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01/05/2021 Os militantes invisíveis dos partidos brasileiros | Opinião | EL PAÍS Brasil

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Os militantes invisíveis dos partidos brasileiros


Pesquisa mostra que existe engajamento ‘de verdade’ no Brasil e que
minorias são sub-representadas nas siglas

Bandeiras do PT e de outros partidos de esquerda em ato em Porto Alegre, em janeiro de 2018. DIVULGAÇÃO
PARTIDO DOS TRABALHADORES

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01/05/2021 Os militantes invisíveis dos partidos brasileiros | Opinião | EL PAÍS Brasil

PEDRO FLORIANO RIBEIRO

05 FEV 2020 - 16:38 BRT

Um dos mitos mais arraigados sobre a política brasileira diz respeito à suposta fragilidade
crônica dos partidos políticos no país. Nossas agremiações seriam meras ficções legais:
legendas ‘de cartório’ inventadas e manipuladas pelas elites políticas com o proposito único
de cumprir a legislação eleitoral, que obriga a filiação partidária para se disputar e acessar
cargos eletivos. Salvo raras exceções, essas entidades artificiais seriam desprovidas de
conteúdo ideológico, de vida interna, de vínculos sociais, de bases e militância. Nos períodos
eleitorais, fariam a intermediação entre candidatos e recursos públicos de campanha
(tempo de TV e fundos partidário e eleitoral); passada a eleição, voltariam à condição de
insignificância, incapazes de atuar na representação de interesses e na organização de
governos e do processo legislativo.

Pesquisa recém-publicada na Revista de Ciência Política da Universidade


MAIS INFORMAÇÕES
Católica do Chile (em parceria com o colega Oswaldo Amaral, da
Unicamp) refuta parte desse diagnóstico, ao apontar que há vida interna e
militantes ativos nos partidos brasileiros —e não apenas no PT. Na
primeira pesquisa de opinião exclusiva com membros partidários já
realizada no país (um survey amostral), 445 filiados dos 10 maiores Maia testa
protagonismo
partidos foram entrevistados, em 19 municípios do Estado de São Paulo
no último ano à
(incluindo a capital). Cerca de metade dos entrevistados dispendia ao frente da
menos 10 horas por mês nas atividades partidárias, e um quarto do total Câmara

era altamente engajado, dedicando mais de 30 horas mensais. De modo


geral, a participação nas reuniões de diretórios, convenções e comissões
executivas ocupava mais tempo dos filiados do que as campanhas
eleitorais. Os membros expressaram uma visão “romântica” sobre o papel
dos partidos (enfatizando convicções políticas e a representação de O que os
deputados mais
interesses), o que não impedia que boa parte deles (45%) já tivesse
ricos do Brasil
ocupado algum cargo remunerado ligado ao partido (como funções de pensam sobre a
confiança no Executivo/Legislativo). Os círculos mais pessoais de desigualdade
tributária
relacionamento (família e amigos) tiveram um peso grande na atração dos
indivíduos para os partidos, e as “recompensas sociais” da participação —
convívio social, redes de contato etc.— despontaram de modo
surpreendente como um importante fator de motivação. Em suma, existe
vida interna e militância nas legendas; embora petistas e tucanos tenham
Talíria Petrone,
se sobressaído como mais engajados, pode-se afirmar que todos os
representante

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partidos possuem um contingente importante de indivíduos que se dos ausentes no


Congresso
dedicam voluntariamente a suas atividades.

Militantes na XV Convenção Nacional do PSDB, em maio de 2019. ORLANDO BRITO

A pesquisa também investigou o perfil desses militantes. A sub-representação de minorias é


gritante, e qualquer proposta de reforma das estruturas partidárias deve atacar essa
questão de frente. As mulheres somam um terço dos filiados, mas menos de um quarto dos
militantes mais ativos, que dedicam ao menos 10 horas por mês ao partido. Mantidas
constantes as demais variáveis, um filiado homem tem 54% a mais de chances de se tornar
um militante altamente engajado se comparado a uma filiada mulher —que se vê obrigada a
enfrentar a tripla jornada casa-trabalho-partido caso queira participar da vida partidária.
Pretos e pardos representam cerca de um quarto dos filiados, estando também sub-
representados em relação à proporção encontrada na população. Os militantes também são
mais velhos e possuem níveis maiores de renda e escolaridade do que o eleitorado em geral:
45% dos entrevistados tinham ensino superior completo, e a simples frequência em um
curso universitário (sem necessariamente terminá-lo) eleva em 70% as chances de um
engajamento de alta intensidade no partido (comparado aos filiados de menor
escolaridade). Sem surpresas, os militantes também expressaram um grau bem maior de
confiança nas instituições do país. A análise estatística mostra que quanto maior a crença
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do indivíduo na eficácia da participação política, mais horas ele dedica às atividades


partidárias. Por fim, filiados motivados por fatores ideológicos são mais propensos a altos
níveis de engajamento do que aqueles impulsionados por benefícios pragmáticos (carreira,
cargos etc.).

Mantidas constantes as demais variáveis, um filiado homem tem 54%


a mais de chances de se tornar um militante altamente engajado se
comparado a uma filiada mulher

Portanto, os filiados têm um perfil socioeconômico superior ao do eleitorado em geral, e os


militantes engajados têm um status superior ao dos filiados pouco ativos. Quando
articulamos esses dados aos resultados de outras pesquisas recentes, que traçam os perfis
de dirigentes partidários, de candidatos e dos eleitos para os cargos públicos, fica evidente
que a presença de minorias é mais tímida quanto mais subimos na hierarquia da vida
política brasileira. Devido a uma sequência de tetos de vidro —pouco visíveis, mas bastante
reais— que dificultam a participação e a ascensão, há menos mulheres e negros conforme
passamos dos eleitores para os filiados, dos filiados para os militantes engajados, dos
militantes para os dirigentes, dos candidatos aos eleitos etc. Assim, de metade do
eleitorado, as mulheres chegam a apenas 15% dos congressistas em Brasília. Trata-se de
fenômeno verificado também em outras democracias e chamado de lei da desproporção
crescente pelo cientista político Robert Putnam. Sem a interferência de políticas que
combatam essa sub-representação, e que devem passar inevitavelmente pelas dinâmicas
partidárias internas, a lacuna só tende a aumentar com o tempo.

Os achados sobre a existência de militância, de bases e atividades partidárias e de vida


interna nos principais partidos põem em xeque uma das teses mais difundidas e menos
estudadas (em termos empíricos) do debate público brasileiro. Tais achados se inserem em
um processo de revisão, operado pela ciência política nacional nas duas últimas décadas,
sobre a importância dos partidos no país. Embora os partidos tenham grande dificuldade na
representação de interesses de modo orgânico, são atores centrais para a organização do
processo legislativo e no relacionamento Executivo-Legislativo. De modo bastante
centralizado, as burocracias partidárias nacionais controlam a distribuição anual de
recursos públicos para milhares de candidatos e diretórios espalhados pelo país. Além
disso, o cenário atual mostra quão resilientes são os partidos e quão distante estamos de
podermos decretar seu fim. Enquanto o antigo partido de Bolsonaro se esfacela, o DEM

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controla as duas casas do Congresso sem dificuldades. Ao optar por um governo de


minoria, sem uma coalizão partidária formal, o Executivo coleciona derrotas no Legislativo, e
a agenda de reformas é tocada pelos presidentes da Câmara e Senado em articulação com
as lideranças dos principais partidos. A despeito da onipresença nas redes sociais e na
imprensa escrita, os movimentos de renovação da política sofrem para furar o controle do
jogo institucional exercido pelos partidos; os mais bem-sucedidos são aqueles que buscam
uma inserção amigável nas máquinas partidárias, sem bater de frente com os caciques que
as controlam.

Os círculos mais pessoais de relacionamento (família e amigos)


tiveram um peso grande na atração dos indivíduos para os partidos, e
as “recompensas sociais” da participação —convívio social, redes de
contato etc.— despontaram de modo surpreendente como um
importante fator de motivação

Os resultados apresentados acima precisam agora ser atualizados à luz da ascensão do


bolsonarismo e da direita radical e colocados à prova em uma pesquisa de abrangência mais
ampla. Isso já está sendo feito por nossa equipe na UFSCar, através de um survey online que
irá abordar milhares de filiados partidários em centenas de municípios de todos os estados
do país. Só assim teremos um retrato mais claro e fidedigno desse amplo contingente que
compõe a militância invisível da política brasileira.

Pedro Floriano Ribeiro é professor de ciência política na Universidade Federal de São Carlos.
Ocupou a Cátedra Celso Furtado na Universidade de Cambridge (Inglaterra) e foi Fulbright
Visiting Professor no Kellogg Institute, da Universidade de Notre Dame (EUA).

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