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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)

Catarina Serra| A91478

14.02.2023
O que é o Direito Processual Penal?
No DPP vamos estudar o conjunto de normas jurídicas que se ocupam de regular o
modo como se investiga a prática de um crime, como se determina quem foi o seu agente, com
o objetivo de, depois de numa fase mais avançada, aplicar uma determinada sanção criminal
prevista na lei para o tipo de crime que se considera que foi praticado ou com o objetivo de
resolver o conflito jurídico penal de uma forma desviada da tramitação comum (porque nem
sempre o PP culmina numa absolvição ou sanção penal, nem sempre chegamos à fase do
julgamento, por vezes podemos arranjar uma solução numa fase logo a seguir ao inquérito).
Segundo Figueiredo Dias o PP é uma sequência de atos juridicamente pré ordenados e
praticados por certas pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre se foi
praticado um crime e em caso afirmativo à aplicação de uma consequência jurídico-penal e sua
justa aplicação.

Tramitação comum do processo penal português


Começa com a notícia do crime, ou seja, uma prática de determinados factos que podem
ter relevância penal ou não, sendo que esses factos têm de chegar aos ouvidos do MP. O MP vai
ter de começar por adquirir a notícia do crime nos termos do art. 241ºss. do CPP (conhecimento
próprio, denuncia ou auto dos órgãos policiais). A denuncia é facultativa para a maioria de nós,
ou obrigatória em alguns casos (art. 242º CPP – para as entidades policiais, funcionários nos
termos do 386º CP).
O MP é uma entidade pública e estadual que vai ser absolutamente essencial no
processo porque ao abrigo do art. 48º CPP será ele quem tem legitimidade para promover o
processo. O MP é o titular da ação penal, é a ele que cabe a iniciativa do processo criminal.
Nem sempre ocorre assim, mas esta é a regra geral. 262º/2 CPP – geralmente a aquisição da
notícia do crime dá logo lugar à fase de inquérito (?). mas há exceções que têm a ver com a
natureza do crime (que podem ser públicos, semipúblicos ou particulares) nos dois últimos não
basta a aquisição da notícia por parte do MP para se dar início ao processo porque nos
semipúblicos tem de haver apresentação de queixa e nos particulares a apresentação de queixa e
que a pessoa que apresentou queixa se constitua assistente e a acusação particular.
Vamos assumir que estamos a falar de um processo que se refere a um crime público…
nos termos do 262º/2 quando a notícia chega ao MP ele vai abrir inquérito que é a primeira fase
do processo penal que é uma fase preliminar e está regulada nos arts. 262ºss. CPP. Esta fase é
uma fase essencialmente investigativa (de investigação) que como o art. Diz visa investigar a
existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e recolher provas
em ordem à decisão sobre a condenação. Olhar para os factos que foram comunicados ao MP e
verificar através de uma investigação se há factos para acusar a pessoa. Esta fase é dirigida pelo
MP, é o dominus do inquérito, ou seja, realiza ou manda realizar a maioria dos atos de
investigação desta fase (art. 263º/1 CPP).
Porque é que é o MP? Art. 32º/5 CRP diz que o processo tem uma estrutura de base
acusatória e isso significa que a entidade que investiga e que acusa é diferente da entidade que
depois vai julgar. O princípio da estrutura acusatória implica que haja uma diferenciação
orgânica e material entre quem faz a investigação e decide se acusa ou não e quem depois vai
tomar a decisão final do processo e esta diferenciação existe para garantir
imparcialidade/objetividade. Quem faz a investigação e decide se acusa vai ser o MP (com
exceção dos crimes particulares e com restrições nos semipúblicos) e quem vai julgar vai ser o
tribunal.

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Portanto, o princípio da estrutura acusatória do processo penal implica que haja uma
diferenciação orgânica e material entre quem faz a investigação e decide, depois, se acusa ou
não e quem depois vai ter de tomar a decisão final do processo. E esta distinção é para garantir a
imparcialidade – se a pessoa que acusa e que julga fosse a mesma, iria estar “contaminada” por
uma ideia pré-concebida da responsabilidade dessa pessoa. Por uma questão de
imparcialidade/objetividade, é importante que quem acusa seja diferente de quem julga. Quem
decide se acusa ou não é o MP (com as exceções dos crimes particulares e limitações nos crimes
semi-públicos) e quem julga é o juiz. São duas entidades diferentes para duas fases diferentes do
processo.
Ora, durante o inquérito, o MP vai realizar ou ordenar a realização de uma série de atos
e diligências em busca da verdade material, ou seja, em busca de entender quem é que realizou
o crime. Para isso, ele vai ser coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal. E a definição de
órgãos de polícia criminal está no artigo 1º, c) CPP. Este artigo dá-nos algumas definições
importantes com as quais vamos trabalhar – há uma série de ocasiões em que vamos ter de
recorrer ao artigo 1º CPP. Vão atuar estes órgãos na sua dependência funcional e auxiliar o MP e
vão, enfim, realizar atos que o MP vai delegar neles (e vão sempre realizá-los de acordo com as
direções que o MP lhes der), sendo que isto resulta do artigo 263º/2 CPP.
Finda esta investigação, o MP tem de tomar uma decisão, decidir se acusa com o
objetivo de levar o arguido a julgamento (art. 283º CPP) ou se vai arquivar o inquérito. Só vai
acusar se recolher indícios de que houve a prática do crime, de quem foi o seu agente e se
estiverem reunidas as condições legais para o fazer.
Pode acontecer, contudo, que não consiga recolher indícios da prática do crime – até
pode chegar à conclusão de que não houve crime nenhum. Pode não ter conseguido ter
recolhido indícios que consigam levar à conclusão de quem é que realizou o crime. Pode
também ter recolhido indícios que indicam que não foi aquela pessoa que realizou o crime.
O inquérito é arquivado nos casos do 277º CPP. Mediante a falta de indícios ou de
indícios que aquela pessoa que foi objeto da investigação não praticou o crime, ele tem de
arquivar porque não faria sentido submeter aquela pessoa a julgamento.
Pode acontecer o MP recolher indícios da prática do crime e de quem foi o seu agente e
mesmo assim decida não acusar e recorrer a certos institutos ou formas de resolução do conflito
penal que constituem verdadeiros desvios da tramitação comum (expressões do princípio da
oportunidade). Que institutos são estes? O arquivamento em caso de dispensa de pena (art. 280º
CPP) e a suspensão provisória do processo (art. 281º CPP). Mediante esta decisão se acusa ou
não, se arquiva ou recorre a algum destes institutos chegamos à fase final do processo.
A seguir ao inquérito podemos ter a fase de instrução que é uma fase facultativa porque
tem de ser requerida (art. 286º ss. CPP). O arguido poderá requerer a abertura de instrução ou no
caso de arquivamento também o assistente pode requerer a abertura de instrução. Esta fase de
instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o
inquérito. É uma fase em que já não é o MP que vai dirigir, é um juiz de instrução criminal e é
uma fase em que se vai apreciar a decisão do MP de arquivar ou acusar. Trata-se de permitir que
haja uma outra autoridade a verificar se a decisão tem um bom fundamento no que toca aos
indícios recolhidos na fase de inquérito.
O juiz vai elaborar vários atos para chegar à verdade material e depois vai haver um
debate oral e contraditório após o qual o juiz de instrução criminal vai tomar uma decisão que
pode ser um despacho de pronuncia ou um despacho de não pronuncia (art. 307 e 308º CPP).

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Claro que estes despachos são recorríveis – mas nem sempre (caso das duas instâncias a dizer o
mesmo)!
A seguir vamos ter um julgamento, saímos das partes preliminares do processo. É uma
fase dirigida por um juiz que vai levar a uma de duas saídas, ou o arguido é condenado e é-lhe
aplicada uma pena ou ele é absolvido. A fase de julgamento está no 311º ss. Do CPP. De
qualquer uma destas decisões pode ser interposto recurso (art. 399º ss. CPP).
Finalmente, no caso de termos uma condenação que tramite em julgado vai existir a
execução da pena, fase de execução das decisões (art. 467º ss. Do CPP) e também no Código de
execução de penas e medidas de segurança privativas de liberdade (Lei nº 115/2009 de 12 de
outubro).
O DPP é instrumental relativamente ao dto penal substantivo, mas não deixa de ser um ramo
de dto autónomo que tem as suas caraterísticas, uma malha principiológica própria, tem
finalidades próprias. Quais são essas finalidades? 4 finalidades:
1- Proteção dos dtos fundamentais de todos os que intervêm no processo, mas em especial
do arguido que tem uma posição mais frágil
2- Procura da verdade material e realização da justiça
3- Restabelecimento da paz jurídica (das relações afetadas pelo crime) e se possível da paz
social
4- Obter a concordância pratica entre estas finalidades porque muitas vezes elas podem
colidir umas com as outras não sendo de fácil harmonização e portanto, o legislador
deve construir/alterar o processo penal tendo em conta o equilíbrio entre estas
finalidades com o objetivo de maximizar os ganhos e minimizar os custos funcionais.

Aplicação da lei processual penal no tempo


Estamos perante um caso de aplicação da lei processual penal no tempo, que visa
perceber que normas vamos aplicar caso sucedam no tempo várias normas penais. Temos um
sujeito a ser investigado por dois crimes praticados por meio de sistemas informáticos e
encontramo-nos na fase de inquérito e durante esta fase surge uma nova lei que vaio permitir
algo que até então não era permitido (a obtenção de dados de tráfego e realização de interceções
de comunicações em investigação de crimes praticados no ambiente virtual). Será que vamos
poder utilizar estes meios de obtenção de prova no nosso processo?
Distinguir normas processuais materiais de normas processuais próprio sensu (art. 29º
CRP e 2º CP – princípio da legalidade VS art. 5º CP). As normas processuais penais materiais
são normas que têm incidência processual, mas estão intimamente relacionadas com o regime
de incriminação material ou substantivo, representam uma verdadeira pré-conformação da
penalidade a que o arguido está sujeito. Estas são normas que vão estar perfeitamente
subjugadas ao princípio da legalidade e regras da aplicação da lei penal substantiva no tempo
(vigora para o futuro e que uma lei nova posterior à prática do facto pode ser aplicada se for
favorável ao arguido). Portanto, relativamente a estas normas aplicamos este regime de
aplicação para o futuro e possibilidade de retroatividade em caso favorável ao arguido.
As normas processuais próprio sensu – têm incidência meramente processual, é uma
norma essencialmente processual. Vamos ter de atender ao art. 5º CPP que estabelece um
principio de aplicação imediata das normas processuais próprio sensu, ou seja, surgindo uma
nova norma ela irá ser aplicada imediatamente aos atos praticados num processo que já esteja a
decorrer aquando da sua entrada em vigor, assim como aos novos processos que se iniciem após
a sua entrada em vigor e, portanto, se um determinado processo já estiver a correr termos, a

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nova lei será por força do principio tempus regit actum (aplicabilidade imediata) imediatamente
aplicada aos atos que se seguirem nesse processo.
Porquê esta regra? Por uma questão de consideração do interesse público que domina
todo o processo e que pressupõe que a nova lei é aquela que melhor corresponde aos interesses
que se pretendem obter através do processo. Ou seja, entende-se que se o legislador criou uma
nova lei para substituir o antigo regime é porque, em princípio, essa nova lei será melhor. E até
porque estas normas por serem meramente processuais não vão afetar da mesma maneira a
esfera do arguido como afetaria uma norma substantiva, não sendo necessária tanta cautela. Ac.
4/2009 – a natureza pública e instrumental do PP justifica a aplicação imediata da nova lei.
Exceções: a aplicação imediata da nova lei não pode pôr em causa a validade dos atos
praticados na vigência da lei anterior (art. 5º/1 última parte) – princípio de respeito pelo anterior
processado. Vamos tentar conservar o máximo possível aquilo que ocorreu no processo até a
entrada em vigor da nova lei. Porquê? Por uma questão de economia processual, porque iria
levar a uma grande perca de tempo e o processo não seria célere como a CRP impõe (art. 32º/2
CRP). A nova lei não deve gerar invalidade dos atos já praticados que devem poder ser
aproveitados. Depois no nº2 do art. 5º temos mais duas limitações:
a) a lei processual penal não se vai aplicar aos processos anteriores se da sua aplicabilidade
imediata resultar um agravamento sensível e evitável da situação processual do arguido
nomeadamente uma limitação dos seus dtos de defesa. Visa tutelar a esfera do arguido e as suas
legitimas expectativas. O que é um agravamento sensível e evitável? A lei não nos diz como o
interpretar, o evitável entende-se que o agravamento deve ser possível de travar, mas sensível.. o
que é o agravamento sensível? É o julgador/juiz que vai ter de casuisticamente apreciar esta
ideia de sensibilidade do agravamento, a avaliação é feita no seu prudente juízo. Mas a doutrina
e jurisprudência têm ajudado a esclarecer este termo: um agravamento sensível é um
“agravamento palpável, significativo, importante, com repercussão na esfera jurídica do
arguido”, portanto, o que o julgador tem de fazer é verificar se aplicação da nova lei pode levar
ao enfraquecimento da esfera processual do arguido, nomeadamente verificando se limita os
seus dtos de defesa consagrados.
b) quando levar a uma quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo. Os atos
podem demorar imenso tempo – dias até meses – e, se fôssemos aplicar imediatamente a nova
Lei, levaria a perdas de tempo e à necessidade de se repetirem atos, o que não é bom para a
economia processual e a celeridade do processo.
Então no caso em questão, o processo já está a decorrer e aparece uma norma que vem permitir
novos meios de obtenção de prova será que podemos aplicar essa norma imediatamente ou
estaremos perante alguma das limitações? AC 24 fev 2010 – TRC. Entendeu-se que a aplicação
imediata da nova lei poderia constituir uma afetação ou prejuízo para a situação processual do
arguido. aquilo que o tribunal concluiu nesta ocasião, ao permitir estes novos meios de obtenção
de prova, aquilo que poderia gerar-se era uma dificuldade acrescida de defesa para o arguido.
Cairíamos aqui naquela limitação do agravamento sensível e evitável porque realmente
enfraquecia a posição do arguido – a verdade é que estas novas provas que eram admitidas
através dos meios permitidos pela nova Lei podia fazer com que a sua defesa ficasse mais
limitada (ou mais difícil). Ele teria de lidar com provas que eram desfavoráveis e para as quais
não estava preparado para ter de se defender.
Concluindo, teríamos aqui a aplicação de uma limitação ao princ. Tempus regit actum,
ou seja, ao princípio da aplicação imediata da nova lei processual.

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NOTA: O legislador fez esta nova Lei para prosseguir a verdade material – quanto maior for o
leque de provas, mais fácil é a descoberta da verdade material. Temos a finalidade de proteção
dos DFs e de realização da justiça. É isto que é a compatibilização das várias finalidades.

Caso Prático II
Princípios (ver o ppt)
No caso vamos ter de recorrer ao princípio da oficialidade (art. 48º CPP e 219º CRP).
Que diz que o MP tem legitimidade para promover o processo penal com as restrições
constantes do art. 49º a 52º CPP. Atribui a uma entidade publica, estadual a legitimidade para
dar início ao processo, porque o nosso processo tem um princípio de base que é do monopólio
estadual. O que acontece é que o MP vai ser o titular da ação penal é ele que vai ser competente
para receber denuncias, participações, queixas, etc. e a apreciar o seguimento que deve dar a
essas mesmas queixas… adquirida a denuncia (art. 262º CPP) o MP terá à partida legitimidade
para iniciar uma investigação com o sentido de apurar os factos e decidir se acusa ou não. E é
isso que acontece quando estamos a lidar com crimes de natureza pública, dão oportunidade de
o MP iniciar o inquérito mediante apenas a aquisição da notícia do crime.

28.02.2023
Princípios estruturantes do Direito Penal (continuação)
Ficha de trabalho nº1
I.
No dia 3 de março de 2020, por volta das 06h20, A abandona o estabelecimento noturno
“BragaDance”, sito no centro de Braga, e introduz-se na sua viatura com o intuito de regressar a
casa depois de uma longa noite de divertimento. Dois minutos após ter iniciado o percurso, A
atropela B, que fazia o seu habitual passeio matinal pela cidade, provocando-lhe apenas leves
escoriações. C, que assistiu ao atropelamento da varanda de casa, aproximou-se do local e
começou a dirigir palavras altamente injuriosas a A. Submetido a teste apropriado, A revelou
uma taxa de álcool no sangue de 1,3 g/l.
a) Indique a quem compete a promoção processual, justificando doutrinal e
legalmente.
Resolução:
A quem compete dar início ao processo penal? Temos de trazer à coação o princípio da
oficialidade, sendo que este vai-nos dizer quem tem legitimidade para iniciar o processo no
sentido de iniciar uma investigação sobre a prática de uma infração, e submeter a causa a
julgamento. Este encontra-se plasmado na CRP no art.219º e também no art.48º CP. O princípio
da oficialidade atribui ao MP legitimidade para dar início ao processo penal, entidade pública.
Este é o titular da ação penal. Esta atribuição de competência deriva do faco de estarmos num
ordenamento jurídico em que o Estado tem o monopólio da jurisdição e, por isso, faz sentido
atribuir esta competência a uma entidade estadual.
No art.53º/nº2 (a) CPP diz-nos que compete ao MP receber as queixas, participações e
apreciar o seguimento a dar-lhes. Quando o MP adquire a notícia de um crime (art.241ºCPP), à
partida irá abrir um inquérito, o próprio art.262º/nº2 CPP diz-nos que a aquisição da noticia de

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um crime dá lugar à abertura de inquérito, para começar a investigar os factos, para averiguar se
houve a prática do crime e nesse caso quem foi o seu agente.
O nosso processo penal tem uma estrutura acusatória (art.35º/nº2 CRP), mas não é pura,
pois é mitigada por um princípio de investigação. A entidade que julga é diferente da que
investiga e acusa (MP). Iniciado o inquérito o MP vai legar a cabo um conjunto de diligências,
no sentido de apurar se há ou não indícios da existência de crime. O MP não está sozinho no
inquérito, desde logo o MP vai ser auxiliado pelos órgãos de polícia criminal (art.55º/nº1 e
263º/nº1CPP), na sua dependência funcional e de acordo com a sua direta orientação (art.56º
CPP e do art.263º CPP). Durante o inquérito há certos atos que o MP pode delegar a estes
órgãos (art.270º CPP), mas há outros que só ele é que pode executar. Apesar de ser o MP que
dirige o inquérito, também podemos contar com a intervenção de um juiz- juiz de instrução
criminal. Este quando for chamado ao inquérito não vai atuar como um investigador, pois quem
investiga é o MP e os órgãos policiais, há certos atos que por contenderem com direitos
fundamentais apenas podem ser ordenados por um juiz.
Voltando ao princípio da oficialidade, o próprio art.48º CPP diz que existem restrições a
este princípio, ou melhor, tem uma limitação e uma exceção. A limitação diz respeito aos crimes
de natureza semi-pública (art.49º CPP) e a exceção diz respeito aos crimes de natureza
particular (art.50º CPP).
Temos de detetar os crimes em causa no caso e temos de verificar se estamos perante
crimes públicos, semi-públicos ou particulares. Se o procedimento penal depender de queixa é
crime semi-público; se depender de acusação particular é crime particular; se nada disser é um
crime público.
No nosso caso, temos 3 crimes: crime de condução em estado de embriaguez
(art.282ºCP) que é crime público; crime de ofensas à integridade física negligente (art.148º CP),
que nos diz no nº5 que o procedimento depende de queixa, por isso, é um crime semi-público;
crime de injúria que está previsto no art.141º CP, sendo que no art.148º CP refere que o
procedimento depende de acusação particular, ou seja, é um crime particular.
1. Crime em condução sobre o estado de embriaguez- crime público: o princípio da
oficialidade funciona plenamente, sem limitações. Basta o MP adquirir notícia do
crime, seja por conhecimento próprio, seja por denúncia facultativa ou obrigatória,
seja por auto de notícia, ele pode logo promover o processo, abrir inquérito.
2. Crime de ofensas à integridade física- crime semi-público. O procedimento
criminal depende de queixa. Temos de olhar para o art.49ºCPP, ou seja, a queixa é
um elemento ou condição de prosseguidade, sem ela o MP não pode promover a
ação penal. O que é a queixa e como se distingue da denuncia? A denuncia é uma
mera declaração de ciência, consiste numa transmissão de ciência, eventualmente
relevantes, à entidade com competência. A queixa é uma declaração de ciência
associada a uma declaração de vontade, ou seja, não basta uma transmissão dos
factos a quem tenha competência, também tem de existir manifestação de vontade
do titular do direito de queixa, dirigida a que haja uma perseguição criminal do
agente e do facto por ele provocado. Tem de existir vontade de que haja um
procedimento criminal. Quem tem legitimidade, ou seja, quem é o titular do direito
de queixa? Art.113º CP. O titular do direito de queixa é o ofendido, ou seja, o titular
dos interesses que a lei quis especialmente proteger, ou seja, o titular do bem
jurídico protegido pela norma. Este artigo dá-nos várias hipóteses. O titular tem de
ter 16 anos, caso ainda não tenha têm de ser os seus representantes legais. No nosso
caso, a pessoa ofendida tinha legitimidade para fazer queixa. E qual o prazo? O
direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses (art.115º). O art.49ºCPP diz-nos

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que podemos apresentar queixa ao MP ou a qualquer entidade que a tenha de


transmitir ao MP (órgãos de polícia criminal- art.1º (f)- este tem a obrigação de a
transmitir ao MP no prazo de 10 dias- art.245º CPP). O art.49º/nº3 CPP diz-nos que
a queixa pode ser apresentada pelo ofendido pelo seu mandatário com poderes
especiais ou mandatário judicial. Estes crimes trazem uma limitação a este
princípio, pois o MP só pode fazer a investigação depois de o titular do direito de
queixa a fizer. O titular pode apresentar queixa ou não fazer nada. Se apresentar
queixa, quem vai decidir se acusa ou não é o MP e não o ofendido.
Notas sobre a queixa: esta é facultativa e renunciável e podemos até desistir da queixa que
apresentamos (art.116ºCPP). Quanto à desistência o art.116º diz-nos que o ofendido pode
desistir da queixa, até à publicação da decisão de 1ª instância. Art.51º/nº3 CPP- o MP deve
notificar o arguido. O arguido pode querer avançar com o processo para que seja proferida uma
decisão que diga que ele era inocente. O arguido desistindo da queixa vai haver uma
homologação da desistência da queixa. A desistência pode ocorrer na fase de inquérito e aí cabe
ao MP homologar a desistência, mas também pode ocorrer nas fases posteriores. Dependendo da
fase em que está o processo, a homologação vai ser da competência de diferentes autoridades
judiciárias. Se ocorrer durante a investigação será o MP; se ocorrer durante a instrução será o
Juiz de instrução criminal; se ocorrer durante o julgamento será o Presidente do Tribunal
(art.51º/nº2 CPP remissão para o art.116ºCP). A desistência da queixa impede que ela volte a
surgir.
Remissão do 49º CPP para o 113ºss CP
3. Crime de injúria: crime particular. Art.51º CPP. Vamos de ter 3 requisitos: (1)
apresentação de uma queixa; (2) constituição como assistente; (3) esse assistente
terá de deduzir acusação particular. Relativamente à queixa, quem teria legitimidade
para a apresentar seria o A (art.113ºCP), cumprindo o prazo do art.115ºCP. Ele
apresenta queixa, ótimo!! Tem também de se constituir assistente. O que é um
assistente? Diferença entre? Os sujeitos processuais são entidades que têm direitos
autónomos de conformação da tramitação do processo como um todo em vista da
sua tramitação final e são 5 os sujeitos processuais- o tribunal, o MP, o arguido, o
defensor e o assistente. Estes sujeitos têm um estatuto que lhes confere poderes-
deveres, ou seja, dentro dos limites legais têm um papel constitutivo do direito do
caso, são os protagonistas do processo. Os meros participantes processuais são
entidades que vão praticar atos singulares cujo conteúdo se esgota na própria
atividade, ou seja, não vão ter o poder de conformar o processo (ex. próprio
ofendido que não se constitui assistente, interpretes, partes civis, testemunhas). No
nosso caso, o ofendido não pode ficar só como ofendido, pois assim só tem uma
mera qualidade de facto, ele tem de se tornar um verdadeiro sujeito processual. Art.
69º CPP- colaborador do MP, cuja atividade subordina a sua intervenção no
processo, mas também tem interesses próprios que pode prosseguir no processo,
podendo praticar atos autónomos do MP. Legitimidade para se constitui assistente?
Art.68º CPP. No nosso caso, o A foi vítima de um crime de injuria, pode ser
assistente ao abrigo da al. a e da al. b, pois é ofendido, titular do bem jurídico que a
norma visa proteger, e também é a pessoa cuja acusação particular depende. Qual o
prazo para se constituir assistente? Art.68º/nº2 CPP. O requerimento tem lugar no
prazo de 10 dias – art.246º/nº4 CPP- a declaração é obrigatória. O ofendido dirige-
se ao MP ou ao órgão de polícia criminal e apresenta a sua queixa estes devem
dizer-lhe que se constituir assistente e a partir dessa advertência, nos termos do
art.68º/nº2 CPP, o ofendido tem de apresentar no prazo de 10 dias o requerimento a
um juiz para se constituir assistente, com o pagamento de uma taxa. O A tinha de

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apresentar queixa e de se constituir assistente. O MP pode começar a investigar e no


final o MP tem de comunicar ao assistente a que conclusões chegou que podem ser:
recolhermos indícios de quem foi o agente do crime ou que não recolheu indícios
(art.285º/nº2CPP). Findo o inquérito, a investigação do MP, ele deve notificar o
assistente de que tem 10 dias para deduzir acusação particular (art.285º/nº1 CPP),
tem também de incluir se foram recolhidos indícios suficientes do crime e dos seus
agentes. Posto isto, está na mão do assistente dar início ao processo. Aqui, nos
crimes particulares, o procedimento depende de queixa e de constituição de
assistente, e é o assistente que decide se acusa ou não. Se assim entender o
assistente pode deduzir acusação particular. O MP pode: acompanhar essa acusação,
acusando também pelos mesmos factos, por parte deles ou por outros que não
importem uma modificação. Se o MP também quiser acusar tem de o fazer nos 5
dias posteriores à acusação particular (285º/nº4 CPP).

b) Findo o inquérito relativo ao crime de ofensa à integridade física negligente, o


Ministério Público proferiu despacho de arquivamento. Tendo sido notificada de tal
decisão, B decidiu deduzir acusação contra A, imputando-lhe a prática do referido
crime, por entender que se tinham reunido indícios suficientes da sua prática e de
que aquele foi o agente. Quid iuris?
Resolução:
O crime de ofensas à integridade física negligente é um crime semi-público que
depende de queixa, sendo que é o MP que decide o que fazer no encerramento do inquérito. Nos
termos do art.276ºCPP o MP encerra o inquérito acusando ou arquivando.
No caso, o MP decidiu arquivar o inquérito (art.277º/nº1 e 2 CPP). Esta decisão de
arquivamento, nos termos do nº3 terá de ser comunicada a várias pessoas- ao arguido, ao
assistente, … No nosso caso, nada nos é dito se ela se constituiu assistente ou não e tratando-se
de um crime semi-público a assistência é facultativa. Mas ainda assim deverá receber a
notificação do arquivamento.
Nos casos dos crimes públicos ou semi-públicos o assistente apenas pode acusar, nos
termos do art.284ºCPP, ou seja, quando o MP deduzir acusação. Se ele acusar então o assistente
até 10 dias depois de ser notificado da acusação pele MP poderá deduzir acusação peles mesmos
factos, em parte deles ou por outros que não modifiquem.
B oficiosamente não poderia deduzir acusação, a única coisa que poderia fazer era
reagir ao arquivamento, ou seja, tentar a que aquele arquivamento fosse apreciado novamente.
Em abstrato podia ter 3 alternativas:
a. Podia requerer a abertura de instrução (art.287ºCPP), mas para isso teria de se
constituir assistente. Nos termos do art.68º/nº3 (b) ela teria de requerer a sua
constituição como assistente, no prazo de 20 dias. Podia apresentar
simultaneamente um requerimento para ser assistente e pedir para haver abertura de
instrução.
b. Podia suscitar a intervenção hierárquica do art.278ºCPP. Em particular o nº2. O MP
está organizado de forma hierárquica e num caso de intervenção hierárquica vamos
pedir a um superior do magistrado do MP que dirigiu o inquérito que veja como foi
tomada a decisão e determinar que seja dado outro desfecho ao inquérito, ou seja,
determinar que seja que seja dado desfecho no sentido de acusação ou que se
continuem as investigações. Pode fazer isto em alternativa à abertura de instrução.

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O prazo para requerer intervenção hierárquica é de 20 dias após notificação da


decisão de arquivamento.
c. Requerer reabertura do inquérito (art. 279º CPP), mas só o poderia fazer quando se
esgotasse o prazo para requer intervenção hierárquica. Problema disto é que o MP
só vai voltar a abrir o inquérito se surgirem novos elementos de prova, ou seja,
elementos que até então não eram conhecidos e não podiam ser conhecidos pelo
requerente da reabertura e que invalidem os fundamentos invocados pelo MP no
despacho de arquivamento. Se não existissem novos elementos não poderia haver
reabertura de inquérito. A intervenção hierárquica e reabertura de inquérito tem uma
vantagem relativamente ao requerimento de abertura de instrução uma vez que para
este último B teria mesmo de se constituir assistente, mas para os restantes tal não é
obrigatório.

II
Clotilde (82 anos, viúva) vivia sozinha em Oriz, Vila Verde, desde que a sua única filha,
Bernardete, foi viver para Lisboa, em busca de uma oportunidade de emprego. No dia
12.01.2022, Mónica, vizinha de Clotilde, conhecendo as condições em que esta vivia e sabendo
que se tratava de uma senhora muito caridosa, foi visitá-la com o intuito de lhe pedir uma
contribuição de 300€ para uma campanha de recolha de fundos destinados a ajudar o sobrinho
de 11 anos a obter tratamento no estrangeiro para uma doença rara.
Passados dois dias, enquanto conversava com Fernanda, que faz limpezas na casa de
Mónica, Clotilde descobre que Mónica não tem sobrinhos e apercebe-se de que foi enganada.
Algumas horas depois, sem que tivesse tido oportunidade de exercer o seu direito de queixa,
Clotilde sofre um enfarte e morre. Fernanda decide denunciar a conduta de Mónica às
autoridades e, nessa sequência, o Ministério Público promove a ação penal por suspeita da
prática de um crime de burla p.e.p. pelo art. 217.º do CP.
a) Quid iuris?
Resolução:
Temos de perceber a natureza do crime em questão. Esta aqui em causa um crime de
burla previsto no art. 217º CP, o nº3 diz que o procedimento criminal depende de queixa, logo
este crime é semipúblico. Logo temos uma limitação ao princípio da oficialidade do art. 48º
CPP e 219º CRP, assim, o MP só teria legitimidade para o procedimento criminal após
apresentação de queixa por parte de quem tem legitimidade.
C tem legitimidade? Sim, art. 113º CP, C é o ofendido, logo a pessoa que a lei quer
proteger com a incriminação. Portanto, C tem legitimidade, nos termos do art. 113º do CP para
apresentar a queixa e só depois o MP poderia iniciar o procedimento criminal. No nosso caso C
não chegou a conseguir exercer o dto de queixa, embora quisesse, porque morreu.
Como é que estes factos podiam chegar aos ouvidos do MP? No caso foi por intermédio
de F que viu o que aconteceu e por isso decidiu denunciar. O MP pode adquirir noticia do crime
através dos meios do art. 241º CPP, F é uma cidadã comum e, portanto, não cabe no âmbito da
denuncia obrigatória do 242º CPP, também não é um órgão de polícia criminal.
Poderia apresentar denuncia facultativa? Art. 244º CPP e diz que qualquer pessoa que
tiver notícia de um crime pode denunciá-la salvo se o procedimento respetivo depender de
queixa ou acusação particular. Ou seja, todos temos faculdade de denunciar um crime desde que
não sejam crimes semipúblicos ou particulares. Ou seja, nestes casos podemos sim denunciar,

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478

mas a nossa denuncia não terá quaisquer efeitos. Porque no caso de crime semipúblico é exigida
queixa e no caso de crime particular é exigida queixa e acusação particular. Assim, a denuncia
de F não daria lugar à abertura de inquérito era preciso alguém com legitimidade apresentar
queixa.
Ora C morreu, no caso da morte do ofendido haverá alguém que possa adquirir, ex
novo, o dto de queixa? Art. 113/2 CP – o dto de queixa pertence (ver artigo). C vivia sozinha,
não tinha cônjuge, nem vivia em União de Facto, no entanto, a filha (B) como descendente
caberia no art. 113º/2 b) do CP, logo B poderia apresentar queixa deste crime no prazo elencado
no art. 115º CPP (6 meses não a contar do momento do conhecimento do facto, mas sim a partir
da morte do ofendido, ou seja, da morte de C). Mediante a apresentação desta queixa o MP
poderia iniciar a investigação para saber se houve crime, quem foi o seu agente e decidir se
submete ou não a causa a julgamento.
A denuncia de F não surtiria qualquer efeito jurídico, porque estávamos perante um
crime semi-público.
Hipótese 1: C não tinha apenas a B viva, mas tinha também uma irmã, a C. E a B sabia que a
mãe era boa pessoa e acreditava que a mãe não iria apresentar queixa contra M, mas a C
acreditava que a sua irmã o iria fazer se estivesse viva. Será que C poderia apresentar queixa,
sendo que B não o queria fazer?
Não. O art.113º estabelece uma ordem ordenada, porque nos diz que se o ofendido
morrer o direito de queixa pertence em 1º lugar ao cônjuge ofendido, aos descendentes, etc., e
na sua falta aos irmãos e aos descendentes. Ou seja as pessoas indicadas na al.a têm prioridade
relativamente às pessoas indicadas na al .b. Assim, só na falta das pessoas elencadas na al. a é
que as da al. b podem apresentar queixa. Portanto, a C apenas poderia apresentar queixa se fosse
a única familiar restante a C, ou seja, se B não existisse.
Hipótese 2: A burla ocorreu no dia 12.01.2022 e C faleceu passados 2 dias (14.02.2022), ou
seja, a partir da morte da mãe a B teria 6 meses para apresentar queixa (art.115º/nº1).
Imaginando que B decidia não apresentar queixa contra M, mas que no dia 20.09.2022 descobre
que M não tinha agido sozinha, ou seja, tinha sido instigada por E, antiga colega de emprego da
mãe sendo que estas se davam muito mal. Este conhecimento por parte de E só surgiu
posteriormente, será que B podia decidir apresentar queixa contra E? Não, porque a queixa é
indivisível, há uma regra de indivisibilidade da queixa (art.115º/nº3). O facto de não ter havido
um exercício do direito de queixa tempestivo relativo a M, aproveita a E, ou seja, a B estaria em
relação de intempestividade em relação a E. A indivisibilidade da queixa se verifica quanto à
sua desistência. Quando o titular do direito de queixa desistir da queixa quanto a um dos
participantes do crime, essa desistência aproveita aos restantes participantes, salvo se estes se
opuserem à desistência. No caso de haver mais do que um autor do crime, estamos perante
comparticipação, caso o titular do direito de queixa quiser retirar a queixa relativamente a um
dos participantes, vai aproveitar a todos, caso todos concordem. Se um deles não quiser aceitar a
desistência o processo seguirá contra essa pessoa e encerra em relação aos que aceitaram a
desistência (art.116º/nº3).

07.03.2023
b) Assuma que Bernardete apresentou queixa e que o MP iniciou procedimento criminal
contra Mónica. No final do inquérito, tendo recolhido indícios suficientes da prática do
crime e de que Mónica foi a autora, o MP determinou a suspensão provisória do
processo, por um período de 6 meses, impondo a Mónica a entrega de 400€ a uma

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478

instituição de solidariedade social à sua escolha. Poderia o MP ter tomado esta


decisão?
Resolução:
A suspensão provisória do processo? Contudo temos primeiro de compreender o P. da
legalidade. Este é um princípio relativo à promoção ou iniciativa processual. O MP em toda a
sua atividade ao longo do processo deve reger a sua atividade de acordo com citérios de
legalidade, como a CRP impõe e o art.53º/nº1 CPP, que nos diz que o MP deve intervir no
processo sujeitando-se a critérios de objetividade. A atuação do MP deve gerer-se sobre o p.
legalidade, pois o MP é um representante do Estado e deve proteger os interesses que a lei
determinar, sendo que no processo deve sempre atuar de forma a garantir a imparcialidade dessa
mesma atuação. No processo manifesta-se em 2 momento: (1) na abertura do inquérito; (2) no
encerramento do inquérito.
Quanto ao 1º momento este princípio significa que quando o MP adquire a noticia do
crime por algum dos meios do art.245º/nº1 deve dar inicio ao inquérito (art.262º/nº2), salvo os
crimes semi-públicos e particulares, ou seja, se o MP adquirir a noticia de um crime e estiverem
reunidas as condições processuais para o fazer o MP será obrigado a abrir um inquérito, ele não
pode decidir abrir só porque sim, sendo que se não o fizer, não só podemos ter uma nulidade
insanável (art.119º (b), como pode incorrer um responsabilidade criminal, pela prática de um
crime de denegação de justiça (art.369º CP).
Quanto ao 2º momento, realizadas todas as diligencias provatórias o MP vai encerrar o
inquérito tomando 2 das seguintes opções: arquivando ou deduzindo acusação (art.276º/nº1).
Ele vai acusar quando recolher indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o
seu agente. Assim, no prazo de 10 dias (art.283º/nº1) terá de acusar. Mas quais são estes indícios
suficientes? O art.283º/nº3 dá-nos esta resposta. O ac. TR Coimbra de 10 de setembro diz-nos
que são elementos que tidos na sua globalidade persuadem sobre a culpabilidade do arguido e
gerem a convicção que se o arguido for levado a julgamento há a probabilidade razoável de vir a
ser condenado com base no crime que lhe é imputável. A acusação deve ter uma série de
elementos, sob pena de nulidade, que advém do facto que é a acusação que fixa o objeto do
processo, estabelecendo uma vinculação do juiz e limitação dos seus poderes de conexão. É
necessário que a acusação tenha estes elementos, seja o mais completa possível, de forma a
termos um pleno exercício do contraditório e pleno exercício de defesa do arguido. Por remissão
do art.283º/nº5 a acusação tem ainda de ser notificada às pessoas indicadas no art.277º/nº3 ??. O
MP tem de arquivar o processo, nos termos do art.277º, quando o arguido morre, quando o
procedimento criminal tenha prescrevido. Irá ainda arquivar nos termos do nº2 aquando não
tenha recolhidos indícios de crime ou de quem foram os seus agentes. O MP não tem margem
de manobra, pois se recolheu indícios suficientes tem de acusa, caso contrário tem de arquivar.
Tem 2 opções que o próprio princípio da legalidade lhe dá, pois ele não pode atuar de acordo
com juízos de oportunidade (isto acontece nos ordenamentos jurídicos anglo saxónicos, em que
o MP faz acordo com o arguido mesmo sabendo que terá de ser acusado, mas em Portugal não é
possível). Mas este princípio de legalidade que está na base da atuação do MP, não é um
princípio puro, de legalidade pura, é um princípio que vai ser aberto a juízos de oportunidade,
ou seja, o princípio de legalidade é um princípio de legalidade aberta (Costa Andrade), a
espaços de oportunidade que se consubstanciam em ?? Por vezes o MP pode recolher indícios
da pratica do crime e mesmo assim não acusar, pois vai aplicar outros institutos do princípio da
legalidade: arquivamento em caso de dispensa de pena, a suspensão provisória do processo e a
possibilidade de remeter o processo para mediação penal. Todos estes institutos são alternativas
à acusação e não ao arquivamento, ou seja, só vamos aplicar um destes institutos quando o MP
recolher indícios para acusar. Se o MP não recolher indícios suficientes é mesmo obrigado a
arquivar, não tem mesmo alternativa.

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478

No nosso caso é suscitável a suspensão provisória do processo (art.281º e 282º). Caso o


MP recolha indícios suficientes pode determinar oficiosamente ou a requerimento do arguido/
assistente a suspensão provisória do processo mediante a imposição de injunções, mas que o
possa fazer têm de estar cumpridos os pressupostos cumulativos que se retiram do art.281º. O
MP tem aqui um poder, mas também um poder/dever, ou seja, no final do inquérito o MP tem
que verificar se os requisitos da suspensão provisória do processo estão preenchidos e em caso
afirmativo deve aplica-lo em vez de acusar. Se não estiverem preenchidos terá de acusar, pois a
suspensão é apenas uma alternativa à acusação.
Pressupostos: tem de se tratar de um crime que seja punível com uma pena de prisão
não superior a 5 anos ou com uma sanção diferente a pena prisão, ou seja, pequena e média
criminalidade; (2º) tem de haver concordância do arguido, do assistente e do juiz de instrução
criminal, pois este mecanismo visa alcançar uma solução de consenso. Tanto o arguido como o
assistente devem apresentar uma concordância de forma livre e assistida, sendo que no caso do
arguido tem de ser pessoas, ou seja, não pode ser exercido pelo defensor. A decisão do MP não
é suscetível de impugnação (art.281º/nº7), pois teve de existir uma concordância previa. (3º)
ausência de condenação anterior por crime de mesma natureza, ou seja, no nosso caso, não
poderia ter existido uma condenação anterior por crime de burla. (4º) ausência de aplicação
anterior de suspensão provisoria do processo por crime da mesma natureza. (5º) Não haver lugar
a medida de segurança de internamento, visando impedir a aplicação deste instituto a casos em
que estiverem preenchidos os pressupostos de internamento de imputáveis ou de imputáveis
portadores de anomalia psíquica. (6º) Ausência de um grau de culpa elevado e neste ponto Paulo
Pinto de Albuquerque, defende que o MP deve avaliar o grau de culpa nos termos do art.71º/nº2
CP e ainda art.72ºCP, sendo que a verificação de alguma das causas (…) (7º) o cumprimento das
injunções e regras de conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que se
façam sentir, ou seja, terão de ser impostas injunções e regras de conduta que respondam
suficientemente às exigências de prevenção especial e geral que se façam sentir no caso, ou seja,
o MP na escolha destas terá de ter em conta as exigências de ressocialização do agente e a
defesa da ordem jurídica, a paz social e a tutela dos bens jurídicos violados. Neste sentido, no
sentido em que se exija que sejam oponíveis injunções e regras de conduta, a suspensão
provisória do processo apresenta uma oportunidade condicionada, na medida em que se exija a
aplicação destas injunções e regras de conduta.
Quais são estas injunções e regras de conduta? São as que constam do art.281º/nº2. Na
al. m diz-nos ainda que possa ser oponível ao arguido qualquer comportamento exigido pelo
caso, ou seja, não têm de ser necessariamente as previstas na lei, mas outras necessárias ao caso.
Sendo que não podem ser impostas ao arguido injunções ou regras de conduta que ofendam a
sua dignidade.
Há regimes especiais de suspensão provisória do processo (art.281º/nº8, nº9 e nº10):

 O nº8 diz respeito a casos de crime de violência doméstica a não agravado pelo
resultado e quanto a estes o MP mediante (…) com a concordância do juiz de
instrução e do arguido, desde que se cumpram os requisitos da al. c do nº1. Este
nº8 foi uma inovação importante na sequência deste crime se tornar num crime
público.
 O nº9 diz respeito a processos por crime (…)
 O nº10 diz respeito a processos de furto de valor diminuto e quando ocorra em
(…). Foi pensado para aqueles furtos que ocorrem na Primark, pois não há
vigilância e correm com frequência.
A suspensão provisória do processo, em regra, pode ir até 3 anos, mas nos casos do nº8
e 9, pode ir até 5 anos. Durante esse período o agente tem de cumprir as regras de conduta e

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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injunções que lhe foram impostas, sendo que o MP terá de vigiar se ele está ou não a cumpri-las.
Para isso o MP pode recorrer aos órgãos de polícia e a entidades administrativas. Se durante o
prazo de suspensão o arguido respeitar isto no final desse prazo o MP vai arquivar o processo,
sendo que depois não pode ser reaberto, ou seja, o procedimento criminal vai extinguir-se. Se o
arguido não cumprir ou se durante esse prazo cometer crime da mesma natureza pelo qual venha
a ser condenado então a suspensão vai cessar e o MP terá de acusar.
No nosso caso, estariam cumpridas as condições de suspensão provisória do processo,
sendo que teria de se verificar uma concordância da arguida, do assistente e do juiz de instrução
criminal. Esta foi determinada pelo período de 6 meses, sendo possível e impos a M numa
injunção de entrega de 400€ a uma instituição, sendo uma injunção possível e adequada ao caso.

III.
Foi apresentada denúncia contra a empresa Y por, no exercício da sua atividade,
libertar para a atmosfera, diversas vezes por semana, fumos e odores intensos, asfixiantes e
tóxicos, que prejudicariam a saúde das pessoas residentes nas imediações. Estes factos
poderiam configurar a prática de um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo art.
280.º do Código Penal.
No inquérito apurou-se que, desde que a empresa Y tomou conhecimento de que
infringia a legislação em vigor, os seus responsáveis solicitaram diversos estudos e análises e
tomaram, no mais curto período possível, as medidas indicadas como sendo as mais adequadas
para evitar essa situação. Apurou-se também que a empresa Y logrou reduzir os valores para
níveis inferiores ao limite imposto pela lei para aquele tipo de situações e que a empresa não
seria a única responsável pela emissão dos gases tóxicos.
O Ministério Público considerou que se encontravam preenchidos os pressupostos de
que depende a dispensa de pena. Tal proposta mereceu despacho de concordância do Juiz de
Instrução Criminal, tendo o inquérito sido arquivado.
Quid iuris?
Resolução:
A questão do arquivamento está regulada no art.280º que deve ser lido em conjunto com
o art.74ºCP. O art.280º tem requisitos mais formais e o art.74ºCP apresenta requisitos mais
materiais.
Os casos em que se permite dispensa de pena são casos em que não se justifica aplicar
uma sanção criminal, pois a culpa do agente é diminuta.
O 1º requisito é de que o crime seja punível com uma pena de prisão não superior a 6
meses ou com multa não superior a 120 dias, ou seja, estas situações aplicam-se a casos de
crimes bagatelar em que estão em causa bens jurídicos que têm dignidade penal, mas que são
menos relevantes para a nossa sociedade. Há crimes que têm penas de prisão superiores a 6
meses e pena de multa superior a 120 dias em relação aos quais que existe uma norma que
admite a possibilidade de dispensa de pena, que é o caso do nosso caso prático.
A pena prevista para este crime é de 1 a 8 anos, ou até 6 anos (art.280ºCP), ou seja,
estes limites máximos à partida não permitiam a dispensa de pena. Mas, o art.286º diz-nos que
para este crime de perigo comum pode ter lugar a dispensa de pena se o agente remover
voluntariamente o perigo antes de se verificar dano substancial ou considerável, ou seja, neste
artigo da a possibilidade de haver dispensa de pena, apesar de a pena prevista para este crime

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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ser superior a 6 meses. Daqui resulta o 1º requisito material para o nosso caso que é o de o
agente remover voluntariamente o perigo antes de se verificar um dano substancial.
Para alem deste requisito, olhando para o art.74º/nº3 CP têm também de estar
preenchidos os requisitos da al. a, al. b e al. c do art.74º/nº1, ou seja, para que haja arquivamento
em caso de dispensa de pena:

 Al. a: a ilicitude do facto seja diminuta;


 Al. b: o dano seja reparável;
 Al. c: à dispensa de pena não se oponham razões de prevenção geral e especial.
Para além disso, é ainda necessário (art.280ºCPP) que se oponha a concordância do juiz de
instrução criminal, sendo que se este não concordar a consequência é o prosseguimento dos
autos tendo o MP de proferir despacho de acusação. Se o juiz concordar então esta decisão de
arquivamento não é recorrível, nos termos do art.280º/nº3.
Se no caso se verificarem estes pressupostos não haverá razões para levar o processo a
julgamento. O MP faz uma antevisão do desfecho do processo caso ele chegasse a julgamento,
ou seja, o MP faz um juízo de prognose e pensa: se acusar este agente vai a julgamento e o mais
provável é o juiz aplicar a dispensa de pena e mais vale fazê-lo antecipadamente, ou seja, mais
vale faze-lo mediante os pressupostos de dispensa de pena do que leva-lo a julgamento e ter o
mesmo desfecho. Nestas situações há uma vantagem, ou seja, nesta fase ainda não se dá como
provada a culpa do agente. Mas na fase posterior sim, mas por razões de culpa diminuta e
exigências diminutas o melhor será a dispensa de pena.
No caso em relação ao grau de ilicitude do facto esta teria de ser diminuta, e no caso é, pois
apurou-se que esta empresa não é a única responsável pela poluição. No caso apurou-se que
aquela poluição gerada pela empresa y advinha de um processo imprescindível e que eles, à data
dos factos, consideravam estar a praticar da melhor maneira possível. Verifica-se ainda que a
culpa também é diminuta, pois os limites legais são muito difíceis de prever e o
desconhecimento desses limites por parte da empresa também é compreensível. Ainda a
empresa teve o cuidado de fazer estudos e no prazo mais curto aplicar alterações à sua conduta
que levassem a uma diminuição do seu carácter poluente. Outro requisito que resulta no art.74º
é que o dano tenha sido reparável. No nosso caso, estamos perante um crime de perigo e não de
um dano. Assim, o mais próximo da eliminação do dano seria a diminuição do perigo dos bens
jurídicos tutelados, o que ocorreu. Quanto ao requisito de serem respeitadas as razões de
prevenção, este está comprido, tanto ao nível da prevenção geral e o facto de ter havido a
alteração diminui as exigências de prevenção geral. Havendo esta mudança de conduta num
tempo relativamente curto entende-se que estão bem tutelados os bens jurídicos postos em causa
e será dispensável a aplicação de uma pena. Para além disso, houve concordância do juiz de
instrução criminal e, portanto, temos o requisito preenchido e não haveria entraves ao
arquivamento do processo.

3º mecanismo que o MP pode utilizar – mediação penal


A mediação foi introduzida com a lei 21/2007, de 12 de junho. Esta é o processo
informal, flexível, conduzido por um 3º imparcial (mediador), que promove a aproximação
entre o arguido e ofendido numa tentativa de encontrar um acordo entre estes que permita a
reparação dos danos causados pelo facto ilícito, contribuindo para a restauração da paz social. A
mediação visa uma resolução o mais amigável possível de um litígio de natureza criminal e visa
ainda dar à vítima, que muitas vezes é esquecida no processo tradicional, através da reparação
moral e acompanhada de uma reparação material. O MP pode remeter o processo para mediação
por sua iniciativa, caso tenha recolhido indícios e caso entenda que desse modo se responde às

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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exigências preventivas que se fazem sentir no caso. Ou poderá ser remetido o processo para
mediação por meio de requerimento do ofendido e do arguido, sem que estes dois podem em
qualquer momento revogar o seu consentimento para participar na mediação. Seja em que
situação for a verdade é que este recurso está bastante limitado. Só pode ter lugar em processos
por crime dependente de queixa, e neste caso apenas quando se trate de crime contra pessoas ou
património ou, no caso de crimes cujo procedimento depende de acusação particular. Portanto,
ficam excluídos os crimes de natureza pública. Independentemente da natureza do crime, a
mediação não pode ter lugar caso a pena de prisão prevista seja superior a 5 anos, caso se trate
de crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual, crime de peculato ou tráfico de
influências, caso o ofendido seja menos de 5 anos e ainda nas situações em que seja aplicável
processo sumário ou sumaríssimo. O processo visa que os sujeitos cheguem a um acordo, sendo
que são eles que determinam o conteúdo do acordo, com restrições. Deste acordo não pode
resultar a imposição de sanções privativas de liberdade ou de quaisquer deveres que ofendam a
liberdade do arguido ou cujo cumprimento se prolongue por mais de 6 meses.

17.03.2023
Princípio da acusação
Neste vamos ter de aplicar o princípio da acusação, sendo que este delimita o fim do
processo. Este princípio está associado ao art.32º/nº5 CRP- determina que o nosso processo tem
uma estrutura acusatória e dirige essa estrutura como uma garantia do processo. No nosso
processo distingue-se a entidade que investiga e acusa (MP) e a entidade que julga (Juiz). Nos
casos dos crimes particulares não será o MP a deduzir acusação, mas o assistente (art.285º).
Quem vai julgar é o Tribunal com competência para tal. Esta estrutura é uma garantia da
imparcialidade da independência e objetividade do processo, porque permite que o juízo que é
feito na fase do julgamento, seja um juízo despido de preconceito, que seriam difíceis de afastar
se a pessoa que investigasse e acusasse fosse a mesma daquela que julgasse. Estes indícios são
suficientes quando haja uma probabilidade de ser condenado na fase do julgamento. Esta
estrutura determina também que a fase de instrução é dirigida por um juiz de instrução que é
diferente do juiz de julgamento e se um determinado juiz presidir ao debate instrutório não
poderá participar no julgamento (art.40º (b) CPP).
No entanto, a estrutura acusatória não é pura, porque vai ser mitigada pelo princípio de
investigação que vai ser levada a cabo pelo juiz. Apesar do juiz não ser por excelência a
entidade de investigação (MP), este tem um poder-dever de investigação autónoma dos factos,
sendo um juiz ativo, no sentido em que deve procurar oficiosamente esclarecer-se sobre os
factos que lhe chegam à fase de julgamento ou instrução. Com esse objetivo, o juiz vai poder
ordenar a produção de novos meios de prova, com o objetivo de aproximar-se e obter a verdade
material dos factos, sendo este um dos objetivos do processo penal. O art.340º estabelece que o
juiz de julgamento poderá ordenar a produção de vários meios de prova, para obter uma boa
decisão da causa e a verdade material. Neste trabalho investigativo o juiz vai estar sempre
limitado e circunscrito ao objeto do processo, ou seja, circunscrito aos factos que constam na
acusação, embora que não seja só a acusação que fixa o objeto do processo. A acusação vai
definir e fixar o objeto do processo e, por sua vez, o objeto do processo vai delimitar os poderes
de cognição do Tribunal e a extinção do caso julgado (Figueiredo Dias). Portanto, só os factos
que constam na acusação é que vão poder ser conhecidos ou apreciados pelo Tribunal. Nesse
sentido, falamos de um princípio de vinculação temática, ele vai estar vinculado a um objeto
anteriormente fixado. O juiz vai ter sempre de respeitar os factos de acuação e é sobre eles que o
Tribunal vai decidir e conhecer. Mas não é só a acusação que vai fixar o objeto do processo. O
juiz de julgamento vai estar vinculado ao objeto de processo que é fixado na acusação ou no

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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478

despacho de pronúncia no caso de ter havido fase de instrução. Concluindo neste sentido, se o
MP ou o assistente decidirem acusar por determinados factos, é relativamente a estes que o juiz
vai atender e decidir.
Estes princípios (acusação e vinculação temática) estão associados a outros princípios:
identidade, unidade e consunção. O princípio da identidade diz-nos que o objeto do processo
deve manter-se o mesmo desde o momento em que é fixado e até ao transito em julgado da
decisão, ou seja, a identidade deve-se manter a mesma. O princípio da unidade é um princípio
de acordo com o qual o objeto do processo deve ser conhecido e julgado na sua totalidade, não
podendo ser dividido nem fracionado, o juiz não pode escolher atender a determinados factos e
não atender a outros, tem de atender a todos. O princípio da consunção diz-nos que, mesmo que
o objeto do processo não tenha sido conhecido e julgado na sua totalidade este deve considerar-
se irrepetivelmente decidido e, portanto, se um facto que faz parte do objeto do processo não
teve uma decisão a incidir sobre ele vamos considerar à mesma que ele foi considerado e
analisado. Ora, só atendendo a todos estes princípios, aquilo que se vai obter é a imparcialidade
e objetividade do processo e ao mesmo tempo garante-se a defesa do arguido, porque este tem
de saber os factos que se são imputados e não deve ser surpreendido com factos que não estava
a contar.
A questão que se coloca é a de saber qual é tratamento que se deve dar a um novo facto
que surja durante a fase de instrução ou julgamento, que não constava no objeto do processo.
No caso, o E estava acusado da prática de um crime de violação, mas durante a fase de instrução
surgiu um novo facto que não constava da acusação que foi deduzida. Que tratamento se pode
dar a estes factos? Não estava dentro do objeto do processo que foi limitado previamente.
Quando temos um novo facto, para sabermos que destino lhe dar, em 1º lugar devemos verificar
em que fase processual surgiu esse facto. No nosso caso, surgiu durante a instrução e, por isso,
temos de atender ao art.303º (se fosse na fase de julgamento temos de ir ao art.358º e 359º).
Depois temos de tentar perceber se esse facto comporta uma alteração substancial dos factos
que compõem o objeto do processo ou não. O que é isto de alteração substancial dos factos? A
definição é nos dada pelo CPP no art.1º (f) que nos diz que uma alteração substancial dos factos
é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos
limites máximos das sanções aplicáveis”. À contrário, uma alteração não substancial dos factos
é aquela que, embora represente uma novidade e altere o objeto do processo, não implica
imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções
aplicáveis. No nosso caso, aquilo que se verificou estava imputado ao E um crime de violação e
veio-se a descobrir que dessa violação veio a surgir uma gravidez. A gravidez, na sequência da
violação, gera uma alteração substancial dos factos? Sim, uma agravação (art.164º/nº1 (a) e
177º/nº5 CP), efetivamente temos aqui uma agravação do limite máximo da sanção aplicável ao
crime de violação, ou seja, este facto novo acarreta uma alteração substancial dos factos (art.1º
(f)). Temos de tentar perceber que tratamento vamos dar a este facto novo.
Olhando para o art.303º que regula a alteração substancial dos factos, temos de fazer a
distinção entre alteração substancial e não substancial. Já sabemos que no nosso caso, o nosso
facto vai caber na alteração substancial dos factos. No entanto, vamos analisar em termos
teóricos o regime da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou no
requerimento de abertura de instrução, olhando para o nº1 e 2 do art.303º. Este diz-nos que se
dos atos resultar alteração não substancial dos factos o juiz de instrução criminal, vai comunicar
a alteração ao defensor, interrogar o arguido e conceder, a requerimento, um prazo para o
arguido preparar a sua defesa, sendo que o prazo não deve ser superior a 8 dias (ex. estamos
numa situação em que houve um furto de um relógio no valor de 100 euros da marca cásio e
durante a instrução verificou-se que a marca do relógio era diferente, ou seja, este novo facto
não acarreta uma alteração substancial dos factos e não altera a sanção prevista e não imputa ao

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arguido um crime diverso). Os factos que geram uma alteração não substancial vão ser tidos em
conta, ou seja, vão fazer parte da decisão do juiz de instrução criminal. Quanto à alteração
substancial dos factos, que está presente no nosso caso, o facto não vai puder ser tido em conta
pelo Tribunal para efeito de pronuncia nem implica extinção da instância, sendo que se o juiz de
instrução se pronunciar o arguido por factos que constituem uma alteração substancial dos
factos descritos na acusação, esta será nula, nos termos do art.309º/nº1 (nº3 do art.303º), porque
ele não pode ter em conta estes factos que geram uma alteração substancial. Se o juiz não pode
ter em conta este facto novo, o que vai acontecer a esse facto? No nosso caso, isso significa que
o juiz não vai poder ter em conta pelo Tribunal para efeito de pronúncia. Se o juiz não pode ter
em conta este facto novo, o que vai acontecer a esse facto? Para isso, temos de olhar para o nº4
que nos quando temos um novo facto, temos de tentar perceber se o facto é autonomizável ou
não. Quando for autonomizável ao objeto do processo o juiz deve comunicá-lo ao MP e essa
comunicação vai valer como denúncia no sentido em que o MP, caso estejam reunidas as
condições legais, vai poder proceder sobre esse facto. O facto é autonomizável quando puder ser
separado dos factos que fazem parte do objeto do processo e quando for suscetível, por si só,
fundamentar uma incriminação autónoma, dar início a um outro processo penal e abrir novo
inquérito. Por outro lado, se o facto for não autonomizável, ele não vai ser tido em conta pelo
Tribunal nem vai dar abertura a um novo processo penal. No nosso caso, a gravidez não é um
facto autonomizável, não tendo sozinho relevância penal, pois ninguém pode ser acusado de
uma gravidez e, por isso, vai ter de ser ignorada pelo Tribunal e não vai dar lugar a uma
denúncia ao MP.
Questão II
A questão é essencialmente a mesma na questão anterior, mas aqui o novo facto surge
na fase de julgamento, por via da inquirição de uma testemunha. Portanto, temos de perguntar se
este novo facto gera uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
ou se gera uma alteração não substancial.
Art.131º CP – homicídio simples com pena de 2-8 anos de prisão. Art.132º/nº2 (g) CP –
homicídio qualificado. Este novo facto gera uma qualificação, gera a imputação de um crime
diferente. Como tratamos, na fase de julgamento, as alterações substanciais e não substanciais
do facto. Quanto à alteração não substancial dos factos (art.) o presidente do Tribunal vai
comunicar o novo facto ao arguido e conceder-lhe mais tempo para a defesa, salvo nos casos em
que foi sustida para a defesa e o facto novo tem de ser relevante. Nota sobre o tempo da
preparação da defesa: aqui o prazo corresponde ao tempo necessário para preparação a defesa,
tendo em conta a natureza e complexidade do caso. O que nos interessa então é a alteração
substancial dos factos, pois no caso o novo facto gera uma alteração substancial dos factos. Nos
termos do art.359º a alteração substancial não vai puder ser tomada em conta pelo Tribunal para
efeitos da condenação e, mais uma vez, se o Tribunal tomar em conta este novo facto então a
sua sentença/ decisão vai padecer de nulidade. Regra geral, o facto não vai poder ser tido em
conta se gerar uma alteração substancial. Mas existe uma exceção, para os casos em que há um
acordo entre o MP, o arguido e o assistente. Se estes estiverem de acordo com a continuação do
julgamento por estes novos factos, nem declararem a incompetência do Tribunal, o Tribunal vai
poder tê-los em conta (nº3 e 4 art.359º).
No nosso caso, sabemos que o homicídio foi para encobrir uma violação e que é uma
alteração substancial dos factos, este facto, à partida não vai poder ser tido em conta pelo
Tribunal na condenação, apenas vai poder condená-lo pelo crime de homicídio simples. No
entanto, se o MP, o arguido e o assistente, acordarem em aceitar o novo facto e na continuação
do julgamento pelo facto novo. Sendo que nessa situação aquilo que o juiz tem de fazer é dar ao

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arguido, a requerimento deste, um prazo para preparar a sua defesa, prazo esse que não deve ser
superior a 10 dias, nos termos do art.359º/nº4. Isto, na hipótese de haver acordo.
Caso não haja acordo, o facto não vai ser tomado em consideração e, mais uma vez,
colocamos a questão de qual será o destino deste facto. Temos de ver se este facto é
autonomizável ou não do objeto do processo. Se o facto for autonomizável ao objeto do
processo o juiz deve comunicá-lo ao MP e essa comunicação vai valer como denúncia no
sentido em que o MP, caso estejam reunidas as condições legais, vai poder proceder sobre esse
facto. O facto é autonomizável quando puder ser separado dos factos que fazem parte do objeto
do processo e quando for suscetível, por si só, fundamentar uma incriminação autónoma, dar
início a um outro processo penal e abrir novo inquérito. Por outro lado, se o facto for não
autonomizável, ele não vai ser tido em conta pelo Tribunal nem vai dar abertura a um novo
processo penal.
No nosso caso, a violação previa ao homicídio será um facto autonomizável, no sentido
em que a violação por si só pode dar origem a uma perseguição criminal e, portanto, o juiz de
julgamento deve comunicar o novo facto ao MP como título de denuncia, para que este possa
proceder pelos novos factos.
Concluindo, há a possibilidade de alteração da qualificação jurídica. Aqui não há factos
novos a surgir, os factos que estão em causa são aqueles que já eram conhecidos e formam o
objeto do processo, mas simplesmente vai-se alteração a sua qualificação jurídica. Ex. um
individuo é acusa de homicídio simples com base nos factos adquiridos no inquérito, e não
qualificado, porque o MP acreditou que os factos não foram praticados com perversidade e
censurabilidade. Mas, em fase de julgamento, com base nos mesmos factos, o Tribunal concluiu
que existiu especial censurabilidade, e condenou pela prática de um crime qualificado. Perante
os mesmos factos que conformam o objeto do processo, o MP vai dar-lhes uma qualificação
jurídica, com base naqueles factos é condenado pelo crime w e depois, no julgamento, o Juiz vai
dar-lhes uma roupagem diferente. Esta alteração também vai ter um tratamento jurídico
(art.303º/nº5 na fase de inquérito e art.358º/nº3 na fase de julgamento). Tanto num caso como no
outro o tratamento é muito semelhante ao regime previsto para a alteração não substancial dos
factos. O juiz vai atribuir ao arguido um tempo para preparar a sua defesa.

Competência dos Tribunais


Temos de determinar o Tribunal competente.
Princípio do juiz natural (art.32º/nº9 CRP), segundo o qual nenhuma causa pode ser subtraída ao
tribunal competente para a causa.
A competência dos tribunais encontra-se prevista no art.8º e 9º CPP, LOSJ.
Temos de começar a apreciar a competência funcional, de forma a verificar se é da
competência do STJ, do Tribunal da Relação ou dos Tribunais de comarca. A competência do
STJ e dos Tribunais da relação está relacionada com questões de recursos ou crimes praticados
por pessoas que estão num estatuto especial e, portanto, fica muito fácil a determinação do
Tribunal competente. Tratando-se de uma apreciação do crime em primeira instância não caberá
no STJ nem nos Tribunais da Relação. A competência dos tribunais de 1ª instância é residual, ou
seja, tem competência para julgar crimes que não caibam na competência dos outros tribunais, o
que se trata no nosso caso.
Depois temos de olhar para a competência material, pois podemos ter um tribunal de
júri, tribunais coletivos e tribunais singulares. O tribunal de júri tem a sua competência

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estabelecida no art.13º CPP e este tem uma particularidade que se prende com o facto de só
haver a sua intervenção quando seja requerida, ou seja, mediante um requerimento do MP, do
assistente ou do arguido. Mesmo havendo requerimento, o Tribunal de júri não pode funcionar
sobre todos os crimes, só sobre as matérias elencadas no art.13º, crimes contra a identidade
cultura e segurança do Estado. E crimes cuja pena máxima for superior a 8 anos de prisão. O
requerimento tem um prazo (art.13º/nº3) e este é irretratável, ou seja, uma vez feito não é
suscetível de revogação. Depois temos o tribunal coletivo e este em matéria penal vai julgar os
crimes contra a identidade cultural e segurança do Estado que não forem requeridos julgar pelo
tribunal de júri. Há partida, quem tem competência originário é o tribunal coletivo, mas
mediante requerimento atempado há possibilidade de ser o Tribunal de júri a intervir e não o
tribunal de júri. Ao tribunal coletivo compete julgar também os crimes dolosos ou agravados
pelo resultado morte e cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de
prisão (art. 14º/nº2), mesmo nas situações de concurso de infrações, ou seja, quando temos
crimes com uma pena máxima superior a 5 anos será competente o tribunal coletiva e quando
temos vários crimes que até têm pena inferior a 5 anos, mas no seu conjunto e havendo
concurso de crimes quando há cúmulo jurídico é aplicável uma pena superior a 5 anos. O que
interessa é o resultado do cúmulo e este tem de ser superior a 5 anos. Por ultimo, podemos ter
um tribunal singular a ser competente (art.16º), este vai ter uma competência residual porque vai
cair na sua competência o julgamento de todos os processos que não couberem na competência
dos tribunais coletivos ou dos tribunais de júri. Para além disso, ele tem uma competência mais
específica (art.16º/nº2), ou seja, competindo-lhe julgar os crimes contra a autoridade pública ou
crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 5 anos de prisão. Compete ainda, nos termos
do nº3, julgar os crimes previstos no art.14º/nº2 (b). Isto significa que há situações que temos
um crime punível com pena máxima superior a 5 anos e, por isso, caberia ao tribunal coletivo
julgar, mas, relativamente a esses crimes, o MP vai entender, durante a fase de inquérito, que no
caso em concreto não deve ser aplicável uma pena superior a 5 anos, apesar de na lei estender
que sim. Se houver este entendimento do MP, a competência será do tribunal singular e não do
tribunal coletivo.
No nosso caso, temos de ver em que competência dos tribunais cabe. Temos de olhar
para o tipo incriminador e ver a pena prevista aí – até 3 anos de prisão. Concluímos logo que
será competente um tribunal singular, pois estamos perante um crime em que a pena máxima,
abstratamente, é inferior a 5 anos (art.16º/nº2 (b)). À partida será competente um tribunal
singular. No entanto, temos ainda de olhar para a competência do tribunal coletivo,
nomeadamente para o art.14º/nº2 (a). Sempre que temos um crime o elemento do tipo a morte
de uma pessoa (crimes de homicídio dolosos), podemos atribuir a competência ao tribunal
coletivo, porque o critério quantitativo do art.16º/nº2 (b) vai ser superado pelo critério
qualitativo do art.14º/nº2 (a). O critério qualitativo prevalece sobre um critério quantitativo, e
apesar da pena máxima ser inferior a 5 anos de prisão estamos perante um crime doloso que tem
o elemento do tipo a morte de uma pessoa, e cabe aqui no critério qualitativo do art.14º/nº2 (a).
Será competente um tribunal coletivo.
Quanto à competência territorial, temos de atender ao art.19ºss. O art.19º diz-nos que
é competente o tribunal onde se verificou a consumação, sendo esta a regra geral. No entanto,
no nosso caso, não vamos seguir a regra geral, mas vamos aplicar o nº2- é competente o tribunal
a área onde o agente atuou, ou seja, tratando-se de um crime em que se exige a morte de uma
pessoa, vai ser competente o tribunal onde o agente atuou, ou onde o agente devia ser atuado.
Vamos ter de ver o lugar onde o agente atuou e não o lugar onde a consumação ocorreu. O A
administrou o venero em Águeda, mas só veio a morrer no hospital em Coimbra, há um
distanciamento entre o lugar da consumação e o lugar da morte. Com base neste artigo seria
competente o tribunal coletivo da comarca de Aveiro. O art.19º estabelece outros critérios

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quanto a crimes que se prolonguem no tempo, casos de tentativa em que o crime não chegou a
consumar-se, etc.
Nota: competência por conexão, onde o agente comete vários crimes ou
comparticipação. Para não haver uma série de processos recorre-se a critérios do nº24º onde vai
haver uma apensação de processos. A conexão só opera quando os processos se encontrem na
mesma fase do processo (art.24º/nº2), para evitar que uns processos estejam à espera de outros,
por uma questão de economia processual.

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