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Assistente estagiária da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
O PROCEDIMENTO EXPROPRIATIVO:
COMPLICAÇÃO OU COMPLEXIDADE ?
1. Introdução
1
Referindo que a relação jurídico-expropriativa é também uma “relação garantística que acompanha a
utilização dos bens expropriados no âmbito da sua nova situação”, vide José Vieira FONSECA, “Principais
linhas inovadoras do código das expropriações de 1999”, Revista Jurídica do Urbanismo e do Ambiente,
n.º 11/ 12, 1999, pp. 133 a 134.
2
Fernando Alves CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre Expropriações por
Utilidade Pública e o Código de Expropriações de 1999, Coimbra, 2000, p. 13.
3
Caracterizadas pela “absoluta informalidade”, muito embora a acção material de tomada de posse valha
como acto implícito por forma a abrir a via contenciosa e o artigo 16.º, n.º 2, do Código das
Expropriações, determine que, sempre que possível, deve ser promovida a vistoria ad perpetuam rei
memoriam.
2. O Procedimento de Expropriação
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José Vieira FONSECA, “Principais linhas inovadoras do código das expropriações de 1999”, Revista
Jurídica do Urbanismo e do Ambiente, n.º 13, 2000, pp. 68 e seguintes. Este autor refere,
designadamente, que deve ser comunicado aos interessados o início do procedimento de avaliação dos
bens, cujo valor constará da resolução, que estes poderão nomear o seu perito para participar nessa
avaliação e que terá de haver lugar a audiência dos interessados, tudo em momento anterior à prática da
resolução de expropriar.
5
Fernando Alves CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional..., op. cit., pp. 94, em nota,
refere que a resolução é um apenas um acto preliminar do procedimento expropriativo. Em sentido
coincidente com este autor, cfr. Fernanda Paula OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, 2.ª ed., Coimbra,
CEFA, 2001, pp. 99 a 101.
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Como já foi defendido na jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo (Acórdão de 12/12/2002,
proc. 46819), que o considera um acto preparatório, impulsionador do procedimento administrativo da
expropriação ao exteriorizar a pretensão do interessado – que será apreciada pela autoridade competente –
de ser levada a cabo uma expropriação a seu favor.
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Já não concordamos, todavia, com uma extensão do procedimento expropriativo a momentos anteriores
ao da emanação da resolução de expropriar, posição esta acolhida no Acórdão do Pleno do STA de
31/03/1998, (proc. n.º 18719), e que o alarga a todos os antecedentes procedimentais longínquos e
próximos do mesmo. Neste sentido se pronunciou, contextualizadamente, Fernando Alves CORREIA, As
Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública, Coimbra, FDUC, 1982, p. 177 e se
continua a pronunciar Pedro Elias da COSTA, Guia das Expropriações por Utilidade Pública, Coimbra,
Almedina, 2003, p. 78 e seguintes, ao fazer preceder a declaração de utilidade pública, de uma fase
preliminar que se inicia com a aprovação do estudo prévio.
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Questiona-se, nesta sede, se o valor desta deve ser sempre igual ou superior ao valor do relatório do
perito ou se, podendo ser tanto inferior como superior a este terá, em qualquer caso, de ser devidamente
fundamentado. Parece-nos que os termos da lei apontam neste segundo sentido, com a limitação de que o
montante a que se chegue tem de assumir, como objectivo regulador, a oferta do valor real do bem.
portanto, inatendível para que se conclua pela regularidade deste procedimento. Assim,
a verificação desta situação determinaria a invalidade do contrato porventura celebrado,
por vício de forma em sentido amplo, localizado no específico procedimento contratual
que o deveria preceder ou, então, inquinaria o acto final de declaração de utilidade
pública que viesse a ser praticado, por violação do princípio da proporcionalidade em
sentido instrumental9.
Por seu turno, quanto à configuração jurídica da resolução de expropriar, o
Supremo Tribunal Administrativo teve, em alguns arestos10, a oportunidade de recusar a
sua natureza de acto administrativo, pelo facto de ela não extinguir nem modificar a
posição jurídica do particular, mantendo este a plenitude do direito de propriedade; nem
sempre ser praticada por um órgão da Administração, podendo ter origem numa pessoa
colectiva de direito privado; e poder nem sequer desembocar em qualquer
expropriação11.
A nosso ver, apesar da progressiva fluidez dos contornos que se têm vindo a
reconhecer à figura dos “actos administrativos”12 e do facto de esta resolução produzir
efeitos relevantes do ponto de vista do particular, já que modela o quantum
indemnizatório admissível (e, deste modo, a sua conduta em relação ao seu bem ou
direito), entendemos que a recusa de qualificação da mesma como acto administrativo
não é perniciosa. Isto se tivermos em consideração o facto de, se a resolução for
qualificada como um verdadeiro acto procedimental, como aqui defendemos, a sua
ausência ou vícios que a afectem se repercutirem no acto de declaração de utilidade
pública, determinando, assim, a sua anulabilidade por vício de forma em sentido amplo.
9
Note-se que, apesar de formularmos esta asserção jurídica, não deixamos de constatar que, na prática, se
sucedem múltiplas tentativas de contacto, sobretudo por via oral, com os proprietários, e só perante a
recusa destes em alienar o seu bem, se segue a via expropriativa (invocando, quantas vezes, motivos de
urgência, para que não se tenham de repetir formalismos que, à partida, se sabe não terem sucesso). A
opção da lei, criticável ou não, foi, no entanto, no sentido de promover uma maior transparência da
actuação da entidade que pretende vir a beneficiar da expropriação e as garantias dos eventuais
expropriados, através do adensamento das cautelas formais, ainda que com a perda de alguma margem de
manobra que uma maior flexibilização do procedimento contratual permitiria.
10
Acórdãos do STA de 26/06/2002, proc. 47229, e de 12/12/2002, proc. 46819.
11
O STA adere, assim, à posição defendida por Fernando Alves CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional, op. cit., pp. 94 e 95 em nota. Desmontando estes argumentos e pronunciando-se pela
natureza de acto administrativo da resolução de expropriar, cfr. José Vieira FONSECA, “Principais linhas
inovadoras...”, op. cit., 2000, pp. 59 a 61.
12
Pense-se, por exemplo, nas figuras do acto de aprovação da arquitectura, considerado um verdadeiro
acto administrativo, embora desprovido de eficácia lesiva imediata para o particular e dos pareceres
vinculantes que são, por alguns, considerados verdadeiros actos administrativos nas relações entre entes
administrativos. Cfr., neste sentido, Pedro GONÇALVES, “Apontamento sobre a função e natureza dos
pareceres vinculantes”, Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 0, Novembro/ Dezembro, 1996.
13
Pedro GONÇALVES, “Apontamento sobre a função e natureza...”, op. cit., p. 9, refere, no entanto, que se
se absolutizarem estas razões se é “arrastado por uma concepção marcada pela função exclusivamente
processual do conceito de acto administrativo, esquecendo que esse conceito também realiza uma função
definitória ou concretizadora do direito aplicável a uma relação jurídica que se constitui entre a
Administração e um particular”.
14
Pronunciando-se pela natureza privada deste contrato, mas acentuando que o particular não se encontra
na mesma posição que, em regra, detém nas negociações de direito privado, uma vez que, se não vender o
bem ao potencial beneficiário da expropriação, sabe que será desencadeado um procedimento de carácter
público e coactivo para a sua aquisição, cfr. Fernanda Paula OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, op. cit., p.
102.
15
José Vieira FONSECA, “Principais linhas inovadoras...”, op. cit., 1999, pp. 140, refere, e bem, que “a
eficácia do Direito Privado nesta fase procedimental é mais aparente e real do que real ou material”, ainda
que conclua pela inserção desta aquisição no âmbito do procedimento expropriativo.
16
Cfr., para maiores desenvolvimentos acerca da configuração deste instituto, Fernando Alves CORREIA,
A Jurisprudência do Tribunal Constitucional, op. cit., pp. 65 a 69 e 113 a 116.
Ora, apesar de o Supremo Tribunal Administrativo ter decidido não ser este o
meio idóneo para reagir contra o incumprimento, por parte da Administração ou do
contraente privado na esfera jurídica do qual ingressou o bem 17, da obrigação de utilizar
o bem para a finalidade de utilidade pública invocada - ao contrário do que vinha
defendendo a doutrina18 -, o princípio da utilidade pública, considerado um pressuposto
de legitimidade do procedimento administrativo (artigos 1.º e 2.º do CE), associado à
proibição de modificação unilateral do objecto do contrato previsto no artigo 180.º,
alínea a), do CPA, permite chegar às mesmas conclusões - maxime à desvinculação
contratual e à repetição do prestado. Esta pretensão pode, desde logo, fundamentar-se na
existência de um vício de vontade (que não erro, mas muito provavelmente dolo) ou em
uma alteração superveniente das circunstâncias, o que é tanto mais possível quando esta
aquisição deve ser sempre precedida da resolução de expropriar que vincula este
contrato (mesmo na ausência de referência expressa no mesmo) a um fim específico de
utilidade pública19.
17
O Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 5/03/2002, proc. 35532 (e já antes em sentido
coincidente o Acórdão de 22/11/2000, proc. 35703, o Acórdão de 29/03/2001, proc. 35532, e o Acórdão
de 20/11/2001, proc. 35703) decidiu que, ainda que tendo havido acto de declaração de utilidade pública,
a celebração posterior de um contrato de compra e venda (que não de uma expropriação amigável, uma
vez que não se fazia referência ao procedimento expropriativo e à indemnização correspondente) para
operar a adjudicação do bem veda o recurso ao procedimento de reversão.
18
Fernanda Paula OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, op. cit., pp. 111 e 112, mobiliza, neste sentido, um
argumento de maioria de razão, já que, sem esta garantia, os particulares que tivessem colaborado com a
Administração ficariam mais desprotegidos do que aqueles que adoptaram uma posição avessa à
cooperação, tendo acabado por ser expropriados. Cfr., da mesma autora, “Há expropriar e expropriar...
(ou como alcançar os mesmos objectivos sem garantir os mesmos direitos), Cadernos de Justiça
Administrativa, n.º 35, Setembro/ Outubro, 2002, pp. 41 a 51, e José Vieira FONSECA, “Principais linhas
inovadoras...”, op. cit., 1999, pp. 134. Quanto a nós, apesar do artigo 5.º do CE falar, em termos mais
genéricos, de adjudicação, não se vê como, sem grandes e “imprecisas” adaptações se adequaria o direito
de reversão ao âmbito contratual com as previsões legais de renovação do acto administrativo ou da
possibilidade de emanação de uma nova declaração de utilidade pública.
19
Fazendo uma interessantíssima referência a estas “possibilidades”, ainda que numa perspectiva jus-
privatística, António Pinto MONTEIRO, Erro e Vinculação Negocial, Almedina, Coimbra, 2002.
20
Fernanda Paula OLIVEIRA, “Coordenar e concertar, em vez de mandar”, Cadernos de Justiça
Administrativa, n.º 39, Maio/ Junho, 2003, pp. 34 e 35.
21
Fernanda Paula OLIVEIRA, Direito do Urbanismo, op. cit., p. 103.
22
Cfr. os Acórdãos do STA de 4/10/2001, proc. 36854 e de 12/12/2002, proc. 46819.
23
Sobre uma apreciação desta solução, numa perspectiva da sua legitimidade político-constitucional, cfr.
Fernando Alves CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal Constitucional..., op. cit., pp. 98 a 100, em nota.
24
E, sempre, da emanação de uma nova declaração de utilidade pública, como se encontra expressamente
previsto no caso de reversão. Neste sentido, cfr. Fernando Alves CORREIA, A Jurisprudência do Tribunal
Constitucional..., op. cit., p. 102, em nota
3. O Processo de expropriação
25
José Vieira FONSECA, “Principais linhas inovadoras...”, op. cit., 2000, pp. 89. Esta posição poderia
levar à conclusão (pouco coerente) de que sobre uma mesma coisa, o acto caducaria para uns e não para
outros interessados.
26
Neste sentido, que nos parece o mais razoável, parece ir Luís Perestrelo de OLIVEIRA, Código das
Expropriações Anotado, Coimbra, Almedina, 2.ª ed., 2000, p. 68.
sua actuação e correlativa à posição do particular que detém, agora, um “direito” a uma
indemnização justa27.
A assunção plena desta qualificação torna-se interessante se analisarmos que ela
se repercute numa dualidade de jurisdições (administrativa e judicial) que têm uma
palavra a dizer nesta fase processual de discussão do montante da indemnização.
27
Neste sentido, cfr. Luís Perestrelo de OLIVEIRA, Código das Expropriações Anotado, op. cit., p. 114.
Todavia, ao contrário do defendido por este autor, acentuamos que é este contrato que, juridicamente,
opera a transferência do bem, ainda que sem que as partes tenham qualquer possibilidade de modelar os
termos da mesma, como o têm relativamente às mais variadas características atinentes com a
indemnização. E a isto não obsta a opção do actual CE que foi no sentido da desnecessidade de visto, na
medida em que este sempre assumiu um cariz manifestamente formal.
28
Para uma análise pormenorizada destas alterações, consultar Fernando Alves CORREIA, A
Jurisprudência do Tribunal Constitucional..., op. cit., pp. 116 a 120.
29
Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 32/87 (Diário da República, II Série, de 7 de Abril de 1987) e
n.º 757/95 (Diário da República, II Série, de 27 de Março de 1996).
4. Conclusões
30
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 746/96 (DR II Série, de 4 de Setembro de 1996) admite esta
solução, invocando, para tanto, razões de tradição jurídica e de uma mais fácil e adequada defesa dos
direitos dos expropriados.