Visando consolidar o sistema acusatório no país, a Lei nº 13.964/2019 (“Pacote
Anticrime”) trouxe inúmeras e impactantes reformas no Processo Penal, que, pela profundidade, exigem do Estado uma significativa ampliação da sua estrutura para que elas sejam implementadas com eficiência, especialmente nas esferas do Poder Judiciário e do Ministério Público. Nesse sentido, duas reformas em particular ganham destaque, quais sejam, a criação da figura do juiz das garantias (com a inserção no CPP dos artigos 3º-A a 3º-F) e a promoção do arquivamento da investigação criminal no âmbito do próprio Parquet (com a alteração do art. 28 do CPP). Com efeito, o juiz das garantias, dentre outros objetivos, pretende manter o distanciamento do juiz do processo, responsável pela decisão de mérito, em relação aos elementos de convicção produzidos e dirigidos ao órgão de acusação. Decerto, a criação do juiz das garantias busca essencialmente evitar que provas colhidas durante a investigação criminal, quando inexiste um contraditório efetivo e substancial como se verifica no processo, comprometam a imparcialidade do magistrado, compreendida como o devido distanciamento dos fatos colocados à sua apreciação. No mínimo psicologicamente, o magistrado que, por exemplo, decretou medidas em desfavor do investigado, como a busca e apreensão domiciliar, interceptação telefônica, prisão cautelar etc, poderia estar tendente, ao término da ação penal, a condenar o agora réu, até mesmo para justificar tudo o que ele próprio decidiu anteriormente. Não há como se garantir que o juiz sempre atuaria de forma tendenciosa, mas, se existe algum tipo de risco à imparcialidade do julgador, é prudente evitá-lo. Em última instância, ao se preservar a imparcialidade do juiz, mantém-se ilibado o sistema acusatório, apagando-se quaisquer resquícios do sistema inquisitivo no Processo Penal brasileiro. Noutro giro, a promoção do arquivamento da investigação criminal pelo próprio Ministério Público atende a antigo reclamo da doutrina, que entendia que, em sistema acusatório, não haveria qualquer motivo que justificasse a atuação do juiz nesta matéria, não estando em jogo, ao menos não diretamente, nenhum direito fundamental do cidadão. O magistrado que porventura negasse homologar o arquivamento seria o mesmo que julgaria eventual ação penal instaurada, colocando assim em risco a sua plena imparcialidade. Como órgão de acusação, seria de atribuição exclusiva do Ministério Público definir se era caso ou não de arquivamento da investigação, não havendo espaço para que o juiz invadisse função acusatória, divergisse da instituição e negasse o arquivamento. Como já afirmado anteriormente, essas duas alterações na legislação processual penal afetariam toda a persecução penal, causando interferências em outros dispositivos legais, inclusive em leis de organização judiciária, e exigiria uma reestruturação profunda por parte do Estado, notadamente do Judiciário e do Ministério Público, para implementá- la com eficiência. Isso envolveria o aumento do número de magistrados e de agentes ministeriais no país e, por consequência, também dos servidores das respectivas instituições, além do incremento de estrutura técnica, aparelhamento, espaço físico etc. Tudo isso demandaria tempo e naturalmente maiores gastos públicos. Todavia, o legislador da reforma não foi sensível a essa mudança de realidade. Assim, a uma, a Lei nº 13.964/2019 não destinou um prazo razoável para que o Estado e toda a comunidade jurídica se adaptassem ao novo modelo, pois fixou, em seu art. 20, o exíguo período de vacatio legis de apenas 30 (trinta) dias. A duas, não trouxe qualquer dotação orçamentária a respeito da necessária ampliação da estrutura estatal para atender aos novos institutos em comento, violando-se inclusive o disposto no art. 169 da Constituição Federal e o espírito do comando contido no art. 113 do Ato das Disposições Constituições Transitórias. Em face de toda essa dificuldade, foram ajuizadas no STF 4 (quatro) Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (ADIs) para atacar dispositivos da Lei nº 13.964/2019, quais sejam, as de números 6.298 (pela Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB e Associação dos Juízes Federais do Brasil – Ajufe), 6.299 (pelos partidos políticos Podemos e Cidadania), 6.300 (pelo Partido Social Liberal – PSL) e 6.305 (pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – CONAMP). Em resumo, a ADI nº 6.298 ataca os arts. 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3º-E e 3º-F do CPP, inseridos pela Lei nº 13.964/2019, bem como o art. 20 dessa lei, que fixa o início da vigência do diploma. Já a ADI nº 6.299 impugna, além dos preceitos anteriormente mencionados, o § 5º do art. 157 do CPP, igualmente inserido pela Lei nº 13.964/2019. A ADI nº 6.300, por sua vez, também impugna os arts. 3º-A a 3º-F do CPP, inseridos pela Lei nº 13.964/2019. Finalmente, a ADI nº 6.305 impugna os artigos 3º-A; 3º-B, incisos IV, VIII, IX, X e XI; 3º-D, parágrafo único; 28, caput; 28-A, incisos III e IV, e §§ 5º, 7º e 8º; e 310, §4º, do Código de Processo Penal, todos introduzidos pela Lei nº 13.964/2019. Em um primeiro momento, durante o plantão judiciário, em 15 de janeiro de 2020, pronunciou-se a respeito das ADIs 6.298, 6.299 e 6.300 (à época, ainda não havia sido ajuizada a ADI 6.305) o Presidente do STF, Ministro Dias Toffoli, que proferiu decisão monocrática concedendo parcialmente a medida cautelar pleiteada, ad referendum do Plenário, para: (i) suspender-se a eficácia dos arts. 3º-D, parágrafo único, e 157, § 5º, do Código de Processo Penal, incluídos pela Lei nº 13.964/19. Nesse ponto, o Ministro Toffoli entendeu que o juiz das garantias não era inconstitucional, não havendo vício de iniciativa na Lei nº 13.964/19, logo inexistindo descumprimento do teor dos artigos 96, inciso II, alínea “d”, e 125, parágrafo 1º, da Carta Magna Federal (que exigem a iniciativa da lei por parte do respectivo tribunal que terá alterada a sua organização e divisão judiciárias), considerando que a novel legislação não criaria um novo cargo no Judiciário, apenas implicaria em remanejamento das funções de juízes já existentes no país, tratando- se, pois, de norma referente à competência funcional no processo. Em sendo matéria de processo penal (e não de mero procedimento), lei federal poderia discipliná-la (estaria no âmbito da competência privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal). Todavia, o Ministro reconheceu que a regra do art. 3º-D, parágrafo único, do CPP (que estabelece o sistema de rodízio de magistrados em comarcas em que funcionar apenas um juiz) configura regra de procedimento, a qual deveria ser tratada em lei de iniciativa do respectivo tribunal, daí porque haveria inconstitucionalidade deste dispositivo legal, cuja eficácia restou suspensa por prazo indeterminado. Também foi suspensa a eficácia, sem prazo determinado, do teor do art. 157, § 5º, do CPP, segundo o qual o juiz que reconhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível não poderá proferir a sentença ou acórdão (dispositivo que consagra a chamada teoria da contaminação do entendimento). Foi registrada violação aos princípios da legalidade, do juiz natural e da razoabilidade, já que ausentes elementos claros e objetivos para a seleção do juiz sentenciante, o que permitiria eventual manipulação da escolha do órgão julgador; (ii) suspender-se a eficácia dos arts. 3º-B, 3º-C, 3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP, inseridos pela Lei nº 13.964/2019, até a efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a partir da publicação desta decisão. Conforme já mencionado alhures, o Ministro Toffoli entendeu que o juiz das garantias era figura constitucional, mas a sua implementação demandaria um tempo superior ao prazo de vacatio legis conferido pela Lei nº 13.964/19 (30 dias), daí porque, tomando de empréstimo o prazo contido no art. 3º-F do CPP, ele suspendeu a eficácia dos dispositivos que tratam deste juiz por igual prazo, contado desde a publicação da sua decisão; (iii) conferir-se interpretação conforme às normas relativas ao juiz das garantias (arts. 3º-B a 3º-F do CPP), para esclarecer que não se aplicam às seguintes situações: (a) processos de competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº 8.038/1990. A composição do órgão colegiado já traria em si a ideia da imparcialidade dos julgadores, motivo pelo qual não haveria necessidade de atuação do juiz das garantias. Deveria ainda ser respeitada a especialidade da Lei nº 8.038/90, que não contemplaria qualquer previsão a esse respeito; (b) processos de competência do Tribunal do Júri. A composição diferenciada do Júri (formado por um juiz togado e juízes leigos, os jurados) não recomendaria a atuação do juiz das garantias; (c) casos de violência doméstica e familiar. A dinâmica necessária ao Juízo competente para processar e julgar casos de violência doméstica e familiar contra a vítima mulher não recomendaria a atuação do juiz das garantias; e (d) processos criminais de competência da Justiça Eleitoral. Em face da especialização e da própria precariedade de estrutura da Justiça Eleitoral, não seria prudente a atuação do juiz das garantias neste Juízo. (iv) fixarem-se as seguintes regras de transição: (a) no tocante às ações penais que já tiverem sido instauradas no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), a eficácia da lei não acarretará qualquer modificação do juízo competente. O fato de o juiz da causa ter atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento; (b) quanto às investigações que estiverem em curso no momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), o juiz da investigação tornar-se-á o juiz das garantias do caso específico. Nessa hipótese, cessada a competência do juiz das garantias, com o recebimento da denúncia ou queixa, o processo será enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento da causa. Em um segundo momento, ainda durante o plantão judiciário, na véspera da entrada em vigor da Lei nº 13.964/19, ou seja, em 22 de janeiro de 2020, o Ministro Luiz Fux, relator das 4 (quatro) ADIs, se manifestou sobre todas elas (incluindo, pois, a ADI nº 6.305), proferindo decisão monocrática nos termos a seguir expostos: (a) Revogou a decisão monocrática constante das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e suspendeu sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, (a1) da implantação do juiz das garantias e seus consectários (Artigos 3º-A, 3º-B, 3º-C, 3º-D, 3ª-E, 3º-F, do Código de Processo Penal). Ao contrário do Ministro Toffoli, o Ministro Fux entendeu que a figura do juiz das garantias é inconstitucional, daí porque a suspendeu por prazo indeterminado. Destarte, reconheceu a inconstitucionalidade formal, consistente em vício de origem, já que lei que reestrutura a organização judiciária deve ser proposta pelo tribunal que sofrerá o impacto dessa reestruturação. Reconheceu-se também a inconstitucionalidade material. A uma, considerando a ausência de dotação orçamentária e estudos de impacto prévios para implementação da medida, violando-se o disposto nos artigos 99 e 169 da Carta Magna Federal, bem como a essência do comando contido no art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Asseverou-se que o juízo das garantias e sua implementação causariam impacto financeiro relevante ao Poder Judiciário, especialmente com as necessárias reestruturações e redistribuições de recursos humanos e materiais, bem como com o incremento dos sistemas processuais e das soluções de tecnologia da informação correlatas. A duas, tendo em vista o impacto da medida na eficiência dos mecanismos brasileiros de combate à criminalidade. Nesse trilhar, o Ministro Fux consignou que, “mercê de os seres humanos desenvolverem vieses em seus processos decisórios, isso por si só não autoriza a aplicação automática dessa premissa ao sistema de justiça criminal brasileiro, criando-se uma presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tem tendências que favoreçam a acusação, nem permite inferir, a partir dessa ideia geral, que a estratégia institucional mais eficiente para minimizar eventuais vieses cognitivos de juízes criminais seja repartir as funções entre o juiz das garantias e o juiz da instrução”. Além disso, a “complexidade da matéria em análise reclama a reunião de melhores subsídios que indiquem, acima de qualquer dúvida razoável, os reais impactos do juízo das garantias para os diversos interesses tutelados pela Constituição Federal, incluídos o devido processo legal, a duração razoável do processo e a eficiência da justiça criminal.”; e (a2) da alteração do juiz sentenciante que conheceu de prova declarada inadmissível (157, §5º, do Código de Processo Penal). Nesse ponto, o Ministro Fux reiterou a decisão anteriormente proferida pelo Ministro Toffoli, utilizando-se inclusive da mesma fundamentação; (b) Concedeu a medida cautelar requerida nos autos da ADI 6305, e suspendeu sine die a eficácia, ad referendum do Plenário, (b1) da alteração do procedimento de arquivamento do inquérito policial (28, caput, Código de Processo Penal). No entender do Ministro Fux, o “Congresso Nacional desconsiderou a dimensão superlativa dos impactos sistêmicos e financeiros que a nova regra de arquivamento do inquérito policial ensejará ao funcionamento dos órgãos ministeriais. Nesse sentido, a inovação legislativa viola as cláusulas que exigem prévia dotação orçamentária para a realização de despesas, além da autonomia financeira dos Ministérios Públicos.”. Com isso, retoma-se a sistemática anterior do art. 28 do CPP, na qual a promoção de arquivamento da investigação criminal realizada pelo Ministério Público deve ser submetida ao juiz para fins de homologação ou, em caso de discordância, remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça. Contudo, o Ministro não entendeu como inconstitucional (razão pela qual reconheceu eficácia imediata) o disposto no artigo 28-A, inciso III e IV, e §§§ 5°, 7°, 8º do Código de Processo Penal, pois não vislumbrou qualquer vício na exigência de que o juiz tenha que homologar o acordo de não persecução penal. Desse modo, para ele, a possibilidade de o juiz controlar a legalidade do acordo de não persecução penal prestigia o sistema de “freios e contrapesos” no processo penal e não interfere na autonomia do membro do Ministério Público, órgão acusador, por essência (art. 28-A, §5°). O magistrado não pode intervir na redação final da proposta de acordo de não persecução penal de modo a estabelecer as suas cláusulas. Ao revés, o juiz poderá (a) não homologar o acordo ou (b) devolver os autos para que o Parquet – de fato, o legitimado constitucional para a elaboração do acordo – apresente nova proposta ou analise a necessidade de complementar as investigações ou de oferecer denúncia, se for o caso (art. 28-A, §8°); (b2) Da liberalização da prisão pela não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas (Artigo 310, §4°, do Código de Processo Penal). Reconhecendo inconstitucionalidade material nesta previsão legal, o Ministro Fux explicitou que a ilegalidade da prisão como consequência jurídica para a não realização da audiência de custódia no prazo de 24 (vinte e quatro) horas fere a razoabilidade, uma vez que desconsidera dificuldades práticas locais de várias regiões do país, bem como dificuldades logísticas decorrentes de operações policiais de considerável porte. Interessante notar que esta decisão do Ministro Fux é frontalmente contrária à decisão por ele próprio proferida em outro caso, durante o julgamento da ADI nº 5.240, oportunidade em que acolheu exatamente o entendimento agora agasalhado pela Lei nº 13.964/19. A partir do inteiro teor do julgado de lavra do Ministro Fux alhures exposto, deve ser invocado o teor do art. 11, § 2º, da Lei nº 9.868/99 (lei que dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal), segundo o qual “A concessão da medida cautelar torna aplicável a legislação anterior acaso existente, salvo expressa manifestação em sentido contrário.”. Desse modo, com a suspensão da eficácia, por prazo indeterminado, de todos os dispositivos legais que cuidam do juiz das garantias, é possível apontar algumas repercussões práticas no âmbito da legislação processual penal, merecendo destaque as seguintes: 1) não subsistindo o art. 3º-A do CPP, não se permite apontar revogação tácita do conteúdo dos artigos 156 do CPP, principalmente no seu inciso I (que confere poderes instrutórios ao juiz na etapa de investigação criminal), 209 (que confere poder ao juiz de determinar a oitiva de testemunha de ofício) e 385 (que permite ao juiz, nos crimes de ação penal pública, absolver o réu mesmo que o Ministério Público tenha pugnado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes não deduzidas na inicial acusatória) do CPP. Retoma-se, pois, a discussão doutrinária acerca da eventual violação destes dispositivos legais a princípios constitucionais e ao sistema acusatório. Assim, somente poderia ser indicado que os dispositivos não foram recepcionados pela Carta Magna Federal (o que ainda é feito por parcela considerável da doutrina), não sendo possível falar em confronto com outro dispositivo (mais recente) da mesma lei (CPP); 2) não subsistindo os artigos 3º-A e 3º-B, incisos IV e VIII, e § 2º, do CPP, deixa de existir reconhecimento legal acerca do trâmite direto do inquérito policial entre Ministério Público e Polícia Judiciária, voltando a prevalecer o teor dos artigos 11, 19 e 23 do CPP, ficando o Judiciário como destinatário do inquérito policial. Assim, o trâmite direto somente seria admitido a partir de ato normativo, a exemplo do que se operou na Justiça Federal com a Resolução nº 63/2009 do Conselho da Justiça Federal; 3) não subsistindo o art. 3º-B, inciso VIII, e § 2º, do CPP, o prazo para conclusão do inquérito policial na Justiça Estadual em se tratando de investigado preso volta a ser aquele definido no art. 10, caput, do CPP, ou seja, 10 (dez) dias, improrrogáveis; 4) não subsistindo o art. 3º-D, caput, do CPP, volta a ter plena eficácia o disposto no art. 75 do CPP, que, em resumo, estabelece que qualquer decisão proferida pelo juiz no inquérito policial o torna prevento para o julgamento da futura ação penal; 5) não subsistindo o art. 3º-B, inciso VI, do CPP, deixa de ser exigido, para fins de prorrogação de prisão provisória (preventiva ou até temporária) ou outra medida cautelar, o exercício do contraditório em audiência pública e oral. Deixando de possuir eficácia, sem prazo determinado, o conteúdo do art. 157, § 5º, do CPP, inexiste causa de impedimento na atuação do juiz que conheceu do conteúdo da prova declarada inadmissível para fins de prolação de sentença ou acórdão, não se ampliando, pois, o rol do art. 252 do CPP, que volta a ser taxativo. Não havendo eficácia, por prazo indeterminado, do teor do art. 310, § 4º, do CPP, a audiência de custódia é mantida no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive persistindo o regramento contido na Resolução nº 213/2015 do CNJ, mas a não realização dela no prazo de 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, sem motivação idônea, não ensejará a ilegalidade da prisão, não autorizando o relaxamento desta e a colocação do agente em liberdade. Deixando de ser reconhecida eficácia ao novel art. 28 do CPP, com a reforma realizada pela Lei nº 13.964/19, o que se impõe por prazo indeterminado, retoma-se a redação anterior deste dispositivo legal, a qual apregoava: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.”. Com o retorno desta sistemática de controle judicial do arquivamento da investigação criminal, voltam a prevalecer, ao menos por ora, alguns aspectos relevantes do Processo Penal, notadamente: 1) apenas na hipótese de arquivamento originário da investigação criminal na esfera da Justiça Estadual é que se permite a revisão do ato (promovido pelo Procurador- Geral de Justiça) no âmbito do próprio Ministério Público, feita pelo Colégio de Procuradores de Justiça, com base no art. 12, inciso XI, da Lei nº 8.625/93; 2) o arquivamento indireto do inquérito policial é configurado no momento em que o juiz acata o requerimento do membro do Ministério Público de envio dos autos a outro juízo em virtude da falta de competência daquele e de atribuição deste para atuar no caso; 3) a decisão de arquivamento da investigação criminal, por ser proferida por juiz, tem o condão de constituir coisa julgada, que, em regra, é formal, excepcionalmente material (na hipótese de o fundamento desta decisão ser a atipicidade da conduta, conforme entendimento do STF, ou a existência de excludente de ilicitude, de acordo com posicionamento do STJ, com o qual não concorda a Suprema Corte); 4) apenas na hipótese de coisa julgada formal da decisão de arquivamento da investigação criminal é que é possível que se opere o desarquivamento, desde que surja nova prova, com fincas no art. 18 do CPP e da Súmula nº 524 do STF, bem como não extinta a punibilidade; 5) volta a ter aplicação prática o disposto no art. 384, § 1º, do CPP, motivo pelo qual, não procedendo o órgão do Ministério Público ao aditamento à denúncia (mutatio libelli), aplica-se o teor do art. 28 do CPP; 6) se preenchidos os requisitos legais exigidos para fins de transação penal (art. 76, § 2º, da Lei nº 9.099/95) e o Ministério Público não oferecer a proposta de acordo, volta a ficar autorizada ao juiz a aplicação, por analogia, do conteúdo do art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça para fins de nova análise do caso; 7) se preenchidos os requisitos legais exigidos para fins de suspensão condicional do processo (art. 89, caput, da Lei nº 9.099/95) e o Ministério Público não oferecer a proposta de acordo, volta a ficar autorizada ao juiz a aplicação, por analogia, do conteúdo do art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça para fins de nova análise do caso, em observância à Súmula nº 696 do STF; 8) se o Ministério Público não encaminhar alegações finais ao término do procedimento, o juiz volta a ter a prerrogativa de invocar, por analogia, o conteúdo do art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça; 9) se o Ministério Público não encaminhar razões em recurso por ele próprio interposto, o juiz volta a ter a prerrogativa de invocar, por analogia, o conteúdo do art. 28 do CPP, remetendo os autos ao Procurador-Geral de Justiça; 10) considerando que o arquivamento do inquérito policial volta a ser efetivado por decisão judicial, é possível novamente falar em recurso contra essa decisão, nas hipóteses previstas em lei, a saber, o recurso de ofício quando o inquérito envolve crime contra a saúde pública ou contra a economia popular (art. 7º da Lei nº 1.521/51) e ainda o recurso em sentido estrito para impugnar o arquivamento da representação oferecida por qualquer do povo em relação às contravenções do jogo do bicho e do jogo sobre corridas de cavalos – arts. 58 e 60 do Decreto-lei nº 6.259/44 (art. 6º, parágrafo único, da Lei nº 1.508/51), muito embora existam críticas da doutrina a estas previsões legais de cabimento destes recursos. É este o cenário jurídico que se desenha ao menos enquanto não ocorra decisão do Plenário do STF nas ADIs ou eventualmente o próprio Ministro Luiz Fux, como relator dessas ações, profira nova decisão em sentido contrário àquela aqui apreciada, o que é possível, mas pouco provável.
Da não violação ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) em face da execução provisória da pena após condenação em segunda instância