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RESUMO
O presente trabalho analisa o caso conhecido com a Fera de Macabú, através da aplicação dos
quatro "estereótipos persecutórios", propostos por René Girard em sua obra O Bode
Expiatório. No primeiro capítulo, o pensamento girardiano é brevemente apresentado ao
leitor, para depois, passar-se à uma descrição detalhada dos elementos que permitem a
identificação de um "bode expiatório", quais sejam: a "crise indiferenciadora”; os "crimes
indiferenciadores"; as "marcas vitimárias" e a violência ou expulsão coletiva. No segundo
capítulo, discorre-se acerca da origem do município de Conceição de Macabú - RJ e de suas
características históricas e o contexto que a região passava após a segunda metade do século
XIX, partindo-se, então, para o relato pormenorizado da condenação de Manuel da Motta
Coqueiro. No terceiro capítulo é realizada a análise do caso estudado, à luz dos "estereótipos
persecutórios", verificando ou não a sua aplicabilidade.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo de caso tem como objetivo identificar, à luz dos estereótipos
persecutórios elaborados por René Girard, elementos que permitam apontar, no caso a Fera de
Macabú, a existência ou não de bode expiatório.
A participação do Estado em conhecer, julgar e punir crimes como esse, pela sua
natureza impactante, inevitavelmente suscita inúmeros questionamentos. A partir do método
de abordagem hipotético-dedutivo, buscar-se-á responder: se o condenado como mandante do
crime possuía características que o diferenciava dos membros da sociedade que
encomendaram seu assassinato – marcas vitimarias-; se a região de Macaé (atual Conceição
de Macabú), no Rio de Janeiro, viveu uma crise indiferenciadora; e em caso positivo, se ao
1
Bacharel em Direito, Especialista em Direito Constitucional e Direito Tributário.
2
transgressor foi atribuído algum comportamento que pudesse guardar relação ou consequência
com essa crise - crime indiferenciador-. Serão citadas, essencialmente, fontes primárias, tais
como artigos, trabalhos científicos e sítios da internet que possam colaborar com o
desenvolvimento da pesquisa.
O presente trabalho será estruturada em três partes:
a) na primeira, a autora realizará uma introdução ao pensamento girardiano, para então
descrever com maior minúcia os "estereótipos persecutórios” que servirão à investigação aqui
proposta, ilustrando-os com rápidos exemplos históricos;
b) na segunda, far-se-á breve relato acerca da origem do município e dos aspectos
socioculturais que o caracterizavam na época do acontecimento, descrevendo, após a Chacina
de Matupá;
c) na terceira, por fim, o linchamento em questão será analisado à luz dos "estereótipos
persecutórios".
Ao longo do trabalho, também serão abordadas, entre outros temas conexos, a
infinitude do ciclo de vingança privada e a finalidade, eficácia e eficiência do monopólio
estatal sobre o poder punitivo. Estudar as raízes de um comportamento é basilar para perceber
até que ponto ele é um desvio e quão culpável é. Munido dessa noção o aplicador do Direito
fica apto a interpretar as leis de forma menos mecanizada, mais humana e abrangente, não
cerceada pelo reducionismo metodológico imposto quando se ignoram os esclarecimentos
oferecidos pelas demais ciências.
Naturalmente, não se tem a pretensão de esgotar os assuntos de que trata René Girard
e nem a autoria e materialidade do delito analisado, mas, se comprovadas as hipóteses aqui
levantadas, pode-se concluir que episódios como a Fera de Macabú, na qual se executa um
bode expiatório, merece ser analisado pelo Direito sob um enfoque multidisciplinar, ganhando
assim maior clareza.a introdução o aluno deverá explicar o objetivo do trabalho e,
principalmente, como desenvolveu o mesmo. É interessante relatar o que o leitor irá observar
nas seções.
2. O BODE EXPIATÓRIO
pela criação da teoria do desejo mimético, a partir da qual desenvolveu, ao longo de suas
pesquisas, muitos outros pensamentos – entre eles, o “mecanismo do bode expiatório”, o qual
será detalhadamente analisado neste trabalho.
De acordo com os relatos bíblicos mais antigos, o universo e os primeiros seres vivos
viviam em perfeita harmonia, até que houve a incidência do pecado na vida do homem e a
existência paradisíaca do jardim do Éden se esgotou, tendo que tirar da terra, com trabalho
2
penoso, o sustento diário de sua vida. Com a germinação humana, foram geradas as
primeiras comunidades, e, sem a existência do Estado garantidor, as vontades e interesses
individuais destoam-se dos interesses coletivos, gerando conflitos e tornando instável a paz e
o convívio dentro da comunidade. Com isso, se faz necessário o restabelecimento das
condições de convivência, se dando por meio do sacrifício. Senão, vejamos a explanação de
Márcio Meruje e José Maria Silva Rosa3 sobre este apontamento:
2
A Bíblia (GÊNESIS, capítulo 3)
3
MERUJE, Márcio & ROSA, José Maria Silva, SACRIFÍCIO, RIVALIDADE MIMÉTICA E “BODE
EXPIATÓRIO” EM R. GIRARD. Griot – Revista de Filosofia
4
A Igreja como povo de Deus. Revista de Cultura teológica- v. 20 n 80- out/dez 2012 p. 127
4
do objeto, com esse caráter aquisitivo, emerge a violência nas relações humanas. Com a
instalação dessa veemência, vem o escândalo, que tem por conceito ser um obstáculo que
fomenta em primeiro plano a retinência, seguida de extrema impaciência, culminando em
expressões violentas que aparentam serem o único meio de pacificar a lide. Senão vejamos a
ilustração feita pelo Dr. Pe. Edvilson de Godoy5 acerca do escândalo e suas consequências:
O escândalo começa no desejo mimético e desenvolve-se completamente na crise
mimética. A pedra de tropeço que causa a queda do inocente; começa a desenvolver-
se na relação entre modelo, obstáculo e sujeito. O sujeito, ao desejar o objeto do seu
modelo, inicia o processo de imitação, tornando-se uma pedra de tropeço para o
modelo. O sujeito fará de tudo para derrubar o próprio modelo e arrancar-lhe o
objeto desejado; para ser como o modelo, o sujeito precisa destruí-lo. O modelo, por
sua vez, ao perceber a presença do imitador, apega-se completamente ao objeto já
possuído para não perdê-lo para o rival. Assim, também o modelo se torna rival do
seu rival, ou seja, será um obstáculo, na realização do desejo do imitador. O modelo
é contagiado pelo escândalo do rival de maneira que o escândalo é recíproco.
observa-se um aspecto racional. Esse aspecto racional é observado quando a culpa consensual
é lançada sobre a vítima ela é diferenciada dos indiferenciados da multidão. Assim, sem
encontrar nenhum apoio, e com a configuração de todos contra um, a violência se extingue
com a expulsão ou morte da vítima, não ocorrendo à vingança.7 Podemos observar essa
efetivação do mecanismo vitimário nas palavras de Marcos Antônio Bezerra Uchôa:
Para que o acontecimento seja eficaz enquanto reprodução do mecanismo fundador
percebe-se claramente a sequência: a lapidação acontece fora da cidade, não se pode
ter contato direto com a vítima por causa da contaminação, a participação unânime e
espontânea da comunidade no assassinato, e, finalmente, tudo isso de forma legal
que é a ritualização da própria violência espontânea. Os mártires de ontem e de hoje
‘multiplicam as revelações da violência fundadora’ que não produz mais mitos e sim
textos de perseguições.8
Diante disso, é fácil observar que com a ausência do Estado os indivíduos tornariam
comum o instituto da vingança privada, e linchamentos seriam cada vez mais recorrentes.
Com isso, o Estado avoca para sim o monopólio punitivo, buscando manter a ordem e
reprimir e evitar manifestações violentas. Os críticos e defensores do Direito Penal do
Inimigo9 afirmam que esses indivíduos são diferenciados por meio do tipo penal, o infrator
personifica um comportamento que desestabiliza a sociedade, e que por possuírem certas
características, são vítimas do sistema judiciário. Visto isso, segundo René Girard, nas
palavras de Marcos Antônio Bezerra Uchôa, afirma que o sacrifício não substitui o sistema
judiciário, pois possuem a mesma função de interromper a vingança privada, senão vejamos:
O problema é quando eu digo que somente pelo sistema judiciário posso controlar o
perigo da vingança e não reconheço a função do sacrifício, do religioso. Logo, meu
sistema está fechado, está cego. Devemo-nos perguntar é se as sociedades primitivas
sobreviveram à escalada de violência, como conseguiram sem um sistema
judiciário? A solução está no religioso e no sacrifício, ou seja, naquilo que a
sociedade moderna exclui ou relega ao plano do insignificante. 10
7
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direiro) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul.
8
As interfaces: Sagrado e violência, segundo René Girard. P.91
9
Teoria introduzida por Günther Jakobs, jurista alemão que desenvolveu esse conceito em 1985.
10
As interfaces: Sagrado e violência, segundo René Girard. P.48
11
Bíblia (LEVÍTICOS 16:9)
6
12
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 29.
13
GIRARD, René. O bode expatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 19 – 21.
7
expõe:
Embora oponha os homens uns aos outros, essa má reciprocidade uniformiza as
condutas e é ela que produz uma predominância do mesmo, sempre um pouco
paradoxal, pois essencialmente conflituosa e solipsista. A experiência de
indiferenciação corresponde, portanto, a algo de real sobre o plano das relações
humanas, mas não dei de ser menos mítica14
O bode expiatório deve possuir uma característica, marca, sinal ou deformidade que o
diferencie claramente do resto da população. Essas diferenças podem serem diversas, a
depender do caso, podem se apresentar como um fator econômico, sendo a vítima bastante
rica ou pobre; pode se tratar de característica anatômica, sendo essa alguma enfermidade,
feiura, sinal de nascença ou grande beleza; pode se tratar também da esfera religiosa, onde é
17
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 23.
18
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul, 2013.
19
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P 30.
20
Idem 31
9
citado um mulçumano entre cristãos21. René Girard também aborda os exemplos dos
estrangeiros, que quando estes chegam a nova terra, os costumes já estão estabelecidos, não
tendo costumes ou não tendo gosto conforme o caso22.
Agora com estes apontamentos, é entendido que no ápice da crise indiferenciadora
(primeiro estereotipo), quem dotado de marca vitimaria (terceiro estereotipo) praticar algum
delito amora [crime indiferenciador (segundo estereótipo)], será o ponto de canalização de
toda a violência coletiva (quarto estereótipo). A multidão que era dotada de instabilidade na
esfera interindividual, abre mão do todos contra todos, para na esfera coletiva aplicar o todos
contra um, sendo este um titulado como fonte de todos os problemas e responsável por todo o
mal que paira sobre a comunidade.
3. FERA DE MACABÚ
3.1 Do descobrimento à emancipação de Conceição de Macabú
Macabú é um município originalmente habitado por tribos indígenas nômades, o
município foi parte da Capitania de São Tomé até ser doado em sesmaria para os Sete
Capitães. Com o fracasso da sesmaria a região foi dividida, cabendo as terras
do município aos padres jesuítas, que a partir da Freguesia de Nossa Senhora das Neves e
Santa Rita, exploraram o interior catequizando e aldeando os índios habitantes do vale do rio
Macabu, no vizinho vale do rio Macaé. Em meados do século XXVIII, os jesuítas são
expulsos, nos anos seguintes os desprotegidos indígenas retornam ao vale
do Macabu formando os primeiros povoados, que logo foram atingidos pelo progresso
oriundo do cultivo do café na região serrana fluminense. Com o início das grandes plantações,
a cidade acarretou grande chegada de imensas quantidades de escravos africanos. A região de
Macabu composta por serras cobertas de florestas foi rica local de refúgio de escravos
fugitivos que formaram o Quilombo de Cruz Sena e Quilombo do Carucango, o maior que
existiu na região. A cidade contava com portos fluviais, a estrada Macaé-Cantagalo e o ramal
ferroviário oriundo de Conde de Araruama (Quissamã) tornam-se vias de acesso à região
contribuindo para o seu povoamento, crescimento econômico e evolução
política: freguesia em 1855 e primeira emancipação em 1891-1892. Durante esta época de
21
FURTADO, Letícia de Souza. A Teoria Do Bode Expiatório, De René Girard, Aplicada À Chacina De
Matupá. 2013. 30 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, Rio Grande do Sul, 2013.
22
GIRARD, René, O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004. P p 31
10
grande crescimento econômico, ocorreu o caso da Fera de Macabu, uma história de crime
erros judiciários a partir do qual se iniciou o fim da pena de morte no Brasil.23
23
Prefeitura Municipal de Macabu. Nossa História. Disponível em:
<http://www.conceicaodemacabu.rj.gov.br/?INT_PAG=4857>. Acesso em: 05 jun. 2018.
24
Divergência que ocorrera por imprecisão dos serviços cartorários da época, tendo frequentemente a
divergência entre a idade biológica e a presente no registro civil.
25
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
26
SOUSA, Valter Ney Macedi. O caso Mota Coqueiro. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/55822/o-
caso-mota-coqueiro>. Acesso em 06 de jun. 2018.
27
Servidora pública federal, pós-graduada em Direito e Processo Penal e estudiosa de criminosos famosos e
julgamentos históricos.
11
Para Manuel, o casamento com Joaquina não rendeu bons fruto, ofertando uma
inimizade mortal com o seu influente primo, cumulado com ausência de dote por sua noiva. É
importante ressaltar que Coqueiro não desfrutou muito tempo de sua amada, já que em março
de 1823 ela contraiu uma grave infecção pulmonar (acreditam-se que se tratava de
Tuberculose) que a levou ao óbito.
Logo após a morte de Joaquina, Manuel da Mota começa a receber uma herança do
seu tio-avô, uma fazenda, vizinha a de Julião, seu primo que lhe jurara vingança. Coqueiro foi
adquirindo novas propriedades, ampliando sua fortuna, até que conheceu Úrsula Maria das
Virgens Cabral, prima de seus primos. Era uma fazendeira que tinha uma posição social
elevada, sendo muito respeitada apesar de ser mulher, por ter personalidade fortíssima.
Em 1832, ocorreu o casamento entre Manuel da Motta Coqueiro e Úrsula Maria das
Virgens Cabral. Logo no início do matrimônio, o casal passou a juntar bens, expandindo os
limites das propriedades, arrendando ou ocupando terras abandonadas. Essas terras foram
doadas a padres beneditinos que nunca as ocuparam, posteriormente ocupadas por Coqueiros
e por outros fazendeiros, o que gerou um conflito entre Manuel e os Padres. O atrito chegou a
tal tamanho que a Igreja enviou tropas de escravos para que pudessem recuperar a posse das
terras. Da Motta enfrentou os escravos e conseguiu garantir a propriedades das terras, porém,
os padres se agregaram ao grupo dos inimigos de Manuel.
Em 1847, Coqueiro já era dono de cinco fazendas e muitos escravos respeitado pela
sociedade local. Foi convidado para um casamento em que o Imperador D. Pedro II. Na festa
luxuosa, para dois mil convidados, Úrsula e Coqueiros são apresentados ao Imperador.28
Nesse mesmo período, o mercado escravocrata estava em baixa, com a crise do Tráfico
Negreiro e pressão da Inglaterra requerendo o fim dessa prática mercantil. Como solução se
tem a substituição de mão-de-obra escrava pela utilização de colonos livres, prática que se
tornou frequente no Brasil no século XIX. Bel Aquina expõe as atitudes de Da Motta sobre
essa inovação:
Coqueiro foi um dos primeiros a aderir a esta experiência e, por intermédio de seu
vizinho e amigo, José Pedro Gomes de Moura, conheceu Francisco Benedito da
Silva, casado e com seis filhos; um colono trabalhador, mas que tinha um histórico
de embriaguez e de arrumar brigas com as escravarias. 29
Com o acordo de trabalho, Francisco Benedito se instalou na fazenda Bananal com sua
família. Em visitas laborais para resolução de diligências mercantis, Coqueiro descobre os
28
FERA DE MACABU. Linha Direta Justiça. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=syXGcpn6Vos&t=543s>. Acesso em 05 de jun. 2018.
29
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
12
encantos de uma das filhas de Benedito, era Francisca, por quem se apaixonou, passando a
visitar com mais frequência seus aposentos fazendários. Em abril de 1852, em uma visita de
Coqueiro à Fazenda Bananal, este encontrou-se com Francisca, ficando quase dois dias
inteiros sem que ninguém os visse, resultando na gravidez da moça. Devido a gravidez
indesejada, Manuel tentou, sem sucesso, mandar Francisco embora de todas as formas, o que
gerou desentendimentos severos. Diego Bayer e Bel Aquino descrevem um dos atritos em que
as partes se envolviam:
Em uma das indisposições criadas entre eles, Francisco Benedito desembalou e
jogou no rio carga de madeiras que seriam vendidas a comerciantes por Coqueiro;
então, Fidélis, o feitor da fazenda, organizou um grupo de escravos, sem
conhecimento de Coqueiro, para punir Francisco Benedito, mas, chegando em sua
residência, foram afugentados pela família que estava municiada de espingardas,
foices e paus. Não tardava a chegar uma resposta. 30
No dia 11 de setembro, Coqueiro chegou na Fazenda Bananal por volta das 23 horas,
em uma canoa remada pelos seus escravos negros e seu capanga, Flor. Todavia, em razão das
fortes chuvas, foi para casa encontrando um grupo de amigos, com os quais ficou durante a
noite toda, inclusive com eles dormindo em sua residência em razão da tempestade. Naquela
noite, enquanto comiam e bebiam, a 1300 metros dali houve um assassinato coletivo, os
ruídos e gritos foram abafados pela noite de trovões. Nesta mesma noite, de 11 para 12 de
setembro de 1852, era lua nova e chovia demais. Um grupo de homens ligados à Fazenda
Bananal atacou a casa de Francisco Benedito e iniciou uma chacina. Quando percebeu o
ataque, o jovem José Benedito (filho de Francisco Benedito) tentou fugir para buscar socorro,
sendo morto por uma violenta paulada que lhe rachou o crânio. Em seguida, os assassinos
arrombaram a porta principal e mataram todos: Francisco Benedito foi retalhado por golpes de
facão e foice; em seguida, sua mulher, Amélia, morreu com golpes de pau e foi esganada por
30
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
13
um dos assassinos. As crianças menores foram trucidadas sem pena, com quantas pauladas
bastassem até que não mais se movessem. Sem serem percebidas, as duas filhas de Francisco
Benedito haviam fugido pela janela.
Quando os assassinos estavam saindo da casa, um clarão de raio revelou uma das
filhas que havia fugido e estava na árvore. Era Maria, qual foi agarrada pelos homens e morta
ali mesmo. Francisca, mais acima, viu sua irmã ser morta a pancadas, tremendo de medo e de
frio. Os homens amontoaram os corpos em um dos cômodos da casa e atearam fogo. Tão logo
saíram para o mato, a chuva caiu mais forte, apagando o fogo, deixando a cena do crime quase
que intocada.31
Após ter certeza que não havia mais ninguém ali, Francisca desceu da árvore e correu
sentido contrário a Fazenda Bananal. Vagou solitária até ser encontrada na tarde seguinte,
sendo levada até a fazenda de André Ferreira dos Santos, outro inimigo de Coqueiro, onde,
em estado de choque e traumatizada, não conseguiu falar nada.
Quando viu Francisca chegar em estado de choque, André (inimigo de Coqueiro) já
sabia o que tinha acontecido, e sequer esperou pelo subdelegado Oliveira, que era a autoridade
máxima da região: mandou ofício ao delegado de Macaé, formalizando a denúncia de crime
coletivo, acusando Coqueiro.
Apenas na terça feira, dia 14 de setembro, os escravos, após notarem uma revoada de
urubus em torno de onde ficava a palhoça de Francisco Benedito, perceberam que havia
ocorrido uma chacina. Foram imediatamente contar para Coqueiro que, em pânico por saber
que seria acusado pelo crime, convocou todos os escravos para arrancar deles uma confissão.
O pajem (escravo que tinha função prestar serviços) Carlos admitiu que estava entre os
assassinos. Coqueiro avançou sobre ele e o puniu severamente; diante disso, nenhum outro
escravo admitiu ter participado.32
A partir daí começou o calvário de Manuel da Motta Coqueiro. Os inimigos levaram
uma caixa com todas as peças de roupas dos mortos, rasgadas e ensanguentadas. Com medo
da sequência dos fatos, Coqueiro, após uma conversa com Úrsula, decidiu fugir, mesmo
contra a opinião desta e de seu filho, que o avisaram que pareceria estar assumindo o crime.
Após forte apelo dos jornais – que cumpriram papel fundamental no pré-julgamento de
Coqueiro – e ampla divulgação do caso. Foi preso na Vila do Itapemirim.
31
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.5
32
Autor desconhecido, Macaé, a lenda de Motta Coqueiro e a Maldição. Disponível em:
<http://pontonulonotempo.blogspot.com/2013/06/macae-lenda-de-motta-coqueiro-e-maldicao.html> Acesso em
11 de jun. 2018.
14
33
VASCONCELOS, Antônio Antão. "Crimes Célebres de Macaé". Macaé (RJ): 1901.
34
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
35
TINOCO, Godofredo. "Mota Coqueiro, a Grande Incógnita". Rio de Janeiro: Livraria São José, 1966.
15
36
Art. 192. Matar alguém com qualquer das circunstâncias agravantes mencionadas no artigo dezesseis,
números dois, sete, dez, onze, doze, treze, quatorze e dezessete. Penas - de morte no grão máximo; galés
perpetuas no médio; e de prisão com trabalho por vinte anos no mínimo.
37
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.137
38
Op. Cit.
16
para que fosse efetuado um novo júri, para não haver dúvidas quanto a condenação à morte na
forca. O juiz Almeida Couto agiu com imensa alegria e marcou novo julgamento para 28 de
março de 1953, apenas 68 dias após terminado o primeiro julgamento.
Assim, no dia 28 de março de 1853, às 10 horas da manhã, iniciou o segundo
julgamento de Manuel da Motta Coqueiro. O advogado Tinoco fez uma defesa brilhante,
argumentando a falta de provas materiais e a fragilidade dos depoimentos, sustentado em
suposições de escravos. Acusou os escravos de terem executado as mortes para acusarem seu
senhor e conseguirem a liberdade da escravidão. Mas por mais que se esforçasse, não
conseguiu sensibilizar o júri, qual já estava decidido pela condenação. As decisões do segundo
júri também foram da mesma forma que o primeiro julgamento39. Desta forma estava
decidido: Coqueiro foi condenado a morte na forca.
Todavia, alguns meses depois do segundo julgamento, quando os ânimos começaram a
esfriar, as críticas à forma e ao resultado dos julgamentos timidamente surgiram, crescendo as
pessoas que achavam que o caso Coqueiro merecia uma revisão.
Após o segundo julgamento, a defesa de Coqueiro entrou com diversos recursos, sendo
o recurso de revista negado em 12 de maio de 1854 por 17 ministros. No dia 20 de junho de
1854 foram julgados improcedentes também os recursos de Flor, Faustino e Domingos. Em
17 de setembro de 1854 fora negado por completo o último recurso de Coqueiro. Restavam a
eles somente a petição de graça. A defesa de Coqueiro nem havia esperado a decisão do
último recurso e já havia protocolado petição implorando a graça imperial, sua última
cartada.40
Havia dois anos que o terrível crime esperava para ser punido. A graça foi rejeitada
por unanimidade pela Seção de Justiça do Conselho de Estado e o parecer foi enviado ao
imperador com o seguinte conselho: “O réu Manuel da Motta Coqueiro não merece a Imperial
Clemencia”. Tratava-se apenas de questão de tempo, pois era impensável que Dom Pedro II
rejeitasse a decisão do Conselho de Estado e foi o que aconteceu, negando a Coqueiro a graça
imperial. Então, o ministro dos Negócios da Justiça, José Thomaz Nabuco Araújo mandou
cumprir a sentença.41
Na manhã do dia 03 de março, quando a forca ficou pronta em Macaé, Coqueiro foi
tirado de sua cela na Casa de Correção e entregue a uma tropa de 52 homens do Corpo
39
Op. Cit.
40
Entrevista – Fera de Macabú. Disponível em:
<http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=1136&id_entrevista=153> Acesso em: 09 de jun. de
2018.
41
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
17
Municipal Permanente do Rio de Janeiro. Considerando que o Corpo Permanente tinha 419
homens em 1850, estima-se que 12,5% de todo o efetivo foi designado para acompanhar um
único preso.
Coqueiro pediu para falar com um padre, que chegou às 17h; padre Freitas era treinado
para casos de condenados a morte e foi tomar a confissão e dar consolo ao condenado, que
falou sem parar durante um bom tempo, sem ser interrompido. A medida que Coqueiro falava
a testa do padre franzia pouco a pouco, ficando assustado com o que ouvia. Quando a
confissão terminou, o padre levantou-se tenso, despediu-se de Coqueiro e seguiu para fora da
cadeia com uma expressão perturbada e atormentada. Acreditava ainda que o padre Freitas
pudesse postergar os votos sagrados da Igreja e usasse a confissão para arrancar a absolvição.
Mas não aconteceu.
Desta forma, às 04h30min do dia da execução, Coqueiro concentrou-se para fazer o
que antes havia negado: pegou um pequeno caco de vidro que achou na cela e fez vários
cortes no pulso esquerdo. No entanto, um gemido de dor e o barulho das correntes alertaram o
carcereiro, que chamou a guarda aos gritos, e controlou o sangue que jorrava. Terminava ali a
última esperança de Coqueiro para morrer com o mínimo de honra.42
Chegou então o dia 06 de março de 1855, uma terça feira nublada de outono. Coqueiro
foi vestido com uma bata branca, sem bolsos, traje obrigatório dos enforcados. Prenderam
seus braços com grossos braceletes de ferro.
Os milicianos abriam caminho até a forca. O carrasco se adiantou, braços cruzados
sobre o peito musculoso, vestido com calça e camiseta negras sem mangas, com um largo
capuz pontiagudo. Ao chegar no pé da forca, tocou-se o clarim pela última vez e o porteiro leu
a sentença. Ao sinal do juiz Lima e Castro, o carrasco pegou Coqueiro pelo braço e o dirigiu a
forca. Eram 14 horas, pontualmente e o escrivão perguntou qual a última vontade de
Coqueiro. Conforme estudos de Marchi, Coqueiro, com a voz trêmula, gritou o mais alto que
pode para que o maior número de pessoas possível o ouvisse: “Eu sou inocente… minha
maldição é que esta cidade vai pagar cem anos de atraso pelo que me faz”.
Coqueiro subiu os 13 degraus que o levavam a morte. O carrasco colocou o laço em
seu pescoço quando sentiu a abertura do alçapão. O corpo projetou-se no espaço vazio e ficou
balançando, mas o pescoço não quebrou. Percebendo isso, o carrasco pendurou-se à trave
superior e com os dois pés sobre os ombros de Coqueiro começou a pular macabramente até
que se ouviu um enorme estalo que atravessou a multidão, a coluna vertebral havia rompido.
Só então as pessoas conseguiram perceber o problema da irreversibilidade da pena de morte.
42
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.128
18
43
FERA DE MACABU. Linha Direta Justiça. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=syXGcpn6Vos&t=543s>. Acesso em 05 de jun. 2018.
44
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro. Justificando.
Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-macabu-o-maior-erro-judiciario-
brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
19
sua noiva. José do Patrocínio45 bem expõe em sua obra Motta Coqueiro ou Pena de Morte
esta passagem:
Mota Coqueiro tinha vários inimigos pessoais com influência na política local. Um
deles era um primo, Julião Batista Coqueiro, talvez por algum sentimento de
vingança. Vinte e cinco anos antes, quando o primo Julião Batista foi estudar longe
de Macaé, Mota Coqueiro aproveitou a sua ausência para cortejar e casar com sua
antiga noiva. Esta primeira esposa de Mota Coqueiro morreu algum tempo depois e
ele casou-se novamente com Úrsula das Virgens, que era viúva e tinha um filho.
45
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.29.
20
deixava a barba crescer. Desde o início da fuga, Coqueiro encobria o rosto com um lenço toda
vez que encontrava uma pessoa, alegando ser asmático e evitava aspirar a poeira dos matos.
Porém, era um ardil muito grande esconder a metade inferior do rosto, marcada pelo nevus
pigmentado, sinal que o diferenciava facilmente.46
Outra característica que deixava Coqueiro em evidencia era a sua arrogância e
crueldade. Sua personalidade hostil contribuiu para que a população da região se voltasse
contra ele. Numa passagem de sua obra, Coqueiro almejando a sua liberdade contrata o
melhor advogado da região, que tendo o dom da oratória, seduziria os jurados, porém isto não
ocorreu.
Outra marca importante era seu próprio sobrenome: Coqueiro. Toda a sua família
carregaria essa marca, e seriam ligados a Fera de Macabú. Visando livrar-se da maldição,
Julião abdicou o sobrenome, recebendo até um poema o congralutando por ter abominado
publicamente o cognome amaldiçoado. O Monitor Campista publicou no seu jornal o seguinte
poema:
Por sobre esse appelido abominável,
Indignado, passaste a esponja humente,
Que embebida de Lethes na torrente,
Tudo no mundo torna imemorável...
Para Julião, era um momento triunfante; 32 anos depois, dava ao primo o troco final,
comemorado por um soneto panfletário, ao homem que na juventude lhe roubara a bela e
suave Joaquina, fazendo dele um bobo na corte familiar. Assim, não resta dúvida que Manuel
da Motta Coqueiro apresenta marcas vitimarias que o distingue dos demais indivíduos da
sociedade.
4.2 Efeitos da Maldição – A crise Instalada (1º estereótipo)
Crise e ordem são opostos, algo que ficou claro após a consumação e disseminação do
delito ali praticado pelos escravos de Manuel da Motta. A partir da tarde de 6 de março de
46
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.137.
21
1855, começou-se a viver com a maldição de Coqueiro, que prometeu 100 anos de atraso a
esta região pela injustiça que ali realizaram. A partir desta data e da maldição do enforcado,
para os supersticiosos, qualquer situação desdita resultaria da praga do enforcado. 47 Carlos
Marchi48 bem explica em sua obra, que não importaria qual o real motivo que levasse a
tragédia, ela terminaria sendo inexpressiva frente a maldição de Coqueiro. Pouco tempo
depois do enforcamento, uma epidemia de cólera-morbo grassou sobre Campo Dos
Goytacazes e deixou sequelas graves em Macaé. Só entre outubro e novembro de 1855, a
cidade tinha em torno de dez mil habitantes, e destes 1200 foram sepultados.
Nas seguintes décadas após o enforcamento, alguns meios de comunicação passaram a
sair de circulação. Alguns deles sequer falaram de Coqueiro, mitos ou fantasmas, mas após a
sua saída de circulação, foi atribuída como rendição a maldição. Carlos Marchi 49 menciona
bem em sua obra esta passagem:
O jornal Monitor Macahense [...] vacinado contra fantasmas e mitos, nunca falou de
Coqueiro; mas, quando parou de circular, todos na cidade atribuíram seu fim
exatamente à maldição. O desaparecimento do Monitor foi seguido pelo surgimente
de vários outros periódicos: Tribuno do Povo, nascido quando o Monitor morria, que
foi até 1890, quando parou as máquinas... por causa da maldição de Coqueiro; em
1867 veio o Telegrapho, que durou pouco (por causa da maldição, é claro); e em
1873 brotou O Seculo (sic), que persistiu até 1918, quando capitulou à maldição .
Entre a década 60 e 70, o Brasil enfrentava a guerra do Paraguai pela região da Prata.
O sentimento nacionalista também era comum entre os cidadãos da atual cidade de
Conceição de Macabú. Os jovens fizeram seu alistamento no órgão competente e foram à
guerra, saindo vitoriosos. Por mais que ânimo de conquista fosse presente, aos jovens que
50
foram mortos em combate se atribuíra a maldição como causa. Carlos Marchi também
aborda essa passagem:
Mas nem a vitória, contada em tosn de glória pelas notícias d’O Telegrapho, nem o
retorno pungente dos soldados sobreviventes e do brilhante auditor macaense
aplacaram o sentimento de culpa da população. Para ele, os poucos jovens da cidade
mortos nas batalhas tinham sido levados pela maldição, mas não pelo horror da
guerra.
47
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998.
48
Op. Cit.
49
Op. Cit.
50
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.271.
22
Por fim, a economia apresentava certa instabilidade que, quando estava bem, não havia
queixas, porém, quando fugia do esperado, já se culpava a maldição. A região de Macahé
chegou a apresentar o sexto maior movimento portuário do país. Com o auxilo do canal
Macahé – Campos dos Goytacazes, o escoamento fluía bem, tanto os grandes fazendeiros
como os pequenos proprietários conseguiam enviar sua produção por ali, arquivando assim a
maldição. Mesmo diante de todo o progresso, os habitantes da região vivam sempre na
expectativa do desastre, sempre lembrando que a qualquer momento a maldição poderia voltar
à tona51.
51
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu, Record, Rio de Janeiro, 1998.
52
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu, Record, Rio de Janeiro, 1998. P.183
53
MARCHI, Carlos. Fera de Macabu. Record, Rio de Janeiro, 1998. P.192
23
É fato que a aplicação da pena morte gera diversas discursões, principalmente pela sua
54
MARCHI, Carlos. Fera de Macabú. Record, Rio de Janeiro, 1998 P. 255.
24
5. CONCLUSÃO
55
MARCHI, Carlos. Fera de Macabú. Record, Rio de Janeiro, 1998 P. 255.
25
comum ver, em diversos seguimentos sociais a aclamação da pena severa a Motta Coqueiro,
mostrando que este já estava configurado metastasiamente como mandante e responsável da
atrocidade ali ocorrida.
Ademais, infere-se que João da Motta preenche também o terceiro estereótipo, as
“marcas vitimarias”. Era um senhor poderoso, tendo posição relevante na hierarquia social.
Porém, este era conhecido por sua brutalidade e agressividade com seus escravos e demais
civis que o cercavam, despertando uma grande aversão e se configurando para ser um “bom”
alvo da massa. Há de se ressaltar ainda que se não bastassem as marcas comportamentais, ele
possuía um grande sinal no rosto, que lhe causava diferenciação de feição dos demais
indivíduos.
Nunca houve dúvidas em relação ao enquadramento do episódio a Fera de Macabú no
quarto estereótipo – assassinato ou expulsão coletiva – com o auxílio do pensamento
girardiano, pôde-se aqui melhor analisar o funcionamento da violência de grupo canalizada e
utilizada através do anteparo estatal. Uma vez que foram identificados todos os quatro
estereótipos elaborados por René Girard, podemos afirmar, com segurança, que João da Motta
Coqueiro trata-se de um bode expiatório.
Dessa forma, o estudo de caso aqui realizado cumpriu sua finalidade, obtendo resposta
positiva para todas as hipóteses lançadas na introdução, e comprovou que a teoria do bode
expiatório, estudada por pesquisadores de inúmeras áreas – psicólogos, antropólogos,
teólogos, sociólogos, etc. – amplia conhecimentos acerca do comportamento humano,
aprimorando, com isso, a interpretação que os operadores do Direito darão a leis e fatos.
REFERÊNCIAS
AQUINO, Diego Bayer e Bel. Fera de Macabu: o maior erro do judiciário brasileiro.
Justificando. Disponível em: <http://justificando.cartacapital.com.br/2014/11/12/fera-de-
macabu-o-maior-erro-judiciario-brasileiro/>. Acesso em 05 de jun. 2018.
GIRARD, René. O bode expiatório. Traduzido por Ivo Storniolo. São Paulo: Paulus, 2004.
MERUJE, Márcio & ROSA, José Maria Silva, SACRIFÍCIO, RIVALIDADE MIMÉTICA
E “BODE EXPIATÓRIO” EM R. GIRARD. Griot – Revista de Filosofia
MIRANDA, Mario de França. A Igreja como povo de Deus. Revista de Cultura teológica- v.
20 n 80- out/dez 2012.
TINOCO, Godofredo. "Mota Coqueiro, a Grande Incógnita". Rio de Janeiro: Livraria São
José, 1966.
Título do trabalho: A teoria do bode expiatório, de René Girard, aplicada à Fera de Macabú.
Professor Orientador:
CPF: 045.773.123-01
Assinatura:
O presente trabalho busca, no primeiro momento, entender, na ótica de René Girard, como as sociedades
elegem os bodes expiatórios. Com este conhecimento, passa-se a analisar um caso prático, ocorrido no século
XIX, ainda à época do Brasil Império. É visto toda a história, momento político, e procura-se entender, sem
julgamento de mérito, o que ocorreu. De posse destas informações, procura-se aplicar a teoria girardiana ao fato
analisando, e nisto, concluir se a tese de René tem ou não aplicabilidade prática.
2. Qual foi o objetivo da sua pesquisa?
O objetivo desta pesquisa é a aplicabilidade dos estereótipos persecutórios girardianos na sentença de pena de morte
de Manuel da Mota Coqueiro – Fera de Macabú.
3. Ainda que haja a conclusão que a sua pesquisa chegou, emita uma conclusão resumida sobre o
resultado obtido.
Segundo as análises obtidas, percebe-se que o caso em análise encontra perfeita aplicabilidade na teoria
girardiana. A saber:
1º estereótipo a crise instalada: a crise local na economia, saída de circulação de alguns meios de comunicação,
mitos de fantasmas e diversos efeitos da “maldição de Mota Coqueiro”.;
2º estereótipo a crise na comunidade: este estereótipo remota ao crime horendo e perveço praticado, gerando
sentimento de repulsa na sociedade.
3º estereótipo a marca vitimária: trata das marcas que diferenciam o bode expiatório das pessoas “comuns”, que
seria a mancha no seu rosto, sua extrema arrogancia e também o seu sobrenome Coqueiro.
4º estereótipo o desejo coletivo: é nítido o desejo coletivo pela execução do réu, onde a população sempre
acompanhava e exigia o cumprimento da sentença.