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UNIAMÉRICA

A TEORIA DO BODE EXPIATÓRIO, DE RENÉ GIRARD, APLICADA À FERA DE


MACABÚ

Rildo de Sousa Araújo Júnior1


Junho/2021

RESUMO

O presente trabalho analisa o caso conhecido com a Fera de Macabú, através da aplicação dos
quatro "estereótipos persecutórios", propostos por René Girard em sua obra O Bode
Expiatório. No primeiro capítulo, o pensamento girardiano é brevemente apresentado ao
leitor, para depois, passar-se à uma descrição detalhada dos elementos que permitem a
identificação de um "bode expiatório", quais sejam: a "crise indiferenciadora”; os "crimes
indiferenciadores"; as "marcas vitimárias" e a violência ou expulsão coletiva. No segundo
capítulo, discorre-se acerca da origem do município de Conceição de Macabú - RJ e de suas
características históricas e o contexto que a região passava após a segunda metade do século
XIX, partindo-se, então, para o relato pormenorizado da condenação de Manuel da Motta
Coqueiro. No terceiro capítulo é realizada a análise do caso estudado, à luz dos "estereótipos
persecutórios", verificando ou não a sua aplicabilidade.

Palavras-chave: Bode expiatório. Mecanismo vitimário. Crise indiferenciadora. Marcas


vitimarias. Crime indiferenciador. Manuel da Motta Coqueiro. Fera de Macabú. Condenação.
Pena de Morte. Maldição.

1. INTRODUÇÃO
O presente estudo de caso tem como objetivo identificar, à luz dos estereótipos
persecutórios elaborados por René Girard, elementos que permitam apontar, no caso a Fera de
Macabú, a existência ou não de bode expiatório.
A participação do Estado em conhecer, julgar e punir crimes como esse, pela sua
natureza impactante, inevitavelmente suscita inúmeros questionamentos. A partir do método
de abordagem hipotético-dedutivo, buscar-se-á responder: se o condenado como mandante do
crime possuía características que o diferenciava dos membros da sociedade que
encomendaram seu assassinato – marcas vitimarias-; se a região de Macaé (atual Conceição
de Macabú), no Rio de Janeiro, viveu uma crise indiferenciadora; e em caso positivo, se ao

1
Bacharel em Direito, Especialista em Direito Constitucional e Direito Tributário.
2

transgressor foi atribuído algum comportamento que pudesse guardar relação ou consequência
com essa crise - crime indiferenciador-. Serão citadas, essencialmente, fontes primárias, tais
como artigos, trabalhos científicos e sítios da internet que possam colaborar com o
desenvolvimento da pesquisa.
O presente trabalho será estruturada em três partes:
a) na primeira, a autora realizará uma introdução ao pensamento girardiano, para então
descrever com maior minúcia os "estereótipos persecutórios” que servirão à investigação aqui
proposta, ilustrando-os com rápidos exemplos históricos;
b) na segunda, far-se-á breve relato acerca da origem do município e dos aspectos
socioculturais que o caracterizavam na época do acontecimento, descrevendo, após a Chacina
de Matupá;
c) na terceira, por fim, o linchamento em questão será analisado à luz dos "estereótipos
persecutórios".
Ao longo do trabalho, também serão abordadas, entre outros temas conexos, a
infinitude do ciclo de vingança privada e a finalidade, eficácia e eficiência do monopólio
estatal sobre o poder punitivo. Estudar as raízes de um comportamento é basilar para perceber
até que ponto ele é um desvio e quão culpável é. Munido dessa noção o aplicador do Direito
fica apto a interpretar as leis de forma menos mecanizada, mais humana e abrangente, não
cerceada pelo reducionismo metodológico imposto quando se ignoram os esclarecimentos
oferecidos pelas demais ciências.
Naturalmente, não se tem a pretensão de esgotar os assuntos de que trata René Girard
e nem a autoria e materialidade do delito analisado, mas, se comprovadas as hipóteses aqui
levantadas, pode-se concluir que episódios como a Fera de Macabú, na qual se executa um
bode expiatório, merece ser analisado pelo Direito sob um enfoque multidisciplinar, ganhando
assim maior clareza.a introdução o aluno deverá explicar o objetivo do trabalho e,
principalmente, como desenvolveu o mesmo. É interessante relatar o que o leitor irá observar
nas seções.

2. O BODE EXPIATÓRIO

O segredo do sucesso, nos negócios como no amor, é a dissimulação. É preciso


dissimular o desejo que sente, é preciso simular o desejo que não sente. É preciso
mentir. René Girard
2.1 Introdução ao pensamento Girardiano
René Girard – 25 de dezembro de 1923, Avignon, França – é um historiador conhecido
3

pela criação da teoria do desejo mimético, a partir da qual desenvolveu, ao longo de suas
pesquisas, muitos outros pensamentos – entre eles, o “mecanismo do bode expiatório”, o qual
será detalhadamente analisado neste trabalho.
De acordo com os relatos bíblicos mais antigos, o universo e os primeiros seres vivos
viviam em perfeita harmonia, até que houve a incidência do pecado na vida do homem e a
existência paradisíaca do jardim do Éden se esgotou, tendo que tirar da terra, com trabalho
2
penoso, o sustento diário de sua vida. Com a germinação humana, foram geradas as
primeiras comunidades, e, sem a existência do Estado garantidor, as vontades e interesses
individuais destoam-se dos interesses coletivos, gerando conflitos e tornando instável a paz e
o convívio dentro da comunidade. Com isso, se faz necessário o restabelecimento das
condições de convivência, se dando por meio do sacrifício. Senão, vejamos a explanação de
Márcio Meruje e José Maria Silva Rosa3 sobre este apontamento:

[...]O sacrifício apresenta-se como uma estrutura simbólica que, ao envolver um


elemento de mistério em acção tem a função de impedir que a violência, tida como
interna à sociedade, atinja repercussões tais – todos contra todos - que coloque em
causa a sobrevivência da própria sociedade, levando-a a uma situação de colapso.
[...] (sic)

Um dos objetos de estudo do historiador René Girard, é o mecanismo vitimário, ou


“mecanismo do bode expiatório”, o qual será analisado detalhadamente nesse trabalho. De
acordo com a teoria mimética de Girard, os homens elegem seus desejos por imitação, por
isso o objeto não tem um valor em si mesmo. Um primeiro indivíduo elege um objeto,
causando-lhe um brilho diferenciado, despertando interesse de um segundo indivíduo, que
passa a também desejar o mesmo objeto. Esta é a configuração do desejo mimético,
caracterizada pela relação triangular entre os dois polos desejadores e o objeto desejado.
Como bem expões Dr. Pe. Edvilson de Godoy4:
O desejo é matriz do fenômeno religioso. O homem girardiano age sempre
desejando ser outro, que é ao mesmo tempo o seu modelo e o seu rival: eis o foco da
inveja, do ódio, da vingança e de todas as formas de exclusão. O desejo é a matriz da
violência que alimentada pelo ódio progressivo dos rivais, numa relação de
reciprocidade negativa, envolve toda a comunidade, ameaçando a ordem social e a
própria sobrevivência do grupo.

O desejo mimético é intrínseco do homem e se fortalece a medida que o objeto


desejado se torna fora do alcance, deixando os indivíduos em estado de guerra, com extrema
agressividade, ficando obcecado pelo objeto desejado. No momento da busca da apropriação

2
A Bíblia (GÊNESIS, capítulo 3)
3
MERUJE, Márcio & ROSA, José Maria Silva, SACRIFÍCIO, RIVALIDADE MIMÉTICA E “BODE
EXPIATÓRIO” EM R. GIRARD. Griot – Revista de Filosofia
4
A Igreja como povo de Deus. Revista de Cultura teológica- v. 20 n 80- out/dez 2012 p. 127
4

do objeto, com esse caráter aquisitivo, emerge a violência nas relações humanas. Com a
instalação dessa veemência, vem o escândalo, que tem por conceito ser um obstáculo que
fomenta em primeiro plano a retinência, seguida de extrema impaciência, culminando em
expressões violentas que aparentam serem o único meio de pacificar a lide. Senão vejamos a
ilustração feita pelo Dr. Pe. Edvilson de Godoy5 acerca do escândalo e suas consequências:
O escândalo começa no desejo mimético e desenvolve-se completamente na crise
mimética. A pedra de tropeço que causa a queda do inocente; começa a desenvolver-
se na relação entre modelo, obstáculo e sujeito. O sujeito, ao desejar o objeto do seu
modelo, inicia o processo de imitação, tornando-se uma pedra de tropeço para o
modelo. O sujeito fará de tudo para derrubar o próprio modelo e arrancar-lhe o
objeto desejado; para ser como o modelo, o sujeito precisa destruí-lo. O modelo, por
sua vez, ao perceber a presença do imitador, apega-se completamente ao objeto já
possuído para não perdê-lo para o rival. Assim, também o modelo se torna rival do
seu rival, ou seja, será um obstáculo, na realização do desejo do imitador. O modelo
é contagiado pelo escândalo do rival de maneira que o escândalo é recíproco.

Nessas circunstâncias, rapidamente o escândalo se espalha para a comunidade, onde a


sociedade passa a ocupar um dos polos da relação triangular do desejo mimético. A rivalidade
mimética passa a ser paradoxal, porque a sociedade, o sujeito e o objeto deixam de estar
diferenciados. Nessa etapa há a passagem de todos contra todos para todos contra um, que ao
final, apazígua-se a crise, ao inventar um Bode expiatório, que silencia a violência
generalizada e impede o colapso da comunidade.
Em sua obra, Girard ilustra em uma de sua passagem como Édipo é um candidato
perfeito para candidatar-se como bode expiatório, onde é de fácil visualização da violência
generalizada pairando sobre a multidão, e, ele enxergando ser o sacrifício, arranca os próprios
olhos dado a desgraça que ele (e exclusivamente ele) jogou contra a cidade ao tentar se
aproximar de seus pais. Édipo deixa Tebas, e com isso, põe fim à violência que atormentava a
cidade inteira.
“Para libertar toda a cidade da responsabilidade pela crise sacrificial que pesa sobre
ela e para transformar a crise sacrificial em peste, esvaziando-a de sua violência, é
preciso transferir esta violência sobre Édipo ou, de forma mais geral, sobre um
indivíduo único.” 6

Contudo, que a efetivação da paz só reinará com a canalização unânime da violência


da comunidade contra o bode expiatório. Na seleção deste, é importante citar a
vulnerabilidade da vítima, pois para que o sucesso é necessário que não haja ninguém disposto
a vingá-la. A inconsciência da multidão é outra característica imprescindível para o sucesso
do “mecanismo vitimário”, já que cada membro da multidão deve crer cegamente na culpa do
bode expiatório para se lançarem contra ele. Algo relevante é que na esfera da inconsciência,
5
Ibid., p. 130
6
GIRARD, René. A violência e o sagrado. Tradução de Martha Conceição Gambini. 3ª Ed. Paz e Terra, São
Paulo, 1990. P. 103.
5

observa-se um aspecto racional. Esse aspecto racional é observado quando a culpa consensual
é lançada sobre a vítima ela é diferenciada dos indiferenciados da multidão. Assim, sem
encontrar nenhum apoio, e com a configuração de todos contra um, a violência se extingue
com a expulsão ou morte da vítima, não ocorrendo à vingança.7 Podemos observar essa
efetivação do mecanismo vitimário nas palavras de Marcos Antônio Bezerra Uchôa:
Para que o acontecimento seja eficaz enquanto reprodução do mecanismo fundador
percebe-se claramente a sequência: a lapidação acontece fora da cidade, não se pode
ter contato direto com a vítima por causa da contaminação, a participação unânime e
espontânea da comunidade no assassinato, e, finalmente, tudo isso de forma legal
que é a ritualização da própria violência espontânea. Os mártires de ontem e de hoje
‘multiplicam as revelações da violência fundadora’ que não produz mais mitos e sim
textos de perseguições.8

Diante disso, é fácil observar que com a ausência do Estado os indivíduos tornariam
comum o instituto da vingança privada, e linchamentos seriam cada vez mais recorrentes.
Com isso, o Estado avoca para sim o monopólio punitivo, buscando manter a ordem e
reprimir e evitar manifestações violentas. Os críticos e defensores do Direito Penal do
Inimigo9 afirmam que esses indivíduos são diferenciados por meio do tipo penal, o infrator
personifica um comportamento que desestabiliza a sociedade, e que por possuírem certas
características, são vítimas do sistema judiciário. Visto isso, segundo René Girard, nas
palavras de Marcos Antônio Bezerra Uchôa, afirma que o sacrifício não substitui o sistema
judiciário, pois possuem a mesma função de interromper a vingança privada, senão vejamos:
O problema é quando eu digo que somente pelo sistema judiciário posso controlar o
perigo da vingança e não reconheço a função do sacrifício, do religioso. Logo, meu
sistema está fechado, está cego. Devemo-nos perguntar é se as sociedades primitivas
sobreviveram à escalada de violência, como conseguiram sem um sistema
judiciário? A solução está no religioso e no sacrifício, ou seja, naquilo que a
sociedade moderna exclui ou relega ao plano do insignificante. 10

2.2 Os esteriótipos persecutórios que definem um “bode expiatório”


A expressão bode expiatório tem origem bíblica, no ritual judaico do livro de
Levíticos, que a Arão, após ordem do Senhor comunicada por Moises, põe suas mãos sobre a
cabeça de um bode e transmite todos os pecados do povo de Israel, senão vejamos os relatos
históricos: “Então Arão fará chegar o bode, sobre o qual cair a sorte pelo Senhor, e o oferecerá
para expiação do pecado”.11

7
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direiro) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul.
8
As interfaces: Sagrado e violência, segundo René Girard. P.91
9
Teoria introduzida por Günther Jakobs, jurista alemão que desenvolveu esse conceito em 1985.
10
As interfaces: Sagrado e violência, segundo René Girard. P.48
11
Bíblia (LEVÍTICOS 16:9)
6

Depois de delimitado o universo em que surge o “bode expiatório”, sua função e


utilidade perante a comunidade, passa-se a análise mais detalhada dessa sua figura. René
Girard mostrou que existe um esquema transcultural de violência coletiva e que é fácil
esboçar seus contornos,12 o sistema que denomina de estereótipos persecutórios, que é
característico por observar nos acontecimentos e nos indivíduos a afirmação de uma vítima
expiatória.
O primeiro estereótipo persecutório, respeitando a cronologia lógica do autor é a crise
indiferenciadora, que se trata de um fenômeno de ajuntamentos populares espontâneos que
tem como característica o sentimento comunitário de baderna e desordem. Esta crise pode ser
gerada por diversos motivos, sendo estas causas internas, como agitações políticas ou
conflitos religiosos, ou por vezes, são causas externas, como as epidemias ou ainda a seca
extrema, ou a inundação que coloque a comunidade em dificuldade; é válida a lembrança que
para a ciências humanas, o campo social (interno) é sempre o que goza de maior importância.
Tem como características principais a perda do radical social, fim das regras e da ordem que
define a cultura local. As instituições estruturam, determinam e ditam, em regra, os
comportamentos, deveres, obrigações e direitos dos homens em sociedade, pretendendo que
eles possam se relacionarem nos diversos aspectos sociais sem a ocorrência grandes conflitos,
ou seja, as instituições impõem papéis aos indivíduos, escalonando-os hierarquicamente em
diferentes posições sociais. Essa estrutura permanece estável até o estopim da crise, que
quando se instala, gera a desestruturação da organização determinada pelas instituições,
fazendo com que toda a estrutura social se desconfigure, e que aspectos sociais não estarão
mais revestidos por ordens, e sim com pessoalidade, tratando diretamente os indivíduos dessa
tarefa. Com isso, a reciprocidade instantânea se instala nas trocas sociais, as impressões
positivas ou negativas se aceleram, visto a ausência da regularização das instituições13.
Com a incredibilidade das instituições, os mecanismos de proteção da sociedade
encontram-se em risco, estando as relações a margem da instabilidade. A multiplicação das
trocas agressivas assemelhava toda a sociedade, que, ao desaparecerem as diferenças que
eram propostas pelas regras, desaparecera também a ordem, instalando-se a anarquia do caos.
A violência padroniza o comportamento social, provocando um “efeito cascata”. Os homens
passam a ver como único meio correto de agir o seu próprio, mas que por tanto se
diferenciarem, se igualam e passam a conviver nesse meio turbulento. É como Girard bem

12
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 29.
13
GIRARD, René. O bode expatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 19 – 21.
7

expõe:
Embora oponha os homens uns aos outros, essa má reciprocidade uniformiza as
condutas e é ela que produz uma predominância do mesmo, sempre um pouco
paradoxal, pois essencialmente conflituosa e solipsista. A experiência de
indiferenciação corresponde, portanto, a algo de real sobre o plano das relações
humanas, mas não dei de ser menos mítica14

Nesse universo anárquico, ausente de instituições garantidoras, onde os membros da


sociedade estão imersos na indiferenciação é que se inicia a perseguição. Diante da eminência
destruição da comunidade, e da improvável renúncia de qualquer um dos membros
indiferenciados, a única e alternativa viável para manter e garantir a sobrevivência da
sociedade comunal é canalização da violência de todo o social indiferenciado em uma única
vítima, dando um fim a ideia do “todos contra todos” e iniciando a nova fase, sendo “todos
contra um”. 15
Ou seja, o mecanismo vitimário do “bode expiatório” aparece como um
instituto que tem por objetivo salvaguardar a existência da comunidade em meio a extrema
rivalidade de seus membros.
Visto o universo em que se encontra a comunidade, passa-se a buscar o entendimento
de como é eleita o bode expiatório. Girard aponta que são diversas e certas as características
que determinam a escolha da vítima, mas aponta que a responsabilidade ficará mais evidente
se a ela for imputado um fato delituoso que acarrete uma reprovação unânime dos membros
da sociedade, não se fazendo necessário que esta imputação seja verídica. Dá-se início ao
estudo do segundo estereótipo persecutório, qual seja, o crime indiferenciador. Segundo
Letícia de Sousa Furtado e Wilson Frank Júnior, observa-se que:
A atribuição de um crime indiferenciador, baseia-se no pensamento lógico, não
sendo essencial às massas regidas estritamente pelo pensamento mágico. Por isso,
Girard entende que, na sociedade contemporânea, o crime indiferenciador facilita a
vinculação causal da vítima expiatória à crise, mas que o motivo da seleção daquela
não é esse.16

Esses levantamento, preciouamente, são numerosos, porém, facilmente é apontada sua


unidade. No começo, ocorrem crimes de violência que tem como objeto violação criminal, de
um modo mais absoluto. Tem-se também como criminosos de delitos sexuais, que
frequentemente rompem os tabus mais tradicionais da relação cultural, quais sejam a violação,
incesto chegando até a bestialidade. Há também os crimes religiosos, que são os mais severos
tabus a serem transgredidos, como exemplo a profanação das hóstias. Todos esses crimes
lesam a dignidade cultural, e geram na esfera individual uma revolta que quando posta em
14
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 21.
15
GIRARD, René. A violência e o Sagrado. Traduzido por Martha Conceição Gambini. São Paulo: Paz e Terra,
1990.
16
FURTADO, Letícia de Souza; FRANCK JUNIOR, Wilson. O linchamento de Guarujá e a violência
mimética de René Girard. Iurisprudentia: Revista da Faculdade de Direito da Ajes, v. 3, 2014
8

conjunto com todos os indivíduos, desencadeis um desastre incomparável.17


Após o cometimento do fato criminoso, tem-se início o conhecimento do ocorrido
frente a sociedade, que, a partir do momento que sua propagação aumenta, e o enredo goza
uma pequena credibilidade, já se tem o necessário para que a população produção com forte
convicção apologia contra o acusado. É válido lembrar que não se faz necessário que a
acusação recheie o levantamento de provas de autoria e materialidade delitiva. É a acusação
estereotipada que autoriza e facilita esta crença, servindo de ponto entre a pequenez do
indivíduo acusado e a enormidade do corpo social acusar e juiz. Esse enorme corpo social
perseguidores em potência, pois buscam purificar a comunidade de elementos impuros,
atribuindo a um(ns) homem(ns) a responsabilidade por grandes crises e catástrofes, ampliando
muito o potencial lesivo do(s) bode(s) expiatório(s)18. O crime indiferenciador funciona como
catalizador vinculando a vítima (bode) expiatório a crise, mas que não seja este o motivo dela.
Girard. Afirma ainda que são suas ‘marcas vitimarias19’ que apontam quem será objeto da
perseguição.
Entendem-se por marcas vitimarias como constituintes do terceiro estereótipo
persecutório apontado por Girard, que à primeira vista são puramente diferenciais, mas que
colocam o “bode expiatório” à margem do sistema, antes mesmo que a ele seja imputado
qualquer ato verdadeiramente reprovável. É público e notório que a sociedade não é toda
regular e congênere, ela aceita determinadas diferenças que lhe convém, e que, mediante
apresentação de algumas anormalidades que dificultem a compreensão dos demais indivíduos,
ocorre aversão. O autor explana bem ao relatar:
Não é toda diferença no seio do sistema que significam as marcas de seleção
vitimária, mas a diferença fora do sistema, é a possibilidade de para o sistema de
diferir de sua própria diferença, ou, em outras palavras, de não diferir do todo, de
cessar de existir como sistema20.

O bode expiatório deve possuir uma característica, marca, sinal ou deformidade que o
diferencie claramente do resto da população. Essas diferenças podem serem diversas, a
depender do caso, podem se apresentar como um fator econômico, sendo a vítima bastante
rica ou pobre; pode se tratar de característica anatômica, sendo essa alguma enfermidade,
feiura, sinal de nascença ou grande beleza; pode se tratar também da esfera religiosa, onde é

17
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 23.
18
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul, 2013.
19
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 30.
20
Idem 31
9

citado um mulçumano entre cristãos21. René Girard também aborda os exemplos dos
estrangeiros, que quando estes chegam a nova terra, os costumes já estão estabelecidos, não
tendo costumes ou não tendo gosto conforme o caso22.
Agora com estes apontamentos, é entendido que no ápice da crise indiferenciadora
(primeiro estereotipo), quem dotado de marca vitimaria (terceiro estereotipo) praticar algum
delito amora [crime indiferenciador (segundo estereótipo)], será o ponto de canalização de
toda a violência coletiva (quarto estereótipo). A multidão que era dotada de instabilidade na
esfera interindividual, abre mão do todos contra todos, para na esfera coletiva aplicar o todos
contra um, sendo este um titulado como fonte de todos os problemas e responsável por todo o
mal que paira sobre a comunidade.

3. FERA DE MACABÚ
3.1 Do descobrimento à emancipação de Conceição de Macabú
Macabú é um município originalmente habitado por tribos indígenas nômades, o
município foi parte da Capitania de São Tomé até ser doado em sesmaria para os Sete
Capitães. Com o fracasso da sesmaria a região foi dividida, cabendo as terras
do município aos padres jesuítas, que a partir da Freguesia de Nossa Senhora das Neves e
Santa Rita, exploraram o interior catequizando e aldeando os índios habitantes do vale do rio
Macabu, no vizinho vale do rio Macaé. Em meados do século XXVIII, os jesuítas são
expulsos, nos anos seguintes os desprotegidos indígenas retornam ao vale
do Macabu formando os primeiros povoados, que logo foram atingidos pelo progresso
oriundo do cultivo do café na região serrana fluminense. Com o início das grandes plantações,
a cidade acarretou grande chegada de imensas quantidades de escravos africanos. A região de
Macabu composta por serras cobertas de florestas foi rica local de refúgio de escravos
fugitivos que formaram o Quilombo de Cruz Sena e Quilombo do Carucango, o maior que
existiu na região. A cidade contava com portos fluviais, a estrada Macaé-Cantagalo e o ramal
ferroviário oriundo de Conde de Araruama (Quissamã) tornam-se vias de acesso à região
contribuindo para o seu povoamento, crescimento econômico e evolução
política: freguesia em 1855 e primeira emancipação em 1891-1892. Durante esta época de

21
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul, 2013.
22
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P p 31
10

grande crescimento econômico, ocorreu o caso da Fera de Macabu, uma história de crime
erros judiciários a partir do qual se iniciou o fim da pena de morte no Brasil.23

3.2 Manuel da Mota Coqueiro

Manuel da Mota nasceu na fazenda do Coqueiro, município de Campos dos


Goytacazes, em fevereiro de 1799, embora haja divergência entre datas, visto que sua certidão
de nascimento conste como 17 de agosto de 180224. Tinha filiação de Manuel José da Motta,
fazendeiro da região, e Anna Francisca do Nascimento; fato comum à época, teve em seu
nome acrescentado ‘Coqueiro’ em virtude de ter nascido na Fazenda Coqueiro e passou toda
sua infância na fazenda administrada pelo pai.25 Da Motta Coqueiro se tornou um homem
muito influente, de grandes negócios na região, mas de temperamento rude. Era característica
o pavor de todos que o circundavam pela sua valentia, arrogância e pela forma cruel com que
tratava seus escravos.26
A história da Fera de Macabú inicia-se no dia em que o primo e amigo Julião Baptista
Coqueiro apresenta-lhe sua noiva Joaquina Maria de Jesus. Como iria ao Rio de Janeiro
dedicar-se aos estudos, Julião pediu ao primo que cuidasse de sua noiva, prestando toda
assistência necessária durante o seu período acadêmico e assim Manuel o fez. Ocorre que Da
Mota terminaria pôr-se apaixonar por Joaquina, passando a cortejá-la e envolvendo-se em um
grave atrito com seu Primo Julião, que jurou vingança e passou a persegui-lo de todas as
formas possíveis. Bel Aquino27 descreve bem os primórdios dos inimigos de Coqueiro:
[...] E Coqueiro assim o fez mas, de tanto concentrar todos os olhares em Joaquina,
se apaixonou por ela e a desposou em 07 de fevereiro de 1820, deixando Julião
profundamente humilhado, jurando-lhe vingança eterna – o que o levou a persegui-
lo de todas as maneiras, abusando do prestígio de sua família, manipulando forças
políticas de seu irmão José Bernardino Baptista Pereira de Almeida (que foi Ministro
da Justiça e da fazenda de D. Pedro I) e aproveitando-se de sua ligação familiar com
o visconde de Maranguape para apressar, dentro do próprio palácio imperial, a
execução de Coqueiro anos mais tarde.

23
Prefeitura Municipal de Macabu. Nossa História. Disponível em:
<http://www.conceicaodemacabu.rj.gov.br/?INT_PAG=4857>. Acesso em: 05 jun. 2018.
24
Divergência que ocorrera por imprecisão dos serviços cartorários da época, tendo frequentemente a
divergência entre a idade biológica e a presente no registro civil.
25
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
26
SOUSA, Valter Ney Macedi. O caso Mota Coqueiro. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/55822/o-
caso-mota-coqueiro>. Acesso em 06 de jun. 2018.
27
Servidora pública federal, pós-graduada em Direito e Processo Penal e estudiosa de criminosos famosos e
julgamentos históricos.
11

Para Manuel, o casamento com Joaquina não rendeu bons fruto, ofertando uma
inimizade mortal com o seu influente primo, cumulado com ausência de dote por sua noiva. É
importante ressaltar que Coqueiro não desfrutou muito tempo de sua amada, já que em março
de 1823 ela contraiu uma grave infecção pulmonar (acreditam-se que se tratava de
Tuberculose) que a levou ao óbito.
Logo após a morte de Joaquina, Manuel da Mota começa a receber uma herança do
seu tio-avô, uma fazenda, vizinha a de Julião, seu primo que lhe jurara vingança. Coqueiro foi
adquirindo novas propriedades, ampliando sua fortuna, até que conheceu Úrsula Maria das
Virgens Cabral, prima de seus primos. Era uma fazendeira que tinha uma posição social
elevada, sendo muito respeitada apesar de ser mulher, por ter personalidade fortíssima.
Em 1832, ocorreu o casamento entre Manuel da Motta Coqueiro e Úrsula Maria das
Virgens Cabral. Logo no início do matrimônio, o casal passou a juntar bens, expandindo os
limites das propriedades, arrendando ou ocupando terras abandonadas. Essas terras foram
doadas a padres beneditinos que nunca as ocuparam, posteriormente ocupadas por Coqueiros
e por outros fazendeiros, o que gerou um conflito entre Manuel e os Padres. O atrito chegou a
tal tamanho que a Igreja enviou tropas de escravos para que pudessem recuperar a posse das
terras. Da Motta enfrentou os escravos e conseguiu garantir a propriedades das terras, porém,
os padres se agregaram ao grupo dos inimigos de Manuel.
Em 1847, Coqueiro já era dono de cinco fazendas e muitos escravos respeitado pela
sociedade local. Foi convidado para um casamento em que o Imperador D. Pedro II. Na festa
luxuosa, para dois mil convidados, Úrsula e Coqueiros são apresentados ao Imperador.28
Nesse mesmo período, o mercado escravocrata estava em baixa, com a crise do Tráfico
Negreiro e pressão da Inglaterra requerendo o fim dessa prática mercantil. Como solução se
tem a substituição de mão-de-obra escrava pela utilização de colonos livres, prática que se
tornou frequente no Brasil no século XIX. Bel Aquina expõe as atitudes de Da Motta sobre
essa inovação:
Coqueiro foi um dos primeiros a aderir a esta experiência e, por intermédio de seu
vizinho e amigo, José Pedro Gomes de Moura, conheceu Francisco Benedito da
Silva, casado e com seis filhos; um colono trabalhador, mas que tinha um histórico
de embriaguez e de arrumar brigas com as escravarias. 29

Com o acordo de trabalho, Francisco Benedito se instalou na fazenda Bananal com sua
família. Em visitas laborais para resolução de diligências mercantis, Coqueiro descobre os
28
FERA DE MACABU. Linha Direta Justiça. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=syXGcpn6Vos&t=543s>. Acesso em 05 de jun. 2018.
29
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
12

encantos de uma das filhas de Benedito, era Francisca, por quem se apaixonou, passando a
visitar com mais frequência seus aposentos fazendários. Em abril de 1852, em uma visita de
Coqueiro à Fazenda Bananal, este encontrou-se com Francisca, ficando quase dois dias
inteiros sem que ninguém os visse, resultando na gravidez da moça. Devido a gravidez
indesejada, Manuel tentou, sem sucesso, mandar Francisco embora de todas as formas, o que
gerou desentendimentos severos. Diego Bayer e Bel Aquino descrevem um dos atritos em que
as partes se envolviam:
Em uma das indisposições criadas entre eles, Francisco Benedito desembalou e
jogou no rio carga de madeiras que seriam vendidas a comerciantes por Coqueiro;
então, Fidélis, o feitor da fazenda, organizou um grupo de escravos, sem
conhecimento de Coqueiro, para punir Francisco Benedito, mas, chegando em sua
residência, foram afugentados pela família que estava municiada de espingardas,
foices e paus. Não tardava a chegar uma resposta. 30

Com as constantes ausências do marido, Úrsula desconfia e após apurar a situação, e


surpreende Coqueiro a dizer que sabe das relações dele com Francisca e também da gravidez.
Com o desenrolar do discurso, Manuel decide marcar um encontro com Francisca para esgotar
a situação. No caminho, foi espancando brutalmente por dois homens que estavam
escondidos. Para se proteger, Da Motta decide andar acompanhado de um “guarda-costas”
chamado de Florentino da Silva.

3.3 Chacina de Macabu

No dia 11 de setembro, Coqueiro chegou na Fazenda Bananal por volta das 23 horas,
em uma canoa remada pelos seus escravos negros e seu capanga, Flor. Todavia, em razão das
fortes chuvas, foi para casa encontrando um grupo de amigos, com os quais ficou durante a
noite toda, inclusive com eles dormindo em sua residência em razão da tempestade. Naquela
noite, enquanto comiam e bebiam, a 1300 metros dali houve um assassinato coletivo, os
ruídos e gritos foram abafados pela noite de trovões. Nesta mesma noite, de 11 para 12 de
setembro de 1852, era lua nova e chovia demais. Um grupo de homens ligados à Fazenda
Bananal atacou a casa de Francisco Benedito e iniciou uma chacina. Quando percebeu o
ataque, o jovem José Benedito (filho de Francisco Benedito) tentou fugir para buscar socorro,
sendo morto por uma violenta paulada que lhe rachou o crânio. Em seguida, os assassinos
arrombaram a porta principal e mataram todos: Francisco Benedito foi retalhado por golpes de
facão e foice; em seguida, sua mulher, Amélia, morreu com golpes de pau e foi esganada por

30
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
13

um dos assassinos. As crianças menores foram trucidadas sem pena, com quantas pauladas
bastassem até que não mais se movessem. Sem serem percebidas, as duas filhas de Francisco
Benedito haviam fugido pela janela.
Quando os assassinos estavam saindo da casa, um clarão de raio revelou uma das
filhas que havia fugido e estava na árvore. Era Maria, qual foi agarrada pelos homens e morta
ali mesmo. Francisca, mais acima, viu sua irmã ser morta a pancadas, tremendo de medo e de
frio. Os homens amontoaram os corpos em um dos cômodos da casa e atearam fogo. Tão logo
saíram para o mato, a chuva caiu mais forte, apagando o fogo, deixando a cena do crime quase
que intocada.31
Após ter certeza que não havia mais ninguém ali, Francisca desceu da árvore e correu
sentido contrário a Fazenda Bananal. Vagou solitária até ser encontrada na tarde seguinte,
sendo levada até a fazenda de André Ferreira dos Santos, outro inimigo de Coqueiro, onde,
em estado de choque e traumatizada, não conseguiu falar nada.
Quando viu Francisca chegar em estado de choque, André (inimigo de Coqueiro) já
sabia o que tinha acontecido, e sequer esperou pelo subdelegado Oliveira, que era a autoridade
máxima da região: mandou ofício ao delegado de Macaé, formalizando a denúncia de crime
coletivo, acusando Coqueiro.
Apenas na terça feira, dia 14 de setembro, os escravos, após notarem uma revoada de
urubus em torno de onde ficava a palhoça de Francisco Benedito, perceberam que havia
ocorrido uma chacina. Foram imediatamente contar para Coqueiro que, em pânico por saber
que seria acusado pelo crime, convocou todos os escravos para arrancar deles uma confissão.
O pajem (escravo que tinha função prestar serviços) Carlos admitiu que estava entre os
assassinos. Coqueiro avançou sobre ele e o puniu severamente; diante disso, nenhum outro
escravo admitiu ter participado.32
A partir daí começou o calvário de Manuel da Motta Coqueiro. Os inimigos levaram
uma caixa com todas as peças de roupas dos mortos, rasgadas e ensanguentadas. Com medo
da sequência dos fatos, Coqueiro, após uma conversa com Úrsula, decidiu fugir, mesmo
contra a opinião desta e de seu filho, que o avisaram que pareceria estar assumindo o crime.
Após forte apelo dos jornais – que cumpriram papel fundamental no pré-julgamento de
Coqueiro – e ampla divulgação do caso. Foi preso na Vila do Itapemirim.

31
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.5
32
Autor desconhecido, Macaé, a lenda de Motta Coqueiro e a Maldição. Disponível em:
<http://pontonulonotempo.blogspot.com/2013/06/macae-lenda-de-motta-coqueiro-e-maldicao.html> Acesso em
11 de jun. 2018.
14

3.4 Da prisão a execução

O delegado Dinis mandou Coqueiro até Campos dos Goytacazes montado em um


jumento, com as pernas amarradas por baixo da barriga da montaria e as mãos algemadas,
acompanhado de uma escolta de cinco homens armados; nas noites, era amarrado em árvores.
Uma multidão ali concentrada gritava impropérios, a polícia teve que conter os manifestantes.
Para os inimigos de Coqueiro era importante manter a imprensa atuante, para atrair a
atenção de Dom Pedro II, pois sabiam que o imperador se impressionava com o que era
veiculado nos jornais. No dia 02 de novembro, o jornal Diário do Rio de Janeiro reproduzia a
cena da chegada de Coqueiro a Campos dos Goytacazes, surgindo a partir desta publicação o
apelido “A Fera de Macabú”.33
Coqueiro foi colocado na cela mais segura da cadeia pública de Campos dos
Goytacazes, com uma sentinela à porta em tempo integral. De madrugada, sua esposa Úrsula,
acompanhada pelo filho André, conseguiram visitar o marido. Ela chorou muito e saiu
amparada. Mais tarde, um amigo da família tentou lhe entregar um pequeno vidro com
veneno, mas Coqueiro recusou o suicídio esperando provar sua inocência. Para chamar a
atenção da mídia e do povo, os inimigos de Coqueiro, que comandavam as investigações,
começaram a prender um a um dos escravos e os aterrorizavam, para que prestassem
depoimentos assustados e manipulados. Diziam, ainda, que se dessem depoimentos que
incriminasse Coqueiro, deixariam de ser escravos.34
Após o depoimento de uma testemunha chamada Bento Pereira da Silva, foram presos
Flor e um “capanga” conhecido como Faustino, acusados de serem os executores a mando de
Coqueiro. O que ficou claramente demonstrado, é que o interesse em incriminar Coqueiro e a
intenção de leva-lo a forca era tanta, que a polícia não checou diversas informações
importantes, como a presença de visitantes na casa de Coqueiro na noite do crime, álibi que
poderia tê-lo inocentado. Nenhum dos visitantes foi convocado a depor.35
Pressionado pela opinião pública, Pacheco pronunciou rapidamente os réus Manuel da
Motta Coqueiro como mandante, Florentino da Silva, Faustino Pereira da Silva, o feitor
Fidélis e os escravos Domingos, Alexandre, Peregrino, Sabino e Guilherme, e o menor Carlos,
como executores. O trâmite foi veloz: o crime ocorreu em 11 de setembro de 1852, os últimos
acusados foram presos em outubro, os interrogatórios terminaram em novembro, o sumário de
culpa foi concluído no dia 29 de dezembro e, em janeiro de 1853, o processo foi à apreciação

33
VASCONCELOS, Antônio Antão. "Crimes Célebres de Macaé". Macaé (RJ): 1901.
34
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
35
TINOCO, Godofredo. "Mota Coqueiro, a Grande Incógnita". Rio de Janeiro: Livraria São José, 1966.
15

do promotor para oferecer a denúncia; no dia 07 de janeiro o juiz expediu convocações e


precatórios para o primeiro julgamento, marcado para o dia 17 de janeiro.
O Promotor mudou completamente os rumos da acusação. Dos dez acusados, sem
nenhuma razão objetiva, ele acusou somente quatro pessoas, sendo estas Coqueiro, Faustino,
Domingos e Flor. O promotor os denunciou por infringência ao artigo 192 do Código
Criminal Imperial36 reconhecendo homicídios em grau máximo com vários agravantes, qual a
pena máxima era a morte na forca.
O primeiro julgamento foi preparado como grandes espetáculos teatrais: o advogado
Luiz José Pereira da Fonseca se esforçou ao máximo para reunir novas provas, testemunhos
ou indícios no curto espaço de tempo que teve até o dia de julgamento. Este pedia mais prazos
argumentando o cerceamento da ampla defesa, mas nada parecia mais importante para as
autoridades e para o juiz do que condenar os acusados e puni-los exemplarmente, fossem
culpados ou não. Chegavam pessoas de todos os lados, de navio, a cavalo, de carroça ou
remando em canoas. As pessoas não entendiam o porquê do julgamento se a mídia já havia
condenado e a população confirmado o veredicto.
Na véspera do julgamento, as roupas das vítimas ensanguentadas, apesar de serem
peças do processo, apareceram penduradas em postes nas principais ruas junto a cartazes que
incitavam a população contra os acusados. Nos dias antecedentes ao julgamento, o juiz
Almeida Couto disse a pessoas próximas que estava tão convencido da culpabilidade de
Coqueiro que nem estudaria o processo a fundo, já antecipando que seria parcial.
Os jurados só sairiam da sala secreta às 02h00min do dia 19. O presidente do corpo de
jurados, comunicou ao juiz que o conselho considerava Manuel da Motta Coqueiro culpado
como mandante das mortes de Francisco Benedito da Silva e sua família, e os três acusados
culpados pela execução dos crimes.37 Os jurados concordaram sempre por unanimidade, com
quase todas as agravantes listadas pelo promotor, condenando desta forma os acusados a pena
máxima, a morte na forca. Quando o juiz emitiu a sentença no dia 19 de janeiro foi
intensamente aplaudido dentro e fora do fórum, com foguetes estourando para saudar a
condenação.38 Os advogados recorreram, mas Coqueiro, desapontado com o desempenho de
seu advogado dispensou seus serviços. O presidente da província julgou procedente o recurso

36
Art. 192. Matar alguém com qualquer das circunstâncias agravantes mencionadas no artigo dezesseis,
números dois, sete, dez, onze, doze, treze, quatorze e dezessete. Penas - de morte no grão máximo; galés
perpetuas no médio; e de prisão com trabalho por vinte anos no mínimo.

37
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.137
38
Op. Cit.
16

para que fosse efetuado um novo júri, para não haver dúvidas quanto a condenação à morte na
forca. O juiz Almeida Couto agiu com imensa alegria e marcou novo julgamento para 28 de
março de 1953, apenas 68 dias após terminado o primeiro julgamento.
Assim, no dia 28 de março de 1853, às 10 horas da manhã, iniciou o segundo
julgamento de Manuel da Motta Coqueiro. O advogado Tinoco fez uma defesa brilhante,
argumentando a falta de provas materiais e a fragilidade dos depoimentos, sustentado em
suposições de escravos. Acusou os escravos de terem executado as mortes para acusarem seu
senhor e conseguirem a liberdade da escravidão. Mas por mais que se esforçasse, não
conseguiu sensibilizar o júri, qual já estava decidido pela condenação. As decisões do segundo
júri também foram da mesma forma que o primeiro julgamento39. Desta forma estava
decidido: Coqueiro foi condenado a morte na forca.
Todavia, alguns meses depois do segundo julgamento, quando os ânimos começaram a
esfriar, as críticas à forma e ao resultado dos julgamentos timidamente surgiram, crescendo as
pessoas que achavam que o caso Coqueiro merecia uma revisão.
Após o segundo julgamento, a defesa de Coqueiro entrou com diversos recursos, sendo
o recurso de revista negado em 12 de maio de 1854 por 17 ministros. No dia 20 de junho de
1854 foram julgados improcedentes também os recursos de Flor, Faustino e Domingos. Em
17 de setembro de 1854 fora negado por completo o último recurso de Coqueiro. Restavam a
eles somente a petição de graça. A defesa de Coqueiro nem havia esperado a decisão do
último recurso e já havia protocolado petição implorando a graça imperial, sua última
cartada.40
Havia dois anos que o terrível crime esperava para ser punido. A graça foi rejeitada
por unanimidade pela Seção de Justiça do Conselho de Estado e o parecer foi enviado ao
imperador com o seguinte conselho: “O réu Manuel da Motta Coqueiro não merece a Imperial
Clemencia”. Tratava-se apenas de questão de tempo, pois era impensável que Dom Pedro II
rejeitasse a decisão do Conselho de Estado e foi o que aconteceu, negando a Coqueiro a graça
imperial. Então, o ministro dos Negócios da Justiça, José Thomaz Nabuco Araújo mandou
cumprir a sentença.41
Na manhã do dia 03 de março, quando a forca ficou pronta em Macaé, Coqueiro foi
tirado de sua cela na Casa de Correção e entregue a uma tropa de 52 homens do Corpo

39
Op. Cit.
40
Entrevista – Fera de Macabú. Disponível em:
<http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=1136&id_entrevista=153> Acesso em: 09 de jun. de
2018.
41
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
17

Municipal Permanente do Rio de Janeiro. Considerando que o Corpo Permanente tinha 419
homens em 1850, estima-se que 12,5% de todo o efetivo foi designado para acompanhar um
único preso.
Coqueiro pediu para falar com um padre, que chegou às 17h; padre Freitas era treinado
para casos de condenados a morte e foi tomar a confissão e dar consolo ao condenado, que
falou sem parar durante um bom tempo, sem ser interrompido. A medida que Coqueiro falava
a testa do padre franzia pouco a pouco, ficando assustado com o que ouvia. Quando a
confissão terminou, o padre levantou-se tenso, despediu-se de Coqueiro e seguiu para fora da
cadeia com uma expressão perturbada e atormentada. Acreditava ainda que o padre Freitas
pudesse postergar os votos sagrados da Igreja e usasse a confissão para arrancar a absolvição.
Mas não aconteceu.
Desta forma, às 04h30min do dia da execução, Coqueiro concentrou-se para fazer o
que antes havia negado: pegou um pequeno caco de vidro que achou na cela e fez vários
cortes no pulso esquerdo. No entanto, um gemido de dor e o barulho das correntes alertaram o
carcereiro, que chamou a guarda aos gritos, e controlou o sangue que jorrava. Terminava ali a
última esperança de Coqueiro para morrer com o mínimo de honra.42
Chegou então o dia 06 de março de 1855, uma terça feira nublada de outono. Coqueiro
foi vestido com uma bata branca, sem bolsos, traje obrigatório dos enforcados. Prenderam
seus braços com grossos braceletes de ferro.
Os milicianos abriam caminho até a forca. O carrasco se adiantou, braços cruzados
sobre o peito musculoso, vestido com calça e camiseta negras sem mangas, com um largo
capuz pontiagudo. Ao chegar no pé da forca, tocou-se o clarim pela última vez e o porteiro leu
a sentença. Ao sinal do juiz Lima e Castro, o carrasco pegou Coqueiro pelo braço e o dirigiu a
forca. Eram 14 horas, pontualmente e o escrivão perguntou qual a última vontade de
Coqueiro. Conforme estudos de Marchi, Coqueiro, com a voz trêmula, gritou o mais alto que
pode para que o maior número de pessoas possível o ouvisse: “Eu sou inocente… minha
maldição é que esta cidade vai pagar cem anos de atraso pelo que me faz”.
Coqueiro subiu os 13 degraus que o levavam a morte. O carrasco colocou o laço em
seu pescoço quando sentiu a abertura do alçapão. O corpo projetou-se no espaço vazio e ficou
balançando, mas o pescoço não quebrou. Percebendo isso, o carrasco pendurou-se à trave
superior e com os dois pés sobre os ombros de Coqueiro começou a pular macabramente até
que se ouviu um enorme estalo que atravessou a multidão, a coluna vertebral havia rompido.
Só então as pessoas conseguiram perceber o problema da irreversibilidade da pena de morte.
42
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.128
18

Se Coqueiro fosse inocente, nada lhe traria a vida novamente.


Alguns relatos posteriores demonstraram sérios indícios de culpabilidade de Úrsula
das Virgens, e não de Manuel da Motta Coqueiro. Nos estudos, verificou-se que esta
enlouqueceu nos 31 meses que se passaram entre os assassinatos e o enforcamento de seu
marido. Primeiro ela não conseguia dormir, depois, passava os dias e noites delirando
monólogos desconexos com confissões alegóricas. Chegou a relatar algumas vezes que
chamou Fidélis à Fazenda Carrapato, e ordenou que matasse toda a família Silva, que não era
para deixar pedra sobre pedra, extinguir todo aquele sangue maldito e depois botar fogo em
tudo e em todos.
Pouco antes da execução de Coqueiro, conta-se que ela torturava a família quando
repetia cansativamente a mesma frase: “Todo mundo, Fidélis, todo mundo! Não é para ficar
pedra sobre pedra!”. Coqueiro só soube que a mandante seria Úrsula das Virgens quando seu
enteado o visitou na fortaleza de Santa Cruz e lhe contou tudo. Coqueiro, então, soube a
verdadeira mandante do crime e decidiu nunca revelar seu nome, para não trocar de lugar com
ela no caminho a forca. A única pessoa que provavelmente soube dessa situação fora o padre
Freitas e os filhos de Úrsula.43
Por volta de 1856, os boatos de que Coqueiro era inocente chegaram aos ouvidos do
imperador Dom Pedro II, sentindo este o peso da culpa por ter indeferido aquela petição de
graça, podendo ter condenado um inocente. A partir deste momento, Dom Pedro II decretou
que a ordem agora era executar somente os assassinos brutais e, depois, instituiu que todo
homem livre condenado a morte teria sua pena convertida em prisão ou galés. Mais um tempo
e a graça imperial passou a ser dada a libertos e até a escravos. O governo imperial dava
mostras de que pretendia extinguir a pena de morte. E assim foi acontecendo.44

4. A FERA DE MACABU A LUZ DOS ESTERIOTIPOS PERSECUTÓRIOS


4.1 A crise contra a comunidade e marca vitimária (2º e 3º estereótipos)
Violência disseminada em níveis insuportáveis. Sede de vingança sempre latente. Ao
longo de seus pouco mais de cinquenta anos, Coqueiro colecionava inimigos e desafetos
por toda a região de Campo dos Goytacazes, tendo inclusive alguns deles, como o caso de
Julião, jurado vingança eterna pela traição quando fora a capital estudar e pediu apoio a

43
FERA DE MACABU. Linha Direta Justiça. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=syXGcpn6Vos&t=543s>. Acesso em 05 de jun. 2018.
44
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
19

sua noiva. José do Patrocínio45 bem expõe em sua obra Motta Coqueiro ou Pena de Morte
esta passagem:
Mota Coqueiro tinha vários inimigos pessoais com influência na política local. Um
deles era um primo, Julião Batista Coqueiro, talvez por algum sentimento de
vingança. Vinte e cinco anos antes, quando o primo Julião Batista foi estudar longe
de Macaé, Mota Coqueiro aproveitou a sua ausência para cortejar e casar com sua
antiga noiva. Esta primeira esposa de Mota Coqueiro morreu algum tempo depois e
ele casou-se novamente com Úrsula das Virgens, que era viúva e tinha um filho.

Após o casamento com Úrsula, e a expansão de suas terras e fortunas, veio a


problemática da substituição da mão de obra, visto edição de lei que proibia o tráfego de
escravos, passando Manuel apelar para os serviços dos colonos europeus. Quando contrata
Francisco Benedito, que se muda para suas terras trazendo consigo toda a sua família.
Francisco tinha uma filha, de nome Francisca que se tornaria amante de Motta Coqueiro, e
dessa paixão resultaria uma gravidez indesejada. Somente os escravos tinham ciência dos
encontros do casal, até que o boato chegasse aos ouvidos de Úrsula, que após conversa com
Manuel, solicitou o fim do concubinato. Francisco ao saber da gravidez, a usa para conseguir
tirar proveito e vantagens quando Coqueiro a procura para findar o contrato de prestação de
serviços. Diante desse contexto que ocorre a chacina contra a família Benedito.
A delito praticado pelos escravos da fazenda Bananal foi de um enorme terror, não
somente ir de encontro ao instituto da família que é a mais antiga e sólida instituição
formadora, mas por ter altos índices de crueldade, liquidando mulheres e crianças a sangue
frio, com armas brancas e ainda com emboscada, não facultando as vítimas nenhum
mecanismo de defesa.
É sabido lembrar que a imprensa local teve uma importante participação na
condenação de Coqueiro. Sempre instigada pelos seus inimigos, ela cuidou de deixar sempre
acesa a revolta nos habitantes da região. Isso ficou mais claro, quando nas datas próximas ao
julgamento, foram espalhadas pelos portes da cidade as objetos, utensílios e roupas
ensanguentadas do dia do crime, instigando ainda mais o ódio na comunidade. Com isso, não
resta dúvida da constituição do segundo estereótipo persecutório de Girard, satisfazendo um
toque de razão aos perseguidores de Coqueiro, e despertando inconscientemente o mecanismo
vitimário.
Logo após as denúncias, Motta Coqueiro resolveu fugir, uma escolha que não teve
muito sucesso, primeiro porque isso ratificaria as suspeitas do seu envolvimento com o delito
ali então praticado e, por este não se camuflar dentre os demais membros da comunidade.
Manuel ostentava uma marca no seu rosto, que não consegui esconder nem mesmo quando

45
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.29.
20

deixava a barba crescer. Desde o início da fuga, Coqueiro encobria o rosto com um lenço toda
vez que encontrava uma pessoa, alegando ser asmático e evitava aspirar a poeira dos matos.
Porém, era um ardil muito grande esconder a metade inferior do rosto, marcada pelo nevus
pigmentado, sinal que o diferenciava facilmente.46
Outra característica que deixava Coqueiro em evidencia era a sua arrogância e
crueldade. Sua personalidade hostil contribuiu para que a população da região se voltasse
contra ele. Numa passagem de sua obra, Coqueiro almejando a sua liberdade contrata o
melhor advogado da região, que tendo o dom da oratória, seduziria os jurados, porém isto não
ocorreu.
Outra marca importante era seu próprio sobrenome: Coqueiro. Toda a sua família
carregaria essa marca, e seriam ligados a Fera de Macabú. Visando livrar-se da maldição,
Julião abdicou o sobrenome, recebendo até um poema o congralutando por ter abominado
publicamente o cognome amaldiçoado. O Monitor Campista publicou no seu jornal o seguinte
poema:
Por sobre esse appelido abominável,
Indignado, passaste a esponja humente,
Que embebida de Lethes na torrente,
Tudo no mundo torna imemorável...

Exibiste uma prova assaz notavel


De quanto horror te causa o crime ingente!...
Exibiste uma prova assaz patente
Do quanto o autor do crime hé detestável!...

Praticaste uma ação que tanto agrada


Ao coração do justo e justiceiro,
Que a julgo já por todos imitada.

Louvor te rende, pois, um povo inteiro,


Que, á tua, a sua voz unindo brada:
- Eterno anátema ao fatal Coqueiro!...

Para Julião, era um momento triunfante; 32 anos depois, dava ao primo o troco final,
comemorado por um soneto panfletário, ao homem que na juventude lhe roubara a bela e
suave Joaquina, fazendo dele um bobo na corte familiar. Assim, não resta dúvida que Manuel
da Motta Coqueiro apresenta marcas vitimarias que o distingue dos demais indivíduos da
sociedade.
4.2 Efeitos da Maldição – A crise Instalada (1º estereótipo)
Crise e ordem são opostos, algo que ficou claro após a consumação e disseminação do
delito ali praticado pelos escravos de Manuel da Motta. A partir da tarde de 6 de março de

46
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.137.
21

1855, começou-se a viver com a maldição de Coqueiro, que prometeu 100 anos de atraso a
esta região pela injustiça que ali realizaram. A partir desta data e da maldição do enforcado,
para os supersticiosos, qualquer situação desdita resultaria da praga do enforcado. 47 Carlos
Marchi48 bem explica em sua obra, que não importaria qual o real motivo que levasse a
tragédia, ela terminaria sendo inexpressiva frente a maldição de Coqueiro. Pouco tempo
depois do enforcamento, uma epidemia de cólera-morbo grassou sobre Campo Dos
Goytacazes e deixou sequelas graves em Macaé. Só entre outubro e novembro de 1855, a
cidade tinha em torno de dez mil habitantes, e destes 1200 foram sepultados.
Nas seguintes décadas após o enforcamento, alguns meios de comunicação passaram a
sair de circulação. Alguns deles sequer falaram de Coqueiro, mitos ou fantasmas, mas após a
sua saída de circulação, foi atribuída como rendição a maldição. Carlos Marchi 49 menciona
bem em sua obra esta passagem:
O jornal Monitor Macahense [...] vacinado contra fantasmas e mitos, nunca falou de
Coqueiro; mas, quando parou de circular, todos na cidade atribuíram seu fim
exatamente à maldição. O desaparecimento do Monitor foi seguido pelo surgimente
de vários outros periódicos: Tribuno do Povo, nascido quando o Monitor morria, que
foi até 1890, quando parou as máquinas... por causa da maldição de Coqueiro; em
1867 veio o Telegrapho, que durou pouco (por causa da maldição, é claro); e em
1873 brotou O Seculo (sic), que persistiu até 1918, quando capitulou à maldição .

Entre a década 60 e 70, o Brasil enfrentava a guerra do Paraguai pela região da Prata.
O sentimento nacionalista também era comum entre os cidadãos da atual cidade de
Conceição de Macabú. Os jovens fizeram seu alistamento no órgão competente e foram à
guerra, saindo vitoriosos. Por mais que ânimo de conquista fosse presente, aos jovens que
50
foram mortos em combate se atribuíra a maldição como causa. Carlos Marchi também
aborda essa passagem:
Mas nem a vitória, contada em tosn de glória pelas notícias d’O Telegrapho, nem o
retorno pungente dos soldados sobreviventes e do brilhante auditor macaense
aplacaram o sentimento de culpa da população. Para ele, os poucos jovens da cidade
mortos nas batalhas tinham sido levados pela maldição, mas não pelo horror da
guerra.

Em 1869 houve a implantação de três ramais telegráficos, que simbolizava um


importante avanço para época, que interligava as principais cidades da região. Ocorre que
diante do melhoramento, surgiu um problema, que toda vez que a linha era interrompida por
rompimentos dos fios ou queda de portes- e isso acontecia frequentemente – a culpa não era
dos ventos ou vândalos, e sim da maldição.

47
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
48
Op. Cit.
49
Op. Cit.
50
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.271.
22

Por fim, a economia apresentava certa instabilidade que, quando estava bem, não havia
queixas, porém, quando fugia do esperado, já se culpava a maldição. A região de Macahé
chegou a apresentar o sexto maior movimento portuário do país. Com o auxilo do canal
Macahé – Campos dos Goytacazes, o escoamento fluía bem, tanto os grandes fazendeiros
como os pequenos proprietários conseguiam enviar sua produção por ali, arquivando assim a
maldição. Mesmo diante de todo o progresso, os habitantes da região vivam sempre na
expectativa do desastre, sempre lembrando que a qualquer momento a maldição poderia voltar
à tona51.

4.3 Enforcamento, o Estado legitimando o desejo coletivo (4º estereótipo)


É nítido a comoção dos habitantes da região após tomarem conhecimento do crime
praticado na fazenda Bananal que, após a formalização da denúncia e formalização de um
acusado, Motta Coqueiro, chegou o momento do “todos contra um”. A comunidade da região
estava ansiosa para dar uma resposta ao crime ali ocorrido, e se utilizou da pele de Coqueiro
que personificou a causa do caos da cidade. Os indivíduos que compunham a multidão não
foram diretamente atingidos pelo crime ocorrido, mas substituiriam desafetos particulars pelos
invasores; a paixão que movei o provo ao assassinato do fazendeiro foi recheada por
lembranças pessoais de desavenças e atritos passados. Segundo Marchi, “André levava tão a
sério sua inimizade com Coqueiro que esteve presente no julgamento e pediu ao juiz uma
certidão da sentença, que exibiria em um quadro, pendurado na sala principal de sua casa”52.
No final do primeiro julgamento, o juiz foi ovacionado pela multidão dentro e fora do
fórum, como se fosse ator principal de uma peça recém-finda. Na rua, foguetes espocaram
para saudar a condenação. Não era novidade a condenação de Manuel, mas sua formalização
caiu com um alívio coletivo no sentimento de ira que a população acumulou nos últimos três
meses.
No seu segundo julgamento, da Motta contratou o melhor advogado para que pudesse
seduzir os jurados. No tribunal do júri, os jurados demonstravam total desinteresse, como se já
estivessem convictos de quem fosse o culpado. Carlos Marchi 53 expõe a desenvoltura do
nobre advogado de Coqueiro:

51
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu, Record, Rio de Janeiro, 1998.
52
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu, Record, Rio de Janeiro, 1998. P.183
53
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.192
23

Mas no julgamento de Coqueiro, por mais que se esforçasse, não consegui


sensibilizar o júri; provavelmente, não conseguiria nunca, porque os jurados já foram
para lá com uma idéia formada sobre o crime e sobre os culpados; não queria ouvir
nada que lhes pudesse suscitar qualquer dúvida ou alterar essas convicções adrede
consolidadas. Enquanto o advogado Thomé falava, os membros do júri
conversavam, bocejavam, olhavam para o teto – demonstravam ostensivamente que
não estavam interessados em ouvir argumentos para defender Coqueiro. Ao fim,
irritado a deselegância dos jurados, Thomé desabafou com seu cliente, no momento
em que, algemado, ele deixava a sala de sessões da Câmara: “Que valor podem ter
minhas palavras, que reboam sobre um júri que não as ouve, que ressona?”. [sic]

Ademais, só restariam a autorização das autoridades imperiais para que a execução


ocorresse. Algo que com a influência dos inimigos de coqueiro foi concedida até com certa
facilidade, inclusive a negativa do Indulto da Graça Imperial.
A terça-feira, 6 de março de 1855 seria um dia de festa para o município que tinha um
pouco mais de 5 mil habitantes, pois um homem seria enforcado. Esse tipo de evento
costumava atrair incontáveis multidões, pessoas ingênuas que comparecia à cerimônia
horrenda, uma versão renovada das arenas romana, como se fossem divertir-se no circo; e
depois ficariam o resto dos dias com o sono perturbado pelos pesadelos que as cenas
dantescas costumavam provocar.
Logo após a horrenda execução, então as pessoas conseguiram perceber o caráter
irreversível da pena de morte: se Coqueiro fosse inocente, não haveria mais como devolver-
lhe a vida; e confrontados com a crueza da maldição dos cem anos de atraso, a comunidade se
questionava se Coqueiro era mesmo culpado, nascendo assim a maldição e trazendo a
questionável dúvida. Essa dúvida foi ratificada pelo “imprevisto” que ocorreu no momento da
execução de Manuel. Naquela época, quando iria ocorrer alguma execução se tinha a crença
que se o condenado fosse inocente, a corda quebraria, sendo uma manifestação divina, como
bem expões Carlos Marchi54:
Pairava no ar a tênue expectativa de a corda arrebentar. Dizia a crendice popular que
a corda arrebentava toda vez que o condenado era inocente. Se a corda se rompesse
o juiz tinha poderes para decidir se a execução seria adiada para outro dia ou se
apenas era o caso de esperar, enquanto alguém ia atrás de uma corda nova. Antes da
mudança da lei, era essa a hora em que a confraria interferia e interrompia a
execução. A lei já tinha resolvido isso, mas ficava sempre a dúvida da superstição
popular: corda arrebentada, réu inocente. Como por encanto, operava-se uma
transformação mágica: a multidão, que minutos antes imprecava o condenado e,
excitada, colisaica, urrava de prazer com sua chegada à praça. Na subida ao patíbulo,
mudava repentinamente de lado e clamava por misericórdia, gritava refrões pela
inocência do desgraçado, atestada infalivelmente pela corda rompida. Quem ansiava
por ver o cristão ser estraçalhado pelas feras agora transbordava de sentimentos de
piedade e queria impedir aquela cena pavorosa que tanto o excitara, fazia só alguns
minutos.

É fato que a aplicação da pena morte gera diversas discursões, principalmente pela sua

54
MARCHI, Carlos. Fera de Macabú. Record, Rio de Janeiro, 1998 P. 255.
24

irreversibilidade. No caso de Coqueiro, poucos anos após a sua execução, a convicção da


condenação foi colocada à tona, com os abalos emocionais sentidos por Úrsula das Virgens,
que foram relatados pelos seus escravos, tal como o depoimento do frade foi tornado público.
Nesse contexto, a Majestade D. Pedro II instituiu a conversão da pena de morte em prisão ou
galés aos homens livre, cumulado com a maior frequência de concessão da Graça Imperial.
Aos poucos, o Brasil extinguia a pena de morte do sistema penal, que completou o seu fim
somente na República. Carlos Marchi relata um trecho de uma carta de D. Pedro II à Princesa
Regente Isabel55:
Sou contrário a pena de morte, executa-se ainda porque o Poder Moderador não tem
o direito de anular o artigo do Código Criminal que estabelece tal pena, comutando-a
sempre.

Décadas depois o judiciário visivelmente fracassou na sua missão de monopolizar a


vingança; a pegou para si e agiu guiado pelo desejo de sangue da multidão. O receio, então é
de que sejam repetidos novos mecanismos, sobretudo pelo grande nível de violência e crimes
bárbaros que a sociedade brasileira viveu durante toda a sua história que se perdura até os dias
atuais.

5. CONCLUSÃO

Ao longo da presente pesquisa, foi possível confirmar a perfeita aplicabilidade da


teoria do “bode expiatório” à Fera de Macabú. Com uma atenta observação, constatou-se que
a população de Conceição de Macabú encontravam-se em estado de calmaria, com um grau
razoável de estabilidade até que, em setembro de 1852 ocorre a carnificina da família de
Francisco Benedito, fato este que foi organizado sem o conhecimento de João da Motta
Coqueiro, a quem foi atribuído a cúpula do evento. Com essas características, fica
evidenciado o primeiro estereótipo, o “crime indiferenciador”. Com isso, o massacre praticado
contra os familiares do colono ameaçou uma instituição tradicional, a família nuclear, ideia
clássica de ordem.
Além disso, concluir que a “indiferenciação” gerada pelo crime colocou em prova a
estabilidade do próprio do município. O poder midiático e o poderio dos inimigos de
Coqueiro foram cruciais para que João da Motta Coqueiro fosse identificado com sucesso
como o principal responsável pelo abominável delito ocorrido. Portanto, o primeiro
estereótipo proposto por Girard: a “crise indiferenciadora” foi identificado com perfeição. Era

55
MARCHI, Carlos. Fera de Macabú. Record, Rio de Janeiro, 1998 P. 255.
25

comum ver, em diversos seguimentos sociais a aclamação da pena severa a Motta Coqueiro,
mostrando que este já estava configurado metastasiamente como mandante e responsável da
atrocidade ali ocorrida.
Ademais, infere-se que João da Motta preenche também o terceiro estereótipo, as
“marcas vitimarias”. Era um senhor poderoso, tendo posição relevante na hierarquia social.
Porém, este era conhecido por sua brutalidade e agressividade com seus escravos e demais
civis que o cercavam, despertando uma grande aversão e se configurando para ser um “bom”
alvo da massa. Há de se ressaltar ainda que se não bastassem as marcas comportamentais, ele
possuía um grande sinal no rosto, que lhe causava diferenciação de feição dos demais
indivíduos.
Nunca houve dúvidas em relação ao enquadramento do episódio a Fera de Macabú no
quarto estereótipo – assassinato ou expulsão coletiva – com o auxílio do pensamento
girardiano, pôde-se aqui melhor analisar o funcionamento da violência de grupo canalizada e
utilizada através do anteparo estatal. Uma vez que foram identificados todos os quatro
estereótipos elaborados por René Girard, podemos afirmar, com segurança, que João da Motta
Coqueiro trata-se de um bode expiatório.
Dessa forma, o estudo de caso aqui realizado cumpriu sua finalidade, obtendo resposta
positiva para todas as hipóteses lançadas na introdução, e comprovou que a teoria do bode
expiatório, estudada por pesquisadores de inúmeras áreas – psicólogos, antropólogos,
teólogos, sociólogos, etc. – amplia conhecimentos acerca do comportamento humano,
aprimorando, com isso, a interpretação que os operadores do Direito darão a leis e fatos.

REFERÊNCIAS

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FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À


26

Chacina De Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direiro)


- Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul, 2013.

FURTADO, Letícia de Souza ; FRANCK JUNIOR, Wilson. O linchamento de Guarujá e a


violência mimética de René Girard. Iurisprudentia: Revista da Faculdade de Direito da
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MERUJE, Márcio & ROSA, José Maria Silva, SACRIFÍCIO, RIVALIDADE MIMÉTICA
E “BODE EXPIATÓRIO” EM R. GIRARD. Griot – Revista de Filosofia

MIRANDA, Mario de França. A Igreja como povo de Deus. Revista de Cultura teológica- v.
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<https://jus.com.br/artigos/55822/o-caso-mota-coqueiro>. Acesso em 06 de jun. 2018.

TINOCO, Godofredo. "Mota Coqueiro, a Grande Incógnita". Rio de Janeiro: Livraria São
José, 1966.

VASCONCELOS, Antônio Antão. "Crimes Célebres de Macaé". Macaé (RJ): 1901.


Questionário de defesa

Parte da avaliação final para a obtenção do título de especialista do curso Pós-Graduação em


Ciências Criminais.

Título do trabalho: A teoria do bode expiatório, de René Girard, aplicada à Fera de Macabú.
Professor Orientador:

Nome: Rildo de Sousa Araújo Júnior

CPF: 045.773.123-01

Assinatura:

1. Discorra sobre o problema abordado no seu trabalho

O presente trabalho busca, no primeiro momento, entender, na ótica de René Girard, como as sociedades
elegem os bodes expiatórios. Com este conhecimento, passa-se a analisar um caso prático, ocorrido no século
XIX, ainda à época do Brasil Império. É visto toda a história, momento político, e procura-se entender, sem
julgamento de mérito, o que ocorreu. De posse destas informações, procura-se aplicar a teoria girardiana ao fato
analisando, e nisto, concluir se a tese de René tem ou não aplicabilidade prática.
2. Qual foi o objetivo da sua pesquisa?

O objetivo desta pesquisa é a aplicabilidade dos estereótipos persecutórios girardianos na sentença de pena de morte
de Manuel da Mota Coqueiro – Fera de Macabú.

3. Ainda que haja a conclusão que a sua pesquisa chegou, emita uma conclusão resumida sobre o
resultado obtido.

Segundo as análises obtidas, percebe-se que o caso em análise encontra perfeita aplicabilidade na teoria
girardiana. A saber:
1º estereótipo a crise instalada: a crise local na economia, saída de circulação de alguns meios de comunicação,
mitos de fantasmas e diversos efeitos da “maldição de Mota Coqueiro”.;
2º estereótipo a crise na comunidade: este estereótipo remota ao crime horendo e perveço praticado, gerando
sentimento de repulsa na sociedade.
3º estereótipo a marca vitimária: trata das marcas que diferenciam o bode expiatório das pessoas “comuns”, que
seria a mancha no seu rosto, sua extrema arrogancia e também o seu sobrenome Coqueiro.
4º estereótipo o desejo coletivo: é nítido o desejo coletivo pela execução do réu, onde a população sempre
acompanhava e exigia o cumprimento da sentença.

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