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BLOCO DE ESTUDOS DE DIREITO

PROCESSUAL PENAL
Diogo Chiquelho (21545917)

Universidade Lusíada – Norte (Porto)


Direito – 3º ano
Direito Processual Penal

Ao Núcleo de Estudantes de Direito e Solicitadoria

Da Universidade Lusíada – Norte (Porto)

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Consideração Inicial:

Estimado colega, mais um Bloco de Estudos, desta vez da unidade curricular de Direito
Processual Penal. Encerrámos já o percurso académico do 1º Ciclo de Estudos em Direito na
disciplina de Direito Penal com, primeiro, o nosso Bloco de Teoria da Lei Penal e, depois, com o
nosso Bloco de Teoria da Infração Penal e entramos agora no Direito Penal Adjetivo, Material
que é o Direito Processual. Aqui encerramos o percurso das unidades curriculares obrigatórias
em Direito Penal, nesta Faculdade, sem prejuízo do Direito Probatório que é unidade curricular
opcional do 4º ano. Importa notar-se algo que já tem vindo a ser - e tem que ser - hábito. Este
trabalho é fruto da minha leitura, análise e interpretação das várias aulas assim como da vária
bibliografia que é indicada a seguir. Neste sentido, confesso - e foi nesse âmbito que se fez tal
trabalho - que apesar de poder ser uma preciosa ajuda ao estudo, não obsta a que possam
constar imprecisões e erros no texto, sejam elas técnicas, jurídicas, ortográficas e/ou científicas.
Neste sentido, quero salvaguardar que se poder fazer um estudo aprofundado o próprio
leitor/estudante isso será o ideal, salvaguardando-se destas questões. Nenhuma
responsabilidade será do autor ou do NEDSULP independentemente do caso que possa surgir
no âmbito do aqui notado e salvaguardado. Por fim desejamos o maior sucesso nesta unidade
curricular, assim como em qualquer outra.

Um bem-haja académico,

Diogo Chiquelho.

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Bibliografia:

Direito Processual Penal Português de Germano Marques da Silva, 2ª Edição; Volume I da


Universidade Católica Editora

Lições de Direito Processual Penal de Paulo Sousa Mendes, Almedina

Constituição da República Portuguesa Anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira; Volume I,


4.ª edição

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Noções Gerais de Direito Processual Penal


O Conceito
Assim como ocorre em qualquer direito processual, há uma estreita relação executiva – que
mais à frente abordaremos com atenção – entre o direito substancial e o direito adjetivo. De
facto, o Direito Substantivo do Direito Penal tornar-se-ia letra morta1 se não houvesse um
Direito Adjetivo que o aplicasse, que o executasse e materializasse. Tendo isto em mente,
Germano Marques diz-nos que o Direito Processual Penal (DPP) é o conjunto de normas
jurídicas que disciplinam a aplicação do direito penal aos casos concretos. Assim, e perante um
problema de Direito Penal, por força do Processo Penal alcançamos a sua concretização, a sua
resolução, a sua aplicação.2
O Âmbito e o Objeto
O processo penal e o respetivo âmbito passa pela fase de investigação após ser noticiado o crime
(inquérito) seguida da fase em que se aprecia se se deve ou não acusar (instrução) e passando
por um julgamento por uma decisão na qual se decide se houve efetivamente a prática de um
crime e ainda se o arguido é ou não criminalmente responsável. Mas não se encerra aqui. Não
se esqueça que a fase posterior a tudo isto onde se executa a sentença em caso se condene,
onde intervêm aqui já não só o próprio tribunal propriamente dito mas ainda o MP, o juiz de
execução de penas e órgãos policiais. Esta fase é deveras importante e sem dúvida que se deve
pautar no âmbito do processo penal porque a execução das penas ou das medidas de segurança
tem enorme importância, tendo em conta os fins das penas e das medidas de segurança
(art.40ºCP), mas ainda porque os condenados não deixam de ter na sua esfera jurídica direitos
fundamentais que devem ser tutelados (art.30º/5 CRP). Também o processo penal vai tocar,
eventualmente, matérias de índole civil, como casos de responsabilidade civil que emerjam da
prática destes factos que são julgados penalmente (cfr.arts.71ºss CPP).
Só mesmo com este âmbito é que a função essencial do processo penal consegue verificar-se:
verificar se há ou não a prática de crime e, havendo, debruçar-se sobre as consequências
jurídicas do mesmo e da sua execução.
A determinação do processo penal releva bastante para que se cumpra a sua estrutura
acusatória. Ora, se a estrutura acusatória exige que o tribunal intervenha apenas e só quando
uma entidade independente a ele acuse e, por aí, solicite a intervenção do tribunal e se o
conteúdo dessa acusação deve ser idêntico desde a acusação até à sentença final então
determinar-se claramente o objeto do processo penal dá-se a garantia de que o acusado apenas
e só será julgado por certos factos e só desses se terá de defender. Como dissemos, esta
identidade tem que ser substancial e, portanto, o conteúdo da acusação deve ser aquele que
será aferido na atividade instrutória e sobre esse conteúdo recairá a sentença. Assim, e claro
está, pretende-se uma identidade substancial e não absoluta: é óbvio que se o processo vai
sofrendo alterações à medida em que os factos vão sendo filtrados pelas várias fases, sendo

1
É o problema que se levanta muitas vezes no Direito da law in book and law in action.
2
Levanta-se doutrinalmente um problema no que toca às designações e essa era até uma querela que se
levantou no nosso Bloco de Teoria de Lei Penal quando Figueiredo Dias levantou a mesma questão para
a preferência entre Direito Penal ou Direito Criminal, sendo que ele próprio assumiu, implicitamente, a
irrelevância da temática e aqui chegamos à mesma conclusão: estamos perante um não problema, dado
que, sendo ou não o formato ideal de menção desta disciplina de direito, é aquela que a lei adota e
teleologicamente podemos arranjar argumentos para defender as várias designações, mas a verdade é
que a lei adota uma e torna-se irrelevante se tanto usamos a vontade legal, quanto a isto, se usamos a
designação de certa doutrina porque nenhuma delas se configura como incorreta nem interfere em nada
no funcionamento do direito.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

produzidas novas provas, sendo conhecidos novos factos, etc. Perante isto, o objeto do processo
penal é um facto aparentemente punível. Há tendência para se dizer que é o crime, mas isso
não é completamente correto, dado que o processo penal corre mesmo sem haver
necessariamente um crime.3 Assim, até à acusação o objeto do processo penal é a suspeita de
um crime e, após a acusação, o objeto é já uma pretensão formulada pelo acusador ao tribunal
para que este comprove tal pretensão através da instrução ou, então, que a julgue.
Relações do DPP com outros ramos de Direito e ciências auxiliares do Processo
Penal
DPP e o Direito Penal
Como já dissemos supra, o Direito Penal tornar-se-ia letra morta se não houvesse a sua
materialização, a sua aplicação perante um facto concreto. De nada valeria que o Direito Penal
definisse os crimes, as penas e as medidas de segurança se depois não tivéssemos o processo
penal para definir o modo de proceder para que se verifique se, juridicamente, ocorreram esses
crimes, para que se definam os respetivos agentes e lhes aplique as consequências jurídicas.
Quer isto dizer que o direito processual penal não permite que o direito penal se torne
meramente semântico operando aqui um princípio de complementaridade funcional, onde o
direito penal é mesmo influenciado pelo direito processual penal. De facto, os valores penais
são muito influenciados pelo DPP. Veja-se o caso da regra do in dubio pro reo que surge da
presunção de inocência do arguido pelo art.32º/2 CRP que conduz a que caso a lei penal não
fosse clara então o julgador tivesse dificuldades em aplicar o direito penal perante o caso
concreto e tivesse que absolver necessariamente a grande maioria dos acusados, mesmo que
estes tivessem efetivamente praticado o crime, porque a lei penal não lhe permitia esclarecer
todas as suas dúvidas quanto à prática do mesmo e respetivas factualidades relevantes. Por isto
a lei penal deve definir regimes que, na prática, sejam suscetíveis de serem provados, sob pena
de se tornar letra morta e de se banalizar o direito penal. Entre o DPP e o Direito Penal tem que
haver uma verdadeira unidade no pensamento fundamental, contudo nunca se afetando a
autonomia que devem ambos devem ter, dado que os seus objetos são diferentes, assim como
as suas intenções. O Direito Penal visa definir quais os bens jurídicos que são socialmente
valiosos e prevê o leque das sanções para os comportamentos ofensivos desses mesmos bens,
sendo que o DPP visa já disciplinar o procedimento pelo qual se averiguar e decide sobre se
ocorreu ou não crime e aplica a sanção penal concretamente, caso seja caso disso.
O processo penal não é, assim, meramente instrumental ou técnico. Ele não se basta com isso,
sendo que é sim um campo em que imediatamente se debate a correlação entre o interesse do
Estado (no que toca à perseguição de criminosos para defesa da sociedade e respetivos bens
jurídicos) e o interesse da pessoa (na defesa da sua liberdade, honra e património). O processo
penal está ao serviço da democracia e visa a garantia dos direitos fundamentais e existe para
que se garantam os direitos fundamentais dos arguidos. Como se notará, mediante o processo
penal se afetariam muito facilmente direitos fundamentais dos arguidos, pelo que não se
admira que com a alteração de um sistema e regimes estaduais seja de paradigmática relevância
importância rever-se o processo penal. Daí que das maiores preocupações do pós-revolução de
abril de 74 e após a Constituição de 76 tenha sido revogar-se o processo penal do Estado Novo
e teorizar-se e emanar-se um totalmente novo e inovador, que fosse ao encontro e à promoção
do Estado de Direito Democrático.

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Veja-se que se pode chegar à fase da sentença e absolver-se o arguido por se entender que não houve
a prática de qualquer crime.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Por último, deve também notar-se que entre o DPP e o Direito Penal há uma relação de
instrumentalidade necessária o que distingue estes ramos de direito e respetiva conexão que
supra falámos dos demais. Noutros ramos de direito alcançam-se consequências ou efeitos
jurídicos sem necessariamente ir-se pela via do processo e este está totalmente dependente de
um impulso processual determinado – salvo exceções – pela vontade dos particulares. No
processo penal isso não ocorre nesses termos, dado que só é possível definir-se certo ato como
crime e aplicar-lhe uma sanção penal por via do processo penal, intentado por uma entidade
pública e independente. Deve-se isto muito ao facto de o Direito Penal tutelar bens jurídicos
enquanto valores essenciais da vida da sociedade e, portanto, bens transversais a todos nós, à
coletividade das pessoas. Noutros ramos de direito isso não ocorre, pelo menos não na
dimensão dos bens jurídicos que o Direito Penal visa tutelar. Veja-se o art.2º CPP o qual refere
que a aplicação de consequências jurídico-penais só podem ter lugar de acordo com a
disposições da lei processual penal. Por isto se refere à tal instrumentalidade necessária: o
Direito Penal não se efetiva em moldes práticos sem necessariamente recorrer ao seu
instrumento: o Direito Processual Penal. Com isto não se quer dizer que apenas por via do
processo estritamente se pode solucionar uma questão penal, dado que o art.2º CPP, com ose
pode ler e como dissemos, apenas prevê que a aplicação das sanções penais é que têm de ser
pela via processual, contudo nada nos diz quanto à possibilidade de, à margem do processo,
ocorrerem atos pelos quais se possam resolver um litígio penal. Veja-se o exemplo dos crimes
particulares e semipúblicos onde se exige que seja apresentada uma queixa pelo ofendido o que
exceciona, de certa forma, a oficiosidade do processo penal. Isto acontece porque os bens que
são afetados são eminentemente pessoais e quando pertencem à pequena criminalidade
entende-se que a danosidade individual do crime é superior à danosidade social do crime, ao
seu alarme social e, portanto, exceciona-se aquela regra da oficiosidade pelo MP pela qual só o
MP tem nas sua esfera o impulso processual (cfr.arts.48ºss CPP). Veja-se ainda o exemplo da
possibilidade de mediação penal onde passando ao lado das penas e das medidas de segurança
e entre o MP, o ofendido e o arguido soluciona-se o litígio penal mediante um acordo. Aqui ao
MP interessa apenas aferir se o acordo vai de encontro aos fins das penas e das medidas de
segurança (Lei n.º 21/2007, de 12 de junho).
DPP e a Criminologia
A Criminologia começou também a estudar o sistema de justiça. Relevaram, para tal, fatores
como os estigmas que o processo penal podia ter no arguido e até na própria vítima. O efeito
do banco dos réus, entre outros podem ter efeitos que tornam frágeis as pessoas que sejam
sujeitos do processo e criam sobre essas pessoas estigmas sociais que se denotam bastante
negativos. Por isto, há institutos no DPP que tentam proteger quer o arguido, quer a própria
vítima, do próprio sistema de justiça, pelo que vemos a criminologia a influenciar e a ter efeitos
sobre o processo penal.
DPP e a Política Criminal
A Política Criminal que designa, numa primeira fase, o conjunto de meios e critérios empregados
ou a empregar pelo Direito Penal para tratar da criminalidade e cada ordenamento jurídico e
sistema jurídico-penal corresponde a uma certa orientação de política criminal. Por isto, o
processo penal é um instrumento de política criminal pois é uma das formas pelo qual a política
– e com isto diga-se a sociedade – trata do fenómeno criminal e portanto tem que haver uma
sintonia entre as finalidades da política criminal que sejam estruturantes do sistema penal e
entre os princípios estruturantes do processo penal, sendo que deve haver uma certa unidade
funcional o que quer dizer que diretrizes de política criminal se traduzem também em diretrizes
de dimensão processual.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Veja-se o caso do fim de prevenção especial positiva das penas (cfr.art.40ºCP) e que consegue
ser cumprido, por exemplo, através do próprio processo com a estipulação de normas pela
política criminal de subtração do agente da pena, porque esta é dessocializadora. Aliás, e
melhor, o próprio processo penal pode ser dessocializador e, portanto, a política criminal define
institutos pelos quais se escusa o agente do próprio processo. Assim, e apesar de o retirar-se do
banco dos réus o arguido não ser propriamente ressocializador, pelo menos não é
dessocializador. Claro está que se segue o fim de prevenção especial positiva, como dissemos,
contudo, nunca afetando o princípio primordial de prevenção geral positiva. Assim, perante
certos tipos legais de crime – de pequena e média criminalidade – aplicam-se estes institutos
mediante a verificação de certos pressupostos. Não se aplicam à alta criminalidade porque, e
como dissemos, já facilmente se afetaria o fim de prevenção geral positiva.4
Finalidades do Processo Penal
Um valor que está assente no processo penal é o de que nenhum responsável penal saia impune
– impunitum non relinqui facinus – e de que nenhum inocente seja condenado – innocentum
non condennari. Por isto, retiramos daqui que a finalidade do processo penal é, entre outras, a
obtenção e a realização da justiça a qual pressupõe a descoberta da verdade dos factos que são
alegados na acusação, visando ainda o restabelecimento da paz jurídica, considerando o
respeito e a proteção de direitos fundamentais.5
Quando falamos da realização da Justiça falamos de um fim jurídico e necessitamos de falar da
necessidade da obtenção da verdade material, a qual é a verdade que é produto das provas que
venham ao processo, contudo deve aprofundar-se isto e tal consegue-se quando se opõe ao
conceito de verdade formal. Enquanto que no processo civil a verdade é formal porque a
verdade ali trazida é aquela que autor e réu trazem ao processo, no processo penal, como se
prossegue a tutela de bens jurídicos a que toda a sociedade interessa, então podem mesmo
promover-se oficiosamente, pelo MP ou pelo juiz, diligências probatórias. Por isto a verdade que
se alcança é aquela que todos os elementos processuais produzem, incluindo a própria
sociedade por via do MP e do tribunal. Por esta via se realiza a Justiça, mediante a possibilidade
de requerimento por todos os elementos processuais da produção de diligências probatórias,
que permitem que o tribunal alcance a certeza jurídica para que possa aplicar a sanção penal
ou, em contrapartida, absolver o arguido. A verdade material é pressuposto para que haja
necessidade de sujeição do arguido a punição, mas que não se entenda por isto que este fim é
absoluto e único, porque como se verá mais abaixo, a obtenção de prova não pode ser admitida
por qualquer via.
Por sua vez, visa-se o restabelecimento da paz jurídica é um fim social que tem uma vertente
individual – paz no arguido e na vítima - e uma vertente comunitária – paz social, da comunidade.
Quer-se alcançar a paz jurídica mediante a pacificação do próprio processo e de uma decisão
juridicamente vinculativa e, portanto, é indispensável para o efeito a obtenção de uma sentença
que confere a força de caso julgado6 àquele processo. Contudo, só existe uma sã consciência de
que se conseguiu a paz jurídica e social caso se tenha respeitado os direitos fundamentais, ponto
que falaremos já de seguida. Do que se trata aqui, ao fim ao cabo, é da prossecução do fim de
prevenção geral positiva, segundo o qual os elementos judiciais devem promover tudo aquilo

4
Veja-se, quanto a estas finalidades das penas, o nosso Bloco de Estudos de Teoria da Lei Penal: As Teorias
Relativas: a pena como instrumento de prevenção e, ainda, Fins das Penas no Código Penal Português (o
artigo 40º); págs.9 a 11.
5
São mesmo estes três negritos que se podem designar como a finalidade do processo penal.
6
Posição de Goldschmidt, para quem o fim do processo era a obtenção de uma sentença com força de
caso julgado.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

que for necessário para que este fim penal (art.40º CP) se verificar, seja através da condenação,
seja através da absolvição.
Como falamos, é indispensável que se protejam os direitos fundamentais o qual é um fim
político e onde, apesar de se admitir alguma afetação ou restrição de direitos fundamentais na
busca pela verdade material, não se pode admitir qualquer afetação para a obtenção da prova.
Não se pode exceder a medida do necessário no que toca à restrição de direitos fundamentais,
porque a justiça não pode ser uma a “qualquer custo” e o processo deve ser equilibrado entre
a eficácia e a afetação de direitos fundamentais. A este meio-termo chama Figueiredo Dias de
tensão dialética. Assim, as provas que sejam obtidas por meio de inadmissíveis métodos de
obtenção de provas sofrem de nulidade (cfr. arts.32º/8 CRP e 126º CPP).

A Constituição Processual Penal


No processo penal temos normas que se aplicam exclusivamente ao processo penal e normas
que se aplicam inclusivamente ao processo penal. O lapso de tempo entre a Revolução de 1974
e a entrada em vigor da CRP de 1976 levantou a querela de aferir o rumo de todo o sistema
político-jurídico. Ou se ia pela via moderada que atualmente vivemos ou, então, ir-se-ia pelo
polo oposto do sistema que se deitou abaixo e, portanto, seguir-se-ia uma ditadura de esquerda
e até integrante, eventualmente, da própria União Soviética. Tendo em vista tal incerteza o
legislador constituinte não quis deixar de estipular na própria constituição aquelas normas
exclusivas para que se fixassem margens basilares no processo penal, que são tópicos fulcrais
na proteção de direitos fundamentais que, como já vimos, o processo penal toca
necessariamente.7
Princípio da garantia de todos os meios de defesa. O Processo Justo e o Processo
Equitativo.
Estamos perante um princípio que a CRP prevê no art.20º/4 e que é lato quando ao seu
conteúdo, só mesmo concretizável através de demais garantias que vão sendo previstas na CRP
e na lei e que vamos analisar abaixo. Claro está que a justiça e sua administração tem que ser
justa e tem que ser equitativa porque a conformação social – o alcance da paz jurídica –
consegue-se quanto mais o processo for justo e equitativo.
Este princípio consegue-se, por exemplo, através da ideia de uma paridade ou equilíbrio entre a
acusante e o acusado, entre a acusação e a defesa onde se deve pautar a ideia de “igualdade de
armas” para que o contraditório seja paritário e a decisão a que levará seja justa. Isto faz ponte
com o que o próprio art.32º/1 CRP estipule que se devem assegurar todas as garantias de
defesa, incluindo o princípio da recorribilidade, pelo qual se admite o recurso a um tribunal
hierarquicamente superior para apreciar daquele processo quando se entenda que o processo
ou a sua decisão não foi a mais justa. Mas todas as garantias do art.32º CRP assim como outras
normas visam alcançar, de certa forma, este tal processo justo e o processo equitativo. Germano
Marques diz mesmo que este princípio não se deve colocar como um princípio autónomo em
paralelo com os demais enunciados, antes constitui, em grande parte, a síntese de vários
daqueles princípios.

7
Abordaremos aqui todos ou praticamente todos os princípios basilares da constituição processual penal,
apesar da docência ter prescindido de alguns, contudo em várias matérias mais à frente iremos bater
neles e, portanto, não se prescinde de se fazer aqui uma referência a todos eles. Por isto enfatizamos
aqueles de maior relevância e abordados com atenção pelos professores, mas não abdicamos de fazer
uma breve referência àqueles que, sendo relevantes, são até implícitos noutros ou até abordados por
outras matérias. Para além disto, e como se verá, os princípios quase que se cumprem uns aos outros.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Princípio da Presunção de Inocência


O art.32º/2 CRP estipula aquele que é um dos mais importantes princípios de direito processual
penal, que resulta do princípio do non liquet pelo qual o juiz perante a incerteza, a dúvida, da
culpa do arguido ou de certos factos determinantes para a punibilidade absolve o arguido, ou
seja ou tem o tribunal a absoluta certeza de toda a factualidade necessária para sancionar
penalmente o arguido ou então vigora aquele princípio tão nosso conhecido do in dubio pro reo,
que se diga que resulta também desta presunção de inocência. O in dubio pro reo entra já na
questão da prova, e pode mesmo dizer-se que o princípio do in dubio pro reo é a tradução em
momento de prova do princípio da presunção de inocência. Por este princípio de índole
probatória o arguido goza de um benefício da dúvida, onde perante prova que não seja plena
ou bastante da sua culpabilidade então o juiz deve absolvê-lo, porque na dúvida, “para o réu”,
absolve-se8. O processo penal nasce efetivamente porque há uma dúvida quanto à
responsabilidade penal do arguido e a certeza quanto a esta só se dá no fim do processo penal.
Se se punisse o arguido sem prova então estar-se-ia a admitir a punibilidade sem prova, o que
recairia aqui quase que apenas no (in)fortúnio do arguido o desfecho do processo penal. Em
questão probatória do princípio da presunção de inocência poderíamos ainda falar do direito ao
silêncio (de defesa negativa) ou à não autoinculpação, contudo quanto a estes vamos abordar
quando dermos o arguido como sujeito processual e o seu estatuto, ou seja os seus direitos e
deveres previstos pelo CPP (art.61º/1/d) CPP).
Note-se que a absolvição não significa que o arguido está inocente, mas pode tão pouco
significar que não há provas suficientes para o punir. No passado, e nalguns sistemas penais,
vigorava um ideal filosófico e que servia a teleologia da presunção de culpa do arguido e que era
o de que o Homem é um ser inerentemente malvado e a inocência era um estado de pureza que
havia sido quebrado desde que Adão cometeu o pecado original. Ora, no sistema atual parte-se
do ideal de que devemos confiar no Homem e que, portanto, ele não naturalmente mau.9 Por
isto, não há motivos para não se assegurarem ao arguido todos as garantias de defesa ou para
o punir se ele não foi solene, publica e judicialmente julgado e dado como culpado por via de
sentença.
O juiz não pode partir do pressuposto de que os arguidos são responsáveis pelos factos que lhes
imputam, mas ao mesmo tempo não podem fugir deste princípio as autoridades que devem,
por exemplo, reservar-se quanto à culpabilidade do arguido e devem abster-se de fazer
declarações públicas quanto ao objeto do processo a fim de se evitar que o arguido seja
publicamente tido como culpado. Assim, este princípio projeta-se por todo o processo penal e
visa que o tribunal forme o seu próprio juízo, imparcial a pressões públicas e sem quaisquer
pré-conceitos determinantes. Mas, note-se que há dois momentos em que este princípio não
vigora no processo penal e, um deles, é o ato do despacho de acusação (cfr.art.283º CPP), dado
que aqui bastam ao MP para acusar os indícios ou uma razoável probabilidade da prática do
crime e, por isso, não se exige a certeza que se exige ao juiz para punir. Nos mesmos moldes
ocorre o despacho de pronúncia onde já basta que haja um convencimento mais tendente para
a culpa do agente do que mais tendente para a sua inocência. Note-se que estas são meras fases
de triagem e que caso se antecipasse este princípio para estas fases então antecipava-se
também o momento do julgamento e da sentença dada a certeza que era necessária e portanto

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beyond a reasonable doubt
9
É um bocado passar por aquela querela filosófica entre Hobbes e Rousseau em que o primeiro entendia
que o Homem é um ser, por natureza, mau e o segundo entendia que o Homem é, por natureza, bom,
mas a vida em sociedade é que o corrompe.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

havendo certeza já se saberia o desfecho do processo e poderia acabar ali o processo, o que
violaria todas as garantias de defesa, o princípio do juiz natural, o contraditório, etc.
O arguido deve ser tratado como inocente porque ele pode mesmo ser inocente e, de facto
como ensina Germano Marques - apesar de poder isto causar alguma confusão e sobre a qual
até temo escrever aqui, porque pode-se confundir o estudante, mas arriscarei – há presunção
de inocência porque há uma certa presunção de culpa. Entenda-se que isto quer dizer que é
porque é suspeito o arguido e porque se recolheram indícios suficientes a que ele seja arguido
de processo penal que se o tem como presumido inocente, não obstante só mesmo no final do
processo ser declarado uma coisa ou outra. Apesar de tudo, será sempre tratado como inocente
pois esse é um dever de tratamento a que ele tem direito.
Este princípio cumpre-se, como se calculará, mediante outros como é o caso do princípio da
celeridade processual pelo qual o julgamento deve correr no mais curto prazo, mas e como diz
o art.32º/2/2ªParte CRP, mediante todas as garantias defesa do arguido, o que implica que se
devem evitar a prática de atos meramente dilatórios visando assim o princípio da economia
processual (arts.291º/1/Parte Final, 323º/j) e 326º/2 CPP). O processo penal deve ser célere
porque pode estigmatizar socialmente o arguido e pode ter efeitos extraprocessuais.
Princípio da Jurisdição
Para um processo penal em que funcione toda a garantia de que o juízo formado pelo tribunal
é do próprio e não parcial e dependente a motivos alheios à questão jurídico-penal e, assim,
legal pelo que, na sequência de um Estado de Direito Democrático, vigora a regra da separação
de poderes e, neste sentido, deve visar-se a independência da jurisdição (cfr.art.art.2º CRP). O
poder de “dizer o direito” - a iuris dictio – tem de se afastar de todos os poderes políticos,
executivos, legislativos… Mas, os próprios órgãos judiciais estão sujeitos ao Direito, pelo próprio
princípio do Estado de Direito mas ainda pelo princípio da legalidade (art.3º/2 CRP). Por isto,
deve procurar-se um equilíbrio entre os poderes do juiz e demais sujeitos processuais, na
própria acusação e na defesa e só assim, numa estrutura acusatória do processo penal como a
nossa, é que se realiza a justiça.
O art.202º/1 CRP estipula tal atribuição aos tribunais da administração da justiça a qual é
consolidada pelo n.2 e prevendo o art.203º CRP a necessidade da tal independência face aos
demais órgãos e poderes estaduais para que a realização da justiça consiga o cumprimento
dos três fins: o jurídico, o político e o social, de que falamos supra. Assim, e ao mesmo tempo,
só aos tribunais incumbe a aplicação definitiva e coerciva da lei criminal, segundo o art.29º CRP.
Também é preceito deste princípio que dentro do próprio processo se devem separar os sujeitos
que têm o domínio paradigmático da fase processual. Note-se que não convinha ser quem acusa
o mesmo que julga, porque o preconceito formar-se-ia naquele que acusa dado que ao acusar
formula uma pretensão ao tribunal, promove uma ação penal, e caso fosse quem acusou quem
julga então seria quase certo que se violaria imediatamente a presunção de inocência do
arguido, por exemplo.
Este princípio é concretizado, ainda, pelo princípio do juiz natural ou legal, o qual vamos abordar
já de seguida e como, por essa via, se entenderá dado que este princípio visa também garantir
a imparcialidade do juiz.
Princípio do juiz natural ou legal
O art.32º/9 CRP estipula este princípio, apesar da letra da lei fundamental não ser a mais
acessível, mas o que se visa aqui é que a determinação do juiz que conhecerá de um processo
seja definida por critérios objetivos, não permitindo a arbitrariedade desta designação do juiz
ou do tribunal. Não pode deixar-se cair ao poder discricionário esta competência de designação,
pelo que deve haver lei anterior ao processo que define que a competência para tal matéria e

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

tal fase pertence a determinado sujeito processual, a determinado tribunal. Mas ao mesmo
tempo deve conjugar-se isso com a sua contrapartida extrema que passa pelo art.209º/4 CRP,
que o resolve, onde também não poderiam haver tribunais com competência exclusiva para
conhecer certos e determinados crimes, categorias pré-definidas, não obstante os tribunais
militares em tempos de guerra (art.213º CRP).
O princípio acusatório. A Estrutura Acusatória do Processo Penal.
Este princípio, do art.32º/5 CRP importa que se conheça, em certa medida, os modelos de
processo penal, que abordaremos após abordarmos esta matéria que atualmente abordamos e,
portanto, remetemos para lá para que se consolide bem o que aqui será referido. Como se verá
há essencialmente três modelos de processo penal: o modelo acusatório, o modelo inquisitório
e o modelo misto. Há ainda um outro, o Reformado ou Napoleónico, mas que não nos releva
para este momento, sem prejuízo de lhe fazermos breve referência quando estudarmos os
modelos de processo penal.
O art.32º/5 CRP indica que o nosso modelo de processo penal tem uma estrutura
eminentemente acusatória e, portanto, rege-se pelo princípio do acusatório pelo qual uma
pessoa só pode ser julgada por um crime quando haja uma prévia acusação feita por órgão
distinto àquele que julgará, ou seja caberá ao tribunal conhecer dos factos que constam da
acusação e àqueles se vincular, assim como àqueles que resultarem da fase instrutória, e
quanto a esses se pronunciar mediante a sentença. Assim, afasta-se a condução pelo tribunal
da própria investigação, ou melhor afasta-se do juiz que julga essa competência, dado que a fase
instrutória é da competência do juiz de instrução (cfr.art.32º/4 CRP e art.17º CPP). Isso seria já
normal num modelo inquisitório, como se verá.
O processo acusatório não se funda apenas e só na existência de uma acusação. Vai bem mais
longe que isso e exige que se separem as funções de investigação, de acusação e de julgamento,
da garantia do contraditório, da verificação do juiz natural que seja imparcial, etc. Por isto se diz
que a estrutura acusatória se densifica, porque passa por uma vertente material/objetiva e por
uma vertente subjetiva. Na vertente material exige-se que haja a tal distinção entre a
acusação, a investigação e o julgamento e na vertente subjetiva que para tais atos
corresponde um órgão distinto: para a acusação um órgão acusador, que diverge do juiz de
instrução para a fase instrutória e que se distinguem do juiz julgador para o julgamento.10 Se a
entidade que julga pudesse à vontade investigar e procurar factos novos para decidir
determinada causa, poderia dizer-se que a estrutura acusatória era puramente formal e que de
facto o juiz acabava por ter poderes para se pronunciar sobre os factos que entendesse.11
Este princípio pressupõe e completa-se com um outro que é o do princípio da acusação ou da
vinculação temática ou da identidade do objeto onde se estipula que quando o Ministério
Público deduz a acusação então fixam-se os factos que o juiz vai poder vir a conhecer em
julgamento, num plano objetivo (factualmente) e num nível subjetivo (quanto aos arguidos).
Assim, o juiz julgador está vinculado aos factos que são trazidos pelo MP. Por esta via se garante
a imparcialidade do juiz mas, ainda, a defesa do arguido (art.32º/1 CRP), porque os factos pelos
quais será julgado estabilizam. O juiz julgador não pode alargar o seu julgamento a pessoas ou
factos distintos daqueles que são objetos da acusação.12

10
Como ensinam Gomes CANOTILHO e VITAL MOREIRA in Constituição da República Portuguesa Anotada,
vol. I, 4.ª edição revista, pág. 522
11
Como ensinam Teresa PIZARRO BELEZA, Frederico ISASCA e Rui SÁ GOMES in Apontamentos de Direito
Processual Penal, págs. 51 e 52.
12
sententia debet esse conformis libello

9
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Como dissemos, e não queremos deixar de enfatizar novamente isto, remetemos para o tema
das modalidades do sistema penal, onde se consolidará este princípio e se entenderá melhor
por via da comparação com os demais modelos de processo penal.
Princípio da igualdade de oportunidades. A isonomia processual
Na sequência duma estrutura acusatória deve verificar-se aquilo a que vulgo se chama igualdade
de armas. Não fosse isto e violar-se-ia a vontade da estipulação da estrutura acusatória no
processo penal assim como, a par disso e necessariamente, se afetaria a presunção de inocência.
Veja-se que se ou o arguido consegue ter alguma paridade no que toca à intervenção no
processo para, perante o tribunal, contraditar e alegar como tem a acusação ou então o arguido
mais valia deixar-se cair, dado que o MP, por exemplo e paradigmaticamente, enquanto órgão
estadual facilmente se sobrepunha ao arguido e toda a sua pretensão era celeremente
procedente. Mas falamos, e naturalmente, do momento jurisdicional, ou seja em fases cuja
competência cabe a um juiz o que implica que se trate da fase de instrução, da audiência e nos
recursos, etc porque em fase de inquérito, por exemplo, o MP goza de todo o aparelho policial
para a investigação e a lei até lhe confere meios de coação que pode usar para estes efeitos.
Neste plano poderíamos falar ainda do direito de ampla defesa do arguido, que tanto é seguida
pelo próprio arguido e seu defensor (defesa formal) assim como pelo próprio tribunal (defesa
material). Dentro da defesa formal a defesa pode ser pessoal (quando prosseguida diretamente
pelo arguido) ou pode ser técnica (quando é prosseguida pelo recurso ao defensor, seja porque
prefere o arguido ir por esta via seja porque tem que ser obrigatoriamente o defensor a praticar
esse ato). A defesa pessoal, ou seja, a prosseguida diretamente pelo arguido, pode ser positiva,
pela via da atuação, ou seja praticando e tendo um papel ativo, ou pode ser negativa, o chamado
direito ao silêncio. Contudo, quanto a isto faremos nova referência, apesar de que breve,
quando estudarmos a matéria dos sujeitos processuais (cfr.arts.32º/1 e 3 e 61º/1 CPP).
Princípio da lealdade
Falamos aqui de um princípio que bate mais na moral e na ética do que propriamente do plano
jurídico. A lealdade é a maneira de agir no processo penal de modo a que se respeite os direitos
e a dignidade de todas as pessoas que nele participam, mais direta ou indiretamente. Visa-se o
respeito pela ética democrática e fixar-se uma postura que vá ao encontro disso mesmo e que
vai bater mesmo nas matérias probatórias inválidas e inconstitucionais que são feridas de
nulidade (art.32º/8 CRP e arts.118º/3 e 126º CPP), dado que, lá está, não se foi leal para com
essas pessoas. Não se adotou tal postura. Este princípio exige que o arguido tenha tal postura,
mas naturalmente também o devem ter todos os intervenientes processuais,
independentemente de quem quer que se trate, incluindo aqui as testemunhas que devem
abster-se de mentir ou o próprio arguido, sob pena de incorrerem no crime do art.359º CP (cfr.
art.61º/3/b) CPP).
Princípio da oficialidade
A iniciativa e a prossecução processual são atribuição estadual. O Estado, por meio dos tribunais
e em nome da sociedade e em especial no plano penal, cumpre a pretensão de tutela de bens
jurídicos (art.202º/2 CRP).
O MP deve impulsionar o processo penal sempre que tenha notícia do crime, seja pela própria
mão seja por via da autoridade policial ou mediante denúncia (art.271º e art.262º CPP). Aliás,
e como estudaremos quando estudarmos os sujeitos processuais, o art.219º/1 CRP refere
mesmo que incumbe ao MP exercer a ação penal o que significa precisamente dar-lhe impulso.
Contudo este princípio está coartado quando o procedimento criminal dependa de queixa por
parte do titular do direito ou de acusação particular, onde mesmo o MP conhecendo da
factualidade não pode impulsionar tal procedimento sem que estes cumpram estes requisitos.

10
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Veja-se os casos dos crimes semipúblicos e particulares onde o MP carece de queixa por parte
de certas pessoas para que possa abrir inquérito ou mesmo só pode prosseguir-se para a fase
de julgamento caso o particular acuse, no caso dos crimes particulares.
Em certa parte, mas não plenamente por isto que acabamos de frisar, o MP tem o monopólio
da abertura do processo.
Princípio da legalidade e da oportunidade
Ao mesmo tempo que ocorre este princípio da oficialidade o art.219º/1 CRP refere que o MP
exerce a ação penal mas sempre subordinado ao princípio da legalidade, o que quer dizer que
o MP procede de acordo com o princípio da oficialidade sempre que se verifiquem os
pressupostos jurídico-factuais e processuais da incriminação para a ação penal. Vejam-se
também os arts.262º/2 e 283º CPP. Afasta-se, assim, a discricionariedade do MP e, portanto, o
MP formular o seu juízo através da subsunção dos factos noticiados na lei e no tipo legal de
crime. Verificados os pressupostos legais então o MP deve promover a ação penal sob pena de
crime de denegação de justiça do art.369º CP.
Para garantir este princípio então a lei permite o recurso hierárquico para o superior no MP
sendo que este pode mesmo intervir oficiosamente (arts.278º e 279º CPP), mas ao mesmo
tempo é possível a fiscalização judicial em certos casos onde pode o próprio assistente requerer
a abertura da instrução, perante a omissão do MP de dedução de acusação (arts.286º e 287º
CPP).
Ao mesmo tempo, e em contrapartida, o MP pode não promover o processo em razão do juízo
que tenha formulado sobre a sua conveniência. Nisto se resume o princípio da oportunidade.
Quer isto dizer que se o MP, fundamentadamente, entender que não é útil prosseguir-se a ação
penal então pode não lhe dar impulso. Contudo, paradigmaticamente segue-se a legalidade,
contudo fala-se de uma legalidade aberta a algumas soluções de oportunidade. Prossegue-se a
legalidade porque se entende que ela é também resultante do princípio da igualdade, contudo
por motivos de prossecução dos fins da justiça pode ser mais eficiente seguir-se por via da
oportunidade, até porque estas soluções ficam sujeitas a uma fiscalização pelo próprio tribunal.
Princípio do contraditório
Diz o art.32º/5 CRP que se rege o processo penal pelo princípio do contraditório, ou seja tanto
a acusação como a defesa devem oferecer as provas que fundamentem as suas teses
processuais e têm o direito de se pronunciar quanto às alegações, iniciativas, atos, etc que os
sujeitos processuais promovam. Estipula ainda aquele artigo que a audiência de julgamento –
enquanto momento de debate entre a acusação e a defesa – se rege por este princípio, mas,
ainda, os atos instrutórios que a lei assim determinar que são, em génese, o debate instrutório
(arts.297ºss CPP) e as declarações para memória futura (arts.271º e 294º CPP).
Princípio da investigação para a verdade material
O tribunal deve esclarecer e instruir autonomamente o facto sujeito a julgamento. Este é mesmo
um poder-dever. O tribunal entra, assim, também em busca da verdade material de que já
falámos supra. Este princípio encontra os seus exemplos nos arts.290º, 323º, 327º e 340º CPP.
Este princípio é o que distingue bastante o processo penal do processo civil. Como falámos
supra13 o processo penal precisa da obtenção da verdade material, enquanto que ao processo
civil basta a verdade formal, dado que é um processo subjetivo, relevante entre as partes – autor
e réu – e os interesses protegidos são os destes sujeitos. No processo penal precisa-se de uma
verdade histórica, de toda a verdade porque se prosseguem a tutela de bens jurídicos que
interessam a toda uma comunidade e o restabelecimento da paz jurídica só se consegue se for

13
Veja-se Finalidade do Processo Penal; págs. 5 e 6

11
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

prosseguida a verdade material, e não só a verdade formal, já que nesta última o processo se
cinge às provas que as partes tragam ao processo.
Princípio da suficiência
O art.7º CPP prevê este princípio. Numa ação penal levantam-se, por vezes, questões
prejudiciais e incidentais no seio dessa mesma ação. Por exemplo, A é acusado de furtar um
quadro, contudo levanta-se a questão de saber se o quadro seria sequer coisa alheia, porque A
já o tinha vendido a B, mas o negócio seria nulo, por hipótese. Esta questão é prejudicial à ação
principal penal e, neste caso, é uma questão que cabe ao direito civil responder, porque a
validade ou invalidade do negócio vai ditar se efetivamente houve ou não a subtração de coisa
alheia. Este princípio encontra o seu par no processo civil no art.92º CPC. Note-se que se o
tribunal se der como suficiente então diz Germano Marques que a questão prejudicial é
processualmente imprópria, mas se a não for suficiente e tiver que se remeter a outro tribunal
e suspender-se o processo penal então a questão prejudicial é processualmente própria.
O que importa perante este princípio é o de se saber se o tribunal penal que conhece da ação
penal é suficiente para conhecer e apreciar também a questão prejudicial. O art.7º/1 CPP
estipula a regra geral: vigora o princípio de que o tribunal é suficiente para conhecer destas
questões prejudiciais e, portanto, a regra é de que as questões prejudiciais sejam
processualmente impróprias. Aqui a força desta decisão prejudicial processualmente imprópria
é de caso julgado formal, porque ao silêncio do CPP aplica-se por analogia o art.97º/2 CPC ex
vi art.4º CPP. Quando a questão prejudicial é do igualmente do plano penal então esta questão
não se levanta e o tribunal que conhece da ação principal será suficiente para apreciar a ação
prejudicial, contudo o problema levanta-se quando a questão prejudicial é já de outra área do
direito, como o caso daquele primeiro exemplo que demos na introdução deste princípio. Para
estes casos o art.7º/2 CPP vem conferir três requisitos para que se afira da suficiência ou
insuficiência do tribunal penal. Desde logo, se houver um nexo de prejudicialidade entre a
questão suscitada e a questão principal, se essa questão prejudicial for não penal – o que quer
dizer que a matéria não pode ser de direito penal, tem que ser de direito civil, administrativo,
etc – e caso a questão não possa ser convenientemente resolvida no processo penal – o que
se baseia na complexidade jurídica da causa, ou seja não é uma questão clara e simples pelo que
estará melhor posicionado o tribunal da área respetiva; quer isto ainda dizer que se a questão
for de outra disciplina de direito mas for acessível então pode o próprio tribunal conhecer dela,
pelo que falha este requisito da complexidade jurídica – então aqui já se deve remeter a esse
tribunal esta questão prejudicial para que a conheça e decida sobre ela e o tribunal penal fica
a essa decisão vinculado, dado que faz caso julgado material pelo que é também vinculativa
não só para dentro do processo como também para fora do processo, para o “mundo” jurídico.
Para este efeito requer-se a suspensão da ação principal, nos termos do art.7º/3 e 4 CPP.
Germano Marques levanta a questão de saber qual a força da decisão da questão prejudicial
penal que, por isso, é conhecida pelo próprio tribunal penal que conhece da ação principal.
Levanta-se, desde logo, a questão da competência do tribunal, da conexão…É que aquele
tribunal pode ser competente para conhecer da ação principal mas a matéria da questão
prejudicial poderia levar a que fosse conferida a competência, nos termos legais, a outro
tribunal. Ora, se o tribunal, pelas normas e requisitos legais, for competente para conhecer
dessa questão prejudicial então pode conhecer essa questão prejudicial, contudo caso não o
seja e a competência, por tais requisitos legais, fosse conferida a outro tribunal então ele pode
julga-lo, por honra ao princípio da suficiência, diferenciando-se pelo facto de que quando ele é
competente julga com a força de caso julgado material, mas quando não o é a força é apenas de
caso julgado formal, tendo apenas efeitos para dentro desse processo. Note-se: deve ver-se a

12
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

competência para a questão prejudicial pelos requisitos legais da competência em razão da


matéria, conexão, etc isoladamente, como que se a questão principal fosse essa.
Princípio da prova livre
Do art. 32º/2 CRP surge ainda o princípio de que o juiz deve formar a sua convicção sobre os
factos submetidos a julgamento, contudo não se rege este princípio por meros meios de
arbitrariedade, mas sim rege-se pelos moldes legais, de acordo com a presunção de inocência
do arguido e de acordo com o princípio da jurisdição e do juiz natural ou legal. O juiz julga de
acordo com os pressupostos legais aliados à experiência que tem enquanto julgador, devendo
por isso mesmo fundamentar sempre as decisões que tenha. O art.127º CPP prevê isso mesmo.
Diga-se, ainda, que este juízo deve ser formado, claro está, imparcial a quaisquer pressões, seja
de que índole forem.
Princípio da oralidade e da imediação. O princípio da concentração.
Do princípio da oralidade – pelo qual se entende que as provas que sejam produzidas e abertas
a contraditório em audiência de julgamento é que podem ser objeto à fundamentação da
decisão do juiz; arts.96º/1 CRP e 206º CRP – surge o princípio da imediação pelo qual se diz que
só pode julgar e proferir qualquer decisão aquele que tenha assistido à produção das provas
e à sua discussão pela acusação e pela defesa. A imediação leva a que se prossiga a celeridade
processual, dado que a memória humana é falaciosa e tende a apagar momentos com o decorrer
do tempo, pelo que após a audiência de julgamento deve a decisão final ser proferida no mais
breve lapso de tempo possível. Este princípio tem limitações, dado que desde 2013 se pode em
audiência de julgamento ler-se declarações prestadas em fases anteriores ao MP (cfr.arts.356º
e 357º CPP).
Podemos falar aqui do princípio da concentração, pelo qual se entende que os atos processuais
não de devem alastrar faseadamente, ou seja devem praticar-se numa só audiência ou então
em audiências que sejam próximas temporalmente entre si para evitar que as impressões do
juiz se vão desvanecendo ou alterando com o correr do tempo. Por isto diz o art.328º CPP que
a audiência é contínua e deve correr sem interrupções ou adiamentos e o art.365º/1 CPP refere
que só em caso de impossibilidade absoluta é que a deliberação final não se segue ao
encerramento da discussão.
O princípio do ne bis in idem. A proibição da punição múltipla pelo mesmo facto
O art.29º/5 CRP estipula que ninguém pode ser julgado criminalmente mais do que uma vez pela
prática do mesmo facto. Quer isto dizer que o princípio representa uma garantia de segurança
individual inerente a um Estado de Direito. O Estado não pode seguir continuamente e
sucessivamente o sujeito pelo mesmo facto. “Persegue-o” uma vez e não alcançando a punição
então a questão deve estabilizar-se, salvo se o caso for, por exemplo arquivado e hajam novas
provas suficientes a que ele seja reaberto nos termos legais. Não é, portanto, permitido que
hajam processos penais com o mesmo objeto de um processo penal anterior e tudo aquilo que
devia ou foi decidido nesse processo anterior não pode ser repetido.

Modelos de Processo Penal


Ao longo da História foram vários os regimes adotados para o processo penal, cada um deles
regido pelos seus próprios princípios. Parece-nos a nós, apesar de que sucintamente, relevante
abordá-los até porque desta forma conseguir-se-á entender e enquadrar o sistema processual
penal português no sistema acusatório, apesar de que não plenamente. Iremos abordar o
modelo inquisitório, o modelo acusatório e o modelo reformado ou napoleónico. Como se verá,
cada modelo de processo penal enquadra-se no regime político-social vigente à época.

13
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

O Modelo Inquisitório
A ação: arbítrio do inquisidor; Presunção de culpa; Possibilidade de novos factos a qualquer momento
processual; inquisidor pode investigar e julgar; confissão como regina probatio; princípio do secreto.

O modelo inquisitório coloca em evidência a forma como a laicidade do Estado tem uma enorme
relevância em qualquer regime político. Na Idade Média vigorava a teocentricidade pelo que as
leis políticas deviam respeitar as leis religiosas. A Santa Sé tutelava todos os reinos e impérios
europeus e, inclusive, só era reconhecido como reino aquele conferido de tal qualidade
mediante uma Bula Papal. A Santa Sé era mesmo como que um organismo supranacional de
Direito Internacional.
A contestação ao poder da Igreja levou a uma reação por parte desta e de onde surge o Santo
Ofício da Inquisição enquanto um tribunal da Santa Sé que julgava matérias religiosas e nos
reinos subordinados à égide daquela. Teve como fim a eliminação dos focos de rebelião que
existiam pela Europa contra a Santa Sé e os fins penais usados para o efeito foram os de
prevenção geral negativa, onde através do receio causado à população alcançava-se uma dupla
finalidade: eliminar os inimigos da Igreja e enriquecê-la, mediante confiscos.
O processo do Santo Ofício da Inquisição favorecia a perseguição religiosa. As regras processuais
eram eficazes nesse sentido. A ação era instaurada contra certa pessoa e arbitrariamente
dependente, não obedecendo a requisitos legais. Aceitavam-se devassas14 e que eram
suficientes a que o inquisidor pudesse, sem necessidade de grandes indícios ou até mesmo com
quase nenhuns, instaurar um processo. Por esta via interesses sobrepunham-se a qualquer
outro fim. A arbitrariedade humana é traiçoeira e o Homem pouco é de se confiar. Rapidamente
o inquisidor seguia um sujeito sobredotado patrimonialmente, pois era conveniente à Igreja – e
até a si, diga-se – que sobre os bens desse sujeito recaíssem confiscos a favor da Igreja. A
instauração do processo não precisava de fundamentos para esse efeito e tudo isto poderia
servir nem que fosse apenas para demonstrar à sociedade onde residia o poder. Acrescido a
tudo isto, recaia sobre o arguido uma presunção de culpa pela qual – e por oposição ao
democrático liberal princípio da presunção de inocência – se partia do pressuposto que aquele
era culpado, dado que se Deus quisesse que aquela pessoa não fosse julgada e tida como
culpada então não tinha sequer surgido oportunidade de denúncia. Por vezes – e não raras vezes
– isto conduzia imediatamente à privação de liberdade através da prisão preventiva. A Inquisição
nomeava um defensor para o arguido, mas era este interpelado a confessar pelo próprio
defensor, dado que o próprio defensor do arguido lhe passava a ideia de que a confissão era a
melhor das soluções para ele. Acrescendo a “inutilidade” do defensor ao facto de que a qualquer
momento processual poderiam surgir novos factos então estava impossibilitada a defesa, aliás
nem sequer era possível pensar-se numa defesa, porque tais factos eram totalmente alheios
ao arguido.
A separação de poderes não era ainda sequer uma realidade e, portanto, o inquisidor que
investigava era exatamente o mesmo que julgava. O investigador cria os seus preconceitos à
medida que investiga, formula o seu próprio juízo altamente dominado por aquilo que vê e que,
por isso, é totalmente parcial o que iria levar necessariamente a que o julgamento fosse
impossível de se reger pela imparcialidade. Aliado e totalmente corroborador deste juízo
altamente parcial estava o facto de a investigação e a produção de provas se reger por métodos
nada científicos e que, por isso, logo à partida estavam, por natureza, pré-definidos a um
resultado: a culpabilidade do arguido. A rainha das provas era a confissão do arguido dos factos,
o que se alcançava pela via da dor imposta pela tortura, o que levava a que não poucas eram as

14
denúncias anónimas

14
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

vezes em que se confessavam tais factos mesmo sem deles se ter qualquer culpa, mas a dor
tornava-se insuportável. Caso o arguido confessasse ou se cedesse perante as torturas isso
demonstrava que o auxílio de Deus não foi presente nesse sujeito e isso significava culpa.
O princípio do secreto levava a que tudo isto ocorresse no segredo e, portanto, vai de encontro
aquilo que acabamos de dizer: o contraditório ficava extremamente difícil, não obstante o
arguido ser chamado a defender-se. Mas de que se defenderia o arguido se desconhece os factos
que lhe são imputados ou que sustentam a acusação?
Estamos perante um modelo que é bastante visível em Estados autoritários, porque se
reprimem os revoltados políticos. Acabou por não ter força em Inglaterra, dada a vigência forte
do protestantismo e que se afastava dos ideias católicos. A própria revolução francesa levou a
que estes processos inquisitórios começassem a ser postos de parte e a deixaram-se influenciar
pelo modelo inglês e anglo-saxónico, com um cariz mais acusatório.
O Modelo Acusatório
Separação de poderes; identidade do objeto do processo; princípio do dispositivo; princípio da presunção
de inocência; princípio da liberdade; princípio da igualdade de armas; caso julgado material.

No processo penal a separação de poderes passa pela diferenciação entre quem investiga e
quem julga, da mesma forma que quem acusa não é quem julga.
Perante a acusação e durante todo o processo, o objeto e os factos devem ser os mesmos o que
quer dizer que tem que haver uma identidade do objeto do processo. O julgamento versa sobre
os factos da acusação e estes mantêm-se intocáveis. Para além disso, a promoção oficiosa da
produção instrutória não ocorre, ou seja, a decisão passa pelo júri e não pelo juiz. O juiz entra
apenas como como moderador do julgamento e nem sequer chega a tocar o direito, dado que
a acusação é composta pelos factos e pelo direito e a prova leva a que os jurados apenas
afirmem se os factos ocorreram ou não.
Pode-se dispor do processo o que significa que vigora um princípio do dispositivo o que implica
que os intervenientes possam negociar os termos da acusação ou pode o MP deixar de investigar
o arguido. Isto sucede-se porque, por exemplo, o arguido pode ter alguma informação relevante
e que pode levar a mais penas. O MP, num pleno modelo acusatório, segue uma finalidade quase
que quantitativa, ou seja prefere punir mais do que melhor, entendendo-se que a sociedade
prefere mais penas do que maiores penas. A negociação do corpo da acusação é
responsabilidade das partes porque, eventualmente, estão inseguras da prova e, portanto, em
vez de se acusar, por exemplo, por um homicídio qualificado acordam em que a acusação seja
por um homicídio simples, porque a prova não consegue chegar à qualificação do homicídio.
Veja-se que isto cumpre o interesse de todos: para o MP porque consegue igualmente a punição
do arguido, porque tem uma prova mais forte para um crime menos grave e o arguido consegue
ver a moldura penal abstratamente aplicável diminuir ou fica até mais fácil alcançar a absolvição.
Vigora, ainda, um princípio de presunção de inocência e que leva a que o arguido seja tido como
inocente até prova em contrário, conferindo ao MP o ónus da prova.
O princípio da liberdade conduz a que só excecionalmente e subsidiariamente é que se deve
aplicar uma medida preventiva, como a prisão preventiva, o que quer dizer que o arguido deve
ser mantido em liberdade até ao final do julgamento. Daqui surge a figura de caução onde o
arguido deve prestar um valor para que garanta que não foge, etc, configurando-se como uma
garantia.
Vigora um princípio de igualdade de armas o que leva a que o MP e o arguido estejam em
paridade, em pé de igualdade e tentam debater os factos, sempre numa lógica de contrariedade.
O princípio do caso julgado material leva a que perante uma sentença transitada em julgado
então o arguido não pode voltar a ser reprovado pelo mesmo facto (ne bis in idem).

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

O Modelo Reformado ou Napoleónico ou Misto


Duas fases: a fase de instrução – com características inquisitórias - e a fase de julgamento – com
características acusatórias.

Este é um modelo de processo penal do pós-revolução francesa que institui o Estado num de
Direito e Liberal. Os processos de cariz inquisitório perderam a sua força e a Inglaterra, como
vimos, tinha já o sistema acusatório que vem inspirar imenso este modelo francês e
napoleónico.
Manteve-se uma fase inquisitória que se traduzia na fase instrutória que era secreta e não
estava aberta ao contraditório. A fase de instrução é uma fase de investigação o que conduz a
que esse seja o primordial fim que se pretende prosseguir. Ora, não havendo contraditório então
poder-se-ia dizer que estavam logo violados princípios básicos inerentes a um Estado de Direito
Liberal, contudo como na fase de julgamento iria haver abertura ao contraditório e toda a
matéria processual é suscetível de tal debate então considerava-se que esses princípios não se
violam e nesta fase, então, se alcança o modelo acusatório.
Os países que foram inspirados por esta revolução e que foram adotando modelos mistos iam
buscar traços inquisitórios e traços acusatórios, levando a modelos variados, mais ou menos
inquisitórios, mais ou menos acusatórios, dependendo se o Estado fosse mais autoritário ou
mais liberal. Na Europa Ocidental os modelos não são plenamente acusatórios, como o é na
Inglaterra, dada a divergência das famílias de direito e até porque os propósitos do processo
penal divergem.

O Modelo vigente no Processo Penal Português


Como vimos supra, o processo penal português tende na sua grande maioria para ser um
processo penal regido pelo modelo acusatório, contudo nem perto da sua plenitude. Na fase
de inquérito o MP e toda a sua estrutura conferem uma natureza predominantemente
inquisitória a essa fase. Atualmente a regra é a da publicidade desta fase, contudo o MP pode
estabelecer o segredo a fase de inquérito. Esta fase ocorre secretamente, geralmente (art.86º/2
e 3 CPP) e é escrita (art.276º CPP) e o MP tem mesmo amplos poderes de investigação (art.267º
CPP). A defesa não tem acesso aos autos do processo e vai, nesta fase, desconhecendo os factos
e provas que vão sendo recolhidas. Também a fase de instrução é dominada pelo princípio
inquisitório (art.289º/2 CPP).
Mas o processo penal, como vimos, rege-se pelo princípio da legalidade e por todos os outros
demais visto no capítulo anterior e que visam impor os limites dos toques inquisitórios do
processo. Vejam-se os exemplos dos arts.126º, 268º ou 269º CPP.
Tudo isto ocorre porque o fim destas fases é alcançar a verdade material15e, portanto, vigora o
princípio da investigação em força porque se quer salvaguardar o interesse público no processo
penal.
Por isto diz-se que o processo penal português é na sua grande parte um modelo acusatório,
contudo coartado da plenitude pelo modelo inquisitório nestas fases em que se prosseguem
interesses que justificam tal intervenção desse modelo.

As Fontes do Direito Processual Penal


O Direito Processual Penal, como já não deixa de ser uma realidade em qualquer disciplina de
Direito nos dias de hoje, é altamente influenciada pelo Direito Internacional. Há certas normas

15
Veja-se, quanto a isto, Finalidades do Processo Penal (págs.5 e 6) e Princípio da Investigação (págs.11
e 12).

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

de direito interno e hoje tidas nesses moldes, mas que são meras transposições de normas
internacionais, algumas mesmo de ius cogens. O mesmo, mutatis mutandis, podemos dizer
quanto à normas constitucionais, que como vimos com algum detalhe acima estipulam
importantes e basilares princípios pelos quais se rege o processo penal. Para além daquelas que
falámos temos, por exemplo, a prisão preventiva prevista no art.28º CRP, etc. O art.32º CRP é a
espinha dorsal do processo penal, mas em nada se obsta a que sejam analisadas outras normas
com aplicação no plano processual penal. Entre tantas normas podemos dar alguns exemplos:
vejam-se os direitos fundamentais pessoais, veja-se o art.27º CRP sobre a liberdade e segurança
que não por coincidência aborda matérias penais, os artigos seguintes àquele referido, etc.
Principalmente destas duas fontes que são emanadas normas, hoje até já positivadas, mas que
eram antes princípios suprapositivos.
No plano legal o Código de Processo Penal e legislação avulsa são relevantes para a esclarecer
e concretizar as normas basilares que surgem das fontes acima referidas. O legislador, ao pensar
e prever estas normas, deve ter a atenção a fazer delas normas claras, contudo uma norma
muito clara e definida e sem qualquer indeterminação leva a que possam haver lacunas e que
não permite a densificação dos conceitos, daí que o sentido teleológico da norma é em tudo
importante para que, por esta via, consigam a dogmática e a jurisprudência ir concretizando e
densificando a aplicação daquelas. Uma norma muito definida leva a que também possa o
sujeito aproveitar-se daquelas suas lacunas, porque uma determinação implica a aplicação a
uma determinação muito certa de circunstâncias e não é isso que se pretende. O equilíbrio entre
a norma clara e a indeterminação é o que se pretende.
A interpretação e a integração de lacunas
No que toca à interpretação e integração da lacuna é que entra em força a doutrina e a
jurisprudência.
No que toca a regras de interpretação não há aqui especificidades. Contudo, deve notar-se que
a interpretação extensiva – que por vezes levanta imensas dúvidas quanto à sua admissão em
Direito Penal – é admissível, porque devem interpretar-se as normas por critérios teleológicos e
não apenas pelos critérios literais. Para além disto, em códigos anteriores ao interpretação
extensiva era expressamente proibida e, na atualidade, o código é omisso quanto à sua
admissibilidade e entende-se que isto é mais um elemento de que se tende a aceitar a
interpretação extensiva, porque se entende que o legislador quis prescindir da proibição da
interpretação extensiva.
No que toca à integração de lacunas o art.4º CPP é já aqui relevante e traz-nos claramente o
procedimento a adotar-se perante uma lacuna legal. Desde logo deve, através da analogia iuris
e não somente através da analogia leges procurar-se a solução numa norma do próprio código
penal que regule situação análoga. A analogia iuris procurar a solução não só na analogia leges,
mas usa dos princípios gerais de direito para encontrar solução analogamente aplicável. Podesse
dizer que é um recurso bem mais amplo do que aquele que a analogia leges confere, a qual
apenas procura a aplicação de uma norma legal a um caso afim, análogo. Perante a falta de
integração da lacuna por via da analogia então, e só subsidiariamente, é que se aplicam normas
de processo civil porque o próprio processo civil é tido como a teoria geral do processo, não
obstante isto não ser doutrinariamente pacífico. Acresce a isto o facto de ser o processo civil
aquele mais completo e detalhado. Claro está que as normas aplicáveis devem harmonizar-se
com o processo penal, principalmente no que toca à proteção do arguido. Em último caso, e à
impossibilidade do processo civil integrar a lacuna do processo penal, aplicam-se os princípios
gerais de processo penal. Prevalecem as normas de processo civil a estes princípios pelo facto
de as normas de processo civil serem mais específicas do que os princípios. Isto porque se
levantaria a questão de se são os princípios da área do próprio processo penal não deveriam

17
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

prevalecer das normas de outra área de direito? A resposta é aquela e por aquilo. O recurso a
estes princípios são mesmo o último dos recursos, dado que até antes de se recorrer aqui deve-
se harmonizar as próprias normas de processo civil com os princípios de processo penal. Por isto
mesmo podemos dizer que os princípios gerais de processo penal cumprem dupla função: uma
negativa e que se baseia no controlo do recurso ao processo civil e uma outra positiva onde os
princípios se configuram como diretamente integradores de lacunas.
A Aplicação da Lei Processual Penal no tempo e no espaço
Aplicação da Lei Processual Penal no tempo (art.5º CPP)
A lei processual penal nova (LN) faz-nos levantar a questão de saber em que momento em que
entra em vigor e que pode ser em três momentos diversos, dependendo do estado do processo
concreto sobre o qual se afere a aplicação ou não da LN, ou seja trata-se de uma divisão
cronológica. A LN pode entrar em vigência no ordenamento jurídico antes da abertura do
processo penal e, portanto, quando o processo penal se inicia já a LN está em vigor; A LN pode
entrar em vigor na pendência do processo penal, ou seja o processo já se iniciou mas ainda não
se encerrou; A LN pode entrar em vigor após o encerramento do processo penal. Claro está que
a questão apenas se levanta quando a LN entra em vigor na pendência do processo penal,
porque se entra antes então o processo penal já se iniciou na vigência dessa lei e, por isso, incide
sobre esse processo essa mesma lei e se a LN entrou em vigor após encerrar-se o processo penal
então já não lhe interessa em nada. Por isto a questão é: a LN aplica-se aos processos que estão
pendentes à altura da sua entrada em vigor, ou apenas para os processos futuros à entrada
em vigor da LN?
O art.5º/1 CPP refere a aplicação imediata da lei processual penal nova. Esta é a regra geral.
Assim, a regra geral é de que os próprios processos pendentes veem ser-lhes aplicada a LN,
contudo diz aquele artigo que não se podem por em causa, perante a LN, a validade dos atos
já praticados no processo penal. A aplicação imediata da lei processual penal prende-se com a
questão dos direitos fundamentais, porque se a LN não afeta esses direitos do arguido então
deve-se aplicar imediatamente, porque ela terá sido teorizada e tipificada em vista o melhorar
do processo penal. Para além disto, uma LN vem alterar uma norma do CPP ou de lei avulsa e
não costuma alterar profundamente tal norma ou criar uma mudança abrupta do processo
penal, pelo que dificilmente afetará direitos processuais pendentes. O art.5º CPP não está
previsto com vista à alteração substancial e profunda do processo penal – sem prejuízo do
art.5º/2/b) CPP -, como por exemplo a derrogação de um Código de Processo Penal e a entrada
em vigor de um novo. Para isto o próprio diploma preambular desse código tende a solucionar
essa questão. Veja-se que a regra da entrada em vigor do nosso atual código é a da aplicação
mediata, como se retira do diploma que o aprovou (arts.5º e 7º do DL N.º78/1987), mas porque,
lá está, implicam mudanças profundas e substanciais no processo penal.
O art.5º/2 CPP estipula que a regra da aplicação imediata é afastada quando haja uma
limitação do direito defesa do arguido, dado que há um agravamento sensível da situação
processual do arguido e pode-se evitar isso perante a LN (art.5º/2/a) CPP) ou pelo facto de da
LN vir a estipular uma alteração mais profunda e onde se pode quebrar a harmonia do processo
penal e a unidade dos vários atos processuais, ou seja são casos em que a LN vem tornar
incompatíveis os atos praticados com aqueles a serem praticados (art.5º/2/b) CPP). Neste n.2
deste artigo a regra é já, portanto, a da aplicação mediata da LN.
Aplicação da Lei Processual Penal no espaço (art.6º CPP)
O art.6º CPP é bastante pragmático e diz logo que é aplicável a todo o território português a lei
processual penal, mesmo que que esteja a ser aplicada uma lei substantiva de um outro
ordenamento jurídico que não do direito penal português, por causa das questões da aplicação

18
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

da lei no espaço que estudámos em Teoria da Lei Penal, por exemplo.16 Para além disto, e como
prevê o art.6º CPP, pode-se aplicar a lei processual penal portuguesa no estrangeiro quando
hajam acordos de Direito Internacional Público que regulem nesse sentido, contudo à data
esses são inexistentes. Por isto vigora o princípio da lex fori /territorialidade onde é competente
para regular o processo a lei processual do foro da jurisdição criminal à qual foi submetida o
processo.
Mas a força executiva de uma sentença proferida por tribunal estrangeiro está dependente da
verificação por tribunal português para que tenha tal força executiva em território português. É
um momento de revisão e de confirmação de tal sentença (art.234º e 235º CPP).

A Natureza dos Crimes


É, em tudo, relevante conhecer-se da natureza dos crimes porque a sua incidência é total no
processo penal. Apesar de nos referirmos a estas distinções sucintamente é, em tudo, muito
importante conhecer-se a distinção e a sua implicação para a resolução de situações práticas.
Falamos da classificação de crimes em públicos, em semipúblicos ou em particulares e que vão
criar diferenças no que toca à própria instauração do processo pelo MP o que vai influenciar e
excecionar o princípio da oficialidade, pelo qual o MP deve impulsionar obrigatoriamente,
perante a notícia de um crime, a ação penal.17 Assim como na própria prossecução do processo
é relevante esta classificação, como se perceberá mais para a frente.
Os crimes públicos são aqueles cujo procedimento está apenas dependente da notícia pelas
autoridades judiciárias ou policiais, bem como a denúncia facultativa de qualquer pessoa. As
entidades policiais e funcionários públicos são obrigados a denunciar os crimes de que tenham
conhecimento no exercício de funções.18 Nestes o processo corre mesmo contra a vontade do
titular dos interesses ofendidos, porque se entende que os interesses ofendidos não são
principalmente aqueles do ofendido, mas são os tais interesses da sociedade. Aqui o princípio
da oficialidade entra em grande força e na sua plenitude porque apenas depende do MP o
processo penal.
Os crimes semipúblicos são aqueles cujo processo penal não pode ser impulsionado sem que a
pessoa - com legitimidade para tanto19 - faça queixa a autoridade competente para tal. As
entidades policiais e funcionários públicos são igualmente obrigados a denunciar esses crimes,
sem embargo de se tornar necessário que os titulares do direito de queixa exerçam
tempestivamente o respetivo direito sem o qual não se abrirá inquérito20 (art.49º CPP e art.113º
CP). Aqui é admissível a desistência da queixa (art.51º CPP).
Por último os crimes particulares são aqueles cujo procedimento depende da prévia
constituição como assistente da pessoa com legitimidade para tal21 (art.50º/1 CPP) e da
oportuna dedução da acusação particular por essa pessoa. Os mais comuns são os crimes contra
a honra (injúria e difamação, bem como alguns crimes contra a propriedade entre pessoas com
laços de parentesco próximo).22 Em bom rigor não se devia falar de acusação, porque esse é o
ato pelo qual o MP e que a este órgão está adstrito, que se cumpre com o fim do inquérito ao

16
Veja-se, quanto a isto, a Aplicação da Lei Penal no Espaço no nosso Bloco de Estudos de Teoria da Lei
Penal, págs.20 ss.
17
Quanto a este princípio falamos nas págs.10 e 11 deste Bloco.
18
De acordo com o site da Procuradoria Geral Distrital do Porto; https://www.pgdporto.pt/proc-
web/faq.jsf?ctxId=85&subCtxId=86&faqId=432&show=&offset=
19
Por norma, o ofendido ou representante legal ou sucessor.
20
De acordo com o site da Procuradoria Geral Distrital do Porto; https://www.pgdporto.pt/proc-
web/faq.jsf?ctxId=85&subCtxId=86&faqId=433&show=&offset=
21
Por norma, o ofendido, o seu representante legal ou sucessor.
22
De acordo com o site da Procuradoria Geral Distrital do Porto; https://www.pgdporto.pt/proc-
web/faq.jsf?ctxId=85&subCtxId=86&faqId=434&show=&offset=

19
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

submeter o MP a causa a julgamento. O que em bom rigor ocorre é uma queixa pelo que têm
semelhança quanto a isso aos crimes semipúblicos, contudo nestes crimes particulares a
acusação é feita pelo particular e não é já competência do MP como se pode retirar do art.50º/2
CP onde se vê que o MP tem uma função mais complementar e supletiva do que propriamente
principal. Para isto, o ofendido deve constituir-se como assistente e, apesar de ir atuar pelo seu
advogado, ele é que é o sujeito processual tendo um ónus, um direito que exerce se pretender,
exerce, contudo não é obrigado a tal.
Não ia o legislador deixar à arbitrariedade a classificação dos crimes e, portanto, temos de ir ao
Código Penal para entender se o crime é público, semipúblico ou particular. Assim, se o tipo
legal de crime for omisso então o crime é público. Quando se disser que o procedimento criminal
depende de queixa então este é um crime semipúblico. Quando se disser que – para além da
queixa – depende de acusação particular então o crime é particular.23

Os sujeitos processuais
Não vamos falar aqui de todos os intervenientes processuais. Nestes também se inserem os
participantes, os quais não têm poderes dentro do processo e, portanto, a sua intervenção
esgota-se quando se verifique a situação para os quais estavam convocados. Os sujeitos
processuais têm já poderes dentro do processo, poderes que vão influenciar todo o seu
percurso. Para além disto têm, até, poderes-deveres e a sua intervenção leva a que se vá
conformando a concreta tramitação do processo mediante a forma de atuação do sujeito.
São sujeitos processuais o tribunal, o Ministério Público, o arguido e o assistente. Aqueles dois
primeiros são órgãos de direito público e cujos poderes são, indubitavelmente, poderes-deveres
porque têm o tal compromisso com o ordenamento jurídico público. Os últimos dois são já
sujeitos autónomos e têm direitos subjetivos.
O Tribunal
O art.202º/1 CRP estipula que o tribunal é um órgão de soberania e que administra a justiça em
nome do povo, como já tivemos oportunidade de ver. Por isto são os poderes do tribunal
verdadeiros poderes-deveres, porque é quase como se a sociedade atuasse, só que pela mão do
juiz. O art.205º/1 CRP e o art.97º/5 CPP referem a necessidade obrigatória de fundamentação
da decisão por parte do tribunal o que releva imenso para que possa haver conformação à
decisão e com as posições adotadas. Isto é até transversal a qualquer sujeito processual: note-
se, por exemplo, que caso o advogado não fundamente as suas exposições, requerimentos, etc
podem mesmo ser indeferidas liminarmente falta de fundamentação. Este princípio vem roçar
a questão do Estado de Direito, do Estado sujeito ao Direito, porque faz com que as decisões
judiciais não sejam meramente arbitrárias e com um caráter autoritário. A única autoridade que
se procura é a autoridade da fundamentação e da argumentação.

23
Deve-se ressalvar que, por vezes, o artigo do crime é omisso, contudo isso não quer dizer
automaticamente que se trata de um crime público. Por vezes o legislador, por uma questão de se não
repetir constantemente e de orgânica do CPP, estipulou no fim de uma série de crimes, parte do código,
etc um artigo em que define que certos artigos ficam dependentes de queixas ou de acusação particular.
Veja-se o exemplo dos arts.190ºss CP do Capítulo VII que, com exceção do art.193º CP, são crimes
semipúblicos, porque o art.198º CP assim o refere. Aqueles artigos são omissos e, por isso, poder-se-ia
achar que eram crimes públicos, mas não, são crimes semipúblicos. O mesmo pode ocorrer se o crime for
semipúblico, mas dependendo de certos requisitos especiais já se torna particular. Veja-se o exemplo dos
crimes dos arts.203º CP ou do art.205º/1 CP onde se estipula que casos verificados os pressupostos do
art.207º/1 CP então o procedimento já não depende só de queixa (203º/ 3 e 205º/3 CP), mas depende já
de acusação particular, ou seja o crime deixa de ser semipúblico para se tornar particular. Que se atente.

20
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

No que toca ao tribunal importa estudar-se a matéria da competência e vamos incidir


principalmente na competência hierárquica, na competência material, na competência
funcional, da competência territorial e vamos encerrar com a competência por conexão.
Competência hierárquica
Aqui não há muito que se diga. Desde logo, e como se sabe como é transversal a todos o sistema
de organização judiciária, vigora um princípio de competência residual sobre os tribunais de
primeira instância o que quer dizer que em casos especiais que a lei atribua competência
imediata aos tribunais superiores (Tribunais da Relação e Supremo Tribunal de Justiça24) então
a competência não é dos tribunais de comarca mas será já daqueles (cfr.arts. 42º e 80º/1 Lei de
Organização dos Sistemas Judiciários25). Quer isto dizer que a competência só não é, à partida,
do tribunal de comarca quando a lei preveja que compete a tribunal de hierarquia superior a
competência sobre tal processo penal. Aqui entramos na competência material dos tribunais da
Relação ou do STJ os quais varia mediante a qualidade que o arguido apresente. Como se verá
abaixo a competência material tem maior relevância na competência do tribunal de primeira
instância a qual variará não pela qualidade do arguido, mas sim pelo objeto do próprio processo.
Os arts.11º e 12º CPP preveem estas questões especiais. Veja-se que, assim, o tribunal da
Relação ou o STJ pode atuar como que se fosse o tribunal de 1ª Instância quando os crimes
sejam cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos
(art.12º/3/a) CPP), quando se tratem de processos de extradição (art.12º/3/c) CPP), etc ou
quando os crimes sejam cometidos por Presidente da República, Presidente da AR ou Primeiro-
Ministro no exercício das suas funções (art.11º/3/a) CPP), quando sejam crimes cometidos por
juízes do próprio STJ e das Relações e ainda magistrados do MP que exerçam funções junto do
STJ (art.11º/4/a) CPP), apreciar pedidos de habeas corpus por prisão ilegal (art.11º/4/c) CPP),
etc.
Para além disso têm competência para outras matérias, algumas de interesse interno do próprio
STJ ou da Relação, mas ainda são tribunais de revisão (arts.12º/3/b) e 11º/3/b) CPP e art.42º
LOSJ).
Competência material
A competência material tem que ver com a espécie de tribunal competente para conhecer
daquela causa e que se diferencia dependendo da gravidade do crime em questão. Falamos
aqui, principalmente, da competência do tribunal singular, do tribunal coletivo ou do tribunal
de júri no plano do tribunal de 1ª Instância. Em termos pouco rigorosos podemos dizer que a
definição vai variar para os crimes menos graves, para os quais será competente o tribunal
singular, para os crimes graves, para os quais será competente o tribunal coletivo e para os
crimes mais graves será competente o tribunal de júri. Novamente: é pouco rigorosa esta
apresentação, contudo serve apenas para se entender a ideia introdutória que se quer passar.
Na competência hierárquica vimos que o Tribunal da Relação ou o STJ são materialmente
competentes quando o arguido apresente uma certa qualidade e que leva a que essa causa seja
aposta à competência do tribunal respetivo. Mas aqui a competência material passa já pelo
próprio objeto do processo, ou seja, depende do crime que se está a tratar e nada tem que
ver com o arguido e suas qualidades.
O tribunal singular é competente para conhecer das causas que não caibam à competência
dos tribunais de outra espécie. Estipula-se um critério residual (art.16º/1 e art.132º/2 LOSJ).
Esta gravidade do crime de que fomos falando é aferida principalmente pela moldura penal que
o tipo legal preveja para certo crime, portanto vigora principalmente o critério quantitativo.

24
Doravante STJ.
25
Doravante LOSJ.

21
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Como se poderá facilmente retirar do art.16º/2/b) CPP o tribunal singular – composto apenas
por um juiz pelo art.132º/1 LOSJ– é competente para conhecer dos crimes cuja pena máxima
abstratamente aplicável seja igual ou inferior a cinco anos de prisão. Do art.14º/2/b) CPP
retira-se que o tribunal coletivo – composto por três juízes pelo art.133º/1 LOSJ – é competente
para conhecer dos crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável seja superior a cinco
anos de prisão. Do art.13º/2 CPP estipula que o tribunal de júri – composto pelo tribunal
coletivo e composto por jurados pelo art.136º/1 LOSJ – é competente para os crimes cuja pena
máxima abstratamente aplicável seja superior a 8 anos de prisão. Mas a estes importa notar-
se que nunca basta o critério quantitativo, dado que é sempre necessário que a sua intervenção
seja requerida pelo MP, pelo assistente ou pelo arguido (art.13º/2 CPP). Para além disto deve-
se sempre atentar ao que diz o art.207º CRP que estipula tal intervenção, contudo refere
expressamente que o tribunal de júri nunca pode ser competente para conhecer de crimes de
terrorismo (cujo art.1º/i) CPP define) ou de criminalidade altamente organizada (cujo art.1º/m)
CPP define). Isto será ainda muito importante para efeitos do art.13º/1 CPP, mas já lá
chegaremos.
Mas é insuficiente e incorreto dizermos apenas isto. A verdade é que não basta notarmos os
critérios quantitativos porque a lei estipula ainda critérios qualitativos e que se orientam numa
relação de lei geral-lei especial. Quer isto dizer que se têm como critérios gerais os critérios
quantitativos e que se terão como critérios especiais os critérios qualitativos, ou melhor serão
os critérios qualitativos já considerados como critérios excecionais. Assim sendo, e numa lógica
de lex specialli derrogat generalli26, quando seja aplicável um critério qualitativo afastamos o
critério quantitativo, mesmo que o critério qualitativo confira competência ao tribunal singular
e pelo critério quantitativo confira competência ao tribunal coletivo, por exemplo. Quanto a isto
já daremos exemplos de índole prática após explicarmos estes critérios qualitativos.
Como se poderá ver, e começando pelos critérios qualitativos do tribunal singular, tem
competência para conhecer dos crimes previstos no capítulo II do título V do livro II do Código
Penal27, segundo o art.16º/2/a) CPP. Quer isto dizer que caso se tratem deste elenco de crimes
e mesmo que a sua pena máxima abstratamente aplicável seja superior aos 5 anos de prisão –
o que conferiria competência ao tribunal coletivo pelo art.14º/2/b) CPP mediante este critério
quantitativo – é competente o tribunal singular. Veja-se, a título de exemplo, o crime de motim
de presos do art.354º CP. A pena máxima abstratamente aplicável seria de oito anos o que quer
dizer que quantitativamente falando seria competente o tribunal coletivo pelo art.14º/2/b) CPP,
mas qualitativamente é competente o tribunal singular pelo art.16º/2/a) CPP. Se lex specialli
derrogat generalli então vigora o critério qualitativo e é materialmente competente o tribunal
singular. Esta é a lógica para todos o concurso entre critério quantitativo e critério qualitativo.
O outro critério qualitativo do tribunal singular é o previsto no art.16º/3 CPP onde se estipula
que mesmo que a pena máxima abstratamente aplicável seja superior a cinco anos pode o
MP, em sede de acusação ou mediante requerimento, fazer intervir o tribunal singular quando
entender que a pena concretamente aplicável não será superior a cinco anos.28 Aqui o tribunal
singular não está vinculado a esta requerimento do MP e deve conferir se concorda com a
argumentação do MP para a limitação nos cinco anos da pena aplicável. Caso concorde então o
processo penal é competência do tribunal singular este está vinculado à aplicação máxima de
cinco anos de pena de prisão. Não concordando então o processo penal segue no tribunal
coletivo. Temos aqui novamente o critério qualitativo a afastar o critério quantitativo, mas neste

26
Porque a norma antes de ser excecional é uma norma especial.
27
arts.347º a 358º CP.
28
Germano Marques chama a isto o método da determinação concreta.

22
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

caso a lei estipula-o claramente. Veja-se o exemplo do crime do art.204º/2/a) CP de furto


qualificado por furtar-se coisa alheia de valor consideravelmente elevado (art.202º/b) CP). A
pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos (é de oito anos) e, portanto, seria
competente o tribunal coletivo (art.14º/2/b) CPP), contudo caso o MP considere que para o caso
concreto não será aplicável pena superior a cinco anos então pode requerer a intervenção do
tribunal singular, como indicámos acima. Esta é uma norma que visa a economia processual,
porque se entendia que para crimes cuja pena apesar de estar tipificada como superior a cinco
anos na prática os tribunais nunca ultrapassavam os cinco anos e, portanto, tornava-se excessivo
estar a chamar-se o tribunal coletivo para estes casos.
O tribunal coletivo tem como critério qualitativo o do art.14º/2/a) CPP onde sendo o crime
doloso ou preterintencional e quando haja a morte de uma pessoa29 então será competente
o tribunal coletivo. Assim tem que se verificar o dolo do tipo – afastando aqui os crimes puníveis
por negligência – ou, então, deve tratar-se de um crime agravado pelo resultado.30 Aqui têm de
se verificar dois requisitos para que se aplique este critério: tem o crime de ser doloso ou
agravado pelo resultado e o tipo legal de crime tem que prever como elemento a morte de uma
pessoa.
Outro critério qualitativo do tribunal coletivo é o do art.14º/1 CPP o qual vamos aproveitar
para analisar conjuntamente com o art.13º/1 CPP o qual é o critério qualitativo do tribunal de
júri. Isto porque o artigo é “totalmente igual”. Como se verá só será competente para estes
crimes o tribunal de júri quando o MP, o assistente ou o arguido requeiram a intervenção
deste tribunal (art.13º/1/Parte Inicial CPP). Estas normas preveem que os crimes previstos no
título III do CP31 e ainda aqueles previstos no capítulo III do título V do livro II do CP32 são
competência qualitativa destes tribunais. Para além disto os crimes previstos na Lei Penal
Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário enquadram-se também neste critério
qualitativo. Falamos da Lei 31/2004, de 21 de junho, pelo que os crimes que aí estiverem
previstos são sempre competência ou do tribunal de júri – caso esta seja requerida – ou do
tribunal coletivo. Mas importa fazer-se mais uma nota importante quanto a este critério e que
vai de encontro àquilo que já dissemos acima. É que o tribunal de júri não pode ser competente
pelo art.207º/1 CRP para os crimes de terrorismo (art.1º/i) CPP) ou de criminalidade altamente
organizada (art.1º/m) CPP), ou seja se algum destes artigos, seja do CP seja daquela Lei, for
um crime que se enquadre nalguma daquelas classificações então será apenas competente o
tribunal coletivo.
Competência funcional
A competência funcional é a competência do tribunal mediante a fase processual em que se
encontre o processo penal. Ora, será competente o juiz de instrução para a fase de instrução
(art.17º CPP e arts.119ºss LOSJ). Será competente para a execução das penas o juiz de execução
de penas (art.18º CPP). Para as demais fases processuais, em especial para o julgamento, são
competentes os tribunais criminais propriamente ditos (arts.117º e 130º LOSJ).
Competência territorial
O art.19ºss CPP prevê as normas referentes à competência territorial. Aquele artigo prevê
mesmo a regra geral e prevê que será territorialmente competente o tribunal em cuja área de

29
Vulgo crimes de sangue.
30
Quanto ao dolo do tipo e aos crimes agravados pelo resultado pode relembrar-se estas matérias no
nosso Bloco de Estudos de Teoria da Infração Penal em Capítulo V-O Tipo Subjetivo de Ilícito; págs. 14 a
18.
31
arts.240º a 246º CP.
32
arts.308º a 346º CP.

23
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

jurisdição tenha ocorrido a consumação do crime (art.19º/1 CPP). Quando haja morte de uma
pessoa então será já competente o tribunal em cuja área o agente atuou, ou, em caso de
omissão, deveria ter atuado. Quer isto dizer que não releva o momento da consumação do
crime, mas sim o momento em que o agente praticou o ato ou, então, devia ter praticado. O
art.19º/3 CPP prevê a regra da competência em caso de crimes continuados e no caso de crimes
duradouros. Para os primeiros33 é competente o tribunal que tenha competência sobre a área
onde se tenha praticado o último ato. Para os segundos34 é já competente o tribunal com
competência sobre a área onde tenha cessado a consumação do crime. Por último, pelo
art.19º/4 CPP para a tentativa é competente o tribunal em cuja área se tiver praticado o último
ato de execução ou o último dos atos preparatórios (cfr.art.22º CP).
Os arts.20ºss CPP preveem regimes especiais para situações especiais. Por isso devem atentar-
se: crime cometido a bordo de navio ou aeronave, art.20º CPP; crime de localização duvidosa
ou desconhecida, art.21º CPP; crime cometido no estrangeiro, art.22º CPP; processo respeitante
a magistrado, art.23º CPP.
Competência por conexão
Em nome da economia processual, a lei prevê que dois ou mais casos relacionados entre si
podem ser julgados no mesmo processo. Havendo conexão de processos tem de haver também
uma competência para essa conexão. Esta competência está pensada muito para a questão do
concurso de crimes (arts.77ºss CP), mas não se esgota aí. Permite-se que se organizem num só
processo uma pluralidade de crimes, desde que eles tenham uma ligação que torne conveniente
proceder-se a tal conexão, porque a justiça também se realiza melhor se assim for. Trata-se aqui
de uma questão de conveniência da Justiça.
São três as hipóteses pelas quais pode haver conexão de processos: conexão subjetiva – vários
crimes praticados pelo mesmo agente -, conexão mista – nos casos de comparticipação, etc - e
conexão objetiva – os crimes mantêm entre si uma especial ligação.
O art.24º CPP prevê os critérios de conexão. Começando pela conexão subjetiva, o art.24º/1/a)
e b) CPP estipulam a regra para o concurso de crimes, em que o agente preenche, pela mesma
ação ou omissão, mais do que um tipo legal de crime ou então porque o agente cometeu vários
crimes numa sequência de crimes que têm uma relação entre si, porque são causa ou efeito
uns dos outros ou porque se destinam a continuar crimes anteriores ou a ocultá-los. Aqui a
conexão de crimes é subjetiva porque a relação passa pela identidade do agente. Este é o fator
de interligação dos crimes. Mas pelo que vimos das normas não basta a identidade do agente,
devendo atentar-se aos critérios complementares. Os critérios complementares já os
mencionámos. No art.24º/1/a) CPP tem que haver através da mesma ação ou omissão o
preenchimento de dois tipos legais de crime e podemos dar como exemplo as questões de
aberratio ictus onde o agente erra na execução e, por exemplo, quer matar B mas mata C. São
questões de concurso ideal que se tratam aqui. Aquele agente cometeu o crime de tentativa de
homicídio e o crime de homicídio negligente. Já o art.24º/2/b) CPP tem como critérios
complementares aquela tal unidade lógica de sentido, porque são praticados pelo mesmo
agente num lapso de tempo continuado ou são praticados no mesmo espaço havendo a tal
relação causa-efeito entre eles. O agente que mata outrem e nota que alguém testemunhou a
prática daquele crime e que o persegue e só depois de uma hora é que o alcança e a mata. Aqui
houve um certo lapso de tempo e até o espaço pode divergir, mas não se quebra em nada aquela
relação entre crimes, a tal unidade lógica de sentido. Deve haver aqui alguma flexibilidade no
que toca à análise destes requisitos e critérios no caso concreto.

33
atos sucessivos e reiterados; cfr.art.30º/2 e 79º CP
34
ato suscetível de se prolongar no tempo

24
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

No art.24º/1/c) CPP temos já uma conexão objetiva, onde o que há de identidade é do crime,
porque são vários agentes a praticar o mesmo crime, contudo as suas ações e intervenções
podem divergir, pelo que o que está garantido é que há identidade de crime.
No art.24º/1/d) CPP temos já um caso de conexão mista, porque em casos de comparticipação
há a prática dos mesmos crimes praticado por vários sujeitos e, por isso, temos a conexão
objetiva, mas ao mesmo tempo temos a necessidade de identidade de agentes nesses crimes,
pelo que há também a conexão subjetiva. Aqui não basta apenas a comparticipação para um
crime, mas sim é necessária uma pluralidade de crimes. Temos ainda a exigência da unidade
lógica de sentido que se exige no art.24º/1/b) CPP. Por isto pode-se dizer, pouco rigorosamente,
que esta conexão é o critério do art.24º/1/b) CPP, mas aplicado à comparticipação.
No art.24º/1/e) CPP temos já uma situação de criminalidade recíproca, onde o sujeito que
inicialmente é agente e o sujeito que era inicialmente vítima invertem as suas posições passando
o primeiro a ser a vítima e o segundo a ser agente.
A conexão tanto pode ser originária como pode ser superveniente. Se for originária não há
qualquer questão formal a levantar-se, mas se for superveniente deve atentar-se ao art.24º/2
CPP onde os processos, para haver a sua conexão, devem estar na mesma fase processual,
simultaneamente.

Aferida a questão da admissibilidade da conexão deve agora ver-se a competência para essa
conexão. Para o efeito deve definir-se a competência do tribunal para cada um dos crimes
isoladamente vistos. Aferida esta competência para cada um dos crimes que vão estar
conexionados então já temos os dados necessários para recorrermos ao art.27º e 28º CPP.
Desde logo o art.27º CPP prevê que caso para algum deles seja competente tribunais de
hierarquias diferentes então é competente para todos eles o tribunal com superior hierarquia
de entre aqueles todos e o mesmo ocorre caso se tratem de tribunais de espécies diferentes
(singular, coletivo e de júri) então é competente para a conexão o tribunal de espécie superior,
note-se que a hierarquia das espécies é vista da seguinte forma (obviamente): tribunal de júri -
tribunal coletivo - tribunal singular. O art.28º CPP estipula que caso fossem competentes
territorialmente tribunais distintos então será competente o tribunal que fosse conhecer do
crime com a moldura penal superior de entre todos os crimes conexionados (art.28º/a) CPP).
Subsidiariamente, quando a gravidade dos crimes for igual, então é competente o tribunal à
ordem do qual está preso o arguido ou, sendo mais do que um arguido, o tribunal à ordem do
qual está o maior número de arguidos presos (art.28º/b) CPP). Não havendo arguidos presos ou
sendo o número igual entre tribunais então será competente aquele que tiver obtido em
primeiro lugar a notícia do crime (art.28º/c) CPP).
O Ministério Público
O Título II do CPP refere-se ao Ministério Público e aos órgãos de polícia criminal, contudo que
se note que apenas o MP é sujeito processual, sendo que os órgãos de polícia criminal são
participantes.
O MP é uma magistratura autónoma (Lei 60/98, de 27 de agosto e art.219º/2 CRP) organizada
hierarquicamente, gozando, por isso, de independência face aos demais órgãos judiciais.
O art.219º CRP prevê as competências gerais do MP e o art.219º/1 CRP prevê aquele já nosso
falado princípio da oficialidade, onde terá o MP o domínio da ação penal devendo promover a
ação penal perante a notícia de um crime. Por norma não é uma entidade oficial estadual que
dá impulso ao processo, contudo por causa de todos os motivos que falámos em tempo
oportuno aqui é. Na família romano-germânica tem-se este domínio como uma ação vinculada,
ou seja, este princípio da oficialidade rege-se pelo princípio da legalidade, como se pode ler por
aquele artigo. Isto não quer dizer que a lei não pode conferir alguma liberdade de decisão ao

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Direito Processual Penal

MP, pelo contrário, o que se quer é que pelo menos hajam critérios objetivamente e
abstratamente definidos pelos quais se orientará o MP. Por isto se diz que o MP tem, nesta
matéria, uma liberdade tendencialmente fechada. Assim, o art.262º/2 CPP diz-nos que perante
a notícia de um crime o MP deve promover a ação penal, contudo os critérios interpretativos da
notícia do crime já são mais livres e do domínio do MP. Por isto o princípio da legalidade analisa-
se também numa perspetiva de obrigatoriedade que o MP tem.
Mas, e como já sabemos, este impulso processual a que o MP está adstrito está restringido. Dão-
se estas situações quando estamos face a crimes semipúblicos e particulares (cfr.arts.49º, 50º e
51º CPP).
A legalidade vista pela perspetiva da obrigatoriedade tem, também, restrições. Veja-se que o
exemplo do MP que tem a possibilidade de suspender o processo (art.281º CPP) e onde pode
definir que o arguido caso pratique certos comportamentos e então o MP arquiva o processo,
mesmo havendo o preenchimento de normas legais que levariam à prossecução processual. Era
a designada caução por bom comportamento e temos já o princípio da legalidade a operar
numa vertente de oportunidade, porque o MP tem certa liberdade para definir se acusa ou não,
seja por motivos de política criminal, etc.
O art.53º CPP prevê as atribuições do MP. A colaboração com o tribunal na descoberta da
verdade material e no cumprimento do direito (art.53º/1 CPP); a atribuição de receção de
denúncias, queixas, etc e dar-lhes o seguimento (art.53º/2/a) CPP); dirigir o inquérito
(art.53º/2/b) CPP); formular e apresentar a acusação e sustentá-la (art.53º/2/c) CPP); interpor
recursos (art.53º/2/d) CPP); promover a execução das penas e das medidas de segurança
(art.53º/2/e) CPP).
Os órgãos de polícia criminal
O art.1º/1/c) CPP prevê a noção do que se tratam os órgãos de polícia criminal. Aquela noção
diz-nos que estas são entidades e agentes policiais a quem cabe a prática dos atos ordenados
por uma autoridade judiciária (por norma, o MP). O art.3º/1 da Lei de Organização da
Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008) prevê que genericamente são órgãos de polícia criminal
a Polícia Judiciária, a Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública.
Os órgãos de polícia criminal estão abordados nos arts.55º e 56º e 270º CPP e o estes atuam
como delegados do MP havendo entre o MP e estes órgãos uma relação de dependência
funcional e, assim, os órgãos de polícia criminal prosseguem a investigação e as diligências
relativas ao inquérito, mas sempre sob a égide do MP. Perante isto, dado que os atos são
primeiramente competência da autoridade judiciária então a ajuda destes órgãos enquanto
coadjutores deve ser prestada nos termos que a autoridade, enquanto coadjuvado, indique. Não
se pode falar aqui de uma relação hierárquica, sendo que o MP seria superior hierárquico dos
órgãos de polícia criminal, aliás é mesmo isso que se pretende distinguir imediatamente.
Estamos aqui perante apenas o concreto exercício da função processual em que o órgão de
polícia entra a coadjuvar as autoridades judiciárias, sendo como auxiliares. Para além do art.56º
CPP prever isto, o art.2º/4 e 5 da Lei 49/2008 regulam esta questão, clarificando ainda mais esta
relação de dependência funcional aliada à autonomia técnico-tática dos órgãos de polícia
criminal. Estes órgãos de polícia criminal têm a autonomia técnica para usar dos conhecimentos
e métodos de que detêm para agir e, têm ainda, autonomia tática que consiste na escolha de
tempo, lugar e modo para praticar os atos correspondentes ao exercício das atribuições que lhes
são conferidos, tanto pela lei como pela autoridades judiciárias (arts.2º/6 e 7 daquela Lei).
Esta competência conjugada com o MP inicia-se, desde logo, pelo art.55º/1 e art.9º/2 CPP, pelos
quais estes órgãos entram para coadjuvar as autoridades judiciárias na prossecução das
finalidades do processo. Concretiza-se, ainda, pelo art.202º/3 CRP o qual refere o tal direito à
coadjuvação. Pelo art.55º/2 CPP alcança-se o mesmo propósito, ou seja, mediante aquelas

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atribuições conferidas aos órgãos de polícia criminal visa-se igualmente a prossecução mais
eficaz, eficiente e célere do processo e, por isso, há de facto a tal coadjuvação, tendo
precisamente competência específica para esses efeitos. O art.270º CPP concretiza ainda mais
esta relação e capacidade destes órgãos, e deve notar-se ainda que no sistema processual penal
português a investigação criminal não é autónoma das fases processuais em que se integra
(inquérito e instrução) e, por isso, a sua direção compete à autoridade judiciária a quem a lei
atribui o domínio e a responsabilidade por cada uma daquelas fases do processo.
Arguido
O art.57º CPP estipula a qualidade de arguido, referido que esta é assumida por todo aquele
contra quem for deduzida uma acusação ou requerida instrução num processo penal. Apesar
disto, a regra não é a da constituição automática, e o art.58º CP assim o clarifica.
O art.58º/1/a) CPP inicia-se logo por dizer que ao correr inquérito contra pessoa determinada e
sobre a qual recai uma suspeita fundada da prática de um crime e ao prestar declarações este
suspeito perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal então é obrigatório que este
suspeito seja constituído como arguido. O mesmo se pode dizer no art.58º/1/b) CPP onde é
obrigatório que seja constituído como arguido a pessoa a quem seja aplicada medida de coação
ou que preste uma garantia patrimonial (seja para se evitar a fuga, evitar a continuidade
criminosa ou para evitar a destruição de prova), salvo o art.192º/3 e 5 CPP, até porque a
aplicação de alguma daquelas medidas exige que esteja constituído como arguido o sujeito a
quem se aplica a medida. O art.58º/1/c) CPP refere que cajo haja a detenção de suspeito, nos
termos dos arts.254º a 261º CPP, ou apenas que seja levantado auto de notícia que dê um sujeito
como agente criminoso e aquele auto lhe for comunicado (art.58º/1/d) CPP) então deve ser este
sujeito obrigatoriamente constituído como arguido, salvo se, para este último caso, se tal notícia
for manifestamente infundada. O art.59º CPP estipula também outros casos em que se deve
constituir alguém como arguido, ou seja se durante uma inquirição feita a alguém que não seja
o arguido e se dessa inquirição se retirar a fundada suspeita de que o inquirido é agente do crime
então a entidade que inquire deve suspender a inquirição e proceder à constituição daquele
inquirido como arguido (art.59º/1 CPP) e, ainda, se alguém que ainda não é arguido mas sobre
quem recai uma suspeita de ser agente criminoso tem o direito de ser constituído como arguido
quando assim o requeira e desde que estejam a ser efetuadas diligências que afetem
pessoalmente o suspeito e que visem precisamente comprovar a imputação de tal suspeito
(art.59º/2 CPP).
O art.58º/2 CPP estipula a forma como é constituído alguém como arguido. Assim, para tanto,
é necessário que seja comunicado ao sujeito que é constituído arguido, oral o por escrito, por
uma autoridade judiciária (MP) ou por órgão de polícia criminal que este é, a partir do momento
da comunicação, considerado como arguido em processo penal indicado e, ainda, se tal for
necessário deve ser-lhe dado a saber o estatuto do arguido, ou seja quais os direitos e deveres
a que está adstrito enquanto arguido que é, estatuto este previsto no art.61º CPP. Se a
constituição de arguido for feita por OPC então no prazo de 10 dias deve este OPC comunicar
tal constituição ao MP e este, noutros 10 dias após receber aquela comunicação, validar ou não
tal constituição (art.58º/3 CPP). A violação destes dispostos pode implicar que as declarações
que este sujeito preste não possam ser utilizadas como meio de prova (art.58º/5 CPP), não
obstante caso o MP não valide tal constituição de arguido pelo art.58º/3 CPP e as provas já
obtidas não serão prejudicadas (art.58º/6 CPP).
Quanto aos direitos do arguido, como já dissemos, estes estão elencados no art.61º/1 CPP e os
seus deveres estão elencados no art.61º/3 CPP. Este artigo está altamente ligado com normas e
tratados internacionais que recaem precisamente sobre os direitos dos arguidos. Entre os vários
direitos – que devem ser pontualmente analisados – realçamos o direito do art.61º/1/d) CPP

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que estipula o direito ao silêncio e que emana do direito à não autoincriminação, onde do
próprio silêncio não se podem retirar ilações. Melhor: não se pode fundamentar provas com
base no silêncio do arguido, contudo se a prova feita alcançar o caráter de prova bastante ou
até prova plena então como será óbvio o silêncio do arguido não abona muito a seu favor, dado
que também não contradizem aquilo que é imputado ao arguido, e, obviamente, o silêncio
também não destrói as provas: se não as sustenta também não as destruirá. Por sua vez os
deveres do arguido, pautados no art.61º/3 CPP, passam pela obrigação da comparência
presencial perante as autoridades judiciárias ou OPCs quando a lei assim o exija e para tal efeito
seja devidamente convocado, pela obrigação de não mentir quanto à identidade, sob pena de
incorrer no crime de falsidade de depoimento ou declaração, do art.359º/2 CP, prestar termo
de identidade e residência e ainda sujeitar-se às diligências probatórias, medidas de coação e
afins na lei previstas e que sejam ordenadas e executadas por entidade competente para o
efeito.
Defensor
Como se retira do art.61º/1/e) e f) e do 62º/1 CPP é direito do arguido constituir, a qualquer
altura, defensor. Esta constituição pode ser feita pelo próprio arguido ou pode ser feita
oficiosamente, sendo-lhe nomeado defensor, nos termos dos arts.61º/1/e), do 64º/2 e 66º CPP.
Mas, e por vezes, para a prática de certos atos nem de outra forma pode ser e a lei impera que
o arguido constitua advogado, como se pode retirar do art.64º CPP. Quando se fala em defensor
falamos da figura do advogado, por regra. Quando assim o é, ou seja, quando é obrigatória a
presença no processo do advogado para que se possa praticar o ato ou afins então não só se
trata aqui de um direito do advogado, mas também de um dever seu. Quando o ato é obrigatório
e o ato é praticado então está ferido este ato de nulidade insanável nos termos do art.119º/c)
CPP. Quer isto dizer que o advogado não tem de estar constituído à altura da constituição do
arguido, contudo ele tem que estar ou ser constituído para a prática dos atos obrigatórios.
Quanto à tempestividade de tal constituição a lei não prevê uma regra, mais, deixa ao arbítrio
como já dissemos dado que o art.62º/1 CPP diz que a constituição de defensor pode ser em
qualquer altura do processo. Lá está: o único limite é precisamente os atos obrigatoriamente
assistidos por defensor.
Se no mesmo processo tivermos vários arguidos e se isso não contrariar a sua defesa então todos
aqueles podem mesmo ser assistidos por um só defensor, segundo o art.65º CPP.
O defensor pugna sempre pelos interesses do arguido e, por isso, goza dos direitos que ao
arguido cabem, salvo os que sejam pessoalmente adstritos à pessoa – passo a redundância – do
arguido (art.63º/1 CPP). Para a prossecução desses atos tem certa autonomia, enquanto
profissional do foro que é, lá está estando os limites pautados nos direitos que cabem
pessoalmente ao arguido. Pelo art.63º/2 CPP sabemos que o arguido pode retirar a eficácia aos
atos que o defensor leve avante em nome do arguido, mas para tanto deve ser feita declaração
expressa nesse sentido atempadamente, ou seja antes de emissão da decisão quanto ao ato
praticado a que se quer retirar eficácia.
Importa fazer notar à partida que não se pode dizer que é o defensor que pratica o ato. O ato é
sempre praticado pelo arguido, não obstante ser apenas e só por intermédio do seu defensor.
Assistente
O ofendido tornar-se um sujeito processual aquando da sua constituição como assistente
(art.68º/1/a) CPP). Só com a constituição de os sujeitos elencados no art.68º CPP é que estes
adquirem, lá está, a posição de sujeito processual e alcançam a possibilidade de gozar de certos
direitos e poderes capazes de influenciar o processo e por conseguirem aqueles direitos ou
poderes implicar a sequência processual então têm de ter estes intervenientes o estatuto de

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Direito Processual Penal

sujeito processual que alcançam pela figura do assistente, que será sempre representado por
uma advogado (art.70º/1 CPP), ou seja para estes não vigora já a liberdade que vigora para o
arguido e que vimos ainda agora e a lei quanto ao(s) assistente(s) obriga a constituição de
advogado.
Os assistentes têm a sua posição definida pelo art.69º/1 CPP e, por ali, são como colaboradores
do MP. O art.69º/2 CPP esclarece os poderes que o assistente tem. Como diz Germano Marques
o assistente consegue condicionar a atividade do MP, por um lado, e fiscalizá-la, pelo outro. O
assistente tem o direito de intervir nas fases de inquérito e de instrução e pode oferecer provas
e requerer as diligências que afigure como necessárias, contudo não pode ele mesmo praticar
atos de investigação (art.69º/2/a) CPP). Pode ainda deduzir acusação distintamente à posição
do MP, ou seja pode deduzir uma acusação diversa daquela que deduz o MP, mas, e ainda, se o
crime for particular e exigir, por isso, acusação particular (art.50º/1 CPP) então se o MP optar
por não deduzir acusação pode o assistente deduzi-la até porque, aliás, o procedimento está
dependente é da acusação particular (art.69º/1/b) CPP e arts.284ºss CPP). Tem ainda o direito
a interpor recurso das decisões que afetem o assistente, independentemente da posição do MP,
e pode mesmo, para tanto, aceder aos elementos processuais que sejam imprescindíveis àquele
recurso (art.69º/1/c) CPP). Ao longo do CPP podemos ir notando alguns outros direitos que o
assistente tem: vejam-se os exemplos já nossos conhecidos de requerer a suspensão do
processo (art.7º/3 CPP), de requerer a conexão e separação de processos (art.30º/1 CPP), de
requerer a intervenção do tribunal de júri (art.13º/1 CPP), deduzir conflito de competência ou a
incompetência do tribunal (arts.32º, 35º e 36º CPP), entre muitos outros.35
Para que alguém se constitua como assistente deve, primeiro, respeitar a legitimidade do
art.68º/1 CPP, ou seja serem os ofendidos, sendo maiores de 16 anos, os representantes legais
ou similares quando o ofendido seja menor de 16 anos, pessoa da qual está dependente o
procedimento da sua queixa ou a acusação particular, os cônjuges sobrevivo e similares de
ofendido falecido, e qualquer pessoa para os crimes que integrem o elenco da alínea e). Para
além disso a constituição de assistente deve respeitar os prazos e formalidades dos n.2ss
daquele artigo. Desde logo, se o crime em questão for particular então o requerimento da
constituição de assistente deve ocorrer no prazo de 10 dias a contar da advertência do MP ou
do OPC que receba a denúncia verbalmente de que é obrigatória a constituição como assistente
e dos procedimentos que deve observar para o efeito (art.246º/4 ex vi art.68º/2 CPP). Se o crime
for semipúblico ou público então a pessoa com legitimidade para tal pode intervir no processo
a qualquer altura, mas sujeitam-se ao estado em que ele se encontrar, mas devem respeitar os
prazos e os momentos precisos que prevê o art.68º/3 CPP.
Vítima
O art.67º-A CPP veio aditar ao processo penal o estatuto da vítima.
O art.67º-A/1 CPP estipula quem pode integrar a figura de vítima em processo penal. Podemos
dizer, em termos pouco técnicos, que se tratam aqui das pessoas que mais direta ou
indiretamente foram afetadas pelo crime praticado, contudo não foram o alvo efetivo do crime,
ou seja não alcançam a posição do ofendido, mas que nem por isso deixarem de sofrer ou de
estar numa posição vulnerável por se ter sucedido o crime.
À vítima assistem direitos de informação, de assistência, de proteção e de participação ativa no
processo penal, ou seja podemos dizer que podem mesmo chegar perto daquilo que é a
intervenção do próprio assistente no processo penal (art.67º-A/4 CPP). Ingressa também o
processo com papel ativo no que toca ao apuramento da verdade material, ou seja colabora a

35
Pode ser consultada uma lista bem mais consolidada que Germano Marques nos apresenta na
bibliografia indicada nas págs. 296 e 297

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vítima com as autoridades judiciárias ou OPCs, presta informações e faculta provas, etc (art.67º-
A/5 CPP).
A vítima tem um estatuto próprio regulado em diploma avulso: Lei n.º 130/2015, de 4 de
setembro.

As partes civis. O pedido civil e o princípio da adesão


Podem, no âmbito da prática de um crime, surgirem questões de um plano civil. Questões estas
no plano da responsabilidade civil, sejam elas enquanto efeitos colaterais da prática do crime
ou sejam elas um dos propósitos do próprio crime. Quer isto dizer que da prática (ou da omissão)
de um facto criminoso podemos ter lesados, lesados estes que são do plano civil, ou seja não
são ofendidos do facto criminoso nem vítimas, contudo não deixaram de ter danos pela prática
daquele crime. Veja-se o exemplo do agente que desfere um soco num outro – e este outro é o
ofendido pelo crime de ofensa à integridade física – e com a queda que o ofendido sofre
involuntariamente, e provocada pelo desferimento do soco, cai sobre uma banca que ali estava
a vender alguns produtos e acaba por partir a banca e produtos em si, o que causa danos civis e
prejuízos para o vendedor, sendo este último o lesado. Mas o ofendido pode também ele
próprio ser lesado. Veja-se o exemplo do crime de dano, onde o agente parte, por exemplo, o
carro do ofendido para se vingar dele, causando-lhe assim inúmeros prejuízos que integram já
a responsabilidade civil: a mesma pessoa tem uma dupla conotação, é ofendido pelo crime de
dano e é lesado nos termos da responsabilidade civil por factos ilícitos. Posto isto, se houver
algum pedido de indemnização civil que se funde na prática de um crime então este deve ser
deduzido, pelo lesado, no próprio processo penal (art.71º CPP), mesmo que este não possa ou
não se tenha constituído como assistente. Assim, e aqui temos o princípio da adesão, a ação
civil adere ao objeto do processo crime. Teremos um verdadeiro processo civil a decorrer a par
com o processo penal: o lesado terá a posição de autor do processo civil e, em princípio, o
arguido terá a posição de demandado, de réu. O facto de isto ocorrer, ou seja de termos dois
processos de naturezas distintas a ocorrer conexamente, pode fundamentar decisões diferentes
e contraditórias, dado que no que toca ao pedido civil o juiz rege-se pelas normas e princípios
processuais civis e no que toca ao processo penal o juiz rege-se por princípios e normas de
processo penal. O facto de isto ocorrer permite mesmo que provas iguais produzidas tanto no
processo civil como no processo penal poderão levar a desfechos diferentes. Desde logo
podemos ver a questão do ónus da prova, onde no processo civil este cabe, por regra, ao autor
(ao lesado), como nos diz o art.342º/1 CC, e no processo penal não é necessariamente assim.
Também, e outro exemplo, é que se em processo penal um facto invocado não for provado
vigora o in dubio pro reo e irá o tribunal decidir sempre a favor do arguido, o que não acontece
em processo civil, onde não se dando um facto como provado ele é apenas desconsiderado, o
que não implica já que a desconsideração do facto seja favorável ao réu. Assim o mesmo juiz
perante os mesmos factos e provas pode, pelo processo penar, dar como provado um facto que
seja invocado pelo arguido e, no processo civil, já não o dá como provado, pura e simplesmente.
Perante isto, percebe-se o porquê do princípio que vigora ser o da adesão: os factos que levam
à responsabilidade penal e à responsabilidade civil são, na sua génese, os mesmos e, portanto,
quer-se um tratamento idêntico aos processos, não obstante aquilo que acabámos agora
mesmo de referir.
Não obstante a regra ser a da adesão, ou seja o pedido civil deve ser deduzido no processo penal
respetivamente, surge também a opção de o lesado fazer o pedido civil em separado,
diretamente no tribunal cível ou, quiçá, em tribunal arbitral, como se retira do art.71º/2ª parte
CPP e de todo o art.72º CPP. Reforçamos: o pedido em separado é uma opção, é um ónus, é um
direito, não uma imposição, não um dever, não uma obrigação, o que quer dizer que apesar de

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a lei permitir que este lesado faça o pedido civil em separado ele pode usar na mesma da regra
da adesão e, portanto, deduzir o pedido civil no processo penal. Tanto o art.71º como o 72º CPP
dizem: “podendo ser em separado” ou “pode ser deduzido em separado”. Ora, se pode não quer
dizer que se deva. Perante isto o lesado pode fazer o pedido em separado: quando após a notícia
de um crime a acusação não tiver sido interposta no prazo de oito meses ou caso esteja o
processo sem andamento nesse tempo (art.72º/1/a) CPP); se o processo penal tiver sido
arquivado ou suspenso provisoriamente ou o próprio processo se extinguir antes do próprio
julgamento (art.72º/1/b) CPP); se estivermos face a um crime semipúblico ou particular e, por
isso, está dependente de queixa ou de acusação particular (art.72º/1/c) e 49ºss CPP e 113ºss
CP) pode o arguido interpor a ação cível separadamente, mas deve notar-se, quanto a isto, se o
fizer antes de apresentar queixa ou acusação particular então isso valerá como renúncia aos
direitos de apresentar queixa ou de acusar, como diz o art.72º/2 CPP, mas exercidos já estes
direitos então pode, em separado, deduzir o pedido civil não afetando já nada; se os danos ainda
não se tiverem produzido ao tempo da acusação, se não forem ainda conhecidos ou forem
conhecidos mas não na sua efetiva extensão (art.72º/1/d) CPP); se o processo penal não se tiver
pronunciado quanto ao pedido civil porque remeteu para o tribunal civil o processo civil porque
esse estaria a prejudicar o processo penal ou carecia da apreciação do tribunal cível (art.82º/3
ex vi art.72º/1/e) CPP); se o pedido for deduzido contra quem tenha responsabilidade
meramente civil (art.72º/1/f) e 73º CPP); se o valor do pedido permitisse, pelos critérios
quantitativos, a intervenção do tribunal coletivo, mas o processo penal deve correr em tribunal
singular (art.72º/1/g) CPP); se a forma do processo penal for a sumária ou a sumaríssima
(art.72º/1/h) CPP); ou se o lesado (sendo pessoa diversa do ofendido) não tiver sido informado,
nos moldes do dever de informação da autoridades públicas do art.75º/2 CPP, destes direitos a
que pode exercer no prazo de 20 dias do art.77º/2 CPP e tendo demonstrado interesse em
deduzir tal pedido (art.72º/1/i) CPP), mas veremos infra melhor a questão procedimental.
Podemos dizer que naturalmente estas partes civis, no que toca à obrigatoriedade da
constituição de advogado, regem-se nos termos da lei processual civil (art.41º CPC), não
obstante o art.76º/2 CPP referir que é dever dos demandados ou intervenientes serem
representados por advogado, contudo Germano Marques entende que só têm de o fazer nos
casos em que, se demandados separadamente, fosse obrigatória a constituição de advogado.
Não faria qualquer sentido que o lesado tivesse uma posição diversa do demandado.36 Quanto à
constituição de advogado deve atentar-se ainda ao art.77º/4 CPP, a que infra faremos menção.
Procedimentalmente, podemos ainda falar do art.77ºss CPP. Por aqui, percebemos que o
momento oportuno para deduzir pedido civil é na acusação ou em requerimento articulado,
pelo MP ou pelo assistente (art.77º/1 e 68º/1 CPP). Como já demos nota o lesado sendo
diferente do ofendido tem direito a que lhe seja prestada informação quanto ao seu direito de
deduzir o pedido de indemnização civil (art.75º/1 CPP) e o lesado deve demonstrar até ao final
do inquérito se pretende ou não deduzir tal pedido (art.75º/2 CPP). Se demonstrar tal interesse
então aplica-se o art.77º/2 CPP, como já demos nota supra, mas se não o tiver demonstrado ou
caso este não tenha sido sequer notificado então aplica-se o art.77º/3 CPP. Quanto a este
lesado, se pelo valor do pedido deduzido em separado não for obrigatória a constituição de
advogado então este pode pedir o arbitramento do pedido civil e o requerimento não tem que
obedecer a formalidades especiais (art.77º/4 CPP). Processualmente, quanto a este pedido civil
que adere ao processo penal, tudo decorre nos moldes dos arts.78ºss CPP.
Note-se que caso à altura da sentença os danos civis ainda não forem quantificáveis, etc então
o tribunal condena no que se vier a liquidar em execução de sentença, sendo que esta ação

36
Germano MARQUES in bibliografia indicada; pág.363

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Direito Processual Penal

executiva já decorrerá em tribunal civil tendo como título executivo a sentença penal (art.82º/1
CPP).
Importa mencionar a questão da reparação da vítima quando particulares exigências de
proteção da vítima o imponham (casos especiais) e que o art.82º-A CPP prevê. Por este, se não
for deduzido, aderindo ou separadamente, o pedido de indemnização civil o tribunal pode, caso
condene, arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos que a vítima sofra, sendo
que esta, e nunca é demais reforçar, seja dotada de particulares e especiais exigências que
fundamentem a sua proteção (art.82º-A/1 CPP). Note-se ainda que falamos de reparação e não
de indemnização, ou seja aquela vítima pode ainda deduzir o pedido civil separadamente,
contudo nesses casos o montante da reparação deduz-se do valor a fixar pelo tribunal a título
de indemnização, para evitar enriquecimentos sem causa (art.82º-A/3 CPP).
A decisão penal que conheça do pedido civil forma caso julgado nos mesmos termos que a lei
conferiria se fosse um tribunal civil a proferir a decisão (art.84º CPP), excetuando-se a questão
da reparação do art.82º-A porque, como dissemos, tal reparação não obsta a que a vítima
deduza o tal pedido civil, como já dissemos e não valerá a pena repetir.

O objeto do processo
Como já falámos em tempo oportuno, o objeto do processo pauta-se pela identidade37 onde do
início ao fim do processo o objeto deve manter-se na sua génese o mesmo e o arguido só pode
ser julgado pelos factos de que é acusado38, dado que este tem direito de elaborar e ser
estratega quanto à sua defesa e tal só será possível de se alcançar se houver, lá está, a tal
vinculação temática, a tal identidade do objeto do processo, que se rege pelo princípio da
acusação. Não podemos deixar de remeter para o momento em que analisamos o princípio da
acusação ou da vinculação temática37 de que falámos aquando da Constituição Processual Penal
e no sentido do Princípio do Acusatório e da estrutura acusatória do processo penal.
O processo deve manter-se idêntico subjetivamente – quanto aos seus sujeitos – e
objetivamente – quanto aos mesmos factos. Porém, o nosso processo penal estabelece um
limite à identidade dos factos e podem mesmo haver algumas alterações, apesar que ligeiras.
Se a questão da identidade do objeto do processo não é intocável e se admite alguma
flexibilidade então temos de conhecer do critério que permite, lá está, a flexibilização da
vinculação temática. Falamos da alteração substancial dos factos, enquanto limite da
mobilidade do objeto processual.
A Alteração Substancial dos Factos
Consideração inicial: Quanto a esta matéria não seguiremos o manual de Germano Marques, indicado na
Bibliografia, dado as suas posições não serem as posições da melhor doutrina, à qual corresponde a
doutrina de Frederico Isasca. Seguiremos aqui o artigo de Fernando Torrão que versa precisamente sobre
o tema Alteração substancial dos factos por imputação de crime menos grave, estratégia processual do arguido
e “caso julgado de consenso” para a Revista Investigação Criminal, artigo o qual recomendamos a leitura.

Como acabamos de dizer, limite à identidade do objeto é o critério da alteração substancial dos
factos cujo art.1º/1/f) CPP nos dá a noção, a qual teremos que, após a conhecer, desconstruir e

37
Quanto a isto veja-se na pág.9 e 10: Princípio do Acusatório. A estrutura acusatória do processo penal
com especial destaque a partir da linha que se inicia da seguinte forma: “Este princípio pressupõe e
completa-se com um outro que é o do princípio da acusação ou da vinculação temática ou da identidade
do objeto (…)”
38
(…) grosso modo, ser-se julgado pelo que se é acusado (…); Fernando TORRÃO in Investigação Criminal,
Revista; Lisboa; pág.113

32
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

de uma noção tão curta desenvolver-se-á uma lógica algo complexa. Aquela norma diz que uma
alteração substancial dos factos é uma alteração de factos da qual resulta uma imputação ao
arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Daquele “ou” retiramos, desde logo, que temos dois critérios distintos para classificar uma
alteração de factos como substancial: a imputação de crime diverso ao arguido e, outro, que
sejam agravados os limites máximos das sanções aplicáveis. Mas antes de nos debruçarmos
sobre estes critérios propriamente ditos que importam a substancialidade ou não da alteração
dos factos temos de saber de que se trata a própria alteração de factos, ou melhor, quando há
uma alteração de factos efetivamente.
A alteração de factos pressupõe que sejam trazidos ao processo novos factos, sendo este
mesmo um pressuposto base do conceito da alteração substancial dos factos: têm de ser
aditados ao processo novos factos, ou seja, “os que já lá estavam” não servem para constituir
uma alteração de factos. Estes novos factos podem, das duas uma: ou acrescentar novos factos
a uma base factual anterior ou se substituir factos daquela base factual anterior. Frederico
Isasca ainda fala da possibilidade da exclusão de factos, contudo entende Fernando Torrão que,
pela perspetiva teleológico-funcional racional desse instituto, se estamos face ao princípio da
vinculação temática que visa primordialmente e paradigmaticamente visar e tutelar a defesa do
arguido então excluindo-se factos incriminadores então a estratégia de defesa do arguido não é
in toto afetada dado que os factos já eram do arguido conhecidos, não sendo este surpreendido.
Assim, a pura exclusão de factos não deve ser assim considerada sequer como alteração de
factos. O mesmo se pode dizer para as meras alterações das qualificações jurídicas. Ora, se o
tribunal aos mesmos factos atribui apenas uma qualificação jurídica, tem um entendimento
diverso daquele que tinha, então, como será lógico, nem sequer há novos factos. Os factos são
os mesmos, contudo o entendimento que se tem deles é que varia, mesmo que essa diferença
de qualificações implique um aumento dos limites máximos das sanções aplicáveis ou, até, que
implique um crime diverso. Quanto a isto veja-se o exemplo claríssimo que Fernando Torrão dá:
se A é acusado pela tentativa de furto qualificado (arts.22º e 204º/1/ CP) mas se por algum
motivo, e posteriormente, o juiz de instrução criminal ou o tribunal de julgamento entenderem
que aqueles factos não se subsumem no tipo legal de crime de tentativa de furto qualificado
mas sim no tipo legal de crime de furto qualificado na forma consumada então os factos não
variaram, apenas receberem uma qualificação, uma interpretação, jurídica diferente que ditou,
neste caso, tanto um aumento dos limites máximos das sanções aplicáveis (porque como já se
sabe a punibilidade pela tentativa é especialmente atenuada face à punibilidade pela forma
consumada; art.23º/2 e 77º CP), aplicando-se o regime, dependendo se foi o juiz de instrução
na fase de instrução ou se foi o juiz de julgamento na fase de julgamento, dos arts.303º/5 ou
358º/3 CPP, respetivamente.
Visto que está o primeiro aferido: o de afirmar que há efetivamente uma alteração de factos,
então importa agora usar-se dos critérios para se aferir se aquela alteração é ou não substancial.
Como já vimos, o art.1º/f) CPP dá-nos os dois critérios que permitem dizer da substancialidade
da alteração dos factos: o critério da agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis e o
critério do crime diverso.
Começaremos pelo critério da agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Não há
grande coisa a dizer-se e a designação usada do critério indica-nos logo ao que se refere: a base
factual anterior que se subsumia num tipo legal de crime cujas sanções máximas eram inferiores
àquela que agora a nova base factual importa leva-nos a dizer que a alteração de factos é

33
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

substancial e, portanto, impede a alteração do objeto do processo. Os factos novos levaram que
as sanções máximas aplicáveis fossem agravadas. Assim é preciso fazer a comparação entre as
sanções máximas aplicáveis à primeira base factual e entre as sanções máximas aplicáveis à
segunda base factual, sendo que se esta for superior à primeira então, por este critério, temos
uma alteração substancial dos factos.
O critério do crime diverso só revela caso o critério anterior não operar, ou seja se os factos
novos não levam ao tal agravamento do limite máximo da moldura penal abstratamente
aplicável. Quando se fala em “crime diverso” não devemos entender um crime tipicamente
diverso, ou seja não necessariamente tem que se mudar de tipo legal de crime para que
possamos dizer que há um crime diverso. De facto, o sentido literal a isso poder-nos-ia conduzir,
contudo devemos esclarecer que não é porque o arguido está a ser acusado de, por exemplo,
furto (art. e, havendo factos novos que impliquem a alteração de factos, passe a ser acusado de
roubo. Claro está que isto também implica um crime diverso e, neste caso, um crime até
tipicamente diverso, dado que se muda de tipo legal de crime. O que queremos dizer é que é
possível que uma base factual que sofre de uma alteração de factos continue a subsumir-se no
mesmo tipo legal de crime e, ainda assim, operar o critério do crime diverso, sob pena de a
estratégia de defesa do arguido ser, na mesma, seriamente prejudicado, o que é o que se
pretende proteger com tudo isto, como vimos supra. Veja-se o exemplo do arguido acusado de
homicídio qualificado por ódio racial (art.132º/1 e 2/f) CP). Em julgamento são imputados factos
novos que levam a que não só se tenha dado o homicídio por ódio racial, mas, ainda, a vítima
estava grávida (art.132º/2/c) CP), empregou tortura (art.132º/2/d) CP), foi o crime motivado,
também, por ódio religioso (art.132º/2/f) CP) e teve a intenção de matar por mais de vinte e
quatro horas (art.132º/2/j) CP). Ora, nem sequer saímos do mesmo tipo legal de crime: o arguido
era acusado pelo crime de homicídio qualificado e os novos factos indiciam igualmente o crime
de homicídio qualificado e, acrescente-se, a própria moldura penal manteve-se inalterada.
Apesar disto, estamos perante um caso em que opera o critério do crime diverso. Foram
imputados quatro novos factos, como dissemos, e que apesar de tudo tornariam a defesa do
arguido altamente prejudicial, portanto não podemos dar esta alteração de factos como uma
alteração não substancial de factos e aplicar-se-lhe o respetivo regime (art.358º/1 CPP). Esta é
verdadeiramente uma alteração substancial dos factos.
Assim, Frederico Isasca apresentou na doutrina três subcritérios, dentro do critério do crime
diverso, que nos permitem aferir e afirmar se estamos ou não perante um crime diverso. São
eles: a valoração social diferente, a imagem social diferente e o sério comprometimento da
estratégia de defesa do arguido. Pelo subcritério da valoração social diferente os novos factos
aumentam quantitativamente o grau de ilicitude e/ou culpa do arguido, o que quer dizer que se
os factos novos conduzem a que se diga que o arguido tem mais ilicitude e tem mais culpa então
estamos face a um crime diverso e a uma alteração substancial dos factos, porque o
comportamento é ainda mais contrário à ordem jurídica (ilicitude) e/ou o comportamento é
ainda mais socialmente censurado (culpa). Já pelo subcritério da imagem social diferente
aferimos da plasticidade do crime, ou seja é quase olharmos para toda a factualidade e todo o
crime como que uma imagem e a alteração dos factos conduz à alteração dessa mesma imagem,
que modifica qualitativamente a identidade do objeto, ou seja se os factos novos alterarem
datas, locais, modo de execução, sujeitos, etc e se se prender com isso a situação então o crime
é diverso e há alteração substancial dos factos. Contudo, aqui já entra o subcritério da proteção
da estratégia de defesa do arguido, que tem um pendor complementar, dado que a imagem

34
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

social diferente de pouco valerá no processo se nada afetar: por exemplo, se um crime era dado
como cometido no dia X e os novos factos dão como cometido no dia Y então, se isso de pouco
ou nada influenciar, não há qualquer querela. Mas quando se prende já essa alteração da
imagem social com a estratégia de defesa do arguido é que entra a questão: veja-se que o
arguido poderia usar como defesa que no dia do crime, no dia X, tinha viajado para fora do país,
tinha este álibi, contudo passando o crime agora para a data Y esta estratégia de defesa do
arguido cairia por terra, ficando prejudicado e, portanto, a este facto novo podemos dizer que
estamos perante uma alteração substancial dos factos, que não pode afetar a identidade do
objeto e, por isso, não pode ser tomado em conta no processo (art.359º/1 CPP). Eventualmente,
se os critérios coincidirem teremos uma maximização ótima, ou seja se os critérios cumularem
todos pelos factos novos, contudo podemos dizer que os dois primeiros subcritérios são
alternativos entre si, mas já o terceiro critério é cumulativo. Quer isto dizer que tanto ao
critério da valoração social diferente como o critério da imagem social diferente devem
cumular-se o critério que permite afirmar que a defesa do arguido ficou comprometida.
Havendo alteração substancial dos factos quid juris?
Resolvida agora a questão de se dizer se a alteração dos factos é ou não substancial então
afigura-se agora a questão: havendo alteração substancial dos factos quid juris? À partida, o juiz
não pode considerar estes factos, esta é a regra geral (art.359º/1 CPP). Antes disso, convém
dizer-se que se estivermos face a uma alteração não substancial dos factos ou perante uma mera
alteração da qualificação jurídica da base factual (358º/3 CPP) então aplica-se o regime do
art.358º CPP e, assim, esta alteração é comunicada ao arguido e é-lhe concedido o prazo
estritamente necessário para que este prepare a sua estratégia de defesa. Altera-se o objeto do
processo e a identidade daquele é em certa forma afetada. Retornando agora à alteração
substancial dos factos, temos de distinguir os factos autonomizáveis dos factos não
autonomizáveis (art.359º/2 CPP).
Os factos autonomizáveis são aqueles os factos novos (que levam à alteração dos factos, como
vimos) que só de per si constituem crime e implicam concurso efetivo (ideal ou real e não
aparente) com as infrações que constituem o objeto do processo. Estes, porque são
autonomizáveis, são remetidas pelo tribunal ao MP e isto vale como notícia do crime e, portanto,
o MP dará impulso a um novo procedimento penal, autónomo àquele (art.359º/2 CPP).
Já se os factos forem não autonomizáveis então os factos novos não constituem só de per si
crime ou caso constituam crime estão apenas em concurso aparente com as infrações que
compõem o objeto do processo. Assim sendo e, porque são não autonomizáveis estes factos
novos, o juiz está obrigado a desconsidera-los e nada pode fazer, aplicando-se a regra geral que
supra dissemos (art.359º/1 CPP).
Contudo, se MP, arguido e assistente concordarem com a continuação no julgamento com os
factos novos e se estes não implicarem a incompetência do tribunal (art.359º/3 CPP) isto levará
a que seja alterado o objeto do processo e, assim, o arguido tem direito a um prazo máximo de
10 dias para preparar a sua defesa (art.359º/4 CPP). A este acordo se chama o caso julgado do
consenso.
Mas note-se que se o facto for não autonomizável e caso se impute crime menos grave ao
arguido então levanta-se uma querela doutrinal. Aqui, caso seja o próprio arguido a invocar
esses novos factos então, e como diz Fernando Torrão, não devemos ter aqui isto como uma
alteração substancial dos factos. O art.358º/2 CPP vem resolver a questão devido àquela que foi
a doutrina de Frederico Isasca e pelo que diremos a seguir. Aliás, pelo que dissemos supra até o

35
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

seria, contudo dado que é o arguido que os invoca então isto fará parte da sua estratégia de
defesa e não se enquadra assim no critério da alteração substancial. Assim, se for o arguido a
invocar facto novo não autonomizável e que impute um crime menos grave então não podemos
equacionar a hipótese do caso julgado do consenso, pois para isso seria necessário o
consentimento do MP e do assistente (art.359º/3 CPP) o que não seria, na prática, exequível e
o que levaria a que se inviabilizasse a própria estratégia de defesa e se criasse um paradoxo
onde estar-se-ia já a criar o problema que se quer evitar e, mais, tutelar: a garantia da estratégia
de defesa do arguido. Sendo já o MP ou o assistente a invocarem esses tais factos novos não
autonomizáveis e que imputem ao arguido crime menos grave então aí o arguido já terá que
aceitar, mas só pelo facto que a própria defesa do arguido pode ser afetada se assim não o fosse:
o facto de ser um crime menos grave não implica que a estratégia de defesa do arguido não seja
afetada, não caia por terra.

A parte dinâmica: A Tramitação Processual


1. O Inquérito
Aquisição da notitia criminis
O art.241º CPP refere os moldes pelos quais o MP adquire a notícia do crime. Como se retira por
aquele artigo tal conhecimento pode dar-se pelo MP em si, pelo intermédio dos OPCs ou
mediante denúncia.
Perante o conhecimento de um crime, nos termos do art.248º CPP, os Órgãos de Polícia
Criminal39 devem transmitir no mais curto prazo possível, nunca ultrapassando o máximo de 10
dias, ao MP tal conhecimento do crime, tenha sido aquele conhecimento obtido por vias
próprias ou mediante uma denúncia (art.248º/1 CPP). Os OPCs sempre que presenciarem
fisicamente qualquer crime de denúncia obrigatória devem levantar auto de notícia e no qual
devem mencionar toda as informações constantes das várias alíneas do art.243º/1 CPP e tal
auto de notícia faz as vezes da denúncia que o art.248º prevê, como nos diz o art.243º/3 CPP,
respeitando, aliás, os exatos mesmos prazos. Claro está que se o crime presenciado pelos OPCs
for semipúblico ou particular então o auto de notícia deve igualmente ser levantado nos mesmo
moldes, não obstante o procedimento criminal manter-se dependente da denúncia do
particular, como já sabemos.
A denúncia pode ser obrigatória quando se enquadre nos termos do art.242º CPP. Assim o será
quando quem tenha o conhecimento do crime é uma entidade policial (art.242º/1/a) CPP) ou
caso se trate de um funcionário público conforme são definidos pelo art.386º CP (art.242º/1/b)
CPP), sendo que estes últimos só têm tal dever caso tal conhecimento se dê no âmbito das suas
funções. Fora destes casos a denúncia será facultativa, como nos diz o art.244º CPP, estipulando
a lei um poder, um direito, de quem tenha conhecimento do crime da sua denuncia ao MP, a
uma outra autoridade judiciária aos OPCs. Assim só o será quando se tratem de crimes públicos,
porque em casos de crimes semipúblicos ou particulares, como já sabemos, a denuncia é
legalmente definida e o poder, o direito, de efetuar a denúncia incumbe àqueles que a lei
estipule como detentores de tal direito (cfr.art.113º CP).

39
conforme definidos pelo art.3º da Lei da Organização da Investigação Criminal (Lei n.º 49/2008, de 27
de agosto), ou seja genericamente tratam-se da Polícia Judiciária, da Guarda Nacional Republicana e da
Polícia de Segurança Pública.

36
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

O MP tem o dever de informar o ofendido de um crime de que tenha tido conhecimento dos
seus direitos de queixa e as consequências processuais que tais direitos importam, assim como
o regime de apoio judiciário (art.247º/2 CPP).
A detenção
Dos arts.254ºss CPP retiramos que a detenção pode ser em flagrante delito ou fora de flagrante
delito. O art.256º CPP apresenta a classificação do que é flagrante delito e refere que todo o
crime que estiver presentemente em execução ou que acabou de ser cometido configura
flagrante delito, mas, ainda, estende-se às situações em que há presunção de flagrante delito,
onde apesar de não se ter assistido ao crime em momento presente em que ele está a ser
cometido ou, então, acabara de ser cometido mas o agente foi perseguido por outrem ou o
agente foi encontrado com objetos ou aparenta sinais que mostrem claramente que se acabou
de cometer um crime. Assim temos flagrante delito stricto sensu, que é o que o n.1 apresenta,
e temos flagrante delito lato sensu, que é o que o n.2 apresenta.
A detenção em flagrante delito pode ser feita por autoridade pública ou por um cidadão comum
(art.255º/1/a) e b) CPP), sendo que se for um cidadão comum só o pode fazer, como diz a alínea
b), se não estiver presente autoridade pública em moldes de o fazer. Esta detenção por cidadão,
quando feita dos moldes legalmente admissíveis, é causa de exclusão da ilicitude pelo crime de
sequestro pelo qual seria indiciado. Quando, portanto, tal cidadão proceder à detenção tem,
como se disse, de o fazer subsidiariamente às autoridades públicas, mas após deter o agente
deve imediatamente proceder à sua entrega às autoridades públicas conforme definidas pelo
art.255º/1/a) CPP, como prevê o art.255º/2 CPP e dando aso às tramitações que aquele artigo
prevê40. Se o crime praticado for semipúblico então a detenção só pode ser mantida caso o
titular do direito de queixa proceder ao seu exercício, devendo as autoridades levantar auto
onde tal queixa fique registada, o que quer dizer que no preciso momento da detenção a vítima
deve apresentar queixa. É costume usar-se aqui o critério de 6 horas para que a vítima apresente
ou não queixa, previsto no art.250º/6 CPP. Por sua vez se for o crime particular então não pode
haver lugar à detenção em flagrante delito, mas somente à identificação do infrator, segundo o
art.255º/4 CPP. Esta identificação é um poder-dever da autoridade pública e o infrator que faltar
à prestação das informações para este efeito incorre em crime de desobediência, previsto e
punido pelo art.348º/1/b) CP, e sendo este um crime público então, por este, já pode a
autoridade pública proceder à sua detenção, mas só caso, lá está, o infrator incorra neste crime,
porque pelo crime particular não pode ser dada voz de prisão. Antes de proceder à detenção
nestes moldes a autoridade pública deve indicar ao infrator que ele acaba de praticar crime de
desobediência e, só após isso, pode deter o infrator, pois tal indicação é condição de
punibilidade deste crime.
As finalidades da detenção em flagrante delito constam do art.254º/1 CPP e, uma delas, é
precisamente para que a forma de processo seja a forma de processo sumário ou, então, para
ser presente a juiz, no prazo máximo de 48 horas, para que seja submetido a primeiro
interrogatório judicial ou para que seja aplicada ou executada uma medida de coação
(art.254º/1/a) CPP) ou para efeitos da alínea b).
Fora de flagrante delito pode ser detida a pessoa para a qual haja mandado de detenção
(art.258º CPP) emitido por juiz ou então, o MP, caso a pena de prisão do crime que é indiciado

40
O que se redige aqui pelas autoridades públicas é um auto sumário de entrega, pois como vimos o auto
de notícia só é levantado quando elas próprias presenceiem o crime.

37
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

seja superior a cinco anos, porque admite prisão preventiva (art.202º/1 CPP), nos termos do
art.257º/1 CPP. A detenção e seu mandado justificam-se pelas causas que as várias alíneas
alternativas do n.1 preveem. Mas podem as autoridades policiais proceder só de per si à
detenção fora de flagrante delito quando ose preencham cumulativamente os três requisitos do
n.2 CPP.
O inquérito propriamente dito
Com a notícia de um crime, por regra, é aberta a fase de inquérito pelo MP (art.262º/2, art.263º,
art.264º/1 e art.267º CPP). O MP está adstrito ao princípio da legalidade num sentido de
obrigatoriedade, previsto pelo art.219º CRP dado que não tem, nesta fase, grande margem de
manobra ao definir se procede ou não à abertura do inquérito. A fase de inquérito visa
precisamente investigar o crime a fim de aferir da sua existência e, com isso, determinar quem
são os agentes desse crime e apurar a factualidade e as provas necessárias a tanto, com vista à
decisão de acusação (art.262º/1 CPP).
Como já dissemos é ao MP que incumbe a direção do inquérito, sendo apoiado, nos termos de
dependência funcional de que já falámos41, pelos OPCs (art.263º/1 e 2 e art.270º/1 CPP, mas
ainda arts.55º e 56º CPP). Nesta relação de dependência funcional pode o MP delegar nos OPCs
o encargo de estes procederem às diligências e investigações relativas a esta fase (art.270º/1
CPP), mas obviamente que já não o pode fazer quando se tratem de atos da competência
exclusiva do juiz de instrução criminal (art.270º/2 CPP). O Juiz de Instrução Criminal intervém
em atos que são da sua exclusiva competência e vem conformar o preceito constitucional do
art.32º/4 CRP o qual prevê que os atos instrutórios devem ser levados avante por um juiz em
matérias que atentem aos direitos fundamentais do arguido. Estes devem ser atos da sua
exclusiva competência e são estes atos que são previstos nos arts.268º e 269º CPP. Perante isto
é imperativo que seja um JIC a promover os atos ali previstos, pela constitucionalidade dos
mesmos.
Findo o inquérito, ou seja, terminada a investigação pelo MP coadjuvado pelos OPCs e a
intervenção, quando necessária, do JIC, então pretende-se agora saber se o arguido deve ou não
ser acusado. Face a indícios suficientes então o MP acusa para os crimes públicos e
semipúblicos (art.283º/1 e 2 CPP) e deve arquivar o processo caso não hajam tais indícios
(art.277º CPP). Falamos dos crimes públicos e semipúblicos porque, como já sabemos, para os
crimes particulares a acusação é um poder do ofendido e só dele está dependente a prossecução
do processo, nos termos do art.285º CPP. Se o MP acusar então pode também o assistente
acusar, segundo o art.284º CPP, e que não passa de um reforço da acusação feita pelo MP,
porque como se retira do n.1 daquele artigo o assistente está vinculado à acusação feita pelo
MP e não pode alterar substancialmente os factos da acusação feita pelo MP. Mas se se tratar
de acusação particular, como vimos segundo o art.285º CPP, então invertem-se os papéis e é o
MP que reforça já a acusação particular mas aqui o MP não está tão sujeito ao objeto da
acusação particular, como refere o art.285º/4 CPP. O MP tem alternativa à acusação, mesmo
havendo indícios suficientes, e que passa pela promoção da suspensão provisória do processo
(arts.281º e 282º CPP) ou arquivar em caso de dispensa de pena (art.280º CPP). Aqui o MP está
adstrito ao princípio da legalidade, claro, mas numa vertente de legalidade aberta onde tem já
alguma margem de manobra, que se contrapõe à obrigatoriedade. Assim, por razões de política
criminal, procura-se obter a melhor solução de acordo com os fins do Direito Penal (e das penas).
A opção por estes institutos passa por não sujeitar o arguido ao banco dos réus e isto pode
mesmo, só por si, ser ressocializador, evitando-se a estigmatização que aquela posição importa.

41
Quanto a isto ver supra em Os órgãos de polícia criminal nas págs.26 e 27 deste Bloco.

38
Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

2. A Instrução
O requerimento para abertura da instrução
A fase de instrução é uma fase facultativa (art.286º/2 CPP) e depende do assistente ou do
arguido, porque estes podem discordar da acusação e pretender promover esta fase para que
se possa comprovar judicialmente a decisão de acusação (art.286º/1 CPP).
O prazo para requerer a abertura da instrução constam do art.287º/1 CPP e é de 20 dias a contar
da notificação da decisão de acusação ou de arquivamento. Esse requerimento deve cingir-se
aos factos que constam da acusação do MP, ou seja não pode ser por factos que não constem
da acusação. Veja-se que as duas alíneas do n.1 têm textos distintos para o arguido e para o
assistente e o sentido literal das normas vai relevar bastante para o que diremos infra. Atente-
se. Em primeiro lugar, quando seja o arguido a requerer esta fase ele apenas pode referir-se a
factos pelos quais o MP ou o assistente, caso tenha sido a acusação particular a que operou por
força do art.285º CPP, tenham deduzido acusação, ou seja o arguido deve cingir-se ao objeto da
acusação, do MP ou do assistente. Já no que toca ao assistente devemos perder mais algum
tempo e há mesmo uma interpretação a ser feita ao art.287º/1/b) CPP. Aquele artigo confere
ao assistente direito de requerer a abertura da instrução para além de factos que o MP invocou,
ou seja se o MP não deduziu baseado a sua acusação em factos que agora o assistente vem
invocar então tal é admissível, contudo o problema que se coloca é que estes factos novos têm
de importar alteração substancial dos factos, porque se não importam alteração substancial dos
factos então o arguido devia tê-los deduzido na acusação que pode fazer nos termos do
art.284º/1 CPP, pois como se lê neste artigo os factos da acusação “complementar” do
assistente não pode importar a alteração substancial dos factos. Posto isto, e em nome da
celeridade e economia processual, o assistente tem que respeitar essencialmente dois requisitos
para poder requerer a abertura da instrução: o crime não pode ser particular - porque se assim
for então o assistente deveria ter deduzido todos os factos na acusação particular do art.285º
CPP - e os factos que invoca têm de importar alteração substancial dos factos, porque, e
repetindo-nos, se não importarem tal alteração substancial então o assistente devia tê-los
deduzido na acusação do art.284º CPP.
A fase instrutória está sob a direção de um JIC, sendo assistido por OPCs (art.288º/1 e 290º/1
CPP) podendo mesmo conferir a estes últimos o encargo de proceder a diligências probatórias,
salvo aqueles que impliquem direitos fundamentais segundo o art.290º/2 CPP.
Encerramento da fase de instrução
Como vimos, quando o assistente apresenta requerimento de abertura de instrução esta serve
para ampliar o objeto do processo, pelo que dissemos supra, dado que o assistente acrescenta
novos factos ao objeto do processo (art.287º/1/b) CPP). Assim, havendo alteração substancial
dos factos, nos termos que estudámos em tempo oportuno42, importa aferir da sua
admissibilidade no processo e se, portanto, é alterado o objeto do processo. O art.303º CPP vem
apresentar similares soluções sobre as quais já falámos supra quando falámos da ASF e seu
regime. Se se tratar de uma alteração não substancial dos factos então permite-se a alteração
do objeto do processo e esta alteração é comunicada ao defensor e o arguido é interrogado
quanto a isto, sendo que a requerimento deste pode ser concedido um prazo não superior a oito
dias para preparação da defesa (art.303º/1 CPP). O mesmo se aplica quando nem sequer há
alteração de factos, mas sim uma mera alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na
acusação ou no requerimento para abertura da instrução (art.303º/5 CPP). Ocorre isto, porque
o facto não altera substancialmente o objeto do processo, contudo não deixa de haver uma

42
Quanto a isto veja-se A Alteração Substancial dos Factos nas págs.32 a 36 deste Bloco.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

alteração que, apesar de admissível, não era esperada pelo arguido e este pode precisar de
tempo para ajustar a sua defesa, daí que a lei permita que tal prazo possa ser concedido. Por
sua vez, se houver alteração substancial dos factos então prevê o art.303º/3 CPP que essa
alteração não pode ser tida em conta pelo tribunal para efeitos de despacho de pronúncia e,
tampouco, implica a extinção da instância, mas esta deve ser comunicado ao MP valendo tal
comunicação como denúncia e o MP promove a um outro processo, caso sejam estes factos
autonomizáveis (art.303º/4 CPP). Se o despacho de pronúncia pronunciar o arguido por factos
que implicam a alteração substancial do objeto do processo então essa parte daquela decisão
instrutória é nula, segundo o art.309º CPP. Esta nulidade deve ser invocada no prazo de 8 dias
a contar da notificação da decisão sob pena de se convalidar aquela (art.309º/2 CPP) e alterar-
se o objeto do processo. Mais uma nota: quando falámos em momento oportuno da ASF
dissemos que pode ocorrer o chamado caso julgado do consenso ao haver acordo entre MP,
arguido e assistente pela continuação do julgamento com os novos factos, previsto no
art.359º/3 CPP. Ora, o mesmo pode ocorrer aqui, bastando ao arguido deixar passar o prazo de
oito dias para invocar a nulidade da decisão, pelo art.309º/2 CPP, convalidando-se aquela
decisão e tendo o mesmo efeito que aquele chamado caso julgado do consenso.
Finda a fase instrutória, que é composta essencialmente por um debate instrutório, oral e
contraditório (art.289º/1 CPP), então promove o JIC um despacho de pronúncia ou um
despacho de não pronúncia, segundo o art.307º/1 CPP. Neste despacho o juiz de instrução
pronuncia o arguido pela verificação dos pressupostos cuja verificação levam à aplicação de uma
sanção penal, ou seja se houver indícios suficientes a ficarem verificados tais pressupostos então
o despacho é de pronúncia mas se não forem apurados indícios suficientes da verificação de
tais pressupostos então o juiz profere um despacho de não pronúncia, segundo o art.308º/1
CPP. Aqui é aplicável mutatis mutandis o regime da suspensão provisória do processo de que
falámos supra para a acusação do art.281º CPP, ou seja aqui o JIC pode, com a concordância do
MP, se a pena abstratamente aplicável ao crime concreto for não superior a 5 anos ou tiver uma
sanção diferente de prisão então o JIC, oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do
assistente, pode promover a suspensão do processo ao sujeitar o arguido a injunções e regas de
conduta, por remissão do art.307º/2 CPP.
O art.310º/1 CPP refere que o despacho que pronuncia o arguido pelos factos que constam da
acusação do MP se torna irrecorrível, ou seja, exceciona a regra do art.399º CPP. O que ocorre
aqui é uma espécie de dupla conforme nossa já conhecida do processo civil. Contudo, se houver
um novo facto no despacho que não constava da acusação então este despacho já é recorrível
e respeita já a regra da recorribilidade das decisões do art.399º CPP.
3. O Julgamento
Atos preliminares (arts.311º a 320º CPP)
A fase de julgamento tem alguns atos preliminares a serem cumpridos previamente à audiência
de julgamento e à sentença e esses atos servem vários propósitos. Entre eles, e desde logo, o
art.311º/1 CPP prevê que das primeiras coisas a serem feitas pelo tribunal ao receber os autos
é aferir da admissibilidade processual, ou seja das questões dos pressupostos processuais, da
competência processual, etc. Aferida a legalidade de todo este momento de saneamento então
o tribunal fixa uma data para audiência mediante despacho, pelo art.313º e 312º CPP.
Audiência
A audiência de julgamento rege-se pela publicidade (art.321º CPP), ou seja qualquer pessoa
pode assistir à audiência, salvo casos excecionais. Outro princípio fundamental pelo que se rege
a audiência de julgamento é o que consta do art.327º CPP e que passa pelo princípio do
contraditório, devendo ainda a audiência ser a tão contínua quanto possível (art.328º CPP).

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

A produção de prova rege-se pelo princípio da verdade material, já nosso conhecido, e em nome
de tal princípio deve o tribunal promover diligências probatórias que considere pertinentes para
o fim prosseguido, segundo o art.340º/1 CPP. As diligências probatórias podem levantar a
querela da alteração substancial dos factos. Quanto a isto pouco haverá a dizer porque já a ela
nos referimos detalhadamente quando falámos desta matéria e por isso para lá remetemos e
quanto aos arts.358º e 359º CPP43. O regime é, também, em muito semelhante àquele que
explicamos para a fase instrutória do art.303º CPP. Apenas acrescentar que quanto à nulidade
da sentença que condene por factos que impliquem a alteração substancial dos factos não
admitida pelos arts.358º e 359º CPP está prevista no art.379º/1/b) CPP.
Sentença
O art.368º/2 CPP remete-nos à teoria da infração penal, pois ao notarmos aquilo que consta
deste artigo notamos que está ali pautada todo o procedimento de TIP, visando ir desde a
subsunção dos factos no tipo legal de crime até à punibilidade do agente.
A sentença tanto pode ser condenatória como pode ser absolutória, prevista nos arts.375º e
376º CPP, respetivamente. O art.377º CPP refere-se à decisão quanto ao pedido civil. Mesmo
que a sentença seja absolutória, ou seja extinguindo a aplicação de qualquer medida de coação
do agente e ordenando a sua libertação, o tribunal por condenar o arguido no pedido de
indemnização civil que estudamos nos termos dos arts.71º ss CPP. Isto importa efeitos colaterais
que os demais números do art.377º prevê.
A sentença deve respeitar os requisitos do art.374º CPP que, ao fim ao cabo, são as
componentes da forma da sentença.
Menção breve às formas de processo especiais
Processo Sumário (arts.381º a 391º CPP)
A forma de processo sumário ocorre quando haja detenção em flagrante delito, como vimos
em momento oportuno, e quando o crime que é indiciado não tenha pena de prisão máxima
superior a 5 anos (art.381º/1 CPP). As duas alíneas concretizam a detenção em flagrante delito.
Diríamos que eram desnecessárias porque quando o n.1 remete para a detenção em flagrante
delito sabemos já que esta tanto pode ser feita pela autoridade pública ou por um particular,
segundo o art.255º/1 e 2 CPP. Mas é ainda possível ocorre processo sumário quando a pena
de prisão máxima aplicável abstratamente ao crime indiciado seja superior a 5 anos, mas para
tanto tem que a detenção ser na mesma em flagrante delito, contudo o MP deve na acusação
referir que entende não ser ao caso concreto aplicável pena de prisão superior a 5 anos
(art.381º/2 CPP).
Dado que o arguido foi detido perante flagrante delito então isso fundamenta que ocorra um
processo muito mais célere do que o processo comum e, portanto, o arguido deve ser no prazo
de 48 horas apresentado a tribunal para efeitos de julgamento (arts. 387º/1 e 382º/1 CPP),
salvo as exceções que os próprios artigos 387º e 382º CPP preveem. Se por algum motivo o
agente detido não for apresentado a julgamento naquele prazo ou num outro então este deve
ser liberto, salvo se algum dos motivos do art.385º CPP fundamentar pela sua não libertação.
Em processo sumário, e o nome indica, os atos são reduzidos ao mínimo indispensável para que
apuramento da verdade material e aplicação de uma boa decisão da causa, segundo o
art.386º/2 CPP. Os princípios pelos quais se rege esta forma de processo são os mesmos que
estudamos para o processo comum (art.386º/1 CPP). Como se retira do art.389º CPP a
tramitação processual é mais simplificada não havendo tanto rigor formal e podendo certos atos

43
Quanto a isto veja-se Havendo alteração substancial dos factos quid juris? nas págs.35 e 36 deste Bloco

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

fazer as vezes de outros, como o caso de perante auto de notícia levantado pela autoridade o
MP pode substituir a sua acusação por tal auto de notícia (art.389º/1 CPP).
Processo Abreviado (arts.391º-A a 391º-G CPP)
Aqui há forma de processo abreviado se ocorrer uma detenção em flagrante delito, contudo
por motivos probatórios não se pode optar pela forma de processo sumário. Não havendo
detenção em flagrante delito há, pelo menos, provas simples e evidentes que levem a indícios
suficientes da verificação do crime e do seu agente, segundo o art.391º-A CPP. As penas
abstratamente aplicáveis podem ou não superiorizar o prazo de 5 anos, sendo que se
superiorizarem então tem o MP de referir na acusação que entende não dever ser aplicável ao
caso concreto pena de prisão superior a 5 anos (art.391º-A/2 CPP). São tidas como provas
simples e evidentes aqueles que cumprem os requisitos alternativos do art.391º-A/3 CPP.
Processo Sumaríssimo (arts.392º a 398º CPP)
Aqui há lugar a esta forma de processo se o crime não tiver pena de prisão máxima
abstratamente aplicável superior a 5 anos (art.392º/1 CPP). Para tanto é preciso que o arguido
tenha a iniciativa de requerer esta forma de processo ou, então, que o MP após o ter ouvido
entenda que ao caso concreto apenas deve ser aplicável uma pena ou medida de segurança
que seja não privativa da liberdade. Só com isto pode o MP requerer ao tribunal que o processo
siga a forma sumaríssima. Este requerimento por parte do MP consta do art.394º CPP e do
n.1/parte final retiramos que o MP apresenta sumariamente as razões que o levam a entender
não dever ser aplicada a pena de prisão, enquanto pena privativa da liberdade, e do n.2
retiramos que o MP deve propor as sanções que considera pertinente serem aplicadas.

Medidas de Coação
As medidas de coação são aquilo a que se chamam medidas cautelares, visando, portanto,
acautelar o bom funcionamento do processo e como este está dependente da colaboração do
arguido então para garantir que este está, pelo menos, disponível então podem ser aplicadas
estas medidas, em nome da eficiência e celeridade da tramitação processual.
Para a aplicação de uma medida de coação é preciso estarem verificados alguns pressupostos
e que fundam o receio da não colaboração do arguido no processo. Estes estão elencados no
art.204º CPP e como se retira dali percebemos que para a aplicação de uma medida de coação
tem que haver um fundado receio de que o arguido fuja ou haja tendência para tal, que possa
perturbar o inquérito ou a instrução do processo através da destruição ou ocultação de provas
ou, então, tem que haver tendência à reincidência criminosa.
As medidas de coação regem-se por um princípio de judicialização (art.32º/4 CRP), ou seja só
podem ser aplicadas pelo tribunal, por um juiz, com a exceção do termo de identidade e
residência do art.196º/1 CPP. Tirando o termo de identidade e de residência, as demais MC
regem-se pelo princípio da proporcionalidade (art.193º/1/parte final CPP) entre a MC e o crime
pelo qual é indiciado concretamente o arguido, ou seja não é admissível, aparentemente, que
perante um furto simples seja aplicada a sanção de prisão preventiva, porque nem faria sentido,
por exemplo, ser a medida de coação mais grave que a própria pena do crime. Quer ito dizer
que a proporcionalidade da MC se faz por referência à pena abstratamente aplicável ao crime
pelo qual o arguido é indiciado. Por assim ser, os arts.197ºss CPP preveem requisitos mais
específicos à aplicação de MC que só com a sua verificação é que podem ser aplicadas tais MC.
Para além deste, regem-se as MC por princípios de necessidade e de adequação e por estes
visa-se acautelar que a MC aplicável é estritamente necessária para obter os fins das MC e que
é a adequada a alcança-los, ou seja há uma ponderação a ser feita e que tem que alcançar a
harmonia: mínimo necessário + eficácia e eficiência da MC (art.193º/1 CPP).

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

As aplicações de MC pressupõem a prévia constituição como arguido (art.192º/1 CPP), ou seja


só podem ser aplicadas a quem já haja sido constituído como arguido.
As MC regem-se pelo princípio de legalidade e de tipicidade, ou seja só podem ser aplicadas
aquelas previstas na lei e nos termos da lei, e não outras (art.191º/1 CPP). Assim são as seguintes
as MC que temos previstas no nosso CPP e apresentam-se numa ordem crescente de gravidade:
termo de identificação e identidade (art.196º), que é uma medida de coação aplicada a todo e
qualquer arguido; caução (art.197º) cuja aplicação carece de um crime punido com pena de
prisão; obrigação de apresentação periódica (art.198º) cuja aplicação está dependente de pena
de prisão máxima superior a 6 meses; a suspensão do exercício de profissão, de função, de
atividade e de direitos (art.199º), onde a aplicação da MC está dependente de pena de prisão
superior a 2 anos; proibição e imposição de condutas cuja aplicação carece de pena de prisão
máxima superior a 3 anos; obrigação de permanência na habitação que carece de crime com
pena de prisão máxima superior a 3 anos e que hajam fortes indícios da prática desse crime
dolosamente, onde considerando insuficientes as anteriores MC (art.193º/2 CPP) então o
tribunal pode aplicar esta; prisão preventiva (art.202º CPP e 28º CRP) que é a medida mais
gravosa de todas, portanto, só se forem insuficientes ou inadequadas todas as outras medidas
é que o juiz pode optar pela prisão preventiva (arts.202º/1, 193º/2 e 3 CPP e art.28º/2 CRP). A
prisão preventiva carece de fortes indícios da prática de crimes mais complexos e que, portanto,
fundam ainda mais os receios de que falávamos supra, como se retira das várias alíneas do
art.202º CPP. Se poder o juiz aplicar esta medida de coação então certamente podia ele aplicar
as outras todas anteriores, porque quem pode o mais pode o menos.
Habeas corpus
O art.31º CRP prevê este instituto que é um instrumento de reação a abusos de poder que
levaram ou a detenção ilegal ou a prisão ilegal (arts.222º/1 CPP e 31º/1 CRP). Será prisão ilegal
aquela que se subsuma nos critérios alternativos do art.222º/2 CPP. Este procedimento é
urgente e, uma vez intentado, tem que ser decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça no prazo
de oito dias (art.31º/3 CRP e art.223º/5 CPP). O STJ pode proferir pela providência de habeas
corpus no sentido do art.223º/4 CPP.

A aplicação da MC de prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação e que


seja ilegal pode conduzir à atribuição de um direito de indemnização para o afetado, pelos danos
sofridos sendo que a situação concreta se deve subsumir nalguma do art.225º CPP.

Não se devem confundir, por último, as MC com as Medidas de Garantia Patrimonial, dos
arts.227ºss CPP, porque estas últimas seguem fins distintos das MC, porque visam, lá está,
conferir a garantia de que o arguido tem fundos para suportar eventuais despesas, multas,
indemnizações, etc.

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Sumário
Noções Gerais de Direito Processual Penal .................................................................................................. 2
O Conceito................................................................................................................................................ 2
O Âmbito e o Objeto ................................................................................................................................ 2
Relações do DPP com outros ramos de Direito e ciências auxiliares do Processo Penal ......................... 3
DPP e o Direito Penal ........................................................................................................................... 3
DPP e a Criminologia ............................................................................................................................ 4
DPP e a Política Criminal ...................................................................................................................... 4
Finalidades do Processo Penal ................................................................................................................. 5
A Constituição Processual Penal................................................................................................................... 6
Princípio da garantia de todos os meios de defesa. O Processo Justo e o Processo Equitativo. ............. 6
Princípio da Presunção de Inocência ....................................................................................................... 7
Princípio da Jurisdição.............................................................................................................................. 8
Princípio do juiz natural ou legal .............................................................................................................. 8
O princípio acusatório. A Estrutura Acusatória do Processo Penal. ......................................................... 9
Princípio da igualdade de oportunidades. A isonomia processual ........................................................ 10
Princípio da lealdade .............................................................................................................................. 10
Princípio da oficialidade ......................................................................................................................... 10
Princípio da legalidade e da oportunidade ............................................................................................ 11
Princípio do contraditório ...................................................................................................................... 11
Princípio da investigação para a verdade material ................................................................................ 11
Princípio da suficiência ........................................................................................................................... 12
Princípio da prova livre .......................................................................................................................... 13
Princípio da oralidade e da imediação. O princípio da concentração. ................................................... 13
O princípio do ne bis in idem. A proibição da punição múltipla pelo mesmo facto ............................... 13
Modelos de Processo Penal ........................................................................................................................ 13
O Modelo Inquisitório ............................................................................................................................ 14
O Modelo Acusatório ............................................................................................................................. 15
O Modelo Reformado ou Napoleónico ou Misto ................................................................................... 16
O Modelo vigente no Processo Penal Português ................................................................................... 16
As Fontes do Direito Processual Penal ....................................................................................................... 16
A interpretação e a integração de lacunas............................................................................................. 17
A Aplicação da Lei Processual Penal no tempo e no espaço .................................................................. 18
Aplicação da Lei Processual Penal no tempo (art.5º CPP) ................................................................. 18
Aplicação da Lei Processual Penal no espaço (art.6º CPP) ................................................................ 18
A Natureza dos Crimes ............................................................................................................................... 19
Os sujeitos processuais............................................................................................................................... 20
O Tribunal............................................................................................................................................... 20

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Diogo Chiquelho
Direito Processual Penal

Competência hierárquica................................................................................................................... 21
Competência material ....................................................................................................................... 21
Competência funcional ...................................................................................................................... 23
Competência territorial ..................................................................................................................... 23
O Ministério Público ............................................................................................................................... 25
Os órgãos de polícia criminal ............................................................................................................. 26
Arguido ................................................................................................................................................... 27
Defensor ............................................................................................................................................ 28
Assistente ............................................................................................................................................... 28
Vítima ..................................................................................................................................................... 29
As partes civis. O pedido civil e o princípio da adesão ............................................................................... 30
O objeto do processo ................................................................................................................................. 32
A Alteração Substancial dos Factos ........................................................................................................ 32
Havendo alteração substancial dos factos quid juris? ....................................................................... 35
A parte dinâmica: A Tramitação Processual ............................................................................................... 36
1. O Inquérito ......................................................................................................................................... 36
Aquisição da notitia criminis .............................................................................................................. 36
A detenção ......................................................................................................................................... 37
O inquérito propriamente dito .......................................................................................................... 38
2. A Instrução ......................................................................................................................................... 39
O requerimento para abertura da instrução ..................................................................................... 39
Encerramento da fase de instrução ................................................................................................... 39
3. O Julgamento ..................................................................................................................................... 40
Atos preliminares (arts.311º a 320º CPP) .......................................................................................... 40
Audiência ........................................................................................................................................... 40
Sentença ............................................................................................................................................ 41
Menção breve às formas de processo especiais .................................................................................... 41
Processo Sumário (arts.381º a 391º CPP) .......................................................................................... 41
Processo Abreviado (arts.391º-A a 391º-G CPP) ............................................................................... 42
Processo Sumaríssimo (arts.392º a 398º CPP)................................................................................... 42
Medidas de Coação .................................................................................................................................... 42
Habeas corpus ........................................................................................................................................ 43

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