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(P2) Direito Processual Penal

08 de março de 2022 (Aula 1)

O que é um processo? É um conjunto de atos, uma tramitação, um caminho que vai de um ponto de
partida até um ponto de chegada. O ponto de partida é o conhecimento da prática de um crime, o conhecimento
porque nem todos os crimes desencadeiam num processo, desde logo porque muito não chegam ao conhecimento
das autoridades judiciárias, entre outras razões. O CPP fala em aquisição da notícia do crime, este é o ponto de
partida. O ponto de chegada depende, o último ponto de chegada possível é o momento que transita em julgado a
decisão, o final pode ser a sentença ou a decisão já do tribunal de recurso. É um caminho com várias fases. A última
matéria é de recursos.

Aquisição da notícia do crime é o ponto de partida, art. 241.º. A aquisição da notícia do crime far-se-á for
uma das três formas que está na norma, “conhecimento próprio” refere-se ao MP, “através dos órgãos de justiça
criminal” quando tem conhecimento leva ao MP, “mediante uma notícia”. A de chegar ao MP por uma das três vias.
Isto importa a que o MP abra o Inquérito. O Inquérito é a 1.ª fase do processo penal, trata-se de uma fase de
investigação regulada nos arts. 262.º ss. O art. 263.º apresenta o titular da fase do Inquérito, que é o MP, mas não
faz tudo sozinho na investigação, desde logo porque não tem competências técnicas para tudo o que se tem de
fazer, também os órgãos de polícia criminal participam do inquérito fazendo diligências investigatórias para os quais
tenham específicas competências. Temos uma fase investigatória e o MP como titular dessa fase, mas auxiliado
pelos órgãos de polícia criminal. Uma ressalva: os atos que contendem com direitos, liberdades e garantias têm de
ser praticados por juiz. Tudo aquilo é verdade, mas há de ter uma referência ao juiz de instrução criminal. É uma
exceção que se reconduz aos arts. 268.º e 269.º, preveem uma lista de atos que têm de ser praticados pelo juiz ou
autorizados e ordenados pelo juiz, respetivamente. Há aqui uma listagem de atos que são atinentes aos direitos,
liberdades e garantias que não podem ficar nas mãos do MP e exigem a participação do juiz para praticas estes atos
e mais nada, como a aplicação de uma medida de coação. A maioria dos inquéritos nem tem intervenção de juiz, só
em alguns processos.

Uma das decisões possíveis no Inquérito é a acusação, regulada no art. 283.º. Não é preciso ter certeza
nenhuma, o que se impõe é que o MP faça uma avaliação da investigação para saber se os indícios que tem são
suficientes ou não suficientes, o que tem a ver com a prognose. Trata-se de saber o que é mais provável que
suceda, se a possibilidade mais real é a da condenação deve-se acusar. Caso não se acuse, a outra decisão possível é
o arquivamento, regulado no art. 277.ª, quando não há indícios suficientes. Não é tão redutor como aqui está
escrito, mas essa é a ideia principal, se vermos o art. 277.º há outras razões para arquivar. Uma decisão de acusação
traz a ideia de submissão à Julgamento. Acusar significa submeter a Julgamento. Pode ser assim ou não, porque
pode haver uma fase que pode existir entre o Inquérito e o Julgamento, trata-se da fase da Instrução, uma fase
facultativa. Isso significa que pode existir ou não existir e a requerimento de alguém.

A Instrução está regulada nos arts. 286.º e ss., contrariamente a fase do Inquérito, tem natureza judicial e
está a cargo do juiz de instrução criminal. O juiz de instrução criminal desempenha um papel duplo: é o responsável
por ir ao Inquérito quando há atos contendentes com direitos, liberdades e garantias e pela Instrução. A Instrução
serve para comprovar a decisão de acusar ou arquivar. A lógica é: quem ficou descontente com a acusação pode
requerer a abertura da Instrução, evitando a submissão à Julgamento (nomeadamente o arguido), ou quem ficou
descontente com o arquivamento pode requerer a abertura da Instrução, tentando a submissão à Julgamento (o
arguido não pode neste caso porque não tem interesse processual; o assistente pode).

Em caso de acusação é o arguido que pode requerer a Instrução porque quer evitar o Julgamento. Em
caso de arquivamento, o assistente não quer que o processo fique por aí. O assistente também vai poder requerer a
abertura da Instrução nos casos de acusação, porque pode não estar satisfeito com o conteúdo da acusação, nestes
casos também vai querer a Instrução – não para pôr o ato de acusar, mas o conteúdo da acusação. Temos uma
Instrução requerida então pelo arguido ou pelo assistente. Não é uma segunda fase de investigação, o que fazemos
na Instrução é chamar o juiz para analisar a decisão que foi tomada no final do Inquérito. O juiz de instrução
criminal pode ser assistido pelos órgãos de polícia criminal. No fundo, as decisões do final da Instrução são análogas
aos do Inquérito, se os indícios forem suficientes o juiz professe despacho de pronúncia. Se, pelo contrário,
considerar os indícios insuficientes, profere despacho de não pronúncia. Estes despachos estão regulados nos arts.
307.º e 308.º, são as normas que referem às decisões do final da Instrução e remetem a ideia dos indícios
suficientes. Há aqui uma diferença superlativa quanto a decisão tomada no final do Inquérito, aqui estamos perante
uma decisão judicial e, portanto, sendo assim, é passível de recurso. Isto nunca acontece com as decisões de
acusação ou arquivar porque são decisões de magistratura do MP.

O Julgamento está regulado nos arts. 311.º e ss. Se ninguém requer abertura da Instrução, podemos
chegar ao Julgamento por uma acusação; ou num arquivamento e na Instrução o juiz decidiu pronunciar; ou uma
acusação e uma pronúncia. Obviamente o Julgamento é da competência de um tribunal. Existem tribunais singular
(1 juiz), coletivo (3 juízes) e de júri (3 juízes e 4 jurados) – arts. 13.º, 14.º e 16.º. Sobre o Julgamento vamos falar de
princípios atinentes à forma e à prova. Toda a prova que o juiz usar tem de ser produzida em julgamento, e com
essa prova produzida perante o juiz é que ele forma a sua convicção. Depois da fase de avaliação da prova, temos a
sentença. A sentença pode ser condenatória (art. 375.º) ou absolutória (art. 376.º). Depois de uma sentença, seja
qual for, pode ter a fase ulterior de Recurso. A fase de Recurso está regulada nos arts. 399.º e ss., começa-se no CPP
logo com o princípio da recorribilidade: as decisões são em princípio recorríveis, só não são se o Código o disser.

Tudo supracitado diz respeito ao processo penal comum, isso significa que há processos especiais que não
vamos estudar. Os processos especiais que existem são três, todos regulados no Livro VIII do CPP, são eles: o
processo sumário (arts. 381.º e ss.), o processo abreviado (arts. 391.º-A e ss.) e o processo sumaríssimo (arts. 392.º
e ss.).

Quando nós falamos do direito penal em sentido amplo, nele estão compostos três conceitos: o direito
penal substantivo (todas as regras e princípios atinentes à doutrina geral do crime), o direito processual penal
(conjunto ordenado de atos que pretendem através da aplicação real dar o direito penal substantivo) e o direito
penal executivo (como são executadas as sanções, seja penas ou medidas de segurança). Contrariamente do que
sucede com o direito civil e o direito do trabalho, não há direito penal sem processo. Assim o é porque existe uma
relação mútua de complementaridade funcional, a relação é mútua porque é biunívoca, vale do DP para o DPP e do
DPP para o DP, só consigo aplicar regras de direito penal substantivo através do processo e o contrário também
sucede.

As finalidades do processo penal (não há ordem de importância, são todas de igual relevância): em
primeiro lugar, a realização da justiça e a descoberta da verdade material. Por que a utilização desse adjetivo
“material” após verdade? O que aconteceu verdadeiramente. P. ex.: X dá entrada numa ação dizendo que Y deve
1000 euros, é tudo mentira e Y não contesta, a ausência de contestação implica que os factos alegados na petição
inicial são considerados confessados, mesmo que fosse tudo mentira, mas na sentença está uma verdade formal,
que não corresponde a verdade material nesse exemplo, forma-se uma verdade no processo que não corresponde
à verdade material. Em processo penal, quando um arguido não contesta a acusação não acontece nada, porque
isso não é o processo civil que se rege por regras de igualdade de armas, isso não sucede no processo penal porque
o que se visa não é uma verdade meramente formal, mas uma verdade material, trata-se de tentar descobrir o que
realmente acontecer, a verdade dos factos, por isso a contestação do arguido é importante, mas se não houver não
há uma consequência jurídica para isso. Não há culminação para falta de contestação porque o que se busca é a
verdade dos factos.

Em segundo lugar, a finalidade da proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Estamos a falar o
exercício do ius puniendi estadual, o que afeta direitos fundamentais do arguido, mas não só deles, também dos
cidadãos, basta pensar no exemplo da escuta telefónica.

Em terceiro lugar, o restabelecimento da paz jurídica comunitária que foi posta em causa com a prática do
crime, esta finalidade tem relação direta com uma finalidade das próprias sanções criminais, a prevenção geral.
Estamos a falar da validade da norma que foi posta em causa com a prática do crime através do processo. O
processo também existe em si mesmo, não é só a sanção que tem o seu objetivo, o processo existe em si mesmo
para dar cumprimento ao fim de prevenção geral positiva.

São três finalidades inevitavelmente conflituantes. Elas são igualmente relevantes, mas não há fórmula
para prosseguir as três na sua plenitude, porque elas são inevitavelmente conflituantes. Exemplo: a prisão
preventiva é uma medida de coação aplicada ao arguido, a maioria das vezes a prisão preventiva é aplicada na fase
do Inquérito, ainda se está a investigar, prende-se alguém que sequer acusado foi. Na maioria dos casos a prisão
preventiva é aplicada no Inquérito. Estamos claramente a pôr em causa a finalidade de proteção dos direitos
fundamentais da forma mais violenta possível pois tem do ponto de vista pragmático o mesmo efeito da pena de
prisão, a pessoa fica privada da liberdade por meses ou anos. O regime da prisão preventiva, apesar de ser
permitido para buscar a verdade, há muitos indícios no CPP que este regime serve para proteger os direitos
fundamentais do próprio arguido, como a duração máxima (art. 215.º). Se for atingido o prazo máximo, mesmo que
haja perigo de fuga ou qualquer outra coisa, não se permite que se mantenha preso depois dele. Em todos os
regimes legais há manifestações muito evidentes da preocupação com esses direitos, como no caso da escuta. A
verdade material todos podemos saber qual é, mas talvez esta não pode valer porque as escutas são ilegais. A
regras estão lá em nome dos direitos das pessoas pois vivemos em um Estado de Direito.

15 de março de 2022 (Aula 2)

Finalidades do DPP: as finalidades essenciais primárias são três, não tem ordem de importância, são
igualmente relevantes. A conclusão a que chegamos na última aula é que essas finalidades tem um caráter
inevitavelmente conflituante, significa que a realização de uma implica muitas vezes não conseguir realizar a outra.
Aqui reside a tal relevância da tarefa de concordância prática dessas finalidades. Se elas são conflituantes, é
necessário que qualquer aplicador do DPP procurar a tal concordância prática.
Aplica-se a prisão preventiva com o objetivo da descoberta da verdade material, prendemos alguém,
mesmo durante o Inquérito. Mas há evidências que também se está a prosseguir a defesa dos direitos fundamentais
dos cidadãos: o prazo máximo, bem como não se permite que seja o MP a aplicar a prisão preventiva (pode ser ele a
pedir). Mesmo num instituto em que é tão evidente a limitação dos direitos, nomeadamente do arguido, também a
proteção destes direitos está em causa.

Outro exemplo: quando o legislador prevê a irrecorribilidade de decisões (sempre há um segundo grau,
mas pode não haver um terceiro) está a limitar os direitos do arguido, mas visa-se o restabelecimento da paz
comunitária, mesmo que isto tire possibilidades do arguido. Também pode ser contra a descoberta da verdade
material.

A operação lex quanto aos juízes do Supremo que foram corrompidos para decidirem num sentido. Os
processos em que foram proferidas as decisões X e Y já transitou, por via do recurso de revisão é possível alterar
aquelas decisões que já transitaram. Comprimimos a finalidade do restabelecimento da paz jurídica comunitária
tendo em vista prosseguir a descoberta da verdade material. Art. 449.º. É um bom exemplo o instituto do recurso
de revisão.

Perante a evidência de que as finalidades do DPP assumem um caráter inevitavelmente conflituante, e


não sendo possível a sua harmonização integral, deve operar-se a concordância prática das finalidades em conflito,
de modo a salvaguardar em cada situação concreta um máximo conteúdo possível de cada finalidade. É isto que
significa concordância prática. Esta tarefa impõe um limite intransponível o qual resulta da necessidade de garantir
que a dignidade da pessoa humana, sobretudo do arguido, não é posta em causa, pois trata-se de um valor absoluto
que não pode ceder perante qualquer outro valor ou interesse. Isto se mostra exemplarmente registado pelo
próprio legislador no CPP no art. 126.º.

Estrutura do processo penal: vamos tem de saber distinguir duas estruturas tradicionais ou puras, e depois
vamos estudar duas estruturas combinadas, que tem a ver com o CPP de 1929 e o CPP de 1987. As estruturas puras
são a estrutura inquisitória e a estrutura acusatória.

Estruturas Quanto às origens Quanto às finalidades Quanto à Quanto ao Quanto ao papel do juiz
tradicionais históricas natureza do papel do
processo arguido
Advém da A descoberta da Tudo era É visto como É um “faz tudo”, é quem
Inquisição ou verdade. Não falamos da reduzido à objeto do decide a investigação, se
Tribunal do Santo verdade material, escrito para não processo, não acusa ou não, etc. É a
Ofício, por essa duvida-se, p. ex., que haver qualquer lhe são mesma entidade que
referência através da tortura se atropelo, mas reconhecidos cumpre todas as tarefas
histórica a obtenha uma verdade não era dado direitos de relevantes do processo
estrutura se material. Acima de acesso a defesa penal. Juiz esse que,
chama assim. No qualquer direito qualquer ainda por cima, está
Império Romano individual estava o interessado, dependente do poder
também era interesse do Estado na nomeadamente político, pelo que
similar. descoberta da verdade ao arguido. Era quando dizemos que nos
Depois, dos um processo Estados absolutistas é só
Estados secreto, pelo uma forma dizer que o
absolutistas até que se podia Rei faz tudo, pois o juiz
ao Iluminismo, o praticar, do faz para si
poder judicial ponto de vista
concentra-se no da obtenção da
Inquisitória
Rei, ou seja, a prova,
aplicação do atropelos. A
Direito era de confissão era a
matriz inquisitória rainha das
tal como era feito provas, mesmo
na Idade Média e que fosse
na Antiguidade necessário
Clássica recorrer à
tortura para
obter a
confissão
Quanto às origens A proteção dos direitos É um processo O arguido é O juiz apenas julga, e
remotas, na fundamentais. Essa ideia construído à uma parte no julga com base nas
Antiguidade de relação entre o lógica do processo, pois provas que são
Clássica tivemos Estado e os cidadãos processo civil, está a ser-lhe carreadas ao processo
experiência, como advém do iluminismo, em inglês a reconhecido um pelas partes. Analisa as
no Alto Império até aqui nem havia a estrutura estatuto provas que lhe são
Romano. Trata-se ideia do indivíduo. acusatória é o segundo o qual trazidas e decide, não é
de um filho da Temos de reconhecer civil law ele também propriamente um juiz
Revolução direitos e deveres aos process. É um tem direito. que vá a busca da
Francesa, da cidadãos perante o processo de Passa a ser um verdade. O princípio da
reforma iluminista Estado, é a ideia de partes com sujeito do autoresponsabilidade
Contrato Social. No DPP, igualdade de processo a probatória das partes.
em especial, o arguido armas. O quem se
princípio da reconhece
Acusatória acusação: há amplos direitos
uma cisão de de defesa
tarefas entre a
entidade que
investiga e
acusa e a
entidade que
julga, não
podem ser a
mesma
Obedece à estrutura de um Estado totalitário, mas na verdade obedece a uma aparência. É uma
CPP de 1929 estrutura mista. Havia uma aparência formal de acusatório, mas materialmente o processo era
“Estrutura inquisitório.
inquisitória Descoberta da verdade.
mitigada” Princípio da acusação, mas apenas formalmente. Havia uma entidade que investigava e acusava e
outra que julgava, pois era o juiz que dizia ao MP para acusar e depois julgava.
Estrutura de base acusatória, integrada pelo princípio da investigação. Não é idêntica à estrutura pura
acusatória, não há um juiz passivo, não há igualdade de armas. Há dois seguimentos a explicar:
Estruturas 1) “Estrutura acusatória” (art. 32.º, n.º 5, da CRP):
combinadas a. O princípio da acusação, pelo que, entre nós, existe a cisão de tarefas entre a entidade
que investiga e acusa, e outra julga. Entre nós, esta ideia do princípio da acusação é
elevada a um expoente máximo, fala-se de máxima acusatoriedade possível, pois além
de termos duas entidades distintas a desempenhar duas tarefas distintas, temos,
CPP de 1987 ainda, duas magistraturas, com cada uma dessas tarefas a seu cargo. O princípio da
acusação não obriga duas magistraturas, como em França, em que há dois juízes, um
que investiga e acusa, e outro que julga.
b. Temos uma abordagem às finalidades que contempla com igual relevo a proteção dos
direitos fundamentais, a descoberta da verdade e o restabelecimento da paz
comunitária. O facto de colocarmos essas finalidades lado a lado, mostra que
reconhecemos que:
c. O arguido é um sujeito do processo, mas não só.
d. Há outros sujeitos do processo que participam constitutivamente no processo, na
declaração do direito no caso concreto.
e. O nosso processo não é de partes. O “acusador” é o MP, este não é uma parte, não
pode ser visto como um acusador, é magistratura responsável por investigar e acusar,
mas não tem de acusar sempre (art. 53.º, n.º 2).
2) Integrada por um “princípio de investigação”:
a. Significa que o juiz tem poderes de investigação, no sentido de que ele próprio tem o
poder-dever de formar as bases da sua própria decisão. O nosso juiz não é um juiz
passivo, ele pode oficiosamente ordenar todos os meios de prova que entenda
indispensáveis, relevantes, para formar as bases da sua decisão. Isto está previsto em
várias normas do CPP, mas há uma paradigmática que está no art. 340.º.
b. É um poder-dever subsidiário, na medida em que não é um poder-dever que o juiz
faça uso em qualquer circunstância.
c. É um poder-dever limitado, porque se não houvesse limite estávamos outra vez no
inquisitório mitigado, estávamos a subverter o princípio da acusação. O juiz investiga
dentro daquilo que o MP constituiu como objeto. Para garantir que nós, apesar de
darmos poderes ao juiz, continuamos a respeitar o princípio da acusação, os poderes
devem ser limitados pelo objeto do processo. As vezes o juiz acaba por descobrir
outras coisas, acontece, aí estaremos aí numa situação de alteração dos factos. A
alteração dos factos é ou não é substancial? Podem ou não ser considerados pelo juiz?
Em princípio, a resposta é não.

22 de março de 2022 (Aula 3)

O que é particularmente relevante é a caracterização da estrutura do processo português atual, quanto ao


que vimos na última aula. O processo penal atualmente segue estrutura de base acusatória, mas não apenas
acusatória, pois é integrada por um princípio de investigação. Dizer que a estrutura é acusatória não se quer dizer
apenas que é assim porque vale o princípio da acusação, trata-se de uma ideia redutora. O princípio da acusação
significa que há separação de tarefas entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga, sendo, ainda,
que no nosso caso essa ideia é elevada a um expoente máximo, pois o CPP fala de uma máxima acusatoriedade
possível. Assim, além das entidades e tarefas diferentes, ainda temos magistraturas diferentes. Uma magistratura
do MP, a investigar e acusar, e uma magistratura judicial para julgar. É fundamental essa nota, mas não é suficiente.
Há três finalidades que tem de ser continuadamente harmonizadas, também há o arguido como sujeito do
processo. Apesar disso e apesar de a estrutura ser acusatória, não o é no sentido tradicional, não é uma estrutura
de partes, como sucede no processo civil. A posição do arguido (art. 260.º) e do MP (art. 53.º) não é assim.

A estrutura acusatória com essas características é integrada por um princípio da investigação. Esse
princípio é autonomizado porque o que está em causa é o Tribunal, o juiz, não passivo, ou seja, possui poderes-
deveres de investigação. Mas em que sentido? O juiz tem poderes de investigação com duas características:
subsidiário e limitado.

 É limitado porque os poderes-deveres de investigação estão balizados (estamos a falar de


factos, e não da opinião jurídica sobre). Tudo depende de saber como terminou o inquérito, se
houve ou não instrução, para o juiz definir o objeto. Paradigmaticamente, o objeto é o que está
na acusação, mas não é sempre assim, depende da tramitação. Alguns exemplos do que o juiz
pode fazer e que são manifestações do princípio da investigação: pode chamar testemunhas, no
art. 340.º há uma palavra-chave a ser destacada, “oficiosamente”, pois quando o juiz ordena a
produção de outros meios de prova a requerimento não há princípio da investigação nenhum,
seria o caso de um juiz passivo. No entanto, o juiz com poder-dever de investigação é o que faz
por sua iniciativa. Mas não fá-lo-á sempre, pois esse poder-dever é subsidiário.
 É subsidiário porque não é em todos os processos que o juiz vai ordenar outros meios de prova
por sua iniciativa, só o faz quando é necessário para a descoberta da verdade.

Apesar de limitado e subsidiário, o juiz ao utilizar do seu poder-dever de investigação pode descobrir
coisas que extravasam o objeto do processo, e é aí que entra a matéria da alteração dos factos. De qualquer
maneira, uma ideia fulcral a se reter é: se houver factos novos, qual será, em princípio, a solução? Em princípio, o
juiz não os pode considerar. Se é limitado, é limitado pelos factos, o que vai além não pode ser conhecido no
processo, uma vez que o arguido contesta o que lhe foi apresentado.

Aplicação da lei processual penal no tempo: note-se que houve alterações no CPP que entraram em vigor
três dias atrás. Quando entra em vigor uma lei nova, a regra que se aplica do art. 5.º é tempus regit actum, ou seja,
há aplicação imediata da lei nova. A lei processual nova aplica-se a frente, pelo que o que aconteceu anteriormente
mantém-se. Aplica-se a lei vigente. No direito substantivo penal, por outro lado, temos de determinar o momento
da prática do facto, só se aplicará lei posterior se for mais favorável. Há logo uma diferença básica do art. 2.º do CP:
no processo não vamos buscar a lei processual que estava em vigor quando o facto foi praticado, buscamos a que
está em vigor agora, no sentido de que o que já foi feito mantém-se.

Quanto às alterações no CPP, há em especial no art. 40.º, relativo ao regime dos impedimentos do juiz,
que foi modificado profundamente no sentido do alargamento dos impedimentos. Antes se previam algumas
situações em que o juiz que tivesse tido intervenção em certos atos do processo não poderia participar no
julgamento, mas eram atos mais concretos. A al a) previa que o juiz ficava impedido, não podendo ser o juiz de
julgamento ou de recurso, quando tivesse aplicado uma medida de coação prevista nos arts. 200.º, 201.º e 202.º,
pelo que o juiz só estava impedido de ser juiz de julgamento se tivesse aplicado uma daquelas três medidas de
coação. O que se diz agora é que o juiz fica impedido relativo a processos em que tiver praticado, ordenado ou
autorizado ato previsto no n.º 1 dos arts. 268.º e 269.º. Agora haverá muitos juízes impedidos, de maneira que gera
dificuldade em garantir celeridade no processo. Tudo isso advém da regra que a lei nova se aplica imediatamente.

De qualquer maneira, a regra do n.º 1 do art. 5.º tem exceções. A al. a) do n.º 2 prevê uma das exceções,
ou seja, não se aplicará a lei nova se implicar o agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do
arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa. No caso da alteração referida, a lei nova vai no
sentido da defesa do direito de defesa do arguido, então não há como contornar por aí, e nem pela al. b), quando
da aplicabilidade imediata da lei nova resulte quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo, é o que
sucedeu quanto ao CPP antigo que ficou em vigor ainda durante 13 anos num Estado de Direito democrático.

Um exemplo da al. a) está no material de apoio, trata-se do Acórdão 4/2009, de 18 de fevereiro, de


fixação de jurisprudência. A diferença fundamental de acórdão para fixação de jurisprudência perante os assentos é
que esses não são vinculativos, não há a ideia de precedente jurisdicional que existe nos sistemas de common law.
O acórdão tem a ver com a entrada em vigor de uma lei relativa à matéria de recursos. O art. 432.º, n.º 1, al. b), fala
sobre os recursos para o STJ, se tenho uma decisão do Tribunal da Relação posso ir até ao Supremo, a não ser que o
art. 400.º não permita. O art. 400.º, n.º 1, al. f) utiliza o critério da pena concreta para saber se se pode chegar ao
Supremo. O que sucedeu nos casos em discussão no acórdão é que havia processos em curso em que o arguido
estava acusado punível com pena de prisão superior a 8 anos, mas na Relação é condenado a 6 anos. O arguido tem
expectativa de que chegar ao Supremo não importa a pena, expectativa que desapareceu, pois, a tal lei nova diz que
o critério é o da pena concreta. No entanto, houve tribunais da Relação que disseram que entrou em vigor a lei
nova e tem de julgar os factos com a lei nova, mas outro tribunal da Relação disse que havia agravamento sensível e
ainda evitável da situação processual do arguido. O que se discute no acórdão é se a lei nova deve-se aplicar
imediatamente ou se se verifica a exceção da al. a). O Supremo fixou jurisprudência no sentido do acolhimento à
tese de que é uma situação da al a), não para todos os processos, mas para aqueles que, já antes da entrada em
vigor da lei nova, havia pelo menos decisão de 1.ª instância.

Distinção entre sujeitos processuais e participantes processuais: os intervenientes do processo penal


podem ter uma categoria menos ou mais qualificada. No entanto, o arguido pode não contestas, e sabemos que
não há quaisquer cominações para tal, e continua sendo um sujeito processual. Enquanto também pode haver uma
testemunha que diz tudo de modo muito credível e continua participante processual. Desse modo, a noção que já
estudamos é insuficiente. Uma palavra importante aqui é “conformar”. É isso que os sujeitos processuais podem
fazer e não os participantes.

 Sujeitos processuais:

Possui poderes de conformação processual, dá forma ao processo. Por mais que o arguido não faça nada,
ele podia fazer. Trata-se de influenciar a tramitação, são poderes de conformar. O elenco dos sujeitos processuais é
fechado e são cinco: o arguido, o tribunal, o MP, o assistente e o defensor. Há, no entanto, ainda um que não faz
parte do elenco restrito dos cinco, mas pode ser participante, trata-se das partes civis, ficam do lado dos sujeitos,
mas não são exatamente. As partes civis estão aqui por questões relacionadas, quer com celeridade processual,
quer com certeza e segurança jurídica, por força do princípio da adesão (art. 81.º).

O princípio da adesão significa que o ofendido as vezes também lesado, mas não é sempre e podem haver
lesados que não são ofendidos. Nos casos de responsabilidade pelo risco não vai haver responsabilidade penal,
basta pensar nisso para saber que as decisões criminais e civis não vão no mesmo sentido. Mas, o que se diz, é que
quando na origem do dano que sofreu está um facto que também é crime, o mesmo tribunal decide as duas
questões autonomamente. Os factos são os mesmos, então por questões de segurança jurídica e celeridade assim
sucede.

Estamos a falar do lesado, mas temos de ser mais abrangentes: há demandados civis que não podem ser
arguidos. Trata-se das seguradoras. Num crime relacionado com condução de automóvel, do ponto de vista do
ofendido, o ofendido, se quer ter intervenção constitui-se assistente, mas se quiser ser indemnizado deve deduzir
pedido de indemnização, vale o princípio do pedido em regra, assim o ofendido é simultaneamente lesado e
arguido. Mas se tem de demandar a seguradora, a seguradora não é arguida, mas sim demandada civil. Quando
falamos de partes civis estamos a falar do lesado, que pode aparecer como demandante civil, mas também dos
demandados civis que podem coincidir com arguido ou não.

Tudo isso para perceber do porque há partes civis no processo penal, porque vale o princípio da adesão.
Mas o que são no processo? Em boa verdade, não são sujeitos e nem participantes, mas rejeitamos a ideia de que
sejam sujeitos porque têm poderes de conformação processual. O art. 401.º, norma dos recursos, diz que as partes
civis têm legitimidade para recorrer, então são verdadeiros sujeitos, mas ainda refere “da parte das decisões contra
cada uma proferidas”. Assim sendo, são sujeitos só em sentido formal, porque os poderes de conformação que tem
é só quanto aquele enxerto, só se tem poderes de conformação restritos à matéria cível. Em suma: as partes civis
são sujeitos do processo penal em sentido formal, por força do princípio da adesão, porque é nesse processo que
vão deduzir o seu pedido, mas não são em sentido material. Decididamente não pomos as partes civis nos
participantes processuais, mas não estamos perante os mesmos poderes de conformação dos cinco sujeitos
processuais, pois estes têm poderes de conformação penal.

Exemplos concretos que revelam que cada um dos sujeitos processuais de facto o é:

a. Arguido: pode requerer a abertura da instrução (a tal fase que se não for requerida a
abertura, não há). Quem pode requerer a abertura da instrução está no art. 287.º.
b. Tribunal/juiz: quando o juiz de instrução decide a decisão instrutória de pronúncia
(levando a julgamento) ou não pronuncia (ficamos por aqui, a não ser que caiba
recurso).
c. MP: é um dos que está no art. 401.º que pode recorrer, poder recorrer é um exemplo
do poder de conformação processual. Bem como, acusar ou arquivar no fim do
inquérito.
d. Assistente: pode requerer a abertura da instrução (uma fase que se não for requerida
não há). O ofendido se nada fizer é mero participante, para ter poderes de
conformação tem de se constituir assistente.
e. Defensor: é o advogado do arguido, leva-nos a pensar que tem algo de diferente no
defensor para autonomizá-lo como sujeito, e não todos os advogados. Tem a ver com
a sua representação (arts. 62.º e ss.), destaca-se o que resulta do art. 64.º quanto à
obrigatoriedade da assistência, por isso é um verdadeiro sujeito processual. Há uma
série de atos do processo penal que não se podem realizar sem o defensor, pode haver
julgamento sem o arguido, mas não sem o defensor. É esse poder de representação
qualificado que faz o que o defensor seja sujeito processual. Remissão do art. 64.ª ao
direito do arguido que se relaciona com isto no art. 61.º, n.º 1, al. f).

 Participantes processuais:

Aqui já não há elenco fechado, falamos em exemplos, todos os outros intervenientes estão nessa
categoria. O ofendido (o assistente que não quer fazer nada no processo, mas se quiser ser sujeito constitui-se
assistente), testemunha, perito, órgãos de polícia criminal, tradutores, oficiais de Justiça, o suspeito.

Aula 4

05 de abril de 2022 (Aula 5)

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