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JURÍDICO ANGOLANO
Benedito Pascoal1
Chegado o último mês do ano, torna-se imperioso fazer uma abordagem sobre a gestão
dos Tribunais de Jurisdição Comum no ordenamento jurídico angolano, para, grosso
modo, entender o funcionam os tribunais durante as férias judiciais, período que coincide,
entre nós, com as Festas de Natal e do ano novo.
Na lei retro mencionada, logo no art.º 1.º, determina-se que “A presente Lei Orgânica
estabelece os princípios e as regras gerais de organização e funcionamento dos Tribunais
de Jurisdição Comum.”. Importa aquilatar que, são Tribunais de Jurisdição Comum, o
Tribunal Supremo, os Tribunais da Relação e outros Tribunais (estes últimos, entenda-se,
Tribunais de Comarca), de acordo o n.º 2, al. a) do art.º 176.º da Constituição da República
de Angola, n.º 1 do art.º 3.º e n.º 1 do art.º 25.º da Lei Orgânica de Organização e
Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.
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Advogado e Assessor Jurídico.
No entanto, pela natureza do presente comentário, não se pretende desmistificar tudo que
gira em torno desta lei, até porque desaconselha-se, pelo que remetemos tal
desmistificação para outro foro. O presente comentário visa simplesmente aquilatar
alguns dos actos praticados durante as férias judiciais no ordenamento jurídico angolano.
Importa adiantar que, nesta lei, balizam-se para além de outras situações, as férias
judiciais e as actividades que podem ser realizadas nesse período.
As perguntas que seguem, vão, de certo modo, orientar o objecto do presente artigo e
serão respondidas na medida em que o mesmo é desenvolvido, no sentido de esclarecer
ponto por ponto. Eis as questões:
Entende-se por férias judiciais o período de suspensão da prática dos actos judiciais
durante o qual é assegurado o serviço urgente, mediante turnos e a organização interna
do Tribunal e dos processos, bem como os demais actos previstos por lei (cf. n.º 1 do art.º
8.º2);
Como bem determina o artigo citado, durante as férias judiciais, nos tribunais são
praticados os serviços urgentes, o que implica a não paralisação total do Tribunal, pois,
desse modo, atiçar-se-ia a morosidade processual já existente nos tribunais e o violar dos
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Todos os preceitos legais doravante citados sem qualquer menção ao diploma legal a que pertencem,
bem como as referências ao “Código” ou “Lei”, devem considerar-se como pertencentes à Lei Orgânica
de Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum.
Assim, de acordo ao n.º 3 do art.º 8.º, entende-se por Serviço Urgente seguintes:
Quanto ao segundo (processos com arguido presos), o Código do Processo Penal elenca
também os actos que têm prioridade durante as férias judiciais. Esses actos dizem respeito
ao arguido e a urgência que se tem para terminar o processo, porque, os processos, ou
pelo menos a instrução preparatória com arguidos presos deve terminar depois de 6 (seis)
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Réu no texto original.
Assim, de acordo ao n.º 2 do art.º 119.º do Código do Processo Penal, durantes as férias
judiciais podem ser praticados:
Na mesma ordem de ideias, surgem também o n.º 3 e 4.º do artigo citado a determinar
que, quando requerida pelo arguido solto e devidamente fundamentado pela autoridade
judiciária competente, os actos de instrução preparatória ou de instrução contraditória e
os relativos à audiência de julgamento, bem como as decisões de mero expediente
daquelas autoridades, podem iniciar/serem tomadas ou prosseguir durante as férias
judiciais.
Quanto ao primeiro quesito da al. b) (Prática de actos e diligências previstos nos Códigos
de Processo), aplica-se mutatis mutandis o disposto na al. a) do art.º 8.º, pelo que, para
não cairmos em lugares comuns, preferimos remeter o laudável leitor àquele ponto.
De acordo ao n.º 1 do art.º 23.º da referida lei, os tribunais podem, junto com a Autoridade
Migratória, interditar a entrada de um estrangeiro no território nacional quando
justificável. Compete também ao tribunal ou ao Ministério Público o impedimento ou
interdição de saída do país nos termos da al. a) e b) do art.º 46.º da Lei n.º 13/19.
Acreditamos que qualquer, desde que se justifique. A Lei n.º 2/15, de 2 de Fevereiro, Lei
Orgânica de Organização e Funcionamento dos tribunais de Jurisdição Comum, revogada
pela Lei 29/22, de 29 de Agosto, era peremptória ao dispor no n.º 2 do art.º 8.º que, “no
período das férias judiciais os tribunais dedicam-se essencialmente a trabalhos de
organização interna, ao levantamento da movimentação dos processos, à elaboração de
peças processuais mais complexas à realização de julgamentos de processos urgentes,
de réus presos e de providências cautelares”.
A actual lei (Lei 29/22, de 29 de Agosto) é omissa nesse quesito. Entretanto, queremos
acreditar que o espirito do legislador teria sido o mesmo. Neste sentido, durantes as férias
judiciais, os Tribunais de Jurisdição Comum não observam uma actividade laboral
“normal” – o que não implica a paralisação total. Praticam os actos retro citados.
Embora não se faça também menção expressa, parece-nos também que, nos termos do n.º
1, segunda parte do art.º 143.º do Código de Processo Civil, as citações, notificações,
arrematações e os actos que se destinem a evitar dano irreparável, podem ser praticadas
ou executadas durante as férias judiciais.
Para tal, nos termos do n.º 1.º do art.º 9.º, devem, dentro dos tribunais, ser criados turnos,
para atender a dinâmica processual durante as férias judiciais. Tais turnos têm, portanto,
a atribuição de fazer face aos serviços urgentes. A LOOFTJC, nos ns.º 3 e 4 do art.º 9.º,
atribui aos Juízes Presidentes dos Tribunais Supremo, da Relação e no caso do Ministério
Público, ao Procurador Geral da República e ao Sub-Procurador Geral da República,
respectivamente, competência para a organização dos turnos. Nos Tribunais de Comarca,
os turnos são organizados pelo Juiz Presidente e pelo Procurador da República Titular no
caso do Ministério Público.
Tal período de férias tem sido bastante contestado, mormente por advogados que
entendem ser desnecessário período tão longo porque não privilegia a celeridade
processual que há muito tempo procuramos. Aliás, o Dr. Luís Paulo Monteiro, Bastonário
da Ordem dos Advogados de Angola entre 2018 e 2023, referiu em 2019 que com 71 dias
de férias, é impossível combater a morosidade processual nos tribunais. Pelo que é
ilusória a narrativa do propalado combate à morosidade processual nos tribunais se se
continuar com as actuais férias judiciais.4
Seja como for, o facto é que as férias judiciais não têm vindo a sofrer alterações
significativas. É só olharmos que o período de gozo é igual tanto na Lei n.º 2/15 quanto
na Lei n.º 29/22, isto é, de 22 de Dezembro ao último dia útil do mês de Fevereiro do ano
seguinte.
Por tudo, somos peremptórios ao dizer que, as férias judiciais são um período que embora
contestado, tem servido para colocar “água na fervura” na dinâmica processual no
ordenamento jurídico angolano porque permite a organização e gestão interna dos órgãos
judiciais. Entretanto, somos obrigados a concordar na redução da sua duração de modos
a conferir justiça ou chegar próximo dela às pessoas naturais ou jurídicas que clamam nos
órgãos judiciais.
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Cf. https://www.jornaldeangola.ao/ao/noticias/detalhes.php?id=424932 acessado em 19 de Dezembro de
2023.