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14.02.2023
O que é o Direito Processual Penal?
No DPP vamos estudar o conjunto de normas jurídicas que se ocupam de regular o
modo como se investiga a prática de um crime, como se determina quem foi o seu agente, com
o objetivo de, depois de numa fase mais avançada, aplicar uma determinada sanção criminal
prevista na lei para o tipo de crime que se considera que foi praticado ou com o objetivo de
resolver o conflito jurídico penal de uma forma desviada da tramitação comum (porque nem
sempre o PP culmina numa absolvição ou sanção penal, nem sempre chegamos à fase do
julgamento, por vezes podemos arranjar uma solução numa fase logo a seguir ao inquérito).
Segundo Figueiredo Dias o PP é uma sequência de atos juridicamente pré ordenados e
praticados por certas pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre se foi
praticado um crime e em caso afirmativo à aplicação de uma consequência jurídico-penal e sua
justa aplicação.
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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Portanto, o princípio da estrutura acusatória do processo penal implica que haja uma
diferenciação orgânica e material entre quem faz a investigação e decide, depois, se acusa ou
não e quem depois vai ter de tomar a decisão final do processo. E esta distinção é para garantir a
imparcialidade – se a pessoa que acusa e que julga fosse a mesma, iria estar “contaminada” por
uma ideia pré-concebida da responsabilidade dessa pessoa. Por uma questão de
imparcialidade/objetividade, é importante que quem acusa seja diferente de quem julga. Quem
decide se acusa ou não é o MP (com as exceções dos crimes particulares e limitações nos crimes
semi-públicos) e quem julga é o juiz. São duas entidades diferentes para duas fases diferentes do
processo.
Ora, durante o inquérito, o MP vai realizar ou ordenar a realização de uma série de atos
e diligências em busca da verdade material, ou seja, em busca de entender quem é que realizou
o crime. Para isso, ele vai ser coadjuvado pelos órgãos de polícia criminal. E a definição de
órgãos de polícia criminal está no artigo 1º, c) CPP. Este artigo dá-nos algumas definições
importantes com as quais vamos trabalhar – há uma série de ocasiões em que vamos ter de
recorrer ao artigo 1º CPP. Vão atuar estes órgãos na sua dependência funcional e auxiliar o MP e
vão, enfim, realizar atos que o MP vai delegar neles (e vão sempre realizá-los de acordo com as
direções que o MP lhes der), sendo que isto resulta do artigo 263º/2 CPP.
Finda esta investigação, o MP tem de tomar uma decisão, decidir se acusa com o
objetivo de levar o arguido a julgamento (art. 283º CPP) ou se vai arquivar o inquérito. Só vai
acusar se recolher indícios de que houve a prática do crime, de quem foi o seu agente e se
estiverem reunidas as condições legais para o fazer.
Pode acontecer, contudo, que não consiga recolher indícios da prática do crime – até
pode chegar à conclusão de que não houve crime nenhum. Pode não ter conseguido ter
recolhido indícios que consigam levar à conclusão de quem é que realizou o crime. Pode
também ter recolhido indícios que indicam que não foi aquela pessoa que realizou o crime.
O inquérito é arquivado nos casos do 277º CPP. Mediante a falta de indícios ou de
indícios que aquela pessoa que foi objeto da investigação não praticou o crime, ele tem de
arquivar porque não faria sentido submeter aquela pessoa a julgamento.
Pode acontecer o MP recolher indícios da prática do crime e de quem foi o seu agente e
mesmo assim decida não acusar e recorrer a certos institutos ou formas de resolução do conflito
penal que constituem verdadeiros desvios da tramitação comum (expressões do princípio da
oportunidade). Que institutos são estes? O arquivamento em caso de dispensa de pena (art. 280º
CPP) e a suspensão provisória do processo (art. 281º CPP). Mediante esta decisão se acusa ou
não, se arquiva ou recorre a algum destes institutos chegamos à fase final do processo.
A seguir ao inquérito podemos ter a fase de instrução que é uma fase facultativa porque
tem de ser requerida (art. 286º ss. CPP). O arguido poderá requerer a abertura de instrução ou no
caso de arquivamento também o assistente pode requerer a abertura de instrução. Esta fase de
instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o
inquérito. É uma fase em que já não é o MP que vai dirigir, é um juiz de instrução criminal e é
uma fase em que se vai apreciar a decisão do MP de arquivar ou acusar. Trata-se de permitir que
haja uma outra autoridade a verificar se a decisão tem um bom fundamento no que toca aos
indícios recolhidos na fase de inquérito.
O juiz vai elaborar vários atos para chegar à verdade material e depois vai haver um
debate oral e contraditório após o qual o juiz de instrução criminal vai tomar uma decisão que
pode ser um despacho de pronuncia ou um despacho de não pronuncia (art. 307 e 308º CPP).
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478
Claro que estes despachos são recorríveis – mas nem sempre (caso das duas instâncias a dizer o
mesmo)!
A seguir vamos ter um julgamento, saímos das partes preliminares do processo. É uma
fase dirigida por um juiz que vai levar a uma de duas saídas, ou o arguido é condenado e é-lhe
aplicada uma pena ou ele é absolvido. A fase de julgamento está no 311º ss. Do CPP. De
qualquer uma destas decisões pode ser interposto recurso (art. 399º ss. CPP).
Finalmente, no caso de termos uma condenação que tramite em julgado vai existir a
execução da pena, fase de execução das decisões (art. 467º ss. Do CPP) e também no Código de
execução de penas e medidas de segurança privativas de liberdade (Lei nº 115/2009 de 12 de
outubro).
O DPP é instrumental relativamente ao dto penal substantivo, mas não deixa de ser um ramo
de dto autónomo que tem as suas caraterísticas, uma malha principiológica própria, tem
finalidades próprias. Quais são essas finalidades? 4 finalidades:
1- Proteção dos dtos fundamentais de todos os que intervêm no processo, mas em especial
do arguido que tem uma posição mais frágil
2- Procura da verdade material e realização da justiça
3- Restabelecimento da paz jurídica (das relações afetadas pelo crime) e se possível da paz
social
4- Obter a concordância pratica entre estas finalidades porque muitas vezes elas podem
colidir umas com as outras não sendo de fácil harmonização e portanto, o legislador
deve construir/alterar o processo penal tendo em conta o equilíbrio entre estas
finalidades com o objetivo de maximizar os ganhos e minimizar os custos funcionais.
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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nova lei será por força do principio tempus regit actum (aplicabilidade imediata) imediatamente
aplicada aos atos que se seguirem nesse processo.
Porquê esta regra? Por uma questão de consideração do interesse público que domina
todo o processo e que pressupõe que a nova lei é aquela que melhor corresponde aos interesses
que se pretendem obter através do processo. Ou seja, entende-se que se o legislador criou uma
nova lei para substituir o antigo regime é porque, em princípio, essa nova lei será melhor. E até
porque estas normas por serem meramente processuais não vão afetar da mesma maneira a
esfera do arguido como afetaria uma norma substantiva, não sendo necessária tanta cautela. Ac.
4/2009 – a natureza pública e instrumental do PP justifica a aplicação imediata da nova lei.
Exceções: a aplicação imediata da nova lei não pode pôr em causa a validade dos atos
praticados na vigência da lei anterior (art. 5º/1 última parte) – princípio de respeito pelo anterior
processado. Vamos tentar conservar o máximo possível aquilo que ocorreu no processo até a
entrada em vigor da nova lei. Porquê? Por uma questão de economia processual, porque iria
levar a uma grande perca de tempo e o processo não seria célere como a CRP impõe (art. 32º/2
CRP). A nova lei não deve gerar invalidade dos atos já praticados que devem poder ser
aproveitados. Depois no nº2 do art. 5º temos mais duas limitações:
a) a lei processual penal não se vai aplicar aos processos anteriores se da sua aplicabilidade
imediata resultar um agravamento sensível e evitável da situação processual do arguido
nomeadamente uma limitação dos seus dtos de defesa. Visa tutelar a esfera do arguido e as suas
legitimas expectativas. O que é um agravamento sensível e evitável? A lei não nos diz como o
interpretar, o evitável entende-se que o agravamento deve ser possível de travar, mas sensível.. o
que é o agravamento sensível? É o julgador/juiz que vai ter de casuisticamente apreciar esta
ideia de sensibilidade do agravamento, a avaliação é feita no seu prudente juízo. Mas a doutrina
e jurisprudência têm ajudado a esclarecer este termo: um agravamento sensível é um
“agravamento palpável, significativo, importante, com repercussão na esfera jurídica do
arguido”, portanto, o que o julgador tem de fazer é verificar se aplicação da nova lei pode levar
ao enfraquecimento da esfera processual do arguido, nomeadamente verificando se limita os
seus dtos de defesa consagrados.
b) quando levar a uma quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo. Os atos
podem demorar imenso tempo – dias até meses – e, se fôssemos aplicar imediatamente a nova
Lei, levaria a perdas de tempo e à necessidade de se repetirem atos, o que não é bom para a
economia processual e a celeridade do processo.
Então no caso em questão, o processo já está a decorrer e aparece uma norma que vem permitir
novos meios de obtenção de prova será que podemos aplicar essa norma imediatamente ou
estaremos perante alguma das limitações? AC 24 fev 2010 – TRC. Entendeu-se que a aplicação
imediata da nova lei poderia constituir uma afetação ou prejuízo para a situação processual do
arguido. aquilo que o tribunal concluiu nesta ocasião, ao permitir estes novos meios de obtenção
de prova, aquilo que poderia gerar-se era uma dificuldade acrescida de defesa para o arguido.
Cairíamos aqui naquela limitação do agravamento sensível e evitável porque realmente
enfraquecia a posição do arguido – a verdade é que estas novas provas que eram admitidas
através dos meios permitidos pela nova Lei podia fazer com que a sua defesa ficasse mais
limitada (ou mais difícil). Ele teria de lidar com provas que eram desfavoráveis e para as quais
não estava preparado para ter de se defender.
Concluindo, teríamos aqui a aplicação de uma limitação ao princ. Tempus regit actum,
ou seja, ao princípio da aplicação imediata da nova lei processual.
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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NOTA: O legislador fez esta nova Lei para prosseguir a verdade material – quanto maior for o
leque de provas, mais fácil é a descoberta da verdade material. Temos a finalidade de proteção
dos DFs e de realização da justiça. É isto que é a compatibilização das várias finalidades.
Caso Prático II
Princípios (ver o ppt)
No caso vamos ter de recorrer ao princípio da oficialidade (art. 48º CPP e 219º CRP).
Que diz que o MP tem legitimidade para promover o processo penal com as restrições
constantes do art. 49º a 52º CPP. Atribui a uma entidade publica, estadual a legitimidade para
dar início ao processo, porque o nosso processo tem um princípio de base que é do monopólio
estadual. O que acontece é que o MP vai ser o titular da ação penal é ele que vai ser competente
para receber denuncias, participações, queixas, etc. e a apreciar o seguimento que deve dar a
essas mesmas queixas… adquirida a denuncia (art. 262º CPP) o MP terá à partida legitimidade
para iniciar uma investigação com o sentido de apurar os factos e decidir se acusa ou não. E é
isso que acontece quando estamos a lidar com crimes de natureza pública, dão oportunidade de
o MP iniciar o inquérito mediante apenas a aquisição da notícia do crime.
28.02.2023
Princípios estruturantes do Direito Penal (continuação)
Ficha de trabalho nº1
I.
No dia 3 de março de 2020, por volta das 06h20, A abandona o estabelecimento noturno
“BragaDance”, sito no centro de Braga, e introduz-se na sua viatura com o intuito de regressar a
casa depois de uma longa noite de divertimento. Dois minutos após ter iniciado o percurso, A
atropela B, que fazia o seu habitual passeio matinal pela cidade, provocando-lhe apenas leves
escoriações. C, que assistiu ao atropelamento da varanda de casa, aproximou-se do local e
começou a dirigir palavras altamente injuriosas a A. Submetido a teste apropriado, A revelou
uma taxa de álcool no sangue de 1,3 g/l.
a) Indique a quem compete a promoção processual, justificando doutrinal e
legalmente.
Resolução:
A quem compete dar início ao processo penal? Temos de trazer à coação o princípio da
oficialidade, sendo que este vai-nos dizer quem tem legitimidade para iniciar o processo no
sentido de iniciar uma investigação sobre a prática de uma infração, e submeter a causa a
julgamento. Este encontra-se plasmado na CRP no art.219º e também no art.48º CP. O princípio
da oficialidade atribui ao MP legitimidade para dar início ao processo penal, entidade pública.
Este é o titular da ação penal. Esta atribuição de competência deriva do faco de estarmos num
ordenamento jurídico em que o Estado tem o monopólio da jurisdição e, por isso, faz sentido
atribuir esta competência a uma entidade estadual.
No art.53º/nº2 (a) CPP diz-nos que compete ao MP receber as queixas, participações e
apreciar o seguimento a dar-lhes. Quando o MP adquire a notícia de um crime (art.241ºCPP), à
partida irá abrir um inquérito, o próprio art.262º/nº2 CPP diz-nos que a aquisição da noticia de
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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um crime dá lugar à abertura de inquérito, para começar a investigar os factos, para averiguar se
houve a prática do crime e nesse caso quem foi o seu agente.
O nosso processo penal tem uma estrutura acusatória (art.35º/nº2 CRP), mas não é pura,
pois é mitigada por um princípio de investigação. A entidade que julga é diferente da que
investiga e acusa (MP). Iniciado o inquérito o MP vai legar a cabo um conjunto de diligências,
no sentido de apurar se há ou não indícios da existência de crime. O MP não está sozinho no
inquérito, desde logo o MP vai ser auxiliado pelos órgãos de polícia criminal (art.55º/nº1 e
263º/nº1CPP), na sua dependência funcional e de acordo com a sua direta orientação (art.56º
CPP e do art.263º CPP). Durante o inquérito há certos atos que o MP pode delegar a estes
órgãos (art.270º CPP), mas há outros que só ele é que pode executar. Apesar de ser o MP que
dirige o inquérito, também podemos contar com a intervenção de um juiz- juiz de instrução
criminal. Este quando for chamado ao inquérito não vai atuar como um investigador, pois quem
investiga é o MP e os órgãos policiais, há certos atos que por contenderem com direitos
fundamentais apenas podem ser ordenados por um juiz.
Voltando ao princípio da oficialidade, o próprio art.48º CPP diz que existem restrições a
este princípio, ou melhor, tem uma limitação e uma exceção. A limitação diz respeito aos crimes
de natureza semi-pública (art.49º CPP) e a exceção diz respeito aos crimes de natureza
particular (art.50º CPP).
Temos de detetar os crimes em causa no caso e temos de verificar se estamos perante
crimes públicos, semi-públicos ou particulares. Se o procedimento penal depender de queixa é
crime semi-público; se depender de acusação particular é crime particular; se nada disser é um
crime público.
No nosso caso, temos 3 crimes: crime de condução em estado de embriaguez
(art.282ºCP) que é crime público; crime de ofensas à integridade física negligente (art.148º CP),
que nos diz no nº5 que o procedimento depende de queixa, por isso, é um crime semi-público;
crime de injúria que está previsto no art.141º CP, sendo que no art.148º CP refere que o
procedimento depende de acusação particular, ou seja, é um crime particular.
1. Crime em condução sobre o estado de embriaguez- crime público: o princípio da
oficialidade funciona plenamente, sem limitações. Basta o MP adquirir notícia do
crime, seja por conhecimento próprio, seja por denúncia facultativa ou obrigatória,
seja por auto de notícia, ele pode logo promover o processo, abrir inquérito.
2. Crime de ofensas à integridade física- crime semi-público. O procedimento
criminal depende de queixa. Temos de olhar para o art.49ºCPP, ou seja, a queixa é
um elemento ou condição de prosseguidade, sem ela o MP não pode promover a
ação penal. O que é a queixa e como se distingue da denuncia? A denuncia é uma
mera declaração de ciência, consiste numa transmissão de ciência, eventualmente
relevantes, à entidade com competência. A queixa é uma declaração de ciência
associada a uma declaração de vontade, ou seja, não basta uma transmissão dos
factos a quem tenha competência, também tem de existir manifestação de vontade
do titular do direito de queixa, dirigida a que haja uma perseguição criminal do
agente e do facto por ele provocado. Tem de existir vontade de que haja um
procedimento criminal. Quem tem legitimidade, ou seja, quem é o titular do direito
de queixa? Art.113º CP. O titular do direito de queixa é o ofendido, ou seja, o titular
dos interesses que a lei quis especialmente proteger, ou seja, o titular do bem
jurídico protegido pela norma. Este artigo dá-nos várias hipóteses. O titular tem de
ter 16 anos, caso ainda não tenha têm de ser os seus representantes legais. No nosso
caso, a pessoa ofendida tinha legitimidade para fazer queixa. E qual o prazo? O
direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses (art.115º). O art.49ºCPP diz-nos
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II
Clotilde (82 anos, viúva) vivia sozinha em Oriz, Vila Verde, desde que a sua única filha,
Bernardete, foi viver para Lisboa, em busca de uma oportunidade de emprego. No dia
12.01.2022, Mónica, vizinha de Clotilde, conhecendo as condições em que esta vivia e sabendo
que se tratava de uma senhora muito caridosa, foi visitá-la com o intuito de lhe pedir uma
contribuição de 300€ para uma campanha de recolha de fundos destinados a ajudar o sobrinho
de 11 anos a obter tratamento no estrangeiro para uma doença rara.
Passados dois dias, enquanto conversava com Fernanda, que faz limpezas na casa de
Mónica, Clotilde descobre que Mónica não tem sobrinhos e apercebe-se de que foi enganada.
Algumas horas depois, sem que tivesse tido oportunidade de exercer o seu direito de queixa,
Clotilde sofre um enfarte e morre. Fernanda decide denunciar a conduta de Mónica às
autoridades e, nessa sequência, o Ministério Público promove a ação penal por suspeita da
prática de um crime de burla p.e.p. pelo art. 217.º do CP.
a) Quid iuris?
Resolução:
Temos de perceber a natureza do crime em questão. Esta aqui em causa um crime de
burla previsto no art. 217º CP, o nº3 diz que o procedimento criminal depende de queixa, logo
este crime é semipúblico. Logo temos uma limitação ao princípio da oficialidade do art. 48º
CPP e 219º CRP, assim, o MP só teria legitimidade para o procedimento criminal após
apresentação de queixa por parte de quem tem legitimidade.
C tem legitimidade? Sim, art. 113º CP, C é o ofendido, logo a pessoa que a lei quer
proteger com a incriminação. Portanto, C tem legitimidade, nos termos do art. 113º do CP para
apresentar a queixa e só depois o MP poderia iniciar o procedimento criminal. No nosso caso C
não chegou a conseguir exercer o dto de queixa, embora quisesse, porque morreu.
Como é que estes factos podiam chegar aos ouvidos do MP? No caso foi por intermédio
de F que viu o que aconteceu e por isso decidiu denunciar. O MP pode adquirir noticia do crime
através dos meios do art. 241º CPP, F é uma cidadã comum e, portanto, não cabe no âmbito da
denuncia obrigatória do 242º CPP, também não é um órgão de polícia criminal.
Poderia apresentar denuncia facultativa? Art. 244º CPP e diz que qualquer pessoa que
tiver notícia de um crime pode denunciá-la salvo se o procedimento respetivo depender de
queixa ou acusação particular. Ou seja, todos temos faculdade de denunciar um crime desde que
não sejam crimes semipúblicos ou particulares. Ou seja, nestes casos podemos sim denunciar,
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mas a nossa denuncia não terá quaisquer efeitos. Porque no caso de crime semipúblico é exigida
queixa e no caso de crime particular é exigida queixa e acusação particular. Assim, a denuncia
de F não daria lugar à abertura de inquérito era preciso alguém com legitimidade apresentar
queixa.
Ora C morreu, no caso da morte do ofendido haverá alguém que possa adquirir, ex
novo, o dto de queixa? Art. 113/2 CP – o dto de queixa pertence (ver artigo). C vivia sozinha,
não tinha cônjuge, nem vivia em União de Facto, no entanto, a filha (B) como descendente
caberia no art. 113º/2 b) do CP, logo B poderia apresentar queixa deste crime no prazo elencado
no art. 115º CPP (6 meses não a contar do momento do conhecimento do facto, mas sim a partir
da morte do ofendido, ou seja, da morte de C). Mediante a apresentação desta queixa o MP
poderia iniciar a investigação para saber se houve crime, quem foi o seu agente e decidir se
submete ou não a causa a julgamento.
A denuncia de F não surtiria qualquer efeito jurídico, porque estávamos perante um
crime semi-público.
Hipótese 1: C não tinha apenas a B viva, mas tinha também uma irmã, a C. E a B sabia que a
mãe era boa pessoa e acreditava que a mãe não iria apresentar queixa contra M, mas a C
acreditava que a sua irmã o iria fazer se estivesse viva. Será que C poderia apresentar queixa,
sendo que B não o queria fazer?
Não. O art.113º estabelece uma ordem ordenada, porque nos diz que se o ofendido
morrer o direito de queixa pertence em 1º lugar ao cônjuge ofendido, aos descendentes, etc., e
na sua falta aos irmãos e aos descendentes. Ou seja as pessoas indicadas na al.a têm prioridade
relativamente às pessoas indicadas na al .b. Assim, só na falta das pessoas elencadas na al. a é
que as da al. b podem apresentar queixa. Portanto, a C apenas poderia apresentar queixa se fosse
a única familiar restante a C, ou seja, se B não existisse.
Hipótese 2: A burla ocorreu no dia 12.01.2022 e C faleceu passados 2 dias (14.02.2022), ou
seja, a partir da morte da mãe a B teria 6 meses para apresentar queixa (art.115º/nº1).
Imaginando que B decidia não apresentar queixa contra M, mas que no dia 20.09.2022 descobre
que M não tinha agido sozinha, ou seja, tinha sido instigada por E, antiga colega de emprego da
mãe sendo que estas se davam muito mal. Este conhecimento por parte de E só surgiu
posteriormente, será que B podia decidir apresentar queixa contra E? Não, porque a queixa é
indivisível, há uma regra de indivisibilidade da queixa (art.115º/nº3). O facto de não ter havido
um exercício do direito de queixa tempestivo relativo a M, aproveita a E, ou seja, a B estaria em
relação de intempestividade em relação a E. A indivisibilidade da queixa se verifica quanto à
sua desistência. Quando o titular do direito de queixa desistir da queixa quanto a um dos
participantes do crime, essa desistência aproveita aos restantes participantes, salvo se estes se
opuserem à desistência. No caso de haver mais do que um autor do crime, estamos perante
comparticipação, caso o titular do direito de queixa quiser retirar a queixa relativamente a um
dos participantes, vai aproveitar a todos, caso todos concordem. Se um deles não quiser aceitar a
desistência o processo seguirá contra essa pessoa e encerra em relação aos que aceitaram a
desistência (art.116º/nº3).
07.03.2023
b) Assuma que Bernardete apresentou queixa e que o MP iniciou procedimento criminal
contra Mónica. No final do inquérito, tendo recolhido indícios suficientes da prática do
crime e de que Mónica foi a autora, o MP determinou a suspensão provisória do
processo, por um período de 6 meses, impondo a Mónica a entrega de 400€ a uma
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O nº8 diz respeito a casos de crime de violência doméstica a não agravado pelo
resultado e quanto a estes o MP mediante (…) com a concordância do juiz de
instrução e do arguido, desde que se cumpram os requisitos da al. c do nº1. Este
nº8 foi uma inovação importante na sequência deste crime se tornar num crime
público.
O nº9 diz respeito a processos por crime (…)
O nº10 diz respeito a processos de furto de valor diminuto e quando ocorra em
(…). Foi pensado para aqueles furtos que ocorrem na Primark, pois não há
vigilância e correm com frequência.
A suspensão provisória do processo, em regra, pode ir até 3 anos, mas nos casos do nº8
e 9, pode ir até 5 anos. Durante esse período o agente tem de cumprir as regras de conduta e
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injunções que lhe foram impostas, sendo que o MP terá de vigiar se ele está ou não a cumpri-las.
Para isso o MP pode recorrer aos órgãos de polícia e a entidades administrativas. Se durante o
prazo de suspensão o arguido respeitar isto no final desse prazo o MP vai arquivar o processo,
sendo que depois não pode ser reaberto, ou seja, o procedimento criminal vai extinguir-se. Se o
arguido não cumprir ou se durante esse prazo cometer crime da mesma natureza pelo qual venha
a ser condenado então a suspensão vai cessar e o MP terá de acusar.
No nosso caso, estariam cumpridas as condições de suspensão provisória do processo,
sendo que teria de se verificar uma concordância da arguida, do assistente e do juiz de instrução
criminal. Esta foi determinada pelo período de 6 meses, sendo possível e impos a M numa
injunção de entrega de 400€ a uma instituição, sendo uma injunção possível e adequada ao caso.
III.
Foi apresentada denúncia contra a empresa Y por, no exercício da sua atividade,
libertar para a atmosfera, diversas vezes por semana, fumos e odores intensos, asfixiantes e
tóxicos, que prejudicariam a saúde das pessoas residentes nas imediações. Estes factos
poderiam configurar a prática de um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo art.
280.º do Código Penal.
No inquérito apurou-se que, desde que a empresa Y tomou conhecimento de que
infringia a legislação em vigor, os seus responsáveis solicitaram diversos estudos e análises e
tomaram, no mais curto período possível, as medidas indicadas como sendo as mais adequadas
para evitar essa situação. Apurou-se também que a empresa Y logrou reduzir os valores para
níveis inferiores ao limite imposto pela lei para aquele tipo de situações e que a empresa não
seria a única responsável pela emissão dos gases tóxicos.
O Ministério Público considerou que se encontravam preenchidos os pressupostos de
que depende a dispensa de pena. Tal proposta mereceu despacho de concordância do Juiz de
Instrução Criminal, tendo o inquérito sido arquivado.
Quid iuris?
Resolução:
A questão do arquivamento está regulada no art.280º que deve ser lido em conjunto com
o art.74ºCP. O art.280º tem requisitos mais formais e o art.74ºCP apresenta requisitos mais
materiais.
Os casos em que se permite dispensa de pena são casos em que não se justifica aplicar
uma sanção criminal, pois a culpa do agente é diminuta.
O 1º requisito é de que o crime seja punível com uma pena de prisão não superior a 6
meses ou com multa não superior a 120 dias, ou seja, estas situações aplicam-se a casos de
crimes bagatelar em que estão em causa bens jurídicos que têm dignidade penal, mas que são
menos relevantes para a nossa sociedade. Há crimes que têm penas de prisão superiores a 6
meses e pena de multa superior a 120 dias em relação aos quais que existe uma norma que
admite a possibilidade de dispensa de pena, que é o caso do nosso caso prático.
A pena prevista para este crime é de 1 a 8 anos, ou até 6 anos (art.280ºCP), ou seja,
estes limites máximos à partida não permitiam a dispensa de pena. Mas, o art.286º diz-nos que
para este crime de perigo comum pode ter lugar a dispensa de pena se o agente remover
voluntariamente o perigo antes de se verificar dano substancial ou considerável, ou seja, neste
artigo da a possibilidade de haver dispensa de pena, apesar de a pena prevista para este crime
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ser superior a 6 meses. Daqui resulta o 1º requisito material para o nosso caso que é o de o
agente remover voluntariamente o perigo antes de se verificar um dano substancial.
Para alem deste requisito, olhando para o art.74º/nº3 CP têm também de estar
preenchidos os requisitos da al. a, al. b e al. c do art.74º/nº1, ou seja, para que haja arquivamento
em caso de dispensa de pena:
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exigências preventivas que se fazem sentir no caso. Ou poderá ser remetido o processo para
mediação por meio de requerimento do ofendido e do arguido, sem que estes dois podem em
qualquer momento revogar o seu consentimento para participar na mediação. Seja em que
situação for a verdade é que este recurso está bastante limitado. Só pode ter lugar em processos
por crime dependente de queixa, e neste caso apenas quando se trate de crime contra pessoas ou
património ou, no caso de crimes cujo procedimento depende de acusação particular. Portanto,
ficam excluídos os crimes de natureza pública. Independentemente da natureza do crime, a
mediação não pode ter lugar caso a pena de prisão prevista seja superior a 5 anos, caso se trate
de crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual, crime de peculato ou tráfico de
influências, caso o ofendido seja menos de 5 anos e ainda nas situações em que seja aplicável
processo sumário ou sumaríssimo. O processo visa que os sujeitos cheguem a um acordo, sendo
que são eles que determinam o conteúdo do acordo, com restrições. Deste acordo não pode
resultar a imposição de sanções privativas de liberdade ou de quaisquer deveres que ofendam a
liberdade do arguido ou cujo cumprimento se prolongue por mais de 6 meses.
17.03.2023
Princípio da acusação
Neste vamos ter de aplicar o princípio da acusação, sendo que este delimita o fim do
processo. Este princípio está associado ao art.32º/nº5 CRP- determina que o nosso processo tem
uma estrutura acusatória e dirige essa estrutura como uma garantia do processo. No nosso
processo distingue-se a entidade que investiga e acusa (MP) e a entidade que julga (Juiz). Nos
casos dos crimes particulares não será o MP a deduzir acusação, mas o assistente (art.285º).
Quem vai julgar é o Tribunal com competência para tal. Esta estrutura é uma garantia da
imparcialidade da independência e objetividade do processo, porque permite que o juízo que é
feito na fase do julgamento, seja um juízo despido de preconceito, que seriam difíceis de afastar
se a pessoa que investigasse e acusasse fosse a mesma daquela que julgasse. Estes indícios são
suficientes quando haja uma probabilidade de ser condenado na fase do julgamento. Esta
estrutura determina também que a fase de instrução é dirigida por um juiz de instrução que é
diferente do juiz de julgamento e se um determinado juiz presidir ao debate instrutório não
poderá participar no julgamento (art.40º (b) CPP).
No entanto, a estrutura acusatória não é pura, porque vai ser mitigada pelo princípio de
investigação que vai ser levada a cabo pelo juiz. Apesar do juiz não ser por excelência a
entidade de investigação (MP), este tem um poder-dever de investigação autónoma dos factos,
sendo um juiz ativo, no sentido em que deve procurar oficiosamente esclarecer-se sobre os
factos que lhe chegam à fase de julgamento ou instrução. Com esse objetivo, o juiz vai poder
ordenar a produção de novos meios de prova, com o objetivo de aproximar-se e obter a verdade
material dos factos, sendo este um dos objetivos do processo penal. O art.340º estabelece que o
juiz de julgamento poderá ordenar a produção de vários meios de prova, para obter uma boa
decisão da causa e a verdade material. Neste trabalho investigativo o juiz vai estar sempre
limitado e circunscrito ao objeto do processo, ou seja, circunscrito aos factos que constam na
acusação, embora que não seja só a acusação que fixa o objeto do processo. A acusação vai
definir e fixar o objeto do processo e, por sua vez, o objeto do processo vai delimitar os poderes
de cognição do Tribunal e a extinção do caso julgado (Figueiredo Dias). Portanto, só os factos
que constam na acusação é que vão poder ser conhecidos ou apreciados pelo Tribunal. Nesse
sentido, falamos de um princípio de vinculação temática, ele vai estar vinculado a um objeto
anteriormente fixado. O juiz vai ter sempre de respeitar os factos de acuação e é sobre eles que o
Tribunal vai decidir e conhecer. Mas não é só a acusação que vai fixar o objeto do processo. O
juiz de julgamento vai estar vinculado ao objeto de processo que é fixado na acusação ou no
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
Catarina Serra| A91478
despacho de pronúncia no caso de ter havido fase de instrução. Concluindo neste sentido, se o
MP ou o assistente decidirem acusar por determinados factos, é relativamente a estes que o juiz
vai atender e decidir.
Estes princípios (acusação e vinculação temática) estão associados a outros princípios:
identidade, unidade e consunção. O princípio da identidade diz-nos que o objeto do processo
deve manter-se o mesmo desde o momento em que é fixado e até ao transito em julgado da
decisão, ou seja, a identidade deve-se manter a mesma. O princípio da unidade é um princípio
de acordo com o qual o objeto do processo deve ser conhecido e julgado na sua totalidade, não
podendo ser dividido nem fracionado, o juiz não pode escolher atender a determinados factos e
não atender a outros, tem de atender a todos. O princípio da consunção diz-nos que, mesmo que
o objeto do processo não tenha sido conhecido e julgado na sua totalidade este deve considerar-
se irrepetivelmente decidido e, portanto, se um facto que faz parte do objeto do processo não
teve uma decisão a incidir sobre ele vamos considerar à mesma que ele foi considerado e
analisado. Ora, só atendendo a todos estes princípios, aquilo que se vai obter é a imparcialidade
e objetividade do processo e ao mesmo tempo garante-se a defesa do arguido, porque este tem
de saber os factos que se são imputados e não deve ser surpreendido com factos que não estava
a contar.
A questão que se coloca é a de saber qual é tratamento que se deve dar a um novo facto
que surja durante a fase de instrução ou julgamento, que não constava no objeto do processo.
No caso, o E estava acusado da prática de um crime de violação, mas durante a fase de instrução
surgiu um novo facto que não constava da acusação que foi deduzida. Que tratamento se pode
dar a estes factos? Não estava dentro do objeto do processo que foi limitado previamente.
Quando temos um novo facto, para sabermos que destino lhe dar, em 1º lugar devemos verificar
em que fase processual surgiu esse facto. No nosso caso, surgiu durante a instrução e, por isso,
temos de atender ao art.303º (se fosse na fase de julgamento temos de ir ao art.358º e 359º).
Depois temos de tentar perceber se esse facto comporta uma alteração substancial dos factos
que compõem o objeto do processo ou não. O que é isto de alteração substancial dos factos? A
definição é nos dada pelo CPP no art.1º (f) que nos diz que uma alteração substancial dos factos
é “aquela que tiver por efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos
limites máximos das sanções aplicáveis”. À contrário, uma alteração não substancial dos factos
é aquela que, embora represente uma novidade e altere o objeto do processo, não implica
imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções
aplicáveis. No nosso caso, aquilo que se verificou estava imputado ao E um crime de violação e
veio-se a descobrir que dessa violação veio a surgir uma gravidez. A gravidez, na sequência da
violação, gera uma alteração substancial dos factos? Sim, uma agravação (art.164º/nº1 (a) e
177º/nº5 CP), efetivamente temos aqui uma agravação do limite máximo da sanção aplicável ao
crime de violação, ou seja, este facto novo acarreta uma alteração substancial dos factos (art.1º
(f)). Temos de tentar perceber que tratamento vamos dar a este facto novo.
Olhando para o art.303º que regula a alteração substancial dos factos, temos de fazer a
distinção entre alteração substancial e não substancial. Já sabemos que no nosso caso, o nosso
facto vai caber na alteração substancial dos factos. No entanto, vamos analisar em termos
teóricos o regime da alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou no
requerimento de abertura de instrução, olhando para o nº1 e 2 do art.303º. Este diz-nos que se
dos atos resultar alteração não substancial dos factos o juiz de instrução criminal, vai comunicar
a alteração ao defensor, interrogar o arguido e conceder, a requerimento, um prazo para o
arguido preparar a sua defesa, sendo que o prazo não deve ser superior a 8 dias (ex. estamos
numa situação em que houve um furto de um relógio no valor de 100 euros da marca cásio e
durante a instrução verificou-se que a marca do relógio era diferente, ou seja, este novo facto
não acarreta uma alteração substancial dos factos e não altera a sanção prevista e não imputa ao
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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arguido um crime diverso). Os factos que geram uma alteração não substancial vão ser tidos em
conta, ou seja, vão fazer parte da decisão do juiz de instrução criminal. Quanto à alteração
substancial dos factos, que está presente no nosso caso, o facto não vai puder ser tido em conta
pelo Tribunal para efeito de pronuncia nem implica extinção da instância, sendo que se o juiz de
instrução se pronunciar o arguido por factos que constituem uma alteração substancial dos
factos descritos na acusação, esta será nula, nos termos do art.309º/nº1 (nº3 do art.303º), porque
ele não pode ter em conta estes factos que geram uma alteração substancial. Se o juiz não pode
ter em conta este facto novo, o que vai acontecer a esse facto? No nosso caso, isso significa que
o juiz não vai poder ter em conta pelo Tribunal para efeito de pronúncia. Se o juiz não pode ter
em conta este facto novo, o que vai acontecer a esse facto? Para isso, temos de olhar para o nº4
que nos quando temos um novo facto, temos de tentar perceber se o facto é autonomizável ou
não. Quando for autonomizável ao objeto do processo o juiz deve comunicá-lo ao MP e essa
comunicação vai valer como denúncia no sentido em que o MP, caso estejam reunidas as
condições legais, vai poder proceder sobre esse facto. O facto é autonomizável quando puder ser
separado dos factos que fazem parte do objeto do processo e quando for suscetível, por si só,
fundamentar uma incriminação autónoma, dar início a um outro processo penal e abrir novo
inquérito. Por outro lado, se o facto for não autonomizável, ele não vai ser tido em conta pelo
Tribunal nem vai dar abertura a um novo processo penal. No nosso caso, a gravidez não é um
facto autonomizável, não tendo sozinho relevância penal, pois ninguém pode ser acusado de
uma gravidez e, por isso, vai ter de ser ignorada pelo Tribunal e não vai dar lugar a uma
denúncia ao MP.
Questão II
A questão é essencialmente a mesma na questão anterior, mas aqui o novo facto surge
na fase de julgamento, por via da inquirição de uma testemunha. Portanto, temos de perguntar se
este novo facto gera uma alteração substancial dos factos descritos na acusação ou na pronúncia
ou se gera uma alteração não substancial.
Art.131º CP – homicídio simples com pena de 2-8 anos de prisão. Art.132º/nº2 (g) CP –
homicídio qualificado. Este novo facto gera uma qualificação, gera a imputação de um crime
diferente. Como tratamos, na fase de julgamento, as alterações substanciais e não substanciais
do facto. Quanto à alteração não substancial dos factos (art.) o presidente do Tribunal vai
comunicar o novo facto ao arguido e conceder-lhe mais tempo para a defesa, salvo nos casos em
que foi sustida para a defesa e o facto novo tem de ser relevante. Nota sobre o tempo da
preparação da defesa: aqui o prazo corresponde ao tempo necessário para preparação a defesa,
tendo em conta a natureza e complexidade do caso. O que nos interessa então é a alteração
substancial dos factos, pois no caso o novo facto gera uma alteração substancial dos factos. Nos
termos do art.359º a alteração substancial não vai puder ser tomada em conta pelo Tribunal para
efeitos da condenação e, mais uma vez, se o Tribunal tomar em conta este novo facto então a
sua sentença/ decisão vai padecer de nulidade. Regra geral, o facto não vai poder ser tido em
conta se gerar uma alteração substancial. Mas existe uma exceção, para os casos em que há um
acordo entre o MP, o arguido e o assistente. Se estes estiverem de acordo com a continuação do
julgamento por estes novos factos, nem declararem a incompetência do Tribunal, o Tribunal vai
poder tê-los em conta (nº3 e 4 art.359º).
No nosso caso, sabemos que o homicídio foi para encobrir uma violação e que é uma
alteração substancial dos factos, este facto, à partida não vai poder ser tido em conta pelo
Tribunal na condenação, apenas vai poder condená-lo pelo crime de homicídio simples. No
entanto, se o MP, o arguido e o assistente, acordarem em aceitar o novo facto e na continuação
do julgamento pelo facto novo. Sendo que nessa situação aquilo que o juiz tem de fazer é dar ao
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arguido, a requerimento deste, um prazo para preparar a sua defesa, prazo esse que não deve ser
superior a 10 dias, nos termos do art.359º/nº4. Isto, na hipótese de haver acordo.
Caso não haja acordo, o facto não vai ser tomado em consideração e, mais uma vez,
colocamos a questão de qual será o destino deste facto. Temos de ver se este facto é
autonomizável ou não do objeto do processo. Se o facto for autonomizável ao objeto do
processo o juiz deve comunicá-lo ao MP e essa comunicação vai valer como denúncia no
sentido em que o MP, caso estejam reunidas as condições legais, vai poder proceder sobre esse
facto. O facto é autonomizável quando puder ser separado dos factos que fazem parte do objeto
do processo e quando for suscetível, por si só, fundamentar uma incriminação autónoma, dar
início a um outro processo penal e abrir novo inquérito. Por outro lado, se o facto for não
autonomizável, ele não vai ser tido em conta pelo Tribunal nem vai dar abertura a um novo
processo penal.
No nosso caso, a violação previa ao homicídio será um facto autonomizável, no sentido
em que a violação por si só pode dar origem a uma perseguição criminal e, portanto, o juiz de
julgamento deve comunicar o novo facto ao MP como título de denuncia, para que este possa
proceder pelos novos factos.
Concluindo, há a possibilidade de alteração da qualificação jurídica. Aqui não há factos
novos a surgir, os factos que estão em causa são aqueles que já eram conhecidos e formam o
objeto do processo, mas simplesmente vai-se alteração a sua qualificação jurídica. Ex. um
individuo é acusa de homicídio simples com base nos factos adquiridos no inquérito, e não
qualificado, porque o MP acreditou que os factos não foram praticados com perversidade e
censurabilidade. Mas, em fase de julgamento, com base nos mesmos factos, o Tribunal concluiu
que existiu especial censurabilidade, e condenou pela prática de um crime qualificado. Perante
os mesmos factos que conformam o objeto do processo, o MP vai dar-lhes uma qualificação
jurídica, com base naqueles factos é condenado pelo crime w e depois, no julgamento, o Juiz vai
dar-lhes uma roupagem diferente. Esta alteração também vai ter um tratamento jurídico
(art.303º/nº5 na fase de inquérito e art.358º/nº3 na fase de julgamento). Tanto num caso como no
outro o tratamento é muito semelhante ao regime previsto para a alteração não substancial dos
factos. O juiz vai atribuir ao arguido um tempo para preparar a sua defesa.
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Aulas práticas de Direito Processual Penal (1º teste)
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estabelecida no art.13º CPP e este tem uma particularidade que se prende com o facto de só
haver a sua intervenção quando seja requerida, ou seja, mediante um requerimento do MP, do
assistente ou do arguido. Mesmo havendo requerimento, o Tribunal de júri não pode funcionar
sobre todos os crimes, só sobre as matérias elencadas no art.13º, crimes contra a identidade
cultura e segurança do Estado. E crimes cuja pena máxima for superior a 8 anos de prisão. O
requerimento tem um prazo (art.13º/nº3) e este é irretratável, ou seja, uma vez feito não é
suscetível de revogação. Depois temos o tribunal coletivo e este em matéria penal vai julgar os
crimes contra a identidade cultural e segurança do Estado que não forem requeridos julgar pelo
tribunal de júri. Há partida, quem tem competência originário é o tribunal coletivo, mas
mediante requerimento atempado há possibilidade de ser o Tribunal de júri a intervir e não o
tribunal de júri. Ao tribunal coletivo compete julgar também os crimes dolosos ou agravados
pelo resultado morte e cuja pena máxima, abstratamente aplicável, seja superior a 5 anos de
prisão (art. 14º/nº2), mesmo nas situações de concurso de infrações, ou seja, quando temos
crimes com uma pena máxima superior a 5 anos será competente o tribunal coletiva e quando
temos vários crimes que até têm pena inferior a 5 anos, mas no seu conjunto e havendo
concurso de crimes quando há cúmulo jurídico é aplicável uma pena superior a 5 anos. O que
interessa é o resultado do cúmulo e este tem de ser superior a 5 anos. Por ultimo, podemos ter
um tribunal singular a ser competente (art.16º), este vai ter uma competência residual porque vai
cair na sua competência o julgamento de todos os processos que não couberem na competência
dos tribunais coletivos ou dos tribunais de júri. Para além disso, ele tem uma competência mais
específica (art.16º/nº2), ou seja, competindo-lhe julgar os crimes contra a autoridade pública ou
crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 5 anos de prisão. Compete ainda, nos termos
do nº3, julgar os crimes previstos no art.14º/nº2 (b). Isto significa que há situações que temos
um crime punível com pena máxima superior a 5 anos e, por isso, caberia ao tribunal coletivo
julgar, mas, relativamente a esses crimes, o MP vai entender, durante a fase de inquérito, que no
caso em concreto não deve ser aplicável uma pena superior a 5 anos, apesar de na lei estender
que sim. Se houver este entendimento do MP, a competência será do tribunal singular e não do
tribunal coletivo.
No nosso caso, temos de ver em que competência dos tribunais cabe. Temos de olhar
para o tipo incriminador e ver a pena prevista aí – até 3 anos de prisão. Concluímos logo que
será competente um tribunal singular, pois estamos perante um crime em que a pena máxima,
abstratamente, é inferior a 5 anos (art.16º/nº2 (b)). À partida será competente um tribunal
singular. No entanto, temos ainda de olhar para a competência do tribunal coletivo,
nomeadamente para o art.14º/nº2 (a). Sempre que temos um crime o elemento do tipo a morte
de uma pessoa (crimes de homicídio dolosos), podemos atribuir a competência ao tribunal
coletivo, porque o critério quantitativo do art.16º/nº2 (b) vai ser superado pelo critério
qualitativo do art.14º/nº2 (a). O critério qualitativo prevalece sobre um critério quantitativo, e
apesar da pena máxima ser inferior a 5 anos de prisão estamos perante um crime doloso que tem
o elemento do tipo a morte de uma pessoa, e cabe aqui no critério qualitativo do art.14º/nº2 (a).
Será competente um tribunal coletivo.
Quanto à competência territorial, temos de atender ao art.19ºss. O art.19º diz-nos que
é competente o tribunal onde se verificou a consumação, sendo esta a regra geral. No entanto,
no nosso caso, não vamos seguir a regra geral, mas vamos aplicar o nº2- é competente o tribunal
a área onde o agente atuou, ou seja, tratando-se de um crime em que se exige a morte de uma
pessoa, vai ser competente o tribunal onde o agente atuou, ou onde o agente devia ser atuado.
Vamos ter de ver o lugar onde o agente atuou e não o lugar onde a consumação ocorreu. O A
administrou o venero em Águeda, mas só veio a morrer no hospital em Coimbra, há um
distanciamento entre o lugar da consumação e o lugar da morte. Com base neste artigo seria
competente o tribunal coletivo da comarca de Aveiro. O art.19º estabelece outros critérios
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quanto a crimes que se prolonguem no tempo, casos de tentativa em que o crime não chegou a
consumar-se, etc.
Nota: competência por conexão, onde o agente comete vários crimes ou
comparticipação. Para não haver uma série de processos recorre-se a critérios do nº24º onde vai
haver uma apensação de processos. A conexão só opera quando os processos se encontrem na
mesma fase do processo (art.24º/nº2), para evitar que uns processos estejam à espera de outros,
por uma questão de economia processual.
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