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A SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO: E OS

CASOS DE CONCURSO DE CRIMES

Jessica Bianca Pires Teixeira

Faculdade de Direito da Universidade do

Porto Porto, Julho de 2023


RESUMO

O presente estudo visa fazer uma breve exposição sobre o instituto da suspensão
provisória do processo, no âmbito do processo penal comum, com o intuito de
entendermos como este mecanismo alternativo de resolução de controvérsias juridico-
penalmente relevantes se insere no nosso ordenamento jurídico interno.
Neste sentido, vamos debruçar-nos sobre o seu conceito e natureza, para
compreendermos o alcance de cada um.
Não obstante, discorreremos, ainda, sobre as alterações legislativas que têm
vindo a ser introduzidas ao próprio instituto no sentido de alargar o seu âmbito de
aplicação.

PALAVRAS-CHAVE: suspensão provisória do processo; processo penal; consenso;


oportunidade; legalidade

2
ÍNDICE

Resumo..............................................................................................................................2

Siglas e Abreviaturas…....................................................................................................4

I. Conceito e natureza do instituto......................................................................5

II. Definição jurídico-legal consagrada no artigo 281.º do CPP..........................9

III. Sujeitos processuais intervenientes................................................................11

IV. Pressupostos materiais de aplicação e injunções e regras de

conduta...........................................................................................................13

Conclusão…....................................................................................................................16

Bibliografia.....................................................................................................................18

3
SIGLAS e ABREVIATURAS
Ac. - Acórdão
Art.º - Artigo
BFDC - Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
CPP - Código de Processo Penal
CP – Código Penal
CRP - Constituição da República Portuguesa
DL – Decreto-Lei
DR – Diário da República
JIC – Juiz de Instrução Criminal
MP - Ministério Público
TRG – Tribunal da Relação de Guimarães
TRL - Tribunal da Relação de Lisboa
STJ - Supremo Tribunal de Justiça

4
I. Conceito e natureza do instituto

Consagrado no artigo 281.º do Código de Processo Penal Português 1, o instituto da


suspensão provisória do processo caracteriza-se por ser um dos mecanismos que visa
uma solução divertida e consensual na resolução de uma controvérsia juridicamente
relevante, no âmbito de um processo penal.2
Para que possamos compreender com clareza o alcance, quer do conceito quer da
natureza deste instituto, primeiramente, é crucial conhecermos de forma breve o
percurso processual que é feito desde que se inicia a fase de inquérito até ao despacho
que suspende provisoriamente o processo. Vale ainda referir que, por razões de
limitação de tempo e da própria estrutura do presente artigo, o objeto de estudo limitar-
se-á apenas à suspensão provisória do processo no âmbito de um processo penal
comum, nos termos do artigo 281.º do CPP, ficando para uma outra oportunidade o
estudo deste mesmo instituto com as especificidades que lhe são atribuídas em outras
fases3 do processo ou em processos especiais4.
Com a aquisição da notícia do crime, nos termos dos artigos 241.º e 262.º do CPP, o
Ministério Público (autoridade judiciária, art.º 1.º do CPP), por força dos princípios
gerais da promoção processual5 e enquanto titular da ação penal (art.º 219, n.º 1, da CRP
e artigos 48.º e ss. do CPP), dá início à fase de inquérito6.
A fase de inquérito – no âmbito do processo penal comum – “compreende o
conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os
seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à
decisão sobre a

1
Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 94/2021 de 21 de Dezembro, publicado no DR n.º 245/2021,
Série I. Estas alterações, grosso modo, vieram introduzir de forma expressa a possibilidade deste instituto
ser aplicado em processos contra pessoa coletiva ou entidade equiparada.
2
Neste sentido, F. TORRÃO, A relevância político-criminal da suspensão provisória do processo, 2000,
pp. 137 e ss.
3
Na fase de instrução de acordo com o disposto no art.º 307.º, n.º 2 do CPP.
4
Nos processos especiais, sumário e abreviado, nos termos dos artigos 384.º, n.º 1 e 391.º-B, n.º 4
respetivamente, ambos do CPP.
5
Sobre o princípio da oficialidade, da legalidade e da acusação e seus desdobramentos, M. JOÃO ANTUNES,
Direito Processual Penal, 2017, pp. 60 e ss.
6
Ressalvadas as exceções consagradas no n.º 2 do art.º 262.º do CPP. Isto é, em princípio, a notícia do
crime dá sempre lugar à abertura de inquérito por parte do MP, contudo, excetuam-se aqui os crimes
semi- públicos, pois estes dependem de apresentação de queixa; os crimes particulares pois estes últimos
além de dependerem de apresentação de queixa, depende ainda de que o ofendido se constitua assistente e
deduza acusação particular; bem os casos em que a denúncia anónima não obedece às exigências
5
previstas no art.º 246, n.º 6 do CPP — cfr. M. JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p. 78.

6
acusação”7. Nas palavras de Maria João Antunes, «no âmbito do processo penal comum
a fase de inquérito é a fase de investigação por excelência»8.
Assim como compete ao Ministério Público dar início ao inquérito compete também
a este, nos termos do disposto no artigo 276.º do CPP, diligenciar no sentido do seu
encerramento respeitando os seus prazos máximos de duração. Para o efeito, o MP
emite despacho final de arquivamento ou despacho de acusação, e faz-se mister
entender que os fundamentos (pressupostos) que estão na base de um e outro despacho,
diferem.
O MP diligencia no sentido do arquivamento do inquérito “logo que tiver recolhido
prova bastante de se não ter verificado crime, de o arguido não o ter praticado a
qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento” de acordo com o
disposto no art.º 277.º, n.º 1 do CPP e “o inquérito é igualmente arquivado se não tiver
sido possível ao Ministério Público obter indícios suficientes da verificação de crime ou
de quem foram os agentes” nos termos art.º 277.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.
Diferentemente, nos termos do art.º 283.º do CPP, o MP, por despacho, irá deduzir
acusação “se durante o inquérito tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter
verificado o crime e de quem foi o seu agente”, dispondo do prazo de 10 dias para o
fazer.
Não obstante, terem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado o crime
e de quem foi o seu agente, durante a fase de inquérito, a lei consagra mecanismos
alternativos ao despacho de acusação, nomeadamente, o instituto do arquivamento em
caso de dispensa de pena9 e o instituto sobre o qual versa o presente artigo - a suspensão
provisória do processo10.
Assim, o instituto da suspensão provisória do processo pretende dar cumprimento às
finalidades previstas no n.º 1 do art.º 40.º do CP, segundo o qual “a aplicação de penas e
de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente
na sociedade.”11 Na ótica de Fernão Torrão, apesar de o art.º 40.º do CP se referir aos
fins das penas e das medidas de segurança, devemos entender como “reportando às
finalidades a prosseguir pelo sistema jurídico-penal considerado no seu todo. Seja
através de penas e de medidas de segurança, seja através de outro tipo de reacções
penais, incluindo soluções

7
Art.º 262.º do CPP.
7
8
Cfr. M. JOÃO ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p. 78.
9
Art.º 280.º do CPP.
10
No mesmo sentido, M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, pp. 88 e ss.
11
Cfr. P. M. CARVALHO, Manual Prático de Processo Penal, 2020, p. 353.

8
intra-processuais, entre as quais se inclui, ao lado do arquivamento por dispensa de
pena, a suspensão provisória do processo”.12
Destarte, a admissibilidade da suspensão provisória do processo depende da decisão
por consenso entre diferentes sujeitos processuais, nomeadamente do MP, do JIC, do
arguido e do assistente13. Ora, sem dúvida que a consagração deste instituto no CPP de
1987 se revelou uma verdadeira inovação, no sentido em que se abriu caminho, no
direito positivo português, para o entendimento de que a pena não é o “único
instrumento político-criminal adequado à reafirmação ou reposição dos bens jurídicos
violados.”14
A admissibilidade da suspensão provisória do processo, depende da conformidade
entre os sujeitos processuais como referimos e apresenta-se, ainda, no nosso
ordenamento jurídico, como um mecanismo de diversão com intervenção que permite
uma solução desviada do processamento normal que seria prosseguir com o processo
para as suas fases subsequentes até ao julgamento. Isto é, não podemos obliterar o fato
de que em casos de suspensão provisória do processo, o MP investigou e efetivamente
obteve indícios da prática do crime e de quem foi o seu agente, nesta senda o MP, por
força do princípio da legalidade, deveria proferir despacho de acusação. Por isto, a
doutrina divide-se no sentido em que uns doutrinadores, como Fernando Torrão,
apontam que este instituto configura um verdeiro afloramento do princípio da
oportunidade e outros, como Maria João Antunes e Figueiredo Dias, apontam-no como
sendo apenas uma limitação ao princípio da legalidade.
Nas palavras de Maria João Antunes, “Não se pode afirmar, porém, que há
consagração do princípio da oportunidade, quando há renúncia à aplicação da pena por
via processual. Os artigos 280.º, 281.º, n.ºs 1 a 6, e 282.º do CPP, enquanto mecanismos
de diversão (simples no arquivamento em caso de dispensa da pena e com intervenção
na suspensão provisória do processo) que permitem uma solução desviada, divertida, do
processamento normal, traduzem-se num certo sentido, numa limitação ao princípio da
legalidade, na medida em que constituem uma alternativa à dedução da acusação. Trata-
se, porém, de uma alternativa para os casos que a lei expressamente prevê e segundo
pressupostos legalmente fixados, devidamente enquadrada do ponto de vista político-
criminal a partir dos tópicos da resolução consensual e divertida do conflito jurídico-

12
Cfr. F. TORRÃO, Admissibilidade da suspensão provisória do processo nas situações previstas pelo artigo
16.º, n.º do CPP, 2010, p. 1207.
13
Cfr. infra, ponto III.
9
14
Cfr. F. TORRÃO, A Relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo, 2000, p. 233.

10
penal, do tratamento diferenciado da pequena e média criminalidade, da não
estigmatização do arguido e da menor intervenção do sistema formal de controlo. Na
medida em que este sistema se orienta por finalidades preventivas da punição e aceita o
carácter unilateral do princípio da culpa. Num sentido mais rigoroso a aplicação destes
institutos traduz-se afinal em obediência à lei.”1516

Por sua vez, Fernando Torrão, entende que “Estamos, pois, perante um afloramento
do princípio da oportunidade que permite uma inovadora solução de diversão no direito
processual penal português, pensada para a pequena e média criminalidade. Consagrado
fica também um espaço de diálogo e consenso entre vários sujeitos processuais. Isto sob
a égide dos princípios da economia e da celeridade e de um horizonte criminológico e
político-criminal tendente à subtração do estigma que uma audiência de julgamento
sempre pode implicar.”17
No que à natureza do instituto da suspensão provisória do processo diz respeito,
dúvidas não há de que este apresenta uma natureza híbrida, pois surge como um
mecanismo intraprocessual no âmbito de um processo penal, visando garantir
finalidades de natureza processual e substantiva.18

15
Cfr. M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p. 69
16
No mesmo sentido, M. COSTA ANDRADE, Consenso e oportunidade: reflexões a propósito da
suspensão provisória do processo e do processo sumaríssimo, 1988, p. 346 “No plano material e
teleológico, o que está em causa é uma solução de continuidade ou de «fusão horizôntica» entre a
legalidade e a oportunidade, mediatizada por uma relação de comunicabilidade entre o direito penal e
substantivo e o processo penal. Realiza, na expressão de riess «uma transferência da política criminal para
o processo”.
17
Cfr. F. TORRÃO, A relevância político-criminal da suspensão provisória do processo, 2000, pp. 137 e ss.
18
“A mera subtracção do arguido ao contacto com as instâncias formais de controlo e a celeridade
processual que a diversão proporciona, constituem factores que, por si só, a prossecução de um programa
político criminal hegemonicamente preventivo, seja do ponto de vista da prevenção especial – retirar o
arguido do sistema formal-processual punitivo pode ser decisivo, pelo menos para a sua não
dessocialização
–, seja do ponto de vista da prevenção geral – a celeridade processual favorece a credibilização do sistema
11
–.” — Cfr. F. TORRÃO, A relevância político-criminal da suspensão provisória do processo, 2000, p. 235.

12
II. Definição jurídico-legal consagrada no artigo 281.º do CPP

Ao longo dos tempos, o artigo 281.º do CPP tem vindo a sofrer diversas
modificações, com as alterações e aditamentos legislativos que têm vindo a ser
introduzidos, contando com um total, até ao momento, de sete alterações legislativas.
Queremos aqui mencionar algumas delas.
Ora, logo no seu n.º 1, o texto original do Código de Processo Penal de 1987 19,
preceituava o seguinte: “Se o crime for punível com pena de prisão não superior a três
anos ou com sanção diferente da prisão, pode o Ministério Público decidir-se, com a
concordância do juiz de instrução, pela suspensão do processo, mediante a imposição ao
arguido de injunções e regras de conduta.” Comecemos por apontar o fato de que
atualmente, na redação atual do artigo, a lei manteve a aplicação do instituto da
suspensão provisória a crimes que contemplem uma sanção diferente da prisão, mas
agora o mesmo instituto aplica-se a crimes com pena de prisão não superiores a 5 anos 20
e não apenas a crimes com pena de prisão não superiores a 3 anos. A lei ampliou a
possibilidade de aplicação deste instituto a crimes que contemplem penas de prisão com
molduras penais mais elevadas, o que denota aqui um claro alargamento legislativo no
sentido de permitir que um maior número de processos-crime se possa socorrer deste
instituto numa tentativa de resolução do conflito por via do consenso. Esta ampliação,
por si só, já nos leva a crer que o legislador verdadeiramente acredita que esta forma de
resolução de litígios penais é vantajosa.
Queremos, também, fazer menção de uma outra alteração21 que foi introduzida,
ainda, no n.º 1 do art.º 281.º do CPP que é o fato da suspensão provisória do processo
poder ser, atualmente, requerida pelo arguido e pelo assistente, algo que não estava
expressamente consagrado na versão originária do texto, pois nesta versão a iniciativa
de lançar mão deste mecanismo cabia inteiramente ao MP. Com a possibilidade da
suspensão provisória do processo poder ser requerida pelo próprio arguido e pelo
assistente, a lei permite a estes sujeitos processuais um maior nível de intervenção22,
podendo partir destes a

19
DL. n.º 78/87 de 17 de Fevereiro de 1987.
20
Com as alterações introduzidas pela lei.
21
Com as alterações introduzidas pela lei.
13
22
Cfr., infra, ponto III.

14
iniciativa, na escolha entre levar efetivamente o processo até aos seus termos ulteriores
– o julgamento – ou, efetivamente, findar o processo pela via do acordo, pela via
negocial por considerarem ser esta via a mais vantajosa.
No que concerne às alterações legislativas, queremos mencionar uma última e, a
mais recente, que foi introduzida no ano passado e que alargou expressamente, com o
aditamento do n.º 11 ao art.º 281.º23, a possibilidade deste instituto se aplicar aos casos
de processos contra pessoa coletiva ou entidade equiparada.
Estas alterações legislativas que se apresentam, nitidamente, no sentido de permitir a
aplicação da suspensão provisória do processo a um número cada vez maior de
processos- crime, revelam-nos que este mecanismo tem sido considerado, ao longo dos
anos, uma excelente forma de resolver algumas das controvérsias jurídico-penais que
são levadas aos tribunais judiciais portugueses.

23
Com as alterações introduzidas pela lei…

15
III. Sujeitos processuais intervenientes

Tendo em consideração a breve análise24 que fizemos à atual redação do artigo 281.º
do CPP concluímos que a aplicação do instituto da suspensão provisória do processo
depende efetivamente da intervenção25 de diversos sujeitos processuais26,
nomeadamente, e em primeira linha do MP, seguidamente do juiz de instrução, do
arguido e do assistente. Apesar da aplicação da suspensão provisória do processo estar
dependente desta concordância entre os sujeitos processuais já mencionados,
entendemos que cada um deles intervém em medidas diferentes para este resultado.
Não podemos olvidar que no âmbito do processo penal a cada sujeito processual é
atribuído um estatuto diferente e que a cada estatuto corresponderem diferentes
princípios jurídico-constitucionais que fundamentam e determinam a posição de cada
um dos sujeitos perante o processo.27 Como é lógico o estatuto jurídico que lhes é
atribuído reflete-se claramente, determinando
o grau de influência que cada um deles exerce, neste consenso.
Começando pelo MP, a quem compete exercer a ação penal28, é a este sujeito
processual que incumbe determinar, ex officio ou a requerimento do arguido ou do
assistente, a suspensão provisória do processo. Se estiverem preenchidos os
pressupostos dos quais depende a aplicação deste instituto, o MP “tem o poder-dever de
determinar a suspensão provisória do processo”29. E caso não o faça o juiz não tem o
poder de o substituir30. Além disto, a decisão por parte do MP de proferir despacho de
suspensão provisória do processo (ou de admissão ou de rejeição desta quando seja
requerida pelo arguido ou pelo assistente) não é suscetível de impugnação, podendo
apenas o interessado suscitar, ao abrigo do artigo 278.º do CPP, a reclamação
hierárquica31.

24
Cfr. supra, ponto II.
25
E entenda-se aqui intervenção como concordância/consenso.
26
Os sujeitos processuais são titulares de “direitos autónomos de conformação da concreta tramitação do
processo como um todo, em vista da sua decisão final — cfr. J. F IGUEIREDO DIAS, Sobre os sujeitos
processuais no novo Código de Processo Penal, 1988, p. 9.
27
A propósito do exposto, mais desenvolvidamente, M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p.
29.
28
Na suspensão provisória do processo, o MP assume um papel fundamental, pois é nele que reside a
faculdade de promover ou não o instituto. É esta uma concretização do princípio da oficialidade na
medida em que, sendo este um princípio norteador de todo o processo penal, atribui a competência ao
Ministério Público de iniciar a investigação da prática de um crime e a decisão de a submeter ou não a
julgamento — cfr. F. TORRÃO, A Relevância Político-Criminal da Suspensão Provisória do Processo,
16
2000, p. 185.
29
Neste sentido, P. M. CARVALHO, Manual Prático de Processo Penal, 2020, p. 349.
30
Cfr. Acórdão do TRL, de 20.04.2017, Processo n.º 1.401/16.8PBCSC.L1-9, disponível em www.dgsi.pt.
31
Cfr. Acórdão do TRG, de 08.05.2017, Processo n.º 59/16.9PTVRLG1, disponível em www.dgsi.pt.

17
Quanto ao JIC, na fase de inquérito, atua este como o “juiz das liberdades” 32, na
medida em que é este o sujeito processual que garante os direitos, liberdades e garantias
fundamentais dos indivíduos, assim, caso não haja a concordância deste sujeito no
sentido de se aplicar a suspensão provisória do processo, o processo irá seguir os seus
trâmites ordinários, como se o MP não tivesse diligenciado no sentido de se suspender
provisoriamente o processo.33 O STJ fixou jurisprudência no sentido de que “A
discordância do juiz de instrução em relação à determinação do Ministério Público,
visando a suspensão provisória do processo, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do
artigo 281.º do Código de Processo Penal, não é passível de recurso”34.

32
Cfr. M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p. 32.
33
No mesmo sentido, P. M. CARVALHO, Manual Prático de Processo Penal, 2020, p. 349.
34
Cfr. Acórdão do STJ n.º 16/2009, de 24.12.2009, Processo n.º 270/09.9YFLSB, publicado no DR n.º 248,
Série I.

18
IV. Pressupostos materiais de aplicação e injunções e regras de conduta

De acordo com o disposto no artigo 281.º, n.º 1, a aplicação da suspensão provisória


do processo implica na imposição ao arguido de determinadas injunções e/ou regras de
conduta. No n.º 2 do mesmo artigo, da alínea a) à m) encontramos consagrada uma lista
exemplificativa das injunções e regras de conduta que são oponíveis ao arguido, e que
podem ser aplicadas separada ou cumulativamente. Como exemplo de injunção, temos a
obrigação de indemnizar o lesado35 ou entregar ao estado, ou a instituições privadas de
solidariedade e social, ou associação de utilidade pública ou associações zoófilas
legalmente constituídas certa quantia ou efetuar prestação de serviço de interesse
público36. E, como exemplos de regras de conduta, temos a imposição de residir em
determinado lugar37, de não exercer determinadas profissões38, de não frequentar certos
meios ou lugares39 e não acompanhar, alojar ou receber certas pessoas40.
É inequívoco de que a lista de injunções e regras de conduta que a lei nos apresenta
é meramente exemplificativa, haja vista a al. m) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP deixar
claro que poderá ser imposto ao arguido qualquer outro comportamento especialmente
exigido pelo caso. Ou seja, se de acordo com as especificidades do caso, houver a
necessidade de ser aplicada ao arguido um outro comportamento que não esteja previsto
nas alíneas anteriores, a lei expressamente permite que assim ocorra, pois a al. m) deixa
em aberto essa possibilidade.
Nos termos do n.º 5 do art.º 281.º do CPP, as injunções e regras de conduta
aplicadas ao arguido devem sempre respeitar a dignidade do arguido. Primeiramente,
não podemos olvidar que o arguido é um indivíduo, cidadão e que goza de todos os
direitos, liberdades e garantias constantes da CRP41. Em segundo lugar, o arguido não é
um mero objeto do processo, ele figura como um verdadeiro sujeito processual ao qual é
atribuído um estatuto jurídico que lhe confere direitos e deveres42.

35
Al. a) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
36
Al. c) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
37
Al. d) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
38
Al. f) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
39
Al. g) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
40
Al. i) do n.º 2 do art.º 281.º do CPP.
41
Cfr. art.º 12.º e ss. da CRP.
42
Cfr. art.º 61.º do CPP.

19
Cumpre ainda referir que estas regras de conduta e injunções não são penas, logo
não têm a mesma natureza jurídica que as sanções penais.43 “Antes se inscrevem na
linha de medidas que visam alertar o arguido para a validade da ordem jurídica e
despertar nele o sentimento de fidelidade ao direito”44. O princípio da presunção de
inocência45 é garantido ao arguido até ao trânsito em julgado da sentença de
condenação, o que significa que mesmo em face da imposição de injunções e regras de
conduta ele continua a valer.46 Ora, como a própria denominação do instituto indica,
esta suspensão que é determinada pelo MP ao processo é provisória e em regra só
poderá ir até dois anos47. O termo da suspensão provisória do processo poderá ocorrer
de três formas: I) se o arguido cumprir as injunções e/ou a regras de conduta que lhe
foram impostas, o MP diligenciará no sentido de arquivar o processo que não mais
poderá ser reaberto, nos termos do art.º 282, n.º 2 do CPP; II) se o arguido cometer
crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado durante o período da
suspensão provisória, o processo prossegue os seus trâmites ordinários com dedução de
acusação e remessa do processo para julgamento nos termos do art.º 282.º, n.º 3, al. b) e
III) caso o arguido não cumpra as injunções e/ou regras de conduta que lhe tiverem sido
impostas o processo prossegue os seus trâmites ordinários com dedução de acusação e
remessa do processo para julgamento nos termos do art.º 282.º, n.º 3 al. b) do CPP.
Cumpre referir que nesta última situação o arguido poderá
provar a sua inocência na fase de julgamento.
No tocante à suspensão provisória do processo, existem algumas particularidades
relativamente a processos em que estejam em causa crime contra a autodeterminação
sexual de menor não agravado pelo resultado ou crime de violência doméstica também
não agravado pelo resultado, nos quais o interesse da vítima tem um papel
preponderante na determinação da aplicação deste instituto. Pois quanto aos
pressupostos legais, para que se determine a suspensão provisória do processo nestes
dois tipos de crimes, apenas se exigem dois, nomeadamente, a ausência de condenação
anterior por crime da mesma natureza e ausência de aplicação anterior do mesmo
instituto num processo que corra por crime da mesma natureza (art.º 281.º, n.º 8 e 9
do CPP). Nestes casos, a lei admite a

43
Neste sentido, M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p.90
44
Cfr. ANABELA RODRIGUES, O inquérito no novo código de Processo Penal, 2003 p. 75.
45
Para mais desenvolvimento deste princípio – cfr. M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, pp.
41 e ss.
20
46
No mesmo sentido do exposto, M. J. ANTUNES, Direito Processual Penal, 2017, p. 90
47
Com as exceções previstas no n.º 5 do art.º 282.º, casos nos quais a duração da suspensão provisória do
processo poderá ter uma duração máxima de 5 anos.

21
aplicação do instituto, de uma forma não tão exigente, por razões que se prendem
diretamente com o interesse da vítima.

22
CONCLUSÃO

Chegados a este ponto, impõem-se algumas considerações conclusivas. No


ordenamento jurídico português, o instituto da suspensão provisória do processo
encontra-se consagrado no artigo 281.º do CPP, pensado para a pequena e média
criminalidade, e define-se como sendo um mecanismo pré-sentencial e intraprocessual
de diversão com intervenção que permite uma solução divertida e por consenso, de uma
controvérsia jurídico-penalmente relevante, visando evitar o prosseguimento do
processo penal até à fase de julgamento. Ou seja, no ordenamento jurídico interno, a
suspensão provisória do processo revela-se como uma verdadeira alternativa ao
despacho de acusação que deveria ser proferido pelo MP em virtude de se terem
recolhido indícios suficientes da prática do crime e de quem foi o seu agente, quando se
tratar de crime punível com pena de prisão não superior a 5 anos ou com sanção
diferente da prisão. A doutrina se divide no sentido em que uns doutrinadores apontam
que este instituto configura um verdeiro afloramento do princípio da oportunidade e
outros apontam-no como sendo apenas uma limitação ao princípio da legalidade.
Vimos, também, que a aplicabilidade deste instituto depende da concordância de
diversos sujeitos processuais, nomeadamente MP, JIC, arguido e assistente, e que cada
um deles intervém neste consenso de acordo com o seu respetivo estatuto jurídico e os
princípios jurídico-constitucionais que lhes estão subjacentes.
Além disto, tivemos a oportunidade de compreender que o instituto da suspensão
provisória do processo sofreu alterações, em sentido evolutivo, ao longo dos tempos.
Surgiu como inovação no texto do CPP de 1987, consagrado no artigo 281.º e já
contempla mais de sete alterações/aditamentos legislativos até à redação atual, tal e qual
como a conhecemos hoje. De todas as alterações, a que mereceu a nossa maior atenção,
foi a possibilidade deste instituto poder ser requerido pelo arguido ou pelo assistente,
algo que não estava expressamente consagrado na versão original do artigo. Mais
recentemente, com a alteração introduzida pela Lei n.º 94/2021 de 21 de Dezembro ao
CPP, estendeu-se a possibilidade deste mesmo instituto ser aplicado em processos
penais contra pessoa coletiva ou equiparada.
Podemos, ainda, analisar que a admissibilidade deste instituto depende, também, do
preenchimento de alguns pressupostos previstos na lei, particularmente, a ausência de
condenação anterior por crime da mesma natureza; a ausência de aplicação anterior de

23
suspensão provisória do processo por crime da mesma natureza; não haver lugar a
medida de segurança de internamento; ausência de um grau de culpa elevado e ser de
prever que o cumprimento das injunções e regras de conduta responda suficientemente
às exigências de prevenção (geral e especial) que no caso se façam sentir.

Concluímos que, ao longo dos anos, o instituto da suspensão provisória do processo tem
vindo a ganhar uma maior notoriedade na ordem jurídica portuguesa, na medida em que
a lei tem permitido e alargado a sua aplicabilidade a um maior número de casos.

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BIBLIOGRAFIA
ANABELA RODRIGUES, O inquérito no novo código de Processo Penal, Almedina, 2003

F. TORRÃO, A relevância político-criminal da suspensão provisória do processo,


Coimbra: Almedina, 2000.

— «Admissibilidade da suspensão provisória do processo nas situações previstas pelo


artigo 16.º, n.º do CPP», Estudos em homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo
Dias, Vol. III, BFDC, Coimbra, 2010.

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Almedina, 1988.

M. COSTA ANDRADE, «Consenso e oportunidade: reflexões a propósito da suspensão


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P. M. CARVALHO, Manual Prático de Processo Penal, 12.º Ed., Coimbra: Almedina,


2020.

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DR n.º 248, Série I

Acórdão do TRG, de 08.05.2017, Processo n.º 59/16.9PTVRLG1, disponível em


www.dgsi.pt.

Acórdão do TRL, de 20.04.2017, Processo n.º 1.401/16.8PBCSC.L1-9, disponível em


www.dgsi.pt.

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