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EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA ___ VARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA

COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

GRUPO ARCO-ÍRIS DE CIDADANIA LGBT, organização sem fins lucrativos com atuação em
todo o território nacional, com endereço eletrônico arco-iris@arco-iris.org.br, com sede na Rua
Tenente Possolo, 43 - Centro, Rio de Janeiro - RJ, CEP 20230-160, inscrito no CNPJ sob o número n.º
97.468.433/0001-08, através de seu advogado infra-assinado (Procuração em anexo), com
escritório na Avenida Beira Mar, nº 406, Grupo nº 1.205, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20021-060,
local onde recebe intimações, pugnando para que as futuras publicações e intimações eletrônicas
sejam veiculadas em nome do advogado Carlos Nicodemos Oliveira Silva, OAB/RJ 75.208, vem
perante Vossa Excelência, propor AÇÃO DE JUSTIFICAÇÃO COM PEDIDO DE EXPLICAÇÕES em face
da CONFEDERAÇÃO BRASILEIRO DE FUTEBOL, associação, CNPJ nº 33.655.721/0001-99, com
endereço Avenida Luís Carlos Prestes, 130, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro – Rj, CEP: 22775-055.

DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA

Em um primeiro momento, cumpre esclarecer que o Grupo Arco Iris de Conscientização


Homossexual, é uma Organização não governamental, sem fins lucrativos, que atua há mais de 25
anos, em defesa e promoção dos direitos da população LGBTQI+.

O Grupo possui Utilidade Pública Municipal, Lei n°3131 de 05/12/2000, Utilidade Pública
Estadual, Lei n°6444/99 de 23/02/2000; tem registros no Conselho Nacional de Assistência Social,
n°232 de 09/09/1999 e Conselho Municipal de Assistência Social, n°208/99 de 20/07/1999.

Como entidade assistencial a mesma celebra convênio com órgãos públicos e organismos
nacionais e internacionais de fomento ao desenvolvimento social para a objetivação de seus fins
filantrópicos.

O grupo é reconhecido nacionalmente e internacionalmente por sua excelência, por ser


pioneiro neste âmbito e alcançar com primor os projetos que são promovidos, sendo um grupo
respeitado por lutar e garantir os direitos da população LGBTQI+. Ocorre que atualmente não
experimenta dificuldades, conforme contexto de ausência de repasse de outros convênios, o que
limita sua condição de arcar com as custas judiciais, pelo que requer seja deferido o benefício da
gratuidade de justiça.

MARCO FÁTICO

O Brasil contém altas taxas de violência contra a população LGBTI+, sendo este cenário
alarmante com relação as violações de direitos dessa população. A Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, no Relatório Sobre a Situação de Direitos Humanos no Brasil de 2021 afirmou
que o Brasil possui um grande desafio quanto a defesa e promoção dos direitos dessa população.

A CIDH ainda pontuou que “o país possui um dos maiores índices de violência contra as
pessoas cuja orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero e características sexuais
divergem do padrão aceito pela sociedade de toda discriminação e violência endêmicas que
ocorrem no país,” destacando que para “alcançar essa proteção envolve, essencialmente, a criação
e o fortalecimento de mecanismos voltados ao atendimento a essas pessoas, além de políticas e
projetos para promover seus direitos, incluindo a mudança cultural por meio de uma educação
inclusiva de perspectiva diversificada de gênero.”

Faz-se relevante destacar que, conforme o Atlas da Violência do Ipea (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada), cresceu 10% o número de notificações de agressão contra gays e 35% contra
bissexuais de 2015 para 2016, chegando a um total de 5.930 casos, de abuso sexual a tortura.

Canal oficial do governo, o Disque 100 recebeu 1.720 denúncias de violações de direitos de
pessoas LGBT+ em 2017, sendo 193 homicídios. A limitação do alcance do Estado é admitida pelos
próprios integrantes da administração federal, devido à subnotificação e falta de dados oficiais.

Segundo Relatório do Observatório de Mortes Violentas de LGBTI+ no Brasil, em 2020, 237


LGBTI+ foram mortos, vítimas de homofobia. No mês de junho de 2021, em pleno mês do orgulho
LGBTI+, dois casos de violência contra essa população receberam repercussão da mídia, Gabriel
Carvalho Garcia, jovem gay de 22 anos foi morto a tiros na cabeça em uma barbearia de SP e uma
mulher trans ficou com 40% do corpo queimado após ser atacada em Recife, ambos, vítimas da
homofobia.

É inegável que o âmbito do futebol possui ainda fortes elementos preconceituosos à


população LGBT, assim como muitas práticas homofóbicas. Além disso, o âmbito do futebol ainda é
muito masculino e com poucas ações afirmativas que ganhariam grande influência no
reconhecimento de direto existencial da população LGBT.
Além disso, qualquer situação ganha ainda maior destaque quando se dá em âmbito
internacional de repercussão, como a Copa América que é o principal campeonato entre as 10
seleções.

No ano de 2021, apesar dos graves indicadores da pandemia, a Copa América vem
acontecendo desde 21/06/2021.

Os espaços futebolísticos são culturalmente e historicamente homofóbicos. Sempre foi difícil


encontrar manifestações homoafetivas uma vez que o medo é, infelizmente, uma característica
inerente a comunidade LGBT+, e ainda mais presente em estádios de futebol. Além disso, diversos
relatos de pessoas do segmento LGBT+ demonstram a hostilidade por parte das torcidas nas
partidas de futebol.

No entanto, a discussão sobre homofobia no futebol ganhou mais força e espaço com a
recente medida do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) de punir clubes cujas torcidas
cantem gritos homofóbicos. A punição desde que entrou em vigor já modificou – ao menos um
pouco – o cenário: pela primeira vez no País uma partida foi interrompida em razão dos gritos
homofóbicos.

Nesse sentido, o posicionamento de clubes e confederações de futebol é primordial no


combate à homofobia, visto que desmotiva quem acha que o futebol é um espaço de intolerância
onde se pode discriminar livremente. Assim, é inadmissível o retrocesso.

A CBF tem papel preponderante neste debate. É dela a responsabilidade de mudar esta
cultura dentro do futebol. Quando a CBF se exime de participar, a torcida entende que é permitido,
que é aceitável, e o posicionamento faz com que, aos poucos, esta cultura mude.
A seleção brasileira de futebol masculino, dentre todos as seleções que participam da Copa
América, é a única que não usa o número 24 (vinte e quatro) nos uniformes. A numeração dos
jogadores da seleção brasileira pula do número 23 para o 25.

A numeração no uniforme de um jogador de futebol é a sua identificação em campo, será


através desse número que os juízes, os narradores e comentaristas, os demais jogadores e a torcida
irão identificar quem é aquele jogador. Por exemplo, em caso de substituição durante uma partida,
será o número do jogador que irá aparecer na placa informando quem será substituído.

O número 24 é constantemente, e historicamente, relacionado com o homem gay por conta


do jogo do bicho, que associa este número ao veado, animal, que por sua vez, é utilizado como
forma de ofensa para a comunidade LGBTI+.

Sendo assim, o fato da numeração da seleção brasileira pular o número 24, considerando a
conotação histórico cultural que envolta esse número de associação aos gays, deve ser entendido
como uma clara ofensa a comunidade LGBTI+ e como uma atitude homofóbica.
Somente a título ilustrativo, convém registrar que o número ganhou forte associação à
temática, pois era o número utilizado no jogo do bicho (muito popular e conhecido no Brasil) para a
identificação do veado/cervo. O animal, de igual forma, ganhou forte referência à temática
homossexual, pois se popularizou o comportamento da espécie de relações sexuais entre animais
do mesmo sexo, mesmo não se tratando de comportamento exclusivo entre esses animais.

Apesar do debate simples sobre as referidas associações, o que importa é significado da


palavra.

Em sendo o futebol um esporte muito popular, que movimenta muito dinheiro anualmente
no mundo, conforme empenho de mídia e patrocínio, apesar de a associação do número às pessoas
parecer ser simples, ela possui repercussão em torno do direito de existir da população LGBT, com
impacto contrário na evolução de uma população que até hoje ainda luta por seu espaço.
E o mundo do esporte possui influência crucial sobre isso, cabendo esclarecimentos e
eventuais providências o quanto antes.

Cabe argumentar que a não utilização do número 24 no futebol brasileiro parece uma política
constante no futebol brasileiro.

Logo, impõe-se uma dúvida se trata-se ou não de uma política deliberada da Requerida.

Em matéria de janeiro de 2020, o Esporte Espetacular ouviu ex-jogadores, historiadores e


atletas para demonstrar como o não uso do número 24 está vinculado com o preconceito e
discriminação da população LGBTI+. A mencionada matéria pode ser encontrada no link Número
tabu: camisa 24 é rejeitada no futebol brasileiro | esporte espetacular | ge (globo.com).

A matéria começa citando o ocorrido com o colombiano Cantillo contratado pelo Corinthans
no início de 2020 que foi impedido pelo diretor de futebol, hoje presidente do clube, de utilizar o
número 24 como fazia em seu clube anterior. O diretor de futebol, Duílio Monteiro Alves, na
apresentação do jogador afirmou “vinte e quatro aqui não.” Após a polêmica com o comentário, o
diretor de futebol classificou a sua fala como “brincadeira infeliz,” e o jogador pode jogar com o
número 24.

Ainda como ilustração do “tabu” da camisa 24, a matéria pontua que na última rodada do
campeonato brasileiro da série A de 2019, dos 419 jogadores inscritos para os 10 jogos, apenas 1
jogador estava registrado com o número 24. No caso dos jogos da Conmebol, em que os clubes são
obrigados a utilizar os números de 1 a 30 para registrar os jogadores, os clubes brasileiros
costumam dar o número 24 para os terceiros goleiros, que raramente irão de fato entrar nos jogos,
ou para os jogadores estrangeiros, sendo o caso do Flamengo, campeão da Libertadores em 2019,
que registrou o espanhol Pablo Marí como o número 24, enquanto no campeonato brasileiro, este
jogava com a camisa número 4.
Esta postura que aparenta ser mesmo uma política discriminatória está presente no futebol
brasileiro e impede e dificulta que jogadores possam exercer livremente os seus direitos e acabam
por não assumirem as suas orientações sexuais por medo de represálias e de perdas de
oportunidades na carreira. Este é o caso, por exemplo, do ex-jogador Douglas Braga, conforme
mencionado na matéria que “nunca se permitiu assumir que era gay para os companheiros.”

Sendo assim, esses exemplos demonstram como o preconceito e a discriminação à população


LGBTI+ estão enraizados no futebol brasileiro e são implementados através de políticas e práticas
constantes pelos clubes e pela CBF.

Importante ressaltar que hoje, 27/06/2021, o clube de futebol carioca Fluminense pelo
Campeonato Brasileiro entrará em campo com ação afirmativa pelo mês do orgulho LGBT,
conforme já divulgado na grande mídia1:

“O Fluminense vai promover homenagens em seu uniforme ao movimento de


conscientização pela luta das pessoas LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Transexuais, Queer, Intersexo, Assexual e +). Na véspera do Dia Internacional do
Orgulho Gay, o clube vai jogar neste domingo contra o Corinthians, às 16h (de
Brasília) em São Januário, pelo Campeonato Brasileiro, levando as cores do arco-
íris nos números nas costas, na braçadeira de capitão e no patch com a hashtag
#TimeDeTodos no peito.”

Outras ações estarão inseridas e o clube irá leiloar as camisas, com reversão de valores às
Instituições que atuam contra a prática de homofobia.

DO MARCO SITUACIONAL DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS E GARANTIAS LGBTI+

Preliminarmente, faz-se importante salientar que no âmbito das relações internacionais, a


construção da ‘orientação sexual como categoria de direito internacional e dos direitos de pessoas
LGBT é um produto do concurso da atuação de atores políticos internacionais, como a ONU e as
cortes regionais de direitos humanos, e de mudanças em diferentes sociedades nacionais,
sobretudo em democracias liberais.

1
https://ge.globo.com/futebol/times/fluminense/noticia/timedetodos-fluminense-tera-uniformes-com-
homenagens-a-lgbtqia-e-leiloara-camisas.ghtml
O direito à igualdade e não discriminação são princípios fundamentais dos direitos humanos,
consagrados na Carta das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos
tratados internacionais de direitos humanos. As palavras da abertura da Declaração Universal dos
Direitos Humanos são inequívocas:
“Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e
direitos”.

A garantia de igualdade e não discriminação oferecida pelo direito internacional dos


direitos humanos se aplica a todas as pessoas, independentemente de sexo, orientação sexual e
identidade de gênero ou “outra situação”. Além disso, os organismos de tratados de direitos
humanos da ONU confirmam, periodicamente, que é proibida - sob o direito internacional dos
direitos humanos - a discriminação devido à orientação sexual ou à identidade de gênero. Isso
significa que é ilegal fazer qualquer distinção nos direitos das pessoas com base no fato de que elas
são gays, lésbicas, bissexuais ou transgêneros (LGBT), assim como é ilegal fazê-lo com base na cor
da pele, raça, sexo, religião ou qualquer outra condição.

No âmbito nacional, faz-se essencial mencionar a recente decisão do STF que dispôs que a
LGBTfobia deve ser equiparada ao crime de racismo até que o Congresso Nacional crie uma
legislação específica sobre este tipo de violência. Dessa forma, quem ofende ou discrimina
homossexuais ou transgêneros está sujeito a punição de 1 a 3 anos de prisão, assim como
estipulado na Lei de Racismo. A pena para estes crimes é inafiançável e imprescritível.

Nesse sentido, importante sobressaltar o voto da Ministra Carmen Lúcia:

“Todo preconceito é violência. Toda discriminação é forma de


sofrimento. Mas aprendi que alguns preconceitos causam mais
sofrimento porque alguns castigam desde o seu lar, só pela
circunstância de tentar ser o que é”, disse.

Assim, diante da repercussão da presente lide, faz-se importante destacar a importância do


respeito aos direitos da comunidade LGBT+, sobretudo nos estádios e ambientes de futebol, para
combate a homofobia.

DOS PEDIDOS

De todo o exposto, o Requerente vem a V. Exa. pleitear:

a. Que seja deferida a determinação à Interpelada, nos moldes do artigo 381, §5º do
CPC, para que responda em até 48 horas as perguntas abaixo para que se esclareça se
sobre os fatos acima descritos conforme rol de perguntas abaixo:
1. A não inclusão do número 24 no uniforme oficial nas competições
constitui uma política deliberada da interpelada?

2. Em caso negativo, qual o motivo da não inclusão do número 24 no


uniforme oficial da interpelada?

3. Qual o departamento dentro da interpelada, que é responsável pela


deliberação dos números no uniforme oficial da seleção?

4. Quais as pessoas e funcionários da Interpelada, que integram este


departamento que delibera sobre a definição de números no uniforme
oficial?

5. Existe alguma orientação da FIFA ou da CONMEBOL sobre o registro


de jogadores com o número 24 na camisa?

b. A intimação da Requerida pelo cadastro eletrônico, nos moldes do artigo 246, inciso V
e seu parágrafo 1º do CPC, para que responda conforme acima requerido, sob pena de
multa diária;

c. Sejam as publicações efetuadas em nome de CARLOS NICODEMOS, OAB/RJ 75.208,


sob pena de nulidade.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (mil reais) para fins fiscais.

Pede deferimento.
Rio de Janeiro, 27 de junho de 2021.

CARLOS NICODEMOS
OAB/RJ 75.208

TAÍSSA BARREIRA
OAB/RJ 163.590

MARIA FERNANDA FERNANDES CUNHA


OAB/RJ 233.268

CLÁUDIO NASCIMENTO
GRUPO ARCO-ÍRIS

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