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Direito Penal

1. Princípio da Legalidade Criminal.


A previsão do princípio da legalidade pode ser encontrada no 7° da CEDH e no artigo 11° da
DUDH. Em Portugal, o princípio da legalidade encontra-se plasmado no artigo 29°, n°1
conjugado com o artigo 165°, n°1 da CRP e, no Código Penal, recebe consagração no artigo 1°.
Da articulação do regime penal com o regime constitucional resulta que só pode ser punido o
facto que esteja como tal previsto na lei no momento em que alguém o pratica, com uma sanção
igualmente prevista na lei e no momento da sua prática. Tem, por isso, duas dimensões: a da
previsão legal do crime ou do estado de perigosidade (nullum crime sine lege) e a da previsão
legal da pena ou da medida de segurança (nullum poena sine lege). Não pode haver crime ou
estado de perigosidade se o facto não estiver, como tal, previsto em lei, e mesmo que esteja, não
pode haver sanção penal, se esta não estiver igualmente tipificada.
A desafiar este princípio, em sua primeira dimensão – a da previsão do facto – estão as
chamadas normas penais em branco. Estas normas surgem em áreas altamente exigentes em
termos normativos, sobretudo por razões técnicas, como o ambiente, aviação, alimentação etc.
São principal característica é a estatuição desacompanhada da previsão. Encontram o seu
campo de excelência no direito penal secundário, embora não exclusivamente.
Dito de modo mais claro, as normas penais em branco preveem uma determinada sanção,
mas remetem a sua previsão (definição dos elementos de facto e direito) para outra norma,
extra penal. Desafiam o princípio da legalidade criminal, justamente porque não têm de modo
cabal, uma previsão do facto que precede a sanção. A previsão encontra-se total ou parcialmente
em outra norma.
A verdade, no entanto, é que se trata-se de uma técnica remissiva, mas que pressupõe sempre a
existência de uma previsão e da sanção para poder haver responsabilidade penal.
As normas penais em branco tem vindas a serem toleradas pela doutrina, por não fazerem
perigar o princípio da legalidade, logo que a lei extrapenal para que norma penal em branco
remete cumpra os requisitos da tipicidade exigíveis a factispécie de qualquer incriminação.
A este nível, cumpre salientar o sentido e alcance da lei penal:
 Prévia: quer dizer, anterior ao facto. A eficácia temporal da lei penal implica apenas a
sua vigência para o futuro, abrangendo assim apenas aos factos realizados após a sua
entrada em vigor. Contudo, a exceção a tal regra, existe quando a lei penal prevista
soluções mais favoráveis ao arguido, admitindo-se assim a sua vigência retroativa.
 Escrita: a sua formulação não pode ser deduzida diretamente de uma ordem de valores
transcendental, por muito fundante que seja.
 Estrita: do seu enunciado deve resultar com clareza a delimitação do seu alcance e do
seu conteúdo.
 Certa: a lei penal não pode ser ambígua e nem conter generalidades ou abstrações que
permitam arbitrariamente a sua concretização.
 Parlamentar: a produção da lei penal, no que diz respeito ao ordenamento jurídico
português, compete a Assembleia da República, nos termos do artigo 165°, n°3, alínea
c) da Constituição da República, todavia, poderão ainda serem emanadas pelo Governo
através de autorização legislativa, nos termos do artigo 198°, n°1, alínea b) da CRP.
Não obstante, cumpre salientar igualmente as implicações normativas do princípio da legalidade
criminal. O n°1 do artigo 1°. do Código Penal estabelece o princípio da legalidade em geral,
mas também, quanto a descrição do facto, enuncia o princípio da tipicidade, uma vez que aquele
tem de estar descrito na lei.
No n°1 do artigo 1°. do Código Penal, esta exigência é valida para os factos passiveis de pena –
cujo fundamento é a culpa. Também para factos sancionáveis com medidas de segurança vigora
o mesmo princípio, mas o legislador entendeu por bem explicita-lo por norma própria.
O princípio da legalidade criminal vem proibir aquilo que se denomina de analogia
incriminadora (artigo 3°, n°1 do Código Penal). A proibição consistem em não se poder
qualificar um facto enquanto crime, definir um estado de perigosidade ou sanção, com recurso a
analogia.
Trata-se de uma norma garantistica que decorre do próprio princípio da legalidade criminal –
uma vez que a analogia incriminadora estende o âmbito da norma penal, abrangendo situações
que a lei não prevê – da necessidade de certeza juridica – se alguém pratica um facto,
conhecendo o teor da lei, não pode ser surpreendido com uma interpretação posterior que
alargue o âmbito da norma penal – e da própria dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, não se proíbe a analogia em beneficio do arguido, i.e., em bonam partem.
Quando necessário, a analogia deve ser utilizada sempre que seja necessária e em benefício da
pessoa destinatária da norma.

2. Eficácia Temporal da Lei Penal.


Em matéria de aplicação da lei penal no tempo, a regra é a da sua vigência para o futuro.
Portanto, a lei penal não se aplica a factos praticados antes da sua entrada em vigor. É o que
decorre do artigo 29°, n°1 e 3 da CRP. Esta norma, ao exigir que, qualquer punição, a ocorrer,
deve estar anteriormente prevista, implica uma vigência da lei penal para o futuro, impedindo
assim aplicações punitivas retroativas.
Ao princípio da vigência da lei penal para o futuro se acresce uma exceção e uma limitação a
exceção.
Excetuam-se deste princípio aqueles casos de aplicação da lei penal mais favorável posterior
ao fato. Sempre que uma lei penal posterior a prática do facto contiver uma solução mais
favorável ao arguido, é esta solução que se aplica (artigo 2°, n°4 do Código Penal). Por exemplo
se a nova lei amplia os pressupostos para aplicação de uma causa de justificação ou de
exculpação ou restringe os pressupostos de punição, aplica-se a nova lei.
Ganham aqui relevo as hipóteses de descriminalização e despenalização. Na primeira situação,
o facto deixa de ser crime, o que implica a imediata renuncia a condenação, e no caso desta ter
ocorrido, a imediata cessação dos seus efeitos (artigo 2°, n°2 do Código Penal). Na segunda
hipótese, a redução da pena, aplica-se imediatamente a nova lei, salvaguardando-se em caso de
condenação, ao cumprimento do novo limite máximo previsto pela lei favorável.
Consequentemente daqui também decorre o princípio da irretroatividade in malem partem. Por
leitura em contrário do artigo 29°, n°1 e 3 da Constituição da República. É a retroatividade in
bonam partem que permite uma releitura do princípio da irretroatividade.
A limitação a exceção é a das leis temporárias. Quando um facto for praticado no âmbito de
uma lei temporária, é esta que continua a aplicar-se independentemente do regime anterior ou
posterior ao facto ser mais favorável (artigo 29, n°3 do CP.
Relativamente a descriminalização. No artigo 2°, n°2 do Código Penal encontra-se o regime de
aplicação da lei penal em casos de descriminalização. O fenômeno da descriminalização ocorre
quando a lei deixa de considerar um facto como ilícito típico. Neste caso, deixando de fazer
sentido a punição. E, portanto, se isto ocorre antes da decisão final, a entidade judicial, deve
proceder em conformidade, arquivar o processo e absolver o réu da instância. Se já tiver havido
condenação, então cessa-se a execução e os seus efeitos. A razão é simples, se o facto deixou de
ter dignidade penal, então o direito penal recua.
A descriminalização traz consigo alguns problemas, a saber:
 O problema da alteração dos pressupostos de que depende a ilicitude de um facto: se a
nova lei alterar os pressupostos de ilicitude e com a sua aplicação em concreto resultar a
irresponsabilidade penal do agente, ainda que o facto continue a ser crime, deverá ou
não punir o agente? A resposta é negativa, mesmo que o facto ainda continue a ser
criminoso. Não pelo fenômeno da descriminalização propriamente dito, mas pela
aplicação da lei penal mais favorável ao agente.
 O problema da sucessão de leis sancionatórias: se uma conduta deixa de ser crime e
passa a ser considerada contraordenação, ou, se uma contraordenação passa a ser
considerada crime, sem que o legislador diga respeito ao seu regime transitório, qual
solução aplicar? No primeiro tipo de caso (descriminalização), a doutrina tende a
considerar que, quando o legislador nada diga sobre o regime transitório, o facto que
deixou de se considerar crime e passou a ser contraordenação continua a merecer
sanção contra-ordenacional. No segundo tipo de caso (criminalização) há quem entenda
que a conduta haveria de ser sancionada como contraordenação.
Relativamente as leis temporárias ou de emergência. São leis que possuem um prazo de
vigência assinalado, leis que por determinadas razões fazem com que o direito penal atue de
modo especial durante estes períodos. Se em seguida se aplicasse outras leis, por exemplo,
menos severas, a luz da retroatividade da lei penal mais favorável, então as finalidades
preventivas da leis temporárias iriam perder-se completamente. Sabendo que em regra um
processo demora um certo tempo, é muito fácil que, aquando do julgamento, a lei temporária já
não se encontre em vigor. Ora, aplicar uma lei posterior mais favorável – ou até ao contrário –
frustraria aos fins da lei temporária.
O legislador optou, portanto, em subtrair da retroatividade da lei penal mais favorável as lei
penais temporárias. Optou, portanto, por manter o regime da lei temporária aos factos praticados
no âmbito da sua vigência, independentemente de eventuais alterações posteriores.
A este proposito e apenas por uma questão de rigor conceitual, convêm convocar aqui o
conceito de lei intermédia. A lei intermédia é aquela que vigora em um determinado período,
entre duas ou mais relevantes para o caso concreto, sempre depois de praticado o facto e antes
do julgamento. Por exemplo, se o facto se realiza em um determinado momento, e aí vigora a lei
A, passado alguns meses surge a lei B, terceira lei, a lei C, relevante para o caso, temos a lei B
enquanto lei intermédia.
As leis temporárias não entram na consideração do regime da lei penal mais favorável, quando
há uma sucessão de leis que são comuns e uma lei que é temporária. A realidade fáctica que
subjaz a lei temporária, e que lhe fundamenta, é bastante diferente das leis penais normais.
Questão muito relevante é a de se saber em que consiste o regime concretamente mais favorável
ao agente. Aqui abre-se a discussão acerca da adoção de dois regimes:
 Ponderação unitária/global: segundo a qual, deve ser aplicada uma única lei, com a
totalidade das suas disposições, que globalmente se mostre concretamente mais
favorável.
 Ponderação diferenciada: de acordo com a qual deve aproveitar-se e aplicar-se, de
cada uma das leis, o que mais favorável de cada uma delas houver para a resolução do
caso concreto.
Apesar da maioria da doutrina juspenalista enveredar pelo caminho da ponderação unitária ou
global, a doutrina do Minho entende que a solução correta é a da distinção diferenciada

3. Eficácia Espacial da Lei Penal.


É o princípio da territorialidade que vigora no direito português para a aplicação da lei penal no
espaço (artigo 4° do Código Penal). A lei penal portuguesa é aplicada a factos praticados no
território português, compreendendo-se aqui o território marítimo, insular, continental e terrestre
(artigo 5° da CRP), independentemente da nacionalidade do agente.
Equipara-se ao território português para este efeito, a plataforma dos navios ou das aeronaves
portuguesas, quando os factos são cometidos em território ou espaço aéreo internacionais, mas
não em águas, portos marítimos ou espaço aéreo estrangeiros. Chama-se a esta extensão o
princípio do pavilhão, por referência ao pavilhão, bandeira das diversas aeronaves ou
embarcações.
A razão de ser do princípio da territorialidade é óbvia: assentando o exercício do ius puniendi na
estadualidade, seria estranho que a lei penal portuguesa não se aplicasse aos factos praticados
em território nacional ou que se aplicasse a factos praticados fora do território nacional.
Trata-se de um princípio de que a par de outras normas, que estendem a aplicação da lei penal
portuguesa, regulam problemas de aplicação internacional das leis penais, evitando conflitos de
jurisdição, por uma lado, e situação de impunidade, por outro.
Assim, se compreende que desejando evitar situações de impunidade, por um lado, o lugar da
prática do facto, como veremos adiante, está sujeito ao duplo critério da conduta e do
resultado (princípio da ubiquidade), ínsito no artigo 7° do Código Penal. Um dos problemas
que o princípio da territorialidade pretende evitar é o da dupla punição pelo mesmo facto (ne bis
in idem). Se cada Estado adota o princípio da territorialidade este risco está amenizado.
Exceções ao princípio da territorialidade. Ora, são exceções ao princípio da territorialidade, quer
os tratados ou as convenções assumidas por Portugal, que disponham o contrário do princípio da
territorialidade, quer as demais situações previstas no artigo 5 do Código Penal.
Se o princípio geral em matéria de aplicação da lei no espaço é o princípio da territorialidade
acompanhado do princípio do pavilhão, são lhes complementares os seguintes princípios que
alargam o âmbito da lei penal portuguesa: princípio da defesa dos interesses nacionais, princípio
da universalidade, princípio da nacionalidade, princípio da administração supletiva da lei
nacional, princípio da convencionalidade.
Embora não medeie entre esses princípios um ordenamento hierárquico, no sentido de podermos
afirmar que um se apresenta mais importante do que o outro, podemos afirmar que estes
princípios se encontram unidos por uma relação metodomológica. Na verdade, não podendo
falar-se em hierarquia, existe, contudo, uma relação lógico-juridica entre os diversos princípios.
Essa relação logico-juridica permite estabelecer uma ordem de aplicação, tendo em conta a
complexidade e abrangência deles.
Assim, se compreende que o princípio da defesa dos interesses nacionais sendo mais amplo, e
possuindo uma ligação muito próxima com a questão da soberania juridica nacional, surja em
primeiro lugar. Logo, se uma situação cair no âmbito deste princípio, não será necessário
invocar outro, mesmo que possa ser invocado.
De igual modo é perceptível que o princípio da nacionalidade preceda ao princípio da
universalidade, tendo em conta os agentes a que se aplica, a proximidade com o princípio da
territorialidade (terra e sangue) e, deste modo apresenta uma abrangência muito superior ao
princípio da universalidade.

1. O princípio da defesa dos interesses nacionais: implica a aplicação complementar


da lei penal portuguesa a determinados tipos, mesmo que praticados em território
estrangeiro. São os que constam dos seguintes artigos: 221°; 262° a 271°; 308° a
321° e 325° a 345°.
2. O princípio da nacionalidade: desdobra-se em nacionalidade ativa e nacionalidade
passiva [(tanto na alínea a) como na alínea e) e g)]. No primeiro caso, a vitima e o
agente possuem nacionalidade portuguesa. No segundo caso, o agente pode ser
português ou estrangeiro, e a vitima portuguesa. No terceiro caso, trata-se de
situações em que o agente ou vitima são pessoas coletivas com sede em território
português. Em termos resumidamente simples, este princípio manda aplicar a lei
penal portuguesa aos factos praticados por portugueses ou contra portugueses,
mesmo que cometidos no estrangeiro, de acordo com as alíneas acima.
 Alínea b), do n°1 do artigo 5°: encontramos aqui uma extensão do princípio da
nacionalidade, no intuito de prevenir a fraude a lei penal. Para que esta extensão
se verifique, o facto tem de ser praticado por portugueses contra portugueses,
que residam habitualmente em Portugal e que aí possam ser encontrados.
 Alínea e), do n°1 do artigo 5°: estamos perante crimes praticados por
portugueses (nacionalidade ativa) ou por estrangeiros, contra portugueses.
Exige ainda o legislador penal três requisitos cumulativos: i) que o agente seja
encontrado em Portugal; ii) que os agentes sejam igualmente punidos pelo
ordenamento jurídico do lugar de onde se encontram, salvo quando nesse lugar
não se exercer poder punitivo; iii) que os factos constituam crime que admita
extradição, mas que esta não possa ser concedida ou seja decidida a não entrega
do agente em sede de mandado de detenção.
3. O princípio da universalidade: manda que se aplique complementarmente a lei penal
portuguesa aos factos praticados nos artigos: ver depois
4. O princípio da administração supletiva da lei penal portuguesa: aplica-se a factos
praticados por estrangeiros contra estrangeiros, fora do território português. Está
previsto na alínea f), do n°1 do artigo 5° e exige mais duas condições: por um lado,
que o agente seja encontrado em Portugal; e por outro, que sendo requerida a
extradição, a mesma não possa ser concedida.
O artigo 6° aprofunda o caráter excecional dos princípios da extraterritorialidade da lei penal
portuguesa, no sentido de limitar a aplicação da lei portuguesa. Impõe-se um duplo limite a
estes princípios:
1. Que o agente não tenha sido julgado no lugar de onde praticou o facto;
2. Que o agente tenha se subtraído ao cumprimento total ou parcial da pena.
O primeiro limite é claramente em respeito ao princípio do ne bis in idem, previsto no artigo
29°, n°5 da CRP. O segundo limite é facilmente compreensível: se uma pessoa tiver sido
condenada, naturalmente deverá cumprir a pena imposta, o não cumprimento, implica que o
Estado português pode aplicar a lei penal portuguesa.
Importa, ainda, acerca da aplicação da lei penal no espaço, entender o conceito de locus delicti e
a sua consequente extensão. Ora, o princípio aqui valido é de que o facto considera-se
praticado tanto no lugar da conduta como no lugar do resultado. É o que está previsto no
artigo 7° do Código Penal: é o que se costuma designar por princípio da ubiquidade.
O fundamento pela adoção deste critério é duplo: a) encontrar um lugar onde se tenha realizado
o facto porque é nele que se faz sentir as maiores necessidades de prevenção geral e onde
melhor pode se realizar a investigação; ii) e, ainda evitar situação de impunidade, no caso, por
exemplo, de realização de crimes transfronteiriços.
Do facto de o n°1 do artigo 7° do Código Penal prever esse critério plurilateral ou misto,
resultam vários aspectos a se ter em conta.
Relativamente a conduta. Tanto pode ser o lugar onde se realizou como também onde deveria
ter sido realizado. Sucede, por exemplo, que em certos crimes, como nos crimes continuados,
duradouros e em determinados crimes complexos, o local onde a ação está a desencadear-se
pode ser múltiplo. Por exemplo, um sequestro, pode dar-se em diversos lugares, se o agente vai
deslocando a vitima de um lugar para o outro. Neste caso, por lugar do facto entende-se
qualquer um dos lugares onde se tenha realizado a conduta.
Quanto ao resultado. Atendendo ao facto que determinados crimes são formais – aquele que
para a verificação da sua consumação, é suficiente a realização de uma determinada conduta,
não se exigindo a realização de um evento que se distinga da ação – em que a concretização do
tipo se dá por mera atividade (por exemplo, o artigo 359° do Código Penal), para se aplicar o
critério misto, haveria que prever a possibilidade de o lugar do resultado não tipificado pelo
agente mas representado por ele, valer igualmente como lugar do delito.

4. Eficácia Espacial da Lei Penal.


O princípio que se aplica em matéria de eficácia da lei penal em relação as pessoas, salvo as
exceções adiante mencionadas, vão num duplo sentido: universalidade e igualdade.
A lei penal é aplicada a todos de igual modo. Tem uma pretensão de universalidade (que
decorre do artigo 12° da CRP), porque se aplica a todos, independentemente de “ascendência,
sexo, religião, língua, território de origem”, desde que o indivíduo tenha praticado um facto e
seja punido enquanto previsto na lei. E aplica-se a todos do mesmo modo, ou seja, com total
respeito ao princípio da igualdade.
Não pode haver privilégio em razão das quaisquer circunstâncias mencionadas e que cerquem o
sujeito que tenha praticado o facto. A lei penal deve ser aplicada com total respeito ao princípio
da dignidade da pessoa humana, e aqui também com respeito ao princípio da igualdade.
O princípio da universalidade e da igualdade, em matéria de aplicação da lei penal sofrem,
contudo, algumas restrições. De um modo geral, tais restrições não implicam a impunidade das
pessoas envolvidas, trata-se de limitações temporárias ou impostas pelo exercício de
funções, mas sem que isso impeça o exercício da ação penal em tempo e circunstâncias
próprias, isto é, logo que seja possível.
 A imunidade dos Chefes de Estado estrangeiros: a imunidade concedida ao Estado, por
força do princípio par in parem nom habet jurisdictione – que assume que um Estado
não possui soberania sobre os demais - também é aplicada ao seu chefe. O chefe de
Estado é o mais alto magistrado e comandante supremo das forças armadas de um
Estado, e não pode ficar vulnerável a eventual aplicação da lei penal estrangeira sob
pena de não desempenhar livremente o seu cargo. Trata-se de uma liberdade do
exercício do cargo que não pode ficar capturada por regras que de algum modo
diminuam esse exercício. O respeito pelo Chefe de Estado garantindo-lhe imunidade, é
um sinal reciproco de respeito pela soberania do outro Estado. Trata-se de uma
normas costumeira ou consuetudinária.
 Imunidade sobre os factos de natureza criminal praticado pelo Chefe de Estado
durante o exercício das suas funções: ou seja, pela matéria que incide, que tem
que ver com as funções que desempenha.
 Imunidade relativa aos factos de natureza criminal de foro privado: praticados
antes ou durante o exercício do cargo – trata-se de imunidade pessoal, mas
enquanto Chefe de Estado.
Quer dizer, temos factos de natureza criminal cometidos pelo Presidente da República
no exercício das suas funções, e aqueles outros que são cometidos pelo cidadão (que é
simultaneamente o presidente da república) e nada tem que ver com as funções
presidenciais.
Relativamente aos primeiros factos (praticados no exercício da função presidencial e
enquanto tal), o Chefe de Estado se presume isento de responsabilidade. Este princípio,
contudo, possui dois limites: um de âmbito internacional e outro de âmbito nacional.
Quanto ao primeiro limite, de âmbito internacional, sempre que se trate de crimes
cometidos durante o exercício do cargo e que estejam regulados no ETPI, uma vez
terminado o cargo, o ex-presidente terá de responder criminalmente pelo TPI.
Quanto ao segundo limite, claro que aquela imunidade me razão da matéria não impede
que o seu Estado de origem, através da lei nacional, preveja, responsabilidade penal
pelos factos praticados no exercício desse cargo.
Realidade diferente será a dos factos de natureza criminal de foro privado. Neste tipo de
casos, o Chefe de Estado estrangeiro tem imunidade enquanto desempenha o cargo, mas
após a cessação do seu mandata, tudo volta ao normal, como se fosse um cidadão
comum, devendo responder criminalmente.
 A imunidade diplomática: gozam de imunidades diplomáticas aqueles que detenham
este estatuto. Nos temos do DL 40-A/98 gozam deste estatuto todos os funcionários
diplomáticos independente da situação que se encontrem. A ratio dessas imunidades é
fácil de se compreender: trata-se de impedir que o pessoal diplomático seja perturbado
no exercício das suas funções. Até porque as funções diplomáticas são uma emanação
direta da soberania dos Estados. A imunidade diplomática consta da Convenção de
Viena de relações diplomáticas de 1961 e a Convenção de Viena de relações consulares
de 1963.

Nos termos do artigo 31°, n°1 da Convenção de Viena sobre relações diplomáticas “o
agente goza de imunidade penal do Estado acreditador”. Quer dizer, se um agente
diplomático vier a cometer um crime em Portugal, goza de imunidade de jurisdição em
Portugal. Mas como o n°4 do mesmo artigo determina que “a imunidade de jurisdição
de um agente diplomático no Estado acreditador não o isenta de imunidade no Estado
acreditante”. Então, esse agente não será imune de responsabilidade penal no seu Estado
de origem.
Por sua vez, a Convenção de Viena de relações consulares, determina no artigo 41° as
imunidades relativas, uma vez que não está excluída totalmente a possibilidade de
atuação do Estado acreditador perante os funcionários consulares. Mas aqui convém
fazer algumas precisões. Mas apenas a nível excecional, em casos de crimes graves ou
de decisão de autoridade judicial competente é que podem ser detidos ou presos ou
limitados em sua liberdade pessoal.

 Imunidades aplicáveis a titulares de cargos políticos: os titulares de cargos políticos


também gozam de imunidade relativa.
 Presidente da República: cujo regime de responsabilidade criminal está previsto
no artigo 130° da CRP. Nos termos do n°1, o Presidente da República responde
perante o Supremo Tribunal de Justiça, significa isto dizer que não está
criminalmente imune quando praticar crimes no exercício da sua função.
Simplesmente para responder criminalmente é necessário observar a alguns
requisitos:
o A iniciativa do processo cabe a Assembleia da República, mediante
proposta de 1/5 e deliberação aprovada por 2/3 dos deputados em
efetividade das funções.
o Estes requisitos, que são apertados, não constituindo uma imunidade
relativa, dificultam em grande medida a prossecução penal. Neste caso,
além da condenação penal, prevista no tipo legal, são previstas outras
penas acessórias: destituição do cargo e impossibilidade de reeleição.
o Se o presidente praticar outros crimes que nada tenham que ver com a
função presidencial, nesse caso haverá imunidade relativa, porque
temporária, na medida em que adia a prestação de contas.
 Deputados: determina o artigo 157° da CRP que “não respondem civil ou
criminalmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das suas
funções”. Supondo que o Deputado utiliza da sua palavra para promover na
Assembleia um discurso ofensivo, a primeira vista, se poderia defender a sua
imunidade penal. Contudo, como diz Faria Costa: essas declarações devem ser
prestadas no exercício das suas funções enquanto deputada e observando aos
limites legais das suas funções. Significa isso que se o deputado proferir uma
declaração criminosa, oporá a estes dois critérios. Relativamente aos crimes
praticados fora do exercício das suas funções, estes respondem a igualdade dos
cidadãos, nos termos do artigo 157° da CRP.

5. Teoria da Infração Penal.


Nos temos em Portugal um Direito Penal do facto e não do agente, quando falamos em crime, o
nosso objetivo não é realizar um juízo de censura em relação a pessoa, mas sim, de censurar
jurídico-penalmente o seu comportamento. Não são as pessoas que relevam, propriamente
dizendo, mas as suas condutas.
A analise jurídico-penal recai sobre a conduta do agente, em primeiro lugar, só depois relevando
para o efeito a analise intersubjetiva, buscando compreender se o agente atuou com ou sem
culpa.
A base disso tudo está nos elementos típicos da teoria geral do crime – a ação ou omissão
(artigo 10° do Código Penal). Normalmente os penalistas não falam em crime, referem-se a
facto, porque o facto é objetivo e inócuo. O crime é o resultado de um conjunto de condições
que tem de se verificar para que possa se produzir. E esse crime começa sempre por um facto.
No Direito Penal existe algo que se chama alteração substancial dos factos: se os factos que
aparecem, enquanto novos, são substancialmente diferentes daqueles que apareceram antes,
então diz-se que tal se sucede. Ou seja, os novos factos conduzem a um crime diferentes,
precisamente por essa alteração substancial.
A concepção de crime depende de um conjunto de pressupostos que, dogmaticamente, teremos
que assentar. Se formos partir de diferentes concepções, todas elas nos levarão a resultados
diferentes, pois o resultado irá depender do ponto de partida. Deste modo, faz-se necessário
compreender e estabelecer um ponto de partida. Assim, o crime terão determinados elementos
que, independentemente da posição adotada, serão sempre os mesmos.
Os elementos são:

 Ação/omissão: não há crime se não houver ação – realização de uma conduta que está
prevista na lei - ou mesmo omissão – imiscuir-se da prática de uma determinada
conduta também prevista em lei.
 Tipicidade: a ação ou omissão em questão necessita de ser tipificada, ou seja,
necessita estar prevista na lei.
 Ilicitude: a ação ou omissão em questão tem que contraria a disposição legal da
norma juridica em questão.
 Culpa: juízo de censura que recai sobre aquela ação ou omissão. Só se pode censurar
quem poderia ter atuado de maneira diversa.
 Condições de punibilidade: mesmo que todos os pressupostos anteriores estejam
preenchidos, cumpre para o efeito saber se a conduta do agente consegue cumprir
todas as condições de punibilidade previstas, caso sim, então o facto é punível.
No caso do Direito Penal português, o ponto de partida na determinação de um facto ilícito-
típico enquanto crime, faz-se necessário realizar uma analise com base na teoria
teologicamente funcional e racional: isso quer dizer que temos em conta que quando o
indivíduo pratica aquilo que a lei considera crime, nos antecipamos para o momento da
tipicidade e da ilicitude.
Existem dois tipos de ilícito: objetivo e subjetivo. O tipo de ilícito objetivo, é aquele que não
depende nem do conhecimento e nem da vontade, depende de elementos externos do
próprio agente, desde logo, o próprio autor do crime; o tipo de ilícito subjetivo, tem a ver
com o conhecimento ou com a vontade, ou quando não é problema destes, tem que ver com a
negligência.
Dentro do tipo de ilícito ainda temos dois blocos: justificadores e incriminadores. Os primeiros,
são aqueles que se realizados levam a incriminação da pessoa; os segundos, são aqueles que se
realizados absolvem o agente.
Tipos Incriminadores Objetivos.
1. Dolosos: estes são o tipo regra. Sempre que se pensa em um tipo incriminador (objetivo) ele
é sempre doloso. Não há tipos exclusivamente negligentes. Excecionalmente também pode
ser por imprudência – violação de um dever de cuidado. O dolo é a regra, negligência é
excecional. Pode haver crime sem negligência, mas não crime sem dolo.
O tipo legal de crime é um tipo de garantia, isso quer dizer que recuperamos o princípio da
legalidade – nullum crime sine lege – as pessoas só são punidas pelo que estiver previsto no
tipo legal previsto na norma legal.
O tipo legal pode compreender duas coisas ou apenas uma:

o Desvalor da ação e do resultado: na desvalorização do resultado temos de


realizar uma ação em si mesma desvalorizada – matar alguém, mas para eu
consumar o crime de homicídio, não basta a realização de uma ação
desvalorizada em si mesma, é necessário a produção do resultado prevista no
tipo ilícito, que neste caso, é a morte. Caso se produza apenas o desvalor da
ação, não se produzindo o desvalor do resultado, a ação ainda é relevante em
termos de tentativa.
o Desvalor da ação: há tipos criminais que consistem apenas no desvalor da ação,
ou seja, o tipo não requer a produção do resultado, são os chamados crimes de
mera atividade, não são crimes de resultado, são crimes porque o indivíduo
realiza ação.
Autor: aqueles que são responsáveis a títulos individuais. Temos de distinguir crimes
específicos e crimes comuns. Quando olhamos para um tipo legal de crime, por
exemplo, o artigo 131° do Código Penal este refere-se a “quem”. É um crime comum, a
imposição do termo revela um crime comum. Por outro lado, o artigo 284° impõe o
termo “o médico”, logo, deduz-se que está-se a referir a um crime específico, visto não
poder ser praticado por qualquer indivíduo. Existem ainda casos que, perante a prática
de um crime comum, sendo o mesmo levado a cabo por um agente que reúna
especificas qualidades descritas em um tipo legal, se passe a considerar praticado um
crime específico improprio/impuro: porque na sua base ele é comum, mas depois na
agravação em função da pessoa que o comete, acaba por ser específico.
Conduta: só comportamentos humanos voluntários podem ser responsabilizados
criminalmente. Considerando a conduta, podemos diferenciar dois tipos de crime,
crimes de resultado e crimes de mera atividade.
Bem jurídico: aqui temos os crimes de dano e os crimes de perigo. Nos tipos legais de
dano, a norma juridica exige que o bem jurídico seja efetivamente ofendido; nos tipos
legais de perigo, não há que lesar propriamente o bem jurídico, basta pô-lo em risco,
que pode ser concreto (o perigo está propriamente previsto) ou abstrato (quando não
está previsto explicitamente no tipo legal)0

Imputação Objetiva do Resultado a Ação:


O fenômeno para realmente ser considerado crime, um facto ilícito típico, subsumível a um tipo
de ilícito, temos de provar que aquele resultado deriva de uma determinada ação ou omissão
específica, porque, caso não seja, não temos crime. Este exercício indispensável para se
condenar alguém se trata da imputação objetiva do resultado a ação. É o mesmo que dizer que
ação provocou o determinado resultado.
A respeito dessa matéria, tem se visto e se sentido algum desenvolvimento em seu aspecto
dogmático. A primeira etapa deste desenvolvimento começou com a teoria da imputação sine
qua nom ou teoria das condições equivalentes (1° degrau da teoria da causalidade) que se
resume a que a causa de um resultado, é toda a condição sem a qual o resultado não teria
tido lugar. Essa teoria, contudo, traz consigo a problemática de abrir demasiadas possibilidades
para a imputação da causa ao resultado.
Em virtude de tal problemática, depois veio se admitir um novo paradigma, e construiu-se o 2º
degrau da teoria da causalidade, designadamente a teoria da causalidade adequada. Para esta,
já não serão todas as condições equivalentes, porque haverá uma condição que é mais
apropriada do que as outras para a produção do resultado. O artigo 10° do Código Penal adota a
teoria da causalidade adequada. Essa teoria, contudo, traz consigo algumas dificuldades: aqui é
necessário realizar um juízo de prognose póstuma, o juiz tem que se deslocar até o momento da
prática do facto e observar tudo o que acontece no momento da ação, e verificar se o que está a
ser feito e o modo como está a ser feito é critério adequado para produzir aquele resultado.
Por vezes coloca-se a prova esta teoria, colocando a descoberto que a mesma não está completa,
no sentido em que não comporta situações de risco e quando pensamos na causalidade
adequada, temos de pensar no risco não permitido e no risco permitido. O professor Figueiredo
Dias acredita que seja possível adicionar um terceiro degrau, designadamente o da teoria do
risco: o resultado só se deve ser imputado a ação se esta tenha incrementado ou criado o risco.

Tipo Subjetivo de Ilícito.


Começasse a retratar o dolo e a negligência, aferidos a partir da ilicitude. Desta forma entende-
se que o ilícito possui uma dimensão subjetiva e outra dimensão objetiva. Cumpre para o efeito
descobrir quais são os tipos subjetivos de ilícito: por exemplo, o artigo 131° do Código Penal é
tipo objetivo do ilícito do homicídio (autor, conduta, resultado), já o tipo subjetivo do ilícito é o
dolo, ou seja, é dizer que a morte ocorrida se deu porque o autor da conduta tinha a intenção de
matar, que agiu com o conhecimento e com a vontade. Assim, para se poder condenar alguém
pela prática de um ilícito típico, para além de verificar se os elementos do tipo objetivo estão
suficientemente cumpridos, é necessário também verificar que os elementos subjetivos estão
igualmente cumpridos. Não estando, então não há possibilidade de imputar a conduta a aquela
pessoa.
O dolo é composto pelo conhecimento e pela vontade. O primeiro é um elemento intelectual e o
segundo é um elemento volitivo, ambos são necessários.
O elemento intelectual e o volitivo são elementos complexos, a dogmática aqui aprofundou o
estudo de modo a facilitar a vida de quem julga, porque há vários elementos exigidos na
comprovação do elemento do dolo: (i) – conhecimento das circunstâncias do facto; (ii) – a
previsão do decurso dos acontecimentos; (iii) – conhecimento da proibição do facto. Estes três
elementos compõem o elemento racional do dolo

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