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14.02.

2023 – TP

Um crime só é tratado como crime e o seu agente só é sancionado, depois de ser submetido
ao processo penal. Nesse sentido, podemos dizer que o processo penal (direito penal adjetivo)
acaba por ser de alguma forma, instrumental relativamente ao direito penal substantivo
(instrumental na medida em que nós só vamos poder efetivar o direito penal substantivo,
nomeadamente através da aplicação de uma sansão de natureza criminal, se nós passarmos
pelas etapas do processo). Claro está que esta instrumentalidade do processo penal,
relativamente ao direito processual substantivo não significa que o processo penal seja
meramente instrumental. O processo penal é um ramo do direito autónomo, que esta
envolvido por uma malha principiológica própria, ou seja, rege-se por princípios que são seus,
embora tenha alguns em comum com o direito penal substantivo, mas tem também princípios
que são seus e também tem finalidades próprias.

NOTA: Esta aula terá a finalidade de nos dar uma visão ampla e generalizada daquilo que é o
processo penal e como ele se apresenta. O esquema processual seguido no OJ português. O
objetivo desta disciplina será analisar cada fase do processo pormenorizadamente e analisar
também a esfera processual e o estatuto de todos aqueles que se relacionam com o processo
e que intervém nele.

O que é que é o processo penal e como é que o podemos caraterizar?

Figueiredo Dias defende que o processo é a sequencia de atos juridicamente pré ordenados e
praticados por certas pessoas legitimamente autorizadas em ordem à decisão sobre se foi
praticado um crime e em caso afirmativo, sobre as respetivas consequências jurídicas e a sua
justa aplicação.

Assim, no direito processual penal iremos estudar aquele conjunto de normas que se ocupam
de regular a investigação da pratica de um crime, a averiguação de quem foi o seu agente, com
o objetivo, posteriormente, numa fase que será a do julgamento, aplicar uma sansão criminal
ou, em alguns casos, poderá haver uma resolução de um conflito jurídico-penal de forma
desviada da tramitação comum. Porque na verdade, o processo criminal pode não culminar
numa condenação ou numa absolvição.
O primeiro passo para que se inicie um processo criminal será sempre o da aquisição da
noticia.

Determinados factos que podem ou não ter relevância penal (isso determina-se ao longo do
processo) têm que chegar ao conhecimento do Ministério Público – a isso nós chamamos de
aquisição da noticia do crime pelo MP, que se encontra regulada pelos art. 241º e ss do cpp e
que pode ser: por conhecimento próprio (pode ser um agente do MP a ter conhecimento por
si mesmo da noticia do crime, nomeadamente pode assistir à pratica de um crime); por
intermedio dos órgãos de policia criminal (por meio de um auto de noticia destes órgãos) ou
mediante denuncia (esta denuncia pode ser facultativa ou obrigatória – nós, como cidadãos
comuns podemos estar a viver a nossa vida e observar a pratica de um crime e temos a
faculdade e a possibilidade de apresentar uma denuncia e podemos faze-lo diretamente no
MP, ainda que normalmente as pessoas se dirijam aos órgãos da policia criminal, como a psp
ou gnr apresentar uma denuncia mediante os factos que observaram. Contudo há
determinadas pessoas ou entidades, que se presenciarem um cenário desses, são obrigadas a
dar conhecimento, são obrigadas a fazer essa denuncia).

Nos termos do art. 53º nº2 b) cpp será competente para receber as denuncias e decidir o
seguimento a dar-lhes e ainda por força do principio da oficialidade, que está plasmado no art.
48º do cpp e 219º CRP , o MP terá a legitimidade para promover a ação penal. Ou seja, o MP à
partida, terá legitimidade para iniciar o processo e a investigação dos factos, no sentido de
depois decidir se vai acusar ao não o arguido pela pratica desses atos. Na verdade, por força do
principio da oficialidade, o MP é titular da ação penal, é ele que tem legitimidade para
promover a ação penal (mas iremos ver que este principio tem limitações, limitações essas que
dizem respeito aios crimes semipúblicos, relativamente aos quais o procedimento criminal
depende da apresentação de uma queixa. Outra restrição a este principio será relativa aos
crimes particulares, uma vez que o procedimento criminal relativamente a estes, vai depender
de apresentação de queixa, de que o queixoso se constitua como assistente e que findo o
inquérito, deduza acusação particular). Por uma questão de simplicidade, vamos admitir que
estamos a lidar com crimes públicos e que mediante a aquisição da noticia do crime, o MP
poderá logo dar inicio à investigação.

Na tramitação comum, há a noticia do crime, chega aos ouvidos do MP que foram praticados
determinados atos e, no caso dos crimes públicos, o MP terá legitimidade para iniciar
investigação/para abrir o inquérito. Depois temos as exceções referentes aos crimes
particulares e semipúblicos, nos quais o inquérito não pode ser aberto logo pelo MP, porque é
preciso que haja apresentação de uma queixa, constituição como assistente e acusação
particular.

Abrindo o inquérito, entramos na fase de inquérito (é ela verdadeiramente a primeira fase do


processo criminal), que é uma fase preliminar, que antecede o julgamento (nota: todas as
fases que antecedem o julgamento são consideradas fases preliminares), que é uma fase que
está regulada nos art. 262º e ss cpp. O inquérito é uma fase da investigação em que MP, que é
o dominus do inquérito, que é a entidade que vai dirigir o inquérito, nos termos do art. 263º
cpp, vai proceder à realização ou ordenar a realização de um conjunto de atos e diligencias de
natureza investigativa, ou seja o MP, vai procurar recolher indícios da pratica de um crime e de
quem foi o seu agente, no sentido de decidir se acusa o arguido ou não pela pratica desses
factos.
Quem dirige o inquérito é o MP (263nº1 cpp), mas o MP não age sozinho, ele vai ser auxiliado
pelos órgãos da policia criminal, que vão atuar de acordo com as direções do MP e na sua
dependência funcional (nota: A definição de órgão da policia criminal consta no art. 1º c) do
cpp). Para alem dos órgãos da policia criminal, o MP para praticar determinados atos ao longo
do inquérito, poderá ter que intervir um juiz, que é o juiz de instrução criminal (mas ele apenas
intervirá pontualmente – por exemplo quando se trate de aplicar uma medida de coação como
a prisão preventiva – será um juiz de instrução criminal que deverá intervir e decretar a prisão
preventiva). Por força do art. 32º nº5 CRP, o nosso processo tem uma estrutura acusatória,
mitigada por um principio de investigação. Esta estrutura acusatória que é uma imposição
constitucional, determina que a entidade que investiga e que depois acusa seja diferente
daquela que vai julgar e é por isso que encontramos na fase de inquérito o MP a dirigir o
inquérito, mas depois nas fases posteriores, nomeadamente na fase de instrução e na fase de
julgamento, já será o juiz. Esta estrutura de base acusatória implica uma distinção orgânica e
material entre a entidade que investiga acusa e a entidade que julga. Porque é que deve haver
esta distinção? Por uma questão de imparcialidade. Se estas entidades fossem as mesmas, o
que podia acontecer seria que na fase de julgamento, nós não poderíamos garantir a
imparcialidade, seria muito difícil para o juiz na fase de julgamento estar livre das pré
conceções que poderia ter formado na fase de investigação e portanto por uma questão de
objetividade e de imparcialidade, atribui-se a direção da fase de inquérito ao MP e depois se
atribui o julgamento e ate mesmo a instrução a um juiz. Isto então para concluir que a fase de
inquérito será dirigida pelo MP, precisamente por causa desta estrutura acusatória que a nossa
CRP impõe. No entanto, esta estrutura acusatória, não é uma estrutura acusatória pura,
porque depois vai ser mitigado por um principio de investigação, na medida em que o juiz
pode fazer a sua própria investigação para apurar a verdade material dos factos, mas mesmo
assim, ele vai estar sempre limitado nos seus poderes de cognição e nos seus poderes de
apreciação, pelo objeto do processo que é fixado na acusação.

Terminada a fase de inquérito, depois de feita toda a investigação pelo MP, o que sucede é
que o MP tem que tomar uma decisão. Se acusa ou se não acusa. Ele pode decidir acusar nos
termos do art. 283º cpp, sendo que para acusar, tem que ter recolhido indícios suficientes da
pratica do crime e de quem foi o seu agente. Mas também, no caso de não recolher indícios
suficientes da pratica do crime e de quem foi o seu agente, ou seja, no caso de não estarem
reunidas as condições legais para acusar e até mesmo no caso de concluir que aquela pessoa
sobre o qual recaiam as suspeitas/diligencias investigativas, não foi o agente do crime, aquilo
que deverá o MP fazer é arquivar o inquérito. O arquivamento do processo está previsto no
art. 277º cpp. (Nota: na realidade, uma vez terminadas as diligencias investigativas, o MP pode
decidir não acusar nem arquivar o inquérito. Ele pode até ter recolhido indícios suficientes da
prática do crime e de quem foi o seu agente, ma decidir não acusar, por entender que estão
preenchidas as condições para a aplicação de um destes dois institutos – arquivamento em
caso de dispensa de pena, art. 280º cpp ou a suspensão provisória do processo, art. 281º cpp –
são ambos alternativas à acusação). Assim termina esta fase de inquérito, de uma das
seguintes formas:

1. Acusação – 283ºcpp
2. Arquivamento – 277ºcpp
3. Arquivamento, em caso de dispensa de pena – 280ºcpp
4. Suspensão provisoria do processo – 281ºcpp
Como é obvio, o arguido e o assistente podem não ficar satisfeitos com esta decisão do MP, e
podem requerer a abertura de instrução. Quando há então requerimento para abertura de
instrução, nós entramos na segunda fase preliminar do processo penal que é uma fase
facultativa (só acontece se for requerida a abertura da instrução). Ora esta fase facultativa,
encontra-se regulada nos art. 286º e ss cpp e que é uma fase que visa a comprovação judicial,
por parte de um juiz (juiz de instrução criminal), da decisão de deduzir acusação ou de
arquivamento do inquérito por parte do MP. Esta fase de instrução vai ser composta por uma
serie de atos que o juiz de instrução criminal vai praticar (são atos que visam a obtenção da
verdade material, que visam comprovar com base nos factos recolhidos pelo MP se aquela
decisão de acusação ou de arquivamento foi a que deveria ter sido tomada e, esta fase de
instrução também vai ser composta por um debate instrutório, ou seja, por uma discussão de
ideias, perante um juiz de instrução criminal, que é oral e que é contraditório) de forma a
saber se vai “pronunciar” o arguido ou se não vai “pronunciar” o arguido.

Findo este momento de instrução, o juiz vai proferir um despacho de pronuncia, no caso de
terem sido recolhidos índicos suficientes, de se terem verificado os pressupostos de que
depende a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, ou, em alternativa, vai
proferir um despacho de não pronuncia, caso entenda que não foram recolhidos esses
indícios.

Este despacho de pronuncia vai ser essencialmente o juiz de instrução criminal a dizer “vamos
prosseguir com este processo”, “vamos levar este arguido a julgamento”. O de não pronuncia
é o contrario, diz que “não há necessidade de levar este arguido a julgamento. A acusação pelo
MP é a mesma coisa. Diz-nos que “vamos prosseguir para julgamento”. No arquivamento é
“não há necessidade para julgamento, porque não há indícios”. (Nota: depois há uma maneira
de quer o arguido, quer o assistente poderem recorrer desta decisão – 310º cpp).

Se o juiz de instrução criminal proferir um despacho de pronuncia (“vamos levar este caso
avante”, “vamos levar o arguido a julgamento”), a próxima fase será a de julgamento – art.
311º e ss cpp. Aqui quem vai dirigir o julgamento não será o MP, nem o juiz de instrução
criminal, mas sim o juiz. Esta fase de julgamento, vai ser uma fase fundamental para saber se
aquele arguido vai ser condenado ou absolvido, ou seja, o juiz pode decidir condenar pela
pratica dos factos que estão em estudo, a condena-lo a uma determinada pena, ou pode
absolve-lo. Também estas decisões, seja a de condenação, seja a de absolvição são passiveis
de recurso e portanto depois da fase de julgamento, podemos ter uma fase de recurso, que
pode ser ordinário ou extraordinário, para o tribunal da relação ou para o STJ, sendo que esta
fase de recurso está regulada nos art.399º e ss cpp.

Para terminar o esquema temos ainda a fase de execução da decisão. À partida, se o arguido
foi absolvido e o recurso, a existir, negou o provimento desse recurso (manteve a absolvição),
não vai haver execução de nada, não temos uma pena para executar, ele foi absolvido, no
entanto, se ele for condenado, aí sim, já temos uma decisão para executar. A execução das
sentenças e dos acórdãos, ou seja, as execuções das decisões judiciais estão tratadas no art.
467º e ss cpp, no entanto, o núcleo da sua regulamentação, ou seja a maior parte das normas
relativas à execução de sentenças, está no código de execução das penas e medidas privativas
de liberdade, que é a Lei nº 115/2009 de 12 de outubro.
Finalidades do direito processual penal:

 Proteção dos direitos fundamentais


 Realização da justiça e procura da verdade material
 Restabelecimento da paz jurídica e se possível o restabelecimento da paz social
 Concordância pratica entre as 3 finalidades anteriores (já que as 3 finalidades
anteriores podem ser antitéticas, ou seja podem colidir umas com as outras e ser de
difícil harmonização e portanto o nosso legislador quando altera a legislação tem que
ter o cuidado de encontrar um equilíbrio entre estas 3 finalidades, no sentido de
maximizar os ganhos e de minimizar os custos axiológicos e funcionais).

A matéria relativa à aplicação da lei processual no tempo, é uma matéria que reflete bem a
preocupação do nosso legislador em estabelecer um equilíbrio e uma concordância pratica
entre as finalidades prosseguidas pelo processo.

CASO PRÁTICO I

Suponha que estão a ser investigados factos suscetíveis de integrarem a pratica do crime de
burla informática p. e p. pelo art. 221.º CP e de um crime de acesso ilegítimo p. e p. pelo art.
7º, da Lei 109/91 de 17/8 e atualmente pelo art. 6.º, n.ºs 1 e 4, al. b) da Lei 109/09, que
teriam sido cometidos por meio de sistema informático, sendo que nenhum dos ilícitos é
punido com pena superior a 3 anos de prisão. Depois de ter sido instaurado o inquérito,
entrou em vigor a Lei n.º 109/09, de 15 de Setembro, que veio permitir a obtenção de dados
de tráfego e a realização de interceções de comunicações em investigações de crimes
praticados no ambiente virtual. No âmbito das várias diligências efetuadas em sede de
inquérito, e porque importava apurar junto da TV Cabo Portugal a identificação do cliente, e
o local de instalação de onde foram utilizados os elementos da conta de acesso à internet,
poderia obter-se tais informações ao abrigo da Lei 109/2009?

Estamos perante um caso em que está um processos a decorrer, que está em fase de
inquérito/fase de investigação, no qual se investigam factos relativos à pratica de um crime de
burla informática de um crime de acesso ilegítimo (ambos crimes que ocorrem no ambiente
virtual). Ora, na pendencia do inquérito, ou seja, enquanto o inquérito estava a decorrer, vem
introduzir-se no nosso OJ, vem entrar em vigor uma nova lei (109/09 de 15 de setembro), que
introduz a possibilidade de novos meios de obtenção de prova, que permite ao MP obter
dados de trafego e realizar interseções de comunicações.

A questão que se coloca é a de saber se o MP poderia obter essas informações, pondo em


pratica estas diligencias de obtenção de prova.

Para começarmos este caso pratico teremos de recorrer à doutrina e à jurisprudência para
distinguir normas processuais materiais de normas processuais próprio sensu.

As normas processuais materiais são normas que apresentam em termos materiais uma
verdadeira pré conformação da penalidade a que o arguido ficará sujeito, ou seja, são normas
que apesar de terem uma incidência processual, estão intimamente associadas ao regime
incriminatório material e portanto, condicionam a efetivação da responsabilidade material do
arguido. Um autor que se refere em detalhe a estas normas é Paulo Pinto de Albuquerque, no
seu comentário ao cpp. Ele no código comentado da uma serie de exemplos de normas que
podem ser consideradas processuais penais materiais, desde logo, normas relativas à natureza
publica, semipública e particular dos crimes; normas relativas à aplicação, substituição e
divulgação de medidas de coação; normas relativas à prescrição do procedimento criminal ou
ate ao exercício do direito de queixa, sendo que são só exemplos e uma vez que se trata de
uma construção da doutrina e da jurisprudência, nem sempre é pacifico se estas norma
elencadas são verdadeiras normas processuais materiais. Há autores que consideram que sim,
outros que consideram que não, por exemplo Paulo Pinto de Albuquerque dá como exemplo
das normas processuais materiais normas relativas à aplicação, à substituição e revogação de
medidas de coação, nomeadamente a prisão preventiva, e, por exemplo Gomes Canotilho
entende que essas normas são efetivamente normas processuais materiais, mas numa altura,
o tribunal constitucional, nomeadamente através do acórdão 70/90 já veio dizer que não, que
não podiam ser tratadas como normas processuais materiais, portanto, não é pacifico este
elenco exemplificativo.

Não obstante, estas normas processuais materiais, no que toca à aplicação no tempo, vão
estar submetidas ao principio da legalidade e ao regime já estudado em Dto Penal I, de
aplicação da lei no tempo. Ou seja, o artigo 2º do cp, vai ser agora aplicado a estas normas
processuais materiais, o que quer dizer que vamos ter que atender àquela regra do art. 29ºnº1
da CRP e ao principio da legalidade, que nos diz que as normas vigoram para o futuro e vamos
também ter que atender ao art. 2º nº4 cp, e ao art. 29nº4 CRP que admitem a retroatividade
in bonam partem. Ou seja, a regra diz-nos que a lei penal vigora para o futuro, mas se for mais
favorável para o agente, ela pode ser aplicada retroativamente a factos que foram praticados
antes da sua entrada em vigor. É precisamente nesse raciocínio que vamos aplicar as normas
processuais materiais (ex nada realista: imaginemos que temos 2 vizinhos A e B, que disputam
um mesmo terreno afirmando cada um deles que o terreno é seu, e o A em certo momento
decide matar B, ora o homicídio é um crime publico e portanto, cada um de nós que assiste a
um homicídio, pode ir diretamente fazer uma denuncia às autoridades competentes e
mediante a aquisição da noticia do crime, nos termos do art. 241º, através da nossa denuncia,
o que acontece é que o MP pode logo abrir uma investigação por ser um crime publico, agora
imaginem que se começou a investigação, o A é arguido, estamos na fase de inquérito e
durante essa fase surge uma lei que transforma o crime de homicídio em um crime
semipúblico – aqui, o que o legislador estaria a fazer era a fazer depender o processo criminal
da apresentação de queixa, ora a queixa nos termos do art. 113º do CP, pode ser apresentada
pelo ofendido, no caso, o ofendido estava morto, pelo que quem podia apresentar a queixa
em sua substituição era por exemplo a sua mulher. O MP neste caso não poderia continuar a
investigação pois teria que ser aplicada a lei mais favorável, porque estamos a falar de uma
norma processual material e portanto, o que acontecia era que o MP já não tinha legitimidade
para pedir e para promover a ação penal, pois agora faltava a queixa. Agora caso por exemplo
a mulher de B até contente com a morte do marido, não tenha apresentado queixa, o MP não
poderia prosseguir com a investigação)

No entanto o que nos interessa verdadeiramente e aquilo que temos que estudar são as
normas processuais penais próprio sensu, ou seja normas que são exclusivamente processuais,
que têm a sua incidência no processo e portanto não se ligam como as outras à incriminação
material, que podem ser por exemplo normas que surgem de novo que vêm alterar o prazo
para interposição de recurso, que vêm alterar o numero de testemunhas permitidas, quem
vêm, como é o caso do nosso caso pratico, que vêm admitir novos meios de obtenção de
prova.
Relativamente às normas processuais penais próprio sensu que chamaremos a partir daqui
como normas processuais, para simplificar, nós temos que olhar para o art. 5º cpp.

O art. 5ºnº1 cpp estabelece que a lei processual penal é de aplicação imediata, o que quer
dizer que quando surge uma norma lei processual, ela vai se aplicar imediatamente aos atos
dos processos que estejam a decorrer aquando da sua entrada em vigor, bem como aos
processos que se iniciam apos a sua entrada em vigor, e, portanto, se nós tivermos um
processo a correr termos e a certo momento surgir uma nova lei que é relevante para esse
processo, ela vai ser aplicada imediatamente aos atos que se seguirem a esse processo. A isto
nós chamamos de princípio tempus regit actum, ou seja um principio de aplicação imediata.
Contudo este princípio tem limitações, desde logo, como resulta da segunda parte do nº1 do
art. 5º, a aplicação imediata da nova lei, não pode implicar a invalidade dos atos realizados ao
abrigo da lei anterior, ou seja, este principio tem que ser conjugado com um principio de
respeito pelo anterior processado. Isto por uma questão de celeridade e de economia
processual. (Nota: o nosso legislador consagra o principio de tempus regit actum com base na
consideração do interesse publico que domina todo o processo, com base na consideração de
que a nova lei é aquela que melhor corresponde aos interesses prosseguidos pelo processo
penal – o legislador cria uma nova lei porque à algo que estava mal ou que precisava de
melhorar e nesse sentido consagra-se esta aplicação imediata da nova lei processual. Há até
um acórdão de fixação de jurisprudência do STJ, que é o 4/2009 que diz que é a natureza
publica e instrumental do processo que justifica a aplicação imediata da lei processual nova)

Ora para além do limite do principio do respeito pelo anterior processado, existem ainda
outros 2 que decorrem da alínea a) e da alínea b) do nº2 do art. 5º:
2 - A lei processual penal não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua
aplicabilidade imediata possa resultar:

a) Agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma


limitação do seu direito de defesa; ou
b) Quebra da harmonia e unidade dos vários atos do processo.

Ora, aqui temos mais 2 limitações ao principio de tempus regit actum, sendo que a primeira
visa tutelar as legitimas expectativas do arguido e tutelar a sua posição processual, mas a
verdade é que a lei não nos dá uma definição de agravamento sensível e evitável e portanto, é
o juiz que na sua prudente apreciação do caso, deve apreciar/verificar se o agravamento
gerado pela aplicação imediata da nova lei, é ou não sensível, contudo, a doutrina tem ajudado
nessa clarificação, nomeadamente Simas Santos e Leal-Henriques, dizem-nos que um
agravamento é sensível quando for palpável, significativo, importante e com repercussão não
esfera jurídica processual do arguido. Em suma, este agravamento tem que se manifestar num
enfraquecimento da esfera jurídica processual do arguido, nomeadamente por limitar o seu
direito de defesa.

Assim, no caso 1, é preciso fazer a analise de saber se a aplicação da nova lei imediatamente
poderá levar a este agravamento sensível, palpável da posição processual do arguido no
processo. O agravamento, para além de ser sensível, tem ainda que ser evitável, ou seja, tem
que ser um agravamento de que ainda seja possível travar (se não fosse possível travar, era
como se o mal já estivesse feito e por isso a aplicação da nova lei seria indiferente. No entanto,
se ainda é possível travar, vamos efetivamente travar e vamos proteger o arguido e proteger a
sua posição processual.)
Um outro limite é o do nº2 da alínea b), que também está associado ao princípio da economia
processual e esta associado porque este limite impõe que se respeita a harmonia e a unidade
dos vários atos do processo, que estão ligados entre si, que seguem uma logica/ uma
sequencia ditada pela própria lei. Essa sequência existe para garantir o bom funcionamento do
processo e no final, uma boa decisão. Por vezes temos atos do processo que demoram dias e
se a certo momento surgisse uma nova lei que vem por exemplo alterar requisitos para a
realização de uma diligencia, de uma ato, a nova lei poderia afetar a harmonia do ato, podia
ter consequências a nível da organização e da harmonia intrasistemática do processo.

A regra básica e da aplicabilidade imediata, mas essa regra tem limitações, pelo que no nosso
caso será que aplicamos a regra ou caímos aqui numa destas limitações? Esta nova lei que
surge quando o inquérito já está a decorrer, vem permitir a realização de novas diligencias de
prova que até então não eram admitidas, ou seja, ate aquele momento do inquérito, não era
permitido obter dados de trafego e realizar interseções de comunicações e a partir desta lei
isso é permitido. Assim, no nosso caso teríamos que atender à circunstancia de o arguido ter
lidado com uma nova prova, que podia ser desfavorável para ele e portanto, o entendimento
do tribunal neste caso é precisamente que a admissibilidade de um novo meio de obtenção de
prova poderia ser desfavorável para o arguido. Ele teria que preparar a sua defesa contra uma
prova de que não estava à espera. Pelo que neste caso o tribunal entendeu não aplicar
imediatamente a nova lei por entender que a sua aplicabilidade imediata poderia levar a um
agravamento sensível e ainda evitável da posição processual do arguido.
28.02.2023 TP – OBRIGADO TOMÁS

Na semana passada, fizemos uma introdução do DPP. Fizemos uma breve referência aos
princípios e agora vamos começar com os princípios da promoção ou da iniciativa processual.
Para isso, vamos trabalhar um caso prático.

FICHA DE TRABALHO 1

Caso Prático 1

No dia 3 de março de 2020, por volta das 06h20, A abandona o estabelecimento noturno
“BragaDance”, sito no centro de Braga, e introduz-se na sua viatura com o intuito de regressar a
casa depois de uma longa noite de divertimento. Dois minutos após ter iniciado o percurso, A
atropela B, que fazia o seu habitual passeio matinal pela cidade, provocando-lhe apenas leves
escoriações. C, que assistiu ao atropelamento da varanda de casa, aproximou-se do local e
começou a dirigir palavras altamente injuriosas a A. Submetido a teste apropriado, A revelou
uma taxa de álcool no sangue de 1,3 g/l.

a) Indique a quem compete a promoção processual, justificando doutrinal e legalmente.

A quem compete dar início ao processo penal, relativamente a cada um dos factos?

Quando abordamos a questão da promoção processual, temos de pegar no princípio da


oficialidade. Este princípio da oficialidade vai dizer-nos a quem compete a promoção
processual, quem é que tem legitimidade para iniciar o processo, no sentido de iniciar uma
investigação sobre a prática de uma infração e, posteriormente, submeter a causa a
julgamento. Ora, o princípio da oficialidade encontra-se plasmado na nossa CRP no artigo 219º
e também tem abrigo no nosso CPP no artigo 48º. Ora, o artigo 48º CPP diz-nos que o MP é
quem tem legitimidade para promover o processo penal, com as restrições dos artigos 49º a
52º CPP. O princípio da oficialidade atribui a uma entidade pública e estadual legitimidade para
dar início ao processo penal. Portanto, o MP é o titular da ação penal.

NOTA: A atribuição de competência ao MP para promover o processo penal deriva do facto de


nós estamos num OJ em que é o Estado o detentor do ius puniendi – há um monopólio
estadual da jurisdição. Faz sentido que seja atribuída a legitimidade para promover o processo
penal a uma entidade também ela estadual.

Para além disto, no artigo 53º/2, a) CPP, nós vemos que compete ao MP receber as denúncias,
as queixas, as participações e apreciar o seguimento a dar-lhes. Portanto, quando o MP adquire
a notícia de um crime, nos termos do artigo 241º CPP, à partida, irá abrir um inquérito. O
próprio artigo 262º/2 CPP diz-nos que a aquisição de notícia de um crime dá lugar à abertura
de inquérito. Por força do princípio da oficialidade, o MP adquire a notícia de um crime e vai
ter legitimidade para abrir um inquérito, ou seja, dar abertura a um processo – vai investigar os
factos, no sentido de averiguar se houve a prática de crime e, em caso afirmativo, de quem foi
o seu agente.

Ora, como sabemos, o nosso processo penal tem uma estrutura acusatória, por força do 32º/5
CRP. Mas esta estrutura acusatória não é uma estrutura acusatória pura – ela é mitigada por
um princípio de investigação [aula teórica]. Contudo, essencialmente, desta estrutura
acusatória que a nossa CRP impõe resulta que a entidade que julga é diferente daquela que
investiga e que acusa. E a entidade que investiga e depois acusa vai ser precisamente o MP.
Ora, iniciado o inquérito, o MP vai exercer um conjunto de atos/levar a cabo um conjunto de
diligências no sentido de apurar a verdade dos factos, no sentido de apurar se há ou não
indício da prática de crime de identidade do seu agente – é essa a finalidade do inquérito. Mas
o MP não está sozinho no inquérito – ele não faz tudo no inquérito! Desde logo, ele vai ser
ajudado pelos órgãos de polícia criminal (55º/1 e 263º/1 CPP – os órgãos de polícia criminal
irão auxiliar o MP e irão fazê-lo sempre na sua dependência funcional e de acordo com a sua
direta orientação, como resulta do artigo 56º CPP e do artigo 263º CPP).

Para além disso, durante o inquérito, há certos atos que o MP pode delegar nestes órgãos de
polícia criminal, como admite o 270º/1 CPP. Haverá também atos que só o MP é que poderá
executar e ordenar! Para além disso, apesar de ser o MP que dirige o inquérito, ou seja, apesar
de ele ser o dominus do inquérito, também podemos contar com a intervenção de um juiz (juiz
de instrução criminal).

O juiz de instrução criminal, quando for chamado ao inquérito, ele não atua como um
investigador porque essa é do MP e dos órgãos de polícia criminal. Quem investiga é o MP e os
órgãos de polícia criminal - o que o juiz vai fazer é atuar na sua veste de juiz das liberdades, isto
porque há certos atos que, por contenderem com DFs do cidadão, apenas poderão ser
exercidos ou ordenados por um juiz, no sentido de esses DFs serem verdadeiramente
tutelados.

Ora, voltando a focar-nos no princípio da oficialidade – de acordo com o 48º CPP, o MP é que
promove a ação penal.

Contudo, há restrições! E essas restrições são duas – melhor, tem uma limitação e uma
exceção.

1. A limitação diz respeito aos crimes de natureza semipública, de acordo com o 49º CPP.

2. E a exceção diz respeito aos crimes de natureza particular (stricto sensu), de acordo
com o 50º CPP.

Quando estamos perante um caso prático deste tipo (quem tem competência para promover o
processo penal), o que temos fazer, depois de explicar o princípio da oficialidade, é detetar os
crimes que estão em causa e identificar a sua natureza – se são crimes públicos, semipúblicos
ou particulares.

Como fazemos isto? Temos de olhar para o CP ou para qualquer outra Lei em que esteja
previsto este crime.

1. Se nalgum ponto a Lei nos disser que depende de queixa, é semipúblico.

2. Se depender de acusação particular, falamos de um crime particular.

3. A Lei nada nos diz acerca de queixa nem acusação particular, então é um crime público.

No nosso caso, temos três crimes, cada um deles de diferente natureza.

Desde logo, temos um crime de condução em estado de embriaguez, p. e p. pelo 292º CP, que
é um crime público, nada nos é dito sobre o processo criminal depender seja do que for.

Quanto ao atropelamento, temos um crime de ofensas à integridade física negligente, p. e p.


pelo 148º CP, que nos diz, no nº5 do 148º, que o procedimento criminal depende de queixa. Se
o 148º/5 CP diz que depende de queixa, é um crime de natureza semipública.
Finalmente temos uma situação de C ver o atropelamento e começar a injuriar o condutor –
temos um crime de injúria, p. e p. no 181º CP. Uns artigos à frente, no artigo 188º CP, é-nos
dito que o procedimento criminal depende de acusação particular. Ou seja, o crime de injúria
será um crime particular.

NOTA: Dizemos particular stricto sensu porque falamos dos públicos e dos particulares stricto
sensu. Mas é só uma questão de formalismo e terminologia.

No caso dos crimes públicos, vai funcionar sem qualquer limitação ou exceção. Isto significa
que basta o MP adquirir notícia do crime, seja por conhecimento próprio, seja porque houve
uma denúncia – facultativa ou obrigatória -, ele pode logo atuar, podendo promover o
processo, abrindo inquérito (262º/2 CPP). O princípio da oficialidade funciona perfeitamente,
sem limitações. [Quando à condução em estado de embriaguez, bastava que um cidadão
fizesse aquela denúncia ou que um magistrado do MP visse aquilo a passar-se, etc.]

Olhando para o crime de ofensas à integridade física negligente, vimos que é um crime
semipúblico. Ou seja, o procedimento criminal depende de queixa. E nós temos, no caso dos
crimes semipúblicos, de olhar para o 49º CPP, que nos diz o seguinte: quando o procedimento
criminal depender de queixa do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas
deem conhecimento do facto ao MP para que este promova o processo. Ou seja, a queixa é
uma condição de procedibilidade. Sem que seja apresentada uma queixa por quem tem
legitimidade para o fazer, o MP não pode promover a ação penal.

O que é a queixa? E como é que a queixa se distingue da denúncia? Vejamos que a denúncia é
uma mera declaração de ciência, ou seja, consiste, essencialmente, na transmissão dos factos
eventualmente penalmente relevantes (do ponto de vista penal) à entidade que tem
legitimidade para promover o processo. Ou seja, a denúncia é essencialmente: “eu vi isto”, “eu
ouvi isto e aquilo”. Já a queixa consiste numa declaração de ciência também, mas associada a
uma declaração de vontade. Ou seja, não basta a transmissão dos factos a quem tem
legitimidade para promover o processo – é necessário também que exista uma manifestação
de vontade por parte do titular do direito de queixa, dirigida especificamente a que haja uma
perseguição criminal do agente e do facto por ele praticado. Portanto, da queixa tem de
resultar uma intenção inequívoca de que haja lugar a um procedimento criminal.

Sabendo o que é a queixa, temos de questionar a quem é que é a Lei atribui a legitimidade de
apresentar uma queixa. Para isso, não vamos ao CPP e sim ao CP – mais especificamente, ao
artigo 113º CP. O 113º/1 CP diz-nos que, quando o procedimento criminal depender de queixa,
tem legitimidade para a apresentar, salvo disposição em contrário, o ofendido. Ou seja, o
titular do direito de queixa é o ofendido. Quem é o ofendido? É o titular dos interesses que a
Lei especialmente quis proteger com a incriminação – ou seja, o ofendido será o titular dos
bens jurídicos que estão protegidos pela norma incriminadora.

NOTA: Há situações em que é diferente – temos de ler bem o artigo 113º CP (nomeadamente,
nos casos de morte).

NOTA 2: O ofendido tem de ser maior de 16 anos para apresentar queixa (113º/4 CP) – se não
o for, à partida, serão os seus representantes legais.

Quem é o ofendido, no nosso caso? É a pessoa que foi atropelada, que sofreu danos à
integridade física. É B a pessoa ofendida. Teria ela legitimidade para apresentar uma queixa.
Contudo, teria de o fazer dentro do prazo legal, que é aquele que resulta do artigo 115º CPP –
o direito de queixa extingue-se no prazo de 6 meses a contar da data em que o titular tiver
conhecimento do facto e dos seus autores. Portanto, naquele dia em que ocorreu o
atropelamento, começa a contar-se este prazo de 6 meses para apresentação de queixa por B.

Voltando ao artigo 49º do CPP, este diz-nos que a queixa pode ser apresentada ao MP – ir
diretamente ao MP apresentar queixa; ou então a qualquer outra entidade que tenha
obrigação legal de a transmitir ao MP (p. ex., ir aos órgãos de polícia criminal – definidos no
artigo 1º, f) CPP). O órgão de polícia criminal tem uma obrigação de a transmitir ao MP e deve,
aliás, transmiti-la no prazo de 10 dias (245º CPP).

O artigo 49º/3 CPP diz-nos, ainda, que a queixa pode ser apresentada pelo titular do direito
respetivo (o ofendido, no caso) ou por um seu mandatário, munido de poderes especiais ou
mandatário judicial.

Os crimes semipúblicos trazem uma limitação ao princípio da oficialidade porque o MP só pode


promover a ação penal, fazer a investigação, após a apresentação de queixa pelo seu respetivo
titular, pelo titular do direito de queixa.

Ainda sobre a queixa, algumas notas:

1. A queixa é sempre facultativa – ninguém é obrigado a apresentar queixa seja do que


for.

2. Além disso, o exercício do direito de queixa é renunciável e podemos até desistir da


queixa que apresentámos (116º CPP).

Quanto à desistência, o 116º/2 CPP diz-nos que o queixoso pode desistir da queixa, desde que
não haja oposição do arguido, até à sentença de primeira instância. No caso, o B tinha o direito
de apresentar uma queixa. Imaginemos que ela apresentou queixa – podia desistir da mesma,
mas só até à publicação da decisão da 1ª instância. Ela deveria apresentar a desistência ao MP
e, nos termos do 51º/3 CPP, ele deveria notificar o arguido. Por que razão tem de notificar o
arguido da intenção da desistência de queixa por parte do ofendido? Por que é que o arguido
tem de concordar com a desistência? O arguido pode querer que o processo avance, no
sentido de obter uma decisão absolvitória – que diga, sem dúvida nenhuma, que ele não foi
culpado (“vou deixar isto andar para limpar o meu nome”). O MP deve notificar para o arguido,
no prazo de 5 dias, dizer se concorda ou não – se ele concordar, ótimo, desistindo-se da queixa
e vai haver a homologação pelo MP, ou seja, o MP vai aprovar a desistência da queixa.

A desistência da queixa pode ocorrer durante a fase de inquérito – aí, caberá ao MP homologar
a desistência. Mas a desistência também pode ocorrer depois, nas fases posteriores, ou seja, o
artigo 116º CPP diz-nos que o artigo pode desistir da queixa até à publicação da decisão de 1ª
instância. Dependendo da fase de onde está o processo, quando ele pretende desistir da
queixa, a homologação da desistência vai ser da competência de diferentes atividades
judiciárias. Se a desistência da queixa ocorrer durante o inquérito, quem tem de a homologar é
o MP; se for durante a instrução, será o juiz de instrução criminal; se ocorrer durante o
julgamento, será o presidente do tribunal que tem de homologar a desistência (51º/2 CPP).

A desistência da queixa impede que ela alguma vez seja renovada – 116º/2 CP.

REMISSÃO: Artigo 51º CPP para o 116º CP. Também do artigo 48º CPP e do 49º CPP para o 113º
e ss. CP.
Em conclusão, o B teria, enquanto ofendido, de apresentar queixa para que o MP tivesse
legitimidade para promover a ação penal.

O ofendido poderia apresentar queixa e não fazer mais nada no processo – poderia só deixar as
coisas correrem porque quem vai investigar e quem vai decidir se acusa ou não vai ser o MP e
não o ofendido!

Finalmente, temos o crime de injúria, que é um crime particular.

Quanto a estes, temos de olhar para o 50º CPP. E este artigo, no nº1, diz-nos que, quando o
procedimento criminal depender de acusação particular do ofendido ou de outras pessoas é
necessário que essas pessoas se queixem, se constituam assistentes e deduzam acusação
particular.

Portanto, nos crimes particulares, temos de ter preenchidos três requisitos/condições:

1. Apresentação de uma queixa (tal como os semipúblicos, aplicando-se as mesmas


normas).

Quem é que teria legitimidade para apresentar queixa? O ofendido – o A, neste caso, que foi a
pessoa que foi injuriada. À luz do artigo 113º/1 CP, o A teria legitimidade para apresentar
queixa. Contudo, é facultativa e ele podia desistir (a qualquer momento, mas antes da
publicação da decisão da primeira instância) e tinha de cumprir o prazo que está no 115º CP.

O primeiro passo está feito – ele apresentou queixa. Contudo, tem de ser assistente.

2. Constituição como assistente – ou seja, a pessoa que apresentou a queixa tem de se


constituir assistente.

O que é isto do assistente? O nosso processo é de partes – é um processo no qual intervêm


sujeitos processuais e participantes processuais. Em vez de parte, temos, lato sensu,
participantes processuais – uns vão ser meros participantes e outros sujeitos.

Qual é a diferença? Os sujeitos processuais são (FD): “entidades que têm direitos autónomos
de conformação de tramitação do processo como um todo, em vista da sua decisão final”.

E são 5 os sujeitos processuais do nosso processo: o tribunal, o MP, o arguido, o defensor do


arguido e o assistente. Têm um estatuto que lhes confere poderes-deveres que lhes permitem
conformar a dinâmica do processo. Ou seja, dentro dos limites legais, eles têm
verdadeiramente um papel constitutivo do direito do caso. São os protagonistas do processo,
digamos.

Depois, temos os meros participantes processuais, que são pessoas/entidades que vão praticar
atos singulares cujo conteúdo processual se esgota na própria atividade. Ou seja, eles não vão
ter o poder de dominar, de conformar o processo. Exemplos: o próprio ofendido – não se
constituindo assistente, é participante; intérpretes; partes civis; testemunhas; peritos; os
próprios órgãos de polícia criminal; etc.

Portanto, no nosso caso, o ofendido não pode ficar só como ofendido porque ser ofendido é
apenas ter uma mera qualidade de facto. Ele tem de se constituir assistente – tornar-se um
verdadeiro sujeito processual. Ou seja, o assistente, um sujeito processual, tem um estatuto
que está regulado nos artigos 68º a 70º CPP. Se olharmos em particular para o 69º CPP, vamos
ver que o assistente tem a posição de colaborador do MP – o assistente vai colaborar no MP,
cuja atividade subordina a sua intervenção no processo. Contudo, não vai ser um “mero
ajudante do MP” – ele também tem interesses próprios que pode prosseguir no processo, até
mesmo praticando atos de forma autónoma em relação ao MP. Para sabermos quem é que tem
legitimidade para se constituir assistente, temos de olhar para o 68º CPP. Este artigo diz-nos
que podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas a que as Leis
especiais confiram esses direitos: os ofendidos, desde que tenham 16 anos e (…); as pessoas de
cuja queixa (…); etc.

Neste caso, o A foi vítima de um crime de injúria, podendo constituir-se assistente. Podia fazê-
lo ao abrigo das alíneas a) e/ou b) – é ofendido, titular do bem jurídico que a incriminação quer
proteger, tendo um interesse próprio e concreto na incriminação e também é a pessoa de cuja
acusação particular depende o processo criminal.

Contudo, tem de respeitar os prazos legais – 68º/2 CPP. Verificamos o seguinte: tratando-se de
procedimento dependente de acusação particular, o requerimento para constituição como
assistente tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no 246º/4 CPP.

O artigo 246º/4 CPP diz-nos que a pessoa que foi ofendida dirige-se ao MP ou a um órgão de
polícia criminal e faz a sua queixa e aquilo que a autoridade judiciária (no caso, o MP) ou os
órgãos de polícia criminal devem fazer é dizer-lhe que ele tem obrigatoriamente de se
constituir assistente. E a partir desse momento, a partir dessa advertência, nos termos do
artigo 68º/2 CPP, o ofendido terá de apresentar, no prazo de 10 dias, o requerimento a um juiz
para se constituir assistente. A apresentação deste requerimento vem acompanhada do
pagamento de uma taxa – 519º CPP.

Portanto, o A é ofendido, o procedimento criminal depende de acusação particular – ele teria


de apresentar queixa e teria de se constituir assistente. Mas ainda falta uma coisa, que é a
dedução de acusação particular.

3. Esse assistente tem de deduzir acusação particular.

O MP pode fazer a sua investigação a partir do momento em que ele se constitui como
assistente. No final da investigação, o MP tem de comunicar ao assistente a que conclusões
chegou – o MP tem de dizer ao assistente: “muito bem, fizemos a nossa investigação e
chegámos a X conclusões”. Podem ser: “recolhemos indícios de que houve crime e de quem foi
o seu agente” OU “não recolhemos indícios de crime”. Isto é o que resulta do 285º CPP.

O MP deve notificar o assistente de que tem 10 dias para deduzir acusação particular e quando
ele o notifica de ele tem 10 dias para deduzir acusação particular (285º/1 CPP), ele tem de
incluir na sua notificação se foram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime e de
quem foram os seus agentes. O assistente está a viver a sua vida à espera que o MP lhe diga
alguma coisa – a certo dia, ele vai receber uma notificação a dizer que recolheram indícios e de
quem foi o agente OU que não recolhemos indícios e está na mão do assistente der um
desfecho ao inquérito.

Temos uma exceção ao princípio da oficialidade – nos crimes semipúblicos, dependia de


queixa, mas quem decidia se acusava ou não era o MP. Nos crimes particulares, não só o
procedimento depende de queixa e da constituição de assistente, como também é o assistente
que decide se acusa ou não (em vez do MP).

Se assim entender, então, o assistente poderá deduzir acusação particular contra o agente.
Perante a dedução de acusação particular pelo assistente, o MP pode fazer várias coisas: pode
acompanhar essa acusação, acusando também pelos mesmos factos, por parte deles ou por
outros que não importem uma alteração substancial desses factos; ou pode nada fazer, não
acompanhando essa acusação particular.

Se ele quiser acompanhar a acusação particular, ou seja, se ele também quiser acusar, terá de o
fazer nos 5 dias posteriores à apresentação da acusação particular, como resulta do 285º/4
CPP.

b) Findo o inquérito relativo ao crime de ofensa à integridade física negligente, o


Ministério Público proferiu despacho de arquivamento. Tendo sido notificada de tal decisão, B
decidiu deduzir acusação contra A, imputando-lhe a prática do referido crime, por entender
que se tinham reunido indícios suficientes da sua prática e de que aquele foi o agente. Quid
iuris?

O crime de integridade física negligente era um crime semipúblico, ou seja, estava dependente
de queixa, que seria B a apresentar porque era a ofendida. Contudo, também vimos que, no
caso dos crimes semipúblicos, é o MP que decide o que fazer no encerramento do inquérito.
Por força do princípio da legalidade, nos termos do artigo 276º CPP, o MP encerra o inquérito
arquivando-o ou deduzindo acusação (no prazo de 6 meses; se estiver algum arguido preso ou
sob a obrigação de permanência na habitação, é 8 meses; há mais situações – estão todas no
276º CPP).

O que queremos retirar daqui é que tem de tomar uma decisão, no caso dos crimes
semipúblicos: ou arquiva ou deduz acusação.

No caso, ele arquiva (277º CPP) – pode fazê-lo. Emite despacho de arquivamento do inquérito,
nos termos desse artigo [LER BEM].

277º/3 CPP. No nosso caso, nada nos é dito que ela se constituiu como assistente ou não –
tratando-se de crime semipúblico, a constituição de assistente não é obrigatória. Podia fazê-lo
ou não o fazer. Contudo, enquanto pessoa que tem essa faculdade, poderá ou deverá receber a
notificação do arquivamento, que foi exatamente o que aconteceu.

Perante esta notificação, B decide acusar – será que ela pode fazê-lo? Não. No caso dos crimes
semipúblicos e públicos, o assistente apenas pode acusar nos termos do 284º CPP, ou seja,
quando o MP tenha acusado.

Se o MP acusar, então, o assistente, até 10 dias depois de ser notificado da acusação pelo MP,
poderá deduzir acusação também pelos factos acusados pelo MP, por parte deles, ou por
outros que não importem uma alteração substancial dos factos. Isto no artigo 284º CPP. Ou
seja, se no final de um inquérito relativo a um crime publico ou semipúblico, a pessoa que é
assistente pode deduzir acusação, nos termos do 284º CPP; contudo, tratando-se de crime
destas naturezas, não havendo acusação do MP – assistente ou não -, não poderá a pessoa
deduzir acusação.

Desde logo, não era assistente e não podia só por ela deduzir acusação. A única coisa que a B
poderia fazer perante o arquivamento era reagir – ela poderia reagir ao arquivamento, ou seja,
tentar, de alguma forma, levar a que aquele arquivamento fosse apreciado novamente (e que
fosse mudada).

Em abstrato, B poderia ter aqui três alternativas:

1. Ela poderia, em primeiro lugar, requerer a abertura de instrução, nos termos do 287º
CPP.
Para isso, ela tinha de se constituir assistente, contudo. A B teria de se constituir assistente
para requerer a abertura de instrução. Como é que ela o faria? Teria de ter legitimidade – é
ofendida (68º/1, a))+ 68º/1, b), uma vez que o procedimento criminal depende da sua queixa.
Também teria de fazer um requerimento, nos termos do 68º/3, mais especificamente a alínea
b) – os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, desde que o requeiram ao
juiz, aceitando-o como está (…). Ou seja, no prazo que ela teria para requerer a abertura de
instrução (20 dias após ser notificada do arquivamento), ela poderia também requerer a sua
constituição como assistente. Até poderia apresentar simultaneamente um requerimento para
se constituir assistente, pagando aquela taxa do 519º CPP e, ao mesmo tempo, pedir a
abertura da instrução.

2. Suscitar a intervenção hierárquica do artigo 278º CPP

Se olharmos para o 278º CPP – em particular, o nº2 -, podemos ver que o denunciante e o
assistente, se não optarem por requererem a abertura de instrução, podem suscitar a
intervenção hierárquica.

O MP está organizado hierarquicamente. Aquilo que se vai fazer, neste caso, é pedir ao superior
hierárquico de um magistrado do MP que dirigiu o inquérito que venha ao processo ver como é
que foi tomada aquela decisão e determinar que seja dado outro desfecho ao inquérito. Ou
seja, aquilo que se está a pedir é que venha um superior hierárquico de um magistrado do MP
que seja formulada acusação ou que prossiga a investigação. É essencialmente isto que nos diz
o 278º/1 CPP.

B, perante o arquivamento, pode suscitar esta intervenção hierárquica, ou seja, que venha um
superior hierárquico do magistrado que dirigiu o processo em que ela era ofendida, para que
venha a ser proferido um despacho diferente do da arquivação ou que continuem as
investigações. E ela podia fazer isto em alternativa à opção 1.

Para a intervenção hierárquica, tinha 20 dias após a notificação de arquivamento.

3. Reabertura do inquérito

A terceira e última alternativa que podia haver para reagir ao internamento seria a de requerer
a abertura do inquérito, nos termos do 279º CPP. Contudo, só poderia fazê-lo quando se
esgotasse o prazo para requerer a intervenção hierárquica.

Problema disto: só se vai abrir o inquérito novamente se surgirem novos elementos de prova,
ou seja, elementos que, até então, não eram conhecidos e que não podiam ser conhecidos
pelo requerente da abertura e que invalidem os fundamentos invocados pelo MP no despacho
de arquivamento.

Ou seja, estes elementos novos tinham de invalidar os fundamentos que o MP apresentou para
ter arquivado o inquérito. Se não existissem, não poderia haver a reabertura de inquérito.

⮚ A intervenção hierárquica e reabertura de inquérito têm uma vantagem relativamente


ao requerimento de abertura de instrução – é que para requerer abertura de instrução, B teria
mesmo de se constituir assistente. Contudo, para requerer a intervenção hierárquica e
reabertura do inquérito, não era obrigatório que ela se constituísse assistente. Se olharmos
para o 278º e para o 279º, ambos do CPP, os pedidos para um e para outro podem ser feitos
pelo assistente, tal como pelo denunciante com a faculdade de se constituir assistente (B podia
fazê-lo).
NOTA: Era sempre melhor ela constituir-se como assistente porque tinha as faculdades dos
sujeitos processuais.

Caso Prático 2

Clotilde (82 anos, viúva) vivia sozinha em Oriz, Vila Verde, desde que a sua única filha,
Bernardete, foi viver para Lisboa, em busca de uma oportunidade de emprego. No dia
12.01.2022, Mónica, vizinha de Clotilde, conhecendo as condições em que esta vivia e sabendo
que se tratava de uma senhora muito caridosa, foi visitá-la com o intuito de lhe pedir uma
contribuição de 300€ para uma campanha de recolha de fundos destinados a ajudar o sobrinho
de 11 anos a obter tratamento no estrangeiro para uma doença rara. Passados dois dias,
enquanto conversava com Fernanda, que faz limpezas na casa de Mónica, Clotilde descobre
que Mónica não tem sobrinhos e apercebe-se de que foi enganada. Algumas horas depois, sem
que tivesse tido oportunidade de exercer o seu direito de queixa, Clotilde sofre um enfarte e
morre. Fernanda decide denunciar a conduta de Mónica às autoridades e, nessa sequência, o
Ministério Público promove a ação penal por suspeita da prática de um crime de burla p.e.p.
pelo art. 217.º do CP.

a) Quid iuris?

Primeiro, temos de ver se é um crime público, semipúblico ou particular.

O procedimento criminal depende de queixa – é um crime semipúblico (__________).

Há uma limitação ao princípio da oficialidade (48º CPP + 219º CRP), na medida em que,
mediante a aquisição da notícia do crime, o MP só poderia promover a ação penal (teria
legitimidade para o fazer) após a apresentação de queixa.

Clotilde teria legitimidade para apresentar queixa? Sim – 113º CP: o ofendido tem legitimidade
para apresentar queixa, sendo o ofendido o titular dos interesses que a Lei especialmente quis
proteger com a incriminação. Não nos podemos esquecer do artigo 49º CP quando falamos de
crimes semipúblicos – se o procedimento criminal depender de queixa, as pessoas com
legitimidade para o fazer têm de fazer queixa (pode ser por mandatário ou pelo titular, perante
o MP ou outra entidade com obrigação de transmitir ao MP, etc.).

O que acontece no nosso caso é que a Clotilde não chegou a exercer o seu direito de queixa
porque morreu – como é que, então, a notícia do crime, chegariam aos ouvidos do MP? No
nosso caso, foi por intermédio da Fernanda, que viu que a sra. para quem ela fazia limpezas
enganou a vizinha, decidiu denunciar. O MP pode adquirir notícia do crime através dos meios
previstos no 241º CPP, ou seja, por conhecimento próprio, por intermédio dos órgãos de polícia
criminal ou mediante denúncia. Ora, a Fernanda é uma cidadã comum e, portanto, ela não
cairia aqui no âmbito da denúncia obrigatória, nos termos do 242º CPP – ela não era obrigada a
apresentar denúncia.

Por ventura, poderia apresentar uma denúncia facultativa. Será que podia mesmo? A denúncia
facultativa está prevista no 244º CPP e diz-nos que qualquer pessoa que tiver notícia de um
crime pode denunciá-lo ao MP e a outras autoridades (…), salvo se o procedimento respetivo
depender de queixa ou de acusação particular. Ou seja, enquanto cidadãos comuns, todos nós
não temos uma obrigatoriedade de apresentar denúncia, mas podemos fazê-lo, desde que não
sejam crimes semipúblicos ou particulares. Ou seja, nós até podemos ver um crime que seja
semipúblico ou particular e ir aos órgãos de polícia criminal, mas ela não surtirá quaisquer
efeitos. E não surtirá quaisquer efeitos porque se trata de crime semipúblico ou particular e
aquilo que é exigido num semipúblico é a queixa (não uma mera denúncia por alguém que não
tem nada a ver com a prática do crime) e, no caso dos particulares, exige-se a constituição
como assistente e a acusação particular. Então, a Fernanda tinha boas intenções, mas a
denúncia dela nunca daria lugar à abertura de inquérito – seria preciso que alguém com
legitimidade apresentasse queixa.

O que sucede é que a Clotilde morreu e temos de ver se, no caso da morte do ofendido, haverá
alguém que possa, ex novo, adquirir o direito de apresentar queixa. Indo ao artigo 113º/2 CP,
vemos que, se o ofendido morrer sem ter apresentado queixa nem renunciado a ela, o direito
de queixa pertence às pessoas a seguir indicadas, salvo se alguma delas tiver participado no
crime: cônjuge sobrevivo, irmãos ou descendentes, etc. [ver alíneas]. A Clotilde não vivia com
ninguém – tinha apenas uma única filha. A filha, como descendente, caberia na previsão do
artigo 113º/2, b) CP. A Bernardete poderia apresentar queixa pelo crime de que a sua mãe foi
vítima.

Para o fazer, teria de cumprir o prazo previsto no artigo 115º CPP, ou seja, aquele prazo de 6
meses, mas, agora, esses 6 meses não seriam a contar do momento em que houvesse
conhecimento do facto, mas a partir da morte do ofendido, ou seja, a partir da morte da
Clotilde, a Bernardete, enquanto sua filha, podia, no prazo de 6 meses, apresentar queixa.

NOTA: Se ela fosse menor, seria alguém que ficasse responsável legalmente por ela.

Só mediante esta queixa é que o MP poderia iniciar a investigação, entender se houve crime e
quem foi o seu agente e, depois, decidir se submete ou não a causa a julgamento.

07.03.2023 – TP

Continuação da aula anterior:

C foi vitima de burla, no entanto morreu se se queixar e tratando-se de um crime semi-publico


era necessário apresentação da queixa por parte dela - 113nº1 cp - para que o MP depois
tivesse legitimidade para iniciar a investigação. Vimos então que no caso da morte da ofendida,
nos termos do art. 113nº2 cp, irao assumir ou ser titulares do dto de queixa outra pessoas,
nomeadamente o conjugue sobrevivo do ofendido, irmaos ou seus descendentes, pelo que B
tinha legitimidade ara apresentar queixa, sendo que o devia fazer, obviamente
tempestivamente, ou seja, cumprindo o prazo previsto no art. 115nº1 cp(6 meses, a partir da
morte da mãe)

Nota: no caso de morte do ofendido, a alínea a) do 113º cp termina com “e na sua falta”, ou
seja, só na falta das pessoas previstas na alínea a), é que as pessoas previstas na alínea b)
poderão elas apresentar queixa. Ou seja, por exemplo se a C, tendo a filha B, esta não
pertendia apresentar queixa, mas que a C também tinha uma irmã e esta pretendia apresentar
queixa, ora, a irmã de C não se podia substituir à filha B de C, já que B seria sua descendente e
portanto teria prioridade no que toca à titularidade do direito de queixa.
Nota 2: na questão da indivisibilidade da queixa. A queixa é indivisível, isto significa por
exemplo que a desistência da queixa, relativamente a um dos comparticipantes no crime,
aproveita aos restantes, salvo a aposição destes – 116nº3 cp. Ou seja, imaginemos que
estamos perante um crime em que temos a comparticipação de 3 pessoas, e que eu sou a
ofendida. Eu exerço o meu direito de queixa, apresento uma queixa por exemplo nos órgãos da
policia criminal, relativamente àquelas 3 pessoas, mas pretendo desistir. A desistência em
relação a um dos comparticipantes irá aproveitar a todos, a não ser que algum dos restantes se
oponha. A desistência da queixa tem sempre que ter a concordância do arguido. Para alem
disso outra manifestação da indivisibilidade do direito de queixa esta no art. 115nº3 cp, que
nos diz que o não exercício tempestivo do direito de queixa, relativamente a um dos
comparticipantes do crime, aproveita aos restantes.

a) Assuma que Bernardete apresentou queixa e que o MP iniciou procedimento


criminal contra Mónica. No final do inquérito, tendo recolhido indícios suficientes da
prática do crime e de que Mónica foi a autora, o MP determinou a suspensão
provisória do processo, por um período de 6 meses, impondo a Mónica a entrega de
400€ a uma instituição de solidariedade social à sua escolha. Poderia o MP ter
tomado esta decisão?

Quanto a esta questão teremos que averiguar se estão preenchidos os requisitos/pressupostos


legais da aplicação do instituto da suspensão provisoria do processo. Antes de o fazermos,
teremos que ver se o principio da legalidade está preenchido. O MP, no exercício da ação
penal, durante todo o processo, está adstrito a critérios de legalidade. Tem que estar vinculado
a atuar conforme a legalidade, como alias dita a CRP no art. 219º e o art. 53º nº1 cpp, que nos
diz que o MP na sua intervenção no processo, deve atuar de acordo com critérios de
objetividade. Esta exigência decorre do facto do MP ser o representante do estado, ser ainda o
garanto da legalidade democrática e ter de prosseguir os interesses legalmente designados. E
portanto, durante a sua intervenção no processo o MP deve agir sempre com imparcialidade,
objetividade e com legalidade. O princípio da legalidade manifesta-se em 2 momentos do
inquérito, quer na abertura, quer no momento do seu encerramento.

Em 1º lugar, olhando para o momento da abertura do processo, o principio da legalidade


implica que o MP mediante a aquisição da noticia do crime por algum dos meios previstos no
art. 241º cpp dê lugar à abertura do inquérito.

A primeira manifestação do principio da legalidade encontra-se no art.262 nº2 cpp que nos diz
que salvadas as exceções previstas neste código (cpp), a noticia de um crime dá sempre lugar à
abertura de um inquérito. E portanto, havendo a noticia do crime e estando reunidas as
condições para tal, nomeadamente a apresentação de queixa no caso dos crimes semipúblicos
e a apresentação de queixa e constituição de assistente, no caso dos crimes particulares, o MP
irá abrir um inquérito, irá começar a investigação. Não tem escolha, se não a abrir um
inquérito, sendo que, se não o fizer, para alem de podermos ter uma nulidade insanável, nos
termos do art. 119 b) cpp, o MP poderá também incorrer em responsabilidade penal pela
prática de um crime de negação de justiça – art. 369º cp ( isto, se estiverem reunidas as
condições objetivas e subjetivas para que o 369º esteja preenchido, o que não significa que
sempre que o MP não abra um inquérito, pratique este crime).

Em segundo lugar, o principio da legalidade manifesta-se na fase de encerramento do


inquérito. Quando o MP realiza todas as diligencias investigatórias que julga necessárias
durante o inquérito e chega ao fim desse inquérito, de acordo com o art. 276 nº1 cpp, tem que
tomar uma de duas decisões, ou acusa ou arquiva. Quando é que ele acusa e quando arquiva?
Para que o MP tenha de arquivar - art. 283º cpp nº1 .O MP vai acusar quando tiver recolhido
indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, sendo que então
recolhidos esses indícios, ele vai ter que deduzir acusação contra o agente no prazo de 10 dias.

É importante que saibamos o que são estes indícios suficientes. Como sabemos que um indicio
obtido durante um inquérito é suficiente para sustentar acusação ou não. A resposta é nos
dada no art.283nº2 cpp. Segundo também o ac. do Tribunal da relação de Coimbra 10 de
setembro de 2008, indícios suficientes são elementos retidos na sua globalidade persuadem
sobre a culpabilidade do agente e geram a convicção de que o arguido, caso seja submetido a
julgamento, virá a ser condenado pelos factos que lhe são imputados.

A acusação, nos termos do art. 283nº3 cpp tem de conter uma serie de elementos, sob pena
de nulidade. Estes elementos têm que estar no despacho da acusação, com o objetivo de que
esta seja o mais completa possível, porque é a partir da acusação que se via fixar o objeto do
processo, que estabelece uma vinculação temática do juiz, na medida em que os poderes
cognitivos do juiz, vão estar limitados em função do objeto do processo. Para alem disso, é
importante que a acusação tenha estes elementos para garantir o pleno exercício do
contraditório e do direito de defesa do arguido.

A acusação tem ainda que ser notificada às pessoas que estão indicadas 277nº3 cpp por
remissão a art. 283nº5 cpp. Haverá acusação quando houver então recolha destes indícios
suficientes.

Pelo contrário, quando não houver recolha destes indícios, ou de indícios que se considerem
suficientes, o MP terá de arquivar.

Atendendo ao art. 277º cpp, o MP procede, por despacho, ao arquivamento do inquérito, logo
que tiver recolhido prova bastante de não se ter verificado crime, de o arguido não o ter
praticado a qualquer titulo ou de ser legalmente inadmissível o procedimento. O
procedimento poderá ser inadmissível por exemplo quando o arguido tiver morrido, quando se
tenha verificado que passou o prazo de prescrição do procedimento criminal ou ate mesmo
quando o MP chega à conclusão de que não tinha legitimidade para promover a ação penal.

À luz do nº2 do 277 cpp, o inquérito é igualmente arquivado se não tiver sido possível ao MP
obter indícios suficientes da verificação de crime ou de quem foram os agentes. Assim nós
verificamos que quando haja recolha de indícios suficientes da prática do crime e de quem foi
o agente, o MP tem que acusar. Quando não haja a recolha de tais indícios, o MP tem que
arquivar.

Isto significa que o MP não tem margem de manobra, tem que atuar respeitando o princípio
da legalidade. E, portanto, não haverá aqui espaço para ele fazer juízos de oportunidade. Isso
ate pode acontecer por exemplo nos OJ de tradição anglo-saxónica, em que o MP pode por
exemplo fazer acordos com o arguido, por exemplo dizendo que “nós temos indícios
suficientes que tu praticaste este crime, mas se nos entregares a quadrilha X, nós não te
acusamos.” O MP nestes países pode ter assim alguma margem de manobra, pode ter espaço
de discricionariedade para atuar assim. Mas no nosso OJ, o MP não vai poder fazer isto porque
aqui, ele atua de acordo com a legalidade e não de oportunidade. No entanto, este princípio
de legalidade não é um princípio de legalidade pura, é nas palavras de Costa Andrade é uma
legalidade aberta. Aberta a juízos de oportunidade que se vão consubstanciar na aplicação de
certos institutos que são verdadeiras alternativas à acusação. Isto é importante porque estes
afloramentos ou estas manifestações do principio da oportunidade, que nós vamos tratar
agora são sempre alternativas à decisão de acusar. Porque quando o MP tem que arquivar por
falta de indícios suficientes, ele tem que arquivar, não tem alternativa. Mas se ele recolhe
indícios suficientes, e tem ate condições para acusar, ele pode não o fazer por via da aplicação
dos institutos que vamos falar agora e que são eles: A suspensão provisoria do processo, o
arquivamento em caso de dispensa de pena e ainda a remessa do processo para mediação
penal.

No nosso caso pratico, aquilo que era questionado era saber se podemos aplicar a suspensão
provisoria do processo que consiste num afloramento do principio da oportunidade. Esta
suspensão provisoria do processo encontra-se regulada nos art. 281 e 282 cpp.

Quando recolho indícios suficientes da pratica do crime e de quem foi o seu agente, o MP
determina oficiosamente ou a requerimento do arguido ou do assistente a suspensão
provisoria do processo mediante a imposição de injunções ou regras de conduta ao arguido,
desde que se verifiquem os pressupostos legais.

Na realidade, no final do inquérito, ou seja, nas situações onde foram recolhidos indícios
suficientes , ele tem verdadeiramente um poder de ver de verificar se estão preenchidos os
pressupostos da suspensão e em caso afirmativo dever o MP deverá aplicar essa suspensão
provisoria do processo. Em caso negativo, visto que recolheu indícios suficientes, ele deverá
acusar.

E que pressupostos são esses?

Em primeiro lugar, para que haja suspensão provisoria do processo, é necessário que o crime
seja punível com uma pena de prisão não superior a 5 anos, ou com sansão diferente de
prisão.

No nosso caso vimos que estamos perante o crime de burla que é punido com pena de prisão
até 3 anos ou com pena de multa, portanto este pressuposto estaria preenchido. Deste
pressuposto retiramos também que a suspensão provisória ado processo se aplica a pequena e
media criminalidade. Os restantes requisito estão nas alínea a)-f) do nº1 do 281º cpp.

a) concordância do arguido, do assistente e ainda do juiz de instrução criminal – portanto, para


que haja suspensão provisoria do processo, é necessário que todos estes sujeitos processuais
concordem com a sua aplicação. O arguido tem que manifestar a sua concordância através de
um ato pessoal, ou seja, a concordância não pode ser manifestada por intermedio do seu
defensor e a concordância deve sempre ser livre e esclarecida.

A concordância do assistente apenas vai ser requerida quando ele existir. Se não houver
assistente, não via ser precisa a sua concordância.

Outra medida em que este instituto procura uma solução de consenso entre todos estes
sujeitos processuais, a decisão do MP de suspender provisoriamente o processo não vai ser
impugnável, como resulta do nº7 do art. 281º cpp.

b) Outro requisito é a ausência de condenação anterior por crime da mesma natureza (neste
caso - crime de burla).

c) A ausência de aplicação anterior de suspensão provisoria do processo por crime da mesma


natureza.
d) Outro requisito é o de não haver lugar a medida de segurança de internamento – este
requisito visa essencialmente afastar a aplicação deste instituto àquelas situações em que se
reúnam os pressupostos legais do internamento de inimputáveis ou de imputáveis portadores
de anomalia psíquica.

e) outro requisito é a ausência de grau de culpa elevada – aqui, o MP para apurar o grau de
culpa terá que em em atenção o art. 71nº2 cp e o art. 72nº2 cp e diz-nos Paulo Pinto de
Albuquerque que a ocorrência de qualquer causa de atuação prevista no art. 72º cp deve ser
considerada um indício seguro de que a culpa não é elevada.

f) O ultimo requisito é o de ser de prever que o cumprimento das injunções e regras de


conduta responda suficientemente às exigências de prevenção que no caso se façam sentir. –
ou seja para que haja a suspensão provisoria do processo é necessário que sejam impostas ao
arguido injunções ou regras de conduta, daí que falemos de uma oportunidade condicionada.
E, estas injunções e regras de conduta devem responder suficientemente às exigências de
prevenção que se fazem sentir no caso, tanto de prevenção especial positiva (prevenção da
reincidência através da reinserção social e da ressocialização do delinquente), como de
prevenção geral positiva(pena pode ser concebida como uma forma de manter e reforçar a
confiança da comunidade na validade e na força da vigência das suas normas de tutela de bens
jurídicos e no ordenamento jurídico-penal).

O MP pode aplicar qualquer uma (de acordo com as necessidades do caso) poderá aplicar as
injunções e regras de conduta que estão previstas no art. 281º cpp. No entanto, os exemplos
dados, como indemnizar lesado, dar ao lesado satisfação moral adequada… (281nº2 cpp), são
meros exemplos, não é um elenco taxativo. Até porque se olharem para a alínea m), é nos dito
que é oponível ao arguido qualquer outro comportamento especialmente exigido pelo caso,
ou seja, consoante as circunstancias do caso o MP poderá aplicar outra injunção ou outra regra
de conduta que não esteja ai prevista, no nº 2 mas que seja adequada/necessária ao caso.
Sendo que conforme nos diz o 281nº5, entre as regras de conduta e injunções nunca podem
ofender a dignidade do arguido.

Os nº 8, 9 e 10 do 281º cpp – casos especiais de suspensão provisoria do processo.

Por exemplo, no nº 8, que estabelece que em processos por crime de violência doméstica não
agravado pelo resultado, o Ministério Público, mediante requerimento livre e esclarecido da
vítima, determina a suspensão provisória do processo, mesmo se ter sido constituído um
assistente. Mesmo que esta possibilidade de a própria vitima querer a suspensão provisoria do
processo, visou de alguma forma dar algum poder à vitima no processo, uma vez que, durante
muito tempo o crime de violência domestica foi um crime semipúblico, ou seja, o
procedimento criminal dependia de queixa. O que acontecia é que muitas vezes asvitimas
tinham medo de apresentar queixa ou sentiam ainda afeto ou estavam dependentes do
ofensor e portanto, não haviam muitas queixas e assim, o que o legislador fez foi tornar o
crime publico porque assim qualquer pessoa podia apresentar uma denuncia. O que sucede é
que aí retira-se o poder à vitima, a vitima deixa de poder escolher se quer ou não apresentar
queixa, assim, solução para devolver algum poder à vitima foi permitindo-lhe que durante o
inquérito, ela pudesse requerer a suspensão provisoria do processo. Ela pode achar suficiente
que lhe sejam aplicadas injunções e regras de conduta ao ofensor, até porque pode na querer
que ele vá preso.

o nº10 foi pensado para aquelas situações de furto de coisas com valor diminuto (<102€).
Efeitos da suspensão provisoria do precessão e duração está previsto no art. 282º cpp. Este
artigo diz-nos que a suspensão provisoria do processo pode ir até 2 anos. Com a exceção dos
crimes previstos nos nº8 e 9 do art. 281º cpp em que a suspensão pode ir até 5 anos.

Durante a suspensão o MP terá que fazer uma vigilância, para ver se o arguido está ou não a
cumprir as injunções e as regras de conduta que lhe foram impostas e, para isso, o MP poderá
recorrer aos serviços de reinserção social, aos órgãos da policia criminal e ainda às autoridades
administrativas, conforme determina o art. 281 nº6 cpp.

Se durante a suspensão provisoria do processo, o arguido cumpre as regras de conduta que lhe
foram empostas, no final do prazo de suspensão, o MP vai arquivar o processo. E, esse
processo não poderá ser reaberto, ou seja, o procedimento criminal vai se extinguir. Caso o
arguido cumpra, ou cometa crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado, a
suspensão sessa e prossegue o processo. Ou seja o MP terá que o acusar,

No nosso caso vamos assumir que estão reunidas essas condições do 281ºnº1 e, à partida, as
injunções que lhe são oponíveis, que lhe foram opostas, seriam suficientes para dar resposta a
divergências de prevenção que se fazem sentir no caso. Sendo que no caso o MP determinou
que M teria de cumprir uma injunção que era a de integrar 400€ a uma instituição de caridade
à sua escolha. Temos aqui uma injunção perfeitamente adequada. O prazo de suspensão de
processo foi de 6 meses. Também aqui estava respeitado o limite legal de 2 anos, imposto pelo
art. 282ºnº1 cpp.

CASO III

Foi apresentada denúncia contra a empresa Y por, no exercício da sua atividade, libertar
para a atmosfera, diversas vezes por semana, fumos e odores intensos, asfixiantes e tóxicos,
que prejudicariam a saúde das pessoas residentes nas imediações. Estes factos poderiam
configurar a prática de um crime de poluição com perigo comum, p. e p. pelo art. 280.º do
Código Penal. No inquérito apurou-se que, desde que a empresa Y tomou conhecimento de
que infringia a legislação em vigor, os seus responsáveis solicitaram diversos estudos e
análises e tomaram, no mais curto período possível, as medidas indicadas como sendo as
mais adequadas para evitar essa situação. Apurou-se também que a empresa Y logrou
reduzir os valores para níveis inferiores ao limite imposto pela lei para aquele tipo de
situações e que a empresa não seria a única responsável pela emissão dos gases tóxicos. O
Ministério Público considerou que se encontravam preenchidos os pressupostos de que
depende a dispensa de pena. Tal proposta mereceu despacho de concordância do Juiz de
Instrução Criminal, tendo o inquérito sido arquivado. Quid iuris?

O que este caso nos traz é a aplicação de um dos outros institutos (que representam o
afloramento do principio da oportunidade num OJ como o nosso, que é baseado na legalidade)
que é o arquivamento em caso de dispensa de pena. Ora, os casos que admitem a dispensa de
pena são casos de culpa bastante diminuída e que não se justifica a aplicação de uma sanção
criminal, podendo o MP arquivar o processo, desde que estejam reunidos os devidos
pressupostos. Ora para estudarmos o arquivamento em caso de dispensa de pena, teremos
que combinar 2 artigos: Art. 280º cpp + art. 74º cp. No 280º cpp encontramos requisitos mais
formais de natureza processual, no 74º temos requisitos de natureza mais substantiva/
material.

Olhando para o art. 280ºnº1: “Se o processo for por crime relativamente ao qual se encontre
expressamente prevista na lei penal a possibilidade de dispensa da pena, o Ministério Público,
com a concordância do juiz de instrução, pode decidir-se pelo arquivamento do processo, se se
verificarem os pressupostos daquela dispensa.”

O primeiro requisito para aplicação do arquivamento em caso de dispensa de pena presente


no art. 74,etá no seu no seu nº1, que estabelece que o crime em causa tem que ser punível
com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias.

No nosso caso, a moldura penal prevista do art. 280º cp (poluição com perigo comum) é de:

a) De um a oito anos, se a conduta e a criação do perigo forem dolosas;


b) Até 6 anos, se a conduta for dolosa e a criação do perigo ocorrer por negligência.

Assim, neste caso, à partida teríamos aqui uma pena de prisão superior a 6 meses e não seria
admitida a dispensa de pena (à partida), porque se olharmos para o art. 286º cp, nos casos
previstos no 280 cp, é possível a dispensa de pena se o agente remover voluntariamente o
perigo antes de se ter verificado dano substancial ou considerável. Ou seja quando estamos
perante crimes que têm uma moldura penal que não ultrapassa os 6 meses, à partida poderá
haver dispensa de pena (se os demais requisitos estiverem preenchidos), no caso em que a
moldura penal em questão ultrapasse o limite máximo de 6 meses, nós teremos que procurar
no tipo legal de crime ou nas normas que o sucedem se é admitida a dispensa de pena
(porque, à partida não seria por se ultrapassar aquele limite de 6 meses). Assim, por força do
art. 286º cp, admitiria dispensa de pena caso se verificasse a condição imposta pelo art. 286º
cp, ou seja, caso o agente removesse voluntariamente o perigo, antes dele se manifestar num
dano substancial ou considerável, que foi o que aconteceu no nosso caso, pois a empresa,
assim que se apercebeu da ilicitude da sua conduta, percebeu que a sua atividade produtiva
estava a gerar danos para o ambiente e para a saúde das pessoas daquela zona, fez estudos e
alterou a sua conduta. Fez as alterações necessárias para evitar a continuação da atividade
poluente. Mas não basta este requisito, posto que o art. 74nº3 cp exige que se verifiquem
ainda o requisitos contidos nas alíneas do nº1. Ou seja:

a) A ilicitude do facto e a culpa do agente têm que ser diminutas;


b) O dano tem que ter sido reparado; e
c) Não podem haver razoes de prevenção que se oponham à dispensa de pena.

Ora, para alem destes requisitos de natureza mais material do art. 74º cp, teremos também
que olhar para o 280cpp e, o art. 280 exige logo no nº1 a concordância do juiz de instrução
criminal. Se o juiz não concordar com o arquivamento, a consequência é o prosseguimento dos
autos, ou seja o MP deverá proferir despacho de acusação, mas se o Juiz de instrução criminal
manifestar a sua concordância, então a decisão de arquivamento não é suscetível de
impugnação (280nº3 cpp).

Vejam que, ao contrario daquilo que sucede com a suspensão provisoria do processo, que eu
(ritinha) vos disse que era uma manifestação do principio da oportunidade condicionada, na
medida em que para ocorrer essa suspensão era necessário que fossem aplicadas injunções e
regras de conduta ao arguido, no arquivamento em caso de dispensa de pena, temos uma
manifestação de oportunidade que é não condicionada, porque não se vai exigir que o arguido
adote certos comportamentos, que cumpra certas injunções para que haja esse arquivamento.

Agora temos que ver se estes requisitos estão preenchidos no caso ou não, sendo que já
sabemos que o requisito da concordância do juiz de instrução está preenchido, porque é nos
dito que o juiz de instrução concordou com a aplicação do arquivamento (280nº1), mas temos
que olhar para os outros requisitos materiais que enunciamos anteriormente. Desde logo, o
grau de ilicitude do facto e de culpa do agente têm que ser diminutas. Este requisito está
preenchido pois, quanto ao grau de ilicitude do facto, ele é reduzido, porque é-nos dito, que
não seria só a atividade desta empresa, a responsável pela poluição, a responsável por criar
um perigo para a vida e para a integridade física das pessoas daquela região. Até porque
quando Y se apercebeu disso e mudou a sua atitude e mudou a sua atividade, a poluição
continuou a existir devido a atividade de outras empresas. A culpa do agente será diminuta
porque estamos a falar aqui, em gerar um perigo que é muito difícil de quantificar e é também
ate certo ponto compreensível o desconhecimento dos limites legalmente impostos no que
concede à emissão de gases poluidores.

É ainda exigido que o dano tenha sido reparado. No nosso caso o crime de poluição, não é um
crime de dano, mas sim de perigo, o que significa que o preenchimento do tipo legal de crime,
se basta com a colocação de bens jurídicos numa situação de perigo. No caso em concreto, o
mais próximo que temos da reparação do dano é a eliminação da fonte causadora da poluição,
que a empresa alias, tentou fazer o mais rapidamente possível.

Por fim, é necessário também que esta dispensa de pena vá de encontro com às exigências de
prevenção geral e especial, que não se podem opor à aplicação deste instituto, o que não
acontece no nosso caso, pelo que o requisito estaria preenchido desde logo porque olhando
para a prevenção especial, as exigências seriam poucas na medida em que a empresa já tinha
tomado medidas para evitar a continuação da atividade criminal, pois fizeram um estudo, o
mais rapidamente possível tentaram mudar as suas praticas, para evitar continuar a poluição e
nesse sentido também as exigências de prevenção geral acabarão por diminuir. Não é preciso
uma tutela tao severa dos bens jurídicos protegidos.

Verificando que estes pressupostos estão preenchidos, não haverá necessidade de levar o
processo ate a fase de julgamento.

O que o MP faz, durante esta fase do inquérito em que arquiva o processo por verificar que
estão reunidas as condições para dispensa de pena, é fazer aqui uma certa antevisão do que
aconteceria em julgamento se o processos fosse ate la. O MP fará este raciocínio “tendo este
caso, se eu o acusar ele for até julgamento, o mais provável de acontecer é o juiz aplique o
instituto de dispensa de pena-74º cp – então porque não antecipar essa decisão? Porque evar
o processo até julgamento, se não há necessidade disso?” portanto, o MP transporta esta
dispensa de pena para um momento anterior, que é o momento do inquérito. Isto ainda tem
uma vantagem que é a de que no momento do inquérito, ainda que haja indícios de que houve
crime e de que o arguido o praticou, aquilo que acontece é que ele ainda não é considerado
culpado. Há uma presunção de inocência até ao transito em julgado da decisão condenatória.
Portanto ele ainda é inocente durante a fase de inquérito. Agora quando há a dispensa de
pena nos termos do art. 74º cp, já na fase de julgamento, o tribunal declara o arguido culpado,
mas simplesmente não aplica a pena, ele dispensa a pena. Já se afastou a tal presunção de
inocência que existia durante a fase de inquérito.
No teste:

 Ver crime que esta em causa (ver se é possível dispensar a pena) – o art 74º cp diz que só
vai haver dispensa de pena se a pena de prisão não for superior a 6 meses.
 Pena de prisão com + de 6 meses, procurar se existe norma próxima do tipo legal que diga
em que situações e se é que, pode haver dispensa de pena. (apesar do 74º cp poder não
admitir a dispensa de pena, pode haver uma outra norma que o permita)

Para finalizar, já não num contexto de caso pratico, mas um bocado mais teórico, há uma 3ª
via de resolução do conflito penal que também constitui um afloramento de oportunidade que
diz respeito à mediação penal:

A mediação penal foi introduzida em 2007 no OJ através da lei nº 21/2007 de 12 de junho.

No seu art. 4º, ela nos diz o que é a mediação penal. E, ela consiste num processo informal e
flexível, conduzido por um terceiro imparcial, um mediador, que visa promover a aproximação
entre o ofendido e o arguido, com o objetivo de tentar encontrar uma solução consensual, um
acordo que permita a reparação dos danos gerados pela pratica do facto jurídico, e assim, que
contribua para a restauração da paz social.

Esta mediação penal é o único elemento de justiça restaurativa que temos no nosso OJ. Tem
requisitos apertados e não se aplica sempre. Aquilo que visa é uma composição, o mais
amigável possível, de um litigio e, procura dar à vitima que muitas vezes esquecida no
processo penal tradicional, uma satisfação moral e material até, por via da reparação dos
danos que sofreu na sequencia da pratica do facto ilícito. A remessa do processo penal para
mediação penal, pode ser uma decisão do MP caso tenham sido recolhidos indícios de ter
verificado crime e do seu agente e, caso também o MP entenda que a mediação penal permita
responder às exigências de prevenção que se fazem sentir no caso. Por outro lado a remessa
do processo pra medicação penal pode ser requerida pelo ofendido e pelo arguido, sendo que
estes conservam a faculdade de, a todo o momento, de revogar o seu consentimento para
participar na mediação. Ela esta bastante limitada porque só vai poder ser utilizada, em caso
de processo por crime cujo procedimento dependa de queixa e neste caso apenas quando se
trate de um crime contra as pessoas ou contra o património, ou em processo por crime cujo
procedimento dependa de acusação particular. Nesse sentido, ficam excluídos da mediação
penal os crimes de natureza publica. Independentemente da natureza do crime, a mediação
não pode ter lugar caso o tipo lugar de crime preveja uma pena de prisão superior a 5 anos,
quando se trate de processo por crime contra a liberdade ou autodeterminação sexual,
quando se trate de processo por crime de peculato, corrupção ou trafico de influências,
quando o ofendido seja menor de 16 anos, ou ainda, quando seja aplicável a forma de
processo sumario ou sumaríssimo.

A mediação penal visa que os sujeitos processuais envolvidos (ofendido e o arguido) cheguem
a um acordo, para isso é preciso um 3º imparcial (mediador) que vá mediar este processo de
dialogo e de encontro entre os participantes, devendo sempre observar na sua atividade os
deveres de imparcialidade, independência, confidencialidade e diligencia, bem como guardar
segredo profissional quanto ao teor das sessões de mediação.

A remessa do processo para mediação penal vai determinar a suspensão do prazo que o MP
tem para deduzir a mediação, bem como, dos prazos de duração máxima do inquérito que
estão enunciados no art. 276 cpp. Para alem disso, o prazo de prescrição do procedimento
criminal se irá suspender.

Se o processo não estiver concluído num período de 3 meses, a contar da remessa para a
mediação penal ou se não for possível encontrar um acordo entre o arguido e o ofendido, o
mediador tem que informar o MP sobre isso, sendo que nessas condições, o MP tem que dar
procedimento ao processo penal, não obstante, o mediador pode pedir uma prorrogação
desse prazo, até um máximo de 2 meses, desde que ele entenda que há uma forte
possibilidade de alcançar um acordo. Este acordo vai ser fixado livremente pelos sujeitos
processuais, ou seja, o seu conteúdo é determinado pelo arguido e pelo ofendido, mas com
algumas restrições, obviamente. O acordo não pode conter sansões privativas de liberdade,
nem pode conter a imposição de deveres que ofendam a dignidade do arguido ou cujo
cumprimento se prolongue por mais de 6 meses. À partida, havendo acordo e havendo
cumprimento do conteúdo desse acordo, cessará aí o processo, está aí resolvido o conflito.
Pode acontecer, no entanto, que o acordo não se cumpra no prazo fixado. Aí, o ofendido pode
renovar a queixa no prazo de um mês determinando assim a reabertura do inquérito.

17.03.2023 TP – OBRIGADO TOMÁS


O objetivo da aula de hoje é terminar aquela primeira fase que estivemos a trabalhar em
relação aos princípios, nomeadamente os princípios da promoção e iniciativa processual. Ainda
que sejam apenas um dos quatro blocos, são aqueles que são os mais densos – têm mais
implicações e maior interesse prático.

Já falámos da legalidade, oficialidade e agora vamos falar da acusação.

Ora, neste caso, temos de aplicar o principio da acusação. E temos de o associar ao facto de a
acusação delimitar e fixar o objeto do processo. Assim, delimitamos os poderes cognitivos do
tribunal.
Em primeiro lutgar, o que é o principio da acusação? Está associado ao artigo 32º/5 CRP. É
aquele artigo que determina que o nosso processo penal tem uma estrutura essencialmente
acusatória e é um artigo que, para alem disso, também determina que essa estrutura é uma
garantia do processo.

Ora, já dissemos em varias ocasiões que, no nosso processo penal, distingue-se a entidade que
acusa e a entidade que vai julgar. É o MP que é a autoridade judiciaria que vai dirigir o
inquérito – é ele o responsável por esta fase de investigação. Caso se trate de um crime
publico ou semipúblico, vai ser ele a deduzir acusação também, se reunidos os indícios
suficientes da pratica do crime e de quem foi o seu agente. No caso dos crimes particulares em
sentido estrito, é o assistente que deduz acusação (particular), nos termos do 285º CPP.

Quem vai julgar é um tribunal – o juiz ou um coletivo de juízes, competência atribuída pela Lei.
Esta estrutura acusatória é uma garantia essencial do processo penal, na medida em que é
uma garantia da imparcialidade, da independência e da objetividade do processo. Isto porque
permite que o juízo que é feito na fase do julgamento seja um juízo despido de quaisquer
preconceitos que possam vir das fases preliminares. Vejamos que estes preconceitos seriam
difíceis de afastar se a pessoa que julga e faz a investigação fosse a mesma.

O MP já tem a convicção de que há indícios e, se fosse ele a julgar, dificilmente conseguia


deixá-la de lado. Determina, também, que a fase de instrução tem um juiz diferente do que
julga. Há um juiz de instrução criminal e outro que julga realmente a acusação – o juiz de
instrução fica impedido de intervir na fase do julgamento (artigo 40º, b) CPP). O juiz de
instrução criminal vai ser diferente do juiz de julgamento, basicamente; se um determinado
juiz presidir o debate instrutório (onde há uma pronúncia ou uma não pronúncia), não pode
intervir na fase de julgamento.

Estamos aqui a falar do p. da acusação. Este p. não é puro, contudo. Isto porque ele é mitigado
por outro princípio, que é o da investigação, que vai ser levada a cabo pelo juiz. Ou seja, apesar
de o juiz não ser, por excelência, a entidade de investigação – já sabemos que cabe ao MP -, a
verdade é que o juiz tem um poder-dever de inmvestigaçao atuonoma dos factos. É um juiz
ativo e não passivo, no sentido em que ele deve procurar, oficiosamente, por sua iniciativa,
esclarecer-se autonomamente quanto aos factos que lhe chegam (até mesmo à fase de
instrução, mas mais na de julgamento). Nessa linha, o juiz pode ordenar a pratica de atos e
diligências, a produção de novos meios de prova, com o objetivo de conseguir aproximar-se e,
em última análise, conseguir obter aquela que é a verdade material dos factos, que é uma das
finalidades do processo penal.

Se olharmos para o artigo 340º do CPP, veremos, precisamente, que o juiz, no caso de
julgamento, poderá ordenar a produção de vários meios de prova que considere necessários
para obter a verdade material e uma boa decisão da causa. Estas duas coisas permitem que o
juiz tenha um poder-dever de investigação.

Contudo, neste trabalho investigativo, ele vai estar sempre limitado. Ou seja, a sua capacidade
ou poderes de cognição vão estar circunscritos ao objeto do processo, ou seja, àqueles factos
que constam da acusação (embora não seja só a acusação que fixa o objeto do processo). Em
termos gerais, a acusação, seja pelo MP, seja pelo assistente, vai definir e vai fixar a acusação,
o objeto do processo. Por sua vez, o objeto do processo vai delimitar, como dissemos, os
poderes de cognição do tribunal. E vai também limitar a extensão do caso julgado. É isso que
nos diz FD – ou seja, a acusação define e fixa o objeto do processo e, nessa linha, também os
efeitos do caso julgado e o poder de decisão do tribunal vão estar limitados. Então, apenas os
factos que constam da acusação é que vão poder ser conhecidos ou apreciados pelo tribunal.
E, nesse sentido, falamos de um princípio ou de um efeito de vinculação temática, ou seja, o
juiz vai estar vinculado ao tema a decidir, ao objeto do processo, que se encontra previamente
fixado.

Como dissemos, esta fixação do objeto do processo vai ocorrer, desde logo, com a acusação –
o juiz tem sempre de respeitar os factos que constam da acusação, uma vez que é sobre eles
que vai incidir o seu poder investigativo, é sobre eles que ele vai decidir e conhecer. MAS não é
só a acusação que vai fixar o objeto do processo.

Ora, o juiz de instrução vai estar vinculado ao objeto do processo que é fixado na acusação,
mas também no requerimento de abertura de instrução. O juiz de instrução vai estar vinculado
ao objeto do processo, àqueles factos que estão fixados na acusação ou no requerimento de
abertura de instrução. O juiz de julgamento, por seu turno, vai estar vinculado ao objeto do
processo que é fixado na acusação OU no despacho de pronúncia – no caso de ter havido fase
de instrução.

Concluindo, neste sentido, se o MP ou o assistente decidir acusar por determinados factos, é


relativamente a eles que o juiz vai atender – são estes factos acerca dos quais ele vai investigar
e, depois, decidir.

Estes princípios – acusação e vinculação temática – estão, ainda, associados a três princípios,
que são os da unidade, da identidade e o da consunção.

1. Princípio da identidade

Diz-nos que o objeto do processo deve manter-se o mesmo desde o momento em que é fixado
até ao trânsito em julgado da decisão. Ou seja, este p. da identidade diz-nos que a identidade
do objeto do processo se deve manter a mesma ao longo do processo.

2. Princípio da unidade

Diz-nos que o objeto do processo deve ser conhecido e deve ser julgado na sua totalidade, não
podendo, portanto, ser dividido – não pode ser fracionado. O juiz não pode escolher atender a
determinados factos e, depois, escolher não atender a outros. Ele tem de olhar para todos
eles.

3. Princípio da consunção

Finalmente, o p. da consunção diz-nos que, mesmo que o objeto do processo não tenha sido
conhecido e julgado na sua totalidade, este deve considerar-se irrepetivelmente decidido.
Portanto, se um facto que faz parte do objeto do processo não teve uma decisão a incidir
sobre ele, vamos considerar, na mesma, que ele foi analisado.

 Garante-se, então, a defesa do arguido e a imparcialidade – porque o arguido tem de


saber do que é que tem de se defender. Não deve ser surpreendido por factos com
que não estava a contar.

A questão que se coloca é, então, a seguinte: qual é o tratamento que se deve dar a um novo
facto que surja durante a fase de instrução ou a fase de julgamento, que não constava do
objeto do processo?

No nosso caso, o E estava acusado da prática de um crime de violação e os factos todos


apontavam para isso. Contudo, durante a fase de instrução, surgiu um novo facto, um que não
constava da acusação que foi deduzida. E que tratamento é que se pode dar a estes novos
factos? São factos que muitas das vezes surgem por causa do exercício do poder-dever de
investigação por parte do juiz e vem apurar um novo facto com o qual o arguido não contava.

Quando temos um novo facto, um novo pedaço de realidade, para sabermos que destino lhe
dar, que tratamento lhe dar, em primeiro lugar, temos de verificar em que fase processual é
que surgiu esse novo facto. No nosso caso, foi, como nos diz o enunciado, durante a instrução.
Se o foi, temos de atender ao artigo 303º CPP. Se fosse durante o julgamento, teríamos de
atender aos artigos 358º e 359º CPP.

Depois de sabermos em que fase processual surgiu o novo facto, temos de tentar perceber se
esse facto comporta uma alteração substancial dos factos que compõem o objeto do processo
ou não. Ou seja, temos de tentar perceber se o novo facto implica, comporta, uma alteração
substancial dos factos tal como eles constam, estão fixados, no objeto do processo.

O que é isto, então, de alteração substancial dos factos? A definição de alteração substancial
dos factos é-nos dada pelo CCP, no artigo 1º, f). Estabelece que é aquela que “tiver por efeito a
imputação ao arguido de crime diverso ou agravação dos limites máximos das sanções
aplicáveis”.

Em contrário, uma alteração não substancial dos factos é aquela que, embora represente uma
novidade que altere o objeto do processo, não implica a imputação de um crime diverso ou a
agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis. Ora, no nosso caso, aquilo que se
verificou é que estava imputado ao agente, E, o crime de violação. Disso, veio decorrer a
gravidez da vítima.

Este facto gera uma alteração substancial dos factos?

164º/1 CP – 1 a 6 anos.

Se formos ao 177º/5 CPP, veremos que as penas previstas nos artigos 163º a 168º CPP
(violação incluída aqui – 164º CPP), é agravada por causa dos comportamentos aí descritos.
Ou seja, o crime de violação é punido com uma pena de 1 a 6 anos; contudo, se do crime
resultar gravidez, tanto os seus limites mínimos como os máximos, vão ser agravados pelo
resultado. Efetivamente, temos uma agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis.
Temos uma agravação do limite máximo da sanção aplicável ao crime de violação, ou seja, este
facto novo, a gravidez que foi entretanto descoberta, acarreta uma alteração substancial dos
factos, nos termos do artigo 1ª, f) CPP.

E que consequências é que isto vai ter? Artigo 303º CPP – é aquele que regula a alteração
substancial e não substancial dos factos. Veremos que temos, precisamente, de fazer a
distinção entre alteração substancial e não substancial. Já sabemos que o novo facto, no nosso
caso concreto, no caso da gravidez, vai caber ali na alteração substancial dos factos. No
entanto, vamos, ainda, referir o regime da alteração não substancial dos factos apenas por
uma questão de estruturar a matéria.

Na situação de alteração não substancial dos factos descritos na acusação ou no requerimento


de abertura de instrução, vamos olhar para os números 1 e 2 do artigo 303º CPP. E o que é que
nos diz o artigo 303º/1 e /2 CPP? Dizem-nos que, se dos atos da instrução ou do debate
instrutório resultar alteração não substancial dos factos, descritos na acusação do MP ou do
assistente ou no requerimento de abertura de instrução, o juiz de instrução criminal,
oficiosamente ou a requerimento, vai comunicar a alteração ao defensor, interrogar o arguido
sobre ela e ainda conceder um prazo para o arguido preparar a sua defesa.

Imaginemos que estamos numa situação em que houve um furto de um relógio da marca
Casio, no valor de 100 euros. Durante a fase de instrução, veio-se verificar que a marca não era
aquela, mas era a Swatch, sendo o valor na mesma de 100 euros. A única coisa que muda é a
marca do relógio. Apesar de ser um novo facto, ele não acarreta uma alteração substancial dos
factos – acarreta sim uma alteração não substancial dos factos, na medida em que não altera
em nada a sanção que está prevista nem imputa ao arguido um crime diverso.

Aquilo que se deve fazer, então (o juiz de instrução criminal) perante uma alteração não
substancial dos factos, é comunicar ao defensor do arguido, interrogar o arguido e dar um
prazo para preparar a sua defesa, sendo que esse prazo não deve ser superior a 8 dias.

Se o juiz não pode ter em conta este facto novo porque ele gera uma alteração substancial
daqueles factos que conformam o objeto do processo, o que vai acontecer a esses factos?

Como estávamos a dizer, o juiz não pode ter em conta este novo facto. No nosso caso, significa
que o juiz não vai pronunciar o arguido pelo novo facto, pelo facto de aquela violação ter feito
com que houvesse uma gravidez daquela vítima.

O que é que vai acontecer a este novo conhecimento que se tem acerca da gravidez? Temos
de olhar para o nº4, que nos diz que a comunicação da alteração substancial dos factos vale
como denúncia se eles forem autonomizáveis. Ou seja, se temos um novo facto em que o juiz
não pode pegar, temos de tentar perceber se o facto é autonomizável ou se ele é não
autonomizável, fazendo esta distinção.

O que é que vai acontecer? O destino depende – se ele é autonomizável ou se ele é não
autonomizável. Quando ele for autonomizável em relação ao objeto do processo, o juiz deve
comunicar esse facto ao MP e essa comunicação vai valer como uma denúncia, no sentido em
que o MP, caso estejam reunidas as condições legais, vai poder proceder por esse facto.

Quando é que o facto é autonomizável? Vai ser quando ele puder ser separado dos factos que
fazem parte do objeto do processo, ou seja, quando ele pode ser separado dos factos que
compõem o objeto do processo e quando for suscetível de, por si só – ou seja, separado dos
outros factos -, de fundamentar uma incriminação autónoma. Ou seja, um facto é
autonomizável quando podemos retirá-lo do objeto do processo e, com base nele, abrir um
inquérito novo (dar início a um outro processo penal). Se ele for autonomizável – se o
pudermos separar do objeto do processo e, com base nele, abrir um novo processo, então, o
juiz deve pegar nesse facto autonomizável e deve comunicá-lo ao MP para que esse proceda
por esse facto.

Por outro lado, se o facto for não autonomizável, ou seja, se não o pudermos separar do
objeto do processo e não pudermos, com base nele, fundamentar uma incriminação, então,
esse novo facto vai perder-se, vai ser totalmente ignorado. Ou seja, não vai ser tido em conta
pelo tribunal nem vai dar lugar à abertura de um novo inquérito.

A gravidez não é autonomizável – ninguém pode ser acusado por uma gravidez…

Isto é por uma defesa do arguido – até àquele momento, ele não sabia. Não pode ser
confrontado, do nada, com uma possível agravação que ele não estava à espera. Se só com
base na gravidez pudéssemos dar início a um inquérito, iríamos iniciar um novo processo por
causa dessa tal gravidez. Contudo, o facto “gravidez”, por si só, não pode dar origem a uma
incriminação. Por ser não autonomizável, vai ter de se perder – vai ser ignorado pelo tribunal
porque gera uma alteração substancial dos factos, mas não pode ter sido em conta; também
não vai dar origem a uma denúncia ao MP.

A ideia é a mesma da anterior, apenas estando nós agora na fase de julgamento. Agora, é o
crime de homicídio (131º CP). Contudo, na fase de julgamento, veio a descobrir-se que isso foi
feito com o intuito de encobrir um crime prévio.

Temos, então, de saber se este novo facto gera uma alteração substancial dos factos descritos
na acusação ou na pronúncia. Vejamos o artigo 131º CP: quem matar outra pessoa é punido
com uma pena de prisão de 8 a 16 anos. É o crime de homicídio simples.

Contudo, se olharmos para o 132º CP, já não estamos perante um crime de homicídio simples
quando ele queria encobrir outro – estamos perante um crime de homicídio qualificado
(132º/2, g) CP). Ou seja, este novo facto, que consiste no agente ter praticado homicídio para
encobrir outro crime gera uma qualificação, gera a imputação de um crime diferente. Antes,
era o tipo de crime de homicídio simples e agora estamos perante um homicídio qualificado.
Ou seja, temos ou não uma alteração substancial? Sim, temos, nos termos do artigo 1º, f) CPP.

Vamos, então, ver como é que tratamos disto na fase de julgamento.


Quando houver novo facto que gere alteração não substancial, o presidente do tribunal vai
comunicar a alteração do arguido e vai conceder-lhe o tempo estritamente necessário para
preparar a sua defesa, ressalvando-se o caso de a alteração ter derivado de factos alegados
pela própria defesa. Se foram eles a trazê-los, já contavam com eles. Mais uma vez, a alteração
não substancial dos factos devem revelar-se relevante para a decisão da causa – se não, nem
faz sentido o juiz atender a esse novo facto.

NOTA sobre o tempo que o juiz vai dar para preparação da defesa: prazo correspondente ao
tempo necessário para preparar a sua defesa, que deve ser estritamente necessário – é o
tempo que se revele suficiente e necessário à preparação da defesa do arguido, tendo em
conta a natureza e complexidade do caso.

Mas o que temos aqui é uma alteração substancial. Nos termos do 359º CPP, a alteração ou o
novo facto que gera esta alteração substancial não vai poder ser tida em conta. Se o tribunal
tiver em conta este novo facto que gera alteração substancial, então, a sua sentença/decisão
vai padecer de nulidade. REGRA-GERAL: o facto não vai poder ser tido em conta se gerar uma
alteração substancial.

CONTUDO, existe uma exceção, que diz respeito aos casos em que há um acordo entre o MP, o
arguido e o assistente. Se o MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo com a
continuação do julgamento pelos novos factos e se estes não determinarem a incompetência
do tribunal, então o tribunal vai poder tê-los em conta.

No nosso caso, sabemos que o homicídio foi para esconder/encobrir uma violação. Sabemos
que é uma alteração substancial dos factos. Este novo facto, à partida, não vai ser tomado em
conta pelo tribunal para efeito de condenação, ou seja, o tribunal não podia condenar o
arguido pelo crime de homicídio qualificado – apenas poderia condenar o arguido pelo crime
de homicídio simples porque ele não vai ter em conta, não vai poder tomar em consideração o
facto novo que gerou a qualificação.

No entanto, se o MP, o arguido e o assistente acordarem em aceitar esse facto, ou seja, se eles
estiverem de acordo com a continuação do julgamento pelo facto novo, então, esse facto vai
poder ser conhecido pelo tribunal.
Nessa situação, se houver esse acordo, aquilo que o juiz tem de fazer é dar ao arguido, a
requerimento deste, um prazo para preparar a sua defesa. Se houver um acordo acerca do
conhecimento do facto (que pode ser conhecido), o que o juiz tem de fazer é dar um prazo
para preparação da defesa, mas que não pode ultrapassar os 10 dias (359º/4 CPP).

Caso não haja este acordo, então, o facto não vai poder ser conhecido. Voltamos à regra-geral
(não vai ser tomado em consideração pelo tribunal para efeitos de condenação). Mais uma
vez, qual é o destino deste facto? Acontece a mesma coisa que na situação anterior – temos de
ver se o facto é autonomizável em relação ao objeto do processo ou se o facto é não
autonomizável em relação ao objeto do processo. Se o facto for autonomizável, então, a
comunicação da alteração substancial dos factos vale como denúncia para que ele proceda
pelos novos factos. Se não for autonomizável, vai perder-se – sozinho, não vai servir de nada
para uma nova incriminação, ou seja, vai perder-se, não tendo qualquer relevância. Ou seja,
aquela violação prévia ao homicídio, que o homicídio pretendeu encobrir vai ser um facto
autonomizável ou não autonomizável? É autonomizável, no sentido em que a violação,
sozinha, por si só, pode dar origem a uma perseguição criminal (incriminação). Ora, o juiz, o
tribunal do julgamento, deve comunicar esse novo facto ao MP a título de denúncia, para que,
reunidas as condições para tal, o MP possa proceder pelos factos novos (no caso, violação).

ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA

Anteriormente, vimos situações a surgir depois de o objeto já estar fixado.

Quando falamos de alteração da qualificação jurídica, já não falamos de novos factos – ou seja,
não há aqui factos novos a surgir: os factos são exatamente os mesmos, aqueles que já eram
conhecidos de antemão. Simplesmente vai alterar-se a sua qualificação jurídica.

Um exemplo de escola é o seguinte: um determinado indivíduo é acusado de um crime de


homicídio simples por se ter entendido, com base nos factos apurados durante a fase de
inquérito, que a morte não foi produzida em circunstâncias que revelassem uma especial
censurabilidade ou perversidade.

Ou seja, o MP decidiu acusar o arguido de um homicídio simples e não de um qualificado


porque o MP entendeu que a morte não foi produzida em circunstâncias que apontassem para
uma especial censura e perversidade.

Em fase do julgamento, perante os mesmos factos, o tribunal concluiu que se verifica tal
especial censurabilidade e, portanto, condena o agente pelo crime de homicídio qualificado.
Ou seja, na alteração da qualificação jurídica, os factos são exatamente os mesmos. Contudo, o
MP qualifica-os de determinada maneira na acusação e o tribunal vai pegar nesses mesmos
factos e dar-lhe uma roupagem um bocadinho diferente.

Vai dizer que o MP, apesar de ter dito que era X crime, não era aquele.

Esta figura vai ter um tratamento jurídico que está no 303º/5 CPP. Se a alteração ocorrer
durante a fase de julgamento, olhamos para o 358º/3 CPP. Ou seja, tanto num caso como no
outro, o tratamento que se vai dar à alteração da qualificação jurídica vai ser muito
semelhante ao tratamento que se vai dar à alteração não substancial dos factos. Ou seja, é
semelhante a esse regime da alteração não substancial dos factos, ou seja, o juiz vai atribuir ao
arguido um tempo para preparar a sua defesa: vai comunicar-lhe a alteração da qualificação
jurídica e vai dar um prazo para preparar a sua defesa.

Temos, então, de determinar qual é o tribunal competente, sendo que começaríamos por
fazer, na resolução deste caso, uma breve referência ao princípio do juiz natural (32º/9 CRP).
Quer dizer este que nenhuma causa pode ser subtraída ao tribunal cuja competência esteja
fixada em Lei anterior.

Ora, depois, passaríamos para a questão que realmente interessa, que é a competência dos
tribunais, que se encontra regulada nos artigos 8º e ss. CPP, na LOSJ e no DL 49/2014, de 27 de
março [conhecemos de Processo Civil].

Ora, quando falamos, então, de competências de tribunais, temos de começar por avaliar a
competência funcional, no sentido de percebermos se a questão em causa – o crime – será da
competência do STJ, de um Tribunal da Relação ou de um Tribunal de 1ª instância (sendo que
estes últimos são de comarca, como sabemos).

Tanto o STJ, tanto os da Relação, estão mais associados a questões de recurso ou crimes
praticados por pessoas que têm “poderes especiais” (ex.: crimes cometidos pelo Presidente da
República). Aqui, fica fácil saber qual é o tribunal competente.

Isto porque, tratando-se de um primeiro conhecimento dos factos – não se trata de recurso
nem nenhum agente especial ou uma situação de conflito de competências -, não cabe ao STJ
e à Relação. [A Ritinha falou por alto, é melhor vermos melhor os artigos que atribuem a
competência à Relação e ao STJ – CPP e LOSJ]

Não levanta grandes dúvidas porque a maioria dos casos é da competência dos tribunais de
comarca, de 1ª instância. Os tribunais de comarca (1ª instância) vão julgar os processos que
não caibam à Relação nem ao STJ – têm competência RESIDUAL.

Serão esses que têm competência para julgar o Alberto. Ora, determinado o que é um tribunal
de 1ª instância, temos de olhar para a competência material.

Isto porque os tribunais de 1ª instância estão divididos em três. Pode ser um tribunal de júri,
pode ser um tribunal coletivo ou funcionar como tribunal singular.

Ora, o tribunal de júri tem a sua competência estabelecida no artigo 13º CPP (e também no
136º e ss. da LOSJ).
O tribunal de júri tem uma idiossincrasia, particularidade – prende-se com o facto de apenas
haver intervenção de júri quando seja requerida, ou seja, apenas haverá o funcionamento de
um tribunal de júri mediante um requerimento pelo MP do assistente ou do arguido. Portanto,
tem de haver sempre um requerimento para que o tribunal de 1ª instância funcione como um
tribunal de júri. Mesmo havendo requerimento por parte de um desses 3 sujeitos processuais,
o tribunal de júri só pode acontecer mediante determinadas matérias, condições. Isto porque
o tribunal de júri não vai poder funcionar em relação a todos os crimes e mais alguns.

Vejamos, ainda, que o tribunal de júri, para ser requerido, tem um prazo. São aqueles que
constam do artigo 13º/3 CPP, sendo ainda, que este requerimento é irretratável – uma vez
feito, não há volta a dar, não podendo nós revogar este requerimento.

Depois deste, temos o tribunal coletivo.

Naquele grupo de crimes, mediante requerimento, a competência passa para um tribunal de


grupo (naquele grupo de crimes). Mas apenas se estiverem preenchidos os requisitos para o
tribunal de júri.

Vejamos que toda a atribuição de competência para os tribunais é feita com base em critérios
quantitativos e qualitativos. Nos casos em que falamos de tipos de crimes, estamos perante
um critério qualitativo – fala dos tipos de crimes que cabem na competência de determinado
tribunal.

Ou seja, a pena máxima de determinado cúmulo jurídico tem de ser superior a 5 anos. Mesmo
que cada um destes crimes seja punível com uma pena que, no máximo, seja inferior a 5 anos.
(caso do concurso de crimes – cúmulo jurídico maior do que 5 anos, mesmo que não seja 5
anos a pena de cada um dos crimes).

Tem uma competência residual – vai cair na sua competência o julgamento de todos os
processos que não couberem na competência dos tribunais coletivos ou dos tribunais de júri.

Para além desta competência residual, ele tem, ainda uma competência própria, ou seja, mais
específica, que está no artigo 16º/2 CPP. Alínea a) temos um critério qualitativo e alínea b)
temos um critério quantitativo.

ARTIGO 16º/3 CPP!!!!

Há situações em que temos um crime punível com pena máxima superior a 5 anos e que, por
isso, caberia na competência do tribunal coletivo (14º/2, b) CPP). No entanto, o MP vai, na fase
de inquérito e manifestando-a na fase de acusação, no caso concreto, não deve ser aplicada
uma pena superior a 5 anos.

Ou seja, o juiz podia aplicar uma pena de até 8 anos, mas o MP entende que a pena a aplicar
naquele crime, naquele caso, não deve superar os 5 anos. Contudo, na Lei, podia estar previsto
que ia até aos 8…

Então, não seria a competência do tribunal coletivo, mas do tribunal singular, por força deste
artigo 16º/3 CPP.

Neste caso, estamos a falar de crimes cuja pena máxima é superior a 8 anos de prisão. Quando
isso acontece, temos várias hipóteses. Falando do tribunal de júri, o MP pode, apesar de a
pena poder ir até 8 anos e o MP achar que só deve ir até 5 anos, leva a que o crime seja
tratado no tribunal ____.?? É para precaver as situações em que o MP pode usar a
prerrogativa do 16º/3 CPP.

VOLTANDO AO CASO CONCRETO

O crime de homicídio a pedido da vítima vai caber em que competência? Juri, coletivo ou
singular? Temos de olhar para a norma que prevê o homicídio a pedido da vítima. Qual é a
pena prevista para o crime de homicídio a pedido da vítima? Até 3 anos de prisão – é tribunal
singular, por força do artigo 16º/2, b) CPP: processo que respeita a crime cuja pena máxima
abstratamente aplicável é inferior a 5 anos de prisão.
Então, à partida, será competente um tribunal singular, por força do artigo 16º/2, b) CPP.

No entanto, ainda temos de olhar para a competência do tribunal coletivo. Em particular,


temos de olhar para o 14º/2, a) CPP. Estabelece que compete, ainda, ao tribunal coletivo que,
não devendo ser julgados pelo tribunal singular, respeitarem a crimes dolosos ou agravados
pelo resultado, quando for elemento do tipo a morte de uma pessoa. Ou seja, sempre que nos
depararmos como um crime que tem como elemento do tipo a morte de uma pessoa –
sobretudo, crimes de homicídio – e se eles forem dolosos, podemos atribuir a competência ao
tribunal coletivo. Isto porque o critério quantitativo do artigo 16º/2, b) CPP vai ser superado,
suplantado, pelo critério qualitativo do artigo 14º/2, a) CPP. O critério qualitativo prevalece
sobre um critério quantitativo. Portanto, apesar de a pena máxima do crime de homicídio a
pedido da vítima ser inferior a 5 anos de prisão, estamos perante um crime doloso que tem
como elemento do tipo a morte de uma pessoa. Portanto, cabe neste critério qualitativo de
atribuição de competência ao tribunal coletivo.

Em vez de ser competente o tribunal singular, vai ser competente um tribunal coletivo.

Ainda temos de falar da competência territorial, em função do lugar que vai ser determinado
pela Lei como relevante para essa competência. Temos de atender ao artigo 19º e ss. do CPP.
Estabelece que é competente para conhecer de um crime o tribunal em cuja área se tiver
verificado a consumação. O primeiro aspeto a que temos de atender, pois é a regra-geral, é a
área onde se verificou a consumação. Ou seja, vamos olhar para o sítio onde ocorreu a
consumação e será competente o tribunal dessa área. No nosso caso, nós não vamos seguir
esta regra inicial do 19º/1 CPP porque temos de olhar para o 19º/2 CPP. Tratando-se de crime
que compreenda a morte de uma pessoa como elemento do tipo, é competente o tribunal da
área em que atuou ou que deveria ter atuado. Tratando-se de um crime que, para ficar
preenchido o tipo, se exige a morte de uma pessoa (caso do homicídio a pedido da vítima), é
competente o tribunal da área onde o agente atuou ou, em caso de omissão, onde deveria ter
atuado.

Ou seja, no nosso caso, vamos ter de atender ao caso em que o arguido atuou e não onde a
morte realmente aconteceu. Este artigo 19º/2 CPP está pensado para as situações em que a
ação ocorre num lugar e o resultado noutro. Vejamos que isso é o que aconteceu no nosso
caso – ele administrou em Aveiro, mas ele apenas morreu em Coimbra, no hospital. Há aqui
um distanciamento que determinou que o lugar da ação fosse um e o da morte fosse outro.
Para resolver eventuais dúvidas, ele escolheu o lugar da ação. Com base no 19º/2 CPP, seria
competente para conhecer do nosso caso o tribunal coletivo da comarca, de 1ª instância, de
Aveiro (Águeda pertence a Aveiro).

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