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RECESSO FORENSE NO PODER JUDICIÁRIO - SITUAÇÃO DEFINIDA PELO CNJ

CAUSA POLÊMICA ENTRE O SENADO E A CÂMARA NA APRECIAÇÃO AO PLC


N. 06/2007.

∗Glauce de Oliveira Barros

O chamado “recesso forense”, tratado no artigo 62, da Lei n. 5.010, de 20/05/1966, é


objeto do PLC n. 6.645/2006, da autoria do Deputado Mendes Ribeiro Filho, que
promove alteração no artigo 175 do CPC e no artigo 62, I, da Lei de Organização da
Justiça Federal – LOJF.
No projeto originário, propõe-se a inclusão, entre os feriados forenses, do período
compreendido entre 20 de dezembro a 06 de janeiro.
O projeto teve sua aprovação pela Câmara dos Deputados. Enviado ao Senado
Federal tomou a numeração de PLC n. 06/2007, sendo que na Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania está relatado pelo Senador Pedro Simon.
Não obstante seja favorável ao projeto, o Relator apresenta Substitutivo para alterar a
redação dos incisos do artigo 62, da LOJF, suprimir o feriado tratado no inciso I, no
período de 20/12 a 06/01, e inserir o parágrafo único no referido artigo.
Já no artigo 175, do CPC, propõe a inserção de parágrafo único.

Da análise que fizemos ao projeto originário e ao substitutivo, chegamos a seguinte


conclusão:

O objetivo do autor do projeto está bem claro na sua fundamentação, qual seja,
propiciar aos advogados a possibilidade de descanso, paralisando o prazo processual
durante o feriado forense (situação que já resta prevista na Resolução/CNJ n. 08/2005)

Ocorre que a simples previsão de se considerar legalmente feriado no período de


recesso forense não é suficiente para a suspensão automática do prazo, pois o artigo
178 do CPC traz expresso: “O prazo estabelecido pela lei ou pelo Juiz é contínuo, não
se interrompendo nos feriados”. E o artigo 179 do mesmo Codex só prevê a suspensão
do prazo processual no período de férias (leia-se férias coletivas), que não se confunde
com feriado de final de ano, chamado recesso forense.

Já o Projeto Substitutivo apresentado pelo Senador Pedro Simon, traz em sua


motivação:
(...)
“A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, com o objetivo de apresentar
mecanismos processuais capazes de contribuir para uma maior celeridade na
tramitação dos processos e também a redução da morosidade da Justiça brasileira,
estabeleceu, entre outras alterações, a vedação de férias coletivas nos juízos e
∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
também nos tribunais de segundo grau, conforme redação do novo inciso XII do artigo
93 da Constituição federal, que dispõe:

‘XII - a atividade jurisdicional será ininterrupta, sendo vedado férias


coletivas nos juízos e tribunais de segundo grau, funcionando, nos dias em que não
houver expediente forense normal, juízes em plantão permanente’.

(...)
Destarte, propõe então o ilustre Deputado Mendes Ribeiro que, a fim de
facilitar a atividade laboral destes profissionais e proporcionar-lhes seu merecido
período de descanso, que se considere que o período compreendido entre 20 de
dezembro e 6 de janeiro seja entendido como feriado no Poder Judiciário.

Com a devida vênia de meu amigo e conterrâneo permito-me discordar de sua tese e
proposição. Um dos maiores avanços da Reforma do Judiciário foi dar-lhe um caráter
de trabalho intermitente, facilitando a todos o acesso e a celeridade da justiça. A
dificuldade encontrada pelos advogados – bem entendido tratar-se de atividade da
iniciativa privada - no cumprimento dos prazos processuais dentro do período não pode
servir de abono para um retorno a situação de praticamente fechamento das Cortes.
Ou seja, não se pode cercear o serviço público em detrimento de um setor privado.”
(grifamos)”

Após estes fundamentos, apresentou a redação do Substitutivo:

Assim está formalizado o Projeto Substitutivo:

(...)
Art. 2º O art. 175 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código
de Processo Civil, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 175. (...)
Parágrafo único. Ficam suspensos todos os prazos, audiências e
quaisquer outras intercorrências processuais nos dias compreendidos
entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. (NR)
Art. 3º o art. 62 da Lei nº 5.010, de 30 de maio de 1966, passa a
vigorar com a seguinte redação:
“Art. 62 (...)
I – os dias da Semana Santa, compreendidos entre a quarta-feira e o
Domingo de Páscoa;
II – os dias de segunda e terça-feira de carnaval; e
∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
III – os dias 11 de agosto, 1 e 2 de novembro e 8 de dezembro.
Parágrafo único. Ficam suspensos todos os prazos, audiências e
quaisquer outras intercorrências judiciais nos dias compreendidos entre
20 de dezembro e 6 de janeiro. (NR)”

Data máxima vênia, com o respeito que tenho pelos nossos representantes eleitos,
analisando a questão pelo foco jurídico e buscando verificar qual o real objetivo a ser
atingido com a alteração legislativa que se propõe, chega-se à conclusão de que essa
mudança não trará a eficácia jurídica que se está a buscar.

O que se evidencia do projeto substitutivo é a intenção única de por fim ao feriado


forense, restritamente no âmbito do Poder Judiciário Federal, no período compreendido
entre 20 de dezembro a 06 de janeiro. Contraditoriamente, ao mesmo tempo em que
extingue o feriado previsto em lei, no âmbito do Poder Judiciário Federal, o projeto
substitutivo também prevê a “suspensão” do prazo processual e a realização de
audiências e quaisquer outras intercorrências, no período de 20 de dezembro a 6 de
janeiro.
Pergunto, qual o fundamento para suspender o prazo processual no Judiciário Federal,
neste período, se não fechou suas portas, se está ativamente funcionando ao público,
mas não pode promover os atos processuais, qual a motivação desta Lei que se está
levando à votação?

Qual o critério utilizado para extinguir o feriado forense no âmbito do Judiciário Federal
quando o Judiciário Estadual fixa o mesmo período como feriado através de normas de
Organização Judiciária, com autorização do CNJ (Resolução n. 08/2005)?

A Suspensão de prazo processual é matéria trazida no Capítulo III, do Título V, do Livro


I, do CPC, especificamente em sua seção I, que trata “DOS PRAZOS”.
Assim, merece o projeto substitutivo, que lhe seja conferida, primeiramente, a boa
técnica legislativa, pois que, simplesmente, faz inserir o parágrafo único no artigo 175,
do CPC para prever a suspensão de prazo, quando, neste artigo o legislador cuidou de
regulamentar o “feriado”, matéria que pertence ao Capítulo II, que trata: DO TEMPO E
DO LUGAR DOS “ATOS” PROCESSUAIS.

O artigo 175 que se visa alterar, em sua redação originária prevê: “são feriados, para
efeito forense, os domingos e os dias declarados por lei.”

A Lei 5.010/66 estabelece em seu artigo 62:

Art. 62. Além dos fixados em lei, serão feriados na Justiça Federal,
inclusive nos Tribunais Superiores:

I - os dias compreendidos entre 20 de dezembro e 6 de janeiro,


inclusive;
∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
II - os dias da Semana Santa, compreendidos entre a quarta-feira e o
Domingo de Páscoa;
III - os dias de segunda e terça-feira de Carnaval;
IV - os dias 11 de agosto e 1° e 2 de novembro.

Verifica-se, pois, que o período compreendido entre 20 de dezembro e 6 de janeiro já é


considerado feriado, por lei, o que deixa sem objetivo o PLC originário, que busca
suspender o prazo processual, consoante sua fundamentação, apenas fixando feriado
que já existe legalmente. Nos feriados forenses não há suspensão automática do prazo
processual, em face do disposto no artigo 179 do CPC, que prevê a suspensão apenas
na hipótese de férias coletivas.

Por outro lado, é bom ressaltar que o artigo 62 da Lei 5.010/66 só regulamenta os
feriados no âmbito do Poder Judiciário Federal, não se estendo ao Judiciário Estadual,
os quais têm regulamentação em normas de Organização Judiciária de cada Estado.

Lembramos aos Deputados e Senadores, que a lei deve sempre visar a finalidade
social. Ao contrário do que fundamenta o relator do Projeto Substitutivo, o feriado
forense com a suspensão do prazo processual não beneficia o interesse privado, mas
o público, pois proporciona o descanso, o direito à sadia qualidade de vida, que está
intrinsecamente ligado ao ambiente de trabalho saudável, cabendo ao poder público e
à coletividade em geral a sua preservação, artigo 225, da CF/88.

Não há como vislumbar a eficiência buscada pelo relator do Projeto Substitutivo


quando revoga o feriado previsto no artigo 62, I, da Lei 5.010/66, no período de 20 de
dezembro a 06 de janeiro, e ao mesmo tempo “suspende o prazo processual” neste
período.
Qual é a motivação para suspender o prazo se o expediente forense continua normal?
Todas as hipóteses de suspensão de prazo estão previstas no Livro I, Título V,
Capítulo III, Seção I, que trata dos PRAZOS; e o artigo 184, § 1º, traz de forma
exaustiva quando se prorroga o prazo: “se cair em feriado ou em dia que for
determinado o fechamento do fórum , ou quando o expediente for encerrado antes do
da hora normal.

Como se constata, a Lei não pode ser editada sem que haja fundamento para o que
regulamenta. Ou seja, o prazo não pode ser suspenso se o Fórum estiver em pleno
funcionamento. Por isso o Legislador Processual, com todo o seu conhecimento
Jurídico e técnica legislativa, dispôs as questões na forma que se encontram
assentadas no CPC, pois que visualizou a lógica jurídica na norma posta à população.

Lembro ainda, que a questão do feriado forense não implica em situações que
abrangem apenas os advogados, mas toda a organização judiciária. Afirmo isto porque
o próprio Conselho Nacional de Justiça- CNJ, acabou por revogar o artigo 2º da
Resolução n. 03/2005, que vedava as férias coletivas no âmbito do Tribunal, conforme
pode ser constado na Resolução n. 24 de 2006. Os motivos da decisão revogatória,
∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
que acabou por restaurar a situação anterior, podem ser consultados no endereço
eletrônico daquele Conselho.
Outra situação que também cabe aqui esclarecer na motivação trazida no PLC, é o fato
de haver confusão entre férias coletivas e feriado forense. Nas férias coletivas os
prazos se “interrompem”, e no feriado forense não há, até o momento, previsão legal
de interrupção ou de suspensão.

O CNJ, nos pedidos de providência n. 67/2005, 72/2005 e 137/2005, em que se


solicitava a extensão do feriado forense tratado no artigo 62 da Lei 5.010/66 para os
órgãos do Poder Judiciário Estadual, assim fundamentou a sua decisão:

“O artigo 175, do CPC foi recepcionado pela EC nº 45/04, mantendo-se


como feriados, para efeito forense, os domingos e os dias declarados
em lei.
(...)
Dessa forma, entendo que a possibilidade de recesso de fim de ano,
que não se confunde com as extintas férias coletivas, não se
encontrava vedado pela Resolução nº 03, do Conselho Nacional de
Justiça, podendo os respectivos Tribunais de Justiça, atendendo as
peculiaridades locais, regulamentarem por atos administrativos; ...”

Em face dessa análise, o CNJ estabeleceu os procedimentos a serem observados pelo


Poder Judiciário Estadual, através da Resolução n. 08, de 29 de novembro de 2005. Na
referida Resolução está disposto que o Poder Judiciário Estadual fica autorizado a
estabelecer por ato administrativo de cada Regional, o feriado forense no período de 20
de dezembro a 06 de janeiro, igualando-se ao Poder Judiciário Federal; que nesse
período deverão observar a suspensão do prazo processual, bem como deverão
manter plantões para atendimento de casos urgentes.

Assim, quando o projeto substitutivo fundamenta que não será permitido “o retorno da
situação de praticamente fechamento das Cortes”, ao argumento de o legislador
Constituinte, através da EC 45/2004, fez previsão da ininterrupção da atividade
jurisdicional, se olvida que a Emenda de reforma do Judiciário não revogou o artigo 62
da Lei 5.010/66 e tampouco o artigo 175 do CPC. Portanto, o Judiciário Federal,
embora tenha feriado forense no período estabelecido em lei, continua mantendo
ativamente os seus plantões para atendimentos emergenciais.

Por outro lado, em defesa do Judiciário, entendo pertinente lembrar aos nossos
representantes perante o Legislativo que o magistrado e seus auxiliares, também são
seres humanos e têm limitações físicas e psíquicas, merecendo ter qualidade saudável
de vida em seu ambiente de trabalho. O expediente do magistrado e auxiliares não
termina ao final de oito horas diárias, ou apenas se limita às audiências, esses seres
que proporcionam a prestação jurisdicional ao cidadão têm o dever de analisar o
processo, estudar uma solução justa e juridicamente possível ao caso posto em suas
mãos, se reciclar juridicamente, mormente quando se reforma a legislação de maneira
∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
tão dinâmica, como ocorre em nosso ordenamento jurídico. Ainda, devem buscar nas
melhores doutrinas as novas teses jurídicas. Tudo isso não se faz em oito horas de
trabalho, mas durante a noite, final de semana, feriados, inclusive os forenses. Imagine
se esses trabalhadores, grupo em que me incluo, tivesses que atender o público 24
horas por dia: não haveria tempo para encerrar a prestação jurisdicional, e o conflito
jurídico se arrastaria pela eternidade, nunca se atingindo a pacificação social.

Reflitam Senhores Deputados e Senadores, conheçam a realidade do Judiciário de


perto, analisem o número de ações postas à apreciação desses órgãos e façam a
proporcionalidade com o número de Juízes e auxiliares que estão lotados em cada
unidade judiciária.

Após, constatarão que não precisa muito esforço para legalizar o que já esta
regulamentado pelo CNJ, basta apenas apresentar um novo substitutivo que altere a
redação do artigo 179, do CPC, que dispõe:

Artigo 179. A superveniência de férias suspenderá o curso do prazo, o


que lhe sobejar, recomeçará a correr, do primeiro dia útil ao termo
seguinte das férias.

Para atender o interesse público e o bem estar social, altere a redação deste artigo,
para constar:

Artigo 179. A superveniência de férias, e do feriado no período de 20


de dezembro a 06 de janeiro, suspenderá o curso do prazo, o que lhe
sobejar, recomeçará a correr, do primeiro dia útil ao termo seguinte das
férias. (NR).

O mais, deve ficar como está, inclusive a redação do artigo 62, da Lei 5.010/66, pois
que sua alteração resultará situações jurídicas diferenciadas entre o Poder Judiciário
Federal e o Poder Judiciário Estadual.

Apenas para finalizar, deixo expresso a inconstitucionalidade do PLC 06/2007, quando


assenta no parágrafo único que faz inserir no artigo 175, do CPC e no artigo 62, da Lei
5.010/66:

Parágrafo único. Ficam suspensos todos os prazos, audiências e


quaisquer outras intercorrências judiciais nos dias compreendidos
entre 20 de dezembro e 6 de janeiro. (NR)”

Verifica-se, pois que a suspensão de audiências e quaisquer outras intercorrências


judiciais, neste período, afronta a competência constitucional conferida aos Tribunais,
pelo artigo 96, I, a, que dispõe:

Art. 96. Compete privativamente:


∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra
I- Aos Tribunais:

a) eleger seus órgãos diretivos e elaborar seus regimentos internos, com


observância das normas de processo e das garantias processuais das
partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos
órgãos jurisdicionais e administrativos.

Afronta, também, o artigo 93, XIII, da Carta Maior, que estabelece plantão permanente ,
com atividade ininterrupta. Assim, não se pode vedar a realização de audiências e
outras intercorrências judiciais, por simples legislação ordinária em evidente
inconstitucionalidade.

Se vingar, o projeto se constituirá em lei inconstitucional, passível de ADIN perante o


Supremo Tribunal Federal. Assim, parece-me mais eficiente, que seja alterada, apenas,
a redação do artigo 179, do CPC, conforme sugerido neste estudo.

∗Glauce de Oliveira Barros é Pós Graduada em Direito do Trabalho; Assessora de Desembargador do TRT da 24ª
Região e Diretora Social da Anajustra

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