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ESTÁCIO LUIZ & PEDRO TENÓRI O

PACOTE
ANTI
CRIME
A S M O D I F I C A Ç Õ E S N O S I S T E MA
DE JUSTIÇA CRIMINAL B R A S IL EI R O
Pedro Tenório Soares Vieira Tavares

Estácio Luiz Gama de Lima Netto

PACOTE ANTICRIME
As modificações no sistema de justiça criminal brasileiro

2020
estácio Luiz & pedrotenório

SOBRE OS AUTORES
Pedro Tenório Soares Vieira Tavares é alagoano de Maceió, bacharel em
Direito pela Faculdade de Direito de Maceió (FADIMA), especialista em Direito
e Processo Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT). Membro do Ministério
Público do Estado do Paraná, tendo em seu currículo aprovações para os cargos
de Promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais (2017) e
Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco (2016).
Estácio Luiz Gama de Lima Netto é também alagoano de Maceió/AL,
bacharel e mestre em Direito pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL),
especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade Tiradentes (UNIT).
Advogado criminalista e professor de direito penal e processo penal na
graduação (Faculdade de Maceió – FAMA), pós-graduação (Universidade
Tiradentes – UNIT) e de cursos preparatórios para concursos públicos no
Estado de Alagoas (PHD Cursos).

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

BREVÍSSIMA APRESENTAÇÃO
O e-book que o leitor tem em mãos busca informar e preparar, de forma
estratégica e na profundidade ideal, os candidatos para as mais diversas provas
de concurso público sobre os temas novos e também as principais alterações
que compõem a Lei 13.964, de 24 de dezembro de 2019, assim conhecida como
Pacote Anticrime, daqui em diante mencionado como PAC.
Apesar de ser considerada pelo Congresso Nacional e pelos mais
distintos setores da política nacional como um presente de Natal à população, o
PAC foi alvo de 25 vetos e várias sanções presidenciais inesperadas, como o juiz
de garantias. Presente um tanto quanto controverso, pois.
Fato é que o PAC trouxe novos institutos penais e processuais penais, v.g,
legítima defesa exercida por agente de segurança pública em caso de vítima
refém, acordo de não-persecução penal, juiz de garantias, descontaminação do
julgado no caso de declaração de prova ilícita, regulamentação da cadeia de
custódia da prova (exame de corpo de delito), etc.
Houve também modificações profundas em institutos penais e
processuais já conhecidos, v.g, livramento condicional, inquérito policial
(sistemática do prazo, arquivamento e comunicações à autoridade judiciária –
juiz de garantias), prisões e medidas cautelares reais e pessoais diversas da
prisão, etc.
Isso sem contar com as modificações pontuais, porém cruciais, nas leis
criminais extravagantes, algumas de extrema importância para a justiça
criminal brasileira, v.g, estatuto do desarmamento, drogas, lavagem de capitais,
organização criminosa, interceptação telefônica, etc.
A missão não é fácil, pois o PAC é longo e complexo. Sem embargos,
nossa tarefa é tornar o estudo sistemático e inteligível com o objetivo de deixá-
los prontos para enfrentar qualquer fase de concurso e promover a atualização
necessária aos profissionais da área. Vamos juntos!

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estácio Luiz & pedrotenório

SUMÁRIO
CAPÍTULO 1 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE GERAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS ..........................5

CAPÍTULO 2 DAS MODIFICAÇÕES NA PARTE ESPECIAL DO CÓDIGO PENAL COMENTADAS ....................23

CAPÍTULO 3 DAS PRINCIPAIS MODIFICAÇÕES NO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL COMENTADAS ............31

CAPÍTULO 4 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS (LEP) COMENTADAS ........................150

CAPÍTULO 5 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 8.072/90 (CRIMES HEDIONDOS) COMENTADAS ...................181

CAPÍTULO 6 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 8.429/92 (LIA) COMENTADAS .............................................193

CAPÍTULO 7 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 9.296/96 (INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS) COMENTADAS ........... 200

CAPÍTULO 8 DA MODIFICAÇÃO NA LEI 9.613/98 (LAVAGEM DE CAPITAIS) COMENTADA ....................207

CAPÍTULO 9 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 10.826/03 (ESTATUTO DO DESARMAMENTO) COMENTADAS ........ 213

CAPÍTULO 10 DA MUDANÇA NA LEI 11.343/06 (LEI DE DROGAS) COMENTADAS ................................224

CAPÍTULO 11 DAS MODIFICAÇÕES NA LEI 12.850/13 (CRIME ORGANIZADO) COMENTADAS ...............226

NOTAS À GUISA DE CONCLUSÃO .......................................................................................................270

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 1 DAS
MODIFICAÇÕES NA
PARTE GERAL DO
CÓDIGO PENAL
COMENTADAS

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1 LEGÍTIMA DEFESA EXERCIDA POR AGENTES DE SEGURANÇA


PÚBLICA EM FAVOR DE VÍTIMA REFÉM
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 25. Entende-se em legítima defesa Art. 25, parágrafo único. Observados
quem, usando moderadamente dos os requisitos previstos no caput deste
meios necessários, repele injusta artigo, considera-se também em
agressão, atual ou iminente, a direito legítima defesa o agente de segurança
seu ou de outrem (Redação dada pela pública que repele agressão ou risco
Lei nº 7.209, de 11.7.1984). de agressão a vítima mantida refém
durante a prática de crimes.

Na prática, a inovação legislativa não trouxe modificações substanciais,


porquanto se limitou a descrever uma hipótese de legítima defesa de terceiro já
amplamente aceita pela doutrina e pela jurisprudência.
Nesse sentido, a própria redação dispõe que a incidência da hipótese de
legítima defesa de terceiro envolvendo agentes de segurança pública deve
obedecer aos requisitos anteriormente previstos.
Parece evidente, neste ponto, que o PAC buscou tão somente um afago
mais político do que dogmático, já que o agente de segurança que agia para
repelir injusta agressão em favor de terceiro, estando este mantido refém ou
não, incidiria em manifesta excludente de ilicitude, mesmo antes da nova lei.
Importante mencionar que os termos “agressão” ou “risco de agressão”
devem ser interpretados à luz conceito de agressão injusta atual ou iminente.
Assim, a inovação figura como uma lei interpretativa, visando eliminar zonas
cinzentas no processo hermenêutico quanto às situações envolvendo agentes de
segurança pública no exercício de legítima defesa de terceiro.

2 DA PENA DE MULTA E O JUÍZO COMPETENTE PARA EXECUÇÃO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 51. Transitada em julgado a Art. 51. Transitada em julgado a
sentença condenatória, a multa será sentença condenatória, a multa será
considerada dívida de valor, executada perante o juiz da execução
aplicando-se-lhesas normas da penal e será considerada dívida de
legislação relativa à dívida ativa da valor, aplicáveis as normas relativas à
Fazenda Pública, inclusive no que dívida ativa da Fazenda Pública,
concerne às causas interruptivas e inclusive no que concerne às causas
suspensivas da prescrição. (Redação interruptivas e suspensivas da
dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996) prescrição.

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Perceba-se que, com o PAC, a dívida de valor constituída pela sentença


penal transitada em julgado passou expressamente a ser executada no juízo da
execução penal. A legislação anterior não previa qual era o juízo competente.
Modificação importante e que é passível de cobrança em prova!
Lembre-se ainda o que preceitua a Súmula 521, STJ: “A legitimidade
para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença
condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública”.
Todavia, a recentíssima jurisprudência do STF parece ter superado o
entendimento sumulado pelo tribunal da cidadania nos seguintes termos: “O
MP é legitimado a cobrar a multa penal transitada em julgado na Vara das
Execuções Penais. Caso o MP se mantenha inerte por mais de 90 dias, após ser
devidamente intimado, a Procuradoria da Fazenda Pública irá executar, na Vara
de Execuções Fiscais, aplicando-se a Lei 6.830/80” (STF. ADI 3150/DF e AP
470/MG, Pleno, Red. p/ ac. Min. Roberto Barroso, 13/12/2018 – Info 927).
Ressalte-se que com a modificação trazida pelo PAC, a tendência é que a
decisão do STF permaneça. Assim, a atribuição para execução da multa será do
Ministério Público no juízo de execuções penais. Caso haja inércia por mais de
90 (noventa) dias do Ministério Público, a Procuradoria da Fazenda Pública
promoverá, subsidiariamente, a execução da multa, sendo que na Vara de
Execuções Fiscais. Registre-se, por fim, que tal atuação será na Vara de
Execuções Fiscais em razão de inadequação da atuação da Fazenda no âmbito
da Vara de Execuções Penais.

3 TEMPO MÁXIMO DE CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 75. O tempo de cumprimento das Art. 75. O tempo de cumprimento das
penas privativas de liberdade não penas privativas de liberdade não
pode ser superior a 30 (trinta) anos. pode ser superior a 40 (quarenta)
§1º. Quando o agente for condenado a anos. §1º. Quando o agente for
penas privativas de liberdade cuja condenado a penas privativas de
soma seja superior a 30 (trinta) anos, liberdade cuja soma seja superior a 40
devem elas ser unificadas para (quarenta) anos, devem elas ser
atender ao limite máximo deste artigo unificadas para atender ao limite
(redação de 1984). máximo deste artigo.

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A Constituição Federal, em seu art. 5º, XLVII, “b”, veda penas de caráter
perpétuo. Como forma de obedecer a tal dispositivo, o legislador
infraconstitucional limitou o tempo de cumprimento da pena privativa de
liberdade de modo a fixar um lapso temporal compatível e proporcional com o
tempo de vida do ser humano. Com o PAC, em caso de crimes, o tempo
máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade passa de 30 (trinta)
para 40 (quarenta) anos.
Perceba-se que o dispositivo não modificou o art. 10 da Lei de
Contravenções Penais (LCP), que prevê o prazo máximo de 5 (cinco) anos para
cumprimento da pena privativa de liberdade, que no caso só pode ser a pena de
prisão simples. Nesse caso, a LCP figura como lei especial em relação ao Código
Penal, prevalecendo em relação à modificação trazida pelo PAC.
Com a nova mudança legal, a Súmula 715, STF, tende a ser revista, in
verbis: “A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento,
determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão
de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável
de execução”.
Outro ponto importante é que a nova redação não sanou a divergência
entre o entendimento do STF e do STJ quanto à duração da medida de
segurança. Se a questão mencionar que houve a fixação legal do prazo máximo
da medida de segurança, automaticamente deverá ser apontada como errada.
Por enquanto, quanto à medida de segurança, vigora a divergência entre
o disposto na Súmula 527, STJ, que limita a medida de segurança à pena
máxima abstratamente cominada ao delito praticado, e o entendimento do STF
que, por analogia, aplica às medidas de segurança o tempo máximo de
cumprimento da pena privativa de liberdade, antes 30, agora 40 anos.
Não será um espanto se uma ADI for apresentada perante o STF
alegando afronta justamente ao direito fundamental individual previsto no art.
5º, XLVII, “b”. Cenas dos próximos capítulos, porém. Aguardemos.

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

4 DO LIVRAMENTO CONDICIONAL
4.1 ACRÉSCIMO DO REQUISITO RELATIVO A AUSÊNCIA DE FALTA
GRAVE NOS ÚLTIMOS 12 (DOZE) MESES
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 83. O juiz poderá conceder Art. 83. O juiz poderá conceder
livramento condicional ao condenado a livramento condicional ao condenado a
pena privativa de liberdade igual ou pena privativa de liberdade igual ou
superior a 2 (dois) anos, desde que: superior a 2 (dois) anos, desde que
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de (mantido):
11.7.1984) I – cumprida mais de um terço da pena se
I – cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime
o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes
doloso e tiver bons antecedentes; (mantido);
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de II – cumprida mais da metade se o
11.7.1984) condenado for reincidente em crime
II – cumprida mais da metade se o doloso (mantido);
condenado for reincidente em crime III– comprovado (modificado):
doloso; (Redação dada pela Lei nº 7.209, a) bom comportamento durante a
de 11.7.1984) execução da pena;
III – comprovado comportamento b) não cometimento de falta grave nos
satisfatório durante a execução da pena, últimos 12 (doze) meses;
bom desempenho no trabalho que lhe foi c) bom desempenho no trabalho que lhe
atribuído e aptidão para prover à própria foi atribuído; e
subsistência mediante trabalho honesto; d) aptidão para prover a própria
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de subsistência mediante trabalho honesto;
11.7.1984) tenha reparado, salvo efetiva
IV – tenha reparado, salvo efetiva impossibilidade de fazê-lo, o dano
impossibilidade de fazê-lo, o dano causado pela infração;
causado pela infração; (Redação dada IV – tenha reparado, salvo efetiva
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) impossibilidade de fazê-lo, o dano
V – cumpridos mais de dois terços da causado pela infração (mantido);
pena, nos casos de condenação por crime V – cumpridos mais de dois terços da
hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito pena, nos casos de condenação por crime
de entorpecentes e drogas afins, tráfico de hediondo, prática de tortura, tráfico ilícito
pessoas e terrorismo, se o apenado não de entorpecentes e drogas afins, tráfico de
for reincidente específico em crimes dessa pessoas e terrorismo, se o apenado não
natureza. (Incluído pela Lei nº for reincidente específico em crimes dessa
13.344, de 2016) (Vigência) natureza (mantido).
Parágrafo único. Para o condenado por Parágrafo único. Para o condenado por
crime doloso, cometido com violência ou crime doloso, cometido com violência ou
grave ameaça à pessoa, a concessão do grave ameaça à pessoa, a concessão do
livramento ficará também subordinada à livramento ficará também subordinada à
constatação de condições pessoais que constatação de condições pessoais que
façam presumir que o liberado não façam presumir que o liberado não
voltará a delinquir. (Redação dada pela voltará a delinquir (mantido).
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

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Como se percebe, o PAC apenas modificou o inciso III do art. 83. A nova
redação adicionou o seguinte requisito: O condenado não pode ter cometido
falta grave nos últimos 12 (doze) meses. Perceba que os demais requisitos do
livramento condicional foram preservados.
Numa primeira análise, parece que mesmo com a nova legislação a
prática de falta grave não interrompe o prazo para concessão do livramento
condicional, estando o PAC de acordo com a jurisprudência pacífica dos
tribunais superiores (Súmula 441, STJ: “A falta grave não interrompe o prazo
para obtenção do livramento condicional”).
Isso porque o impedimento da concessão do benefício não se confunde
com a interrupção do prazo para aquisição do direito. Pelo menos, numa
primeira análise, é como sentimento, porém, aguardemos as repercussões
jurisprudenciais.
Algo que não pode deixar de ser percebido é que a nova lei não
modificou o caput do art. 83, nem a redação dos incisos I, II, IV, V e do
parágrafo único para adequar às inovações relativas à progressão regime, que a
partir de agora tem o requisito objetivo computado em percentuais e não mais
em frações, conforme será visto em capítulo específico.

4.2 NOVAS VEDAÇÕES AO LIVRAMENTO CONDICIONAL


ADICIONADAS À LEP
O PAC trouxe novas hipóteses de vedação para concessão do livramento
condicional:
TIPO DE CONDENADO CIRCUNSTÂNCIA DO CRIME
Primário Condenado por crime hediondo ou
equiparado com resultado morte (art.
112, inciso VI, “a”, da LEP –
modificação do pacote anticrime)
Primário Condenado por integrar organização
criminosa ou por crime praticado por
meio de organização criminosa, se
houver elementos probatórios que
indiquem a manutenção do vínculo
associativo (art. 2º, §9º, da Lei
12.850/13 – modificação do pacote
anticrime)
Reincidente Em crime hediondo ou equiparado
com resultado morte (art. 112, inciso
VIII, da LEP – modificação do pacote
anticrime)

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Ao lado dessas três hipóteses legais novas de vedação, a concessão do


livramento condicional é também vedada nos termos do inciso V do art. 83 do
Código Penal, que foi mantido, se o sujeito for reincidente específico em crime
hediondo ou equiparado a hediondo (tráfico, tortura e terrorismo), mesmo sem
resultado morte, e/ou em tráfico de pessoas. Perceba-se que o art. 83, V, vedou
o livramento condicional em relação ao reincidente específico nesses crimes
mesmo sem o resultado morte.
Contudo, possivelmente haverá discussão quanto à hipótese revogação
tácita do art. 83, inciso V, do Código Penal. Isso porque as modificações
promovidas pelo PAC no art. 112 da LEP mencionaram expressamente as
hipóteses de vedação da concessão do livramento condicional (art. 112, incisos
VI e VIII). Sendo assim, através de interpretação sistemática dos dispositivos,
duas teses aparecem como possíveis a partir da nova legislação (PAC):
NÃO HOUVE REVOGAÇÃO HOUVE REVOGAÇÃO TÁCITA
TÁCITA DO ART. 83, V, CP DO ART. 83, V, CP
A vedação do art. 83, inciso V, do CP, Houve revogação tácita do art. 83,
convive com o disposto no art. 112, inciso V, do CP, porquanto o PAC ao
VII, da LEP, já que a norma do CP alterar a LEP em relação às vedações
trata especificamente do livramento ao livramento condicional o fez com
condicional enquanto o art. 112 da pretensão de exaustão, sem contar que
LEP trata da progressão de regime prescreveu expressamente as
com reflexos difusos no livramento hipóteses mais graves de vedação (art.
condicional 112, incisos VI e VIII) e não o fez no
inciso VII (hipótese mais leve)

5 CONFISCO ALARGADO DE BENS: NOVA HIPÓTESE DE


PERDIMENTO DE BENS COMO EFEITO DA SENTENÇA PENAL
CONDENATÓRIA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Não havia esse dispositivo. Trata-se, Art. 91-A. Na hipótese de condenação
portanto de inovação legislativa! por infrações às quais a lei comine
pena máxima superior a 6 (seis) anos
de reclusão, poderá ser decretada a
perda, como produto ou proveito do
crime, dos bens correspondentes à
diferença entre o valor do patrimônio
do condenado e aquele que seja
compatível com o seu rendimento

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lícito.
§1º. Para efeito da perda prevista no
caput deste artigo, entende-se por
patrimônio do condenado todos os
bens:
I – de sua titularidade, ou em relação
aos quais ele tenha o domínio e o
benefício direto ou indireto, na data
da infração penal ou recebidos
posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título
gratuito ou mediante contraprestação
irrisória, a partir do início da
atividade criminal.
§2º. O condenado poderá demonstrar
a inexistência da incompatibilidade ou
a procedência lícita do patrimônio.
§3º. A perda prevista neste artigo
deverá ser requerida expressamente
pelo Ministério Público, por ocasião
do oferecimento da denúncia, com
indicação da diferença apurada.
§4º. Na sentença condenatória, o juiz
deve declarar o valor da diferença
apurada e especificar os bens cuja
perda for decretada.
§5º. Os instrumentos utilizados para a
prática de crimes por organizações
criminosas e milícias deverão ser
declarados perdidos em favor da
União ou do Estado, dependendo da
Justiça onde tramita a ação penal,
ainda que não ponham em perigo a
segurança das pessoas, a moral ou a
ordem pública, nem ofereçam sério
risco de ser utilizados para o
cometimento de novos crimes.

5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


Antes do PAC, o perdimento de instrumentos utilizados na prática do
crime e dos bens alcançados através da atividade delitiva tinha regramento
único com caráter de efeito extrapenal genérico da condenação. Ou seja, era
efeito automático da condenação não necessitando de fundamentação judicial. É
dizer, toda condenação produz tais efeitos.

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Eram estes os casos: 1) Perda em favor da União dos instrumentos do


crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou
detenção constitua fato ilícito (art. 91, II, “a”, CP); 2) Perda do produto do crime
ou qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a
prática do fato criminoso (art. 91, II, “b”, CP); 3) Perda do produto ou proveito
do crime quando estes não forem encontrados ou quando se localizarem no
exterior (art. 91, §1º, CP).
O art. 91-A introduziu no sistema criminal brasileiro a figura do confisco
alargado de bens do criminoso, já adotado em países como Portugal, Alemanha
e Espanha. Como se percebe, com o advento da criminalidade moderna, que
deixou para trás o Direito Penal urbano (crimes de rua), a atividade delitiva não
raro ultrapassa os limites territoriais de um país, tem seu modus operandi mais
complexo e sofisticado.
Dentro desse contexto, surgiram também as organizações criminosas
nacionais e transnacionais, centros de poder ilícito que acabam acumulando
grande patrimônio decorrente direta ou indiretamente de suas atividades
criminosas.
No cenário brasileiro, não se pode esquecer que essas organizações estão
não raras vezes incrustadas no seio da própria estrutura burocrática do Estado,
o que dificulta ainda mais o combate e superação dessa forma de criminalidade.
Sendo assim, o grande desafio no combate à criminalidade moderna,
organizada ou não, reside, portanto, em desmantelar sua estrutura através da
identificação e isolamento das lideranças bem como o atingimento dos valores e
bens acumulados ilicitamente, porquanto esses bens servem para perpetuar as
práticas delitivas e reestruturar o prejuízo calculado causado pelas instituições
estatais no combate diário ao crime.
O confisco patrimonial dos bens acumulados com a prática delitiva
revela-se um forte instrumento no combate a essa espécie de criminalidade.

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5.2 CONCEITOS IMPORTANTES


A) CONFISCO ALARGADO
O confisco alargado consiste no perdimento de bens cujos valores sejam
o resultado da diferença entre o patrimônio comprovadamente lícito ou
oriundo de fontes legítimas do agente e o patrimônio total do condenado,
estejam os bens ou valores registrados em seu nome ou nome de terceiro.

B) PATRIMÔNIO ALVO DO CONFISCO


O §1º do art. 91-A traz uma norma explicativa definindo o conceito de
patrimônio para fins de aplicação do efeito da condenação ora estudado. Nesse
sentido, entende-se por patrimônio do condenado todos os bens:
a) de sua titularidade, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o
benefício direto ou indireto, na data da infração penal ou recebidos
posteriormente; e b) transferidos a terceiros a título gratuito ou mediante
contraprestação irrisória, a partir do início da atividade criminal.
O conceito de patrimônio abrange os bens de titularidade do agente
criminoso, ou seja, aqueles que estão “em seu nome”, bem como aqueles sobre
os quais o agente detém o domínio e o benefício direto ou indireto, em ambos
os casos na data da infração penal ou recebidos posteriormente.
Exemplos: a) A casa registrada em seu nome (titularidade); b) Imóvel
que, apesar de não estar em seu nome (está em nome de laranja), é utilizado de
forma recorrente como casa de campo, figurando o agente como titular de fato e
não de Direito, já que o imóvel foi dado como forma de pagamento de propina.
Outrossim, o dispositivo legal abrange aqueles transferidos a terceiros
(laranjas) a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, a partir do
início da atividade criminal. Nesses casos, tem-se a simulação fraudulenta de
negócios jurídicos (doação, compra e venda, etc.) com a finalidade de dificultar
a persecução patrimonial.
Exemplos: a) O agente delitivo compra um carro importado com o
proveito do crime e, logo após, simula um contrato de compra e venda,
entregando o veículo por valor irrisório; b) O agente delitivo transfere, por meio
de doação, recursos para institutos, ONGs, cuja finalidade é, unicamente, lavar
dinheiro.

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5.3 NATUREZA JURÍDICA


Trata-se de um efeito extrapenal específico da sentença condenatória
criminal, logo é efeito não automático, incidindo apenas em algumas infrações.
Necessita de fundamentação expressa na decisão condenatória, e o mais
importante, de pedido expresso por parte do Órgão do Ministério Público na
denúncia.
A natureza jurídica de efeito extrapenal específico parece ser evidente na
novel redação. Nesse sentido, o caput restringe a sua incidência às infrações
penais cujas penas máximas cominadas sejam superiores a 06 (seis) anos de
reclusão. Nesse ponto, o legislador fez duas exigências: a) Pena máxima
cominada (abstratamente prevista!) superior a 06 (seis) anos; b) Pena seja de
reclusão. Ou seja, perceba-se a especificidade do efeito, cuja incidência somente
se dá em infrações penais eleitas pela legislação.
É preciso muita atenção, pois o que importa é a pena máxima abstrata, e
não a pena concretamente aplicada na condenação. Ou seja, se o crime alvo do
processo tem pena máxima em abstrato superior a 6 (seis) anos, o confisco
alargado poderá incidir, mesmo que a pena in concreto aplicada pelo magistrado
seja inferior a 6 (seis) anos.
Note-se, uma vez mais, que o confisco alargado não pode ser decretado
exofficio pelo magistrado, estando submetido a requerimento expresso do
Ministério Público quando do oferecimento da denúncia. Além disso, o órgão
ministerial deve indicar, já na denúncia, a diferença apurada entre o valor
patrimônio do condenado e o valor do patrimônio que seria compatível com os
seus rendimentos lícitos. Ainda assim, o magistrado, na decisão condenatória,
deverá declarar o valor da diferença apurada e especificar os bens cuja perda
for decretada.
Deve-se atentar para o fato de que o confisco alargado não exige que os
bens atingidos sejam, necessariamente, instrumentos do crime; produto do
crime; bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática
do fato criminoso. Na verdade, o novo instituto cria uma presunção relativa de
que a diferença patrimonial é produto ou proveito do crime. Porém, o
condenado poderá comprovar a inexistência da incompatibilidade ou a
procedência lícita da diferença patrimonial.

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Interessante notar que parcela da doutrina se posiciona pela


inconstitucionalidade do confisco alargado em razão da ofensa ao direito
fundamental à presunção da inocência, sem contar com o fato de que a
constrição patrimonial seria baseada em meras presunções1.
Não parece ser esta a melhor interpretação do dispositivo, pois a nova lei
traz uma série de requisitos baseados em indícios sérios e fundados de que o
patrimônio do condenado é proveniente do crime.
Note-se que há o dever de declarar os rendimentos, bens, valores, etc.,
para fins de pagamento do imposto de renda. Se o patrimônio do condenado
não é condizente com essa declaração, provado sua autoria ou participação em
crimes com pena máxima superior a 6 (seis) anos, com demonstração expressa e
pedido também expresso do MP, para o confisco, não parece prudente entender
esse efeito da extrapenal da condenação como mera presunção apto a violar o
estado de inocência.
Neste ponto, muito ao contrário do que se alardeia, parece coerente e
muito acautelada a novel legislação na medida em que exige para incidência do
confisco alargado a comprovação de crime grave (pena superior a 6 anos),
comprovação da diferença entre o patrimônio real e o patrimônio produto do
crime e requerimento expresso do MP com a respectiva fundamentação na
decisão judicial. Vê-se, por conseguinte, uma estruturação firme dos requisitos e
um dever expresso de contenção do poder discricionário judicial.

5.4 PERDIMENTO DE BENS EM FAVOR DO ESTADO


A) ATIVIDADE DESENVOLVIDA POR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA E
MILÍCIA
A inovação legislativa prevê, ainda, que os instrumentos utilizados para
a prática de crimes por organizações criminosas e milícias deverão ser
declarados perdidos em favor da União ou do Estado ainda que não ponham

1 MAGLIARELLI, Filipe. Precisamos discutir o confisco alargado. Disponível em:


https://opiniao.estadao.com.br/noticias/espaco-aberto,precisamos-discutir-o-confisco-
alargado.

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem pública, nem ofereçam


sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos crimes.
A previsão de perdimento de bens em favor do Estado mesmo sem
demonstração de perigo à segurança das pessoas, etc., deixa claro o
alinhamento à necessidade do combate efetivo à criminalidade organizada,
diminuindo os entraves para realização da persecução patrimonial dessas
organizações, afastando, expressamente, requisitos comumente levantados em
teses defensivas.

B) DESTINAÇÃO DOS BENS UTILIZADOS POR ORCRIM E MILÍCIA


PRIVADA: UNIÃO OU ESTADO?
Quanto à destinação dos instrumentos utilizados pelas organizações
criminosas e milícia, o critério utilizado é a Justiça na qual tramita a ação penal.
Se for, por exemplo, crime cometido por organização criminosa contra bens da
União, os seus instrumentos serão destinados à União. Caso se trate de
organização criminosa que atua em tráfico de drogas local, os bens serão
destinados ao respectivo estado-membro que é sede da Justiça estadual.
Registre-se que tal critério de destinação, conforme a justiça processante, já é
adotado pela Lei de Lavagem de capitais, no art. 7º, inciso I.

QUADRO-RESUMO DO CONFISCO ALARGADO

Conceito O confisco alargado consiste no perdimento de bens


cujos valores sejam o resultado da diferença entre o
patrimônio comprovadamente lícito ou oriundo de
fontes legítimas do agente e o patrimônio total do
condenado, estejam os bens ou valores registrados em
seu nome ou nome de terceiro.
Natureza Jurídica Trata-se de um efeito extrapenal específico da sentença
condenatória criminal, logo é efeito não automático,
incidindo apenas em algumas infrações. Necessita de
fundamentação expressa na decisão condenatória, e o
mais importante, de pedido expresso por parte do
Órgão do Ministério Público na denúncia.
Requisitos a) Pena cominada superior a 6 anos; b) Pedido expresso

17
estácio Luiz & pedrotenório

do MP na denúncia (especificando a diferença


patrimonial); c) Fundamentação expressa na sentença:
individualizando a diferença e os bens atingidos.
Conceito de Entende-se por patrimônio do condenado todos os
patrimônio bens:
I – de sua titularidade, ou em relação aos quais ele
tenha o domínio e o benefício direto ou indireto, na
data da infração penal ou recebidos posteriormente; e
II – transferidos a terceiros a título gratuito ou
mediante contraprestação irrisória, a partir do início da
atividade criminal.
Destinação dos bens Quanto à destinação dos instrumentos utilizados pelas
em caso de organizações criminosas e milícia, o critério utilizado é
organizações a Justiça na qual tramita a ação penal.
criminosas e milícias
privadas

6 DAS CAUSAS IMPEDITIVAS (SUSPENSIVAS) DO FLUXO DO PRAZO


PRESCRICIONAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 116. Antes de passar em julgado a Art. 116. Antes de passar em julgado a
sentença final, a prescrição não corre: sentença final, a prescrição não corre
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de (mantido):
11.7.1984) I - enquanto não resolvida, em outro
I - enquanto não resolvida, em outro processo, questão de que dependa o
processo, questão de que dependa o reconhecimento da existência do
reconhecimento da existência do crime (mantido);
crime; II - enquanto o agente cumpre pena
II - enquanto o agente cumpre pena no exterior;
no estrangeiro. III - na pendência de embargos de
Parágrafo único. Depois de passada declaração ou de recursos aos
em julgado a sentença condenatória, a Tribunais Superiores, quando
prescrição não corre durante o tempo inadmissíveis; e
em que o condenado está preso por IV - enquanto não cumprido ou não
outro motivo. rescindido o acordo de não
persecução penal.
Parágrafo único. Depois de passada
em julgado a sentença condenatória, a
prescrição não corre durante o tempo
em que o condenado está preso por
outro motivo (mantido).

18
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

6.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE PRESCRIÇÃO


A prescrição é a perda da pretensão punitiva estatal em razão de inércia,
ou seja, por não ter exercido dentro do prazo legal o seu legítimo e justo direito
de punir aquele que comprovadamente cometeu uma infração penal. As razões
fundamentadoras de política criminal da prescrição são, dentre outras:
a) Em razão da inércia estatal e decurso do tempo, a sociedade perde o
interesse na punição, ou seja, os efeitos da punição desproporcionalmente
tardia já não atenderiam aos fins da pena segundo as teorias justificadoras;
b) Em vista da desídia estatal, a punição do criminoso se mostra um
excesso do poder político estatal, situação vedada pelo constitucionalismo
moderno sob a concretização do princípio da proibição do excesso, vetor do
princípio da proporcionalidade.
Ressalte-se ainda que, no âmbito criminal, diferencia-se a prescrição da
decadência na medida em que a decadência atinge o próprio direito de ação
penal, estando voltada à ação penal privada ou a ação penal pública
condicionada à representação, pois ambas precisam da manifestação temporal
da vontade de acionar o agente delitivo criminalmente.
Por outro lado, a prescrição atinge o direito material de punir, ou seja,
nada tem a ver diretamente com o direito de ação penal, mas sim com o direito
efetivo de exercer o jus puniendi.
Assim, prescrito o crime, o órgão do ministério público poderá até
exercer seu direito de ação penal, porém, restando a punibilidade extinta, a
denúncia será imediatamente rejeitada, nos termos do art. 395, II, CPP, ou, uma
vez recebida a denúncia já estando a pretensão prescrita, o juiz absolverá
sumariamente o réu, nos termos do art. 397, IV, CPP.

6.2 NATUREZA JURÍDICA


A prescrição é causa de extinção da punibilidade expressamente prevista
no art. 109, do CP. Como é instituto de direito penal o prazo não se submete ao
regramento processual penal devendo ser contado nos termos do art. 10, do CP.
Logo, inclui-se o dia de início do prazo e exclui-se o dia do seu final.

19
estácio Luiz & pedrotenório

6.3 CRIMES IMPRESCRITÍVEIS


Para atender aos ditames do princípio da proporcionalidade em seu viés
da proibição da proteção deficiente, o sistema constitucional prescreve duas
espécies de infração penal imprescritíveis: a) racismo e b) ação de grupos
armados civis e militares contra a ordem constitucional e o estado democrático
(art. 5º, XLII e XLIV, CF).
Contudo, em recentes decisões, STJ e STF têm ampliado esse rol para

abarcar como imprescritíveis os crimes de injúria racial (STJ. AgRg no


AREsp734.236/DF, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, 27/02/2018; STJ. AgRg no
AREsp 686.965/DF, 6ª T., Rel. Min. Ericson Maranho (Des. Conv. TJ/SP),
18/08/2015) e racismo social contra a comunidade LGTB, nos termos da lei

7.716/89 (STF. ADO 26/DF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, J. 13/06/2019).
Esses precedentes tornaram viva a discussão acirrada na doutrina acerca

da possibilidade de alargamento do rol de crimes imprescritíveis além daqueles


expressamente previstos pelo poder constituinte originário.
Parte da doutrina, levemente majoritária, entende haver o direito

fundamental à prescritibilidade dos crimes, tendo a Constituição previsto de


forma exaustiva as hipóteses em que o Estado mesmo desidioso e inerte poderá

punir alguém embora tenha passado vários anos do cometimento do crime.


De outro lado, parcela da doutrina crescente levanta a tese de que a
determinação constitucional dos crimes imprescritíveis é meramente

exemplificativa, podendo haver, por emenda constitucional ou mesmo por lei


ordinária, ampliação desse rol.

A tese desses doutrinadores fixa-se no posicionamento da própria Corte


Suprema que entendeu não haver barreiras formais ou materiais para que o

legislador constituído fixasse outras hipóteses de imprescritibilidade (STF. RE


460971/RS, Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 13/02/2007).
Nesse mesmo sentido, o STF já decidiu que a classificação de uma norma

constitucional como cláusula pétrea não significa a intangibilidade literal de seu

20
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

texto, mas sim a proteção ao seu núcleo essencial (STF. ADI 2420/DF, Pleno,

Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 03/05/2007).

6.4 CIRCUNSTÂNCIAS QUE INFLUEM NO CURSO DO PRAZO


PRESCRICIONAL
Como se sabe, há duas espécies de causas que influem no curso do prazo
prescricional, umas de ordem impeditiva (suspensiva) e outras de ordem
interruptiva.
Ambas estão presentes nos art. 116 e 117 do Código de Processo Penal,
respectivamente. As de ordem suspensiva fazem com que o prazo apenas pare
de correr pelo tempo que durar a causa, voltando a correr de onde parou; os de
ordem interruptiva fazem o prazo zerar de vez, iniciando novamente.

6.5 CRIAÇÃO DE DUAS NOVAS HIPÓTESES DE CAUSAS IMPEDITIVAS


(SUSPENSIVAS) DA PRESCRIÇÃO: NECESSIDADE DE RESPOSTA À
IMPUNIDADE
Como se percebe, o PAC criou duas novas hipóteses de causas
impeditivas (suspensivas) do fluxo do prazo prescricional ao adicionar os
incisos III e IV ao art. 116, CPP. Ressalte-se que o inciso III do mesmo artigo não
teve mudado o seu conteúdo, mas apenas a expressão “no estrangeiro” para
“no exterior”.
Para enfrentar a impunidade, talvez o maior vilão interno do sistema
criminal brasileiro2, o PAC prevê que ficará suspenso o prazo prescricional
enquanto estiver pendente embargos de declaração ou recursos aos Tribunais
Superiores, quando inadmissíveis (art. 116, inciso IV, CP). Não são raros os
casos que se perdem nos Tribunais de apelação e mais frequentemente nos
tribunais superiores.
Aqui é preciso notar que a nova regra condiciona a suspensão do prazo
prescricional à inadmissibilidade do recurso. Assim, quando o recurso for
2 Paraaprofundamento ver: DIP, Ricardo; JR., Volney Corrêa Leite de Moraes. Crime e Castigo:
Reflexões politicamente incorretas. São Paulo: Editorial Lepanto, 2018. PESSI, Diego; SOUZA,
Leonardo Giardin de. Bandidolatria e Democídio: Ensaios sobre garantismo penal e a
criminalidade no Brasil. São Luís: Livraria Resistência Cultural Editora, 2017.
21
estácio Luiz & pedrotenório

admissível, não haverá que se falar em suspensão do prazo prescricional. Esse


detalhe normativo busca evitar declaração de inconstitucionalidade por
violação ao direito fundamental individual à ampla defesa.
Por outro lado, numa construção lógica e com intuito de adequar a
legislação penal à novel legislação processual, previu também o PAC que o
prazo prescricional ficará suspenso enquanto não cumprido ou não rescindido
o acordo de não persecução penal (art. 116, inciso V, CP).
É preciso lembrar ainda que não são essas as únicas hipóteses de
suspensão do curso do prazo prescricional, havendo as seguintes possibilidades
expressamente previstas na Constituição e na legislação especial:
a) Decisão da Casa Legislativa para sustar (suspender) o andamento da
ação penal recebida contra parlamentar pelo STF, nos termos do art. 53, §3º,
CF;
b) Réu citado por edital que não comparece ao processo, nos termos do
art. 366, CPP. Neste caso, o STJ tem entendimento sumulado de que “o período
de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena
cominada” (súmula 415, STJ). Logo, a suspensão não pode se dar eternamente;
c) Durante o cumprimento de carta rogatória nos processos em que o
acusado se encontra em local conhecido, nos termos do art. 368, CPP;
d) Durante o prazo de cumprimentos das condições impostas na
suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89, §6º, lei 9.099/95;
e) Durante o cumprimento do regime de parcelamento nos crimes
contra a ordem tributária previstos na lei 8.137/90, e também nos arts. 168-A e
337-A do CP.

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 2 DAS
MODIFICAÇÕES NA
PARTE ESPECIAL DO
CÓDIGO PENAL
COMENTADAS

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estácio Luiz & pedrotenório

1 CRIME DE ROUBO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia,
para si ou para outrem, mediante
grave ameaça ou violência a pessoa,
ou depois de havê-la, por qualquer
meio, reduzido à impossibilidade de
resistência:
Pena. Reclusão, de 4 (quatro) a 10
(dez) anos, e multa.
§2º. A pena aumenta-se de 1/3 até a
metade:
[...] VII – se a violência ou grave
ameaça é exercida com emprego de
arma branca. §2º-B. Se a violência ou
grave ameaça é exercida com emprego
de arma de fogo de uso restrito ou
proibido, aplica-se em dobro a pena
prevista no caput deste artigo.

O PAC introduziu, no §2º, inciso VII, uma causa de aumento de pena


referente ao emprego de arma branca. Isto é, caso o agente pratique a violência
ou a grave ameaça com a utilização de este instrumento, a pena será aumentada
de 1/3 até metade.
Por outro lado, deu tratamento mais gravoso, ao determinar a aplicação
em dobro da pena prevista no caput nos casos em que há a utilização de arma
de fogo de uso restrito ou proibido (§2º-B).
Registre-se que a majorante relativa ao uso de arma branca no roubo já
estava presente na redação originária do art. 157, no §2º, inciso I. Contudo, a
recente Lei n. 13.654/2018 suprimiu, agora parece ter ficado claro que por
atecnia legislativa, a majorante da arma branca, eis que passou a prever o
aumento da pena somente em caso de utilização de arma de fogo (art. 2-A,
inciso I).
Agora, o PAC reintroduziu a majorante da arma branca, bem como
inovou ao dar tratamento mais grave às situações em que há a utilização de
arma de fogo de uso restrito ou proibido. Logo, em se tratando de emprego de
arma, temos três situações distintas no art. 157 do CP:

24
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

TIPO DE ARMA TRATAMENTO


Arma Branca (novidade do PAC) Aumento de 1/3 a metade (art. 157,
§2º, VII)
Arma de Fogo de uso permitido Aumento de 2/3 (art. 157, §2º-A, I)
Arma de Fogo de uso restrito ou Pena em dobro (art. 157, §2º-B)
proibido (novidade do PAC)

De plano, percebe-se que todas as modificações operadas se traduzem


em lei penal mais gravosa (lex gravior), já que ao introduzirem as majorantes
conferiram tratamento mais rigoroso à conduta de roubo praticado mediante a
utilização de arma branca e com o uso de arma de fogo de uso restrito ou
proibido.
Desse modo, por força do princípio da irretroatividade da lei penal
maléfica (art. 5º, XL, da CF/88), os seus efeitos não poderão retroagir para
prejudicar o investigado/acusado/condenado, incidindo somente nos casos
posteriores a sua entrada em vigor.
As hipóteses trazidas pela lei nova revelam-se como causas de aumento
especiais, porquanto preveem a majoração em quantia variável (1/3 a metade)
no caso de arma branca e em quantia fixa (dobro) no caso de arma de uso
restrito ou proibido a incidir na terceira fase da dosimetria da pena, podendo
esta ultrapassar os limites abstratos máximos previstos.
Por fim, registre-se os seguintes entendimentos dos tribunais superiores
acerca da majorante de arma de fogo3:
a) Não é preciso apreensão da arma de fogo para incidência da
majorante, quando há outros elementos provando a sua utilização (STF. HC
108034/SC, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, 05/06/2012; STJ. REsp 1213467/RS,
5ªT., Rel. Min. Marilza Maynard (Des. Conv. TJ/SE), 07/05/2013);
b) Se arma é apreendida, e a perícia constata a sua inaptidão para fazer
disparos, não incide a majorante, mas serve para configurar a grave ameaça
(STJ. HC 247.669/SP, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Jr., 04/12/2012);

3 Dizer o Direito. Site: dizerodirieto.com.br.


25
estácio Luiz & pedrotenório

c) Utilização de arma de brinquedo não faz incidir a majorante, mas


serve para configurar a grave ameaça, logo tipifica o crime de roubo e não o
crime de furto (Súmula 174, STJ, que assinalava a possibilidade, foi cancelada);
d) Cabe ao réu demonstrar que a arma utilizada era de brinquedo, inapta
ou defeituosa, e não à acusação, logo tem-se inversão do ônus da prova (STJ.
EREsp 961863/RS, 3ª Seção, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv. TJ/SP), Red.
p/ ac. Min. Gilson Dipp, 13/12/2010);
e) Arma desmuniciada não faz incidir a majorante por ausência de
potencialidade lesiva (STJ. AgRg no REsp 1536939/SC, 6ª T., Rel. Min.
Sebastião Reis Jr., 15/10/2015). Arma desmuniciada faz incidir a majorante, pois
é irrelevante se estava desmuniciada ou não, bastando sua utilização como
instrumento apto a exercer a grave ameaça (STF. RHC 115077/MG, 2ª T., Rel.
Min. Gilmar Mendes, 06/08/2013);
f) A incidência da majorante absorve o crime de porte ilegal de arma de
fogo? Depende! Se há nexo de dependência ou subordinação entre as duas
condutas e que os delitos foram praticados em um mesmo contexto fático,
incide o princípio da consunção. Se não há, não incide, respondendo o agente
pelo dois fatos (STJ. HC 199031/RJ, 5ª T, Rel. Min. Jorge Mussi, 21/06/2011;
STF. RHC 106067/MG, 1ª T., Rel. Min. Rosa Weber, 26/06/2012).

2 MODIFICAÇÕES RELATIVAS AO CRIME DE ESTELIONATO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 171. Obter, para si ou para
outrem, vantagem ilícita, em prejuízo
alheio, induzindo ou mantendo
alguém em erro, mediante artifício,
ardil, ou qualquer outro meio
fraudulento:
Pena - reclusão, de 1 a 5 anos, e multa,
de 500 mil réis a 10 contos de réis.
§5º. Somente se procede mediante
representação, salvo se a vítima for:
I – a Administração Pública, direta ou
indireta;
II – criança ou adolescente;
III – pessoa com deficiência mental;
ou
IV – maior de 70 (setenta) anos de
idade ou incapaz.

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O PAC promoveu a mudança da natureza da ação penal no tocante ao
crime de estelionato. Antes da inovação legal, a ação penal era sempre pública
incondicionada, não exigindo representação nem para o início das investigações
(abertura do IP) nem para proposição da ação penal.
Agora, em regra, a ação penal será pública condicionada à representação,
salvo nos casos em que a vítima se encaixar nas hipóteses dos incisos de I a IV
do §5º, em que a ação continua a ser pública incondicionada.
Ressalta-se que a modificação da natureza da ação penal serve não só
para o art. 171, caput, mas para todas aquelas que estão previstas nos
dispositivos seguintes (figuras equiparadas ao estelionato).
Portanto, tem-se a seguinte sistematização:
CRIME DE ESTELIONATO NATUREZA DA AÇÃO PENAL
Regra Pública condicionada à representação
Estelionato cometido contra: a) a Pública incondicionada
administração pública, direta ou
indireta; b) Criança ou adolescente; c)
Pessoa com deficiência mental; d)
Maior de 70 (setenta) anos de idade ou
incapaz.

2.2 RAZÕES DA MODIFICAÇÃO TRAZIDA PELO PAC


Importante notar que a opção legislativa baseou-se na qualidade das
vítimas para definir a incondicionalidade da ação penal. Sendo vítimas
especificamente ocupantes de uma posição jurídica especial, o legislador optou
pela incondicionalidade da ação penal, caso contrário a ação penal passou a ser
pública condicionada dado que o crime atinge o patrimônio sem ocorrência de
violência ou grave ameaça.

A) ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO SUJEITO PASSIVO


Em relação à Administração Pública, pautou-se na indisponibilidade do
interesse público. Sabe-se que a prática reiterada de fraudes em prejuízo aos
cofres públicos pode onerar e prejudicar a prestação serviços públicos e outras

27
estácio Luiz & pedrotenório

ações estatais em prol da coletividade, a exemplo do que ocorre nas fraudes


previdenciárias.
Por fim, entendemos que o exercício do direito de representação é
incompatível com a própria natureza da Administração Pública, que é regida
pelos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e a
indisponibilidade do interesse público.

B) VÍTIMAS VULNERÁVEIS COMO SUJEITO PASSIVO


No tocante às demais vítimas, o motivo determinante para se optar pela
ação penal pública incondicionada foi a vulnerabilidade, pois estas, em tese,
estão mais suscetíveis às fraudes. Outrossim, o exercício de representação pela
condição que ostentam é mais difícil. Alguns pontos que se deve prestar
atenção:
a) A pessoa deve ter deficiência mental. Ou seja, não se abarca outros
tipos de deficiência. Em verdade, a deficiência mental tende a tornar a pessoa
mais suscetível à vitimização de fraudes, já que é mais difícil de compreender a
malícia do criminoso, ou mesmo a complexidade do golpe;
b) A lei nova não utiliza a expressão “idoso”, conceito disposto no
Estatuto do Idoso o qual define como pessoa com idade igual ou superior a 60
(sessenta) anos. A inovação do pacote anticrime refere-se à pessoa maior de 70
(setenta) anos. Portanto, nos casos em que a vítima tiver idade igual ou menor
que 70 (setenta anos), a ação penal no crime de estelionato será pública
condicionada à representação.

2.3 APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO


Por se tratar de norma híbrida, com conteúdo de direito processual e
também penal material, pois ao mesmo tempo que trata da natureza da ação
penal influencia na punibilidade do indivíduo, a sua aplicação deve alcançar
fatos pretéritos, retroagindo nos termos do art. 5º, XL, CF.
Acerca desse ponto, exsurge questionamento interessante: em relação aos
processos em andamento, iniciados através de ação penal pública

28
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

incondicionada, há necessidade do exercício do direito de representação pelas


vítimas que não se encaixam no rol do §5º?
A doutrina distingue as condições de procedibilidade das condições de
prosseguibilidade. A primeira é condição inicial para o exercício da ação penal,
a segunda é condição para o prosseguimento da ação penal já iniciada. In casu,
dois posicionamentos são possível:
1) Em se tratando de processos em andamento, as vítimas deverão ser
chamadas para que exerçam, se quiserem, no prazo decadencial de 06 (seis)
meses, o direito de representação. Contudo, em tal hipótese, a representação
figurará como uma condição de prosseguibilidade, na medida em o processo já
foi iniciado Situação parecida ocorreu nos casos de lesão corporal leve, com o
advento do art. 88 da Lei 9.099/95 (Juizados Especiais Criminais) e a alteração
da natureza da ação penal, as vítimas tiveram que manifestar interesse quanto
ao exercício do direito de representação;
2) A ação penal nos processo em andamento não sofrem modificação
alguma, permanecendo a natureza da ação pública incondicionada, já que as
disposições processuais da nova lei não retroagem. Ademais, como o PAC não
mencionou expressamente a regra da condição de prosseguibilidade, assim
como fez com a ação penal nos crimes de lesão corporal leve (art. 88, Lei
9.099/95). Essa é a posição de Rogério Sanches.

3 MODIFICAÇÕES RELATIVAS AO CRIME DE CONCUSSÃO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 316. Exigir, para si ou para Art. 316. Exigir, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, outrem, direta ou indiretamente,
ainda que fora da função ou antes de ainda que fora da função ou antes de
assumi-la, mas em razão dela, assumi-la, mas em razão dela,
vantagem indevida: vantagem indevida:
Pena: Reclusão, de 2 a 8 anos, e multa. Pena: Reclusão, de 2 a 12 anos, e
multa.

Antes do PAC, o sujeito que exigisse, para si ou para outrem, direta ou


indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão
dela, vantagem indevida poderia ser a condenado a uma pena de 02 (dois) a 08

29
estácio Luiz & pedrotenório

(oito) anos. A nova lei apenas alterou a pena máxima comina do crime para o
patamar de 12 (doze) anos.
Nota-se uma vez o espírito da novel legislação, qual seja o de punir com
maior rigor os crimes praticados por agentes públicos valendo-se do cargo que
ocupam. Haverá parcela da doutrina que acusará o legislador de praticar o tão
alardeado direito penal simbólico, populismo penal e outros chavões.
Contudo, o que parece claro é a atual leniência (laxismo) penal com os
crimes praticados por agentes poderosos, não raros ocupantes de cargos ou
funções públicas de destaque. O PAC veio para tentar, juntamente com outras
políticas de Estado, frear esse ímpeto, que no Brasil grassa há muito.

30
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 3 DAS
PRINCIPAIS
MODIFICAÇÕES NO
CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL COMENTADAS

31
estácio Luiz & pedrotenório

1 DA ESTRUTURA ACUSATÓRIA DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO


1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-A. O processo penal terá
estrutura acusatória, vedadas a
iniciativa do juiz na fase de
investigação e a substituição da
atuação probatória do órgão de
acusação.

O PAC previu no art. 3º-A que o processo penal terá estrutura acusatória,
vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação
probatória do órgão de acusação.
Quanto ao sistema processual penal adotado no Brasil, a doutrina
diverge. Enquanto alguns autores entendem que houve a adoção do sistema
acusatório, outros defendem o posicionamento de que o nosso sistema
processual penal é misto.
Isoladamente, autores como Aury Lopes Jr. entendem que o sistema
brasileiro é neoinquisitório, eis que a fase preliminar é inquisitória, e a fase
processual, a despeito da normatividade constitucional, possui ainda traços
inquisitórios, como a figura do juiz como ator da produção probatória, etc.
O que define, essencialmente, o sistema processual é a divisão expressa e
clara das funções exercidas pelos atores processuais, ou seja, a limitação das
funções de julgar, acusar e defender, incluindo a análise da gestão da prova
pelo juiz.
Segundo James Goldschmidt, a gestão da produção da prova é o fiel da
balança. Argumenta-se, quanto menos participação na gestão da prova tiver o
juiz criminal, mais acusatório e democrático será o processo penal.

1.2 O SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO: MODIFICAÇÃO OU


PREVISÃO EXPRESSA NA LEI?
O sistema brasileiro possui a fase de investigação preliminar, de caráter
inquisitória, contudo sendo, desde antes do PAC, supervisionada pelo
magistrado e, em última análise, pelo próprio Ministério Público no exercício de
sua atribuição constitucional de fiscalização externa da atividade-fim policial.

32
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A segunda fase da persecução penal é estruturada no processo penal,


onde estão nitidamente divididas as tarefas de julgar, acusar e defender, não
havendo mistura ou concentração de poderes nas mãos do magistrado.
Apesar da divisão expressa de tarefas, o Código de Processo Penal
permite ao juiz, em alguns momentos e sob determinadas condições específicas,
a iniciativa probatória de ofício, conforme se observa no art. 156, incisos I e II,
nos casos produção antecipada de provas e determinação de diligências para
dirimir dúvidas cruciais sobre ponto relevante para o deslinde da causa.
Além do mais, no sistema brasileiro, o juiz participa da produção de
provas de maneira residual, como se dá, por exemplo, na inquirição das
testemunhas, quando realiza perguntas após as partes nos termos do art. 212,
parágrafo único.
Mesmo com essas previsões, em nossa mirada, não se pode dizer que o
sistema processual criminal é inquisitório, neoinquisitório ou até, como
preferem alguns, antidemocrático, pois apesar de dar prerrogativas probatórias
ao juiz, limita-as aos casos legais específicos e condiciona essa atividade à
análise das instâncias superiores e até mesmo à análise da Suprema Corte em
sede de habeas corpus ou dos recurso de caráter extraordinário (REsp e RExt).
Por outro lado, não se pode esquecer que, na contemporaneidade, em
lugar nenhum do mundo o juiz é cristalizado, estático, inerte, quiçá omisso.
Não é, pois, um convidado de pedra diante do baile processual penal, como
outrora o era na França de Napoleão Bonaparte em que vigorava o positivismo
legalista exegético.
O povo conferiu à magistratura, através da Constituição Federal, o dever
de decidir de acordo com as normas da própria Carta de direitos, das leis e do
caso concreto, devendo fundamentar suas decisões explícita e coerentemente
(art. 93, IX, CF), sob pena de inexistência ou nulidade do ato, a depender da
extensão da violação.
Sendo assim, não se pode conferir tal responsabilidade à magistratura e
ao mesmo tempo bradar pela sua inercia completa, numa postura que nos casos
concretos beira até mesmo a desídia.

33
estácio Luiz & pedrotenório

O que se deve buscar, isso sim, é o equilíbrio processual, com atuações

assertivas, corajosas e técnicas tanto por parte da defesa, que exerce papel
essencial à justiça (art. 133, CF), quanto por parte do Ministério Público (art.
129, CF).

Jamais jogar sob os ombros únicos da magistratura o dever de omissão


diante de situações específicas e limitadas, como é o caso das provas

antecipadas, essas inclusive com exercício do contraditório, determinação de


diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante e realizar perguntas
complementares (atividade subsidiária) sobre pontos não esclarecidos na

atividade probatória de caráter principal das partes.


Diante disso, apesar do art. 3º-A dispor acerca da adoção do sistema
acusatório, em nosso entendimento, o sistema processual penal brasileiro,
sobretudo após a Constituição de 1988, sempre o foi, porém, dividido em duas
fases, a investigação preliminar (de caráter inquisitório) e o processo penal (de

caráter acusatório).
Diz-se isso, pois, mesmo com a fase inquisitória tomando muita

importância na persecução criminal, os elementos nela colhidos não integram o


processo de forma plena necessitando de renovação sob o crivo do

contraditório. Destarte, nota-se o afastamento da atividade central do processo


penal da sistemática inquisitória. Isso parece evidente.

Contudo, é preciso cuidado nas provas objetivas. Se for cobrada a


literalidade da lei o candidato agora pode sentir-se mais seguro para afirmar
que o sistema adotado é o acusatório puro, não mais se preocupando com as

designações doutrinárias acerca dos sistemas acusatório mitigado ou do sistema


misto.

Em questões subjetivas tanto escritas quanto orais, porém, o ideal é


demonstrar os diversos posicionamentos e expressar a visão pessoal, tanto mais
alinhada com o cargo quanto possível, caso seja exigido.

34
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1.3 CONCEITO DE JUIZ DE GARANTIAS


A introdução da figura do juiz das garantias provoca modificações
substanciais na organização da justiça criminal brasileira, bem como na atuação
do magistrado, do órgão ministerial e da própria polícia judiciária.
O juiz das Garantias já era objeto do Capítulo II do PL 8045/2010 (Novo
Projeto de Código de Processo Penal), sendo que foi introduzido no PAC pelo
Congresso Nacional através de emenda parlamentar do Deputado Federal
Marcelo Freixo; isto é, não foi inicialmente pensado pelo Ministro da Justiça em
exercício, Sérgio Mouro.
O juiz de garantias pode ser conceituado como o magistrado cuja atuação
se dá, exclusivamente, na fase preliminar da persecução penal, com a finalidade
de exercer o controle de sua legalidade bem como salvaguardar os direitos e
garantias do investigado (art. 3º-B).
Nota-se, de pronto, que o PAC estabeleceu, na mesma persecução
criminal, duas figuras com competência judicial: o juiz de garantias e o juiz de
instrução e julgamento (art. 3º-C, §1º), sendo que este último atua apenas após o
recebimento da denúncia ou da queixa-crime pelo juiz de garantias, ficando
responsável por conduzir a instrução processual e realizar o julgamento da
causa.

1.4 DEBATE DOUTRINÁRIO ACIRRADO ACERCA DA LEGITIMIDADE E


CONSTITUCIONALIDADE DO JUIZ DE GARANTIAS
A implementação do juiz de garantias após a aprovação do PAC sem
veto presidencial já resultou em amplos debates doutrinários e políticos.
Fiquemos apenas com os doutrinários, embora não seja possível deixar de lado,
de todo, a análise política da lei.

1.4.1 BREVÍSSIMA ANÁLISE POLÍTICA


Vestindo as lentes políticas, é de se estranhar a aprovação sem veto
presidencial de uma figura de tamanha importância para a estrutura de justiça
criminal brasileira.

35
estácio Luiz & pedrotenório

A sanção presidencial de uma emenda trazida por Deputado da base do


PSOL (Marcelo Freixo), que além de ser de partido da oposição, é, sem dúvida,
um dos principais antagonistas da figura do Presidente da República chama a
atenção do observador e do estudioso atento.
Seja do ponto de vista das mudanças na organização judiciária, o que
muitos já alertam para a impossibilidade prática de efetivação dessa figura, seja
do ponto de vista das consequências dogmáticas da atuação de dois juízes no
mesmo processo, o que muitos já alertam para a tempestade de nulidades, a
chancela do juiz de garantias pelo Presidente, muito embora tenha sido
aconselhado o veto pelo Ministro da Justiça idealizador do PAC.

1.4.2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS


Parcela da doutrina levanta os seguintes argumentos favoráveis à
implementação do juiz de garantias:
1) Trata-se instituto de maior afeição ao sistema acusatório, adotado pela
Constituição Federal. Nesse sentido, a sua adoção serve para compatibilizar a
estrutura do Código de Processo Penal, cujo projeto teria raízes fascistas, aos
dispositivos constitucionais, reforçando a divisão de tarefas no sistema
acusatório (acusar, defender e julgar) e limitando a gestão da prova e a
iniciativa do magistrado no âmbito da investigação preliminar;
2) As funções do juiz de garantias são importantes para assegurar o
controle da legalidade da investigação preliminar, bem como para assegurar os
direitos e garantias do sujeito investigado, especialmente naqueles cuja restrição
se submetem à reserva de jurisdição, sem comprometer a imparcialidade da
jurisdição, evitando assim aquilo que a doutrina especializada chama de quadro
mental paranoico (síndrome de Dom Casmurro), em que o juiz por se envolver
demais na fase investigatória acaba por confundir o seu papel de julgador,
passando a atuar como acusador, em prejuízo da equidistância e
imparcialidade;
3) A restrição da atividade jurisdicional do juiz de garantias à fase de
investigação preliminar conferiria uma maior celeridade no andamento dos

36
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

instrumentos investigatórios (inquérito, PIC, etc.), sobretudo no que diz


respeito às decisões tomadas para restringir direitos e garantias do investigado.

1.4.3 ARGUMENTOS DESFAVORÁVEIS


Outra parcela da doutrina trabalha com a tese de que a implementação
do juiz de garantias seria em primeiro lugar inconstitucional, mas para além
disso, seria ilegítima, pois traria maiores dificuldades para punição dos
criminosos culpados. São, em resumo, os argumentos:
1) Como se trata da criação de uma figura jurisdicional com atribuição
nitidamente voltada à atividade da magistratura nacional, parte da doutrina
entende que o PAC violou regra constitucional de iniciativa legislativa, pois
para dispor sobre a implementação do juiz de garantias seria necessário
exercício da iniciativa por parte do Supremo Tribunal Federal. Com a emenda,
o Congresso Nacional criou futuras despesas e onerou o Poder Judiciário, sem
previsão orçamentária;
2) O Juiz de Garantias é um instituto incompatível com a realidade
brasileira, bem como dispensável. Nesse sentido, a sua implementação desafia a
insuficiência de pessoal (magistrados), principalmente nas comarcas mais
isoladas de estados-membros, cujos recursos financeiros são limitados. Desse
modo, de forma similar à Defensor Pública, a execução de tal projeto deve
respeito à realidade do sistema de justiça criminal brasileiro, o qual não pode
ser visceralmente modificado à caneta;
3) A tentativa de implementação do juiz de garantias, sem que houvesse
capacidade financeira e material humano suficientes, seria um tiro que sai pela
culatra, pois traria morosidade tanto na fase inquisitorial quanto na fase
judicial, eis que a prática de qualquer ato, no âmbito da investigação preliminar,
torna o juiz impedido para atuar na instrução processual. Teremos menos juízes
para julgar processos justamente em vista da “contaminação” do juiz de
garantias. Cria-se, na prática uma nova instância, sem que haja pessoal novo.
Assim, a tendência é que a morosidade crônica do Poder Judiciário, problema já
vivenciado hoje, venha a piorar com o juiz de garantias, gerando mais casos de

37
estácio Luiz & pedrotenório

prescrição, impunidade e justiça tardia. Tudo aquilo que o PAC não se propõe.
Muito ao contrário, se vende como solução para o problema da criminalidade,
sobretudo a de colarinho branco!;
4) O argumento da quebra da equidistância e da imparcialidade do juiz é
ingênuo, pois o magistrado, na prática, não está decidido a fazer injustiças ou
mesmo apresenta tamanha fragilidade para entrar em confusões mentais
(quadros paranoicos) ao ponto de confundir o seu papel dentro do sistema
processual, mormente porque suas decisões podem ser revisadas, por meio das
ações autônomas de impugnação e, também, dos recursos previstos na
legislação. As decisões do juiz, por força constitucional, devem ser sempre
fundamentadas, de modo que o conteúdo decisório é passível de controle pelas
instâncias superiores. Por fim, a prática de infrações penais, ilícitos cíveis e
administrativos cometidos por juízes, promotores e até advogados possuem
meios de repressão nas instâncias judiciais e administrativas;
5) Quanto ao controle da legalidade e a salvaguarda dos direitos e
garantias do investigado na fase preliminar, é preciso mencionar que o
Ministério Público, na vigência do atual cenário constitucional, figura como
uma instituição de dupla função dentro da persecução penal, pois ao mesmo
tempo que figura como titular da ação penal pública também exerce o controle
da legalidade e da constitucionalidade da punição, seja na fase preliminar ou na
fase judicial. Inclusive, exerce o controle externo da atividade policial. Nesse
contexto, o Ministério Público não é, essencialmente, um órgão de acusação,
uma vez que sua atuação se destina a preservar os direitos e garantias dos
investigados, sejam culpados ou não. Por outro lado, possui a possibilidade de
pedir a absolvição, promover o arquivamento do procedimento investigatório,
por diversas razões, até mesmo impetrar habeas corpus em favor de investigado,
processado ou réu preso quando o juiz decidir contrariamente ao
posicionamento ministerial. Portanto, a figura do juiz de garantias, diante da
presença do Ministério Público, não é necessária.

38
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1.4.4 DA SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DA EFICÁCIA DA MAIORIA DAS

NORMAS RELATIVAS AO JUIZ DE GARANTIAS: DECISÃO CAUTELAR

EM ADI PELO STF

Na tarde do dia 15/01/2020, o Min. Dias Tofolli deferiu

monocraticamente e ad referendum do plenário do STF medida cautelar nas

ADIs 6298, 6299 e 6300, determinando a suspensão da eficácia dos dispositivos

previstos nos arts. arts. 3º-B, 3º-C, 3º-D, caput, 3º-E e 3º-F do CPP, até a

efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais, o que deverá

ocorrer no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias contados a partir da

publicação.

O dispositivo situado no art. 3º-D, parágrafo único, do PAC, que trata

da obrigação dos Poderes Judiciários dos entes federativos criarem um sistema

de rodízio nas comarcas em que funcionar apenas um juiz, teve a sua eficácia

suspensa até o julgamento final das ADIs, pois o Ministro enxergou grave

risco de inconstitucionalidade formal.

Deve-se entender que esta decisão cautelar deu-se, segundo o Presidente

do Supremo Tribunal Federal, em razão das grandes mudanças propostas pelo

PAC em nível de reorganização da estrutura judiciária. Ponto importante,

porém, é que não houce qualquer manifestação contrária à constitucionalidade

da figura do juiz de garantias.

Muito ao contrário, na decisão, o Ministro discorreu demoradamente

sobre a constitucionalidade e o avanço da previsão do juiz de garantias na

legislação processual brasileira. Segundo ele, trata-se de um reforço, necessário

e bem-vindo, ao sistema acusatório adotado pela Constituição de 1988.

Para tanto, fez uma análise comparada a partir da sistemática já adotada

em países europeus, como Portugal e Itália, e em países sulamericanos, como

Chile e Argentina; todos adotam o juízo das garantias, com as peculiaridades

atinentes a cada contexto histórico e cultural desses países.

39
estácio Luiz & pedrotenório

Sendo assim, a decisão deixa claro a constitucionalidade do juiz de

garantias, pronunciando-se apenas e tão somente acerca de seu prazo de

eficácia, tendo em vista a previsão inicial de 30 dias de vacatio legis ser

insuficiente para implementação das mudanças.

Em relação ao juiz de garantias, outro ponto importantíssimo da decisão

foi a manifestação acerca da interpretação conforme a Constituição dada aos

preceitos normativos que criam o juízo de garantias.

O Min. Toffoli decidiu, ad referendum do Plenário, que as normas do juiz

de garantias não se aplicam às seguintes situações: (a) processos de

competência originária dos tribunais, os quais são regidos pela Lei nº

8.038/1990; (b) processos de competência do Tribunal do Júri; (c) casos de

violência doméstica e familiar; e (d) processos criminais de competência da

Justiça Eleitoral.

Por fim, ainda estabeleceu um regime de transição, importantíssimo para

evitar alegações infundadas de nulidade, vejamos:

a) No tocante às ações penais que já tiverem sido instauradas no

momento da efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou

quando esgotado o prazo máximo de 180 dias), a eficácia da lei não acarretará

qualquer modificação do juízo competente. O fato de o juiz da causa ter

atuado na fase investigativa não implicará seu automático impedimento;

b) Quanto às investigações que estiverem em curso no momento da

efetiva implementação do juiz das garantias pelos tribunais (ou quando

esgotado o prazo máximo de 180 dias), o juiz da investigação tornar-se-á o

juiz das garantias do caso específico. Nessa hipótese, cessada a competência do

juiz das garantias, com o recebimento da denúncia ou queixa, o processo será

enviado ao juiz competente para a instrução e o julgamento da causa.

40
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1.5 COMPETÊNCIA DO JUIZ DE GARANTIAS


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-B. O juiz das garantias é
responsável pelo controle da
legalidade da investigação criminal e
pela salvaguarda dos direitos
individuais cuja franquia tenha sido
reservada à autorização prévia do
Poder Judiciário, competindo-lhe
especialmente:
I – receber a comunicação imediata da
prisão, nos termos do inciso LXII do
caput do art. 5º da Constituição
Federal;
II – receber o auto da prisão em
flagrante para o controle da legalidade
da prisão, observado o disposto no
art. 310 deste Código;
III – zelar pela observância dos
direitos do preso, podendo
determinar que este seja conduzido à
sua presença, a qualquer tempo;
IV – ser informado sobre a
instauração de qualquer investigação
criminal;
V – decidir sobre o requerimento de
prisão provisória ou outra medida
cautelar, observado o disposto no §1º
deste artigo;
VI – prorrogar a prisão provisória ou
outra medida cautelar, bem como
substituí-las ou revogá-las,
assegurado, no primeiro caso, o
exercício do contraditório em
audiência pública e oral, na forma do
disposto neste Código ou em
legislação especial pertinente;
VII – decidir sobre o requerimento de
produção antecipada de provas
consideradas urgentes e não
repetíveis, assegurados o
contraditório e a ampla defesa em
audiência pública e oral;
VIII – prorrogar o prazo de duração
do inquérito, estando o investigado
preso, em vista das razões

41
estácio Luiz & pedrotenório

apresentadas pela autoridade policial


e observado o disposto no §2º deste
artigo;
IX – determinar o trancamento do
inquérito policial quando não houver
fundamento razoável para sua
instauração ou prosseguimento;
X – requisitar documentos, laudos e
informações ao delegado de polícia
sobre o andamento da investigação;
XI – decidir sobre os requerimentos
de:
a) interceptação telefônica, do fluxo de
comunicações em sistemas de
informática e telemática ou de outras
formas de comunicação;
b) afastamento dos sigilos fiscal,
bancário, de dados e telefônico;
c) busca e apreensão domiciliar;
d) acesso a informações sigilosas;
e) outros meios de obtenção da prova
que restrinjam direitos fundamentais
do investigado;
XII – julgar o habeas corpus impetrado
antes do oferecimento da denúncia;
XIII – determinar a instauração de
incidente de insanidade mental;
XIV – decidir sobre o recebimento da
denúncia ou queixa, nos termos do
art. 399 deste Código;
XV – assegurar prontamente, quando
se fizer necessário, o direito outorgado
ao investigado e ao seu defensor de
acesso a todos os elementos
informativos e provas produzidos no
âmbito da investigação criminal, salvo
no que concerne, estritamente, às
diligências em andamento;
XVI – deferir pedido de admissão de
assistente técnico para acompanhar a
produção da perícia;
XVII – decidir sobre a homologação
de acordo de não persecução penal ou
os de colaboração premiada, quando
formalizados durante a investigação;
XVIII – outras matérias inerentes às

42
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

atribuições definidas no caput deste


artigo.
Art. 3º-C. A competência do juiz das
garantias abrange todas as infrações
penais, exceto as de menor potencial
ofensivo, e cessa com o recebimento
da denúncia ou queixa na forma do
art. 399 deste Código.
§1º. Recebida a denúncia ou queixa,
as questões pendentes serão decididas
pelo juiz da instrução e julgamento.
§2º. As decisões proferidas pelo juiz
das garantias não vinculam o juiz da
instrução e julgamento, que, após o
recebimento da denúncia ou queixa,
deverá reexaminar a necessidade das
medidas cautelares em curso, no
prazo máximo de 10 (dez) dias.
§3º. Os autos que compõem as
matérias de competência do juiz das
garantias ficarão acautelados na
secretaria desse juízo, à disposição do
Ministério Público e da defesa, e não
serão apensados aos autos do
processo enviados ao juiz da instrução
e julgamento, ressalvados os
documentos relativos às provas
irrepetíveis, medidas de obtenção de
provas ou de antecipação de provas,
que deverão ser remetidos para
apensamento em apartado.
§4º. Fica assegurado às partes o amplo
acesso aos autos acautelados na
secretaria do juízo das garantias.

Inicialmente, é necessário deixar claro que, para fins de provas objetivas,


é imprescindível a leitura da lei seca para sistematizar as novas competências
atribuídas ao juiz de garantias.
Note-se que, numa interpretação sistemática e lógica, o juiz de garantias
ficou responsável pela atuação na fase preliminar, sobretudo nos pontos em que
há cláusula de reserva de jurisdição. Importante notar ainda que sua atuação se
dá com a prisão em flagrante (notitia criminis de cognição coercitiva) ou com a

43
estácio Luiz & pedrotenório

determinação do início das investigações por portaria pelo Delegado de Polícia


(notitia criminis de cognição imediata) até o recebimento da denúncia ou da
queixa-crime, que de competência do próprio juiz de garantias (art. 3º-B, inciso
XIV).
Após o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, o juiz de instrução
e julgamento deverá reexaminar, no prazo máximo de 10 (dez) dias, a
necessidade das medidas cautelares em curso. Quanto às decisões tomadas pelo
juiz de garantias durante a fase preliminar a lei dispõe que não vincularão o juiz
de instrução e julgamento.
É importante mencionar que o rol do art. 3º-B é exemplificativo
(numerusapertus), ou seja, o legislador não exauriu todas as hipóteses de atuação
do juiz de garantias. Isso fica evidenciado no inciso XVIII, que trouxe uma
cláusula de abertura, in verbis: “Art. 3º-B. […] XVIII – outras matérias inerentes
às atribuições definidas no caput deste artigo”.
O artigo 3º-C, §3º, dispõe que: “Os autos que compõem as matérias de
competência do juiz das garantias ficarão acautelados na secretaria desse juízo,
à disposição do Ministério Público e da defesa, e não serão apensados aos autos
do processo enviados ao juiz da instrução e julgamento, ressalvados os
documentos relativos às provas irrepetíveis, medidas de obtenção de provas ou
de antecipação de provas, que deverão ser remetidos para apensamento em
apartado”. Já o art. 3º-C, §4º, prevê que: “Fica assegurado às partes o amplo
acesso aos autos acautelados na secretaria do juízo das garantias”.
O dispositivo prevê uma cisão entre os autos da fase preliminar,
referentes às matérias de competência do juiz de garantias, e os autos da ação
penal. A razão dessa opção legislativa reside na ideia de que o juiz da instrução
seria “contaminado” ao ter contato com os elementos informativos,
influenciando, assim, na sua imparcialidade e equidistância.
Perceba-se que os autos da fase preliminar ficarão acautelados na
secretaria do juízo das garantias. Ao dispor do acesso a tais autos, verifica-se
que o legislador ou excluiu de forma intencional (silêncio eloquente) ou
esqueceu de mencionar o acesso pelo juiz de instrução, somente mencionado

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

sobre a disposição do Ministério Público e da defesa acerca desses autos.


Aparentemente, a intenção da cisão é de evitar a “contaminação” do juiz de
instrução pelos elementos do inquérito policial.
Como se percebe, os autos da fase preliminar contendo os elementos
relativos às matérias de competência do juiz de garantias não deverão ser
apensados aos autos do processo enviado ao Juiz de Instrução e Julgamento.
Contudo, ressalva-se que os documentos relativos aos conhecidos
elementos migratórios (provas irrepetíveis, provas cautelares e provas
antecipadas), bem como os relativos aos meios de obtenção de prova, poderão
ser remetidos ao juiz de instrução, sendo que tais documentos serão apensados
em apartado aos autos da ação penal.
Nesse ponto, tal dispositivo fomentou, em argumentação contrária ao
PAC, a tese de que a impossibilidade de juntada de declarações de testemunhas
prestadas na fase inquisitorial incentivaria a prática de queima de arquivo
(matar testemunhas), gerando ainda mais impunidade e medo.
Ocorre que, caso a testemunha tenha morrido, antes da instrução
processual, as suas declarações prestadas na Delegacia de Polícia podem ser
encaradas, excepcionalmente, como prova irrepetível, sendo abarcadas na
ressalva que o próprio Código de Processo Penal faz aos elementos migratórios.
Assim, pode o termo de declarações da fase preliminar ser juntado aos autos da
ação penal e ser submetido ao contraditório diferido.
Os meios de obtenção de prova, conforme Renato Brasileiro (Manual de
Processo Penal, p. 579, 2016), referem-se “a certos procedimentos (em regra,
extraprocessuais) regulados por lei com o objetivo de conseguir provas
materiais, e que podem ser realizados por outros funcionários que não o juiz”,
ex.: busca domiciliar, interceptação telefônica, infiltração de agentes, etc. Os
documentos relativos a esses procedimentos poderão ser acostados.
Por fim, ressalva-se os documentos relativos à sistemática da prova
antecipada são aquelas que são produzidos perante o magistrado, com a
presença das partes (contraditório real) em razão de situações de urgência e
relevância, ex.: depoimento ad perpetuam rei memoriam (testemunha com poucos

45
estácio Luiz & pedrotenório

meses de expectativa de vida), prova antecipada após a suspensão do processo


nos termos do art. 366 do CPP.
Pergunta interessante surge quando nos deparamos com o caso em que
os elementos indiciários ou probatórios são juntados de maneira equivocada
aos autos do processo perante o juiz de instrução... Qual a consequência desse
ato, nulidade, ilicitude, impedimento ou suspeição do juiz de instrução?
Tais documentos devem ser desentranhados do processo pelo juiz de
instrução, mediante provação das partes ou exofficio. Entendemos não ser o caso
de impedimento do magistrado de instrução, pois os casos de impedimento são
taxativos e não preveem essa hipótese. Também não seria o caso de suspeição,
pois nela deve-se analisar o ânimo subjetivo do magistrado, se ele, em razão do
contato, se inclinou ou não a prejudicar o réu ou passou a ter interesse na causa.
Em caso positivo, ele deve ser considerado suspeito. Em caso negativo, deve
continuar no processo, eis que não foi provada a sua suspeição.
Para finalizar, tal situação não envolve provas ilícitas ou ilegítimas,
porquanto a doutrina diferencia as provas dos elementos informativos. Além
disso, a ilicitude ou a ilegitimidade de uma prova está ligada ao momento de
sua obtenção, quando foram inobservadas normas materiais ou processuais. No
caso, trata-se da mera juntada irregular de elementos informativos que já foram
produzidos/obtidos licitamente na fase preliminar.

1.6 DA PRORROGAÇÃO DO PRAZO PARA FINALIZAÇÃO DO


INQUÉRITO POLICIAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Nos termos do art. 10, se o investigado Nos termos do art. 3º-B, §2º, se o
estivesse preso, o prazo para o investigado estiver preso, o prazo
término do inquérito era de 10 dias, inicial para o término do inquérito é
improrrogável. Se o investigado de 10 dias, prorrogável uma única
estivesse solto, o inquérito deveria ter vez, mediante decisão judicial, por 15
seu fim em 30 dias, prorrogáveis a dias.
critério da autoridade judiciária.

O novel art. 3º-B, §2º previu que “se o investigado estiver preso, o juiz
das garantias poderá, mediante representação da autoridade policial e ouvido o

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PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15
(quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a
prisão será imediatamente relaxada”.
O dispositivo deve ser interpretado sistematicamente em relação ao art.
10 do CPP, que prevê: “O inquérito deverá terminar no prazo de 10 dias, se o
indiciado tiver sido preso em flagrante, ou estiver preso preventivamente,
contado o prazo, nesta hipótese, a partir do dia em que se executar a ordem de
prisão, ou no prazo de 30 dias, quando estiver solto, mediante fiança ou sem
ela”.
Antes do PAC, a doutrina discutia se o prazo de conclusão do inquérito
policial quando o investigado estava preso no âmbito da justiça estadual
poderia ser prorrogado. O posicionamento majoritário era de que não seria
possível a prorrogação.
Agora, a divergência doutrinária foi sanada. Com a inovação legislativa,
é possível a prorrogação do prazo de conclusão do inquérito mesmo que o
investigado esteja preso.
Dúvida que surge é sobre o prazo inicial de término do inquérito quando
o indiciado está preso, continua sendo de 10 dias? Entendemos que, como o art.
3º-B, §2º, não se posicionou de forma expressa, a melhor interpretação seria no
sentido de que o prazo inicial de duração do inquérito, quando o investigado
está preso, continua sendo de 10 (dez) dias. Tal interpretação é mais benéfica ao
investigado.
É cediço que tais modificações relativas ao prazo de conclusão do
inquérito policial no CPP não têm o condão de modificar os prazos de
conclusão previstos na legislação penal extravagante, a exemplo da lei de
regulamenta o funcionamento da justiça federal, a lei de tráfico, de crimes
contra economia popular, etc. Nesse contexto, deve-se levar em conta o
princípio da especialidade das leis especial, já que o CPP traz normas de caráter
geral.
Um outro ponto interessante a ser abordado refere-se à previsão expressa
do relaxamento da prisão, em caso de excesso de prazo na conclusão do

47
estácio Luiz & pedrotenório

inquérito policial de réu preso. Sobre a questão, parte doutrina, a exemplo de


Renato Brasileiro4, possui o seguinte entendimento: eventual atraso de poucos dias
não gera qualquer ilegalidade, já que tem prevalecido a tese de que a contagem do prazo
para a conclusão do processo é global, e não individualizada.
A STJ já se posicionou no sentido de que constitui constrangimento legal
a situação em que o sujeito se encontra preso há 06 (seis) meses, sem que
houvesse o oferecimento denúncia. No caso, houve o relaxamento da prisão
preventiva (STJ. HC 44604/RN, 6ª T., Rel. Min. Hamilton Carvalhido,
09/12/2005).
Percebe-se que, antes do pacote anticrime, a análise acerca de eventual
abuso decorrente do excesso de prazo era feita de forma casuística. Com o
advento do art. Art. 3º-B, § 2º, agora, há comando legislativo expresso no
sentido do relaxamento da prisão do investigado, quando o prazo de conclusão
do inquérito policial for desrespeitado.

1.7 DA CAUSA DE IMPEDIMENTO DO JUIZ DE GARANTIA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-D. O juiz que, na fase de
investigação, praticar qualquer ato
incluído nas competências dos arts. 4º
e 5º deste Código ficará impedido de
funcionar no processo.
Parágrafo único. Nas comarcas em
que funcionar apenas um juiz, os
tribunais criarão um sistema de
rodízio de magistrados, a fim de
atender às disposições deste Capítulo.

Quanto a esse dispositivo, inicialmente, nota-se uma impropriedade do


legislador ao fazer remissão aos arts. 4º e 5º do Código de Processo Penal. Em
verdade, a intenção era de se referir às hipóteses de competência do juiz das
garantias.
O dispositivo determina que a prática pelo magistrado de qualquer ato
elencado expressamente no art. 3º-B ocasionará seu impedimento para atuação
4 BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 152.

48
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

na fase processual, entenda-se a fase instrutória, que se dá após o recebimento


da denúncia ou queixa-crime pelo juiz de garantias.
Perceba-se que não se trata de hipótese de suspeição, mas de
impedimento. Isso significa que a prática de qualquer ato deve ser vista como
uma circunstância objetiva, e não subjetiva como na suspeição. No
impedimento, pouco importa o ânimo subjetivo do magistrado, se está viciado
ou não, há uma presunção absoluta de parcialidade.
Assim, o juiz das garantias que por ventura venha atuar posteriormente
na fase processual terá como inexistentes os atos praticados nesta segunda fase,
conforme doutrina majoritária. Ou seja, trata-se de vício mais grave do que a
nulidade absoluta decorrente das hipóteses de suspeição.
Interessante mencionar que o STF e o STJ, até então, possuem o
entendimento consolidado de que a atuação do juiz na fase pré-processual,
autorizando, por exemplo, a aplicação de medidas cautelares não acarreta o seu
impedimento, quando ausentes indicativos de atuação viciada (STF. HC
94641/BA, 2ª T., Rel. Min. Ellen Gracie, red. p/ ac. Min. Joaquim Barbosa,
11/11/2008). Agora, aguardemos a recepção da novel legislação pelos tribunais
superiores.

1.8 DO CRITÉRIO DE DESIGNAÇÃO DO JUIZ DE GARANTIAS


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-E. O juiz das garantias será
designado conforme as normas de
organização judiciária da União, dos
Estados e do Distrito Federal,
observando critérios objetivos a serem
periodicamente divulgados pelo
respectivo tribunal.

Aqui o PAC foi atento a possíveis apontamentos de


inconstitucionalidade material em razão da violação ao princípio do juiz
natural. Sabe-se que os magistrados não podem ser designados ao talante do
chefe do Poder Judiciário local.

49
estácio Luiz & pedrotenório

Para garantir justamente o princípio fundamental do juiz natural, bem


como a isonomia, a eficiência, a probidade, a transparência na Administração
Pública, é necessária estabelecer critérios objetivos para a designação dos juízes
de garantias.
O STF já teve oportunidade de julgar caso em que a lei de organização
judiciária do estado-membro previu a criação de juízo colegiado de primeiro
grau para processar e julgar os crimes praticados por organizações criminosas.
Na ocasião, a Corte determinou, dentre outras coisas, a adequação do
sistema de nomeação dos juízes para assumir a vara colegiada visto que antes
da provocação do Supremo o critério para integrar a vara era meramente
subjetivo a partir de mera designação do Presidente do Tribunal (STF. ADI
4414/AL, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, 31/05/2012).

1.9 CONTROLE DA IMAGEM DO INVESTIGADO PRESO: FREIO AO


PROCESSO PENAL MIDIÁTICO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 3º-F. O juiz das garantias deverá
assegurar o cumprimento das regras
para o tratamento dos presos,
impedindo o acordo ou ajuste de
qualquer autoridade com órgãos da
imprensa para explorar a imagem da
pessoa submetida à prisão, sob pena
de responsabilidade civil,
administrativa e penal.
Parágrafo único. Por meio de
regulamento, as autoridades deverão
disciplinar, em 180 (cento e oitenta)
dias, o modo pelo qual as informações
sobre a realização da prisão e a
identidade do preso serão, de modo
padronizado e respeitada a
programação normativa aludida no
caput deste artigo, transmitidas à
imprensa, assegurados a efetividade
da persecução penal, o direito à
informação e a dignidade da pessoa
submetida à prisão.

50
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A Constituição Federal assegura como um direito fundamental

individual do preso a integridade física e moral do preso (art. 5º, XLIX, CF),

sendo um dever do Estado, desde a investigação preliminar até a execução da

pena, zelar pela concretização desse direito.

O PAC, por sua vez, buscou expressamente superar um problema de

ordem prática, não raro vivenciado por aqueles que atuam na seara criminal: a

exposição de presos cautelares, seja em procedimento de flagrante ou em

cumprimento de mandado de prisão preventiva ou temporária à imprensa.

A sociedade contemporânea tem estado muito comprometida com a

rapidez da informação e muito pouco com seu conteúdo. Sendo assim, a

imprensa viu nesse drama um produto e um instrumento de poder. Não

poderia dar em outro desfecho: um excesso de exposição amiúde incentivado

por autoridades públicas.

Para combater essa realidade, o juiz de garantias tem o dever de fazer

cumprir as regras de tratamento ao preso, protegendo-o da exposição midiática

(zelo psicológico e moral) na medida em que o art. 3º-F determina a vedação de

pacto entre qualquer autoridade e os órgãos da imprensa para explorar a

imagem da pessoa submetida à prisão, sob pena de responsabilidade civil,

administrativa e penal do próprio juiz de garantias.

Perceba-se ainda que a lei 13.869/19 (nova lei de abuso de autoridade)

previu figura típica que dialoga, ainda que de forma difusa, com a presente

novel disposição do CPP. Trata-se do crime previsto no art. 13, inciso I, que

preceitua: “Constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça

ou redução de sua capacidade de resistência, a exibir-se ou ter seu corpo ou

parte dele exibido à curiosidade pública”. A pena é de detenção, de 1 (um) a 4

(quatro) anos, e multa, sem prejuízo da pena cominada à violência.

51
estácio Luiz & pedrotenório

QUADRO-RESUMO DO JUIZ DE GARANTIAS

Conceito O juiz de garantias pode ser conceituado como o


magistrado cuja atuação se dá, exclusivamente, na
fase preliminar da persecução penal, com a finalidade
de exercer o controle da legalidade da investigação,
bem como salvaguardar os direitos e garantias do
investigado (art. 3º-B).
Argumentos a) Instituto de maior afeição ao sistema acusatório;
favoráveis b) As funções do juiz de garantias são importantes
para assegurar o controle da legalidade da
investigação preliminar, bem como para assegurar os
direitos e garantias do sujeito investigado;
c) A restrição da atividade jurisdicional do juiz de
garantias à fase de investigação preliminar conferiria
uma maior celeridade no andamento dos
instrumentos investigatórios
Argumentos a) PAC violou regra constitucional de iniciativa
desfavoráveis legislativa e criou despesas ao Poder Judiciário sem
previsão orçamentária;
b) Juiz de Garantias é um instituto incompatível com a
realidade brasileira, bem como dispensável em razão
do controle da atividade judicial por recursos e ações
autônomas de impugnação;
c) A tentativa de implementação do juiz de garantias,
sem que houvesse capacidade financeira e material
humano suficientes, traria morosidade, gerando
impunidade, injustiças e justiça tardia;
d) O argumento da quebra da equidistância e da
imparcialidade do juiz é ingênuo, pois o magistrado,
na prática, não está decidido a fazer injustiças ou
mesmo apresenta tamanha fragilidade para entrar em
confusões mentais (quadros paranoicos) ao ponto de
confundir o seu papel dentro do sistema processual,
mormente porque suas decisões podem ser revisadas,
por meio das ações autônomas de impugnação e
também dos recursos previstos na legislação;
e) O Ministério Público é um órgão com dupla função,
de acusar e fiscalizar a legalidade e
constitucionalidade, podendo, inclusive, atuar em
prol do investigado. Ademais, realiza o controle
externo da atividade policial de forma concentrada e
difusa.
Competências O rol é exemplificativo, pois abrange outras
relacionadas à função do juiz de garantias. Remete-se

52
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

à leitura da lei.

Prorrogação do Nos termos do art. 3º-B, §2º, se o investigado estiver


prazodo inquérito preso, o prazo inicial para o término do inquérito é de
10 dias, prorrogável uma única vez, mediante decisão
policial (preso)
judicial, por 15 dias.

Causa de O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer


impedimento ato incluído nas competências do juiz de garantias
ficará impedido de funcionar no processo.

Critério para Em razão do princípio do juiz natural, o juiz das


designação do juiz de garantias será designado conforme as normas de
organização judiciária da União, dos Estados e do
garantias
Distrito Federal, observando critérios objetivos a
serem periodicamente divulgados pelo respectivo
tribunal.

Proteção da imagem O juiz das garantias deverá assegurar o cumprimento


do investigado preso das regras para o tratamento dos presos, impedindo o
acordo ou ajuste de qualquer autoridade com órgãos
da imprensa para explorar a imagem da pessoa
submetida à prisão, sob pena de responsabilidade
civil, administrativa e penal.

2 DA ASSISTÊNCIA JURÍDICA AOS AGENTES DE SEGURANÇA


PÚBLICA ATUANDO COM FORÇA LETAL NO EXERCÍCIO
PROFISSIONAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 14-A. Nos casos em que
servidores vinculados às instituições
dispostas no art. 144 da Constituição
Federal figurarem como investigados
em inquéritos policiais, inquéritos
policiais militares e demais
procedimentos extrajudiciais, cujo
objeto for a investigação de fatos
relacionados ao uso da força letal
praticados no exercício profissional,
de forma consumada ou tentada,
incluindo as situações dispostas no

53
estácio Luiz & pedrotenório

art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de


dezembro de 1940 (Código Penal), o
indiciado poderá constituir defensor.
§1º. Para os casos previstos no caput
deste artigo, o investigado deverá ser
citado da instauração do
procedimento investigatório, podendo
constituir defensor no prazo de até 48
(quarenta e oito) horas a contar do
recebimento da citação.
§2º. Esgotado o prazo disposto no § 1º
deste artigo com ausência de
nomeação de defensor pelo
investigado, a autoridade responsável
pela investigação deverá intimar a
instituição a que estava vinculado o
investigado à época da ocorrência dos
fatos, para que essa, no prazo de 48
(quarenta e oito) horas, indique
defensor para a representação do
investigado.
§6º. As disposições constantes deste
artigo se aplicam aos servidores
militares vinculados às instituições
dispostas no art. 142 da Constituição
Federal, desde que os fatos
investigados digam respeito a missões
para a Garantia da Lei e da Ordem.

O PAC promoveu a necessidade de assistência jurídica aos agentes de


segurança pública previstos no art. 144 da Constituição, já incluindo a polícia
penal, no âmbito da investigação preliminar (inquérito policial, inquérito
policial militar e demais procedimentos extrajudiciais).
É preciso atentar que o dispositivo se refere à fase preliminar. Outro
ponto importante é a delimitação do objeto da investigação extrajudicial (fatos
relacionados ao uso da força letal praticados no exercício profissional –
consumados ou tentados), incluindo as hipóteses de excludentes de ilicitude
prevista no art. 23 do Código Penal.
Como se sabe, a presença de defensor durante a fase de investigação
preliminar é um direito do investigado, mas não uma obrigação a ser velada e

54
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

garantida pelo Estado. Não é, portanto, causa de nulidade a ausência voluntária


de advogado no inquérito ou durante o PIC.
Uma vez nomeado um defensor e sendo este impedido de atuar na fase
de investigação é possível haver intervenção judicial através de mandado de
segurança, reclamação constitucional nos termos da súmula vinculante 14, ou
até mesmo habeas corpus, nos casos mais graves em que a liberdade de ir e vir
está diretamente comprometida.
Ressalte-se, porém, que nulidade não haverá, pois as possíveis violações
às normas processuais e até constitucionais ocorridas no inquérito não maculam
o processo, salvo se constituírem o cerne da justa causa para a ação penal. Logo,
não sendo este o caso, a ação penal não ficará prejudicada pelos vícios do
inquérito (STF. RHC 131450/DF, 2ª T., Rel. Min. Cármen Lúcia, J. 03/05/2016).
Contudo, no caso de agentes de segurança pública (art. 144, CF) atuando
nas circunstâncias expressamente previstas no art. 14-A, a participação do
defensor no acompanhamento da investigação é obrigatória, já que o agente de
segurança pública será citado (sic) da instauração do procedimento, podendo
indicar, em 48 horas, a contar do recebimento da citação (sic), um defensor.5
Em caso de inércia do investigado, a autoridade intimará a instituição a
qual o mesmo está vinculado para que, no prazo de 48 horas, indique um
defensor para representação do investigado.
A inobservância da nomeação do defensor poderá gerar a
imprestabilidade dos atos praticados durante a investigação preliminar tendo
consequências sérias e diretas na decisão de recebimento da denúncia tomada
pelo juiz de garantias.
Para finalizar, o §6º dispõe que tais regras se estendem aos agentes
pertencentes às Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica – art. 142 da
CF/88). Contudo, é preciso tomar cuidado, eis que tais agentes, para serem

5 Não se pode ignorar a impropriedade técnica cometida na redação do dispositivo ao indicar


que o investigado será citado. É cediço que o ato de citação está relacionamento à fase
processual. Em verdade, trata-se de uma notificação da instauração do procedimento
preliminar. O candidato deve ficar atento às questões objetivas, eis que em caso de cobrança da
literalidade da lei, apesar da impropriedade técnica, se a alternativa mencionar “citação” ou
“citado”, a mesma estará correta.

55
estácio Luiz & pedrotenório

beneficiados, deverão estar em missão para Garantia da Lei e da Ordem.


Registre-se que tais regras do art. 14-A do CPP foram espelhadas por meio da
criação do art. 16-A no Código de Processo Penal Militar.

3 PROMOÇÃO DO ARQUIVAMENTO DOS AUTOS DA INVESTIGAÇÃO


PRELIMINAR
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 28. Se o órgão do Ministério Art. 28. Ordenado o arquivamento do
Público, ao invés de apresentar a inquérito policial ou de quaisquer
denúncia, requerer o arquivamento do elementos informativos da mesma
inquérito policial ou de quaisquer natureza, o órgão do Ministério
peças de informação, o juiz, no caso Público comunicará à vítima, ao
de considerar improcedentes as razões investigado e à autoridade policial e
invocadas, fará remessa do inquérito encaminhará os autos para a instância
ou peças de informação ao de revisão ministerial para fins de
procurador-geral, e este oferecerá a homologação, na forma da lei.
denúncia, designará outro órgão do §1º. Se a vítima, ou seu representante
Ministério Público para oferecê-la, ou legal, não concordar com o
insistirá no pedido de arquivamento, arquivamento do inquérito policial,
ao qual só então estará o juiz obrigado poderá, no prazo de 30 (trinta) dias do
a atender. recebimento da comunicação,
submeter a matéria à revisão da
instância competente do órgão
ministerial, conforme dispuser a
respectiva lei orgânica.
§2º. Nas ações penais relativas a
crimes praticados em detrimento da
União, Estados e Municípios, a revisão
do arquivamento do inquérito policial
poderá ser provocada pela chefia do
órgão a quem couber a sua
representação judicial.

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


O PAC modificou completamente a estrutura do procedimento de
arquivamento dos autos investigatórios. Antes, a figura do juiz era
preponderante, fazendo ele o papel de fiscalizador do princípio da
obrigatoriedade da ação. Doutrina, inclusive, chama esse expediente de controle
externo (anômalo) da função ministerial pelo Poder Judiciário.

56
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Como vai ser enfrentado adiante, ficará claro que nova sistemática, na

esteira da limitação da atuação judicial durante a fase preliminar (processo

acusatório) e criação do juiz de garantias, dá maiores poderes ao próprio

Ministério Público no procedimento de arquivamento do caderno

investigatório.

3.2 A SISTEMÁTICA ANTIGA DO ARQUIVAMENTO DOS AUTOS

INVESTIGATÓRIOS

Na antiga redação do art. 28, o arquivamento era promovido pelo

Ministério Público, jamais pelo Delegado de Polícia, e homologado pelo juiz.

Tratava-se, portanto, de ato complexo em que participavam o órgão do

Ministério Púbico na promoção do arquivamento e o Magistrado na

homologação deste.

Nesta antiga sistemática, o arquivamento era um procedimento de

jurisdição voluntária, pois o juiz nada decidia apenas homologando a decisão

do MP que é parte no processo.

Nota-se, de pronto, que se trata de um ato judicial despido de carga

jurisdicional. Sendo assim, tinha-se decisão judicial eminentemente de

conteúdo administrativo, não jurisdicional, pois ausente a prestação

jurisdicional de dizer o direito – resolução do mérito penal (STJ. CC

145.660/SP, 3ª Seção, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, J. 11/05/2016).

Percebe-se, nesse sentido, que a vontade do Estado-juiz não se

sobrepunha à vontade da parte (MP), logo se vê a natureza de procedimento

de jurisdição voluntária, pois se o juiz discordasse da promoção de

arquivamento somente poderia encaminhar os autos ao PGJ ou à Câmara de

Coordenação e Revisão no caso do MPF para nova avaliação, nada podendo

fazer se essas instâncias concordassem com o arquivamento.

57
estácio Luiz & pedrotenório

3.3 A NOVA SISTEMÁTICA DO ARQUIVAMENTO DOS AUTOS


INVESTIGATÓRIOS
A) O ESPÍRITO DO PAC
Alinhando-se com o espírito do PAC, a nova redação do art. 28 visa
trazer, além de um isolamento do juiz em relação aos elementos atinentes ao
MP, que tem a atribuição constitucional de promover a ação penal, maior
celeridade ao curso da persecução criminal.

B) NOVO CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DO ARQUIVAMENTO


O arquivamento dos autos investigatórios tornou-se com o PAC um ato
eminentemente administrativo de atribuição exclusiva do Ministério Público.
O procedimento de arquivamento encerra expressa e formalmente as
investigações criminais preliminares.
O arquivamento ocorrerá quando o MP (dominus littis) entende não
haver indícios de autoria ou prova da materialidade do crime ou ausência de
ambas, bem como quando vislumbra incidência de causa excludente do crime
(tipicidade, ilicitude, culpabilidade) ou da punibilidade (prescrição,
decadência, etc.).
Perceba-se que não é mais necessário o envio da promoção de
arquivamento para o magistrado com o fito de que ele homologue, numa
atividade de fiscalização do princípio da obrigatoriedade da ação pública, as
atribuições constitucionais do MP.
Em verdade, o Poder Judiciário foi excluído do procedimento de
arquivamento, estando este agora exclusivamente nas mãos do Ministério
Público, de início através da promoção pelo Promotor de Justiça ou Procurador
da República.
Logo após a manifestação do orgão ministerial de primeiro grau, o
procedimento é enviado obrigatoriamente para a instância ministerial revisora
com atribuição para analisar o expediente, no caso do MPF a Câmara de
Coordenação e Revisão.

58
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

C) PROCEDIMENTOS INCIDENTES NA PROMOÇÃO DO


ARQUIVAMENTO: DEVER DE COMUNICAÇÃO
O novo caput do art. 28 prevê que o órgão do Ministério Público
comunicará o arquivamento à vítima, ao investigado e à autoridade policial e
encaminhará os autos para a instância de revisão ministerial para fins de
homologação.
Perceba-se que além de atribuir o arquivamento exclusivamente à
atividade do MP, o PAC criou também um dever acessório à instituição: o dever
de informar os interessados no arquivamento, desde o próprio investigado,
passando pela vítima e chegando até a autoridade policial responsável por
presidir as investigações.

D) POSSIBILIDADE DE RECURSO ADMINISTRATIVO (INTERNO) A


SER INTERPOSTO PELA VÍTIMA OU SEU REPRESENTANTE LEGAL
No art. 28, §1º, o PAC previu que se a vítima, ou seu representante legal,
não concordarem com o arquivamento, poderão no prazo de 30 (trinta) dias do
recebimento da comunicação, submeter a matéria à revisão da instância
competente do órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva lei orgânica.
Não se trata, como bem se vê, de provocação do Poder Judiciário, mas
sim do próprio órgão ministerial, que além de receber o encaminhamento da
promoção de arquivamento para homologação poderá ter contato com os
argumentos da vítima tentando demonstrar a necessidade, adequação e
proporcionalidade da propositura da ação penal, atendidos os requisitos legais
do art. 41 e 395, CPP.

E) FORMAÇÃO DE COISA JULGADA NO ARQUIVAMENTO


A coisa julgada formal estabiliza a pretensão acusatória dentro do
próprio processo ou procedimento, sendo possível que as partes rediscutam o
mérito em outro processo ou procedimento. Por isso, na coisa julgada formal,
fala-se em efeitos meramente endoprocedimentais do arquivamento.

59
estácio Luiz & pedrotenório

Já a coisa julgada material, ao contrário, estabiliza a pretensão acusatória


dentro e fora do processo, sendo impossível que as partes questionem o mérito
da decisão naquele ou em novo processo ou procedimento. Por isso, fala-se em
efeitos exoprocedimentais do arquivamento.
Para o STF e STJ, a decisão judicial homologatória do arquivamento se
assemelhava à decisão de rejeição da denúncia ou queixa-crime. Logo, assim
como na decisão de rejeição da inicial acusatória, da decisão judicial de
homologação do arquivamento extraia-se o efeito da coisa julgada formal ou
material, a depender do fundamento do arquivamento. Não poderia ser
diferente, pois se não fosse reconhecido ao arquivamento do inquérito a eficácia
de coisa julgada formal ou material, seria preferível ao investigado ser sempre
denunciado com posterior rejeição da denúncia ou mesmo absolvição.
Perceba-se que agora com a nova sistemática em que o procedimento de
arquivamento não mais tem a participação do Poder Judiciário, à primeira vista,
os efeitos da coisa julgada formal ou material permanecerão os mesmos, só que
a decisão homologatória do arquivamento não virá do juiz, mas sim do órgão
com atribuição na estrutura do MP.
Perceba-se o quadro com a jurisprudência atualizada do STF e STJ acerca
dos fundamentos que levam à coisa julgada formal e material no arquivamento
dos autos investigatórios:
FUNDAMENTO DO NATUREZA DA COISA
ARQUIVAMENTO JULGADA
Falta de pressupostos processuais Formal
ou condições da ação
Falta de Justa Causa Formal
Atipicidade Formal e Material
Excludente de Ilicitude Divergência: Formal (STF) e
Material (STJ)
Excludente de Culpabilidade Formal e Material
Extinção da Punibilidade Formal e Material

Ressalte-se, por fim, que quando o arquivamento faz coisa julgada

material não há aplicação da súmula 524, STF, ou seja, nem com novas
informações pode-se reabrir a investigação, nem com o surgimento de provas

novas pode-se propor nova ação penal.


60
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Já quando o arquivamento faz coisa julgada formal há, sim, aplicação da

súmula 524, STF, ou seja, se surgirem novas informações pode-se reabrir a


investigação, e se houver novas provas colhidas é possível ao MP oferecer a
ação penal.

3.4) OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE ARQUIVAMENTO


A) É POSSÍVEL O “ARQUIVAMENTO” DO INQUÉRITO DE OFÍCIO PELO
PODER JUDICIÁRIO: HIPÓTESE DE TRANCAMENTO
Em regra, não era possível exercício de jurisdição conflitual no
arquivamento dos autos do inquérito, porém, o STF já concedeu HC exofficio
para trancamento do IP que não alcança justa causa, mesmo após anos de
trâmite (STF. Inq 4420/DF, 2ª T., Rel. Min. Gilmar Mendes, J. 21/08/2018).
Com a nova sistemática, nada impedirá que o Poder Judiciário exerça sua
jurisdição para trancar investigação gritantemente infrutífera quando não ilegal,
v.g, investigação de crime prescrito, investigação de fato atípico, etc.

Perceba-se, porém, que não se trata de arquivamento propriamente dito

promovido pelo Judiciário, mas sim trancamento, que é medida de força em


casos teratológicos. Nesse ponto, interessante mencionar que tal função de

trancamento foi dada, também, à figura do juiz de garantias, conforme visto em


capítulo próprio.

B) OUTRAS PEÇAS PROCEDIMENTAIS INVESTIGATÓRIAS TAMBÉM


PODEM SER ARQUIVADAS: PIC, CPI, REPRESENTAÇÃO DO
OFENDIDO
O arquivamento não é procedimento exclusivamente voltado ao

inquérito, volta-se também para outros procedimentos investigatórios, como


o Procedimento Investigatório Criminal (PIC) presidido por membro do
Ministério Público, relatório de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) e até
mesmo outras peças procedimentais como a representação do ofendido.

61
estácio Luiz & pedrotenório

C) PROMOÇÃO DE ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO NA AÇÃO


PENAL PRIVADA: ATO PRIVATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Na ação penal privada, os autos investigatórios, geralmente
concretizados no inquérito policial, também só poderão ser arquivados através
de promoção do Ministério Público com posterior encaminhamento para o
órgão de cúpula com atribuição para homologação. No entanto, nos casos de
ação penal privada, o arquivamento só pode ocorrer após a incidência de uma
causa de extinção da punibilidade, a exemplo da decadência (art. 107, IV, CP),
da renúncia ao direito de queixa ou do perdão do ofendido (art. 107, V, CP).

QUADRO-RESUMO DO PROCEDIMENTO DE ARQUIVAMENTO

Mudança substancial no Alinhando-se com o espírito do PAC, a nova


procedimento de redação do art. 28 trouxe, além de um isolamento
arquivamento do juiz em relação aos elementos atinentes ao MP,
que tem a atribuição constitucional de promover a
ação penal, maior celeridade ao curso da
persecução criminal. Agora, o arquivamento se
dará de forma unilateral pelo Ministério Público.
Nova natureza jurídica do O arquivamento dos autos investigatórios tornou-
arquivamento se com o PAC um ato eminentemente
administrativo de atribuição exclusiva do
Ministério Público.
Dever de comunicação do O novo caput do art. 28 prevê que o órgão do
Ministério Público Ministério Público comunicará o arquivamento à
vítima, ao investigado e à autoridade policial e
encaminhará os autos para a instância de revisão
ministerial para fins de homologação.
Recurso da decisão de No art. 28, §1º, o PAC previu que se a vítima, ou
arquivamento seu representante legal, não concordarem com o
arquivamento, poderão no prazo de 30 (trinta)
dias do recebimento da comunicação, submeter a
matéria à revisão da instância competente do
órgão ministerial, conforme dispuser a respectiva
lei orgânica.
Nova sistemática e Com a nova sistemática, nada impedirá que o
possibilidade do Poder Poder Judiciário exerça sua jurisdição para trancar
Judiciário determinar o investigação gritantemente infrutífera quando não
trancamento da ilegal, v.g, investigação de crime prescrito,
investigação preliminar investigação de fato atípico, etc. Perceba-se,

62
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

porém, que não se trata de arquivamento


propriamente dito promovido pelo Judiciário, mas
sim trancamento, que é medida de força em casos
teratológicos. Nesse ponto, interessante mencionar
que tal função de trancamento foi dada, também, à
figura do juiz de garantias, conforme visto em
capítulo próprio.

4 DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 28-A. Não sendo caso de
arquivamento e tendo o investigado
confessado formal e
circunstancialmente a prática de
infração penal sem violência ou grave
ameaça e com pena mínima inferior a
4 (quatro) anos, o Ministério Público
poderá propor acordo de não
persecução penal, desde que
necessário e suficiente para
reprovação e prevenção do crime,
mediante as seguintes condições
ajustadas cumulativa e
alternativamente:
I – reparar o dano ou restituir a coisa à
vítima, exceto na impossibilidade de
fazê-lo;
II – renunciar voluntariamente a bens
e direitos indicados pelo Ministério
Público como instrumentos, produto
ou proveito do crime;
III – prestar serviço à comunidade ou
a entidades públicas por período
correspondente à pena mínima
cominada ao delito diminuída de um
a dois terços, em local a ser indicado
pelo juízo da execução, na forma do
art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal);
IV – pagar prestação pecuniária, a ser
estipulada nos termos do art. 45 do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de
dezembro de 1940 (Código Penal), a
entidade pública ou de interesse
social, a ser indicada pelo juízo da

63
estácio Luiz & pedrotenório

execução, que tenha,


preferencialmente, como função
proteger bens jurídicos iguais ou
semelhantes aos aparentemente
lesados pelo delito; ou
V – cumprir, por prazo determinado,
outra condição indicada pelo
Ministério Público, desde que
proporcional e compatível com a
infração penal imputada.
§1º. Para aferição da pena mínima
cominada ao delito a que se refere o
caput deste artigo, serão consideradas
as causas de aumento e diminuição
aplicáveis ao caso concreto.
§2º. O disposto no caput deste artigo
não se aplica nas seguintes hipóteses:
I – se for cabível transação penal de
competência dos Juizados Especiais
Criminais, nos termos da lei;
II – se o investigado for reincidente ou
se houver elementos probatórios que
indiquem conduta criminal habitual,
reiterada ou profissional, exceto se
insignificantes as infrações penais
pretéritas;
III – ter sido o agente beneficiado nos
5 (cinco) anos anteriores ao
cometimento da infração, em acordo
de não persecução penal, transação
penal ou suspensão condicional do
processo; e
IV – nos crimes praticados no âmbito
de violência doméstica ou familiar, ou
praticados contra a mulher por razões
da condição de sexo feminino, em
favor do agressor.
§3º. O acordo de não persecução
penal será formalizado por escrito e
será firmado pelo membro do
Ministério Público, pelo investigado e
por seu defensor.
§4º. Para a homologação do acordo de
não persecução penal, será realizada
audiência na qual o juiz deverá
verificar a sua voluntariedade, por

64
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

meio da oitiva do investigado na


presença do seu defensor, e sua
legalidade.
§5º. Se o juiz considerar inadequadas,
insuficientes ou abusivas as condições
dispostas no acordo de não
persecução penal, devolverá os autos
ao Ministério Público para que seja
reformulada a proposta de acordo,
com concordância do investigado e
seu defensor.
§6º. Homologado judicialmente o
acordo de não persecução penal, o juiz
devolverá os autos ao Ministério
Público para que inicie sua execução
perante o juízo de execução penal.
§7º. O juiz poderá recusar
homologação à proposta que não
atender aos requisitos legais ou
quando não for realizada a adequação
a que se refere o § 5º deste artigo.
§8º. Recusada a homologação, o juiz
devolverá os autos ao Ministério
Público para a análise da necessidade
de complementação das investigações
ou o oferecimento da denúncia.
§9º. A vítima será intimada da
homologação do acordo de não
persecução penal e de seu
descumprimento.
§10. Descumpridas quaisquer das
condições estipuladas no acordo de
não persecução penal, o Ministério
Público deverá comunicar ao juízo,
para fins de sua rescisão e posterior
oferecimento de denúncia.
§11. O descumprimento do acordo de
não persecução penal pelo investigado
também poderá ser utilizado pelo
Ministério Público como justificativa
para o eventual não oferecimento de
suspensão condicional do processo.
§12. A celebração e o cumprimento do
acordo de não persecução penal não
constarão de certidão de antecedentes
criminais, exceto para os fins previstos

65
estácio Luiz & pedrotenório

no inciso III do § 2º deste artigo.


§13. Cumprido integralmente o
acordo de não persecução penal, o
juízo competente decretará a extinção
de punibilidade.
§14. No caso de recusa, por parte do
Ministério Público, em propor o
acordo de não persecução penal, o
investigado poderá requerer a
remessa dos autos a órgão superior,
na forma do art. 28 deste Código.

4.1 INTRODUÇÃO
A legislação penal e processual pátria vem, ao longo dos últimos tempos,
se aproximando cada vez mais da noção de justiça consensual, muito arraigada
na experiência norte-americana, bem como na cultura jurídica italiana de
combate ao crime organizado.
A utilização de instrumentos jurídicos processuais negociais revela-se
como opção de política criminal para o combate efetivo da criminalidade
moderna. Por outro lado, os institutos consensuais servem para imprimir
simplicidade e efetividade a casos de menor expressão, privilegiando a
reparação do dano como uma terceira via do Direito Penal.
O marco legal introdutório da justiça negociada no âmbito criminal
brasileiro foi o advento da Lei de Crimes Hediondos em 1990, que trouxe o
instituto da delação premiada. Em seguida, a introdução dos institutos
despenalizadores por meio do advento da Lei dos Juizados Criminais em 1995.
No plano interacional, o Brasil subscreveu a Convenção da ONU de 2003,
ratificada pelo Congresso Nacional em 2005, cujo teor fomenta o
desenvolvimento da justiça negociada para fins de combate à corrupção e à
criminalidade organizada.
Nesse contexto, inspirado no instituto norte-americano do non-
prosecution agreement, surge o acordo de não persecução penal no Brasil
inicialmente disciplinado pela Resolução 181/2017 do Conselho Nacional do
Ministério Público (CNMP).

66
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Após questionamentos acerca de sua inconstitucionalidade, o instituto


sofreu as alterações promovidas pela Resolução 183/2018. Finalmente, com a
aprovação do pacote anticrime (PAC), passou a ter tratamento legal expresso.

4.2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


4.2.1 CONCEITO
O acordo de não persecução penal é um negócio jurídico sujeito a
homologação judicial, por meio do qual o Ministério Público, em exceção ao
princípio da obrigatoriedade da ação penal, propõe acordo, em favor do sujeito
passivo da persecução, oferecendo a ele a não apresentação da denúncia desde
que este admita, formal e circunstanciadamente, a prática da infração penal e
cumpra a(s) condição(ões) avençadas.

4.2.2 PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE


O acordo figura como uma exceção ao princípio da obrigatoriedade da
ação penal pública, também chamado de legalidade processual. Mesmo que
presentes todos os elementos necessários para o oferecimento da denúncia, o
membro do Ministério Público poderá propor o acordo de não persecução, caso
haja o preenchimento dos requisitos legais.

4.2.3 NATUREZA JURÍDICA


Trata-se de negócio jurídico extraprocessual, pois nos termos expressos
da lei consiste num acordo de vontades entre o Ministério Público e o
investigado firmado durante a fase preliminar.
Pode-se perceber, então, que o acordo se consubstancia num instrumento
de cariz despenalizador voltado aos casos em que a sanção penal imposta
necessariamente importaria na aplicação de pena substitutiva da prisão, ou seja,
em medida restritiva de direito, porém, com o acordo evita-se a propositura da
ação penal.
Surge na doutrina, porém, a discussão acerca da possibilidade da
proposição do acordo durante a fase judicial. Nessa hipótese, funcionaria como

67
estácio Luiz & pedrotenório

um negócio jurídico processual, na medida em que é celebrado após o exercício


da ação penal.
Mesmo não estando previsto expressamente na lei, e – mais do que isso –
tendo sido vetado o dispositivo que regulava o acordo durante o processo,
ainda assim é possível defender sua possibilidade através de uma interpretação
sistemática, porquanto se trata de uma medida despenalizadora que só traz
benefícios ao réu.

4.2.4 OBRIGATORIEDADE DO OFERECIMENTO


Acerca da obrigatoriedade do oferecimento do acordo, podemos cindir a
discussão em duas perspectivas: a de que o acordo se trata de um direito
subjetivo e a de que se trata de um instrumento de política criminal, estando no
âmbito de discricionariedade do membro do MP.
Se considerado como um direito subjetivo do investigado, argumenta-se
que o membro do Ministério Público é obrigado a oferecê-lo, nas hipóteses em
que houver o preenchimento dos requisitos.
Sob o aspecto de que o acordo é um instrumento de política criminal, a
análise quanto ao oferecimento passa por um filtro meritório do membro do
Ministério Público. Desse modo, o representante do Parquet, na condição de
titular da ação penal, fará uma avaliação acerca da necessidade e suficiência do
acordo para retribuição e prevenção da infração penal cometida, elemento
normativo previsto no próprio texto legal.
Essa segunda análise, a que considera o acordo como uma espécie de
política criminal e não como dirieto subjetivo, concretiza a posição firme da
jurisprudência em julgamento sobre a suspensão condicional do processo,
instituto correlato ao acordo de não persecução penal (STJ. HC 417.876/PE, 5ª
T., Rel. Min. Rel. Reynaldo Soares da Fonseca, 14/11/2017; STF. HC 101369/SP,
1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, 25/10/2011).
Resslte-se que, por óbvio, o fato do acordo não ser direito subjetivo do
investigado ou réu, mas sim instrumento de política criminal, não dá ao MP o

68
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

direito a uma discricionariedade desregrada. Antes, pelo contrário, a decisão


ministerial pelo não oferecimento do acordo deverá sempre ser fundamentada.
Sendo assim, diante da recusa do MP em oferecer o acordo ao
investigado ou réu que fazem jus aos requisitos previstos na Lei, o art. 28-A,
§14, dispõe que o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão
superior (PGJ ou CCR), na forma do art. 28 do Código de Processo Penal.

4.3 REQUISITOS PARA O OFERECIMENTO DO ACORDO DE NÃO


PERSECUÇÃO PENAL
4.3.1. NÃO SER CASO DE ARQUIVAMENTO
O acordo de não persecução penal não poderá ser celebrado nas
hipóteses de arquivamento dos autos da investigação preliminar, as quais,
segundo Renato Brasileiro6, são as seguintes:
a) Atipicidade da conduta: após a investigação, constata-se que a
conduta do investigado não é objeto de criminalização;
b) Ausência de pressuposto processual ou de condição para o exercício
da ação penal: um exemplo é a ausência de oferecimento da representação da
vítima no caso de ação penal pública condicionada;
c) Falta de justa causa para o exercício da ação penal: situação em que,
após o esgotamento das diligências investigativas, não se consegue o fumus
comissi delicti, que se traduz na prova da materialidade do fato e de indícios de
autoria;
d) Existência manifesta de causa excludente de ilicitude: hipótese na
qual o membro do Ministério Público, baseado em juízo de certeza, constata a
presença de causa excludente de ilicitude, a exemplo da legítima defesa;
e) Existência manifesta de causa excludente de culpabilidade, salvo a
inimputabilidade: como se dá, por exemplo, nos casos de embriaguez completa
decorrente de força maior. Exclui-se a inimputabilidade, porquanto a aplicação
de medida de segurança (sanção penal) pressupõe o devido processo legal que
resulta numa sentença absolutória imprópria;

6 BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodvim, 2016, p. 160 e 161.
69
estácio Luiz & pedrotenório

f) Existência de causa extintiva da punibilidade: a exemplo da


prescrição, decadência.

4.3.2. CONFISSÃO FORMAL E CIRCUNSTANCIADA


A confissão do investigado deve ser, preferencialmente, captada em
recurso tecnológico audiovisual e, posteriormente, formalizada nos autos da
investigação preliminar. É necessário que esteja acompanhado de seu defensor.
É preciso que a confissão seja circunstanciada no sentido de que o investigado
deva apresentar elementos concretos de que foi ele quem praticou a
infração penal. Tal exigência é salutar para evitar a assunção da
responsabilidade criminal por atos de outrem, que pode, em tese, configurar o
delito de autoacusação falsa previsto no art. 341, CP.
Nesse ponto, interessante mencionar, ainda, que a confissão formal e
circunstanciada não representa ofensa ao direito de não autoincriminação, em
suas dimensões: a) Direito ao silêncio; b) Direito de não colaborar com a
investigação; c) Direito de não declarar contra si; d) Direito de não apresentar
provas que prejudique a sua situação jurídica.
Não há renúncia geral e irrestrita do direito a não autoincriminação e
seus sucedâneos, porquanto, se assim o fosse, haveria de ser declarada a
inconstitucionalidade do dispositivo. Em verdade, em consonância com a teoria
de direitos fundamentais, há a mera renúncia parcial e específica do exercício
de direitos fundamentais.
É preciso frisar que o acordo de não persecução penal é um negócio
jurídico, tendo, como requisito de existência, o ajuste de vontades. Assim, o
investigado, para conseguir os efeitos benéficos a sua situação jurídica, opta, de
forma voluntária, por confessar formalmente, trazendo elementos que
indiquem a prática da infração penal. Com isso, demonstra-se que o acordo de
não persecução é um instrumento de mão dupla, onde o investigado também é
beneficiado.

70
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

4.3.3 INFRAÇÃO PENAL SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA E COM


PENA MÍNIMA INFERIOR A 4 (QUATRO) ANOS
A infração penal não pode envolver violência ou grave ameaça, seja à
coisa, seja à pessoa. Perceba-se que a redação do dispositivo não especifica
contra quem é a vis absoluta e a vis compulsiva, levando-se à interpretação de que
toda forma de violência impede a celebração do acordo.
Por outro lado, a pena mínima cominada à infração deve ser inferior a 04
(quatro) anos, seja de reclusão ou detenção, pois a redação também não
especificou. Assim, o que se busca é evitar a celebração do acordo em crimes
leves.
Nesse sentido, a exclusão dos crimes graves da possibilidade de
celebração do acordo resulta do princípio da proporcioanlidade, pois a maior
gravidade concreta decorrente do modus operandi criminal empregado com a
violência ou grave ameaça contra a pessoa ou coisa devem ser processados
punidos com maior rigor.
É preciso ter atenção com questões que façam a troca da expressão “pena
mínima” por “pena máxima”, ou mesmo que tentam a induzir a erro colocando
“igual ou inferior”. Se a pena mínima for “igual” a 04 (quatro), não caberá o
acordo, devendo ser sempre “inferior” a 04 anos.
O §1º do art. 28-A prevê que, para aferição da pena mínima cominada ao
delito a que se refere a proposta de acordo, serão consideradas as causas de
aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto. De acordo com a doutrina,
as causas de aumento deverão aumentar o máximo, enquanto que as de
diminuição deverão reduzir o mínimo.
Desse modo, na análise dos casos apresentados, é preciso atentar para a
presença de causas de aumento e diminuição gerais e específicas. Exemplo: a
prática de dois furtos qualificados, em concurso material, afasta a aplicação do

instituto, eis que a soma das penas mínimas será igual a 4 (quatro) anos.
Por fim, registre-se que a legislação não vedou a aplicação do acordo em

caso de crimes hediondos ou equiparados sem violência ou grave ameaça, caso


preenchidos os demais requisitos.

71
estácio Luiz & pedrotenório

4.3.4 OFERECIMENTO DO ACORDO SER NECESSÁRIO E SUFICIENTE


PARA REPROVAÇÃO E PREVENÇÃO DO CRIME
É um requisito de natureza normativa que permite ao membro do

Ministério Público a análise da proporcionalidade e razoabilidade do acordo em


face da infração penal cometida.

Tal requisito tem ligação direta com o princípio da proporcionalidade,


em sua faceta que veda a proteção insuficiente dos bens jurídicos. Ao mesmo
tempo, trabalha com as funções retributiva e preventiva da sanção penal.

Em certos casos, a gravidade concreta da conduta exigirá uma resposta


mais enérgica do que a proporcionada pelo acordo de não persecução penal.

Nessas hipóteses, o membro do Ministério Público, mesmo podendo, não


oferecerá a proposta de acordo, denunciando o investigado.
Diante da recusa no oferecimento, o §14 da do art. 28-A dispõe que o

investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior (PGJ ou


CCR), na forma do art. 28 do Código de Processo Penal.

4.4 CONDIÇÕES AJUSTADAS CUMULATIVA E ALTERNATIVAMENTE


QUE DEVEM SER CUMPRIDAS PELAS PARTES
4.4.1 CONSTITUCIONALIDADE
Setores da doutrina questionam a constitucionalidade do acordo de não
persecução penal sob o argumento de que o instituto viola o princípio do
devido processual, ao aplicar penas sem que haja o desenvolvimento da relação
processual em juízo. Com o devido respeito, tal visão não merece prosperar,
uma vez que não há violação ao devido processo legal pelos seguintes motivos:
CONSTITUCIONALIDADE DAS CONDIÇÕES PREVISTAS NO ACORDO
O acordo de não persecução penal possui a natureza de negócio jurídico, cuja existên-
cia e validade dependem da existência de manifestação de vontade e de que a mani-
festação tenha sido realizada sem vícios. A voluntariedade do investigado é verificada
em audiência específica na presença de seu defensor e do juiz
O devido processo legal, em seu aspecto material, refere-se à justeza e à proporciona-
lidade das decisões. Em seu aspecto formal, à obediência das normas e formas legais.
Sob a perspectiva material, a lei prevê o controle de legalidade e proporcionalidade

72
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

das condições por meio da figura do Estado-juiz, de modo que condições ilegais ou
inconstitucionais não poderão ser objeto do acordo, sob pena de recusa homologató-
ria. Pelo prisma formal, há lei em sentido estrito definindo os requisitos, a forma e o
procedimento a ser seguido para celebração do acordo, de modo que, caso as normas
procedimentais sejam observadas, haverá respeito ao devido processo legal formal
A justiça restaurativa e a justiça negocial fogem à concepção clássica de justiça confli-
tiva. Atualmente, a reparação do dano e a utilização de institutos negociais são a ten-
dência moderna que não deixa de lado a necessidade de retribuição e a prevenção em
face da infração penal cometida. A flexibilização do exercício de direitos e garantias
processuais corresponde ao grau de gravidade das consequências que são negociadas

4.4.2 CUMULAÇÃO E ALTERNÂNCIA NA ESCOLHA

O legislador permitiu maior liberdade ao membro do Ministério Público

na estipulação das condições. As condições legais de cumprimento das

obrigações no acordo podem ser estabelecidas de forma cumulada, isolada ou

mesmo alternada (ou cumpre uma ou cumpre outra).

4.4.3 ROL EXEMPLIFICATIVO DE CONDIÇÕES

O rol de condições estabelecidas no acordo de não persecução penal é

exemplificativo (numerus apertus), na medida em que o inciso V do art. 28-A

permite a eleições de outras causas não prevista pelo membro do Ministério

Público.

4.4.4 CONDIÇÕES EM ESPÉCIE

A) REPARAR O DANO OU RESTITUIR A COISA À VÍTIMA, EXCETO NA

IMPOSSIBILIDADE DE FAZÊ-LO (INCISO I)

Tal condição possui o mesmo conteúdo do efeito genérico da condenação

previsto no art. 91, inciso I, do Código Penal. O investigado deverá realizar a

reparação integral do dano ou restituir a coisa à vítima. Apesar do texto legal

não fazer menção expressa, pressupõe-se que a reparação deve ser completa,

em razão da totalidade do dano e da restituição da coisa.

73
estácio Luiz & pedrotenório

Nesse ponto, conforme leciona Cleber Masson7, a reparação do dano


deve ser analisada caso a caso, ficando ao encargo da vítima a constatação da
reparação, isto é, se ficou satisfeita com o comportamento do investigado.

B) RENUNCIAR VOLUNTARIAMENTE A BENS E DIREITOS INDICADOS


PELO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO INSTRUMENTOS, PRODUTO OU
PROVEITO DO CRIME (INCISO II)
A renúncia deve ser voluntária. O Ministério Público indicará os bens e
direitos que serão perdidos. Tais bens e direitos serão perdidos como:
a) Instrumentos do crime (instrumenta sceleris): é o meio utilizado pelo
investigado para praticar a infração penal. Exemplo: faca, arma de fogo;
b) Produto do crime (producta sceleris)8: significa a vantagem direta
objetiva pelo agente em decorrência da prática do crime. Exemplo: óculos furtados;
c) Proveito do crime9: é a vantagem indireta do crime, resultante da
especificação do produto do crime. Exemplo: dinheiro auferido pela venda do bem
furtado.

C) PRESTAR SERVIÇO À COMUNIDADE OU A ENTIDADES PÚBLICAS


POR PERÍODO CORRESPONDENTE À PENA MÍNIMA COMINADA AO
DELITO DIMINUÍDA DE UM A DOIS TERÇOS, EM LOCAL A SER
INDICADO PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO, NA FORMA DO ART. 46 DO
CÓDIGO PENAL (INCISO III)
A prestação de serviços é uma modalidade de pena restritiva de direitos,
consistente na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado, em entidades assistenciais,
hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas
comunitários ou estatais10.

7 MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado – Parte Geral – vol. 1 / Cleber Masson. p. 400.
10.ª ed. Rev., atual. e amp. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
8 Idem. p. 912.
9 Idem. p. 912.
10 Idem. p. 793.

74
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Quando figurar como condição no acordo de não persecução a


quantidade de tempo da prestação de serviços à comunidade, esse tempo
corresponderá à pena mínima da infração penal diminuída de 1/3 a 2/3. Para
simplificar:
CÁLCULO DO TEMPO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO À COMUNIDADE

FÓRMULA Tempo de prestação = pena mínima –


1/3 a 2/3.
EXEMPLO CONCRETO Pena mínima cominada à infração = 3
anos.
QUANTIDADE DE DIMINUIÇÃO 1/3, que em razão da pena mínima de
DE PENA PREVISTA EM LEI 3 anos do exemplo, resulta em 1 ano
TEMPO EFETIVO DE PRESTAÇÃO 3 anos da pena mínima cominada ao
delito menos 1 ano resultante da dimi-
nuição prevista em Lei. Conclusão: 2
anos de cumprimento de prestação de
serviço

Questão interessante diz respeito a qual autoridade é responsável por


determinar o quanto será diminuído (1/3 a 2/3), o membro do Ministério
Público ou o Juiz? Nosso posicionamento é no sentido de que a variação da
diminuição de pena entre 1/3 a 2/3 será definida pelo membro do Ministério
Público, órgão com atribuição para realizar o juízo de mérito no bojo do acordo
de não persecução.
Desse modo, conforme tratado anteriormente, não poderá o juiz
estabelecer o quantum, já que sua atuação se limita ao controle de legalidade,
nos termos do §5º. Esse posicionamento é reforçado pela disposição do inciso V
do art. 28-A do CPP, no qual o membro ministerial determinará o prazo de uma
condição atípica (cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo
Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal
imputada).

75
estácio Luiz & pedrotenório

Por outro lado, o inciso III dispõe que a prestação de serviço e a escolha
do local pelo juiz se dará nos termos do art. 46 do Código Penal, in verbis:
Art. 46. [...].
§1º. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na
atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.
§2º. A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais,
hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas
comunitários ou estatais.
§3º. As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do
condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de
condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.
§ 4º [...]

D) PAGAR PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, A SER ESTIPULADA NOS


TERMOS DO ART. 45 DO CÓDIGO PENAL, A ENTIDADE PÚBLICA OU
DE INTERESSE SOCIAL, A SER INDICADA PELO JUÍZO DA EXECUÇÃO,
QUE TENHA, PREFERENCIALMENTE, COMO FUNÇÃO PROTEGER
BENS JURÍDICOS IGUAIS OU SEMELHANTES AOS APARENTEMENTE
LESADOS PELO DELITO (INCISO IV)
A prestação pecuniária é uma espécie de pena restritiva de direitos, diz
respeito ao pagamento em dinheiro por parte do investigado a entidade pública
ou privada com destinação social.
O quantum da prestação pecuniária não será inferior a 1 (um) salário-
mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários-mínimos, conforme
os critérios estabelecidos pelo art. 45 do Código Penal.
Por fim, é interessante frisar que o legislador estabeleceu uma
preferência como destinatárias às entidades que tenham pertinência temática e
atuação na proteção do mesmo bem jurídico ou de bem jurídico semelhante
àquele que foi violado pelo delito.

E) CUMPRIR, POR PRAZO DETERMINADO, OUTRA CONDIÇÃO


INDICADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DESDE QUE PROPORCIONAL
E COMPATÍVEL COM A INFRAÇÃO PENAL IMPUTADA (INCISO V)
O inciso V estipula uma cláusula abertura que permite a indicação de
outras condições para além das que foram comentadas nos incisos anteriores.
Isso implica na conclusão de que o art. 28-A traz um rol exemplificativo
(numerus apertus) de condições possíveis no acordo de não persecução, que por
ser designadas por condições atípicas.

76
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A indicação das condições atípicas e do respectivo tempo de

cumprimento é da atribuição exclusiva do membro do Ministério Público, uma

vez que é órgão legalmente imbuído do juízo de mérito.

O juiz, desse modo, não poderá substituir o Ministério Público,

modificando ou excluindo a condição. Como foi visto, a homologação judicial

funciona como uma condição de validade e é feita após o controle da

legalidade.

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições

dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério

Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do

investigado e seu defensor (§5º). Recusará a homologação à proposta que não

atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação pelo

membro do Ministério Público (§7º).

As condições atípicas devem guardar proporcionalidade (necessidade,

adequação e proporcionalidade em sentido estrito) e pertinência com a infração

penal cometida. Quanto à proporcionalidade, é imprescindível que a condição

estabelecida seja suficiente para a necessária reprovação e prevenção da

infração cometida.

Desse modo, o peso/gravidade da condição atípica deverá guardar

correspondência às consequências da infração penal, ao modus operandi, entre

outras circunstâncias que circundam o fato.

Por fim, a condição atípica deve guardar pertinência com a infração

penal cometida, eis que a sua natureza deve ter relação com a natureza do fato

praticado, como ocorre, por exemplo, na estipulação de multa nos crimes

patrimoniais. Ou seja, o legislador comina uma sanção penal que serve para

frustrar diretamente o animus do agente de tirar proveito patrimonial.

77
estácio Luiz & pedrotenório

4.5 HIPÓTESES DE VEDAÇÃO DO ACORDO

4.5.1 SE FOR CABÍVEL TRANSAÇÃO PENAL DE COMPETÊNCIA DOS

JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS, NOS TERMOS DA LEI (§2º, INCISO

I)

A legislação cria uma relação de subsidiariedade entre o instituto da

transação penal com o acordo de não persecução penal. Acredita-se que a

exclusão do acordo de não persecução, nos casos em que couber transação

penal, se deu pelo fato deste instituto ser mais benéfico ao investigado. Os

requisitos legais do acordo de não persecução penal geram maior ônus ao

investigado, eis que há, por exemplo, a necessidade de confissão formal e

circunstanciada por parte dele. Na transação, o indivíduo, sem assumir culpa,

aceita a proposta e a aplicação imediata de penas restritivas de direitos.

4.5.2 SE O INVESTIGADO FOR REINCIDENTE OU SE HOUVER

ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE INDIQUEM CONDUTA CRIMINAL

HABITUAL, REITERADA OU PROFISSIONAL, EXCETO SE

INSIGNIFICANTES AS INFRAÇÕES PENAIS PRETÉRITAS (§2º, INCISO

II)

Nesse dispositivo, o legislador quis conferir tratamento mais gravoso aos

agentes que optam por reiterar na prática delitiva, nos termos do art. 63 do CP

(reincidência), bem nas hipóteses que escolhe a prática de infrações penais

como meio de vida, forma de sustento, hábito.

Por mais que uma conduta do criminoso habitual/profissional possa

exprimir, isoladamente, menor reprovabilidade, a reiteração de

comportamentos indica a necessidade de um tratamento mais rigoroso.

Excepciona-se as hipóteses em que haja insignificância das infrações

penais pretéritas. De plano, verifica-se uma impropriedade técnica do

legislador, ao sugerir que infrações penais possam figurar como insignificantes.

78
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Como se sabe, a insignificância é uma causa de exclusão da tipicidade

material. Se o comportamento é insignificante, logo haverá a exclusão da

tipicidade e, consequentemente, do fato típico. Sem fato típico, não há infração

penal.

Se há infração penal, é porque o fato é penalmente relevante. Não existe

infração penal que conserve todos os seus elementos (fato típico, ilícito e

culpável) que seja insignificante, uma vez que a insignificância está atrelada a

comportamentos atípicos (materialmente).

Diante da impropriedade técnica, imagina-se que a lei se refere a

situações pretéritas, as quais, apesar de em seu conjunto caracterizarem

habitualidade, reiteração ou profissionalismo, sejam atípicas (foram abarcadas

pelo princípio da insignificância).

Abarca também as situações em o fato é típico, ilícito e culpável, mas, por

aplicação da bagatela imprópria, deixa-se de aplicar a pena, porquanto

evidenciada a sua desnecessidade.

Caso haja múltiplas infrações penais pretéritas evidenciando

habitualidade, reiteração e profissionalismo do investigado, não caberá acordo

de não persecução, sob pena de frustrar um de seus requisitos: a necessidade e

suficiência de retribuição e prevenção da infração penal.

Nesse sentido, os tribunais superiores possuem entendimento no sentido

de que a habitualidade, a reiteração e o profissionalismo não podem ser

abarcados pela insignificância (STJ.AgRg no REsp 1509982/RJ, 6ª T., Rel. Min.

Nefi Cordeiro, 17/04/2018; STJ. RHC 31.612, 6ª T., Rel. Min. Rogerio Schietti

Cruz, 20/05/2014; STF. HC 123.108/MG, HC 123.533/SP e HC 123.734, Pleno,

Rel. Min. Roberto Barroso, 03/08/2015).

79
estácio Luiz & pedrotenório

4.5.3 TER SIDO O AGENTE BENEFICIADO NOS 5 (CINCO) ANOS

ANTERIORES AO COMETIMENTO DA INFRAÇÃO, EM ACORDO DE

NÃO PERSECUÇÃO PENAL, TRANSAÇÃO PENAL OU SUSPENSÃO

CONDICIONAL DO PROCESSO (§2º, INCISO III)

Trata-se de hipóteses de vedação objetivas, cuja finalidade é evitar a

aplicação do benefício àqueles que, nos últimos 5 (cinco) anos, se beneficiaram

desses três institutos despenalizadores.

O indivíduo que, beneficiado nesse lapso temporal, comete nova infração

penal demonstra a insuficiência dos institutos despenalizadores, devendo

receber tratamento mais rigoroso do ordenamento jurídico.

4.5.4 NOS CRIMES PRATICADOS NO ÂMBITO DE VIOLÊNCIA


DOMÉSTICA OU FAMILIAR, OU PRATICADOS CONTRA A MULHER
POR RAZÕES DA CONDIÇÃO DE SEXO FEMININO, EM FAVOR DO
AGRESSOR (§2º, INCISO IV)
Na primeira parte, o inciso veda a aplicação do acordo de não persecução
nas hipóteses de violência doméstica ou familiar. É preciso ter cuidado, pois o
dispositivo não limita a vedação às hipóteses de violência doméstica ou familiar
cometida contra a mulher. O valor protegido, aqui, é mais amplo: as relações
domésticas e familiares. Pode-se, portanto, abarcar pessoas do sexo masculino e
feminino.
Na segunda parte, veda-se a aplicação do instituto quando as razões do
cometimento do crime tenha sido a condição do sexo feminino da vítima. Nos
casos envolvendo violência contra mulher, fora do âmbito doméstico ou
familiar, acredita-se que a vedação somente incidirá se a motivação delitiva for
especificamente as condições do sexo feminino.
Isso porque, se adotarmos a natureza objetiva, isto é, o simples fato da
vítima ser do sexo feminino, a vedação teria uma ampliação irrazoável,
abarcando todos os crimes que tenham por vítima uma mulher.

80
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Por fim, é preciso destacar a redação legal utilizou a expressão “crime”.

Como se sabe, a exposição de motivos e a própria doutrina diferencia o crime


da contravenção penal.
Por se tratar de norma que restringe a aplicação de benefício ao

investigado, as hipóteses de contravenção penal não poderão ser objeto de


vedação, com fundamento neste inciso, sob pena de analogia in malam partem.

4.6 RETRATAÇÃO
4.6.1 POSSIBILIDADE E MOMENTO
É possível que as partes possam desfazer o acordo de não persecução

penal? Se sim, qual será o momento adequado? Quanto a esses

questionamentos podem surgir as seguintes posições:


1ª) Feitas as tratativas preliminares e a proposta de acordo, só poderá

haver retratação pelas duas partes (resilição bilateral);


2ª) É possível a retratação da proposta de acordo até o momento da
homologação judicial, após tal momento não será mais possível, tendo em vista

que o acordo se aperfeiçoou e tornou-se prova do juízo;


3ª) É possível a retratação da proposta antes da homologação por

qualquer das partes. Após a homologação, somente pelo acordo das duas, sob
pena de descumprimento e quebra da boa-fé. Entendemos que a 3ª posição é a
melhor. A retratação pode ser da proposta (ou trato preliminar) ou do acordo

propriamente dito.

4.6.2 RETRATAÇÃO DA PROPOSTA DE ACORDO (OU TRATO


PRELIMINAR) ANTES DA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL E PROVAS
No caso da retratação da proposta de acordo (ou trato preliminar), antes

de homologação judicial, a retratação poderá ocorrer por iniciativa de uma das

partes (resilição unilateral) ou por iniciativa das duas partes bilateral (resilição
bilateral ou distrato).

81
estácio Luiz & pedrotenório

Nas duas hipóteses, não poderá a confissão do investigado e outros


elementos serem utilizados contra ele, mas é possível que sejam utilizados
contra terceiros, por analogia ao disposto no art. 4º, §10º, da Lei de
Organizações Criminosas. Ressalva-se as hipóteses em que tais elementos
podem ser alcançados por fonte independente e por meio de diligências
investigativas cotidianas.

4.6.3 RETRATAÇÃO APÓS A HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL E PROVAS


Em caso de retratação do acordo de não persecução (propriamente dito),
após a homologação judicial, a única hipótese de retratação será por acordo de
ambas as partes (resilição bilateral ou distrato). Caso não haja consenso, o não
cumprimento das cláusulas importará em descumprimento do negócio jurídico.
Nessa hipótese, se o descumprimento vier do investigado, o Ministério Público
comunicará o descumprimento ao juiz de execução, nos termos da lei.
Constatado o descumprimento, o órgão ministerial, não havendo diligências
complementares, oferecerá a denúncia, tendo o descumprimento do acordo
como argumento para não oferecer a suspensão condicional do processo.
Por outro lado, se homologado o acordo, e o membro do Ministério
Público oferecer denúncia, sem ter havido descumprimento por parte do
investigado, a mesma deverá ser rejeitada por falta de interesse de agir, dada a
existência do acordo.
Nessa hipótese, o acordo cuja execução tramita no juízo de execução
penal terá continuidade, acompanhando o cumprimento das condições
acordadas até a integralidade. Registre-se que a lei exige que a vítima seja
intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu
descumprimento (§9º).

4.7 HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL


4.7.1 NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL
A homologação judicial funciona como condição de eficácia do acordo de
não persecução penal, já que o magistrado realiza um juízo de controle da
legalidade do acordo. Perceba-se que é feita em sede de jurisdição voluntária,
pois o magistrado nada decide, mas tão somente homologa a vontade das
partes.

82
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

4.7.2 COMPETÊNCIA PARA HOMOLOGAÇÃO NA FASE PRELIMINAR


Se o acordo de não persecução for firmado durante a investigação
preliminar, a competência para homologar será do Juiz das Garantias, nos
termos do art. 3º-B, XVII, do CPP (inovação trazida pelo PAC): XVII – decidir
sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada,
quando formalizados durante a investigação.
A redação do dispositivo sugere a hipótese de que o acordo de não
persecução penal possa ser firmado em outro momento que não a fase de
investigação preliminar. Apesar de não haver comando legal expresso, a
doutrina poderá abordar a possibilidade da celebração do acordo na fase
processual, atendo aos fins da norma e ao espírito do PAC, que busca acelerar o
processo judicial penal, sem deixar de garantir os direitos fundamentais do réu,
objetivando solucionar o caso criminal.

4.7.3 COMPETÊNCIA PARA HOMOLOGAÇÃO NA FASE PROCESSUAL


Nos filiamos à construção doutrinária de que é possível a utilização do
acordo de não persecução após o início do processo. Na hipótese de acordo
firmado na fase processual, a competência será do Juiz de Instrução e
Julgamento.
A finalidade do acordo de não persecução é de justamente simplificar as
hipóteses em que há infrações de médio e menor potencial ofensivo
processadas. Não há elementos razoáveis para negar a sua aplicação durante a
fase processual. Muito ao contrário, se for para gerar economia e efetividade da
jurisdição, prezando-se pela necessidade de retribuição e prevenção da sanção
penal em face da infração penal cometida, qual o impedimento sério ao acordo
processual?
No entanto, é preciso estabelecer limites nas hipóteses de oferecimento
do acordo na fase processual. Além dos requisitos legais, é preciso que não
caiba suspensão condicional do processo, eis que o legislador expressou um
caráter subsidiário do acordo de não persecução quando proibiu a sua
aplicabilidade nas hipóteses de cabimento da transação penal.

83
estácio Luiz & pedrotenório

Relembre-se que os requisitos do acordo de não persecução são mais


gravosos do que os da suspensão condicional do processo, a exemplo da
necessidade de confissão formal e circunstanciada.
Por outro lado, é necessário que o oferecimento e a aceitação sejam antes
da realização da audiência de instrução e julgamento, constatada a
impossibilidade de absolvição sumária. Nesse caso, além de ser
contraprodutivo o oferecimento após a instrução, corre-se o risco de
desvirtuamento da finalidade do instituto, que busca evitar o processo e, nesse
caso, o seu prolongamento, gerando custos desnecessários.

4.7.4 PROCEDIMENTO DA HOMOLOGAÇÃO


O §3º do art. 28-A dispõe que o acordo de não persecução será
formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo
investigado e por seu defensor. No entanto, a formalização e a assinatura não
são suficientes para que o acordo seja aperfeiçoado. Para que surta efeitos, é
necessária a homologação judicial, sendo esta, portanto, condição de eficácia do
acordo, como já vimos.
Por sua vez, o §4º prevê que, para homologação do acordo, será realizada
audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da
oitiva do investigado na presença de seu defensor, e a sua legalidade.
Nesse ponto, verifica-se que a homologação judicial será realizada após a
verificação da voluntariedade do acordo e da sua legalidade. É preciso frisar
que, na referida audiência, não haverá participação do Ministério Público.
Quanto à voluntariedade, a vontade viciada conduz à invalidade do
negócio jurídico. O controle da voluntariedade do acordo de não persecução
tem por objetivo a verificação da confissão formal e circunstanciada, avaliando-
se se a aderência ao acordo foi feita de livre e espontânea vontade pelo
investigado.
Por outro lado, o controle de legalidade a que se refere o §4º diz respeito
à análise dos requisitos legais para concessão do acordo, da sua forma e das
condições estipuladas.

84
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições


dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério
Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do
investigado e seu defensor. (§5º).
Observa-se que o oferecimento da proposta e a sua adequação do acordo
é atribuição exclusiva do membro do Ministério Público, não podendo o juiz
substituí-lo. O juiz pode apontar a ausência de requisitos, a inobservância da
forma legal, a inadequação, insuficiência ou abusividade das cláusulas (juízo de
delibação), mas jamais modificar, ex officio, o conteúdo do acordo (juízo de
mérito).
Nesse sentido, segue entendimento do Supremo Tribunal Federal,
quando tratou do instituto da colaboração premiada:
O Poder Judiciário é convocado ao final dos atos negociais apenas para aferir os
requisitos legais de existência e validade, com a indispensável homologação.
Nesse sentido foram as conclusões sobre a homologação no julgamento do HC
127.483/PR (STF. Pet 7074 QO/DF, Pleno, Rel. Min. Edson Fachin,
29/06/2017).

O que pode acontecer é o juiz recusar a homologação à proposta que não


atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação pelo
membro do Ministério Público (§7º). No caso de recusa de homologação, caberá
recurso em sentido estrito da decisão, conforme inovação trazida pelo PAC
(art. 581, XXV, do CPP).
Apesar do texto legal mencionar o controle da legalidade, a nosso ver, tal
expressão deve abarcar também o controle da constitucionalidade do
conteúdo do acordo. Nesse ponto, verificada a ofensa a direitos e garantias
fundamentais, deverá o juiz remeter para adequação e, se for o caso, recursar a
homologação do acordo.
Constatada a regularidade do acordo, o juiz fará a sua homologação. Em
seguida, os autos deverão ser remetidos ao Ministério Público para que inicie
a execução perante o juízo de execução penal (§6º). Com a homologação do
acordo, a vítima deverá ser intimada (§9º).

85
estácio Luiz & pedrotenório

4.8 DESCUMPRIMENTO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL


Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não
persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de
sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia, caso não haja diligências
complementares a serem feitas (§10).
Como foi visto, após a homologação do acordo, a sua execução será feita
no juízo de execuções penal. Desse modo, a comunicação do descumprimento
será feito ao juiz da execução penal.
Apesar da omissão legislativa, em relação à rescisão do acordo,
pressupõe-se a oitiva do investigado, em homenagem ao contraditório e à
ampla defesa.
No ato de comunicação do descumprimento, é salutar que o membro do
Ministério Público peça a designação de audiência de justificação, a fim de que
o investigado tenha oportunidade de se explicar perante a autoridade
judicial, podendo acostar documentos e outros elementos, na companhia de
seu defensor.
Não acolhida a justificativa, será procedida a rescisão do acordo firmado,
com o posterior oferecimento da denúncia, caso não haja necessidade de
diligências complementares. O oferecimento da denúncia, a nosso ver, deverá
se dar na vara criminal comum, e não no juízo de execuções penais, porquanto,
após a rescisão, o oferecimento da denúncia iniciará um processo de
conhecimento, cuja natureza é incompatível com o juízo de execuções penais.
Contudo, as normas de organização judiciária poderão dispor como se dará.
Lembrando-se que o recebimento da denúncia dar-se-á pelo juiz das
garantias, caso o acordo tenha sido firmado na fase preliminar, ou pelo juiz de
instrução e julgamento se formulado na fase processual.
Por outro lado, acolhida a justificativa do investigado e verificada a
ausência de descumprimento, o acordo deverá seguir a sua execução no juízo
de execuções penais.
É preciso frisar que o descumprimento do acordo de não persecução
penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público

86
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional


do processo (§11).

4.9 DO CUMPRIMENTO DO ACORDO E SEUS EFEITOS


Com o cumprimento das condições avençadas, será declarada a extinção
da punibilidade do investigado (pretensão punitiva) pelo juiz competente (§13).
A nosso ver, a declaração da extinção da punibilidade será feita pelo juízo das
execuções penais no qual tramita a execução do acordo.
Registre-se que a celebração e o cumprimento do acordo de não
persecução penal não constarão na certidão de antecedentes criminais (§12),
exceto para fins de constatação do gozo do benefício nos últimos 5 (cinco) anos,
situação em que será proibida a celebração de novo acordo. Ou seja, significa
que o acordo em curso ou cumprido não servirá como maus antecedentes.
Por outro lado, em caso de condenação posterior, o acordo em curso ou
cumprido também não poderá ser considerado para fins de reincidência. O
sujeito, caso não tenha outro motivo, será considerado primário em razão do
acordo de não persecução.
Por fim, a celebração de acordo de não persecução suspende o prazo
prescricional da infração penal, enquanto não cumprido ou não rescindido o
acordo de não persecução penal, conforme estudado no capítulo relativo às
modificações na prescrição.

4.10 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL VS ACORDO DE NÃO


CONTINUIDADE DA PERSECUÇÃO PENAL
Registre-se que o PAC, em sua redação original, previa o instituto do
acordo de não continuação da persecução penal no art. 395-A e seguintes:
Art. 395-A. Após o recebimento da denúncia ou da queixa e até o início da
instrução, o Ministério Público ou o querelante e o acusado, assistido por seu
defensor, poderão requerer mediante acordo penal a aplicação imediata das
penas.

Tal instituto foi excluído do projeto de lei durante o trâmite do


processo legislativo no Congresso. O acordo de não continuidade da
87
estácio Luiz & pedrotenório

persecução penal, nos termos em que foi proposto, não se confunde com o
acordo de não persecução penal, por possuírem requisitos, condições,
procedimentos e propostas de penas diferentes.
Faz-se tal distinção para esclarecer que o nosso posicionamento acerca da
possibilidade de aplicação do acordo de não persecução na fase processual,
apesar de evitar a continuação do processo, deve observar os seus próprios
elementos, e não aqueles do acordo de não continuação, que foi excluído do
PAC.

QUADRO-RESUMO DO ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL

Conceito O acordo de não persecução penal é um negócio


jurídico sujeito a homologação judicial, por meio do
qual o Ministério Público, em exceção ao princípio
da obrigatoriedade da ação penal, propõe acordo,
em favor do sujeito passivo da persecução, para não
oferecer denúncia, desde que este admita, formal e
circunstanciadamente, a prática da infração penal e
cumpra a(s) condição(ões) avençadas.
Natureza Jurídica Figura como um negócio jurídico extraprocessual,
quando celebrado na fase preliminar.
Admitida a sua celebração na fase processual
(construção doutrinária), terá natureza jurídica de
negócio jurídico processual.
Obrigatoriedade do 1) Direito subjetivo do acusado: é obrigatório,
oferecimento preenchidos os requisitos, não havendo margem
interpretativa ao membro do Ministério Público;
2) Instrumento de política criminal: não é direito
subjetivo, logo, o oferecimento fica a critério do
membro do Ministério Público que avaliará o
elemento normativo da suficiência e da necessidade
do acordo para retribuição e prevenção da infração
penal cometida.
Requisitos para 1) Não ser caso de arquivamento;
oferecimento 2) Confissão formal e circunstanciada;
3) Infração sem violência ou grave ameaça;
4) Pena mínima inferior a 4 (quatro) anos;
5) Acordo de necessário e suficiente para reprovação
e prevenção do crime;
6) Homologação judicial.

88
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Condições Cumulativas ou alternativas:

1) Reparação ou restituição do dano à vítima;

2) Renúncia voluntária de bens e direitos;

3) Prestação de serviços à comunidade ou a


entidades públicas;

4) Pagar prestação pecuniária a entidade pública ou


de interesse social;

5) Cumprir outra condição estipulada pelo MP


(condição atípica).

Hipóteses de vedação 1) Se for cabível transação penal;

2) Reincidência, habitualidade, reiteração ou


profissionalismo, exceto se insignificantes as
infrações penais pretéritas;

3) Ter sido beneficiado, nos últimos 5 anos, por


acordo de não persecução penal, transação penal ou
suspensão condicional do processo;

4) Crimes praticados no âmbito de violência


doméstica e familiar (contra homem ou mulher);

5) Crimes praticados contra mulher por razões do


sexo feminino.

Cumprimento Será declarada a extinção da punibilidade.

Efeitos Não gera reincidência ou maus antecedentes. Não


constará da folha de antecedentes, salvo para fins de
aplicação de novo acordo no prazo de 5 anos. A
celebração gera a suspensão do prazo prescricional,
enquanto não cumprido ou não rescindido o acordo
de não persecução penal.

Recurso cabível contra a Recurso em sentido estrito (inovação do PAC)


decisão de não
homologação

89
estácio Luiz & pedrotenório

5 DAS MODIFICAÇÕES NOS PROCEDIMENTOS INCIDENTES


5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Perceba-se que o PAC traz sempre consigo um vetor de
desburocratização nas medidas de constrição patrimonial do criminoso. Isso
está dentro da lógica de combate à criminalidade moderna, que está
intensamente ligada ao acúmulo de capitais e bens adquiridos por meios
ilícitos.

5.2 ALIENAÇÃO DE COISAS APREENDIDAS


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 122. Sem prejuízo do disposto nos Art. 122. Sem prejuízo do disposto no
arts. 120 e 133, decorrido o prazo de art. 120, as coisas apreendidas serão
90 dias, após transitar em julgado a alienadas nos termos do disposto no
sentença condenatória, o juiz art. 133 deste Código.
decretará, se for caso, a perda, em
favor da União, das coisas
apreendidas (art. 74, II, a e b do
Código Penal) e ordenará que sejam
vendidas em leilão público.
Parágrafo único. Do dinheiro apurado
será recolhido ao Tesouro Nacional o
que não couber ao lesado ou a terceiro
de boa-fé.

Com o PAC, não há mais necessidade de esperar 90 (noventa) dias após


transitar em julgado a sentença penal condenatória para haver alienação desta.
Note-se ainda que o art. 120 e seguintes não foram modificados, logo o
procedimento de restituição de coisa apreendida, como procedimento incidente
no processo penal, continua a vigorar. Prova disso é que a nova redação dada
pelo PAC prevê que “sem prejuízo do disposto no art. 120 (…)”.

90
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

5.2.1 PERDIMENTO DE OBRAS DE ARTE E OUTROS BENS DE

RELEVANTE VALOR CULTURAL OU ARTÍSTICO

COMO ERA COMO FICOU DEPOIS DO PAC

Trata-se de inovação legislativa! Art. 124-A. Na hipótese de decretação

de perdimento de obras de arte ou de

outros bens de relevante valor cultural

ou artístico, se o crime não tiver

vítima determinada, poderá haver

destinação dos bens a museus

públicos.

O art. 124 do CPP assim prevê: Os instrumentos do crime, cuja perda em

favor da União for decretada, e as coisas confiscadas, de acordo com o disposto no art.

100 do Código Penal, serão inutilizados ou recolhidos a museu criminal, se houver

interesse na sua conservação.

O novo art. 124-A, diante das novas experiências no combate à

criminalidade moderna, organizada e transnacional (mencione-se aqui a assim

chamada operação Lava Jato, que recuperou diversas obras de arte fruto da

sistemática de lavagem de capitais), o PAC buscou regular a destinação de

obras de arte e outros bens de relevante valor cultural ou artístico.

Perceba-se que, antes, os instrumentos do crime seriam ou inutilizados

ou recolhidos em museu criminal. Agora, a destinação poderá se dar a museu

público, não necessariamente criminal, desde que o crime não tenha vítima

determinada, hipótese em que será restituída a coisa.

91
estácio Luiz & pedrotenório

5.2.2 DO NOVO PROCEDIMENTO DE ALIENAÇÃO DE COISA


APREENDIDA
COMO ERA COMO FICOU DEPOIS DO PAC
Art. 133. Transitada em julgado a Art. 133. Transitada em julgado a
sentença condenatória, o juiz, de ofício sentença condenatória, o juiz, de ofício
ou a requerimento do interessado, ou a requerimento do interessado ou
determinará a avaliação e a venda dos do Ministério Público, determinará a
bens em leilão público. avaliação e a venda dos bens em leilão
Parágrafo único. Do dinheiro público cujo perdimento tenha sido
apurado, será recolhido ao Tesouro decretado.
Nacional o que não couber ao lesado § 1º. Do dinheiro apurado, será
ou a terceiro de boa-fé. recolhido aos cofres públicos o que
não couber ao lesado ou a terceiro de
boa-fé.
§2º. O valor apurado deverá ser
recolhido ao Fundo Penitenciário
Nacional, exceto se houver previsão
diversa em lei especial.

Não sendo o caso de restituição, a coisa apreendida será alienada nos


termos do novo art. 133 do CPP. Anteriormente, o valor apurado com a venda
do bem apreendido e decretado como perdido era destinado ao Tesouro
Nacional. Agora, com a nova redação do 133, a valor integrará os cofres
públicos, especificamente o Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN), nos
termos do art. 133, §2º, CPP.

5.2.3 POSSIBILIDADE DE USO DE BENS APREENDIDOS PELOS


ÓRGÃOS DE SEGURANÇA PÚBLICA OU OUTROS ÓRGÃOS,
EXCEPCIONALMENTE
COMO ERA COMO FICOU DEPOIS DO PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 133-A. O juiz poderá autorizar,
constatado o interesse público, a
utilização de bem sequestrado,
apreendido ou sujeito a qualquer
medida assecuratória pelos órgãos de
segurança pública previstos no art.
144 da Constituição Federal, do
sistema prisional, do sistema
socioeducativo, da Força Nacional de
Segurança Pública e do Instituto Geral

92
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

de Perícia, para o desempenho de suas


atividades.
§1º. O órgão de segurança pública
participante das ações de investigação
ou repressão da infração penal que
ensejou a constrição do bem terá
prioridade na sua utilização.
§2º. Fora das hipóteses anteriores,
demonstrado o interesse público, o
juiz poderá autorizar o uso do bem
pelos demais órgãos públicos.
§3º. Se o bem a que se refere o caput
deste artigo for veículo, embarcação
ou aeronave, o juiz ordenará à
autoridade de trânsito ou ao órgão de
registro e controle a expedição de
certificado provisório de registro e
licenciamento em favor do órgão
público beneficiário, o qual estará
isento do pagamento de multas,
encargos e tributos anteriores à
disponibilização do bem para a sua
utilização, que deverão ser cobrados
de seu responsável.
§4º. Transitada em julgado a sentença
penal condenatória com a decretação
de perdimento dos bens, ressalvado o
direito do lesado ou terceiro de boa-fé,
o juiz poderá determinar a
transferência definitiva da
propriedade ao órgão público
beneficiário ao qual foi custodiado o
bem.

O PAC mais uma vez visando enfrentar de forma eficaz a criminalidade


moderna, previu a possibilidade de utilização dos bens apreendidos pelos
órgãos de segurança pública, sistemática já vivenciada em países como EUA,
Canadá, Itália, Espanha, etc.
Perceba-se o movimento estratégico do combate ao crime: O Estado,
além de apreender, sequestrar ou determinar qualquer medida assecuratória,
utiliza o bem em favor da atividade persecutória. Como exemplo, pode-se citar

93
estácio Luiz & pedrotenório

os armamentos de grosso calibre utilizados pelos criminosos, aviões,


helicópteros, veículos e embarcações com nível de potência significativo.
Note-se que todos esses bens custam muito caro e estão submetidos a
entraves burocráticos consideráveis (procedimento licitatório, etc.), caso o
Estado fosse adquiri-los pelos meios convencionais.
Nesse sentido, o novo art. 133-A do CPP dispõe que o juiz poderá
autorizar, uma vez constatado o interesse público a utilização de bem sequestrado,
apreendido ou sujeito a qualquer medida assecuratória pelos órgãos de segurança
pública previstos no art. 144 da Constituição Federal, do sistema prisional, do sistema
socioeducativo, da Força Nacional de Segurança Pública e do Instituto Geral de Perícia,
para o desempenho de suas atividades.
Atente-se para o fato da necessidade de constatação do interesse público
e nexo entre o bem alvo de medida assecuratória e as atividades
desempenhadas pelos órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da
Constituição.
Na definição da preferência dos órgãos de segurança pública,
prevalecerá aquele participante das ações de investigação ou repressão da
infração penal que ensejou a constrição do bem terá prioridade na sua utilização
(art. 133-A, §1º).

A nova sistemática também permitiu que não sendo o caso de uso dos
bens apreendidos pelos órgãos de segurança pública, o juiz poderá autorizar o uso
do bem pelos demais órgãos públicos, desde que demonstrado o interesse público (art.
133-A, §2º).

O PAC preocupou-se ainda com questões administrativas de registro dos


bens, pois previu que se o bem a que se refere o caput deste artigo for veículo,
embarcação ou aeronave, o juiz ordenará à autoridade de trânsito ou ao órgão de registro
e controle a expedição de certificado provisório de registro e licenciamento em favor do
órgão público beneficiário, o qual estará isento do pagamento de multas, encargos e
tributos anteriores à disponibilização do bem para a sua utilização, que deverão ser
cobrados de seu responsável (art. 133-A, §3º).

94
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, o juiz poderá


determinar a transferência definitiva da propriedade ao órgão público
beneficiário ao qual foi custodiado o bem (art. 133-A, §4º).

6 DA ADOÇÃO DA SISTEMÁTICA DA DESCONTAMINAÇÃO DO


JULGADO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC

Trata-se de inovação legislativa! Art. 157, §5º. O juiz que conhecer do

conteúdo da prova declarada

inadmissível não poderá proferir a

sentença ou acórdão.

6.1 CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS

O PAC trouxe à sistemática processual brasileira uma disposição que foi

vetada no ano de 2008 pelo então Presidente da República, Luiz Inácio. À

época, o veto da Presidência alegou que a previsão ofenderia a celeridade e a

simplicidade do desfecho do processo.

Segundo a mensagem de veto a aplicação da disposição geraria

transtornos processuais razoáveis ao andamento do processual ao obrigar que o

juiz que fez toda a instrução processual deva ser eventualmente substituído por outro

que nem sequer conhece o caso.

Sobre a concretização do dispositivo nos processos que tramitam na

segunda instância, a mensagem de veto assim dispôs: Quando o processo não mais

se encontra em primeira instância, a sua redistribuição não atende necessariamente ao

que propõe o dispositivo, eis que mesmo que o magistrado conhecedor da prova

inadmissível seja afastado da relatoria da matéria, poderá ter que proferir seu voto em

razão da obrigatoriedade da decisão colegiada.

95
estácio Luiz & pedrotenório

6.2 DECISÃO CAUTELAR EM SEDE DE ADI SUSPENDENDO ATÉ O


JULGAMENTO DO MÉRITO O DISPOSITIVO DA DESCONTAMINAÇÃO
DO JULGADO
Em 15/01/2020, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, em vista da
proximidade da data de entrada em vigor do PAC, vislumbrando os requisitos
da medida cautelar, suspendeu a eficácia do dispositivo do art. 157, §5º, CPP,
justamente introduzido pelo PAC. A justificativa foi no sentido de que:
[A] norma em tela é extremamente vaga, gerando inúmeras dúvidas. O que
significa “conhecer do conteúdo da prova declarada inadmissível”? Significa
apenas travar contato com a prova ou pressupõe que o juiz necessariamente
tenha emitido algum juízo de valor sobre o material probatório? Como se
materializaria a demonstração desse “conhecimento”? O juiz, após “conhecer”
do conteúdo da prova, ainda poderá proferir decisões interlocutórias e presidir a
instrução, ficando impedido apenas para a sentença, ou ficará impedido desde
logo?11

Continuou argumentando o Ministro levantando a seguinte hipótese: [O]


juiz que, ao proferir a sentença, se depare com uma prova ilícita e a declare como tal.
Nesse caso, ele interrompe a prolação da sentença e, em seguida, remete os autos ao juiz
que o substituirá?12
Em arremate, concluiu que (...) a utilização de fórmulas legislativas
excessivamente vagas viola a segurança jurídica e o princípio da legalidade. Sendo
assim, suspendeu, até o julgamento final do mérito das ADIs 6298, 6299 e
6300.

6.3 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A Constituição Federal prevê, no art. 5º, inciso LVI, que são inadmissíveis,
no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Por outro lado, no Código de
Processo Penal dispõe no art. 157 que: São inadmissíveis, devendo ser
desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a
normas constitucionais ou legais.

11 STF. Decisão cautelar em ADI. Min. Dias Toffoli. Disponível em:


http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/Juizdasgarantias.pdf.
12 Idem.

96
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

O art. 157, §3º do CPP, prevê ainda que: Preclusa a decisão de


desentranhamento da prova declarada inadmissível, esta será inutilizada por decisão
judicial, facultado às partes acompanhar o incidente.
Desse modo, as provas ilícitas (ilícitas stricto sensu e ilegítimas) são, num
primeiro momento, declaradas inadmissíveis e, depois, devem ser
desentranhadas do processo.
Antes da modificação do PAC, não havia impedimento algum, após o
desentranhamento e inutilização da prova ilícita, de que o magistrado
prosseguisse no processo, proferindo sentença ou acórdão. Ou seja, o Código de
Processo Penal não adotava a teoria da descontaminação do julgado.

6.4 FINALIDADE DA DESCONTAMINAÇÃO


Tal dispositivo novo, em tese, tem por finalidade resguardar a
imparcialidade do magistrado que teve, de qualquer forma, contato com a
prova ilícita, ainda que este fique obrigado a não utilizar a prova na sentença,
dada o procedimento de desentranhamento.

6.5 NATUREZA JURÍDICA DA DESCONTAMINAÇÃO


Percebe-se que o dispositivo traz uma hipótese objetiva de
impedimento, de modo que não dá espaço para avaliar o ânimo subjetivo ou
qualquer circunstância que indique o intuito de prejudicar o acusado ou mesmo
demonstrar interesse do magistrado no deslinde da causa. Trata-se, portanto, de
presunção absoluta da imparcialidade.

6.6 ART. 157, §5º (DESCONTAMINAÇÃO DO JULGADO) VS ART. 399, §2º


(IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ)
A descontaminação do julgado, ao mesmo tempo que tem por
fundamento a garantia de imparcialidade do julgador, conflita com o princípio
da identidade física, o qual dispõe que o magistrado que participou da
instrução processual decida o processo.
A partir do novo §5º do art. 157, presume-se absolutamente que o
magistrado não pode julgar a causa porque teve contato direto com a prova

97
estácio Luiz & pedrotenório

produzida, afastando-o do processo. Porém, como dar concretude à norma


elencada no art. 399, §2º (princípio da identidade física)?
É bem verdade que o princípio da identidade física do juiz sempre
comportou exceções, porém todas elas eram baseadas em circunstâncias
administrativas insuperáveis, como férias do magistrado, ascensão funcional,
etc. Ou seja, a identidade física do juiz cederia à razoável duração do processo
quando o magistrado que presidiu a audiência não pudesse efetivamente julgar
o caso.
Agora, com a novel legislação, mesmo podendo julgar o caso, o
magistrado deve ser substituído por outro que não conhece os meandros do
caso, não ouviu as testemunhas, não ouviu a vítima, não ouviu sequer o
acusado.
Trata-se de um problema a ser discutido no âmbito da doutrina e da
jurisprudência, pois a aparência é a de que o veto presidencial datado de 2008
tem sua lógica. Sendo assim, se o PAC se propôs a enfrentar a criminalidade de
forma eficaz, não parece ser esse, pontualmente, o efeito prático trazido pelo
art. 157, §5º.

6.7 A DESCONTAMINAÇÃO E A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO


Outrossim, o instituto pode ser criticado sob o prisma da duração
razoável do processo. A mudança de julgador, principalmente nas comarcas
com um juiz, trará transtornos ao andamento do processo. Muitas vezes, o
processo é redistribuído para o Juiz Substituto, o qual, a depender das normas
de Organização Judiciária, responderá por diversas comarcas.

7 DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 158-A. Considera-se cadeia de
custódia o conjunto de todos os
procedimentos utilizados para manter
e documentar a história cronológica
do vestígio coletado em locais ou em
vítimas de crimes, para rastrear sua
posse e manuseio a partir de seu
reconhecimento até o descarte.
§1º. O início da cadeia de custódia dá-

98
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

se com a preservação do local de


crime ou com procedimentos policiais
ou periciais nos quais seja detectada a
existência de vestígio.
§2º. O agente público que reconhecer
um elemento como de potencial
interesse para a produção da prova
pericial fica responsável por sua
preservação.
§3º. Vestígio é todo objeto ou material
bruto, visível ou latente, constatado
ou recolhido, que se relaciona à
infração penal.

7.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS


A inovação legislativa trazida pelo PAC visa suprir um vazio no sistema
de justiça criminal brasileiro relativo às perícias. Não é surpresa para ninguém,
e qualquer um que trabalhe ou estude as ciências criminais com foco no Brasil,
sabe da deficiência e do caos que é o trabalho da perícia criminal.
Alguns estados da federação aparecem com maior destaque nessa área,
disponibilizando tanto material humano suficiente através de concursos
periódicos quanto material tecnológico de ponta. É o caso de do Estado do
Distrito Federal, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, dentre outros.
Contudo, a maioria esmagadora dos Estados vive um faz de contas
pericial em que não se tem material tecnológico nem humano suficiente, apesar
dos ótimos profissionais que compõem os Institutos de Perícia Criminal.
Quem não lembra de assistir a filmes e séries americanas sobre
investigação criminal? Instigante ver como uma parcela considerável dos
crimes são resolvidos pelo trabalho minucioso da perícia criminal! A arte imita
a vida, já dizia o poeta. Os EUA possuem realmente uma equipada e eficiente
perícia criminal, dando contribuições não apenas para a resolução de crimes,
mas também para a ciência criminológica e psicológica.
Aqui no Brasil, ao contrário, vemos uma perícia sucateada, entregue às
baratas, literalmente. São poucos os crimes que possuem uma investigação
amplamente baseada na prova pericial. Assim, o bom e eficaz desenvolvimento

99
estácio Luiz & pedrotenório

do trabalho de perícia fica bastante prejudicado e quem sai vitoriosa é a


criminalidade.
O PAC tentou regular a matéria da custódia da prova pericial não apenas
trazendo conceitos (vestígios) e procedimentos (reconhecimento, isolamento,
fixação, etc.), mas criando também obrigações para a União e para os Estados
em relação órgãos de perícia criminal. Vejamos as modificações.

7.2 DO CONCEITO DA CADEIA DE CUSTÓDIA


Como se nota da novel legislação, a cadeia de custódia da prova é
garantia documental da cronologia dos fatos investigados pelo Estado,
sobretudo aqueles voltados aos vestígios.
Em decisão do Superior Tribunal de Justiça, a cadeia de custódia é a
necessidade de documentação e preservação do avanço cronológico das etapas
de produção probatória visando garantir o pleno exercício do contraditório e
da ampla defesa (STJ. HC 160.662/RJ, 6ª T., Rel. Min. Assusete Magalhães,
18/02/2014).
Perceba-se que o art. 158-A fixa-se naquilo que conceitua como vestígios,
designando a cadeia de custódia apenas para vítimas e/ou locais dos crimes.
Porém, a cadeia de custódia pode ser entendida e interpretada de forma mais
ampla, abrangendo procedimentos de obtenção de fonte da prova, como é o
caso da interceptação telefônica.
O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, ao falar desde 2014 da
necessidade de preservação da cadeia de custódia da prova, referia-se
justamente a esse procedimento de obtenção da fonte da prova previsto na lei
9.296/96.
Logo, em relação à interceptação telefônica, é sabido que não é necessário
a degravação de todo o conteúdo das conversas, senão daqueles que
fundamentam a denúncia. Porém, todas as conversas interceptadas devem ser
entregues à defesa em mídia digital visando preservar a cadeia de custódia da
prova.

10
0
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Uma vez extraviado ou apagado o conteúdo de parte das conversas


interceptadas, considera-se quebrada a cadeia de custódia da prova
caracterizada a violação do direito fundamental ao contraditório e a ampla
defesa, sendo nula toda a interceptação, comprovado o prejuízo.

7.3 DO CONCEITO DE VESTÍGIO


O §3º do art. 158-A prevê que é todo objeto ou material bruto, visível ou
latente, constatado ou recolhido, que se relaciona à infração penal. Caracteriza-se,
pois, como os elementos deixados na cena do crime ou mesmo na vítima que
podem levar ao autor do crime e determinar as circunstâncias em que a infração
foi praticada. Relembre-se aqui que os crimes de deixam vestígios são
classificados como não transeuntes.

7.4 DAS ETAPAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 158-B. A cadeia de custódia
compreende o rastreamento do
vestígio nas seguintes etapas:
I - reconhecimento: ato de distinguir
um elemento como de potencial
interesse para a produção da prova
pericial;
II - isolamento: ato de evitar que se
altere o estado das coisas, devendo
isolar e preservar o ambiente
imediato, mediato e relacionado aos
vestígios e local de crime;
III - fixação: descrição detalhada do
vestígio conforme se encontra no local
de crime ou no corpo de delito, e a sua
posição na área de exames, podendo
ser ilustrada por fotografias,
filmagens ou croqui, sendo
indispensável a sua descrição no
laudo pericial produzido pelo perito
responsável pelo atendimento;
IV - coleta: ato de recolher o vestígio
que será submetido à análise pericial,
respeitando suas características e
natureza;
V - acondicionamento: procedimento
por meio do qual cada vestígio

101
estácio Luiz & pedrotenório

coletado é embalado de forma


individualizada, de acordo com suas
características físicas, químicas e
biológicas, para posterior análise, com
anotação da data, hora e nome de
quem realizou a coleta e o
acondicionamento;
VI - transporte: ato de transferir o
vestígio de um local para o outro,
utilizando as condições adequadas
(embalagens, veículos, temperatura,
entre outras), de modo a garantir a
manutenção de suas características
originais, bem como o controle de sua
posse;
VII - recebimento: ato formal de
transferência da posse do vestígio, que
deve ser documentado com, no
mínimo, informações referentes ao
número de procedimento e unidade
de polícia judiciária relacionada, local
de origem, nome de quem transportou
o vestígio, código de rastreamento,
natureza do exame, tipo do vestígio,
protocolo, assinatura e identificação
de quem o recebeu;
VIII - processamento: exame pericial
em si, manipulação do vestígio de
acordo com a metodologia adequada
às suas características biológicas,
físicas e químicas, a fim de se obter o
resultado desejado, que deverá ser
formalizado em laudo produzido por
perito;
IX - armazenamento: procedimento
referente à guarda, em condições
adequadas, do material a ser
processado, guardado para realização
de contraperícia, descartado ou
transportado, com vinculação ao
número do laudo correspondente;
X - descarte: procedimento referente à
liberação do vestígio, respeitando a
legislação vigente e, quando
pertinente, mediante autorização
judicial.

102
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

São 10 as etapas da cadeia de custódia da prova pericial, todas buscando


regulamentar exaustivamente a proteção do vestígio e eficácia do trabalho da
perícia. Os conceitos estão expressamente dispostos no art. 158-B, motivo pelo
qual remete-se o leitor à tabela supra.

7.4.1 DESCUMPRIMENTO DAS ETAPAS DA CADEIA DE CUSTÓDIA


A) INEXISTÊNCIA DE ILICITUDE DA PROVA
Nas palavras de Rogério Sanches Cunha, o descumprimento de algum
dos procedimentos ou etapas relativas à cadeia de custódia da prova não gera
inexistência ou ilegalidade da prova, porém tem reflexos em sua autenticidade.
Esse posicionamento parece prudente, pois não fosse assim e dada a
realidade das perícias criminais no Brasil haveria nos crimes não transeuntes
uma tempestade de nulidades e o processo penal se diminuiria ao ponto de se
tornar uma atividade de caça às nulidades, geralmente decretadas em instâncias
superiores.
Lembre-se nesse ponto que o processo penal brasileiro não mais adota o
sistema tarifário da prova estando todas elas em igual patamar a serem
valoradas livremente pelo juiz, com a devida motivação.
Assim, não parece correto o pensamento doutrinário que advoga a tese
da ilicitude da prova que não respeita as etapas da cadeia de custódia da prova.
Não se trata de prova obtida por meio ilícito, em violação frontal à regra de
direito material, mas de descumprimento de requisitos que visam proteger e
conservar os vestígios.

B) POSSIBILIDADE DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA PROVA


De outra sorte, é possível considerar que o descumprimento das etapas
da cadeia de custódia pode levar a declaração de nulidade da prova oriunda do
exame pericial, desde que haja pedido tempestivo e comprovação do prejuízo
sofrido pela parte.
Se o descumprimento das etapas ferir, por exemplo, o contraditório ou a
ampla defesa, é possível que o magistrado reconheça a nulidade do
procedimento, determinando seu refazimento.

103
estácio Luiz & pedrotenório

7.5 DA ATRIBUIÇÃO PARA EFETIVAR A CADEIA DE CUSTÓDIA


COMO ERA COMO FICOU COM PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 158-C. A coleta dos vestígios
deverá ser realizada
preferencialmente por perito oficial,
que dará o encaminhamento
necessário para a central de custódia,
mesmo quando for necessária a
realização de exames
complementares.
§1º. Todos vestígios coletados no
decurso do inquérito ou processo
devem ser tratados como descrito
nesta Lei, ficando órgão central de
perícia oficial de natureza criminal
responsável por detalhar a forma do
seu cumprimento.
§2º. É proibida a entrada em locais
isolados bem como a remoção de
quaisquer vestígios de locais de crime
antes da liberação por parte do perito
responsável, sendo tipificada como
fraude processual a sua realização.

7.5.1 DO PERITO OFICIAL COMO AGENTE PREFERENCIALMENTE


RESPONSÁVEL PELA COLHEITA DO VESTÍGIO
Como se vê, será o perito criminal oficial o agente público
preferencialmente responsável pela coleta dos vestígios, bem como por
encaminhá-los à Central de Custódia.
Note-se que ao perito oficial é preferencialmente atribuída essa
responsabilidade, podendo ser cumprida por perito não oficial em casos
excepcionais.

7.5.2 DAS OBRIGAÇÕES E VEDAÇÕES. CRIME DE FRAUDE


PROCESSUAL
O §1º do art. 158-C prevê que todos os vestígios colhidos no inquérito no
processo devem atender aos processos e etapas previstos na lei, sendo o órgão
central de perícia oficial de natureza criminal responsável por detalhar a forma
do seu cumprimento.
104
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Já no §2º do art. 158-C está expressamente vedada a entrada em locais


isolados bem como a remoção de quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação
por parte do perito responsável, sendo tipificada como fraude processual a sua
realização.

7.6 DOS RECIPIENTES PARA ACONDICIONAMENTO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 158-D. O recipiente para
acondicionamento do vestígio será
determinado pela natureza do material.
§1º. Todos os recipientes deverão ser
selados com lacres, com numeração
individualizada, de forma a garantir a
inviolabilidade e a idoneidade do vestígio
durante o transporte.
§2º. O recipiente deverá individualizar o
vestígio, preservar suas características,
impedir contaminação e vazamento, ter
grau de resistência adequado e espaço
para registro de informações sobre seu
conteúdo.
§3º. O recipiente só poderá ser aberto
pelo perito que vai proceder à análise e,
motivadamente, por pessoa autorizada.
§4º. Após cada rompimento de lacre,
deve se fazer constar na ficha de
acompanhamento de vestígio o nome e a
matrícula do responsável, a data, o local,
a finalidade, bem como as informações
referentes ao novo lacre utilizado.
§5º. O lacre rompido deverá ser
acondicionado no interior do novo
recipiente.

Como se trata de meras regras procedimentais, remete-se o leitor à tabela


acima.
7.7 DA CRIAÇÃO E DAS ATRIBUIÇÕES DA CENTRAL DE CUSTÓDIA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 158-E. Todos os Institutos de
Criminalística deverão ter uma central de
custódia destinada à guarda e controle
dos vestígios, e sua gestão deve ser
vinculada diretamente ao órgão central
de perícia oficial de natureza criminal.

105
estácio Luiz & pedrotenório

§1º. Toda central de custódia deve


possuir os serviços de protocolo, com
local para conferência, recepção,
devolução de materiais e documentos,
possibilitando a seleção, a classificação e a
distribuição de materiais, devendo ser um
espaço seguro e apresentar condições
ambientais que não interfiram nas
características do vestígio.
§2º. Na central de custódia, a entrada e a
saída de vestígio deverão ser
protocoladas, consignando-se
informações sobre a ocorrência no
inquérito que a eles se relacionam.
§3º. Todas as pessoas que tiverem acesso
ao vestígio armazenado deverão ser
identificadas e deverão ser registradas a
data e a hora do acesso.
§4º. Por ocasião da tramitação do vestígio
armazenado, todas as ações deverão ser
registradas, consignando-se a
identificação do responsável pela
tramitação, a destinação, a data e horário
da ação.
Art. 158-F. Após a realização da perícia, o
material deverá ser devolvido à central de
custódia, devendo nela permanecer.
Parágrafo único. Caso a central de
custódia não possua espaço ou condições
de armazenar determinado material,
deverá a autoridade policial ou judiciária
determinar as condições de depósito do
referido material em local diverso,
mediante requerimento do diretor do
órgão central de perícia oficial de
natureza criminal.

Perceba-se que o PAC cria a Central de Custódia responsável guarda e


controle dos vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente ao órgão
central de perícia oficial de natureza criminal.

106
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Não se trata da criação de um órgão apartado dos Institutos de Perícia


Oficial dos Estados, mas tão somente de uma parcela da atribuição desses
Institutos voltado exclusivamente para o depósito e a guarda dos vestígios.
Perceba-se que não houver condições para que os vestígios permaneçam
na Central de Custódia, a autoridade policial ou o juiz, a depender do caso
concreto, determinar as condições de depósito do referido material em local
diverso, mediante requerimento do diretor do órgão central de perícia oficial de
natureza criminal (art. 158-F, parágrafo único).

QUADRO-RESUMO DA CADEIA DE CUSTÓDIA


Conceito de cadeia A cadeia de custódia da prova é garantia documental da
de custódia cronologia dos fatos investigados pelo Estado,
sobretudo aqueles voltados aos vestígios.
Conceito de vestígio É todo objeto ou material bruto, visível ou latente,
constatado ou recolhido, que se relaciona à infração
penal.
Etapas da cadeia de 1) Reconhecimento: ato de distinguir um elemento
custódia como interessante para fins periciais; (Reconhece-se que
o cadáver é importante na cena do crime)
2) Isolamento: ato de evitar que se altere o estado das
coisas, mediante isolamento e preservação do ambiente
imediato, mediato e relacionado aos vestígios e local de
crime; (Isola o quarto e a casa onde o corpo foi
encontrado)
3) Fixação: descrição detalhada do vestígio conforme se
encontra no local de crime ou no corpo de delito, e a sua
posição na área de exames, podendo ser ilustrada por
fotografias, filmagens ou croqui, sendo indispensável a
sua descrição no laudo pericial produzido pelo perito
responsável pelo atendimento; (Fixa-se a posição do
cadáver, onde foi encontrado, em que posição,
descrevendo no Laudo de Exame do Local da Morte)
4) Coleta: ato de recolher o vestígio que será submetido
à análise pericial, respeitando suas características e
natureza; (Coleta-se o cadáver da cama)
5) Acondicionamento: procedimento por meio do qual
cada vestígio coletado é embalado de forma
individualizada, de acordo com suas características
físicas, químicas e biológicas, para posterior análise,
com anotação da data, hora e nome de quem realizou a
coleta e o acondicionamento; (Acondiciona-se o cadáver

107
estácio Luiz & pedrotenório

na lona preta)
6) Transporte: ato de transferir o vestígio de um local
para o outro, utilizando as condições adequadas
(embalagens, veículos, temperatura, entre outras), de
modo a garantir a manutenção de suas características
originais, bem como o controle de sua posse;
(Transporta-se o cadáver no caminhão do IML, com
condições adequadas para preservação)
7) Recebimento: ato formal de transferência da posse do
vestígio, que deve ser documentado com, no mínimo,
informações referentes ao número de procedimento e
unidade de polícia judiciária relacionada, local de
origem, nome de quem transportou o vestígio, código
de rastreamento, natureza do exame, tipo do vestígio,
protocolo, assinatura e identificação de quem o recebeu;
(Recebimento do cadáver pelo médico legista do IML)
8) Processamento: exame pericial em si, manipulação do
vestígio de acordo com a metodologia adequada às suas
características biológicas, físicas e químicas, a fim de se
obter o resultado desejado, que deverá ser formalizado
em laudo produzido por perito; (Processa-se o exame
de necropsia – perícia propriamente dita)
9) Armazenamento: procedimento referente à guarda,
em condições adequadas, do material a ser processado,
guardado para realização de contraperícia, descartado
ou transportado, com vinculação ao número do laudo
correspondente; (Coloca-se o cadáver na geladeira do
IML para esperar o sepultamento)
10) Descarte: procedimento referente à liberação do
vestígio, respeitando a legislação vigente e, quando
pertinente, mediante autorização judicial. (“Descarta-
se” o corpo no sepultamento)
Delito de fraude No §2º do art. 158-C está expressamente vedada a
processual (art. 347 entrada em locais isolados, bem como a remoção de
do CP) quaisquer vestígios de locais de crime antes da liberação
por parte do perito responsável, sendo tipificada como
fraude processual a sua realização.
Criação de Centrais Todos os Institutos de Criminalística deverão ter uma
de Custódia central de custódia destinada à guarda e controle dos
vestígios, e sua gestão deve ser vinculada diretamente
ao órgão central de perícia oficial de natureza criminal.

108
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

8 DAS MODIFICAÇÕES NAS MEDIDAS CAUTELARES


8.1 TEORIA GERAL DA CAUTELARIDADE PROCESSUAL PENAL
8.1.1 TUTELA CAUTELAR OU PROCESSO CAUTELAR PENAL?

As medidas cautelares no processo penal não são decretadas em um


processo autônomo, mas sim no processo principal. Por isso, trata-se de tutela
cautelar e não de processo cautelar.

Perceba-se que essa tutela nada mais é do que o dever do Estado-juiz de


proteger, na forma da legislação processual, a vítima, a sociedade e o próprio

trâmite do processo quando estes estão vulneráveis diante de uma situação


extrema, ou ocasionada pela liberdade irrestrita do réu ou pela manutenção de
bens em sua posse.

A tutela cautelar deverá respeitar o princípio da presunção de inocência


em sua regra de tratamento (prevalência da liberdade sobre a prisão cautelar),
princípio da dignidade da pessoa humana, da proporcionalidade lato sensu e da

duração razoável do processo (EC 45/2009), sob pena de se perder o objeto da


tutela.

8.1.2 MEDIDAS CAUTELARES DE NATUREZA PATRIMONIAL E SEU


PROTAGONISMO ATUAL
As medidas cautelares patrimoniais têm ganhado cada vez mais
relevância no processo penal, sobretudo pela necessidade de se enfrentar
eficazmente a chamada macrocriminalidade econômica, que está intimamente
ligada a crimes econômico-financeiros, contra a ordem tributária, envolvidos
com lavagem de capitais e não raro dentro do contexto das organizações
criminosas (lei 12.850/13).
Dentro dessa lógica, tão importante quanto a prisão do acusado é a
recuperação dos bens, direitos e valores adquiridos através da prática
criminosa (sequestro – 125, 126, 127 e 132, CPP; arresto – 123, CPP, hipoteca
legal – art. 124, CPP; alienação antecipada de bens – art. 144-A, CPP e 4º,
parágrafo único, lei 9.613/98 – lavagem de capitais).

109
estácio Luiz & pedrotenório

A prisão, como medida cautelar de caráter pessoal, é mais drástica das


medidas, por isso deve ser excepcionalíssima (Regras de Tóquio/1990). As
demais medidas são menos drásticas e devem ter preferência sobre a prisão
(princípio da preferibilidade).

8.1.3 PRINCÍPIOS DE PROTEÇÃO AO CIDADÃO APLICÁVEIS ÀS


MEDIDAS CAUTELARES
A) PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
O art. 5º, LVII, CF, prevê o princípio da presunção de não-
culpabilidade: todo acusado deve ser tratado como inocente até que se prove
sua culpabilidade definitivamente em sentença penal irrecorrível (regra de
tratamento). Esse princípio deixa ainda mais concreta a preferibilidade das
medidas cautelares diversas da prisão.

B) JURISDICIONALIDADE
O princípio da jurisdicionalidade determina a competência exclusiva
do Poder Judiciário na decretação das medidas cautelares, em respeito ao
princípio do devido processo legal, plasmado nos princípios do contraditório
e da ampla defesa.

C) MOTIVAÇÃO DA DECISÃO CAUTELAR


Trata-se de princípio decorrente da regra concretizada no art. 93, IX, CF,
que dispõe toda decisão judicial deve ser motivada, sob pena de nulidade. No
caso das cautelares processuais penais, esse princípio mostra-se ainda mais
importante, pois é necessário a demonstração da necessidade, adequação e
proporcionalidade da medida a fim de legitimar sua decretação.

D) PROPORCIONALIDADE LATO SENSU


O princípio da proporcionalidade serve de verdadeiro escudo para
evitar que as prioridades traçadas pela Constituição Federalsejam feridas ou
até mesmos esvaziadas por ato legislativo, administrativo ou judicial que
exceda os limites, avançando sem permissão na seara dos direitos
fundamentais.

110
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

8.1.4 CARACTERÍSTICAS DAS MEDIDAS CAUTELARES


As medidas cautelares no processo penal tem as seguintes características:
a) provisoriedade, pois duram até findar a circunstância que a autorizou
(cláusula rebus sic standibus); b) revogabilidade, pois podem a qualquer tempo
ser revogadas; c) substitutividade, pois podem ser substituídas por outra ou
outras que tenham maior eficácia à tutela cautelar; d) excepcionalidade, pois
são sempre excepcionais, sendo preferível liberdade irrestrita daquele que
responde ao processo (princípio da presunção de inocência).

8.1.5 PRESSUPOSTOS PARA DECRETAÇÃO


A) FUMUS COMMISSI DELICTI
Trata-se da prova da existência do delito e dos indícios suficientes de
autoria. Apenas os crimes que tenham previsão de pena privativa de liberdade
admitem a imposição de prisão cautelar ou de medida cautelar diversa da
prisão (art. 283, §1º, CPP).

B) PERICULUM LIBERTATIS
É o perigo da liberdade irrestrita do réu verificado com base no
disposto nos princípios da necessidade e adequação da medida para o caso
concreto, conforme o art. 282, I e II, CPP.
A necessidade cinge-se à aplicação da lei penal, para a investigação ou a
instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de
infrações penais, contemplando, portanto, o requisito da ordem pública.
A adequação volta-se para o juízo de prudência relativo à severidade da
medida cautelar em relação à gravidade do crime, circunstâncias do fato e
condições pessoais do indiciado ou acusado.
Não se deve confundir o periculum libertatis do réu relativo às medidas
cautelares diversas da prisão com o periculum libertatis do réu relativo à prisão
cautelar preventiva. Na prisão, tem-se o perigo da liberdade geral do réu; na
cautelar diversa da prisão tem-se apenas o perigo da liberdade irrestrita.

111
estácio Luiz & pedrotenório

C) PERICULUM IN MORA
Nas medidas cautelares patrimoniais e probatórias, tem-se a necessidade
de comprovação não do periculum libertatis, pois não se pleiteia a prisão do
investigado ou réu, mas sim do periculum in mora. As medidas cautelares
patrimoniais e probatórias pleiteadas servem tanto para constrição do
patrimônio do investigado ou réu quanto como meio de obtenção da fonte da
prova. Logo, se não forem deferidas a tempo pelo magistrado podem se perder
com o tempo ou serem destruídas pelo sujeito passivo da medida.

8.6 COMPETÊNCIA PARA DECRETAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES


8.6.1 VEDAÇÃO À ATUAÇÃO EX OFFICIO DO JUIZ CRIMINAL NAS
MEDIDAS CAUTELARES
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 282, §2º. As medidas cautelares Art. 282, §2º. As medidas cautelares
serão decretadas pelo juiz, de ofício ou serão decretadas pelo juiz a
a requerimento das partes ou, quando requerimento das partes ou, quando
no curso da investigação criminal, por no curso da investigação criminal, por
representação da autoridade policial representação da autoridade policial
ou mediante requerimento do ou mediante requerimento do
Ministério Público. Ministério Público.

Segundo o princípio da jurisdicionalidade, a competência para decretar


as medidas cautelares é do Poder Judiciário através de decisão fundamentada e
individualizada do juiz (princípio tácito/implícito da individualização da
prisão cautelar).
Ressalte-se que antes do PAC o CPP previa a possibilidade de o juiz
decretar medidas cautelares, inclusive a prisão preventiva, exofficio, desde
que no bojo do processo penal e não no decorrer da investigação preliminar.
Com o PAC, o magistrado não pode ter iniciativa exofficiona decretação das
medidas, estando submetido ao requerimento das partes.
Note-se que na fase judicial o Delegado não tem mais legitimidade para
representar pelo deferimento de medidas cautelares, seja prisional ou diversa
da prisão.

112
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A seu turno, o assistente de acusação é parte legítima não só para


requerer medidas cautelares ao magistrado como também para apresentar os
recursos cabíveis em relação às decisões cautelares proferidas pelo juízo.
Essa legitimidade do assistente de acusação inclui até mesmo o recurso
em sentido estrito da concessão de HC em favor do réu (art. 581, inc. X, do
CPP), ficando, portanto, superado o entendimento sumulado pelo STF no
verbete 208, que determinava:O assistente do MP não pode recorrer,
extraordinariamente, de decisão concessiva de HC.
Perceba-se que com a mudança legislativa em 2011 possibilitando o
requerimento da preventiva e de outras medidas cautelares pelo assistente, não
faz mais sentido privá-lo de apresentar os recursos cabíveis em face de decisões
cautelares do juízo.

8.7 NECESSIDADE DE CONTRADITÓRIO REAL E PRÉVIO NAS


MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 282, §3º. Ressalvados os casos de Art. 282, §3º. Ressalvados os casos de
urgência ou de perigo de ineficácia da urgência ou de perigo de ineficácia da
medida, o juiz, ao receber o pedido de medida, o juiz, ao receber o pedido de
medida cautelar, determinará a medida cautelar, determinará a
intimação da parte contrária, intimação da parte contrária, para se
acompanhada de cópia do manifestar no prazo de 5 (cinco) dias,
requerimento e das peças necessárias, acompanhada de cópia do
permanecendo os autos em juízo. requerimento e das peças necessárias,
permanecendo os autos em juízo, e os
casos de urgência ou de perigo
deverão ser justificados e
fundamentados em decisão que
contenha elementos do caso concreto
que justifiquem essa medida
excepcional.

O antigo art. 282, §3º, CPP, determinava simplesmente que o juiz, antes
de decidir sobre o requerimento, deveria ouvir a parte contrária, salvo em
casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, casos em que o
contraditório acontecerá, porém será diferido (postergado).

113
estácio Luiz & pedrotenório

O novo art. 282, §3º inova, pois determina prazo de 5 (cinco) para
manifestação da parte alvo da medida cautelar. Percebe-se que, transcorrido in
albiso prazo, o juiz fica livre para decidir sobre o requerimento da cautelar.
A segunda inovação do art. 282, §3º, foi o regramento da fundamentação
da decisão que determina a medida cautelar. Agora, em vista de fechar ainda
mais a discricionariedade judicial13, o PAC determina que o juiz deve motivar
sua decisão como elementos do caso concreto aptos a legitimar a medida
extrema.
Com certeza, essa regra veio para frear algumas decisões genéricas
tomadas no bojo de medidas cautelares, sobretudo prisionais. Não é tão raro
assim ver decisões que impõem prisão preventiva e temporária erguidas sob o
alicerce frágil da gravidade abstrata do crime, da credibilidade das instituições,
etc.
Ressalte-se por fim que esse contraditório é necessário tanto na fase
inquisitorial, quando a representação é do Delegado ou do MP, quanto na fase
judicial, quando o requerimento é das partes, MP, assistente de acusação,
querelante ou da defesa.

8.8 DESCUMPRIMENTO INJUSTIFICADO DAS MEDIDAS CAUTELARES


PESSOAIS DIVERSAS DA PRISÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 282, §4º. No caso de Art. 282, §4º. No caso de descumprimento
descumprimento de qualquer das de qualquer das obrigações impostas, o
obrigações impostas, o juiz, de ofício ou juiz, mediante requerimento do
mediante requerimento do Ministério Ministério Público, de seu assistente ou
Público, de seu assistente ou do do querelante, poderá substituir a
querelante, poderá substituir a medida, medida, impor outra em cumulação, ou,
impor outra em cumulação, ou, em em último caso, decretar a prisão
último caso, decretar a prisão preventiva preventiva, nos termos do parágrafo
(art. 312, parágrafo único). único do art. 312 deste Código.

13Para aprofundamento sobre este tema ver: STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido
conforme minha consciência? 6ª Ed, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2017. ABBOUD,
Georges. Discricionariedade administrativa e judicial: O ato administrativo e a decisão
judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
114
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Na sistemática antiga, em vista do descumprimento injustificado da


medida cautelar menos gravosa, o juiz poderia exofficio decretar a prisão
preventiva, nos termo do art. 312, parágrafo único.
Com a nova sistemática do art. 282, §4º, o juiz só decretar a preventiva
sancionatória, nos termos do art. 312, parágrafo único, em caso de prévia e
circunstanciada provocação das partes e demais interessados.
Note-se que essa previsão nova atende ao que o PAC se propôs desde o
início: estruturar definitivamente o processo penal brasileiro sob os
fundamentos da acusatoriedade, posicionando o juiz num papel de julgador e
não de protagonista na gestão da prova e da iniciativa processual.
Perceba-se, por fim, que esse tipo de prisão preventiva não pode se dar
automaticamente, ou seja, a medida cautelar diversa da prisão (art. 319) não
pode ser convertida de pronto em prisão preventiva, devendo o juiz observar 3
caminhos não taxativos: a) substituição da medida por outra mais eficaz; b)
cumulação com nova medida cautelar; c) decretação da prisão preventiva, em
último caso, nos termos do art. 282, §4º c/c 312, parágrafo único do Código de
Processo Penal.
Existe polêmica doutrinária e jurisprudencial acerca da necessidade de
atender aos requisitos do art. 313, CPP, para conversão da medida cautelar
diversa da prisão em prisão preventiva nos casos de descumprimento
injustificado da medida menos gravosa.
Doutrina majoritária (Pacelli, Nucci, Guilherme Madeira Dezem) e a
própria jurisprudência do STJ entendem que é possível decretar a preventiva
substitutiva/sancionatória sem atender aos requisitos do art. 313, CPP, pois a
norma jurídica das medidas cautelares necessita de coercibilidade, sob pena
de ineficácia, já que a ausência de sanção ao descumprimento de decisão
judicial desnatura o ordenamento jurídico e a própria segurança jurídica.
Nesse sentido, o STJ: A prisão preventiva decretada em razão do
descumprimento de medida cautelar anteriormente imposta ao paciente não está
submetida às circunstâncias e hipóteses previstas no art. 313, CPP, de acordo com a

115
estácio Luiz & pedrotenório

sistemática das novas cautelares pessoais (STJ. HC 281.472/MG, 5ª T., Rel. Min.
Jorge Mussi, J. 05/06/2014).
Parcela minoritária da doutrina, capitaneada por Luiz Flávio Gomes,
entende que em apreço ao princípio da homogeneidade, que determina que se
não há possibilidade real de prisão do réu ao final do processo, a prisão
preventiva jamais poderá ser decretada. Logo, para a decretação da preventiva
substitutiva/sancionatório seria necessário atender aos requisitos do art. 313,
CPP.

8.9 REVOGAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 282, §5º. O juiz poderá revogar a Art. 282, §5º. O juiz poderá, de ofício
medida cautelar ou substituí-la ou a pedido das partes, revogar a
quando verificar a falta de motivo medida cautelar ou substituí-la
para que subsista, bem como voltar a quando verificar a falta de motivo
decretá-la, se sobrevierem razões que para que subsista, bem como voltar a
a justifiquem. decretá-la, se sobrevierem razões que
a justifiquem.

A principal modificação desse dispositivo foi prever expressamente a


possibilidade de o juiz revogar ou substituir a medida cautelar de ofício, sem
necessidade de provocação das partes.
Note-se que, mais uma vez, essa mudança atende ao espírito do PAC: se
é para decretar medidas cautelares, o juiz deve ser provocado, sendo vedada
sua atuação exofficio; porém, para revogá-las, o juiz pode, sim, atuar sem
provocação das partes.
Por lógica e segurança jurídica, as medidas cautelares devem sempre
admitir revogação quando as circunstâncias que outrora as autorizaram não
mais estiverem presentes. Do mesmo modo, uma medida revogada poderá ser
novamente decretada com o fundamento no mesmo requisito lógico.
Trata-se da aplicação da cláusula rebus sic stantibus (enquanto as coisas
assim permanecerem) no processo penal. Diz-se ainda que nesse caso aplica-se
a teoria da imprevisão nas medidas cautelares processuais penais.

116
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

8.10 DA EXPRESSA PREVISÃO DO PRINCÍPIO DA PREFERIBILIDADE


DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS EM RELAÇÃO À
PREVENTIVA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 282, §6º. A prisão preventiva será Art. 282, §6º. A prisão preventiva
determinada quando não for cabível a somente será determinada quando
sua substituição por outra medida não for cabível a sua substituição por
cautelar (art. 319). outra medida cautelar, observado o
art. 319 deste Código, e o não
cabimento da substituição por outra
medida cautelar deverá ser justificado
de forma fundamentada nos
elementos presentes do caso concreto,
de forma individualizada.

Mais uma vez, percebe-se claramente a intenção do PAC em deixar


expresso o princípio da preferibilidade (Gustavo Badaró), que determina serem
as medidas cautelares diversas da prisão preferenciais em relação à prisão
preventiva.
Mas não foi somente essa a mudança no art. 282, §6º. A nova redação
optou por deixar claro, taxativo, a necessidade de fundamentação concreta, de
forma individualizada, em relação à impossibilidade de substituição da prisão
por outra medida menos gravosa.
Essa previsão somente concretizou aquilo que a doutrina majoritária e os
profissionais atuantes na defesa de réus criminais rogavam há muito, tanto no
campo acadêmico quanto no campo prático.
A diminuição da discricionariedade judicial, uma vez mais, é nítida no
PAC. Agora, expressamente, o juiz para deixar de substituir a prisão por
medida cautelar menos gravosa deve individualizar o caso, fundamentar
concretamente, superando argumentativamente as teses defensivas.
Nesse ponto, assim como em geral nas mudanças atinentes à sistemática
das medidas cautelares, entendemos que andou muito bem o PAC, dando mais
segurança jurídica aos atores processuais, garantindo os direitos fundamentais
dos réus e investigados, e evitando as famosas decisões ctrl C + ctrl V.

117
estácio Luiz & pedrotenório

8.11 SISTEMA RECURSAL DAS MEDIDAS CAUTELARES

Inicialmente, diga-se que o sistema prevê uma maior rigidez recursal em

desfavor dos réus, pois nos casos em que se nega a liberdade, não cabe

recurso, somente ações autônomas de impugnação (HC, MS), que exigem

prova pré-constituída, não aceitam dilação probatória, etc.

Já nos casos em que se concede a liberdade, ou seja, nos casos em que o

réu é beneficiado, existe todo um sistema recursal à disposição do Ministério

Público e do querelante. Vejamos:

A) ACUSAÇÃO

Para a acusação caberá RESE, nos termos do art. 581, V, CPP: Caberá

recurso, no sentido estrito, da decisão, despacho ou sentença que conceder, negar,

arbitrar, cassar ou julgar inidônea a fiança, indeferir requerimento de prisão


preventiva ou revogá-la, conceder liberdade provisória ou relaxar a prisão em

flagrante.

Admite-se a interpretação extensiva para abarcar as decisões que

revogam medidas cautelares diversas da prisão ou mesmo as decisões que

denegam o requerimento pela decretação dessas medidas cautelares diversas

da prisão (STJ. REsp 1.628.262/RS, 6ª T., Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior,

13/12/2016 – Info 596).

Lembrando que o RESE não possui efeito suspensivo, ou seja, a decisão

que revoga a prisão preventiva coloca desde logo o réu em liberdade. O MP,

ciente da impossibilidade de manutenção da prisão por meio do RESE,

costumava impetrar mandado de segurança para conferir efeito suspensivo ao

recurso.

O STJ, porém, coibiu essa prática ao editar a súmula 604: O mandado de

segurança não se presta para atribuir efeito suspensivo a recurso criminal interposto

pelo Ministério Público.

118
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

B) DEFESA
Como se sabe, das decisões que denegam requerimento para decretação
de medidas cautelares diversas da prisão não cabe recurso. Mas, há decisões
esparsas do STJ no sentido de que cabe interpretação extensiva nos casos em
que o juiz denega ou revoga medidas cautelares diversas da prisão, podendo
a defesa manejar RESE.

OBS1: INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA NOS CASOS DE INDEFERIMENTO


DE REPRESENTAÇÃO POR PRISÃO TEMPORÁRIA
A prisão temporária só cabe na fase de investigação criminal e pode ser
representada pelo Delegado ao juiz, que antes de decidir, ouvirá o Ministério
Público. Da decisão denegatória da prisão temporária não há previsão recursal.
Porém, em interpretação extensiva, entende-se possível que o órgão
ministerial, e não o Delegado de Polícia, que não possui legitimidade
recursal, interponha RESE em extensão do art. 581, V, CPP.

OBS2: O RESE É RECURSO TAXATIVO, MAS NÃO ESTÁ IMUNE À


INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA
O STJ entendeu que as hipóteses previstas no art. 581, CPP, são
taxativas, porém a norma não está imune a interpretação extensiva,
possibilidade contida na própria norma do art. 3º, CPP: A lei processual penal
admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos
princípios gerais de direito.

9 DA SISTEMÁTICA PROCESSUAL PENAL RELATIVA À


CONCRETIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE NÃO
CULPABILIDADE
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 283. Ninguém poderá ser preso Art. 283. Ninguém poderá ser preso
senão em flagrante delito ou por senão em flagrante delito ou por
ordem escrita e fundamentada da ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente, em autoridade judiciária competente, em

119
estácio Luiz & pedrotenório

decorrência de sentença condenatória decorrência de prisão cautelar ou em


transitada em julgado ou, no curso da virtude de condenação criminal
investigação ou do processo, em transitada em julgado.
virtude de prisão temporária ou
prisão preventiva.

Demasiadamente polêmico é o conteúdo do princípio da presunção de


não culpabilidade, sua extensão e interpretação. A modificação textual do art.
283, caput, não traz maiores problemas, pois apenas substitui as menções às
prisões temporária e preventiva por prisão cautelar.
Chama atenção, porém, a cristalização do mais recente posicionamento
do Pleno do STF acerca da matéria, no sentido da impossibilidade de execução
provisória, também chamada de antecipada, da pena antes de julgados os
recursos pendentes.
A celeuma doutrinária e jurisprudencial tem sua razão de ser, afinal a
própria Corte Suprema têm mudado sua jurisprudência com o passar dos anos.
É bem verdade, porém, que se contados em número de anos, o STF tem uma
maior tradição em garantir a execução da pena após o julgamento do tribunal
de apelação, TJ ou TRF, a depender da competência.
Contudo, no último pronunciamento do STF14 estabeleceu-se o seguinte
entendimento em sede de ação no controle concentrado-abstrato de
constitucionalidade: O art. 283, CPP, que exige o trânsito em julgado da condenação
para que se inicie o cumprimento da pena, é constitucional, sendo vedada a execução
provisória da pena. (STF. ADC 43/DF, ADC 44/DF e ADC 54/DF, Pleno, Rel.
Min. Marco Aurélio, 07/11/2019 – Info 958).
Isso não significa que o réu não pode ser preso antes do trânsito em

julgado da condenação! Perceba-se que as prisões cautelares permanecem


hígidas no sistema constitucional penal. O que não se admite é a execução

provisória da prisão-pena; a prisão cautelar, atendidos os requisitos de


cautelaridade, é permitida e considerada constitucional.

14 Fonte: Dizer o Direito. Site: dizerodireito.com.br.

120
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

10 DA PRISÃO SINE MANDADO AD CAPIENDUM E DA NECESSIDADE


DE REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 287. Se a infração for inafiançável, Art. 287. Se a infração for inafiançável,
a falta de exibição do mandado não a falta de exibição do mandado não
obstará à prisão, e o preso, em tal obstará a prisão, e o preso, em tal
caso, será imediatamente apresentado caso, será imediatamente apresentado
ao juiz que tiver expedido o mandado. ao juiz que tiver expedido o mandado,
para a realização de audiência de
custódia.

A chamada prisão sine mandado ad capiendum nada mais é do que a


possibilidade de um agente das forças de segurança pública prender alguém
sem a posse física do mandado, mas sabendo da existência dele por
autoridade judicial.
Esses casos ficaram cada vez mais comuns após a criação do Banco
Nacional de Mandados de Prisão (BNMP), em que estes após decretados ficam
disponíveis a integração das forças de segurança de todo o país (Resolução
137/11 CNJ).
A nova redação do art. 287 mantém a possibilidade da prisão sem
necessidade de mandado físico, nos casos de crimes inafiançaveis, porém
acrescenta a necessidade de apresentação imediata perante o juiz que tiver
expedido o mandado para realização da audiência de custódia.

11 DA NOVA SISTEMÁTICA DO CONTROLE JUDICIAL DA PRISÃO EM


FLAGRANTE
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 310. Ao receber o auto de prisão Art. 310. Após receber o auto de
em flagrante, o juiz deverá prisão em flagrante, no prazo máximo
fundamentadamente: de até 24 (vinte e quatro) horas após a
I - relaxar a prisão ilegal; ou realização da prisão, o juiz deverá
II - converter a prisão em flagrante em promover audiência de custódia com
preventiva, quando presentes os a presença do acusado, seu advogado
requisitos constantes do art. 312 deste constituído ou membro da Defensoria
Código, e se revelarem inadequadas Pública e o membro do Ministério
ou insuficientes as medidas cautelares Público, e, nessa audiência, o juiz

121
estácio Luiz & pedrotenório

diversas da prisão; ou deverá, fundamentadamente:


III - conceder liberdade provisória, I - relaxar a prisão ilegal; ou (mantido)
com ou sem fiança. II - converter a prisão em flagrante em
Parágrafo único. Se o juiz verificar, preventiva, quando presentes os
pelo auto de prisão em flagrante, que requisitos constantes do art. 312 deste
o agente praticou o fato nas condições Código, e se revelarem inadequadas
constantes dos incisos I a III do caput ou insuficientes as medidas cautelares
do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de diversas da prisão; ou (mantido)
7 de dezembro de 1940 - Código III - conceder liberdade provisória,
Penal, poderá, fundamentadamente, com ou sem fiança. (mantido)
conceder ao acusado liberdade §1º. Se o juiz verificar, pelo auto de
provisória, mediante termo de prisão em flagrante, que o agente
comparecimento a todos os atos praticou o fato em qualquer das
processuais, sob pena de revogação. condições constantes dos incisos I, II
ou III do caput do art. 23 do Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), poderá,
fundamentadamente, conceder ao
acusado liberdade provisória,
mediante termo de comparecimento
obrigatório a todos os atos
processuais, sob pena de revogação.
§2º. Se o juiz verificar que o agente é
reincidente ou que integra
organização criminosa armada ou
milícia, ou que porta arma de fogo de
uso restrito, deverá denegar a
liberdade provisória, com ou sem
medidas cautelares.
§3º. A autoridade que deu causa, sem
motivação idônea, à não realização da
audiência de custódia no prazo
estabelecido no caput deste artigo
responderá administrativa, civil e
penalmente pela omissão.
§4º. Transcorridas 24 (vinte e quatro)
horas após o decurso do prazo
estabelecido no caput deste artigo, a
não realização de audiência de
custódia sem motivação idônea
ensejará também a ilegalidade da
prisão, a ser relaxada pela autoridade
competente, sem prejuízo da
possibilidade de imediata decretação
de prisão preventiva.

122
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

11.1 DA EXPRESSA NECESSIDADE DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA


A nova sistemática prevista pelo PAC no art. 310, caput, traz

concretamente para dentro do Código de Processo Penal o instituto da


audiência de custódia. Chama-se atenção para esse fato porque até antes da
nova lei a audiência era prevista exclusivamente pelo Pacto de São José da

Costa Rica e pela Resolução 213/2015 do CNJ.


A regulamentação da audiência de custódia, ou audiência de

apresentação como prefere o Min. Luiz Fux, por resolução do CNJ fez muitas
pessoas errarem numa crítica que se tornou muito comum nos meios

acadêmicos e midiáticos: a resolução que prevê a audiência de custódia é


inconstitucional pois trata de matéria privativa do legislativo federal, nos
termos do art. 22, I, CF.
Em oportunidade de analisar o tema, o STF afastou a tese da

inconstitucionalidade da resolução, pois não vislumbrou afronta à Constituição,


mormente porque a audiência de custódia é simplesmente regulamentada pela
resolução do CNJ, não sendo por ela criada.

A norma jurídica que é fonte para introdução da audiência de custódia


no ordenamento jurídico brasileiro é o Pacto de São José da Costa Rica,

convenção internacional de direito humano incorporada como norma


supralegal. Portanto, se é norma supralegal, revoga, expressa ou tacitamente,
toda a legislação infraconstitucional abaixo dela.

Perceba-se, o Pacto não está acima da Constituição (e nem poderia estar,


dada a soberania do Brasil), e também não a compõe, pois não houve

incorporação nos termos do art. 5º, §2º, CF.


O Pacto está, isso sim, abaixo da CF, mas acima das leis ordinárias e

complementares. Logo, está acima do Código de Processo Penal! Sendo assim,


não há que se fala em afronta à Constituição, nem formalmente nem
materialmente.

123
estácio Luiz & pedrotenório

11.2 DA CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA SEM FIANÇA


O antigo parágrafo único do art. 310 foi convertido no §1º. Assim, se o
juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato em
qualquer das condições constantes nas cláusulas de exclusão da ilicitude (art.
23, CP), poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade
provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório a todos os atos
processuais, sob pena de revogação.

11.3 DA OBRIGATORIEDADE DE DENEGAÇÃO DA LIBERDADE


PROVISÓRIA
A primeira inovação veio com o §2º do art. 310. Neste dispositivo, criou-
se a obrigatoriedade de o juiz denegar a liberdade provisória, com ou sem
medidas cautelares, se verificar que o agente é reincidente ou que integra
organização criminosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo de uso
restrito.
Note-se que não são requisitos cumulativos, mas sim alternativos. Ou
seja, a liberdade provisória deverá ser denegada: 1) Se o agente for reincidente;
2) Se o agente integrar organização criminosa armada; 3) Se o agente integrar
milícia privada; 4) Se o agente portava arma de fogo de uso restrito durante a
prática do crime que o levou à prisão em flagrante.
Esse §2º parece ter criado hipótese de prisão cautelar obrigatória, pois a
vincula o magistrado a decretar a prisão cautelar do flagranteado que se encaixa
em uma das circunstâncias previstas (reincidência, integrar ORCRIM armada,
etc.), sendo a ele vedada a concessão de liberdade provisória, com ou sem
medidas cautelares.
Essa é a disposição legislativa do PAC. Contudo, vislumbra-se uma
possibilidade de declaração de inconstitucionalidade dessa norma, porquanto a
hipótese de prisão cautelar obrigatória é condenada por parcela da doutrina e já
rechaçada pelo STF nos julgamentos da lei de crimes hediondos, drogas, etc.
Segundo essa parcela da doutrina e jurisprudência, o juiz fica impedido
de conceder a liberdade provisória, que é espécie de liberdade irrestrita no

124
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

curso do processo penal, mas poderá impor outras medidas cautelares diversas
da prisão previstas no art. 319, CPP, cumulativamente inclusive.
Ou seja, o magistrado poderá sim impor outras medidas cautelares
diversas da prisão, porém nenhuma vinculada à liberdade provisória, que
significa confiar ao investigado plena liberdade, ou o que se chama na doutrina
de liberdade processual irrestrita.
Em outras palavras, nada impede que o juiz imponha qualquer das
medidas cautelares do art. 319, CPP, cumulativamente inclusive, ao receber o
auto de prisão em flagrante e verificar que o flagranteado é reincidente, mas
que as circunstâncias não autorizam a conversão da prisão precautelar em
cautelar preventiva.

11.4 DAS CONSEQUÊNCIAS ADMINISTRATIVAS, CÍVEIS E CRIMINAIS


DA NÃO REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
A nova sistemática também previu algumas consequências práticas para
o desrespeito à regra da audiência de custódia. A primeira delas atinge os
atores processuais.
Nos termos do art. 310,§3º, a autoridade que deu causa, sem motivação idônea,
à não realização da audiência de custódia no prazo estabelecido no caput deste artigo
responderá administrativa, civil e penalmente pela omissão.

11.5 DAS CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS EM FAVOR DO RÉU PRESO


EM PRAZO EXCEDENTE SEM AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA
Nessa linha, o art. 310, §4º prevê que transcorridas 24 (vinte e quatro) horas
após o decurso do prazo estabelecido no caput deste artigo, a não realização de audiência
de custódia sem motivação idônea ensejará também a ilegalidade da prisão, a ser
relaxada pela autoridade competente, sem prejuízo da possibilidade de imediata
decretação de prisão preventiva.
Note-se que a prisão será considerada ilegal quando se mantiver por
prazo superior a 48 (quarenta e oito) horas sem que tenha havido a audiência de
custódia. Como se sabe, prisão ilegal deverá ser imediatamente relaxada.

125
estácio Luiz & pedrotenório

Ressalte-se, por fim, que o PAC foi cauteloso ao tratar do relaxamento da


prisão que se mantém excedendo o prazo para realização da audiência de
custódia, pois previu que a prisão preventiva pode ser imediatamente
decretada, o que já gera outro título prisional a ser enfrentado com base em
nova argumentação, ou seja, na desproporção da segregação cautelar nos
termos dos arts. 282, 311, 312, 313 do Código de Processo Penal.

12 DA SISTEMÁTICA DA PRISÃO PREVENTIVA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 311. Em qualquer fase da Art. 311. Em qualquer fase da
investigação policial ou do processo investigação policial ou do processo
penal, caberá a prisão preventiva penal, caberá a prisão preventiva
decretada pelo juiz, de ofício, se no decretada pelo juiz, a requerimento do
curso da ação penal, ou a Ministério Público, do querelante ou
requerimento do Ministério Público, do assistente, ou por representação da
do querelante ou do assistente, ou por autoridade policial.
representação da autoridade policial. Art. 312. A prisão preventiva poderá
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei
para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da
penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente
existência do crime e indício suficiente de autoria e de perigo gerado pelo
de autoria. estado de liberdade do imputado.
Parágrafo único. A prisão preventiva §1º. A prisão preventiva também
também poderá ser decretada em caso poderá ser decretada em caso de
de descumprimento de qualquer das descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de obrigações impostas por força de
outras medidas cautelares. outras medidas cautelares.
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste §2º. A decisão que decretar a prisão
Código, será admitida a decretação da preventiva deve ser motivada e
prisão preventiva: fundamentada em receio de perigo e
I - nos crimes dolosos punidos com existência concreta de fatos novos ou
pena privativa de liberdade máxima contemporâneos que justifiquem a
superior a 4 (quatro) anos; aplicação da medida adotada.
II - se tiver sido condenado por outro Art. 313. Nos termos do art. 312 deste
crime doloso, em sentença transitada Código, será admitida a decretação da
em julgado, ressalvado o disposto no prisão preventiva:
inciso I do caput do art. 64 do Decreto- I - nos crimes dolosos punidos com
Lei no 2.848, de 7 de dezembro de pena privativa de liberdade máxima
1940 - Código Penal; superior a 4 (quatro) anos;

126
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

III - se o crime envolver violência II - se tiver sido condenado por outro


doméstica e familiar contra a mulher, crime doloso, em sentença transitada
criança, adolescente, idoso, enfermo em julgado, ressalvado o disposto no
ou pessoa com deficiência, para inciso I do caput do art. 64 do Decreto-
garantir a execução das medidas Lei no 2.848, de 7 de dezembro de
protetivas de urgência. 1940 - Código Penal;
Parágrafo único. Também será III - se o crime envolver violência
admitida a prisão preventiva quando doméstica e familiar contra a mulher,
houver dúvida sobre a identidade criança, adolescente, idoso, enfermo
civil da pessoa ou quando esta não ou pessoa com deficiência, para
fornecer elementos suficientes para garantir a execução das medidas
esclarecê-la, devendo o preso ser protetivas de urgência.
colocado imediatamente em liberdade §1º. Também será admitida a prisão
após a identificação, salvo se outra preventiva quando houver dúvida
hipótese recomendar a manutenção da sobre a identidade civil da pessoa ou
medida. quando esta não fornecer elementos
Art. 314. A prisão preventiva em suficientes para esclarecê-la, devendo
nenhum caso será decretada se o juiz o preso ser colocado imediatamente
verificar pelas provas constantes dos em liberdade após a identificação,
autos ter o agente praticado o fato nas salvo se outra hipótese recomendar a
condições previstas nos incisos I, II e manutenção da medida.
III do caput do art. 23 do Decreto-Lei §2º. Não será admitida a decretação
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - da prisão preventiva com a finalidade
Código Penal. de antecipação de cumprimento de
Art. 315. A decisão que decretar, pena ou como decorrência imediata
substituir ou denegar a prisão de investigação criminal ou da
preventiva será sempre motivada. apresentação ou recebimento de
Art. 316. O juiz poderá revogar a denúncia.
prisão preventiva se, no correr do Art. 314. A prisão preventiva em
processo, verificar a falta de motivo nenhum caso será decretada se o juiz
para que subsista, bem como de novo verificar pelas provas constantes dos
decretá-la, se sobrevierem razões que autos ter o agente praticado o fato nas
a justifiquem. condições previstas nos incisos I, II e
III do caput do art. 23 do Decreto-Lei
no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 -
Código Penal.
Art. 315. A decisão que decretar,
substituir ou denegar a prisão
preventiva será sempre motivada e
fundamentada.
§1º. Na motivação da decretação da
prisão preventiva ou de qualquer
outra cautelar, o juiz deverá indicar
concretamente a existência de fatos
novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida

127
estácio Luiz & pedrotenório

adotada.
§2º. Não se considera fundamentada
qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão,
que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução
ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no
caso;
III - invocar motivos que se
prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV - não enfrentar todos os
argumentos deduzidos no processo
capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento
se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar
a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do
entendimento.
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a
pedido das partes, revogar a prisão
preventiva se, no correr da
investigação ou do processo, verificar
a falta de motivo para que ela
subsista, bem como novamente
decretá-la, se sobrevierem razões que
a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão
preventiva, deverá o órgão emissor da
decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão
ilegal.

128
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

12.1 JUIZ NÃO PODE DECRETAR PRISÃO PREVENTIVA EX OFFICIO,


NEM MESMO DURANTE O CURSO DO PROCESSO (ART. 311)
Seguindo, uma vez mais o espírito do PAC, com a nova redação do art.
311, CPP, o juiz deve ser provocado para decretar a prisão preventiva do réu.
Jamais, com a nova sistemática, poderá decretar prisão preventiva por iniciativa
própria.
Ressalte-se, apenas para fins de revisão, que o art. 20 da lei 11.340/06 (lei
Maria da Penha), permite a decretação da prisão preventiva exofficio pelo
magistrado, seja no âmbito da investigação preliminar seja já no âmbito do
processo penal. A doutrina especializada (Alice Bianchini) argumenta que essa
previsão é constitucional em razão da vulnerabilidade do sujeito passivo do
crime, qual a seja a mulher.

12.2 DOS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA E DO REFORÇO AO


CARÁTER CAUTELAR DA SEGREGAÇÃO PROCESSUAL DA
LIBERDADE (ART. 312)
O novo art. 312, caput, não traz grandes modificações textuais.
Permanecem os 4 (quatro) requisitos circunstanciais da prisão preventiva, quais
sejam a garantia da ordem pública, da ordem econômica, conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
No entanto, no final do dispositivo, a nova redação trouxe claramente o
requisito da periculum libertatis, pois previu que para a decretação da
preventiva, é necessário demonstrar o perigo gerado pela liberdade do
imputado.
É dizer, a prisão cautelar preventiva tem o escopo de proteger o bom
andamento do processo penal, daí sua vocação cautelar. Com efeito, só será
legítima a segregação do indivíduo antes do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória se, e somente se, houver indícios suficientes de que ele solto
porá em risco a ordem pública, a ordem econômica, a conveniência da instrução
criminal ou a aplicação da lei penal.

129
estácio Luiz & pedrotenório

Deixando para trás o art. 312, caput, vê-se a introdução de 2 (dois)


parágrafos ao art. 312. O primeiro é tão somente uma cópia do antigo parágrafo
único, vejamos: §1º. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de
descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas
cautelares.
Já o segundo, prevê o requisito da contemporaneidade do perigo da
liberdade do réu para o bom andamento do processo. Em outras palavras, antes
do PAC não era raro ver prisões preventivas decretadas por fatos pretéritos ou
por circunstâncias indiciárias não relacionadas com o momento da decretação
da preventiva.
O art. 312, §2º, veio para regular essa questão nos seguintes termos: a
decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de
perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a
aplicação da medida adotada.

12.3 DAS CONDIÇÕES OBJETIVAS PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO


PREVENTIVA (ART. 313)
Como é sabido, o art. 313 do Código de Processo Penal estabelece as
condições objetivas para a decretação da prisão preventiva e deve ser somado à
argumentação fática baseada no art. 312.
É dizer, para que haja decretação legítima da prisão preventiva, o juiz
deve verificar se o caso se encaixa em uma das condições objetivas do art. 313 e
se há algum dos requisitos de cautelaridade do art. 312.
Veja esse exemplo: Acusado cometeu crime de homicídio simples, logo
pode ser alvo de prisão preventiva em razão do art. 313, I; há indícios
fortíssimos de que pretende deixar o país, logo pode ser alvo da prisão
preventiva em razão do art. 312 (garantia da aplicação da lei penal).
A mudança adveio da inserção do art. 313, §2º, que preceitua não ser
admitida a decretação da prisão preventiva com a finalidade de antecipação de
cumprimento de pena ou como decorrência imediata de investigação criminal
ou da apresentação ou recebimento de denúncia.

130
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Perceba-se que esse regramento já existia, porém de forma tácita, numa


interpretação da Constituição Federal e das próprias normas processuais
penais. Se nem mesmo na aplicação da pena, analisando as circunstâncias
judiciais, o juiz pode aumentar a pena-base em razão de inquéritos ou de ações
penais em curso (súmula 444, STJ), imagine fundamentar uma prisão cautelar.
Contudo, nota-se que nesse e em vários outros dispositivos o PAC quis
expressar claramente a ultimaratio das medidas cautelares pessoais. Quis
cristalizar, deixar concreta a obrigação do magistrado em seguir a Constituição
Federal e seus princípios fundamentais e não os seus próprios princípios.

12.4 DO DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES CAUTELARES


(ART. 315)
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 315. A decisão que decretar, Art. 315. A decisão que decretar,
substituir ou denegar a prisão substituir ou denegar a prisão
preventiva será sempre motivada. preventiva será sempre motivada e
fundamentada.
§1º. Na motivação da decretação da
prisão preventiva ou de qualquer
outra cautelar, o juiz deverá indicar
concretamente a existência de fatos
novos ou contemporâneos que
justifiquem a aplicação da medida
adotada.
§2º. Não se considera fundamentada
qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão,
que:
I - limitar-se à indicação, à reprodução
ou à paráfrase de ato normativo, sem
explicar sua relação com a causa ou a
questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos
indeterminados, sem explicar o
motivo concreto de sua incidência no
caso;
III - invocar motivos que se
prestariam a justificar qualquer outra
decisão;
IV - não enfrentar todos os

131
estácio Luiz & pedrotenório

argumentos deduzidos no processo


capazes de, em tese, infirmar a
conclusão adotada pelo julgador;
V - limitar-se a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar
seus fundamentos determinantes nem
demonstrar que o caso sob julgamento
se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de
súmula, jurisprudência ou precedente
invocado pela parte, sem demonstrar
a existência de distinção no caso em
julgamento ou a superação do
entendimento.

12.4.1 REQUISITO DA CONTEMPORANEIDADE DAS RAZÕES PARA


DECRETAÇÃO DAS MEDIDAS CAUTELARES (ART. 315, §1º)
Em relação ao dever de fundamentação da decisão cautelar, o PAC
trouxe uma mudança de extrema importância, já comentada em tópicos
anteriores, inclusive.
Trata-se da necessidade não apenas de o juiz motivar sua decisão, mas
também fundamentá-la em elementos dirigidos ao caso concreto,
individualizando estritamente a medida cautelar em relação ao acusado e as
peculiaridades fáticas e jurídicas da demanda.
Para além disso, o art. 315, §1º, trouxe um requisito novo para
legitimidade da decretação das cautelares, contudo, esse requisito já era tido
como essencial pela jurisprudência do STJ. Trata-se da contemporaneidade das
circunstâncias fáticas que devem fundamentar a medida cautelar. Vejamos:
Existe necessidade de os fatos que justificam a prisão preventiva serem
contemporâneos à decisão que a decreta, não se justificando, portanto, o decreto
prisional cautelar por fatos pretéritos que só agora vieram ao conhecimento do juiz
(STJ. HC 214921/PA, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, 17/03/2015; STJ. HC
299733/RJ, 6ª T., Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura, 09/12/2014).
Mais uma vez, andou bem o PAC, pois torna a atuação do magistrado
menos aberta e mais direcionada à cautelaridade processual, afastando-o da

132
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

tentação de prender para dar resposta à sociedade, atuando como agente


público gestor da segurança pública, que não é.15

12.4.2 VETORES PARA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS


CRIMINAIS (ART. 315, §2º)
No Código de Processo Penal, o título XII refere-se à sentença. Trata-se
de tópico bastante genérico e até mesmo breve diante da importância do tema.
A decisão criminal, porquanto limitadora dos direitos fundamentais mais caros
aos indivíduos, merecia há muito uma regulamentação mais ampla, concreta e
taxativa, objetivando limitar, dentro do razoável, a discricionariedade judicial.
Foi justamente isso que fez o art. 315, §2º do PAC, ao prever hipóteses
negativas de fundamentação, ou seja, circunstâncias em que a decisão criminal
de qualquer natureza, interlocutória, sentença ou acórdão, não será considerada
como devidamente fundamentada, vejamos:
Art. 315, §2º. Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela
interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - limitar-se à indicação, à reprodução ou à
paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua
incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra
decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em
tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - limitar-se a invocar precedente ou
enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar
que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir
enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do
entendimento.
Numa análise dialógica com o novo Código de Processo Civil, percebe-se
que o PAC reproduziu na íntegra o teor do art. 489, §1º daquele diploma. Como

15 Para aprofundar o tema ver: SOUZA, Marcelo Ferreira de. Segurança pública e prisão
preventiva no estado democrático de direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; NETTO,
Estácio Luiz. O fundamento (supra)constitucional da prisão cautelar e a necessidade de
manutenção da ordem (pública) em uma sociedade democrática. In: Criminologia e política
criminal: Perspectivas. Org. PIMENTEL, Elaine. Maceió: Edufal, 2017.

133
estácio Luiz & pedrotenório

já dito, não é recente o esforço da doutrina e dos profissionais do Direito para


garantir uma maior segurança jurídica nas decisões judiciais, sobremodo na
seara criminal.
O incômodo, para dizer o mínimo, de decisões abstratas, mal
fundamentadas e até mesmo arbitrárias, não escolhe lado afetando tanto os
jurisdicionados cíveis quanto penais. Mas, não há como comparar o nível da
necessidade de segurança jurídica de quem responde a um processo criminal
em vista de alguém que é réu em processo cível.
Mesmo com esse dado irrefutável, o CPC desde 2015 já prevê a
sistemática da fundamentação coerente, ampla e de cognição profunda. O CPP,
só agora, com o PAC!
De todo modo, que essa mudança não seja mera tinta no papel. Que ela
efetivamente constitua a ação dos juiz em suas decisões. Que eles sigam à risca
o teor do art. 315, §2º, enfrentando as teses defensivas capazes de infirmar a tese
levantada pela outra parte, de modo a refutá-las, caso entenda por caminho
diverso. Que eles não se resumam a reproduzir texto de lei ou de súmula sem
contextualizar o caso, sem dar motivos e fundamentação individualizada.

12.5 DA REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 316. O juiz poderá revogar a Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a
prisão preventiva se, no correr do pedido das partes, revogar a prisão
processo, verificar a falta de motivo preventiva se, no correr da
para que subsista, bem como de novo investigação ou do processo, verificar
decretá-la, se sobrevierem razões que a falta de motivo para que ela
a justifiquem. subsista, bem como novamente
decretá-la, se sobrevierem razões que
a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão
preventiva, deverá o órgão emissor da
decisão revisar a necessidade de sua
manutenção a cada 90 (noventa) dias,
mediante decisão fundamentada, de
ofício, sob pena de tornar a prisão
ilegal.

134
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

12.5.1 DA POSSIBILIDADE DE REVOGAÇÃO EX OFFICIO PELO JUIZ


(ART. 316, CAPUT)
O novo art. 316 é quase que uma reprodução idêntica do antigo, mas, na
prática, o PAC parece ter atentado para uma questão de suma importância: a
atividade exofficio do magistrado em revogar a prisão cautelar preventiva.
Parece bobagem, sabemos, mas na prática não é. Quem milita na seara
criminal sabe que após o pedido de revogação da preventiva por terem decaído
os motivos que a justificavam, o que mais se espera é uma decisão célere e bem
fundamentada do magistrado.
Porém, quem já fez ao menos uma vez esse requerimento baseado no
antigo 316, CPP, sabe que o primeiro movimento do juiz após recebê-lo é
ordenar a intimação do membro do Ministério Público para opinar acerca do
pedido da defesa.
Isso não apenas leva mais tempo para a tomada de decisão do juiz, como
também, a partir do parecerministerial, lastreia a decisão judicial numa espécie
de motivação aliunde. É dizer, o magistrado não raro reproduz as razões
contrárias ao pedido da defesa expostas pelo membro do MP sem enfrentar com
profundidade as teses da defesa.
Com a nova redação do art. 316, e através de interpretação sistemática
em relação ao novo art. 315, note-se que o juiz não mais precisa ouvir o MP,
podendo até mesmo decidir pela revogação da preventiva de ofício. Ademais,
se for o caso de negar o requerimento da defesa, deve enfrentar os argumentos
levantados em favor da liberdade do réu, bem como empreender um esforço
argumentativo maior para legitimar sua decisão denegatória da revogação.

12.5.2 CONTROLE PERMANENTE DA MANUTENÇÃO DA PRISÃO


PREVENTIVA (ART. 316, PARÁGRAFO ÚNICO)
O novel parágrafo único do art. 316 prevê que a cada 90 dias o
magistrado responsável pela prisão deverá realizar o controle de necessidade
da mesma, sob pena de tornar a prisão ilegal, passível de relaxamento imediato.

135
estácio Luiz & pedrotenório

Segundo os ditames do dispositivo, a decisão deve ser fundamentada e


tomada de ofício, sem necessidade de provocação das partes. Note-se de logo
que o PAC trouxe mais um instrumento de limitação da discricionariedade
judicial, bem como uma arma concreta contra o aumento das prisões cautelares
no Brasil.
Sabe-se que essa espécie de prisão é responsável por grande parte da
população carcerária. Um dos fatores, excluindo propositadamente a análise
criminológica – que não é objeto deste trabalho –, é o alto índice de decisões
cautelares não revistas, quando seus fundamentos já decaíram. O PAC, nesse
ponto, parece ter andado bem novamente.
Apenas a título de menção, é bem provável que o art. 316, parágrafo
único tenha tido sua inspiração na Resolução Conjunta nº 1 do CNJ/CNMP, em
que se exige do Poder Judiciário a monitoração efetiva da situação cautelar
dos réus a cada 1 ano. Essa monitoração aplica-se tanto à prisão preventiva
quanto às demais medidas cautelares diversas da prisão.
Logo, segundo a resolução do CNJ/CNMP, a cada 1 ano o magistrado
responsável pela decretação da medida, mais ou menos gravosa, deveria
reanalisar o caso para verificar se a medida ainda se mantém necessária,
adequada e proporcional. O prazo com PAC diminuiu para 90 (noventa) dias!

QUADRO-RESUMO DAS MEDIDAS CAUTELARES


Conceito Poder-dever do Estado-juiz de proteger, na forma da
legislação processual, a vítima, a sociedade e o próprio
trâmite do processo quando estes estão vulneráveis
diante de uma situação extrema, ocasionada ou pela
liberdade irrestrita do réu ou pela manutenção de bens
ligados crime em sua posse.
Natureza Jurídica Trata-se de tutela cautelar e não de processo cautelar,
pois as medidas não são tomadas em processo
autônomo, mas sim no processo principal.
Princípios aplicáveis Presunção de inocência; jurisdicionalidade; motivação
da decisão cautelar (ver o novo art. 315, §§1º e 2º);
proporcionalidade lato sensu.
Características das Provisoriedade; revogabilidade; substitutividade;
medidas cautelares excepcionalidade.

136
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Pressupostos para Fumus commissi delicti (materialidade do crime) +


decretação periculum libertatis (perigo da manutenção da liberdade
do réu) e/ou periculum in mora (perigo da demora).
Competência para Pelo princípio da jurisdicionalidade, somente o juiz po-
decretação das de decretar medida cautelar processual penal, porém
cautelares com o PAC, a decisão não mais pode ser tomada exoffi-
co, exigindo provocação das partes.
Necessidade de O PAC prevê a necessidade de intimação da parte con-
contraditório real e trária sempre que houver pedido de medida cautelar. O
prévio prazo para manifestação será de 5 dias. Excepciona-se a
regra quando se tratar de medida urgente ou quando o
contraditório puser em perigo a eficácia da medida.
Consequência para o O PAC trouxe vedação da atuação exofficio do juiz.
descumprimento Agora, caso haja descumprimento das cautelares diver-
injustificado das sas da prisão, a decretação da preventiva sancionatória
medidas cautelares dependerá de requerimento.
diversas da prisão
Possibilidade de O PAC trouxe expressamente a possibilidade de reno-
revogação e/ou vação exofficio pelo juiz. Note-se que para decretar (pre-
substituição das judicar a situação do réu), o juiz só age por provocação;
cautelares para revogar (beneficar a situação do réu), pode agir de
ofício.
Princípio da Agora o PAC prevê expressamente que a prisão pre-
preferibilidade ventiva é medida de última e extrema ratio, devendo o
juiz justificar a não decretação de medidas cautelares
diversas da prisão.
Controle judicial da O novo art. 310 prvê expressamente a audiência de cus-
prisão em flagrante tódia. O §2º recrudesce o tratamento em relação ao fla-
granteado reincidente ou que integra organização cri-
minosa armada ou milícia, ou que porta arma de fogo
de uso restrito. Nesses casos, deverá o juiz denegar a
liberdade provisória, com ou sem medidas cautelares.
O §3º prevê que a autoridade que deu causa injustifica-
damente a não realização da audiência de custódia res-
ponderá administrativa, civil e penalmente pela omis-
são. Por fim, o §4º prevê que o exesso injustificado do
prazo torna a prisão ilegal, passível de relaxamento,
sem prejuízo da decretação da prisão preventiva.
Prisão preventiva Além de probir a decretação da preventiva exofficio,
acrescentou-se o §2º ao art. 312, prevendo que a neces-
sidade de fundamentação baseada no caso concreto,
evitando as decisões abstratas. O art. 313 também so-
freu modificação com o acréscimo do §2º, que prevê a
não decretação da prisão preventiva com a finalidade
de antecipação de cumprimento de pena ou como de-
corrência imediata de investigação criminal ou da apre-

137
estácio Luiz & pedrotenório

sentação ou recebimento de denúncia. O art. 315 foi


amplamente modificado criando a necessidade de ex-
pressa de fundamentação analítica de toda as decisões
no processo penal (cautelar, interlocutória, definitiva).
Por fim, ao art. 316 foi acrescentado o parágrafo único
no sentido de que decretada a prisão preventiva, deve-
rá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de
sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante
decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a
prisão ilegal.

13 DAS MODIFICAÇÕES NO PROCEDIMENTO ESPECIAL DO


TRIBUNAL DO JÚRI
13.1 EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 492. Em seguida, o presidente Art. 492. Em seguida, o presidente
proferirá sentença que: proferirá sentença que:
I – no caso de condenação: I – no caso de condenação:
(...) (...)
e) mandará o acusado recolher-se ou e) mandará o acusado recolher-se ou
recomendá-lo-á à prisão em que se recomendá-lo-á à prisão em que se
encontra, se presentes os requisitos da encontra, se presentes os requisitos da
prisão preventiva. prisão preventiva, ou, no caso de
condenação a uma pena igual ou
superior a 15 (quinze) anos de
reclusão, determinará a execução
provisória das penas, com expedição
do mandado de prisão, se for o caso,
sem prejuízo do conhecimento de
recursos que vierem a ser interpostos.

Em relação ao tribunal do júri, há dois posicionamentos doutrinários e


jurisprudenciais firmes acerca da execução provisória da pena, tema que já tem
decisão recente no sentido da não possibilidade em relação ao procedimento
comum:
POSIÇÃO CONTRÁRIA À POSIÇÃO FAVORÁVEL À
EXECUÇÃO PROVISÓRIA NO JÚRI EXECUÇÃO PROVISÓRIA NO JÚRI
A execução provisória da pena ofende A execução imediata da pena no rito
o princípio da presunção de inocência, do tribunal do júri não ofende o
após a decisão dos jurados, pois a princípio da presunção da inocência,
prisão-pena somente pode ser uma vez que a decisão dos jurados é
executada após o trânsito em julgado soberana (art. 5º, XVIII, “c”, da

138
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

da decisão penal condenatória, em CF/88). Nesse sentido, somente o


observância ao disposto no art. 5º, conselho de sentença pode se
LVII, da CF/88 e no art. 283 do debruçar sobre a matéria fática
Código de Processo Penal. Além do relativa aos crimes dolosos contra a
mais, o recurso de apelação possui vida. O princípio da presunção da
efeito suspensivo (STF. HC inocência não é absoluto e perde peso
136223/PR, 2ª T., Rel. Min. Edson normativo, no caso concreto após a
Fachin, red. p/ ac. Min. Dias Toffoli, decisão soberana dos jurados (STF.
25/04/2017; STJ. HC 438088/RS, 5ª T., HC 140449/RJ, 1ª T., Rel. Min. Marco
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Aurélio, red. p/ ac. Min. Roberto
24/05/2018) Barroso, 06/11/2018; STF. HC ED
118770/SP, 1ª T., Rel. Min. Marco
Aurélio, red. p/ ac. Min. Roberto
Barroso, julgado em 04/06/2018)
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal voltará a discutir a execução
provisória da pena no procedimento especial do júri em sede do Recurso
Extraordinário n. 1235340/SC, cujo julgamento pelo plenário está marcado
para o dia 12/02/2020

A nova redação do art. 492, I, “e”, prevê a obrigatoriedade de o juiz, ao


proferir sentença superior igual ou superior a 15 anos de reclusão16 determinar
a execução provisória das penas, sem prejuízo de conhecer eventual recurso.
O quantum escolhido decorreu de decisão de política criminal. No caso, o
legislador tomou o cuidado de estabelecer uma quantidade que permite a
aplicação do regime fechado e a espécie adequada que comporta tal regime, a
reclusão.
Tema polêmico, como já se mencionou, mas que o PAC preferiu
regulamentar, tentando dar uma força ao posicionamento doutrinário e
jurisprudencial favorável.
Com a nova decisão do STF em sede de ADC fixando o entendimento de
que não é possível executar provisoriamente a pena privativa de liberdade, não
se sabe como será tratado esse dispositivo pelo próprio Supremo. Aguardemos.

13.1.1 AINDA ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A EXECUÇÃO


PROVISÓRIA DA PENA NO RITO DO JÚRI

16 É
preciso atentar para questões que tentem induzir a erro, modificando a quantidade de pena,
suprimindo a expressão “igual”, ou mesmo trocando a reclusão por detenção.

139
estácio Luiz & pedrotenório

A) SOBERANIA DOS VEREDICTOS (ART. 5º, XVIII, “C”, DA CF/88)


O PAC trouxe inovação legal possibilitando de forma expressa a
execução provisória da pena no procedimento do tribunal do júri. Apesar da
nova redação legal não ter mencionado, acreditamos que a modificação tem por
base alguns argumentados já tratados pela doutrina e pelos próprios tribunais
superiores.
O principal argumento jurídico para permissão da execução provisória
da pena no júri é o princípio da soberania dos veredictos, com previsão legal no
art. 5º, XVIII, “c”, da CF/88. A soberania dos veredictos direciona-se ao mérito
do julgamento referente aos crimes dolosos contra a vida e a outros que por
ventura venham a ser submetidos à competência dos jurados.
Os juízes togados, ou mesmo os magistrados dos tribunais superiores,
não podem substituir o Conselho de Sentença na análise fática da matéria da
competência do tribunal do júri. É verdade que a soberania dos veredictos não
implica na irrecorribilidade e definitividade das decisões dos jurados, conforme
leciona Renato Brasileiro17:
Essa impossibilidade de revisão do mérito das decisões do júri, todavia, não afasta
a recorribilidade de suas decisões, sendo plenamente possível que o Tribunal determine a
cassação de tal decisum para que o acusado seja submetido a novo julgamento perante o
Tribunal do Júri (CPP, art. 593, III, “d” e §3º).

B) INEXISTÊNCIA DO DIREITO ABSOLUTO À PRESUNÇÃO DE


INOCÊNCIA
Ademais, um outro argumento que pode ser desenvolvido refere-se à
inexistência de direitos e garantias fundamentais absolutos. O princípio da
presunção da inocência, pela natureza de princípio, pode ser relativizado em
face de outros valores constitucionais, a exemplo da soberania dos veredictos.
É de cediço que os princípios, na visão de Robert Alexy, são mandados
de otimização que são satisfeitos dentro das possibilidades jurídicas e fáticas.
No caso concreto, tem-se a presunção de inocência com o peso normativo

17BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodvim, 2016.


140
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

reduzido em razão da decisão, pautada no princípio da soberania dos


veredictos, reconhecendo, por elementos fáticos e jurídicos, a culpabilidade do
acusado e, por consequência, condenando-o.
O próprio nome do princípio traz consigo a semântica da presunção!
Sendo assim, presume-se inocente o investigado ou acusado até que se tenha
provas de sua autoria ou participação no crime alvo do processo.

C) A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO JÚRI COMO


INSTRUMENTO DE POLÍTICA CRIMINAL
Por fim, surge ainda um argumento de política criminal, de ordem mais
pragmática, no sentido de que o sistema recursal brasileiro, cuja configuração,
aliada à morosidade judiciária, é uma máquina de gerar impunidade e justiça
tardia, injustiça para quem é vítima.
O fato é que não nos parece irrazoável a inovação. Estamos diante de um
crime contra a vida, doloso, tentado ou consumado. O réu já passou pela
primeira fase do procedimento. Já foram verificados a prova da materialidade e
os indícios suficientes de autoria. Os juízes leigos já reconheceram a
culpabilidade do réu.
Não sendo isso o bastante, a dosimetria da pena ficou em patamar igual
ou superior a 15 anos, ou seja, metade do tempo máximo de pena outrora
previsto no Código Penal e agora também modificado pelo PAC para 40 anos.
É dizer, tem-se fato de extrema gravidade, submetido ao contraditório e à
ampla defesa, comprovado e sentenciado a pena em alto patamar. Não se
executar imediatamente essa sentença é apostar no caos social, em que a vítima
ou sua família sai do plenário do júri pela mesma porta do criminoso.
Onde é que se faz justiça assim no mundo? Qual o sistema que permite
essa prerrogativa ao criminoso? E a pergunta crucial: se há algum país que
funcione nesses termos é exemplo de eficácia em seu sistema de justiça
criminal?
Ao contrário, nos parece que os países que serve de standards ao sistema
de justiça criminal brasileiro tem postura diversa, sobretudo no sentido de que

141
estácio Luiz & pedrotenório

a interpretação das normas jurídicas deve levar em conta, também, a realidade


para qual foram editadas. Não é sem razão que países como Alemanha,
Argentina, Inglaterra, Espanha, Estados Unidos, entre outros, permitem a
execução provisória após a decisão condenatória de primeiro grau.

13.2 HIPÓTESE DE NÃO EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO RITO


DO TRIBUNAL DO JÚRI
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 492.§3º. O presidente poderá,
excepcionalmente, deixar de autorizar
a execução provisória das penas de
que trata a alínea e do inciso I do
caput deste artigo, se houver questão
substancial cuja resolução pelo
tribunal ao qual competir o
julgamento possa plausivelmente
levar à revisão da condenação.

O PAC trouxe também, com base no princípio da proporcionalidade lato


sensu, situações nas quais a execução provisória da pena no júri poderá deixar
de ser aplicada, por meio da decisão do juiz-presidente ou por meio da
concessão de efeito suspensivo ao recurso de apelação pelo relator. O efeito
suspensivo da apelação também sofreu algumas alterações dentro da
sistemática do júri.
O fundamento do afastamento será a existência de questão substancial
capaz de levar o tribunal à revisão da condenação exarada pelo Conselho de
Sentença. Por substancial, a nosso ver, deve-se entender a questão relativa às
decisões dos jurados que foram manifestamente contrárias às provas dos autos,
situação que enseja apelação, conforme o art. 593, inciso III, alínea “d”, do CPP,
in verbis:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: (...) III – das decisões do
Tribunal do Júri, quando: a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia; b) for a sentença do
juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados; c) houver erro ou
injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança; d) for a decisão dos
jurados manifestamente contrária à prova dos autos.
142
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Acreditamos o juiz-presidente não poderá fundamentar o afastamento da


execução provisória nos casos das alíneas “a”, “b” e “c”. Isso porque, na
situação de nulidade posterior à pronuncia, deverá agir nos termos do art. 497,
inciso XI, do CPP (determinar, de ofício ou a requerimento das partes ou de qualquer
jurado, as diligências destinadas a sanar nulidade ou a suprir falta que prejudique o
esclarecimento da verdade). Por outro lado, nos casos da alínea “b” e “c”, seria
comportamento contraditório.
Assim, a questão substancial é extraída das situações nas quais o juiz-
presidente verificar que a conclusão do Conselho de Sentença foi contrária aos
elementos probatórios dos autos. Trata-se, assim, de uma análise casuística que
exige a fundamentação do magistrado na decisão de afastamento da execução
provisória da pena. Acerca da decisão contrária à prova dos autos, Renato
Brasileiro18 define que:
A decisão manifestamente contrária à prova dos autos, que desafia apelação
prevista na alínea “d” do inciso III do art. 593 do CPP, pode estar relacionada tanto ao
fato principal, à autoria, às causas excludentes de ilicitude ou da culpabilidade, como
versar sobre questão secundária, como o reconhecimento de uma qualificadora, causa de
aumento ou de diminuição de pena.
Por outro lado, na lei não há palavras inúteis (deveria ser assim), não se
pode ignorar que a expressão “substancial” imprime maior gravidade às
questões suscitadas pelo juiz-presidente, não pode ele simplesmente afastar a
execução provisória da pena, com base em convicção íntima ou mesmo em
pequena divergência dos jurados em relação a dado irrelevante.
Por fim, o dispositivo exige que a possibilidade de revisão da decisão dos
jurados seja “plausível”. Com a presença de tais expressões na redação legal,
sem dúvidas, a intenção é de exigir um ônus argumentativo maior para o
afastamento da execução provisória da pena por parte do juiz-presidente. Isso
porque, no caso de condenação a pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de
reclusão, a execução provisória será a regra, e o seu afastamento exceção.

18 BRASILEIRO, Renato. Manual de Processo Penal. Salvador: Juspodvim, 2016.

143
estácio Luiz & pedrotenório

13.3. AUSÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO NA APELAÇÃO NO RITO DO


TRIBUNAL DO JÚRI
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 492.§4º. A apelação interposta
contra decisão condenatória do
Tribunal do Júri a uma pena igual ou
superior a 15 (quinze) anos de
reclusão não terá efeito suspensivo.

Em caso de sentença condenatória, a apelação criminal terá, em regra, o


efeito suspensivo, isto é, a capacidade de suspender a execução da pena. Isso se
dá em razão do princípio da presunção de inocência, na medida em que o
condenado, até o trânsito em julgado, deve ser considerado presumidamente
inocente.
Nota-se, portanto, que a regra é o efeito suspensivo da apelação utilizada
em face de sentença condenatória por força do art. 597 do CPP. As hipóteses de
ausência de efeito suspensivo são excepcionais nas sentenças condenatórias.
Com o advento do PAC, o procedimento especial do Tribunal do Júri
ganhou uma hipótese excepcional na qual a apelação não terá efeito suspensivo.
A ausência de efeito suspensivo se dará quando a apelação for interposta contra
sentença que aplicou pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão.
Importante frisar que nas condenações do júri a pena inferior a 15
(quinze) anos, o recurso de apelação terá efeito suspensivo. Assim, nos casos de
condenação a pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, a regra é
que apelação não tenha efeito suspensivo.

13.4 HIPÓTESE EXCEPCIONAL DE CONCESSÃO DE EFEITO


SUSPENSIVO À CONDENAÇÃO IGUAL OU SUPERIOR A 15 ANOS
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 492. §5º. Excepcionalmente,
poderá o tribunal atribuir efeito
suspensivo à apelação de que trata o
§4º deste artigo, quando verificado
cumulativamente que o recurso:
I – não tem propósito meramente

144
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

protelatório; e
II – levanta questão substancial e que
pode resultar em absolvição, anulação
da sentença, novo julgamento ou
redução da pena para patamar
inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.

Nesta hipótese excepcional de concessão de efeito suspensivo, o órgão


concedente será o tribunal, na figura do relator, e não o juiz-presidente. Para
que haja a concessão do efeito suspensivo são necessárias cumulativamente as
seguintes condições:

a) ausência de caráter protelatório do recurso: protelatório é o recurso


que é utilizado em claro abuso direito de recorrer (jus sperniandi), trazendo
argumentos não aplicáveis ao caso concreto, sem debater provas ou tese
jurídicas que possam infirmar a decisão combatida; e

b) Arguição de questão substancial que possa resultar em absolvição,


anulação da sentença; novo julgamento; redução da pena para patamar inferior
a 15 (quinze) anos de reclusão.

Ausente o caráter protelatório e presente a arguição de questão


substancial relevante, o tribunal, por meio do relator, poderá conceder o efeito
suspensivo, suspendendo, assim, a execução provisória da pena de reclusão
igual ou superior a 15 (quinze) anos.

13.5 INCIDENTALIDADE OU CARÁTER PETITÓRIO DO


REQUERIMENTO DE EFEITO SUSPENSIVO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 492. §6º. O pedido de concessão
de efeito suspensivo poderá ser feito
incidentemente na apelação ou por
meio de petição em separado dirigida
diretamente ao relator, instruída com
cópias da sentença condenatória, das
razões da apelação e de prova da
tempestividade, das contrarrazões e
das demais peças necessárias à
compreensão da controvérsia.

145
estácio Luiz & pedrotenório

Por fim, registre-se que, em tal hipótese, o pedido de concessão de efeito


suspensivo, poderá ser feito incidentemente na apelação ou por meio de petição
em separado dirigida diretamente ao relator, instruída com cópias da sentença
condenatória, das razões da apelação e de prova da tempestividade, das
contrarrazões e das demais peças necessárias à compreensão da controvérsia
(§6º).

13.6 ABRANGÊNCIA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA NO JÚRI


Insta salientar que a execução provisória, em caso de condenação pelo
júri a pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, a execução
provisória abrangerá não somente a pena privativa de liberdade, mas todas
aquelas que forem aplicadas pelo juiz-presidente. Isso porque a redação do art.
492, “e”, do CPP utiliza a expressão “execução provisória das penas”. Além do
mais, a argumentação jurídica que vale para a execução provisória da pena
privativa de liberdade vale para todas as espécies de sanção penal.

QUADRO-RESUMO DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO JÚRI

Execução provisória das O PAC permitiu a execução provisória das penas no


penas no rito do júri rito do júri quando a pena aplicada ao condenado
seja igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão.
Requisitos para 1) Decisão condenatória pelos jurados;
execução provisória no 2) Aplicação de pena concreta (aplicada pelo juiz-
júri presidente) igual ou superior a 15 (quinze) anos;
3) Pena seja de reclusão.
Posicionamento A execução imediata da pena no rito do tribunal do
favorável à execução júri não ofende o princípio da presunção da
provisória no Júri inocência, uma vez que a decisão dos jurados é
soberana (art. 5º, XVIII, “c”, da CF/88). Nesse
sentido, somente o conselho de sentença pode se
debruçar sobre a matéria fática relativa aos crimes
dolosos contra a vida. O princípio da presunção da
inocência não é absoluto e perde peso normativo, no
caso concreto após a decisão soberana dos jurados
(STF. HC 140449/RJ, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio,
red. p/ ac. Min. Roberto Barroso, 06/11/2018; STF.
HC ED 118770/SP, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio,
red. p/ ac. Min. Roberto Barroso, julgado em

146
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

04/06/2018)
Posicionamento A execução provisória da pena ofende o princípio da
contrário à execução presunção de inocência, após a decisão dos jurados,
pois a prisão-pena somente pode ser executada após
provisória no Júri
o trânsito em julgado da decisão penal condenatória,
em observância ao disposto no art. 5º, LVII, da
CF/88 e no art. 283 do Código de Processo Penal.
Além do mais, o recurso de apelação possui efeito
suspensivo (STF. HC 136223/PR, 2ª T., Rel. Min.
Edson Fachin, red. p/ ac. Min. Dias Toffoli,
25/04/2017; STJ. HC 438088/RS, 5ª T., Rel. Min.
Reynaldo Soares da Fonseca, 24/05/2018)
Hipóteses excepcionais 1) O juiz-presidente do tribunal do júri poderá,
de afastamento da excepcionalmente, deixar de autorizar a execução
execução provisória das provisória das penas, se houver questão substancial
penas no júri cuja resolução pelo tribunal ao qual competir o
julgamento possa plausivelmente levar à revisão da
condenação;
2) Excepcionalmente, poderá o tribunal atribuir
efeito suspensivo à apelação, quando verificado
cumulativamente que o recurso:
I – não tem propósito meramente protelatório; e
II – levanta questão substancial e que pode resultar
em absolvição, anulação da sentença, novo
julgamento ou redução da pena para patamar
inferior a 15 (quinze) anos de reclusão.
Efeito suspensivo do 1) Regra: tem efeito suspensivo;
recurso de apelação no 2) Exceção: não terá efeito suspensivo quando a
rito do júri contra condenação for a pena de reclusão igual ou superior
decisão condenatória a 15 (quinzes) anos;
Observação: o efeito suspensivo, neste último caso,
poderá ser concedido pelo tribunal se o recurso não
for meramente protelatório e levantar questão
substancial que pode resultar em absolvição,
anulação da sentença, novo julgamento ou redução
da pena para patamar inferior a 15 (quinze) anos de
reclusão.
Abrangência da Abrange a pena privativa de liberdade de reclusão igual
execução provisória das ou superior a 15 (quinze) anos e as demais aplicadas
penas no rito do júri conjuntamente. Isso porque o legislador utilizou a
expressão execução provisória “das penas” (no plural).

147
estácio Luiz & pedrotenório

14 DAS NULIDADES
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 564. A nulidade ocorrerá nos
seguintes casos: V - em decorrência de
decisão carente de fundamentação.

Aqui a modificação é pura e simplesmente um consectário lógico das


demais modificações no Processo Penal, desde a instituição expressa do sistema

acusatório (art. 3º-A) até nova sistemática da fundamentação das decisões


criminais (art. 315, §2º). Portanto, será nula e deverá ser refeita a decisão judicial
carente de fundamentação nos termos do art. 315, §2º.
Por fim, a própria Constituição prevê em seu art. 93, inciso IX, todos os
julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados
atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse
público à informação.

15 DO SISTEMA RECURSAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 581. Caberá recurso, no sentido
estrito, da decisão, despacho ou
sentença:
XXV - que recusar homologação à
proposta de acordo de não persecução
penal, previsto no art. 28-A desta Lei.
Art. 638. O recurso extraordinário será Art. 638. O recurso extraordinário e o
processado e julgado no Supremo recurso especial serão processados e
Tribunal Federal na forma julgados no Supremo Tribunal Federal
estabelecida pelo respectivo e no Superior Tribunal de Justiça na
regimento interno. forma estabelecida por leis especiais,
pela lei processual civil e pelos
respectivos regimentos internos.

148
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

15.1 DA NOVA HIPÓTESE DE RESE


O PAC previu uma nova hipótese de Recurso em Sentido Estrito
justamente em razão da decisão interlocutória que recusa homologação ao
acordo de não persecução penal, conforme apontado nos comentários deste
instituto.
A modificação andou e seguiu a lógica recursal, já que tal decisão não se
apresenta como sentença nem como decisão definitiva ou com força de
definitiva, o que levaria o recurso no sentido da apelação (art. 593, CPP).

15.2 DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO


Aqui a modificação do PAC foi no sentido de que os recursos que
tramitam nos tribunais superiores, STF e STJ, sejam regidos prioritariamente
pelas leis especiais que disciplinam a matéria, pelo Código de Processo Civil e
pelos regimentos internos das casas.
Ou seja, tem-se uma ordem prioritária de regulação do procedimento:
primeiro as leis especiais; depois o CPC, por fim e naquilo que estes outros
diplomas forem omissos, os regimentos internos.

149
estácio Luiz & pedrotenório

CAPÍTULO 4 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
DE EXECUÇÕES PENAIS
(LEP) COMENTADAS

150
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1 DA IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL GENÉTICO DO CONDENADO PELA


PRÁTICA DE CRIME DOLOSO COM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA
À PESSOA OU POR CRIME HEDIONDO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 9º-A. Os condenados por crime Art. 9º-A. Os condenados por crime
praticado, dolosamente, com violência de praticado, dolosamente, com violência de
natureza grave contra pessoa, ou por natureza grave contra pessoa, ou por
qualquer dos crimes previstos no art. 1º qualquer dos crimes previstos no art. 1º
da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990,
serão submetidos, obrigatoriamente, à serão submetidos, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético, mediante identificação do perfil genético, mediante
extração de DNA - ácido extração de DNA - ácido
desoxirribonucleico, por técnica desoxirribonucleico, por técnica
adequada e indolor. adequada e indolor. (mantido)
§1º. A identificação do perfil genético §1º. A identificação do perfil genético
será armazenada em banco de dados será armazenada em banco de dados
sigiloso, conforme regulamento a ser sigiloso, conforme regulamento a ser
expedido pelo Poder Executivo. expedido pelo Poder Executivo.
§2º. A autoridade policial, federal ou (mantido)
estadual, poderá requerer ao juiz §1º-A. A regulamentação deverá fazer
competente, no caso de inquérito constar garantias mínimas de proteção de
instaurado, o acesso ao banco de dados dados genéticos, observando as melhores
de identificação de perfil genético. práticas da genética forense.
§2º. A autoridade policial, federal ou
estadual, poderá requerer ao juiz
competente, no caso de inquérito
instaurado, o acesso ao banco de dados
de identificação de perfil genético.
§3º. Deve ser viabilizado ao titular de
dados genéticos o acesso aos seus dados
constantes nos bancos de perfis genéticos,
bem como a todos os documentos da
cadeia de custódia que gerou esse dado,
de maneira que possa ser contraditado
pela defesa.
§4º. O condenado pelos crimes previstos
no caput deste artigo que não tiver sido
submetido à identificação do perfil
genético por ocasião do ingresso no
estabelecimento prisional deverá ser
submetido ao procedimento durante o
cumprimento da pena.
§8º. Constitui falta grave a recusa do
condenado em submeter-se ao
procedimento de identificação do perfil
genético.

151
estácio Luiz & pedrotenório

1.1 DA PROTEÇÃO AOS DADOS GENÉTICOS DO CONDENADO E DA


GARANTIA DE ACESSO A ESSES DADOS
Como se percebe, o PAC acrescentou os parágrafos 1ª-A, 3ª e 4º ao art. 9º-
A, que trata da identificação genética do condenado. Note-se que os outros
dispositivos não foram alterados.
As modificações são pontuais e buscam de um lado garantir os direitos
fundamentais do condenado, a exemplo dos §1º-A e §3º, que preveem,
respectivamente, a proteção dos dados genéticos do condenado e seu direito de
acessar esses dados e também a todos os documentos que compõem a cadeia de
custódia geradora dos dados.

1.2 DA REGRA DE EFICÁCIA DA PERSECUÇÃO CRIMINAL E


PROTEÇÃO À SOCIEDADE
Já o novo §4º prevê uma regra de eficiência na persecução criminal e,
como não poderia ser diferente, de proteção à sociedade. Trata-se de previsão
de que os condenados que se encaixam nos requisitos do caput do art. 9º-A e
que ainda não foram identificados geneticamente deverão sê-lo.

1.3 DA NOVA HIPÓTESE DE FALTA GRAVE


O art. 9º-A também previu em seu novo §8º a infração disciplinar
configuradora de falta grave relativa à recusa do condenado em submeter-se ao
procedimento de identificação criminal.
Para dar correta aplicação à nova previsão, o PAC também acrescentou
ao art. 50 da LEP o inciso VIII, que prevê justamente o seguinte: Comete falta
grave o condenado à pena privativa de liberdade que: VIII - recusar submeter-se ao
procedimento de identificação do perfil genético.

1.4 QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL


GENÉTICA
1.4.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS
A identificação criminal é o processo pelo qual o investigado será
identificado com o fito de individualizar aqueles que estão envolvidos no
cenário do crime para que haja certeza da autoria e efetividade das
investigações.
152
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

São espécies de identificação criminal: a) fotográfica, através de fotos


realizadas na Delegacia de Polícia, geralmente de frente e de perfil; b)
datiloscópica, através da colheita de impressões digitais; e c) genética, através
da colheita indolor de DNA.
O art. 5º, LVIII, CF, prevê que o civilmente identificado não será submetido a
identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei. Essas hipóteses estão
previstas na Lei 12.037/09, que também foi alterada pelo PAC, mas serão alvo
da tabela de leis especiais ao final deste e-book.
A lei 12.037/09 prevê os casos que o investigado mesmo civilmente
identificado deverá passar pela identificação criminal. As hipóteses cingem-se,
sobretudo, a duas circunstâncias: a) necessidade da investigação; b) dúvida
sobre a identidade civil apresentada. Vejamos:
REGULAMENTAÇÃO DA IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL NO BRASIL –
LEI 12.037/09
Art. 3º. Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer
identificação criminal quando:
I – o documento apresentar rasura ou tiver indício de falsificação;
II – o documento apresentado for insuficiente para identificar cabalmente o
indiciado;
III – o indiciado portar documentos de identidade distintos, com informações
conflitantes entre si;
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo
despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou
mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da
defesa;
V – constar de registros policiais o uso de outros nomes ou diferentes
qualificações;
VI – o estado de conservação ou a distância temporal ou da localidade da
expedição do documento apresentado impossibilite a completa identificação
dos caracteres essenciais.
Parágrafo único. As cópias dos documentos apresentados deverão ser juntadas
aos autos do inquérito, ou outra forma de investigação, ainda que consideradas
insuficientes para identificar o indiciado.
Art. 4º. Quando houver necessidade de identificação criminal, a autoridade
encarregada tomará as providências necessárias para evitar o constrangimento
do identificado.
Art. 5º. A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o
fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em
flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.
Parágrafo único. Na hipótese do inciso art. 3º, IV, a identificação criminal

153
estácio Luiz & pedrotenório

poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.


Art. 5º-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser
armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade
oficial de perícia criminal.
§1º. As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos
não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto
determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.
§2º. Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter
sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir
ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em
decisão judicial.
§3º. As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos
deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial
devidamente habilitado.

1.4.2 COLHEITA DE DADOS GENÉTICOS PARA FINS DE

IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL OU PARA FINS PROBATÓRIOS?

Como se percebe da regulamentação legislativa e em interpretação

sistemática com a Constituição Federal, não há dúvidas de que é possível a

identificação genética do cidadão justamente para fins de investigação, desde

que não haja infringência ao princípio da não autoincriminação, nos casos de

colheita invasiva e que exija conduta ativa do investigado/réu.

No caso de colheita de material genético para fins probatórios, a

doutrina e jurisprudência assentam que somente pode haver colheita de prova

quando o material genético é externo e obtido por meio não invasivo, bem

como quando a conduta do réu é passiva, aquela que não exige um fazer, ex.:

reconhecimento pessoal, colheita de fio de cabelo na cela, lixo deixado na parte externa

da residência etc.

Se o material biológico é interno e obtido por meio invasivo (fluxo

sanguíneo, cavidades corporais – bucal, anal, vaginal, auricular, nasal, etc.) a

prova deverá vir com o consentimento dele, sob pena de ilicitude.

154
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1.4.3 IDENTIFICAÇÃO DE MATERIAL GENÉTICO E LEP:


INCONSTITUCIONALIDADE FRENTE À GARANTIA A NÃO
AUTOINCRIMINAÇÃO?
Como visto, o art. 9º-A já previa desde 2012 a possibilidade dos
condenados por determinados crimes serem submetidos, obrigatoriamente, à
identificação do perfil genético.
Pela tradição do Supremo Tribunal Federal é possível esperar uma
declaração de inconstitucionalidade acerca desse dispositivo, pois além de
prever uma obrigatoriedade no fornecimento ainda inovou o PAC em constituir
a negativa voluntária como falta grave, influenciando na concessão de
benefícios penitenciários.
A nosso ver, a imposição de falta grave em nada viola o direito do
condenado, porquanto a exigência do fornecimento do material genético situa-
se no âmbito da relação jurídica formada na execução penal. Nesse sentido, é
preciso frisar que o processo criminal, neste momento, já aconteceu, tendo por
resultado uma decisão condenatória que concluiu, com base nas provas, pela
culpa do condenado. Nota-se, portanto, que a exigência não se relaciona com o
fato da condenação, mas com a necessidade de alimentação do banco de dados,
mediante a colheita do perfil genético de pessoas já condenadas.

1.4.4 COMPETÊNCIA DO DELEGADO PARA DETERMINAR A


IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL DATILOSCÓPICA E FOTOGRÁFICA NOS
TERMOS DA LEI
Mesmo o investigado estando identificado civilmente, Delegado de
Polícia, nos termos da Lei 12.037/09, poderá determinar as identificações
criminais datiloscópica e fotográfica previstas no art. 3º, I, II, III, V e VI.
Porém, no que diz respeito à a identificação do material genético do
investigado, esta somente poderá ser determinada pelo Juiz, nos termos do art.
3º, IV e 5º, parágrafo único da Lei 12.037/09. Trata-se de cláusula de reserva de
jurisdição.

155
estácio Luiz & pedrotenório

1.4.5 SUPERAÇÃO DA SÚMULA 568, STF


A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o
indiciado já tenha sido identificado civilmente. Trata-se de verbete anterior à CF/88,
portanto não recepcionado.

QUADRO-RESUMO DA COLHEITA DO PERFIL GENÉTICO

Hipóteses Em caso de condenação por crime doloso, praticado


obrigatórias de mediante violência ou grave ameaça, ou em caso de
identificação pelo crime hediondo é obrigatória a identificação do
perfil genético condenado pelo perfil genético, mediante extração do
DNA. Tal material será guardado e protegido em
banco de dados.
Negativa do Constituirá falta grave.
condenado
No âmbito da A autoridade policial, federal ou estadual, poderá
investigação a requerer ao juiz competente, no caso de inquérito
autoridade policial instaurado, o acesso ao banco de dados de
pode requerer acesso identificação de perfil genético.
ao banco de dados de
perfil genético?
Espécies de São espécies de identificação criminal:
identificação criminal a) fotográfica, através de fotos realizadas na Delegacia
de Polícia, geralmente de frente e de perfil;
b) datiloscópica, através da colheita de impressões
digitais; e
c) genética, através da colheita indolor de DNA.
Nas investigações, é Sim. Quando a identificação criminal for essencial às
possível a investigações policiais, segundo despacho da
autoridade judiciária competente, que decidirá de
identificação pelo
ofício ou mediante representação da autoridade
perfil genético policial, do Ministério Público ou da defesa.
quando não for crime
hediondo ou crime
doloso com violência
ou grave ameaça?

Identificação genética É possível a identificação genética do cidadão


para fins de justamente para fins de investigação, desde que não
investigação haja infringência ao princípio da não

156
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

autoincriminação, nos casos de colheita invasiva e que


exija conduta ativa do investigado/réu.

Colheita de material No caso de colheita de material genético para fins


genético para fins probatórios, a doutrina e jurisprudência assentam que
probatórios somente pode haver colheita de prova quando o
material genético é externo e obtido por meio não
invasivo, bem como quando a conduta do réu é
passiva, aquela que não exige um fazer, ex.:
reconhecimento pessoal, colheita de fio de cabelo na cela, lixo
deixado na parte externa da residência etc.
Se o material biológico é interno e obtido por meio
invasivo (fluxo sanguíneo, cavidades corporais –
bucal, anal, vaginal, auricular, nasal, etc.), a prova
deverá vir com o consentimento dele, sob pena de
ilicitude.

2 DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO (RDD)


2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
A) CONCEITO
Trata-se de uma sanção disciplinar ou medida cautelar, a depende do
caso, que submete o preso a um tratamento mais rigoroso e restrito, nos termos
da legislação, abrangendo o:
a) Provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, que comete durante
a execução da pena crime doloso, que constitui falta grave, quando ocasione
subversão da ordem ou disciplina internas;
b) Provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, que representa alto
risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade;
c) Provisório ou condenado, nacional ou estrangeiro, que sobre o qual
recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título,
em organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada.

B) NATUREZA JURÍDICA (SANÇÃO DISCIPLINAR OU MEDIDA


CAUTELAR)
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD) possui a natureza jurídica de
sanção disciplinar ou de medida cautelar, a depender da hipótese de incidência.

157
estácio Luiz & pedrotenório

Quando o RDD for aplicado ao preso comete de crime doloso caracterizando


falta grave que subverte a ordem ou disciplina internas, a natureza jurídica será
de sanção disciplinar.
Terá natureza jurídica de medida cautelar quando aplicada,
independente do cometimento de falta grave, ao preso: a) que representa alto
risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; ou
b) que sobre o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento ou
participação, a qualquer título, em organização criminosa, associação criminosa
ou milícia privada.

C) CONSTITUCIONALIDADE
A doutrina, com a introdução do RDD pela Lei n. 10.792/2003, passou a
discutir a constitucionalidade do instituto, formando dois posicionamentos
antagônicos, cujos argumentos serão colocados de forma resumida:
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS
(STJ)
O RDD é inconstitucional por violar, Não há ofensa à Dignidade Humana,
principalmente, o princípio da digni- pois não representa, por si só, a sub-
dade humana e impor pena cruel, ve- missão do encarcerado a padecimen-
dada constitucionalmente; tos físicos e psíquicos, impostos de
modo vexatório;
O RDD é a criação de uma quarta mo- Não representa uma quarta modali-
dalidade de regime de cumprimento dade de regime de cumprimento de
de pena; pena, pois tem natureza de sanção
disciplinar destinada a resguardar a
ordem interna do estabelecimento pri-
sional;
É produto do Direito Penal do Inimigo O RDD atende ao princípio da pro-
(GüntherJakobs), porquanto se pauta porcionalidade em seu viés proibição
nas características pessoais do indiví- da proteção deficiente. O instituto
duo (Direito Penal do autor) e não nas busca dar efetividade à crescente ne-
do fato que ele cometeu (Direito Penal cessidade de segurança nos estabele-
do fato); cimento penais, bem como resguardar
a ordem pública. É uma resposta aos
condenados que, mesmo encarcera-
dos, continuam comandando organi-
zações criminosas do interior do pre-
sídio, provocando rebeliões, fugas,
mortes de presos e de agentes do Es-

158
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

tado;
Ofende a coisa julgada, pois aplica O RDD não é uma mácula à coisa jul-
pena não prevista na sentença conde- gada ou ao princípio da segurança
natória; jurídica, eis que aplicado em relação
jurídica criada entre o Estado e o indi-
víduo no âmbito da execução penal;
Ofende a presunção de inocência, Os princípios fundamentais da CF/88
quando aplicado ao preso provisório. não são absolutos (princípio da relati-
vidade ou convivência das liberdades
públicas). A CF/88 assegura o direito
à segurança (art. 5º, caput).

D) DESTINATÁRIOS
Aplicável a presos provisórios ou definitivos, nacionais ou estrangeiros
(art. 52, caput, da LEP). Quanto a isso, o PAC não trouxe modificações.

2.2 DAS MODIFICAÇÕES TRAZIDAS PELO PAC


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 52. A prática de fato previsto co- Art. 52. A prática de fato previsto co-
mo crime doloso constitui falta grave mo crime doloso constitui falta grave
e, quando ocasione subversão da or- e, quando ocasionar subversão da or-
dem ou disciplina internas, sujeita o dem ou disciplina internas, sujeitará o
preso provisório, ou condenado, sem preso provisório, ou condenado, naci-
prejuízo da sanção penal, ao regime onal ou estrangeiro, sem prejuízo da
disciplinar diferenciado, com as se- sanção penal, ao regime disciplinar
guintes características: diferenciado, com as seguintes carac-
I - duração máxima de trezentos e ses- terísticas:
senta dias, sem prejuízo de repetição I - duração máxima de até 2 (dois)
da sanção por nova falta grave de anos, sem prejuízo de repetição da
mesma espécie, até o limite de um sanção por nova falta grave de mesma
sexto da pena aplicada; espécie;
II - recolhimento em cela individual; II - recolhimento em cela individual;
III - visitas semanais de duas pessoas, III - visitas quinzenais, de 2 (duas)
sem contar as crianças, com duração pessoas por vez, a serem realizadas
de duas horas; em instalações equipadas para impe-
IV - o preso terá direito à saída da cela dir o contato físico e a passagem de
por 2 horas diárias para banho de sol. objetos, por pessoa da família ou, no
§1º. O regime disciplinar diferenciado caso de terceiro, autorizado judicial-
também poderá abrigar presos provi- mente, com duração de 2 (duas) horas;
sórios ou condenados, nacionais ou IV - direito do preso à saída da cela
estrangeiros, que apresentem alto ris- por 2 (duas) horas diárias para banho
co para a ordem e a segurança do es- de sol, em grupos de até 4 (quatro)
tabelecimento penal ou da sociedade. presos, desde que não haja contato

159
estácio Luiz & pedrotenório

§2º. Estará igualmente sujeito ao re- com presos do mesmo grupo crimino-
gime disciplinar diferenciado o preso so;
provisório ou o condenado sob o qual V - entrevistas sempre monitoradas,
recaiam fundadas suspeitas de envol- exceto aquelas com seu defensor, em
vimento ou participação, a qualquer instalações equipadas para impedir o
título, em organizações criminosas, contato físico e a passagem de objetos,
quadrilha ou bando. salvo expressa autorização judicial em
contrário;
VI - fiscalização do conteúdo da cor-
respondência;
VII - participação em audiências judi-
ciais preferencialmente por videocon-
ferência, garantindo-se a participação
do defensor no mesmo ambiente do
preso.
§1º. O regime disciplinar diferenciado
também será aplicado aos presos pro-
visórios ou condenados, nacionais ou
estrangeiros:
I - que apresentem alto risco para a
ordem e a segurança do estabeleci-
mento penal ou da sociedade;
II - sob os quais recaiam fundadas
suspeitas de envolvimento ou partici-
pação, a qualquer título, em organiza-
ção criminosa, associação criminosa
ou milícia privada, independentemen-
te da prática de falta grave.
§2º. (Revogado).
§3º. Existindo indícios de que o preso
exerce liderança em organização cri-
minosa, associação criminosa ou milí-
cia privada, ou que tenha atuação
criminosa em 2 (dois) ou mais Estados
da Federação, o regime disciplinar
diferenciado será obrigatoriamente
cumprido em estabelecimento prisio-
nal federal.
§4º. Na hipótese dos parágrafos ante-
riores, o regime disciplinar diferenci-
ado poderá ser prorrogado sucessi-
vamente, por períodos de 1 (um) ano,
existindo indícios de que o preso:
I - continua apresentando alto risco
para a ordem e a segurança do estabe-
lecimento penal de origem ou da soci-

160
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

edade;
II - mantém os vínculos com organi-
zação criminosa, associação criminosa
ou milícia privada, considerados tam-
bém o perfil criminal e a função de-
sempenhada por ele no grupo crimi-
noso, a operação duradoura do grupo,
a superveniência de novos processos
criminais e os resultados do tratamen-
to penitenciário.
§5º. Na hipótese prevista no §3º deste
artigo, o regime disciplinar diferenci-
ado deverá contar com alta segurança
interna e externa, principalmente no
que diz respeito à necessidade de se
evitar contato do preso com membros
de sua organização criminosa, associ-
ação criminosa ou milícia privada, ou
de grupos rivais.
§6º. A visita de que trata o inciso III
do caput deste artigo será gravada em
sistema de áudio ou de áudio e vídeo
e, com autorização judicial, fiscalizada
por agente penitenciário.
§7º. Após os primeiros 6 (seis) meses
de regime disciplinar diferenciado, o
preso que não receber a visita de que
trata o inciso III do caput deste artigo
poderá, após prévio agendamento, ter
contato telefônico, que será gravado,
com uma pessoa da família, 2 (duas)
vezes por mês e por 10 (dez) minutos.

2.2.1 COMETIMENTO DE CRIME DOLOSO (FALTA GRAVE) QUE CAUSA

SUBVERSÃO DA ORDEM OU DISCIPLINA INTERNAS (ART. 52, CAPUT,

DA LEP)

Tal hipótese de aplicação do RDD está prevista no caput do artigo 52 da

LEP, com a redação dada pelo PAC. Importante mencionar que a aplicação do

instituto na hipótese de cometimento de crime doloso (falta grave) que causa

subversão da ordem ou disciplina já existia na redação anterior.

161
estácio Luiz & pedrotenório

Nesse caso, a aplicação do RDD tem como pressuposto o cometimento de

fato que configure crime doloso, o que, na execução penal, configura falta

grave. Por isso é que, nesta hipótese, terá natureza jurídica de sanção disciplinar

(consequência do cometimento de falta grave).

É preciso frisar que o simples cometimento de crime doloso não é

suficiente para a aplicação do RDD neste caso, pois o comportamento do preso

deverá causar a subversão da ordem ou disciplina internas.

A subversão é um substantivo feminino que denota insubordinação. O

ato de subverter é aquele que gera transtornos, desordem. Como se sabe, a

execução penal, no âmbito dos estabelecimentos prisionais, deve se desenvolver

com respeito aos direitos do preso, o qual, por sua vez, possui deveres previstos

no art. 38 e 39 da LEP.

Subverter a ordem ou disciplina internas se dá quando o preso gera

quebra da harmonia interna, gerando transtornos, descumprindo os seus

deveres. Exemplos: iniciar motim, rebeliões, instigar briga entre facções,

cometer crimes sexuais, distribuir drogas entre os detentos.

É de se lembrar que a aplicação de sanção disciplinar depende de

processo administrativo prévio, nos termos da súmula 533 do STJ: “Para o

reconhecimento da prática de falta disciplinar no âmbito da execução penal, é

imprescindível a instauração de procedimento administrativo pelo diretor do

estabelecimento prisional, assegurado o direito de defesa, a ser realizado por

advogado constituído ou defensor público nomeado”.

Quanto ao procedimento para aplicação do RDD, o artigo 54 da LEP traz

a seguinte sequência: 1) Requerimento circunstanciado elaborado pelo diretor

do estabelecimento ou outra autoridade administrativa dirigido ao Juiz da

Execução Penal; 2) Manifestação do Ministério Público; 3) Manifestação da

defesa; 4) Decisão judicial, a ser prolatada no prazo máximo de 15 (quinze) dias.

162
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Por outro lado, a aplicação de sanção disciplinar pela prática de crime


doloso que configura falta grave não exigirá o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória, vejamos a súmula 526:O reconhecimento de falta grave
decorrente do cometimento de fato definido como crime doloso no cumprimento da pena
prescinde do trânsito em julgado de sentença penal condenatória no processo penal
instaurado para apuração do fato.

2.2.2 APLICAÇÃO A PRESO QUE REPRESENTA ALTO RISCO PARA A


ORDEM E A SEGURANÇA DO ESTABELECIMENTO PENAL OU DA
SOCIEDADE (ART. 52, §1º, INCISO I, DA LEP)
Trata-se de uma hipótese na qual o RDD funcionará como uma medida
cautelar. Isso porque, neste caso, não se faz necessária a prática de falta grave,
como na hipótese anteriormente comentada.
A medida cautelar destina-se a prevenir, conservar ou defender direitos.
A incidência do RDD tem por objetivo garantir a ordem e a segurança do
estabelecimento penal ou da sociedade. A hipótese já era contemplada, antes do
PAC.
A realidade demonstra que há presos que, pelo que representam dentro
da estrutura de organizações criminosas, são, por si só, um perigo, porquanto
comandam rebeliões, morte de outros presos, lideram empreitadas criminosas
dentro e fora do presídio. Por outro lado, há risco de resgate do preso por parte
de membros que se encontram de fora do estabelecimento prisional.
Na mesma linha do que foi exposto nas considerações preliminares, há
autores que defendem a inconstitucionalidade da medida, uma vez que o RDD
supostamente se baseia nas características do indivíduo e não em seu
comportamento exteriorizado. Em contraponto a tal visão, remete-se aos
argumentos já abordados na tabela.
Importante mencionar que, apesar de tal hipótese não exigir a prática de
falta grave, é salutar que haja procedimento administrativo prévio (devido
processo legal) a fim de proporcionar o contraditório e a ampla defesa.

163
estácio Luiz & pedrotenório

2.2.3 APLICAÇÃO A PRESOS SOBRE OS QUAIS RECAIAM FUNDADAS


SUSPEITAS DE ENVOLVIMENTO OU PARTICIPAÇÃO, A QUALQUER
TÍTULO, EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
OU MILÍCIA PRIVADA, INDEPENDENTEMENTE DA PRÁTICA DE
FALTA GRAVE (ART. 52, §1º, INCISO II, DA LEP)
A hipótese em comento é semelhante à anterior, pois o envolve a
aplicação do RDD como medida cautelar. Por isso, é desnecessária a prática de
falta grave, bastando que sobre o preso recaiam fundadas suspeitas de
envolvimento ou participação em organização criminosa, associação criminosa
ou milícia privada, independentemente da prática de falta grave.
Registre-se que a participação em tais grupos criminosos pode ser a
qualquer título. Não se exige que o sujeito exerça função no mais alto escalão,
como o líder ou braço direito.
Antes do PAC, a LEP já previa aplicação do RDD em tais casos, sendo
que a redação antiga quedou em desatualização (mencionava organização
criminosa, quadrilha ou bando). A nova redação atualizou mantendo as
organizações criminosas, inovando ao trazer as associações criminosas e as
milícias privadas. Um outro ponto inovador reside na parte final, onde o
legislador frisa a natureza cautelar do RDD na hipótese, por meio da expressão
“independentemente do cometimento de falta grave”.
As suspeitas de envolvimento ou participação do preso, a qualquer tipo,
deve ser “fundada”. Na doutrina, o significado da expressão “fundada
suspeita”, apesar de críticas, pode ser condensado na necessidade de que a
autoridade praticante do ato se paute em critérios objetos, mais palpáveis do
que impressões subjetivas.
Acerca do tema, o STF já decidiu que “a fundada suspeita prevista no art.
244 do CPP não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos exigindo
elementos concretos que indiquem a necessidade de revista, em face do
constrangimento que causa. Ausência, no caso de elementos dessa natureza,
que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um
blusão suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas

164
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de


abuso de poder” (STF. HC 81305/GO, 1ª T., Rel. Min. Ilmar Galvão,
13/11/2001).
Nota-se, portanto, que a autoridade judicial, ao aplicar o RDD ao preso
que tenha envolvimento ou participação naqueles grupos criminosos terá que
pautar-se em elementos objetivos.
A fundada suspeita poderá ter lastro em dados oriundos da investigação
preliminar, processual ou mesmo naqueles reunidos no interior do
estabelecimento prisional. Exemplo: tatuagens, prova testemunhal, informações
de intercepção telefônica, preso amplamente conhecido como integrante de
facção criminosa, etc.
Como forma de garantir o devido processo legal, é imprescindível que a
aplicação do RDD seja precedida de manifestação do Ministério Público, do
preso e de seu defensor, nos termos do art. 54 da LEP.

2.3 CUMPRIMENTO OBRIGATÓRIO EM ESTABELECIMENTO


PRISIONAL FEDERAL
Uma outra inovação do PAC foi a inclusão do §3º do art. 52, in verbis:
“Existindo indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada, ou que tenha atuação criminosa em 2
(dois) ou mais Estados da Federação, o regime disciplinar diferenciado será
obrigatoriamente cumprido em estabelecimento prisional federal”.
O dispositivo legal traz duas hipóteses nas quais o preso terá que
cumprir, obrigatoriamente, o RDD em estabelecimento prisional federal: 1)
Indícios de que o preso exerce liderança em organização criminosa ou milícia
privada; 2) Indícios de que o preso tem atuação criminosa em 2 (dois) ou mais
Estados da Federação.
A redação ficou um pouco confusa, pois o legislador poderia deixar mais
claro se a atuação em 2 (dois) ou mais Estados da Federação se refere aos
grupos criminosos ou ao preso. Acredita-se que a melhor interpretação é de que
se refere ao preso, pois, caso contrário, a exigência de atuação em 2 (dois) ou

165
estácio Luiz & pedrotenório

mais Estados da Federação seria inútil, bastando que o legislador exigisse


liderança nos grupos criminosos.
Frise-se que, no segundo caso de cumprimento obrigatório em
estabelecimento federal, não se exigirá a liderança do preso, basta que haja
indícios de que sua atuação se dá em 2 (dois) ou mais Estados da Federação.
Obviamente que o legislador cometeu uma atecnia ao não mencionar o
Distrito Federal. Caso haja atuação no DF e em outro Estado de Federação, o
preso será conduzido a estabelecimento federal para cumprir o RDD.
Nos dois casos, o regime disciplinar diferenciado deverá contar com alta
segurança interna e externa, principalmente no que diz respeito à necessidade
de se evitar contato do preso com membros de sua organização criminosa,
associação criminosa ou milícia privada, ou de grupos rivais (§5º).
Por fim, interessante a menção da decisão da Corte Suprema no sentido
de que “não faz jus ao benefício da progressão de regime o condenado que
esteja cumprindo pena em penitenciária federal de segurança máxima por
motivo de segurança pública ou que integre organização criminosa, pois tais
circunstâncias evidenciam a ausência dos requisitos subjetivos para a
progressão de regime prisional” (STF. HC 131649/RJ, 2ª T., Rel. Min. Cármen
Lúcia, red. p/ ac. Min. Dias Toffoli, 09/06/2016).

2.4. TEMPO DE DURAÇÃO DO RDD


Com o PAC, o tempo de duração do RDD foi modificado de forma
substancial. Antes, o tempo máximo de duração era de 360 (trezentos e
sessenta) dias, podendo ser repetido em caso de cometimento de falta grave da
mesma espécie, até o limite de um sexto da pena aplicada. Ou seja: 1) Tempo
máximo = 360 dias; 2) Repetição, se houvesse cometimento de nova falta grave
da mesma espécie; 3) Tempo limite da repetição = até 1/6 da pena aplicada.
Agora, com o advento do PAC, o prazo máximo será de 2 (dois) anos,
sem prejuízo da repetição da sanção por nova falta grave da mesma espécie.
Isto é: 1) Tempo máximo = 2 anos; 2) Repetição, se houver cometimento de nova
falta grave da mesma espécie; 3) Tempo limite da repetição = 2 anos.

166
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Em geral, pela redação do dispositivo, o RDD somente poderá ser


repetido uma vez por mais 2 (dois) anos. Contudo, há uma regra especial para
os presos caracterizados no §1º. Para estes, o regime disciplinar diferenciado
poderá ser prorrogado sucessivamente, por períodos de 1 (um) ano, existindo
indícios de que: I – continua apresentando alto risco para a ordem e a segurança
do estabelecimento penal ou da sociedade; II – mantém os vínculos com
organização criminosa, associação criminosa ou milícia privada, considerados
também o perfil criminal e a função desempenhada por ele no grupo criminoso,
a operação duradoura do grupo, a superveniência de novos processos criminais
e os resultados do tratamento penitenciário.
Nessas duas hipóteses, perceba-se que mantidas as condições que
ensejaram a aplicação do RDD (como medida cautelar), a sua duração poderá
ser prorrogada por períodos de 1 (um) ano. Note-se ainda que o legislador
utilizou o termo “sucessivas”. Apesar de não especificar limites dessas
prorrogações sucessivas, por óbvio, o limite é encontrado no tempo de
cumprimento de pena do preso.

2.5 RESTRIÇÕES PROMOVIDAS NO REGIME DISCIPLINAR


DIFERENCIADO
2.5.1 RECOLHIMENTO EM CELA INDIVIDUAL
Quanto a tal restrição, não houve mudanças. O preso será recolhido em
cela individual.

2.5.2 VISITAS QUINZENAIS, DE 2 (DUAS) PESSOAS POR VEZ, A SEREM


REALIZADAS EM INSTALAÇÕES EQUIPADAS PARA IMPEDIR O
CONTATO FÍSICO E A PASSAGEM DE OBJETOS, POR PESSOA DA
FAMÍLIA OU, NO CASO DE TERCEIRO, AUTORIZADO
JUDICIALMENTE, COM DURAÇÃO DE 2 (DUAS) HORAS
A visitação teve mudanças substanciais. As visitas não serão mais
semanais, mas quinzenais. O número de pessoas por visita será de 2 (duas) por
vez. No entanto, a nova redação, ao que tudo indica, passou a computar a

167
estácio Luiz & pedrotenório

presença de crianças.
Antes, as crianças não contavam para fins de visitação. Possivelmente, a
doutrina abordará o dispositivo pelo aspecto do direito à convivência dos filhos
com genitor(a), ainda que preso, no sentido de que o dispositivo dificultará as
visitas a presos que tem mais de um filho, já que, além de tal limitação, o
espaçamento entre uma visita e outra foi ampliado para 15 (quinze) dias.
Houve a inclusão da proibição de contato físico e passagem de objetos.
O prazo de 2 (duas) horas da visita foi mantido. Pela nova redação, familiares
não precisarão de autorização judicial para realizar visitas. Já os terceiros
necessitarão estar autorizados por decisão judicial.
A visita de familiares e/ou terceiros será gravada em sistema de áudio
ou de áudio e vídeo e, com autorização judicial, fiscalizada por agente
penitenciário, novidade introduzida no §6º. Note-se que a autorização judicial
se refere à fiscalização por agente penitenciário. A gravação não depende de
decisão.
Por fim, o §7º inovou ao afirmar que, após os primeiros 6 (seis) meses de
regime disciplinar diferenciado, o preso que não receber a visita de familiares
e/ou terceiros poderá, após prévio agendamento, ter contato telefônico, que
será gravado, com uma pessoa da família, 2 (duas) vezes por mês e por 10 (dez)
minutos. A norma tem por objetivo promover o contato do preso com o mundo
externo, pautando-se na ideia de ressocialização do preso.

2.5.3 DIREITO DO PRESO À SAÍDA DA CELA POR 2 (DUAS) HORAS


DIÁRIAS PARA BANHO DE SOL, EM GRUPOS DE ATÉ 4 (QUATRO)
PRESOS, DESDE QUE NÃO HAJA CONTATO COM PRESOS DO MESMO
GRUPO CRIMINOSO
Em relação à saída diária da cela para banho de sol, não houve
modificação quanto à duração (2 horas). Somente houve o acréscimo da parte
final, de que a saída para banho de sol será em grupos de até 4 (quatro) presos,
desde que não haja contato com presos do mesmo grupo criminoso.

168
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Tal inovação veio para especificar o modo de execução da saída diária


para banho de sol, limitando-se o número de presos por vez, com o intuito de
manter a segurança e o controle, evitando intercorrências em razão da grande
aglomeração de presos, a exemplo do início de uma rebelião.
Por outro lado, o dispositivo legal frisou a vedação do contato, durante o
banho de sol, entre presos do mesmo grupo criminoso. A razão é óbvia e
conhecida. Um dos grandes objetivos do PAC é de dificultar ao máximo o
comando e a articulação das organizações criminosas dentro do
estabelecimento prisional.

2.5.4 ENTREVISTAS SEMPRE MONITORADAS, EXCETO AQUELAS COM


SEU DEFENSOR, EM INSTALAÇÕES EQUIPADAS PARA IMPEDIR O
CONTATO FÍSICO E A PASSAGEM DE OBJETOS, SALVO EXPRESSA
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL EM CONTRÁRIO
Trata-se de uma novidade. Em regra, com o PAC, as entrevistas serão: a)
Monitoradas; b) Em ambiente que impeça o contato físico e a passagem de
objetos. O dispositivo legal excepciona a regra em caso de expressa autorização
judicial. Logo, por decisão judicial, poderá o magistrado determinar que a
entrevista, para além da entrevista do defensor, deixe de ser monitorada e/ou
permita o contato físico.
Não será monitorada quando a entrevista for com o defensor. No
entanto, mesmo neste caso, a nosso ver, o ambiente deverá ser adequado para
evitar o contato físico e a passagem de objetos.
Quanto à passagem de objetos, a lei refere-se àqueles cuja entrada é
proibida, a exemplo de celulares. Não abrange, portanto, aqueles permitidos, de
acordo com a lei e com a regulamentação administrativa prisional, como
alimentos.
O fluxo de objetos não permitidos para dentro do presídio, por meio das
visitas, é um problema crônico do sistema prisional. Com a monitoração e a
adequação ambiental, espera-se que o problema seja diminuído.
A monitoração das entrevistas vem para dificultar a passagem de ordens

169
estácio Luiz & pedrotenório

criminosas do interior do presídio para fora e vice-versa. Excepciona-se a


entrevista entre o advogado e o preso (cliente) como forma de resguardar o
sigilo profissional.

2.5.5 FISCALIZAÇÃO DO CONTEÚDO DA CORRESPONDÊNCIA


Trata-se de uma novidade. A Constituição Federal, no art. 5º, inciso XII,
resguarda o sigilo das comunicações por correspondência. Por sua vez, a LEP
dispõe que o preso tem direito a ter contato com o mundo exterior por meio de
correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não
comprometam a moral e os bons costumes (art. 41, XV).
A restrição da correspondência, mesmo antes do PAC, poderia ser feita
com base no parágrafo único do mesmo artigo. Com o advento do PAC,
passou-se a ter previsão expressa a possibilidade de fiscalização do conteúdo da
correspondência no bojo do RDD.
É de amplo conhecimento que as organizações criminosas, por diversas
formas, dentre elas a correspondência, emanam ordens de dentro do
estabelecimento prisional.
Caso midiático mais recente foi a intercepção de carta do PCC, em
dialeto codificado e próprio, na qual se determinava a execução de um membro
do Ministério Público do Estado de São Paulo.
Ligado à realidade, o PAC regulamentou a possibilidade de fiscalização.
A teoria dos direitos fundamentais ensina que um direito fundamental pode ser
relativizado por outro no caso concreto. Por outro lado, um direito fundamental
não pode ser subterfúgio para o cometimento de práticas ilícitas.
Apesar de haver posicionamentos pela inconstitucionalidade da prática,
o Supremo Tribunal Federal já se manifestou nos seguintes termos: “A
administração penitenciária, com fundamento em razoes de segurança pública,
de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre
excepcionalmente, e desde que respeitada a norma inscrita no art. 41, parágrafo
único, da Lei n. 7.210/84, proceder a interceptação da correspondência remetida
pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo

170
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. -


O reexame da prova produzida no processo penal condenatório não tem lugar
na ação sumaríssima de habeas corpus (STF. HC 70814/SP, 1ª T., Rel. Min.
Min. Celso de Mello, 01/03/94).
Vejamos um trecho do voto do Min. Celso de Mello: “(…) A legislação
processual penal veda a utilização em juízo de cartas particulares, quando
interceptadas ou obtidas por meios criminosos (CPP, art. 233). Esse preceito
legal traduz a repulsa do sistema jurídico às provas ilícitas, cuja
inadmissibilidade em procedimentos judiciais é, hoje, expressamente
proclamada pela Constituição Federal (art. 5º, LVI) (…) A lei de execução penal,
ao elencar os direitos do preso, reconhece-lhe a faculdade de manter contato
com o mundo exterior por meio de correspondência escrita (art.41, inciso XV).
Esse direito, contudo, poderá ser validamente restringido pela administração
penitenciária, consoante prescreve a própria Lei nº 7210/84 (art. 41, parágrafo
único).”

2.6 INTERROGATÓRIO DO PRESO SUBMETIDO AO RDD


Trata-se de uma novidade. O PAC trouxe a previsão da participação do
preso submetido ao RDD em audiências judiciais preferencialmente por
videoconferência, garantindo-se a participação do defensor no mesmo ambiente
do preso (inciso VII do art. 52 da LEP).
A regulamentação do interrogatório do acusado feita pelo art. 185 e
seguintes do CPP estabelece, quanto aos réus presos, a seguinte ordem de
preferência:
1) O interrogatório será feito no estabelecimento prisional,
presencialmente (§1º do art. 185);
2) O interrogatório será por videoconferência, por decisão judicial
fundamentada, quando for para (§2º do art. 185): i) prevenir risco à segurança
pública (fundada suspeita de ser integrante de organização criminosa ou de
risco de fuga); ou ii) viabilizar participação do réu no ato processual (relevante
dificuldade de comparecer em juízo, por enfermidade ou outra circunstância

171
estácio Luiz & pedrotenório

pessoal);ouiii) impedir a influência do réu no ânimo de testemunha ou da


vítima, desde que não seja possível colher o depoimento destas por
videoconferência; ou iv) réu responder por gravíssima questão de ordem
pública;
3) Realização em juízo, mediante apresentação requisitado pelo
magistrado (§7º do art. 185).
Com a nova redação conferida pelo PAC, a LEP, nos casos dos presos
submetidos ao RDD, estabeleceu como preferência a realização do
interrogatório por videoconferência.
Nessa hipótese, a participação do defensor no mesmo ambiente do preso
deverá ser garantida. Os motivos de tal mudança legislativa estão relacionados
às hipóteses dos incisos I, III e IV do §2º do art. 185 (CPP). Exemplo: risco de
resgate do preso por membros do grupo criminoso ao qual pertence.

3 PROGRESSÃO DE REGIME
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 112. A pena privativa de liberdade Art. 112. A pena privativa de liberdade
será executada em forma progressiva com será executada em forma progressiva com
a transferência para regime menos rigoro- a transferência para regime menos rigoro-
so, a ser determinada pelo juiz, quando o so, a ser determinada pelo juiz, quando o
preso tiver cumprido ao menos um sexto preso tiver cumprido ao menos:
da pena no regime anterior e ostentar I – 16% (dezesseis por cento) da pena, se o
bom comportamento carcerário, compro- apenado for primário e o crime tiver sido
vado pelo diretor do estabelecimento, cometido sem violência à pessoa ou grave
respeitadas as normas que vedam a pro- ameaça; (antes = 16,6%)
gressão. II – 20% (vinte por cento) da pena, se o
§1º. A decisão será sempre motivada e apenado for reincidente em crime come-
precedida de manifestação do Ministério tido sem violência à pessoa ou grave
Público e do defensor. ameaça; (antes = 16,6%)
§2º. Idêntico procedimento será adotado III – 25% (vinte e cinco por cento) da pe-
na concessão de livramento condicional, na, se o apenado for primário e o crime
indulto e comutação de penas, respeita- tiver sido cometido com violência à pes-
dos os prazos previstos nas normas vi- soa ou grave ameaça; (antes = 16,6%)
gentes. IV – 30% (trinta por cento) da pena, se o
§3º. No caso de mulher gestante ou que apenado for reincidente em crime come-
for mãe ou responsável por crianças ou tido com violência à pessoa ou grave
pessoas com deficiência, os requisitos ameaça; (antes = 16,6%)
para progressão de regime são, cumulati- V – 40% (quarenta por cento) da pena, se
vamente: (Incluído pela Lei nº o apenado for condenado pela prática de
13.769, de 2018) crime hediondo ou equiparado, se for
I - não ter cometido crime com violência primário; (antes = 40%)
ou grave ameaça a pessoa; (In- VI – 50% (cinquenta por cento) da pena,
cluído pela Lei nº 13.769, de 2018) se o apenado for:
172
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

II - não ter cometido o crime contra seu a) condenado pela prática de crime hedi-
filho ou dependente; (Incluído ondo ou equiparado, com resultado mor-
pela Lei nº 13.769, de 2018) te, se for primário, vedado o livramento
III - ter cumprido ao menos 1/8 (um oi- condicional; (antes = 40%)
tavo) da pena no regime anterior; b) condenado por exercer o comando,
(Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018) individual ou coletivo, de organização
IV - ser primária e ter bom comportamen- criminosa estruturada para a prática de
to carcerário, comprovado pelo diretor do crime hediondo ou equiparado; (antes =
estabelecimento; (Incluído pela 16,6% - antes não era hediondo o crime de
Lei nº 13.769, de 2018) ORCRIM) ou
V - não ter integrado organização crimi- c) condenado pela prática do crime de
nosa. (Incluído pela Lei nº constituição de milícia privada; (antes =
13.769, de 2018) 16,6%)
§4º. O cometimento de novo crime doloso VII – 60% (sessenta por cento) da pena, se
ou falta grave implicará a revogação do o apenado for reincidente na prática de
benefício previsto no §3º deste artigo. crime hediondo ou equiparado; (antes =
60%)
VIII – 70% (setenta por cento) da pena, se
o apenado for reincidente em crime hedi-
ondo ou equiparado com resultado mor-
te, vedado o livramento condicional. (an-
tes = 60%)
§1º. Em todos os casos, o apenado só terá
direito à progressão de regime se ostentar
boa conduta carcerária, comprovada pelo
diretor do estabelecimento, respeitadas as
normas que vedam a progressão.
§2º. A decisão do juiz que determinar a
progressão de regime será sempre moti-
vada e precedida de manifestação do Mi-
nistério Público e do defensor, procedi-
mento que também será adotado na con-
cessão de livramento condicional, indulto
e comutação de penas, respeitados os
prazos previstos nas normas vigentes.
§4º. O cometimento de novo crime doloso
ou falta grave implicará a revogação do
benefício previsto no §3º deste artigo.
§5º. Não se considera hediondo ou equi-
parado, para os fins deste artigo, o crime
de tráfico de drogas previsto no §4º do
art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de
2006.
§6º. O cometimento de falta grave duran-
te a execução da pena privativa de liber-
dade interrompe o prazo para a obtenção
da progressão no regime de cumprimento
da pena, caso em que o reinício da conta-
gem do requisito objetivo terá como base
a pena remanescente.

173
estácio Luiz & pedrotenório

3.1 REQUISITO OBJETIVO PARA PROGRESSÃO DE REGIME


A) PERCENTUAL
O primeiro ponto da mudança diz respeito ao requisito objetivo da
progressão de regime. Antes do PAC, a quantidade de pena a ser cumprida
pelo preso era representada por números em fração. Com a inovação legislativa,
o requisito objetivo passou a ser representado por meio de percentual (%).

B) QUANTIDADE DE PENA CUMPRIDA PARA ALCANÇAR A


PROGRESSÃO
O segundo ponto é que o legislador, em atenção ao princípio da
individualização da pena, deu uma maior plasticidade na previsão de
quantidade de pena a ser cumprida (requisito objetivo), variando em
conformidade com a gravidade da infração penal praticada. Antes do PAC, nos
tínhamos:
Infrações comuns Reincidente ou não 1/6
Crime hediondo ou Primário 2/5
equiparado
Crime hediondo ou Reincidente (não havia a 3/5
equiparado exigência de reincidência
específica)

Com o PAC, o requisito objetivo ganhou um aspecto mais


individualizado, senão vejamos:
Infrações comuns Primário SEM violência ou grave 16%
ameaça
Infrações comuns Primário SEM violência ou grave 20%
ameaça
Infrações comuns Reincidente SEM violência ou grave 25%
ameaça
Infrações comuns Reincidente COM violência ou grave 30%
ameaça
Crime hediondo ou Primário SEM resultado morte 40%
equiparado
Crime hediondo ou Primário COM resultado morte 50%,
equiparado vedado o
livramento
condicional
Crime hediondo ou Reincidente na SEM resultado morte 60%
equiparado prática de crime
hediondo ou

174
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

equiparado
(reincidência
específica)
Crime hediondo ou Reincidente na COM resultado morte 70%
equiparado prática de crime
hediondo ou
equiparado
(reincidência
específica)
Crime de Primário ou Desde que a organização 50%,
organização reincidente criminosa seja destinada à vedado o
criminosa prática de crimes hediondos livramento
(comandante ou equiparados – com o condicional
individual ou PAC, passou a ser crime ea
coletivo) hediondo progressão
de regime
se houver
elementos
probatórios
que
indiquem a
manutençã
o do
vínculo
associativo
(art. 2º, §9º,
da Lei de
Organizaçõ
es
Criminosas

modificaçã
o do pacote
anticrime)
Crime de milícia Primário ou Não importa a natureza das 50%
privada (art. 288-A reincidente infrações a que se destina a
do CP) milícia privada

C) EXIGÊNCIA DE REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA PARA TRATAMENTO


MAIS GRAVOSO NO CASO DE CRIMES HEDIONDOS OU
EQUIPARADOS
Antes do PAC, o tratamento mais gravoso ao condenado reincidente que
cometeu crime hediondo ou equiparado não exigia a reincidência específica.
Percebam, no quadro, que a nova legislação exige, para o tratamento mais
gravoso, a reincidência na prática de crime hediondo ou equiparado (com ou
sem resultado morte, a depender do caso – incisos VII e VIII), isto é, é preciso
que a reincidência seja específica.

175
estácio Luiz & pedrotenório

D) REQUISITO SUBJETIVO. VEDAÇÃO DA PROGRESSÃO DE REGIME E


LIVRAMENTO CONDICIONAL AO CONDENADO EXPRESSAMENTE
EM SENTENÇA POR INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA OU POR
CRIME PRATICADO POR MEIO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, SE
HOUVER ELEMENTOS PROBATÓRIOS QUE INDIQUEM A
MANUTENÇÃO DO VÍNCULO ASSOCIATIVO (ART. 2º, §9º, DA LEI
12.850/2013)
Em todos os casos, o apenado só terá direito à progressão de regime se
ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor do estabelecimento,
respeitadas as normas que vedam a progressão (§1º).
A boa conduta carcerária, como se sabe, é o requisito subjetivo para
progressão de regime. A segunda parte do §1º trouxe uma ressalva
mencionando a existência de normas que vedam a progressão de regime.
Como foi exposto na tabela, o PAC trouxe uma modificação da Lei de
Combate ao Crime Organizado que veda a progressão de regime e o livramento
condicional ao condenado pelo crime de organização criminosa ou por crime
praticado por meio de organização criminosa (§9º do art. 2º).
Provavelmente, a doutrina questionará a constitucionalidade desse
dispositivo (§9º do art. 2º). Acerca da vedação genérica de progressão de
regime, a doutrina e os tribunais superiores já se debruçaram, de modo que,
atualmente, prevalece o entendimento que normas que fazem tal restrição de
forma abstrata são inconstitucionais.
Rememora-se a edição do §1º do art. 2º da Lei de Crimes Hediondos, que
instituiu o cumprimento da pena em regime integralmente fechado, no caso de
condenados por crimes hediondos ou equiparados. A partir daí, levantou-se a
tese da inconstitucionalidade por violação aos princípios da individualização da
pena e da proporcionalidade, tese acatada pelo STF (STF. HC 82959/SP, Pleno,
Rel. Min. Marco Aurélio, 23/02/2006).
A nosso ver, o §9º do art. 2º da Lei de Combate ao Crime Organizado não
ofende os princípios da individualização da pena ou da proporcionalidade. Em
verdade, não se trata de uma vedação genérica à progressão de regime. O

176
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

dispositivo condiciona a impossibilidade de progressão à existência de


“elementos probatórios que indiquem a manutenção do vínculo associativo”.
A vedação pauta-se, pois, em elementos concretos que indicam a

continuidade do vínculo associativo. Se o preso que cumpre pena mantém as

suas ligações com a organização criminosa, por óbvio, o seu comportamento

não se enquadrará no requisito subjetivo (boa conduta carcerária, comprovada

pelo diretor do estabelecimento). Logo, não há que se falar na

inconstitucionalidade do dispositivo, mas, sim, da observância do princípio da

individualização da pena.

3.2 DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO

A decisão do juiz que determinar a progressão de regime será sempre

motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor,

procedimento que também será adotado na concessão de livramento

condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas

normas vigentes (§2º). Quanto a este dispositivo, o que houve foi a reunião dos

antigos §§1º e 2º em um só. O conteúdo é o mesmo, não havendo novidades.

3.3 TRÁFICO PRIVILEGIADO (ART. 33, §4º, DA LEI DE DROGAS)

O legislador trouxe no §5º do art. 112 da LEP trouxe previsão expressa no

sentido de que “não se considera hediondo ou equiparado, para os fins deste

artigo, o crime de tráfico de drogas previsto no §4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de

23 de agosto de 2006.”.

A inovação legal trazida pelo PAC apenas incluiu na lei o entendimento

consolidado tanto no STF (STF. HC 118533/MS, Pleno, Rel. Min. Cármen

Lúcia, 23/06/2016) quanto no STJ (STJ. Pet 11.796/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Maria

Thereza de Assis Moura, 23/11/2016).

177
estácio Luiz & pedrotenório

3.4 FALTA GRAVE E PROGRESSÃO DE REGIME


O cometimento de falta grave durante a execução da pena privativa de
liberdade interrompe o prazo para a obtenção da progressão no regime de
cumprimento da pena, caso em que o reinício da contagem do requisito objetivo
terá como base a pena remanescente (§6º).

4 SAÍDA TEMPORÁRIA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 122. Os condenados que cum- Art. 122. Os condenados que cum-
prem pena em regime semi-aberto prem pena em regime semi-aberto
poderão obter autorização para saída poderão obter autorização para saída
temporária do estabelecimento, sem temporária do estabelecimento, sem
vigilância direta, nos seguintes casos: vigilância direta, nos seguintes casos:
I - visita à família; I - visita à família;
II - frequência a curso supletivo pro- II - frequência a curso supletivo pro-
fissionalizante, bem como de instru- fissionalizante, bem como de instru-
ção do 2º grau ou superior, na Comar- ção do 2º grau ou superior, na Comar-
ca do Juízo da Execução; ca do Juízo da Execução;
III - participação em atividades que III - participação em atividades que
concorram para o retorno ao convívio concorram para o retorno ao convívio
social. social.
Parágrafo único. A ausência de vigi- §1º. A ausência de vigilância direta
lância direta não impede a utilização não impede a utilização de equipa-
de equipamento de monitoração ele- mento de monitoração eletrônica pelo
trônica pelo condenado, quando assim condenado, quando assim determinar
determinar o juiz da execução. o juiz da execução.
§2º. Não terá direito à saída temporá-
ria a que se refere o caput deste artigo
o condenado que cumpre pena por
praticar crime hediondo com resulta-
do morte.

4.1 CONCEITO19
“A saída temporária é uma autorização concedida pelo juiz da execução
penal aos condenados que cumprem pena em regime semiaberto por meio da
qual ganham o direito de saírem temporariamente do estabelecimento prisional
sem vigilância direta (sem guardas acompanhando/sem escolta) com o intuito
de: a) visitarem a família; b) frequentarem curso supletivo profissionalizante, de
ensino médio ou superior; ou c) participarem de outras atividades que ajudem
para o seu retorno ao convívio social”.

19 Dizer o Direito. Site: dizerodireito.com.br

178
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Registre-se que a ausência de vigilância direta, durante a saída


temporária, não impede que o juiz da execução aplique a monitoração
eletrônica, nos termos do renomeado §1º do art. 122.
O PAC apenas transformou o parágrafo único em §1º e adicionou o §2º
no art. 122. Trata-se de vedação do direito de saída temporária ao condenado
foi condenado e cumpre pena por ter praticado crime hediondo com resultado
morte.
Percebe-se que a vedação tem ligação com a gravidade da infração penal
que, além de ser hedionda, tem como resultado material a morte. Portanto, o
legislador promoveu uma mudança pontual, mantendo-se a estrutura do
instituto, bem como dos temas que lhe são correlatos.

4.2 REQUISITOS PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO PENITENCIÁRIO


(ART. 123, LEP)
Como se percebe da tabela comparativa, aqui não houve mudança
alguma. Comentaremos brevemente apenas para não deixar passar essa
oportunidade de revisão.
Art. 123, LEP:A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da
execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da
satisfação dos seguintes requisitos: I - comportamento adequado; II - cumprimento
mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se
reincidente; III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

4.3 TEMPO DA SAÍDA TEMPORÁRIA20 (ART. 124, LEP)


4.3.1 PRAZO MÁXIMO
Mais uma vez, como se percebe da tabela comparativa, aqui não houve
mudança alguma. Comentaremos brevemente apenas para não deixar passar
essa oportunidade de revisão.

20 Dizer o Direito. Site: dizerodireito.com.br


179
estácio Luiz & pedrotenório

O art. 124, da LEP prevê que o condenado terá oportunidade de sair


temporariamente do estabelecimento penal uma vez, renovável por mais 4
durante o ano, por período de 7 dias. Assim, percebe-se que há o direito de 5
saídas anuais totalizando 35 dias, vejamos:
FINALIDADE DA SAÍDA TEMPO MÁXIMO
Saídas comuns (visitas e outras ativi- 35 dias anuais
dades ressocializadoras)
Saída para estudo Prazo necessário para o exercício das
atividades discentes, sendo possível
até mesmo a autorização diária da
saída temporária (art. 124, §2º)
Respeitado o limite anual de 35 dias, estabelecido pelo art. 124 da LEP, é
cabível a concessão de maior número de autorizações de curta duração (STJ.
REsp 1.544.036/RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 14/09/2016)

4.3.2 PRAZO MÍNIMO ENTRE AS SAÍDAS


TIPO DE SAÍDA PRAZO MÍNIMO
Visita a família ou outra atividade res- 45 dias (art. 124, §3º)
socializadora
Estudo Não tem prazo em as saídas concedi-
das, podendo até ser concedida diari-
amente nos termos do art. 124, §2º
Não se aplica porém o limite de 45 dias mínimos entre uma saída e outra (art.
124, §3º) quando o magistrado da execução penal não se limitar as 5 saídas de 7
dias, determinando várias saídas menores num maior número de vezes (STJ.
REsp 1.544.036-RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, 14/09/2016).

180
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 5 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
8.072/90 (CRIMES
HEDIONDOS)
COMENTADAS

181
estácio Luiz & pedrotenório

1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
O art. 5º, XLIII, CF prevê que “a lei considerará crimes inafiançáveis e
insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes
hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que,
podendo evitá-los, se omitirem”.
Note-se que a CF não tipifica crimes hediondos, porém traz em seu texto
o chamado mandado – ou mandamento - constitucional de criminalização, que
é uma ordem normativa do constituinte originário ao legislador
infraconstitucional para que criminalize determinadas condutas ou recrudesça a
pena e diminua os benefícios penais de determinados crimes, como é o caso dos
considerados hediondos.
Para taxar quais crimes são considerados como hediondos, o
ordenamento brasileiro adotou o sistema legal, também chamado de
enumerativo, no qual a Lei taxativamente (lista fechada) diz quais são os
crimes hediondos, não havendo espaço para criação judicial.
Ainda sobre o sistema de definição da hediondez adotado pelo Brasil,
atente-se para o fato de que não é admitida nem a ampliação nem a redução
desse rol pelo magistrado. Ou seja, no Brasil, não se aceita a chamada cláusula
salvatória, que nada mais é senão a possibilidade do juiz no caso concreto
considerar que o crime praticado não é hediondo mesmo estando na lista
fechada prevista na Lei.
Contudo, não se pode esquecer que para além do regramento taxativo da
Lei 8.072/90, a Constituição ampliou o tratamento mais severo relativo à
hediondez a determinados crimes, considerados equiparados a hediondos: a)
tráfico de drogas (art. 33, caput, §1º, Lei 11.343/06); tortura (Lei 9.455/97) e
terrorismo (13.260/16). Não se pode confundir essas nomenclaturas para fins de
prova! Esses crimes não são hediondos, mas a eles é dado o tratamento mais
gravoso.
Sobre os crimes equiparados a hediondos, cabe duas observações muito
frequentes em provas, tanto objetivas quanto subjetivas (discursivas e orais):

182
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1) O crime de genocídio (Lei 2.889/56), é hediondo (e não equiparado a


hediondo!) Note-se que por estar previsto em uma lei penal especial, dá a
impressão de que o genocídio é equiparado a hediondo. Qualquer afirmação
nesse sentido deve ser marcada como falsa! O crime de genocídio está
expressamente previsto na Lei 8.072/90, antes do PAC no art. 1º, parágrafo
único, depois do PAC no art. 1º, parágrafo único, inciso I.
2) Algumas modalidades típicas não são consideradas como infrações
hediondas, vejamos:
2.1) Tráfico privilegiado (art. 33, §4º) e associação para o tráfico (art. 35),
ambos da Lei 11.343/06;
2.2) Tortura por omissão/tortura imprópria (art. 1º, §2º, Lei 9.455/97);
2.3) Crimes militares próprios, aqueles previstos exclusivamente no
Código Penal Militar e que se dão em violação à administração militar, em
nenhuma hipótese, são considerados como equiparados a hediondos;
2.4) Crimes políticos;
2.5) No Código Penal, o homicídio qualificado-privilegiado não é
considerado hediondo, pois o STF entende que quando a qualificadora é de
natureza objetiva (art. 121, III e IV, CP) e incide a causa de privilégio (art. 121,
§1º, CP), essa é preponderante.

2 DOS CRIMES HEDIONDOS EM ESPÉCIE: MODIFICAÇÕES PELO PAC


2.1 DO HOMICÍDIO: MUDANÇA NULA EM RAZÃO DE VETO
PRESIDENCIAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 1º. São considerados hediondos Art. 1º. São considerados hediondos
os seguintes crimes, todos tipificados os seguintes crimes, todos tipificados
no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de de- no Decreto-Lei no 2.848, de 7 de de-
zembro de 1940 - Código Penal, con- zembro de 1940 - Código Penal, con-
sumados ou tentados: sumados ou tentados:
I – homicídio (art. 121), quando prati- I - homicídio (art. 121), quando prati-
cado em atividade típica de grupo de cado em atividade típica de grupo de
extermínio, ainda que cometido por extermínio, ainda que cometido por
um só agente, e homicídio qualificado um só agente, e homicídio qualificado
(art. 121, §2º, incisos I, II, III, IV, V, VI (art. 121, §2º, incisos I, II, III, IV, V, VI,
e VII); VII e VIII)

183
estácio Luiz & pedrotenório

O PAC previu nova hipótese de hediondez relacionada ao crime de


homicídio com base numa mudança feita pelo próprio PAC nas qualificadoras
do art. 121. Note-se que o texto original previa o inciso VIII no parágrafo §2º do
art. 121, porém o texto foi vetado pelo Presidente da República.
Eis a redação original do PAC a respeito do crime de homicídio: “Art.
121, §2º, VIII: com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido”. Ou
seja, a pena de crime iria de 12 a 30 quando o homicídio fosse praticado com
emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.
Logo, com esse mudança na sistemática das qualificadoras, por
consequência lógica, a lei de crime hediondos deveria mudar. Mas, como já
dito, o texto foi vetado pelas seguintes razões:
“A propositura legislativa, ao prever como qualificadora do crime de
homicídio o emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, sem
qualquer ressalva, viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal
descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança jurídica, notadamente
aos agentes de segurança pública, tendo em vista que esses servidores poderão
ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas
armas, que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal
ou de terceiros ou, ainda, em situações extremas para a garantia da ordem
pública, a exemplo de conflito armado contra facções criminosas”.
Por conseguinte, na prática, em relação ao crime de homicídio, não
houve nenhuma mudança, nem no texto do Código Penal, nem no texto da Lei
8.072/90, ora em análise.

2.2 DO CRIME DE ROUBO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 1º. (...): II - latrocínio (art. 157, Art. 1º. (...): II - roubo:
§3º, in fine); a) circunstanciado pela restrição de
liberdade da vítima (art. 157, §2º, inci-
so V);
b) circunstanciado pelo emprego de
arma de fogo (art. 157, §2º-A, inciso I)
ou pelo emprego de arma de fogo de
uso proibido ou restrito (art. 157, §2º-
B);
c) qualificado pelo resultado lesão
corporal grave ou morte (art. 157, §3º)

184
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

O PAC aumentou consideravelmente as hipóteses de hediondez relativas


ao crime de roubo. Antes, tínhamos apenas o latrocínio como crime hediondo,
ou seja, apenas quando o roubo resultava em morte consumada da vítima,
incidia a regra da hediondez. Nenhuma causa de aumento de pena era levada
em conta para cravar a hediondez do roubo.
Agora com o PAC, duas hipóteses de roubo circunstanciado passaram a
integrar o sistema mais gravoso da hediondez, são elas: a) roubo praticado com
restrição da liberdade da vítima; e b) roubo praticado com qualquer arma de
fogo, perceba-se, arma de fogo de uso permitido, restrito ou proibido, não
importa!
O uso de arma branca não configura como causa de aumento de pena,
somente o uso de arma de fogo, nos termos do art. 157, §2º-A, I, e 2º-B, CP.
Logo, está de fora tanta das causas de aumento quanto do sistema da
hediondez.
Atente-se para o fato de que o uso de arma branca configura sempre a
violência apta a fazer incidir o crime de roubo, contudo, apesar de configurar
causa de aumento (reintroduzida pelo PAC), a utilização de arma branca não
torna o crime hediondo.
Por fim, o PAC foi além prevendo como hediondo não apenas o
latrocínio (art. 158, §3º, II) como também o roubo com resultado lesão corporal
grave (art. 158, §3º, I). Mudança significativa no sentido de recrudescer o
tratamento criminal desse tipo de infração penal.

2.3 DO CRIME DE EXTORSÃO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 1º. (...): III - extorsão qualificada Art. 1º. (...): III - extorsão qualificada
pela morte (art. 158, §2º) pela restrição da liberdade da vítima,
ocorrência de lesão corporal ou morte
(art. 158, §3º)

Aqui, uma vez mais, o PAC amplia as hipóteses de hediondez. Antes,


somente a extorsão qualificada pela morte da vítima (art. 158, §2º, CP) era crime
hediondo. Agora, tanto a qualificação pela restrição da liberdade (famigerado

185
estácio Luiz & pedrotenório

sequestro relâmpago) e lesão corporal grave passam a ser crime hediondo. A


morte da vítima, por óbvio, continua sendo também crime hediondo.
Antes do PAC, havia discussão acirrada na doutrina acerca da hediondez
ou não do assim chamado sequestro relâmpago (art. 158, §3º, 1ª parte). Para
maioria da doutrina, como o Brasil adota o sistema legal (enumerativo) para
definição da hediondez, sequestro relâmpago e sequestro relâmpago
qualificado pela morte não podiam ser considerados como hediondos
(Gabriel Habib e Renato Brasileiro).
Para doutrina minoritária, esses crimes, mesmo antes do PAC, podiam
e deviam ser considerados como hediondos, pois houve mera omissão do
legislador, já que a parte final do art. 158, §3º, - sequestro relâmpago com
resultado morte – nada mais é do que uma extorsão qualificada pela morte,
prevista pela Lei 8.072/90 (Rogério Sanches e Rogério Greco).
Agora, a polêmica cessou, pois a nova redação do art. 1º, III, da Lei
8.072/90 contempla de forma exaustiva e expressa o art. 158, §3º. Logo, a
extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, resultando lesão
corporal grave ou mesmo a morte são consideradas como crime hediondo.

2.4 DO FURTO QUALIFICADO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 1º. (...): IX - furto qualificado pelo
emprego de explosivo ou de artefato
análogo que cause perigo comum (art.
155, §4º-A)

Antes do PAC nenhuma espécie de furto qualificado era prevista como


crime hediondo. As razões são óbvias. A hediondez é figura de
recrudescimento criminal limitada pelo princípio constitucional implícito da
proporcionalidade. Logo, não faz o menor sentido erigir à crime hediondo uma
infração penal praticada sem violência ou grave ameaça à pessoa, caso do art.
155 do Código Penal.
Porém, em 2019, houve significativa modificação na sistemática das
qualificadoras do crime de furto e roubo, contemplando situações drásticas da

186
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

realidade relativas a furto a bancos, privados e públicos, com uso de explosivos.


Por isso, modificou o Código Penal para contemplar essas espécies de infração
penal, conhecidas inclusive como novo cangaço, nomenclatura que remonta
aos tempos de saques e ataques a fazendas, residências e cidades pelos
cangaceiros nordestinos. Atualmente, fortemente armados, os criminosos,
furtam agências bancárias na calada da noite, usando explosivos.
Por conseguinte, o PAC, visando enfrentar ainda mais eficazmente esse
tipo de criminalidade, elencou o furto qualificado pelo emprego de explosivo
ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, §4º-A) como crime
hediondo.

2.5 DO CRIME DE GENOCÍDIO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 1º (...). Parágrafo único. Consi- Art. 1º (...). Parágrafo único. Conside-
deram-se também hediondos o crime ram-se também hediondos, tentados
de genocídio previsto nos arts. 1º, 2º e ou consumados:
3º da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de I - o crime de genocídio, previsto nos
1956, e o de posse ou porte ilegal de arts. 1º, 2º e 3º da Lei nº 2.889, de 1º de
arma de fogo de uso restrito, previsto outubro de 1956.
no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de
dezembro de 2003, todos tentados ou
consumados.

Como se vê, o PAC não trouxe modificação alguma sobre esse crime.
Mas, tentaremos oferecer uma breve contribuição acerca da figura típica, já que
notamos ser pouco estudada e quiçá incompreendida.

2.5.1 BREVÍSSIMAS CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS E


DOGMÁTICAS SOBRE O GENOCÍDIO
Trata-se de crime previsto nos art. 1º, 2º e 3º da Lei 2.889/56, diploma
normativo nacional fruto da internalização da Convenção para a Prevenção e a
Repressão do Crime de Genocídio de 1948 assinada nas Assembleia Geral das
Nações Unidas.
O crime busca proteger o interesse supraindividual de manutenção das
diversidades humanas, tendo, portanto, natureza de crime contra a
187
estácio Luiz & pedrotenório

humanidade.21 A Convenção inicia-se justamente com a seguinte advertência:


“O genocídio é um crime contra o Direito Internacional, contrário ao espírito e
aos fins das Nações Unidas e que o mundo civilizado condena”.
Logo, pode-se dizer com confiança que apesar das figuras típicas
preverem resultado morte os crimes de genocídio não são crimes contra a vida,
portanto, não são julgados pelo Tribunal do Júri.

2.5.2 DAS FIGURAS TÍPICAS DO GENOCÍDIO


Para explicar sistematicamente esse crime, complexo e pouquíssimo
estudado – é bem verdade –, tentaremos abordá-lo da seguinte forma:
CRIMES DE GENOCÍDIO

GENOCÍDIO GENOCÍDIO ASSOCIAÇÃO GENOCÍDIO


DESTRUIÇÃO INCITAÇÃO
Art. 1º. Quem, com a Art. 2º. Associarem-se mais de Art. 3º. Incitar, direta
intenção de destruir, no 3 (três) pessoas para prática dos e publicamente
todo ou em parte, crimes mencionados no artigo alguém a cometer
grupo nacional, étnico, anterior: qualquer dos crimes
racial ou religioso, Pena: Metade da cominada aos de que trata o art. 1º:
como tal: crimes ali previstos. Pena: Metade das
a) matar membros do penas ali cominadas.
grupo;
b) causar lesão grave à
integridade física ou
mental de membros do
grupo;
c) submeter
intencionalmente o
grupo a condições de
existência capazes de
ocasionar-lhe a
destruição física total
ou parcial;
d) adotar medidas
destinadas a impedir os
nascimentos no seio do
grupo;
e) efetuar a
transferência forçada

21 HABIB, Gabriel. Leis penais especiais: Volume único. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2018, p.
459.
188
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

de crianças do grupo
para outro grupo;
Será punido:
Com as penas do art.
121, § 2º, do Código
Penal, no caso da letra
a;
Com as penas do art.
129, §2º, no caso da
letra b;
Com as penas do art.
270, no caso da letra c;
Com as penas do art.
125, no caso da letra d;
Com as penas do art.
148, no caso da letra e;

2.5.3 GENOCÍDIO VS RACISMO: DISTINÇÕES E ANÁLISE DA


(IM)PRESCRITIBILIDADE
Como é possível ver, o genocídio não se confunde com o crime de
descriminação (racismo), pois a Lei 7.716/89 é clara ao exigir o dolo específico
de descriminar ou tratar com preconceito um único indivíduo que seja ou
mesmo um grupo de pessoas em razão de raça ou de cor ou práticas resultantes
do preconceito de descendência ou origem nacionalou étnica. O crime de
discriminação é imprescritível, nos termos da Constituição Federal!
O genocídio, por sua vez, prevê o dolo específico de DESTRUIR, no
todo ou em parte, grupo de pessoas, em razão de sua nacionalidade, etnia, raça
ou religião. Trata-se de crime prescritível, pois não previsto de forma diversa
pela Constituição Federal, nem por lei especial.
Acerca da prescritibilidade do genocídio, o STJ em recente julgado, que
não se dirige especificamente a este crime, mas toca ainda que difusamente o
seu estudo, decidiu que os crimes contra a humanidade estão previstos na
Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes
contra a Humanidade, que sequer foi ratificada e internalizada pelo Brasil.
Logo, se a Convenção faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, nem
mesmo existe Lei nacional expressamente tipificando esses crimes (lexpopuli),
não se pode inferir uma regra de imprescritibilidade, limitadora de direitos
fundamentais (STJ. REsp 1798903/RJ, 3ª Seção, Rel. Min. Reynaldo Soares da
Fonseca, 25/09/2019).

189
estácio Luiz & pedrotenório

2.6 DOS CRIMES PREVISTOS NO ESTATUTO DO DESARMAMENTO


(LEI 10.826/03)
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 1º (...). Parágrafo único. Conside- Art. 1º (...). Parágrafo único. Conside-
ram-se também hediondos (...) o crime ram-se também hediondos, tentados
de posse ou porte ilegal de arma de ou consumados:
fogo de uso restrito, previsto no art. 16 (...)
da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro II - o crime de posse ou porte ilegal de
de 2003, todos tentados ou consuma- arma de fogo de uso proibido, previs-
dos. to no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de
dezembro de 2003;
III - o crime de comércio ilegal de ar-
mas de fogo, previsto no art. 17 da Lei
nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
IV - o crime de tráfico internacional
de arma de fogo, acessório ou muni-
ção, previsto no art. 18 da Lei nº
10.826, de 22 de dezembro de 2003;

A Lei 10.826/03 sofreu modificações específicas pelo PAC, com mudança

de tipificação e, inclusive, de nomenclatura dos crimes. Essas modificações


serão alvo de enfrentamento individualizado em capítulo próprio.

Em relação a regulamentação dos crimes hediondos, pode-se perceber,


de início, uma ampliação das condutas típicas taxadas como hediondas. Antes,

apenas o art. 16 (crime de posse ou porte de arma de fogo de uso restrito) estava
na lista do art. 1º, parágrafo único da Lei 8.072/90. Agora integram o rol

taxativo dos crimes hediondos os arts. 17 (comércio ilegal de arma de fogo) e 18


(tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição).
Uma polêmica, porém, permanece acerca das figuras equiparadas ao
caput do art. 16 da Lei 10.826/03. A balbúrdia doutrinária tende a aumentar,
pois as novas condutas típicas hediondas do caput dos arts. 17 e 18 do Estatuto

do desarmamento também possuem figuras equiparadas elencadas em seus


parágrafos.

190
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A discussão, portanto, é: toda a extensão dos arts. 16, 17 e 18 devem ser


considerada como hedionda, incluindo as figuras equiparadas, ou apenas o
caput desses artigos? Surgem 2 correntes:
PELA HEDIONDEZ DE TODA A PELA HEDIONDEZ APENAS DO
FIGURA TÍPICA DO ARTIGO CAPUT
Rogério Sanches e Renato Brasileiro Eduardo Fontes e Henrique Hoffman
entendem que todo o art. 16 é crime entendem que somente o caput do art.
hediondo, ou seja, não só a posse ou 16 da Lei 10.826/03 pode ser conside-
porte de arma, acessório ou munição rado como crime hediondo em respei-
de uso restrito, mas também quem to ao princípio da legalidade e ao sis-
suprimir ou alterar marca, numeração tema legal ou enumerativo adotado
ou qualquer sinal de identificação de pelo Brasil. Logo, como as figuras
arma de fogo ou artefato; modificar as equiparadas previstas nos parágrafos
características de arma de fogo, de desses artigos não estão expressamen-
forma a torná-la equivalente a arma te previstas na Lei 8.072/90 (crimes
de fogo de uso proibido ou restrito ou hediondos), não pode o juiz ampliar o
para fins de dificultar ou de qualquer alcance da norma para prejudicar o
modo induzir a erro autoridade poli- réu, num claro exemplo de interpreta-
cial, perito ou juiz; possuir, detiver, ção extensiva in malam partem, vedada
fabricar ou empregar artefato explosi- pelo ordenamento jurídico.
vo ou incendiário, etc.
O STJ em recentíssimo julgado enten-
deu dessa mesma forma (STJ. HC
526916/SP, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cor-
deiro, 01/10/2019)

2.7 PARTICIPAÇÃO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA VOLTADA À


PRÁTICA DE CRIME(S) HEDIONDO(S)
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 1º (...). Parágrafo único. Conside-
ram-se também hediondos, tentados
ou consumados:
(...)
V - o crime de organização criminosa,
quando direcionado à prática de crime
hediondo ou equiparado.

191
estácio Luiz & pedrotenório

O crime de organização criminosa é previsto no art. 2º da Lei 12.850/13 e


prescreve a seguinte conduta típica: “Promover, constituir, financiar ou
integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: Pena -
reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, sem prejuízo das penas
correspondentes às demais infrações penais praticadas”.
Logo, são essas as condutas que fazem alguém praticar o crime de
organização criminosa. O PAC transformou essa conduta em crime hediondo
sob a condição específica de que os crimes praticados pelos agentes integrantes
da organização criminosa sejam, em si, hediondos.
Ou seja, imagine se 4 indivíduos, estruturalmente ordenados,
caracterizados pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, (art. 1º, §1º, Lei
12.850/13), praticam crimes de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de
fogo de uso permitido. Será hedionda essa conduta?
A resposta é positiva! Os agentes cometem dois crimes hediondos, um
relativo ao roubo circunstanciado (art. 1º, II, b, Lei 8.072/90) e o outro relativo
ao crime de organização criminosa voltada ao cometimento de crime hediondo
(art. 1º, parágrafo único, V, Lei 8.072/90).

192
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 6 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
8.429/92 (LIA)
COMENTADAS

193
estácio Luiz & pedrotenório

1 ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 17. A ação principal, que terá o Art. 17. A ação principal, que terá o
rito ordinário, será proposta pelo Mi- rito ordinário, será proposta pelo Mi-
nistério Público ou pela pessoa jurídi- nistério Público ou pela pessoa jurídi-
ca interessada, dentro de trinta dias da ca interessada, dentro de trinta dias da
efetivação da medida cautelar. efetivação da medida cautelar.
§1º. É vedada a transação, acordo ou §1º. As ações de que trata este artigo
conciliação nas ações de que trata o admitem a celebração de acordo de
caput. não persecução cível, nos termos desta
Lei.

1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO INSTITUTO


A inovação legislativa trazida pelo PAC vem para finalizar a discussão
acerca da possibilidade de formulação de transação, acordo ou conciliação no
âmbito da ação de improbidade administrativa.
Convém, todavia, trazer a contextualização da discussão antecedente à
modificação do art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa (LIA).
Anteriormente ao PAC, o art. 17, §1º, dispunha que era “vedada a transação,
acordo ou conciliação”.
Tal dispositivo está em vigor desde a entrada em vigor do diploma legal.
A doutrina sempre afirmou que seu fundamento principal é a concepção
clássica dasupremacia do interesse público sobre o privado, bem como a
indisponibilidade do interesse público. Desse modo, a vedação de solução
consensual residia na intangibilidade do interesse público.
Ocorre que, ao longo do tempo, a concepção clássica de supremacia do
interesse público sobre o privado foi sendo permeada pela teoria dos direitos
fundamentais, que resultou na criação dos conceitos de interesse público
primário e interesse público secundário.
Com a visão moderna do princípio, observa-se que nem sempre o
interesse público terá supremacia sobre o interesse do particular, porquanto,
muitas vezes, se estará diante de um conflito entre o interesse interno da
administração pública e um direito fundamental do administrado.
Essa mudança de paradigma está inserida no chamado Direito
Administrativo moderno. Uma das consequências dessa nova visão do Direito
194
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Administrativo é o conceito de Administração Pública Concertada, tratado na


citação de Tomás-Ramón Fernández e Garcia de Enterría.
Em contraposição à concepção clássica, os autores trazem uma visão
moderna do relacionamento entre a Administração Pública e os particulares:
“(…) A Administração renunciaria ao emprego de seus poderes com base na
imperatividade e unilateralidade, aceitando realizar acordos com os
particulares destinatários da aplicação concreta desses poderes, ganhando
assim uma colaboração ativa dos administrados (…)”.22
Nesse contexto, apesar da antiga vedação expressa do antigo §1º do
artigo 17, a doutrina passou a sustentar a sua revogação tácita pelo advento de
vários diplomas normativos que incentivam a busca de soluções consensuais.
Segue alguns argumentos que sustentavam a revogação tácita da norma
impeditiva:
a) A criação de um microssistema de combate a atos lesivos à
administração pública, por meio da Lei n. 12.846/2013 e da Lei n. 12.850/2013,
com a previsão de institutos de justiça consensual, o acordo de leniência e a
colaboração premiada, respectivamente;
b) Advento do Código de Processo Civil de 2015, com aplicação
subsidiária à LIA, que veio com o objetivo de incentivar a prática da justiça
consensual, inclusive estabelecendo o dever de fomento aos autores do processo
civil, conforme o art. 3º, §3º: a conciliação, a mediação e outros métodos de
solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do
processo judicial;
c) A duração razoável do processo e o princípio da eficiência no busca da
solução das controvérsias, que guiaram a elaboração da Carta de Brasília pelo
CNMP, instrumento que estimula uma atuação resolutiva do Ministério
Público;

22 MUDROVITSCH, Rodrigo de Bittencourt; NÓBREGA, Guilherme Pupe. Improbidade e tran-


sação são institutos excludentes? Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-jun-
07/opiniao-improbidade-transacao-sao-institutos-excludentes. Acessado em 07/01/2020.
195
estácio Luiz & pedrotenório

d) O interesse público é preservado quando se garante, em qualquer


caso, a recomposição do dano provocado pelo ato de improbidade e a aplicação
de uma ou mais sanções ao agente ímprobo, quando a devolução dos valores
recebidos indevidamente ou o ressarcimento do dano não se mostrarem
suficientes à repressão e à prevenção (Resolução n. 01/2017 do Ministério
Público do Estado do Paraná).
Pautando-se nesses argumentos, parcela da doutrina passou a defender a
possibilidade de celebração do compromisso de ajustamento de conduta (CAC),
bem como do acordo de leniência na solução de casos concretos envolvendo
atos lesivos à administração pública.
Por fim, registre-se que o Superior Tribunal de Justiça admitindo a
solução consensual em caso de improbidade, proferiu o seguinte julgado: “(…)
no caso concreto, a análise do ato de improbidade administrativa, sob a
perspectiva da extensão do dano, da gravidade do fato e do proveito
patrimonial obtido, à luz dos princípios constitucionais da proporcionalidade,
da razoabilidade e da eficiência, poderá levar à conclusão da suficiência de
eventual ressarcimento ao erário, cumulado ou não com outras sanções, como
resposta do Estado ao ilícito praticado” (STJ. AgRg no AREsp 126660/SC, 1ª T.,
Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 04/09/2014).

2 MODIFICAÇÕES PELO PAC


O PAC modificou o §1º do art. 17 da LIA, trazendo, expressamente, a
possibilidade da celebração de acordo de não persecução cível nos casos
envolvendo improbidade administrativa. O dispositivo legal afirma que o
acordo será celebrado nos termos da própria Lei de Improbidade
Administrativa.
Na prática, o compromisso de ajustamento de conduta (CAC), antes do
pacote anticrime, era utilizado tanto na fase extrajudicial quanto no curso da
ação de improbidade. Na fase preliminar, o CAC formava título executivo
extrajudicial, enquanto que, na fase judicial, formava título executivo judicial.

196
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Com a inovação legislativa, aparentemente, o legislador apenas


modificou a nomenclatura, passando a chamar o CAC de acordo de não
persecução cível, no âmbito da improbidade administrativa. O acordo de não
persecução cível, seguindo a mesma linha do CAC, poderá ser firmado tanto na
fase extrajudicial quanto na fase judicial.

2.1 DA INTERRUPÇÃO DO PRAZO PARA CONTESTAÇÃO NO RITO DA


LIA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 17. (...)
§10-A. Havendo a possibilidade de
solução consensual, poderão as partes
requerer ao juiz a interrupção do pra-
zo para a contestação, por prazo não
superior a 90 (noventa) dias

O único dispositivo que o PAC trata de tema novo é o art. 17, §10-A, que
muda a sistemática da resposta do réu na ação de improbidade. A regra geral
do rito era de que oferecida a ação de improbidade, o requerido seria notificado
para apresentar defesa prévia por escrito, no prazo de 15 (quinze) dias.
Em seguida, o juiz, no prazo de 30 (trinta) dias, se não for caso de
rejeição, receberá a inicial, determinando a citação do réu para apresentar
contestação.
O novo §10-A dispõe que na possibilidade de acordo, as partes poderão
requerer ao juiz a interrupção do prazo para contestação, pelo prazo máximo de
90 (noventa) dias. Perceba que, não havendo acordo, o prazo será reiniciado,
pois é caso de interrupção (e não suspensão).
A nosso ver, pelos fundamentos tratados nas considerações preliminares,
tem-se que, apesar de o §10-A prever um momento específico para a celebração
do acordo, nada impede que as partes, em outro momento processual, busquem
uma solução consensual, dando fim à controvérsia judicial.

197
estácio Luiz & pedrotenório

3 DA ATRIBUIÇÃO EXCLUSIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA


CELEBRAR O ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO CÍVEL: DISPOSITIVO
VETADO
Insta salientar que o PAC trazia o artigo 17-A, que atribuía
exclusivamente ao MP a responsabilidade pela celebração do acordo de não
persecução cível, bem como estabelecia as diretrizes para celebração do acordo,
vejamos:
EXCLUSIVIDADE DO MP PARA CELEBRAR O ANPC E DIRETRIZES DO
ACORDO – DISPOSITIVO VETADO!
Art. 17-A. O Ministério Público poderá, conforme as circunstâncias do caso
concreto, celebrar acordo de não persecução cível, desde que, ao menos, adve-
nham os seguintes resultados:
I – o integral ressarcimento do dano;
II – a reversão, à pessoa jurídica lesada, da vantagem indevida obtida, ainda
que oriunda de agentes privados;
III – o pagamento de multa de até 20% (vinte por cento) do valor do dano ou
da vantagem auferida, atendendo a situação econômica do agente.
§1º. Em qualquer caso, a celebração do acordo levará em conta a personalidade
do agente, a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão social do
ato de improbidade, bem como as vantagens, para o interesse público, na rápi-
da solução do caso.
§2º. O acordo também poderá ser celebrado no curso de ação de improbidade.
§3º. As negociações para a celebração do acordo ocorrerão entre o Ministério
Público e o investigado ou demandado e o seu defensor.
§4º. O acordo celebrado pelo órgão do Ministério Público com atribuição, no
plano judicial ou extrajudicial, deve ser objeto de aprovação, no prazo de até 60
(sessenta) dias, pelo órgão competente para apreciar as promoções de arqui-
vamento do inquérito civil.
§5º. Cumprido o disposto no § 4º deste artigo, o acordo será encaminhado ao
juízo competente para fins de homologação.

O artigo, porém, foi vetado pelo Presidente da República. O principal


fundamento, na visão da Presidência da República, foi o fato de que:
“(...) ao determinar que caberá ao Ministério Público a celebração de
acordo de não persecução cível nas ações de improbidade administrativa,
contraria o interesse público e gera insegurança jurídica ao ser incongruente
com o art. 17 da própria Lei de Improbidade Administrativa, que se mantém
inalterado, o qual dispõe que a ação judicial pela prática de ato de improbidade
administrativa pode ser proposta pelo Ministério Público e/ou pessoa jurídica

198
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

interessada leia-se, aqui, pessoa jurídica de direito público vítima do ato de


improbidade. Assim, excluir o ente público lesado da possibilidade de
celebração do acordo de não persecução cível representa retrocesso da matéria,
haja vista se tratar de real interessado na finalização da demanda, além de não
se apresentar harmônico com o sistema jurídico vigente.”
Percebam que o dispositivo vetado estabelecia as diretrizes do acordo de
não persecução cível. Com a sua exclusão, entendemos que os parâmetros do
acordo estão previstos na Resolução n. 179 do CNMP, bem como nas resoluções
dos respectivos Ministério Públicos, que trazem a regulamentação do
compromisso de ajustamento, estabelecendo, inclusive, as diretrizes quando
envolver improbidade administrativa. Ademais, o texto vetado poderá servir,
também, como diretriz para avaliar a proporcionalidade do acordo.
Com o veto, aparentemente, o acordo de não persecução cível poderá ser
firmado pelas pessoas jurídicas lesadas, tendo em vista que possuem, também,
a legitimidade para ajuizar a ação por ato de improbidade administrativa.
Porém, quando não for parte do acordo de não persecução cível, deverá o
Ministério Público figurar como custos iuris, com fundamento no §1º do mesmo
artigo (o Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará
obrigatoriamente como fiscal da lei.).

199
estácio Luiz & pedrotenório

CAPÍTULO 7 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
9.296/96
(INTERCEPTAÇÕES
TELEFÔNICAS)
COMENTADAS

200
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1 DA CAPTAÇÃO AMBIENTAL DE SINAIS ELETROMAGNÉTICOS,


ÓPTICOS OU ACÚSTICOS
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 8º-A. Para investigação ou instru-
ção criminal, poderá ser autorizada
pelo juiz, a requerimento da autorida-
de policial ou do Ministério Público, a
captação ambiental de sinais eletro-
magnéticos, ópticos ou acústicos,
quando:
I - a prova não puder ser feita por ou-
tros meios disponíveis e igualmente
eficazes; e
II - houver elementos probatórios ra-
zoáveis de autoria e participação em
infrações criminais cujas penas máxi-
mas sejam superiores a 4 (quatro)
anos ou em infrações penais conexas.
§1º. O requerimento deverá descrever
circunstanciadamente o local e a for-
ma de instalação do dispositivo de
captação ambiental.
§3º. A captação ambiental não poderá
exceder o prazo de 15 (quinze) dias,
renovável por decisão judicial por
iguais períodos, se comprovada a in-
dispensabilidade do meio de prova e
quando presente atividade criminal
permanente, habitual ou continuada.
§5º. Aplicam-se subsidiariamente à
captação ambiental as regras previstas
na legislação específica para a inter-
ceptação telefônica e telemática.

2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O PAC veio suprir uma lacuna há muito criticada pela doutrina
especializada, pois a captação de sinais eletromagnéticos apenas era prevista na
Lei 12.850/13. Logo, havia grande discussão doutrinária se ela se aplicava aos
crimes que não tivessem enquadrados na trama das organizações criminosas.
Com a inovação, tem-se tranquilidade em dizer que, agora, cumpridos os
requisitos do art. 8º-A, as infrações penais mesmo sem ser praticadas no
contexto de organizações criminosas poderão ser alvo da interceptação
ambiental.
201
estácio Luiz & pedrotenório

3 CONCEITO
É um meio de obtenção de prova voltado a captação de imagens, sons e
quaisquer outros sinais eletromagnéticos, em vista de obter informações
relevantes e fontes de prova a serem submetidas ao contraditório judicial.

4 REQUISITOS
A) A PROVA NÃO PUDER SER FEITA POR OUTROS MEIOS
DISPONÍVEIS E IGUALMENTE EFICAZES (ART. 8º-A, I)
Aqui, do mesmo modo que a interceptação telefônica, tem-se requisito de
proteção à intimidade dos cidadãos, direito fundamental importantíssimo no
contexto da modernidade recente.
A captação ambiental deve ser usada como ultima ratio, devendo a
investigação utilizar os meios naturais e clássicos de obtenção de prova. Caso
não haja eficácia nos meios clássicos, aí sim, deverá optar-se pela captação.

B) HOUVER ELEMENTOS PROBATÓRIOS RAZOÁVEIS DE AUTORIA E


PARTICIPAÇÃO EM INFRAÇÕES CRIMINAIS CUJAS PENAS MÁXIMAS
SEJAM SUPERIORES A 4 (QUATRO) ANOS OU EM INFRAÇÕES PENAIS
CONEXAS (ART. 8º-A, II)
Note-se que este requisito volta-se para a gravidade do crime, evitando
intervenções desnecessárias e desproporcionais do Estado na intimidade do
cidadão quando pela baixa gravidade do crime o meio não se coaduna com o
fim.
Perceba-se aqui que esse requisito específico da captação ambiental não
se confunde com o requisito da interceptação telefônica. Na captação, exige-se
que o crime investigado seja punido com pena máxima superior a 4 (quatro)
anos ou em infrações conexas, independentemente se reclusão ou detenção. Já
na interceptação, exige-se que o crime investigado tenha pena prevista de
reclusão, não especificando a quantidade. Para melhor aprendizagem, vejamos:

202
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA CAPTAÇÃO AMBIENTAL


Art. 2°. Não será admitida a intercep- Art. 8º-A. (...)
tação de comunicações telefônicas II - houver elementos probatórios ra-
quando ocorrer qualquer das seguin- zoáveis de autoria e participação em
tes hipóteses: infrações criminais cujas penas máxi-
I - não houver indícios razoáveis da mas sejam superiores a 4 (quatro)
autoria ou participação em infração anos ou em infrações penais conexas.
penal;
II - a prova puder ser feita por outros
meios disponíveis;
III - o fato investigado constituir in-
fração penal punida, no máximo, com
pena de detenção.

Ponto interessante em relação ao final do deste requisito é a previsão das


infrações penais conexas. Note-se que o PAC previu que se duas ou mais
infrações estão sendo investigadas num mesmo contexto investigatório e uma
delas apenas preenche o requisito objetivo da pena máxima superior a 4
(quatro) anos, a prova obtida pela técnica especial da captação ambiental é
válida para todos os outros crimes.
Não se pode confundir essa previsão legal com o encontro fortuito de
prova, também chamado princípio da serendipidade probatória ou crime
achado. Nesses casos, há um crime sendo investigado e durante essa
investigação específica encontra-se, fortuitamente, provas de outra ou outras
infrações penais e/ou de outros autor(es) ou partícipe(s). A jurisprudência do
STF tem se posicionado firmemente no sentido da admissibilidade da prova
ainda que não haja conexão entre os crimes alvo do encontro (STF. HC
129678/SP, 1ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de
Moraes, 13/06/2017).

5 FORMALIDADES DO REQUERIMENTO
Segundo o §1º do novo artigo, o requerimento deverá descrever
circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação
ambiental. Essa é, portanto, condição obrigatória para deferimento da técnica
especial de obtenção de prova. O magistrado velará pelo preenchimento dessas
condições objetiva e dos demais requisitos da medida.
203
estácio Luiz & pedrotenório

6 DO PRAZO PARA REALIZAÇÃO DA CAPTAÇÃO AMBIENTAL


Segundo o §3º do art. 8º-A, a captação ambiental não poderá exceder o prazo
de 15 (quinze) dias. Há, porém, possibilidade de sucessivas renovações por iguais
períodos de 15 (quinze) dias, sempre por meio de decisão judicial
fundamentada, desde que: a) comprovada a indispensabilidade do meio de
prova; ou b) quando presente atividade criminal permanente, habitual ou
continuada.
Interessante citar, nesse ponto, algumas decisões interessantes advindas
da experiência recente dos tribunais superiores com os meandros da
interceptação telefônica, e que podem, sem maiores esforços, se encaixar na
sistemática da captação ambiental.
Falamos da possibilidade reconhecida pelo STF e STJ de autorização da
interceptação por 30 dias consecutivos, desde que preenchidas as seguintes
condições: a) Complexidade da investigação; b) Complexidade dos crimes
praticados; c) Elevado número de crimes investigados ou elevado número de
agentes investigados (STJ. RHC 88.021/PE, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi,
15/03/2018; STJ. HC 106007/MS, 6ª T., Rel. Min. Og Fernandes, J. 17/08/2010;
STF. HC 106129/MS, 1ª T., Rel. Min. Dias Toffoli, J. 06/03/2012).
Outra jurisprudência pacífica sobre a sistemática da interceptação, mas
que com certeza será aproveitada para a captação ambiental, diz respeito ao
termo inicial de contagem do prazo de 15 dias.
Conta-se o prazo do dia do efetivo início da interceptação e não o dia da
autorização judicial, isso porque nem sempre as audições começam no dia da
autorização, pois exige-se técnica específica adotada pelas empresas de telecomunicações
para o início do procedimento (STJ. HC 113.477/DF, 6ª T., Rel. Min. Maria
Thereza de Assis Moura, 20/03/2012 – Info 493 STJ).

7 DA APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DAS REGRAS DA INTERCEPTAÇÃO


O §5º do art. 8º-A prevê a aplicação subsidiária à captação ambiental das
regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e
telemática. Ou seja, se e quando houver lacuna na regulamentação da captação
ambiental, esta será suprida pelas regras específicas voltadas à interceptação,
também previstas na Lei 9.296/96.

204
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

8 DO CRIME DE REALIZAÇÃO DE CAPTAÇÃO AMBIENTAL SEM


AUTORIZAÇÃO LEGAL: CAPTAÇÃO CLANDESTINA OU GRAMPO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 10-A. Realizar captação ambiental
de sinais eletromagnéticos, ópticos ou
acústicos para investigação ou instru-
ção criminal sem autorização judicial,
quando esta for exigida:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (qua-
tro) anos, e multa.
§1º. Não há crime se a captação é rea-
lizada por um dos interlocutores.
§2º. A pena será aplicada em dobro ao
funcionário público que descumprir
determinação de sigilo das investiga-
ções que envolvam a captação ambi-
ental ou revelar o conteúdo das gra-
vações enquanto mantido o sigilo ju-
dicial.

8.1 DA FIGURA TÍPICA


Trata-se de crime bicomum, podendo ser cometido por qualquer pessoa
e sendo vítima a pessoa captada ilegalmente. É crime formal, pois não exige a
ocorrência de nenhum resultado naturalístico. O bem jurídico tutelado é a
intimidade e a vida privada dos indivíduos, bem de estatura constitucional
(art. 5º, X, CF).

8.2 DA CAUSA EXCLUDENTE DE TIPICIDADE


O §1º do art. 10-A prevê que não há crime se a captação é realizada por um
dos interlocutores. Tem-se aqui uma importantíssima previsão normativa em
vista de garantir segurança jurídica ao agente interlocutor.
Consideramos ser causa excludente de tipicidade, pois a figura do §1º
desnatura o elemento objetivo descritivo do tipo relativo à necessidade de
autorização judicial. Ou seja, o §1º autoriza a captação ambiental do
interlocutor, retirando a tipicidade do crime.

205
estácio Luiz & pedrotenório

Questão interessante diz respeito a melhor solução jurídica para o caso


em que o interlocutor captado peça sigilo ao interlocutor captador, sem saber
que está sendo gravado.
Imagine o seguinte caso: José e João estão num quarto de hotel, local que
marcaram antecipadamente para tratar sobre um assunto privado. Na conversa,
que José pediu expressamente sigilo, ele confessa a prática de crimes contra a
Administração Pública, contra a ordem tributária e de lavagem de capitais. João
está captando os sinais de áudio e vídeo com dispositivo específico. Nesse caso,
ainda se mantém a excludente de tipicidade?
Entendemos que não, pois o interlocutor captado está em local privado,
conversando em sigilo, com expectativa real e razoável, de manter o conteúdo
da conversa resguardado pelo direito à intimidade (direito probatório de
terceira geração)23. Nesses casos, entendemos que a captação necessita de
autorização judicial, como se dá na sistemática da interceptação telefônica.
Perceba-se que não se aventou a hipótese de captação para uso da prova
em favor da defesa. Nesse caso, a jurisprudência é pacífica no STF e no STJ no
sentido de que, sendo o único meio de defesa, pode haver gravação do
conteúdo da conversa.

8.3 DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA RELATIVA AO FUNCIONÁRIO


PÚBLICO
O §2º do art. 10-A prevê que a pena será aplicada em dobro ao funcionário
público que descumprir determinação de sigilo das investigações que envolvam a
captação ambiental ou revelar o conteúdo das gravações enquanto mantido o sigilo
judicial.
A causa de aumento refere-se apenas ao funcionário público. Se
descumprir determinação de sigilo das investigações envolvendo captação
ambiental ou revelar conteúdo das gravações durante o sigilo, terá sua pena
elevado ao dobro na terceira fase da dosimetria da pena, podendo até mesmo
levá-la a patamar mais alto do que o máximo abstratamente previsto.

23Para aprofundamento ver: STJ. RHC 51.531/RO, 6ª T., Rel. Min. Nefi Cordeiro, 19/04/2016.
Ver também: KNIJNIK, Danilo. A trilogia Olmstead-Katz-Kyllo: o art. 5º da Constituição Fe-
deral do Século XXI. Revista da Escola da Magistratura do TRF da 4º Região, Ano 2, nº 4, Porto
Alegre, 2016, p. 77-96. Disponível em: https://www2.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/bnu_05-a-
trilogia.pdf.
206
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 8 DA
MODIFICAÇÃO NA LEI
9.613/98 (LAVAGEM
DE CAPITAIS)
COMENTADA

207
estácio Luiz & pedrotenório

1 DA POSSIBILIDADE DE USO DAS TÉCNICAS ESPECIAIS DE


INVESTIGAÇÃO: AÇÃO CONTROLADA E INFILTRAÇÃO DE AGENTES
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC

Trata-se de inovação legislativa! Art. 1º. (...) §6º. Para a apuração do

crime de que trata este artigo, admite-

se a utilização da ação controlada e da


infiltração de agentes.

2 BREVÍSSIMO HISTÓRICO DA LEI DE LAVAGEM


O método criminal da lavagem de capitais obtidos através de infração
penal surgiu nos anos 20 e 30 do século XX como objetivo de ocultar ou
dissimular os capitais (bens ou valores) adquiridos através de ações ilícitas,
sobretudo pelas máfias americanas.

Em Chicago, criminosos começaram a literalmente adquirir e gerir


comercialmente lavanderias com o fim de dissimular e/ou ocultar os bens e

capitais ilícitos angariados através da prática criminosa. Naquele contexto, o


crime antecedente estava diretamente ligado à proibição do consumo de álcool,
a chamada lei seca.

Em outros países, como a Espanha, o método da lavagem é chamado de


blanqueamiento de capitales. No Brasil, em virtude dos legisladores

entenderem como pejorativo o termo branqueamento em razão da possível


interpretação racista, utiliza-se apenas o termo lavagem.

Se antes o método da lavagem destinava-se a crimes com pouca


complexidade e maior nível de violência, a criminalidade moderna parece ter

acrescentado a esse cenário os chamados crimes de colarinho branco, pois hoje


grande parte das condutas de dissimulação e ocultação de bens e valores ilícitos
derivam de crimes contra a ordem tributária, contra o sistema financeiro, e no

Brasil, como não poderia ser diferente, dos crimes contra a Administração
Pública.

208
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

3 CONCEITO DE LAVAGEM DE CAPITAIS


Trata-se de todo processo de ocultação ou dissimulação da natureza,
origem, disposição, movimentação ou propriedade de um bem, direito ou
valor adquirido através de atividade delitiva criminal ou contravencional, a
fim de dar uma aparência de legalidade a esses ativos.
Perceba-se que o processo ou método utilizado para lavagem de
capitais não precisa ser complexo nem precisa envolver envio de ativos ao
exterior, podendo muitas vezes derivar de processos simples com incidência
meramente nacional.
O delito de lavagem é classificado como acessório, parasitário ou delito
de fusão, pois sempre dependerá de uma conduta delitiva antecedente, logo a
lavagem somente se perfaz se houver o crime anterior que gere riqueza a ser
ocultada ou dissimulada (infração produtora). Registre-se que a caracterização
da lavagem pode se dar mesmo nos casos em que não se conheça a autoria do
crime antecedente, ou mesmo quando extinta a sua punibilidade. Outros
exemplos de crimes parasitários: receptação (art. 180, CP); favorecimento
pessoal e real (art. 348 e 349, CP).

4 DAS TÉCNICAS ESPECIAIS DE INVESTIGAÇÃO


Como é possível perceber, esse tipo de criminalidade moderna, inserida
no contexto da macrocriminalidade econômica, envolvendo amiúde
transnacionalidade, precisa ser investigada a partir de métodos tanto eficazes
quanto modernos.
Só assim é possível reprimir e prevenir a atuação de uma criminalidade
que a cada dia se especializa, se moderniza e se prepara para burlar as ações
persecutórias do Estado.
Foi dentro desse caldo histórico e fático que surgem as técnicas especiais
de investigação previstas na legislação especial brasileira. É bem verdade que
essas técnicas ficaram mais sistematizadas e regulamentadas a partir da Lei
12.850/13, que as previu para o enfrentamento do crime organizado.

209
estácio Luiz & pedrotenório

4.1 AÇÃO CONTROLADA


A ação controlada, também chamada de não-atuação policial ou até
flagrante retardado, é a técnica especial de investigação baseada na monitoração
da infração penal que já está ocorrendo, deixando os agentes de atuarem no
flagrante em busca do melhor desempenho das investigações. Ou seja, os
responsáveis pela investigação sabem e monitoram a infração, sem agir para
impedi-lo.
Porém, isso não representa nenhuma infração disciplinar, nem tampouco
hipótese de participação nos termos do art. 13º, §2º, do Código Penal, pois a
não-atuação visa justamente efetuar o flagrante no melhor momento para a
investigação, prendendo os líderes, apreendendo maior quantidade de droga,
etc.
Antes do PAC, o art. 4º-B já tratava superficialmente do tema da ação
controlada, exigindo que o juiz previamente autorizasse, após ouvir o
Ministério Público, a suspensão de ações como ordens de prisão ou decretos de
medidas assecuratórias, quando a sua execução imediata dessas ordens pudesse
comprometer as investigações.
Agora com a nova redação do §6º do art. 1º, note-se que o legislador quis
efetivamente submeter a sistemática da ação controlada prevista na Lei
12.850/13 aos crimes de lavagem de capitais. Assim, a pergunta a ser feita é,
quais as diferenças entre a previsão do art. 4º-B da Lei 9.613/98 (Lei de
Lavagem) e a disposição do art. 8º e 9º da Lei 12.850/13 (Lei de Combate ao
Crime Organizado)? Vejamos:
AÇÃO CONTROLADA NA LEI DE AÇÃO CONTROLADA NA LEI DE
LAVAGEM ORCRIM
Art. 4º-B. A ordem de prisão de pes- Art. 8º. Consiste a ação controlada em
soas ou as medidas assecuratórias de retardar a intervenção policial ou ad-
bens, direitos ou valores poderão ser ministrativa relativa à ação praticada
suspensas pelo juiz, ouvido o Ministé- por organização criminosa ou a ela
rio Público, quando a sua execução vinculada, desde que mantida sob
imediata puder comprometer as in- observação e acompanhamento para
vestigações. que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de
provas e obtenção de informações.
§1º. O retardamento da intervenção

210
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

policial ou administrativa será previ-


amente comunicado ao juiz competen-
te que, se for o caso, estabelecerá os
seus limites e comunicará ao Ministé-
rio Público.
§2º. A comunicação será sigilosamen-
te distribuída de forma a não conter
informações que possam indicar a
operação a ser efetuada.
§3º. Até o encerramento da diligência,
o acesso aos autos será restrito ao juiz,
ao Ministério Público e ao delegado
de polícia, como forma de garantir o
êxito das investigações.
§4º. Ao término da diligência, elabo-
rar-se-á auto circunstanciado acerca
da ação controlada.
Art. 9º. Se a ação controlada envolver
transposição de fronteiras, o retarda-
mento da intervenção policial ou ad-
ministrativa somente poderá ocorrer
com a cooperação das autoridades dos
países que figurem como provável
itinerário ou destino do investigado,
de modo a reduzir os riscos de fuga e
extravio do produto, objeto, instru-
mento ou proveito do crime.

Perceba-se, portanto, que, na prática, com a sistemática da ação

controlada prevista na Lei 12.850/13 expressamente adotada pelo art. 1º, §6º da

Lei de Lavagem, o juiz não mais precisa autorizar previamente a não-atuação,

devendo, contudo, ser comunicado, para, se necessário, estabelecer os limites da

medida.

Essa mudança vem ao encontro do espírito mesmo do PAC, pois

desburocratiza a investigação nos casos de lavagem de capitais, pois a ação

controlada antes estava submetida a autorização judicial prévia, com oitiva

obrigatória do Ministério Público, agora não mais.

211
estácio Luiz & pedrotenório

4.2 DA INFILTRAÇÃO DE AGENTES


Antes de qualquer consideração, daremos um conceito breve de
infiltração de agentes, visto que enfrentaremos diretamente o tema quando do
estudo das mudanças na Lei 12.850/13. Pois bem, agente infiltrado (art. 10 e
seguintes da lei de organização criminosa) é aquele que se infiltra no seio de
organização criminosa para desbarata-la, descobrindo e relatando
informações sobre a liderança, forma de atuação, instrumentos utilizados, etc.
O art. 1º, §6º, inova ao prever a possibilidade da técnica especial da infiltração
de agentes. Como visto, antes era até possível se falar em ação controlada,
mesmo que a partir de regulamentação diversa da Lei 12.850/13.
Mas, em relação à infiltração, esta somente era possível para as investigações
voltadas aos crimes envolvendo organização criminosa.
Agora, com o PAC, a infiltração é possível também na investigação dos
crimes de lavagem de capitais previstos no art. 1º e parágrafos da Lei 9.613/98.
É sem dúvida nenhuma um avanço para a repressão dessa estirpe de
criminalidade, complexa, bem articulada e extremamente preparada para
confrontar o Estado.
Sem essa especialização das técnicas investigatórias em crimes de
tamanha gravidade e complexidade, o Estado fica sempre atrás da
criminalidade, sempre acanhado, retardatário, numa experiência burlesca,
ridícula, de quem tenta subir uma montanha com um pedra amarrada aos pés.

212
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

CAPÍTULO 9 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
10.826/03
(ESTATUTO DO
DESARMAMENTO)
COMENTADAS

213
estácio Luiz & pedrotenório

1 DELITOS HEDIONDOS DO ESTATUTO DO DESARMAMENTO


O crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e suas
formas equiparadas passou a ser crime hediondo a partir de 2017, sendo
punido com pena de reclusão de 3 a 6 anos.
Com a mudança promovida pelo PAC, não apenas o crime de posse ou
porte de arma de fogo de uso proibido ou restrito são considerados como
hediondos, mas também os crimes de comércio ilegal de arma de fogo e tráfico
internacional de armas, arts. 17 e 18, respectivamente.
Em todos eles, a pena poderá ser cumprida em regime inicial fechado,
semiaberto ou aberto, nos termos da jurisprudência do STF, porém esses crimes
são inafiançáveis e insuscetíveis de graça, anistia e indulto, pois são hediondos!

2 DAS MUDANÇAS PROMOVIDAS PELO PAC NA LEI 10.826/03


2.1 DOS CONCEITOS DE PERMISSÃO, PROIBIÇÃO E RESTRIÇÃO DAS
ARMAS DE FOGO
Os conceitos relativos à restrição ou proibição da arma de fogo são dados
pelos Decretos 9.845/19 (posse de arma de fogo) e 9.847/19 (porte de arma de
fogo), ambos de 25 de Julho de 2019. Vários instrumentos normativos anteriores
foram revogados.
Com os novos Decretos, a classificação entre armas de uso armas de uso
permitido e restrito perdeu o parâmetro do tipo da arma de fogo em si e passou a adotar
um parâmetro lastreado no potencial lesivo do armamento, isto é, na sua força cinética,
medida em joule.24
As armas de fogo de uso permitido é aquela cuja utilização é autorizada
a pessoas físicas, bem como a pessoas jurídicas, não integrantes das Forças
Armadas ou dos Órgãos de Segurança Pública previstos no art. 144, CF.

24 MinistérioPúblico do Estado do Paraná. Centro de Apoio Operacional das Promotorias Cri-


minais,do Júri e de Execuções penais. Armas de fogo e Munições: Análise das alterações trazi-
das pelo Decreto n.º 9.847/2019. Disponível em:
http://www.criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Estudo_-_Decreto_9_785-2019_-
_Regulamento_das_Armas_versao_definitiva_pos_Portaria_-_em_20-8-2019.pdf.

214
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

As armas de fogo de uso restrito são aquelas de uso exclusivo das Forças

Armadas, de instituições de segurança pública e de pessoas físicas e jurídicas

habilitadas, devidamente autorizadas pelo Comando do Exército, de acordo

com legislação específica.

As armas de fogo de uso proibido, por sua vez, são aquelas previstas em

acordos e tratados internacionais aos quais o Brasil seja signatário, bem como as

armas dissimuladas, que parecem ter caráter inofensivo, v.g., caneta-revólver,

guarda-chuva, etc.

ARMA DE FOGO DE ARMA DE FOGO DE ARMA DE FOGO DE


USO PERMITIDO USO RESTRITO USO PROIBIDO
Art. 2º. Para fins do dis- Art. 2º. Para fins do dis- Art. 2º. Para fins do dis-
posto neste Decreto, posto neste Decreto, posto neste Decreto,
considera-se: considera-se: considera-se:
I - arma de fogo de uso II - arma de fogo de uso III - arma de fogo de
permitido - as armas de restrito - as armas de uso proibido:
fogo semiautomáticas ou fogo automáticas, semi- a) as armas de fogo clas-
de repetição que sejam: automáticas ou de repe- sificadas de uso proibido
a) de porte, cujo calibre tição que sejam: em acordos e tratados
nominal, com a utiliza- a) não portáteis; internacionais dos quais
ção de munição comum, b) de porte, cujo calibre a República Federativa
não atinja, na saída do nominal, com a utiliza- do Brasil seja signatária;
cano de prova, energia ção de munição comum, ou
cinética superior a mil e atinja, na saída do cano b) as armas de fogo dis-
duzentas libras-pé ou de prova, energia cinéti- simuladas, com aparên-
mil seiscentos e vinte ca superior a mil e du- cia de objetos inofensi-
joules; zentas libras-pé ou mil vos;
b) portáteis de alma lisa; seiscentos e vinte joules;
ou ou
c) portáteis de alma rai- c) portáteis de alma rai-
ada, cujo calibre nomi- ada, cujo calibre nomi-
nal, com a utilização de nal, com a utilização de
munição comum, não munição comum, atinja,
atinja, na saída do cano na saída do cano de pro-
de prova, energia cinéti- va, energia cinética su-
ca superior a mil e du- perior a mil e duzentas
zentas libras-pé ou mil libras-pé ou mil seiscen-
seiscentos e vinte joules; tos e vinte joules;

215
estácio Luiz & pedrotenório

Lembremos, ainda que a tipificação criminal do Estatuto do


desarmamento contempla elementos descritivos relacionados à munição de
armas de fogo. Também o art. 2º do Decreto 9.845/19 conceitua as munições de
uso proibido e restrito, vejamos:
MUNIÇÃO DE USO RESTRITO MUNIÇÃO DE USO PROIBIDO
Art. 2º. Para fins do disposto neste Art. 2º. Para fins do disposto neste
Decreto, considera-se: IV - munição Decreto, considera-se: V - munição de
de uso restrito - as munições que: uso proibido - as munições que sejam
a) atinjam, na saída do cano de prova assim definidas em acordo ou tratado
de armas de porte ou portáteis de al- internacional de que a República Fe-
ma raiada, energia cinética superior a derativa do Brasil seja signatária e as
mil e duzentas libras-pé ou mil seis- munições incendiárias ou químicas;
centos e vinte joules;
b) sejam traçantes, perfurantes ou fu-
mígenas;
c) sejam granadas de obuseiro, de ca-
nhão, de morteiro, de mão ou de bo-
cal; ou
d) sejam rojões, foguetes, mísseis ou
bombas de qualquer natureza;

Do mesmo modo, a sistemática do Estatuto prescreve o elemento


descritivo do tipo relacionado aos acessórios de arma de fogo. Assim, aquele
agente que pratica uma das condutas previstas na Lei 10.826/03 relacionadas a
acessório de arma de fogo sem autorização está incurso nas penas cominadas.
Mas, onde encontrar o conceito técnico de acessório? Ele está previsto no
anexo 1 do Decreto 10.030/19, que aprova o regulamento dos produtos
controlados, vejamos:
ACESSÓRIO DE ARMA DE FOGO
Artefato que, acoplado a uma arma, possibilita a melhoria do desempenho do
atirador, a modificação de um efeito secundário do tiro ou a modificação do
aspecto visual da arma.

216
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.2 CRIME DE POSSE OU PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO


RESTRITO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 16. Possuir, deter, portar, adqui- Art. 16. Possuir, deter, portar, adqui-
rir, fornecer, receber, ter em depósito, rir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratui- transportar, ceder, ainda que gratui-
tamente, emprestar, remeter, empre- tamente, emprestar, remeter, empre-
gar, manter sob sua guarda ou ocultar gar, manter sob sua guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição arma de fogo, acessório ou munição
de uso proibido ou restrito, sem auto- de uso restrito, sem autorização e em
rização e em desacordo com determi- desacordo com determinação legal ou
nação legal ou regulamentar: regulamentar:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis)
anos, e multa. anos, e multa.

A mudança promovida pelo PAC foi textualmente sutil, mas


importantíssima do ponto de vista prático. Antes, era crime único cometer
qualquer das condutas previstas no caput e §1º do art. 16, todas relacionadas à
arma de fogo de uso proibido ou restrito.
Agora, somente incide nas penas do art. 16, menos graves por sinal,
aquele que comete uma das condutas do caput e §1º relacionadas
exclusivamente à arma de fogo de uso restrito.
Sendo assim, nota-se de logo que se trata de uma norma incapaz de
alterar os processos em curso e as condenações já exaradas, pois a nova lei não
trata de modo mais benéfico a situação dos agentes, ao contrário, trata de forma
mais dura os crimes envolvendo armas de fogo de uso proibido.

2.2 DO CRIME DE POSSE OU PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO


PROIBIDO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 16. Possuir, deter, portar, adqui- Art. 16. Possuir, deter, portar, adqui-
rir, fornecer, receber, ter em depósito, rir, fornecer, receber, ter em depósito,
transportar, ceder, ainda que gratui- transportar, ceder, ainda que gratui-
tamente, emprestar, remeter, empre- tamente, emprestar, remeter, empre-
gar, manter sob sua guarda ou ocultar gar, manter sob sua guarda ou ocultar
arma de fogo, acessório ou munição arma de fogo, acessório ou munição
de uso proibido ou restrito, sem auto- de uso restrito, sem autorização e em
rização e em desacordo com determi- desacordo com determinação legal ou

217
estácio Luiz & pedrotenório

nação legal ou regulamentar: regulamentar:


Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis)
anos, e multa. anos, e multa.
§2º. Se as condutas descritas no caput
e no §1º deste artigo envolverem arma
de fogo de uso proibido, a pena é de
reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze)
anos.

Nesta nova previsão trazida pelo PAC, inovou-se ao criar figura típica
autônoma relacionada às armas de fogo de uso proibido. Logo, se o agente
praticas as ações típicas previstas no caput e no §1º e essas condutas estão
relacionadas às armas classificadas como de uso proibido, a pena é de 4 a 12
anos, aumentando substancialmente.
Como se percebe, trata-se de novatio legis in pejus, valendo do dia da
entrada em vigor para o futuro, jamais podendo retroagir para regular fatos
passados ou ainda em sede de apuração investigativa ou processual, nos termos
dos arts. 5º, CF e 1º e 2º, CP.

2.3 DO CRIME DE COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 17. Adquirir, alugar, receber, Art. 17.Adquirir, alugar, receber,
transportar, conduzir, ocultar, ter em transportar, conduzir, ocultar, ter em
depósito, desmontar, montar, remon- depósito, desmontar, montar, remon-
tar, adulterar, vender, expor à venda, tar, adulterar, vender, expor à venda,
ou de qualquer forma utilizar, em ou de qualquer forma utilizar, em
proveito próprio ou alheio, no exercí- proveito próprio ou alheio, no exercí-
cio de atividade comercial ou indus- cio de atividade comercial ou indus-
trial, arma de fogo, acessório ou mu- trial, arma de fogo, acessório ou mu-
nição, sem autorização ou em desa- nição, sem autorização ou em desa-
cordo com determinação legal ou re- cordo com determinação legal ou re-
gulamentar: gulamentar:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oi- Pena - reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze)
to) anos, e multa. anos, e multa.
Parágrafo único. Equipara-se à ativi- §1º. Equipara-se à atividade comercial
dade comercial ou industrial, para ou industrial, para efeito deste artigo,
efeito deste artigo, qualquer forma de qualquer forma de prestação de servi-
prestação de serviços, fabricação ou ços, fabricação ou comércio irregular
comércio irregular ou clandestino, ou clandestino, inclusive o exercido
inclusive o exercido em residência. em residência.

218
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A mudança no art. 17 do Estatuto veio através de dois prismas, uma mais


simples, outros mais interessante sob o ponto de vista da análise. O primeiro, e
mais direto dos pontos de mudança, foi o aumento da pena para o crime de
comércio ilegal de arma de fogo. De 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão antes
do PAC, a pena passou para 6 a 12 anos de reclusão depois do PAC. Por óbvio,
trata-se de novatiolegisin pejus somente válida da entrada em vigor para o
futuro.

2.3.1 DO CRIME DE COMÉRCIO ILEGAL DE ARMA DE FOGO


EQUIPARADO E DA REGULAMENTAÇÃO DA FIGURA DO AGENTE
POLICIAL DISFARÇADO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 17.§2º. Incorre na mesma pena
quem vende ou entrega arma de fogo,
acessório ou munição, sem autoriza-
ção ou em desacordo com a determi-
nação legal ou regulamentar, a agente
policial disfarçado, quando presentes
elementos probatórios razoáveis de
conduta criminal preexistente.

A segunda mudança, essa mais significativa, regulamenta uma situação


de ordem da prática policial bem controvertida, tanto na doutrina quanto na
jurisprudência: a atuação das forças de segurança pública no combate a crimes
graves através de agentes disfarçados.
Perceba-se que o PAC regulamentou a figura dos agentes disfarçados,
diferenciando-os, acertadamente, do agente infiltrado, figura está muito mais
restrita e excepcional prevista nos arts. 10 e seguintes da Lei 12.850/13.
O agente disfarçado é aquele que, sem se infiltrar na organização
criminosa ou na associação de pessoas constituídas para prática de crimes, atua
à paisana, sem caracteres ostensivos, para angariar informações relevantes,
porém com caráter genérico, objetivando munir as investigações criminais.
O PAC veio para prescrever que se o criminoso vende ou entrega arma
de fogo, acessório ou munição, sem autorização ou em desacordo com a
determinação legal ou regulamentar, ao agente policial em atuação disfarçada,

219
estácio Luiz & pedrotenório

estando presentes elementos probatórios razoáveis de conduta criminal


preexistente, não há que se falar em flagrante preparado, figura que faz incidir
o art. 17 do Código Penal (crime impossível).
Antes do PAC, essa atuação quedava-se num limbo jurídico sujeita as
mais diversas formas de interpretação e aplicação normativas. É possível até
mesmo dizer que o agente policial disfarçado tinha pouquíssima segurança
jurídica para desempenhar seu mister de investigar e reprimir a criminalidade,
pois sempre poderia ser enquadrado como um agente preparador de flagrantes,
não raro estando sujeito às penalidades da Lei de abuso de autoridade.
É aquele clássico exemplo em que o policial, em atuação disfarçada,
apresenta-se como um comprador de armas perante um vendedor ilegal e este

entrega a arma solicitada, sendo preso em flagrante. Antes do PAC, essa


conduta, apesar de não estar configurada como crime impossível pela

incidência do flagrante preparado, estava nesse limbo hermenêutico e


jurisprudencial que mencionamos.
Agora, com o novo regramento, que o PAC amplia para os crimes do art.

18 também do Estatuto do Desarmamento, e para o crime de tráfico ilícito de


drogas, os agentes da segurança pública poderão atuar com maior segurança, e

a criminalidade terá menos um álibi para fomentar a impunidade.


Acerca desse tema, mencione-se a recente decisão em que o STF fez
uma distinção entre as categorias da atuação policial. Na decisão ficou clara a

diferenciação entre:
a) Agente de Inteligência: aquele cuja atuação é preventiva e genérica,

buscando informações acerca de fatos sociais relevantes, sem contudo fazer


parte do grupo criminoso. Ou seja, sua atuação dá-se quando o crime ainda não

aconteceu ou está prestes a acontecer. Justamente por isso, não haveria


necessidade de autorização judicial. Perceba-se que o agente disfarçado está
dentro dessa categoria;

b) Agente Infiltrado: aquele cuja atuação é repressiva e investigativa, ou


buscando investigar organização criminosa já existente e a prática de crimes

220
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

já consumados ou em consumação, logo a finalidade é justamente a de


investigar crime específico, buscando, com as informações angariadas,

desbaratar a organização criminosa (STF. HC 147.837/RJ, 2ª T., Rel. Min.


Gilmar Mendes, 26/02/19).

2.4 DO CRIME DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE ARMA DE FOGO E


DA REGULAMENTAÇÃO DA FIGURA DO AGENTE DISFARÇADO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 18. Importar, exportar, favorecer Art. 18.Importar, exportar, favorecer a
a entrada ou saída do território nacio- entrada ou saída do território nacio-
nal, a qualquer título, de arma de fo- nal, a qualquer título, de arma de fo-
go, acessório ou munição, sem autori- go, acessório ou munição, sem autori-
zação da autoridade competente: zação da autoridade competente:
Pena – reclusão de 4 (quatro) a 8 (oito) Pena - reclusão, de 8 (oito) a 16 (de-
anos, e multa. zesseis) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma
pena quem vende ou entrega arma de
fogo, acessório ou munição, em opera-
ção de importação, sem autorização
da autoridade competente, a agente
policial disfarçado, quando presentes
elementos probatórios razoáveis de
conduta criminal preexistente.

A respeito da figura típica do art. 18 da Lei 10.826/03, tem-se o aumento


da pena de 4 (quatro) a 8 (oito) anos de reclusão para 8 (oito) a 16 (dezesseis)
anos de reclusão. Para além disso, como já mencionado, houve regulamentação
da atuação do agente policial disfarçado, cujos comentários já foram tecidos, aos
quais remetemos o leitor.

221
estácio Luiz & pedrotenório

2.5 DA CRIAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA AO


REINCIDENTE ESPECÍFICO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 20. Nos crimes previstos nos arts. Art. 20. Nos crimes previstos nos arts.
14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada 14, 15, 16, 17 e 18, a pena é aumentada
da metade se forem praticados por da metade se:
integrante dos órgãos e empresas refe- I - forem praticados por integrante
ridas nos arts. 6º, 7º e 8º desta Lei. dos órgãos e empresas referidas nos
arts. 6º, 7º e 8º desta Lei; ou
II - o agente for reincidente específico
em crimes dessa natureza.

Neste ponto, tem-se que o PAC criou nova causa de aumento de pena,
visando punir com mais rigor o criminoso reincidente específico nos crimes dos
art. 14 (porte ilegal), 15 (disparo em via pública), 16 (posse ou porte de arma de
fogo de uso restrito e proibido), 17 (comércio ilegal) e 18 (tráfico internacional
de arma de fogo). Como se trata de causa de aumento, o magistrado irá aplicá-
la na terceira fase da dosimetria da pena.

2.6 DA CRIAÇÃO DO BANCO NACIONAL DE PERFIS BALÍSTICOS


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 34-A. Os dados relacionados à coleta
de registros balísticos serão armazenados
no Banco Nacional de Perfis Balísticos.
§1º. O Banco Nacional de Perfis Balísticos
tem como objetivo cadastrar armas de
fogo e armazenar características de classe
e individualizadoras de projéteis e de
estojos de munição deflagrados por arma
de fogo.
§2º. O Banco Nacional de Perfis Balísticos
será constituído pelos registros de ele-
mentos de munição deflagrados por ar-
mas de fogo relacionados a crimes, para
subsidiar ações destinadas às apurações
criminais federais, estaduais e distritais.
§3º. O Banco Nacional de Perfis Balísticos
será gerido pela unidade oficial de perícia

222
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

criminal.
§4º. Os dados constantes do Banco Naci-
onal de Perfis Balísticos terão caráter sigi-
loso, e aquele que permitir ou promover
sua utilização para fins diversos dos pre-
vistos nesta Lei ou em decisão judicial
responderá civil, penal e administrativa-
mente.
§5º. É vedada a comercialização, total ou
parcial, da base de dados do Banco Naci-
onal de Perfis Balísticos.
§6º. A formação, a gestão e o acesso ao
Banco Nacional de Perfis Balísticos serão
regulamentados em ato do Poder Execu-
tivo federal.

Sobre esta inovação, remetemos o leitor à letra da Lei, pois se trata de


regulamentação de caráter administrativo sem maiores reflexos judiciais. Em
provas de concurso, entendemos que se a mudança for alvo de cobrança, o que
não esperamos, o examinador tenderá a explorar o texto seco da Lei.

223
estácio Luiz & pedrotenório

CAPÍTULO 10 DA
MUDANÇA NA LEI
11.343/06 (LEI DE
DROGAS)
COMENTADAS

224
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1 DA REGULAMENTAÇÃO DA ATUAÇÃO POLICIAL DISFARÇADA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 33,§1º, IV - vende ou entrega
drogas ou matéria-prima, insumo ou
produto químico destinado à prepara-
ção de drogas, sem autorização ou em
desacordo com a determinação legal
ou regulamentar, a agente policial dis-
farçado, quando presentes elementos
probatórios razoáveis de conduta cri-
minal preexistente.

O PAC cria a figura equiparada ao tráfico relativa e regulamenta a


atuação disfarçada do policial. Acerca dos comentários pormenorizadas do
policial disfarçado, remetemos o leitor ao ponto 2.3.1 dos comentários à Lei
10.826 (Estatuto do Desarmamento). Os conceitos técnicos são os mesmos, assim
como o espírito do PAC, com a diferença da incidência típica, na Lei 10.826/03,
o agente policial disfarçado age em relação aos crimes envolvendo armas de
fogo, na Lei 11.343/06, o agente policial disfarçado age em relação aos crimes
envolvendo tráfico de drogas.
De qualquer forma não custa lembrar o exemplo clássico em que o
policial, em atuação disfarçada, pede drogas a um traficante e este, já trazendo
consigo a droga, entrega ao policial. Aqui, trata-se da figura típica prevista no
art. 33, §1º, IV da Lei 11.343/06, configurando flagrante legal, já que o agente já
estava praticando a conduta típica na modalidade trazer consigo.
Por outro lado, se o policial, em atuação disfarçada, pede drogas a um
indivíduo e este, não portando nem trazendo consigo nenhuma droga, é
convencido pelo policial a buscar a substância a fim de vendê-lo, nesse caso,
não há incidência da figura típica do art. 33 §1º, IV da Lei de Drogas em razão
de flagrante preparado, espécie de crime impossível previsto no art. 17, CP.

225
estácio Luiz & pedrotenório

CAPÍTULO 11 DAS
MODIFICAÇÕES NA LEI
12.850/13 (CRIME
ORGANIZADO)
COMENTADAS

226
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

1 DO TRATAMENTO MAIS GRAVOSO NA EXECUÇÃO DA PENA DOS


INTEGRANTES DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 2º. (...)
§8º. As lideranças de organizações
criminosas armadas ou que tenham
armas à disposição deverão iniciar o
cumprimento da pena em estabeleci-
mentos penais de segurança máxima.
§9º. O condenado expressamente em
sentença por integrar organização
criminosa ou por crime praticado por
meio de organização criminosa não
poderá progredir de regime de cum-
primento de pena ou obter livramento
condicional ou outros benefícios prisi-
onais se houver elementos probatórios
que indiquem a manutenção do víncu-
lo associativo.

1.1 DA OBRIGATORIEDADE DO INÍCIO DO CUMPRIMENTO DE PENA


EM ESTABELECIMENTO PENAL DE SEGURANÇA MÁXIMA E DA
VEDAÇÃO À PROGRESSÃO DE REGIME, OBTENÇÃO DO
LIVRAMENTO CONDICIONAL E OUTROS BENEFÍCIOS SE MANTIDO O
VÍNCULO ASSOCIATIVO
O PAC traz no novo §8º do art. 2º a obrigatoriedade de os líderes de
organizações criminosas armadas ou que tenham armas à disposição iniciarem
o cumprimento de pena em estabelecimentos de segurança máxima. Esse
dispositivo está na lógica central do PAC de investigar, processar, condenar e
isolar os líderes de organizações criminosas.
No caso do novo §9º do art. 2º, tem-se o recrudescimento do tratamento
no cumprimento da pena do condenado por integrar ou praticar crimes por
meio de organização criminosa se evidenciados elementos probatórios que
comprovem a manutenção do vínculo associativo. Uma vez mais, o PAC
mantém seu espírito. Andou bem o legislador.

227
estácio Luiz & pedrotenório

2 DAS MODIFICAÇÕES NA SISTEMÁTICA DA COLABORAÇÃO

PREMIADA

2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

O instituto da colaboração premiada é típico da justiça negocial e do di-

reito penal premial, cuja aplicação possui grande influência na cultura jurídica

anglo-saxã (plea bargain) e que ganhou muito espaço na cultura jurídica italiana.

Por meio da colaboração, o Estado realiza uma série de negociações ajus-

tes de vontades com o criminoso envolvido na prática delitiva a fim de ampliar

o raio da investigação e de responsabilização de outros criminosos envolvidos.

Com isso, busca-se atingir a estrutura da organização criminosa, impedir a prá-

tica de novas infrações, resguardar a vida e a integridade de pessoas, etc.

No crime organizado, a lei do silêncio impera, sendo inclusive um dever

de tribo, observável sob pena de aplicação de sanções das mais cruéis em face

dos famigerados delatores (X9) aplicadas pelos líderes ou a seu mando.

Nesse sentido, aquele que trai a confiança e revela o modo de atuação, os

planos e a responsabilidade criminal dos comparsas é alvo de pesada vingança.

Por essa razão, a lei do silêncio há muito dificultou o desbaratamento de gran-

des grupos criminosos, que se valem da coação em face daqueles que, por ven-

tura, optem por colaborar com o Estado na persecução penal.

Com efeito, a colaboração premiada surge como alternativa para os cri-

minosos que pretendem auxiliar o Estado na persecução penal. Em contraparti-

da, o colaborador receberá prêmios previstos na lei e, também, proteção de sua

integridade física, pelos motivos mencionados.

No Brasil, a delação premiada (subespécie da colaboração) foi inaugura-

da, porém de forma embrionária, em outros diplomas normativos, a exemplo

do próprio Código Penal, que desde 1990 prevê a delação no crime de extorsão

mediante sequestro.

228
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.2 CONCEITO
Nas palavras de Renato Brasileiro, a colaboração premiada é uma técnica
especial de investigação por meio da qual o coautor e/ou partícipe da infração penal,
além de confessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos responsáveis
pela persecução penal informações objetivamente eficazes para a consecução de um dos
objetivos previstos em lei, recebendo em contrapartida, determinado prêmio legal25.

2.3 SUBSESPÉCIES
COLABORAÇÃO PREMIADA (VLADIMIR ARAS)26

DELAÇÃO PREMIADA Quando se destina à identificação dos


demais coautores e partícipes da organi-
zação criminosa, das infrações penais por
eles praticadas, bem como da estrutura
hierárquica e da divisão de tarefas da
organização criminosa.
COLABORAÇÃO PARA LIBERTAÇÃO Quando objetiva a localização de eventual
vítima com a sua integridade física pre-
servada
COLABORAÇÃO PARA LOCALIZA- Destinada à recuperação total ou parcial
ÇÃO E RECUPERAÇÃO DE ATIVOS do produto ou do proveito das infrações
penais praticadas pela organização crimi-
nosa
COLABORAÇÃO PREVENTIVA Destinada à prevenção de infrações pe-
nais futuras decorrentes das atividades da
organização criminosa

2.4 DEBATE DOUTRINÁRIO ACERCA DA LEGITIMIDADE DA COLA-


BORAÇÃO PREMIADA
Cleber Masson e Vinicius Marçal reuniram os principais argumentos
contrários e favoráveis à colaboração27:
ARGUMENTOS CONTRÁRIOS ARGUMENTOS FAVORÁVEIS
A colaboração premiada é uma forma No universo do crime, não se pode
de traição, antiética de comportamen- falar em ética ou em valores moral-
to social mente elevados, dada a própria natu-
reza do comportamento criminoso

25 BRASILEIRO, Renato. Legislação criminal especial comentada: volume único. 4ª ed. Salva-
dor: Juspodivm, 2016, p. 520.
26ARAS, Vladimir. A técnica de colaboração premiada. Disponível em:
https://vladimiraras.blog/2015/01/07/a-tecnica-de-colaboracao-premiada/.
27MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 118/119. Rio de Janeiro:

Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.


229
estácio Luiz & pedrotenório

cujo objetivo é a ofensa a bens jurídi-


cos
A colaboração premiada fere o princí- Não ofensa à proporcionalidade na
pio da proporcionalidade na aplicação aplicação da pena, uma vez que a pe-
da pena, eis que o colaborador recebe na deve ser individualizada, levando
um tratamento mais brando, enquanto em conta, também, aspectos subjetivos
que os delatados, pelos mesmos com- ligados ao criminoso, como o arre-
portamentos, recebem um tratamento pendimento, a intenção colaborativa,
mais enérgico entre outros elementos que apontam
um menor juízo de reprovação na
culpabilidade
A traição, em relação à pena, serve O crescimento da criminalidade está
para agravar ou qualificar. Na colabo- diretamente ligado à falta de eficiência
ração, a traição é premiada e agilidade estatal na persecução pe-
nal, sendo a colaboração premiada um
instrumento a melhorar tal quadro
Na colaboração premiada, trabalha-se A justiça negociada no âmbito crimi-
com a ideia de que os fins justificam nal já é uma realidade no mundo, e o
os meios Brasil tende a acompanhar tal movi-
mento, conforme já se vê nas leis dos
juizados especiais criminais, das orga-
nizações criminosas, de crimes hedi-
ondos e diversas passagens no Código
Penal
A colaboração premiada não é ins- A prática mostra o inverso. São vários
trumento hábil para superar a lei do os resultados alcançados, no mundo e
silêncio do crime organizado no Brasil, a partir do incentivo à justi-
ça negociada
O Estado não pode negociar com a Mas, pode deixá-la livre para continu-
criminalidade ar a cometer os crimes?
A colaboração premiada é um estímu- A falsa delação conduz ao não rece-
lo a delações falsas e a vinganças pes- bimento dos prêmios legais, bem co-
soais mo gera responsabilidade ao colabo-
rador

2.6 NATUREZA JURÍDICA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa. Art. 3º-A. O acordo de colaboração
premiada é negócio jurídico processu-
al e meio de obtenção de prova, que
pressupõe utilidade e interesse públi-
cos.

230
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

O PAC trouxe, na redação legal, a natureza jurídica da colaboração pre-


miada, por meio da introdução do art. 3º-A. Na lei, a natureza jurídica da cola-
boração, portanto, é de negócio jurídico processual e de meio de obtenção de
prova.
Mesmo antes do PAC, a Lei das organizações criminosas já trazia a cola-
boração, também, como uma técnica especial de investigação. Observe-se ainda
que, a depender do prisma de observação, a colaboração premiada pode ter, ao
mesmo tempo, as seguintes naturezas jurídicas: a) negócio jurídico processual;
b) meio de obtenção de prova; c) técnica especial de investigação e d) meio de
defesa do investigado.
O Supremo Tribunal Federal, em vários julgados, já se referiu à colabora-
ção como um meio de obtenção de prova e como um negócio jurídico processu-
al (STF. PET 7074/DF. Pleno, Rel. Min. Edson Fachin, 29/06/2017).
Como bem observado pela doutrina, a natureza jurídica da colaboração
premiada não deve se confundir com a natureza dos prêmios legais que dela
decorrem28. Os prêmios são verdadeiras espécies de sanções premiais (Norberto
Bobbio), enquanto que a colaboração em si é meio de obtenção de prova e forma
de negócio jurídico processual.

2.7 DA REGULAMENTAÇÃO DA FASE PRELIMINAR (TRATATIVAS) DO


PROCEDIMENTO DA COLABORAÇÃO PREMIADA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 3º-B. O recebimento da proposta
para formalização de acordo de cola-
boração demarca o início das negocia-
ções e constitui também marco de con-
fidencialidade, configurando violação
de sigilo e quebra da confiança e da
boa-fé a divulgação de tais tratativas
iniciais ou de documento que as for-
malize, até o levantamento de sigilo
por decisão judicial.
§1º. A proposta de acordo de colabo-

28MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 122. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
231
estácio Luiz & pedrotenório

ração premiada poderá ser sumaria-


mente indeferida, com a devida justi-
ficativa, cientificando-se o interessado.
§2º. Caso não haja indeferimento su-
mário, as partes deverão firmar Termo
de Confidencialidade para prosse-
guimento das tratativas, o que vincu-
lará os órgãos envolvidos na negocia-
ção e impedirá o indeferimento poste-
rior sem justa causa.
§3º. O recebimento de proposta de
colaboração para análise ou o Termo
de Confidencialidade não implica, por
si só, a suspensão da investigação,
ressalvado acordo em contrário quan-
to à propositura de medidas proces-
suais penais cautelares e assecurató-
rias, bem como medidas processuais
cíveis admitidas pela legislação pro-
cessual civil em vigor.
§4º. O acordo de colaboração premia-
da poderá ser precedido de instrução,
quando houver necessidade de identi-
ficação ou complementação de seu
objeto, dos fatos narrados, sua defini-
ção jurídica, relevância, utilidade e
interesse público.
§5º. Os termos de recebimento de
proposta de colaboração e de confi-
dencialidade serão elaborados pelo
celebrante e assinados por ele, pelo
colaborador e pelo advogado ou de-
fensor público com poderes específi-
cos.
§6º. Na hipótese de não ser celebrado
o acordo por iniciativa do celebrante,
esse não poderá se valer de nenhuma
das informações ou provas apresenta-
das pelo colaborador, de boa-fé, para
qualquer outra finalidade.
Art. 3º-C. A proposta de colaboração
premiada deve estar instruída com
procuração do interessado com pode-
res específicos para iniciar o procedi-
mento de colaboração e suas tratati-
vas, ou firmada pessoalmente pela

232
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

parte que pretende a colaboração e


seu advogado ou defensor público.
§1º. Nenhuma tratativa sobre colabo-
ração premiada deve ser realizada
sem a presença de advogado constitu-
ído ou defensor público.
§2º. Em caso de eventual conflito de
interesses, ou de colaborador hipossu-
ficiente, o celebrante deverá solicitar a
presença de outro advogado ou a par-
ticipação de defensor público.
§3º. No acordo de colaboração premi-
ada, o colaborador deve narrar todos
os fatos ilícitos para os quais concor-
reu e que tenham relação direta com
os fatos investigados.
§4º. Incumbe à defesa instruir a pro-
posta de colaboração e os anexos com
os fatos adequadamente descritos,
com todas as suas circunstâncias, in-
dicando as provas e os elementos de
corroboração.

A) DA PROPOSTA E DA POSSIBILIDADE DE INDEFERIMENTO SUMÁ-


RIO DA PROPOSTA
Como se sabe, há vários momentos em que acordo de colaboração pre-
miada pode ser celebrado. Essa sistemática perdura desde a vigência inicial da
Lei 12.850/13. Acerca do momento de celebração, vejamos29:
PRÉ-PROCESSUAL (INICIAL OU Antes do oferecimento da denúncia
INVESTIGATÓRIA)
PROCESSUAL (INTERCORRENTE) Entre o recebimento da denúncia e o trân-
sito em julgado
PÓS-PROCESSUAL (TARDIA) Após o trânsito em julgado
A fase de negociações preliminares foi alvo de regulamentação por parte
do PAC, abrangendo desde a proposta de formalização do acordo até a realiza-
ção do pedido de homologação judicial.
Como já antes do PAC, o juiz não participará das negociações realizadas
entre as partes para a formalização do acordo de colaboração, que ocorrerá en-
tre o delegado de polícia, o investigado e o defensor, com a manifestação do

29Ibidem, p. 175.
233
estácio Luiz & pedrotenório

Ministério Público, ou, conforme o caso, entre o Ministério Público e o investi-


gado ou acusado e seu defensor (Art. 4º, §6º), sendo a presença deste essencial
para a validade do acordo (art. 4º, §15).
Ao analisar os arts. 3º-B e 3º-C, nota-se que o procedimento, os requisitos
formais e documentos da proposta para formalização de acordo de colabora-
ção foram expressamente previstos, o que era uma lacuna somente suprida pe-
los regramentos internos de cada Ministério Público ou Secretaria de Segurança
Pública, nos casos da atuação policial no acordo.
A proposta para formalização de acordo de colaboração é o início da fa-
se de negociações, por meio do qual uma das partes, entrega a proposta de ce-
lebração do negócio jurídico processual ao representante do Estado (Delega-
do/MP).
Além de demarcar o início das negociações, a proposta para formalização
de acordo constitui um marco de confidencialidade. O dever de confidenciali-
dade decorre do princípio da confiança e da boa-fé, abrangendo a proibição da
divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o
levantamento de sigilo por decisão judicial.
Sobre o tema, os autores Masson e Marçal, ao tratarem da fase preliminar
de negociações, já alertavam acerca da necessidade de se criar uma relação de confi-
ança entre as partes, bem como a formulação de trato preliminar, mediante o qual o in-
vestigado revela uma amostra das evidências probatórias que possui e os investigadores
se comprometem a não as utilizar enquanto não celebrado formalmente o acordo de cola-
boração premiada30.
Por sua vez, Andrey Borges Mendonça, em sua obra sobre colaboração
premiada, faz menção às reuniões preliminares, que, nos Estados Unidos, são
chamadas de proffer session ou queen for a day (teoria da rainha por um dia)31.
Nessas reuniões, o investigado recebe, apenas naquele momento, o tratamento
de rainha, fica imune a qualquer responsabilização em relação as informações e

30Idem.
31 MENDONÇA, Andrey Borges de. A colaboração premiada e a nova Lei do Crime Organiza-
do (Lei 12.850/2013). Custos legis – Revista Eletrônica do Ministério Público Federal, v. 4, 2013.
234
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

confissões trazidas por ele. Ou seja, nada do que foi tratado na proffer session
pode ser utilizado pelo Ministério Público.
O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de

Confidencialidade não implica, por si só, na suspensão da investigação, ressal-

vado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais

cautelares e assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas

pela legislação processual civil em vigor.

A proposta poderá ser sumariamente indeferida pelo Estado, com a de-

vida justificativa, cientificando-se o interessado, em conformidade com o §1º do

art. 3º-B.

B) TERMO DE CONFIDENCIALIDADE

Caso não haja indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de

Confidencialidade para prosseguimento das tratativas, o que vinculará os ór-

gãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa

causa (art. 3º-B, §2º).

A figura do Termo de Confidencialidade é a formalização do menciona-

do marco da confidencialidade. A celebração desse termo autoriza o prosse-

guimento da fase de negociações e, também, vincula as partes integrantes.

Após de assinado o Termo de Confidencialidade, o indeferimento da


proposta de acordo de colaboração premiada somente poderá ser feito median-
te fundamentação idônea, sob pena da quebra do princípio da confiança e da
boa-fé.

C) INSTRUÇÃO ANTES DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA


O acordo de colaboração premiada poderá ser precedido de instrução,
quando houver necessidade de identificação ou complementação de seu objeto,
dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse pú-
blico (art. 3º-B, §4º).

235
estácio Luiz & pedrotenório

D) INFORMAÇÕES E PROVAS APRESENTADAS PELO CANDIDATO À


COLABORADOR

Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante,

esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas

pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade (art. 3-B, §6º).

Após o recebimento da proposta e a assinatura do Termo de Confidenci-

alidade, a inovação do PAC dispõe que, caso o celebrante (representante do Es-

tado) opte por não celebrar o acordo, os elementos trazidos pelo pretenso cola-

borador não poderão ser utilizados para qualquer outra finalidade.

Ao fazer tal exigência, a lei não abarca as hipóteses em que o candidato a

colaborador traz elementos e informações ao celebrante e, depois, provoca situ-

ação que enseja a recusa deste na celebração do acordo, com o objetivo de inuti-

lizar, para fins probatórios, elementos de prova e outras informações. Isso por-

que, em tais situações, o candidato a colaborador teria quebrado a boa-fé e a

recusa do celebrante em firmar o acordo seria por justa causa.

E) DA ESSENCIAL PARTICIPAÇÃO DO DEFENSOR DO CANDIDATO A


COLABORADOR NAS TRATATIVAS

O art. 3º-C prevê expressamente a necessidade de participação do

advogado do pretenso colaborador nas tratativas e proposta de acordo. Se for

representar o colaborador, o defensor deve estar munido de procuração com

poderes especiais para tanto.

O PAC preocupou-se inclusive com a possível situação de conflito de

interesses entre o colaborador e seu defensor, hipótese não tão rara de se ver na

prática. Teve o cuidado também de abarcar a situação em que o colaborar

demonstra ser hipossuficiente. Em ambos os casos, o celebrante (representante

do Estado) deverá solicitar a participação de outro advogado ou do defensor

público.

236
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

F) DO ÔNUS ESPECÍFICO DO COLABORADOR


Incumbe à defesa instruir a proposta de colaboração e os anexos com os
fatos adequadamente descritos, com todas as suas circunstâncias, indicando as
provas e os elementos de corroboração (art. 3º-C, §4º).
Note-se que o PAC não apenas buscou proteger o próprio candidato a
colaborador, pois previu a mínima intervenção possível do órgão estatal na
formação da proposta, como também previu mais uma vez, numa interpretação
sistemática, a natureza jurídica de meio de obtenção de prova do acordo, pois
incumbe à defesa (colaborador) indicar as provas e elementos de corroboração
das informações que presta.

2.7.2 DA MITIGAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DE NÃO PRODU-


ÇÃO PROBATÓRIA CONTRA SI
O art. 4º, §14, dispõe que, nos depoimentos que prestar, o colaborador
renunciará, na presença de seu defensor, ao direito ao silêncio e estará sujeito ao
compromisso legal de dizer a verdade. Parte da doutrina entende que tal dispo-
sitivo é inconstitucional, baseando-se na irrenunciabilidade dos direitos funda-
mentais.
No entanto, prevalece a tese de que o dispositivo legal refere-se à mera
renúncia do exercício do direito ao silêncio e não aos direitos fundamentais em
geral. Para além disso, não se trata de uma irrenunciabilidade unilateral, mas
sim de um acordo em que se renuncia o exercício momentâneo de um direito
fundamental maior para obtenção de benefícios legais expressos. Sem contar
com o fato de que o réu colaborar renuncia voluntariamente, com assistência
obrigatória do advogado.
Note-se que além de renunciar ao exercício do direito de silêncio, o cola-
borador prestará compromisso legal de dizer a verdade, sob pena de incorrer
no delito previsto no art. 342 do Código Penal (falso testemunho) ou crime do
art. 19 da Lei das Organizações Criminosas: Imputar falsamente, sob pretexto de
colaboração com a Justiça, a prática de infração penal a pessoa que sabe ser inocente, ou
revelar informações sobre a estrutura de organização criminosa que sabe inverídicas.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

237
estácio Luiz & pedrotenório

A mentira do colaborador ou a omissão de fatos relevantes podem

ocasionar, também, a perda dos prêmios previstos no art. 4º. No acordo de

colaboração premiada, o colaborador deve narrar todos os fatos ilícitos para os

quais concorreu e que tenham relação direta com os fatos investigados (art. 3º-

C, §3º – novidade do PAC).

2.8 DO PROCEDIMENTO JUDICIAL DA COLABORAÇÃO PREMIADA

O procedimento e a eficácia da colaboração prestada pelo criminoso

estão dispostos nos art. 4º a 7º da Lei 12.850/13. Perceba-se que uma vez

homologado pelo magistrado, o acordo deverá surtir os efeitos acordados.

Para isso, do acordo deve advir as provas da colaboração, submetidas ao

contraditório judicial e imprescindíveis para a condenação dos corréus

delatados, e em contrapartida deve ser concedido o benefício acordado com o

colaborador. A isso se chama eficácia objetiva da colaboração, ponto central do

procedimento judicial.

Numa leitura acurada do PAC, note-se que as mudanças foram impor-

tantes e se tratadas de forma esparsa poderão comprometer a didática do mate-

rial. Sendo assim, preferimos, neste tópico, fazer um apanhado geral do proce-

dimento judicial e, ponto a ponto, mostrar as modificações e suas implicações

no sistema de justiça.

2.8.1 NEGOCIAÇÕES

Como se sabe, o juiz não participará das negociações, pois sua função

não se confunde com a das partes, mas, sim, está voltada a garantir a regulari-

dade e a observância dos direitos fundamentais do réu colaborador.

238
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.8.2 HOMOLOGAÇÃO DO ACORDO DE COLABORAÇÃO CELEBRADO


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 4º, §7º. Realizado o acordo na Art. 4º, §7º. Realizado o acordo na
forma do §6º, o respectivo termo, forma do §6º deste artigo, serão reme-
acompanhado das declarações do co- tidos ao juiz, para análise, o respectivo
laborador e de cópia da investigação, termo, as declarações do colaborador
será remetido ao juiz para homologa- e cópia da investigação, devendo o
ção, o qual deverá verificar sua regu- juiz ouvir sigilosamente o colabora-
laridade, legalidade e voluntariedade, dor, acompanhado de seu defensor,
podendo para este fim, sigilosamente, oportunidade em que analisará os se-
ouvir o colaborador, na presença de guintes aspectos na homologação:
seu defensor. I - regularidade e legalidade;
§8º. O juiz poderá recusar homologa- II - adequação dos benefícios pactua-
ção à proposta que não atender aos dos àqueles previstos no caput e nos
requisitos legais, ou adequá-la ao caso §§4º e 5º deste artigo, sendo nulas as
concreto. cláusulas que violem o critério de de-
finição do regime inicial de cumpri-
mento de pena do art. 33 do Decreto-
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940
(Código Penal), as regras de cada um
dos regimes previstos no Código Pe-
nal e na Lei nº 7.210, de 11 de julho de
1984 (Lei de Execução Penal) e os re-
quisitos de progressão de regime não
abrangidos pelo §5º deste artigo;
III - adequação dos resultados da co-
laboração aos resultados mínimos exi-
gidos nos incisos I, II, III, IV e V do
caput deste artigo;
IV - voluntariedade da manifestação
de vontade, especialmente nos casos
em que o colaborador está ou esteve
sob efeito de medidas cautelares.
§7º-A. O juiz ou o tribunal deve pro-
ceder à análise fundamentada do mé-
rito da denúncia, do perdão judicial e
das primeiras etapas de aplicação da
pena, nos termos do Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Có-
digo Penal) e do Decreto-Lei nº 3.689,
de 3 de outubro de 1941 (Código de
Processo Penal), antes de conceder os
benefícios pactuados, exceto quando o
acordo prever o não oferecimento da
denúncia na forma dos §§ 4º e 4º-A
deste artigo ou já tiver sido proferida

239
estácio Luiz & pedrotenório

sentença.
§7º-B. São nulas de pleno direito as
previsões de renúncia ao direito de
impugnar a decisão homologatória.
§8º. O juiz poderá recusar a homolo-
gação da proposta que não atender
aos requisitos legais, devolvendo-a às
partes para as adequações necessárias.

O juiz realizará homologação do acordo de colaboração premiada, sendo

a homologação uma condição de eficácia do acordo. Nessa atividade, o juiz está


limitado a realizar um filtro (cognição sumária) para aferir os requisitos legais
de existência e validade do acordo (STF. PET 7074/DF, Pleno, Rel. Min. Edson
Fachin, 29/06/2017).
Nesse sentido, o magistrado verificará o preenchimento dos pressupostos ma-
teriais (cláusulas válidas, legais e que respeitem os princípios gerais do direito, a moral,
a ordem pública e os bons costumes) e formais (relato da colaboração e os seus possíveis
resultados, legitimidade das partes, voluntariedade, declaração da aceitação e de seu de-
fensor, as assinaturas, a presença do defensor e a especificação das medidas de proteção,
quando for o caso, sem externar qualquer juízo valorativo acerca da extensão e da eficá-
cia da colaboração32.
Registre-se que o pedido de homologação do acordo será sigilosamente

distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colabo-


rador e o seu objeto (Art. 7º).

O art. 4º, §7º,inciso II, inserido pelo PAC, explica que serão considera-
das nulas pelo magistrado as cláusulas que violarem o critério de definição do
regime inicial de cumprimento de pena do art. 33 do Código Penal, isto é, as

regras relativas à pena privativa de liberdade: a) regimes cabíveis na reclusão e


na detenção (caput do art. 33); b) critérios legais para definição do regime inicial

(§§ 2º e 3º).

32 MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 160. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
240
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Ademais, dispõe que serão nulas as cláusulas que violarem as regras e os


critérios de progressão de regime previstos no Código Penal (remetemos o lei-
tor à leitura das regras e critérios para progressão de regime). Em relação aos
requisitos de progressão de regime, não será nula se o benefício estiver de acor-
do com §5º do art. 4º da Lei das Organizações Criminosas, que permite a pro-
gressão de regime ainda que ausentes os requisitos objetivos.
Por sua vez, o art. 4º, §7º, inciso III, introduzido pelo PAC, dispõe que o
juiz, para fins de homologação, analisará a adequação dos resultados da colabo-
ração aos resultados mínimos exigidos nos incisos I, II, III, IV e V do caput do
art. 4º, já anteriormente tratados. Aqui, o novo dispositivo confere ao juiz a pos-
sibilidade de fazer um juízo de proporcionalidade entre os prêmios oferecidos e
os resultados mínimos exigidos.
Registre-se que, em caso de discordância, o juiz não poderá alterar o con-
teúdo do acordo. Em caso de inadequação, poderá recusar a homologação e
remeter às partes para adequação, conforme o novo §8º introduzido pelo PAC.
É muito importante atentar para a redação anterior do §8º que permitia a
adequação das cláusulas pelo juiz. A nova redação não permite mais! Salutar
modificação, adequando-se ao sistema acusatório.
Sobre o tema, o STF decidiu que no ato de homologação da colaboração
premiada, não cabe ao magistrado, de forma antecipada e extemporânea, tecer
juízo de valor sobre o conteúdo das cláusulas avençadas, exceto nos casos de
flagrante ofensa ao ordenamento jurídico vigente (STF. PET 7074/DF, Pleno,
Rel. Min. Edson Fachin, 29/06/2017).
O art. 4º, §7º, inciso IV, também introduzido pelo PAC, dispõe que, an-
tes da homologação, o juiz analisará a voluntariedade da manifestação de vontade,
especialmente nos casos em que o colaborador está ou esteve sob efeito de medidas caute-
lares. A voluntariedade, antes do PAC, já era objeto de avaliação, a novidade
refere-se à parte final.
É comum ver nas mídias discursos no sentido de que a prisão preventiva,
supostamente, estaria sendo utilizada como meio de coação para forçar colabo-
rações premiadas.

241
estácio Luiz & pedrotenório

Normalmente, tais discursos partem de pessoas atingidas pelas colabora-

ções e não condizem com a realidade. Vejamos alguns dados da operação Lava
Jato. O seu início foi no dia 17 de março de 2014. No final do mês de maio de
2016, foram contabilizadas 52 delações premiadas. Dessas, apenas 13 tinham

sido celebradas por investigados ou réus presos33.


Apesar do discurso não corresponder aos fatos, o legislador na parte fi-

nal deu ênfase à análise da voluntariedade de réus submetidos a medidas caute-


lares, apesar da redação anterior permitir tal análise, sem nenhuma barreira.
O PAC, ainda na sistemática da homologação, introduziu o §7º-A ao art.

4º, dispondo que o juiz ou o tribunal deve proceder à análise fundamentada do


mérito da denúncia, do perdão judicial e das primeiras etapas de aplicação da
pena, nos termos do Código Penal e do Código de Processo Penal, antes de
conceder os benefícios pactuados, exceto quando o acordo previr o não
oferecimento da denúncia ou já tiver sido proferida sentença.

Por fim, o PAC introduziu o §7º-B ao art. 4º da Lei 12.850/13, prevendo


que serão nulas de pleno direito as previsões de renúncia ao direito de impug-

nar a decisão homologatória. Tal dispositivo tem por fito resguardar o princípio
do contraditório e da ampla defesa.

Ressalte-se ainda que mesmo depois de homologado o acordo, o colabo-


rador poderá, sempre acompanhado pelo seu defensor, ser ouvido pelo mem-
bro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas inves-

tigações (art. 4º, §9º).


Lembre-se ainda que se o acordo de colaboração for firmado nos bojos da

investigação preliminar, seja ela policial ou ministerial, o órgão competente pa-


ra homologação será o juiz de garantias. Porém, se o acordo for firmado após a
denúncia recebida, ou seja, durante a fase processual, o juízo competente será a

da instrução e julgamento.

33 https://oglobo.globo.com/brasil/de-52-acoes-de-delacao-premiada-apenas-13-foram-feitas-

com-reus-presos-19394364
242
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.8.3 DA REGRA DA EFICÁCIA OBJETIVA DA COLABORAÇÃO


A eficácia objetiva é característica do acordo de colaboração que dá
segurança jurídica ao colaborador uma vez que, cumpridas as obrigações
pactuadas com o Estado na sistemática do contraditório judicial, respeitada sua
ampla defesa e a dos corréus delatados, os benefícios acordados serão
conferidos ao colaborador em sede de sentença criminal.
Sobre o tema, o STF decidiu que o direito do colaborador aos prêmios
avençados somente surge quando ele cumpre com os deveres assumidos. Note-
se, portanto, que o descumprimento dos deveres pelo colaborador pode ensejar
a perda dos prêmios (STF. PET 7074/DF, Pleno, Rel. Min. Edson Fachin,
29/06/2017).
Contudo, tal descumprimento não justifica, por si só, a decretação da
prisão preventiva. É preciso a presença dos requisitos legal da medida cautelar
pessoal de ultima ratio (STF. HC 138.207/PR, 2ª T., Rel. Min. Edson Fachin,
25/05/2017; STJ. HC 396.658/SP, 6ª T., Rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro,
27/06/2017).
Ponto de extrema importância é que os benefícios acordados com o réu
colaborador não têm vinculação necessária com êxito da pretensão acusatória
em relação aos corréus delatados.
Ou seja, basta que o réu colaborador cumpra as obrigações pactuadas no
acordo, não podendo este estar submetido à efetiva condenação dos corréus
delatados. Isso porque todas as provas trazidas pelo colaborador serão
submetidas ao contraditório e ampla defesa no bojo do processo.
Sobre esse ponto, a doutrina traz reflexão interessante: a eficácia do acordo
ficará condicionada à sentença final condenatória. (...) somente no término do processo
penal, verificando-se que o crime se aperfeiçoou, e não sendo caso de absolvição (nada
impede que o juiz absolva o colaborador), poderá o magistrado "premiar" o colaborador.
Excepciona-se o acordo de não denunciação, que conduzirá ao arquivamento
dos autos34.

34MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 171. Rio de Janeiro: Fo-
rense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
243
estácio Luiz & pedrotenório

Outro ponto interessante referente à eficácia objetiva da colaboração

premiada diz respeito à possibilidade de se aplicar o prêmio ao colaborador que

não atingiu ao menos um dos resultados, quando o não atingimento decorrer de

vazamento do conteúdo do acordo pelo Delegado, Juiz, servidores ou Ministé-

rio Público.

Luiz Flávio Gomes entende que será possível com base na teoria da per-

da de uma chance probatória35. Em sentido contrário, a doutrina afirma que

não será possível, pois a lei é expressa e clara ao exigir um ou mais resultados.

Por fim, ainda a respeito da eficácia objetiva da colaboração premiada,

mas dando um pequeno passo atrás na análise do instituto, pergunta-se: Existe

direito subjetivo líquido e certo à colaboração premiada?

Em decisão recente, o STF entendeu que não cabe ao Poder Judiciário

compelir o Ministério Público a firmar acordo de colaboração premiada com

réus ou investigados, não havendo, por partes destes, direito líquido e certo

para exigir em juízo sua celebração. Como negócio jurídico processual que é,

deve ser regido pela voluntariedade de ambas as partes, não devendo o

magistrado participar das negociações realizadas (STF.MS 35693 AgR/DF, 2ª

T., Rel. Min. Edson Fachin, J. 28/05/19 – Info 942).

Ressalte-se, porém, que em caso de não oferecimento do acordo por parte

do Estado (MP/delegado), as informações já repassadas pelo candidato a co-

laborador não vão ser usadas contra ele, conforme disposição expressa da Lei

12.850/13.

É importante mencionar que, uma vez presente a eficácia objetiva, o juiz

não poderá recursar a aplicação dos prêmios. Isso porque a recusa violaria a

segurança jurídica e a proteção da confiança (STF. HC 127.483, Pleno, Rel.

Min. Dias Toffoli, 04/02/2016). O que autoriza a redução ou o afastamento do

35MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 173. Rio de Janeiro: Fo-
rense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
244
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

prêmio pelo juiz, no momento da sentença, é a análise da eficácia da colabora-

ção, mediante decisão fundamentada. Contra tal decisão, caberá apelação para

discutir a eficácia objetiva36.

2.8.4 OBJETIVOS A SEREM ALCANÇADOS PELO ESTADO COM A

COLABORAÇÃO

a) identificação dos coautores e partícipes da organização criminosa

(delação premiada/chamamento de corréu); b) revelação da estrutura

hierárquica e divisão de tarefas da organização criminosa; c) prevenção de

infrações penais decorrentes da atividade da organização criminosa; d)

recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais

praticadas pela organização criminosa; e) localização de eventual vítima com

sua integridade física preservada.

2.8.5 BENEFÍCIOS OFERECIDOS AO COLABORADOR

Para alcançar os objetivos previstos no art. 4º da Lei 12.850/13, o Estado

oferece ao investigado ou réu os seguintes benefícios: a) redução da pena em

2/3; b) substituição de pena privativa de liberdade por restritiva de direito; c)

redução da pena até a metade ou progressão de regime automática, se a

colaboração for prestada após a sentença condenatória; d) perdão judicial

(ponte de diamante); e) em grau máximo a não propositura da ação penal

(mitigação do princípio da obrigatoriedade).

Ressalte-se, uma vez mais, que para a concessão efetiva do benefício, as

informações do colaborador devem ser ratificadas no processo penal (regra da

corroboração), sob o crivo do contraditório.

36MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 172. Rio de Janeiro: Fo-
rense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
245
estácio Luiz & pedrotenório

2.8.5.1 CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO DOS BENEFÍCIOS OFERECIDOS:


APERSONALIDADE DO AGENTE NÃO É CRITÉRIO IDÔNEO PARA
AFASTAR OS BENEFÍCIOS EM GERAL
Em qualquer caso, a concessão do benefício levará em conta: a)
personalidade do colaborador, b) a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a
repercussão social do fato criminoso e c) eficácia da colaboração (art. 4º, §1º).
Ressalte-se que a personalidade do colaborador não poderá ser
utilizada para fins de impedir a concessão de benefícios em geral oferecidos
ao colaborador, pois se o Estado alcança os objetivos previstos em Lei, o
colaborador tem direito subjetivo ao benefício.
Nesse sentido, o STF decidiu que não importa quem é o colaborador
(personalidade), mas sim a eficácia das informações que ele efetivamente
entrega ao Estado, ou seja, a capacidade que as informações têm de se
tornarem prova concreta no processo penal (eficácia da colaboração).
Com efeito, a personalidade do colaborador influenciará apenas na
escolha do benefício ofertado pelo Estado, de modo que é possível negar o
prêmio do perdão judicial à agente de segurança pública que integra
organização criminosa, concedendo outro benefício previsto em Lei em razão
da eficácia da sua colaboração (STF. HC 127.483/PR, Pleno, Rel. Min. Dias
Toffoli, 27/08/2015).

2.8.5.2 DOS BENEFÍCIOS EM ESPÉCIE


A) PERDÃO JUDICIAL COMO CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDA-
DE (ART. 4º, CAPUT,C/C ART. 4º, §2º)
Considerando a relevância da colaboração prestada, o Ministério Público,
a qualquer tempo, e o delegado de polícia, nos autos do inquérito policial, com
a manifestação do Ministério Público, poderão requerer ou representar ao juiz
pela concessão de perdão judicial ao colaborador, ainda que esse benefício não
tenha sido previsto na proposta inicial, aplicando-se, no que couber, o art. 28 do
CPP.

246
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

A.1) DA LEGITIMIDADE DO DELEGADO DE POLÍCIA PARA REPRE-


SENTAR PELA CONCESSÃO DE PERDÃO JUDICIAL
Nos termos da Lei, o delegado poderá representar ao juiz pela concessão
de perdão judicial ao colaborador, durante a fase do inquérito policial, desde
que a representação policial passe pelo filtro do Ministério Público, órgão titular
da ação penal pública.
A doutrina sempre debateu a capacidade postulatória do delegado. O
posicionamento favorável pauta-se na ideia de que o Delegado não está subor-
dinado ao Ministério Público. Além disso, defende-se que, no processo penal,
não há processo cautelar, o que exigira legitimidade ad causam, mas sim tutela
cautelar, que são providências acauteladoras do processo, e que estão inseridas
nas atribuições do Delegado de Polícia.
O STF já decidiu no sentido de que o delegado pode celebrar o acordo de
colaboração premiada e, inclusive, propor o perdão judicial, sendo que tal pro-
positura não obsta o exercício da ação penal pelo Ministério Público. Contudo,
se provada a eficácia da colaboração premiada, o juiz poderá perdoar o colabo-
rador, extinguindo a sua punibilidade. Nesse julgado, a Corte Suprema distin-
guiu o direito de ação (exclusivo do MP) do jus puniendi (direito de punir) (STF.
ADI 5508/DF, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 20/06/2018)
Por outro lado, o posicionamento contrário baseia-se na ideia de que, tan-
to na tutela cautelar quanto na fase de conhecimento, a adequação e a necessi-
dade da iniciativa probatória é do Ministério Público, que é titular da ação pe-
nal. Assim, dispositivos que reconheçam a capacidade postulatória aos delega-
dos seriam inconstitucionais ou não recepcionados, porquanto ofenderiam o
devido processo legal e o sistema acusatório37.
A representação policial deve ser tida como uma opinião policial, porquanto
somente pode haver requerimento, no sentido próprio da palavra, por quem é parte na
relação processual e, portanto, detém legitimidade ad causam. Dito de outro modo, as
representações das autoridades policiais devem ser dirigidas ao Ministério Público, que,
caso concorde, as proporá em juízo38.

37 MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 108. Rio de Janeiro:
Forense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
38Idem.

247
estácio Luiz & pedrotenório

A.2) DO REQUERIMENTO DE CONCESSÃO DE PERDÃO JUDICIAL PE-


LO MINISTÉRIO PÚBLICO
Além da representação da autoridade policial, o Ministério Público po-
derá requerer a concessão do perdão judicial ao colaborador. O requerimento
do órgão ministerial poderá se dar tanto na fase preliminar quanto na fase judi-
cial.
Ademais, perceba-se que a lei não exige que o perdão judicial tenha sido
objeto de pedido na inicial. É possível a sua aplicação, mesmo sem que órgão
ministerial tenha requerido. Importante frisar que prevalece na doutrina e o
próprio Supremo Tribunal Federal já decidiu no sentido de que o perdão pres-
supõe o oferecimento da denúncia.
Ou seja, apenas após a instrução é que se aplica o perdão judicial, do
mesmo modo que todos os outros benefícios pactuados, conforme a sistemática
da eficácia objetiva da colaboração e da regra de corroboração (STF. AP-QO 3
470, Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 30/04/2009).
Segundo Masson e Marçal, a aplicabilidade do art. 28 do CPP na sistemá-
tica da colaboração premiada somente tem espaço na fase preliminar, quando o
Ministério Público, diante da representação do Delegado para concessão do
perdão judicial, recusar o oferecimento do benefício.
Na hipótese, o magistrado poderá concordar com o Ministério Público e
recusar o perdão representado pelo Delegado ou remeter os autos ao Procura-
dor-Geral para que avalie a legitimidade da concessão do benefício ou a manu-
tenção da recusa39.
Perceba-se que mesmo com o PAC, essa sistemática não foi modificada.
Ou seja, pelo texto expresso do art. 4º, caput, da Lei 12.850/13, o juiz continua
tendo uma ingerência na atividade prioritária do Ministério Público ao delibe-
rar sobre a concessão ou não do benefício.
Sendo assim, é possível que a doutrina discuta tal situação tomando por
base o art. 3º-A, CPP, trazido pelo PAC, que reforça a adoção do sistema acusa-
tório. Se o membro do Ministério Público entende que não é caso de perdão ju-

39 Idem.

248
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

dicial, até que ponto o magistrado pode se distanciar da sua função e discordar
da posição do titular da ação penal?
Além disso, o art. 28 do CPP foi modificado e retirou a figura do juiz do
procedimento de arquivamento dos autos da investigação preliminar. Assim,
entendemos que não há mais espaço para que o magistrado tente se imiscuir no
juízo de mérito próprio do Ministério Público acerca dos benefícios acordados
com o colaborador.
Por outro lado, deve-se dizer que há parcela da doutrina se posicionando
no sentido de que o perdão judicial pactuado no acordo de colaboração nada
tem a ver com exercício do direito de ação penal, exclusivo do MP. Nesses ca-
sos, a doutrina levanta a tese de que o perdão é concedido exclusivamente pelo
magistrado em exercício pleno da jurisdição, logo o juiz não estaria vinculado
ao requerimento do membro do ministério público ou à representação da auto-
ridade policial.
Apesar de respeitável, o entendimento não parece ser o mais prudente.
Além das razões já levantadas, há também a questão da segurança jurídica e da
eficácia objetiva da colaboração. Como estimular e garantir segurança a um
acordo fixado na promessa do perdão judicial se o juiz pode negá-lo?
Por fim, é preciso frisar que o colaborador poderá ser ouvido em juízo a
requerimento das partes ou por iniciativa da autoridade judicial, mesmo que
tenha sido beneficiado por perdão judicial ou não denunciado (art. 4º, §12).
Quanto à iniciativa da autoridade judicial para oitiva do colaborador,
com o advento do art. 3º-A, CPP, trazido pelo PAC, a doutrina discutirá
novamente a sua revogação tácita, tendo em vista a incompatibilidade da
iniciativa judicial na gestão da prova com o sistema acusatório.

B) REDUÇÃO DE ATÉ 2/3 (DOIS TERÇOS) DA PENA PRIVATIVA DE LI-


BERDADE (ART. 4º, CAPUT)
Tal prêmio refere-se à diminuição da pena de até 2/3, tendo sua
aplicação no momento da sentença condenatória. A doutrina, em face da
omissão do mínimo de redução, estabelece a fração mínima de diminuição de
1/3 da pena, com isso busca-se evitar diminuições irrisórias de pena e o
desencorajamento do ato de colaborar.

249
estácio Luiz & pedrotenório

Há ainda parcela da doutrina que entende ser necessária uma

interpretação sistemática, concluindo que é possível proposta de redução da

pena no quantum mínimo de 1/6, conforme os parâmetros do Código Penal.

Logo para essa doutrina, a diminuição poderia ser 1/6 a 2/3.

Pergunta interessante surge da análise de casos concretos julgados pelos

tribunais superiores: É possível a aplicação da atenuante da confissão

espontânea (2ª fase da dosimetria) juntamente com a diminuição da pena pela

colaboração premiada (3ª fase da dosimetria)?

Segundo o STJ, não há impossibilidade de aplicação simultânea da atenuante da

confissão espontânea, na 2ª fase de individualização da pena, com a diminuição de pena

pela delação premiada, na 3ª etapa, por se revestir de causa de diminuição de pena (STJ.

HC 84.609/SP, 5ª T., Rel. Ministra Laurita Vaz, 04/02/2010).

C) SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRI-

TIVAS DE DIREITOS (ART. 4º, CAPUT)

A substituição dar-se-á no âmbito da sentença penal condenatória, assim

como em todos os outros benefícios. Doutrina entende que é possível a substi-

tuição mesmo sem o preenchimento dos elementos do art. 44 do Código Penal,

pois o dispositivo legal da Lei das Organizações Criminosas não fez referência a

este dispositivo do Código Penal.

D) SUSPENSÃO DO PRAZO PARA OFERECIMENTO DA DENÚNCIA

(ART. 4º, §3º)

O MP poderá também ter suspenso o prazo para oferecimento da denún-

cia contra o colaborador por 6 meses, prorrogável por igual período, até que

sejam cumpridas as medidas de colaboração, sendo suspensos também os pra-

zos prescricionais.

250
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

E) NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA (ART. 4º, §4º)


COMO ERA COMO FICOU O PAC
Art. 4º. (...) Art. 4º. (...)
§4º. Nas mesmas hipóteses do caput , §4º. Nas mesmas hipóteses do caput
o Ministério Público poderá deixar de deste artigo, o Ministério Público po-
oferecer denúncia se o colaborador: derá deixar de oferecer denúncia se a
I - não for o líder da organização cri- proposta de acordo de colaboração
minosa; referir-se a infração de cuja existência
II - for o primeiro a prestar efetiva não tenha prévio conhecimento e o
colaboração nos termos deste artigo. colaborador:
I - não for o líder da organização cri-
minosa;
II - for o primeiro a prestar efetiva
colaboração nos termos deste artigo.
§4º-A. Considera-se existente o co-
nhecimento prévio da infração quan-
do o Ministério Público ou a autori-
dade policial competente tenha ins-
taurado inquérito ou procedimento
investigatório para apuração dos fatos
apresentados pelo colaborador.

Trata-se de hipótese excepcional que relativiza o princípio da obrigatori-


edade da ação penal pública, na medida em que o Ministério Público poderá dei-
xar de oferecer denúncia, sendo uma causa extintiva de punibilidade sui generis40.
O PAC trouxe um tratamento mais rigoroso a esse benefício, pois antes o
acordo de não denunciação (ou acordo de imunidade) tinha que apenas preen-
cher 2 (dois) requisitos: a) o colaborador não poderia ser líder da organização
criminosa e b) teria que ser o primeiro a prestar efetiva colaboração.
Com a modificação promovida pelo PAC, os dois requisitos foram man-
tidos bem como a Lei passou a exigir que a proposta de acordo se refira a infra-
ção penal cuja existência o Ministério Público não tenha conhecimento prévio.
Assim, atualmente, pelo §4º, temos os seguintes requisitos (cumulativos):
a) O colaborador não pode ser líder da organização criminosa; b) O colaborador
tem que ser o primeiro a prestar efetiva colaboração; c) A colaboração deve re-
ferir-se a infração penal cuja existência o Ministério Público não tenha conheci-
mento prévio.

40Idem.

251
estácio Luiz & pedrotenório

O novo requisito, a nosso ver, é contra produtivo e representa um retro-

cesso no combate ao crime organizado. Pode ocorrer, durante as investigações,

a situação na qual o Ministério Público tem o conhecimento da materialidade da

infração penal (da sua ocorrência), mas não tem conhecimento da auto-

ria/participação. Nessa hipótese, o benefício da não denunciação não poderia

ser oferecido, uma vez que o órgão ministerial já deteria o conhecimento prévio

da infração penal.

A inovação legal restringe a utilização de um benefício importante em

casos onde o colaborador detém informações completas e essenciais referentes à

organização criminosa.

Na prática, pode se tornar um fator desencorajador da colaboração pre-

miada, uma vez que, além do potencial prêmio a menor, a pecha de colaborador

torna o indivíduo alvo de ameaças e de perigo de vida. Assim, somente um

prêmio à altura o conduziria a colaborar.

Por fim, como explicado em capítulo próprio, o PAC promoveu

alterações substanciais no procedimento de arquivamento dos autos

investigatórios. No caso de aplicação do prêmio de não denunciação, os autos

deverão ser arquivados. Agora, após o PAC, não há mais necessidade do

controle judicial.

F) PROGRESSÃO DE REGIME AINDA QUE AUSENTE O PREECHIMEN-

TO DO REQUISITO OBJETIVO (ART. 4º, §5º)

Se a colaboração for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida até

a metade ou será admitida a progressão de regime ainda que ausentes os requi-

sitos objetivos (previstos em percentuais após o PAC).

É preciso atentar para a necessidade de preenchimento do requisito sub-

jetivo (bom comportamento carcerária), eis que o dispositivo do prêmio apenas

isenta a quantidade de pena cumprida (requisito objetivo).

252
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

G) REDUÇÃO DA PENA ATÉ METADE APÓS A SENTENÇA (ART. 4º, §5º)


Quanto ao prêmio da redução da pena até metade após a sentença, o legislador
não fixou o mínimo. A doutrina, em face da omissão do mínimo de redução,
estabelece a fração de 1/3 da pena. Relembre-se que há parcela da doutrina que
entende, em interpretação sistemática com os dispositivos do
Código Penal, ser a fração mínima de redução fixada em 1/6.

2.8.6 DA POSSIBILIDADE DE RETRATAÇÃO DO ACORDO DE COLA-


BORAÇÃO
As partes podem retratar-se da proposta, caso em que as provas autoin-
criminatórias produzidas pelo colaborador não poderão ser utilizadas exclusi-
vamente em seu desfavor (art. 4º, §10).
Acerca do momento da retratação, a doutrina possui 4 (quatro) posicio-
namentos41:
a) Para Luiz Flávio Gomes, a lei prevê a retratação da proposta e não do
acordo, que pressupõe a avença entre as partes. Assim, para ele, a retratação
somente poderá ser feita até o momento da assinatura do acordo pelas partes;
b) Renato Brasileiro defende que a retratação deve ocorrer antes da ho-
mologação judicial. Isso porque, após a homologação, o acordo passa a compor
o acervo probatório, não mais se admitindo que uma das partes conteste os seus
termos;
c) Guilherme de Souza Nucci entende que a retratação do acordo de co-
laboração premiada deve ocorrer depois da homologação do juiz e antes da sen-
tença condenatória;
d) Masson e Marçal possuem o entendimento de que a retratação pode
ocorrer desde a celebração do acordo até a sentença. Contudo, argumentam que da cele-
bração até a homologação do acordo, a retratação poderá acontecer pela vontade de ape-
nas uma das partes. Uma vez homologado, o acordo pode ser desfeito até a sentença,
mas, nesse caso, ambas as partes devem subscrever o distrato a ser chancelado em juízo.
Esse entendimento visa a evitar a má-fé e a deslealdade processual.

41Idem.

253
estácio Luiz & pedrotenório

Quanto aos elementos de prova e informações trazidos pelo colaborador,


após a retratação, é vedada a utilização das provas autoincriminatórias em seu
desfavor. É preciso frisar que as não autoincriminatórias poderão ser utilizadas
contra ele. Por fim, as autoincriminatórias e as não autoincriminatórias trazi-
das pelo colaborador, em caso de retratação, poderão ser utilizadas contra ter-
ceiros.

2.8.6.1 DA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO DO ACORDO EM CASO DE


OMISSÃO DOLOSA DE FATOS PELO COLABORADOR
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 4º. (...)
§17. O acordo homologado poderá ser
rescindido em caso de omissão dolosa
sobre os fatos objeto da colaboração.
§18. O acordo de colaboração premia-
da pressupõe que o colaborador cesse
o envolvimento em conduta ilícita re-
lacionada ao objeto da colaboração,
sob pena de rescisão.

Aqui o PAC inovou uma vez mais para proteger a segurança jurídica e
boa-fé processual. Note-se que, se ficar comprovado que o réu colaborador omi-
tiu seu dever de não permanecer em silêncio, bem como, mesmo após celebrar o
acordo, continua empreendendo na prática delitiva, o Estado poderá rescindir o
acordo firmado, caindo por terra os benefícios prometidos ao colaborador.
Nesse caso entendemos que incide a regra da possibilidade de utilização
das informações fornecidas no acordo como fonte de prova contra possíveis
réus delatados e contra o próprio réu colaborador, pois houve quebra da boa-fé
processual.
Essa interpretação é feita a partir do próprio espírito do PAC, que de um
lado visa proteger o réu colaborador, ampliando o direito fundamental à ampla
defesa e ao contraditório, porém, de outro, visa proteger a segurança jurídica e
o direito fundamental à segurança pública e à persecução penal eficiente.

254
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Assim sendo, não faria o menor sentido estimular a colaboração como


meio de obtenção de prova e permitir, sem maiores sanções, que o réu
colaborador omita fatos relevantes, agindo de má-fé. Essa interpretação também
se baseia na nova sistemática previsto no art. 3º-B, §6º da Lei de Combate ao
Crime Organizado.

2.8.7 DO DIREITO À IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO HOMOLOGATÓRIA


DO ACORDO DE COLABORAÇÃO
Conforme já se analisou, o art. 7º-B prescreve não ser possível qualquer
cláusula que implique renúncia ao direito de impugnar a decisão de homologa-
ção do acordo.
Perceba-se, nesse sentido, que a decisão de homologação do acordo de
colaboração pode ser bastante incômoda para terceiros delatados. Nesse cená-
rio, pergunta-se: é possível que terceiro não participante do acordo proponha
impugnação ao negócio jurídico processual?
A resposta é não! O acordo não pode ser impugnado por terceiro, mesmo
que seja uma pessoa citada na delação, pois o acordo é personalíssimo e, por si
só, não vincula o delatado nem afeta diretamente sua situação jurídica. O que
poderá atingir o eventual corréu delatado são as imputações posteriores, cons-
tantes do depoimento do colaborador (STF. HC 127483/PR, Pleno, Rel. Min.
Dias Toffoli, 27/08/2015).
Contudo, excepcionalmente, o corréu poderá impugnar o acordo de co-
laboração homologado se for detentor de foro por prerrogativa de função e o
acordo tiver sido homologado por autoridade judiciária de 1º grau (STF. HC
151.605/PR, 2ª T, Rel. Min. Gilmar Mendes, 20/03/2018).

2.8.8 DO DIREITO DO RÉU DELATADO DE SER OUVIDO SEMPRE


APÓSO RÉU DELATOR
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 4º, §10-A. Em todas as fases do
processo, deve-se garantir ao réu dela-
tado a oportunidade de manifestar-se
após o decurso do prazo concedido ao
réu que o delatou.

255
estácio Luiz & pedrotenório

A instituição do direito do réu delatado se manifestar, em todas as fases


do processo, após o prazo concedido ao réu delator nasceu com a recente
decisão do STF sobre o tema.
Na ocasião, o Supremo decidiu que “o réu delatado tem o direito de
apresentar suas alegações finais somente após o réu delator. Os réus
colaboradores não podem se manifestar por último (ou no mesmo prazo dos
réus delatados) porque as informações trazidas por eles possuem uma carga
acusatória (STF. HC 157627 AgR/PR, 2ª T., Rel. Min. Edson Fachin, red. p/ ac.
Min. Ricardo Lewandowski, 27/08/2019).

2.8.9 DEVER DE GRAVAÇÃO DOS REGISTROS DA TRATATIVAS E DOS


ATOS DE COLABORAÇÃO EM MEIO AUDIOVISUAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 4º, §13. Sempre que possível, o Art. 4º, §13. O registro das tratativas e
registro dos atos de colaboração será dos atos de colaboração deverá ser
feito pelos meios ou recursos de gra- feito pelos meios ou recursos de gra-
vação magnética, estenotipia, digital vação magnética, estenotipia, digital
ou técnica similar, inclusive audiovi- ou técnica similar, inclusive audiovi-
sual, destinados a obter maior fideli- sual, destinados a obter maior fideli-
dade das informações. dade das informações, garantindo-se a
disponibilização de cópia do material
ao colaborador.

Com a nova redação dada pelo PAC, o registro das tratativas e dos atos
de colaboração DEVERÁ ser feito pelos meios ou recursos de gravação magné-
tica, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a
obter maior fidelidade das informações, garantindo-se a disponibilização de
cópia do material ao colaborador.
Note-se que a redação anterior do §14 utilizava a expressão sempre que
possível, agora é um dever de registro. Outro ponto importante de mudança foi
que a nova redação previu o dever de gravação também na fase das tratativas
(negociações preliminares).

256
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

2.8.10 VALOR PROBATÓRIO DA COLABORAÇÃO PREMIADA E DAS


DECLARAÇÕES DO COLABORADOR. REGRA DA CORROBORAÇÃO:
CORROBORATIVE EVIDENCE E A CORROBORAÇÃO RECÍPROCA OU
CRUZADA
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 4º, §16. Nenhuma sentença con- Art. 4º, §16. Nenhuma das seguintes
denatória será proferida com funda- medidas será decretada ou proferida
mento apenas nas declarações de com fundamento apenas nas declara-
agente colaborador. ções do colaborador:
I - medidas cautelares reais ou pesso-
ais;
II - recebimento de denúncia ou quei-
xa-crime;
III - sentença condenatória.

Como visto, a colaboração premiada possui a natureza jurídica de meio


de obtenção de prova, não se confundindo com o meio de prova propriamente
dito. Por essa razão, a colaboração premiada, por si só, não possui valor proba-
tório.
O acordo de colaboração premiada não se confunde com as próprias de-
clarações do colaborador. Enquanto que o acordo é um meio de obtenção de
prova, as declarações do colaborador são meios de prova. No entanto, apesar de
serem meios de prova, as declarações do delator, sozinhas, não poderão ensejar,
por exemplo, a condenação de um corréu.
O PAC realizou importante modificação no §16 do art. 4º, ampliando as
hipóteses em que algumas medidas não poderão ser decretadas com base, ape-
nas, nas declarações do agente colaborador. A redação antiga do §16 menciona
apenas a sentença condenatória.
Com o PAC, além da sentença condenatória, as medidas cautelares reais
(arresto, sequestro, hipoteca legal, etc.) e as pessoais (prisão preventiva, tempo-
rária, cautelares diversas da prisão, etc.) estão abrangidas como vedadas a par-
tir apenas das declarações do delator. Do mesmo modo, o recebimento de de-
núncia ou queixa-crime. Se o único fundamento do recebimento forem as decla-
rações do agente colaborador, tem-se que a denúncia/queixa não terá justa cau-
sa.
257
estácio Luiz & pedrotenório

Nota-se, portanto, que as declarações do colaborador devem ser ratifica-


das por elementos de prova, para que possa ser considerada na fundamentação
das referidas medidas. Tal necessidade de ratificação por outros elementos de
provas é chamada de regra de corroboração (corroborative evidence) (STF. HC
75.226/DF, 2ª T., Rel. Min. Marco Aurélio, 19/09/1997).
Por outro lado, frise-se que as declarações de um colaborador que ratifica
as declarações de outro colaborador não podem servir de fundamentos, exclu-
sivos, na tomada das medidas mencionadas. Isso porque é vedada a corrobora-
ção cruzada ou recíproca (mutual corroboration) entre colaborações (STF. PET
5.700/DF, Rel. Min. Celso de Mello, 22/09/2015).

2.9 DOS DIREITOS DO COLABORADOR


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 5º. São direitos do colaborador: Art. 5º. São direitos do colaborador:
VI - cumprir pena em estabelecimento VI - cumprir pena ou prisão cautelar em
penal diverso dos demais corréus ou con- estabelecimento penal diverso dos demais
denados. corréus ou condenados.
O PAC procedeu modificação nos direitos do colaborador, mais especifi-
camente no inciso VI. Antes, a redação mencionava apenas que o cumprimento
de pena. Agora, o colaborador terá direito de permanecer em estabelecimento
penal diverso dos demais corréus ou condenados, tanto no cumprimento da
pena, quanto estiver preso cautelarmente. O objetivo foi, nitidamente, provi-
denciar maior segurança ao colaborador.

2.10 DO SIGILO DO ACORDO DE COLABORAÇÃO PREMIADA


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 7º, §3º. O acordo de colaboração Art. 7º, §3º. O acordo de colaboração
premiada deixa de ser sigiloso assim premiada e os depoimentos do cola-
que recebida a denúncia, observado o borador serão mantidos em sigilo até
disposto no art. 5º. o recebimento da denúncia ou da
queixa-crime, sendo vedado ao magis-
trado decidir por sua publicidade em
qualquer hipótese.

A modificação tem por objetivo evitar vazamentos relativos ao acordo e


aos depoimentos dos colaboradores. Antes do PAC, a norma apenas previa o
258
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

dever de sigilo do acordo de colaboração premiada. Agora, além do acordo, o


dever abrange os depoimentos do colaborador.
O sigilo deverá ser mantido até o recebimento da denúncia ou a queixa-
crime. A queixa-crime foi abarcada na redação, também. Até o recebimento da
inicial, o dispositivo é expresso ao vedar o magistrado de decidir por sua publi-
cidade em qualquer hipótese.
Registre-se que o saudoso Min. Teori Zavascki, quando da homologação
do acordo do colaborador Delcídio do Amaral, afastou o sigilo do acordo antes
do recebimento de denúncia sob o argumento de que a Constituição Federal
proíbe a restrição a publicidade de atos processuais, salvo quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem (art. 5º, LX) e estabelece, com as
mesmas ressalvas, que a publicidade dos julgamentos do Poder Judiciário é
pressuposto inafastável de sua validade (art. 93, IX) 42 (STF. PET 5952/DF, Min.
Teori Zavascki, 13/05/2016).
Nesse mesmo sentido, o Min. Marco Aurélio decidiu que o sigilo sobre o
conteúdo de colaboração premiada deve perdurar, no máximo, até o recebimen-
to da denúncia. Não se trata de uma regra de observância absoluta. Para que o
sigilo seja mantido até o recebimento da denúncia, deve-se demonstrar a exis-
tência de uma necessidade concreta. Não havendo essa necessidade, deve-se
garantir a publicidade do acordo (STF. Inq 4435 AgR/DF, 1ª T., Rel. Min. Mar-
co Aurélio, 12/09/2017 – Info 877).
A despeito dessas jurisprudências da Corte Suprema, entende-se que
com a modificação expressa trazida pelo PAC, não mais é possível que o magis-
trado, sob qualquer alegação, levante o sigilo do acordo, apenas podendo fazê-
lo após o recebimento da inicial acusatória.
Ainda sobre o sigilo do acordo, ressalte-se decisão do STF em que foi fi-
xada a tese de que a negativa de que o réu tenha acesso a termos de declaração
prestados por colaborador premiado e que não digam respeito aos fatos impu-
tados ao acusado não viola a Súmula Vinculante 14 (STF. RcL 22009 AgR/PR,
2ª T., Rel. Min. Teori Zavascki, 16/02/2016).

42Idem.

259
estácio Luiz & pedrotenório

QUADRO-RESUMO COLABORAÇÃO PREMIADA


Conceito Nas palavras de Renato Brasileiro, a colaboração pre-
miada é uma técnica especial de investigação por meio da
qual o coautor e/ou partícipe da infração penal, além de con-
fessar seu envolvimento no fato delituoso, fornece aos órgãos
responsáveis pela persecução penal informações objetivamen-
te eficazes para a consecução de um dos objetivos previstos
em lei, recebendo em contrapartida, determinado prêmio le-
gal43.
Natureza Jurídica Mesmo antes do PAC, a Lei das organizações crimino-
sas já trazia a colaboração, também, como uma técnica
especial de investigação. Observe-se ainda que, a de-
pender do prisma de observação, a colaboração premi-
ada pode ter, ao mesmo tempo, as seguintes naturezas
jurídicas: a) negócio jurídico processual; b) meio de
obtenção de prova; c) técnica especial de investigação e
d) meio de defesa do investigado.
Argumentos Remetemos o leitor ao quadro no início do capítulo.
Negociações 1) Proposta para formalização de acordo de colabora-
ção;
2) Termo de Confidencialidade;
3) Instrução antes da celebração do acordo, caso sejam
necessários esclarecimentos;
4) Celebração do acordo;
5)Homologação Judicial.
Retratação/Descumprimento Quanto aos elementos de prova e informações trazidos
e as Provas pelo colaborador, após a retratação, é vedada a utiliza-
ção das provas autoincriminatórias em seu desfavor. É
preciso frisar que as não autoincriminatórias poderão
ser utilizadas contra ele. Por fim, as autoincriminató-
rias e as não autoincriminatórias trazidas pelo colabo-
rador, em caso de retratação, poderão ser utilizadas
contra terceiros.
Registre-se que, em caso de descumprimento pelo co-
laborador, os elementos e informações trazidos por ele
poderão ser utilizados em seu desfavor.

Homologação Judicial O magistrado verificará o preenchimento dos pressu-


postos materiais (cláusulas válidas, legais e que respei-
tem os princípios gerais do direito, a moral, a ordem
pública e os bons costumes) e formais (relato da cola-
boração e os seus possíveis resultados, legitimidade das

43LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único. p. 520, 4ª
ed. Salvador; Juspodivm, 2016.

260
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

partes, voluntariedade, declaração da aceitação e de


seu defensor, as assinaturas, a presença do defensor e a
especificação das medidas de proteção, quando for o
caso, sem externar qualquer juízo valorativo acerca da
extensão e da eficácia da colaboração44.

Eficácia Objetiva da Cola- Alcance de um ou mais resultados previstos no art. 4º


boração da Lei de Combate ao Crime Organizado.
Prêmios 1) Acordo de não denunciação;
2) Redução da pena até 2/3 ou substituição por restriti-
va de direitos;
3) Redução da pena aplicada em até metade ou pro-
gressão de regime sem preenchimento do requisito
objetivo;
4) Perdão judicial.

3 DAS MODIFICAÇÕES NA SISTEMÁTICA DA INFILTRAÇÃO DE


AGENTES
3.1 DOS CONCEITOS E DAS CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES SOBRE
A INFILTRAÇÃO POLICIAL PRESENCIAL
É técnica especial de investigação em que agentes da polícia judiciária se
infiltram no seio de organização criminosa para desbaratar a organização e os
crimes por ela praticados.
A infiltração já estava precariamente prevista na Lei 9.034/95 e, também,
na Lei 11.343/06, mas somente com a Lei 12.850/13 é que se teve efetivamente
uma regulamentação exaustiva dessa técnica.
A medida poderá ser representada pelo Delegado, nos autos do IP com
oitiva do MP, ou requerida pelo próprio MP, a todo tempo, mas se no IP
dependerá de manifestação técnica do Delegado.
Em qualquer dos casos, dependerá de circunstanciada, motivada e
sigilosa autorização judicial, que estabelecerá os limites da realização da
infiltração. Somente será admitida a infiltração se houver indícios da infração
penal de integração, participação ou financiamento de organização criminosa
(art. 1º da Lei 12.850/13).
44MASSON, Cleber. MARÇAL, Vinícius. Crime Organizado – 2ª Ed. P. 160. Rio de Janeiro: Fo-
rense; São Paulo: MÉTODO, 2016.
261
estácio Luiz & pedrotenório

Essa técnica durará 6 meses (light cover) sem prejuízo de eventuais


renovações desde que haja comprovada necessidade (deep cover). Havendo
indícios suficientes de que o agente infiltrado sofre risco iminente, a operação
será sustada mediante requisição do Ministério Público ou do Delegado, nesse
caso dando-se imediata ciência ao Ministério Público e à autoridade judicial.
O agente que não guardar, em sua atuação, a devida proporcionalidade
com a finalidade da investigação, responderá pelos excessos praticados.
Contudo, não será punível, no âmbito da infiltração, a prática de crime pelo
agente infiltrado no curso da investigação, quando inexigível conduta diversa.
Trata-se, portanto, de exclusão da culpabilidade pela inexigibilidade de conduta
diversa.
São direitos do agente infiltrado: a) recusar ou fazer cessar a atuação
infiltrada; b) ter sua identidade alterada, aplicando-se, no que couber, o
disposto no art. 9º, Lei 9.807/99; c) usufruir das medidas de proteção a
testemunhas; d) ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais
informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal,
salvo se houver decisão judicial em contrário; e) não ter sua identidade
revelada, nem ser fotografado ou filmado pelos meios de comunicação, sem sua
prévia autorização por escrito.

3.1 DA INFILTRAÇÃO VIRTUAL


COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 10-A. Será admitida a ação de
agentes de polícia infiltrados virtuais,
obedecidos os requisitos do caput do
art. 10, na internet, com o fim de in-
vestigar os crimes previstos nesta Lei
e a eles conexos, praticados por orga-
nizações criminosas, desde que de-
monstrada sua necessidade e indica-
dos o alcance das tarefas dos policiais,
os nomes ou apelidos das pessoas in-
vestigadas e, quando possível, os da-
dos de conexão ou cadastrais que
permitam a identificação dessas pes-
soas.

262
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

§1º. Para efeitos do disposto nesta Lei,


consideram-se:
I - dados de conexão: informações re-
ferentes a hora, data, início, término,
duração, endereço de Protocolo de
Internet (IP) utilizado e terminal de
origem da conexão;
II - dados cadastrais: informações re-
ferentes a nome e endereço de assi-
nante ou de usuário registrado ou au-
tenticado para a conexão a quem en-
dereço de IP, identificação de usuário
ou código de acesso tenha sido atribu-
ído no momento da conexão.
§2º. Na hipótese de representação do
delegado de polícia, o juiz competen-
te, antes de decidir, ouvirá o Ministé-
rio Público.
§3º. Será admitida a infiltração se
houver indícios de infração penal de
que trata o art. 1º desta Lei e se as
provas não puderem ser produzidas
por outros meios disponíveis.
§4º. A infiltração será autorizada pelo
prazo de até 6 (seis) meses, sem preju-
ízo de eventuais renovações, mediante
ordem judicial fundamentada e desde
que o total não exceda a 720 (setecen-
tos e vinte) dias e seja comprovada
sua necessidade.
§5º. Findo o prazo previsto no § 4º
deste artigo, o relatório circunstancia-
do, juntamente com todos os atos ele-
trônicos praticados durante a opera-
ção, deverão ser registrados, grava-
dos, armazenados e apresentados ao
juiz competente, que imediatamente
cientificará o Ministério Público.
§6º. No curso do inquérito policial, o
delegado de polícia poderá determi-
nar aos seus agentes, e o Ministério
Público e o juiz competente poderão
requisitar, a qualquer tempo, relatório
da atividade de infiltração.
§7º. É nula a prova obtida sem a ob-
servância do disposto neste artigo.

263
estácio Luiz & pedrotenório

Acerca da infiltração policial virtual, interessante notar que antes mesmo


do PAC, a Lei 13.441/17, que modificou o ECA, previu essa possibilidade para
tentar prevenir e punir os crimes praticados contra a dignidade sexual de
crianças e adolescentes pela internet.
Isso porque a investigação desses crimes é muito complexa, já que os
criminosos interagem em redes sociais fechadas, com pseudônimos e códigos,
sendo extremamente difícil descobrir os autores e os locais estão ocorrendo as
comunicações e trocas de material pornográfico infantil.
Desse modo, a única forma de descobrir a real identidade dos criminosos
e coletar provas da materialidade é fazer com que os policiais consigam
ingressar e participar dessa rede de delinquentes. Essa prática é, inclusive,
utilizada em outros países do mundo.
O PAC, com o mesmo espírito da Lei 13.441/17, porém tratando dos
crimes de organização criminosa e os demais crimes a eles conexos,
regulamentou a infiltração policial virtual.
Nota-se que na atividade de infiltração virtual, o policial terá que
esconder sua real identidade, forjar documentos de identificação, acompanhar
criminosos e, eventualmente, poderá até mesmo ser obrigado a praticar
condutas típicas.
Desse modo, assim como a infiltração policial presencial, são atividades
que precisam de um acompanhamento e fiscalização por parte do Ministério
Público e do Poder Judiciário a fim de que, em uma ponderação de interesses,
seja analisada a proporcionalidade de sua adoção no caso concreto, evitando-se
abusos e o desvirtuamento da medida.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA INFILTRAÇÃO VIRTUAL
Somente ocorrerá se for previamente autorizada por decisão judicial devida-
mente circunstanciada e fundamentada. Em caso de representação do delega-
do, o MP deverá ser ouvido
Demonstração necessidade e indicados o alcance das tarefas dos policiais, os
nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de
conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas.
Indícios de infração penal prevista na lei de organização criminosa e/ou de
infrações conexas e demonstração da impossibilidade de produção probatória

264
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

por outros meios


A autorização para infiltração durará 6 meses (light cover), sem prejuízo de re-
novações, demonstrada a necessidade e precedida de fundamentada decisão
judicial, no máximo de 720 (setecentos e vinte) dias (deep cover)
Uma vez terminado o prazo máximo previsto para infiltração, o relatório cir-
cunstanciado, contendo todos os atos eletrônicos praticados durante a opera-
ção, deverão ser registrados, gravados, armazenados e apresentados ao juiz
competente, que imediatamente cientificará o Ministério Público
A prova por ventura obtida em desacordo com os requisitos procedimentais do
art. 10-A será nula

3.2 DOS TRÂMITES DE DADOS DA INFILTRAÇÃO E DO SIGILO


INTERNO
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de novidade legislativa! Art. 10-B. As informações da operação
de infiltração serão encaminhadas di-
retamente ao juiz responsável pela
autorização da medida, que zelará por
seu sigilo.
Parágrafo único. Antes da conclusão
da operação, o acesso aos autos será
reservado ao juiz, ao Ministério Públi-
co e ao delegado de polícia responsá-
vel pela operação, com o objetivo de
garantir o sigilo das investigações.

Com o novo art. 10-B, o PAC criou um trâmite direito entre o responsável

pela medida de infiltração e o juiz, dando a ele a responsabilidade de zelar pelo

sigilo da medida. Ademais, o art. 10-B criou hipótese de sigilo interno na

medida em que prescreve a exclusividade de acesso aos dados da infiltração

por parte do próprio juiz, MP e delegado de polícia responsável pela operação.

Note-se que o advogado constituído ou não, não poderá, em hipótese

alguma ter acesso aos dados relativos à infiltração. Essa previsão faz todo o

sentido já que a razão de existir da investigação é justamente o seu sigilo.

Investigação aberta ao público e irrestritamente aberta ao investigado não é

investigação.

265
estácio Luiz & pedrotenório

3.3 DA CAUSA DE EXCLUSÃO DA TIPICIDADE NA INFILTRAÇÃO


POLICIAL
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Trata-se de inovação legislativa! Art. 10-C. Não comete crime o policial que
oculta a sua identidade para, por meio da
internet, colher indícios de autoria e materia-
lidade dos crimes previstos no art. 1º desta
Lei.
Parágrafo único. O agente policial infiltrado
que deixar de observar a estrita finalidade da
investigação responderá pelos excessos prati-
cados.

Como não poderia ser diferente, o PAC previu causa de exclusão da

tipicidade de possíveis crimes eventualmente praticados por agente policial que

oculta a sua identidade para, por meio da internet, colher indícios de autoria e

materialidade dos crimes previstos no art. 1º desta Lei. O parágrafo único do art. 10-

C, seguindo a mesma lógica de qualquer excludente do crime, prevê a punição

do excesso praticado pelo agente policial infiltrado.

3.4 DA NECESSÁRIA DOCUMENTAÇÃO E ARMAZENAMENTO DOS

ATOS ELETRÔNICOS INVESTIGADOS BEM COMO DA PRESERVAÇÃO

DA IDENTIDADE DO POLICIAL E DA INTIMIDADE DOS ENVOLVIDOS

COMO ERA COMO FICOU COM O PAC


Trata-se de inovação legislativa! Art. 10-D. Concluída a investigação,
todos os atos eletrônicos praticados
durante a operação deverão ser regis-
trados, gravados, armazenados e en-
caminhados ao juiz e ao Ministério
Público, juntamente com relatório cir-
cunstanciado.
Parágrafo único. Os atos eletrônicos
registrados citados no caput deste ar-
tigo serão reunidos em autos aparta-
dos e apensados ao processo criminal
juntamente com o inquérito policial,
assegurando-se a preservação da iden-
tidade do agente policial infiltrado e a
intimidade dos envolvidos.

266
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Uma vez terminada a investigação, visando garantir a higidez da cadeia


de custódia da prova, todos os atos eletrônicos praticados durante a
investigação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz
e ao Ministério Público, juntamente com relatório circunstanciado.
Todos esses dados deverão ser reunidos em autos apartados ao processo
criminal principal, assim como também o inquérito policial no qual a infiltração
foi desenvolvida, com objetivo de assegurar preservação da identidade do agente
policial infiltrado e a intimidade dos envolvidos.

3.5 DA INCLUSÃO DA IDENTIDADE POLICIAL FICTÍCIA DO POLICIAL


INFILTRADO NOS BANCOS E REGISTROS DE DADOS PÚBLICOS
COMO ERA COMO FICOU COM O PAC
Art. 11. O requerimento do Ministério Art. 11. O requerimento do Ministério
Público ou a representação do delegado Público ou a representação do delegado
de polícia para a infiltração de agentes de polícia para a infiltração de agentes
conterão a demonstração da necessidade conterão a demonstração da necessidade
da medida, o alcance das tarefas dos da medida, o alcance das tarefas dos
agentes e, quando possível, os nomes ou agentes e, quando possível, os nomes ou
apelidos das pessoas investigadas e o apelidos das pessoas investigadas e o
local da infiltração. local da infiltração.
Parágrafo único. Os órgãos de registro e
cadastro público poderão incluir nos ban-
cos de dados próprios, mediante proce-
dimento sigiloso e requisição da autori-
dade judicial, as informações necessárias
à efetividade da identidade fictícia criada,
nos casos de infiltração de agentes na
internet.

O PAC acrescentou o parágrafo único ao art. 11. Nesse dispositivo, a


nova Lei buscou adequar à infiltração virtual as providências registrais
necessárias à efetividade das atividades de infiltração presencial.
Logo, os órgãos de registro e cadastro público poderão incluir nos bancos de
dados próprios, mediante procedimento sigiloso e requisição da autoridade judicial, as
informações necessárias à efetividade da identidade fictícia criada, nos casos de
infiltração de agentes na internet.
Trata-se de medida lógica. Uma vez criada a identidade fictícia do
policial visando sua atuação na infiltração virtual, registrar tal identidade nos

267
estácio Luiz & pedrotenório

bancos de dados visa garantir a efetividade da técnica de investigação, já que a


criminalidade não é amadora e realiza, ela mesma, protocolos de checagem e
prevenção.
Ou seja, é fato que a criminalidade organizada, justamente por sua
especialização e complexidade, está cada vez mais prevenida. Com efeito, não
houvesse a inclusão da identidade fictícia do policial infiltrado nos dados e
registros públicos, a organização criminosa saberia, com certa facilidade, se
tratar de agente infiltrado.

3.6 OBSERVAÇÕES IMPORTANTES SOBRE INFILTRAÇÃO POLICIAL


3.6.1 POSSIBILIDADE OU IMPOSSIBILIDADE DE INFILTRAÇÃO DE
PARTICULARES (GANSO) EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA:
COLABORADOR PREMIADO COMO AGENTE INFILTRADO (VLADMIR
ARAS)!
Majoritariamente entende-se que somente os agentes da polícia
investigativa (Polícia Federal e Polícias Civis dos Estados) podem se infiltrar
mediante prévia autorização do juiz. Porém, Vladmir Aras entende que os
particulares, conhecidos como gansos, podem se infiltrar em organizações
criminosas, sobretudo no caso de réu colaborador que firma acordo de
colaboração com o Estado.

3.6.2 INFILTRAÇÃO ÀS AVESSAS (INFILTRAÇÃO CRIMINOSA POR


PARTE DO ESTADO): TEORIA DA RECONFIGURAÇÃO COOPTADA DO
ESTADO
Cleber Masson entende que ocorre infiltração às avessas quando
membros de organizações criminosas incrustadas no aparelho administrativo
do Estado nomeiam comparsas para cargos públicos com objetivo de que,
estando dentro da máquina administrativa, sirvam à organização criminosa.
Logo, a infiltração às avessas tem como objetivo possibilitar que os
tentáculos de uma determinada organização criminosa estejam transfixados
nos poderes públicos estatais, de modo a possibilitar a prática de atos de
corrupção ou garantir a impunidade de eventuais delitos cometidos.
268
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

3.6.3 AGENTE DE INTELIGÊNCIA VS AGENTE INFILTRADO:


DIFERENCIAÇÃO FEITA PELO STF
Com base na imprescindibilidade de prévia, circunstanciada e sigilosa
autorização judicial para fins de infiltração policial (art. 10, Lei 12.850/13), o
STF declarou a nulidade da prova obtida por meio de infiltração policial
militar, sem prévia autorização judicial, no seio de grupo criminoso,
determinando a retirada dos depoimentos por ele prestados em sede policial
e judicial(art. 158, §3º, CPP). Na decisão ficou clara a diferenciação entre:
a) Agente de Inteligência: aquele cuja atuação é preventiva e genérica,
buscando informações acerca de fatos sociais relevantes, sem, contudo, fazer
parte do grupo criminoso. Ou seja, sua atuação dá-se quando o crime ainda não
aconteceu ou está prestes a acontecer. Justamente por isso, não haveria
necessidade de autorização judicial;
b) Agente Infiltrado, aquele cuja atuação é repressiva e investigativa, ou
buscando investigar organização criminosa já existente e a prática de crimes
já consumados ou em consumação, logo a finalidade é justamente a de
investigar crime específico (STF. HC 147.837/RJ, 2ª T., Rel. Min. Gilmar
Mendes, 26/02/2019).

269
270

CONCLUSÃO
NOTAS À GUISA DE
es

ci
o
L
ui
z
&
pe
dr
ot
en
ór
io
PACOTE ANTICRIME – AS MODIFICAÇÕES NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL BRASILEIRO

Ao escrevermos esse e-book, buscamos servi-los com a melhor análise


sobre as várias mudanças legislativas. Não foi fácil. O tempo não é paciente,
corre feito as águas de um rio aperreado para encontrar o mar. Mas aqui está o
trabalho finalizado. Antes mesmo da entrada em vigor do PAC.
A consciência está tranquila. Os pontos de mudança foram aprofundados
na medida certa, além de interpretados sistematicamente com a Constituição e
os demais dispositivos dos Códigos Penal, de Processo e das demais Leis
Extravagantes.
O PAC ainda dará muito o que falar. Diversas disposições são, em tese,
passíveis de questionamentos perante o Supremo Tribunal Federal, que, a essa
altura, não mais possui a firmeza jurisprudencial que espera de um Tribunal
Constitucional. Infelizmente, não se sabe mais qual a linha que a Corte segue,
cada Ministro uma ratiodecidendi, o acórdão parece mais o tecido cheio de
retalhos. São tempos realmente estranhos para os que buscam alguma
segurança jurídica.
Mas, isso não está mais ao nosso alcance. O que acontecerá daqui para
frente, ninguém sabe. O que nos resta é estudar, pensar e propor caminhos para
melhor interpretação e aplicação do texto da Lei, que breve estará em vigor.
Esse e-book quer ser, portanto, um guia nessa jornada.
Não poderíamos deixar de dizer que as críticas são muito bem-vindas.
Para isso, estão disponíveis nossas redes sociais: @pedrotenorio1989 e
@estacioluiznetto. Fiquem à vontade. Nossa missão é servir. Abraços!

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