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DIREITO PROCESSUAL PENAL

1. Introdução
Conjunto de normas jurídicas que disciplinam a aplicação do Direito Penal ao caso concreto. Estas normas
orientam e disciplinam o próprio processo.

Fases do processo penal


1. Notícia do crime – queixa/denúncia.
A primeira é feita pela própria vítima, enquanto a outra pode ter origem em terceiro.
O crime em si pode ser público ou semipúblico dependendo da gravidade da violação do bem jurídico.
Influencia a possibilidade de fazer denúncia por terceiro, visto que no crime semipúblico apenas o ofendido
ou o individuo com legitimidade para tal pode apresentar queixa, enquanto no crime público, que é alias a
regra, qualquer terceiro pode denunciar a violação do bem jurídico.
2. Fase de Inquérito
Investigação do MP em conjunto com os órgãos de polícia central. Vão ser avaliados os factos podendo
depois levar a acusação ou arquivamento da queixa/denúncia.
Eventualmente os sujeitos podem discordar de uma das decisões e requerer a abertura da instrução. Faz
parte do direito do contraditório.
3. Fase de instrução (fase facultativa)
Espécie de julgamento prévio pela forma que decorre visto ser uma fase processual com ritos de julgamento.
Será lavrado despacho de pronuncia ou não pronuncia dependendo do apuramento dos factos.
4. Julgamento (art. 144º)
Não está condicionado pelo despacho proferido na eventual fase anterior; apenas são considerados os
factos provados em julgamento. Neste campo existem: indícios suficientes e prova bastante. Apenas a última
ilide a presunção de inocência e é o único caminho para levar à condenação. Além de prova bastante, a
condenação implica o enquadramento dos factos na norma que protege o bem jurídico violado.

Crime (art. 1º/1/a) CPP)


É um facto humano de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou medida de segurança.
Idealmente, este objeto deve manter-se estável, ou seja, ser o mesmo desde o início (acusação) até ao fim
do processo (sentença).
O fim do processo é apenas um conjunto aparente de pressupostos de que depende a aplicação de uma
pena ou medida de segurança, um facto aparentemente punível.

Relação com outros ramos do direito - direito processual penal, criminologia e política
criminal
A relação sobressai com a suspensão provisória do processo – art. 281º CPP.
Os estudos da criminologia influenciam a política criminal penal e esta influencia o direito processual penal,
que por sua vez contém normas que visam prosseguir a política criminal penal. Na verdade, quem vai analisar
a realidade que é condicionada pelo direito penal e pelo direito processual penal é a criminologia – o
primeiro visa ser adequado à realidade prática, e não se configurar apenas com normas práticas.
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Direito Processual Penal
Uma das realidades que a criminologia chama à atenção é o facto de o sistema penal poder ter uma reação
perversa quando é aplicada, desfasando-se da ideia fundamental de socialização que prossegue e tendo um
efeito propriamente mais dessocializador (como de resto demonstram os estudos da criminologia), devendo
ser aplicadas as medidas e penas adequadas àquela (ressalvando também a prevenção social).
Direito penal e direito processual penal
Há uma relação de mútua complementaridade funcional entre do Direito Penal e o Direito Processual Penal,
ou seja, ambos se vão complementar e influenciar aos níveis dos dois ramos – o direito penal é o ramo
substantivo (o que é crime e as normas que se aplicam) e o direito processual penal é o ramo objetivo (como
vamos investigar esse crime, determinar o seu agente e aplicar a sanção). A concreta decisão da pena é
regulada pelo Direito Penal Executivo.
Há uma expansão do direito penal secundário, através do tratamento diversificado de certos crimes (ex.: no
crime de corrupção foram identificadas algumas dificuldades probatórias que levou a que fosse introduzidos
no direito penal um outro tipo de crime – recebimento indevido de vantagens (art. 372º CP)).

Há institutos que demostram esta relação: queixa, acusação e prescrição – têm efeitos a nível da aplicação
da lei no tempo e na integração de lacunas, sendo que o direito penal é mais permissivo do que o direito
processual penal nestes casos, visto que aquele não interfere com os direitos fundamentais.
O processo penal está ao serviço da democracia e visa a garantia dos direitos fundamentais: existe para que
se garantam os direitos fundamentais dos arguidos. Como se notará, mediante o processo penal afetar-se-
iam muito facilmente direitos fundamentais dos arguidos e daí a necessidade de se rever o direito penal
aquando de alterações notórias no sistema e regime estadual.
Direito processual penal, criminologia e política criminal
Há uma relação entre o direito processual penal, a criminologia e a política criminal: o direito processual é
incentivado pela criminologia e pelos mandatos político-criminais. Becker refere que o criminoso não é, na
verdade, quem comete os crimes, mas sim aquele a quem o estigma é aplicado com sucesso.
A criminologia reflete também sobre a vítima e sobre o efeito estigmatizador do processo penal e práticas
penais, que levou a certas soluções, como, por exemplo, a própria disposição da sala de audiências no
tribunal e a prestação de declarações por parte de algumas vítimas. A criminologia tem ainda influência na
própria criminalidade, quanto ao grau de criminalidade e quanto ao alarme coletivo, que tem consequências
em vários momentos do processo.
Quanto à política criminal, há ainda hoje uma necessidade no direito penal de se proteger os bens jurídicos
e reintegrar o agente na sociedade. Neste sentido, existem mecanismos de diversão, de modo a colocar um
fim ao processo penal (arts. 280º e 281º CPP). Além disso, tanto o arguido como a vítima devem participar
no próprio processo e na administração da justiça. A política criminal pede ao direito penal que limite os
poderes do Estado, devido à salvaguarda dos direitos, liberdades e garantias e que execute o direito de
segurança na sociedade. Consequentemente, fica implícito que os factos que são insubsumíveis integrem já
essa categoria (1º/1/j), m) e l) CPP), não devendo ser visto de forma automática, mas sim o juiz verificar se
realmente se subsumem a essas normas, ou seja, se o crime apresenta uma natureza violenta ou altamente
organizada. O tribunal só pode intervir quando:

• Solicitado por uma acusação por parte de uma entidade independente (MP)
• O próprio conteúdo dessa acusação vai delimitar os poderes e a sua própria decisão processual do
tribunal

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Direito Processual Penal
Teoria Outsiders (Becker)
Esta teoria refere-se ao sistema que produz os outsiders, quer o sistema social, quer o sistema jurídico-
formal. Dirige-se a crimes de pequena e média criminalidade.
Becker teoriza que se uma pessoa é detida num bairro perante os olhares da vizinhança, há, à partida, uma
reação de choque e de desconfiança em relação a esta. A pessoa detida começa a ser vista por maus olhos
por parte daquela comunidade, sendo que, se vier a ser julgada, essa estigmatização passa a ser maior. O
que Becker procura defender é que essa visão do individuo pode assentar de tal forma na comunidade que
esta passa a tratar a pessoa com outros modos, fazendo com que a pessoa possa entrar para o mundo do
crime por já ser vista como integrando o mesmo. Como procurar evitar este cenário?
Acontece que, na Europa, o MP tem um domínio da ação penal com pouca margem para desistir do
processo. O processo penal obriga o MP (princípio da obrigatoriedade) a abrir um inquérito – despacho de
acusação – não tendo o MP margem de ter outra decisão.
Como resposta, o movimento de diversão estabelece que, considerando as teorias da estigmatização
através da rotulagem dos indivíduos, e o modelo anglo-saxónico que procura evitar esta estigmatização, se
possa aplicar uma medida diversa para solucionar a questão penal, ou seja, procura-se evitar o julgamento
e o banco dos réus. O MP terá de ter em conta as circunstâncias específicas do processo (ex.: idade da
pessoa).
Posto isto, quanto à suspensão provisória do processo, havendo estas duas alternativas no fim do inquérito
(arguido ir ou não a julgamento), no contexto do princípio da obrigatoriedade, é uma alternativa à acusação,
isto é, quando há indícios suficientes de crime, o MP, em princípio acusa, mas pode, se se verificarem certos
requisitos, ou dispensar (art. 280º CPP) ou suspender provisoriamente (art. 281º CPP) o processo.
O art. 281º CPP é bastante relevante na prática, vindo a ser atualizado ao longo dos anos. Quando se tem
um comportamento criminoso contrário a um bem jurídico, atribui-se uma consequência que retribua com
outro bem jurídico (art. 281º CPP) – este artigo refere-se apenas a crimes com pena até 5 anos, sendo uma
forma de não afastar o arguido da sociedade. Quer a sociedade quer o arguido podem ter vantagens com
este modelo.
Permite-se com esta teoria libertar os tribunais e não estigmatizar os arguidos, através de soluções que
permitam prosseguir os fins de política criminal.

Fins do Direito Processual Penal


O fim do processo penal é averiguar se estão reunidos todos os pressupostos para se aplicar uma pena ou
medida de segurança.
Finalidades do Direito Processual Penal
O Processo Penal assenta na máxima de que nenhum responsável penal saia impune – impunitum non
relinqui facinus – e de que nenhum inocente seja condenado – innocentum non condennari. Por isto,
retiramos daqui que as finalidades do processo penal são:
• Realização da justiça e descoberta da verdade material
• Proteção dos direitos fundamentais das pessoas perante o Estado
• Restabelecimento da paz jurídica
Porém, estas finalidades, se levadas ao extremo, não são compatíveis. De uma perspetiva histórica, os
processos penais ou apontam para uma maior proteção de interesses do Estado ou para um pendor dos
direitos fundamentais das pessoas.
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Direito Processual Penal
O nosso processo penal visa a máxima proteção dos direitos fundamentais e pauta-se sempre pela dignidade
da pessoa humana. Neste sentido dá-se a nulidade de provas obtidas através de tortura (arts. 32º/8 CRP,
126º e 345º/1 CPP).
Uma das funções do Direito Penal é a reafirmação da norma violada, que se atinge através da paz jurídica.
Isto leva-nos ao trânsito em julgado – a decisão fica estável e não pode ser reaberta nem recorrida - que em
processo penal nem sempre se dá, em prol da justiça do caso (ex.: arts 270º e 449º CPP).
Como se vão compatibilizar, na prática, todas estas finalidades? Não há uma fórmula para isso. O juiz terá
de ver qual das finalidades, estando todas em jogo, é que deve prevalecer, qual demostra uma maior
necessidade de realização no caso concreto.

• Realização da justiça e da verdade material


No âmbito desta finalidade, todos os sujeitos podem promover diligencias probatórias, visto que a
realização da justiça e a procura da verdade interessa a toda à comunidade, não apenas às partes. Em termos
processuais isso traduz-se no facto de o objeto do processo ser constituído por factos trazidos por uma
diversidade de sujeitos processuais. Chega-se mesmo a permitir que provas sejam produzidas fora de prazo
se forem essenciais para a descoberta da verdade material, a verdade que a todos interessa.
Por vezes o processo penal pode decorrer simultaneamente a um eventual processo de responsabilidade
civil. O princípio da adesão estabelece que, em regra, a responsabilidade civil é tratada em paralelo com a
responsabilidade criminal.
A existência das medidas de coação visa, não prosseguir a finalidade das penas, mas o bom funcionamento
do processo, a busca da verdade material, e a tentativa de que não se ocultem provas. São, em termos
materiais, similares às penas restringindo direitos fundamentais das pessoas, exclusivamente dirigidas ao
arguido. Apesar da pessoa se presumir inocente as medidas de coação aplicam-se se houver fortes indícios
de que se cometeu o crime. Não ultrapassam a dúvida razoável, nunca é uma prova bastante, mas podem
ser de tal forma graves que é necessário que não se continue essa atividade criminosa que se iniciou.
A fase de inquérito não tem como regra o segredo de justiça; o inquérito apenas está em segredo de justiça
se o MP requerer o juiz de instrução criminal. O segredo de justiça tem de ser equilibrado com a defesa do
individuo.

• Proteção dos direitos fundamentais


O Processo Penal dá-se um ponto de vista da investigação numa lógica invasora de direitos fundamentais,
portanto deve estar em equilíbrio com os direitos do arguido, restringindo o mínimo necessário os direitos
fundamentais do mesmo em busca da proteção de outros direitos fundamentais, legitimando-se na
segurança e paz jurídica. O respeito pelos direitos fundamentais garante uma melhor verdade material,
apesar de não estarem diretamente em conflito, visto que se não forem respeitados os direitos
fundamentais do arguido, devido a tortura por exemplo, também faz com que eventualmente não se alcance
a verdade material, o que continua a pôr em causa a segurança jurídica, e por isso é importante proteger os
direitos fundamentais do arguido– art. 32º CRP.
No mesmo sentido, o art. 126º CRP proíbe determinados métodos e provas, restringindo ao consentimento
e autorização do juiz os meios de obtenção de prova - é uma conformação dos direitos fundamentais do
arguido do art. 32º CRP.
O princípio da vinculação temática limita as alterações objeto do processo, visto que é um marco elementar
do direito de defesa do arguido que deve ter conhecimento daquilo que se está a defender.

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Direito Processual Penal
• Restabelecimento da paz jurídica
É o culminar dos últimos 2 princípios, dando-se quando foi descoberta a verdade material enquanto se
garantiram os direitos fundamentais do arguido

Relevância constitucional no processo penal


Roxin refere que o Direito Processual Penal é o cimógrafo da constituição de um Estado, dependendo, por
isso, tanto a estrutura como a caracterização do processo penal do Estado. O processo penal é, portanto,
direito constitucional aplicado – Figueiredo Dias refere que, por um lado, são os alicerces de um estado e,
por outro, as resoluções de alguns problemas do processo penal – serem conformados pela constituição.

O primeiro problema legislativo que se coloca quando se forma um Código de Processo Penal é, desde logo,
político, isto porque muitos dos problemas que se colocam vão estar relacionados com o conceito de homem
nesse estado. Vão-se levantar questões básicas da função do estado de direito: a proteção dos direitos
fundamentais dos indivíduos sujeitos a processo desta natureza e a proteção dos direitos fundamentais do
conjunto dos cidadãos.

Artigos importantes:
• 27º/3: detenção
• 27º/4: dever de fundamentar
• 28º: detido tem de ser apresentado ao juiz no prazo de 48h
• 28º/2 e 4: natureza excecional da prisão preventiva, bem como o dever de comunicação da decisão
sobre medidas privativas da liberdade do nº3
• 29º/6: possibilidade de revisão de sentença e indemnização por condenação injusta
• 31º: habeas corpus

Modelos estruturais de Processo Penal


Ao longo da história foram vários os regimes adotados para o processo penal, cada um deles regido pelos
seus próprios princípios. O sistema português enquadra-se, embora não plenamente no sistema acusatório.
Modelo inquisitório

Modelo que surge durante a Idade Média com o poder fundamental da Santa Sé no direito internacional. A
Santa Sé queria reprimir as revoltas dos que contestavam o seu domínio, criando uma estrutura.

O modelo inquisitório coloca em evidência a forma como a laicidade do Estado tem uma enorme relevância
em qualquer regime político. Na Idade Média vigorava a teocentricidade, pelo que as leis políticas deviam
respeitar as leis religiosas. O processo do Santo Ofício da Inquisição favorecia a perseguição religiosa. As
regras processuais eram eficazes nesse sentido. A ação era instaurada contra certa pessoa e arbitrariamente
dependente, não obedecendo a requisitos legais.

Há uma concentração do poder de investigar, acusar e julgar numa única entidade. É um juiz acusador, na
forma de um magistrado profissional que intervém ex oficio, sem necessidade de acusação externa, que
investiga oficiosamente e com plena liberdade na recolha de provas. Procede, depois, para a pronúncia e
julga com base nas provas por si próprio recolhidas.

O arguido não é um sujeito processual, sendo meramente objeto do processo, tendo consequências
gravosas para este.

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Direito Processual Penal
A sentença não fazia caso julgado, sendo que se surgissem outras provas podia ser sempre reaberta, apesar
de, no fundo, o modelo ter surgido com o intuito de se descobrir a verdade material – perverteu-se no
paradigma de injustiça.

Características:
• Denúncia: qualquer pessoa pode denunciar um delito religioso – leva a que, enquanto, em termos atuais,
pensamos em denúncia como o momento em que se relata a prática de um crime acompanhada de
alguns indícios que sustentam a mesma, na denúncia do Santo Ofício da Inquisição a aceitação estava
dependente do arbítrio do inquisidor, ou seja, o processo começava logo na nomeação de um inquisidor
• Presunção de culpa: aceite pelo inquisidor, a denúncia impunha-se sobre o arguido a presunção de culpa,
levando, em regra, à prisão preventiva
• Advogado oficioso: da inquisição, fazendo com que não houvesse uma grande defesa, tendo como maior
objetivo convencer os arguidos a confessar os crimes
• O inquisidor está em todas as fases processuais do início ao fim do processo, havendo mais tendência a
ser parcial no fim
• Pode-se trazer novos factos ao processo a todo o tempo
• Visa a descoberta da verdade material a qualquer preço, através da confissão, que era a rainha das
provas e era, muitas vezes, obtida com a tortura
• Processo escrito, secreto e não contraditório
Modelo acusatório
No processo penal a separação de poderes passa pela diferenciação entre quem investiga e quem julga, da
mesma forma que quem acusa não é quem julga. Perante a acusação e durante todo o processo, o objeto e
os factos devem ser os mesmos, o que quer dizer que tem de haver uma identidade do objeto do processo.
O julgamento versa sobre os factos da acusação e estes mantêm-se intocáveis.
Pode-se dispor do processo, o que significa que vigora um princípio do dispositivo – implica que os
intervenientes possam negociar os termos da acusação ou pode o MP deixar de investigar o arguido.
Este modelo pretende alcançar a igualdade entre a acusação e a defesa, ficando o julgador numa situação
de independência/suprapartes. A impulso processual pertence ao ofendido, devendo este fazer a acusação,
e o processo não visa a descoberta da verdade material, mas sim da verdade processual (aquela que resulta
da atividade e confronto das partes em juízo).
Características:

• A entidade que investiga não é a que julga – separação de poderes


A investigação criminal pressupõe, desde logo, a produção de prova, pelo que para que não exista qualquer
preconceito no julgamento, e com base no princípio da imediação, o magistrado que investiga é diferente
do que julga, caso contrário seria diminuta a hipótese de absolvição em julgamento.

• O julgamento apenas versa sobre os factos da acusação


Não podem ser trazidos factos novos ao processo nesse momento. É a mais elementar garantia de defesa,
pois permite a preparação do julgamento – o arguido terá conhecimento dos factos contra si apresentados.
Modelo misto
Combina diferentes aspetos destes modelos, surgindo com as reformas do liberalismo, tendo estrutura
essencialmente acusatória, mas dividia-se em duas fases: instrução e julgamento. Na primeira, a direção está
ligada ao juiz que investiga o crime e dominava, nesta fase, o princípio do inquisitório. É uma fase escrita,

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secreta e não contraditória. A fase de julgamento é orientada pelo princípio do acusatório: o tribunal busca
a verdade, mas à luz das características do modelo do contraditório.
Modelo vigente no Processo Penal Português
Como vimos supra, o processo penal português tende na sua grande maioria para ser um processo penal
regido pelo modelo acusatório, contudo nem perto da sua plenitude. Está integrado por um princípio de
investigação, levada a cabo pelo MP (art. 32º/5 CRP), sendo julgado por um juiz (investigação e julgamento
levados a cabo por entidades diferentes. Há uma independência incontestável entre juiz e MP o que significa
que o juiz não pode ordenar ao MP que faça acusação e em que moldes a faz, apenas ordena a produção de
todos os meios de prova (art. 340º CPP).
Além disso, temos amplo leque de sujeitos processuais, tendo participação constituída na declaração do
direito, no caso concreto, sem ser, na verdade, um processo de partes – o MP não é uma parte, porque não
tem o dever de acusar, apenas de recolher provas e averiguar se acusa. É pela acusação que se define o
objeto do processo – o acusado só pode ser condenado por aquilo que conste dessa acusação (arts. 309º e
379º CPP).
Na fase de inquérito, o MP e toda a sua estrutura conferem uma natureza predominantemente inquisitória
a essa fase. Atualmente, a regra é a da publicidade desta fase, podendo ocorrer secretamente em alguns
casos (art. 86º/2 e 3 CPP) e é escrita (art. 276º CPP), sendo que o MP tem mesmo amplos poderes de
investigação (art. 267º CPP). Há uma independência incontestável entre o juiz e o MP, o que significa que o
juiz não pode ordenar ao MP que faça acusação e em que moldes a faz.
Tanto o MP como a Polícia funcionam como elementos que procuram a verdade e não forçosamente
condenar o arguido e, por isso, não são vistos como partes – a função é procurar todas as provas relevantes
que sejam ou não a desfavor do arguido, recolhendo prova quanto a circunstâncias eventualmente
justificantes ou desculpantes quanto à conduta do agente.
A defesa não tem acesso aos autos do processo e vai, nesta fase, desconhecendo os factos e provas que vão
sendo recolhidas. Também a fase de instrução é dominada pelo princípio inquisitório (289º/2 CPP).
Mas o processo penal, como vimos, rege-se pelo princípio da legalidade e por todos os outros demais, que
visam impor os limites dos toques inquisitórios do processo (ex.s: arts. 126º, 268º e 269º CPP). Tudo isto
ocorre porque o fim destas fases é alcançar a verdade material e, portanto, vigora o princípio da investigação
em força porque se quer salvaguardar o interesse público no processo penal.
Por isto diz-se que o processo penal português é na sua grande parte um modelo acusatório, contudo
coartado da plenitude pelo modelo inquisitório nestas fases em que se prosseguem interesses que justificam
tal intervenção desse modelo.

2. Lei Processual Penal e a sua aplicação


Fontes de direito processual penal
• Constituição
A CRP é uma fonte de Direito Processual Penal com particular relevância, havendo autores, como Figueiredo
Dias, que consideram o Processo Penal direito constitucional aplicado, visto que é na CRP onde se regula
mais exaustivamente as regras do Direito Processual Penal. O Direito Penal no seu todo tem muita
importância constitucional pois protege bens jurídicos fundamentais que correspondem na constituição a
direitos fundamentais; além disso, quando atua restringe direitos fundamentais e, desse modo, estamos no
nível mais constitucional possível em que é necessário um grande equilíbrio: através da restrição de direitos
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Direito Processual Penal
fundamentais procura-se proteger direitos fundamentais. Deste modo exige-se particular regulamentação
nestas matérias; além disso, se tivermos em conta o conteúdo dos preceitos da constituição ficamos com
uma ideia do que é o processo penal:
➢ Art. 18º nº 2: Princípio da proporcionalidade. É um valor fundamental dos estados democráticos:
não há direitos absolutos. Deste modo, entende-se a particular importância deste artigo no
direito penal, visto que todos os direitos fundamentais podem ser restringidos.
➢ Art. 27º nº 3: Legitima a existência do direito penal e permite que o código penal possa prever
sanções que restringem direitos fundamentais, estabelecendo expressamente essa situação de
modo a garantir a segurança. O nº 3, especificamente, estende a possibilidade de limitação da
liberdade ao decorrer do processo, de modo que o processo penal possa exercer de forma cabal
a sua busca pela verdade material, isto enquanto ainda decorre o processo penal, legitimando
medidas de coação durante a pendência do processo.
➢ Art. 27º nº 4 e 5: Estabelece o dever de fundamentar qualquer medida de privação da liberdade
e, caso essa privação esteja contra os princípios e normas da CRP o número seguinte estabelece
um dever de indemnização.
➢ Art. 28º: O nº 2 deste artigo estabelece a possibilidade de se preverem outras medidas de coação
que não a prisão preventiva, devendo essas ser menos gravosas – caráter excecional da prisão
preventiva
➢ Art. 29º nº 5: o individuo não pode ser julgado duas vezes pelo mesmo crime
➢ Art. 31º: Habeas Corpus. É uma forma de rápida libertação de alguém privado de liberdade que
o foi ilegitimamente.
➢ Art. 32º: traduz os princípios constitucionais de DPP.
▪ Desde logo, o nº1 traduz o princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa
do individuo, garantindo o direito ao recurso e englobando outras situações que o
legislador ordinário entende que o arguido pode utilizar para impugnar decisões. O
requerimento de abertura de instrução inclui-se igualmente nestas garantias. O recurso é
referido para que se estabelece um exemplo máximo dos meios que o arguido pode
utilizar para se defender.
▪ O nº 2 traduz os princípios da presunção de inocência e da celeridade processual; estes
devem equilibrar-se entre si. Para materializar o primeiro, no processo penal o ónus da
prova nunca é do arguido, visto que isso levaria a que por falta de prova o arguido fosse
condenado, o que estaria em contrariedade com a máxima do processo penal: mais vale
um culpado absolvido do que um inocente acusado.
▪ O nº 3 estabelece o direito de poder constituir advogado seja em que ato for, mesmo que
não seja obrigatório.
▪ O nº 4 estabelece o princípio da judicialização da instrução. A expressão “instrução” aqui
refere-se à ideia de instrução do código de 1908, em que todos os atos que coloquem em
causa direitos fundamentais são de competência do juiz; neste sentido se algum ato não
colocar em causa direitos fundamentais pode ser delegado. Por outro lado, num inquérito
estando em causa atos que restringem direitos fundamentais não pode o MP ser delegado
para decidir sobre tais atos – não pode ser o MP, por sua vontade única, decidir por fazer
uma busca, por exemplo. O primeiro interrogatório judicial é também feito na presença
do juiz, pois coloca-se sempre a hipótese de haver aplicação de medida de coação.
▪ O nº 5 refere a estrutura acusatória: tem de haver uma acusação e um julgamento verse
apenas sobre os factos da mesma, não podendo surgir factos novos garantindo o direito
ao contraditório.

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Direito Processual Penal

O nº 8 diz respeito aos limites da obtenção de prova. Uma prova obtida através duma das
formas referidas é nula, insanável e evocada por qualquer pessoa a qualquer momento.
As provas obtidas através de meios de abusiva intromissão na vida privada não são
permitidas exceto por intervenção do juiz ou se a própria pessoa consentir.
▪ O nº 9 traduz o princípio do juiz natural. O juiz que for competente por lei no momento
da acusação é o juiz competente para o julgamento; os juízes são aqueles que forem
definidos como competentes no momento da acusação ou pronuncia não podendo, caso
a lei mude, alterar-se com base nessa.
➢ Art. 34º: Afastam-se quaisquer intromissões nas comunicações ou domicílio, exceto em casos de
autorização social ou, no caso do domicílio especificamente, flagrante delito.
➢ Art. 219º: Debruça-se sobre o Ministério Público. Compete a este representar o estado e
defender os interesses que a lei determina. Além disso exerce a ação penal: dá-se ao MP o
dominio da ação penal, promover o processo penal e levá-lo a julgamento. Este dominio da ação
penal é orientado pelo princípio da legalidade e, nesse sentido, o MP só pode promover o
processo penal se estiverem verificados os requisitos e pressupostos duma notícia do crime.
Deste modo, o MP só pode abrir o processo se estiverem cumpridos os pressupostos, e estando
eles cumpridos é obrigado a promover a ação penal - legalidade traduzindo-se em
obrigatoriedade. Com isto não impede que possa haver uma abertura no processo penal através
de suspensão provisoria do processo ou arquivamento por dispensa de pena. Por exemplo, nos
crimes semipúblicos mantem-se o princípio da obrigatoriedade visto que se há queixa o MP é
obrigado a prosseguir com o processo, enquanto nos particulares e públicos há mais abertura,
permitindo-se mesmo a desistência de queixa nos crimes particulares – art. 116º CPP.
Outra decorrência deste artigo é o princípio da oficialidade, onde o particular tem muito dominio
e permitindo-se mesmo que a vítima, em certos crimes, não seja obrigada a compactuar e ser
incluída num processo penal, apesar de ser vítima.
Refere-se ainda a mediação penal: libertar o processo penal dos crimes semipúblicos e
particulares permitindo que as partes se conciliem. Na mediação há um mediador que potencia
a desistência de queixa com acordo jurídico que vincula as partes ao mesmo, evitando que não
sendo cumprido o acordo não se possa voltar ao processo penal, estabelecendo obrigações entre
arguido e vítima.
➢ Arts. 130º, 157º e 196º: Imunidades excecionais
• Direito internacional publico

Pode integrar o nosso ordenamento jurídico através do art. 8º CRP.


O processo penal implica a restrição de direitos fundamentais sendo fulcral para um equilíbrio entre o que
se restringe e o que se protege o regime dos arts. 17 e 18 da CRP.
NOTA: Nenhum tribunal ou juiz é obrigado a aplicar normas inconstitucionais – art. 3º nº 3 CRP.
Regras de interpretação e integração do DPP

Não podemos aplicar por analogia medida que prejudique o arguido. O art. 4º do CPP estabelece a forma
de integração de lacunas, aplicando-se normas do processo civil em situações que o processo penal não
regula.

• Princípios basilares da constituição do processo penal


➢ Princípio da garantia de todos os meios de defesa (20º/4 + 32º CRP)
➢ Princípio da presunção de inocência (32º/2 CRP)
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Direito Processual Penal
➢ Princípio da prova livre (32º/2 CRP)
➢ Princípio da jurisdição: assegura que o processo penal funcione com toda a garantia de que o
juízo formado pelo tribunal é do próprio e não parcial e dependente a motivos alheios à questão
jurídico-penal
➢ Princípio acusatório – estrutura acusatório do processo penal (32º/5 CRP)
➢ Princípio do contraditório (32º/5 CRP)
➢ Princípio do juiz natural/legal (32º/9 CRP)
➢ Princípio do ne bis in idem (29º/5): estabelece a proibição da punição múltipla pelo mesmo facto
➢ Princípio da igualdade de oportunidades
➢ Princípio da lealdade
➢ Princípio da imediação (96º/1 e 206º CRP)
➢ Princípios da legalidade, da oportunidade e da oficialidade (219º/1 CRP)
➢ Princípio da investigação para a verdade material
➢ Princípio da oralidade
➢ Princípio da suficiência (7º CPP): importa saber se o tribunal penal que conhece da ação penal é
suficiente para conhecer e apreciar também a questão prejudicial

Aplicação da lei processual penal


No tempo
A lei processual penal é alterada por necessidade de correção ou por evolução da sociedade. Acontece que
o Processo Penal é um conjunto de atos encadeados que tem uma determinada sequência e torna-se
complicado, por vezes, aplicar uma lei de imediato, visto que podem ser alterados aspetos estruturais de um
processo. Por este motivo nem sempre será possível a aplicação imediata, apesar de ser a regra, como
veremos.
O artigo 5º do CPP estabelece a regra geral: a lei processual penal é de aplicação imediata. Refere-se a
novas leis que venham alterar o CPP e não à aplicação do código em si. Na prática, a alteração do novo código
deve ser tão significativa que deve ser difícil conciliar a lei do processo pendente com a lei nova. Os atos já
julgados não vêm a sua validade prejudicada, visto que a aplicação imediata coloca em causa apenas
processos ainda pendentes.
O problema é que na prática a alteração deve ser tão significativa que será difícil conciliar a lei do processo
pendente com a lei nova. Deste modo, quando se trata de uma alteração estrutural (alterações profundas
como um novo código), a regra para os processos pendentes é da ultratividade da lei anterior – a lei nova
não se aplica imediatamente. O art. 7º do decreto preambular do DL 78/87 é o exemplo disso mesmo,
estabelecendo que o código novo apenas se aplicava aos processos instaurados a partir da data de entrada
em vigor do mesmo, não abrangendo os processos pendentes, independentemente de quando a infração
foi cometida. Assim, o art. 5º do CPP aplica-se a alterações dentro da lei existente que não sejam de uma
profundida que coloque em causa o bom decorrer do processo.
Além do já referido, o nº 2 estabelece duas exceções à aplicação imediata: quando se dê a limitação de um
direito de defesa, ou essa aplicação quebre a harmonia dos vários atos do processo, sendo esta última a
razão pela qual novos códigos não se aplicam de forma imediata. A própria lei que entra em vigor
normalmente define o regime com a qual entra em vigor, podendo revogar esta regra do artigo 5º para quele
caso concreto.

10
Direito Processual Penal
Princípio da suficiência – art. 7º CPP
Durante o processo penal pode acontecer para se conhecer da prática de um crime, seja necessário apurar
a existência de outro facto que não faz parte do crime, mas que prejudica o regime jurídico penal – questões
prejudiciais. Invoca-se um facto penal, ou não, que prejudica o regime jurídico do crime que a pessoa foi
acusada.
Ex. 1: A é acusado de subtrair coisa móvel alheia – podemos estar numa questão de A se arrogar da
propriedade da coisa.
Ex. 2: uma rapariga é acusada de cometer o crime de aborto clandestino, mas invoca que foi violada.
Para isto, temos regras. Neste princípio é requisito o tribunal penal ter suficiência para decidir as questões
incidental e a questão principal. Se a questão principal for uma questão penal, o tribunal deve perceber se
há conexão penal – dois conjuntos de factos que constituem crime, que à partida são processos autónomos,
se se verificarem as regras de conexão, poder-se-ia juntar os dois processos num só – assim, decidem-se as
duas questões e ambas as situações são reportadas como questões principais.
Ou seja, havendo conexão processual, podem os crimes se juntar num só – são ambos tratados como
questões principais. A decisão de cada um deles tem valor de caso julgado material.
Ex.: a rapariga foi acusada de aborto e alega ter sido violada. O crime principal foi causado por outro crime
(violação). Há conexão, logo, serão ambos julgado como questão principal.
Contudo, no exemplo acima, a arguida não apresenta queixa da violação, ou invoca a violação, mas tarde
demais. Aqui, há uma questão incidental que pode funcionar como causa da exclusão da ilicitude do aborto,
e, portanto, saber se a pessoa foi violada ou não prejudica (altera) a questão principal (art. 7º/1 CPP). O valor
desta questão acidental que é decidida como questão acessória não é caso julgado. O importante é perceber
se a questão é decidida como questão principal ou prejudicial/incidental.
O art. 7º/2 CPP suscita o caso de a questão incidental for uma questão não penal.
Ex.: A subtrai coisa móvel alheio e coloca-se a questão de saber quem será o proprietário.
Em princípio, mantêm-se o princípio da suficiência – o tribunal penal pode decidir a questão civil,
administrativa, etc., a menos que se verifiquem os requisitos do art. 7º/2 CPP:

• Nexo de prejudicialidade (questão tem de ser prejudicial)


• Questão não ser penal
• Não possa ser convenientemente resolvida (terá de ser uma questão complexa no domínio de outro
ramo de direito)
Se estes requisitos se verificarem, já não funciona o princípio da suficiência e considera-se o tribunal
incompetente, ficando o processo suspenso enquanto a dita questão é decidida no tribunal competente. Só
depois disso é que a questão volta para o tribunal penal e considera-se a resposta à questão caso julgado
material e decidir as restantes questões em função da decisão do outro tribunal.
Se a questão incidental for resolvida por outra questão penal, será sempre considerada a decisão caso
julgado.
Natureza dos crimes
É importante relembrar a classificação de crimes como públicos, semipúblicos ou particulares – há
diferenças no que toca à própria instauração do processo pelo MP o que vai influenciar e excecionar o

11
Direito Processual Penal
princípio da oficialidade, pelo qual o MP deve impulsionar obrigatoriamente, perante a notícia de um crime,
a ação penal.
Crimes públicos
Aqueles cujo procedimento está apenas dependente da notícia pelas autoridades judiciárias ou policiais,
bem como a denúncia facultativa de qualquer pessoa. As entidades policiais e funcionários públicos são
obrigados a denunciar os crimes de que tenham conhecimento no exercício de funções. Nestes, o processo
corre mesmo contra a vontade do titular dos interesses ofendidos, porque se entende que os interesses
ofendidos não são principalmente aqueles do ofendido, mas sim os tais interesses da sociedade.
Aqui, o princípio da oficialidade entra em grande força e na sua plenitude, visto que o processo penal apenas
depende do MP.
Crimes semipúblicos
Aqueles cujo processo penal não pode ser impulsionado sem que a pessoa (com legitimidade para tal) faça
queixa à autoridade competente para tal. As entidades policiais e funcionários públicos são igualmente
obrigados a denunciar esses crimes, sem embargo de se tornar necessário que os titulares do direito de
queixa exerçam tempestivamente o respetivo direito sem o qual não se abrirá inquérito (arts. 49º CPP e 113º
CP).
É admissível a desistência da queixa (art. 51º CPP).
Crimes particulares
Aqueles cujo procedimento depende da prévia constituição como assistente da pessoa com legitimidade
para tal (art. 50º/1 CPP) e da oportuna dedução da acusação particular por essa pessoa. Os mais comuns são
os crimes contra a honra (injúria e difamação, bem como alguns crimes contra a propriedade entre pessoas
com laços de parentesco próximo).
O que em bom rigor ocorre é uma queixa – semelhança quanto aos crimes semipúblicos. Contudo, nestes
crimes particulares a acusação é feita pelo particular e não é já da competência do MP (art. 50º/2 CPP), onde
se vê que o MP tem uma função mais complementar e supletiva do que propriamente principal. Para isto, o
ofendido deve constituir-se como assistente e, apesar de ir atuar pelo seu advogado, ele é que é o sujeito
processual, tendo um ónus (direito que exerce se pretender – exerce, mas não é obrigado a tal).
Não ia o legislador deixar à arbitrariedade a classificação dos crimes e, portanto, temos de ir ao Código Penal
para entender se o crime é público, semipúblico ou particular. Assim, se o tipo legal de crime for omisso,
então o crime é público. Quando se disser que o procedimento criminal depende de queixa, então este é um
crime semipúblico. Quando se disser que, para além da queixa, depende de acusação particular, então o
crime é particular.

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Direito Processual Penal
3. Sujeitos processuais
No processo penal participam várias pessoas e nem todas são sujeitos processuais. O critério de distinção
entre estes e meros participantes, segundo Figueiredo Dias, é que os sujeitos processuais são aqueles que
participando no processo tomam decisões que conformam a concreta tramitação, apesar de não tomarem
decisões que definam esta tramitação. Todos aqueles atos que definem a evolução do inquérito em vista da
decisão apenas são praticados pelo MP, juiz de instrução, arguido e assistente.
Os sujeitos processuais são:

• Tribunais
• Ministério Público
• Arguido
• Vítima
• Algumas partes civis
O CPP prevê o princípio da adesão que, de grosso modo, significa que quando do crime que é objeto do
processo resultam danos civis suscetíveis de desencadearem responsabilidade civil, em regra, a questão da
responsabilidade civil é decidida no processo penal de forma autónoma. Aproveita-se a prova do processo
civil, mas são avaliadas autonomamente e podem dar valoração e convicção diferente aos magistrados.

Tribunais
Competência
Mediante a fase processual em causa o tribunal competente altera-se – arts. 11º nº 3/b), 11º nº 4/b) e 12º
nº 3/b) CP.
O STJ faz parte da competência material, porque quando falamos de competência material normalmente
falamos do objeto do processo e esse determina os tribunais competentes consoante os crimes
evidenciados. Mas também há a competência material dos tribunais dependendo da qualidade do arguido
– se exerce cargos políticos ou mesmo se é magistrado. O art. 11º nº 3/a) CPP distingue as personalidades
políticas que são julgados pelo STJ caso cometam crimes no exercício de funções. Quanto aos magistrados o
art. 11º nº4/a) CPP estabelece que o STJ julga os crimes cometidos por juízes e magistrados no MP que
exerçam funções nas relações; no TR são julgados os juízes de 1ª instância – art. 12º nº 3/a) CPP.
Espécies
Quantos mais decisores tivermos no tribunal maior garantias haverá por parte do arguido, e os juízes
fiscalizam-se uns aos outros. Existem por isso 3 espécies de tribunal que se distinguem pela sua composição:

• Tribunal de júri
Composto por 3 juízes e 4 jurados que devem conter certos requisitos. Este tribunal, por ter de ser requerido,
o tribunal coletivo acaba por julgar grande parte dos crimes com limite superior a 8 anos.

• Tribunal coletivo
Composto por 2 juízes.

• Tribunal singular
Composto por 1 juiz.

13
Direito Processual Penal
A tendência é que quanto mais grave o crime maior é o coletivo de julgadores: critério quantitativo. Se os
crimes tiverem uma pena máxima superior a 8 anos pode o tribunal competente ser de júri, tendo de ser
requerido. Se os crimes forem superiores a 5 anos são julgados em tribunal coletivo. Se for até 5 anos
(inclusive) a regra é o tribunal singular. Temos um critério que coloca até 3 patamares.
No art. 14º nº 2/a) CPP, referente ao tribunal coletivo, prevêem-se os crimes de sangue, portanto se
estivermos perante homicídio privilegiado, que está também previsto no art. 16º CPP, aplicamos a norma
especial, o 14º nº 2/a) CPP.
O critério quantitativo (nº 2) normalmente choca com o critério qualitativo (nº 1) – art. 13º CPP. Quando o
critério é qualitativo o legislador refere-se diretamente aos crimes - são competentes do coletivo ou do júri,
se houver requerimento para o júri. Esta competência prevalece sempre face a uma competência do critério
quantitativo: se pelo crime o tribunal competente fosse o singular pelo critério quantitativo, se não fosse
superior a 5 anos, o tribunal competente por este critério seria o de coletivo ou júri, prevalecendo assim o
critério qualitativo sobre o quantitativo.
No art. 14º CPP temos o mesmo critério qualitativo. O nº 2 estabelece também os dois critérios: o
qualitativo, porque refere como competente o tribunal coletivo para crimes dolosos ou agravados pelo
resultado nos crimes de sangue (morte de uma pessoa). Não esta incluído o homicídio negligente neste
critério. Só depois vem o critério quantitativo.
NOTA: quanto estivermos perante conexão de processos o tribunal competente é o de hierarquia mais
elevada consoante os critérios do art. 13º CPP – art. 27º CPP
No art. 16º CPP refere-se os crimes que por lei não cabem nos tribunais de júri e coletivo. O nº 1 refere-se
a crimes cuja pena aplicável é apenas a pena de multa. Compete, também, julgar os crimes dos arts. 347º a
350º CP (art. 16º nº 2/b)) mesmo que a pena seja superior a 5 anos – prevalência do critério qualitativo sobre
o critério quantitativo. Os tribunais de júri e coletivo julgam os crimes são dos arts. 308º a 346º e 240º a
246º CP.
O nº 3 do art. 16º CPP refere que nos casos de crimes punidos com pena superior a 5 anos, o tribunal singular
é competente quando o MP na acusação ou em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento
do concurso, considerar que não deve ser aplicada pena superior a 5 anos. Procura ultrapassar situações em
que crimes com pena máxima superior a 5 anos, mas que é demasiado para a economia processual ocupar
o tribunal coletivo (por exemplo, se para roubar o radio de um carro partir um vidro já é considerado furto
qualificado porque preenche a norma do art. 204º CP, mas raramente os arguidos eram punidos com pena
superior a 5 anos).
A competência territorial – art. 19º CPP
Normalmente o tribunal competente será o do local do crime. Os critérios que o legislador segue para
estabelecer a competência é o do lugar onde foi praticado o facto quando o crime foi consumado nesse
mesmo local. Desse modo percebe-se a competência nesse local visto que foi onde o bem jurídico foi negado.
Importa que a área do tribunal seja onde a prova se possa fazer de forma mais fácil. Deste modo no caso do
homicídio pode a consumação ocorrer num local distante, o que dificultaria depois a produção da prova.
Assim o legislador tem os dois critérios e por este motivo a exceção do nº 2 - refere-se a qualquer tipo de
homicídio. Nos termos do nº 2 será competente o tribunal do local onde o agente atuou.
Quanto ao nº 3 foca-se na ideia da consumação dos crimes permanentes ou continuados. Eles vão-se
prolongado ao longo do tempo.

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Direito Processual Penal
• Dentro duma sucessão de consumações o tribunal competente é o do último ato de execução que e
onde se considera consumado o crime.
• Se o crime não se consumar o tribunal competente é o do local da execução – nº 4.
• Se for mais do que um é o da última execução.
• Se estivermos num caso de omissão o tribunal competente é o do local onde devia ter atuado.
• Nos crimes de localização duvidosa ou desconhecida utiliza-se o critério da notícia do crime
Os arts. 20 a 22º CPP são situações especificas e o legislador nestes casos tenta respeitar a logica da
consumação e, portanto, utiliza o critério do destino quando o crime é praticado numa viagem.
Competência por conexão – art. 24º CPP
Se surgir, no processo penal, uma questão que se levanta uma conexão entre processos interligados.
Os critérios para esta conexão apresentam-se no art. 24º CPP:

• A alínea a) refere-se ao concurso efetivo de crimes


• A alínea b) estabelece que se o mesmo agente cometer vários crimes na mesma ocasião ou lugar e
haja uma conexão entre os crimes, sendo realizados em razão dos outros – matar pessoas que é
testemunha de um crime. há uma unidade logica e cronológica na realização dos crimes – são causa
e efeito uns dos outros.
• A alínea d) dá o critério subjetivo e objetivo. Dá-se quando há comparticipação e crimes em
consequência um dos outros.
• A alínea f) é recente. O crime imputa-se tanto à pessoa coletiva como a pessoa singular que cometeu
o facto. Consideramos que na pessoa coletiva contém dois “eu” no que toca aos líderes em nome da
empresa e temos, por isso, dois arguidos. A responsabilidade poderá ser cumulativa.
Quando existe a conexão temos mais do que um crime e necessário perceber como se determina a
competência. Quer no material quer territorial tem de ser feita apurando primeiro qual o tribunal
competente para cada um dos crimes (art. 28º CPP).
Para definirmos a competência por conexão: imaginemos A que tentou matar B em Vila Nova de Gaia e
atingiu outra em espinho como exemplo.
Temos de ver qual o tribunal competente para cada um dos crimes primeiro de tudo. Para a tentativa, não
é crime de sangue, mas é competente o tribunal da área de execução, em termos de competência territorial
– é o tribunal de vila nova de gaia. O resultado dá-se em espinho, para o homicídio é competente o tribunal
de Espinho.
Na competência material, a tentativa tem pena superior a 5 anos, portanto é competente o tribunal coletivo.
Quanto ao homicídio negligente é competente o tribunal singular – art. 16º nº 2/b) CPP.
Depois disto, aferimos a luz do art. 27º CPP a competência para os crimes conexos. No caso, os tribunais
seriam de diferente espécie, um singular e um coletivo, é competente o tribunal da espécie mais elevada na
primeira instância. É aquele que tem maior número de julgadores: no exemplo dado é o tribunal coletivo
por ser de espécie mais elevada. Será competente para julgar a tentativa e o homicídio negligente.
Quanto a competência territorial à tentativa seria no local de execução – 19º nº 1 CPP – portanto Vila Nova
de Gaia. Quando ao homicídio negligente pelo 19º nº 2 CPP seria espinho (seriam ambos em espinho). Nos
termos do art. 28º CPP se os crimes devessem ser julgados em tribunais diferentes será competente o
tribunal da pena mais grave.

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Direito Processual Penal
Se mudarmos o exemplo para uma pessoa que comete furto qualificado nos termos do art. 204º nº 1/a)
CPP, a pena máxima é 5 anos. Ao mesmo tempo, quando saiu do local, ia ser capturado por um cidadão e
comete uma ofensa simples para fugir. Podem ser conexionados porque um foi efeito do outro.
Quanto à competência material: ao primeiro é competente o tribunal singular porque vai até 5 anos; para
a ofensa simples é competente o tribunal singular pois tem pena máxima até 3 anos. Porém o art. 27º CPP
diz que se aplica o de espécie mais elevada. Deduz-se que se forem tribunais da mesma espécie aplica-se
esse: singular. Porém a norma do art. 14º nº2/b) CPP restringe a interpretação do art. 27 CPP: mesmo que
haja vários crimes cuja pena máxima seja inferior a 5 anos, o conjunto dos crimes tem pena máxima superior
a 5 anos. Neste caso prático de furto qualificado e ofensa a integridade física simples é competente o tribunal
coletivo, determinada pelo art. 14º nº 2 CPP. Em suma, se os tribunais forem da mesma espécie aplicamos
o art. 14º CPP.

Ministério Publico
O MP é uma magistratura autónoma (Lei 60/98, de 27 de agosto e art.219º/2 CRP) organizada
hierarquicamente, gozando, por isso, de independência face aos demais órgãos judiciais. O art.219º CRP
prevê as competências gerais do MP, prevendo no nº 1 o princípio da oficialidade, onde o MP terá o domínio
da ação penal devendo promover a ação penal perante a notícia de um crime – arts. 48º e seguintes CPP.
Por norma não é uma entidade oficial estadual que dá impulso ao processo, contudo por causa de todos os
motivos que falámos em tempo oportuno aqui é. Na família romano-germânica tem-se este domínio como
uma ação vinculada, ou seja, este princípio da oficialidade rege-se pelo princípio da legalidade, como se
pode ler por aquele artigo. Isto não quer dizer que a lei não pode conferir alguma liberdade de decisão ao
MP, pelo contrário, o que se quer é que pelo menos haja critérios objetivamente e abstratamente definidos
pelos quais se orientará o MP. Por isto se diz que o MP tem, nesta matéria, uma liberdade tendencialmente
fechada. Assim, o art.262º/2 CPP diz-nos que perante a notícia de um crime o MP deve promover a ação
penal, contudo os critérios interpretativos da notícia do crime já são mais livres e do domínio do MP. Por
isto o princípio da legalidade analisasse também numa perspetiva de obrigatoriedade que o MP tem.
Figueiredo Dias entende que o princípio da obrigatoriedade se encontra na mesma presente, pois sempre
que existir noticia do crime por pessoa com legitimidade para o fazer, está sempre o MP obrigado a abrir
inquérito. Entendendo que se ressalva os crimes semipúblicos e particulares neste artigo como restrições ao
princípio da oficialidade, estas exceções a que se refere o artigo não afastam o princípio da obrigatoriedade.
Mas este impulso processual a que o MP está adstrito está restringido. Dão-se estas situações quando
estamos face a crimes semipúblicos e particulares (arts. 49º, 50º e 51º CPP). Pelo art. 50º CPP os crimes
dependentes de queixa do particular é necessário que os particulares se queixem efetivamente. Essa queixa
é igual nos particulares e semipúblicos. A diferença é que nos particulares deve requerer em 10 dias a
constituição de assistente e se não o fizer entende-se em alguma doutrina que preclude o direito de queixa.
Sem assistente não há processo visto que este tem particular dominio visto que cabe a este decidir se há ou
não acusação, apesar de o MP investigar na mesma; no fim da investigação nota ao assistente os resultados
e este decide se há acusação ou não, se tiver indícios suficientes o assistente acusa e o MP acusa também
secundando, seguindo a acusação do assistente no que diz respeito aos indícios suficientes da prática do
crime, o objeto tem de ser o mesmo.
A legalidade vista pela perspetiva da obrigatoriedade tem, também, restrições. Veja-se que o exemplo do
MP que tem a possibilidade de suspender o processo (art.281º CPP) e onde pode definir que o arguido caso
pratique certos comportamentos e então o MP arquiva o processo, mesmo havendo o preenchimento de
normas legais que levariam à prossecução processual. Era a designada caução por bom comportamento e

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Direito Processual Penal
temos já o princípio da legalidade a operar numa vertente de oportunidade, porque o MP tem certa
liberdade para definir se acusa ou não, seja por motivos de política criminal, etc.
O art.53º CPP prevê as atribuições do MP. A colaboração com o tribunal na descoberta da verdade material
e no cumprimento do direito (art.53º/1 CPP); a atribuição de receção de denúncias, queixas, etc e dar-lhes
o seguimento (art.53º/2/a) CPP); dirigir o inquérito (art.53º/2/b) CPP); formular e apresentar a acusação e
sustentá-la (art.53º/2/c) CPP); interpor recursos (art.53º/2/d) CPP); promover a execução das penas e das
medidas de segurança (art.53º/2/e) CPP).
No fim da instrução temos verdadeira exceção à obrigatoriedade: arquivamento por dispensa de pena e a
suspensão provisoria do processo – arts. 280º e 282º CPP. Estes dois institutos permitem que o MP perante
indícios de prática do crime não acuse, o que revela uma verdadeira exceção, seguindo uma forma
alternativa de solucionar o caso penal – solução de diversão. Em relação a esta questão não leva a sentença
condenatória nem absolutória, mas sim arquivamento ou dispensa de pena.
Órgãos de polícia criminal
O art.1º/1/c) CPP prevê a noção de órgãos de polícia criminal: são entidades e agentes policiais a quem cabe
a prática dos atos ordenados por uma autoridade judiciária (por norma, o MP). O art.3º/1 da Lei de
Organização da Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008) prevê que genericamente são órgãos de polícia
criminal a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública.
Os órgãos de polícia criminal estão abordados nos arts.55º e 56º e 270º CPP e atuam como delegados do
MP havendo entre o MP e estes órgãos uma relação de dependência funcional e, assim, os órgãos de polícia
criminal prosseguem a investigação e as diligências relativas ao inquérito, mas sempre sob a égide do MP.
Perante isto, dado que os atos são primeiramente competência da autoridade judiciária então a ajuda destes
órgãos enquanto coadjutores deve ser prestada nos termos que a autoridade, enquanto coadjuvado,
indique. Não se pode falar aqui de uma relação hierárquica, sendo que o MP seria superior hierárquico dos
órgãos de polícia criminal, aliás é mesmo isso que se pretende distinguir imediatamente. Estamos aqui
perante apenas o concreto exercício da função processual em que o órgão de polícia entra a coadjuvar as
autoridades judiciárias, sendo como auxiliares.
Para além do art.56º CPP prever isto, o art.2º/4 e 5 da Lei 49/2008 regulam esta questão, clarificando ainda
mais esta relação de dependência funcional aliada à autonomia técnico-tática dos órgãos de polícia criminal.
Estes órgãos de polícia criminal têm a autonomia técnica para usar dos conhecimentos e métodos de que
detêm para agir e, têm ainda, autonomia tática que consiste na escolha de tempo, lugar e modo para praticar
os atos correspondentes ao exercício das atribuições que lhes são conferidos, tanto pela lei como pelas
autoridades judiciárias (arts.2º/6 e 7 daquela Lei).
Esta competência conjugada com o MP inicia-se, desde logo, pelo art.55º/1 e art.9º/2 CPP, pelos quais estes
órgãos entram para coadjuvar as autoridades judiciárias na prossecução das finalidades do processo.
Concretiza-se, ainda, pelo art.202º/3 CRP o qual refere o tal direito à coadjuvação. Pelo art. 55º/2 CPP
alcança-se o mesmo propósito, ou seja, mediante aquelas atribuições conferidas aos órgãos de polícia
criminal visa-se igualmente a prossecução mais eficaz, eficiente e célere do processo. O art. 270º CPP
concretiza ainda mais esta relação e capacidade destes órgãos, e deve notar-se ainda que no sistema
processual penal português a investigação criminal não é autónoma das fases processuais em que se integra
(inquérito e instrução) e, por isso, a sua direção compete à autoridade judiciária a quem a lei atribui o
domínio e a responsabilidade por cada uma daquelas fases do processo.

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Direito Processual Penal
Arguido
O art. 57º CPP estipula a qualidade de arguido, referido que esta é assumida por todo aquele contra quem
for deduzida uma acusação ou requerida instrução num processo penal. Apesar disto, a regra não é a da
constituição automática - art.58º CP.
O art.58º/1/a) CPP inicia-se logo por dizer que ao correr inquérito contra pessoa determinada e sobre a qual
recai uma suspeita fundada da prática de um crime e ao prestar declarações este suspeito perante
autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal então é obrigatório que este suspeito seja constituído
como arguido.
O mesmo se pode dizer no art.58º/1/b) CPP onde é obrigatório que seja constituído como arguido a pessoa
a quem seja aplicada medida de coação ou que preste uma garantia patrimonial (seja para se evitar a fuga,
evitar a continuidade criminosa ou para evitar a destruição de prova), salvo o art.192º/3 e 5 CPP, até porque
a aplicação de alguma daquelas medidas exige que esteja constituído como arguido o sujeito a quem se
aplica a medida.
O art.58º/1/c) CPP refere que cajo haja a detenção de suspeito, nos termos dos arts.254º a 261º CPP, ou
apenas que seja levantado auto de notícia que dê um sujeito como agente criminoso e aquele auto lhe for
comunicado (art.58º/1/d) CPP) então deve ser este sujeito obrigatoriamente constituído como arguido,
salvo se tal notícia for manifestamente infundada.
O art.59º CPP estipula também outros casos em que se deve constituir alguém como arguido:

• se durante uma inquirição feita a alguém que não seja o arguido e se dessa inquirição se retirar a
fundada suspeita de que o inquirido é agente do crime
• se alguém que ainda não é arguido, mas sobre quem recai uma suspeita de ser agente criminoso tem
o direito de ser constituído como arguido quando assim o requeira e desde que estejam a ser
efetuadas diligências que afetem pessoalmente o suspeito e que visem precisamente comprovar a
imputação de tal suspeito (art.59º/2 CPP).
O art.58º/2 CPP estipula a forma como é constituído alguém como arguido. Assim, para tanto, é necessário
que seja comunicado ao sujeito que é constituído arguido por uma autoridade judiciária (MP) ou por órgão
de polícia criminal que este é, a partir do momento da comunicação, considerado como arguido em processo
penal indicado e, ainda, ser-lhe indicados os direitos e deveres a que está adstrito enquanto arguido que é,
nos termos do art.61º CPP. Se a constituição de arguido for feita por OPC então no prazo de 10 dias deve
este OPC comunicar tal constituição ao MP e este, noutros 10 dias após receber aquela comunicação, validar
ou não tal constituição (art.58º/3 CPP). A violação destes dispostos pode implicar que as declarações que
este sujeito preste não possam ser utilizadas como meio de prova (art.58º/5 CPP), não obstante caso o MP
não valide tal constituição de arguido pelo art.58º/3 CPP e as provas já obtidas não serão prejudicadas
(art.58º/6 CPP).
Quanto aos direitos do arguido, como já dissemos, estes estão elencados no art.61º/1 CPP e os seus deveres
estão elencados no art.61º/3 CPP. Destaca-se o direito do art.61º/1/d) CPP que estipula o direito ao silêncio
e que emana do direito à não autoincriminação, onde do próprio silêncio não se pode fundamentar provas;
contudo se a prova feita alcançar o caráter de prova bastante ou até prova plena então como será óbvio o
silêncio do arguido não abona muito a seu favor visto que o silêncio também não destrói as provas. Na alínea
c) encontramos o direito a informação antes de prestar declarações a qualquer entidade, tendo este direito
particular relevância nos processos em segredo de justiça, que impede a consulta dos processos o que, no
entanto, no âmbito deste direito permite que o arguido tenha o direito a ser informado estritamente de atos
processuais que possam ter influência perante declarações que vai prestar. Por sua vez os deveres do
18
Direito Processual Penal
arguido, pautados no art.61º/3 CPP, passam pela obrigação da comparência presencial perante as
autoridades judiciárias ou OPCs quando a lei assim o exija e para tal efeito seja devidamente convocado,
pela obrigação de não mentir quanto à identidade, sob pena de incorrer no crime de falsidade de
depoimento ou declaração, do art.359º/2 CP, prestar termo de identidade e residência e ainda sujeitar-se
às diligências probatórias, medidas de coação e afins na lei previstas e que sejam ordenadas e executadas
por entidade competente para o efeito.

Defensor
Como se retira do art.61º/1/e) e f) e do 62º/1 CPP é direito do arguido constituir, defensor. Pode ser feita
pelo próprio arguido ou pode ser feita oficiosamente - arts.61º/1/e), do 64º/2 e 66º CPP.
Por vezes, para a prática de certos atos a lei impera que o arguido constitua advogado, como se pode retirar
do art. 64º CPP. Quando o assim é não só se trata aqui de um direito ao advogado, mas também de um dever
seu. Quando o ato é obrigatório e o ato é praticado então está ferido este ato de nulidade insanável nos
termos do art.119º/c) CPP. Quer isto dizer que o advogado não tem de estar constituído à altura da
constituição do arguido, contudo ele tem de estar ou ser constituído para a prática dos atos obrigatórios.
Quanto à tempestividade de tal constituição a lei não prevê uma regra, mais, deixa ao arbítrio como já
dissemos dado que o art.62º/1 CPP diz que a constituição de defensor pode ser em qualquer altura do
processo.
Se no mesmo processo tivermos vários arguidos e se isso não contrariar a sua defesa então todos aqueles
podem mesmo ser assistidos por um só defensor, segundo o art.65º CPP.
O defensor pugna sempre pelos interesses do arguido e, por isso, goza dos direitos que ao arguido cabem,
salvo os que sejam pessoalmente adstritos à pessoa do arguido (art.63º/1 CPP). Pelo art.63º/2 CPP sabemos
que o arguido pode retirar a eficácia aos atos que o defensor leve avante em nome do arguido, mas para
tanto deve ser feita declaração expressa nesse sentido atempadamente, ou seja antes de emissão da decisão
quanto ao ato praticado a que se quer retirar eficácia.
Importa fazer notar à partida que não se pode dizer que é o defensor que pratica o ato. O ato é sempre
praticado pelo arguido, não obstante ser apenas e só por intermédio do seu defensor.

O assistente
O ofendido tornar-se um sujeito processual aquando da sua constituição como assistente (art.68º/1/a) CPP).
Só com a constituição dos sujeitos elencados no art.68º CPP é que estes adquirem, lá está, a posição de
sujeito processual e alcançam a possibilidade de gozar de certos direitos e poderes capazes de influenciar o
processo, sendo o assistente sempre representado por um advogado (art.70º/1 CPP).
Os assistentes têm a sua posição definida pelo art.69º/1 CPP e, por ali, são como colaboradores do MP. O
art.69º/2 CPP esclarece os poderes que o assistente tem, conseguindo condicionar a atividade do MP, por
um lado, e fiscalizá-la, pelo outro. O assistente tem o direito de intervir nas fases de inquérito e de instrução
e pode oferecer provas e requerer as diligências que afigure como necessárias, contudo não pode ele mesmo
praticar atos de investigação (art.69º/2/a) CPP). Pode ainda deduzir acusação distintamente à posição do
MP, ou seja, pode deduzir uma acusação diversa daquela que deduz o MP, mas, e ainda, se o crime for
particular e exigir, por isso, acusação particular (art.50º/1 CPP) então se o MP optar por não deduzir acusação
pode o assistente deduzi-la até porque, aliás, o procedimento está dependente é da acusação particular
(art.69º/1/b) CPP e arts.284ºss CPP). Tem ainda o direito a interpor recurso das decisões que afetem o
assistente, independentemente da posição do MP, e pode mesmo, para tanto, aceder aos elementos
processuais que sejam imprescindíveis àquele recurso (art.69º/1/c) CPP). Ao longo do CPP podemos ir

19
Direito Processual Penal
notando alguns outros direitos que o assistente tem: vejam-se os exemplos já nossos conhecidos de requerer
a suspensão do processo (art.7º/3 CPP), de requerer a conexão e separação de processos (art.30º/1 CPP),
de requerer a intervenção do tribunal de júri (art.13º/1 CPP), deduzir conflito de competência ou a
incompetência do tribunal (arts.32º, 35º e 36º CPP), entre muitos outros.
Para que alguém se constitua como assistente deve, primeiro, respeitar a legitimidade do art.68º/1 CPP, ou
seja serem os ofendidos, sendo maiores de 16 anos, os representantes legais ou similares quando o ofendido
seja menor de 16 anos, pessoa da qual está dependente o procedimento da sua queixa ou a acusação
particular, os cônjuges sobrevivos e similares de ofendido falecido, e qualquer pessoa para os crimes que
integrem o elenco da alínea e). Para além disso, a constituição de assistente deve respeitar os prazos e
formalidades dos n.2 e seguintes daquele artigo. Desde logo, se o crime em questão for particular então o
requerimento da constituição de assistente deve ocorrer no prazo de 10 dias a contar da advertência do MP
ou do OPC que receba a denúncia verbalmente de que é obrigatória a constituição como assistente e dos
procedimentos que deve observar para o efeito (arts. 246º/4 e art.68º/2 CPP). Se o crime for semipúblico
ou público então a pessoa com legitimidade para tal pode intervir no processo a qualquer altura, mas
sujeitam-se ao estado em que ele se encontrar, mas devem respeitar os prazos e os momentos precisos que
prevê o art.68º/3 CPP.

Vítima
O art.67º-A CPP veio aditar ao processo penal o estatuto da vítima, estipulando quem pode integrar a figura
de vítima. Podemos dizer que se trata aqui das pessoas que mais direta ou indiretamente foram afetadas
pelo crime praticado, numa ideia de proteção do bem jurídico, contudo não foram o alvo efetivo do crime,
não alcançando a posição do ofendido.
À vítima assistem direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no processo
penal, chegando perto daquilo que é a intervenção do próprio assistente no processo penal (art.67º-A/4
CPP). Ingressa também no processo com papel ativo no que toca ao apuramento da verdade material
(art.67ºA/5 CPP).
A vítima tem um estatuto próprio regulado em diploma avulso: Lei n.º 130/2015, de 4 de setembro.

Partes civis
Podem, no âmbito da prática de um crime, surgirem questões de um plano civil, no plano da
responsabilidade civil, sejam elas enquanto efeitos colaterais da prática do crime ou sejam elas um dos
propósitos do próprio crime. Quer isto dizer que da prática (ou da omissão) de um facto criminoso podemos
ter lesados, lesados estes que são do plano civil, ou seja não são ofendidos do facto criminoso nem vítimas,
contudo não deixaram de ter danos pela prática daquele crime. Veja-se o exemplo do agente que desfere
um soco num outro – e este outro é o ofendido pelo crime de ofensa à integridade física – e com a queda
que o ofendido sofre involuntariamente, e provocada pelo desferimento do soco, cai sobre uma banca que
ali estava a vender alguns produtos e acaba por partir a banca e produtos em si, o que causa danos civis e
prejuízos para o vendedor. Mas o ofendido pode também ele próprio ser lesado.
Posto isto, se houver algum pedido de indemnização civil que se funde na prática de um crime então este
deve ser deduzido, pelo lesado, no próprio processo penal (art.71º CPP), mesmo que este não possa ou não
se tenha constituído como assistente. Aqui dá-se o princípio da adesão: a ação civil adere ao objeto do
processo-crime. Teremos um verdadeiro processo civil a decorrer a par com o processo penal: o lesado terá
a posição de autor do processo civil e, em princípio, o arguido terá a posição de demandado, de réu. O facto
de isto ocorrer, ou seja, de termos dois processos de naturezas distintas a ocorrer conexamente, pode
fundamentar decisões diferentes e contraditórias. O facto de isto ocorrer permite mesmo que provas iguais
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Direito Processual Penal
produzidas tanto no processo civil como no processo penal poderão levar a desfechos diferentes. Desde logo
podemos ver a questão do ónus da prova, onde no processo civil este cabe, por regra, ao autor (ao lesado),
como nos diz o art.342º/1 CC, e no processo penal não é necessariamente assim. Também, e outro exemplo,
é que se em processo penal um facto invocado não for provado vigora o in dubio pro reo e irá o tribunal
decidir sempre a favor do arguido, o que não acontece em processo civil, onde não se dando um facto como
provado ele é apenas desconsiderado. Perante isto, percebe-se o porquê do princípio que vigora ser o da
adesão: os factos que levam à responsabilidade penal e à responsabilidade civil são, na sua génese, os
mesmos e, portanto, quer-se um tratamento idêntico aos processos, não obstante aquilo que acabámos
agora mesmo de referir.
Não obstante a regra ser a da adesão, ou seja, o pedido civil deve ser deduzido no processo penal
respetivamente, surge também a opção de o lesado fazer o pedido civil em separado, diretamente no
tribunal cível ou, quiçá, em tribunal arbitral, como se retira do art.71º/2ª parte CPP e de todo o art.72º CPP.
O pedido em separado é uma opção, é um direito, não um dever. Assim, o pedido pode ser feito em
separado:

• quando após a notícia de um crime a acusação não tiver sido interposta no prazo de oito meses ou
caso esteja o processo sem andamento nesse tempo (art.72º/1/a) CPP). O prazo de 8 meses não é
perentório, mas meramente indicativo, podendo ser prolongado. De forma a não onerar o lesado na
celeridade do seu pedido civil, ao fim destes 8 meses sem que exista acusação, o lesado tem opção
de fazer o pedido em tribunal civil.
• se o processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente ou o próprio processo se
extinguir antes do próprio julgamento (art.72º/1/b) CPP);
• se estivermos face a um crime semipúblico ou particular e, por isso, está dependente de queixa ou
de acusação particular (art.72º/1/c) e 49ºss CPP e 113ºss CP) pode o arguido interpor a ação cível
separadamente, mas deve notar-se, quanto a isto, se o fizer antes de apresentar queixa ou acusação
particular então isso valerá como renúncia aos direitos de apresentar queixa ou de acusar, como diz
o art.72º/2 CPP, mas exercidos já estes direitos então pode, em separado, deduzir o pedido civil não
afetando já nada;
• se os danos ainda não se tiverem produzido ao tempo da acusação, se não forem ainda conhecidos
ou forem conhecidos, mas não na sua efetiva extensão (art.72º/1/d) CPP);
• se o processo penal não se tiver pronunciado quanto ao pedido civil porque remeteu para o tribunal
civil o processo civil porque esse estaria a prejudicar o processo penal ou carecia da apreciação do
tribunal cível (art.82º/3 ex vi art.72º/1/e) CPP);
• se o pedido for deduzido contra quem tenha responsabilidade meramente civil (art.72º/1/f) e 73º
CPP);
• se o valor do pedido permitisse, pelos critérios quantitativos, a intervenção do tribunal coletivo, mas
o processo penal deve correr em tribunal singular (art.72º/1/g) CPP);
• se a forma do processo penal for a sumária ou a sumaríssima (art.72º/1/h) CPP);
• se o lesado (sendo pessoa diversa do ofendido) não tiver sido informado, nos moldes do dever de
informação das autoridades públicas do art.75º/2 CPP, destes direitos a que pode exercer no prazo
de 20 dias do art.77º/2 CPP e tendo demonstrado interesse em deduzir tal pedido (art.72º/1/i) CPP).
Esta situação dá-se nos casos em que o lesado não sendo informado desta possibilidade, já não o
pode fazer dentro dos prazos no processo penal.
Podemos dizer que naturalmente estas partes civis, no que toca à obrigatoriedade da constituição de
advogado, regem-se nos termos da lei processual civil (art.41º CPC), não obstante o art.76º/2 CPP referir
que é dever dos demandados ou intervenientes serem representados por advogado, contudo Germano
21
Direito Processual Penal
Marques entende que só têm de o fazer nos casos em que, se demandados separadamente, fosse obrigatória
a constituição de advogado. Quanto à constituição de advogado deve atentar-se ainda ao art.77º/4 CPP.
Pelos arts. 77º e ss percebemos que o momento oportuno para deduzir pedido civil é na acusação ou em
requerimento articulado, pelo MP ou pelo assistente (art.77º/1 e 68º/1 CPP).
Como já demos nota o lesado sendo diferente do ofendido tem direito a que lhe seja prestada informação
quanto ao seu direito de deduzir o pedido de indemnização civil (art.75º/1 CPP) e o lesado deve demonstrar
até ao final do inquérito se pretende ou não deduzir tal pedido (art.75º/2 CPP). Se demonstrar tal interesse
então aplica-se o art.77º/2 CPP, mas se não o tiver demonstrado ou caso este não tenha sido sequer
notificado então aplica-se o art.77º/3 CPP. Quanto a este lesado, se pelo valor do pedido deduzido em
separado não for obrigatória a constituição de advogado então este pode pedir o arbitramento do pedido
civil e o requerimento não tem de obedecer a formalidades especiais (art.77º/4 CPP). Processualmente,
quanto a este pedido civil que adere ao processo penal, tudo decorre nos moldes dos arts.78ºss CPP. Note-
se que caso à altura da sentença os danos civis ainda não forem quantificáveis, então o tribunal condena no
que se vier a liquidar em execução de sentença, sendo que esta ação executiva já decorrerá em tribunal civil
tendo como título executivo a sentença penal (art.82º/1 CPP).
Importa mencionar a questão da reparação da vítima quando particulares exigências de proteção da vítima
o imponham e que o art.82º-A CPP prevê. Por este, se não for deduzido, aderindo ou separadamente, o
pedido de indemnização civil o tribunal pode, caso condene, arbitrar uma quantia a título de reparação pelos
prejuízos que a vítima sofra, sendo que esta, e nunca é demais reforçar, seja dotada de particulares e
especiais exigências que fundamentem a sua proteção (art.82º-A/1 CPP), sendo que tratando-se de
reparação e não indemnização a vitima ainda pode deduzir pedido civil separadamente, contudo nesses
casos o montante da reparação deduz-se do valor a fixar pelo tribunal a título de indemnização, para evitar
enriquecimentos sem causa (art.82º-A/3 CPP). A decisão penal que conheça do pedido civil forma caso
julgado nos mesmos termos que a lei conferiria se fosse um tribunal civil a proferir a decisão (art.84º CPP),
excetuando-se a questão da reparação do art.82º-A porque, como dissemos, tal reparação não obsta a que
a vítima deduza o tal pedido civil.

4. Objeto do processo
O objeto do processo pauta-se pelo princípio da identidade, onde do início ao fim do processo o objeto
deve manter-se na sua génese o mesmo, e o mesmo e o arguido só podem ser julgados pelos factos de que
é acusado. Relaciona-se com o princípio da acusação ou da vinculação temática de que falámos aquando da
Constituição Processual Penal e no sentido do Princípio do Acusatório e da estrutura acusatória do processo
penal. O processo deve manter-se idêntico subjetivamente – quanto aos seus sujeitos – e objetivamente –
quanto aos mesmos factos. Porém, o nosso processo penal estabelece um limite à identidade dos factos e
podem mesmo haver algumas alterações, apesar que ligeiras. Se a questão da identidade do objeto do
processo não é intocável e se admite alguma flexibilidade então temos de conhecer do critério que permite,
lá está, a flexibilização da vinculação temática. Falamos da alteração substancial dos factos, enquanto limite
da mobilidade do objeto processual.
A alteração substancial dos factos
Como acabamos de dizer, o limite à identidade do objeto é o critério da alteração substancial dos factos cujo
art.1º/1/f) CPP nos dá a noção. Aquela norma diz que uma alteração substancial dos factos é uma alteração
de factos da qual resulta uma imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos
das sanções aplicáveis. Daquele “ou” retiramos, desde logo, que temos dois critérios distintos para classificar
uma alteração de factos como substancial: a imputação de crime diverso ao arguido e, outro, que sejam
agravados os limites máximos das sanções aplicáveis.
22
Direito Processual Penal
A alteração de factos pressupõe que sejam trazidos ao processo novos factos, sendo este mesmo um
pressuposto base do conceito da alteração substancial dos factos: têm de ser aditados ao processo novos
factos, ou seja, “os que já lá estavam” não servem para constituir uma alteração de factos. Estes novos factos
podem, das duas uma: ou acrescentar novos factos a uma base factual anterior ou se substituir factos
daquela base factual anterior. No que toca à pura exclusão de factos não deve ser considerada sequer como
alteração de factos. O mesmo se pode dizer para as meras alterações das qualificações jurídicas. Ora, se o
tribunal aos mesmos factos atribui apenas uma qualificação jurídica, tem um entendimento diverso daquele
que tinha, então, como será lógico, nem sequer há novos factos. Os factos são os mesmos, contudo o
entendimento que se tem deles é que varia, mesmo que essa diferença de qualificações implique um
aumento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou, até, que implique um crime diverso. Quanto a isto
veja-se o exemplo claríssimo que Fernando Torrão dá: se A é acusado pela tentativa de furto qualificado
(arts.22º e 204º/1/ CP) mas se por algum motivo, e posteriormente, o juiz de instrução criminal ou o tribunal
de julgamento entenderem que aqueles factos não se subsumem no tipo legal de crime de tentativa de furto
qualificado mas sim no tipo legal de crime de furto qualificado na forma consumada então os factos não
variaram, apenas receberem uma qualificação, uma interpretação, jurídica diferente que ditou, neste caso,
tanto um aumento dos limites máximos das sanções aplicáveis (porque como já se sabe a punibilidade pela
tentativa é especialmente atenuada face à punibilidade pela forma consumada; art.23º/2 e 77º CP),
aplicando-se o regime, dependendo se foi o juiz de instrução na fase de instrução ou se foi o juiz de
julgamento na fase de julgamento, dos arts.303º/5 ou 358º/3 CPP, respetivamente.
O art.1º/f) CPP dá-nos os dois critérios que permitem dizer da substancialidade da alteração dos factos: o
critério da agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e o critério do crime diverso.
Começaremos pelo critério da agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. A base factual
anterior que se subsumia num tipo legal de crime cujas sanções máximas eram inferiores àquela que agora
a nova base factual importa leva-nos a dizer que a alteração de factos é substancial e, portanto, impede a
alteração do objeto do processo. Os factos novos levaram que as sanções máximas aplicáveis fossem
agravadas. Assim é preciso fazer a comparação entre as sanções máximas aplicáveis à primeira base factual
e entre as sanções máximas aplicáveis à segunda base factual, sendo que se esta for superior à primeira
então, por este critério, temos uma alteração substancial dos factos.
O critério do crime diverso só revela caso o critério anterior não operar, ou seja, se os factos novos não
levam ao tal agravamento do limite máximo da moldura penal abstratamente aplicável. Quando se fala em
“crime diverso” não devemos entender necessariamente um crime tipicamente diverso. De facto, o sentido
literal a isso poder-nos-ia conduzir, contudo devemos esclarecer que não é porque o arguido está a ser
acusado de, por exemplo, furto e, havendo factos novos que impliquem a alteração de factos, passe a ser
acusado de roubo. Claro está que isto também implica um crime diverso e, neste caso, um crime até
tipicamente diverso, dado que se muda de tipo legal de crime. O que queremos dizer é que é possível que
uma base factual que sofre de uma alteração de factos continue a subsumir-se no mesmo tipo legal de crime
e, ainda assim, operar o critério do crime diverso, sob pena de a estratégia de defesa do arguido ser, na
mesma, seriamente prejudicado, o que é o que se pretende proteger com tudo isto. Veja-se o exemplo do
arguido acusado de homicídio qualificado por ódio racial (art.132º/1 e 2/f) CP). Em julgamento são
imputados factos novos que levam a que não só se tenha dado o homicídio por ódio racial, mas, ainda, a
vítima estava grávida (art.132º/2/c) CP), empregou tortura (art.132º/2/d) CP), foi o crime motivado,
também, por ódio religioso (art.132º/2/f) CP) e teve a intenção de matar por mais de vinte e quatro horas
(art.132º/2/j) CP). Ora, nem sequer saímos do mesmo tipo legal de crime: o arguido era acusado pelo crime
de homicídio qualificado e os novos factos indiciam igualmente o crime de homicídio qualificado e,
acrescente-se, a própria moldura penal manteve-se inalterada. Apesar disto, estamos perante um caso em

23
Direito Processual Penal
que opera o critério do crime diverso. Foram imputados quatro novos factos, como dissemos, e que apesar
de tudo tornariam a defesa do arguido altamente prejudicial, portanto não podemos dar esta alteração de
factos como uma alteração não substancial de factos e aplicar-se-lhe o respetivo regime (art.358º/1 CPP).
Esta é verdadeiramente uma alteração substancial dos factos.
Assim, Frederico Isasca apresentou na doutrina três subcritérios, dentro do critério do crime diverso, que
nos permitem aferir e afirmar se estamos ou não perante um crime diverso. São eles:

• a valoração social diferente: os novos factos aumentam quantitativamente o grau de ilicitude e/ou
culpa do arguido, o que quer dizer que se os factos novos conduzem a que se diga que o arguido tem
mais ilicitude e tem mais culpa então estamos face a um crime diverso e a uma alteração substancial
dos factos, porque o comportamento é ainda mais contrário à ordem jurídica (ilicitude) e/ou o
comportamento é ainda mais socialmente censurado (culpa);
• a imagem social diferente: aferimos da plasticidade do crime, ou seja, é quase olharmos para toda a
factualidade e todo o crime como que uma imagem e a alteração dos factos conduz à alteração dessa
mesma imagem, que modifica qualitativamente a identidade do objeto, ou seja se os factos novos
alterarem datas, locais, modo de execução, sujeitos, etc e se se prender com isso a situação então o
crime é diverso e há alteração substancial dos factos;
• o sério comprometimento da estratégia de defesa do arguido: tem um pendor complementar, dado
que a imagem social diferente de pouco valerá no processo se nada afetar: por exemplo, se um crime
era dado como cometido no dia X e os novos factos dão como cometido no dia Y então, se isso de
pouco ou nada influenciar, não há qualquer querela. Mas quando se prende já essa alteração da
imagem social com a estratégia de defesa do arguido é que entra a questão: veja-se que o arguido
poderia usar como defesa que no dia do crime, no dia X, tinha viajado para fora do país, tinha este
álibi, contudo passando o crime agora para a data Y esta estratégia de defesa do arguido cairia por
terra, ficando prejudicado e, portanto, a este facto novo podemos dizer que estamos perante uma
alteração substancial dos factos, que não pode afetar a identidade do objeto e, por isso, não pode
ser tomado em conta no processo (art.359º/1 CPP).
Eventualmente, se os critérios coincidirem teremos uma maximização ótima, contudo podemos dizer que
os dois primeiros subcritérios são alternativos entre si, mas já o terceiro critério é cumulativo. Quer isto dizer
que tanto ao critério da valoração social diferente como o critério da imagem social diferente devem
cumular-se o critério que permite afirmar que a defesa do arguido ficou comprometida.
Havendo alteração substancial os factos
À partida, o juiz não pode considerar estes factos, esta é a regra geral (art.359º/1 CPP). Antes disso, convém
dizer-se que se estivermos face a uma alteração não substancial dos factos ou perante uma mera alteração
da qualificação jurídica da base factual (358º/3 CPP) então aplica-se o regime do art.358º CPP e, assim, esta
alteração é comunicada ao arguido e é-lhe concedido o prazo estritamente necessário para que este prepare
a sua estratégia de defesa. Altera-se o objeto do processo e a identidade daquele é em certa forma afetada.
Retornando agora à alteração substancial dos factos, temos de distinguir os factos autonomizáveis dos
factos não autonomizáveis (art.359º/2 CPP).
Os factos autonomizáveis são aqueles os factos novos (que levam à alteração dos factos, como vimos) que
só de por si constituem crime e implicam concurso efetivo (ideal ou real e não aparente) com as infrações
que constituem o objeto do processo. Estes, porque são autonomizáveis, são remetidas pelo tribunal ao MP
e isto vale como notícia do crime e, portanto, o MP dará impulso a um novo procedimento penal, autónomo
àquele (art.359º/2 CPP). Já se os factos forem não autonomizáveis não constituem só por si crime ou caso
constituam crime estão apenas em concurso aparente com as infrações que compõem o objeto do processo.
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Direito Processual Penal
Assim sendo e, porque são não autonomizáveis estes factos novos, o juiz está obrigado a desconsiderá-los e
nada pode fazer, aplicando-se a regra geral que supra dissemos (art.359º/1 CPP).
Contudo, se MP, arguido e assistente concordarem com a continuação no julgamento com os factos novos
e se estes não implicarem a incompetência do tribunal (art.359º/3 CPP) isto levará a que seja alterado o
objeto do processo e, assim, o arguido tem direito a um prazo máximo de 10 dias para preparar a sua defesa
(art.359º/4 CPP). A este acordo se chama o caso julgado do consenso.
Mas note-se que se o facto for não autonomizável e caso se impute crime menos grave ao arguido então
levanta-se uma querela doutrinal. Aqui, caso seja o próprio arguido a invocar esses novos factos então, e
como diz Fernando Torrão, não devemos ter aqui isto como uma alteração substancial dos factos. O
art.358º/2 CPP vem resolver a questão devido àquela que foi a doutrina de Frederico Isasca e pelo que
diremos a seguir. Aliás, pelo que dissemos supra até o seria, contudo dado que é o arguido que os invoca
então isto fará parte da sua estratégia de defesa e não se enquadra assim no critério da alteração substancial.
Assim, se for o arguido a invocar facto novo não autonomizável e que impute um crime menos grave então
não podemos equacionar a hipótese do caso julgado do consenso, pois para isso seria necessário o
consentimento do MP e do assistente (art.359º/3 CPP) o que não seria, na prática, exequível e o que levaria
a que se inviabilizasse a própria estratégia de defesa e se criasse um paradoxo onde estar-se-ia já a criar o
problema que se quer evitar e, mais, tutelar: a garantia da estratégia de defesa do arguido. Sendo já o MP
ou o assistente a invocarem esses tais factos novos não autonomizáveis e que imputem ao arguido crime
menos grave então aí o arguido já terá de aceitar, mas só pelo facto que a própria defesa do arguido pode
ser afetada se assim não o fosse: o facto de ser um crime menos grave não implica que a estratégia de defesa
do arguido não seja afetada, não caia por terra.

5. Tramitação processual
Aquisição da notícia do crime
O art.241º CPP refere os moldes pelos quais o MP adquire a notícia do crime, podendo dar-se pelo MP em
si, pelo intermédio dos OPCs ou mediante denúncia.
Perante o conhecimento de um crime, nos termos do art.248º CPP, os Órgãos de Polícia Criminal devem
transmitir no prazo máximo de 10 dias ao MP tal conhecimento do crime, tenha sido aquele conhecimento
obtido por vias próprias ou mediante uma denúncia (art.248º/1 CPP). Os OPCs sempre que presenciarem
fisicamente qualquer crime de denúncia obrigatória devem levantar auto de notícia e no qual devem
mencionar toda as informações constantes das várias alíneas do art.243º/1 CPP e tal auto de notícia faz as
vezes da denúncia que o art. 248º prevê, como nos diz o art.243º/3 CPP, respeitando, aliás, os exatos
mesmos prazos. Claro está que se o crime presenciado pelos OPCs for semipúblico ou particular então o auto
de notícia deve igualmente ser levantado nos mesmo moldes, não obstante o procedimento criminal
manter-se dependente da denúncia do particular, como já sabemos.
A denúncia pode ser obrigatória quando se enquadre nos termos do art.242º CPP. Assim o será quando
quem tenha o conhecimento do crime é uma entidade policial (art.242º/1/a) CPP) ou caso se trate de um
funcionário público conforme são definidos pelo art. 386º CP (art.242º/1/b) CPP), sendo que estes últimos
só têm tal dever caso tal conhecimento se dê no âmbito das suas funções. Fora destes casos a denúncia será
facultativa, como nos diz o art.244º CPP, estipulando a lei um poder, um direito, de quem tenha
conhecimento do crime da sua denuncia ao MP, a uma outra autoridade judiciária aos OPCs. Assim só o será
quando se trate de crimes públicos, porque em casos de crimes semipúblicos ou particulares, como já
sabemos, a denuncia é legalmente definida e o poder, o direito, de efetuar a denúncia incumbe àqueles que
a lei estipule como detentores de tal direito (art.113º CP).
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Direito Processual Penal
O MP tem o dever de informar o ofendido de um crime de que tenha tido conhecimento dos seus direitos
de queixa e as consequências processuais que tais direitos importam, assim como o regime de apoio
judiciário (art.247º/2 CPP).

A detenção
Dos arts.254º e seguintes CPP retiramos que a detenção pode ser em flagrante delito ou fora de flagrante
delito. O art.256º CPP apresenta a classificação do que é flagrante delito e refere que todo o crime que
estiver presentemente em execução ou que acabou de ser cometido configura flagrante delito, mas, ainda,
estende-se às situações em que há presunção de flagrante delito, onde apesar de não se ter assistido ao
crime em momento presente em que ele está a ser cometido ou, então, acabara de ser cometido mas o
agente foi perseguido por outrem ou o agente foi encontrado com objetos ou aparenta sinais que mostrem
claramente que se acabou de cometer um crime. Assim temos flagrante delito stricto sensu, que é o que o
nº1 apresenta, e temos flagrante delito lato sensu, que é o que o nº2 apresenta.
A detenção em flagrante delito pode ser feita por autoridade pública ou por um cidadão comum
(art.255º/1/a) e b) CPP), sendo que se for um cidadão comum só o pode fazer, como diz a alínea b), se não
estiver presente autoridade pública em moldes de o fazer. Esta detenção por cidadão, quando feita dos
moldes legalmente admissíveis, é causa de exclusão da ilicitude pelo crime de sequestro pelo qual seria
indiciado. Quando, portanto, tal cidadão proceder à detenção tem, como se disse, de o fazer
subsidiariamente às autoridades públicas, mas após deter o agente deve imediatamente proceder à sua
entrega às autoridades públicas conforme definidas pelo art.255º/1/a) CPP, como prevê o art.255º/2 CPP e
dando aso às tramitações que aquele artigo prevê. Se o crime praticado for semipúblico então a detenção
só pode ser mantida caso o titular do direito de queixa proceder ao seu exercício, devendo as autoridades
levantar auto onde tal queixa fique registada, o que quer dizer que no preciso momento da detenção a vítima
deve apresentar queixa. É costume usar-se aqui o critério de 6 horas para que a vítima apresente ou não
queixa, previsto no art.250º/6 CPP. Por sua vez se for o crime particular então não pode haver lugar à
detenção em flagrante delito, mas somente à identificação do infrator, segundo o art.255º/4 CPP. Esta
identificação é um poder-dever da autoridade pública e o infrator que faltar à prestação das informações
para este efeito incorre em crime de desobediência, previsto e punido pelo art.348º/1/b) CP. Antes de
proceder à detenção nestes moldes a autoridade pública deve indicar ao infrator que ele acaba de praticar
crime de desobediência e, só após isso, pode deter o infrator, pois tal indicação é condição de punibilidade
deste crime.
As finalidades da detenção em flagrante delito constam do art.254º/1 CPP e, uma delas, é precisamente
para que a forma de processo seja a forma de processo sumário ou, então, para ser presente a juiz, no prazo
máximo de 48 horas, para que seja submetido a primeiro interrogatório judicial ou para que seja aplicada
ou executada uma medida de coação (art.254º/1/a) CPP) ou para efeitos da alínea b).
Fora de flagrante delito pode ser detida a pessoa para a qual haja mandado de detenção (art.258º CPP)
emitido por juiz ou então, o MP, caso a pena de prisão do crime que é indiciado seja superior a cinco anos,
porque admite prisão preventiva (art.202º/1 CPP), nos termos do art.257º/1 CPP. A detenção e seu mandado
justificam-se pelas causas que as várias alíneas alternativas do n.1 preveem. Mas podem as autoridades
policiais proceder só de per si à detenção fora de flagrante delito quando ose preencham cumulativamente
os três requisitos do n.2 CPP

O inquérito
Com a notícia de um crime, por regra, é aberta a fase de inquérito pelo MP (art.262º/2, art.263º, art.264º/1
e art.267º CPP). O MP está adstrito ao princípio da legalidade num sentido de obrigatoriedade, previsto pelo

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Direito Processual Penal
art.219º CRP dado que não tem, nesta fase, grande margem de manobra ao definir se procede ou não à
abertura do inquérito. A fase de inquérito visa precisamente investigar o crime a fim de aferir da sua
existência e, com isso, determinar quem são os agentes desse crime e apurar a factualidade e as provas
necessárias a tanto, com vista à decisão de acusação (art.262º/1 CPP).
Como já dissemos é ao MP que incumbe a direção do inquérito, sendo apoiado, nos termos de dependência
funcional de que já falámos, pelos OPCs (art.263º/1 e 2 e art.270º/1 CPP, mas ainda arts.55º e 56º CPP).
Nesta relação de dependência funcional pode o MP delegar nos OPCs o encargo de estes procederem às
diligências e investigações relativas a esta fase (art.270º/1 CPP), mas obviamente que já não o pode fazer
quando se trate de atos da competência exclusiva do juiz de instrução criminal (art.270º/2 CPP).
O Juiz de Instrução Criminal intervém em atos que são da sua exclusiva competência e vem conformar o
preceito constitucional do art. 32º/4 CRP o qual prevê que os atos instrutórios devem ser levados avante por
um juiz em matérias que atentem aos direitos fundamentais do arguido. Estes devem ser atos da sua
exclusiva competência e são estes atos que são previstos nos arts.268º e 269º CPP. Perante isto é imperativo
que seja um JIC a promover os atos ali previstos, pela constitucionalidade dos mesmos.
Findo o inquérito, ou seja, terminada a investigação pelo MP coadjuvado pelos OPCs e a intervenção,
quando necessária, do JIC, então pretende-se agora saber se o arguido deve ou não ser acusado. Face a
indícios suficientes então o MP acusa para os crimes públicos e semipúblicos (art.283º/1 e 2 CPP) e deve
arquivar o processo caso não haja tais indícios (art.277º CPP). Falamos dos crimes públicos e semipúblicos
porque, como já sabemos, para os crimes particulares a acusação é um poder do ofendido e só dele está
dependente a prossecução do processo, nos termos do art.285º CPP. Se o MP acusar então pode também o
assistente acusar, segundo o art.284º CPP, e que não passa de um reforço da acusação feita pelo MP, porque
como se retira do nº1 daquele artigo o assistente está vinculado à acusação feita pelo MP e não pode alterar
substancialmente os factos da acusação feita pelo MP. Mas se se tratar de acusação particular, como vimos
segundo o art.285º CPP, então invertem-se os papéis e é o MP que reforça já a acusação particular, mas aqui
o MP não está tão sujeito ao objeto da acusação particular, como refere o art.285º/4 CPP. O MP tem
alternativa à acusação, mesmo havendo indícios suficientes, e que passa pela promoção da suspensão
provisória do processo (arts.281º e 282º CPP) ou arquivar em caso de dispensa de pena (art.280º CPP). Aqui
o MP está adstrito ao princípio da legalidade, claro, mas numa vertente de legalidade aberta onde tem já
alguma margem de manobra, que se contrapõe à obrigatoriedade. Assim, por razões de política criminal,
procura-se obter a melhor solução de acordo com os fins do Direito Penal.
A opção por estes institutos passa por não sujeitar o arguido ao banco dos réus e isto pode mesmo, só por
si, ser ressocializador, evitando-se a estigmatização que aquela posição importa:

• Suspensão provisoria do processo: aplica-se a crimes de até 5 anos de prisão, permitindo-se com a
concordância de todos os sujeitos processuais no lugar do arguido ser acusado e ir a julgamento
possa cumprir certas injunções e normas de conduta para que num final período não seja sujeito a
prisão, sendo uma acusação para evitar o julgamento.
• Arquivamento por dispensa de pena: se o arguido cumprir as injunções e normas de conduta o
arquivamento tem valor de caso julgado material (não pode ser reaberto) – art. 282º nº 3 CPP.

Instrução
A fase de instrução é uma fase facultativa (art.286º/2 CPP) e depende do assistente ou do arguido, porque
estes podem discordar da acusação (impugnação) e pretender promover esta fase para que se possa
comprovar judicialmente a decisão de acusação (art.286º/1 CPP).

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Direito Processual Penal
O arguido pretenderá que a causa não seja submetida imediatamente a julgamento ou não seja de todo, e
que no fim da instrução a decisão seja diferente da acusação do MP, sendo celebrado despacho de não
pronuncia, permitindo que ao arguido não seja submetido a julgamento apenas com a intervenção de um
sujeito processual, sendo chamado o juiz de instrução.
O prazo para requerer a abertura da instrução consta do art.287º/1 CPP e é de 20 dias a contar da
notificação da decisão de acusação ou de arquivamento. Esse requerimento deve cingir-se aos factos que
constam da acusação do MP. Atente-se em primeiro lugar, que quando seja o arguido a requerer esta fase
ele apenas pode referir-se a factos pelos quais o MP ou o assistente, caso tenha sido a acusação particular a
que operou por força do art.285º CPP, tenham deduzido acusação, ou seja o arguido deve cingir-se ao objeto
da acusação, do MP ou do assistente. O arguido pode mesmo pretender impugnar apenas parte da acusação.
Se convencer o juiz de instrução que não há indícios suficientes dos factos de modo que o juiz lavre despacho
de pronuncia que o arguido conseguiu defender-se. Pode também acontecer o mesmo resultado
defendendo que aqueles factos apesar de existirem não constituem crime, lavrando despacho de não
pronuncia também. Pode o arguido por mera questão de direito conseguir que seja aberta instrução? Sim,
pois é a única hipótese que o arguido tem de contestar a qualificação jurídica do MP – art. 287º CPP. Já no
que toca ao assistente devemos perder mais algum tempo e há mesmo uma interpretação a ser feita ao
art.287º/1/b) CPP. Aquele artigo confere ao assistente direito de requerer a abertura da instrução para além
de factos que o MP invocou, ou seja se o MP não deduziu baseado a sua acusação em factos que agora o
assistente vem invocar então tal é admissível, contudo o problema que se coloca é que estes factos novos
têm de importar alteração substancial dos factos, porque se não importam alteração substancial dos factos
então o arguido devia tê-los deduzido na acusação que pode fazer nos termos do art.284º/1 CPP, pois como
se lê neste artigo os factos da acusação “complementar” do assistente não pode importar a alteração
substancial dos factos. Posto isto, e em nome da celeridade e economia processual, o assistente tem que
respeitar essencialmente dois requisitos para poder requerer a abertura da instrução: o crime não pode ser
particular - porque se assim for então o assistente deveria ter deduzido todos os factos na acusação
particular do art.285º CPP - e os factos que invoca têm de importar alteração substancial dos factos, porque,
e repetindo-nos, se não importarem tal alteração substancial então o assistente devia tê-los deduzido na
acusação do art.284º CPP
A fase instrutória está sob a direção de um JIC, sendo assistido por OPCs (art.288º/1 e 290º/1 CPP) podendo
mesmo conferir a estes últimos o encargo de proceder a diligências probatórias, salvo aqueles que
impliquem direitos fundamentais segundo o art.290º/2 CPP.
Encerramento da fase de instrução
Como vimos, quando o assistente apresenta requerimento de abertura de instrução esta serve para ampliar
o objeto do processo, dado que o assistente acrescenta novos factos ao objeto do processo (art.287º/1/b)
CPP). Assim, havendo alteração substancial dos factos, nos termos que estudámos em tempo oportuno,
importa aferir da sua admissibilidade no processo e se, portanto, é alterado o objeto do processo. O art.303º
CPP vem apresentar similares soluções sobre as quais já falámos supra quando falámos da alteração
substancial dos factos e seu regime. Se se tratar de uma alteração não substancial dos factos então permite-
se a alteração do objeto do processo e esta alteração é comunicada ao defensor e o arguido é interrogado
quanto a isto, sendo que a requerimento deste pode ser concedido um prazo não superior a oito dias para
preparação da defesa (art.303º/1 CPP). O mesmo se aplica quando nem sequer há alteração de factos, mas
sim uma mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou no requerimento para
abertura da instrução (art.303º/5 CPP). Ocorre isto, porque o facto não altera substancialmente o objeto do
processo, contudo não deixa de haver uma alteração que, apesar de admissível, não era esperada pelo
arguido e este pode precisar de tempo para ajustar a sua defesa. Por sua vez, se houver alteração substancial
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Direito Processual Penal
dos factos então prevê o art.303º/3 CPP que essa alteração não pode ser tida em conta pelo tribunal para
efeitos de despacho de pronúncia e, tampouco, implica a extinção da instância, mas esta deve ser
comunicado ao MP valendo tal comunicação como denúncia e o MP promove a um outro processo, caso
sejam estes factos autonomizáveis (art.303º/4 CPP). Se o despacho de pronúncia pronunciar o arguido por
factos que implicam a alteração substancial do objeto do processo então essa parte daquela decisão
instrutória é nula, segundo o art.309º CPP. Esta nulidade deve ser invocada no prazo de 8 dias a contar da
notificação da decisão sob pena de se convalidar aquela (art.309º/2 CPP) e alterar-se o objeto do processo.
Mais uma nota: quando falámos da alteração substancial dos factos dissemos que pode ocorrer o chamado
caso julgado de consenso ao haver acordo entre MP, arguido e assistente pela continuação do julgamento
com os novos factos, previsto no art.359º/3 CPP. Ora, o mesmo pode ocorrer aqui, bastando ao arguido
deixar passar o prazo de oito dias para invocar a nulidade da decisão, pelo art.309º/2 CPP, convalidando-se
aquela decisão e tendo o mesmo efeito que aquele chamado caso julgado do consenso.
Finda a fase instrutória, que é composta essencialmente por um debate instrutório, oral e contraditório
(art.289º/1 CPP), então promove o JIC um despacho de pronúncia ou um despacho de não pronúncia,
segundo o art.307º/1 CPP. Neste despacho o juiz de instrução pronuncia o arguido pela verificação dos
pressupostos cuja verificação levam à aplicação de uma sanção penal, ou seja, se houver indícios suficientes
a ficarem verificados tais pressupostos então o despacho é de pronúncia, mas se não forem apurados indícios
suficientes da verificação de tais pressupostos então o juiz profere um despacho de não pronúncia, segundo
o art.308º/1 CPP. Aqui é aplicável o regime da suspensão provisória do processo de que falámos supra para
a acusação do art.281º CPP, ou seja, aqui o JIC pode, com a concordância do MP, se a pena abstratamente
aplicável ao crime concreto for não superior a 5 anos ou tiver uma sanção diferente de prisão então o JIC,
oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente, pode promover a suspensão do processo ao
sujeitar o arguido a injunções e regas de conduta, por remissão do art.307º/2 CPP.
O art.310º/1 CPP refere que o despacho que pronuncia o arguido pelos factos que constam da acusação do
MP se torna irrecorrível, ou seja, exceciona a regra do art.399º CPP. O que ocorre aqui é uma espécie de
dupla conforme nossa já conhecida do processo civil. Contudo, se houver um novo facto no despacho que
não constava da acusação então este despacho já é recorrível e respeita já a regra da recorribilidade das
decisões do art.399º CPP.

O Julgamento
Atos preliminares (arts. 311º a 320º CPP)
A fase de julgamento tem alguns atos preliminares a serem cumpridos previamente à audiência de
julgamento e à sentença e esses atos servem vários propósitos. Entre eles, e desde logo, o art.311º/1 CPP
prevê que das primeiras coisas a serem feitas pelo tribunal ao receber os autos é aferir da admissibilidade
processual, ou seja, das questões dos pressupostos processuais, da competência processual, etc. Aferida a
legalidade de todo este momento de saneamento então o tribunal fixa uma data para audiência mediante
despacho, pelo art.313º e 312º CPP.
Audiência
A audiência de julgamento rege-se pela publicidade (art.321º CPP), ou seja, qualquer pessoa pode assistir à
audiência, salvo casos excecionais. Outro princípio fundamental pelo que se rege a audiência de julgamento
é o que consta do art.327º CPP e que passa pelo princípio do contraditório, devendo ainda a audiência ser a
tão contínua quanto possível (art.328º CPP).
A produção de prova rege-se pelo princípio da verdade material e em nome de tal princípio deve o tribunal
promover diligências probatórias que considere pertinentes para o fim prosseguido, segundo o art.340º/1
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Direito Processual Penal
CPP. As diligências probatórias podem levantar a querela da alteração substancial dos factos. Quanto a isto
pouco haverá a dizer porque já a ela nos referimos detalhadamente quando falámos desta matéria e por
isso para lá remetemos e quanto aos arts.358º e 359º CPP43. O regime é, também, em muito semelhante
àquele que explicamos para a fase instrutória do art.303º CPP. Apenas acrescentar que quanto à nulidade
da sentença que condene por factos que impliquem a alteração substancial dos factos não admitida pelos
arts.358º e 359º CPP está prevista no art.379º/1/b) CPP.
Sentença
O art.368º/2 CPP remete-nos à teoria da infração, visando ir desde a subsunção dos factos no tipo legal de
crime até à punibilidade do agente. A sentença tanto pode ser condenatória como pode ser absolutória,
prevista nos arts.375º e 376º CPP, respetivamente. O art.377º CPP refere-se à decisão quanto ao pedido
civil. Mesmo que a sentença seja absolutória, ou seja extinguindo a aplicação de qualquer medida de coação
do agente e ordenando a sua libertação, o tribunal por condenar o arguido no pedido de indemnização civil
que estudamos nos termos dos arts.71º ss CPP. Isto importa efeitos colaterais que os demais números do
art.377º prevê. A sentença deve respeitar os requisitos do art.374º CPP que, ao fim ao cabo, são as
componentes da forma da sentença.

6. Formas de processo especiais


Processo sumário (arts. 381º a 391º CPP)
A forma de processo sumário ocorre quando haja detenção em flagrante delito, como vimos em momento
oportuno, e quando o crime que é indiciado não tenha pena de prisão máxima superior a 5 anos (art.381º/1
CPP).Mas é ainda possível ocorrer processo sumário quando a pena de prisão máxima aplicável
abstratamente ao crime indiciado seja superior a 5 anos, mas para tanto tem que a detenção ser na mesma
em flagrante delito, contudo o MP deve na acusação referir que entende não ser ao caso concreto aplicável
pena de prisão superior a 5 anos (art.381º/2 CPP).
Dado que o arguido foi detido perante flagrante delito então isso fundamenta que ocorra um processo
muito mais célere do que o processo comum e, portanto, o arguido deve ser no prazo de 48 horas
apresentado a tribunal para efeitos de julgamento (arts. 387º/1 e 382º/1 CPP), salvo as exceções. Se por
algum motivo o agente detido não for apresentado a julgamento naquele prazo ou num outro então este
deve ser liberto, salvo se algum dos motivos do art.385º CPP fundamentar pela sua não libertação. Em
processo sumário, e o nome indica, os atos são reduzidos ao mínimo indispensável para que apuramento da
verdade material e aplicação de uma boa decisão da causa, segundo o art.386º/2 CPP. Os princípios pelos
quais se rege esta forma de processo são os mesmos que estudamos para o processo comum (art.386º/1
CPP).

Processo abreviado (art. 391º-A a 391º-G CPP)


Aqui há forma de processo abreviado se ocorrer uma detenção em flagrante delito, contudo por motivos
probatórios não se pode optar pela forma de processo sumário. Não havendo detenção em flagrante delito
há, pelo menos, provas simples e evidentes que levem a indícios suficientes da verificação do crime e do seu
agente, segundo o art.391º-A CPP. As penas abstratamente aplicáveis podem ou não superiorizar o prazo de
5 anos, sendo que se superiorizarem então tem o MP de referir na acusação que entende não dever ser
aplicável ao caso concreto pena de prisão superior a 5 anos (art.391º-A/2 CPP). São tidas como provas
simples e evidentes aqueles que cumprem os requisitos alternativos do art.391º-A/3 CPP.

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Direito Processual Penal
Processo sumaríssimo (arts. 392º a 398º CPP)
Aqui há lugar a esta forma de processo se o crime não tiver pena de prisão máxima abstratamente aplicável
superior a 5 anos (art.392º/1 CPP). Para tanto é preciso que o arguido tenha a iniciativa de requerer esta
forma de processo ou, então, que o MP após o ter ouvido entenda que ao caso concreto apenas deve ser
aplicável uma pena ou medida de segurança que seja não privativa da liberdade. Só com isto pode o MP
requerer ao tribunal que o processo siga a forma sumaríssima. Este requerimento por parte do MP consta
do art.394º CPP e do n.1/parte final retiramos que o MP apresenta sumariamente as razões que o levam a
entender não dever ser aplicada a pena de prisão, enquanto pena privativa da liberdade, e do nº2 retiramos
que o MP deve propor as sanções que considera pertinente serem aplicadas.

7. Medidas de coação
As medidas de coação são aquilo a que se chamam medidas cautelares, visando, portanto, acautelar o bom
funcionamento do processo e como este está dependente da colaboração do arguido então para garantir
que este está, pelo menos, disponível então podem ser aplicadas estas medidas, em nome da eficiência e
celeridade da tramitação processual
Para a aplicação de uma medida de coação é preciso estarem verificados alguns pressupostos e que fundam
o receio da não colaboração do arguido no processo. Estes estão elencados no art.204º CPP tendo de haver
um fundado receio de que o arguido fuja ou haja tendência para tal, que possa perturbar o inquérito ou a
instrução do processo através da destruição ou ocultação de provas ou, então, tem de haver tendência à
reincidência criminosa. .
As medidas de coação regem-se por um princípio de judicialização (art.32º/4 CRP), ou seja, só podem ser
aplicadas pelo tribunal, por um juiz, com a exceção do termo de identidade e residência do art.196º/1 CPP.
Tirando o termo de identidade e de residência, as demais medidas de coação regem-se pelo princípio da
proporcionalidade (art.193º/1/parte final CPP) entre a medida de coação e o crime pelo qual é indiciado
concretamente o arguido. Quer isto dizer que a proporcionalidade da medida de coação se faz por referência
à pena abstratamente aplicável ao crime pelo qual o arguido é indiciado. Por assim ser, os arts.197ºss CPP
preveem requisitos mais específicos à aplicação de medida de coação que só com a sua verificação é que
podem ser aplicadas. Para além deste, regem-se as medidas de coação por princípios de necessidade e de
adequação e por estes visa-se acautelar que a medida de coação aplicável é estritamente necessária para
obter os fins das medidas de coação e que é a adequada a alcançá-los, ou seja, há uma ponderação a ser
feita e que tem de alcançar a harmonia: mínimo necessário + eficácia e eficiência da medida de coação
(art.193º/1 CPP).
As aplicações de medida de coação pressupõem a prévia constituição como arguido (art.192º/1 CPP), ou
seja, só podem ser aplicadas a quem já haja sido constituído como arguido.
As medidas de coação regem-se pelo princípio de legalidade e de tipicidade, ou seja, só podem ser aplicadas
aquelas previstas na lei e nos termos da lei (art.191º/1 CPP). Assim são as seguintes as MC que temos
previstas no nosso CPP e apresentam-se numa ordem crescente de gravidade:

• termo de identificação e identidade (art.196º), que é uma medida de coação aplicada a todo e
qualquer arguido;
• caução (art.197º) cuja aplicação carece de um crime punido com pena de prisão;
• obrigação de apresentação periódica (art.198º) cuja aplicação está dependente de pena de prisão
máxima superior a 6 meses;

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Direito Processual Penal
• a suspensão do exercício de profissão, de função, de atividade e de direitos (art.199º), onde a
aplicação da MC está dependente de pena de prisão superior a 2 anos;
• proibição e imposição de condutas cuja aplicação carece de pena de prisão máxima superior a 3
anos;
• obrigação de permanência na habitação que carece de crime com pena de prisão máxima superior
a 3 anos e que haja fortes indícios da prática desse crime dolosamente, onde considerando
insuficientes as anteriores MC (art.193º/2 CPP) então o tribunal pode aplicar esta;
• prisão preventiva (art.202º CPP e 28º CRP) que é a medida mais gravosa de todas, portanto, só se
forem insuficientes ou inadequadas todas as outras medidas é que o juiz pode optar pela prisão
preventiva (arts.202º/1, 193º/2 e 3 CPP e art.28º/2 CRP). A prisão preventiva carece de fortes indícios
da prática de crimes mais complexos e que, portanto, fundam ainda mais os receios de que falávamos
supra, como se retira das várias alíneas do art.202º CPP. Se poder o juiz aplicar esta medida de coação
então certamente podia ele aplicar as outras todas anteriores, porque quem pode o mais pode o
menos.

Habeas corpus
O art.31º CRP prevê este instituto que é um instrumento de reação a abusos de poder que levaram ou a
detenção ilegal ou a prisão ilegal (arts.222º/1 CPP e 31º/1 CRP). Será prisão ilegal aquela que se subsuma
nos critérios alternativos do art.222º/2 CPP. Este procedimento é urgente e, uma vez intentado, tem de ser
decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no prazo de oito dias (art.31º/3 CRP e art.223º/5 CPP). O STJ
pode proferir pela providência de habeas corpus no sentido do art.223º/4 CPP.
A aplicação das medidas de coação de prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação e
que seja ilegal pode conduzir à atribuição de um direito de indemnização para o afetado, pelos danos
sofridos sendo que a situação concreta se deve subsumir nalguma do art.225º CPP.
Não se devem confundir, por último, as medidas de coação com as Medidas de Garantia Patrimonial, dos
arts.227ºss CPP, porque estas últimas seguem fins distintos das medidas de coação, porque visam, lá está,
conferir a garantia de que o arguido tem fundos para suportar eventuais despesas, multas, indemnizações,
etc.

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