder por
homicídio, pois ao se omitir a prestar o socorro devido deu causa ao resultado morte.
Teoria Normativa: para essa teoria, a omissão é um nada, um indiferente penal, que
não pode causar coisa alguma, pois quem se omite nada faz e, portanto, nada causa.
Assim, o omitente não deve responder pelo resultado, uma vez que não o provocou.
Mas, excepcionalmente embora não se possa estabelecer o nexo causal entre
omissão e resultado, essa teoria admite que quem se omitiu seja
responsabilizado pela sua ocorrência quando presente o chamado “dever
jurídico de agir”.
Logo, a omissão penalmente relevante é constituída de dois elementos: o
non facere (não fez) e o quod debeatur (aquilo que tinha o dever jurídico de fazer),

26
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 162. Ebook.
27
Ibidem, p. 163. Ebook.
sendo preciso que no caso concreto haja uma norma determinando o que devia ser
feito, pois só assim o comportamento omissivo assume relevância perante o Direito
Penal. Assim, para que a omissão tenha relevância causal, há necessidade de uma
norma impondo o dever jurídico de agir, e só aí se pode falar em responsabilização
do omitente pelo resultado. Essa é a teoria adotada pelo Código Penal brasileiro, 120

no art. 13, § 2º.28


Assim, para a teoria normativa o pedestre do nosso exemplo deve responder
pela omissão de socorro qualificada pelo resultado morte (art. 135, parágrafo único,
2ª parte, do CP).
De acordo com Masson a conduta se reveste das seguintes características:29
1) Em regra, penas o ser humano pode praticar condutas penalmente relevantes.
Excepcionalmente, as pessoas jurídicas podem praticar condutas relativas aos
crimes ambientais;
2) Somente as condutas voluntárias interessam ao Direito Penal;
3) Apenas os atos capazes de produzir efeitos jurídicos ingressam no conceito de
conduta. Logo, o simples querer interno do agente (a cogitação) é desprezada
pelo Direito Penal;
4) A conduta é composta de dois elementos: um ato de vontade, dirigido a um fim,
e a manifestação da vontade no mundo exterior, por meio de uma ação ou
missão dominada ou dominável pela vontade.
Entretanto, existem hipóteses que excluem a conduta. São elas:
a) Caso Fortuito e Força Maior: são acontecimentos imprevisíveis e
inevitáveis, que fogem do domínio da vontade do ser humano. Assim, a
conduta decorrente de caso fortuito e força maior é atípica por ausência de dolo
e culpa.
Caso fortuito é aquilo que se mostra imprevisível e inevitável provocado pelo
homem. No caso fortuito existe uma conduta, mas ela não será atribuída ao agente
por ausência de dolo e culpa. Exemplo: o atropelamento de pedestre por veículo
automotor por defeito mecânico imprevisível; o incêndio provocado pelo cigarro
derrubado do cinzeiro por um golpe de ar inesperado.

28
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 164. Ebook.
29
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Força maior é a uma força imprevisível e inevitável que opera sobre o ser
humano de tal forma que o faz intervir como uma mera massa mecânica. Pode ocorrer
por fatos da natureza ou por intervenção de terceiros. Na realidade não existe conduta.
Exemplo: a pessoa forçada a apertar o gatilho; a inundação provocada por uma
tempestade. 121

b) Atos ou movimentos reflexos: são reações motoras ou secretoras em


consequência de uma excitação dos sentidos. O corpo reage, porém não em
razão de uma manifestação de vontade, mas sim de uma questão fisiológica.
Exemplo: o chute dado no médico quando este bate o martelinho no joelho do
paciente durante um exame clínico; a tosse; o espirro etc.
c) Coação física irresistível: também chamada de vis absoluta, ocorre quando
o coagido não tem liberdade para agir. Não lhe resta nenhuma outra opção, a
não ser praticar um ato em conformidade com a vontade do coator.
O mesmo não ocorre na coação moral irresistível (vis compulsiva) que não
exclui a conduta, uma vez que a vontade, neste caso, não deixa de existir,
apenas encontra-se viciada. Tal situação exclui a culpabilidade, mas não a
conduta, como se verá oportunamente.
d) Sonambulismo, Narcolepsia (doença do sono) e Hipnose: por se tratarem
de comportamentos praticados em completo estado de inconsciência, também
são considerados involuntários e penalmente irrelevantes.
A embriaguez, voluntária ou culposa, embora completa, não exclui a conduta,
logo subsiste a imputabilidade e, por conseguinte a culpabilidade, nos termos do art.
28, II do CP, que será oportunamente estudado.
“Consequência da exclusão da conduta: sem conduta, não há fato típico,
uma vez que ela é seu elemento. A consequência será a atipicidade do fato”.30

5.2. Resultado

De acordo com Capez resultado é a “modificação no mundo exterior


provocada pela conduta”. Assim, o “evento é qualquer acontecimento; [já o] resultado

30
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 167. Ebook.
é a consequência da conduta. Exemplo: um raio provoca um incêndio. Trata-se de um
evento”.31
Aduz Masson que o resultado, em Direito Penal, pode ser jurídico/normativo
ou naturalístico/material. O resultado jurídico ou normativo é a lesão ou exposição
a perigo de lesão do bem jurídico penalmente tutelado. Assim, consiste na mera 122

violação da lei penal, mediante a agressão do valor ou do interesse por ela tutelado.
Já o resultado naturalístico ou material, é a modificação do mundo exterior
provocada pela conduta do agente.32
Não existe crime sem resultado jurídico ou normativo, pois todo delito ofende
bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Entretanto, existem crimes sem resultado
naturalístico. É o caso dos chamados crimes de atividade (crimes formais e de mera
conduta) e dos crimes materiais quando apenas tentados.
Ante o que foi estudado as infrações penais podem ser classificadas no que
se refere ao resultado em:
Crime de Crime Material É aquele cuja consumação só ocorre com a produção
Resultado do resultado naturalístico. Exemplo: o homicídio
somente se consuma com o resultado morte.
Crime Formal É aquele que se consuma independentemente da
produção do resultado naturalístico. Nesse crime é
possível a ocorrência do resultado naturalístico,
Crimes de porém não é necessário para que se dê a
Atividade consumação. Exemplo: a extorsão mediante
(Crimes de sequestro, que se consuma com a exigência do
resultado resgate. Caso haja o pagamento do resgate ocorrerá
normativo) o mero exaurimento.
De acordo com Capez: “Os tipos que descrevem
crimes formais são denominados ‘tipos
incongruentes’, uma vez que neles há um
descompasso entre a finalidade pretendida pelo
agente (quer receber o resgate) e a exigência típica (o
tipo se contenta com a mera realização do sequestro
com essa finalidade)”.33

31
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 177. Ebook.
32
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
33
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 178. Ebook.
Crime de Mera É aquele que não admite em hipótese alguma o
Conduta resultado naturalístico. Exemplo: a desobediência,
que não produz nenhuma alteração no mundo
concreto.

123

5.3. Relação de Causalidade (Nexo Causal)

O nexo causal é também denominado pelo Código Penal (art. 13, caput) de
relação de causalidade (denominação legal, portanto), e pela doutrina de nexo de
causalidade, e corresponde ao elo concreto, físico (material, natural) que se
estabelece entre a conduta do agente e o resultado naturalístico, por meio do qual
é possível dizer se uma conduta deu ou não causa a um resultado. O nexo causal é
comprovado por meio da relação de causa e efeito.
Ensina Cleber Masson que:

O estudo da relação de causalidade tem pertinência apenas aos crimes


materiais. Nesses delitos, o tipo penal descreve uma conduta e um resultado
naturalístico, exigindo a produção desse último para a consumação. É aí que
entra em cena o nexo causal, para ligar a conduta do agente ao resultado
material. Nos crimes de atividade, o resultado naturalístico pode ocorrer
(formais) ou não (de mera conduta). De qualquer forma, é dispensável, pois
se consumam com a simples prática da conduta ilícita.34

O Código Penal brasileiro adotou no art. 13, caput, in fine, a Teoria da


Equivalência dos Antecedentes Causais (conditio sine qua non), onde atribui
relevância causal a todos os antecedentes do resultado naturalístico, considerando
que nenhum elemento, de que depende a sua produção pode ser excluído da linha de
desdobramento causal.
Assim sendo, causa é toda ação ou omissão sem a qual o resultado não teria
ocorrido, ou seja, toda ação ou omissão que é indispensável para a configuração do
resultado naturalístico, por menor que seja seu grau de contribuição (art. 13, caput, in
fine, CP). Exemplos: a morte por hemorragia provocada em hemofílico; morte
decorrente de broncopneumonia advinda de ferimentos provocados pelo agente.
Cumpre destacar, que para a existência do fato típico não basta a mera
configuração do nexo causal, é imprescindível que o agente tenha concorrido com

34
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
dolo ou culpa (quando admitida). A isso se dá o nome de nexo normativo. Exemplo:
no ato obsceno não existe resultado naturalístico; logo, para a existência do crime
basta que exista a conduta e o dolo por parte do agente, não havendo que se falar em
nexo causal.
Além disso, também inexiste nexo causal nos crimes omissivos. Não há 124

causalidade na omissão já que do nada, nada surge (Lerner). A omissão não produz
o resultado. Deste modo, a doutrina afirma que nos crimes omissivos o nexo causal
é normativo (o que liga o resultado ao agente não é a natureza das coisas, mas a
norma penal).

Importante:
A Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais é melhor
compreendia com a utilização do processo de exclusão mental denominado
procedimento hipotético (ou processo de eliminação hipotética) desenvolvida por
Thyrén. Assim, para se saber se uma ação é a causa do resultado, basta mentalmente
excluí-la da série causal. Se com a exclusão o resultado deixa de ocorrer, é causa.
Sendo que a pergunta deve ser formulada nos seguintes termos: “sem a conduta o
resultado teria ocorrido, COMO OCORREU”?
Neste sentido é o exemplo de Damásio: “Suponha-se que ‘A’ tenha matado
‘B’. A conduta típica do homicídio possui uma série de fatos, alguns antecedentes,
dentre os quais podemos sugerir os seguintes: 1º) a produção do revólver pela
indústria; 2º) aquisição da arma pelo comerciante; 3º) compra do revolver pelo agente;
4º) refeição tomada pelo homicida; 5º) emboscada; 6º) disparo de projéteis na vítima;
7º) resultado morte. Dentro dessa cadeia de fatos, excluindo-se os fatos sob nos
números 1º a 3º, 5º, e 6º, o resultado não teria ocorrido. Logo, são considerados
causa. Excluindo-se o fato sob o número 4º (refeição), ainda assim o evento teria
acontecido. Logo, a refeição tomada pelo sujeito não é considerada causa”.35
De acordo com André Estefam, “essa teoria já sofreu várias objeções, dentre
as quais se podem apontar, a de confundir a parte com o todo e a de gerar soluções
aberrantes, mediante um regresso ao infinito [regressus ad infinitum] ou produzindo

35
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 37. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
p. 248.
um ciclo causal interminável”.36 Exemplos clássicos de soluções aberrantes
decorrentes dessa teoria: a discussão da relação de causalidade entre a fabricação
da arma de fogo e o homicídio praticado com o instrumento bélico; o nexo causal entre
a confecção de uma cama por um marceneiro e o estupro nela cometido; a relação
sexual entre os pais que conceberam o criminoso e o delito por ele praticado... 125

Já, segundo Cleber Masson: “Essa crítica, contudo, é despropositada. Para


que um acontecimento ingresse na relação de causalidade, não basta a mera
dependência física. Exige-se ainda a causalidade psíquica (imputatio delicti), é
dizer, reclama-se a presença do dolo ou da culpa por parte do agente em relação ao
resultado. De fato, a falta do dolo ou da culpa afasta a conduta, a qual, por seu turno,
obsta a configuração do nexo causal”.37

O § 1º do art. 13 do Código Penal prevê a chamada superveniência causal


nos seguintes termos: “A superveniência de causa relativamente independente exclui
a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto,
imputam-se a quem os praticou”.
O parágrafo transcrito adota a Teoria da Causalidade ou Condição
Adequada ou da Idoneidade, formulada pelo filósofo Von Kries e segundo a qual um
fato não pode ser considerado sua causa quando, isoladamente, não tiver idoneidade
para tanto. Para que exista a relação de causalidade é necessária a efetiva
contribuição e a idoneidade individual mínima de cada concausa.
Nas palavras de Masson: “Concausa é a convergência de uma causa externa
à vontade do autor da conduta, influindo na produção do resultado naturalístico por
ele desejado e posicionando-se paralelamente ao seu comportamento, comissivo ou
omissivo”.38
São causas dependentes aquelas que emanam da conduta do agente, dela
se origina, razão pela qual se insere no curso normal do desenvolvimento causal; já
as causas independentes são aquelas que fogem do desdobramento normal da
conduta, são inesperadas e imprevisíveis e têm a capacidade de produzir, por si só, o
resultado, podendo ser de natureza absoluta ou relativa dependendo de sua origem.

36
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 187.
37
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
38
Ibidem.
a) Causas Absolutamente Independentes
São aquelas que têm origem totalmente alheia à conduta do agente. Assim, o
advérbio “absolutamente” serve para designar que a causa não partiu da conduta,
mas de fonte totalmente distinta. Além disso, por serem independentes, tais causas 126

atuam como se tivessem, por si só, produzido o resultado, situando-se fora da linha
de desdobramento causal da conduta.
As causas absolutamente independentes têm como consequência a ruptura
total do nexo causal, de modo que o agente só responde pelos atos até então
praticados. São classificadas em causas absolutamente independentes:
1) Preexistente: é aquela que existe anteriormente à prática da conduta,
assim o resultado naturalístico teria ocorrido da mesma forma, mesmo sem
o comportamento ilícito do agente. Exemplo: “A” efetua disparos de arma
de fogo contra “B” atingindo-o em regiões vitais. O exame necroscópico,
todavia, conclui ter sido a morte provocada pelo envenenamento anterior
efetuado por “C”.
2) Concomitante: é aquela que incide simultaneamente à prática da conduta,
ou seja, surge no mesmo instante em que o agente realiza seu
comportamento criminoso. Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo
contra “B” no exato momento em que o teto da casa deste último desaba
sobre a sua cabeça.
3) Superveniente: é aquela que incide posteriormente à conduta praticada
pelo agente. Exemplo: “A” subministra dose letal de veneno a “B”, mas,
antes que se produzisse o efeito almejado, surge “C”, antigo desafeto de
“B”, que nele efetua inúmeros disparos de arma de fogo por todo o corpo,
matando-o.
Observem que em todas as modalidades de causas absolutamente
independentes o resultado naturalístico ocorre independentemente da conduta do
agente. As causas surgem de forma autônoma, isto é, não se ligam ao comportamento
criminoso do agente e assim sendo, produzem por si sós o resultado material. Logo,
devem ser imputados ao agente somente os atos praticados e não o resultado
naturalístico, em face da quebra do nexo de causalidade. Aplica-se aqui a teoria da
equivalência dos antecedentes causais ou conditio sine qua non (art. 13, caput,
in fine, CP), pois suprimindo mentalmente a conduta do agente, ainda assim o
resultado teria ocorrido. Em todos os exemplos mencionados, o agente somente
responderia por tentativa de homicídio e não por homicídio consumado.

b) Causas Relativamente Independentes


São aquelas que se originam da própria conduta efetuada pelo agente, 127

assim são relativas, pois não existiriam sem a atuação criminosa dele. Apesar disso,
são causas independentes, ou seja, têm idoneidade para produzir, por si sós, o
resultado, já que não se situam no normal trâmite do desenvolvimento causal. São
classificadas em causas relativamente independentes:
1) Preexistente: é aquela que existe previamente à prática da conduta do
agente, ou seja, antes que ele agisse, ela já estava presente. Exemplo: “A”
com ânimo homicida, efetua disparos de arma de fogo contra “B”, atingindo-
o de raspão. Porém, pelo fato de “B” ser hemofílico, vem a falecer devido a
grave hemorragia. Nesse caso, o “A” somente responderia pelo
resultado morte se tivesse conhecimento da condição de “B” de
hemofílico.
2) Concomitante: é aquela que ocorre simultaneamente à prática da conduta.
Exemplo: “A” efetua disparos de arma de fogo contra “B”, no mesmo instante
em que ele morre em decorrência de um ataque cardíaco. Nesse caso, se
o ataque cardíaco se desencadeou em função dos disparos, o “A”
responderá por homicídio, entretanto se os tiros não foram a causa da
morte responderá por simples tentativa de homicídio.
3) Superveniente: é aquela que incide posteriormente à conduta praticada
pelo agente e pode ser dividida em dois grupos:
3.1) as que não produzem por si sós o resultado: incide a teoria da
equivalência dos antecedentes ou da condicio sine qua non, adotada
como regra geral no tocante ao nexo causal (art. 13, caput, in fine, CP).
Exemplo: “A” com a intenção de matar, efetua disparos de arma de fogo
contra “B”. Entretanto, a vítima não morre imediatamente, sendo levada
para o Hospital onde é operada. Durante a cirurgia a vítima morre de choque
anafilático. Nesse caso o agente responde pelo resultado naturalístico,
pois, suprimindo-se mentalmente a sua conduta, o resultado não teria
ocorrido como e quando ocorreu. Ou seja, a causa superveniente
relativamente independente não rompe o nexo de causalidade, pois
constitui um prolongamento ou desdobramento da ação cometida pelo
agente.

3.2) as que produzem por si sós o resultado: é a situação tratada pelo


§ 1º do art. 13 do Código Penal: “A superveniência de causa relativamente 128

independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado;


os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”. Nesse caso
foi acolhida a teoria da causalidade adequada, assim só é causa a
conduta idônea (id quad plerum que accidit) para provocar a produção do
resultado naturalístico, logo não basta qualquer contribuição, precisa ser
uma contribuição adequada. Exemplo: “A” com a intenção de matar, efetua
disparos de arma de fogo contra “B”. Entretanto, os disparos atingiram a
vítima apenas de raspão, tendo sido levada para o Hospital apenas para
curativos. No Hospital a vítima morre em decorrência de um incêndio
ocorrido no mesmo. Nesse a expressão “por si só” revela a autonomia
da causa superveniente relativamente independente, que não se
encontra no mesmo curso do desenvolvimento da conduta praticada
pelo autor. “Em outras palavras, depois do rompimento da relação de
causalidade, a concausa manifesta a sua verdadeira eficácia,
produzindo o resultado por sua própria força, ou seja, invoca para si a
tarefa de concretizar o resultado naturalístico”.39
A omissão penalmente relevante encontra-se prevista no § 2º do art. 13 do
Código Penal: “A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia
agir para evitar o resultado”. Sendo que este dispositivo só é aplicado aos chamados
crimes omissivos impróprios, impuros, espúrios ou comissivos por omissão.
Isso ocorre porque os crimes omissivos se dividem em:
- Crimes Omissivos Próprios ou Puros: que são os delitos em que inexiste o dever
jurídico de agir, faltando, por conseguinte, o segundo elemento da omissão (nos
termos da teoria normativa), que é a norma impondo o que deveria ser feito. Ante a
inexistência do quod debeatur, a omissão perde relevância causal, e o omitente só
praticará crime se houver tipo incriminador descrevendo a omissão como infração
formal ou de mera conduta. Exemplos: arts. 135, 244, 269 e 299 do CP.

39
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
“São obrigatoriamente previstos em tipos penais específicos, em obediência
ao princípio da reserva legal”.40 “A omissão é descrita pelo próprio tipo penal, e o crime
se consuma com a simples inércia do agente. Não são, assim, compatíveis com a
figura da tentativa”.41
- Crimes Omissivos Impróprios, Impuros, Espúrios, Promíscuos ou Comissivos por 129

Omissão: nesses o agente tinha o dever jurídico de agir, ou seja, não fez o que
deveria ser feito. Há, portanto, a norma dizendo o que ele deveria fazer, passando a
omissão a ter relevância causal. Como consequência, o omitente não responde
apenas pela omissão como simples conduta, mas pelo resultado produzido, salvo se
este resultado não lhe puder ser atribuído por dolo ou culpa.
“São crimes de resultado, não têm tipologia específica, inserindo-se na
tipificação comum dos crimes de resultado, como o homicídio, a lesão corporal etc.”.42
Para que alguém responda por um crime comissivo por omissão é
necessário que, nos termos do art. 13, § 2º do CP, tenha o dever jurídico de evitar o
resultado, seja por dever legal, dever de garantidor ou por ingerência na norma (ocorre
quando o agente criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do
resultado. Exemplo: o nadador exímio que convida para uma travessia pessoa que
não sabe nadar torna-se obrigado a evitar seu afogamento).
No Direito Penal, o que difere o dever jurídico de agir do dever legal de agir é
que o dever jurídico é o gênero do qual o dever legal é espécie, ou seja, o dever
jurídico decorre do senso comum da coletividade e segundo o Código Penal brasileiro
abrange a determinação específica de agir, isto é, o dever legal ou imposição legal
(Exemplos: a mãe com relação aos filhos; o diretor do presídio com relação aos
presos), ou que o omitente tenha assumido por qualquer outro modo a obrigação de
agir, configurando o dever de garantidor ou “garante” (Exemplos: o médico
plantonista; o guia de alpinistas; o salva-vidas em relação aos banhistas; da babá para
com a criança).
O Código Penal ainda menciona a situação da ingerência ou da situação
precedente, que é aquela em que o agente com seu comportamento anterior, cria o

40
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 279.
41
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
42
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 279.
risco da ocorrência do resultado. Exemplo: o marinheiro que lança ao mar um
tripulante do navio tem o dever de salvá-lo da morte. Se não o fizer, responde pelo
homicídio.
Em síntese: “Esse é o significado da expressão ‘penalmente relevante’: a omissão
que não é típica, por não estar descrita pelo tipo penal, somente se torna penalmente 130

relevante quando presente o dever de agir.


Nos crimes omissivos impróprios, a omissão pode, com o dever de agir, ser
penalmente relevante. Por outro lado, nos crimes omissivos próprios, a omissão
sempre é penalmente relevante, pois se encontra descrita pelo tipo penal, tal como
nos arts. 135 e 269 do Código Penal”. 43

Inação do agente

Relevância penal da +
omissão nos crimes Poder de agir
omissivos impróprios
+
Dever jurídico de agir

Crimes Omissivos Impróprios, Impuros


Crimes Omissivos Próprios ou Puros ou Comissivos por Omissão

O tipo penal descreve uma omissão O tipo penal descreve uma ação

São crimes de mera conduta São crimes materiais

Não admitem tentativa Admitem tentativa

São sempre dolosos Podem ser culposos ou dolosos

Ocorre a dupla causalidade quando duas ou mais condutas, independentes


entre si e praticadas por pessoas diversas, que não se encontram subjetivamente
ligadas, produzem simultaneamente o resultado naturalístico por elas desejado.
Exemplo: “A” aguarda a chegada de “B” escondido em cima de uma árvore do lado
esquerdo da rua, enquanto “C” também aguarda “B” do outro lado da rua em cima de

43
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
outra árvore. “A” e “C” atiram ao mesmo tempo e produzem a morte de “B”, sem que
seja possível saber de quem foi a munição que produziu o resultado naturalístico
morte. “A” e “C” não sabiam do intento um do outro.
Nesse caso, aduz Masson que a doutrina brasileira se inclina pela punição de
ambos os autores por homicídio consumado.44 131

É importante tecer alguns comentários sobre a Teoria da Imputação


Objetiva. Essa teoria é desenvolvida modernamente por Claus Roxin, no ensaio
Reflexões sobre a problemática da imputação no direito penal, de 1970. Para a teoria
em estudo considera-se realizado o tipo penal quando for possível estabelecer a
relação de causalidade; quando houver a criação de um risco proibido; e quando
houver a realização do risco no resultado.
Assim, “com a teoria da imputação objetiva, antes e independentemente de
se perscrutar acerca do dolo ou da culpa do agente, deve-se analisar se o agente deu
causa, objetivamente, ao resultado. Se não o tiver causado, torna-se irrelevante
indagar se atuou com dolo ou culpa”.45
“O resultado naturalístico não pode nem deve ser atribuído objetivamente à
conduta do autor apenas em virtude de uma relação física de causa e efeito. Dizer
que qualquer contribuição, por menor que seja, deve ser considerada causadora de
um evento é fazer tábua rasa do conteúdo valorativo do direito”.46
Logo, “somente quando o agente, com seu comportamento, criar um risco fora
do que a coletividade espera, aceita e se dispõe a tolerar, haverá fato típico”.47
“Risco permitido, portanto, é aquele que decorre do desempenho normal das
condutas de cada um segundo seu papel social, ou seja, o risco derivado de um
comportamento aprovado pelo consenso social (socialmente adequado) por atender
às expectativas da sociedade”.48
Também “não haverá imputação do resultado naturalístico quando este não
estiver dentro da linha de desdobramento normal previsível da conduta, ou seja,
quando refugir ao domínio causal do agente”.49

44
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
45
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 200/1. Ebook.
46
Ibidem, p. 201. Ebook.
47
Ibidem, p. 203. Ebook.
48
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 203. Ebook.
49
Ibidem, p. 203. Ebook.
“Em resumo, a imputação objetiva exclui a tipicidade da conduta quando o
agente se comporta de acordo com seu papel social, ou, mesmo não o fazendo, o
resultado não se encontra dentro da linha de desdobramento causal da conduta, ou
seja, não esta conforme ao perigo”.50
132

5.4 Tipicidade

A tipicidade divide-se em tipicidade formal e tipicidade material.


A tipicidade formal ou legal é a correspondência, a subsunção, o
enquadramento, o amoldamento ou a adequação perfeita entre o fato natural,
concreto, e a descrição contida na lei (tipo penal).
Já a tipicidade material ou substancial é a lesão ou perigo de lesão ao bem
jurídico penalmente tutelado em razão da prática da conduta legalmente descrita. A
ausência de tipicidade material leva à atipicidade da conduta. Entretanto, não se
confunde com causas de justificação.51 Exemplos: A lesão corporal provocada por um
pontapé em jogo de futebol. A tipicidade material pode ser excluída com base nos
princípios da adequação social da conduta e da insignificância penal.52
A presença simultânea da tipicidade formal e da tipicidade material caracteriza
a chamada tipicidade penal.
Compreende-se o tipo penal como um modelo abstrato que descreve um
comportamento proibido. À identidade entre o tipo penal e a conduta, tal como visto
acima, chama-se tipicidade formal. No que se refere ao tipo penal, a doutrina costuma
classificar as elementares do tipo da seguinte maneira:
Elementos Descritivos ou Objetivos do Tipo: são aqueles que se referem ao
aspecto material do fato. Existem concretamente no mundo dos fatos e só precisam
ser descritos pela norma. São elementos descritivos ou objetivos: o objeto do crime,
o lugar, o tempo, os meios empregados, o núcleo do tipo (o verbo) etc. Exemplo: art.
151, CP – “devassar o conteúdo de correspondência fechada dirigida a outrem”;

50
Ibidem, p. 205. Ebook.
51
A ação socialmente adequada está, desde o início, excluída do tipo penal, por que se realiza dentro
do âmbito de normalidade social, ao passo que a ação amparada por uma causa de justificação só
não é crime, apesar de socialmente inadequada, em razão de uma autorização especial para a
realização da ação típica.
52
Os princípios da adequação social e da insignificância afastam a tipicidade material e, de
consequência, o crime, logo são considerados causas supralegais de exclusão da tipicidade.
Elementos Normativos do Tipo: são aqueles que demandam uma valoração
jurídica, social, cultural, histórica, política, religiosa, bem como de qualquer outro
campo do conhecimento humano por parte do aplicador da norma, deixados
propositalmente em aberto pelo legislador, para que se faça a identificação da
situação de fato. Aparecem sob a forma de expressões como “sem justa causa”, 133

“indevidamente”, “documento”, “funcionário público”, “dignidade”, “decoro”,


“fraudulentamente” etc.;
Elemento Subjetivo do Tipo: é aquele referente ao animus (à vontade) do agente
(dolo ou culpa).
Elemento Subjetivo Específico do Tipo: é aquele referente à finalidade especial do
agente, expressamente colocada no tipo penal pelo legislador. Nesse caso, o fato nele
enquadrar-se-á apenas se o autor tiver esse fim em mente. Exemplo: no caso do furto,
não bastam a consciência e a vontade de subtrair coisa alheia móvel, sendo
necessário que o agente pratique a subtração com a finalidade especial de
assenhorear-se do bem com ânimo definitivo ou de entregá-lo a um terceiro
(expressão “para si ou para outrem” – art. 155, CP).
Os tipos penais podem ser:
Tipos Penais Fechados: são aqueles em que a conduta proibida é descrita
integralmente pela lei. (Exemplo: art. 121, CP – “matar alguém”).
Tipos Penais Abertos: são aqueles em que há a necessidade de complementação
de uma norma de caráter geral, que se encontra fora do tipo penal. (Exemplo: art. 129,
§ 6º c/c art. 18, II, ambos do CP).
Tipos Penais Normais: são aqueles em que só existem elementos descritivos ou
objetivos. (Exemplo: art. 121, CP – “matar alguém”).
Tipos Penais Anormais: são aqueles em que além dos elementos descritivos ou
objetivos, contém elementos subjetivos e normativos. (Exemplo: art. 151, do CP –
“violação de correspondência”).
Tipo Penal Fundamental ou Básico: é o tipo que oferece a imagem mais simples de
uma espécie de delito; localiza-se no caput de um artigo e contém os componentes
essenciais do crime, sem os quais este desaparece (atipicidade absoluta) ou se
transforma em outro (atipicidade relativa). Exemplo: art. 121, caput, CP – “matar
alguém”. São seus elementos constitutivos:
a) sujeito ativo: ser humano;
b) conduta: ação ou omissão;
c) dolo: voluntariedade consciente da ação;
d) sujeito passivo: ser humano;
e) resultado: evento morte
f) nexo de causalidade.
Se for retirado qualquer um desses elementos, o crime de homicídio 134

desaparecerá.
Tipos Penais Derivado: são aqueles que se formam a partir do tipo fundamental,
mediante o acréscimo de circunstâncias que o agravam ou atenuam.
Se a agravação consistir em um novo limite abstrato de pena, como no caso
do art. 121, § 2º, do CP, em que a pena passa a ser de 12 a 30 anos, tem-s o tipo
qualificado; se constituir em um aumento em determinado percentual, como 1/3, 1/2
ou 2/3, ocorre a chamada causa de aumento (art. 155, § 1º, do CP); no caso de
atenuação, surge o tipo privilegiado (art. 121, § 1º, do CP). Nesses tipos, estão os
componentes secundários do tipo, que não constituem a sua essência. Localizam-se
nos parágrafos dos tipos incriminadores fundamentais.

Núcleo do tipo Circunstâncias


TIPO PENAL = +Elementos +(somente para as
(verbo)
figuras qualificadas
ou privilegiadas)

Objetivos

Subjetivos

Normativos

Modais (seriam os que expressam no


tipo penal condições específicas de
tempo, local ou modo de execução –
não são aceitos de forma unânime
pela doutrina)

5.5 Dolo

Tendo como ponto de partida a Teoria Finalista o dolo integra a conduta,


sendo conceituado como elemento subjetivo do tipo, implícito e inerente a todo crime
doloso. Logo, consiste na vontade e consciência de realizar os elementos do tipo
penal.
São três as teorias existentes sobre o conteúdo do dolo:
Teoria da Representação O dolo é a vontade de realizar a conduta, prevendo a
possibilidade de o resultado ocorrer, sem, contudo, desejar que
ele ocorra. Denomina-se teoria da representação porque basta ao
agente representar (prever) a possibilidade do resultado para que
a conduta seja qualificada como dolosa. 135

De acordo com Masson: “Em nosso sistema penal tal teoria deve
ser afastada, por confundir o dolo com a culpa consciente”.53
Teoria da Vontade Para essa teoria o dolo é a vontade de realizar a conduta e produzir
o resultado. Logo, existe dolo quando se pratica a ação consciente
e voluntariamente.
De acordo com Masson: “Essa teoria se vale da teoria da
representação, ao exigir a previsão do resultado. Contudo, vai
mais longe. Além da representação, reclama ainda a vontade de
produzir o resultado”.54
Teoria do Assentimento O dolo é o assentimento do resultado, ou seja, a previsão do
Também chamada de Teoria resultado com a aceitação dos riscos de produzi-lo. Não basta,
da Anuência portanto, representar; é preciso aceitar como indiferente a
produção do resultado.
De acordo com Masson: Essa teoria “complementa a teoria da
vontade, recepcionando sua premissa. Para essa teoria, há dolo
não somente quando o agente quer o resultado, mas também
quando realiza a conduta assumindo o risco de produzi-lo”.55

Observando a redação do inciso I do art. 18 do CP conclui-se que o atual


Código Penal brasileiro adotou tanto a teoria da vontade (ao dizer: “quis o resultado”),
como a teoria do assentimento, (no tocante à expressão “assumiu o risco de produzi-
lo) podendo o dolo ser conceituado legalmente como a vontade de realizar o resultado
ou a aceitação dos riscos de produzi-lo.
São elementos do dolo: a consciência (elemento intelectual) e a vontade
(elemento volitivo). Segundo Masson:

Tais elementos se relacionam em três momentos distintos e sucessivos. Em


primeiro lugar, opera-se a consciência da conduta e do resultado. Depois, o
sujeito manifesta sua consciência sobre o nexo de causalidade entre a
conduta a ser praticada e o resultado que em sua decorrência dela será
produzido. Por fim, o agente exterioriza a vontade de realizar a conduta e

53
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
54
Ibidem.
55
Ibidem.
produzir o resultado. Basta, para a verificação do dolo, que o resultado se
produza em conformidade com a vontade esboçada pelo agente no momento
da conduta. Exemplo: “A” queria matar “B”. Efetua contra ele disparos de
arma de fogo. Erra os tiros, mas “B”, durante a fuga, despenca de um
barranco, bate a cabeça no solo e morre em decorrência de traumatismo
craniano. “A” queria matar, e matou. Nessa situação “A” responderá pelo
resultado”.
Como se vê no exemplo de Masson, não é necessário que o iter criminis, ou
136
seja, o caminho do crime transcorra na forma idealizada pelo agente, basta
que exista o nexo causal. “Subsiste o dolo se o objetivo almejado for
alcançado, ainda que de modo diverso.56

O dolo abrange não só o objetivo do agente, como também os meios


empregados e as consequências secundárias. O dolo deve alcançar, em regra, todos
os elementos da figura típica (do tipo penal), descritivos, normativos e subjetivos, bem
como as circunstâncias agravantes, as causas de aumento de pena e as
qualificadoras.

Antes de tratar das espécies de dolo é necessário que se estabeleça a


distinção entre dolo natural e dolo normativo, tal distinção depende da teoria adotada
para a definição de conduta.
Assim, na teoria clássica, causal ou mecanicista o dolo e a culpa
integravam o conceito de culpabilidade. O dolo, portanto, abrigava em seu bojo a
consciência da ilicitude do fato e era chamado de dolo normativo. O dolo normativo,
portanto, não é um simples querer, mas um querer algo errado, ilícito (dolus malus).
Com o surgimento da teoria finalista ou final o dolo migrou para a conduta,
passando a integrar o fato típico. “O dolo, portanto, abandonou a culpabilidade para
residir no fato típico. A consciência da ilicitude, que era atual, passou a ser potencial
e deixou de habitar o interior do dolo, para ter existência autônoma como elemento da
culpabilidade. Tal dolo, livre da consciência da ilicitude, é chamado de dolo natural”.57
Logo, a inexistência de dolo importa em atipicidade do fato; já a falta de
conhecimento da ilicitude afasta a culpabilidade (o fato continua sendo típico).
Exemplo: casamento entre irmãos que desconheciam a proibição de impedimento (art.
237, CP – “conhecimento prévio de impedimento”). Tinham dolo de se casar, mas
desconheciam a ilicitude da conduta.

56
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
57
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Vejamos o seguinte esquema elaborado por Masson:58

Consciência
Dolo Natural
+ (Teoria Finalista)
Elementos do 137
dolo Vontade
Dolo Normativo
+
(Teoria Clássica)
Consciência da Ilicitude

Feita a distinção acima, passa-se ao estudo das espécies de dolo:


Dolo Direto: também denominado dolo determinado, intencional, imediato ou dolo
incondicionado, ocorre quando o agente visa resultado certo e determinado, ou seja,
cuida-se da vontade de realizar a conduta e produzir o resultado. Conforme prevê a
primeira parte do inciso I, do art. 18 do CP é possível sua existência (teoria da
vontade).
Dolo Indireto: também chamado de dolo indeterminado, ocorre quando a vontade
do sujeito não se dirige a certo e determinado resultado, ou seja, quando o agente não
quer diretamente o resultado, mas aceita a possibilidade de produzi-lo ou não se
importa em produzir este ou aquele resultado. Sendo assim, o dolo indireto se
subdivide em:
Dolo Eventual: ocorre quando o agente não quer o resultado, por ele previsto, mas
assume o risco de produzi-lo. Conforme prevê a segunda parte do inciso I, do art. 18
do CP é possível sua existência (teoria do assentimento). De acordo com Nelson
Hungria “assumir o risco é alguma coisa a mais que ter consciência de correr o risco:
é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a acontecer”.
Exemplo: “Imagine o exemplo de um fazendeiro, colecionador de armas de fogo, que
treina tiro ao alvo em sua propriedade rural. Certo dia decide atirar com um fuzil de
longo alcance. Sabe que os projéteis têm capacidade para chegar até uma estrada
próxima, com pequeno fluxo de transeuntes. Prevê que, assim agindo, pode matar
alguém. Nada obstante, assume o risco de produzir o resultado, e insiste em sua

58
Ibidem.
conduta. Acaba atingindo um pedestre que vem a falecer. Responde por homicídio
doloso, pois presente se encontra o dolo eventual”.59
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já admitiu a possibilidade do dolo
eventual em homicídio praticado na direção de veículo automotor.
Dolo Alternativo: ocorre quando a vontade é dirigida a um ou outro resultado. “Sua 138

intenção se destina, com igual intensidade, a produzir um entre vários resultados


previstos como possíveis”.60 Exemplo: quando a namorada ciumenta surpreende seu
amado conversando com outra e, revoltada, joga uma granada no casal, querendo
matá-los ou feri-los. Ela quer produzir um resultado, mas não o resultado. No dolo
alternativo o agente responderá pelo resultado mais grave, em razão da teoria da
vontade também adotada pelo art. 18, I, do CP, ainda que na forma tentada.
Dolo Genérico: é a vontade de realizar o fato descrito na norma penal incriminadora.
Nos tipos penais que não têm elemento subjetivo específico (sem finalidade especial
de agir) basta o dolo genérico. É o que ocorre no crime de homicídio, “em que é
suficiente a intenção de matar alguém, pouco importando o motivo para a
configuração da modalidade básica do crime” (art. 121, caput, CP).
Dolo Específico: é a vontade de praticar um fato e produzir uma finalidade especial
(necessário para que o fato seja típico, quando no tipo houver a exigência desse
elemento subjetivo específico). “No caso da injúria, por exemplo, não basta a
atribuição à vítima de uma qualidade negativa. Exige-se também tenha a conduta a
finalidade de macular a honra subjetiva da pessoa ofendida”.61
Embora seja frequente encontrar na jurisprudência, inclusive dos tribunais
superiores (STF e STJ), a referência ao dolo genérico, ao dolo específico, ao dolo
alternativo e ao dolo indireto, parte da doutrina (Heleno Fragoso, Cezar Roberto
Bitencourt, Juarez Tavares etc.) repudia essas espécies de dolo, afirmando que o dolo
somente admite subdivisão em dolo direto e dolo eventual.
“Atualmente com a superveniência da teoria finalista, utiliza-se o termo dolo
para referir-se ao antigo dolo genérico. A expressão dolo específico, por sua vez, foi
substituída por elemento subjetivo do tipo ou, ainda, elemento subjetivo do

59
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
60
Ibidem.
61
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
injusto”.62 Apesar disso, é comum encontrarmos na doutrina a expressão elemento
subjetivo do tipo referindo-se ao dolo (antigo dolo genérico) e a expressão elemento
subjetivo específico do tipo referindo-se a finalidade específica do agente (antigo
dolo específico).
Dolo Geral, por erro sucessivo, dolus generalis ou aberratio causae: ocorre 139

quando o agente, após realizar a conduta, supondo já ter produzido o resultado,


pratica o que entende ser um exaurimento, e nesse momento atinge a consumação.
“É o engano no tocante ao meio de execução do crime, relativamente à forma pela
qual se produz o resultado inicialmente desejado pelo agente”.63
Exemplo: João esfaqueia Pedro e acreditando que ele está morto atira-o ao
mar vindo a causar, sem saber, a morte por afogamento.
Tal erro é irrelevante para o Direito Penal, pois o que importa é que o agente
quis praticar o homicídio e, de um modo ou outro, acabou consumando-o. É por isso
que se fala em dolo geral, envolve todo o desenrolar da ação típica, do início da
execução até a consumação. No entanto, leva-se em conta o meio que o agente tinha
em mente (os golpes de faca) e não o acidentalmente empregado (asfixia por
afogamento), não sendo possível aplicar a qualificadora da asfixia ao caso concreto.
“No tocante a qualificadora, deve ser considerado o meio de execução que o
agente desejava empregar para a consumação [golpes de faca], e não aquele que,
acidentalmente, permitiu a eclosão do resultado naturalístico [asfixia por
afogamento]”.64

5.6. Culpa

Partindo da teoria finalista ou final a culpa é um elemento normativo da


conduta, posto que sua aferição depende da valoração feita pelo juiz do caso
concreto, já que a lei penal incriminadora não diz expressamente no que consiste o
comportamento culposo.
“Geralmente, o tipo penal descreve a modalidade dolosa e, quando a ele
também atribui variante culposa menciona expressamente a fórmula: ‘se o crime é

62
Ibidem.
63
Ibidem.
64
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
culposo’”.65 O parágrafo único do art. 18 do CP consagrando o princípio da
excepcionalidade do crime culposo, afirma que “salvo nos casos expressos em lei,
ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica
dolosamente”.
Assim, em regra, os tipos penais que descrevem crimes culposos são tipos 140

penais abertos. Excepcionalmente, entretanto, o legislador se vale de tipos penais


fechados para descrever crimes culposos, como por exemplo, no art. 180, § 3º do
CP, quando define o crime de receptação culposa apontando expressamente as
formas pelas quais a culpa pode se manifestar.
De acordo com Masson:

A opção legislativa pela descrição de crimes culposos por meio de tipos


fechados seria indiscutivelmente mais segura e precisa. De outro lado, essa
escolha logo se revelaria insuficiente, pois seria impossível à lei prever,
antecipadamente, todas as situações culposas que podem ocorrer na vida
cotidiana.66

Tendo em vista o menor desvalor da conduta os crimes culposos são


apenados de modo mais brando do que os crimes dolosos.
Culpa é a conduta voluntária, produtora de um ilícito, não querido, porém
previsível, o qual, com a devida atenção, poderia ter sido evitado. É a inobservância
do dever objetivo de cuidado necessário, exigível dentro do tráfego normal. É a
imprevisão do previsível. Sua verificação necessita de um prévio juízo de valor sobre
a conduta do agente no caso concreto, comparando-o com a que um homem de
prudência média teria na mesma situação. Assim, se a conduta do agente quebrar o
dever objetivo de cuidado, então haverá culpa. O crime culposo é previsto no inciso II
do art. 18 do Código Penal.
Exemplos de condutas culposas: dirigir em excesso de velocidade (essa
conduta, de acordo com recente jurisprudência dos tribunais superiores pode ser
considerada como praticada com dolo eventual); brincar com arma carregada; distrair-
se enquanto criança vai para o meio da rua, soltar cão bravio em parque movimentado
etc.
São elementos do fato típico culposo:
▪ Conduta voluntária: a vontade do agente circunscreve-se à realização da
conduta e não à produção do resultado naturalístico;

65
Ibidem.
66
Ibidem.
▪ Violação do dever objetivo de cuidado: consiste na quebra do dever de cuidado
imposto a todos e que se manifesta por meio de três modalidades: a
imprudência, a negligência e a imperícia (serão particularmente estudadas na
sequência);
Cumpre destacar que o Princípio da confiança em se tratando de crimes 141

culposos, é um limitador do dever de cuidado objetivo, visto que o indivíduo age


aguardando que os demais sigam o papel que deles é esperado na sociedade.
Exemplo: quando um médico se encontra em procedimento cirúrgico, não é de se
esperar que confira um por um os medicamentos que solicita à equipe de apoio, pois
acredita que lhe passarão estritamente os medicamentos que foram solicitados;
assim, se uma das enfermeiras descuida-se e entrega medicamento equivocado, que
vem a provocar resultado lesivo à saúde do paciente, este resultado não pode ser
imputado ao médico.
▪ Resultado naturalístico involuntário: “no crime culposo, o resultado naturalístico
– modificação do mundo exterior provocada pela conduta do agente – funciona
como elementar do tipo penal. Em consequência, todo crime culposo integra o
grupo dos crimes materiais”.67;
▪ Nexo causal: com fundamento no caput do art. 13 do CP a causalidade deve
estar respaldada em elementos empíricos que demonstrem que o resultado
não ocorreria, com um grau de probabilidade nos limites da certeza, se a ação
devida fosse efetivamente evitada ou realizada, tal como o contexto o
determinava.68;
▪ Tipicidade: exige-se a subsunção entre a conduta praticada pelo agente no
mundo real e a descrição típica contida na lei penal;
▪ Previsibilidade objetiva: é a possibilidade de qualquer pessoa dotada de
prudência mediana (o chamado “homem médio” ou “homem standard”) prever
o resultado;
▪ Ausência de previsão (na culpa consciente inexiste esse elemento): é
indispensável que o agente não tenha previsto ou querido o resultado, caso em
que o crime será doloso.

67
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
68
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
A previsibilidade subjetiva não constitui elemento da culpa, logo não a exclui
quando ausente. A previsibilidade subjetiva é a possibilidade que o agente dadas
as suas condições peculiares tem de prever o resultado. Não importa se uma pessoa
de normal diligência poderia ter previsto, relevando apenas se o agente podia ou não
o ter feito. Diante da ausência da previsibilidade subjetiva a consequência será a 142

da exclusão da culpabilidade, mas nunca da culpa (o que vale dizer, da conduta e do


fato típico). Dessa maneira, o fato será típico porque houve conduta culposa, mas o
agente não será punido pelo crime cometido ante a falta de culpabilidade.
Como se vê, o perfil subjetivo do agente será analisado quando do juízo de
culpabilidade dentro do elemento potencial consciência da ilicitude. Já na constatação
da previsibilidade do resultado naturalístico no crime culposo a análise é objetiva,
fundada no homem médio ou standard.
A imprudência, a negligência e a imperícia são modalidades de culpa, e não
espécies de culpa. Sendo que, é por meio delas que o crime culposo se manifesta no
mundo real.
Imprudência: cuida-se da prática de um fato sem o cuidado necessário. É a ação
descuidada. Implica, pois, comportamento positivo, uma forma positiva de culpa (in
agendo), comissivo. Exemplo: dirigir em excesso de velocidade; manejar arma
carregada etc.
Negligência: consiste em uma inação, em deixar de tomar o cuidado devido. É deixar
de agir quando deveria. Implica, pois, uma abstenção de um comportamento que era
devido. O negligente deixa de tomar as cautelas necessárias, antes de agir. É um
comportamento negativo, uma forma negativa de culpa (in omitindo), omissivo.
Exemplo: deixar de reparar os pneus e verificar os freios antes de viajar; não sinalizar
devidamente em perigoso cruzamento; deixar arma ou substância tóxica ao alcance
de criança etc.
Imperícia: também chamada de culpa profissional, pois somente pode ser praticada
no exercício de arte, profissão ou ofício. É a demonstração de inaptidão técnica em
profissão ou atividade. Consiste na incapacidade, na falta de conhecimento ou
habilitação para o exercício de determinado mister. Exemplo: um médico vai curar
uma ferida e amputa a perna, ou esquece a pinça no abdômen do paciente.
Se a imperícia advier de pessoa que não exerce a arte ou a profissão, haverá
imprudência. Exemplo: o curandeiro que tenta fazer uma operação espiritual, em vez
de chamar um médico, incorre em imprudência; não se trata de imperícia.
É importante destacar que a imperícia não se confunde com o erro
profissional! “Erro profissional é o que resulta da falibilidade das regras científicas.
O agente conhece e observa as regras das suas atividades, as quais, todavia, por
estarem em constante evolução, mostram-se imperfeitas e defasadas para a solução
do caso concreto. Exemplo: Um paciente com câncer no cérebro é internado em 143

hospital especializado e seu tratamento fica a cargo de determinado médico. Todos


os procedimentos para combate e eliminação da doença são realizados da melhor
forma possível. Nada obstante, o paciente morre”. (...) Nesse caso, “a culpa não é
dele, mas da própria ciência da medicina, que não se mostra capacitada para enfrentar
com sucesso o problema que lhe foi apresentado”. Há, portanto, a exclusão da
culpa.69
As espécies de culpa são as seguintes:
Culpa Inconsciente, também É a culpa sem previsão, em que o agente não prevê o que era
conhecida como Culpa Sem objetivamente previsível. O resultado não é previsto pelo agente,
previsão, ex ignorantia ou embora previsível. É a culpa comum.
Própria
Culpa Consciente, também É aquela em que o agente prevê objetivamente o resultado,
conhecida como Culpa com embora sinceramente não o aceite. Há no agente a representação
Previsão ou ex lascívia da possibilidade do resultado, mas ele o afasta de pronto, por
entender que o evitará e que sua habilidade impedirá o evento
lesivo previsto.
Culpa Imprópria, também É aquela em que o agente, por erro de tipo inescusável, supõe
conhecida como Culpa por estar diante de uma causa de justificação que lhe permita praticar,
extensão, por equiparação licitamente, um fato típico. Há uma má apreciação da realidade
ou por assimilação fática, fazendo o autor supor que está acobertado por causa de
uma excludente de ilicitude. O resultado é previsto e querido pelo
agente, que labora em erro de tipo inescusável ou vencível (art.
20, § 1º, CP). Como esse erro poderia, entretanto, ter sido evitado
pelo emprego de diligência mediana, subsiste o comportamento
culposo, se previsto o tipo penal culposo.
“Cuida-se, em verdade, de dolo, eis que o agente quer a produção
do resultado. Por motivos de política criminal, no entanto, o
Código Penal aplica a um crime doloso a punição correspondente
a um crime culposo. O erro quanto à ilicitude do fato, embora
inescusável, proporciona esse tratamento diferenciado. E, diante

69
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
do caráter misto ou híbrido da culpa imprópria (dolo tratado como
culpa), revela-se como a única modalidade de crime culposo
que comporta a tentativa”.70
Exemplo: O pai que de madrugada atira com dolo de matar
(animus necandi) no próprio filho acreditando que se tratava de
um meliante. Não mata, mas produz graves ferimentos. 144

Responderá por homicídio culposo tentado, com fundamento no


art. 20, § 1º do CP.
Culpa Mediata ou Indireta É a que ocorre quando o agente produz indiretamente um
resultado a título de culpa. É o caso de uma pessoa que atropela
uma criança, e, em razão disso, o pai atravessa a rua para prestar
socorro e acaba atropelado por outro veículo. A culpa indireta
pressupõe nexo causal (que o agente tenha dado causa ao
segundo evento) e nexo normativo (que tenha contribuído
culposamente para ele).
“Deve-se atentar que a culpa mediata punível consiste em fato
com relação estreita e realmente eficiente no tocante ao resultado
naturalístico, não se podendo confundi-la com a mera condição ou
ocasião do ocorrido”.71
Culpa Presumida (in re ipsa) Por ser uma forma de responsabilidade objetiva, não é prevista na
atual legislação penal brasileira, ao contrário do que ocorria na
legislação anterior ao Código Penal de 1940, em que havia
punição por crime culposo quando o agente causasse o resultado
apenas por ter infringido uma disposição regulamentar. Havia uma
presunção de culpa. Exemplo: dirigir sem habilitação legal, ainda
que não houvesse imprudência, negligência ou imperícia.

Diferença entre Culpa Consciente e Dolo Eventual


A culpa consciente difere do dolo eventual porque neste o agente prevê o
resultado, mas não se importa que ele ocorra (“se eu continuar dirigindo assim, posso
vir a matar alguém, mas não importa; se acontecer, tudo bem, eu vou prosseguir”). Na
culpa consciente, embora prevendo o que possa via a acontecer, o agente repudia
essa possibilidade (“se eu continuar dirigindo assim, posso vir a matar alguém, mas
estou certo de que isso, embora possível, não ocorrerá”). O traço distintivo entre

70
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
71
Ibidem.
ambos, portanto, é que no dolo eventual o agente diz: “não importa”, enquanto na
culpa consciente supõe: “é possível, mas não vai acontecer de forma alguma”.

A lei não estabelece, para efeito de cominação de pena, distinção quantitativa


dos graus da culpa. Assim, ou há culpa, e está devidamente configurada a 145

responsabilidade penal do agente, ou não existe culpa, e o fato é penalmente atípico.


Apesar disso, doutrinariamente, a culpa é dividida em grave, leve ou levíssima.
Não existe compensação de culpas no Direito Penal, tal como ocorre no
Direito Privado. O fundamento de tal proibição encontra-se na prevalência do caráter
público da sanção penal.
“Nesses termos, a culpa do agente não é anulada pela culpa da vítima. Se ‘A’
ultrapassou com seu carro o semáforo no sinal vermelho, vindo a colidir com o
automóvel ‘B’, que trafegava na contramão da direção, daí resultado lesões corporais
em ambos, cada qual responde pelo resultado a que deu causa. (...)
No âmbito penal, vale ressaltar que a culpa da vítima, embora não afaste a
culpa do agente, funciona como circunstância judicial favorável ao acusado, a ser
sopesada pelo magistrado por ocasião da dosimetria da pena-base. É o que se extrai
do art. 59, caput, do Código Penal”.72
Vale ressaltar que a culpa exclusiva da vítima exclui a culpa do agente,
posto que se a culpa é exclusiva da vítima, certamente o agente agiu de forma correta,
ou seja, livre de imprudência, negligência ou imperícia.
Ocorre a concorrência de culpas quando duas ou mais pessoas concorrem,
contribuem, culposamente, para a produção de um resultado naturalístico. Neste
caso, todos os agentes serão punidos em razão do resultado por eles produzido,
porém não há concurso de pessoas (coautoria ou participação) em face da ausência
de vínculo subjetivo entre os envolvidos.

5.7. Crime Qualificado pelo Resultado

Crime qualificado pelo resultado é aquele em que o legislador, após descrever


uma conduta típica básica, definida com todos os seus elementos e apenada como
delito autônomo, acrescenta-lhe um resultado, com a finalidade de aumentar

72
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
abstratamente a pena. Logo, ocorre quando a lei acrescenta ao tipo penal básico ou
fundamental a expressão “se resulta” (ou expressão equivalente) na ocorrência de
resultado mais grave, cominando-se pena mais rigorosa do que a prevista para o tipo
fundamental. Exemplo: art. 157, § 3º, CP.
“Todo crime qualificado pelo resultado representa um único crime, e 146

complexo, pois resulta da junção de dois ou mais delitos”.73


O resultado acrescido ao tipo penal fundamental pode ocorrer por dolo, culpa
(crime preterdoloso) ou mero nexo causal (responsabilidade objetiva), sendo que o
Direito Penal brasileiro apenas considera os dois primeiros, nos termos do art. 19, do
CP.
O art. 19 do CP somente é aplicável aos crimes qualificados pelo resultado,
posto que quanto às demais espécies de qualificadoras, às causas gerais e especiais
de aumento de pena e às circunstâncias agravantes, é necessário a existência de dolo
por parte do agente, ou seja, é necessário que ele conheça a circunstância que
qualifica, aumenta ou agrava a pena. Exemplo: se o agente lesiona uma mulher
grávida, desconhecendo sua condição de gestante, lhe vindo a provocar aborto,
responderá somente por lesão simples (art. 129, caput, do CP) e não pela lesão
corporal qualificada pelo aborto (art. 129, § 2º, V, do CP).
São espécies de crimes qualificados pelo resultado:
Conduta dolosa e resultado O agente que produzir tanto a conduta (crime-base) como o
agravador doloso resultado agravador. Exemplo: marido que espanca mulher até
provocar-lhe deformidade permanente (Exemplo: art. 157, § 3º, in
fine, do CP – latrocínio, em que o roubo é doloso, e a morte pode
sobrevir a título de dolo, mas também culposamente).
Conduta culposa e O agente, após produzir um resultado por imprudência, negligência
resultado agravador doloso ou imperícia, realiza uma conduta dolosa agravadora. É o caso do
motorista que, após atropelar um pedestre, ferindo-o, foge,
omitindo socorro (art. 303, parágrafo único, do CTB).
Conduta dolosa e resultado O agente quer praticar um crime, mas acaba se excedendo e
agravador culposo produzindo culposamente um resultado mais gravoso do que o
desejado. É o caso da lesão corporal seguida de morte (art. 129, §
3º, CP). Esta espécie de crime qualificado pelo resultado é o
crime preterdoloso ou preterintencional.

73
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Conduta culposa e O sujeito pratica um delito culposamente (Exemplo: incêndio
resultado agravador culposo – art. 250, § 2º, do CP), e, em razão desse crime, dá causa,
culposo também por culpa, a um resultado agravador culposo (do incêndio
culposo, resulta uma morte também culposa – art. 258, parte final,
do CP).
Os crimes qualificados pelo resultado com culpa no antecedente e culpa no 147

consequente ou com culpa no antecedente e dolo no consequente são considerados


exceções no Código Penal. Em regra, os crimes têm dolo no antecedente e culpa no
consequente, sendo chamados de crimes preterdolosos (do latim praeter dolum =
além do dolo) ou crimes preterintencionais, onde a conduta produz um resultado
mais grave que o pretendido pelo agente (é uma figura híbrida). O agente quer um
minus e seu comportamento causa um majus. Exemplo: um sujeito desfere um soco
na vítima com a intenção de apenas feri-la, no entanto, a mesma perde o equilíbrio,
bate a cabeça no meio-fio e morre em virtude de traumatismo craniano (art. 129, § 3º,
CP).
“Não se admite a figura da versari in re illicita, originária do direito canônico e
que serviu como ponto de transição entre a responsabilidade penal objetiva e a
responsabilidade penal subjetiva. Proclamava o brocado: Qui in re illicita versatur
tenetur etiam pro casu, isto é, quem se envolve com coisa ilícita é responsável também
pelo resultado fortuito”.74
Em regra, é impossível a tentativa no crime preterdoloso, visto que o
resultado agravador não era desejado, e não se pode produzir um evento que não era
querido. Existe uma exceção, doutrinária, que será estudada no momento oportuno.
Cumpre destacar que não é suficiente o nexo causal entre a conduta e o
resultado para haver crime qualificado (agravado) pelo resultado, pois, sem o nexo
normativo, o agente não responde pelo excesso não querido. Ou seja, se o resultado
não puder ser atribuído ao agente, ao menos culposamente, não lhe será imputado
(art. 19, do CP – este artigo configura um limite de responsabilidade penal).
Obs.: O crime de latrocínio (roubo seguido de morte – art. 157, § 3º, do CP)
não é necessariamente preterdoloso, visto que a morte pode resultar de dolo (ladrão,
depois de roubar, atira para matar), havendo este tanto no antecedente quanto no

74
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
consequente. Quando a morte for acidental (culposa), o latrocínio será preterdoloso,
porém, neste caso, será impossível a tentativa.

5.8. Erro de Tipo e Erro de Proibição


148

Erro de Tipo: Trata-se de um desconhecimento ou falsa ideação de uma situação de


fato, um dado da realidade ou uma relação jurídica, descritos no tipo legal, como seus
elementos, suas circunstâncias ou como dados irrelevantes. Assim, o nome correto
não seria erro de tipo, mas erro sobre a situação descrita no tipo. De acordo com a
conceituação do Código Penal, “é o erro sobre elemento constitutivo do tipo legal” (art.
20, caput, do CP).
É o erro que incide sobre as elementares ou circunstâncias da figura típica,
sobre os pressupostos de fato de uma causa de justificação ou dados secundários da
norma penal incriminadora. O agente supõe a ausência de elemento ou circunstância
do tipo penal ou presença de uma norma permissiva. Exemplos: professor de
anatomia que, durante a aula, fere pessoa viva, supondo ser um cadáver; sujeito que
ofende a honra de funcionário público, desconhecendo que o mesmo está agindo no
exercício da função (não responde por desacato); etc.
São formas de erro de tipo:
Erro de tipo essencial: ocorre quando a falsa percepção da realidade impede o
agente de compreender a natureza criminosa do fato. Incide sobre elementares e
circunstâncias do tipo penal ou sobre os pressupostos de fato de uma excludente de
ilicitude. Divide-se em:
Erro de Tipo Essencial Invencível, Inevitável, Desculpável ou Escusável:
aquele que não podia ser evitado, nem mesmo com o emprego da diligência mediana.
Exclui o dolo e a culpa.
Erro de Tipo Essencial Vencível, Evitável, Indesculpável ou inescusável:
aquele que podia ter sido evitado se o agente empregasse mediana prudência. Exclui
o dolo, mas persiste a culpa, se o fato for punível a este título.
Assim, o erro de tipo essencial possui os seguintes efeitos:
- o erro essencial que recai sobre elementar sempre exclui o dolo, seja evitável
ou inevitável;
- o erro invencível que recai sobre elementar exclui, além do dolo, também a
culpa;
- o erro vencível, recaindo sobre elementar, exclui o dolo, pois todo erro
essencial o exclui, mas não a culpa;
- o erro essencial que recai sobre uma circunstância desconhecida exclui esta.
Erro de tipo acidental: é o erro que incide sobre dados irrelevantes da figura típica.
O erro acidental não impede a apreciação do caráter criminoso do fato. O agente sabe 149

perfeitamente que está cometendo um crime. Por essa razão, é um erro que não traz
qualquer consequência jurídica: o agente responde pelo crime como se não houvesse
erro. São espécies de erro de tipo acidental:
Erro sobre o objeto ou error in objecto: ocorre quando o sujeito supõe que sua
conduta recai sobre determinada coisa, mas na realidade incide sobre outra.
Exemplo: o agente furta um relógio supondo que o mesmo é de ouro, mas na realidade
é apenas folheado a ouro.
Aqui é preciso observar que se a coisa estiver descrita como elementar do
tipo o erro deixa de ser acidental e passa a ser essencial. Por exemplo: se o agente
confunde cocaína com talco, tal erro é essencial, pois aquela é elementar do crime de
tráfico, e o talco não é. O mesmo ocorre no caso do furto, se uma coisa tem grande
valor e outra, pequeno, o erro também passa a ser essencial, pois o pequeno valor é
circunstância do crime de furto (art. 155, § 2º, CP).
Erro sobre a pessoa ou error in persona: nos termos do § 3º, do art. 20, do
CP: “O erro quanto à pessoa contra a qual o crime é praticado não isenta de pena.
Não se consideram, neste caso, as condições ou qualidade de vítima, senão as da
pessoa contra quem o agente queria praticar o crime”.75 Ocorre, portanto, quando o
agente atinge uma pessoa na firme suposição de que se trata daquela que realmente
pretendia ofender. Não se considera, neste caso, as condições ou qualidades da
vítima efetiva. Exemplo: o agente, pretendendo matar seu cunhado espera-o em
emboscada, mas ao passar o vulto atira e mata o próprio pai.
Erro na execução ou aberratio ictus (art. 73, CP): essa modalidade de erro
ocorre quando o sujeito, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, visando
alvejar uma pessoa, vem a ofender outra. Se atingir apenas a pessoa diversa da
pretendida responde nos termos do § 3º, do art. 20, do CP; porém se atinge também
a pessoa pretendida, responde nos termos do art. 70, do CP.

75
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo: MÉTODO, 2019. Ebook.
Resultado diverso do pretendido ou aberratio criminis (art. 74, CP): é o mesmo
que desvio de crime; o agente pretende atingir um bem jurídico, mas acaba ofendendo
outro (de espécie diversa). Aqui, não se trata de atingir uma pessoa em vez de outra,
mas de cometer um crime no lugar de outro. Se ocorre resultado diverso do que foi
pretendido pelo agente, responde este por culpa, caso o fato seja previsto como crime 150

culposo; mas se atinge, também, o resultado desejado, aplica-se a regra do concurso


formal (art. 70, CP). Exemplo: o agente ao pretender quebrar uma janela atinge uma
pessoa, ou vice-versa.
Erro sobre o nexo causal, dolo geral, erro sucessivo ou aberratio causae:
ocorre quando o agente, na suposição de já ter consumado o crime, realiza nova
conduta, pensando tratar-se de mero exaurimento, atingindo, nesse momento a
consumação. Esse tema já foi estudado quando se tratou das espécies de dolo, visto
que esse erro é também chamado de dolo geral ou erro sucessivo.
O aberratio ictus, o aberratio criminis e o aberratio causae também são
chamados de delitos aberrantes.
A diferença entre o erro sobre a pessoa e a aberratio ictus é que no erro sobre
a pessoa, o agente faz uma confusão mental: pensa que a vítima efetiva é a vítima
virtual. Já na aberratio ictus, o sujeito não faz qualquer confusão, dirigindo sua conduta
contra a pessoa que quer atingir. No primeiro o erro incide sobre a pessoa atingida e
no segundo sobre a execução do crime.

Erro de Proibição: É aquele que incide sobre a norma de proibição; o agente, por ele
supõe não contrariar o ordenamento jurídico; não possui a consciência da ilicitude do
fato pratica o proibido na impressão de estar fazendo o permitido; enquanto o erro de
tipo exclui o dolo, o erro de proibição (escusável) exclui a culpabilidade, por ausência
de potencial consciência de ilicitude.
Formas de erro de proibição:
Erro de proibição escusável (ou inevitável): Divide-se em três espécies, sendo que
em todas elas exclui a culpabilidade.
Erro de Proibição Direto: o agente, por erro inevitável, realiza uma conduta
proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não
compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência. Exemplo: camponês que mata
animal silvestre para comer ou vender não age com a mesma consciência de um
membro de uma ONG (protetora do meio ambiente) que pratica o mesmo fato.
Erro de Mandamento: é quando, nos crimes omissivos, o agente se encontra
na posição de garantidor diante de uma situação de perigo, mas supõe não possuir o
dever jurídico de impedir o resultado. Exemplo: vizinha que se propôs olhar uma
criança até certo horário, após este a abandona supondo que já cumpriu seu favor;
por ausência de vigilância o menor sofre queimaduras. 151

Erro de Proibição Indireto: o agente erra sobre a existência ou sobre os limites


de uma causa de justificação, isto é, sabe que pratica um fato proibido, mas supõe,
por erro inevitável, nas circunstâncias, que em seu favor existe uma norma permissiva.
Exemplos: supõe o agente que a lei o permite agredir fisicamente o seu injuriador; ou
impede a penhora feita por oficial de justiça, supondo excessiva a contrição.
Erro de proibição inescusável (ou evitável): ocorre quando o agente nele incide por
imprudência, descuido, leviandade etc.; posto que nas circunstâncias em que se
encontrava o agente era plenamente possível ter ou atingir a consciência do caráter
ilícito do fato. Exemplo: o caçador profissional não pode alegar que desconhecia que
o animal abatido figurava entre espécies em extinção. Responde pelo crime.

Descriminantes Putativas ou Eximentes Putativas


Ocorrem quando o agente, levado a erro, pelas circunstâncias do caso concreto
supõe agir acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude. A excludente de
ilicitude não existe, mas o sujeito pensa que sim, porque está errado. Só existe na
imaginação do agente. Por essa razão, é também conhecida como descriminante
imaginária ou erroneamente suposta.
Entretanto, antes de prosseguir no estudo das descriminantes putativas
convém esclarecer o que é delito putativo e quais suas espécies. Assim, delito
putativo é o erroneamente suposto, imaginário, aquele que só existe na mente do
agente. Sendo suas espécies: o delito putativo por erro de tipo; o delito putativo por
erro de proibição e o delito putativo por obra do agente provocador (também conhecido
como delito de ensaio, de experiência ou crime de flagrante preparado). Interessa para
o presente estudo os dois primeiros.
Descriminante Putativa por Erro de Tipo: ocorre quando o agente imagina situação de
fato totalmente divorciada da realidade, na qual está configurada hipótese em que ele
pode agir acobertado por uma causa de exclusão da ilicitude. É um erro de tipo
essencial incidente sobre elementares de um tipo permissivo (art. 23, CP). Exclui o
dolo.
Descriminante Putativa por Erro de Proibição: cuida-se de situação na qual o agente
tem perfeita noção de tudo o que está ocorrendo. Não há qualquer engano acerca da
realidade. Não há erro sobre a situação de fato. O agente supõe que está diante de
causa que exclui o crime, por avalia equivocadamente a norma: pensa que a norma
permite, quando, na verdade, ela proíbe; pensa que age certo, quando está errado; 152

pensa que o injusto é justo. Essa descriminante é considerada um erro de proibição


indireto e leva às mesmas consequências do erro de proibição. Exclui a
culpabilidade.

6. Iter Criminis

O iter criminis é o caminho do crime, o conjunto de fases ou as etapas pelas


quais passa o delito. As fases que compõe o iter criminis são:
1ª Fase: Cogitação – é a fase do iter criminis em que o agente apenas idealiza, prevê,
antevê, planeja, deseja, representa mentalmente a prática do crime. Nessa fase o
crime é impunível, pois cada um pode pensar o que quiser. O crime só é passível de
punição após a ruptura do claustro psíquico que aprisiona a conduta, pois nesse caso
ela se projeta no mundo exterior e passa a constituir, por si só, fato típico. Exemplos:
art. 147, do CP – Ameaça; art. 286, do CP – Incitação ao crime; art. 288, do CP –
Quadrilha ou bando etc.
2ª Fase: Preparação ou atos preparatórios – é a fase do iter criminis em que o agente
pratica os atos imprescindíveis à execução do crime. Nessa fase ainda não se início
a agressão ao bem jurídico penalmente tutelado. O agente ainda não começou a
realizar o verbo constante da definição legal (o núcleo do tipo), logo, o crime ainda
não pode ser punido. Salvo quando a lei define esses atos como atos executórios de
outro crime. Exemplo: art. 291, do CP – Fabricação de instrumentos para falsidade.
3ª Fase: Execução – é a fase do iter criminis em que o agente dá início a realização
do crime colocando em perigo ou atacando o bem jurídico penalmente tutelado.
O melhor critério para se demarcar o fim da preparação e o início da
execução do crime é o que entende que a execução se inicia com a prática do
primeiro ato idôneo e inequívoco para a consumação do delito. Enquanto os atos
realizados não forem aptos à consumação ou quando ainda não tiverem
inequivocamente vinculados a ela, o crime permanece na sua fase de preparação.
4ª Fase: Consumação – é a fase do iter criminis em que a conduta típica foi
integralmente realizada pelo agente. Sendo que o momento da consumação difere
dependendo do tipo de crime.
Crime Momento da Consumação
Crimes Materiais Com a produção do resultado naturalístico. Exemplo: morte por
153
infanticídio, art. 123, do CP.
Crimes Culposos Com a produção do resultado naturalístico.
Crimes de Mera Conduta Com a ação ou omissão delituosa. Exemplo: violação de domicílio, art.
150, do CP.
Crimes Formais Com a simples atividade, independentemente do resultado
naturalístico. Exemplo: violação de segredo profissional, art. 150, do
CP, basta a simples revelação do segredo, independentemente da
efetiva produção de dano.
Crimes Permanentes O momento consumativo protrai-se no tempo.
Crimes Omissivos Com a abstenção do comportamento devido. Exemplo: falta de
Próprios notificação compulsória, art. 269, do CP. Obs.: Todos os crimes
omissivos próprios são de mera conduta.
Crimes Omissivos Com a produção do resultado naturalístico.
Impróprios
Crimes Qualificados pelo Com a produção do resultado agravador.
Resultado

6.1. Crime Consumado e Crime Tentado

Os crimes consumados e tentados estão previstos no art. 14 do Código Penal


brasileiro.
Crime Consumado: É aquele em que foram realizados todos os elementos
constantes de sua definição legal. Considera-se como crime exaurido aquele no qual
o agente, após atingir o resultado consumativo, continua a agredir o bem jurídico,
procura dar-lhe uma nova destinação ou tenta tirar novo proveito, fazendo com que
sua conduta continue a produzir efeitos no mundo concreto, mesmo após a realização
integral do tipo. O exaurimento influi na primeira fase da aplicação da pena (art. 59,
CP), se não previsto como causa específica de aumento. Logo, não se confunde com
crime consumado, pois neste o iter criminis se encerra com a consumação. Exemplo:
art. 317, CP – Corrupção passiva.
Crime Tentado: A tentativa é a não consumação de um crime, cuja execução foi
iniciada, por circunstâncias alheias à vontade do agente. Possui natureza jurídica de
extensão temporal da figura típica causadora de adequação típica mediata ou indireta.
Atua, portanto, no campo da tipicidade. Sendo assim, são elementos da tentativa:
a) Início de execução do crime: não basta a cogitação ou a realização de atos 154

preparatórios. Exemplo: no homicídio, a compra da arma, a escolha do local, a


procura do desafeto, a tocaia, constituem atos preparatórios; já o disparo do
projétil, o brandir do punhal, a ministração do veneno, constituem atos de
execução.
b) Não consumação do crime por circunstâncias alheias à vontade do agente:
ocorre quando o iter criminis é interrompido por interferência externa e o agente
não consegue praticar todos os atos necessários à consumação ou quando o
agente pratica todos os atos necessários à produção do evento mas a
consumação não ocorre por fato estranho à sua vontade.
c) Elemento subjetivo: a presença do dolo do delito consumado é indispensável
para aferir a existência de tentativa ou conatus (lesões corporais e tentativa de
homicídio).
São formas de tentativa:
Tentativa Imperfeita ou O agente não chega a praticar todos os atos de execução do
Inacabada crime por circunstâncias alheias à sua vontade. Há interrupção
do processo executório.
Tentativa Perfeita ou Acabada O agente pratica todos os atos de execução do crime, mas por
ou Crime Falho circunstâncias alheias à sua vontade não ocorre a consumação.
Tentativa Branca ou Incruenta Ocorre quando o objeto material não é atingido. Ela pode ser
perfeita ou imperfeita. No primeiro caso o agente realiza a
conduta integralmente, sem, contudo, ferir a vítima, por exemplo,
erra todos os tiros; no segundo, a execução é interrompida sem
que a vítima seja atingida, por exemplo, após o primeiro disparo
errado, o agente é desarmado.
Tentativa Cruenta Ocorre quando o objeto material é atingido, porém o crime não
se consuma. Também pode ser perfeita ou imperfeita. Exemplo:
o agente quer matar a vítima, no entanto, iniciados os atos de
execução, ele é interrompido, conseguindo apenas causar-lhe
lesões.
Porém, nem todas as infrações penais admitem tentativa. Assim, não admitem
tentativa a infração penal:
▪ Culposa, salvo quando se tratar de culpa imprópria, para parte da doutrina;
▪ Preterdolosa;
▪ Contravenção penal, nos termos do art. 4º da Lei de Contravenções Penais;
▪ Omissiva própria (são crimes de mera conduta);
▪ Habitual (ou há habitualidade e o crime se consuma, ou não há e inexiste 155

crime);
▪ Crimes que a lei só pune se ocorrer o resultado (art. 122, do CP);
▪ Crimes de atentado: aqueles que a lei pune a tentativa como crime consumado
(art. 352, do CP);
▪ Crime Unissubsistente: aquele que se perfaz com um único ato, como a Injúria
verbal, por exemplo.
São duas as teorias existentes sobre a tentativa:
a) Teoria Subjetiva: a tentativa deve ser punida da mesma forma que o crime
consumado, pois o que vale é a intenção do agente;
b) Teoria Objetiva: a tentativa deve ser punida de forma mais branda que o crime
consumado porque objetivamente produziu um mal menor. O Código Penal
brasileiro adotou essa teoria (art. 14, parágrafo único, CP).
Assim, como regra, aplica-se à tentativa a pena correspondente ao crime
consumado, diminuída de uma a dois terços. O quantum da redução é inversamente
proporcional à proximidade da produção do resultado; em outras palavras, quanto
mais próximo o agente chegar da consumação, menor será a redução e vice-versa.
Existem hipóteses, excepcionais, em que à tentativa aplica-se a mesma pena
do crime consumado, quando aquela for elementar do tipo. Exemplos: evasão ou
tentativa de evasão com violência do preso – art. 352, do CP; votar ou tentar votar
duas vezes – art. 309, do Código Eleitoral.
Diante de tudo o que foi estudado, a tentativa pode ter a sua natureza jurídica
analisada sob dois aspectos ou pontos de vista:
a) Causa de diminuição de pena (art. 14, parágrafo único, CP);
b) Norma de adequação típica por subordinação mediata.

6.2 Desistência Voluntária, Arrependimento Eficaz, Arrependimento


Posterior e Crime Impossível
A desistência voluntária e o arrependimento eficaz são espécies de Tentativa
Abandonada ou Qualificada e estão previstos no art. 15, do CP, sendo causa de
exclusão da adequação típica (e não da extinção da punibilidade), pois quando o crime
não atinge seu momento consumativo, por força da vontade do agente, não incide a
norma de extensão prevista no art. 14, II, do CP. 156

Assim, Tentativa Abandonada ou Qualificada é a não consumação de um


crime, cuja execução foi iniciada, pela força de vontade do próprio agente. Possui
natureza jurídica de causa geradora de atipicidade (relativa ou absoluta). Provoca a
exclusão da adequação típica indireta, fazendo com que o autor não responda pela
tentativa, mas pelos atos até então praticados, salvo quando não configurem fato
típico. É a chamada “Ponte de Ouro”, por Von Liszt. São elementos da tentativa
abandonada:
a) Início de execução;
b) Não consumação;
c) Interferência da vontade do próprio agente.
A diferença entre tentativa abandona e tentativa está no terceiro elemento,
acima apresentado, qual seja, a vontade do agente. Enquanto na tentativa o
momento consumativo não ocorre por circunstâncias alheias à vontade do agente, na
tentativa abandonada é a interferência da vontade do agente que evita a
consumação, ainda que essa vontade tenha sido estimulada por um terceiro, posto
que se exige vontade e não espontaneidade.
Desistência voluntária: O agente interrompe voluntariamente a execução do crime,
impedindo, desse modo, a sua consumação. Nela dá-se o início de execução, porém,
o agente muda de idéia e, por sua própria vontade, interrompe a sequência de atos
executório, fazendo com que o resultado não aconteça. Não é exigido que a
desistência seja espontânea, basta ser voluntária. Exemplo: o agente que desiste do
furto no interior da casa da vítima. Ocorre apenas na tentativa imperfeita e tem como
requisitos:
- noção de que ainda não produziu o quantum satis (suficiente) para a consumação
do delito, configurando tentativa quando acreditar já ter produzido o suficiente;
- dispor de meios para a consumação do resultado; e
- desistir o agente de continuar por ato voluntário.
Arrependimento eficaz: Ocorre quando o agente, após encerrar a execução do
crime, impede a produção do resultado. Nesse caso, a execução vai até o final, não
sendo interrompida pelo autor; este, no entanto, após esgotar a atividade executória,
arrepende-se e impede o resultado. Exemplo: o agente ministra o veneno à vítima,
mas arrepende-se e em seguida que salva com o antídoto. Ocorre apenas na tentativa
perfeita ou crime falho e tem como requisitos:
- ter o agente iniciado a execução do crime, e ter produzido todos os atos necessários 157

à obtenção do resultado;
- passar a agir em favor da vítima; e
- evitar que o resultado ocorra. Caso ocorra o resultado o agente não será beneficiado
pelo arrependimento eficaz.
Crimes que não admitem Tentativa Abandona ou Qualificada
Crimes Unissubsistentes: não admitem desistência voluntária, uma vez que, praticado o primeiro
ato, já se encerra a execução, tornando impossível a sua cisão; o que não significa não ser
admissível o arrependimento eficaz.
Crimes Culposos: não comportam desistência voluntária e o arrependimento eficaz, pois, como se
trata de tentativas que foram abandonadas, ambos pressupõem um resultado que o agente pretendia
produzir (dolo), mas, posteriormente, desistiu ou se arrependeu, evitando-o.
Crimes de Mera Conduta e Formais: não admitem o arrependimento eficaz, tendo em vista que,
encerrada a execução, o crime já está consumado, não havendo resultado naturalístico a ser evitado.
Só é possível, portanto, nos crimes materiais, nos quais o resultado naturalístico é imprescindível
para a consumação.

O Arrependimento Posterior consiste na causa de diminuição de pena,


prevista no art. 16, do CP, que ocorre nos crimes cometidos sem violência ou grave
ameaça à pessoa, em que o agente, voluntariamente, repara o dano ou restitui a coisa
até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime.
O arrependimento posterior, embora não afaste a tipicidade do fato ou
tampouco extingue a punibilidade do agente, tem por finalidade reduzir a pena entre
um e dois terços, desde que o fato seja desprovido de violência ou grave ameaça à
pessoa e haja reparação do dano ou restituição da coisa até o recebimento da
denúncia ou da queixa-crime. Tem, portanto, a natureza jurídica de causa obrigatória
de redução de pena. O art. 16, do CP é imperativo: “a pena será reduzida”.
Os requisitos necessários para a configuração do arrependimento posterior
são:
- crime cometido sem violência ou grave ameaça à pessoa;
- reparação do dano ou restituição da coisa;
A reparação do dano deve ser sempre integral, salvo se a vítima ou seus
herdeiros a aceitarem em parte, renunciando ao restante. É admissível o benefício no
caso de ressarcimento feito por parente ou terceiro, desde que autorizado pelo agente,
por tratar-se de causa objetiva de redução obrigatória de pena, a qual não exige que
o ato indenizatório seja pessoalmente realizado pelo agente. 158

- voluntariedade do agente; e
- até o recebimento da denúncia ou queixa; se posterior, é circunstância atenuante
genérica (art. 65, III, b, do CP).
É possível a ocorrência do arrependimento posterior nos crimes cometidos
com violência na hipótese de crime culposo, pois a lei se refere à violência dolosa,
podendo a diminuição ser aplicada aos crimes culposos em que há violência, tais
como homicídio e lesão corporal culposa. E ainda, quando a violência é empregada
contra a coisa e não contra a pessoa, como, por exemplo, no crime de dano, é possível
a aplicação do benefício.
A redução da pena decorrente do arrependimento posterior pode operar-se
nas seguintes espécies de crimes:
a) dolosos e culposos;
b) tentados e consumados; e
c) simples, privilegiado ou qualificado.
A delação eficaz ou premiada é um instituto distinto do arrependimento
posterior no qual se estimula a delação feita por um coautor ou partícipe em relação
aos demais, mediante o benefício da redução obrigatória da pena. O § 4º do art. 159,
do CP prevê a aplicação da delação premiada mediante a satisfação dos seguintes
requisitos:
- prática de um crime de extorsão mediante sequestro;
- cometimento em concurso de pessoas;
- delação feita por um dos coautores ou partícipes à autoridade; e
- eficácia da delação, mediante a libertação do sequestrado.
Já a traição benéfica é uma forma de delação premiada, prevista no
parágrafo único do art. 8º da Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8072/90), aplicável aos
crimes de quadrilha ou bando formado com a finalidade de praticar tortura, terrorismo,
tráfico ilícito de entorpecentes (ver art. 41, da Lei n. 11.343/2006) ou crimes
hediondos. Nesse caso, a delação do bando por um dos seus integrantes leva à
redução da pena de um a dois terços, desde que resulte no desmantelamento do
bando. A eficácia da delação exige dois requisitos:
- desmantelamento do bando; e
- nexo causal entre a delação e o desmantelamento.
O benefício do arrependimento posterior não impede a aplicação de outros 159

semelhantes previstos em lei ou admitidos pela jurisprudência. Entretanto, não pode


haver a aplicação simultânea. Assim, havendo possibilidade de aplicação de dois ou
mais institutos semelhantes, deve ser escolhido o que for mais benéfico para o agente.
Exemplos: no peculato culposo (art. 312, § 3º, do CP), quando a reparação do dano
precede à sentença condenatória recorrível, há extinção da punibilidade; mas se a
reparação é posterior, a pena imposta é reduzida pela metade. O pagamento de
cheque emitido sem provisão de fundos (estelionato), efetuado antes do recebimento
da denúncia, afasta a justa causa para a ação penal, nos termos da Súmula 554 do
STF.

Atenção:
Na sistemática dos Juizados Especiais Criminais, a reparação do dano
funciona como causa de extinção da punibilidade, nos termos do art. 74, da Lei n.
9.099/95. Logo, não se aplica o art. 16, do CP.

O crime impossível é também chamado de quase crime, tentativa inidônea


ou inadequada, ou ainda de crime de ensaio. É aquele que, pela ineficácia total do
meio empregado ou pela impropriedade absoluta do objeto material, é impossível
consumar-se (art. 17, do CP).
Não se trata de causa de isenção de pena, como parece sugerir a redação do
art. 17, do CP, mas de causa geradora de atipicidade, pois não se concebe queira o
tipo incriminador descrever como crime uma ação impossível de se realizar. Cuida-se,
portanto, de verdadeira causa de exclusão da própria tipicidade. Logo, essa é sua
natureza jurídica.
São hipóteses de crime impossível:
Por Ineficácia O meio empregado ou o instrumento utilizado para a execução do
ABSOLUTA do Meio crime jamais o levarão à consumação, visto que pela sua natureza, é
absolutamente incapaz de produzir o evento. Exemplos: ministrar
açúcar em vez de veneno; utilização de arma descarregada ou
avariada, etc.
Por Impropriedade A pessoa ou a coisa sobre a qual recai a conduta é absolutamente
ABSOLUTA do Objeto inidônea para a produção de algum resultado lesivo. Exemplos:
Material punhaladas em pessoa morta que o agente supunha dormir; mulher
que, supondo estar grávida, pratica manobras abortivas; agente, 160

supondo de outro um objeto, retira o próprio.


Observe que se a ineficácia do meio ou a impropriedade do objeto for relativa,
o agente responderá pelo crime tentado. Exemplo de ineficácia relativa do meio: arma
carregada que nega fogo. Exemplos de impropriedade relativa do objeto: a caneta da
vítima desvia o projétil; o agente dispara tiros de revolver no leito da vítima, que dele
saíra segundos antes; etc.
A doutrina apresenta as seguintes teorias a respeito do crime impossível:
a) Sintomática: se o agente demonstrou periculosidade, deve ser punido;
b) Subjetiva: deve ser punido porque revelou vontade de delinqüir.
c) Objetiva: não é punido porque objetivamente não houve perigo para a
coletividade. Pode ser:
- Objetiva Pura: é sempre crime impossível, sejam a ineficácia e a
impropriedade absolutas ou relativas;
- Objetiva Temperada: só é crime impossível se forem absolutas. Quando
relativas, há tentativa.
O atual Código Penal brasileiro adotou essa teoria, assim, o que importa é
que a conduta, objetivamente, não tenha representado nenhum risco à coletividade,
pouco importando a postura subjetiva do agente. O sujeito, assim, não é punido se
absoluta a ineficácia do meio empregado ou total a impropriedade do objeto material,
pois é impossível consumar-se o crime. Quando a ineficácia for relativa, contudo, há
tentativa.

7. Ilicitude ou Antijuridicidade

7.1. Conceito, classificação e relação com a tipicidade

Os termos antijuridicidade e ilicitude são utilizados como sinônimos pela


doutrina pátria, já a doutrina estrangeira atribui significados diversos para os dois
termos.
De acordo com Mirabete “a antijuridicidade é a contradição entre a conduta e
o ordenamento jurídico”. No mesmo sentido afirma Nucci (2020) que “é a
contrariedade, de uma conduta com o direito, causando efetiva lesão a um bem
jurídico protegido”.76
O conceito de ilicitude ou antijuridicidade pode ser compreendido sob dois 161

aspectos:
Conceito Analítico: segundo o qual a ilicitude ou antijuridicidade é o segundo
substrato do crime.
Conceito Material: entende-se por ilicitude ou antijuridicidade a relação de
contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico como um todo, inexistindo
qualquer exceção determinando, incentivando ou permitindo a conduta típica. Em
resumo trata-se de conduta típica não justificada.
Quanto à classificação, Estefam esclarece que a doutrina classifica a
antijuridicidade ou ilicitude em genérica e específica.77
Sendo que a genérica diz respeito à contradição do fato com a norma
abstrata, em razão da lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico penalmente tutelado.
Já a específica se refere à ilicitude presente em determinados tipos penais através de
elementos normativos do tipo.
Ressalta, entretanto, o autor acima citado que: “Na verdade, dessas, só a
primeira realmente trata-se efetivamente de ilicitude”.78
No que se refere à relação da ilicitude ou antijuridicidade com a tipicidade são
quatro as teorias desenvolvidas pela doutrina em síntese construída por Rogério
Sanches Cunha:79
1ª Teoria: da autonomia ou absoluta independência: para essa teoria a tipicidade
não gera qualquer juízo de valor no campo da ilicitude. Logo, são dois institutos
absolutamente autônomos, o que significa que desaparecendo a ilicitude o fato típico
permanece.
2ª Teoria: da indiciariedade ou ratio cognoscendi: para essa teoria a tipicidade
gera indícios de ilicitude. A tipicidade gera suspeita, ou seja, presunção relativa de

76
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 159.
77
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 243.
78
Ibidem, p. 243.
79
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 292/3.
ilicitude. Assim, para essa teoria se desaparecer a ilicitude não desaparece o fato
típico.
3ª Teoria: da absoluta dependência ou ratio essendi: para essa teoria a ilicitude
confirma a tipicidade, servindo como sua essência. Assim, um fato só será típico se
também for ilícito. 162

4ª Teoria: dos elementos negativos do tipo: essa teoria alcança à mesma


conclusão da teoria anterior, porém, por caminhos diversos. Segundo essa teoria todo
tipo penal é formado de elementos positivos, que são explícitos, e elementos
negativos, que são implícitos. Os elementos positivos têm que ocorrer para que o fato
seja típico. Os elementos negativos não devem ocorrer para que o fato permaneça
típico. Exemplo: art. 121, matar alguém, os elementos positivos explícitos que devem
ocorrer é matar alguém. Os elementos negativos implícitos que não devem ocorrer
são: legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento de dever legal e
exercício regular de um direito (excludentes de ilicitude).

Qual é a teoria que adotamos?


Prevalece na doutrina o entendimento de que adotamos a segunda teoria, qual
seja a da indiciariedade ou ratio cognoscendi. Essa é a lição de Mirabete para quem
“a tipicidade é o indício da antijuridicidade, que será excluída se houver uma causa
que elimine sua ilicitude”.80

7.2. As excludentes de antijuridicidade e o Excesso

Ensina Cunha que: “A conduta humana formal e materialmente típica é


somente indício de ilicitude, que pode ser excluída diante da prova (ou fundada
dúvida) da presença de alguma causa excludente da antijuridicidade”.81
Essas causas excludentes de antijuridicidade ou ilicitude, também chamadas
de descriminantes ou causas de justificação estão previstas, principalmente (e não
exclusivamente) na Parte Geral do Código Penal brasileiro em seu art. 23. In verbs:

Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:


I - em estado de necessidade;

80
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 159.
81
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 13.
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Afirma André Estefam que “sendo o fato (típico) praticado nessas


circunstâncias, não haverá crime”.82
Cumpre destacar que além das causas excludentes de antijuridicidades
163
previstas no transcrito art. 23 do Código Penal brasileiro existem outras espalhadas
na parte especial do próprio Código Penal, bem como na legislação esparsa.
Na parte especial do Código Penal, a título de exemplo, podem ser
mencionados: o art. 128, que dispõe não ser punido o aborto praticado por médico
para salvar a vida da gestante ou em caso de gestação decorrente de estupro
(mediante prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal); bem
como o art. 142 que prevê casos de exclusão do crime no capítulo dos crimes contra
a honra.
Já na legislação penal esparsa ou extravagante podem ser encontrados
exemplos de causas de exclusão da antijuridicidade na Lei dos Crimes Ambientais
(Lei n. 9.605/98) que traz descriminantes próprias desses crimes (art. 37).
Além disso, a doutrina menciona a existência das chamadas causas
supralegais de exclusão da ilicitude83. São supralegais porque não estão previstas em
lei e se fundamentam no emprego da analogia in bonam partem, suprindo as eventuais
situações não previstas pela lei. É o caso, por exemplo, do consentimento do
ofendido.
Entretanto, cumpre destacar que essa causa supralegal de exclusão da
ilicitude só é possível nos tipos penais em que o bem jurídico penalmente tutelado é
disponível e o sujeito passivo da conduta é capaz. É o caso, por exemplo, do art. 163,
do Código Penal, que tipifica o crime de dano.
Adverte André Estefam “que, em certos casos, o tipo penal prevê o dissenso
da vítima como elementar; se isso ocorrer, seu consentimento figurará como causa
excludente de tipicidade (ex.: violação de domicílio – art. 150 do CP)” e não como
causa de exclusão da ilicitude.84

82
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 244.
83
Existe quem defenda que a tipicidade é material, enquanto a ilicitude é meramente formal, de modo
que causas supralegais são causas excludentes de tipicidade e não de ilicitude.
84
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 244.
Se o consentimento for manifestado depois de praticado o crime não excluirá
a ilicitude, mas pode figurar caso de renúncia ou perdão do ofendido e extinguirá a
punibilidade, nos termos do art. 107, V, do Código Penal.

A integridade física é um bem jurídico-penal disponível ou indisponível? 164

Para doutrina penal clássica a incolumidade física é um bem jurídico-penal


indisponível, logo não pode haver consentimento nos crimes que tutelam esse bem
jurídico.
Já a doutrina moderna representada, por exemplo, por César Roberto
Bittencourt, a incolumidade física é bem jurídico-penal relativamente disponível.
Assim, será disponível quando a lesão for leve e não contrariar a moral e os bons
costumes. Exemplos: piercing, tatuagens etc.

O parágrafo único do art. 23 do Código Penal dispõe que o agente acobertado


por qualquer uma das causas de exclusão de ilicitude previstas no caput, responderá
pelo excesso doloso ou culposo.
Por excesso se compreende a “desnecessária intensificação de uma conduta
a princípio legítima”.85 Esse excesso pode ser:
- Excesso Voluntário ou Consciente: naqueles casos em que o agente tem plena
consciência de que intensifica desnecessariamente a conduta inicialmente legítima.
Exemplo: a vítima que após dominar o ladrão efetua contra ele, por raiva, vários
disparos de arma de fogo matando-o. Tal situação torna a vítima autora de um crime
de homicídio doloso.
- Excesso Involuntário ou Inconsciente: deriva da má apreciação da realidade (erro de
tipo). O agente ultrapassa os limites da excludente de ilicitude sem perceber o seu
exagero. Aqui é preciso considerar se o erro é vencível ou invencível. Tratando-se de
erro de tipo vencível, a agente responderá pelo excesso a título de culpa. Porém se o
erro for invencível, estarão afastadas tanto a culpa quanto o dolo, surgindo o chamado
excesso exculpante (quando o agente não comete crime algum, apesar do excesso).
Exemplos:

85
Ibidem, p. 244.
1ª Hipótese – durante um roubo, o ofendido reage à abordagem do agente e mesmo
após desarmá-lo e dominá-lo por completo continua a agredi-lo por supor que o ladrão
ainda não foi completamente dominando.
2ª Hipótese – durante um roubo, a vítima, sem se dar conta de que o ladrão usa uma
arma de brinquedo, reage à investida efetuando disparos de arma de fogo, matando- 165

o.
O excesso exculpante pode ainda derivar do medo. Tal situação ocorre
quando o medo provoca na vítima uma alteração psíquica que a impede de avaliar de
forma objetiva os fatos.
Exemplo: uma senhora de idade avançada que uma vez atacada por um
bandido reage golpeando-o com seu guarda-chuva, e mesmo depois de provocar nele
um estado de inconsciência continua a agredi-lo até matá-lo.
Quando se fala em causas de exclusão da ilicitude ou antijuridicidade é
preciso mencionar algumas questões processuais:
1ª) O reconhecimento de uma das causas de exclusão da ilicitude pode resultar no
arquivamento do Inquérito Policial ou na rejeição da denúncia ou queixa com fulcro no
artigo 395, II, do CPP (falta de uma condição da Ação Penal – fato narrado não
constitui crime).
2ª) Em caso de dúvida quanto à existência ou não da causa de exclusão será dado
prosseguimento à Ação Penal, pois na fase de oferecimento da denúncia vigora o
princípio in dubio pro societate.

Para Refletir:
É possível afirmar que o reconhecimento de causa de exclusão da ilicitude é
um direito público subjetivo do acusado quando presente os seus requisitos?

7.2.1 Estado de Necessidade.

Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para


salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro
modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não
era razoável exigir-se.
§ 1º. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de
enfrentar o perigo.
§ 2º. Embora seja razoável exigir-se o sacrifício do direito ameaçado, a pena
poderá ser reduzida de um a dois terços.
Como se pode observar na redação do caput do artigo acima transcrito a
situação de necessidade pressupõe a existência de um perigo atual que coloque em
conflito dois ou mais interesses legítimos, que, pelas circunstâncias, não podem ser
todos salvos. Ou seja, se há dois bens em perigo de lesão, o Estado permite que seja
sacrificado um deles, pois, diante do caso concreto, a tutela penal não pode 166

salvaguardar a ambos.
O exemplo clássico de estado de necessidade cunhado pela doutrina é o da
“tábua de salvação”: após um naufrágio, duas pessoas se veem obrigadas a dividir a
mesma tábua, porém ela somente suporta o peso de uma delas. Neste cenário, o
direito autoriza que um dos náufragos mate o outro, com o objetivo de salvar a própria
vida.
Diante do que foi exposto, verifica-se que existem requisitos para a
configuração do estado de necessidade. São eles:
Requisitos objetivos:
a) perigo atual - que pode advir de conduta humana, da força da natureza ou de
comportamento de animais. O perigo atual é recente, sem destinatário certo.
Prevalece o entendimento doutrinário (adotado dentre outros por Fernando
Capez) de que o perigo iminente não está abrangido pelo conceito de estado de
necessidade. Isso ocorre em razão da compreensão de que o perigo de iminente é
incompatível com o requisito da inevitabilidade do comportamento lesivo.
b) é imprescindível que a situação de perigo não tenha sido causada
voluntariamente pelo agente.

A expressão “que não provocou por sua vontade” contida no art. 24 é


indicativa apenas de dolo ou de dolo e culpa?
Existem duas correntes doutrinárias sobre essa questão:
1ª Corrente: somente aquele que causar a situação de perigo por dolo não pode
alegar o estado de necessidade. Aplica-se aqui a máxima do Direito Civil de que
“ninguém pode valer-se de sua própria torpeza”. Assim, para ela corrente a expressão
vontade abrange apenas o dolo, pois na culpa o agente não tem vontade. Essa
corrente é adotada por Luiz Flávio Gomes, Damásio Evangelista de Jesus, Fernando
Capez, Cezar Roberto Bittencourt e Rogério Greco.
2ª Corrente: diz que tanto aquele que causar a situação de perigo por dolo quanto
aquele que causar a situação de perigo por culpa não podem alegar estado de
necessidade. Essa corrente encontra fundamento no art. 13 §2º, “c”, do Código Penal
e é adotada por Mirabete.
Prevalece a primeira corrente.

c) Salvar direito próprio (estado de necessidade próprio) ou alheio (estado de 167

necessidade de terceiro).

Para salvar bem de terceiro é necessária a autorização dele?


Mais uma vez são duas as correntes doutrinárias existentes:
1ª Corrente: dispensa-se a autorização de terceiro já que a própria lei não a exige. É
a que prevalece.
2ª Corrente: dispensa-se a autorização de terceiro somente quando o bem jurídico
for indisponível. Se for disponível, é preciso consultar o terceiro para verificar se ele
faz questão de proteger esse bem jurídico.

d) Inexistência do dever legal de enfrentar o perigo. Só não pode alegar o estado de


necessidade quem tem dever imposto por lei de enfrentar o perigo, logo não abrange
o dever meramente contratual.
Cumpre destacar, entretanto, que o bombeiro tem o dever de enfrentar o
perigo enquanto o perigo comportar enfrentamento, ou seja, não se exige que o
bombeiro seja um mártir.

Para Refletir:
Um determinado bombeiro em um incêndio só possui condições de salvar
mais uma pessoa. Porém, existem duas pessoas esperando salvamento. Ele tem que
usar algum critério para escolher quem irá salvar?

e) Inevitabilidade do comportamento lesivo. É o requisito incompatível com o perigo


iminente, mencionado acima. É preciso que o único meio para salvar direito próprio
ou de terceiro seja o condizente com cometimento do fato lesivo, sacrificando-se bem
jurídico alheio.
f) Inexigibilidade de sacrifício do interesse ameaçado. O requisito em questão exige a
avaliação da proporcionalidade. Assim sendo são duas as teorias que buscam
determinar essa proporcionalidade:
Teoria Diferenciadora: segundo essa teoria, “se o bem salvo for mais importante que
o sacrificado (ex.: salvar a vida e danificar patrimônio alheio), exclui-se a ilicitude
(“estado de necessidade justificante”), ao passo que, se os bens em conflito forem
equivalentes (ex.: salvar a própria vida em detrimento da vida alheia), afasta-se a
culpabilidade (“estado de necessidade exculpante”). 168

Estado de necessidade justificante = exclusão da ilicitude. → Se o bem jurídico


protegido é mais importante que o sacrificado exclui a ilicitude

Estado de necessidade exculpante = exclusão da culpabilidade. → Se o bem jurídico


protegido vale menos ou o mesmo que o sacrificado exclui a culpabilidade

Teoria unitária: essa teoria só reconhece a existência de uma espécie de estado de


necessidade, o justificante, logo em qualquer das hipóteses anteriormente analisadas
haverá exclusão da ilicitude. Para essa teoria quando o bem jurídico sacrificado é mais
importante que o protegido, ocorre à redução da pena, nos termos do art. 24, § 2º, do
CP. Foi esta a teoria adotada pelo Código Penal em vigor. Cumpre mencionar
que o Código Penal Militar acolheu a teoria diferenciadora (arts. 39 e 43).
Requisito subjetivo: o agente tem que conhecer a situação de perigo, ou seja, sua
ação deve ser objetivamente necessária e subjetivamente conduzida pela sua vontade
de salvamento.
Para que o furto famélico configure o estado de necessidade é necessário
que o fato seja praticado para mitigar a fome; que seja o único recurso do agente; que
haja subtração de coisa capaz de diretamente contornar a emergência; e que
realmente sejam insuficientes os recursos obtidos pelo agente com o seu trabalho ou,
ainda, que esteja o mesmo impossibilitado de trabalhar.
Espécies de estado de necessidade:
a) Quanto a titularidade:
a.1) Próprio
a.2) De terceiro
b) Quanto aos elementos subjetivos do agente:
b.1) Real: existe efetivamente a situação de perigo
b.2) Putativo: o agente age em face de perigo imaginário. Não exclui a ilicitude.
c) Quanto ao terceiro que sofre a ofensa:
c.1) Defensivo: o agente sacrifica bem jurídico do próprio causador do perigo.
c.2) Agressivo: o agente sacrifica bem jurídico de pessoa alheia à provocação
do perigo. O terceiro não foi o causador do perigo.
O estado de necessidade defensivo é lícito no Direito Penal e no Direito Civil,
já o agressivo é lícito apenas no Direito Penal. Para o Direito Civil persiste o dever de 169

reparar o dano causado ao terceiro, bem como o direito de entrar com ação regressiva
em face daquele que causou a situação de perigo.

7.2.2 Legítima Defesa.

Art. 25. Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos


meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem.

De acordo com André Estefam “trata-se de um dos mais bem desenvolvidos


e elaborados institutos do Direito Penal. Sua construção teórica surgiu vinculada ao
instinto de sobrevivência (“matar para não morrer”) e, por via de consequência,
atrelada ao crime de homicídio”. “Hodiernamente, reconhece-se a possibilidade de
agir em legítima defesa para a salvaguarda de qualquer direito, não somente a vida
ou a integridade física”.86
Antes de avançarmos com a análise dos requisitos da legítima defesa, cumpre
estabelecer a diferença entre essa excludente de ilicitude e aquela estudada
anteriormente, qual seja o estado de necessidade.
Assim, enquanto a na legitima defesa há o ataque ou a ameaça de ataque a
um bem jurídico, no estado de necessidade existe o conflito entre vários bens jurídicos
diante de uma situação de perigo. Na primeira a agressão é humana e dirigida para
um destinatário certo, sendo os interesses do agressor ilegítimos; já na segunda o
perigo decorre de fato humano ou natural, a agressão humana não tem destinatário
certo e os interesses em conflito são legítimos.
Nucci explica que a legítima defesa tem dois ângulos (prismas) distintos, mas
que trabalham conjuntamente:87
a) Prisma jurídico individual: consiste no direito que todo ser humano tem
de defender seus bens juridicamente tutelados. “Deve ser exercida no

86
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 246.
87
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
312.
contexto individual, não sendo cabível invocá-la para a defesa de interesses
coletivos, como a ordem pública ou o ordenamento jurídico”;
b) Prisma jurídico-social: “o ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto”,
logo só é aceitável a legítima defesa quando for essencialmente necessária.
“É desse contexto que se extrai o princípio de que a legítima defesa merece 170

ser exercida da forma menos lesiva possível”.

Requisitos objetivos da legítima defesa:


a) Agressão injusta: é a conduta humana que ataca ou coloca em perigo bens jurídicos
de alguém. Essa agressão pode ser ativa ou omissiva. Exemplo de agressão
omissiva: carcereiro que nega cumprir alvará de soltura.
Cumpre destacar que o ataque de um animal e a ação de matar esse animal
pode configurar estado de necessidade ou legítima defesa, conforme o caso concreto.
Assim, se é um ataque espontâneo o perigo é atual, o que configura o estado de
necessidade; porém, se é um ataque provocado por terceiro, o animal passa a ser o
instrumento de uma agressão injusta, o que configura a legítima defesa.
Se a agressão injusta for imaginada temos legitima defesa putativa que não
exclui a ilicitude.
b) Atual ou iminente: atual é uma agressão presente e a iminente é a que está prestes
a ocorrer. Caso a reação ocorra em face de uma agressão passada ocorre vingança
e será punida com rigor. Em se tratando de agressão futura, o agente também comete
crime, visto que se trata de mera suposição.

E se a agressão apesar de futura for certa? Exemplo: A agressão prometida


por um criminoso para daqui a três meses.
Não exclui a ilicitude, entretanto, pode excluir a culpabilidade porque era
inexigível conduta adversa. Não há como exigir de alguém, que nessas circunstâncias,
aguarde que a agressão seja iminente.
Neste sentido, ensina Cunha: “A agressão futura, porém certa, pode gerar
para aquele que se antecipa na repulsa uma situação de inexigibilidade de conduta
diversa, eliminando a sua culpabilidade. É chamada pela doutrina de legítima defesa
preventiva ou antecipada”.88

88
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 15.
c) Uso moderado dos meios necessários: considera-se meio necessário o menos
lesivo dentre os meios a disposição do agredido no momento da agressão e suficiente
para repelir o comportamento injusto.
De acordo com Nelson Hungria é o caso concreto que vai dizer se os meios 171

são ou não os necessários para repelir a agressão.


Sobre esse requisito Cunha comenta:

Em que pese a doutrina, quase sempre, na aferição do presente requisito,


usar balizas objetivas, não se pode ignorar também peculiaridades subjetivas
do agente e do agressor. O estado de ânimo, porte físico, nível de instrução,
os hábitos e modo de vida dos envolvidos, por exemplo, podem influenciar a
formação de um juízo de equidade.89

d) Proteção a direito próprio ou alheio: admite-se legítima defesa no resguardo de


qualquer bem jurídico (vida, integridade física, honra, patrimônio, dignidade sexual
etc.) próprio (legítima defesa própria ou in persona) ou alheio (legítima defesa de
terceiro ou ex persona).

Requisito Subjetivo:
Consiste no conhecimento da situação de fato justificante e é fundamental
para a configuração da excludente. “Deve o agente conhecer as circunstâncias do fato
justificante, demonstrando ter ciência de que está agindo diante de um ataque atual
ou iminente”.90

Classificações da legítima defesa segundo a doutrina:


a) Legítima defesa defensiva: a reação não constitui fato típico.
b) Legítima defesa agressiva: a reação constitui fato típico.
c) Legítima defesa subjetiva: é o excesso exculpante, afasta o dolo e a culpa, pois
qualquer pessoa nas mesmas circunstâncias se excederia (decorre de erro inevitável).
d) Legítima defesa sucessiva: ocorre na repulsa contra o excesso abusivo do agente
agredido (temos duas legítimas defesas, uma depois da outra).
e) Legítima defesa recíproca: é a legítima defesa contra legítima defesa. É
inadmissível, salvo se uma delas ou ambas forem putativas (imaginárias).

89
Ibidem, p. 15.
90
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 14.
f) Legítima defesa real: é a que exclui a ilicitude.
g) Legítima defesa putativa: é a imaginária, trata-se de modalidade de erro (art. 20, §
1º ou art. 21, ambos do CP).
h) Legítima defesa própria: quando o agente salva direito próprio.
i) Legítima defesa de terceiro: quando o agente defende direito alheio. 172

j) Legítima defesa com aberratio ictus: ocorre quando o sujeito, ao repelir a agressão
injusta, por erro na execução, atinge bem de pessoa diversa daquela que o agredia.
Neste caso, age ao abrigo da excludente de ilicitude e deverá ser absolvido
criminalmente; porém na esfera cível deverá responder pelos danos decorrentes de
sua conduta em face do terceiro realmente atingido, tendo direito de regresso contra
seu agressor.

Para refletir:
O que significa a “legítima defesa da honra”? É possível a defesa da “legítima
defesa da honra” hodiernamente?

O parágrafo único do art. 25 do Código Penal foi inserido pela Lei nº


13.964/2019, lei que ficou conhecida como Pacote Anticrime.

Art. 25. (...)


Parágrafo único. Observados os requisitos previstos no caput deste artigo,
considera-se também em legítima defesa o agente de segurança pública que
repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a
prática de crimes. (Inserido pela Lei nº 13.964/2019)

De acordo com Cunha: “A alteração não parece trazer reflexos práticos,


servindo, quando muito, como instrumento para melhor compreensão do instituto da
legítima defesa no dia a dia dos agentes policiais e de segurança pública”.91
De fato, o parágrafo único acima transcrito não “cria” uma nova espécie de
legítima defesa específica para o agente policial ou de segurança pública, visto que
sua configuração requer a presença dos mesmos requisitos acima estudados, logo
não passa de um exemplo legal de legítima defesa.

7.2.3 Estrito Cumprimento do dever legal e Exercício Regular de Direito.

91
CUNHA, Rogério Sanches. Material Complementar ao Manual de Direito Penal: parte geral (arts.
1º ao 120) 8. ed. Salvador: JusPodivm, 2020. p. 18.
O estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito (art. 23,
III, CP) constituem as chamadas excludentes de ilicitude “em branco”. Posto que, o
seu conteúdo definitivo depende de uma outra norma jurídica (normas extrapenais),
da mesma hierarquia ou de hierarquia inferior.92
Exemplos citados por André Estefam:93 173

1) O possuidor de um bem imóvel, turbado ou esbulhado em sua posse, tem direito


assegurado pela legislação civil de, com sua “própria força”, praticar atos tendentes a
se manter ou se reintegrar na posse do bem. A atitude de quem proceder dessa
maneira, não será considerada criminosa, por força do art. 23, III, do CP, combinado
com o art. 1210 do CC.
2) O policial que cumpre um mandado de prisão e, para isso, emprega força física, na
medida do necessário para conter o agente, encontra-se no estrito cumprimento de
um dever legal; sua ação não é criminosa, com fundamento na combinação do art. 23,
III do CP com o art. 292 do CPP.

a) Estrito Cumprimento do Dever Legal


Os agentes públicos, no desempenho de suas atividades, não rara às vezes,
devem agir interferindo na esfera privada dos cidadãos, exatamente para assegurar o
cumprimento da lei. Essa intervenção pode redundar em agressão a bens jurídicos
tais como a liberdade de locomoção, a integridade física e até mesmo a própria vida.
Assim, dentro de limites aceitáveis, tal intervenção é justificada pelo estrito
cumprimento do dever legal.
Assim sendo, para que o cumprimento de um dever legal exclua a ilicitude da
conduta é necessário que estejam presentes os seguintes requisitos:
a) Existência prévia de um dever legal: ou seja, de uma obrigação imposta por
uma norma jurídica (lei em sentido estrito, ou até mesmo um ato administrativo)
de caráter genérico;
b) Atitude pautada pelos estritos limites de um dever;
c) Conduta, como regra, de agente público e, excepcionalmente, de particular.

92
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 256.
93
Ibidem, p. 256/7.
São exemplos de atos lesivos a bens jurídicos penalmente tutelados que são
permitidos em lei e que se enquadram na excludente em exame (os cinco últimos
exemplos foram elaborados por Estefam:94
1) Art. 301 do CPP: “flagrante compulsório”. Se um policial acaba ferindo a pessoa
está agindo dentro do cumprimento de um dever legal, desde que haja em limites 174

aceitáveis.
2) Art. 292 do CPP: violência para executar mandado de prisão. “O art. 292 do CPP,
norma permissiva, não autoriza, contudo, que os agentes do Estado possam, amiúde,
matar e ferir pessoas apenas porque são marginais ou estão delinquindo ou então
estão sendo legitimamente perseguidas”.
3) Art. 293 do CPP: execução de mandado de busca e apreensão e arrombamento.
4) Oficial de Justiça que executa ordem de despejo.
5) Soldado que fuzila o condenado por crime militar em tempo de guerra, cuja sanção
é a pena de morte.
6) Agente policial infiltrado com autorização judicial que se vê obrigado a cometer
delitos no seio da organização criminosa (art. 2º, V, da Lei n. 9.034/95).
Cumpre destacar que também no estrito cumprimento do dever legal é
possível a ocorrência do excesso (doloso, culposo ou exculpante).

b) Exercício Regular de Direito


Compreende as ações de um cidadão comum autorizadas pela existência de
direito definido em lei e condicionadas à regularidade do exercício desse direito,
devendo ser exercido com observância quanto à proporcionalidade e a
indispensabilidade.
André Estefam afirma que “todo aquele que exerce um direito assegurado por
lei não pratica ato ilícito. Quando o ordenamento jurídico, por meio de qualquer de
seus ramos, autoriza determinada conduta, sua licitude reflete-se na seara penal,
configurando excludente de ilicitude: exercício regular de um direito (art. 23, III, CP)”.95
Para a doutrina são duas as espécies de exercício regular de direito:

94
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 258.
95
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 257.
a) Pro magistratu: que são aquelas situações em que o Estado não pode estar
presente para evitar a lesão a um bem jurídico ou recompor a ordem pública. Nesse
caso o agente age no lugar do Estado visto que ele não está presente. Exemplo: art.
301 do CPP, que permite o flagrante facultativo praticado por qualquer um do povo.
b) Direito de castigo: decorre do direito de educação e do exercício do poder familiar. 175

Exemplo: o pai quando cerceia a liberdade do filho com o objetivo de educá-lo


impedindo de ir a determinado evento social.
Zaffaroni diferencia duas espécies de exercício regular de direito: o
incentivado e o permitido. Assim, o incentivado decorre de ato normativo e exclui a
tipicidade; já o permitido decorre de ato antinormativo e exclui a ilicitude.
Exemplos de exercício regular de direito incentivado: intervenção médica
(note que o médico deverá colher o consentimento do paciente, ou de seu
representante legal).
Exemplo de exercício regular de direito permitido: lesão decorrente de
violência desportiva, desde que a lesão ocorra de acordo às regras pertinentes ao
esporte.
Para a maioria da doutrina pátria essa distinção não existe, pois mesmo na
violência desportiva existe um conjunto de regras oficiais e o incentivo da própria
Constituição Federal quanto às práticas esportivas.

Ofendículos
De acordo com Estefam “compreendem todos os instrumentos empregados
regularmente, de maneira predisposta (previamente instalada), na defesa de algum
bem jurídico, geralmente posse ou propriedade”.96
Assim sendo, significam o aparato preordenado para a defesa do patrimônio,
como por exemplo: cacos de vidro no muro; ponta de lança nos muros; corrente
elétrica etc.
Quanto à natureza jurídica dos ofendículos existem quatro correntes:
1ª) O ofendículo enquanto não acionado configura exercício regular de direito. Quando
acionado repele injusta agressão, configurando legítima defesa. É a chamada legítima
defesa preordenada. Esta corrente diferencia o ofendículo acionado do não acionado.
2ª) O ofendículo acionado ou não configura exercício regular de direito.

96
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 255.
3ª) O ofendículo acionado ou não configura legítima defesa preordenada.
4ª) A quarta corrente diferencia ofendículo de defesa mecânica predisposta:
ofendículo é o aparato visível (ex.: cacos de vidro no muro); já a defesa mecânica
predisposta é um aparato oculto (ex.: cercas eletrificadas, armadilhas, etc). Assim, o
ofendículo seria exercício regular de direito, enquanto a defesa mecânica predisposta 176

configuraria a legítima defesa preordenada.


Não há interesse prático essas diferenciações, mas tem prevalecido a
primeira corrente.
Não importa a corrente adotada, o que realmente importa é que sempre
deverá estar presente a proporcionalidade. De modo que a reação do ofendículo tem
que ser adequada, necessária e suficiente para proteger o patrimônio. O uso do
ofendículo decorre do direito do cidadão defender seu patrimônio, entretanto, deve ser
prudente, consciente e razoável, punindo-se o excesso.

Para refletir:
O animal pode ser considerado ofendículo?

8. Culpabilidade

8.1. Conceito, teorias e posição na estrutura do crime

Segundo Mirabete:

[...] as palavras culpa e culpado têm sentido lexical comum de indicar que
uma pessoa é responsável por uma falta, uma transgressão, ou seja, por ter
praticado um ato condenável. Somos “culpados” de nossas más ações, de
termos causado um dano, uma lesão. Esse resultado lesivo, entretanto, só
pode ser atribuído a quem lhe deu causa se essa pessoa pudesse ter
procedido de outra forma, se pudesse com seu comportamento ter evitado a
lesão.97

Para os adeptos da corrente tripartida quanto ao conceito analítico de crime


(Majoritária), a culpabilidade é requisito do crime; já para os adeptos da corrente
bipartida é pressuposto de aplicação da pena.

97
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 181.
Assim, para a maioria da doutrina a culpabilidade é entendida como o juízo
de reprovação que recai sobre o autor culpado por um fato típico e antijurídico.98
De acordo com Fernando Capez, que é adepto da corrente bipartida do
conceito analítico de crime a culpabilidade é a possibilidade de se considerar alguém
culpado pela prática de uma infração penal. “Por essa razão, costuma ser definida 177

como juízo de censurabilidade e reprovação exercido sobre alguém que


praticou um fato típico e ilícito. Não se trata de elemento do crime, mas pressuposto
para imposição de pena, porque, sendo um juízo de valor sobre o autor de uma
infração penal, não se concebe possa, ao mesmo tempo, estar dentro do crime, como
seu elemento, e fora, como juízo externo de valor do agente.” Para este autor “na
culpabilidade afere-se apenas se o agente deve ou não responder pelo crime
cometido”.99
De acordo com o Código Penal brasileiro a culpabilidade resulta da soma dos
seguintes requisitos: imputabilidade; potencial consciência da ilicitude; e exigibilidade
de conduta diversa.
A evolução do conceito de culpabilidade pode ser estudado a partir das teorias
da culpabilidade, dentre as quais podem ser mencionadas como principais as
seguintes teorias:
a) Teoria psicológica da culpabilidade:
Essa teoria foi idealizada por Franz von Liszt e Ernst von Beling e tem por
fundamento as premissas da Teoria Causalista. Foi a teoria que predominou no século
XIX.
Cunha explica que essa teoria “é aplicável somente no âmbito do causalismo
e sustenta, em resumo, que a culpabilidade consiste na relação psíquica entre o autor
e o resultado, na forma de dolo ou culpa. Percebe-se, com facilidade, que a
culpabilidade confunde-se com o dolo e a culpa, sendo seu único pressuposto a
imputabilidade”.100

98
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 259.
99
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 276/7. Ebook.
100
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 325.
Mirabete afirma que na teoria psicológica “a culpabilidade reside numa ligação
de natureza psíquica (psicológica, anímica) entre o sujeito e o fato criminoso. Dolo
[vontade] e culpa [previsibilidade], assim, seriam as formas da culpabilidade”.101
Em resumo para essa teoria a culpabilidade tem as seguintes características:
▪ tem base causalista: o dolo e a culpa estão na culpabilidade; 178

▪ tem duas espécies: a culpabilidade dolo e a culpabilidade culpa;


▪ tem um só elemento que é a imputabilidade penal.
Crítica: Para Nucci o principal erro desta teoria está em inviabilizar a demonstração
da inexigibilidade de conduta diversa, uma vez que não faz nenhum juízo de valor
sobre a conduta típica e antijurídica (ilícita). Assim, ainda que o agente imputável e
com dolo estivesse atuando sob coação moral irresistível poderia ser considerado
culpado.102

b) Teoria psicológica normativa da culpabilidade:


“Defendida por Reinhart Frank em 1907, a teoria psicológica-normativa
continua trabalhando com o dolo e a culpa na culpabilidade, os quais deixam de ser
suas espécies para transformarem-se nos seus elementos, juntamente com a
imputabilidade e a exibilidade da conduta diversa”.103
De acordo com Mirabete “assim se formou a teoria psicológico-normativa da
culpabilidade, então chamada teoria normativa da culpabilidade: a culpabilidade exige
o dolo ou a culpa, que são elementos psicológicos presentes no autor, e a
reprovabilidade, um juízo de valor sobre o fato, considerando-se que essa
censurabilidade somente existe se há no agente a consciência da ilicitude de sua
conduta ou, ao menos, que tenha ele a possibilidade desse conhecimento”.104
Em resumo para essa teoria a culpabilidade tem as seguintes características:
▪ tem base neokantista: o dolo e a culpa deixam de ser espécies de
culpabilidade e passam a ser elementos;
▪ não há espécies de culpabilidade;

101
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 180.
102
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
323.
103
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 326.
104
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 182.
▪ a culpabilidade tem os seguintes elementos: imputabilidade,
exigibilidade de conduta adversa e culpa ou dolo;
▪ o dolo é constituído de: consciência, vontade e consciência atual da
ilicitude (a consciência atual de ilicitude é o elemento normativo) e é
chamado de dolo normativo. 179

Crítica: O dolo e a culpa não podem estar na culpabilidade, mas fora dela, para
sofrerem a incidência do juízo de censurabilidade.

c) Teoria normativa pura da culpabilidade:


Esclarece Capez que essa teoria “nasceu com a teoria finalista da ação
(década de 30), que teve Hartmann e Graf Zu Dohna como precursores e Welzel,
professor na Universidade de Göttingen e de Bonn, como seu maior defensor. Welzel
observou que o dolo não pode permanecer dentro do juízo de culpabilidade, deixando
a ação humana sem o seu elemento característico, fundamental, que é a
intencionalidade, o finalismo”.105
Segundo Nucci “a conduta, sob a ótica do finalismo, é uma movimentação
corpórea, voluntária e consciente, com uma finalidade. Logo, ao agir, o ser humano
possui uma finalidade, que é analisada, desde logo, sob o prisma doloso ou culposo.
Portanto, para tipificar uma conduta – conhecendo-se de antemão a finalidade da ação
ou da omissão – já se ingressa na análise do dolo ou da culpa, que se situam, pois,
na tipicidade – e não na culpabilidade. Nessa ótica, culpabilidade é um juízo de
reprovação social, incidente sobre o fato típico e antijurídico e seu autor, agente esse
que precisa ser imputável, ter agido com consciência potencial da ilicitude e com
exigibilidade e possibilidade de um comportamento conforme o Direito”.106
De acordo com Mirabete na “teoria da culpabilidade, ou teoria normativa pura:
o dolo e a culpa pertencem à conduta; os elementos normativos formam todos a
culpabilidade, ou seja, a reprovabilidade da conduta”.107
Em resumo para essa teoria a culpabilidade tem as seguintes características:

105
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 283. Ebook.
106
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
323.
107
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 182.
▪ tem base finalista (dolo e a culpa migram da culpabilidade para o fato
típico);
▪ o dolo que migrou não foi o dolo normativo, mas o dolo constituído só de
consciência e vontade, o elemento normativo (consciência da ilicitude)
permanece na culpabilidade. Por isso não pode mais ser chamado de 180

dolo normativo. O dolo é chamado natural, porque tem os elementos


naturais apenas;
▪ são elementos da culpabilidade: imputabilidade, exigibilidade de conduta
adversa e potencial consciência de ilicitude.

c.1) Teoria estrita ou extremada da culpabilidade:


Consiste numa derivação da teoria normativa pura da culpabilidade e tem como
defensores no Brasil Alcides Munhoz Neto e Mayrink da Costa. Para essa teoria “toda
espécie de descriminante putativa, seja sobre os limites autorizadores da norma (por
erro de proibição), seja incidente sobre situação fática pressuposto de uma causa de
justificação (por erro de tipo), é sempre tratada como erro de proibição. Com isso,
segundo Munhoz Neto, evita-se desigualdade no tratamento de situações
análogas”.108
Crítica: Esta teoria se equivoca ao equiparar a descriminante putativa sobre situação
fática (art. 20 §1º, CP) a uma espécie de erro de proibição.

c.2) Teoria limitada da culpabilidade:


Também consiste numa derivação da teoria normativa pura da culpabilidade
e tem como defensores no Brasil Assis Toledo e Damásio Evangelista de Jesus. Para
essa teoria “o erro que recai sobre uma situação de fato (descriminante putativa fática)
é erro de tipo, enquanto o que incide sobre a existência ou limites de uma causa de
justificação é erro de proibição”.109
O art. 20, §1º, do CP para essa teoria é erro de tipo e não erro de proibição
como na teoria anterior. Esta teoria é a que prevalece.
Observação: As teorias limitada e extremada da culpabilidade (subdivisão da teoria
normativa pura da culpabilidade) são absolutamente coincidentes em todos os seus

108
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 284. Ebook.
109
Ibidem, p. 285. Ebook.
postulados, salvo no tocante à natureza das descriminantes putativas, conforme foi
elucidado acima.

Qual é a teoria da culpabilidade adotada pelo Código Penal Brasileiro?


O Código Penal adota a Teoria Limitada da Culpabilidade. “As descriminantes 181

putativas fáticas são tratadas como erro de tipo (art. 20, § 1º), enquanto as
descriminantes putativas por erro de proibição, ou erro de proibição indireto, são
consideradas erro de proibição (art. 21)”.110

Aqui é importante mencionar que no âmbito do funcionalismo surgiram outras


concepções a respeito da culpabilidade.
De acordo com Roxin a noção de culpabilidade deve ser expandida para a
ideia de responsabilidade, sendo que a responsabilidade decorre da culpabilidade
do sujeito e da necessidade preventiva da sanção penal, que deve ser deduzida da
lei. Neste contexto, a lei limita a atuação estatal quanto ao poder de punir.
Já de acordo com Jakobs deve-se adotar um conceito funcional de
culpabilidade, assim a culpabilidade e a penalização do agente só seriam cabíveis se
tal medida fosse realmente necessária para garantir a vigência da norma. Segundo
essa concepção é desnecessária a análise de circunstâncias ligadas à pessoa do
agente, tais como sua capacidade de compreender o caráter ilícito do fato ou de se
determinar de acordo com tal entendimento.

O que se compreende por princípio da coincidência?


O princípio da coincidência, também denominado da congruência ou da
simultaneidade, nas palavras de André Estefam, “consiste na exigência de que todos
os elementos do crime se encontrem presentes, ao mesmo tempo, no momento da
conduta delitiva”.111 Assim, no momento da realização do ato delitivo (fato típico)
devem estar presentes concomitantemente a ilicitude (ou antijuridicidade) e a
culpabilidade do ato para que se tenha um crime.
Crime = Fato Típico + Ilicitude + Culpabilidade

110
Ibidem, p. 285. Ebook.
111
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 260.
Este princípio encontra-se implicitamente reconhecido em diversos
dispositivos do atual Código Penal brasileiro, tais como nos arts. 23, 26 e 28.

8.2. Excludentes de culpabilidade


182

Também chamadas de dirimentes, podem ser legais e supralegais e têm


como fundamento nullun crimen sine culpa. De acordo com Nucci, as dirimentes ou
causas excludentes de culpabilidade podem ser divididas, para seu estudo, em dois
grupos distintos:112
I - Quanto ao agente do fato:
a) existência de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado (art. 26, caput, CP);
b) existência de embriaguez decorrente de vício (art. 26, caput, CP);
c) menoridade (art. 27, CP);
II - Quanto ao fato:
II.1 Legais:
a) coação moral irresistível (art. 22, CP);
b) obediência hierárquica (art. 22, CP);
c) embriaguez decorrente de caso fortuito ou força maior (art. 28, § 1º, CP);
d) erro de proibição escusável (art. 21, CP);
e) descriminantes putativas;
II.2 Supralegais:
a) inexigibilidade de conduta diversa;
b) estado de necessidade exculpante;
c) excesso exculpante;
d) excesso acidental;
e) dentre outras.
Tais causas em espécie serão estudadas quando da análise de cada um dos
requisitos da culpabilidade.

112
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
328.
8.3. Causas que não excluem a culpabilidade

Assim como as causas que excluem a culpabilidade as que não excluem a


culpabilidade em espécie serão estudadas quando da análise de cada um dos
requisitos da culpabilidade. 183

Fique atento!
A teoria da coculpabilidade consiste na “reprovação conjunta que deve ser
exercida sobre o Estado, tanto quanto se faz com relação ao autor de uma infração
penal, quando se verifica não ter sido proporcionada a todos igualdade de
oportunidades na vida, significando, pois, que alguns tendem ao crime por falta de
opção”.113
Neste caso, não há exclusão da culpabilidade, “mas essas circunstâncias
externas devem ser consideradas na dosimetria da pena. O nosso Código Penal
possibilita a adoção dessa teoria ao prever, em seu artigo 66, uma atenuante
inominada: “A pena poderá ser ainda ATENUADA em razão de circunstância
relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em
lei”.114

8.4. Elementos da culpabilidade

8.4.1. Imputabilidade:

“De acordo com a teoria da imputabilidade moral (livre-arbítrio), o homem é


um ser inteligente e livre, podendo escolher entre o bem e o mal, entre o certo e o
errado, e por isso a ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que
praticou. Essa atribuição é chamada imputação, de onde provém o termo

113
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
114
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 327.
imputabilidade, elemento (ou pressuposto da culpabilidade) [de acordo com a Teoria
da Culpabilidade adotada]. Imputabilidade é, assim, a aptidão para ser culpável”.115
A doutrina de um modo geral conceitua a imputabilidade como o “conjunto das
condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o
caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento”.116 184

Nas palavras de Capez “o agente deve ter condições físicas, psicológicas,


morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal”, bem como “deve ter
totais condições de controle sobre sua vontade”.117
Ante o exposto, é notório que a imputabilidade tem dois elementos, quais
sejam: a capacidade de entendimento (elemento intelectivo) e a faculdade de controlar
e comandar a própria vontade (elemento volitivo). Sendo que só é possível falar em
imputabilidade se estiverem presentes esses dois elementos.
Exemplo mencionado por Capez: “um dependente de drogas tem plena
capacidade para entender o caráter ilícito do furto que pratica, mas não consegue
controlar o invencível impulso de continuar a consumir a substância psicotrópica,
razão pela qual é impelido a obter recursos financeiros para adquirir o entorpecente,
tornando-se um escravo de sua vontade, sem liberdade de autodeterminação e
comando sobre a própria vontade, não podendo, por essa razão, submeter-se ao juízo
de censurabilidade”.118
Nucci denomina os dois elementos da imputabilidade de: higidez biopsíquica,
que corresponde à saúde mental mais a capacidade de apreciar a criminalidade do
fato; e a maturidade, que corresponde ao desenvolvimento físico-mental que permite
ao ser humano estabelecer relações humanas sociais bem adaptadas, ter capacidade
para realizar-se distante da figura dos pais, conseguir estruturar as próprias ideias e
possuir segurança emotiva, além de equilíbrio no campo sexual.119
No Brasil o elemento maturidade é determinado pelo critério cronológico, qual
seja ter mais de 18 anos. Já o elemento higidez biopsíquica ou mental pode ser aferida
por um dos seguintes critérios:

115
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 195/6.
116
PRADO, Luiz Regis. Tratado de Direito Penal Brasileiro: parte geral – arts. 1º a 120. 3. ed. rev.
atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1. p. 346.
117
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 285. Ebook.
118
Ibidem, p. 285. Ebook.
119
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
a) Biológico: analisa apenas a condição mental do agente, verificando se é, ou
não, doente mental ou se possui, ou não, um desenvolvimento mental
incompleto ou retardado. “A adoção restrita desse critério faz com que o juiz
fique absolutamente dependente do laudo pericial”;
b) Psicológico: analisa apenas se o agente é capaz de apreciar o caráter ilícito do 185

fato ou de comportar-se de acordo com esse entendimento. Se adotado apenas


esse critério a apreciação da imputabilidade torna-se muito arbitrária por parte
do magistrado;
c) Biopsicológico: une os dois critérios acima analisando se o agente é
mentalmente são e se possui capacidade de entender a ilicitude do fato ou de
determinar-se de acordo com esse entendimento. Este é o critério adotado
pelo vigente Código Penal brasileiro em seu art. 26.

Atenção!
Não se deve confundir:
1) Imputabilidade Penal com Responsabilidade Jurídico-penal: “Por
responsabilidade jurídico-penal entende-se a obrigação de o agente sujeitar-se às
consequências da infração penal cometida. Nada tem que ver, portanto, com a
capacidade mental de compreensão e autodeterminação (imputabilidade). Tanto é
assim que um inimputável por doença mental (art. 26, caput), embora desprovido de
condições psíquicas de compreender a ilicitude do seu ato e de se determinar
conforme essa compreensão, será juridicamente responsável pelo ato delitivo
praticado, pois ficará sujeito a uma sanção (a medida de segurança)”.120
2) Imputabilidade Penal e Capacidade: “a capacidade é gênero do qual a
imputabilidade é espécie. Com efeito, capacidade é uma expressão muito mais ampla,
que compreende não apenas a possibilidade de entendimento e vontade
(Imputabilidade ou capacidade penal), mas também a aptidão para praticar atos na
órbita processual, tais como oferecer queixa e representação, ser interrogado sem
assistência de curador etc. (capacidade processual). A imputabilidade é, portanto, a

120
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 261.
capacidade na órbita penal. Tanto a capacidade penal (CF, art. 228, e CP, art. 27)
quanto a capacidade processual plena são adquiridas aos 18 anos”.121

a) Inimputável:
Em regra, todo agente é imputável, salvo diante de uma causa excludente da 186

imputabilidade, também denominada de causa dirimente, quando será inimputável.


São causas que excluem a imputabilidade (que tornam o agente inimputável):
1ª) Doença mental ou Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado (art. 26, CP);
2ª) Menoridade (art. 27, CP e art. 228, CF/88);
3ª) Embriaguez completa e involuntária proveniente de caso fortuito ou força maior
(art. 28, CP);
4ª) Dependência ou intoxicação involuntária decorrente do consumo de drogas ilícitas
(art. 45, caput, da Lei n. 11.343/2006).
De acordo com Estefam “todas as causas de exclusão da imputabilidade
devem fazer-se presentes no exato momento da conduta. O requisito temporal é
fundamental. Significa dizer que ao tempo da ação ou omissão criminosa é que se
deve analisar a capacidade de entendimento e compreensão da ilicitude do ato, bem
como a possibilidade de autodeterminação”.122

Actio libera in causa


A actio libera in causa, que significa “ação livre quando da conduta” ocorre
quando o agente se coloca, propositadamente, em situação de inimputabilidade para
cometer o crime, realizando este no estado de inconsciência. Neste caso, em
aplicação da actio libera in causa, considera-se, para juízo de culpabilidade, a situação
do agente quando se colocou em estado de inconsciência.
“Não basta, entretanto, que o agente se tenha posto voluntariamente ou
imprudentemente em estado de inconsciência por embriaguez ou por outro qualquer
meio para que o fato típico que ele venha a praticar se constitua em actio libera in
causa. É preciso que esse resultado tenha sido querido ou previsto pelo agente como

121
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 286. Ebook.
122
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 262.
imputável, ou que ele pudesse prevê-lo como consequência de seu
comportamento”.123
Exemplo clássico de actio libera in causa: é o da embriaguez preordenada, em que
o agente bebe com a intenção de cometer determinado delito (a embriaguez será
objeto de estudo, ainda, nesta unidade). 187

Outro exemplo: “o segurança de uma empresa nota a presença de possível bandidos


e, por encontrar-se insatisfeito com seu empregador, ingere sonífero, permitindo que
os furtadores ingressem no estabelecimento sem qualquer resistência – muito embora
estivesse dormindo no momento da subtração, será considerado partícipe do delito,
posto que descumpriu dolosamente seu dever jurídico de impedir o resultado (art. 13,
§ 2º, b, do CP)”.124

Doença Mental:
Para o filósofo Emanuel Kant “não é necessário ser médico para determinar
se uma pessoa é alienada Mental, basta um pouco de bom senso”, e do mesmo modo
pode ser afirmado que “não é necessário ser médico para determinar se uma pessoa
está normal, bastando um pouco de bom senso”. Entretanto, quando se fala em
doença mental ou saúde mental a questão não se reduz a esses dois extremos e o
que, realmente, interessa são os variados casos situados entre esses dois extremos.
O certo é que os transtornos mentais não se manifestavam de maneira
simplesmente binária, tal como ocorre na obstetrícia com as grávidas e não-grávidas.
Nas questões emocionais e mentais há graduações de sofrimento e
comprometimento. Dessa constatação surgiu a necessidade para a Justiça de que
fossem feitos exames e avaliações médicas para atestar o estado mental do acusado
pela prática de um crime. Nasce a Psicopatologia Forense.
Apesar disso, os conceitos de imputabilidade e inimputabilidade é
exclusivamente jurídico e não médica. Eles são pertencem ao mundo jurídico e já
foram trabalhados nos itens acima. O que a medicina faz é oferece à Justiça os
subsídios que facilitam a decisão do juiz. Assim, o médico não atesta a imputabilidade,

123
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 201.
124
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 268.
mas sim a qualidade da consciência crítica e das faculdades mentais, deixando para
a Justiça a decretação de imputabilidade ou não.
De acordo com Capez doença mental “é a perturbação mental ou psíquica de
qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter
criminoso do fato ou a de comandar à vontade de acordo com esse entendimento. 188

Compreende a infindável gama de moléstias mentais, tais como a epilepsia


condutopática, psicose, neurose, esquizofrenia, paranoias, psicopatia, epilepsias em
geral etc.”.125 Esse conceito deve ser analisado em sentido lato, abrangendo as
doenças de origem patológica e de origem toxicológica.
Ressalva Bettiol “que a imputabilidade cessa, também, na hipótese de
enfermidade de natureza não mental que atinja ‘a capacidade de entender e querer’.
É o que se verifica nas enfermidades físicas com incidências sobre o psiquismo, tal
como ocorre nos delírios febris produzidos pelo tifo, na pneumonia ou em outra doença
qualquer que atue sobre a normalidade psíquica”.126
André Estefam aduz que são três os requisitos para a exclusão da
imputabilidade em razão de doença mental ou outra situação análoga: “biológico (a
causa, ou seja, a doença mental etc.), psicológico (o efeito, isto é, a supressão das
capacidades de entendimento ou autodeterminação) e temporal (ocorrência dos
requisitos anteriores no exato momento da conduta)”.127
“É imputável aquele que, embora portador de doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, tem capacidade de entender a
ilicitude de seu comportamento e de se autodeterminar. Inexistente, porém, a base
biológica da inimputabilidade (doença mental etc.), não importa que o agente, no
momento do crime, se encontre privado da capacidade de entendimento e
autodeterminação; o indivíduo moralmente pervertido que, no momento do crime, não
pode controlar seus impulsos deve ser tido por imputável. A inimputabilidade não se
presume e para ser acolhida deve ser provada em condições de absoluta certeza”.128
Assim, a verificação da doença mental depende de exame pericial, assim,
sempre que recair suspeitas sobre a saúde mental do acusado, deve o juiz de ofício

125
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 286. Ebook.
126
Ibidem, p. 286. Ebook.
127
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 263.
128
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 198.
ou a pedido das partes determinar a instauração de um Incidente de Insanidade
Mental (arts. 149 a 152, do CPP). Cumpre destacar, entretanto, que o laudo pericial
não vincula o magistrado, podendo este decidir segundo a sua livre convicção (arts.
155, caput e 182, do CPP).
Excluída a imputabilidade do agente que praticou um crime nessas condições 189

(art. 26, caput, CP) haverá absolvição, porém, essa absolvição será imprópria, posto
que a ele será aplicada uma medida de segurança (é a sanção penal adequada em
função da periculosidade do agente) de internação em hospital de custódia e
tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Porém, em
se tratando de crime punido com detenção, o juiz poderá submeter o agente a
tratamento ambulatorial, nos termos do art. 97, do CP.
Obs.: “A comprovada inimputabilidade do agente não dispensa o juiz de analisar na
sentença a existência ou não do delito apontado na denúncia e os argumentos do
acusado quanto à inexistência de tipicidade ou de antijuridicidade. Inexistindo
tipicidade ou antijuridicidade, o réu, embora inimputável, deve ser absolvido pela
excludente do dolo ou da ilicitude, não se impondo, portanto, medida de segurança”.129
Já na hipótese do parágrafo único, do art. 26, do CP, o agente é imputável,
porém para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação precisa de maior
esforço, logo a sua sanção será reduzida diante da culpabilidade diminuída de que é
portador.
Alerta a doutrina que, “embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade,
semirresponsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis
de críticas”.130 Isso porque a imputabilidade não tem meio-termo: o agente é
imputável, porque compreendeu bem a ilicitude do ato e teve plenas condições de se
autocontrolar, ou não”.131

Desenvolvimento Mental Incompleto ou Retardado


De acordo com Capez desenvolvimento mental incompleto “é o
desenvolvimento que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do
agente ou à sua falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental

129
Ibidem, p. 199.
130
Ibidem, p. 199.
131
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 264.
e emocional. No entanto, com a evolução da idade ou o incremento das relações
sociais, a tendência é de ser atingida a plena potencialidade”.132
Tal situação se verifica com os seres humanos de um modo geral, assim os
menores de 18 anos são inimputáveis por força de lei (art. 27, CP). Também é o caso
dos silvícolas, desde que inadaptados à sociedade e dos surdos-mudos que não 190

receberam a instrução adequada. “O isolamento do surdo-mudo pode impedir o


desenvolvimento mental e afetar a capacidade de discernimento no campo intelectual
ou ético, ainda que não acompanhado de doença mental ou oligofrenia”.133
Já o desenvolvimento mental retardado “é o incompatível com o estágio de
vida em que se encontra a pessoa, estando, portanto, abaixo do desenvolvimento
normal para aquela idade cronológica. Ao contrário do desenvolvimento incompleto,
no qual não há maturidade psíquica em razão da ainda precoce fase da vida do agente
ou da falta de conhecimento empírico, no desenvolvimento retardado a capacidade
não corresponde às expectativas para aquele momento da vida, o que significa que a
plena potencialidade jamais será atingida”.134
“É o estado mental dos oligofrênicos [pessoas de reduzidíssimo coeficiente
intelectual] (nos graus de debilidade mental, imbecilidade e idiotia), incapazes de
entendimento e por muitos equiparados aos portadores de doença mental. Nas faixas
mais baixas, haverá imputabilidade”.135

Menoridade:
Por expressa previsão legal (art. 27, do CP) e constitucional (art. 228, da
CF/88) os menores de 18 anos são considerados inimputáveis, ficando sujeitos às
normas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei n.
8.069/90.
O legislador adotou o critério puramente biológico (idade do autor do fato)
neste dispositivo, logo não leva em conta o desenvolvimento mental do menor, que

132
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 287. Ebook.
133
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 197/8.
134
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 287. Ebook.
135
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 198.
não está sujeito a sanção penal, ainda que seja plenamente capaz de entender o
caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento.
“Trata-se de uma presunção absoluta de inimputabilidade que faz com que o
menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em
decorrência de um critério de política criminal. Implicitamente, a lei estabelece que o 191

menor de 18 anos não é capaz de entender as normas da vida social e de agir


conforme esse entendimento”.136
Nos termos da Súmula n. 74, do STJ: “Para efeitos penais, o reconhecimento
da menoridade do réu requer prova por documento hábil”.
Comprovada a menoridade penal do agente no curso da ação penal, o
processo deve ser anulado ab initio por ausência de legitimidade passiva.
De acordo com Nucci não há impedimento de ordem constitucional para que
seja reduzida a menoridade penal, posto que o dispositivo que trata do assunto, o art.
228, da CF/88, não é cláusula pétrea, podendo ser alterado por Emenda
Constitucional. Para esse autor a redução é uma imposição natural que decorre da
própria evolução social, entretanto não se pode acreditar que a simples redução da
menoridade penal seja suficiente para solucionar o problema do incremento da prática
delitiva no Brasil.137
Apesar disso, o mesmo autor destaca que o melhor seria adotar um critério
misto e não puramente cronológico, no qual se pudesse aferir, por perícia a
capacidade, ou não, de compreender o ilícito e de agir, ou não, de acordo com essa
determinação.
Em sentido contrário à redução da menoridade penal aduz Mirabete:
“Ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje
amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus
atos. Entretanto, a redução do limite de idade no direito penal comum representaria
um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos
jovens com delinquentes contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê,

136
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 202.
137
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
330.
aliás, instrumentos potencialmente eficazes para impedir a prática reiterada de atos
ilícitos por pessoas com menos de 18 anos, sem os inconvenientes mencionados”.138
Obs.: O marco temporal do início da maioridade penal aos 18 anos, predominante na
doutrina e na jurisprudência, é a partir do primeiro instante do dia do aniversário, pouco
importando à hora exata do nascimento, nos termos do art. 1º da Lei n. 810/49, que 192

define o ano civil.

Emoção e Paixão:
Nos termos do art. 28, I, do CP, a emoção e a paixão não excluem a
imputabilidade penal.
Emoção: “é um estado afetivo que, sob uma impressão atual, produz repentina e
violenta perturbação do equilíbrio psíquico. Sendo intensa, é comparável à torrente
que rompe um dique (Kant). São emoções a ira, o medo, a alegria, a surpresa, a
vergonha, o prazer erótico etc.”.139
De acordo com Nélson Hungria a emoção é “um estado de ânimo ou de
consciência caracterizado por uma viva excitação do sentimento. É uma forte e
transitória perturbação da afetividade, a que estão ligadas certas variações somáticas
ou modificações particulares das funções da vida orgânica (pulsar precipite do
coração, alterações térmicas, aumento da irrigação cerebral, aceleração do ritmo
respiratório, alterações vasomotoras, intensa palidez ou intenso rubor, tremores,
fenômenos musculares, alteração das secreções, suor, lágrimas etc.)”.140
Paixão: “é uma profunda e duradoura crise psicológica que ofende a integridade do
espírito e do corpo, o que pode arrastar muitas vezes o sujeito ao crime. É duradoura
como uma força que se infiltra na terra, minando o obstáculo que, afinal, vem a ruir.
São paixões o amor, o ódio, a avareza, a ambição, o ciúme, a cupidez, o patriotismo,
a piedade etc.”.141

138
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 202.
139
Ibidem, p. 205.
140
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
334.
141
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 205.
A paixão tem sua origem na emoção, porém é uma excitação sentimental
levada ao extremo, de maior duração, causando maiores alterações nervosas ou
psíquicas.142
Deste modo, ambas se diferenciam por ser a emoção aguda e de curta
duração e a paixão crônica e de existência mais estável. Não têm caráter patológico, 193

logo não significam perturbação da saúde mental, são meras perturbações dos
sentidos.
Cumpre destacar, entretanto, que o Código Penal brasileiro prevê como
atenuante genérica ter sido o crime cometido sob a influência de violenta emoção,
provocada por ato injusto da vítima (art. 65, III, c, última parte) e admite como causa
de diminuição especial da pena terem sido praticados o homicídio ou as lesões
corporais estando o agente sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida à
injusta provocação da vítima (arts. 121, § 1º, e 129, § 4º). Devem estar presentes
nessas hipóteses os requisitos previstos nos dispositivos, posto que a emoção, por si,
não atenua a responsabilidade, derivando a atenuação apenas dos motivos que a
causaram.
Também é circunstância atenuante genérica ou causa de diminuição da pena
o motivo de relevante valor social ou moral que pode estar relacionado com uma
paixão social (piedade, patriotismo etc.), nos termos dos arts. 65, III, a, 121, § 1º e
129, § 4º. Uma paixão antissocial, por sua vez, pode ser uma circunstância agravante
genérica (como a cupidez, no art. 62, IV) ou até uma qualificadora (art. 121, § 2º, I).

Embriaguez:
Embriaguez é a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool ou
qualquer substância de efeitos psicotrópicos, sejam eles entorpecentes (morfina, ópio
etc.), estimulantes (cocaína) ou alucinógenos (LSD) cujos efeitos podem progredir de
uma ligeira excitação inicial até o estado de paralisia e coma. Sendo, portanto, capaz
de levar à exclusão da capacidade de entendimento e vontade do agente.
“Deve-se verificar, porém, se o agente não é portador de doença mental ou
perturbação da saúde mental provocadas pelo uso de drogas, hipóteses em que
poderá caber a aplicação do art. 26. Tratando-se de crime descrito na Lei n.
11.343/2006, se a incapacidade ou a redução da capacidade de entendimento ou

142
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
334.
autodeterminação decorre da dependência do agente do uso de drogas ou de se
encontrar ele sob seu efeito, em razão de caso fortuito ou força maior, determina a Lei
de Tóxicos a isenção (art. 45) ou a redução de pena (art. 46).143
De acordo com Capez a embriaguez possui as seguintes fases:144
Excitação: consiste no “estado eufórico inicial provocado pela inibição dos 194

mecanismos de autocensura. O agente torna-se inconveniente, perde a acuidade


visual e tem seu equilíbrio afetado. Em virtude de sua maior extroversão, esta fase
denomina-se ‘fase do macaco’”.
Depressão: “passada a excitação inicial, estabelece-se uma confusão mental e há
irritabilidade, que deixam o sujeito mais agressivo. Por isso, denomina-se ‘fase do
leão’”.
Sono: “na sua última fase, e somente quando grandes doses são ingeridas, o agente
fica em um estado de dormência profunda, com perda do controle sobre as funções
fisiológicas. Nesta fase, conhecida como ‘fase do porco’, evidentemente, o ébrio só
pode cometer delitos omissivos”.
Espécies de Embriaguez Consequência
Embriaguez Acidental: pode decorrer de Quando completa, exclui a imputabilidade, e o agente
caso fortuito ou força maior e podem ser fica isento de pena (art. 28, § 1º, CP);
completa ou incompleta. Obs.: Neste caso o agente será absolvido e a
Caso Fortuito: o agente desconhece o absolvição será própria, diferentemente do que
caráter inebriante da substância que acontece na doença mental e no desenvolvimento
ingere ou os efeitos psicotrópicos que mental incompleto ou retardado.
provoca. Quando incompleta, não exclui a imputabilidade, mas
Força Maior: o agente é obrigado (força permite a diminuição da pena de 1/3 a 2/3, conforme o
externa que opera contra a vontade do grau de perturbação (art. 28, § 2º, CP).
agente) a ingerir a substância ou a Obs.: a ação em sua origem não foi voluntária, nem
consumir a droga culposa.
Embriaguez Não Acidental: subdivide-se Em razão da teoria da actio libera in causa (já
em voluntária (dolosa ou intencional) e comentada no início da aula), a embriaguez não
culposa. Pode ser completa, quando retira acidental jamais exclui a imputabilidade do agente, seja
totalmente a capacidade de entendimento a embriaguez voluntária, culposa, completa ou
e a vontade do agente; ou incompleta, incompleta. É a consagração da Responsabilidade
quando retira apenas parcialmente a Penal Objetiva no ordenamento jurídico penal.

143
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 208.
144
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 290. Ebook.
capacidade de entendimento e a vontade Importante: “a moderna doutrina penal não aceita a
do agente. aplicação da teoria da actio libera in causa à
embriaguez completa, voluntária ou culposa e não
preordenada, em que o sujeito não possui previsão, no
momento em que se embriaga, da prática do crime”. 145
Para ele a aplicação da mencionada teoria neste caso 195

violaria o princípio constitucional do estado de inocência


(art. 5º, LVII, da CF/88).
Embriaguez Patológica (doentia): é o Equipara-se à doença mental e exclui a imputabilidade
caso dos alcoólatras e dos dependentes quando retirar totalmente a capacidade de entender e
químicos, que se colocam em estado de de querer.
embriaguez em virtude de uma vontade
invencível de continuar a consumir a
droga.
Embriaguez Preordenada: é a Além de não excluir a imputabilidade, constitui causa
embriaguez proposital, em o agente se agravante genérica (art. 61, II, l, do CP).
embriaga para praticar o crime, ou seja, é
meio para a prática do crime.

8.4.2. Potencial Consciência da Ilicitude:

Na análise da culpabilidade não basta o reconhecimento da imputabilidade do


agente, sendo imprescindível à identificação de sua potencial consciência da ilicitude.
Entretanto, antes de prosseguir na análise que se propõe é importante distinguir a
imputabilidade enquanto capacidade de entender o caráter ilícito do fato, da potencial
consciência da ilicitude. Enquanto a primeira diz respeito a condições mentais
(biológicas e biopsicológicas), a segunda refere-se a condições culturais.
Deste modo a análise da potencial consciência da ilicitude consiste em
“perquirir se o conjunto de informações recebidas pelo agente ao longo de sua vida,
até o momento da conduta, dava-lhe condições de entender que a atitude por ele
praticada era socialmente reprovável”.146
No dizer de Bitencourt: “Não se trata de uma consciência técnico-jurídica,
formal, mas da chamada consciência profana do injusto, constituída do conhecimento

145
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 289. Ebook.
146
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 269.
da anti-socialidade, da imoralidade ou da lesividade de sua conduta. E, segundo os
penalistas, essa consciência provém das normas de cultura dos princípios morais e
éticos, enfim, dos conhecimentos adquiridos na vida em sociedade. São
conhecimentos que, no dizer de Binding, vêm naturalmente com o ar que a gente
respira”.147 196

Outra informação relevante no estudo do assunto em questão é trazida logo


no início do art. 21, do CP, bem como no art. 3º da Lei de Introdução às normas do
Direito Brasileiro (LINDB), e diz respeito ao fato de que o desconhecimento da lei é
inescusável148, o que significa que se presume que todas as pessoas minimamente
informadas têm conhecimento do disposto na lei.
Cumpre destacar, entretanto, que embora o desconhecimento da lei não
exclua a culpabilidade, é uma circunstância atenuante genérica, prevista no art. 65, II,
do CP.
Ante o exposto, não é possível alegar o desconhecimento da lei, porém, de
acordo com o caso concreto, é possível que o réu demonstre ter agido desprovido de
conhecimento (cultural) acerca do caráter ilícito do fato, ou seja, em erro. Numa
situação denominada por Welzel de “desconhecimento profano do injusto” (achar que
o errado é certo).149
Tal situação é perfeitamente exemplificada no caso narrado por André
Estefam: “Imagine um indígena, criado em tribo isolada, porém com plena capacidade
mental. Suponha que essa pessoa, ao se tornar um jovem (já com 18 anos completos),
decida conhecer um centro urbano e, tão logo chega no centro de uma grande cidade,
observa um canário no interior de uma gaiola; ao ver o animal preso, é tomado de
revolta e, na sincera crença de que age de modo correto, quebra o objeto para libertar
o pássaro. O silvícola não responderá por crime de dado (CP, art. 163), visto que
atuou acreditando (de boa-fé, portanto) estar fazendo o que era certo para a situação.
Sua atitude encontra-se em sintonia com sua cultura, com as regras de conduta que

147
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 158/9.
148
“À exceção do art. 8º da Lei de Contravenções Penais, que prevê o erro de direito como hipótese
de perdão judicial, ao dispor que, ‘no caso de ignorância ou de errada compreensão da lei, quando
escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada’, de nada adiantará o agente alegar que não sabia
que determinada conduta era tipificada como infração penal, pois há uma presunção absoluta em
sentido contrário”. Apud CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v.
1. 26. ed. São Paulo: Saraiva Jur, 2022. p. 298. Ebook.
149
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 292. Ebook.
lhe foram ensinadas durante sua experiência de vida. Pode-se dizer, então, que ele
agiu sem a menor possibilidade de conhecer o caráter ilícito do ato praticado”.150
(grifo nosso).
Assim, quando o agente interpreta equivocadamente a realidade que recai
sobre a ilicitude de seu comportamento se fala em ERRO DE PROIBIÇÃO, que está 197

disciplinado no artigo 21, CP, in verbis:

Art. 21, do CP. “O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a


ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminui-la
de um sexto a um terço”.
Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite
sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.

“Em suma, no erro de proibição, o agente pensa agir plenamente de acordo


com o ordenamento global, mas, na verdade, pratica um ilícito, em razão de
equivocada compreensão do direito. Mesmo conhecendo este, pois todos
presumivelmente o conhecem, em determinadas circunstâncias as pessoas podem
ser levadas a pensar que agem de acordo com o que o ordenamento jurídico delas
exige (acham que estão inteiramente certas)”.151
Para que a culpabilidade seja afastada diante do erro de proibição não basta
que o agente desconheça a proibição, é preciso, também, que ele careça de
possibilidade de conhecer tal ilicitude. É exatamente aqui que reside a diferença
entre “consciência atual da ilicitude” e “potencial consciência da ilicitude”. O erro de
proibição sempre impede o agente de ter consciência atual da ilicitude, mas apenas
potencial consciência da ilicitude é elemento da culpabilidade.
“Dessa forma, o que importa é investigar se o sujeito, ao praticar o crime, tinha
a possibilidade de saber que fazia algo errado ou injusto, de acordo com o meio social
que o cerca, as tradições e costumes locais, sua formação cultural, seu nível
intelectual, resistência emocional e psíquica e inúmeros outros fatores”, cuja aferição
só é possível no caso concreto.152

150
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 269.
151
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 299. Ebook.
152
Ibidem, p. 301. Ebook.
Qual a consequência da consciência da ilicitude deixar de ser atual (teoria
psicológica normativa) para ser potencial (teoria normativa pura)?
Na teoria psicológica normativa o erro de proibição também podia ser evitável
ou inevitável. O inevitável exclui consciência atual e potencial da ilicitude. Se evitável
exclui consciência atual. Nesta época só interessava a consciência atual. Mas ela era 198

excluída não importando se o erro era evitável ou inevitável. Qualquer erro excluía a
culpabilidade
Já para a teoria normativa pura o erro de proibição podia ser evitável ou
inevitável. O inevitável exclui consciência atual e potencial. Se evitável só exclui o
atual. Só o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade, porque aqui interessa o
potencial, daí se evitável não exclui a culpabilidade.
Quando a consciência era atual qualquer erro de proibição, evitável ou
inevitável excluía a culpabilidade. Adotando-se hoje a consciência potencial, somente
o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade.

Assim, a falta de consciência da ilicitude isoladamente apenas diminui a


censurabilidade da conduta, fazendo com que o agente mereça uma pena diminuída.
Como se pode perceber, a partir do que já foi dito, quando o agente age em
erro de proibição ele sabe exatamente o que faz, logo age dolosamente, entretanto
não sabe que o que faz é errado (lesivo, imoral, antissocial etc.). Ele atua acreditando
que o direito lhe autoriza a agir como tal, quando, na realidade, o proíbe.
Retomando o que já foi estudado anteriormente sobre o Erro de Proibição,
ele pode ser classificado da seguinte forma:
a) Evitável (vencível ou inescusável) e Inevitável (invencível ou escusável);
- Evitável (vencível ou inescusável): “quando, apesar da falta de
consciência da ilicitude, constata-se que o agente possuía condições de ter adquirido
tal conhecimento (seja com algum esforço de inteligência, seja com os conhecimentos
que poderia apreender a partir da vida em comunidade etc.)”.153 O erro evitável
diminui a pena de um sexto a um terço;
- Inevitável (invencível ou escusável): “quando, além de não dispor da
consciência da ilicitude, verifica-se que o agente nem sequer teria tido condições de

153
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 270.
alcançar tal compreensão”.154 O erro inevitável isenta de pena (exclui a
culpabilidade).
b) Direto, Indireto e Mandamental.
- Direto: ocorre quando a falsa percepção da realidade recai sobre a
proibição constante em um tipo penal incriminador. Exemplo dado por Roxin: “o caso 199

daquele que mantém relações sexuais com uma mulher doente mental, e não sabe,
em absoluto, ser essa conduta proibida” (estupro de vulnerável – art. 217-A, CP). O
erro direto, quanto aos efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja
vencível ou invencível;155
- Indireto: também chamado de erro de permissão, ocorre quando a falsa
percepção da realidade incide sobre uma autorização contida em uma norma
permissiva. Aqui o agente sabe que sua conduta é proibida, porém, acredita
equivocadamente, que no caso concreto existe uma excludente de ilicitude em seu
favor. É o erro de proibição oriundo de uma descriminante putativa156. O erro indireto,
quanto aos efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja vencível ou
invencível;
- Mandamental: ocorre quando se referir a um comportamento omissivo. “É
possível, nesses casos, que alguém obre em erro de proibição, ao não fazer algo na
crença sincera de que não devia agir. Como se trata de um erro referente ao
desconhecimento de uma ordem, de um mandato de ação, fala-se em erro
mandamental”.157 Exemplo: O banhista que “podendo prestar socorro à vítima que se
afogava, não o faz porque, em virtude da ausência de qualquer vínculo pessoal com
ela, acreditava não estar obrigado a isso”.158 O erro mandamental, quanto aos
efeitos, pode excluir ou diminuir a pena, conforme seja vencível ou invencível;

154
Ibidem, p. 270.
155
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 411.
156
“Na descriminante putativa por erro de proibição [erro de proibição indireto], há uma perfeita noção
da realidade, mas o agente avalia equivocadamente os limites da norma autorizadora. O agente
responderá pelo resultado com pena reduzida, se o erro for evitável, ou ficará isento de pena, se
inevitável”. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed.
São Paulo: Saraiva Jur, 2022. p. 292. Ebook.
157
ESTEFAM, André. Direito Penal: parte geral – arts. 1º a 120. v. 1. São Paulo: Saraiva Educação,
2021. p. 270/1.
158
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 413.
Distinção entre Erro de Proibição e Erro de Tipo:
No erro de tipo, o agente tem uma visão distorcida da realidade, não
vislumbrando na situação que se lhe apresenta a existência de fatos descritos no tipo
penal incriminador como elementares ou circunstâncias. O erro de tipo exclui o dolo
e, quando escusável, a culpa. 200

Já no erro de proibição, o agente conhece toda a situação fática, porém erra


sobre a injustiça do que faz. O erro de proibição exclui a consciência da ilicitude, pois
impede o agente de saber que faz algo errado, injusto etc. podendo ser causa de
exclusão da culpabilidade
Logo, as duas espécies de erros atuam em substratos diferentes do crime,
enquanto o erro de tipo incide no fato típico, mais precisamente na conduta; o erro de
proibição incide na culpabilidade.

8.4.3. Exigibilidade de Conduta Diversa:

Não é suficiente que o sujeito seja imputável e tenha cometido o fato com
possibilidade de lhe conhecer a ilicitude para que surja a reprovação social
(culpabilidade). Além dos dois primeiros elementos, exige-se que nas circunstâncias
de fato o agente tenha a possibilidade de realizar outra conduta, de acordo com o
ordenamento jurídico.
A exigibilidade de conduta diversa consiste na possibilidade de se exigir do
sujeito ativo conduta diversa daquela efetivamente praticada, ou seja, é a expectativa
social de um comportamento diferente daquele que foi adotado pelo agente. Deste
modo, só haverá exigibilidade de conduta diversa quando a coletividade podia esperar
que o agente tivesse atuado de outra maneira.
Este elemento da culpabilidade é excluído em duas hipóteses: coação
irresistível e obediência hierárquica.

Art. 22, CP. “Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita
obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é
punível o autor da coação ou da ordem”.

Tais causas de exclusão da culpabilidade fundam-se no princípio de que


só podem ser punidas as condutas que poderiam ser evitadas. No caso, a
inevitabilidade não tem força de excluir a vontade, que subsiste como força propulsora
da conduta, mas certamente a vicia, de modo a tornar incabível qualquer censura ao
agente.

a) Coação irresistível (art. 22, primeira parte, CP):


Requisitos: 201

a) Coação: de um modo geral, é compreendida como o emprego de força física ou de


grave ameaça para que alguém faça ou deixe de fazer alguma coisa. Interessa para
a exclusão da exigibilidade de conduta diversa apenas a coação moral, porque
a coação física exclui conduta. A coação moral é a promessa de realizar o mal. Não
é necessário que o mal prometido pelo coator se dirija contra o coacto. Pode se dirigir
contra outras pessoas ligadas ao coacto, como por exemplo, sua família.
b) Irresistível: é aquela coação em que o coacto não pode subtrair-se. Só lhe resta
sucumbir. Se a coação for resistível não exclui a culpabilidade, mas pode servir como
atenuante de pena.
Consequência:
Só é punível o autor da coação. É punível na condição de autor mediato.
Vamos supor que “A” coagiu irresistivelmente “B” a matar “C”, e “C” morre. “B” está
isento de pena, já “A” responde por homicídio na condição de autor mediato.
A coação irresistível tem que partir de uma pessoa ou de um grupo,
nunca da sociedade.

São espécies de coação e suas consequências:


- Coação Física vis absoluta: exclui a conduta, uma vez que elimina totalmente a
vontade. O fato passa a ser atípico. Não há qualquer conduta do agente, pois sua
vontade foi totalmente eliminada pelo emprego da força física;
- Coação Moral Irresistível: há crime, pois, mesmo sendo grave a ameaça, ainda
subsiste um resquício de vontade que mantém o fato como típico. O agente, no
entanto, não será considerado culpado. Assim, na coação moral irresistível, há fato
típico e ilícito, mas o sujeito não é considerado culpado, em face da exclusão da
exigibilidade de conduta diversa;
- Coação Moral Resistível: há crime, pois a vontade restou intangida, e o agente é
culpável, uma vez que, sendo resistível a ameaça, era exigível conduta diversa. A
coação moral resistível, entretanto, atua como uma circunstância atenuante genérica
(art. 65, III, c, primeira parte, do CP).
b) Obediência hierárquica (art. 22, segunda parte, CP):
Requisitos:
a) Um superior;
b) Um subordinado; 202

c) Uma relação de direito público entre ambos, já que o poder hierárquico é inerente
à Administração Pública, estando excluídas da hipótese de obediência hierárquica as
relações de direito privado, tais como as entre patrão e empregado;
d) Uma ordem do primeiro para o segundo;
e) Que a ordem não seja manifestamente ilegal (claramente ilegal), posto que a ordem
legal exclui a ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal;
f) Aparente legalidade da ordem.

Consequência:
Só é punível o autor da ordem, também na condição de autor mediato.

Espécies de ordem existentes e suas consequências:


- Ordem Legal: se o subordinado cumpre ordem legal, está no estrito cumprimento do
dever legal. Não pratica crime, uma vez que está acobertado por causa de exclusão
da ilicitude;
- Ordem Ilegal: se a ordem é aparentemente legal e o agente não podia perceber a
sua ilegalidade, exclui-se a exigibilidade de conduta diversa, e ele fica isento de pena;
- Ordem Manifestamente Ilegal: neste caso o subordinado deve responder pelo crime
praticado, pois não tinha como desconhecer sua ilegalidade.
Importante: Se o subordinado, por erro de proibição, supõe que a ordem é legal, não
haverá exclusão da culpabilidade, posto que o erro é evitável, constituindo mera causa
de diminuição de pena (art. 21, parte final, do CP).

O rol de excludentes da culpabilidade é um rol taxativo ou exemplificativo?


A imputabilidade tem como dirimentes: art. 26, caput, o art. 27 e o art. 28 §1º,
todos do CP, sendo este rol taxativo. Já, a potencial consciência da ilicitude só
conhece uma dirimente: o erro de proibição, logo esse rol também é taxativo. Por
último, a exigibilidade de conduta adversa tem duas dirimentes: aquela prevista no art.
22, primeira parte, e aquela prevista na segunda parte deste mesmo artigo do CP,
sendo este um rol meramente exemplificativo, posto que não há como o legislador
prevê todas as hipóteses possíveis.
Assim sendo, admite-se causas supralegais de exclusão de culpabilidade
graças ao rol exemplificativo de dirimentes da exigibilidade de conduta adversa.
São causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa 203

aquelas que, embora não previstas em lei, levam a exclusão da culpabilidade.


O STJ entende que existem outras causas de exclusão da culpabilidade além
daquelas expressamente previstas, argumentando no sentindo de que a exigibilidade
de conduta diversa é um verdadeiro princípio geral da culpabilidade. Só é culpável o
agente que se comporta ilicitamente, podendo orientar-se de modo diverso.
Exemplos de causas supralegais?
Abortamento de feto anencéfalo pela gestante, posto que dela não era exigível
conduta adversa; Legítima defesa futura e certa; Desobediência civil, no sentido de
um fato que objetiva mudar o ordenamento sendo, no final das contas, mais inovador
que destruidor. Tem como requisitos: a) desobediência fundada na proteção de
direitos fundamentais; b) dano causado pela desobediência não deve ser relevante.
Exemplo: invasões de movimento sem-terra. Para ser não culpável não pode causar
dano relevante, exemplo, matar o caseiro da fazenda.

9. Concurso de Pessoas:

9.1. Conceito, teorias e requisitos

Nucci conceitua o concurso de pessoas (concursus delinquentium) como uma


forma de cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de
uma infração penal. De acordo com o mencionado doutrinador o concurso de pessoas
é denominado, em sentido lato, de coautoria, participação, concurso de delinquentes,
concurso de agentes, cumplicidade etc.159
Concurso de pessoas significa pluralidade de agentes (coautores e partícipes)
“concorrendo, de forma relevante, para a realização do mesmo evento, com unidade
de desígnios”. Para sua configuração é indispensável que a adesão subjetiva do

159
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
338.
concorrente ocorra até a consumação do crime (se depois, haverá delito autônomo,
como por exemplo, receptação, favorecimento real etc.).160
Mirabete conceitua o concurso de pessoas como “a ciente e voluntária
participação de duas ou mais pessoas na mesma infração penal”.161
Em suma: Quando duas ou mais pessoas cooperam voluntária e 204

conscientemente para a realização da mesma infração penal, não sendo o caso de


autoria coletiva necessária (crime plurissubjetivo), caracteriza-se o concurso de
agentes, coautoria, ou, na denominação adotada pela Reforma Penal de 1984,
concurso de pessoas.
De acordo com Nucci são três as principais teorias que cuidam do concurso
de pessoas:162
a) Teoria Unitária, Monista ou Monística: havendo pluralidade de
agentes com diversidade de condutas, mas provocando-se apenas um resultado, há
somente um delito. Assim, todos aqueles que tomem parte na infração penal cometem
crime idêntico. Essa é a teoria adotada, como regra, pelo Código Penal brasileiro
(Exposição de Motivos, item 25).
b) Teoria Pluralista ou da Cumplicidade do delito distinto ou da
Autonomia da cumplicidade: havendo pluralidade de agentes, com diversidade de
condutas, ainda que provocando somente um resultado, cada agente responde por
um delito. Trata-se do chamado “delito de concurso” (vários delitos ligados por uma
relação de causalidade). De acordo com Cezar Roberto Bitencourt “a cada
participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um
resultado igualmente particular. À pluralidade de agentes corresponde a pluralidade
de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso”.163
Essa teoria é adotada pelo Código Penal brasileiro, COMO EXCEÇÃO, ao disciplinar
o crime de aborto (arts. 124 e 126); bem como ao disciplinar a corrupção ativa e
passiva (arts. 333 e 317); e a bigamia (art. 235, caput e § 1º).

160
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 417.
161
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 212.
162
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022. p.
338.
163
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: parte geral. v. 1. 16. ed. São Paulo:
Saraiva, 2011. p. 357.
c) Teoria Dualista ou Dualística: havendo pluralidade de agentes, com
diversidade de condutas, causando um só resultado, deve-se separar os coautores,
que praticam um delito, e os partícipes, que cometem outro. “Existe no crime uma
ação principal, que é a ação do autor do crime, o que executa a ação típica, e ações
secundárias, acessórias, que são as realizadas pelas pessoas que instigam ou 205

auxiliam o autor a cometer o delito. Deve-se relembrar, entretanto, que o crime é um


só fato e que, por vezes, a ação do executor é menos importante que a do partícipe
(casos de mandato, de coação resistível etc.). Ademais, a teoria [em estudo] não se
ajusta aos casos de autoria mediata [que serão estudados ainda neste roteiro]”.164
Importante!
“Embora o Código Penal tenha adotado como regra a teoria monista ou
unitária, na verdade, como bem salientou Cezar Roberto Bitencourt, ‘os parágrafos do
art. 29 aproximaram a teoria monística da teoria dualística ao determinar a
punibilidade diferenciada da participação’, razão pela qual Luiz Regis Prado aduz que
o Código Penal adotou a teoria monista de forma ‘matizada ou temperada’”.165
Segundo o art. 29, do CP quando duas ou mais pessoas se reúnem a fim de
cometer uma infração penal que, em regra, pode ser cometida por um só agente,
incidirão nas penas cominadas para a dita infração penal, na medida de sua
culpabilidade.
Assim, para se verificar se houve concurso de pessoas é preciso identificar a
presença dos seguintes requisitos:166
a) pluralidade de agentes e de condutas;
b) relevância causal de cada conduta: caso a conduta levada a feito por um
dos agentes não possua relevância para o cometimento da infração penal, devemos
desconsiderá-la e concluir que o agente não concorreu para a sua prática;
c) liame subjetivo entre os agentes: consiste no vínculo psicológico que une
os agentes para a prática da mesma infração penal. Caso não seja possível vislumbrar
o liame subjetivo entre os agentes, cada qual responderá, isoladamente, por sua
conduta;

164
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 212/3.
165
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 486.
166
Ibidem, p. 459.
d) identidade de infração penal: o que significa que os agentes, unidos pelo
liame subjetivo, devem querer praticar a mesma infração penal. “Seus esforços devem
convergir ao cometimento de determinada e escolhida infração penal”.
Conclusão: “Somente quando duas ou mais pessoas, unidas pelo liame subjetivo,
levarem a efeito condutas relevantes dirigidas ao cometimento de uma mesma 206

infração penal é que poderemos falar em concurso de pessoas”.

9.2. Espécies de concurso de pessoas: autoria, coautoria e participação

O Código Penal não define legalmente o que é autor e partícipe, logo tais
definições ficaram a cargo da doutrina, que ao longo do tempo construiu várias teorias
que revelam o quanto é polêmico o assunto.
Destaca Greco que os conceitos de autoria, coautoria e participação, antes de
serem jurídicos são conceitos inerentes ao homem, posto que na vida cotidiana são
diversas as situações em que somos autores, cooperamos ou incentivamos condutas
lícitas e/ou ilícitas.167
“Embora a lei não distinga expressamente a coautoria da participação, essa
divisão é revelada, por exemplo, no art. 62, IV, do CP, que se refere à execução (e,
portanto, à autoria ou coautoria) e à participação no crime mercenário”.168
Destacando que são modalidades ou espécies de concurso de pessoas a
coautoria e a participação. Entretanto, para falar das mencionadas modalidades de
concurso de pessoas é necessário analisar a autoria.

a) Autoria
Teoria Extensiva ou Subjetiva da Participação: para essa teoria não existe
distinção objetiva entre autores e partícipes, logo todos aqueles que, de alguma forma,
colaboram para a prática do fato, são considerados autores (autor é quem, de
qualquer modo, contribui para a realização do crime). Essa teoria busca “traçar um
critério de distinção entre autores e partícipes, valorando o elemento anímico dos
agentes. Existe uma vontade de ser autor (animus auctoris), quando o agente quer o

167
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 460.
168
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 213.
fato como próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente
deseja o fato como alheio [exercendo um papel secundário, acessório]”.169
Interessante:
O Código Penal, em sua redação original, de 1940 adotava a Teoria
Extensiva, tanto que dava ao título que tratava sobre esse assunto a denominação de 207

“Da Coautoria”.
Exemplos de aplicação dessa teoria: Esse teoria produz exemplos que revelam
sua incoerência e injustiça.170
1) Exemplo trazido por Santiago Mir Puig: um tribunal alemão condenou como
cúmplice (partícipe) o agente que causou a morte de um recém-nascido, a pedido da
mãe da criança. Como o fato foi praticado a pedido da mãe da criança e não porque
o agente queria o fato como próprio, não foi condenado como autor, mas apenas como
partícipe.
2) Exemplo trazido por Zaffaroni e Pierangeli: um tribunal alemão considerou
que um assassino profissional contratado num país estrangeiro, que fora enviado para
matar asilados croatas com uma pistola de gás venenoso, não era autor, porque não
queria o fato como seu, pois o interesse pelo resultado pertencia à potência que o
enviava.

Teoria Restritiva ou Objetiva da Participação: para essa teoria o autor seria apenas
aquele que pratica a conduta descrita no núcleo do tipo penal (verbo). Assim, todos
aqueles que, de qualquer modo, o auxiliassem, mas que não praticassem a conduta
descrita pelo verbo do tipo penal seriam tidos como partícipes.
Exemplos de aplicação dessa teoria:171
1) “Suponhamos que A e B agindo com animus furandi (dolo da subtração),
unidos pelo liame subjetivo, resolvam furtar um televisor existente na residência de C.
A tem a função de vigiar a porta de entrada da casa, bem como de transportar a res
furtiva, enquanto B nela ingressa e efetua a subtração do televisor”. Para a teoria
objetiva na sua vertente formal, como foi B quem praticou o verbo (subtrair), somente
ele seria considerado autor, sendo A partícipe de um crime de furto, uma vez que,

169
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 464.
170
Ibidem, p. 464.
171
Ibidem, p. 464.
mesmo querendo a subtração, não realizou a conduta descrita no tipo penal. Na
vertente material a teoria objetiva “distingue autor de partícipe pela maior contribuição
do primeiro na causação do resultado”.172
2) “Um médico, querendo causar a morte de seu inimigo que se encontrava
internado no hospital no qual aquele exercia suas funções, determina a uma 208

enfermeira que nele aplique uma injeção, por ele preparada, contendo um veneno
letal. A enfermeira, atendendo ao pedido levado a efeito pelo médico, aplica a injeção
e causa a morte do paciente. Como se percebe, o médico não realizou a conduta
descrita no núcleo do tipo penal do art. 121 do Código Penal. Na verdade, quem matou
alguém, por erro determinado por terceiro, foi a enfermeira. Como o médico não
praticou a conduta narrada pelo verbo do tipo, pela teoria objetiva não poderia ser
considerado autor”.173

Teoria do Domínio do Fato: essa teoria surge numa posição intermediária entre as
teorias objetiva e subjetiva, em 1939, pela cátedra de Hans Welzel. É considerada
uma teoria objetivo-subjetiva e traduz a ideia de que o autor é aquele que tem o
domínio final sobre o fato.174 De acordo com Nilo Batista, “o autor será aquele que, na
concreta realização do fato típico, consciente, o domina mediante o poder de
determinar o seu modo e, inclusive, quando possível, de interrompê-lo”. “É não só o
que executa a ação principal, o que realiza a conduta típica, como também aquele que
se utiliza de uma pessoa que não age com dolo ou culpa (autoria mediata)”.175
Afirma Alberto Silva Franco que nesta teoria “o autor não se confunde
obrigatoriamente com o executor material. Assim, o chefe de uma quadrilha de roubos
a estabelecimentos bancários, que planeja a ação delituosa, escolhe as pessoas que
devam realizá-la, distribuindo as respectivas tarefas, e ordena a concretização do
crime, contando com a fidelidade de seus comandados, não é um mero participante,
mas, sim, autor porque possui ‘o domínio final da ação’, ainda que não tome parte na
execução material do fato criminoso. Do mesmo modo, não deixa se der autor quem

172
JESUS, Damásio de. Direito Penal: parte geral. v. 1. 37. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
p. 433.
173
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 464.
174
Ibidem, p. 466.
175
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do CP. v. 1. 35.
ed. São Paulo: Atlas, 2021. p. 216.
se serve de outrem, não imputável, para a prática de fato criminoso, porque é ele que
conserva em suas mãos o comando da ação criminosa”.176
Entende boa parte da doutrina que o Código Penal após a Reforma Penal de
1984, diante da aceitação da teoria finalista da ação, passou a adotar a Teoria do
Domínio do Fato. Destaca Capez que a teoria do domínio do fato não exclui a teoria 209

restritiva, sendo, na realidade, um complemento desta.177


De acordo com Rogério Sanches Cunha entre os doutrinadores clássicos
prevalece o entendimento de que o CP após a Reforma Penal de 1984 adotou a Teoria
Restritiva, porém, entre os doutrinadores modernos e na jurisprudência predomina a
Teoria do Domínio do Fato.178
Cumpre destacar, entretanto que a preferência por uma ou outra teoria não
altera o princípio de que todos os concorrentes (autores, coautores e partícipes) estão
sujeitos à mesma pena in abstrato.

Autoria Direta e Autoria Indireta


Autor pode ser tanto aquele que executa diretamente a conduta descrita pelo
núcleo do tipo penal, ocasião em que será reconhecido como autor direto ou autor
executor; como aquele que se vale de outra pessoa, que lhe serve, na realidade, como
instrumento para a prática da infração penal, sendo chamado de autor indireto, autor
mediato ou autor de trás.
De acordo com Wessels: “autor mediato é quem comete o fato punível ‘por
meio de outra pessoa’, ou seja, realiza o tipo legal de um delito comissivo doloso de
modo tal que, ao levar a cabo a ação típica, faz com que atue para ele um
‘intermediário’ na forma de instrumento”.179
Nesses casos, o autor não é aquele que, em tais circunstâncias, executa
materialmente o crime, mas quem deles se serve para esse fim, como seu mero
instrumento ou longa manus. Trata-se de autoria mediata, em que não há concurso
de agentes.

176
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 313. Ebook.
177
Ibidem, p. 313. Ebook.
178
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 420.
179
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 438.
O Código Penal brasileiro prevê expressamente quatro casos de autoria
mediata:
1º) Erro determinado por terceiro (art. 20, § 2º);
2º) Coação moral irresistível (art. 22, primeira parte);
3º) Obediência hierárquica (art. 22, segunda parte); e 210

4º) Caso de instrumento impunível em virtude de condição ou qualidade


pessoal (art. 62, III, segunda parte).

Autoria Mediata e Crimes de Mão Própria


Crimes de mão própria são aqueles cujos tipos penais exigem além de certas
qualidades ou condições pessoais especiais do agente ativo, que este agente pratique
a conduta pessoalmente. São também chamados de crimes de atuação pessoal. São
exemplos de crimes de mão própria: art. 342, CP – somente a testemunha poderá
fazer falsa afirmação, negar ou calar a verdade praticando o crime de falso
testemunho; art. 187, CPM – somente o militar é que poderá desertar; art. 319, CP –
somente determinado funcionário público é que poderá retardar ou deixar de praticar
indevidamente ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para
satisfazer interesse ou sentimento pessoal.
Compreendido o que é crime de mão própria surge a pergunta: É possível se
falar em autoria mediata nos chamados crimes de mão própria?
Majoritariamente a doutrina não admite a autoria mediata nos crimes de mão
própria, posto que nesses crimes não é possível a transferência da execução da
conduta para ninguém. Neste sentido também já se pronunciou o STJ (REsp.
200785/SP).
Apesar disso, destaca Greco essa regra pode sofrer exceções como na
“hipótese em que a testemunha seja coagida, irresistivelmente, a prestar um
depoimento falso para beneficiar o autor da coação. Nesse caso, de acordo com a
norma constante do art. 22 do Código Penal, somente será punido o autor da coação,
sendo este, portanto, um caso de autoria mediata”.180

180
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 442.
Autor Intelectual
É o “cérebro” da atividade criminosa”, o “homem inteligente”, aquele que
“planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade”.181
De acordo com a Teoria do Domínio do Fato, ainda que o autor intelectual
não exerça qualquer função na execução do plano criminoso por ele arquitetado, será 211

considerado autor em razão da relevância de seu concurso para o sucesso da


empreitada criminosa.
Nos termos do art. 62, I, do CP, neste caso a pena será ainda agravada em
relação ao agente que promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a
atividade dos demais agentes.

Autoria Colateral, Autoria Incerta e Autoria Desconhecida


- Autoria Colateral ou Autoria Imprópria: ocorre quando dois agentes, embora
convergindo as suas condutas para a prática de determinado fato criminoso, não
atuam unidos pelo liame subjetivo. Logo não atuam em concurso de agentes, posto
que falta um dos requisitos para sua caracterização (liame subjetivo).
Exemplo clássico: A e B querem a morte de C. Por mera coincidência, os dois se
colocam de emboscada, aguardando a vítima passar. Quando avistam a presença de
C os dois atiram, no mesmo instante, sem que um soubesse da presença do outro
naquele local. A mata C, logo responderá por homicídio consumado, já B responderá
por tentativa de homicídio.
- Autoria Incerta: deriva da autoria colateral e surge quando se sabe quais são os
possíveis autores, mas não se consegue concluir, com a certeza exigida pelo Direito
Penal, quem foi o produtor do resultado. Neste caso, ambos os concorrentes autores
respondem pelo crime, porém na forma tentada.
- Autoria Desconhecida: também deriva da autoria colateral e ocorre quando não se
faz ideia de quem teria causado ou ao menos tentado praticar a infração penal. Neste
caso não é possível a imputação dos fatos a qualquer pessoa.

b) Coautoria
Na lição de Welzel “a coautoria é autoria; sua particularidade consiste em que
o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Coautor é quem possuindo as

181
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 162.
qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em
virtude disso toma parte na execução do delito”.182
“Dentro do conceito de divisão de tarefas, serão coautores todos os que
tiverem uma participação importante e necessária ao cometimento da infração, não
se exigindo que todos sejam executores, isto é, que todos pratiquem a conduta 212

descrita no núcleo do tipo”.183


Continua Greco: “Essa divisão de trabalho reforça a ideia de domínio funcional
do fato. Isso porque cada agente terá o domínio no que diz respeito à função que lhe
fora confiada pelo grupo. Com relação a essa função, que deverá ter importância na
realização da infração penal, o agente é o senhor de suas decisões, e a parte que lhe
toca terá importância no todo”.184

Coautoria e Crimes de Mão Própria


Assim como não se admite a autoria mediata nos crimes de mão própria,
também não se admite a coautoria nesses crimes. “Isso porque, por se tratar de
infrações personalíssimas, não há a possibilidade de divisão de tarefas. O delito,
portanto, só pode ser realizado pessoalmente pelo agente previsto no tipo penal”.185
Apesar disso, nada impede que ocorra concurso de partícipes. “Os partícipes,
mesmo não possuindo o domínio sobre o fato, podem, de alguma forma, concorrer
para a infração penal, induzindo, instigando ou auxiliando materialmente o autor”.186

Coautoria Sucessiva
A coautoria sucessiva ocorre quando o acordo de vontade para a realização
da empreitada criminosa se der após o início da execução. Afirma Nilo Batista que a
coautoria sucessiva pode ocorrer “não só até a simples consumação do delito, e sim
até o seu exaurimento, que Maurach chama de ‘punto final’. Dessa forma, o agente
que aderisse à empresa delituosa de extorsão (art. 158, CP) por ocasião da obtenção

182
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 467.
183
Ibidem, p. 467.
184
Ibidem, p. 467.
185
Ibidem, p. 463.
186
Ibidem, p. 463.
da indevida vantagem econômica (que está situada após a consumação, configurando
mero exaurimento) seria coautor sucessivo”.187
Destaca Greco que “quando o coautor sucessivo adere à conduta dos demais,
responderá pela infração penal que estiver em andamento, desde que todos os fatos
anteriores tenham ingressado na sua esfera de conhecimento, e desde que eles não 213

importem fatos que, por si sós, consistam em infrações mais graves já consumadas”
(por exemplo, um latrocínio).188

c) Participação
Compreende-se por partícipes todos aqueles que cooperam para a realização
de uma infração penal praticada por um autor conhecido e individualizado. Assim,
enquanto a autoria é sempre a atividade principal, a participação é sempre uma
atividade secundária, acessória.
Destaca Greco “para que se possa falar em partícipe é preciso,
necessariamente, que exista um autor do fato. Sem este, não há possibilidade
daquele, pois que, conforme determina o art. 31 do Código Penal, o ajuste, a
determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição em contrário, não são
puníveis se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado, e, como sabemos, somente
o autor pode chegar à fase do conatus (tentativa) de determinada infração penal. E,
se isso não acontece, a conduta do partícipe não poderá ser punida pelo direito
penal”.189
A participação pode ser moral ou material. Será moral nos casos de
induzimento ou determinação (quando o agente cria, incute, coloca, faz brotar a ideia
criminosa na cabeça do autor) e instigação (quando o agente se limita a reforçar,
estimular uma ideia criminosa já existente na mente do autor); ao passo que será
material quando realizada por cumplicidade através da prestação de auxílios materiais
(por exemplo: cedendo a escada para que o autor entre na casa da vítima, a fim de
subtrair coisa alheia móvel; emprestando a arma para que autor mate a vítima; etc.).
Ressaltando que a instigação levada a termo pelo partícipe deve ser dirigida
a autores e a fatos determinados. Não se admite a estimulação genérica ao

187
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 466.
188
Ibidem, p. 467.
189
Ibidem, p. 471.
cometimento de fatos não determinados. “Caso o agente venha a incitar publicamente
pessoas indeterminadas à prática de crime, não será considerado partícipe, mas, sim,
autor do delito de incitação ao crime, tipificado no art. 286 do Código Penal”.190
São quatro as teorias que buscam determinar quando aquele que exerce um
papel secundário e auxiliar na prática do fato cometido pelo autor poderá ser punido. 214

São elas:
a) Teoria da Acessoriedade Mínima: haverá participação punível a partir do
momento em que o autor já tiver realizado uma conduta típica (ainda que acobertada
por uma excludente de ilicitude). “A participação é acessória ao mínimo quando para
sua punição é suficiente que o autor principal haja concretizado um tipo penal”.191
b) Teoria da Acessoriedade Média ou Limitada: pune a participação se o
autor tiver levado a efeito uma conduta típica e ilícita. “É preciso que o autor tenha
cometido um injusto típico, mesmo que não seja culpável, para que o partícipe possa
ser penalmente responsabilizado”.192 Para a maioria da doutrina o CP adotou essa
teoria.
c) Teoria da Acessoriedade Máxima: somente haverá punição do partícipe
se o autor tiver praticado uma conduta típica, ilícita e culpável.
d) Teoria da Hiperacessoriedade: somente será punível o partícipe se o
autor tiver praticado um fato típico, ilícito, culpável e punível.
Os efeitos da desistência voluntária do autor ou do seu arrependimento
eficaz também alcançam o partícipe?
Existem autores como Nilo Batista e Esther de Figueiredo Ferraz que
entendem que “se o executor desiste voluntariamente da consumação do crime ou
impede que o resultado se produza, responderá apenas pelos atos já praticados (art.
13), beneficiando-se dessa circunstância inteiramente alheia às respectivas vontades
os vários partícipes, uma vez que a isso conduz a doutrina unitária do concurso
acolhida pelo art. 25”.193
Apesar disso, existe em discorde desse entendimento, como por exemplo
Greco, dizendo que “nas hipóteses de desistência voluntária ou de arrependimento
eficaz do autor o partícipe não será beneficiado com a regra contida no art. 15 do

190
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 475.
191
Ibidem, p. 473.
192
Ibidem, p. 473.
193
Ibidem, p. 476.
Código Penal, uma vez que, ao ser iniciada a execução, ali nasceu a possibilidade de
se punir o partícipe”.194
A participação não integra a conduta típica, portanto deve ser alcançada pela
norma de extensão prevista no art. 29, do CP. Ainda, em razão do disposto no art. 31,
do CP, que diz que “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo 215

disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo
menos, a ser tentado”, assim, não se pode falar em tentativa de participação.
É possível a participação em cadeia ou a participação de participação?
Afirma Greco que não existe qualquer impedimento para a chamada
participação em cadeia ou participação de participação, posto que em qualquer caso
de participação esta só será punível se o autor vier a praticar a infração penal para a
qual fora estimulado pelo partícipe, nos termos do art. 31, do CP.195
É possível falar em participação por omissão?
Entende majoritariamente a doutrina que é impossível a participação moral
realizada por omissão.
Exemplo: Durante uma conversa em um Bar, “M” diz a “A” que pretende matar “C”.
“A”, percebendo em “M” o firme propósito de fazer o que dizia – e intimamente de
acordo, pois também era inimigo de “C” – abstém-se de qualquer comentário, seja no
sentido de estimular o projeto, seja no de evitar o crime, que acaba concretizado.
Neste caso, o simples silêncio e o aplauso íntimo não caracterizam participação, visto
que não há, por parte de “A”, o dever legal de agir para obstar o projeto criminoso de
“M”.
“Já a participação material, contudo, pode concretizar-se numa inação do
partícipe, que, com a sua omissão, contribui para a ocorrência da infração penal.
Merece ser frisado que o partícipe que contribui para o fato auxiliando materialmente
a sua execução não pode, em qualquer hipótese, ser considerado garantidor da não-
ocorrência desse mesmo fato, pois, caso contrário, se, tendo o dever de agir para
impedir o resultado, nada faz responderá pela infração penal a título de autoria, e não
de participação”.196

194
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 477.
195
Ibidem, p. 479.
196
Ibidem, p. 481.
Exemplo: Um vultoso furto em luxuosa residência, cujos moradores estavam
ausentes, foi facilitado pela omissão do vigia, que, no momento do fato, estava em
sono letárgico, resultante de embriaguez completa, incapaz de qualquer ação para
impedir o crime. Presos os autores, esclareceu-se que o vigia, com eles
mancomunado, colocara-se voluntariamente naquele estado para justificar sua inação 216

e safa-se do caso com mera sanção trabalhista. Neste caso, o vigia é partícipe do
furto. Contratualmente obrigado a agir para evitar o delito (art. 13, § 2º, b), aderiu a
sua realização. Não lhe socorre a incapacidade de agir no momento do fato,
decorrente de embriaguez preordenada, que, ao contrário, deve agravar-lhe a pena
(art. 61, II, l).

Participação de menor importância e dolosamente distinta


Nos termos do § 1º do art. 29, do CP “se a participação for de menor
importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço”. Destaca Alberto
Silva Franco que “não se trata, no entanto, de uma redução facultativa, mas de uma
causa de diminuição obrigatória de pena, desde que fique evidenciada a contribuição
insignificante ou mínima do partícipe para a realização do fato típico. É evidente que,
nessa hipótese, o legislador entendeu que a participação de menor importância
contém em si a revelação de uma culpabilidade menos expressiva e, por isso,
autorizou a redução punitiva”.197
Analisando este dispositivo Magalhães Noronha afirma que o entendimento
dele “ficará por conta de uma jurisprudência ainda por ser construída, porém, devem
ser observados os seguintes requisitos na sua apreciação: o momento da participação
no iter criminis, a intensidade do elemento subjetivo, a natureza da cooperação diante
do resultado final e, por fim, o grau de reprovabilidade da ação”.198
Exemplo: Segundo noticiário da imprensa, entre os sequestradores de um
empresário carioca, presos pela polícia, encontrava-se uma mulher, contratada
exclusivamente para preparar a alimentação do refém, tarefa em que chegou a
merecer elogio deste. Declarou que aceitou o encargo, mediante remuneração fixada,
porque, desempregada, precisava do dinheiro. Como se vê, a mulher em nada

197
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 482.
198
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 156.
cooperou para a realização do crime, limitando-se a participação secundária, mínima,
inclusive atenuando, com sua atenção para com a vítima, as agruras do cativeiro.
Já o § 2º do art. 29, do CP dispõe que “se algum dos concorrentes quis
participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste; essa pena será
aumentada até a metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave”. 217

Esse dispositivo significa que se o participe e também o coautor (o dispositivo fala em


concorrentes, logo abrange tanto os partícipes como os coautores) tinha o seu dolo
voltado no sentido de cooperar e praticar determinado crime, não poderá responder
pelo desvio subjetivo de conduta atribuído ao autor executor.
Exemplo: “A” e “B” pretendem executar um furto em uma residência que se
encontrava temporariamente vazia. Enquanto “A” penetra na casa visada, “B”
permanece na rua, de vigia. Surpreendido por um morador, que chegara pelos fundos
“A”, que portava uma arma branca sem o conhecimento de “B”, luta com o morador, e
acaba matando-o. Ante a imprevisibilidade do evento morte para “B” e a sua intenção
de participar de um furto e não de um roubo, “B” responderá por furto e “A” por
latrocínio.

Participação Material (Cumplicidade) e Favorecimento Real


Para que se identifique se o caso concreto trata de participação material ou
de favorecimento real (art. 349, CP) é preciso saber em que momento o auxílio foi
proposto. Caso seja anterior à consumação da infração penal pretendida pelo autor,
o caso será o de cumplicidade (participação material); caso seja posterior à sua
consumação será configurado como favorecimento real.
Neste sentido aduz Pierangeli (apud GRECO): “é inegável que a doutrina
moderna já elaborou, em definitivo, uma regra de que só é possível haver participação
enquanto o injusto não se tenha executado. Terminada a execução do delito, já não
mais será possível a participação, e somente se poderá cogitar da possibilidade de
adequação de uma conduta a tipos independentes definidores de condutas de
favorecimento, como ocorre com os arts. 180, 348 e 349 do nosso Código Penal”.199

9.3 Concurso em Crimes Culposos

199
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 486.
A questão do concurso de crimes em se tratando de crimes culposos é
controversa na doutrina. Apesar disso, duas situações merecem destaque: a coautoria
em delitos culposos e a participação em delitos culposos.
A doutrina moderna vem aceitando a possibilidade de coautoria em crimes
culposos, quando duas pessoas deixam de observar, em ato conjunto, o dever 218

objetivo de cuidado que lhes cabia, produzindo um resultado lesivo com a união de
suas condutas.
Já no que se refere à possibilidade de participação em crimes culposos
entende majoritariamente a doutrina que não é possível. Contudo, Greco defende a
possibilidade da participação culposa em delito culposo, rechaçando-se, entretanto, a
participação dolosa em crime culposo.200
Por fim, cumpre destacar que em se tratando de concurso de pessoas em
crimes culposos a teoria do domínio do fato não se aplica, posto que neste delito o
agente não quer o resultado, logo não pode ter domínio final sobre algo que não
deseja. Neste caso aplica-se a teoria objetiva no seu aspecto formal. Será autor
aquele que realizar o verbo do tipo culposamente, ou seja, com imprudência,
negligência ou imperícia, e partícipe, o que tiver concorrido com culpa, sem, no
entanto, realizar o verbo do tipo.
Exemplo: “motorista imprudente atropela e mata um pedestre. Ele é o autor, pois foi
ele quem matou a vítima. O acompanhante que, ao lado, o excitava, instigando-o a
imprimir maior velocidade, é o partícipe. Convém notar que nenhum deles detinha o
domínio final do fato”.201

9.4 Homogeneidade de Elemento Subjetivo

Significa dizer que não é possível participação culposa em crime doloso, da


mesma forma em que também não é possível um crime culposo com participação
dolosa. Os coautores e os partícipes devem ter o mesmo ânimo subjetivo quando da
realização da conduta.

200
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 503.
201
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 327. Ebook.
9.5 Comunicabilidade e Incomunicabilidade de Circunstâncias e Elementares
do Crime

A incomunicabilidade das circunstâncias e condições de caráter pessoal e


suas exceções, ou seja, essa comunicabilidade está prevista no art. 30 do CP. Sua 219

análise exige que seja faça a distinção doutrinária entre circunstâncias e elementares.
a) Circunstâncias: nas palavras de Capez “são dados acessórios, não fundamentais
para a existência da figura típica, que ficam a ela agregados, com a função de
influenciar na pena. Como o próprio nome diz, apenas circundam o crime, não
integrando a sua essência. Dessa forma, sua exclusão não interfere na existência da
infração penal, mas apenas a torna mais ou menos grave. Encontram-se na Parte
Geral ou na Parte Especial, situando-se, neste último caso, nos parágrafos dos tipos
incriminadores (os chamados tipos derivados)”.202 (grifo nosso). Exemplo: se o furto é
praticado durante o repouso noturno, incide uma causa de aumento de pena de 1/3
(art. 155, § 1º, CP).
As circunstâncias podem ser de duas espécies:
- Subjetivas ou de caráter pessoal: dizem respeito ao agente e não ao fato. São elas,
exemplificativamente: os antecedentes, a personalidade, a conduta social, os motivos
do crime (quem tem motivo é o agente, e não o fato), a menoridade relativa (maior de
18 anos e menor de 21 anos), a maioridade senil (maior de setenta anos na data do
julgamento), reincidência, o parentesco do autor com o ofendido (cônjuge,
ascendente, descendente ou irmão etc.).203 Não se comunicam aos concorrentes do
crime.
Exemplo: “A” e “B” praticam furto na residência dos pais deste último, que necessitava
de dinheiro para pagar dívidas de jogo. “B” é isento de pena por força do disposto no
art. 181, II, do CP. Entretanto, a escusa pessoal absolutória não se comunica a “A”
nem elimina, em relação a este, a qualificadora do art. 155, § 4º (concurso de
pessoas), CP.
Obs.: Rogério Sanches Cunha considera como condições “as relações do agente com
a sua vida exterior, que o acompanham independentemente do cometimento ou não

202
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 327. Ebook.
203
Ibidem, p. 327. Ebook.
de crimes, como por exemplo, menoridade, reincidência, casamento, parentesco etc.”
Essas condições também não se comunicam aos concorrentes do crime.204
- Objetivas: dizem respeito ao fato e não ao agente. São elas, exemplificativamente:
o tempo do crime (se cometido à noite, de manhã, em época de festividades); o lugar
do crime (local público, ermo, de grande circulação de pessoas); o modo de execução 220

(emboscada, traição, dissimulação, surpresa); os meios empregados para a prática


do crime (mediante arma, veneno, fogo, asfixia, tortura, explosivo, meio insidioso ou
cruel); a qualidade da coisa (pequeno valor, bem público, de uso comum); a qualidade
da vítima (mulher grávida, criança, idoso, enfermo, portador de necessidades
especiais) etc.205 Comunicam-se, desde que tenham entrado na esfera de
conhecimento do concorrente do crime.
Exemplo: “Maldosa” contrata “Matador” para matar sua filha “Pureza”, de nove anos
– de cujo pai, falecido, se divorciara – como forma de receber herança. Recomenda,
com insistência, a “Matador”, que não faça sofrer a menina além do necessário.
“Matador”, entretanto, emprega meio cruel para tirar a vida da criança. A circunstância
objetiva (meio cruel), não compreendida no dolo de “Maldosa”, somente se aplica a
“Matador”; a este, de outra parte, não se estende a agravante do art. 61, II, e, segunda
figura (crime cometido contra descendente), CP (circunstância pessoal).
b) Elementares: nas palavras de Greco ao contrário das circunstâncias, “as
elementares são dados essenciais à figura típica, sem os quais ou ocorre atipicidade
absoluta, ou uma atipicidade relativa. Com a atipicidade absoluta, o fato praticado pelo
agente torna-se um indiferente penal; já os casos de atipicidade relativa nos
conduzem à chamada desclassificação”.206 Exemplo: são elementares do crime de
furto: subtrair + coisa alheia móvel + para si ou para outrem (art. 155, CP). “Sem
pessoa humana viva como objeto material não existe homicídio; sem vida intrauterina
é impossível o aborto; sem funcionário público como autor não existe crime contra a
administração pública; sem o ardil ou a fraude não há estelionato; [...] e assim por

204
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 423.
205
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 328. Ebook.
206
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte geral – arts. 1º ao 120 do Código Penal. v. 1. 24.
ed. Barueri [SP]: Atlas, 2022. p. 488.
diante. As elementares encontram-se no caput dos tipos incriminadores, que, por essa
razão, são chamados de tipos fundamentais”.207
Do mesmo modo que as circunstâncias, as elementares podem ser subjetivas
ou objetivas, conforme digam respeito ao fato ou ao agente. Comunicam-se, desde
que tenham entrado na esfera de conhecimento do concorrente do crime. O 221

conhecimento das elementares é essencial, pois caso não a conheça sua


responsabilização seria objetiva, o que não é permitido pelo Direito Penal brasileiro.
Exemplo: “A”, comerciante, induz seu amigo “B” funcionário público, a fornecer
atestado ideologicamente falso em favor de “C”. A qualidade de funcionário público é
elementar do crime previsto no art. 301, CP (certidão ou atestado ideologicamente
falso), logo “A” também responderá por esse delito em concurso com “B”.
É preciso destacar, ainda, que parte da doutrina defende a existência das
chamadas circunstâncias elementares que segundo Alberto Silva Franco, “são os
fatos ou dados, de natureza objetiva ou subjetiva, que não interferem, porque
acidentais, na configuração do tipo, destinando-se apenas a influir sobre a quantidade
de pena cominada para efeito de aumentá-la ou de diminuí-la. Algumas circunstâncias
participam, no entanto, da própria estrutura da figura criminosa e deixam, por via de
consequência, de ser acidentais para se transformarem em circunstâncias essenciais
ou elementares do tipo”. São as qualificadoras. Não são elementares, pois o crime
não deixa de existir sem elas (passaria a ser simples, em vez de qualificado), mas não
são circunstâncias comuns, posto que fixam novos patamares mínimos e máximos de
pena. Por essa razão recebem o mesmo tratamento das elementares e os parágrafos
em que se situam são chamados de tipos derivados autônomos ou independentes.208
Contrariando esse entendimento afirma Capez “que as qualificadoras são
circunstâncias como outra qualquer, pois o que interessa é que, com ou sem a sua
presença, o crime continuará existindo. [...] Ou o componente é essencial, encontra-
se no caput e será elementar, ou configurará mera circunstância, sem nenhuma
hierarquia”.209

207
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 328. Ebook.
208
Ibidem, p. 328/9. Ebook.
209
Ibidem, p. 329. Ebook.
O Infanticídio (art. 123, CP):
Parte da doutrina, adota o entendimento de Nelson Hungria, afirmando que o
estado puerperal constitui condição personalíssima, estranha à regra do art. 30, pelo
que devem os cooperadores responder por homicídio qualificado.
Apesar disso, outros doutrinadores observam que o Código Penal não 222

menciona a existência de condições personalíssimas, mas simplesmente pessoais,


logo entendem que o estado puerperal é comunicável, visto que se trata de elementar
do tipo, fazendo com que todos respondam por infanticídio. É pacífico que essa
solução, embora, teoricamente correta, conduz a um absurdo que é punir um autêntico
homicida com a pena branda do infanticídio.
Destaca Damásio Evangelista de Jesus que Nelson Hungria, na última edição
de sua obra “Comentários ao Código Penal” (1979), reconheceu que, em face do CP,
o terceiro que concorre para o infanticídio responde por este crime, e não por
homicídio.210

9.6 Casos de Impunibilidade

Os casos de impunibilidade estão previstos no art. 31, do CP, que estabelece


que só vai haver concurso de agentes se o crime for, ao menos, tentado, exceto
disposição legal em contrário, pois em certos casos, o legislador antecipa o momento
consumativo do crime, formulando tipo penal autônomo, como por exemplo, o delito
de incitação ao crime (art. 286, CP), o crime de quadrilha ou bando (art. 288, CP) e o
crime de petrechos para a falsificação de moeda (art. 291, CP).211
Capez denomina a hipótese do art. 31, do CP de participação impunível
afirmando que “são atípicos o auxílio, a instigação e o induzimento de fato que fica na
fase preparatória, sem que haja início de execução”.212
Exemplo interessante: “A”, “B”, “C” e “D” se ajustam para assaltar um carro de
transporte de valores e fazem todos os preparativos necessários. No dia marcado,
“A”, que viajara, ficou retido, no trajeto de volta, em virtude de alagamento da estrada

210
BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código Penal em exemplos práticos: parte geral. 5ª. ed.
atual. Florianópolis: OAB/SC, 2006. p. 160.
211
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal: parte geral (arts. 1º ao 120) 6. ed. Salvador:
JusPodivm, 2018. p. 423.
212
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120). v. 1. 26. ed. São Paulo:
Saraiva Jur, 2022. p. 331. Ebook.
provocado por um temporal. O roubo foi executado pelos demais, com pleno êxito.
Neste caso, “A”, mesmo tendo participado apenas dos atos preparatórios, responde
com os demais pelo crime consumado.

223

Você também pode gostar