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PARTE XI

PROCESSO NOS TRIBUNAIS


I
TEORIA GERAL DOS RECURSOS

1.CONCEITO

Recurso é o instrumento jurídico processual através do qual a parte ou outrem autorizado por lei pleiteia o reexame
da decisão, com o fim de modificá-la, cassá-la ou integrá-la. Assim, enquanto há recurso, há possibilidade de
modificação da decisão. 1-2

Ontologicamente, re cursus suscita a ideia de um “curso para trás”, como que engendrando um retrospecto da causa
para ulterior reexame. O órgão encarregado de sua análise realiza um exame pretérito sobre todas as questões
suscitadas e discutidas, para o fim de verificar se o juiz, ao decidir, o fez adequadamente. Essa análise retro-operante
permite ao órgão revisor da decisão, à luz do material da controvérsia, observar se agiria assim como o fez seu
prolator.
Uma visão imediata do conceito permite-nos concluir que os recursos são instrumentos voluntários; por isso, a parte
dispõe da possibilidade de recorrer. Destarte, a atividade de recorrer é categorizada como ônus processual,  posto 3

que a impugnação judicial da decisão pressupõe uma “desvantagem para o recorrente”,  e a sua investida no sentido
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de afastá-la.  Sob outro ângulo, abstratamente considerado, isto é, sem levar em conta a situação in concreto, o
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recurso instrumentaliza o direito de recorrer, que guarda notáveis similitudes com o direito de agir . Assim é que,
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em ambos, pelo fato de encerrarem postulação, se exige, previamente, o cumprimento de requisitos formais que,
quanto à ação, são denominados de condições da ação, ao passo que, em relação aos recursos, se
denominam requisitos de admissibilidade. Entretanto, os recursos são manejados na mesma relação processual em
que proferida a decisão, ao passo que as ações dão ensejo à formação de uma nova relação processual, ainda que, à
semelhança daqueles, possam fundar-se em fatos processuais, v.g., a ação rescisória, os embargos de terceiro ou o
mandado de segurança contra ato judicial.
Depreende-se do conceito de recurso que o desígnio visado pode ser a modificação ou a substituição do julgado, caso
em que “o julgamento proferido pelo tribunal substitui a decisão recorrida” (art. 1.008 do CPC)  e essa passa a ser a
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última palavra do Judiciário a desafiar, inclusive, a ação rescisória ou os recursos para os Tribunais Superiores.
Destaque-se que a decisão do tribunal pode ser da mesma natureza da decisão recorrida ou de natureza diversa.
Assim, v.g., se o tribunal der provimento ao recurso, substitui a decisão recorrida naquilo que tiver sido objeto da
impugnação, podendo produzir a mesma decisão de mérito ou extinguir o processo sem análise do pedido, ainda que
apreciando recurso de decisão definitiva. Nesse último caso, haverá a determinação de que outra seja proferida, como
ocorre quando acolhido vício in procedendo.
Toda substituição obedece aos limites da impugnação. Assim, não pode o tribunal piorar a situação do único
recorrente, salvo o acolhimento de matérias conhecíveis de ofício. Assim, não há  reformatio in pejus se o acórdão
pronuncia a ilegitimidade passiva, reformando sentença que havia julgado a ação no mérito, pela improcedência.
Entretanto, não pode o tribunal favorecer a parte que não recorreu porque isso representaria prejudicar o único
recorrente.
Nessa linha de princípio, se o agravante recorre de decisão que rejeitou uma das várias provas requeridas, o Tribunal
não pode indeferir todas as demais. No mesmo diapasão, se o apelante recorre da imputação de uma sanção
contratual decorrente da mora, não pode o tribunal rescindir o contrato.
Destarte quando a parte recorrente pretende a eliminação da decisão do mundo jurídico, para que outra seja proferida
pelo mesmo órgão prolator, deve suscitar o vício de ilegalidade da decisão (error in procedendo). Diversamente
quando postula a alteração substancial do julgado, o vício que se alega contaminar a decisão é o da injustiça; por
isso, ao próprio tribunal cumpre repará-la, posto que o retorno dos autos implicaria submeter a causa, novamente, aos
critérios de justiça do julgador, acoimados de incorretos pelo recorrente. Assim, v.g., se a parte sustenta a má
apreciação das provas ou a má aplicação do direito no julgamento que concluiu pela improcedência do pedido, a
hipótese é de injustiça da decisão error in judicando e a função do tribunal, em princípio, será a de “substituir” a
decisão por outra mais justa. Ao revés, se o vício denunciável é in procedendo, consistente na violação pelo prolator
da decisão de uma “regra que dispõe sobre a atividade de julgar”, v.g., a que proíbe ao juiz impedido de praticar atos
no processo (art. 144 do CPC), ou julgar antecipadamente a lide, sem que haja revelia ou causa madura (art. 355 do
CPC), cumpre ao tribunal eliminar aquela decisão ilegal, determinando que outra seja proferida.
Por fim, considera-se, também, objetivo dos recursos o aclaramento da decisão judicial que, exatamente por visar à
pacificação e estabilidade das relações jurídico-sociais, não deve ser fonte de dúvidas ou ambiguidades, o que
ocorreria se se permitisse solidificar um provimento obscuro, contraditório ou lacunoso. Nesse sentido, a lei permite
à parte utilizar-se dos embargos de declaração, para elucidar a decisão e o seu alcance. Por esse motivo, a
interposição do referido recurso interrompe o prazo para a interposição de “outros recursos” (art. 1.026, caput, do
CPC).

1.1Duplo grau obrigatório de jurisdição: remessa necessária

Destarte, um elemento conceitual essencial aos recursos é o traço da voluntariedade, isto é, o recurso se apresenta
como um meio de impugnação que surge da vontade da parte. Desta feita, demanda um ato concreto de
externalização do interesse em interpô-lo e, doutra volta, torna-se inadmissível o recurso quando o legitimado já
demonstrou que não pretende se insurgir contra o decisum, como sucede na renúncia e na aquiescência.
Assim, as ferramentas processuais previstas que não tragam tal traço marcante da voluntariedade não ostentarão a
natureza recursal, por mais que sejam impugnativas e aptas a alcançar objetivos comuns aos dos recursos, como a
reforma ou a anulação. É o caso da remessa necessária, instrumento próprio da Fazenda Pública.
A “voluntariedade” que marca os recursos distingue-os daquelas causas em função das quais a lei impõe uma dupla
aferição jurisdicional antes de tornar as suas decisões eficazes. Referimo-nos aos casos denominados de duplo grau
obrigatório de jurisdição. Nestes, a sentença não produz efeito, tampouco transita em julgado, senão depois de
apreciada a causa pelo tribunal; por isso, o juiz deve ordenar a remessa à instância superior, haja ou não impugnação
voluntária (art. 496 e § 1º, do CPC). 8

Nessas causas sujeitas ao reexame necessário (art. 496 do CPC), as decisões não transitam em julgado ainda que não
haja recurso voluntário, enquanto não reapreciadas. Nesse sentido, o entendimento da Excelsa Corte (Súmula nº 423
do STF: “Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto ex
lege”).
A submissão das causas a esse duplo grau obedece a critérios juspolíticos. Nessas hipóteses, o juiz ordena a remessa
dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida. Caso haja omissão do Juiz, o Tribunal
competente pode avocar a causa.
Em regra, encerram casos de remessa necessária as hipóteses previstas no art. 496, do CPC. Em suma, trata-se de
casos em que há ônus financeiro imposto à Fazenda Pública, seja positivo – no caso de condenações pecuniárias – ou
negativo – como no caso de improcedência de execuções fiscais ajuizadas pelas entidades públicas. As hipóteses se
assemelham àquelas presentes no vetusto Código Buzaid, consideradas as exclusões promovidas pela reforma de
2001.
Procedimentalmente, como óbvio, o reexame necessário não se sujeita a preparo, e se processa consoante o
regimento interno do tribunal.
Atentando para sua razão de ser e muito embora não se trate de recurso, a Súmula nº 45 do STJ dispõe ser defeso no
reexame necessário agravar a condenação imposta à Fazenda Pública. Em consequência, se a parte adversa à Fazenda
não recorreu à condenação da entidade pública, não pode ser agravada pelo tribunal, sob pena de reformatio in pejus.
Por outro lado, atendendo à ratio do dispositivo, se a Fazenda Pública restou revel no processo, pode, no reexame
necessário da sentença pelo tribunal, alegar matérias arguíveis em qualquer grau de jurisdição, v.g., a carência de
ação.
Mesmo não se tratando de recurso, a remessa obrigatória impede o trânsito em julgado da decisão. Essa
assemelhação da remessa necessária ao recurso impõe que o tribunal, por ocasião do reexame necessário, deve
apreciar as decisões não agraváveis que a Fazenda Pública poderia impugnar como preliminar de apelação, haja vista
a extinção do agravo retido no CPC.
A remessa, em sendo “obrigatória”, torna admissível a ação rescisória contra sentença que não foi submetida ao
duplo grau de jurisdição, nos casos do art. 496, por violação literal de lei.
Impende esclarecer que a regra da remessa obrigatória leva em consideração o conteúdo da decisão, por isso que,
quando se tratar de decisão interlocutória de mérito, é obrigatório o duplo grau, v.g., quanto a um dos pedidos
cumulados, o juiz acolhe a decadência.
Ao revés, tratando-se de sentença meramente terminativa, não desafia o reexame necessário, salvo na parte relativa à
sucumbência da Fazenda Pública. Nada obstante os vários pontos de assemelhação, não se tratando de recurso, mas
de condição suspensiva de eficácia da decisão, o regime jurídico que se empresta à remessa obrigatória não é
aplicável àquele; por isso, v.g., não são necessários os requisitos recursais de admissibilidade, permitindo-se,
inclusive, o oferecimento do recurso voluntário simultaneamente.
O legislador processual, inspirado no princípio da efetividade da tutela jurisdicional, visa, desde os anteriores
diplomas, à agilização da prestação da justiça, excluindo alguns casos da submissão ao duplo grau, ao mesmo tempo
em que assegura que as sentenças em desfavor da Fazenda Pública serão obrigatoriamente revistas, atendendo à
remessa necessária (art. 496 ).
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Destarte, obedecida a finalidade da regra, qual a de manter íntegra a prerrogativa fazendária, mantém-se o princípio
de que nesse controle o tribunal não pode agravar a situação da entidade pública sem que haja recurso da parte
adversa, tese, aliás, sumulada pelo E. STJ (Súmula nº 45).
Guardando fidelidade com o mesmo escopo, a regra mencionada, não obstante submeter em princípio, ao duplo grau
a sentença proferida contra a União, o Estado, o Distrito Federal, o Município, e as respectivas autarquias e
fundações de direito público e a que julgar procedentes, no todo ou em parte, os embargos à execução de dívida ativa
da Fazenda Pública, “ressalvou” a aplicação do dispositivo sempre que a condenação, ou o direito controvertido, for
de valor certo não excedente a determinados patamares (art. 496, § 3º ): 1.000 salários mínimos para a União,
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autarquias e fundações públicas federais; 500, para Estados, Distrito Federal, Municípios capitais de Estados e suas
respectivas autarquias e fundações; 100, para os demais Municípios e respectivas autarquias e fundações.
Trata-se de moderna técnica de adstringir ao primeiro grau as causas de menor valor, tal como ocorre com os
juizados especiais estaduais e federais bem como com as execuções fiscais, conforme previsão expressa do art. 34 da
Lei nº 6.830/80, quanto ao teto do recurso nela previsto.
Impende, ainda, esclarecer que a submissão ao duplo grau obrigatório nas causas fazendárias obedece a esse valor
qualquer que seja a natureza da ação.
Aliás, para afastar a tese dos que sustentavam apenas a necessidade de remessa das decisões condenatórias, a lei
determina a aplicação do novo regime na condenação ou na decisão cujo “proveito econômico” não ultrapasse os
limites.
Assim é que se, v.g., uma sentença declaratória ou constitutiva é proferida contra a União em causa cujo valor não
ultrapasse os 1.000 salários mínimos, a decisão somente será apreciada pelo tribunal se houver recurso voluntário e
não versar hipótese sujeita aos juizados federais, onde a impugnação não acode ao órgão ad quem.
O Código de 2015, prosseguindo na racionalização da prestação jurisdicional, acrescenta outro leque de exceções ao
duplo grau obrigatório, não focado no patamar de valores, mas no conteúdo da sentença. Assim é que as decisões
baseadas em súmula de tribunal superior, acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos ou assunção de
competência ou em orientações vinculantes formadas no âmbito administrativo do ente público (súmulas,
manifestações ou pareceres) não se submetem ao reexame obrigatório (art. 496, § 4º ).
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Destarte, alvitrada a finalidade do dispositivo, o regime também se aplica às denominadas decisões interlocutórias de
mérito.
Ressalvadas as exceções ora instituídas, nos demais casos de duplo grau de obrigatório, o juiz deve ordenar a
remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação.
Isto porque a ausência de remessa impede que a decisão produza efeitos e,  a fortiori, não pode ser iniciada a
execução. Essa a orientação que deflui da Súmula nº 423 do STF.
Para evitar essas delongas, omitindo-se o juiz na remessa obrigatória, revela-se admissível a avocatória pelo tribunal
precedida de informação da Fazenda Pública. Deveras, havendo recurso voluntário, o reexame pode operar-se
também, a despeito de ausência de remessa.

1.2Fundamentos dos recursos (ratio essendi)

A decisão judicial, como vimos, apresenta aspectos formais e materiais. O primeiro revela sua legalidade e, o
segundo, sua justiça. Esses planos de análise da decisão encartados no procedimento recursal visam a que o ato
judicial seja depurado na sua validade formal e material, posto a experiência comum denotar que o jurisdicionado,
em regra, não se contenta com apenas uma aferição da validade da decisão.
O cidadão tranquiliza-se ao saber a possibilidade de revisão de sua derrota por um órgão superior composto de
membros mais experientes, com competência para derrogar a decisão. Por outro lado, pressupõe-se que a previsão de
recursos iniba os equívocos judiciais, atuando como freio junto aos julgadores, no sentido de que reapurem os seus
conceitos de juridicidade e os empreste à decisão, visando a evitar a reforma do julgado, com prejuízo para a  boa
fama, interna corporis, do julgador.  Pertence à convicção popular que a segunda apreciação da causa é melhor do
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que a primeira, porque mais amadurecida. O sistema de recursos vem, assim, ao encontro do anseio popular de
justiça e adequação da decisão à realidade dos fatos. Não se trata de um voto de desconfiança frente aos juízes, de
desprestígio dos mesmos, tampouco uma ditadura dos tribunais, senão uma necessidade sociojurídica de reapuração
da juridicidade  da decisão, saciando o sentimento de justiça do jurisdicionado que, malgrado pretenda uma solução
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rápida, admite esse confronto entre a celeridade e a segurança, optando por esta última, no balanceamento dos
interesses em jogo. 14

Destarte, afastada a pretensão de abolição dos recursos, tanto mais que ressoa expressivo o grau de provimento dos
mesmos, os sistemas evoluídos oferecem inúmeros instrumentos de conciliação desses dois valores, cumprindo
anotar, quanto a esse fim, a possibilidade de eficácia imediata das decisões pela não concessão de efeito suspensivo
aos recursos, bem como o deferimento da antecipação da tutela em qualquer grau de jurisdição.

1.3Direito intertemporal: eficácia da lei no tempo

Em princípio, em nome da efetividade processual, bem se poderia imaginar uma aplicação tão imediata que
autorizasse os tribunais a devolverem à primeira instância feitos ainda não apreciados em duplo grau.
Entretanto, a ansiedade da solução célere esbarraria na violação do due process of law, por isso que se a parte
soubesse de antemão da abolição do duplo grau, in casu, poderia recorrer o que não o fizera, acreditando na
reiteração do exame judicial.
Assim, há de prevalecer o princípio tempus regit actum, obedecendo-se ao regime do atual CPC para os recursos que
se originaram de acórdãos publicados após a sua entrada em vigor, qual seja, a partir do dia 18/03/2016,
independente de ter havido registro em cartório anterior . O critério é o da recorribilidade e se estende, de acordo
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com a jurisprudência, à aplicação da cláusula de sanabilidade recursal (art. 932, parágrafo único) e à fixação de
honorários recursais (art. 85, § 11).

2.PRINCÍPIOS RECURSAIS

A doutrina aponta diversas normas, de maior ou menor tessitura, a título de princípios recursais. Nesse rol, cuja
extensão é controversa (há quem seja mais e menos generoso ao enumerá-los), encontram-se orientações processuais
para essa etapa ulterior de julgamento calcada no reexame das decisões, que vão desde valores mais gerais até
autênticas regras específicas, consubstanciando--se um conjunto de características gerais da matéria recursal .
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É nesse cenário que alguns autores apontam a voluntariedade, já descrita supra, não apenas como um aspecto do
conceito de recurso, mas também como princípio. Igualmente, há quem mencione a dialeticidade ou discursividade
como valor inerente ao sistema recursal, exigindo a fundamentação das impugnações como meio para o bom
exercício do contraditório no novo grau jurisdicional. Ainda a respeito das razões de recorrer, vislumbra-se o
princípio da não complementariedade, haja vista que, como regra, a preclusão consumativa impede a alteração da
causa de pedir recursal após a interposição, à exceção do julgamento de embargos de declaração que venham
a alterar a sucumbência, já tendo havido apresentação de outro recurso[nota 2] . Ademais, aponta-se a vedação
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à reformatio in pejus como princípio, impedindo que o recorrente tenha sua situação piorada no julgamento do
próprio recurso que interpôs.

2.1Duplo grau de jurisdição 18

Os fundamentos acima indicam que nos países cujos sistemas processuais são de origem romano-germânica, como o
nosso, o princípio do duplo grau de jurisdição está ínsito no sistema constitucional. Segundo este, uma decisão
judicial que defina, satisfaça ou acautele direitos das partes submete-se à dupla apreciação pelos tribunais com
“competência funcional”, para rever e derrogar a decisão.  Tratando-se de instrumento encartado na Constituição,
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veda-se ao legislador ordinário suprimi-lo, sob pena de inconstitucionalidade.


As críticas até então lançadas ao sistema recursal, no sentido de que se abreviaria o espaço de tempo entre a
impugnação e a decisão se a causa ingressasse diretamente nos tribunais, não colheram eco na doutrina nacional e
alienígena, por isso a tramitação da causa por duas instâncias compõe o devido processo legal. Entretanto, é preciso
observar que o duplo grau coloca à disposição das partes a possibilidade de reexame, mantendo-se, entretanto,
a natureza voluntária dos recursos, por isso que recorre a parte que assim o desejar. Advirta-se, por oportuno, que o
princípio do duplo grau implica a verificação da decisão por uma pluralidade de tribunais, não significando
necessariamente que o ato judicial deva ser revisto “duas vezes”.
Deveras a adstrição do tribunal à causa julgada, sendo defeso ao órgão superior apreciar pedidos ou exceções
materiais não formuladas na instância inferior, fatos existentes e não suscitados e matérias que não foram objeto da
decisão, ressalvada a técnica do § 3º do art. 1.013 do CPC , é decorrência do referido cânone.
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Acaso ultrapassada essa vedação, o órgão superior estará recebendo, pela vez primeira e diretamente, nos tribunais,
questões que não se submeteram ao crivo do primeiro grau de jurisdição, violando o “duplo grau”. Assim,  v.g., se o
juiz a quo não apreciou o pedido X formulado pela parte, limitando-se apenas ao Y, não é lícito ao órgão superior
apreciá-lo. Assim também, se o juízo inferior não julgou o mérito, extinguindo o processo sem análise do pedido em
face de um obstáculo processual, não é lícito ao tribunal apreciar a questão de fundo pela vez primeira, salvo na
hipótese do artigo 1.013, § 3º, do CPC.
A verticalidade com que o tribunal pode apreciar as causas já submetidas ao juízo inferior vem regulada na lei,
segundo os consectários do princípio de que somente se devolve ao tribunal a matéria impugnada, para que o órgão
superior não ultrapasse os limites do pedido. Assim como se veda ao juiz inferior julgar além do pedido –  ne
procedat iudex vel ultra vel extra petita partium – (arts. 141  e 492  do CPC), interdita-se, também, qualquer
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atividade extrapolante do tribunal, quanto à extensão da impugnação, sendo ampla a investigação do órgão  a
quo quanto à profundidade do recurso.

2.2Unicidade dos recursos

Os meios de impugnação judicial devem ser adequados  às decisões proferidas; por isso, são regulados em seus
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“requisitos intrínsecos e extrínsecos”, levando em consideração a natureza da decisão e sua relevância para a causa.
Há manifestações judiciais irrelevantes e outras manifestamente importantes, à luz dos princípios que informam o
sistema recursal. Em consequência, o legislador dispõe, diferentemente, sobre os atos judiciais quanto à sua potencial
impugnabilidade. Há manifestações tão irrelevantes que são irrecorríveis; outras recorríveis com apreciação diferida
no tempo, como as questões invocadas em sede preliminar de apelação – outrora recorríveis por meio do já extinto
agravo retido – e ainda aquelas, tão relevantes, que são imediatamente impugnáveis.
Isto significa dizer que há uma certa “tipicidade” entre a decisão prolatada e o recurso interponível. A adequação do
recurso à decisão obedece ao princípio da unirrecorribilidade ou unicidade dos recursos, o que implica dizer que
não há, em regra, para cada decisão judicial, vários recursos interponíveis, tampouco possibilidade de interposição
simultânea de vários recursos contra a mesma decisão judicial. O nosso sistema, em regra, veda a simultaneidade e
privilegia a sucessividade recursal. Há vários meios de impugnação sucessiva das decisões judiciais, o que situa o
Direito brasileiro entre os que prodigalizam a impugnação judicial.
Em parte, o Direito brasileiro mitigou o princípio da unirrecorribilidade após a Carta de 1988, ao dicotomizar o
recurso extremo em recurso extraordinário, para as hipóteses de violação da ordem constitucional, e recurso
especial, para a infringência à ordem infraconstitucional. Considerando que uma decisão pode ser violadora de
forma bifronte às duas ordens federais, admite-se a interposição simultânea de ambos os recursos, sendo certo que o
extraordinário endereçado ao Supremo Tribunal Federal fica sustado até a decisão do recurso especial, pela objetiva
razão da superposição da Corte Suprema aos demais tribunais do país, inclusive ao Superior Tribunal de Justiça,
guardião da ordem infraconstitucional que, ao decidir, pode, eventualmente, ferir a Carta Maior.
A unicidade dos recursos uma vez obedecida indica que os recursos vêm previstos e regulados quanto ao
seu cabimento, levando em conta a manifestação proferida. Assim, das decisões interlocutórias dispostas no rol do
art. 1.015, CPC, cabe o recurso de agravo de instrumento, das sentenças, cabe a apelação e dos despachos não cabe
recurso algum (art. 1.001, CPC); não são assim aqueles que causam gravame porquanto agraváveis, v.g., o que
estabelece os critérios lesivos à parte na conta a ser elaborada. O mesmo princípio é obedecido nos tribunais, por isso
que, das decisões violadoras da lei, cabe recurso especial, do julgado que malfere a Constituição, cabe
recurso extraordinário, e de toda e qualquer manifestação judicial, cabem os embargos de declaração, quando
lacunosa, contraditória ou obscura.
A inadequação do recurso em face da decisão correspondente impõe a sua “inadmissão pelo descabimento”.
Desta sorte, é importante a tarefa de categorizar uma decisão, para emprestar-lhe o recurso pertinente.
A própria lei incumbe-se de definir os atos judiciais passíveis de recurso e, por negação, os irrecorríveis, como se
colhe dos arts. 203 e 204 do CPC. À luz do referido dispositivo, observa-se que a sentença é o ato pelo qual o juiz
resolve a questão posta no processo extinguindo o procedimento em primeiro grau quando não soluciona o mérito e
resolvendo-o quando possibilitem todos os requisitos formais reclamados. Em ambos os casos, há sentença, a qual
desafia o recurso de apelação. 24

Decisão interlocutória, não obstante decisão, não extingue o processo de conhecimento ou de execução, porquanto a
isso não se refere o legislador na sua exposição de motivos da reforma processual, tampouco pretendeu cindir o
processo em múltiplas fases com várias sentenças apeláveis, estagnando o processo a todo instante com a
interposição de recursos de apelação. A decisão interlocutória decide uma questão incidente formal ou material, v.g.,
a impugnação ao valor da causa, e a relação processual prossegue, razão pela qual é impugnável por agravo de
subida imediata, obedecida a disciplina do art. 1.015.  Nesse aspecto, aliás, vale pontuar que o STJ assentou a
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taxatividade mitigada do rol do art. 1.015 do Codex . Nesse sentido, em elucidação às hipóteses de excepcional
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admissão à interposição de agravo para além do texto do art. 1.015, o Tribunal entendeu que decisões interlocutórias
em ações de improbidade administrativa podem ser contestadas por agravo de instrumento, firmando o parâmetro de
cabimento por consonância com os microssistemas de tutela coletiva [nota 2] , o que inclusive acabou por ser
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positivado pela Lei 14.320/2021 . 28

As decisões dos tribunais se denominam “acórdãos”, admitindo-se aos órgãos monocrático--fracionários do


colegiado proferir decisões, por vezes extintivas, impugnáveis por agravo interno levado ao colegiado (art. 1.021).
Esses mesmos acórdãos, desde que também preenchidos os pressupostos legais e constitucionais, podem sujeitar-se
ao recurso extraordinário (art. 102, III, da CF)  ou ao recurso especial (art. 105, III, da CF).
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A deliberação colegiada nos denominados Tribunais Superiores, sob esse ângulo, pode ser resultado de
manifestações conclusivas no mesmo sentido, portanto, unânimes ou divergentes. Havendo divergência, são cabíveis
os embargos de divergência, os quais visam à uniformização acerca do entendimento da ordem jurídica que é federal.
Observa-se, assim, a correspondência entre os recursos e as decisões.
2.2.1Instrumentalidade das formas e fungibilidade recursal

Essa necessidade de adequação não impede que se alvitre que o recurso é uma manifestação de defesa dos direitos da
parte vencida. Assim, qualquer manifestação dessa ordem deve ser aproveitada, devendo rejeitar-se a superposição
da questão formal sobre a questão de fundo. O defeito de forma, por essa razão, somente deve acarretar a anulação
daquilo que é impossível de ser aproveitado (art. 283 do CPC)  e que, em princípio, cause prejuízo à defesa dos
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interesses das partes.


O CPC estatui regra própria a esclarecer a aplicação do princípio ao âmbito recursal, asseverando que antes de
considerar inadmissível o recurso, o relator concederá o prazo de cinco dias ao recorrente para que seja sanado vício
ou complementada a documentação exigível (art. 932, parágrafo único).
A influência do “princípio da instrumentalidade das formas”, no campo da inadequação procedimental, reacendeu a
aplicação do vetusto princípio da fungibilidade dos recursos, cuja incidência permite o aproveitamento do recurso
interposto como se fosse o meio de impugnação cabível e não utilizado.  Fundando-se em ordenação pretérita, a
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jurisprudência consagrou essa possibilidade, desde que “ausente o erro grosseiro” e a “má-fé do recorrente”.
Um dos critérios utilizados tem sido a escorreita verificação da tempestividade . Por isso, um recurso de prazo menor
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é aceito se interposto no lugar daquele cabível cujo prazo de oferecimento é mais alongado. A recíproca, contudo,
não é verdadeira, sendo certo que esse elemento foi suavizado com o atual Código, que uniformiza os prazos
recursais em quinze dias, salvo nos embargos de declaração (art. 1.003, § 5º). Por outro lado, entende-se que
revela malícia do recorrente aproveitar-se de recurso com maior devolutividade e procedimento mais delongado.
Cumpre, entretanto, advertir que, não obstante a didática do legislador, em alguns momentos, ele próprio nega os
conceitos traçados nos arts. 203 e 204,  denominando de sentença o que é despacho, ou de decisão o que é sentença e
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vice-versa. Nessas hipóteses, se o próprio julgador categoriza equivocadamente o seu ato judicial, revela-se razoável
que se exonere a parte de eventual inadequação do recurso interposto. Assim, v.g., é comum na decisão dos
incidentes processuais que os juízes, ao iniciarem o ato, denominem-o sentença, quando, em verdade, se trata, na
essência, de decisões interlocutórias, v.g., a que resolve a impugnação ao valor da causa, o indeferimento de
litisconsórcio, a rejeição de reconvenção, as impugnações quanto à penhorabilidade no curso da execução e as
liminares, em geral.
Nesses casos, a parte, induzida em erro, pela lei ou pelo tribunal, faz jus à chancela da fungibilidade. É sempre útil
relembrar que uma postura rígida e formalista pode conduzir os juízes à manutenção de suas decisões, às custas de
juízos negativos de admissibilidade. Aliás, não é por outra razão que o juízo de admissão dos recursos sujeita-se a
duplo controle, como veremos a seguir.
Essa ratio restou ainda mais fortalecida pelo Código, que possui como um de seus vetores a preferibilidade da
solução do mérito sobre limitações formais. Nesse sentido, o art. 932, ao tratar dos poderes do relator, veicula, em
seu parágrafo único, uma cláusula geral que permite, antes que se considere inadmissível o recurso, a concessão do
prazo de 5 (cinco) dias ao recorrente para que seja sanado vício ou complementada a documentação exigível.
Evidentemente, essa possibilidade só alcança os vícios sanáveis, o que não se verifica, v.g., em recursos que se
revelem intempestivos ou com fundamentação deficiente ou inadequada. Neste último caso, ademais, a limitação
decorre da própria incidência do fenômeno da preclusão, que não indica hipótese de vício sanável em prazo
adicional a ser concedido pelo relator.
Na mesma linha, veja-se o art. 1.024, § 3º, do CPC, que veicula exemplo expresso de possibilidade de aplicação
da fungibilidade recursal. Com efeito, ao tratar dos embargos de declaração, prevê o dispositivo que estes poderão
ser conhecidos como agravo interno, caso se entenda ser este o recurso cabível, desde que se determine a prévia
intimação do recorrente para, no prazo de 5 (cinco) dias, complemente suas razões recursais, de modo a ajustá-las às
exigências do art. 1.021, § 1º,- que impõe ao agravante a necessidade de, em sua peça recursal, impugnar de forma
especifica os fundamentos da decisão agravada que quer ver alterados.
De forma próxima, além da fungibilidade propriamente dita, o Código introduz a possibilidade
de conversibilidade entre o recurso especial e o recurso extraordinário. Com efeito, o art. 1.033 do CPC dispõe que
se o Supremo Tribunal Federal considerar como reflexa a ofensa à Constituição afirmada no recurso extraordinário,
por pressupor a revisão da interpretação de lei federal ou de tratado, remetê-lo-á ao Superior Tribunal de Justiça para
julgamento como recurso especial. Evita-se, assim, o não julgamento de um recurso cuja fundamentação tenha sido
considerada de ordem constitucional pelo STJ e infraconstitucional pelo STF.

3.ADMISSIBILIDADE E MÉRITO DOS RECURSOS

Os recursos, como manifestações de cunho postulatório, submetem-se a um prévio exame de admissibilidade, antes
da análise da eventual procedência da impugnação. O denominado juízo de admissibilidade dos recursos equipara-se
àquele exame prévio que o juiz enceta quanto às condições da ação e aos pressupostos processuais, antes de apreciar
o mérito da causa.
Assim, antes de se verificar se o recorrente tem ou não razão, analisa-se a admissibilidade do recurso. 35

Recurso admissível diz-se conhecido e inadmissível não conhecido.


O preenchimento dos requisitos de admissibilidade habilita o recorrente a obter uma decisão sobre o mérito do
recurso, que não é senão a razão de ser da impugnação. Por isso, o mérito recursal tanto pode versar uma questão
formal, , por exemplo, um agravo quanto à ilegitimidade declarada de um dos litisconsortes, quanto a uma questão
material, v.g., uma apelação dirigida contra uma sentença que julgou improcedente o pedido de cobrança. Constata-
se, assim, que o “mérito da causa” e o “mérito do recurso” são aspectos diferentes do objeto de cognição
jurisdicional. O “mérito do recurso” não versa necessariamente sobre o “mérito da causa”, até porque pode haver
recurso dirigido exatamente contra a decisão que extinguiu o processo sem análise do mérito. O recurso inadmissível
impede a análise sobre os fundamentos da impugnação. “Não conhecido” o recurso, o juiz ou o tribunal “declara” a
falta de um dos requisitos de admissibilidade. A “natureza declaratória” desse pronunciamento implica reconhecer
que no momento em que faltou o requisito de admissibilidade a decisão transitou em julgado. Assim, v.g., se o
tribunal, seis meses depois de interposto o recurso, vem a julgá-lo intempestivo, a decisão impugnada terá transitado
em julgado no dia mesmo em que o recorrente deixou passar in albis o prazo da impugnação.
A importância jurídico-processual dessa constatação está em que o trânsito em julgado permite a satisfação da
decisão por execução definitiva, bem como marca o termo a quo para o oferecimento da ação rescisória. Sob esse
ângulo não é pacífica a jurisprudência que exige para a configuração retro-operante do trânsito em julgado, recurso
intempestivo e interposto de má-fé. A referência acima ao juiz ou tribunal, como competentes para declarar a
inadmissibilidade, tem a finalidade de reafirmar que a admissão do recurso pode ficar sujeita a mais de um controle.
Num primeiro plano, pode realizá-la o juiz perante o qual o recurso foi interposto, quando a lei assim o permite. Não
obstante, acudindo a causa ao órgão julgador do recurso, antes da apreciação do mérito da impugnação, volta-se a
apreciar a admissibilidade.  Ultrapassada a etapa preliminar de conhecimento do recurso, passa-se ao mérito.
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Essa possibilidade de duplicidade de juízo de admissibilidade tem como uma de suas razões o fato de que, se assim
não o fosse, o juiz barraria o recurso para não sujeitar suas decisões a outro crivo, excluindo a chance de o recorrente
ver apreciada a sua manifestação.
Destarte, a dupla apreciação significa “a não vinculação do órgão ad quem ao pronunciamento do órgão a quo” sobre
a admissibilidade, bem como disponibiliza a favor do recorrente um meio de impugnação, caso o juiz inferior
entenda inadmissível o recurso interposto. Neste caso, esse outro recurso tem como objeto a admissibilidade daquele
que ficou barrado na instância recorrida, e seu provimento acarretará a subida da impugnação reprimida. Essa a razão
pela qual a impugnação desse recurso deve versar tão somente sobre o erro cometido quanto à inadmissão da
irresignação e não a repetição das razões da impugnação inadmitida. A ausência de vinculação entre os juízos de
inadmissibilidade pode ensejar hipótese rara, em que, ao subir o recurso, o tribunal entenda-o inadmissível por outro
vício, que não o apontado no meio de impugnação, cujo provimento fê-lo chegar ao órgão superior.
O mérito do recurso, diferentemente, introjeta o tribunal na verificação de seu fundamento, ultrapassada a análise
preliminar de admissão. O mérito do recurso pode consistir nos vícios da ilegalidade e da injustiça da decisão,
analisando-se o primeiro, para, após, observar da justeza do julgado. É que, acolhida a alegação de  error in
procedendo (ilegalidade), o tribunal deve anular a decisão e abster-se de prosseguir, salvo nos casos de aplicação da
teoria da causa madura (art. 1.013, § 3º). Havendo injustiça, caberá ao tribunal substituir a decisão por outra (art.
1.008 do CPC). Assim, v.g., se o juiz julgou antecipadamente a lide ilegalmente é de somenos verificar o mérito,
salvo se for para favorecer o único recorrente (art. 282, § 2º, do CPC).

4.REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DOS RECURSOS

A importância desses requisitos implica conhecê-los especificamente. Alguns pertinem ao próprio direito de
recorrer, v.g., a legitimidade do recorrente; outros correspondem ao procedimento recursal, como a regularidade
formal. Os primeiros dizem-se intrínsecos e, os segundos, extrínsecos.
Os “requisitos intrínsecos de admissibilidade” são: a legitimidade do recorrente, o interesse em recorrer; a ausência
de fato impeditivo do direito de recorrer e o cabimento. “Requisitos extrínsecos” são: o preparo do recurso,
a forma e a tempestividade da impugnação.

4.1Legitimidade do recorrente

A legitimidade recursal aproxima os recursos do instituto da ação, porquanto não diferem as óticas de análise desse
requisito. Tanto na ação quanto no recurso, o mérito da postulação só é verificável se presente a legitimatio ad
causam. A diferença é que, ausente a legitimidade recursal, a impugnação é inadmissível eliminando-se do mundo
jurídico a possibilidade de reexame da decisão, ao passo que, declarada ilegítima a parte, a extinção do processo sem
análise do mérito não inibe a reproposição da ação.
Legitimado a recorrer é aquele que figurou como parte ou que poderia ter figurado como tal no processo.  Assim, o
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réu, ainda que revel, tem assegurado o seu direito de recorrer, não obstante limitadíssima a sua irresignação, posto
nada ter suscitado e discutido.  Outrossim, estende-se a legitimação recursal ao sucessor da parte a título singular ou
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universal, na medida em que a coisa julgada também os atinge (art. 109 e parágrafos do CPC),  tanto mais que os
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herdeiros recebem o objeto litigioso como extensão subjetiva do complexo de relações do de cujus.
O conceito de parte não se altera nas diversas formas de processo; por isso que se legitima ao recurso o exequente e o
executado no processo de execução, o requerente e o requerido no processo cautelar e os interessados nos feitos de
jurisdição voluntária.
A substituição processual não altera a regra, por isso é inegável a legitimidade concorrente do substituto e do
substituído, nos casos de legitimação extraordinária não exclusiva.
Deveras, os terceiros que assumem a posição jurídica de parte, como o denunciado à lide e o chamado ao processo
também podem recorrer, bem como os litisconsortes. O assistente simples deve sempre obedecer ao princípio de que
não pode atuar em contraste com a parte assistida; por isso, se esta desistir do recurso, cessa a sua intervenção.
Diferentemente, na assistência litisconsorcial, onde o regime é o do litisconsórcio unitário, aplica-se integralmente o
disposto na primeira parte do art. 1.005 do CPC. 40

Não basta, para recorrer, a qualidade de parte, senão de parte vencida. A lesividade da decisão habilita a parte a
recorrer.  A “sucumbência” pode dizer respeito a uma das partes ou ser “recíproca”. Por outro lado, a parte pode ter
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restado vencida quanto à definição do litígio ou quanto a qualquer aspecto do processo.


A lesividade da decisão reclama uma ampla exegese; por isso, se o juiz extinguir o processo sem análise do mérito, é
lícito ao réu recorrer, porquanto mantém interesse na definição do próprio litígio. Por outro lado, a lesividade
reclama repercussão prática. Assim, se a parte ré obtém o acolhimento de uma de suas causae excipiendi, não pode
ser considerada parte vencida. 42-43

Havendo litisconsórcio, os litisconsortes também estão aptos a recorrer nas mesmas condições das partes.
As peculiaridades variam conforme o regime do litisconsórcio em decorrência de sua espécie, daí inferindo-se a
extensão ou não dos efeitos do provimento ou desprovimento do recurso. Tratando-se de litisconsórcio unitário, os
atos benéficos são extensíveis aos demais litisconsortes. Em consequência, o recurso interposto por um dos
litisconsortes a todos aproveita (art. 1.005, do CPC). Na hipótese de solidariedade passiva (litisconsórcio passivo
unitário), o recurso interposto por um devedor aproveitará aos outros, quando as defesas opostas ao credor lhes forem
comuns. Assim, se o recurso do devedor infirma o crédito ou o título, a solução é a mesma para todos, porquanto o
débito e seu documento representativo ou valem para todos os devedores ou não valem para nenhum deles.
A extensão dos atos benéficos e a inextensão dos atos prejudiciais justificam a assertiva de que o recurso interposto
por um litisconsorte não inibe o outro litisconsorte de igualmente recorrer por diverso fundamento.
Assim, v.g., tratando-se de litisconsórcio unitário, o agravo contra decisão liminar pode ser interposto por um só dos
litisconsortes ou por todos.
Cumpre assentar que, nos casos de litisconsórcio contrastante (denunciante e denunciado; opostos na oposição etc.),
o regime do recurso comum é aplicável naquilo em que a pretensão dos litisconsortes é homogênea. Assim, v.g., um
dos opostos pode oferecer recurso que aproveite o outro, rejeitando a pretensão do opoente.
Afirmou-se, em magnífica sede doutrinária, que o processo e a sentença não vivem isolados no mundo jurídico; por
isso, proferida a decisão, a eficácia do julgado pode atingir relações jurídicas que guardem conexão com o thema
iudicandum. Assim, v.g., a decisão que torna inválida a obrigação aproveita ao fiador, muito embora a relação de
garantia não seja objeto da sentença. Essa repercussão da decisão na esfera de outrem justifica o instituto da
“terceria” e revela que sujeitos, que estão fora do processo, podem ser atingidos pela decisão judicial de forma
benéfica ou prejudicial. Em face do requisito do interesse, a lei consagrou o recurso do terceiro prejudicado, que é
aquele que sofre um prejuízo na sua relação jurídica em razão da decisão.  A lei habilita esse terceiro a recorrer, não
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para sustentar a sua relação jurídica na instância superior, porque a isso equivaleria violar o princípio do duplo grau,
mas para remover a decisão gravosa em si, o que, em última análise, resta por afastar dele, terceiro, o prejuízo que a
decisão lhe acarretou. Para esse fim, a comprovação da legitimatio recursal é realizada pelo recorrente através da
demonstração do nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e a decisão em si (art. 996, parágrafo único, do CPC). 45

Desta sorte, a regra que dispõe sobre o recurso do terceiro prejudicado, em verdade, é norma que versa
sobre legitimação recursal e não fonte criadora de uma espécie de recurso. O terceiro prejudicado pode interpor
todos os recursos, posto que tanto a sentença quanto as decisões interlocutórias e acórdãos podem causar
prejuízo.  Assim, v.g., tem legitimidade para recorrer, como terceiro prejudicado, o adquirente de automóvel
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impedido de registrá-lo no DETRAN em razão de penhora realizada em execução alheia.


O terceiro prejudicado recorre no mesmo prazo das partes, obedecendo aos demais requisitos de admissibilidade
exigíveis para o conhecimento dos recursos.
Ainda no campo da legitimação, anote-se que o Ministério Público também está habilitado a recorrer. Nos processos
em que atua como parte, segue-se a regra geral, salvo as prerrogativas decorrentes do munus público que exerce,
como a dispensa de preparo e o prazo em dobro para recorrer (arts. 180 e 1.007 do CPC).
Destarte, o Ministério Público atua também como “fiscal da ordem jurídica” (custos iuris), velando pela exata
aplicação das regras jurídicas nas causas que versam sobre direitos indisponíveis, bem como nas que ressalta o
interesse público.  Nessa qualidade, pode recorrer caso o interesse tutelado pelo qual ele vela sofra qualquer
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gravame. Como consectário, o MP tem legitimidade para recorrer no processo em que oficiou como fiscal da lei,
ainda que não haja recurso da parte (Súmula nº 99 do STJ); mas falece-lhe legitimidade para recorrer contra os
interesses que motivaram a sua intervenção, v.g., o interesse de incapaz.

4.2Interesse em recorrer

O interesse em recorrer revela mais um ponto de aproximação entre as condições da ação e os recursos. “Para
postular em juízo é necessário ter interesse e legitimidade”, di-lo o artigo 17 do CPC. O mesmo princípio estende-se
ao recurso: para recorrer também é preciso ter interesse e legitimidade.
O interesse é mensurado à luz do benefício prático que o recurso pode proporcionar ao recorrente. Assim, se o
pedido foi julgado procedente, mas, a despeito disso, o autor ainda pretende que seja acolhido o outro fundamento
rejeitado, que lhe confere maior benefício, há interesse em recorrer. O mesmo se diga em relação a uma das  causae
excipiendi suscitadas pelo réu, acaso refutadas pela sentença. Para esse fim, qualquer parte do capítulo dispositivo ou
mesmo da motivação é hábil a indicar a recorribilidade da decisão, v.g., aquele que dispõe sobre os honorários em
percentual menor do que o pleiteado ou o que conclui pela carência de ação quando o réu pretendia mesmo a
improcedência. Em suma, havendo sucumbência, há interesse em recorrer. 48

4.2.1Interesse em recorrer e recurso adesivo

Questão elegante gravita em torno do interesse quando há sucumbência recíproca, fenômeno que se verifica quando
autor e réu são vencedores e vencidos, ao mesmo tempo. Em princípio, ambos têm interesse em recorrer na parte em
que sucumbiram. Entretanto, é inocultável que o comodismo de um deles pode gerar o conformismo do outro, bem
como a iniciativa de um dos sucumbentes pode surpreender a parte adversa. Atento a esse aspecto psicológico,  o 49

legislador, visando a desestimular o recurso dos vencidos reciprocamente e a evitar surpresas, dispôs acerca da
possibilidade de um recurso ser interposto apenas porque o outro o foi, condicionando a sua apreciação, à
admissibilidade da impugnação originária, de tal maneira que, não sendo conhecido o primeiro, automaticamente,
também não o será o segundo (art. 997, §§ 1º e 2º ). A razão dessa subordinação está exatamente no fato de que o
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segundo recorrente somente impugnou a decisão porque o outro tomou a primeira iniciativa; caso contrário,
conformar-se-ia com o decidido. A esse recurso a lei denomina de recurso adesivo, indicando ter o
recorrente aderido à iniciativa do outro, muito embora distintos os interesses e pudesse recorrer de forma
independente.  A denominação não é imune de críticas. A adesão para recorrer representa contraposição, por isso
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melhor seria denominá-lo “recurso subordinado” ou “recurso contraposto” etc.


As críticas à denominação sugerida pelo legislador brasileiro justificam-se sob o argumento de que as posições dos
litigantes no recurso adesivo são contrapostas e não justapostas, daí a incorreção do termo “adesão”. Sugere a
doutrina, o nomen juris de recurso subordinado como o mais adequado, porquanto adesão melhor se aplicaria à
“sucumbência paralela”, em que um dos litisconsortes adere ao recurso do outro, tal como no Direito alienígena.
Nesse sentido, Barbosa Moreira nos seus magníficos Comentários ao dispositivo confronta as figuras
da impugnazione incidentale adesiva e impugnazione incidentale riconvenzionale do Direito italiano.
Esclareça-se, por oportuno, que nem sempre ocorrendo a sucumbência recíproca o recurso será adesivo. Esse regime
jurídico da impugnação é escolha do recorrente; por isso, em regra, “cada parte interpõe o seu recurso
independentemente, no prazo e observadas as exigências legais”. “Sendo porém vencidos autor e réu, ao recurso
interposto por qualquer deles pode aderir a outra parte” e, nesse caso, o recurso adesivo fica subordinado ao recurso
principal (art. 997, § 1º do CPC). 52

Desta sorte, podem manejar a adesão as partes e seus assistentes. O terceiro prejudicado, por não ter sido parte, não
sucumbiu reciprocamente, descabendo a sua eventual adesão. O mesmo raciocínio expende-se em relação ao
Ministério Público como custos iuris. Na qualidade de parte, por força do princípio da indisponibilidade da atuação
do Parquet, revela impossível o Ministério Público interpor recurso por “adesão”.
O recurso adesivo não é uma espécie em si de recurso; por isso, além de a ele se aplicarem as mesmas regras do
recurso independente, é cabível na apelação, no recurso especial e no recurso extraordinário (art. 997, § 2º, I, do
CPC). Assim, v.g., se A pede em face de B a rescisão do contrato e a condenação em perdas e danos, e o juiz rejeita o
segundo pedido, é lícito ao autor insistir no pleito residual rejeitado, e ao réu perseverar pela improcedência total,
através de recurso adesivo, ou independente. Suponhamos que, na mesma hipótese, a Câmara, através de um de seus
julgadores, rejeite as perdas e danos e conceda a rescisão contratual, e a maioria rejeite a rescisão e só conceda as
perdas e danos. Na verdade, por maioria, negou-se a rescisão e concederam-se as perdas e danos. Tem-se, portanto,
que dessa decisão cabem o recurso extraordinário e o recurso especial, tanto ao réu – para impedir a condenação em
perdas e danos, bem como ao autor, para pleitear a rescisão contratual. Tais recursos, assim, podem ser apresentados
de forma independente ou adesiva. Anote-se quanto ao recurso extraordinário e a fortiori quanto ao recurso especial
que se esses recursos extremos depois de negados no tribunal de origem forem admitidos pelo STF ou pelo STJ, o
recorrido poderá interpor recurso adesivo juntamente com a apresentação de sua contrarrazões ( RISTF 321, § 3º).
Isto porque, admitido o recurso extraordinário principal pelo Presidente do Tribunal local, o início do prazo para a
interposição de recurso extraordinário adesivo é regulado pelo art. 997, § 2º, I, do CPC. Diferentemente, admitido o
recurso extraordinário principal pelo STF ou pelo relator por força de agravo interposto contra a inadmissão
originária, aplica-se a regra do § 3º do art. 321 do RISTF.
Limitado a essas espécies recursais, pelo art. 997 do CPC, forçoso concluir pelo “descabimento da adesão no
agravo”.
Assim, se a decisão interlocutória gerar gravame a ambos os litigantes, eles deverão oferecer recursos independentes,
muito embora, no plano prático, algumas situações revelem quão útil seria este regime na praxe do agravo.
Assim, v.g., se a decisão indefere uma prova de cada um dos litigantes, é provável que ambos se conformassem, caso
não houvesse nenhuma impugnação de qualquer deles.
A “adesividade do recurso” ou sua condicionabilidade faz submetê-lo à sorte da admissibilidade do recurso
independente. Assim, o recurso adesivo não será conhecido se inadmitido o recurso principal. Verificada a ausência
de requisitos de admissibilidade do recurso principal e, assim declarado pelo órgão julgador, o recurso adesivo não
será conhecido, seguindo a sorte do principal, como acessório que é, ainda que nele próprio estejam presentes todos
os pressupostos formais para o julgamento do mérito recursal. É a contrapartida do regime condicionado. Por outro
lado, conhecido o recurso principal, não se exonera o adesivo do cumprimento dos requisitos de admissibilidade em
geral sob pena de não conhecimento. Conhecidos ambos, cessa a subordinação da sorte do recurso adesivo ao
principal e o mérito de ambos é apreciado independentemente.
Tratando-se de regime jurídico especial, é lícito à parte recorrente adotá-lo ao seu recurso, ainda que interposto no
prazo do recurso independente.  Em consequência, posto mantida a subordinação, é lícito recorrer adesivamente
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mesmo que a parte tenha perdido o prazo do recurso principal, porquanto a sua situação agrava-se, em razão da
acessoriedade que se empresta à sua impugnação renovada no prazo do adesivo. A matéria, contudo, não é pacífica.
É que se sustenta que a parte que, no prazo legal, apresentou recurso autônomo, não pode mais opor recurso adesivo.
A verdade é que “nenhum óbice legal impede o manejo do recurso adesivo para a parte que já se utilizou do recurso
autônomo”. Destarte, a lei, atenta àquele aspecto psicológico da “surpresa”, previu o prazo do adesivo juntamente
com o destinado às contrarrazões, evitando o desconforto de outrora, em que um dos litigantes sucumbentes,
reciprocamente, aguardava o último dia para recorrer, surpreendendo o adversário. O Código de 1973 superava esse
problema, ao permitir a interposição em dez dias da ciência de ingresso do recurso principal, embaraçando a
apresentação do recurso adesivo dentro do prazo das contrarrazões. A reforma de 1994 unificou os prazos para
recorrer adesivamente e contra-arrazoar, o que restou mantido no Código de 2015, facilitando sobremodo o trabalho
das partes (art. 997, § 2º, I, do CPC).
Atente-se, entretanto, que muito embora oferecido no prazo das contrarrazões, o recurso deve ser instrumentalizado
em petição própria. Hipótese interessante pode ocorrer na cumulação de pedidos. Conforme assentado, o recurso
adesivo pressupõe a interposição de recurso principal. Assim, se forem julgadas conjuntamente duas ações e o
recurso principal incidir apenas sobre uma, a parte contrária não pode manifestar recurso adesivo quanto à ação em
que não houve recurso principal.
Outrossim, como o recurso adesivo pressupõe a interposição de recurso principal, não há que se falar em adesão à
remessa ex officio determinada no art. 496 do CPC.
O mesmo raciocínio estende-se ao processo com ação e reconvenção. Assim, se foram julgadas improcedentes ação e
reconvenção e o réu só apelar quanto à reconvenção, o autor não pode oferecer recurso adesivo visando à
procedência da ação, uma vez que quanto a esta não houve recurso principal do demandado.
Repita-se: pressuposto básico para a adesão, segundo a doutrina tradicional, é a sucumbência recíproca, cuja
constatação deve considerar a ratio essendi do instituto. Entretanto, a rigor, o autor que logra alguma parcela do que
pediu, nada perdeu e, portanto, não sucumbiu. Esta, contudo, não é a posição tradicional. Assim, há sucumbência
recíproca quando a parte perde algo que pretendia, no âmbito do seu próprio pedido, ou quando sucumbe em face da
cumulação de pedidos formulada.
A lei equiparou o recurso adesivo ao principal no que pertine aos requisitos de admissibilidade sujeitando-o às
mesmas exigências processuais.
Outrossim, não obstante a submissão do adesivo ao principal, cada parte deve cumprir os seus requisitos. Assim, se o
recorrente principal está isento de preparo, por ser a Fazenda Pública ou contemplado pela gratuidade de justiça, esta
inserção não se comunica ao recorrente adesivo.
Uma última palavra merece a questão dos efeitos do recurso adesivo. Em princípio, o recurso adesivo tem os
mesmos efeitos do recurso principal. Contudo, como a lei aduz exclusivamente à equiparação do recurso adesivo ao
principal quanto à admissibilidade e julgamento, preconiza-se que o recurso adesivo possa ser recebido em efeitos
diversos do principal.
A matéria, mercê de não ser pacífica, impõe observar-se o grau de prejudicialidade dos recursos no plano prático
para verificar se realmente é possível atribuir-lhes efeitos idênticos.

4.2.2Interesse em recorrer e recurso parcial

A sentença é recorrível mediante apelação, que, segundo a lei, pode ser total ou parcial. Isso significa dizer que a
extensão da impugnação nem sempre é igual à extensão da matéria decidida. A parte pode impugnar menos do que
seria admissível, contentando-se com parte da sentença, que, nesse aspecto residual, transita em julgado.
Obedecido o princípio de que a apelação somente devolve a matéria impugnada (art. 1.013 do CPC –  tantum
devolutum quantum appellatum) tem-se que, em sendo parcial o recurso, o tribunal fica adstrito às suas dimensões, à
sua superfície contenciosa, sendo-lhe vedado ingressar na análise da parte incontroversa da decisão. Assim, v.g., se o
autor pediu X e Y e o pedido foi julgado improcedente, é lícito ao autor apelar para pleitear ambas as prestações ou
apenas uma delas. Optando por apenas uma das prestações, não é lícito ao tribunal contemplar-lhe aquela que não foi
objeto do recurso.
A regra da adstrição do tribunal ao objeto do recurso impede também que o órgão ad quem profira uma decisão mais
desfavorável em detrimento do único recorrente (reformatio in pejus) bem como aprecie o mérito quando o apelo é
dirigido contra sentença meramente terminativa, salvo nos casos do § 3º do art. 1.013, CPC.
O fato de a sentença ser impugnada no todo ou em parte não inibe o tribunal de sindicar todos os motivos
determinantes que levaram o juiz ao decidido, respeitadas as causas de pedir e as defesas articuladas, salvo as
matérias conhecíveis de ofício. É que em profundidade o recurso devolve mais do que sua extensão. Assim, “a
preclusão não corre quanto à questão das condições da ação, ainda que a sentença seja de mérito”.
Em caso de dúvida, presume-se total a impugnação. Assim, no pedido de improcedência da ação, compreende-se o
de exclusão de parcela, assim como no apelo contra a rejeição das perdas e danos incluem-se os danos morais e
materiais da condenação.

4.2.3Interesse em recorrer e jurisprudência predominante

A reforma do CPC procedida pela Lei nº 11.276/2006 inseriu requisito de admissibilidade que se encaixava no
“interesse recursal”, qual fosse o disposto no art. 518, § 1º, do CPC de 1973. Tal dispositivo foi em parte
recepcionado pelo atual CPC. Explica-se: não havendo mais o duplo exame de admissibilidade da apelação, não cabe
ao juiz avaliar se a sentença está em conformidade com a jurisprudência dos tribunais superiores, mas ao relator.
Caso o juiz avoque indevidamente a competência para proceder a exame de admissibilidade e negue seguimento à
apelação, cabível reclamação perante o tribunal.
Neste sentido, introduziu-se, em lugar do referido dispositivo, o art. 1.011, I, CPC, que afirma,  in verbis: “Recebido
o recurso de apelação no tribunal e distribuído imediatamente, o relator: I – decidi-lo-á monocraticamente apenas nas
hipóteses do art. 932, incisos III a V”.
Note-se que o art. 932, IV, CPC,  trata, justamente, de recurso contrário à jurisprudência dos tribunais superiores,
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exibindo, inclusive, rol mais extenso de possibilidades. É que não há utilidade em remeter-se ao STJ ou STF um
recurso cujo resultado já se sabe de antemão. Esse proceder conspiraria contra os objetivos de efetividade da
jurisdição, bem como contra a cláusula da duração razoável do processo.
Destarte, é possível que a parte, em capítulo próprio, convença aquele que exerce o juízo de admissibilidade dos
recursos aos tribunais superiores de que o seu caso não se encaixa na súmula, até mesmo à luz dos acórdãos
referência que motivaram a edição do entendimento sumulado.
No que toca ao agravo de instrumento, a despeito de não haver juízo de admissibilidade prévio realizado pelo juiz de
primeiro grau, verifica-se a estratégia do art. 1.018, CPC, de informar-lhe quanto à interposição do agravo contra sua
decisão, o que se conjuga com a lógica dos noveis arts. 332 e 331 do CPC. 55

4.3Cabimento

O cabimento é a adequação do recurso em confronto com a decisão impugnada. Há uma tipicidade legal para os
recursos, de sorte que as decisões, pela sua relevância e colocação na ordem dos atos processuais, desafiam recursos
diferentes nos seus regimes jurídicos. Assim, da sentença cabe apelação, cuja devolutividade ampla é o seu traço
característico, da decisão interlocutória cabe agravo, que se volta contra decisão que resolve questão incidente e não
termina o procedimento em primeiro grau etc.  O recurso incabível é aquele incorretamente interposto à luz da
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decisão recorrida. Contudo, em face do princípio da instrumentalidade das formas, segundo o qual o ato deve ser
aproveitado a despeito de seu defeito formal, se atingida a finalidade para a qual foi ditado, aproveita-se o recurso
erroneamente interposto caso não tenha havido má-fé do recorrente ou erro grosseiro. É que decorre da
instrumentalidade o princípio, que se infere do art. 283 do CPC, que é a fungibilidade recursal, outrora consagrada
no art. 810 do Código de Processo de 1939. A análise desses pressupostos negativos de aplicação do princípio
– inexistência de má-fé ou erro grosseiro – é casuística, sendo certo que a tempestividade do recurso incorreto é pré-
requisito inafastável para receber o benefício da fungibilidade.
O requisito do cabimento exige um conhecimento escorreito da natureza da decisão judicial. Nesse sentido, o CPC
procurou trilhar um caminho didático, ao definir as decisões judiciais impugnáveis. Assim é que, pela lei, sentença é
o pronunciamento do juiz por meio do qual, com fundamento nos arts. 485 e 487, põe fim à fase de conhecimento ou
de execução do processo (art. 203, § 1º, do CPC). Por seu turno, o artigo 1.009 esclarece que “da sentença cabe
apelação”.
O art. 162, § 2°, do CPC de 1973, definia decisão interlocutória como sendo “o ato pelo qual o juiz, no curso do
processo, resolve questão incidente”. Já o atual Código traz no art. 203, § 2º, que corresponde à decisão
interlocutória todo aquele pronunciamento de natureza decisória que não se qualifique como sentença, de forma a
pacificar certas controvérsias, dando-lhe contornos residuais. Contudo, a correlação entre a decisão e o recurso
cabível não segue o silogismo da sentença. O Código restringiu as espécies de decisão de que se pode interpor o
agravo de instrumento, visando a limitá-las às hipóteses em que se verifica certa urgência de rediscussão do
pronunciamento judicial (art. 1.015).
Por fim, são despachos todos os demais atos do juiz praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte, a
cujo respeito a lei não estabelece outra forma e que não carreiam qualquer lesividade para as partes. 57

Os despachos encerram atos meramente ordinatórios, não resolvem questões formais ou materiais e por isso não
geram em regra, qualquer lesividade, daí a irrecorribilidade dos mesmos. Em mais um conceito residual, despachos
são pronunciamentos sem caráter decisório, não obstante, por vezes, o juiz, a pretexto de despachar, imprime ao seu
ato uma carga de lesividade potencial que permite à parte um recurso preventivo diante da iminência de lesão.
Assim, v.g., em princípio, o ato pelo qual o juiz determina a remessa dos autos ao contador encerra despacho
irrecorrível. Entretanto, se ao despachar o juiz determinar que o contador siga parâmetros contábeis gravosos à parte,
caberá a essa recorrer. É que nesse caso o despacho não será de “mero expediente” o que justificou a mudança de
terminologia legal. Por isso, em linha de princípio, é irrecorrível o ato do juiz, se dele não resulta lesividade à parte.
Por isso, a jurisprudência tem entendido que não cabe recurso do despacho que apenas impulsiona o processo, mas
não resolve questão alguma, v.g., o que defere a petição inicial, determina a juntada de mandato etc. Reversamente,
se o despacho é gravoso, torna-se recorrível, v.g., o que determina o pagamento de taxa superior à implementada sob
pena de extinção do processo; o que indefere pedido do autor para que o juízo o ajude a localizar o réu, através de
ofícios, e o que fixa honorários de perito etc.
Em suma, no quesito cabimento, a lei indica o ato recorrível e o recurso cabível, e exige a adequação, sob pena de
não conhecimento do recurso inadequado.

4.4Inexistência de fato impeditivo do direito de recorrer

A inexistência de fatos impeditivos ao exercício da recorribilidade é requisito de admissibilidade de caráter negativo


do direito de recorrer.
A doutrina do tema aponta a desistência, a renúncia, a aceitação da decisão e a transação acerca do objeto litigioso
como fatos impeditivos do direito de recorrer, decorrentes da preclusão lógica que esses negócios processuais
encerram em confronto com o ônus da impugnação.
A desistência é a revogação da manifestação de recorrer já engendrada. A renúncia antecede a manifestação de
recorrer e a aceitação é o conformismo com o conteúdo da decisão, revelado por atos incompatíveis e sem reservas
(arts. 998,  999  e 1.000  do CPC).
58 59 60

Essas manifestações de disponibilidade quanto ao direito de recorrer independem da aceitação da outra parte, posto
que somente recorre quem sucumbe, o que significa dizer que esses atos consolidam antecipadamente a vitória da
parte contrária. Diferentemente, na ação, a lei exige o consentimento do réu (art. 485, § 4 , do CPC), uma vez que,
o

enquanto pende o processo, perdura a incerteza e não se sabe quem tem razão.
A presença de litisconsortes não torna exigível a necessidade de anuência quanto à desistência dos demais, uma vez
que, sendo “simples” o litisconsórcio, os recursos dos litisconsortes são independentes (art. 1.005 do CPC);  e sendo
61

“unitário”, a desistência de um não se estende aos outros.


Destarte, admite-se a desistência a qualquer tempo antes do julgamento final do recurso, mesmo já iniciado e
proferido o voto do relator, sem a conclusão do julgado.
Deveras, em geral, a desistência do recurso se manifesta por petição escrita, conforme o caso, ao órgão perante o
qual se interpôs ou ao relator do Tribunal, mas nada impede que tal se faça, oralmente, na própria sessão de
julgamento.
A lei, diferentemente do que ocorre com a ação em primeiro grau, não exige expressamente a homologação da
desistência de recurso. Não obstante, nos tribunais, a providência vem prevista e delegada aos relatores dos
recursos, v.g., RISTF, 21, VIII, e RISTJ, 34, IX.
A transação, por seu turno, torna inadmissível o recurso, vez que a decisão tem como conteúdo aquilo que foi ditado
pelas próprias partes que transigiram. Entretanto, vícios formais quanto aos sujeitos da transação ou a vedação à
autocomposição pela indisponibilidade do objeto litigioso podem dar ensejo ao recurso.
Pode ocorrer que as partes engendrem acordo no qual conste a desistência do recurso e, não obstante, esqueçam de
comunicar ao Tribunal. Procedido o julgamento colegiado, é possível desconstituir o resultado por meio do efeito
modificativo dos embargos de declaração.
A doutrina do tema aponta, ainda, a renúncia como fato impeditivo do direito de recorrer, decorrente da preclusão
lógica. Por isso que a renúncia antecede à manifestação de recorrer revelando-se ato incompatível com a intenção de
impugnar o julgado. Em consequência, a renúncia torna inadmissível o recurso impondo o seu não conhecimento.
Considere-se, outrossim, que inexiste, no nosso ordenamento, renúncia à pretensão recursal, anterior ao ato judicial
possível de impugnação. Isto porque, sustenta-se que antes do surgimento do direito de recorrer, com o advento da
sentença lesiva, a parte não pode renunciar quanto a um direito que ainda não tem. A regra do litisconsórcio aplicável
à desistência estende-se à renúncia.
A aceitação da decisão é o último fato impeditivo do direito de recorrer, decorrente da preclusão lógica.
Revela-se pelo conformismo com o conteúdo da decisão, depreendido por ato incompatível e sem reservas. Assim, a
parte, ao cumprir o julgado, faz desaparecer o interesse processual no recurso; no mesmo diapasão, considera-se
como aceitação da decisão: o pagamento do débito, o acordo superveniente, a desocupação do imóvel na ação de
despejo etc. De toda sorte, na dúvida, deve-se entender que não houve aquiescência. Assim, é clássica a afirmação de
que o cumprimento de liminar deferida não é incompatível com a vontade de recorrer, porquanto o que há na
hipótese é atendimento à decisão judicial de natureza mandamental.

4.5Tempestividade

A tempestividade do recurso é o requisito que, mercê de considerar a necessidade de se propiciar ao vencido um


prazo razoável para preparar a sua impugnação, pondera, também, quão imperiosa é a consolidação do julgado em
prol da segurança social.
Os prazos recursais são, assim, mais extensos ou menos exíguos, conforme as impugnações ocorrem antes ou após a
definição dos litígios. Contudo, observou-se no ordenamento atual uma necessidade de uniformização dos prazos
para recorrer, de modo que afirma o art. 1.003, § 5º, CPC, que “excetuados os embargos de declaração, o prazo para
interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias”. 62

Destarte, o lapso de tempo de que dispõe o recorrente inicia-se a partir do momento em que ele toma conhecimento
da decisão. Assim se a decisão é proferida em audiência, à qual o recorrente “está presente” ou “deveria estar”, é
desse momento que se inicia o referido prazo para recorrer – exceção feita, pela jurisprudência, às partes que
dispõem da prerrogativa da intimação pessoal (Fazenda Pública, Ministério Público e Defensoria Pública). Ao revés,
se a sentença é proferida fora da audiência, a parte necessita conhecê-la para impugná-la, e esse desígnio é alcançado
mediante a “intimação do julgado”, via publicação no Diário Oficial ou contato espontâneo da parte com o decisum,
através de “vista em cartório” ou via consulta no portal eletrônico.
Nesse particular, resta evidente que, se para o ato mais importante do processo, que é a citação, a comunicação pode
ser dispensada, se a parte comparece espontaneamente aos autos, a fortiori, dispensa-se a intimação da decisão, se o
interessado comparece à serventia judicial e cientifica-se do julgado. Sob esse ângulo, dispõe o CPC que o prazo de
interposição do recurso contar-se-á da data da leitura da sentença em audiência ou da intimação das partes, quando
aquela não for proferida em audiência (artigo 1.003, caput e § 1º, do CPC). 63

Comprova-se o ingresso tempestivo do recurso mediante a data do seu ingresso no protocolo, na secretaria, conforme
disponha a organização judiciária, ou em central de recebimento de petições (protocolo integrado), em geral, na
primeira ou na segunda instâncias.
Os prazos recursais são, em regra, peremptórios. Não obstante, o próprio Código admite que se recomece o seu
curso, restituindo-se integralmente o mesmo aos sucessores da parte, em caso de falecimento desta ou de seu
procurador, ou se ocorrer motivo de força maior (art. 1.004 do CPC).  Há também fatos que implicam a suspensão
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do prazo (art. 221 do CPC),  hipótese em que se restitui, apenas, o prazo que faltava correr, quando da ocorrência do
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evento suspensivo.
Insta observar quanto aos prazos em si, as prerrogativas processuais dos arts. 180, 183 e 186 do CPC, bem como as
contempladas aos litisconsortes com diferentes procuradores que também dispõem de prazo em dobro para recorrer
em caso de processos físicos (art. 229 do CPC). Havendo litisconsórcio entre sujeitos com prerrogativas diversas e
com diferentes procuradores, cada um terá o seu prazo em dobro, de sorte que o particular jamais disporá do prazo
duplicado da Fazenda Pública, senão de “seu próprio” multiplicado por dois.
O critério de contagem do prazo implica excluir-se o dia do início e incluir-se o dia final, sendo certo que os prazos
só se iniciam e somente se encerram em dias úteis, no horário do expediente forense de cada unidade da Federação
(art. 224 do CPC).  Destarte, de acordo com o entendimento predominante nos tribunais, o prazo para recorrer só
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começa a fluir com a publicação (das conclusões) do acórdão no órgão oficial, não servindo de termo inicial a mera
notícia do julgamento.
De todo modo, há muito, mister ressaltar, restou superado o entendimento de que não são passíveis de serem
conhecidos recursos interpostos antes da publicação do ato judicial. O legislador fez questão de deixar clara a
tempestividade de tais impugnações (art. 218, § 4º). O justo impedimento, casuisticamente analisado, autoriza a
transposição do prazo recursal. Essa regra in procedendo constitui direito da parte diante da ocorrência dos fatos
mencionados na lei. Assim, v.g., se houver greve bancária ou dos serventuários, ou outros fatos impeditivos à
apresentação do recurso no prazo legal, é direito da parte a reabertura de prazo pelo tempo que faltava, o qual
começará a correr novamente da sua intimação.
A causa suspensiva suspende o prazo in re ipsa, tal como na suspensão do processo, muito embora denunciada
posteriormente em juízo. Assim, v.g., a morte do advogado suspende automaticamente o decurso do prazo para
recorrer, muito embora a prova do fato se realize posteriormente (art. 313, I, do CPC).
Nesse caso é assente que, havendo mais de um advogado na procuração, o dispositivo não incide inexoravelmente.
Isto porque, tratando-se de preceito excepcional posto suplantar requisito de admissibilidade, as causas suspensivas
devem ser interpretadas restritivamente. Por essa razão, tem-se que não se deve conhecer de recurso interposto fora
de prazo em que o advogado alega que a empresa, encarregada do serviço de leituras do Diário da Justiça, não lhe
remetera o recorte contendo a intimação. Ainda sob a ótica restritiva, não ocorre o direito à restituição de prazo se,
no transcurso deste, o advogado substabelece a procuração a outro. É que, nessa hipótese, mantém-se o
substabelecente responsável, pela mesma razão prevista no artigo 112 do CPC.
O reconhecimento do justo impedimento e sua decretação deve ser impugnado pela parte contrária, sob pena de
preclusão.
Diversa é a hipótese em que a intempestividade não é detectada num primeiro momento. Nesse caso, muito embora o
recorrido tenha interesse na inadmissão do recurso do recorrente vencido, e por isso deve suscitar a preliminar de
intempestividade do recurso, nas suas contrarrazões, o tribunal deve, de ofício, declarar a falta do requisito de
admissibilidade, porquanto a intempestividade seja matéria de ordem pública. Por isso que incide em error in
procedendo o tribunal que inadmite recurso tempestivo ou o admite fora do prazo.
Essa violação da Lei Federal, in casu o CPC, implica o cabimento do recurso especial. Entretanto, impõe-se ter em
mente que o reconhecimento de obstáculo ao curso do prazo recursal, certificado pelo escrivão, esbarra na Súmula nº
7 do STJ, que veda a apreciação de matéria fática na via do recurso especial.
Algumas questões recentes têm desafiado a jurisprudência em face das novidades legais e das divergências atuais.
Um primeiro ponto interessante se refere à comprovação de feriado local, enquanto causa de dilação do prazo
recursal. Entendem os tribunais superiores que, por expresse desejo do legislador, cabe ao recorrente demonstrá-lo na
data da interposição (art. 1.003, § 6º), sendo inviável a abertura de prazo ulterior para tanto .
67

Dúvidas foram suscitadas quanto aos recursos endereçados por “sedex”. Nesse particular, a jurisprudência tem
respondido que, nesses casos, a tempestividade é aferida pela efetiva apresentação no protocolo do Tribunal .68

Outro tema de relevo pertine à tempestividade recursal diante de mero “pedido de reconsideração” da parte.
A praxe judiciária indica quão frequentes são os casos em que a parte irresignada contra decisão judicial pleiteia a
reconsideração ao juízo prolator da decisão. Entretanto, uniformizou-se o entendimento de que “o pedido de
reconsideração não interrompe nem suspende o prazo para a interposição do recurso cabível” . 69

Na prática, a parte pode requerer, ao mesmo tempo, reconsideração e, se não for atendida, que sua petição seja
recebida como recurso, hipótese em que o mesmo não fica prejudicado. Entretanto, pela sistemática processual, nem
sempre é possível pedir reconsideração e, na mesma petição, agravar de instrumento, porque o pedido primeiro é
dirigido ao juiz e, o agravo, ao relator em segundo grau de jurisdição.
Uma última palavra a respeito do “erro de endereçamento do recurso”. Em regra, os recursos são interpostos no
juízo a quo para o juízo ad quem. Nesses casos, a jurisprudência, atenta mais à tempestividade do que aos defeitos na
interposição, vem consagrando que o endereçamento ao juízo diverso daquele que presidiu o processo não acarreta a
perda do prazo do recurso em face da eminência do direito de recorrer.

4.6Preparo do recurso

A razão de ser do “preparo” dos recursos é simples: assim como as causas em primeiro grau acarretam, em regra, o
pagamento de custas processuais, por força da movimentação dos serviços judiciários, idêntica razão impõe o
pagamento do processamento recursal. O preparo deve abranger “as custas devidas ao STF, bem como as despesas
de remessa e retorno dos autos” além das custas devidas à Justiça local, se for o caso. Naturalmente, em sendo
eletrônicos os autos, dispensado estará o pagamento do porte de remessa e retorno (art. 1.007, § 3º).
Esse ônus financeiro é dispensado, por razões óbvias, aos beneficiários da justiça gratuita, ao Ministério Público e às
Fazendas Públicas Federais, estaduais e municipais, aí compreendidas as autarquias (art. 1.007, § 1º, do CPC). 70
Assim como a tempestividade firma-se pelo ato de protocolizar o recurso no prazo, o preparo efetiva-se “no ato de
interposição” da impugnação, devendo a guia comprobatória acompanhar a peça de recurso (art. 1.007,  caput, do
CPC).
A falta de preparo acarreta a sanção da deserção, com o consequente não conhecimento do recurso e se caracteriza
pelo inadimplemento total ou parcial das custas respectivas. A insuficiência no valor do preparo implicará deserção,
se o recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco dias (art. 1.007, § 2º, do CPC).
Atualmente, o entendimento que se positivou no atual Código é de que a insuficiência de preparo é vício sanável em
cinco dias pelo recorrente, não importando imediata deserção, conforme os §§ 2º e 7º do art. 1.007, CPC. De fato,
não pode este ser argumento para que os tribunais se obstem a julgar o mérito dos recursos, de maneira que o
dispositivo do Código está de acordo com a garantia de prestação jurisdicional e combate a jurisprudência defensiva
que por vezes se ergue nos tribunais brasileiros.
Por outro lado, mesmo a absoluta falta de recolhimento de preparo não enseja imediato comprometimento do
recurso, cabendo seu recolhimento, em dobro, após intimação na pessoa do advogado (art. 1.007, § 4º). Nesse caso,
em sendo parcial o pagamento, não será aberta oportunidade de complementação (art. 1.007, § 5º).
O justo impedimento permite a interposição com preparo a posteriori, como ocorre, v.g., se há greve no
estabelecimento bancário encarregado do recebimento das custas. Sem prejuízo, pode haver, ainda, “relevação da
deserção”, provado o justo impedimento, mesmo após negado seguimento ao recurso, porquanto é retratável o juízo
de admissibilidade pelo juízo a quo e pela instância ad quem.
Alguns fatos de cotidiana ocorrência na prática judiciária têm justificado a relevação da deserção. Assim, tem-se
afirmado que o preparo pode ser efetuado enquanto durar o expediente forense, estabelecido pela lei de organização
judiciária, sendo irrelevante o horário que regula o funcionamento dos estabelecimentos bancários. Em
consequência, encerrando-se o expediente do banco antes do previsto em lei processual, tem-se como tempestivo o
preparo realizado no dia útil imediato. Em posição diametralmente oposta, colocavam-se os que sustentam que o
horário do encerramento do expediente bancário é o adequado para o preparo posto do conhecimento de todos.
Matéria de especial regulação pertine aos recursos endereçados aos Tribunais Superiores. A jurisprudência do STF é
no sentido de que não basta a intimação do deferimento do recurso extraordinário, para que se possa, da parte
recorrente, exigir o preparo no prazo legal. É necessário, além disso, que ela seja intimada, especificamente para
efetuá-lo .
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4.7Regularidade formal

Os recursos, conforme a sua espécie, reclamam forma específica. Assim, v.g., o agravo de instrumento exige em sua
formação a inclusão de peças obrigatórias. Os embargos de declaração impõem ao recorrente a revelação dos pontos
a aclarar. A apelação interpõe-se por petição escrita, onde a parte deve formular o pedido de nova decisão, uma vez
que na instância superior também vigora o princípio dispositivo, sob o pálio da máxima tantum devolutum quantum
appellatum.
Recurso interposto em desobediência à forma legal é recurso inadmissível.  Entretanto, em face do princípio da
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instrumentalidade das formas, vem-se sufragando entendimentos flexíveis à superação de toda falha formal até o
julgamento da impugnação, ressalvadas as instâncias superiores que sequer admitem a instrução de peças faltantes
(Súmula 315 do STJ) mercê de além das peças legais exigirem aquelas necessárias à compreensão da controvérsia. 73
O Código quis esclarecer que os vícios atinentes à regularidade formal são sanáveis, em cinco dias, cabendo ao
relator abrir prazo para que o recorrente ultrapasse a barreira (art. 932, parágrafo único). Por outro lado, nos recursos
interpostos para o Supremo Tribunal Federal ou para o Superior Tribunal de Justiça, caberá ao tribunal desconsiderar
o vício ou determinar sua correção, desde que não o repute grave (art. 1.029, § 3º ). Tais prerrogativas, na visão dos
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tribunais superiores, não atingem a comprovação do feriado local, enquanto causa de dilação do prazo recursal,
cabendo ao recorrente demonstrá-la na data da interposição . 75

5.EFEITOS DOS RECURSOS

5.1Efeito devolutivo

O principal efeito dos recursos, extraído da exegese a contrario sensu do disposto no art. 502  do CPC, é o
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de impedir o trânsito em julgado da decisão. No nosso sistema, todos os recursos, inclusive o recurso extraordinário,
visam a que o ato decisório não se torne imutável e indiscutível. Essa é a razão pela qual, nas impugnações, se
pleiteia uma nova decisão. Não obstante seja esse um efeito constante, os recursos ainda apresentam dois efeitos
característicos: o devolutivo e o suspensivo.
O efeito devolutivo importa devolver ao órgão revisor da decisão a matéria impugnada nos seus limites e
fundamentos. Toda questão decidida tem uma extensão e suas razões. Em face do princípio do duplo grau, o órgão
revisor da decisão deve colocar-se nas mesmas condições em que se encontrava o juiz, para aferir se julgaria da
mesma forma e, em consequência, verificar se o mesmo incidiu nos vícios da injustiça e da ilegalidade.
Por essa razão, e para obedecer a essa identidade, é que se transfere ao tribunal (devolve-se) a matéria impugnada
em extensão e profundidade. A extensão compreende a própria impugnação. Assim, como o recurso pode ser parcial
ou total, de acordo com o conformismo ou não do recorrente, estabelecem-se os limites dentro dos quais o tribunal
vai trabalhar. Aplica-se ao órgão ad quem o princípio da adstrição, segundo o qual não lhe é lícito ultrapassar os
limites da impugnação. Desta sorte, sendo parcial o recurso, não pode o tribunal invadir a parte não recorrida.
Assim, v.g., se a parte pleiteou duas prestações e somente obteve uma delas, o órgão superior fica adstrito à análise
dessa parcela, sendo-lhe vedado sequer conhecer da outra, a cujo respeito a decisão transitou por força da sua
inimpugnabilidade. O mesmo raciocínio engendrava-se quando a decisão era terminativa, confinando-se na extinção
sem mérito a matéria impugnada, cenário excepcionado pelo § 3º do artigo 1.013 do CPC.
A extensão dessa transferência, característica do efeito devolutivo, importa que a devolução tenha como limite o
próprio objeto da impugnação. Esse princípio vem explicitado ao longo da história processual, através da
máxima tantum devolutum quantum appellatum, expressa no art. 1.013, caput, do CPC. 77

5.1.1Efeito devolutivo e reformatio in pejus

Decorrência do efeito devolutivo é a proibição de inovar-se no juízo do recurso, bem como a de conferir-se ao
único recorrente uma decisão mais desfavorável do que aquela obtida em primeiro grau e submetida a reexame: é a
denominada proibição da reformatio in pejus.
Quanto ao primeiro aspecto da vedação à inovação (jus novorum), a sua justificativa obedece a um dos aspectos da
devolutividade, que impõe ao tribunal colocar-se nas mesmas condições em que se encontrava o juiz ao decidir, para
aferir-lhe os errores in procedendo e in judicando. Tudo deve se passar como na primeira instância, pois, do
contrário, não se pode conferir se o juiz, trabalhando com elemento novo, também decidiria de forma diversa. Essa
regra comporta a exceção da “força maior”, comprovada e submetida a “contraditório” (art. 1.014 do CPC)  Assim,
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pode-se afirmar que a “instância superior é de controle da decisão” e não de “criação de uma nova causa”. Prestigia-
se o julgamento de primeiro grau, submetendo-o a uma revisão e não a um novo juízo. Em consequência, consoante
assentado, em sede doutrinária clássica, o princípio aplicável sob esse ângulo é o da  revisio prioris instantiae, em
contrapartida ao novorum iudicium. 79

A proibição da reformatio in pejus, não obstante não seja textual, infere-se da regra da adstrição à devolutividade do
recurso. Assim, se o tribunal somente pode conhecer a matéria impugnada, de certo o único recorrente não pediria,
até por falta de interesse de agir, que a decisão lhe fosse mais desfavorável, recorrendo apenas daquilo que lhe
agravou. Logo, o máximo que o tribunal pode decidir é que o recorrente não tem razão, mantendo a decisão
recorrida, sem impor ou retirar algo que a torne mais onerosa. Assim, v.g., se A recorre da decisão que lhe concedeu
apenas a prestação X, tendo formulado pedido cumulativo de X + Y + Z, não é lícito ao tribunal, ao se pronunciar
sobre a pretensão quanto às prestações remanescentes (Y e Z), retirar X acerca da qual não houve recurso da parte
contrária. Idêntico raciocínio aplica-se se o locatário recorre de uma decisão concessiva de despejo e o tribunal, ao
negar provimento ao seu recurso, impõe-lhe uma multa do contrato negada em primeiro grau e tornada irrecorrida
por inércia do autor locador.
Conforme se verifica, o instituto da reformatio in pejus é consectário do princípio da personalidade dos recursos,
diverso do que se constata ao longo da história processual, em que as impugnações representavam, primeiramente,
um remédio comum de conjuração dos vícios da sentença, de tal sorte, que não influía a iniciativa do recurso para
implicar uma reforma em favor de qualquer das partes. Posteriormente, passou-se à concepção da  personalização da
impugnação, segundo a qual cada parte deveria interpor o seu recurso independentemente, ainda que recíproca a
sucumbência (art. 997, caput, do CPC). Neste fenômeno da recíproca sucumbência, também se deve observar a
proibição da reforma para pior em desfavor do único recorrente, porquanto a outra parte nem sempre recorre, e
mesmo quando adere, nem por isso afastado fica o risco da reformatio in pejus, posto que a adesão pode deixar de
fora uma parte da decisão recorrível. Assim, no exemplo acima citado, se o autor recorresse apenas de Y e o réu B
impugnasse a parcela X, não se revelaria lícito ao tribunal, a pretexto de prover o recurso de A, conceder a parcela Z.
Ocorreria in casu violação à vedação à reformatio in pejus, infringindo a regra de que a devolução deve ter como
limite a impugnação.
Aspecto singular pertine aos fundamentos de que o tribunal se utiliza para apreciar o recurso e as questões que o juiz
enfrentou. Em princípio, poder-se-ia afirmar que o órgão ad quem trabalha com o mesmo material analisado pelo
juiz a quo.
Devolve-se a causa tal como tratada na primeira instância. Entretanto, a devolutividade do recurso, conquanto
instituto processual, sofre a influência dos princípios norteadores do sistema. Assim é que a economia processual,
que tantas repercussões exerce em diversas passagens de nossa ordenação, volta a ocupar lugar na sistemática
recursal. É que, debatida a causa na primeira instância, pode ter havido lacunas. Em nome do princípio acima, não se
recomenda que a causa retorne ao primeiro grau. Permite-se que o tribunal conheça da matéria omitida, desde que
não se trate de pedido não julgado ou exceção material não apreciada. O princípio da economia processual
recomenda que o tribunal aprecie matérias discutidas ainda que não resolvidas, até porque o duplo grau, de uma
forma ou de outra, privilegia o julgamento da segunda instância.
Entretanto, em nome desses princípios, não se autoriza que um pedido ou uma exceção material sejam julgados, de
início, na instância ad quem, posto a isso equivaleria violação do princípio do duplo grau de jurisdição. Entretanto,
não se tratando de pedidos e sim de fundamentos do pedido ou da defesa, a devolutividade é ampla, transferindo ao
tribunal tudo quanto foi discutido ou que não o foi, mas poderia tê-lo sido, posto matérias conhecíveis de ofício.
Assim, é lícito ao tribunal conhecer, para seu julgamento, ainda que o juiz  a quo não o tenha feito, uma questão
preliminar sequer suscitada na primeira instância ou a “decadência”, que é matéria alegável a qualquer tempo, por
força de regra de direito material. Essa cognição ampla em profundidade em nada infirma o princípio da devolução,
porquanto, respeitados os limites da impugnação em extensão, é ampla a profundidade dessa devolução, de maneira
que se permite ao órgão ad quem justificar o seu julgado através de fundamentos suscitados ou suscitáveis na
primeira instância.
Sob outro ângulo, se a decisão omitiu-se em relação a qualquer desses fundamentos, nem por isso a causa deve
retornar para que o juiz os aprecie. O próprio tribunal pode conhecê-los e considerá-los ao apreciar o recurso. Nesse
sentido, a lei é clara e didática, porquanto, após definir os limites da devolução pelos limites da impugnação (art.
1.013, caput, do CPC), autoriza o tribunal a invadir todos os fundamentos suscitados e discutidos na primeira
instância, ainda que a decisão inferior não os tenha enfrentado por inteiro. Contenta-se o legislador que os mesmos
tenham sido suscitados e discutidos, não obstante omisso o julgado. E, ainda que não suscitados, porém suscitáveis,
como as matérias oficiosas de mérito ou formais.
Essa técnica legal explica por que o autor vencedor da causa, por um dos fundamentos alegados na sua pretensão,
não precisa insistir no fundamento rejeitado, porquanto o recurso do vencido devolve aquela questão refutada, e que
também sustentava o seu pedido, afinal acolhido por outro fundamento. A falta de seu interesse em recorrer resulta
da devolutividade decorrente do recurso da outra parte.  Assim, v.g., se A promove demanda em face de B e este, na
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contestação, articula uma preliminar e obtém a improcedência do pedido, não precisará insistir na questão formal,
porque o recurso de A devolverá ao tribunal todas as questões suscitadas e discutidas, inclusive a preliminar,
autorizando o colegiado a manter a decisão ou mesmo redefini-la pela preliminar rejeitada.
A única ressalva que se impõe é que, se um dos fundamentos devolvidos automaticamente e não resolvidos na
primeira instância, se acolhido acarretar uma decisão prática em desfavor do único recorrente, essa solução esbarrará
na proibição à reformatio in pejus. Por isso, nesta hipótese, preconiza-se a necessidade de recurso independente ou
adesivo. Assim, v.g., se A promove uma ação de despejo calcada em retomada para uso próprio e falta de pagamento,
e o juiz acolhe a retomada e se omite na falta de pagamento, não pode o tribunal, em função da devolução (art. 1.013
e parágrafos, do CPC), no recurso do réu, manter a sentença corrigindo-lhe a motivação para acolher a falta de
pagamento, porquanto esse fundamento omitido implica autorizar a posterior condenação e execução dos aluguéis
inexistente na primeira decisão. Nesse caso, o julgado de primeira instância manifestamente lesivo ao locador
causou-lhe sucumbência e, nessa parte, se não houve recurso, transitou em julgado.
Diversamente, quando os fundamentos omitidos não apresentam eficácia prática diversa, a devolutividade não sofre
o óbice da reformatio in pejus.
O efeito suspensivo decorre da própria recorribilidade da decisão e não do recurso propriamente dito. O fato
genético-processual de uma decisão submeter-se em potencial a um recurso com efeito suspensivo significa que o
referido ato decisório não produz os seus efeitos, senão superado o prazo recursal sem impugnação ou transitada em
julgado a decisão do recurso.
Uma última palavra merece ser reforçada quanto aos recursos aos tribunais superiores em relação à devolutividade.
Esta pressupõe prequestionamento e pedido de reforma. Ora, se a parte recorrida pretende algo que escapa ao que
consta do acórdão recorrido, porque o mesmo rejeitou, v.g., a preliminar que a parte sustentou, cumpre-lhe oferecer
recurso adesivo, porque a cognição do tribunal superior não é idêntica à realização pela Corte de apelação reiterada.
O recorrido há de aderir através de recurso especial adesivo ou através de recurso extraordinário adesivo.
5.2Efeito suspensivo

A suspensividade, assim, decorre da própria recorribilidade que susta os efeitos da decisão recorrida. É possível
ainda, afirmar-se que, como regra do sistema, todo o recurso tem efeito suspensivo, em consequência da adoção
irrestrita pelo nosso sistema do duplo grau de jurisdição. Destarte, aqui e alhures, vozes abalizadas erguem-se quanto
a essa postura ortodoxa de valorização do julgamento de segundo grau, preconizando uma inversão da regra, para
dotar todas as decisões de efetividade imediata.
Como o próprio termo insinua, trata-se de notável influência do princípio da efetividade, que vem emprestando a
diversos países de matizes iguais ao nosso, a experiência da proliferação da “não suspensividade dos recursos”,
relegando-se ao julgador a avaliação da situação gerada pela decisão recorrida, para ele, então, conferir ou não efeito
suspensivo. Trata-se de técnica da suspensividade ope judicis em contraposição à suspensão ope legis.
O legislador se manteve na postura da manutenção da regra geral, quanto aos casos de não suspensividade, como se
colhe do art. 1.012 do CPC,  no qual, após fixar o princípio geral do duplo efeito dos recursos, enuncia as hipóteses
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de apelação sem efeito suspensivo, a par da disposição constante do art. 995 do mesmo diploma , como regra geral, e
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a do art. 1.012, § 4º , especificamente quanto à apelação. O legislador traz hipótese fundada na evidência


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(probabilidade de provimento do recurso) e de urgência (risco de dano grave ou de difícil reparação),


alternativamente para a apelação; cumulativamente, para os demais recursos.
Entretanto, minimizando o fenômeno, concedeu mais efetividade à execução provisória, modalidade servil às
decisões desafiadas por recursos com efeito suspensivo. Sob essa ótica, há que se considerar que não só as leis
processuais extravagantes também têm seguido a mesma linha de princípio, retirando a suspensividade recursal, v.g.,
a Lei de Locações (art. 58, inciso V,  da Lei nº 8.245/91), emprestando notável prestígio às decisões de primeiro grau
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como também desde a reforma referente ao cumprimento da sentença que transfigurou a execução provisória em
definitiva, extirpando a incongruência de a tutela antecipada representar mais do que a vetusta execução provisória
da sentença, além de prestar maior efetividade a essa modalidade de satisfação do julgado. Hodiernamente,
provisória é a decisão, instável mesmo, porque a execução por cumprimento pode alçar a satisfatividade plena, como
se colhe do art. 520 e seus parágrafos.  Por oportuno, reforçou--se a técnica da suspensividade ope judicis,
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permitindo ao relator, diante do perigo de demora, conceder suspensividade a essa espécie de impugnação, à
semelhança das disposições regimentais do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça.
Critérios múltiplos levam o legislador a retirar a suspensividade recursal das decisões. Poder-se-ia, sinteticamente,
afirmar que a supressão do efeito suspensivo decorre de decisões, que, se não forem eficazes de imediato, podem
gerar perigo para o direito da parte. Assim, v.g., a suspensividade do agravo decorre do risco de dano iminente ao
direito da parte; a suspensividade da apelação, quando se trata de decisão cautelar decorre do  periculum in mora, a
não suspensividade da condenação à prestação de alimentos é consequência de os mesmos serem necessarium vitae.
Diversamente, não se confere suspensividade nos casos de liquidação e rejeição dos embargos, porquanto esses
processos baseiam-se em direitos acertados previamente em título judicial ou extrajudicial, revelando,  prima facie, o
direito evidente do exequente em confronto com a aparência de um recurso abusivo.
A não suspensividade permite a produção de uma eficácia mitigada da decisão, quando há recurso pendente. Não se
trata, portanto, de decisão imutável, podendo vir a modificar-se em grau recursal. Exatamente porque passíveis de
modificação, mas já produtoras de efeitos, essas decisões comportam certos estágios de implementação que,
evidentemente, não podem alcançar níveis irreversíveis, porque não cobertas pelo selo da verdade eterna da coisa
julgada. Diz-se, então, que a parte favorecida por essas decisões cujos recursos não têm efeito suspensivo
pode adiantar atos de execução. Deveras, a execução provisória (art. 520 do CPC) implica responsabilidade, risco do
exequente posto que está obrigado a iniciá-la, podendo se obrigar a reparar os danos que o executado sofra, se a
sentença for reformada.
A execução provisória implementada ainda na vigência do Código de 1973 alcançou notável grau de satisfatividade,
escapando, assim, das severas críticas de outrora, que a entreviam como um “nada jurídico”. Realmente, o exequente
quase nenhuma utilidade retirava de sua pressa em tornar realidade provisória a sentença condenatória favorável.
Destarte, o legislador brasileiro acompanhou o movimento atual dos vários sistemas processuais de matiz romano-
germânico, que passaram a consagrar a execução apenas provisória pela decisão que a fundamenta e não mais pelos
atos executivos praticados.
Forçoso, convir, assim, que a parte favorecida por essas decisões, cujos recurso não têm efeito suspensivo, pode
adiantar atos de execução. A realidade como visto é que por força dos noveis arts. 520 a 522 do CPC , a execução
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provisória faz-se da mesma forma que a definitiva. Em consequência, o exequente assume responsabilidade objetiva
pelo risco judiciário, posto que não está obrigado a iniciar a execução provisória, podendo aguardar o trânsito da
decisão, para engendrar, com a luz da certeza, a execução definitiva.

II
A ORDEM DOS PROCESSOS NOS TRIBUNAIS

1.JURISPRUDÊNCIA, SÚMULA E PRECEDENTES

O CPC de 2015, pela primeira vez, dedicou capítulo próprio para o tratamento a jurisprudência. Na linha do que já se
tem estudado nesta obra, desde muito, o legislador vinha fortalecendo e prestigiando os entendimentos
jurisprudenciais, garantindo que gerassem efeitos processuais, a exemplo do julgamento de improcedência liminar,
aperfeiçoado pelo atual diploma, e das decisões monocráticas de relatores.
A prática tem demonstrado que a dissidência jurisprudencial possui efeitos nefastos, corroendo a isonomia e a
segurança jurídica, valores basilares da Constituição. Diversas são as causas apontadas para a dispersão
decisória, v.g., (i) fatores culturais , (ii) a educação jurídica, desnivelada e calcada no estudo de textos legais e
1

manuais, (iii) a estrutura e organização do Poder Judiciário, que recebe pouca atenção, historicamente, por parte da
doutrina, (iv) a nova técnica legislativa, baseada em cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, de
maneira a acompanhar a rápida evolução social, (v) o controle difuso de constitucionalidade, que, na prática,
significa autorizar que cada julgador defina seu próprio ordenamento jurídico, afastando normas porque
inconstitucionais, e (vi) o neoconstitucionalismo, que insere, no cume do panorama jurídico, valores e princípios,
cuja abstração leva à maior dificuldade de definição de sentidos .
2

O jurisdicionado, recebendo respostas judiciais diversas para casos semelhantes, passa a olhar com desconfiança para
o Judiciário, o que, inclusive, compromete os melhores frutos da pacificação social. Igualmente, há uma crise de
confiança na sociedade, que “‘funciona melhor’ quando uns confiam nos outros e todos confiam no Estado”,
elemento inerente ao Estado de Direito . 3

Por conta disso, o legislador dedicou três artigos a tratar da uniformidade dos entendimentos pelos tribunais, dentro
do título voltado à ordem dos processos (arts. 926 a 928 ). Além disso, faz-se sentir a importância do sistema de
4

precedentes ao longo de todo o Código . 5

Principia a lei obrigando os tribunais a uniformizar sua jurisprudência (art. 926, caput, do CPC). Com efeito, no
cenário constitucional, é injustificável que uma mesma corte possua decisões conflitantes. Impõe-se a
unidade interna corporis. A principal novidade, nesse ponto, é o leque de instrumentos conferidos ao Judiciário para
que alcance tal fim: para além da via ordinária recursal, apresentam-se os incidentes de assunção de competência
(art. 947) e de resolução de demandas repetitivas (arts. 976-987), analisados em tópicos próprios.
Após a uniformização, há que se manter a jurisprudência estável – sem modificações constantes –, íntegra – una – e
coerente – com o dever de autorreferência dos julgadores, tanto sob a ótica horizontal (magistrados que compõem o
próprio tribunal) como vertical (julgadores subordinados ao tribunal que fixou a tese).
O legislador, atento à tradição pátria, faz expressa menção à sumula da jurisprudência de cada tribunal, organizada
em enunciados. Essa compilação, conquanto não seja dotada de natureza jurisdicional, serve como parâmetro seguro
de decisão, bem como de comportamento das partes, em atenção à boa-fé processual. Por isso, na forma prevista no
regimento interno, o tribunal deve editá-la e, ao fazê-lo, preocupar-se com as circunstâncias fáticas dos julgados
antecessores, de sorte a guardar consigo fidelidade com a ratio decidendi .
6

Para além do tratamento da jurisprudência e das súmulas, o Código de 2015 impõe a observância, por todos os
juízes, de certos entendimentos: (i) decisões do Supremo Tribunal em controle de constitucionalidade, até em razão
do efeito vinculante e da eficácia erga omnes estatuídos pela Constituição, (ii) súmula vinculante, também do
Supremo Tribunal Federal e por idênticas razões, (iii) acórdãos em incidentes de assunção de competência e de
resolução de casos repetitivos, assim entendido o gênero composto pelo incidente de resolução de demandas
repetitivas e pelo julgamento de recursos repetitivos pelos tribunais superiores (art. 928), (iv) súmula do Supremo
Tribunal, em matéria constitucional, e do Superior Tribunal de Justiça, em matéria de legislação federal, e (v)
orientações do plenário ou do órgão especial do tribunal. Com algum grau de divergência conceitual na doutrina,
trata-se dos precedentes à brasileira . 7

A norma se reveste de autêntica obrigatoriedade, não soando como meramente retórica ou programática, vez que o
julgador deve observar o princípio de motivação das decisões judiciais (art. 489, § 1º, em especial incisos V e VI ). O
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desrespeito sem demonstração de distinção entre o caso concreto e o paradigma ou de superação do padrão decisório
implica nulidade do pronunciamento judicial.
O inciso VI do art. 489, § 1º, do CPC de 2015, estabeleceu esse sistema de stare decisis ao reputar não fundamentada
a decisão que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem
demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento. De fato, a não
aplicação de precedentes pode ocorrer legitimamente sob a forma de distinção (distinguishing) ou de superação
(overruling). Quando regularmente aplicada, a distinção não configura desrespeito à jurisprudência, mas, sim, a sua
correta hermenêutica, à luz da confrontação com casos concretos subsequentes, que possuam outras circunstâncias
essenciais, que não se identificam ou não se subsumem aos do precedente invocado. Pelo contrário, indicam que o
caso concreto deve ser apreciado sob o enfoque de outros valores ou parâmetros. O distinguishing preserva a
racionalidade dos julgados anteriores, ao mesmo tempo que agrega novas razões, à luz de fatos diferentes
apresentados ao Judiciário. A superação pode decorrer de razões variadas, como a modificação normativa
subsequente, no âmbito constitucional ou infraconstitucional; de novas circunstâncias políticas, econômicas ou
sociais, a ensejar a revisão do precedente diante de realidade diversa da anterior; ou mesmo uma possibilidade de
autocrítica diante da tese fixada no passado, a partir de argumentos surgidos no futuro ou preexistentes.
Um valor-chave para o funcionamento do sistema de respeito à jurisprudência e aos precedentes é o contraditório:
deve sempre ser oportunizada a chance de o litigante apontar a distinção ou superação. Igualmente, há preocupação
central com a boa-fé objetiva no processo: a alteração dos precedentes mencionados no art. 927 pressupõe a
possibilidade da participação de pessoas, órgão ou entidades capazes de contribuir (amici curiae), de audiências
públicas e de amplo debate judicial (art. 927, §§ 2º e 4º). 9

O Código trata expressamente da modulação dos efeitos , prestigiando os particulares e o ente público que tenham se
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portado de acordo com a tese jurídica vigente até então (art. 927, § 3º). Trata-se de uma modalidade de tutela da
confiança do cidadão, contra o Poder Público (Vertrauensschutzgrundsatz) . Afinal, se alguém se comporta de
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acordo com o entendimento que o Estado entendia correto, não poderá se prejudicar por mudanças súbitas. Por isso,
a modulação é não só possível como recomendável, “como autêntica norma de direito transitório ou intertemporal” , 12

enquanto exigência de segurança jurídica.


Por fim, o valor da publicidade deve ser respeitado pelos tribunais, ante a dimensão de importância dos precedentes.
Por isso, indica o legislador que sejam catalogados e organizados, facilitando-se o acesso dos interessados,
preferencialmente pela internet (art. 927, § 5º). Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu,
mediante a Resolução nº 444, de 25 de fevereiro de 2022, o Banco Nacional de Precedentes (BNP), com o objetivo
de ampliar e facilitar o acesso aos precedentes firmados em todos os tribunais brasileiros, bem como o
acompanhamento do andamento de procedimentos voltados para a criação dos precedentes, como as ações diretas de
constitucionalidade e inconstitucionalidade, os recursos extraordinários e especiais repetitivos, os incidentes de
resolução de demandas repetitivas e os incidentes de assunção de competência.

1.1Precedentes e Análise Econômica do Direito 13

À luz da Análise Econômica do Direito, são salutares os instrumentos trazidos pelo Código, na medida em que
promovem balizas mais seguras para a aplicação do direito pelas diversas instâncias do Judiciário, bem como
fomentam um ambiente de maior previsibilidade para os jurisdicionados.
É que, segundo essa escola, a jurisprudência representa um arcabouço jurídico destinado a diminuir a possibilidade
de erros judiciários, reduzindo ônus ligados a limitações de tempo e de expertise dos magistrados. Nesse sentido, um
sistema de precedentes, cuja jurisprudência é íntegra e coerente, estimula também um ambiente de segurança jurídica
para os agentes econômicos.
Ademais, o sistema de precedentes produz um nível de eficiência socialmente desejável não só dentro dos Tribunais,
ao conferir maior racionalidade na atuação dos órgãos jurisdicionais hierarquicamente inferiores, como também
influencia o comportamento extraprocessual dos litigantes. Ao menos no plano ideal, o sistema de precedentes possui
efeito desejável de redução no número de litígios, uma vez que as partes envolvidas em controvérsias cuja solução já
foi pacificada pela jurisprudência são estimuladas a não litigar ante à baixa probabilidade de sucesso na demanda.
Consectariamente, o sistema de Justiça “desincha”, ocupando-se somente com as partes cujos direitos não estão bem
delineados e seguros ante à jurisprudência pacificada no Tribunal.
Em resumo, na linha de Richard Posner e de William Landes, a jurisprudência é tratada pela Análise Econômica do
Direito como um estoque de capital , o qual pode incrementar a eficiência das futuras decisões do Poder Judiciário. É
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papel dos juízes impedir que esse capital se deteriore, adaptando-o às evoluções sociais ao longo do tempo, mas
também formulando precedentes bem fundamentados e os respeitando em julgamentos subsequentes. O magistrado
que decide em desacordo com precedentes, sem observância das regras próprias do overruling, para satisfazer
preferências pessoais, agendas políticas ou até mesmo para que suas habilidades argumentativas ganhem destaque,
ameaça diretamente o capital consubstanciado no arcabouço jurisprudencial.
Quando bem administrado, esse estoque de capital tende a resultar em maior eficiência para o sistema processual
como um todo. Primeiro, porque minimiza o tempo gasto pelos demais magistrados na resolução dos casos, uma vez
vinculados a entendimento já sedimentado, a exemplo de técnicas adotadas no nosso ordenamento (julgamento
liminar de improcedência, afastamento da remessa necessária, julgamentos monocráticos e da tutela de evidência).
Segundo, porque tende a resultar na proposição de menos demandas judiciais. Em sendo possível que as partes
realizem prognósticos prévios sobre suas chances em juízo, a demanda judicial somente será proposta caso a
pretensão esteja em consonância com o entendimento sedimentado pelo Tribunal. Caso contrário, racionalmente,
tratar-se-á de perda de tempo e de recursos financeiros.
Em resumo, para a Análise Econômica, o sistema de precedentes pode maximizar o bem-estar social da comunidade
na medida em que sedimenta entendimentos, conferindo maior segurança jurídica para os operadores do Sistema de
Justiça.

2.PROCEDIMENTO NO TRIBUNAL

2.1Registro e distribuição

Remetidos os autos à instância superior, os mesmos são registrados no protocolo, onde se verifica a numeração das
folhas antes da distribuição. Nesse momento, impõe-se observar se há outros recursos acerca do mesmo processo,
posto ser tradicional a vinculação do órgão colegiado que já conheceu outros incidentes relativos ao mesmo feito.
Inexistindo vinculação, o recurso é livremente distribuído a um órgão julgador e a um relator. Assim como se
procede na primeira instância, a distribuição é realizada em respeito ao princípio da publicidade e da alternatividade,
visando a resguardar a paridade de serviço entre os julgadores componentes dos órgãos colegiados. A técnica
utilizada é a do sorteio, excluindo-se os que anteriormente receberam recursos, com o fito de manter a rigorosa
igualdade (arts. 929  e 930  do CPC).
15 16
2.1.1Descentralização dos serviços de protocolo 17

A descentralização dos serviços de protocolo obedece ao postulado do efetivo acesso à Justiça. Aliás, essa ideia está
presente nas regras de competência das ações propostas contra a União Federal, por isso que o jurisdicionado não
precisa deslocar-se à Capital Federal para litigar com a entidade pública maior.
Destarte, a interposição do recurso, hodiernamente, pode engendrar-se por meio de modernas técnicas eletrônicas
(protocolo no sítio eletrônico do tribunal, etc.), por isso que a descentralização do protocolo, que, diga-se de
passagem, já existe em diversas unidades da federação para atender comarcas distantes da capital, agora se estende
aos recursos, afastando a aflição maior dos profissionais do setor quanto à tempestividade das impugnações às
decisões judiciais.
A novel redação relega ao Estado-membro a criação do serviço, como ato de autogoverno da magistratura. É de
sabença comum que todos os tribunais já possuem um sistema modernizado que permite o protocolo eletrônico para
processos mais recentes. Porém, verificam-se ainda processos antigos com autos físicos que demandam o protocolo
físico e, a esses casos, destina-se a regra do art. 929, parágrafo único, CPC. Em se tratando de litígio nos tribunais
superiores, em muito se facilita o acesso das partes à prestação jurisdicional efetiva.

2.2Remessa ao relator

Engendrada a distribuição, o processo é enviado à secretária da Câmara, Turma ou Sessão, imediatamente deve
remetê-lo à conclusão do relator. O relator, como o próprio nome indica, fica incumbido de realizar o relatório, que
servirá de base para o julgamento, por isso da importância desta peça, que deve retratar, com fidelidade, tudo quanto
ocorreu no processo até a sentença, bem como os fundamentos do recurso e das contrarrazões (art. 931 do
CPC ). Mutatis mutandis, esse relatório é idêntico ao da sentença.
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Após a aposição do visto, em regra, os autos são devolvidos à secretaria.

2.2.1Poderes do relator

Direção do processo e homologação da autocomposição

O primeiro “poder” do relator estampado no art. 932 é o de dirigir o processo. Naturalmente, trata-se de
desdobramento do poder de polícia exercido pelo magistrado, a exemplo do que acontece com o juiz de primeiro
grau. Incluída, aqui, está a determinação para produção de prova, quando a lei o autorizar.
A seguir, menciona-se a decisão de mérito que homologa eventuais acordos, manifestações da autocomposição
preconizada pelo moderno Processo Civil, onde se incluem a renúncia do autor, o reconhecimento jurídico do pedido
pelo réu e a transação (art. 487, III).

Tutela provisória recursal 19

A tutela antecipada, instituto inspirado no princípio da efetividade, visa a prestar rápida justiça ao recorrente que tem
razão, ainda que o direito em jogo esteja submetido à cognição dos tribunais.
Deveras, a repressão ao denominado “abuso do direito de recorrer” incluiu-se na ideologia norteadora da reforma que
inspirou o exsurgimento da “antecipação de tutela”. Essa técnica moderna decorre do poder de que é dotado o relator
e a fortiori o colegiado, para negar seguimento ao recurso manifestadamente inadmissível, improcedente ou
contrário aos entendimentos predominantes consubstanciados em súmulas ou jurisprudência reiterada.
Sob essa ótica, e por via oblíqua, o legislador propicia uma rápida solução judicial, obstando que uma parte fique à
mercê da outra, privilegiando o tratamento isonômico-processual das partes e a conduta coram judicem no atuar
jurisdicionalmente.
A fusão desses dois novos objetivos (celeridade e repressão ao recurso abusivo) viabilizou algo que outrora se
observava com mais frequência na instância ad quem, qual seja a concessão de liminares pelo juízo superior. Aliás, o
art. 995, parágrafo único, do CPC admite a concessão de suspensividade ope judicis a recursos dotados de dupla
eficácia, toda vez que se vislumbre risco de dano irreparável .
20

Sob esse último aspecto, de início, a praxe revelou a aplicação tímida e literal do dispositivo, por isso que os órgãos
fracionários dos tribunais se limitaram a sustar decisões passíveis de revisão. Posteriormente, através do papel
criativo da jurisprudência, consagrou-se o efeito ativo dos provimentos de segundo grau, diante da irresignação
quanto aos atos omissivos da primeira instância.
Hodiernamente, os nossos Tribunais vêm praticando os institutos com largueza, ora sustando efeitos das decisões
recorríveis ora concedendo efeito ativo aos recursos. Assente-se que nos Tribunais Superiores é usual a utilização de
“provimentos cautelares” com base em dispositivo regimental (v.g., o art. 288 do RISTJ) para impedir a execução de
decisões sujeitas aos recursos para esses órgãos de cúpula que, tradicionalmente, não ostentam efeito suspensivo.
Acerca dessa prática de diuturno manejo, inúmeras páginas encontram-se lavradas nas obras versantes sobre a tutela
antecipada.
A “questão elegante” que se põe, em verdade, não é a de antecipação consistente nessa estratégia meramente
processual de sustar ou conceder o efeito ativo ao recurso em si, senão de “antecipar a satisfação do pedido no
âmbito dos recursos superiores”.
Consoante é cediço, a antecipação de tutela significa realização antecipada, por isso já se afirmou em “belíssima sede
doutrinária” que na tutela antecipada deferida, o processo começa por onde termina a execução que, como é sabido, é
dotada de satisfatividade plena. Esta é a questão ora suscitada: podem os Tribunais Superiores, o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça conceder a antecipação de tutela com esse espectro de satisfação?
Algumas questões antecedem a conclusão esperada.
Em primeiro lugar, cumpre destacar a hipótese em que o que se pretende é a satisfação antecipada, posto ter sido o
recurso interposto com o fim de obter a providência negada na instância de origem, na premissa do provimento do
recurso especial ou extraordinário. Trata-se, portanto, de pedido formulado pelo próprio recorrente.
Em segundo lugar, forçoso analisar a pretensão, no mesmo sentido, deduzida “pelo recorrido”, posto entender
“abusivo o recurso interposto”.
No primeiro caso, a antecipação da tutela requerida ao relator ad referendum do colegiado dependerá da verificação
da verossimilhança do alegado à luz do contexto recursal.
Poder-se-ia objetar essa possibilidade de antecipação sob o argumento de que a concessão demandaria análise da
“prova inequívoca”, cognição interditada aos Tribunais Superiores que se autolimitaram quanto à apreciação de
elemento probatório em razão da função que os recursos que lhes são endereçados exercem; vale dizer: a manutenção
da inteireza e interpretação do Direito nacional.
Sob esse prisma, é inegável que os Tribunais Superiores, mercê de não empreenderem um “reexame da causa” em
terceiro grau de jurisdição, “julgam-nas” – aliás, como a própria Constituição Federal explicita.
Destarte, a “prova inequívoca” que era exigida, pelo CPC/73, para a antecipação de tutela não é senão a liquidez e
certeza do “próprio direito em jogo”, a “probabilidade de provimento” estampada no art. 995, de aferição exemplar
pelos Tribunais Superiores, porquanto as causas, quando acodem a essas Cortes extraordinárias, já o foram
exaustivamente exploradas e devidamente prequestionadas.
É estreme de dúvidas de que a exaustão processual cognitiva a que se submetem as causas antes da chegada do
recurso aos Tribunais Superiores revela elemento positivo, qual seja a “apuração da juridicidade” do que se está
discutindo. Ademais, pela eminência, experiência e cultura de seus membros integrantes, não há órgão julgador mais
adequado à verificação do direito escorreito e procedente do que as Cortes Maiores. E este é o pressuposto
inafastável da antecipação de tutela. Imperioso, ainda, assentar que afrontaria à lógica jurídica, elemento inseparável
da hermenêutica, admitir-se ao juiz de primeiro grau antecipar tutela e vetá-la aos mais eminentes Tribunais
Superiores do país.
A segunda indagação parece instigar questões mais delicadas porquanto o pleito de antecipação, em princípio, é obra
do recorrente.
Mas a questão que agora se suscita é outra: pode o recorrido pleitear, também, a antecipação, calcado na premissa do
desprovimento do recurso?
A questão deve ser analisada sob o mesmo prisma da prova inequívoca da verossimilhança do direito sub judice.
Revela-se possível que o recorrido, depois de obter sucessivas vitórias na justiça local, aguarde a remessa dos autos
aos Tribunais Superiores para só então pleitear a antecipação.
Considerando-se que tutela antecipada é sinônimo de satisfação antecipada, tem-se que se vitorioso na instância
última, o recorrido poderá promover a execução. Ora, se a execução é de sua iniciativa, a antecipação de seus
resultados também pode sê-lo, e a sede própria para isso, estando o processo nas Cortes Superiores, é o Tribunal
maior.
É de somenos o fato de que o recorrido poderia ter pleiteado na instância de origem uma “execução provisória” que,
como se sabe, diante de todas as limitações existentes até então, não apresentava a mais tênue utilidade. Aliás,
afirmou-se com autoridade insuperável que a execução provisória era um “nada jurídico”, não se extraindo qualquer
proveito desse adiantamento levado a efeito pelo vencedor de demanda. Não é por outra razão que as reformas
europeias, bem como da nossa legislação (art. 520 do CPC), passaram a admitir a “execução completa com base em
decisão provisória”.
Ademais, conceder-se antecipação ao recorrente e vetá-la ao recorrido implica violação ao princípio da isonomia,
sem prejuízo de conspirar contra um dos cânones da reforma processual qual o de “reprimir o abuso do direito de
recorrer”.
Por fim, a possibilidade de concessão antecipatória nos Tribunais Superiores desestimula os recorrentes abusivos,
que através de longa postergação do direito do vencedor, logram arrancar-lhe indesejáveis concessões, mercê da
lesão causada pelo próprio tempo de duração do processo até que advenha a satisfação judicial.
Reconhecida a antecipação como instrumento de efetividade da prestação judicial, técnica capaz de vencer a tão
decantada morosidade da justiça que afronta os mais comezinhos direitos fundamentais da pessoa humana, nada mais
apropriado que a delegar aos Tribunais Superiores, os quais, mantendo a inteireza do Direito nacional, logram carrear
para o poder a que pertencem o prestígio àqueles que, consoante as sagradas escrituras, têm o sumo sacerdócio de
saciar os que têm sede e fome de Justiça.
Uma última questão que deve ser abordada an passant é que, conferir efeito suspensivo ao recurso não é o mesmo
que conceder tutela antecipada, erronia que pode inclusive conduzir o órgão monocrático a quo a invadir a
competência de outro tribunal, sujeitando-o à reclamação, v.g., o Vice-Presidente que a pretexto de dar efeito
suspensivo ao recurso especial antecipa a tutela recursal invadindo a esfera do STJ.
Consoante a doutrina do tema  aplica-se a esse ato do relator o regime do agravo interno do art. 1.021 do CPC, aliás,
21

o que vem sendo consagrado pela prática judiciária e pelos regimentos dos tribunais.
Assim, deferido ou indeferido o efeito pretendido pelo recorrente, abre-se-lhe a via do agravo interno.
Especificamente quanto ao recurso de agravo, é da tradição das decisões agraváveis a produção imediata dos seus
efeitos, tanto que o art. 995, caput, do CPC esclarece que, em regra, o agravo não susta o andamento do processo.
O legislador, entretanto, seguindo os moldes de nossos matizes europeus, inaugurou a técnica da concessão  ope
judicis de efeito suspensivo aos recursos. Assim, verificando o juiz que da decisão pode resultar lesão grave e de
difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, pode suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento
definitivo da turma ou câmara.
Da mesma forma como o relator pode sustar decisão lesiva, pode conceder efeito ativo diante da omissão do juiz a
quo.
Destarte, o art. 1.018 do mesmo diploma informa que o agravo comporta retratação. Em face desse aspecto, diz-se
que o recurso de agravo, em princípio, “não tem efeito suspensivo”, apresentando, outrossim, “efeito devolutivo
diferido”.
A não suspensividade sempre foi a regra do agravo, porquanto as decisões interlocutórias versam, em princípio,
questões internas e formais, e que por isso não devem impedir a marcha do processo.
O fato de a interposição do agravo não impedir o andamento do processo permite a prolação, inclusive, de sentença.
Nesse caso, pode ocorrer que o acolhimento de agravo represente uma prejudicial em relação à sentença. Nessa
hipótese, se o agravo for provido, ficará sem efeito tudo quanto tiver ocorrido posteriormente à sua interposição e
que seja incompatível com o seu acolhimento.
Outrossim, o legislador brasileiro, na esteira das grandes ordenações, instituiu o efeito suspensivo ope judicis,
admitindo que o relator do recurso confira, ao mesmo, suspensividade até o pronunciamento do colegiado (art. 995,
parágrafo único, do CPC).
Observado o dispositivo com a atenção que requer, conclui-se tratar-se de poder conferido ao relator, assemelhado
àquele que se defere ao juiz para a concessão da antecipação de tutela, tanto que se exige possibilidade de dano
irreparável e relevante fundamento (segurança e prova inequívoca).
Resulta da combinação do caput com o parágrafo que, em todos os casos de agravo ou de apelação no efeito apenas
devolutivo (art. 1.012), o relator pode dar efeito suspensivo ao recurso, desde que seja relevante o fundamento
invocado (de sorte a haver probabilidade de provimento recursal) e da execução possa resultar lesão grave e de difícil
reparação. Nos casos textuais de prisão civil, adjudicação, remição de bens e levantamento de dinheiro sem caução
idônea, a lesão grave e de difícil reparação está in re ipsa, dependendo apenas que se verifique o requisito da
fundamentação relevante, para que o relator conceda efeito suspensivo ao recurso.
Essa fisiologia do agravo aproxima-se dos efeitos alcançados outrora pelo mandado de segurança; por isso, a prática
judiciária revelou um decréscimo de interposição dos remédios heroicos em detrimento de um número expressivo de
agravos. Isto porque com a previsão do efeito suspensivo ou ativo do agravo, o mandado de segurança com o escopo
de sustar a decisão judicial ou extrair dela eficácia positiva, só é admissível após o indeferimento do pedido a que se
refere o mencionado art. 995, parágrafo único, do CPC.
A técnica exsurgindo urgência viabiliza o agravo com pedido de suspensividade, quando o juiz defere liminar
cautelar ou satisfativa, bem como quando a denega, caso em que se reclama ao relator, em antecipação de tutela, a
prática do ato sonegado.
A suspensividade do agravo estende-se também à modalidade da retenção; por isso, antes do julgamento da apelação,
é possível a formulação do pedido “ao relator”. Na primeira instância, posto encerrar verdadeira contradição pedir a
suspensão da decisão ao juiz e manter retido o recurso, é inaplicável à sistemática acima. Deveras, não se pode
olvidar a possibilidade ulterior de surgimento de situação de urgência a atingir o agravante, que preferiu num
primeiro momento a retenção de pleitear a tutela antecipada. Afinal, mesmo com a retenção, o agravante impediu a
preclusão.
A suspensividade concedida pelo relator pressupõe “requerimento da parte”. Em consequência, nem o juiz, nem o
relator do agravo podem sustar de ofício a execução da decisão ou da sentença qualquer que seja o rito e o direito
discutido.
O mesmo poder atribuído ao relator do agravo é concedido ao relator da apelação.
A diferença, no vetusto Código, era que o agravo se interpunha diretamente no tribunal – o que se manteve –, ao
passo que a apelação só chegava ao relator depois do processamento do recurso, em primeiro e segundo graus de
jurisdição. Nesse interregno, poderia surgir prejuízo de difícil reparação à parte.
O Código de 2015 findou com o duplo exame de admissibilidade, de maneira que, tão logo receba a apelação e a esta
sejam apresentadas as contrarrazões, remeterá o processo ao tribunal para que o relator faça o processamento do
recurso, tal qual se procede no caso de agravo.
Subsiste, porém, distinção de requisitos para a concessão do efeito suspensivo, na medida em que, na apelação, se
exige a demonstração da probabilidade de provimento do recurso ou, alternativamente, relevante fundamentação e
risco de gravo dano. Bastaria, portanto, a evidência, na primeira hipótese (art. 1.012, § 4º).

Decisões monocráticas

Como já sustentado ao longo desta obra, a autorização para que o relator julgue monocraticamente o recurso, sempre
com a porta da rediscussão aberta através da possibilidade de interposição do agravo interno, dinamiza e racionaliza
o processo. Atualmente, há três possibilidades, nos incisos III a V do art. 932 .
22

Inicialmente, pode o relator deixar de reconhecer recurso inadmissível, isto é, aquele que não atenda aos
pressupostos de admissibilidade anteriormente explanados. Igualmente, pode o julgador verificar a perda de objeto
do pleito, que acarretará o prejuízo da impugnação, subtraindo interesse processual/recursal.
O Código acresce, ainda, uma terceira hipótese, de violação ao princípio da dialeticidade. Se o recorrente não tiver
atacado especificamente os fundamentos da decisão recorrida, atravessando recurso genérico, também será hipótese
de solução monocrática. Por vezes, o legislador recorda esse ônus destacadamente para certos recursos, como sucede
no agravo interno (art. 1.021, § 1º).
A reforma do CPC de 1973 trouxera uma significativa novidade quanto aos poderes desse membro do órgão
colegiado, permitindo-lhe negar seguimento a recurso manifestadamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou
em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou
de Tribunal Superior.
Ademais, se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do
Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderia dar provimento ao recurso.
Atualmente, a sistemática está aperfeiçoada. Os parâmetros para a decisão passam a ser (i) súmulas dos tribunais
superiores ou do próprio tribunal local, (ii) teses firmadas nos recursos extraordinários e especiais repetitivos, no
incidente de resolução de demandas repetitivas e no incidente de assunção de competência. Esses entendimentos,
com efeito, são mais solidificados e estáveis que a mera “jurisprudência dominante” eleita pelo diploma anterior.
A medida visa a desestimular o abuso do direito de recorrer, mercê de autorizar o relator a evitar que se submeta ao
ritualismo do julgamento colegiado causas manifestamente insustentáveis, v.g., quando a intempestividade é
flagrante ou quando o apelante pretende apenas, através do recurso, postergar vitória do vencedor.
Por outro lado, a possibilidade de dar provimento ao recurso “manifestamente procedente” conspira em favor do
devido processo legal conferindo a quem tem um bom direito revelável prima facie a tutela imediata. Trata-se da
denominada tutela da evidência em face do direito líquido e certo do recorrente.
Novamente, os parâmetros para a decisão monocrática de provimento são aqueles apontados para o julgamento
negativo. A diferença é que, em homenagem ao princípio do contraditório e ao do prejuízo, o recorrido deve ter a
possibilidade de ser ouvido, oportunizando-se a apresentação de contrarrazões, antes do decisum.
Mantendo o princípio do duplo controle da admissibilidade, a lei concede recurso dessa decisão do relator,
denominando-o de agravo, a ser apreciado pelo órgão competente para o julgamento do recurso. Dessa impugnação,
dirigida diretamente ao relator do recurso no prazo de quinze dias, se não houver retratação, o relator apresentará o
processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
A previsão da rejeição do recurso ou de seu provimento, pelo relator, porque em dissonância com a súmula
predominante, inaugura uma técnica mitigada da súmula vinculante.
Essa nova técnica de sumarização aplica-se a qualquer recurso. Assim, v.g., o relator poderá negar seguimento ao
recurso interposto fora de prazo ou manifestamente incabível.
Por fim, menciona o Código a incumbência do relator de proferir decisões interlocutórias, como aquela do incidente
de desconsideração da personalidade jurídica, instaurado originariamente no tribunal (art. 932, VI ).
23

Outras competências e saneamento recursal

A seguir, o legislador destaca a intimação do Ministério Público, quando a instituição funcionar no processo (art.
932, VI, e art. 178), bem como outras competências fixadas nos regimentos internos, inclusive de natureza
procedimental (art. 932, VIII).
Atento à instrumentalidade que deve reger o processo civil, o parágrafo único do art. 932 inclui autêntico dever de
saneamento recursal, garantindo que, antes do julgamento de inadmissibilidade do recurso, deve ser aberto prazo de
cinco dias para que o recorrente sane o vício ou complemente documentação exigida . 24

Questões conhecíveis de ofício e fatos supervenientes

O relator, como representante do colegiado, possui permanente preocupação com o respeito ao contraditório. Por
isso, estatui o Código que, se perceber fatos supervenientes à decisão recorrida – e que devem ser levados em conta,
por força do art. 493 – ou questão apreciável de ofício não examinada até então, intimará as partes para manifestação
em cinco dias (art. 933 ). Trata-se de desdobramento da garantia do art. 10 do diploma, que veda a decisão surpresa.
25
Por outro lado, se a constatação se der já no âmbito do julgamento colegiado, será este suspenso para que haja a
referida manifestação. Por fim, se for o julgador, no pedido de vista, a verificar tal fato, remeterá o processo ao
relator, que seguirá com a providência estudada.

2.2.2Revisão

No Código passado, os autos eram remetidos, pelo relator, ao revisor. Destarte, não cabia apenas ao relator engendrar
o relatório. A finalidade da revisão era certificar-se da exatidão de tudo quanto relatado, reforçando a versão do
relator para um exato julgamento pelo vogal que toma contato com o feito, pela primeira vez, no dia da sessão.
Era designado revisor o juiz que se seguir ao relator na ordem descendente de antiguidade. O revisor, após cumprir a
sua tarefa, deveria lançar o visto nos autos, pedindo ao Presidente da Câmara dia para julgamento. Ao revisor era
lícito determinar a sanação de defeitos e irregularidades não detectadas pelo relator.
Contudo, o atual Código não faz menção explicitamente a esta figura, inexistindo, em regra, tal incumbência, como
maneira de agilizar o julgamento colegiado, liberando-se o processo para inclusão em pauta mais brevemente.
Apenas quando subsistir previsão específica quanto à presença do revisor é que deverá ser mantido esse passo
procedimental, como sucede na ação rescisória de competência originária do Superior Tribunal de Justiça (art. 40 da
Lei 8.038/90 ).
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2.3Designação do dia do julgamento e publicação da pauta

Superada essa etapa (relatório e revisão), o Presidente, com o recebimento dos autos, designará data para julgamento,
mandando publicar a pauta no órgão oficial (art. 934 ).
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A publicação deve conter, sob pena de nulidade, os nomes do recorrente e do recorrido, bem como dos terceiros
intervenientes; os nomes dos advogados devendo atentar-se se não houve substabelecimento para fazer constar o
nome do substabelecido. Sua ausência é suprida pela ciência inequívoca por isso que, v.g., se torna indiferente a falta
do seu nome da publicação da pauta.
Esclareça-se, por fim, que também se exige publicação na pauta, sob pena de nulidade, dos feitos de remessa  ex
officio.

2.3.1Adiamento da sessão

O julgamento pode ser adiado, a pedido do advogado, e deferido pelo relator. Nesse caso, o feito pode ser incluído
em quaisquer das sessões subsequentes. Seguindo este princípio, pode o tribunal julgar o caso noutra sessão,
independentemente de nova publicação.
O adiamento, por seu turno, não se confunde com a retirada dos autos da pauta. Neste caso, nova pauta deve ser
republicada, para fins de intimação, sob pena de nulidade.

2.3.2Interregno entre a sessão e a publicação da pauta

Visando a permitir que o advogado possa preparar-se para a sustentação oral, entre a data de publicação e a de sessão
de julgamento deve mediar, pelo menos, cinco dias, espaço de tempo a ser respeitado, sob pena de nulidade arguível
pelo interessado, sujeita à preclusão (art. 935 ).
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O intervalo que medeia a sessão e a publicação da pauta é servil à preparação da sustentação no dia do julgamento. A
importância desse interregno implica ser nulo o julgamento de processo no Tribunal, quando não respeitado o prazo
estabelecido no art. 935 do CPC (Súmula nº 310, do STF). Deveras, esse prazo é contado tal como os prazos
processuais em geral. Assim, se efetivada a intimação pelo diário oficial, na sexta-feira, o julgamento colegiado
somente poderá realizar-se 5 dias úteis a partir da segunda-feira, isto é, na outra segunda-feira, porquanto no sábado
e no domingo não há expediente forense.

2.4Sessão de julgamento

Iniciada a sessão, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o Presidente, dará a palavra ao recorrente, ao
recorrido e ao membro do Ministério Público, quando for hipótese de intervenção, pelo prazo de quinze dias para
cada.
A sessão é pública, por força do art. 93, IX, da CF, que dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, limitar a presença,
em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação
do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação.
Em todas as sessões dos tribunais é obrigatória a presença de Procurador de Justiça nas sessões de julgamento dos
processos de respectiva Procuradoria de Justiça (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público; Lei nº 8.625, de
12.02.1993, art. 19, § 1º).
É da praxe forense a entrega de memoriais pelos advogados antes das sessões, os quais, a exemplo da sustentação
oral (art. 937 do CPC), objetivam permitir à parte sustentar as razões, ou as respectivas contrarrazões, do recurso e
não apresentar razões novas, mesmo porque isso infringiria o princípio do contraditório e o do duplo grau.

2.4.1Sustentação oral

O advogado pode realizar sustentação oral no dia e na ordem em que seu processo está incluído em pauta, conforme
prevê o art. 937 , que elenca as hipóteses recursais de julgamentos que autorizam a sustentação: apelação, recurso
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ordinário, recursos especial e extraordinário, embargos de divergência, agravo de instrumento, apenas quando versar
sobre tutela provisória.
A faculdade da sustentação oral estende-se às ações de competência originária dos tribunais, assim compreendidas a
ação rescisória, o mandado de segurança (no mérito ou na liminar ) e a reclamação, bem como no agravo interno
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eventualmente interposto em tais processos.


Na oportunidade, é lícito ao advogado apontar as eventuais lacunas da exposição realizada pelo relator.
Destarte, desejando “preferência” para fazê-la, isto é, sem obediência à ordem, o advogado poderá peticionar para
que assim se proceda, na sessão seguinte. Acaso os advogados de todos os interessados tenham firmado o
requerimento, a preferência pode ser concedida para a própria sessão.
A finalidade é clara: impedir que a alteração da ordem da pauta em função de pedido de preferência para sustentação
oral feito, por um só dos advogados, surpreenda o outro da parte adversa que não está presente, posto confiante na
realização dos trabalhos como prometido pela publicação da pauta.
Atento à modernidade tecnológica, que encurta distância, autoriza o legislador que a sustentação se dê por
videoconferência, ante a disparidade entre o domicílio profissional do patrono e o local do julgamento. A condição é
apenas que se requeira a possibilidade até o dia anterior ao da sessão.
Questão interessante se refere à possibilidade de os amici curiae sustentarem suas razões. Como visto em tópico
próprio, tais terceiros intervêm no processo sob pretexto de auxiliar o tribunal na sua instrução, trazendo elementos
de convicção novos ou decorrentes de alguma área específica do saber, estranha ao Judiciário. Por essa razão, não
possuem direito subjetivo a serem admitidos, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal . 31

Pela idêntica razão, cabe ao julgador, quando aceitar sua participação ou solicitá-la, definir sua extensão (art. 138, §
2º), o que inclui a definição da possibilidade de sustentar oralmente sua posição ou não. Anote-se, ainda, que o
Código não menciona o amicus curiae e demais terceiros como sujeitos com direito a manifestação na sessão de
julgamento (art. 937, caput). Evidentemente, porém, em entendendo relevante a participação nessa oportunidade
processual, pode o destinatário da fala, isto é, o juiz ou o tribunal, deferi-la.

2.4.2Deliberação

Finda a fase da sustentação, inicia-se a deliberação do colegiado através do voto motivado e fundamentado, posto
que se trata de decisão judicial de formação subjetivamente complexa.
Entretanto, considera-se fundamentado o voto proferido através da técnica remissiva de fazer própria a motivação de
um dos componentes da câmara, v.g., voto com o relator.
Tratando-se de apelação, os votos são em número de três, colhendo-se o do relator em primeiro lugar, depois dos
outros dois magistrados, vogais.
A sistemática da votação segue a regra das sentenças, nas quais o juiz enfrenta as preliminares e, depois, o mérito. A
razão é simples: é que, acolhida uma preliminar, se inviabiliza o julgamento do mérito. A mesma sistemática
empreende-se no julgamento superior.
Qualquer questão preliminar suscitada no julgamento é decidida antes do mérito, deste não se conhecendo, se
incompatível com a decisão daquela (art. 938 ). Assim, v.g., se o relator suscita a ilegitimidade da parte, essa questão
32

deve ser apreciada antes da questão de mérito do recurso.


A preliminar pode dizer respeito ao recurso, v.g., as pertinentes à admissibilidade do mesmo. Enquanto não superada
essa questão, não se passa à seguinte. Apresenta-se possível a sanação de nulidades supríveis, convertendo-se o
julgamento em diligência, v.g., a juntada de procuração ou apensação de autos necessária para uma visão mais global
do mérito do recurso etc. (art. 938, § 1º, do CPC).
De toda sorte, o “mérito do recurso” somente se enfrenta se rejeitada a preliminar por unanimidade ou maioria, posto
que, acolhida por esse quorum, não se pode passar adiante.
Assim, v.g., se por 2 x 1, resolve-se afastar a preliminar de intempestividade, segue-se o julgamento do mérito do
recurso – que, como já vimos, nada tem a ver com o mérito da causa. Entretanto, acolhida por 2 x 1 a preliminar de
intempestividade, não se pode prosseguir no julgamento, porquanto essa decisão é incompatível com a apreciação da
“matéria principal” (art. 939 do CPC). 33

Restando conciliável a apreciação da matéria principal com o prévio julgamento da preliminar,  v.g., a rejeição da
intempestividade por 2 x 1 ou da ilegitimidade da parte, pelo mesmo placar, o “juiz vencido” na questão prévia deve
pronunciar-se quanto à matéria principal, podendo, nessa parte, assentir quanto ao ponto de vista dos demais
integrantes do órgão colegiado.
O julgamento do órgão colegiado, porque adotado de acordo ao menos com duas opiniões convergentes (art. 941, §
2º, do CPC ), é consubstanciado num “acórdão”, que deve retratar o resultado verbal do julgamento anunciado pelo
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Presidente (art. 941, caput, do CPC), v.g., “por unanimidade deu-se provimento ao recurso”.
O acórdão é redigido, por designação do Presidente, pelo relator do recurso, salvo se vencido no seu voto em
confronto com a deliberação da maioria, hipótese em que a redação da conclusão do julgado caberá ao juiz que
proferiu o primeiro voto vencedor. Lavrado o acórdão que, necessariamente, deve conter a ementa, que retrata o
resumo sucinto do que foi julgado (arts. 943, §§ 1º e 2º, do CPC), publicar-se-á o mesmo no órgão oficial dentro de
10 (dez) dias, iniciando-se a partir daí o prazo de interposição de outro recurso, cabível agora da decisão que
substitui aquela recorrida (art. 1.008 do CPC).
O Código, nesse tópico, segundo a redação anterior, consignava que o julgamento da turma ou câmara seria
composto pelo voto de três juízes, seguindo-se ao do relator, o do revisor e o do terceiro juiz.
Consoante a atual redação, “no julgamento de apelação ou de agravo, a decisão será tomada, na câmara ou turma,
pelo voto de 3 (três) juízes”.
Sobre o assunto, relevante introduzir sensível alteração promovida pela reforma do Código. O Código Buzaid previa
espécie recursal particular do sistema jurídico brasileiro, inspirado em antiga norma do diploma processual lusitano,
qual seja a figura dos embargos infringentes.
O recurso, previsto nos arts. 530 a 534, do Código de 1973, possibilitava à parte, em caso de divergência entre os
julgadores em acórdão não unânime, a interposição de recurso para que a matéria fosse reapreciada por outros
membros do Tribunal, a fim de sanar a contradição interna da Turma julgadora. Como visto, o Código de 2015
ofereceu solução que resguarda vestígios dos embargos infringentes, mas confere abordagem distinta ao instituto.

Pedido de vista

A questão em julgamento pode suscitar dúvidas no espírito do juiz componente do órgão colegiado. Por isso, é
facultado a qualquer deles pedir vista do processo, inclusive o relator, devendo devolvê-lo no prazo de 10 dias,
contados da data em que o recebeu. O julgamento prosseguirá na primeira sessão ordinária subsequente à devolução,
dispensada nova publicação em pauta, se não estiver habilitado a proferir imediatamente o seu voto. Não devolvidos
os autos no prazo, nem solicitada expressamente sua prorrogação pelo juiz, o presidente do órgão julgador requisitará
o processo e reabrirá o julgamento na sessão ordinária subsequente, com publicação em pauta (art. 940 do CPC ).35

A publicação da pauta dar-se-á sempre que o pedido de vista não retornar no decêndio para que o advogado seja
preavisado da reinclusão em pauta. Essa reinclusão é para ciência e continuação do julgamento, vale dizer, o
julgamento prossegue mas não se renova com sustentações orais etc.
Por outro lado, a requisição e a reinclusão compulsórias dependem da omissão do juiz que após pedir vista e
ultrapassar o prazo não pleiteia a prorrogação.
Isso equivale dizer que a reinclusão em pauta sempre dar-se-á após ultrapassado o decêndio, a requisição é que
dependerá da falta de pedido de prorrogação, porquanto sendo ato intra muros ao advogado basta que o processo não
seja julgado no prazo para reinclusão.
Na sessão seguinte, a continuação desse julgamento tem preferência sobre os demais, ressalvados os casos de
sustentação oral e os requerimentos de preferência, haja a vista a ordem legal (art. 936, III, do CPC).
Essa modificação, levada a efeito pela Lei n° 10.352, de 26 de dezembro de 2001, que alterou o então art. 555 do
CPC de 1973, teve como desígnio permitir ao próprio relator o pedido de vista, motivado, v.g., pela sustentação oral
do advogado. Não obstante os pedidos de vista devam ser julgados prioritariamente, a realidade prática denota que
muitas vezes os membros que formularam o pedido de vista demoram em demasia quanto ao retorno dos autos a
julgamento. Forçoso, portanto, admitir que o advogado possa provocar o presidente a requisitar os autos, bem como
voltar-se contra a omissão persistente.
Deveras, esse foi o sentido da reforma, como se pode colher através de elementos conferidos sob a ótica da
interpretação histórica, inferida da seguinte passagem da exposição de motivos do Projeto de Lei nº 4.729, de 2004,
que acresceu parágrafo ao art. 552 do CPC de 1973 dispondo, verbis: “§ 4º O julgamento de agravo contra decisão
do relator, caso não ocorra nas duas sessões ordinárias subsequentes à interposição, dependerá de inclusão em
pauta se assim o requerer qualquer das partes.” 36

Conversão do julgamento em diligência

O tribunal nem sempre aprecia a preliminar ou o mérito do recurso. Havendo necessidade, o órgão colegiado pode
converter o julgamento em diligência, para o fim de suprir deficiências, v.g., a juntada de um contrato social ou a
realização de uma prova. A conversão do julgamento em diligência, nesse último caso, ocorre posto necessária à
decisão do mérito da causa. Registre-se que a prática é pouco usual nos tribunais superiores.

Julgamento de recurso que tenha sido iniciado

Assim como a audiência deve prosseguir no dia imediatamente seguinte se não for possível concluí-la no mesmo dia,
o mesmo ocorre com o feito em segundo grau de jurisdição.
Nesse segmento, o processo cujo julgamento tenha sido iniciado e não se concluiu por força de pedido de vista ou
outro motivo qualquer, tem preferência na sessão seguinte.
Insta acrescentar que há outros casos de preferência legais, v.g., os processos de urgência, os mandados de segurança,
os habeas corpus, os processos de cunho eleitoral e os referentes às partes que contem com mais de 60 anos.

Apelação e agravo interposto

Determina a lei que o agravo de instrumento será julgado antes da apelação interposta no mesmo processo (art. 946).
A razão é simples: a questão versada no agravo, como vimos, pode influir relação processual extinta pela sentença,
de tal sorte que faça cair, por via oblíqua, o ato decisório final. Isto deve ser verificado antes do dispêndio de energia
processual com o julgamento do apelo. Assim, v.g., se há um agravo contra o indeferimento de uma prova, ante o
sistema de taxatividade mitigada, e este é provido, de nada adiantaria julgar a apelação da sentença proferida sem a
realização dessa prova. A matéria do agravo é prejudicial, sob o ângulo prático, ao julgamento do recurso de
apelação.
Considerando-se como essa a ratio essendi do art. 946 do CPC, tem-se que, inocorrendo essa prejudicialidade, nada
obsta que o agravo seja julgado posteriormente. Assim, v.g., é possível julgar a apelação endereçada à sentença que
fixou aluguel final na ação revisional, muito embora pendente de agravo a decisão que fixou o aluguel provisório.
Entretanto, quando ambos os recursos, o de agravo e o de apelação, houverem necessariamente de ser julgados na
mesma sessão, o primeiro precederá o segundo (art. 946, parágrafo único, do CPC). Assim, v.g., o agravo contra o
ato do juiz que recebeu o recurso em efeito incorreto.
Em consequência, o relator da apelação é o mesmo do agravo de instrumento, consoante preceituam os Regimentos
dos Tribunais.
Questão deveras interessante pode ocorrer por força de provimento de agravo prejudicial. Há casos em que o agravo,
pelos seus efeitos, nulifica o processo, ainda que não haja apelação da sentença. Nesse caso, nova sentença deverá
ser proferida, apesar de não ter havido apelação.

2.4.3Acórdão

O julgamento do órgão colegiado, porque adotado de acordo ao menos com mais de uma opinião convergente (art.
941, § 2º, do CPC), é consubstanciado num “acórdão”, que deve retratar o resultado do julgamento anunciado
verbalmente pelo presidente (art. 941, caput, do CPC). Assim, por exemplo, “por unanimidade deu-se provimento ao
recurso”.
Deve redigir o acórdão, por designação do presidente, o relator do recurso, salvo se vencido no seu voto em
confronto com a deliberação da maioria, hipótese em que a redação da conclusão do julgado caberá ao juiz que
proferiu o primeiro voto vencedor.

Obrigatoriedade de ementa

Destarte, todo acórdão deve ter ementa (art. 943, § 1º). A ementa, muito embora da substância do acórdão, sintetiza o
julgado e não prevalece sobre o mesmo. Não obstante, nada autoriza a dispensá-la.
É evidente que, à luz do princípio do prejuízo que informa a política de nulidades do Código, se o acórdão expressa
com clareza o seu teor, não se deve anulá-lo por ausência de ementa.
A ementa deve sintetizar o julgado. A definição dos direitos consta do acórdão que encerra a essência da prestação
jurisprudencial. Em consequência, se há divergência entre o acórdão e a ementa equivocada, deve prevalecer aquele. 37

Deveras, para superar essa contradição, os embargos de declaração são servis.


De toda sorte, transitando em julgado acórdão com esse vício, a violação da lei que exige congruência entre a ementa
e o julgamento colegiado, torna admissível a ação rescisória para rescindir o julgado.

Publicidade do acórdão

Lavrado o acórdão, que, em regra, deve conter a ementa que retrata ao resumo sucinto do que foi julgado (art. 943,
§§ 1º e 2º, do CPC), publica-se o mesmo no órgão oficial dentro de 10 (dez) dias, com o objetivo de se iniciar o
prazo de interposição de outro recurso, cabível agora dessa decisão substitutiva (art. 1.008 do CPC). Aliás é da
intimação do acórdão que corre o prazo para a interposição de recurso.
Sob o ângulo objetivo, o art. 943, § 2º, do CPC impõe a publicação das conclusões do acórdão, não assim de todas
razões de decidir.
Os membros votantes e o Presidente devem subscrever o acórdão, o que lhe confere autenticidade.
A publicidade do acórdão não se confunde com a sua comunicação imediata, v.g., a de serem suspensos os efeitos da
decisão reformada, como ocorre na tutela de urgência, no mandado de segurança etc.

Retificação de minuta

A anotação final do resultado pode dar-se equivocadamente. Por isso, é assente na doutrina e na jurisprudência que
não malfere a lei processual (CPC, art. 941) o fato de o resultado proclamado não coincidir com a conclusão do
acórdão, sendo lícito ao órgão julgador proceder à retificação da proclamação, o que na praxe denomina-se
retificação de minuta.

2.4.4Técnica de ampliação da colegialidade 38

As diversas críticas sofridas pelos embargos infringentes ao longo dos anos ensejaram a sua exclusão, por completo,
do atual sistema processual civil brasileiro. Contudo, a Câmara dos Deputados, nos últimos momentos de tramitação
do projeto do CPC de 2015, decidiu introduzir uma nova técnica de julgamento como sucedâneo daquele recurso.
Esse instituto, delineado pelo art. 942, CPC, não possui a natureza de incidente processual nem, muito menos, de
nova espécie recursal.   Trata-se, simplesmente, de uma técnica de julgamento que obriga a convocação de mais
39

julgadores sempre que for não unânime o resultado da apelação, da ação rescisória e do agravo de instrumento, nos
limites definidos pelos incisos I e II do § 3º do art. 942, CPC. Com isso, permite-se a possibilidade de inversão do
resultado inicial, garantindo às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentação oral perante os novos
julgadores.
Em consonância com o princípio da celeridade e da eficiência processual, o § 1º do referido artigo dispõe que,
quando possível, o julgamento prosseguirá na mesma sessão. Nesse caso, seria questionável se as partes teriam
direito a sustentar novamente as suas razões. Em homenagem ao princípio do contraditório, a melhor interpretação
entende que sim. Afinal, ainda que os desembargadores convocados já estivessem presentes desde o início da sessão,
apenas com a ampliação da colegialidade é que efetivamente se atentariam às discussões relacionadas àquele
julgamento.
Entendimento em sentido contrário minaria a finalidade do instituto. Por certo, o art. 942, CPC foi desenvolvido com
o objetivo de uniformizar a jurisprudência e estimular decisões de melhor qualidade.  Logo, é essencial que todos os
40

julgadores estejam a par das discussões para que possam realizar análise mais apurada dos pontos controvertidos,
assegurando a estabilização da jurisprudência da Corte.
Nesse ponto, ressalta-se que a convocação dos novos julgadores se dará conforme o regimento interno do tribunal , 41

que, eventualmente, pode delimitar o âmbito de competência do colegiado ampliado. Caso não haja qualquer
regulamentação, entende-se que os julgadores convocados têm competência para examinar todas as matérias objeto
do recurso, inclusive as que haviam sido decididas por unanimidade, antes da aplicação do art. 942, CPC.  Isso42

porque, como a ampliação da colegialidade é mera continuação do julgamento, não há razão para que, sem expressa
disposição legal, a cognição dos julgadores convocados se limite à matéria objeto da divergência, numa espécie de
“efeito devolutivo”, que retoma os extintos embargos infringentes. 43

Além disso, a limitação da cognição dos julgadores convocados pode criar uma série de dificuldades procedimentais.
Veja-se. O acórdão é um só e deveria contar, em todos os seus itens, com a mesma quantidade de votos. Se a
competência fosse limitada, haveria um acórdão disforme, parcialmente composto por um número menor de
votos.  Nessa hipótese, por exemplo, a quem caberia julgar eventuais embargos declaratórios? A insegurança jurídica
44

seria insustentável.
Se isso não bastasse, caso o colegiado voltasse à composição original, o tribunal estaria sujeito a um verdadeiro
“efeito sanfona”, já que novas divergências poderiam surgir, e, consequentemente, a ampliação da colegialidade
poderia ser necessária mais uma vez. 45
Destaca-se, ainda, que todos os julgadores podem alterar os seus votos até o final do julgamento, na forma do art.
941, § 1º, CPC. Assim, é possível que a divergência desapareça antes de ouvidos os novos julgadores. Nada obstante,
a alteração do voto após a ampliação do colegiado não afasta a incidência do art. 942 .
46

Quanto às hipóteses de incidência, a nova técnica de julgamento se aplica: (i) na apelação, independentemente da
reforma ou da natureza da sentença (art. 942, caput, CPC); (ii) na ação rescisória, quando houver a rescisão da
sentença (art. 942, § 3º, I, CPC); e (iii) no agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar
parcialmente o mérito (art. 942, § 3º, II, CPC). A técnica, ademais, se aplica tanto a divergências referentes ao mérito
quanto à admissibilidade, conforme entendimento correto do Superior Tribunal de Justiça . 47

Embora parte da doutrina sustente que o art. 942 cria uma desigualdade injustificada entre a apelação e o agravo de
instrumento , fato é que a interpretação do dispositivo não pode se afastar excessivamente da letra da lei.  Assim,
48 49

como o legislador não criou qualquer restrição para aplicação do art. 942 no caso da apelação, não é necessária a
reforma da sentença de mérito.  Trata-se de uma escolha política.
50

Além disso, observa-se que o critério utilizado pela norma não foi o conteúdo da matéria impugnada, mas, sim, o
meio de impugnação.  Por isso, é despropositada a preocupação com a simetria entre as hipóteses de cabimento do
51

art. 942.
No mais, deve-se considerar que o julgamento parcial de mérito e o julgamento final não são ontologicamente
idênticos. Isso porque o julgamento parcial é revestido de maior grau de certeza e permitido apenas em hipóteses
restritas, o que justifica o tratamento diverso dado pelo legislador.
Ainda quanto a esse ponto, o § 4º do art. 942 expressamente exclui a ampliação da colegialidade nos casos de
julgamento de incidente de assunção de competência, de incidente de resolução de demandas repetitivas e de remessa
necessária, bem como quando o julgamento não unânime for proferido pelo plenário ou pela corte especial do
Tribunal.
Por fim, como se trata de uma questão de competência funcional, a não observância do art. 942 enseja a nulidade do
julgamento a qualquer tempo e grau de jurisdição. 52

3.JULGAMENTOS DIGITAIS

No campo da resolução de conflitos, os números de processos judiciais existentes no país, aliados à pandemia da
COVID-19, levaram a um vertiginoso incremento tecnológico na melhora da prestação jurisdicional. Diversos
tribunais tiveram que se adaptar, rapidamente, ao distanciamento social, editando resoluções e portarias, promovendo
soluções inovadoras . O tom propositivo chegou até o plano legislativo, com a autorização da conciliação não
53-54

presencial nos Juizados Especiais Cíveis (Lei nº 13.994/20) , com a instauração de uma “hiperoralidade (oralidade
55

por hiperlink)” .56

Os tempos correntes revelam uma autêntica “virada tecnológica” , com influxos da inteligência artificial na atividade
57

jurisdicional, vislumbrando-se diversos questionamentos outrora inimagináveis acerca, por exemplo, da tomada de
decisão automatizada através do funcionamento de vieses algorítmicos . 58

Outra relevante frente aberta pela aproximação digital é a das plataformas on-line de resolução de conflitos (Online
Dispute Resolution – ODRs ), nas quais, fora do Judiciário, se permite a pacificação, em ambientes criados pelo
59

Estado ou por particulares. Possivelmente, trata-se de ferramenta tecnológica com maior potencial de impactar
positivamente o atual cenário de superlotação do Poder Judiciário. É que a ODR evita, ou ao menos apazigua,
diretamente o uso do bem comum (a estrutura do Poder Judiciário), porém ainda assim cumpre seu papel social:
dirimir os conflitos sociais traduzidos em controvérsias jurídicas, alocando definitivamente os direitos em disputa.
Cuida-se de inovação eficiente na medida em que os novos desenhos proporcionados pela tecnologia para a
composição de conflitos foram arquitetados tendo em conta diversos insights provenientes da economia e da
psicologia. Com efeito, pode-se citar caso paradigma a título ilustrativo: o sistema de solução de disputas da empresa
eBay, estruturado por Colin Rule, um graduado da Filadélfia, com mestrado na escola de política e de governo
da Harvard Kennedy School. A alta taxa de acordos da plataforma do eBay foi obtida porque o sistema tecnológico
desenvolvido pelo jovem estadunidense proporcionou um procedimento de solução de conflitos que incorpora
técnicas de negociação, desenvolvidas com premissas econômicocomportamentais já discutidas ao longo deste curso.
Além disso, o fato de gerenciar milhões de disputas por ano oferece ao eBay uma quantidade maciça de dados ( big
data) que alimenta e aperfeiçoa o sistema. O sistema foi desenvolvido a partir de técnicas de  machine learning,
assim aprendendo cada vez mais com essa enorme quantidade de dados.
Tal modalidade é uma das espécies do gênero tribunal on-line , no qual também se insere a possibilidade de
60

deliberação virtual ou telepresencial pelas cortes físicas .


61

Essa inovação tecnológica pode conferir maior eficiência à prestação jurisdicional em ao menos duas dimensões.
Primeiro, a atividade das Cortes deixa de se vincular a questões espaciais, como o local da comarca ou da vara. Ao
revés, o que passa a importar é muito mais o serviço por elas prestado (atividade jurisdicional) ou a especialidade
material. Segundo, a jurisdição prestada pelo Estado passa a ser vista como residual, utilizando-se a tecnologia para
triar conflitos, buscando-se solução negociada ou mediada, antes de ativar-se o Poder Judiciário.
Cumpre ressaltar que as “Cortes on-line” não são apenas um desejo no horizonte, mas sim realidade efetiva. No
Canadá, por exemplo, já se encontra em pleno funcionamento o Tribunal Cível de British Columbia (The British
Columbia Civil Resolution Tribunal – CRT) cujo procedimento é composto por quatro fases na qual todas as
audiências são feitas virtualmente e as decisões possuem caráter de título executivo judicial. Na primeira fase do
procedimento desse Tribunal (solution explorer), um algoritmo analisa a reclamação, oferece informações e sugere
soluções para o problema. Na segunda fase (dispute resolution tool), entra em ação a ferramenta on-line de
negociação, reduzindo consideravelmente a assimetria de informações existente entre as partes litigantes. O sistema
busca estruturar o caso para as partes e não há intervenção humana na negociação entre elas. Não havendo sucesso,
adentra-se à terceira fase: a de facilitação, somente na qual há intervenção humana em prol de solução negociada.
Não obtido o acordo, adentra-se na quarta fase: a adjudicatória, pela qual o caso será decidido por juízo imparcial.
Por fim, uma ferramenta tecnológica afamada e sobre a qual se geram grandes expectativas é a inteligência artificial
(IA). Há muitas definições possíveis: parcela da literatura enfatiza suas similitudes com a forma de pensar humana
(reasoning), enquanto outra parcela possui enfoque maior quanto às semelhanças comportamentais (behavior) entre
a inteligência artificial e a “inteligência natural”. De outra sorte, no que diz respeito à eficiência dos mecanismos que
dela se utilizam, há quem sustente que deve ser aferida pelo critério relativo à semelhança com o comportamento
humano. Para outros, todavia, a qualidade da IA reside na precisão das decisões tomadas pelo sistema (rationality).
O conceito de machine learning, por sua vez, identifica um subgrupo específico da IA, dos sistemas capazes de se
adaptar às novas circunstâncias e de extrapolar os padrões decisórios originais que treinaram a própria máquina. É
dizer: a máquina vai aprendendo com a sua própria atuação e com seus próprios erros, extrapolando os padrões e as
funções para que foi inicialmente programada. Nesse diapasão, os algoritmos que se utilizam do machine
learning são capazes de prever e/ou de generalizar padrões decisórios a partir de um conjunto de dados utilizados
para treinar o sistema.
Já o deep learning nada mais é do que a técnica avançada de machine learning. Nessa modalidade de inteligência
artificial, os algoritmos programados não dependem dos dados previamente selecionados e lapidados por seres
humanos (dados supervisionados) para criar ou reconhecer padrões decisórios. Como consequência, esses algoritmos
“aprendem” esses padrões a partir de uma imensa quantidade de dados crus, disponíveis de imediato na internet ou
em outra fonte (big data). A aprendizagem dá-se de forma não linear, em várias camadas, tal como se imagina que
ocorra no cérebro humano com suas redes neurais.
No cenário brasileiro, os Tribunais Superiores já começam a se utilizar de sistemas de inteligência artificial. No
Superior Tribunal de Justiça, há o Athos, cujo objetivo é identificar – mesmo antes da distribuição aos ministros –
processos que possam ser submetidos à afetação para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. Além disso,
monitora processos com entendimentos convergentes e divergentes entre os órgãos da Corte da Cidadania. No
Supremo Tribunal Federal, o Sistema Victor atua na admissibilidade de recursos extraordinários, buscando
identificar se o apelo versa sobre algum tema de repercussão geral afetado ou já julgado. Já a robô Rafa 2030 (sigla
para "Redes Artificiais Focadas na Agenda 2030") tem auxiliado magistrados e servidores a classificarem os
processos da Corte de acordo com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da
Organização das Nações Unidas (ONU) – aspecto importante para viabilizar, por exemplo, que processos prioritários
sejam levados à pauta do Tribunal com maior velocidade. Graças a mecanismos de machine learning e de deep
learning, a Rafa realiza comparações semânticas entre os textos dos acórdãos ou das petições iniciais dos processos
em trâmite no Tribunal, o que possibilita uma classificação mais célere e padronizada.

3.1Ampliação do julgamento eletrônico e a experiência do Supremo Tribunal Federal

Especificamente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a imprevisibilidade da pandemia levou à aceleração de


expedientes tecnológicos relevantes. A Corte Constitucional se preparou, com a celeridade necessária, para bem
decidir os imbróglios surgidos nesse sensível e ímpar período tornando-se uma Corte Digital .62

No tocante à atividade deliberativa e decisória da Corte, sabidamente existem dois ambientes disponíveis . Nesse
63

sentido, foram ampliadas as hipóteses de julgamento por meio eletrônico, um desses ambientes. Antes da pandemia,
apenas determinadas classes processuais poderiam ser decididas remotamente. Com a modificação regimental , 64

qualquer tipo de processo pode ser submetido a tal modalidade de deliberação: após a disponibilização do voto pelo
ministro relator, os demais julgadores dispõem de prazo para se posicionar, seja concordando, divergindo ou
solicitando pedido de vista.
Além disso, o plenário virtual, existente desde 2007, recebeu, no período, uma série de melhorias, voltadas à
preservação do direito ao contraditório, tais como o envio das sustentações orais por meio eletrônico, a possibilidade
de se realizar esclarecimento de fato durante a sessão e a disponibilização, na internet, do relatório e da íntegra dos
votos dos ministros, o que amplia a transparência e a publicidade dos julgamentos . Nessa linha, foi criado o Painel
65

de Julgamentos Virtuais, que informa estatísticas e gráficos, a partir de relatórios obtidos de forma automática da
base de dados do STF, com as informações mais relevantes para o público.
No tocante à segunda modalidade de julgamento, o presencial, sucedeu-se a adaptação para a realização por
videoconferência . Desse modo, as deliberações que seriam tomadas, em condições normais, no próprio tribunal
66

puderam ser mantidas, com idêntica participação de ministros, Ministério Público e advogados, sem
comprometimento da atividade decisória do Supremo Tribunal, de enorme relevo para a sociedade.
3.2O papel do Conselho Nacional de Justiça na expansão do processo digital e o “Juízo 100% Digital”

Desde sua criação, o Conselho Nacional de Justiça vem ocupando destacado papel na concretização de ditames
genericamente previstos na Constituição Federal e na legislação. A edição da Resolução 345/2020 representa mais
um importante passo nesse sentido, especificamente quanto à digitalização processual.
Um marco importante, antecessor da etapa atual, foi a Lei nº 11.419/2006, que instituiu o processo judicial eletrônico
(na realidade, a tramitação processual em autos eletrônicos). Após delinear critérios para a realização de atos centrais
da relação jurídica processual, a exemplo dos atos de comunicação, o legislador optou por deixar a cargo dos
tribunais a regulamentação da etapa evolutiva , o que, naturalmente, prestigia a autonomia do Judiciário e a
67

adaptabilidade do regramento às circunstâncias peculiares de cada Corte.


A experiência foi bem sucedida, de sorte que, nos dias correntes, a tramitação eletrônica se tornou realidade e
tendencialmente o padrão a ser seguido, em função da celeridade e da eficiência , permitidas pela modalidade,
68

atendendo à exigência de um módulo constitucional de tempestividade  e de economicidade , com dispensa de


69 70

custos operativos exclusivos do atendimento presencial e físico.


O mote passa a ser, doravante, a incorporação de novas melhorias tecnológicas ao Direito Processual e
Jurisprudencial, como desejou o legislador de 2015 ao incumbir o Conselho Nacional de Justiça de disciplinar “a
incorporação progressiva de novos avanços tecnológicos” e editar os respectivos atos necessários, respeitando as
normas fundamentais (art. 196 do CPC). Em outras palavras, deve a Administração Judiciária ser propositiva e atenta
à realidade de seu tempo.
Atendendo a essa vocação, foi criado o “Juízo 100% Digital”, modalidade de tramitação processual na qual os atos
são praticados exclusivamente por meios eletrônicos e remotos. Por se tratar de experiência inovadora, haverá
permanente intercâmbio e feedbacks entre o Conselho e os tribunais, tão logo adotarem e implementarem a
sistemática. 71

Ao elegerem unidades jurisdicionais para uso da modalidade, os tribunais devem ter em mente que, em obediência ao
princípio constitucional do juiz natural e ao consectário regramento legal de normas de distribuição imparcial de
processos pelos juízos, não pode haver alteração de competência. O instituto vem regulado, primariamente, na
Constituição Federal e, depois, na legislação processual infraconstitucional, na lei local de organização judiciária e
no regimento interno dos tribunais. Não pode a resolução, evidentemente, feri-la.
Por conseguinte, mesmo a renúncia ao juízo digital não será razão para a alteração da unidade julgadora, porque
apenas será possível a opção completamente eletrônica quando abarcados todos os juízos de uma mesma
circunscrição territorial (comarca ou seção judiciária) , ou seja, para que exista vara de tramitação digital, deverá
72

haver a correlata opção presencial.


O projeto é pensado para facilitar o acesso das partes ao processo. Por conta disso, há uma concreta preocupação em
assegurar-lhe caráter opcional, discricionário. Ninguém será submetido, a contragosto, à tramitação integralmente
remota .
73

O autor poderá fazer a escolha no momento do ajuizamento, expressamente, ao distribuir a demanda, informando
endereço eletrônico e número de telefone celular de sua preferência para  que, por meio deles, seja comunicado
acerca do andamento processual . Por sua vez, o réu fará sua opção até a contestação, de sorte que, no procedimento
74

comum, poderá participar da audiência de conciliação ou de mediação sem que signifique comprometimento
indelével com a via digital.
A sistemática buscou ser prudente na máxima medida e autoriza que, mesmo após a apresentação da peça de defesa,
desde que antes da prolação da sentença, pode haver retratação (autêntico arrependimento) da escolha, remetendo-se
o processo ao juízo físico da mesma localidade, com correlata competência . 75

Note-se que a menção aos atos comunicativos por meio eletrônico, nomeadamente citações e intimações, não é
inédita. Seguindo uma inevitável necessidade de adaptação do Direito aos avanços tecnológicos e à dinamicidade das
formas de comunicação em sociedade, o Código de Processo de 2015 avançou nessa regulamentação. Deveras, o art.
246 do Código de 2015 já previa em sua redação original a possibilidade de citação por meio eletrônico, conforme
regulamentado em lei . Mais recentemente, referido dispositivo foi alterado pela Lei 14.195/2021, que passou a
76

estabelecer inclusive que a citação deve feita preferencialmente por meio eletrônico .”


77

Para tanto, desenhou a obrigação de os empresários públicos e privados (seja sob a forma individual ou societária, à
exceção das microempresas e das empresas de pequeno porte) manterem cadastro nos sistemas de processo em autos
eletrônicos, para efeito de recebimento de citações e intimações, as quais serão efetuadas preferencialmente por esse
meio. Esse mesmo dever também se aplica à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às entidades
da administração indireta, já que as lides que envolvem o Poder Público representam parte substancial dos processos
judiciais; o que também se estende ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à Advocacia. Também as
intimações, sempre que possível, deverão ser realizadas preferencialmente sob a forma eletrônica.
A limitação da obrigação aos repeat players  se revelou prudente fruto da ponderação do legislador, sem prejuízo da
78

extensão do tratamento, com as vistas postas na celeridade. A Resolução CNJ 345/2020 segue a mesma linha,
afastando prejuízos ao considerar essencial o elemento volitivo das partes do conflito.
Se, como dito, o mote da inovação é facilitar o acesso à justiça, concretizando a isonomia, na medida em que a
distância da residência da parte e do escritório do advogado até o fórum se tornaria desimportante, soaria
contraditório que apenas as pessoas com condições materiais de uso das tecnologias necessárias pudessem se
beneficiar da alternativa. Por isso, o Conselho Nacional de Justiça se preocupou em orientar os tribunais que
pretendem implementar o vantajoso sistema a fornecer infraestrutura de informática e telecomunicação , bem como
79

sala para participação das partes nos atos por videoconferência, quando assim preferir o litigante .
80

De fato, a partir do momento em que todos os encontros são realizados remotamente, por videoconferência , impõe-
81

se deixar espaço para o exercício do contraditório nos novos moldes.


Uma primeira preocupação enfrentada pelo ato normativo é atinente às partes, que devem poder optar pelo
andamento digital, portanto presumivelmente mais célere e menos custoso, ainda que não disponham dos meios
tecnológicos desejados. Essa angústia estrutural tem natureza predominantemente administrativa e se resolve com a
colaboração do tribunal e dos diretores de fóruns.
Some-se a isso a necessidade de assegurar o atendimento às partes e, mais precisamente, àqueles que as representam
em juízo: advogados e defensores públicos. Tanto os serventuários quanto os magistrados deverão estar disponíveis
em determinada faixa e horário, com prioridade para casos urgentes e processos com preferência legal na tramitação,
respeitada, nos demais casos, a ordem de pedido para despachar. A solicitação será feita por meio eletrônico indicado
pelo tribunal e será respondida em até 48 horas . 82

Esse agendamento não se confunde com o atendimento geral por parte da equipe do juízo integralmente digital, que
deverá ser fornecido no horário do expediente forense, por e-mail, videochamadas, telefone ou por outros meios de
comunicação que venham a ser definidos pelo tribunal . 83
III
RECURSOS EM ESPÉCIE

1.APELAÇÃO 84

1.1Generalidades

A apelação é, em regra e tradicionalmente, o recurso cabível das sentenças definitivas (resoluções de mérito) ou
terminativas que extinguem os procedimentos em primeiro grau de jurisdição por defeitos formais, qualquer que seja
a natureza do processo.  A definição leva em consideração o fato de que em algumas leis extravagantes a sentença
85

pode ser impugnável por outro recurso, v.g., nos juizados especiais, cujo recurso único contemplado não
ostenta nomen juris específico (art. 41 da Lei nº 9.099/95).
Noutro giro, novel hipótese de cabimento do recurso de apelação foi apresentada pelo CPC de 2015, qual seja, a de
impugnação de decisões interlocutórias não passíveis de agravo de instrumento quando apresentadas na fase de
cognição (art. 1.009, § 1º) . Essa inovação leva a conclusões peculiares quando comparada à sistemática do CPC de
86

1973. Diante da atual sistemática recursal, três são as possibilidades de apresentação do recurso: (a) a apelação
interposta somente contra a sentença; (b) aquela que suscita apenas decisões interlocutórias não agraváveis ou (c) a
impugnação de ambas. Cabe salientar que esta última hipótese se apresenta como uma espécie de cumulação de
pedidos, sendo aplicáveis as disposições gerais contidas no art. 327 do CPC.
A apelação é o recurso por excelência, consagrado por todos os nossos matizes europeus e pelos sistemas latino-
americanos do mesmo tronco científico do que o nosso, singularizando-se pelo fato de dirigir-se ao pronunciamento
último do juízo e pela sua ampla devolutividade, que investe o tribunal no conhecimento irrestrito da causa,
concretizando o dogma do duplo grau de jurisdição. 87
Deveras, a apelação é recurso servil ao afastamento dos “vícios da ilegalidade” e da “injustiça” encartados em
resoluções de mérito ou sentenças terminativas. A diferença reside no fato de que, tratando-se de apelação dirigida
contra sentença terminativa, o provimento do recurso, ressalvada a hipótese do inciso I, § 3º do art. 1.013 do CPC,
não autoriza o tribunal a prosseguir no julgamento do mérito da causa inapreciado na instância inferior, porquanto a
isso equivaleria violar o princípio do duplo grau de jurisdição, submetendo o meritum causae a uma única
apreciação. O tribunal, ressalvadas as hipóteses do inciso I, § 3º do art. 1.013 e §§ 1º e 2º do art. 938, deverá
determinar o retorno dos autos ao juízo a quo, para que prossiga no cumprimento da causa final da jurisdição, que é a
definição do litígio sem nulidades processuais.
É que constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato
processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível, prosseguirá o julgamento da apelação
(art. 938, §§ 1º e 2º, do CPC).
O provimento do recurso, tratando-se de resolução do mérito “substitui a decisão recorrida naquilo que tiver sido
objeto do recurso” (art. 1.008 do CPC). 88-89

Destarte, os efeitos do provimento do recurso da apelação dirigida contra a sentença terminativa e a apelação que
veicula error in procedendo (vício de atividade do juiz) são análogos porquanto em ambos, ressalvada a hipótese já
destacada do inciso I, § 3º do art. 1.013 do CPC, há a eliminação da decisão com a baixa dos autos, para que outra
decisão seja proferida. No primeiro caso, para prosseguir no julgamento do mérito e, no segundo, para que uma
decisão imune de ilegalidade seja prolatada. Não obstante essa identidade de efeitos, não há correspondência entre os
vícios e a natureza das decisões, no sentido de que a ilegalidade é vício correspondente às sentenças terminativas e a
injustiça inerente às definitivas. É perfeitamente possível que uma sentença meramente terminativa contemple error
in judicando ou error in procedendo, o mesmo se sucedendo em relação às decisões que definem o litígio.
Assim, v.g., a sentença terminativa proferida por um juiz impedido padece do vício da ilegalidade, e a que considera
o autor carecedor da ação por desconsiderar a possibilidade de legitimação extraordinária, negando vigência ao
artigo 18 do CPC,  apesar de decisão formal, encarna o vício da injustiça, decorrente da má aplicação do Direito
90

Processual ao caso submetido à apreciação jurisdicional.


Por outro lado, o juízo absolutamente incompetente que aprecia o mérito da causa inocula na “decisão definitiva”
um error in procedendo.
Destaque-se que, no itinerário lógico da apreciação judicial em segundo grau, a análise dos errores in
procedendo precede a dos errores in judicando, nulificando-se o julgado acaso se prossiga após acolhidos os
primeiros, salvo se, no mérito, a decisão puder ser favorável à parte a quem aproveite a sanção da nulidade (art.
282,  § 2 , do CPC).
91 o

1.2Efeitos da apelação

A apelação é recurso que tem, em regra, o duplo efeito, incumbindo-se o próprio legislador, por questões de política
legislativa, de retirar-lhe essa eficácia suspensiva textualmente, nas causas em que menciona (art. 1.012 do
CPC).  Nesse particular, vale repisar o que expusemos na seção precedente acerca dos efeitos dos recursos em geral,
92

relembrando-se o novel poder conferido ao relator para conceder eficácia suspensiva à decisão sujeita ao duplo efeito
(art. 995, parágrafo único do CPC).
1.2.1Efeito suspensivo

O efeito suspensivo decorre da própria recorribilidade da decisão e não do recurso propriamente dito. O fato
genético-processual de uma decisão submeter-se em potencial a um recurso com efeito suspensivo significa que o
referido ato decisório não produz os seus efeitos se não superado o prazo recursal sem impugnação ou se transitada
em julgado a decisão do recurso.
Justifica-se a regra de que todo recurso tem efeito suspensivo, em consequência da adoção irrestrita pelo nosso
sistema do duplo grau de jurisdição. Destarte, aqui e alhures, vozes abalizadas erguem-se quanto a essa postura
ortodoxa de valorização do julgamento de segundo grau, preconizando uma inversão à regra, para dotar todas as
decisões de efetividade imediata. Como o próprio termo insinua, trata-se de notável influência do princípio da
efetividade, que vem emprestando a diversos países de matizes iguais ao nosso a experiência da proliferação da “não
suspensividade dos recursos”, relegando-se ao julgador a avaliação da situação gerada pela decisão recorrida, para
ele, então, conferir ou não efeito suspensivo.
Trata-se de técnica da suspensividade ope judicis em contraposição à suspensão ope legis. Analisamos, no tópico
geral atinente ao efeito suspensivo dos recursos, as motivações do legislador para a distinção e a correlação com o
cumprimento provisório da sentença.
Agita-se, na doutrina, a elegante questão sobre a natureza da regra do artigo 1.012 do CPC – se taxativa ou
meramente enumerativa.
Em princípio, os casos excepcionais de recebimento da apelação no efeito apenas devolutivo são unicamente os
previstos no art. 1.012 do CPC. Entretanto, é assente que, v.g., tem duplo efeito a apelação interposta em embargos
de terceiro rejeitados, onde se veicula matéria própria de embargos à execução. 93

Outro ponto delicado do tema é o referente “às ações conexas” com recursos recebidos em diferentes efeitos.
As causas conexas, como é sabido, reclamam julgamento simultâneo. Se a apelação relativa a uma das causas deve
ser recebida apenas no efeito devolutivo, isto não significa que a outra deva emprestar-lhe o mesmo regime jurídico,
máxime à luz da ratio essendi que inspirou o regulador nessa concessão, como sucedia na concomitância da ação
principal e da cautelar, no vetusto Código.
Todavia, há entendimentos em favor da tese de que o recurso interposto do julgamento simultâneo de duas ações
conexas deve ser recebido em ambos os efeitos, desde que uma delas obedeça a esse regime jurídico, o que afronta a
exegese teleológica do art. 1.012 do CPC.
A prática judiciária é rica em exemplos a infirmar essa última corrente. Assim, v.g., no juízo de família, é usual a
propositura em cumulação de pedidos de ação de alimentos com outra prejudicial da relação parental. É sabido que
quem pede alimentos não pode aguardar, consectariamente, a regra é a não suspensividade da decisão alimentar
apelável. Admite-se, por esse fundamento, a imediata executividade da decisão alimentar na ação cujo
reconhecimento da paternidade como pedido pressuposto restou acolhido.
Aliás, ubi eadem ratio a exoneração de alimentos, pelos efeitos enérgicos do decisum, submete-se ao duplo efeito. A
lei especial dispõe que “interposta de sentença que condena à prestação de alimentos, a apelação será recebida
apenas no efeito devolutivo (art. 14 da Lei nº 5.478/68 e art. 1.012, § 1º, II, do CPC)”.
A jurisprudência dominante sustenta que essa regra não pode sofrer aplicação analógica, posto incidir unicamente à
ação de alimentos, não abrangendo as ações de indenização por ato ilícito em que haja condenação do réu ao
pagamento de pensão. A assertiva, com a devida vênia, não resiste ao questionamento axiológico da moderna teoria
da justiça. Isto porque não são diferentes as necessidades vitais dos filhos menores, quer em razão do afastamento do
responsável por força de separação, quer em razão da morte violenta decorrente de acidente de trânsito, e que por
isso não mais mantém a família.

1.2.2Efeito devolutivo

Deveras, notável é o efeito devolutivo da apelação, regulado às minúcias, de tal forma que serve subsidiariamente
como regra de hermenêutica aos demais recursos.
O efeito investe o juiz de irrestritos poderes de análise de todas as questões de fato e de direito que gravitam em
torno do thema decidendum, de tal forma que o tribunal se coloca, exatamente, nas mesmas condições em que se
encontrava o juiz no momento de decidir. 94

O tribunal por vezes exerce cognição mais vertical do que o juiz a quo, porquanto lhe é lícito conhecer de questões
que sequer foram apreciadas em primeiro grau, como as matérias conhecíveis de ofício e as que, por motivo de força
maior, não puderam submeter-se à cognição inferior (art. 1.014 do CPC).  Essa cognição plena pelo tribunal autoriza
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que se afirme que a apelação é recurso de instância reiterada. 96

A devolutividade ampla, entretanto, não permite ao juiz invadir áreas não cobertas pelo recurso e, portanto, trânsitas
em julgado. É que o recurso pode ser parcial, vigorando a máxima tantum devoluttum quantum appellatum. Nesse
sentido, o Código adstringe a atuação do tribunal aos limites da impugnação (art. 1.013, caput).  Inegável, portanto, a
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influência do princípio dispositivo, à semelhança do que ocorre no primeiro grau, onde se veda ao juiz julgar além do
que foi pedido (art. 141 do CPC).  Desta sorte, as fronteiras da instância ad quem são delimitadas pela impugnação,
98

não se admitindo, em nome da ampla devolutividade, o conhecimento de pedidos novos ou de exceções materiais
não aduzidas pelo demandado, salvo as objeções que, tal como poderiam ter sido conhecidas de ofício em primeiro
grau, pelo princípio da identidade, também autorizam o tribunal a conhecê-las.  Não obstante, ainda que menor a
99

superfície contenciosa do recurso do que aquela revelada pela causa em si, quando parcial a apelação, o exame do
litígio “nesse limite” é integral. Parafraseando o saudoso Machado Guimarães: “O efeito devolutivo é total ou parcial
quanto à extensão do apelo, e sempre integral quanto à profundidade”. 100

A lei exige que a parte delimite a área contenciosa do recurso, incluindo-se essa exigência no requisito de
admissibilidade consistente na regularidade formal. Entretanto, omisso o recorrente quanto aos limites de seu recurso
presume-se que recorreu de tudo quanto poderia ter sido impugnado.  A interpretação da irresignação do apelante
101

também importa considerar-se impugnada a parte do litígio umbilicalmente ligada ao objeto principal. Assim, a parte
que recorre da concessão do pedido dependente do acolhimento de outro está, evidentemente, impugnando esse
também. Assim, v.g., não se pode recorrer das perdas e danos decorrentes da rescisão, sem impugnar a própria
rescindibilidade do vínculo. 102

Efeito devolutivo e reformatio in pejus

A devolutividade limitada à impugnação impede que se profira, em desfavor do único recorrente, uma decisão
praticamente mais desfavorável do que a impugnada. É a proibição da reformatio in pejus, inferida da regra do art.
1.013 do CPC.  Conforme tivemos a oportunidade de ressaltar na seção antecedente, a “proibição de reforma para
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pior” adveio do abandono, pelo nosso sistema, do princípio de que a apelação era “remédio comum” a ambas as
partes, facultando ao tribunal, em provimento potencialmente dúplice, melhorar ou piorar a situação de qualquer
delas. Transpôs-se, assim, o terreno da “comunidade da apelação” para sua “unilateralidade”, de tal sorte que a
eventual admissão da reformatio in pejus deve decorrer de texto legal. Sob essa ótica é que se deve entender a
profundidade do efeito devolutivo, posto que a intensidade de cognição admitida (art. 1.013, §§ 1  e 2 , do CPC)
o o

obedece aos limites da impugnação.  No período das Ordenações, a apelação era comum a ambas as partes, razão
104

porque o tribunal de apelação podia prover em favor de qualquer delas, bastando apenas um recurso de um dos
interessados.  A análise do recurso passava-se tal como se o apelado tivesse recorrido, posto que o recurso
105

era beneficium commune. Cumpre, entretanto, assinalar que, mesmo nesse regime, a devolutividade não era plena. O
benefício aplicava-se “nos limites da impugnação”.
Modernamente, aqui e alhures,  aboliu-se esse benefício comum e, a fortiori, a proibição de reforma para pior, assim
106

entendida a decisão de mérito desfavorável ao único recorrente. As questões formais sobre as quais não se opera a
preclusão podem ser conhecidas e acolhidas pelo tribunal, ainda que em desfavor do apelado, porquanto em matéria
de regularidade processual não há pretensões vencidas. 107

À intensidade do efeito devolutivo não se deve associar a ideia de poder o recorrente inovar no juízo da apelação. A
lei permite a devolução de todas as matérias suscitadas e discutidas, quer tenham sido ou não resolvidas pela
sentença (art. 1.013, § 1º, do CPC). Assim, v.g., se B, em ação de cobrança movida por A, alega prescrição, novação
e pagamento, a apelação devolve ao tribunal todos esses argumentos de defesa, ainda que a sentença não os tenha
apreciado por inteiro. A mesma sistemática obedece-se quando há várias causas de pedir. Por força do princípio da
identidade, o julgamento do recurso deve realizar-se com o material colhido em primeira instância.  A instância
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superior, já se afirmou, é de “controle” e não de “criação”.  Como consectário, não podem as partes suscitar, no
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procedimento recursal, questões de fato não propostas no juízo inferior, salvo motivo de força maior transindividual.
Comprovada a força maior, sob contraditório, é lícito ao tribunal franquear a exposição de questões fáticas não
levantadas no juízo a quo. Entretanto, incumbe ao recorrente revelar que essas questões novas são relevantes para a
causa pelo nexo que guardam com os fatos que informam o litígio, vedando-se a esse pretexto a mutação da causa
petendi ou da causa excipiendi  (art. 1.014 do CPC).  É o que se denomina proibição do ius novorum. Desta sorte,
110 111

os fatos novos que se comprovam são aqueles ligados ao fato base, que consubstanciam a causa de pedir originária.
O preceito, sob exame, retrata uma regra de procedimento quanto ao momento da prova. Escapam ao âmbito de
incidência do artigo as objeções, como categoria de defesa, posto que matérias conhecíveis de ofício e alegáveis em
qualquer tempo. Não teria sentido o legislador permitir-lhes a alegação sem preclusão, e lhes impedir a prova
correspondente. Entretanto, a matéria é de exegese excepcional, visto evitar a denominada “guarda de trunfos”, que
desequilibra as partes no processo e desestimula a conduta contrária à lealdade e à boa-fé, que se exige  coram
judicem. Em consequência a exata aferição da força maior e a obediência ao contraditório, evitam nulidades nesse
campo.
É lícito, assim, afirmar-se que a instância superior de fato é de “controle da decisão” e não de “criação de uma nova
causa”, em que se reabre, sem limites, a discussão com abstração de tudo quanto foi decidido em primeiro grau. O
julgamento de primeiro grau é prestigiado, submetendo-o a uma revisão e não a um novo juízo. Em consequência,
consoante assentado em sede doutrinária clássica, o princípio aplicável sob esse ângulo é o da revisio prioris
instantiae, em contrapartida ao novorum iudicium.
Destarte, não se deve confundir “questões novas” com “documentos novos”.
Às questões de fato novas aplica-se o disposto no art. 1.014; não assim aos documentos novos sobre fatos pretéritos e
que podem ser juntados a qualquer tempo, desde que influente para a decisão da causa e anexados sob contraditório.
Assim, com as razões de apelação, pode o apelante juntar documentos, desde que não surpreendam e não violem a
cláusula do contraditório.
Questão constante a desafiar a argúcia do intérprete é a relativa à “prescrição” e o privilégio material de invocá-la “a
qualquer tempo e grau de jurisdição”.
A corrente majoritária é incisiva em assentar que a prescrição é matéria alegável em qualquer tempo, superando a
regra do artigo 1.014 do CPC e, em consequência, suscitável nas razões ou contrarrazões de apelação.
Também não se proíbe que o Tribunal conheça de todas as questões anteriores à sentença e que não foram decididas
por não serem agraváveis. Essas decisões devem ser impugnadas em preliminar de apelação, sob pena de não
poderem ser abordadas pelo tribunal (art. 1.009, § 1º, do CPC). 112

O tribunal, ao julgar a apelação, deve conhecer todas as questões formais antes da análise do mérito do recurso e do
mérito da causa. Primeiramente, cabe ao órgão colegiado apreciar o conhecimento do recurso. Superada essa fase,
positivamente, cumpre-lhe detectar questões preliminares referentes aos pressupostos processuais e às condições da
ação e conceder às mesmas os efeitos jurídicos que a lei lhes empresta, podendo, inclusive, extinguir o feito sem
análise do mérito, malgrado esteja apreciando apelação de sentença definitiva (art. 485, § 3º, do CPC) – ( iudex
appellationis non possit supplere defectum iudicis a quo, quando processus est ineptus,et teneatur cassare
sententiam). Conforme se observa, inclusive pelo que se expôs na teoria geral dos recursos, em profundidade, os
efeitos da apelação são mais intensos do que em extensão, em que há adstrições impostas ao tribunal. Por isso é que
o órgão ad quem pode conhecer de fundamentos suscitados ou suscitáveis e não resolvidos, mas não é lícito conceder
pedidos não impugnados ou exceções materiais não articuladas.

Extensão do efeito devolutivo do recurso

Uma das questões mais tormentosas na prática judiciária é a aferição da extensão do efeito devolutivo da apelação.
Em princípio, não pode o apelante impugnar senão aquilo que foi decidido na sentença.
Como consectário, é nulo o acórdão que contempla o recorrente com providência maior do que a pleiteada. Assim, é
assente que, devolvendo a apelação ao tribunal apenas o conhecimento da matéria impugnada ( tantum devolutum
quantum appellatum), ressalvadas as hipóteses de matéria apreciável de ofício, malfere a regra sententia debet esse
conformis libello, prevista nos arts. 141 e 492 do CPC, a sentença que consagra a prestação jurisdicional em
desconformidade com o pedido. Aliás, é antiquíssima a concepção de que a demanda é o “projeto da sentença”.
Não obstante, o recurso é ato postulatório e na sua interpretação deve entender-se que o recorrente impugnou tudo
quanto lhe foi desfavorável. Assim se o autor, vencido, apelou da sentença, pleiteando de maneira inequívoca a sua
reforma, subentende-se que recorreu da improcedência e do acolhimento de eventual pedido dúplice ou
reconvencional.

Efeito devolutivo e prescrição

Questão deveras controvertida é a relativa ao efeito devolutivo da apelação contra sentença que se limita a acolher a
alegação de prescrição ou de decadência, sem adentrar nos demais fundamentos da ação ou da defesa. Indaga-se se
o tribunal, ao afastar essas questões prévias de mérito, pode invadir a questão de fundo que passou in albis pelo juízo
a quo?
Não há, tradicionalmente, pacificidade quanto ao tema.
Uma primeira corrente aponta o entendimento de que, acolhida em primeiro grau a alegação de prescrição, a decisão
é de mérito, por isso deve o tribunal no recurso prosseguir no exame da causa.
Em sentido contrário, tem-se que a prescrição, que permite a extinção do processo, em homenagem ao princípio do
duplo grau de jurisdição, não deve autorizar o tribunal a antecipar o julgamento da questão de fundo, pela própria
limitação do recurso adstrito àquele único fundamento.
A razão, em nosso entender, está com os que preconizam a possibilidade de apreciação dos demais fundamentos da
ação ou da defesa uma vez afastada a prescrição ou a decadência, máxime com a reforma do art. 1.013, § 3º, do CPC.
O que se veda a título de conferir-se profundidade ao efeito devolutivo é a apreciação de pedidos e exceções
materiais não invocadas em primeiro grau. De resto, prevalecem os §§ 1º e 2º do artigo 1.013 a permitirem que o
tribunal invada o mérito, com amplitude, toda vez que o mesmo é enfrentado na instância inferior, ainda que em
pequena parte. Aliás, essa é a exegese que melhor se compraz com os princípios da economia processual e da
efetividade do processo, bem como com a novel reforma que trouxe feição diversa ao efeito devolutivo, conforme
abaixo discorrer-se-á.

Efeito devolutivo da apelação contra sentença terminativa 113

O art. 1.013, § 3º, do Código contém uma técnica que de certa forma vinha sendo consagrada pelos tribunais mais
afeitos à efetividade da prestação judicial.
Inúmeros casos de extinção do processo sem análise do mérito acodem ao tribunal, revelando hipóteses em que o juiz
qualificou a sua decisão erroneamente, posto ter apreciado a questão de fundo. Noutros casos, apesar da extinção
terminativa, todo o material probatório restou produzido e debatido, por isso que o juiz deveria ter apreciado o
obstáculo formal anteriormente. Diz-se, então, que a causa estava madura para o julgamento e o juiz extinguiu o
processo sem análise do mérito equivocadamente. Assim, v.g., se o juiz extingue o processo de revisão de aluguel
sem análise do mérito sob a alegação de que não estava preenchido o prazo trienal de carência definido pela lei de
locações e não obstante toda a prova pericial foi produzida, o tribunal, afastando a carência decretada, pode apreciar
o pedido sem violação da máxime tantum devolluttum quantum appellatum, hoje, por expressa autorização legal. Da
mesma forma e com muito mais razão poder-se-ia apreciar o mérito da causa, afastada a questão que induziu a
extinção prematura, posto unicamente de direito a questão debatida. Assim, v.g., se as partes formulam os seus
pedidos, pretendem comprovar, e o juiz extingue o processo sem análise do mérito, o tribunal pode decidir o mérito
sem necessidade de determinar o retorno dos autos na forma do art. 1.013, § 3º, I, do CPC.
De certa forma, é uma ampliação à regra de que o tribunal pode julgar tudo quanto foi suscitado e discutido, ainda
que a sentença não tenha resolvido por inteiro. Na verdade, o duplo grau foi observado na medida em que a matéria
litigiosa submeteu-se a ambas as instâncias, muito embora as partes não possam ser prejudicadas pela omissão do
juiz.
Resta evidente que a autorização não inibe a parte de oferecer embargos de declaração, tendente a suprir a falha da
decisão, mostrando ao juízo que ele poderia ter decidido a íntegra do mérito ou que assim o fez a despeito da
denominação emprestada à sua resposta judicial.
O Código de Processo atual ampliou essa permissão para, diante de causa de pedir fulcrada em error in procedendo,
o tribunal decida o mérito do processo, admitindo a correção, de ofício, quando diante de violação ao princípio da
congruência da sentença (sentença citra petita e extra petita) e do dever de fundamentação das decisões judiciais
(art. 489, § 1º). A proposição legislativa é louvável, na medida em que prestigia a efetividade jurisdicional e a
economia processual.
Efeito devolutivo e nulidade sanável

O diploma anterior já obviara o retorno dos autos à instância a quo nas hipóteses de extinção terminativa da causa
madura, por isso que o § 3º permite ao tribunal, mercê da regra do artigo 1.013, caput, do CPC prosseguir no
julgamento do mérito.
O mesmo raciocínio conduziu o legislador a adotar semelhante solução quando verificada nulidade sanável, dispondo
art. 938, § 1º, que constatada a ocorrência de vício sanável, inclusive aquele que possa ser conhecido de ofício, o
relator determinará a realização ou a renovação do ato processual, no próprio tribunal ou em primeiro grau de
jurisdição, intimadas as partes.
Assim, v.g., o defeito de representação, a ausência de autenticação de cópias ou de oitiva de uma parte acerca de
determinado documento não implicarão o necessário retorno dos autos posto defeito sanável na instância ad quem.
Diferentemente, a necessária intromissão de uma parte legítima ou de terceiro não admitido na origem não se
encartará como defeito suprível per saltum.

Reformatio in pejus e amplitude do efeito devolutivo da apelação contra sentença terminativa

Em princípio, a apelação não resulta em benefício comum a ambas as partes. A parte que recorre pode recolher
apenas o melhor resultado ou a manutenção da decisão, posto vigorar no nosso sistema, como vimos, o princípio da
personalidade dos recursos.
Em consequência, veda-se a que o tribunal piore a situação do único recorrente, porquanto, do contrário, teria sido
melhor que não recorresse. Os exemplos, já os enfrentamos na apreciação genérica do efeito devolutivo do apelo.
Sucede que a lei traz a possibilidade de julgamento do mérito após superada a extinção terminativa pelo tribunal.
A questão elegante que se põe é se o tribunal, ao apreciar o mérito, pode dar qualquer solução ou fica limitado à
proibição da reformatio in pejus?
Uma resposta afirmativa imporá à parte que pretenda uma solução a seu favor recorrer adesivamente ao recurso
principal. Assim, v.g., se o autor recorrer da decisão de extinção do processo sem análise do mérito, o réu que
perceba da possibilidade de sucesso do apelo deve aderir a esse recurso pleiteando que, se o tribunal adentrar ao
mérito, negue provimento ao recurso.
Outra posição sustentável à luz dos princípios informadores do processo é admitir-se a apelação como “benefício
comum”, de sorte que, superando o tribunal a decisão terminativa, pode invadir o mérito com franca liberdade, até
porque a parte que não sucumbiu não teria interesse em recorrer.
Uma terceira alternativa é admitir o recurso independente do não sucumbente, posto parte não totalmente vencedora,
haja vista a extinção do processo sem a apreciação da questão de fundo.
Nessa hipótese, o interesse em recorrer do réu restaria demonstrado pela ausência do fato impeditivo à análise do
mérito entrevisto pelo juiz e pela legitimidade de sua pretensão em ver desacolhido o mérito.
Conspira em favor da ideologia das recentes reformas processuais a reintrodução no nosso sistema do “benefício
comum” através do novel efeito devolutivo da apelação.
Outrossim, apreciando o mérito, é livre a atividade cognitiva do juízo, quer quanto aos pedidos, quer quanto aos
fundamentos. Todo e qualquer raciocínio que imponha o retorno dos autos, estando a matéria discutida e
comprovada, conspirará contra o espírito da reforma, implicando a negação do princípio da efetividade.
De toda sorte, o mérito do recurso nessas hipóteses confunde-se com o mérito da causa pela possibilidade de o
tribunal ir mais além do que o tradicional.
1.3Procedimento da apelação

A apelação é interposta perante o juízo prolator da decisão recorrida para o juízo ad quem. Essa técnica de
endereçamento do recurso ao juízo da decisão permitia, na vigência do Código de 1973, o duplo controle da
admissibilidade. O atual CPC, todavia, dispensou o duplo exame de admissibilidade, deixando-o a cargo apenas do
relator do recurso no tribunal. Desse modo, tão logo seja interposta a apelação e apresentadas as contrarrazões, cabe
ao juiz de primeira instância remeter os autos ao tribunal.
Impende considerar, ainda, sob essa ótica, que o legislador instituiu a técnica da retratação, implementando o
princípio da economia dos processos, passando a permitir ao juiz, retratar-se ante o apelo do demandante. No
diploma anterior, tal efeito regressivo se restringia às sentenças liminares – indeferimento liminar e improcedência
liminar. Na vigente sistemática, também sentenças terminativas autorizam o reexame pelo próprio juiz sentenciante.
Apenas na hipótese de ser mantido o entendimento, os autos são remetidos ao tribunal (arts. 331, 332 e 485 do
CPC). 114

Recebido o recurso, o tribunal não fica adstrito a essa decisão, podendo, de ofício, não conhecer do recurso admitido
na instância inferior independentemente de impugnação autônoma do apelado que, nas próprias razões, também pode
sustentar a falta de requisitos de admissão.
A petição de interposição deve ser tempestiva e obedecer à forma legal. A tempestividade segue a regra geral do art.
1.003, § 5º, do CPC, anteriormente analisado quando do trato dos requisitos de admissibilidade em geral. Sob o
manto desse requisito, abrigam-se as questões da contagem, da suspensão e interrupção do prazo, do seu termo
inicial, dos prazos, dos litisconsortes com diferentes procuradores, de Ministério Público, da Defensoria Pública,
da Fazenda Pública e suas Autarquias (arts. 1.003, 1.004, 229, 180, 183 e 186 do CPC). 115

A forma legal, como requisito de admissibilidade, exige que a peça seja escrita e contenha o nome das partes da
relação recursal, anotando-se as mudanças de qualificação, os motivos do recurso, bem como o pedido de nova
decisão (art. 1.010 do CPC).  De todos os requisitos exigidos, sobressalta a importância do pedido de nova decisão,
116

porquanto, à luz do mesmo, afere-se o “grau de devolutividade” e os seus consectários, como a proibição
de reformatio in pejus e do novorum iudicium.
Os defeitos de forma, em geral, devem ser supridos antes de o prazo escoar-se, ainda que apresentada a peça, mas
sempre antes da fala do recorrido.
O documento comprobatório do preparo do recurso, incluindo as custas e o porte de retorno, deve acompanhar a
petição (art. 1.007 do CPC).  Outras irregularidades deparam-se com a severidade formal dos Tribunais. Assim, são
117

encontradiços julgados preconizando a inadmissão do recurso, posto inexistente a irresignação interposta por petição
sem assinatura.
O princípio da instrumentalidade das formas, nesse caso, tem inspirado julgados mais informais, considerando mera
irregularidade a falta de assinatura do advogado, na petição de interposição, desde que lançadas razões em papel com
seu timbre, coadjuvada por procuração, o que indica a autoria da impugnação.
É assente que, se no corpo da apelação há registro expresso de que todos os vencidos estão recorrendo, é prestar-lhe
culto extremo ao formalismo, em prejuízo da entrega da prestação jurisdicional, deixar de recebê-la, apenas porque,
na parte preambular, consta o nome de um só dos litisconsortes facultativos, infirmando o princípio da
instrumentalidade das formas.
Conforme é possível concluir, há falhas superáveis e defeitos insanáveis. Nessa última categoria poderíamos incluir,
pela constância revelada pela prática judiciária: a) apelação apresentada sem razões; b) interposta mediante simples
cota lançada nos autos; c) vaga referência à inicial e outras peças dos autos.
Assim como as causas em primeiro grau acarretam, em regra, o pagamento de custas processuais, por força da
movimentação dos serviços judiciários, idêntica razão impõe o pagamento do “preparo do recurso”.
Esse ônus financeiro é dispensado, por razões óbvias, aos beneficiários da justiça gratuita, ao Ministério Público e às
Fazendas Públicas Federais, Estaduais e Municipais, aí compreendidas as autarquias (art. 1.007, § 1º, do CPC) e as
fundações de direito público (art. 496, I, do CPC).
Assim como a tempestividade firma-se pelo ato de protocolizar o recurso no prazo, o preparo efetiva-se “no ato de
interposição” da impugnação, devendo a guia comprobatória acompanhar a peça de recurso (art. 1.007,  caput, do
CPC).
Havendo insuficiência do preparo, é possível a complementação (art. 1.007, § 2º, do CPC). A falta de preparo, após a
oportunidade de pagamento em dobro ou de complementação, acarreta a sanção da deserção, com o consequente não
conhecimento do recurso. A deserção se caracteriza pelo inadimplemento total ou parcial das custas respectivas.
O justo impedimento permite a interposição com preparo a posteriori, como ocorre, v.g., se há greve no
estabelecimento bancário encarregado do recebimento das custas do recurso, justamente no termo ad quem do prazo.
Sem prejuízo, pode haver, ainda, “relevação da deserção”, provado o justo impedimento, mesmo após negado
seguimento ao recurso, porquanto é retratável o juízo de admissibilidade pelo juízo a quo e pela instância ad
quem (art. 1.007, § 6º, do CPC).
Questão elegante gravita sobre a possibilidade de o recurso ser preparado, por inteiro, depois de sua apresentação,
porém ainda no prazo para recorrer.
Muito embora o direito de recorrer seja subespécie do sagrado direito de petição, a opinião dominante é de que a
redação do art. 1.007, do CPC é muito clara ao determinar que o recorrente comprove no ato de interposição do
recurso o respectivo preparo. Assim, o recurso preparado após a interposição, ainda que dentro do prazo recursal,
deve ser considerado deserto.
Debalde, alguns fatos constantes têm justificado a relevação de deserção, dentre os quais a questão de o expediente
bancário encerrar-se antes do horário de funcionamento forense.
Considerando-se que esse horário bancário é do conhecimento de todos – notoria non egent probationem – a
ausência de um fato tido como imprevisível não exonera o recorrente de empreender o preparo no curso do
expediente do banco. Essa decisão de relevação da deserção, muito embora irrecorrível, fica submetida ao duplo
controle da admissibilidade.
Ato contínuo, abre-se prazo, ao oferecimento das contrarrazões e/ou adesão, se cabível. Somente então o processo
será endereçado ao tribunal em que se procederá ao exame de admissibilidade. Preenchidos todos os requisitos, o
recurso será conhecido. No que pertine aos efeitos, sugere-se em sede doutrinária que, no silêncio do relator,
entenda-se que recebeu a apelação em ambos os efeitos.
Entretanto, recebida só no efeito devolutivo, o apelado poderá promover, desde logo, a execução provisória da
sentença, extraindo a respectiva carta, com as modificações do art. 520 do CPC.
Assim, é regra que a execução judicial nem sempre pressupõe que a sentença que lhe serve de título tenha “transitado
em julgado”. A lei, no afã de agilizar a prestação jurisdicional, enquanto aguarda-se o trânsito em julgado da decisão,
sempre permitiu um certo adiantamento de atos executivos. Têm-se, assim, espécies de execução que variam
consoante a “estabilidade jurídica” do título judicial. Há sentenças que, não obstante recorríveis, admitem um início
de execução que não alcance estágio de irreversibilidade satisfativa, e há outros casos em que a execução somente
pode ser promovida após o trânsito em julgado da decisão.
No primeiro caso, estamos diante da denominada “execução provisória”, que se caracteriza pela possibilidade de
modificação da decisão exequenda por força do recurso interposto, o que implica o dever de restabelecimento das
coisas ao estado anterior, por conta do exequente que iniciou execução ainda instável.
Diversamente, denomina-se “definitiva” a execução fundada em decisão trânsita em julgado (ou, ao menos, sobre a
parte do valor que seja incontroversa) ou em título extrajudicial, nos termos da Súmula 317 do STJ que voltou a ser
válida mediante a revogação do art. 587 do CPC de 1973 (art. 523 c/c Súmula 317 do STJ). 118

Como se observa, a previsão de “execução segundo a condição jurídica do título” é questão de política legislativa,
posto que cabe ao legislador avaliar da conveniência em permitir o adiantamento ou retardamento dos atos
executivos. Destarte, também se insere nessa esfera a equiparação dos títulos extrajudiciais às sentenças transitadas
em julgado, porquanto ambas autorizam a execução definitiva. O legislador, não obstante os graus de certeza quanto
ao direito que nesses títulos se contém, igualou-os ao permitir o início do processo com fulcro em ambos.
A “execução definitiva” é aquela cujo resultado do processo alcança o seu escopo satisfativo máximo. Assim,  v.g.,
na execução definitiva por quantia certa, o processo termina com a entrega da soma ou dos bens correspondentes do
devedor ao credor. Os atos processuais são praticados com o objetivo de alcançar a realização “completa” do direito,
sem possibilidade de restituição das coisas ao estado anterior e livre das exigências do art. 520 do CPC.
A execução definitiva, hoje cumprimento da sentença, é apenas uma fase do processo sujeita à impugnação, outrora
embargos à execução, que ensejava a introdução no processo de execução judicial de um novel processo de
cognição, com prejuízo para as partes e para a celeridade processual.
Importante frisar que o título base é que confere definitividade à execução. Assim, se a execução se inicia com fulcro
em título executivo extrajudicial e os embargos oferecidos são julgados improcedentes, havendo interposição pelo
executado de apelação “sem efeito suspensivo”, prossegue-se, na execução, porquanto em essência fundada em título
extrajudicial. Ademais, nesse caso, não será executada a sentença dos embargos senão o título mesmo que foi
impugnado por aquela oposição do devedor. No que concerne à possível lesão causada ao executado, caso a sentença
de improcedência dos embargos venha a ser reformada, o próprio Código de Processo cuida de antever a reparação,
ao dispor, no art. 776 do CPC, que “o exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença,
transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação, que ensejou a execução”.
Trata-se de responsabilidade objetiva decorrente de risco judiciário e que se justifica pelo fato de se admitir o
prosseguimento da execução até seu final, mesmo diante da possibilidade de reversão da decisão dos embargos.
Ademais, se a lei prevê indenização para a hipótese de execução provisória, com muito mais razão deve conceber
esta responsabilidade gerada pela execução definitiva, cuja obrigação vem a ser declarada inexistente. Desta sorte,
pendendo o recurso de decisão que julgou os embargos improcedentes, o exequente poderá optar entre seguir com a
execução definitiva, tal como procedia antes da oposição dos embargos, sujeitando-se ao disposto no art. 776 do
CPC ou aguardar a solução definitiva do juízo ad quem. A “execução provisória”, hodiernamente, realiza-se da
mesma forma que a definitiva.
Ressalte-se que a interposição de recurso no duplo efeito impede a realizabilidade prática da decisão.
O recebimento do recurso de apelação, havendo previsão legal, pode ensejar oportunidade para a fala do Ministério
Público (art. 178 do CPC),  subindo os autos à instância ad quem.
119
1.4Procedimento no tribunal

Remetidos os autos à instância superior, os mesmos são registrados no protocolo, onde se verifica a numeração das
folhas antes da distribuição. Nessa oportunidade, impõe-se observar se há outros recursos de impugnação acerca do
mesmo processo, posto ser tradicional a vinculação do órgão colegiado que já conheceu outros incidentes relativos
ao mesmo feito. Inexistindo vinculação, o recurso é livremente distribuído a uma câmara e a um relator. Assim como
se procede na primeira instância, a distribuição é realizada em respeito ao princípio da publicidade e da
alternatividade, visando a resguardar a paridade de serviço entre os julgadores componentes dos órgãos colegiados.
A técnica utilizada é a do sorteio, excluindo-se os que anteriormente receberam recursos, com o fito de manter a
rigorosa igualdade (arts. 929 e 930 do CPC). 120

Engendrada a distribuição, o processo é enviado à Secretaria da Câmara, para remetê-lo à conclusão do relator. O
relator, como o próprio nome indica, fica incumbido de realizar o relatório, que servirá de base para o julgamento,
por isso da importância desta peça, que deve retratar, com fidelidade, tudo quanto ocorreu no processo até a
sentença, bem como os fundamentos do recurso e das contrarrazões (art. 931 do CPC).  Mutatis mutandis, esse
121

relatório é idêntico ao da sentença.


Destarte, não cabe apenas ao relator engendrar o relatório, como visto anteriormente na teoria geral dos recursos.
Reforma no Código de 1973 inseriu um novo requisito de admissibilidade para a apelação, calcada na força da
jurisprudência dos tribunais superiores, consagrando nas mãos do tribunal a quo o instrumento da súmula impeditiva
de recurso. Assim é que a apelação, para ser recebida, deveria veicular nas suas razões a desconformidade entre a
tese adotada na sentença e a súmula dos tribunais superiores. Sob esse ângulo, se o tribunal consagrasse na decisão a
tese tributária sumulada pelo STJ ou STF, não poderia a parte pretender apelar, para levar àqueles tribunais, teses que
apenas prolongariam a relação processual porquanto sumuladas no sentido oposto ao que desejado pelo recorrente.
Os valores celeridade e efetividade inspiraram em boa hora o legislador da reforma.
O atual diploma melhor elaborou a sistemática, aduzindo, com base no inciso I do art. 1.011, que o relator pode
decidir monocraticamente a apelação nas hipóteses do art. 932, III a V . Au-toriza-se o julgamento de inadmissão ou
122

de prejuízo, bem como o do recurso que não impugnou especificamente os fundamentos da decisão (art. 932, III).
Quanto ao mérito, viável a negativa de provimento ou o provimento, este desde que seja facultada a apresentação de
contrarrazões, com base em: (i) súmula do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do próprio
tribunal; (ii) acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento
de recursos repetitivos; ou (iii) entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
assunção de competência.
Desse modo, o relator pode, ainda, se a decisão recorrida for contrária a súmula do Supremo Tribunal Federal, do
Superior Tribunal de Justiça ou do próprio tribunal; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo
Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução
de demandas repetitivas ou de assunção de competência, dar provimento ao recurso (art. 932, V, do CPC). Não só
isso, também é responsável por apreciar o eventual pedido de tutela provisória, bem como proceder ao exame de
admissibilidade do recurso, não mais feito pelo juiz (art. 1.010, § 3º, do CPC).
A possibilidade de dar provimento ao recurso “manifestamente procedente” conspira em favor do devido processo
legal, conferindo a quem tem um bom direito revelável prima facie a tutela imediata. Trata-se de denominada tutela
da evidência em face do direito líquido e certo do recorrente. A técnica autoriza o relator a evitar que se submeta ao
ritualismo do julgamento colegiado causa cuja tese já resta sedimentada no seio da Corte local ou dos Tribunais
Superiores.
Destarte, como se observa do art. 932, V, do CPC, permite-se, inclusive, que o relator aprecie o mérito do
recurso, v.g., ocorre quando o relator dá ou nega provimento por força de súmula acerca da matéria sub judice.
A previsão da rejeição do recurso pelo relator, porque em dissonância com a súmula predominante, inaugura uma
técnica mitigada da súmula vinculante.
O relator, após cumprir a sua tarefa, deve lançar o visto nos autos, pedindo ao Presidente da Câmara ou Seção, dia
para julgamento. Superada essa etapa, o Presidente, diante do pedido de dia, designa data para julgamento,
mandando publicar a pauta no órgão oficial (art. 934 do CPC). 123

Visando a permitir que o advogado possa preparar-se para a sustentação oral, entre a data da publicação e a da sessão
de julgamento deve medear, pelo menos, 5 (cinco) dias, espaço de tempo a ser respeitado, sob pena de nulidade
arguível pelo interessado, sujeito à preclusão (art. 935 do CPC ). Deveras, é nulo o julgamento de processo no
124

Tribunal, quando não respeitado o prazo estabelecido no art. 935 do CPC. Esse prazo obedece ao critério de
contagem dos prazos processuais, prorrogando-se-o quando recai em dia que não há expediente forense.
A publicação deve conter: os nomes do recorrente e do recorrido, dos intervenientes e dos advogados que vêm
funcionando na causa perante o tribunal, sendo nula a intimação que desobedeça a essa formalidade. Entretanto,
havendo substabelecimento, é preciso noticiá-lo nos autos para que das publicações conste o nome do novo
advogado.
A falta de publicação é suprida pela “ciência inequívoca”, porquanto vige o princípio da finalidade nesse campo.
Esclareça-se, por fim, que também se exige publicação na pauta, sob pena de nulidade, dos feitos de remessa  ex
officio. Não obstante a publicação, também pode haver o “adiamento da sessão”, que se não for para a sessão
seguinte, convém seja a pauta publicada para não surpreender o advogado.

2.AGRAVO DE INSTRUMENTO

2.1Política legislativa e escorço histórico

Os sistemas processuais enfrentam as decisões interlocutórias exaradas no processo de diferentes formas. Há


sistemas jurídicos em que as decisões proferidas no curso do procedimento são impugnáveis mediante um só recurso
ao final do processo, evitando fases de filtragens de tudo quanto o juiz conhece e julga no  iter processual. Nestes, a
parte não sofre os efeitos da preclusão pelo fato de não investir de imediato contra uma decisão gravosa. Outros
sistemas, como o nosso, adotam técnica diversa, impondo a impugnação das decisões por etapas, sob pena de
preclusão .
125

O CPC de 1973, no art. 522, dispunha, in verbis: “das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez)
dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação,
bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será
admitida a sua interposição por instrumento”. A lógica foi sensivelmente alterada pelo legislador no CPC de 2015,
com a enumeração de hipóteses específicas em que cabe a interposição de recurso. A decisão interlocutória é ato do
juiz no curso do procedimento que, malgrado decisório porquanto resolve questão incidente, não impõe o término do
procedimento em primeiro grau de jurisdição.  A característica da decisão interlocutória é a de versar sobre questão
126

cuja análise não implica a extinção do procedimento em primeiro grau de jurisdição, diferenciando-se nesse ponto
da sentença que possui natureza terminativa. Forçoso acrescentar que, em segundo grau de jurisdição, a decisão
unipessoal pode acarretar a extinção do processo, v.g., a decisão monocrática do relator que nega seguimento ao
recurso manifestamente improcedente (art. 932, IV, a e b, e 1.011, I, do CPC). Deveras, a decisão interlocutória pode
ser proferida em qualquer processo (conhecimento, execução ou cumprimento de sentença) e procedimento (comum
ou especial).
A proliferação da figura de agravo, em contrapartida ao cabimento restrito da apelação às sentenças terminativas ou
de resolução do mérito, também consideradas definitivas, tem íntima vinculação com a sua origem histórico-
medieval.
O agravo de instrumento tem seu berço no Direito medieval português, onde foi instituído em face da
impossibilidade textual, então imposta, de oferecimento da apelação contra as interlocutórias. Esse período fora
antecedido de outro onde havia franquia na interposição do recurso de apelação contra qualquer decisão, gerando
uma “eternização dos feitos”. Em face dessa prodigalidade recursal, D. Afonso IV, que reinou de 1325 a 1357,
determinou a inapelabilidade das “decisões interlocutórias”. Mitigando-se a proibição, permitiu-se que se
interpusesse uma “queixa das partes” ao soberano ou ao magistrado superior, através de instrumentos que continham
informações do feito, sem a necessidade de remessa do mesmo. Esses instrumentos denominavam-se “querimas” ou
“querimônias” e, quando providos, geravam em favor das partes uma “Carta de Justiça”. Os julgamentos encetados
eram tidos como imperfeitos porquanto calcados em meras informações e por isso foram aperfeiçoados com a
exigência de que viesse “por instrumento” a justificativa do magistrado quanto à decisão atacada. Desenha-se, assim,
a origem remota do “agravo de instrumento”, por influência dessa segunda concepção das querimônias, atribuída a
D. Duarte. Por outro lado, o agravo guardava um certo caráter de nobreza da impugnação, em contrapartida à
apelação, haja vista que autores da época se referiram a esses meios de impugnação, afirmando que “contra
determinados juízes não se apela senão se agrava em virtude de sua ‘sublime graduação’”. 127

Notável influência exercia a distância entre a sede do juízo e a do recurso, quando a mais de cinco léguas da Corte,
posto impunha, necessariamente, a instrumentalização dos remédios destinados a reparar os gravames causados pelas
interlocutórias. O regime atual dos agravos também revela um resquício histórico, haja vista que o Direito lusitano
experimentou as modalidades de “agravo de instrumento”, “agravo de petição”, “agravo no auto do processo”,
“agravo ordinário” e “agravo de ordenação não guardada”.
Ao longo da história processual brasileira, após a nossa independência, empreendeu-se gradativa supressão dessas
espécies, sendo certo que, em época não muito remota, o nosso sistema ainda adotava as formas do “agravo de
petição”, do “agravo de instrumento” e do “agravo no auto do processo”, reduzidas na vigência do Código de 1973
para as espécies de agravo retido e agravo de instrumento, os quais faziam as vezes dos matizes anciãos, com a
técnica de impugnação das sentenças, ainda que terminativas, pelo recurso de apelação. 128

O atual CPC expurgou a figura do agravo retido, mantendo tão somente o agravo de instrumento, explicitando que o
processo somente deverá ter pausas quando ocorrer um risco de prejuízo real a uma das partes advindo da decisão
interlocutória, restando à discordância com eventuais decisões no curso do procedimento ser suscitada quando da
interposição da apelação, que devolverá ao tribunal ad quem toda matéria impugnada. O Código, além da referida
modalidade, ainda contempla o agravo interposto da decisão que nega seguimento aos recursos
extraordinário e especial, bem como os agravos internos das decisões do órgão monocrático dos colegiados.
2.1.1Vedação à modalidade de agravo retido

O Direito brasileiro, com maior ou menor intensidade, consoante expusemos acima, sempre procurou oferecer ao
agravante opções quanto à modalidade de agravo interponível.
A tendência à agilização da prestação jurisdicional conduziu o legislador à estratégia de dirigir a opção do agravante
na medida em que algumas decisões, mercê de gravosas, podem aguardar o final do processo, tendo em vista que, a
despeito delas, a parte potencialmente agravada pode recolher um resultado judicial exitoso. Com essa ideologia
traçada, foi-se pouco a pouco limitando o campo de opção do agravante. Assim, v.g., se o indeferimento da prova é
agravável, nada obsta que se retenha esse recurso em prol da continuação da marcha processual até que a parte
manifeste ou não recurso contra a decisão final, por isso que, apesar de não produzida aquela prova, possível que
venha a vencer a demanda a despeito da ausência de um elemento de convicção.
O Código, apesar de excluir a hipótese de agravo retido, uma vez que não mencionado no rol do art. 994 do CPC,
manteve a mesma linha de raciocínio quando da regulação do agravo. Entendendo que o agravo de instrumento,
dotado de efeito suspensivo ope iudicis ao julgar questões prejudiciais, pode travar o processo e comprometer a
duração razoável do processo, o legislador limitou expressamente as possíveis decisões agraváveis no art. 1.015 do
CPC. As demais decisões, que não possam ser impugnadas pelo agravo de instrumento, continuam sendo decididas
após a decisão final da fase processual em questão, qual seja a sentença, mas por outra via de impugnação. Não
sendo mais cabível o agravo retido, a via para se questionar essas decisões passa a ser a preliminar de apelação,
conforme se observa no art. 1.009, § 1º, do CPC.
O novo sistema delimita melhor o campo de incidência do agravo de instrumento e da forma de impugnação por
preliminar de apelação, fazendo o próprio sistema uma ponderação entre a urgência de resposta jurisdicional e a
duração razoável do processo, em relação às questões suscitadas. É inegável que há casos em que a interrupção da
marcha processual se revela extremamente necessária à parte e – seja pela observação do resultado útil do processo,
seja pelo respeito à duração razoável do processo, v.g., o recurso endereçado contra a decisão que defere uma tutela
de urgência de efeitos drásticos. Entretanto, não era raro haver promiscuidade nos casos ditos de urgência que
restaram por nulificar, na prática, a preocupação do legislador com a celeridade processual.
Por essa razão, o legislador, ainda na vigência do Código de 1973, após realizar uma interpretação autêntica do art.
523, § 4º, acabou revogando tal parágrafo por meio da Lei 11.187/05.
A ideia original partia da premissa de que as decisões interlocutórias proferidas em audiência, veiculadas pelo agravo
retido, subiriam rapidamente com a apelação da sentença presumivelmente prolatada no mesmo ato. Sucede que
algumas decisões não podem aguardar esse lapso temporal do processamento para serem impugnadas, até porque a
prolação da sentença não se revela tão imediata.
Desse modo, criou-se para tais decisões a impugnação via agravo de instrumento, ao passo que a via preliminar de
apelação é adequada tão somente para as decisões de pouco impacto imediato às partes não listadas no art. 1.015, do
CPC (observada a interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça), de modo a não obstar a celeridade
processual.

2.2Juízo de admissibilidade do agravo

O requisito de admissibilidade consistente no cabimento denota que o recurso de agravo se dirige às decisões
interlocutórias proferidas em qualquer processo e procedimento. Assim, no processo de conhecimento, é cabível o
agravo das decisões que se encontram elencadas no rol do art. 1.015 do CPC, v.g., a que resolve a tutela provisória e
o cabimento da intervenção de terceiros.
Sob esse ângulo, é mister ressaltar que há decisões interlocutórias que são proferidas no mesmo momento em que é
lavrada a sentença. Por força da consunção, os vícios apontados nessas interlocutórias, bem como nas demais
decisões não agraváveis no curso do processo, são absorvíveis pela sentença e, a fortiori, veiculáveis por apelação,
em caráter preliminar. Assim, v.g., se o juiz indefere uma prova em audiência e prolata sentença, a parte pode tão
somente apelar e destacar a preliminar de cerceamento. É a essas hipóteses que se refere o art. 1.009, § 1º, do
CPC,  admitindo o efeito devolutivo de interlocutórias não preclusas.
129 130

Por outro lado, é preciso ter sempre presente a noção de que um mesmo processo pode comportar várias ações.
Assim sendo, extinta uma das ações e prosseguindo o feito, estar-se-á diante de decisão incidente e não de decisão
extintiva da relação processual, a desafiar, portanto, o recurso de agravo. Nesse sentido, a decisão que rejeita o
litisconsórcio, a que impõe o seu desmembramento, assim como a que indefere a reconvenção, desafiam o recurso de
agravo. Incorre em equívoco os que entendem que a cada litisconsorte corresponde um processo e que à
reconvenção, como ação do réu, pertine um processo autônomo. Repise-se: é possível cumular-se várias ações no
mesmo processo, como o permite textualmente o art. 327 do CPC. 131

Diversamente, há autos apartados que ensejam processos incidentes, v.g., os embargos de terceiro, a exibição de
documento ou coisa em face de terceiro, o incidente de falsidade com pedido expresso de que a coisa julgada incida
sobre a declaração de autenticidade ou falsidade documental, etc. Nestas hipóteses, como não se trata de incidentes
do processo senão processos incidentes, os atos que os decidem e extinguem são sentença da qual cabe apelação.
Essa distinção revela importância à luz do princípio da fungibilidade recursal, cuja aplicação é restrita às hipóteses
que escapam ao erro grosseiro, o que não se verifica quando o interessado confunde as figuras do incidente do
processo e do processo incidente.
Há que se ter cautela ao promover a distinção. Em se tratando de processos autônomos, decididos por sentença,
caberá a apelação. No entanto, incidentes que se instauram no contexto do processo principal são resolvidos por
decisão monocrática e deles, a depender da previsão legal ou não, caberá agravo de instrumento. É o que se verifica,
por exemplo, no caso do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 1.015, IV).
No processo de execução, não obstante a atividade do juiz seja preponderantemente satisfativa, também é instado a
decidir por meio de interlocutórias agraváveis, v.g., quando resolve os incidentes da penhora, da avaliação ou
das fases de expropriação e pagamento. Deve-se ressaltar que, por força do art. 1.015, parágrafo único, do CPC,
“também caberá agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de
sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário”.
O rol do art. 1.015, CPC, consiste nas seguintes hipóteses, in verbis:
“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:
I – tutelas provisórias; II – mérito do processo;
III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação; VI – exibição
ou posse de documento ou coisa;
VII – exclusão de litisconsorte;
VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução; XI –
redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
XII – (VETADO);
XIII – outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase
de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de
inventário”.
Conclui-se, portanto, que o Código rompeu com a ratio que vigorava no Código Buzaid, em que se revelava possível
a interposição do agravo, de instrumento ou retido, de qualquer decisão interlocutória proferida no curso do processo.
Entretanto, ergue-se o questionamento acerca da pura taxatividade do rol de cabimento do agravo. Imagine-se, por
exemplo, uma decisão declarando a competência ou incompetência do juízo para julgar e processar determinada lide.
A impugnação em sede preliminar de apelação permitiria o prolongamento de uma decisão que interfere diretamente
no resultado do processo. Caso seja prolatada sentença por juízo posteriormente reconhecido como incompetente, é
necessária a remessa dos autos para o juízo competente para nova análise e prolação de uma nova sentença.
Evidencia-se, desse modo, situação flagrantemente lesiva ao interesse das partes e ao tempo adequado do processo.
Com vias de solucionar as imperfeições sistêmicas apresentadas, mas reconhecendo a necessidade de se limitar a
certas hipóteses o cabimento do agravo, a jurisprudência adotou o que se denominou de “taxatividade mitigada”. O
termo restou consagrado em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, em que se firmou a tese de que “ O rol do
art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando
verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação” . 132

Não se trata de mera admissão da interpretação ampliativa das hipóteses dispostas no rol do art. 1.015, CPC, mas de
acréscimo de uma hipótese a mais, que exige (i) a verificação da urgência da revisão do decisum, (ii) decorrente da
inutilidade do recurso no momento da apelação.
A legitimação para agravar segue a regra geral dos recursos.
O agravo de instrumento, hoje interponível nos Tribunais, apresenta peculiaridades quando o oferecimento da peça
compete ao representante do Ministério Público ou da Defensoria Pública que funcionam em primeiro grau. É que
perante a Corte Superior atuam membros que detêm atribuição exclusiva perante o colegiado. Há, assim, uma cisão
funcional obrigatória nessa atuação por força da repartição de atribuições entre os que funcionam em primeiro e em
segundo graus de jurisdição.
Outro requisito de admissibilidade e que restou modificado em face do novo regime do agravo foi o da regularidade
formal. O agravo de instrumento, em razão de a interposição engendrar-se direto na segunda instância, demanda
significativas alterações de forma. Em primeiro lugar, o ajuste do instrumento é do próprio agravante, porquanto a lei
se incumbe de mencionar as peças obrigatórias sem as quais o agravo não pode ser conhecido. Eliminou-se,
outrossim, a praxe da conversão em diligência (art. 1.017 e incisos do CPC). 133-134

Alinhado ao princípio da instrumentalidade das formas e do aproveitamento recursal, o legislador, buscando superar
a jurisprudência defensiva, esclareceu que a falta de qualquer documento, inclusive os de juntada obrigatória (art.
1.017, I), autoriza a abertura de prazo de cinco dias ao recorrente, para sanar o vício (art. 1.017, § 3º).
Atendendo às dificuldades da interposição de agravo para os Tribunais Superiores, a lei admitiu o oferecimento pelo
correio, ainda que na mesma unidade da federação, ou outra forma prevista por lei local; autorização que decorre da
possibilidade de dualidade de regramento procedimental à luz do texto constitucional.  É o denominado “protocolo
135

integrado”. Entretanto, a modernidade estabeleceu como praxe o protocolo eletrônico que abranda sobremaneira as
dificuldades impostas pela distância, seja do tribunal local, seja dos Tribunais Superiores.
A formalidade mais controvertida do agravo de instrumento é a que se refere o art. 1.018 do CPC  a exigir que o
136

agravante noticie, em três dias, no juízo a quo, a interposição do recurso, num intuito inequívoco de permitir a
retratação do juízo.
Em face dessa razão de ser da aludida formalidade, sustentavam alguns que o não cumprimento da exigência
implicava, apenas, inadmitir-se a retratação ex officio, até mesmo por impossibilidade prática, uma vez que o juízo
agravado não tinha como saber da existência do recurso. Outros, entretanto, pugnavam pela inadmissão do agravo
por falta de requisito de admissibilidade.
O art. 1.018, § 3º, do CPC colocou uma pá de cal no tema, qualificando essa diligência de comunicação como
“requisito de admissibilidade do agravo de instrumento”, por isso que, faltante o ato, o recurso é considerado
inadmissível, salvo se os autos forem eletrônicos, inclusive na primeira instância . Para tanto, porém, deverá haver
137

alegação do recorrido.
A exceção à obrigatoriedade de se atravessar a petição referida no caput se dá quando os autos são eletrônicos, em
virtude da comunicação quase imediata do próprio sistema ao juízo de primeira instância. Dessa forma, dispensa-se a
informação por parte do agravante.

2.3Juízo de retratação

O agravo apresenta uma característica intimamente ligada ao objeto contra o qual se dirige. É a possibilidade de
retratação pelo próprio prolator da decisão antes mesmo de se engendrar a revisão do decidido por outro órgão
jurisdicional superior.
A peculiaridade está em que, de regra, o juiz, ao decidir, não pode, em princípio, se retratar (art. 494 do
CPC),  exceto para a correção de erros materiais ou provocados por embargos de declaração, salvo casos
138

excepcionais (art. 331 do CPC).  Tratando-se de agravo, como a matéria ainda não está definida, é “lícito ao
139

julgador rever a sua decisão na fase própria da ‘retratação’”, hoje aplicável à hipótese de agravo de instrumento e às
decisões impugnadas por preliminar de apelação. 140

No agravo de instrumento, tendo em vista a sua interposição perante o tribunal ad quem, a retratação realizada pode
esvaziar a atividade do órgão superior (art. 1.018, § 1º, do CPC).  Aliás, mesmo interposto diretamente no tribunal,
141

noticia-se na primeira instância a existência do recurso, sob pena de inadmissão, exatamente para propiciar a
retratação (art. 1.018 do CPC). 142

O “eventual” esvaziamento da atividade da instância superior decorre do fato de que o agravado pode pretender, após
a modificação, insistir na decisão modificada. Passa, assim, ao posto de recorrente, podendo pleitear o juízo de
retratação ou que o seu agravo seja julgado pelo órgão superior após formalizar o “preparo” para esse fim. Aliás, a
sistemática acima poderá ser posta em prática toda vez que a reforma for parcial, uma vez que, em parte, o agravado
passará a agravante.
Cumpre observar que, se não houver ciência do tribunal e o juiz a quo reformar a decisão, caberá a interposição de
embargos de declaração para possibilitar a aplicação do art. 1.018, § 1º do CPC, considerando-se prejudicado o
recurso. Ainda, assim, superado o prazo dos embargos de declaração, a decisão do tribunal, conquanto substitua a
decisão recorrida, pode vir a ser modificada por outra provocação na instância inferior após a baixa dos autos.
Anote-se, por fim, que o juízo de retratação pode gerar nova decisão interlocutória ou consubstanciar-se em outra
categoria de ato decisório. Assim, se a parte agrava da designação de audiência, porquanto, na sua concepção, o feito
deveria ser extinto com análise do mérito por conta de prescrição, é lícito ao juiz retratar-se e proferir sentença,
hipótese em que a modificação implicará o cabimento do recurso de apelação (art. 203, § 1º c/c art. 1.009  do CPC).
143

2.4Efeitos do agravo

A interposição do agravo não obsta o andamento do processo. Por seu turno, o § 1º do art. 1.018  do mesmo diploma
144

informa que o agravo comporta retratação. Em face desses dois aspectos, diz-se que o recurso de agravo, em
princípio, não tem efeito suspensivo, apresentando, outrossim, “efeito devolutivo diferido”.
A não suspensividade sempre foi a regra do agravo, porquanto as decisões interlocutórias versam sobre questões
internas e formais, e que não devem impedir a marcha do processo. 145

Entretanto, o legislador brasileiro, na esteira das grandes ordenações, instituiu o efeito suspensivo ope judicis,
admitindo que o relator do recurso confira ao mesmo suspensividade até o pronunciamento do colegiado (art. 1.019,
I, do CPC).  Observado o dispositivo com a atenção que requer, conclui-se tratar-se de poder conferido ao relator,
146

assemelhado àquele que se defere ao juiz para a concessão da antecipação da tutela, tanto que se exige  possibilidade
de dano irreparável e relevante fundamento (segurança e evidência do direito). 147

Essa fisiologia do agravo aproxima-o dos efeitos alcançados outrora pelo mandado de segurança; por isso, a prática
judiciária vem revelando um decréscimo de impetração dos remédios heroicos em detrimento de um número
expressivo de agravos. 148

A técnica aplica-se caso o ato seja comissivo, hipótese em que se reclama a suspensividade imediata da decisão,
ou omissivo, caso em que é possível pleitear-se ao relator a antecipação da tutela com a concessão da atividade
sonegada em primeiro grau. Assim, v.g., é cabível o agravo com pedido de suspensividade, quando o juiz defere
liminar cautelar ou satisfativa, bem como quando a denega, caso em que se reclama ao relator, em antecipação de
tutela, a prática do ato omitido (art. 1.019 e inciso I, do CPC).
O agravo, quando interposto contra decisão concessiva de alguma providência, pode encerrar um pedido ao relator
de “efeito suspensivo”, visando a sustar a eficácia do ato agravado. Ao revés, tratando-se de indeferimento de
determinada providência, pela redação do art. 1.019 do CPC, é lícito pleitear a medida sonegada, denominando-se
esse efeito do agravo de “efeito “ativo”. Em ambos os casos, mediante revogação do parágrafo único do art. 527 do
CPC de 1973 junto à previsão do art. 1.021 do CPC atual, contra o ato do relator caberá agravo interno, permitindo-
se que seja revisto antes do julgamento do próprio agravo.
A devolutividade das razões da impugnação da decisão agravada fica diferida para após o juízo de retratação.
Realizada a retratação, o agravante passa a agravado, e então a devolutividade altera-se para levar ao tribunal, se
houver pedido nesse sentido, a irresignação do outrora agravado, que passa então à condição de agravante. Mantida a
decisão, a matéria é devolvida ao tribunal.
A devolutividade diferida, no âmbito da impugnação, é ampla, rediscutindo-se todos os motivos que levaram ou
poderiam ter conduzido o juízo àquela decisão, respeitadas as necessárias provocações quanto às questões não
conhecíveis de ofício.
2.5Formalidades do agravo de instrumento

O agravo de instrumento, de interposição direta no juízo ad quem, compreende outras formalidades e diligências,
mercê de também interposto no prazo de 15 (quinze) dias e por petição escrita, que poderá ser protocolada no
Tribunal, na própria comarca ou seção judiciária, postada no correio sob registro com aviso de recebimento ou,
ainda, outra forma estabelecida por lei de organização judiciária local (art. 1.017, § 2º).  De toda sorte, não se pode
149

conhecer de agravo de instrumento interposto por termo nos autos em face da exigência de apresentação de petição
direta no tribunal.
A permanência dos autos na instância de origem impõe a “completitude” do instrumento, com o fito de viabilizar
uma escorreita visão de todos os elementos influentes para o julgamento do agravo. Assim, além da petição escrita,
que deve conter a exposição do fato e do direito, o pedido de reforma da decisão ou de sua cassação, conforme se
trate de error in judicando ou in procedendo, o agravo deve conter, ainda, o nome completo e endereço dos
advogados e ser instruído com a cópia da decisão agravada, certidão da respectiva intimação, a permitir a verificação
da tempestividade e as procurações dos advogados, documentos de interesse das partes do recurso e do preparo, que
no regime atual deve compor-se de custas e porte de remessa e de retorno e ser efetivado quando da interposição (art.
1.007 do CPC). 150

A regularidade formal do recurso reclama seja veiculado por petição, que contenha as razões da irresignação, na
forma do art. 1.016 do CPC, bem como instruída com os documentos obrigatórios previstos no art. 1.017 do mesmo
diploma legal e as demais peças que o recorrente entender necessárias à compreensão da controvérsia.  Destarte, à
151

luz do princípio do contraditório, entende-se possível, até a abertura de vista ao agravado para resposta, juntar o
agravante, ao instrumento, novas peças, desde que se dê conhecimento delas ao recorrido.
Exaurido o rol das formalidades e postado ou protocolizado o recurso (art. 1.017, § 2º, do CPC) o agravante deverá,
na forma do artigo 1.018 do CPC juntar aos autos do processo originário em 3 (três) dias a cópia da petição do
agravo e de sua interposição, bem como a relação dos documentos que o instruíram. Esta diligência tem como
finalidade permitir a retratação e, caso descumprida pelo agravante e informada pelo agravado, enseja o não
conhecimento do recurso.

2.5.1Informação ao juízo a quo da interposição do agravo de instrumento.

O art. 1.018 do CPC dispõe que o agravante, no prazo de três dias, requererá juntada, aos autos do processo, de cópia
da petição do agravo de instrumento e do comprovante de sua interposição, assim como a relação dos documentos
que instruíram o recurso.
A modificação do procedimento do agravo de instrumento, com interposição direta no tribunal, fez exsurgir, num
primeiro momento, uma nova providência prática, qual seja a de se informar ao juízo a quo da interposição,
propiciando o denominado juízo de retratação.
Em face dessa única finalidade da novel providência, a doutrina assentou que a ausência da mesma impediria,
apenas, a retratação, sem implicações quanto à admissibilidade do recurso.
Entretanto, remanesciam divergências aqui e acolá admitindo o não conhecimento do agravo se o agravado
suscitasse essa preliminar da falta de requisito consistente na ausência de informação ao juízo a quo.
O legislador resolveu a questão pelo ângulo do formalismo e consagrou exatamente a corrente jurisprudencial
minoritária. Desta sorte, segundo a atual dicção, o não cumprimento do disposto neste artigo, desde que arguido e
provado pelo agravado, importa inadmissibilidade do agravo.
A opção do legislador pela solução formal, obstativa do seguimento do agravo, baseou-se na experiência prática que
revelou uma excessiva quantidade dessa modalidade recursal a abarrotar os tribunais, eivadas do vício que ora se
erige em requisito de inadmissão do recurso.
Em consequência, deixando o agravante de informar a interposição do recurso no juízo a quo, o agravado, mediante
provocação e não ex offício pode pleitear a inadmissão do recurso, comprovando a falta do preenchimento desse
requisito de admissibilidade. De toda sorte, o agravante frustrado pelo relator poderá oferecer o seu agravo interno,
comprovando ter engendrado a informação. O que não lhe reverterá em qualquer proveito será a simples alegação da
insignificância da diligência, porquanto novel requisito exigível pela lei.
Cumpre salientar, por fim, que a exigência resta afastada, quando os autos forem eletrônicos – em ambas as
instâncias, de acordo com a acertada jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça .
152

2.6Procedimento do agravo no tribunal

No tribunal, o agravo é distribuído a um relator que exerce, monocraticamente, o controle da admissibilidade do


recurso.
Inadmitindo o relator, como o permite o art. 1.021, do CPC,  enseja-se à parte a interposição, no prazo de quinze
153

dias, de um outro “agravo”, cognominado na prática judiciária de “interno”, dirigido ao órgão competente para julgar
o recurso originariamente interposto. Este agravo não tem revisor , cabendo manifestação do agravado no mesmo
154

prazo concedido ao agravante e deve ser incluído em pauta, na forma da nova redação do § 2º do citado art. 1.021, do
CPC.
Provido o agravo interno, abre-se a via para conhecimento do agravo obstado na sua marcha. Desprovido o recurso
interno, confirma-se a inadmissão.
Admitido o agravo de instrumento, pura e simplesmente, o relator mandará intimar o agravado pessoalmente, por
carta com aviso de recebimento, quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com
aviso de recebimento dirigida ao seu advogado para que responda no prazo de 15 (quinze) dias (art. 1.019, inciso II,
do CPC), facultando-lhe juntar a documentação que entender conveniente, sendo que, nas comarcas sede de tribunal
e naquelas em que o expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante publicação no
órgão oficial.
A resposta do recorrido também pode ser dirigida diretamente à Secretaria da Câmara ou postada pelo correio. Essas
facilidades indicam que a tempestividade é aferida pela postagem também. Havendo interesses indisponíveis em
jogo (art. 178 do CPC), abre-se vista pessoal ao Ministério Público, que disporá do prazo de 30 (trinta) dias para
pronunciar-se. Observe-se que, por força de leis institucionais, tanto o Ministério Público quanto a Defensoria
Pública dispõem da prerrogativa da “vista pessoal” para que se inicie o transcurso de seus prazos. 155

2.6.1Os poderes do relator no agravo de instrumento

Prosseguindo no intento de aumentar os poderes do relator de modo a minimizar o trabalho do colegiado, o


legislador empreendeu alguns ajustes nas reformas anteriores, calcado na novel experiência da decisão monocrática
em substituição à colegialidade.
Imperioso cotejarem-se os textos atuais e anterior para que se fixe com clareza as alterações procedidas.
Consoante o artigo 1.019, recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o
caso de aplicação do julgamento monocrático , o relator, no prazo de cinco dias: I – poderá atribuir efeito
156

suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando
ao juiz sua decisão; II – ordenará a intimação do agravado pessoalmente, por carta com aviso de recebimento,
quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com aviso de recebimento dirigida ao
seu advogado, para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender
necessária ao julgamento do recurso; III – determinará a intimação do Ministério Público, preferencialmente por
meio eletrônico, quando for o caso de sua intervenção, para que se manifeste no prazo de quinze dias.
A medida visa a autorizar o relator a evitar que se submeta, ao ritualismo do julgamento colegiado, causas cujas
decisões são sedimentadas em jurisprudência pacífica.
Por outro lado, a possibilidade de dar provimento ao recurso “manifestamente procedente” conspira em favor do
devido processo legal conferindo, a quem tem um bom direito revelável prima facie, a tutela imediata. Trata-se da
denominada tutela da evidência em face do direito líquido e certo do recorrente.
Mantendo o princípio do duplo controle da admissibilidade, a lei concede recurso dessa decisão do relator,
denominando-o de agravo, a ser apreciado pelo órgão competente para o julgamento do recurso. Essa impugnação
será dirigida diretamente ao relator do recurso no prazo de quinze dias, e, se não houver retratação, o relator incluirá
o recurso em pauta, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento.
A previsão da rejeição do recurso ou de seu provimento, pelo relator, porque em dissonância com súmula ou
precedente eleito pela lei, inaugura uma técnica mitigada da súmula vinculante.
Negado seguimento ao recurso por ato do relator, o agravo regimental interposto forma uma relação angular entre o
agravante e o relator, excluída qualquer resposta do agravado. Mutatis mutandis o fenômeno ritual que se opera é
semelhante ao indeferimento da inicial. 157

Tratando-se de rejeição liminar de agravo de instrumento, o agravado somente se pronunciará após o provimento do
agravo interno ora em exame.
Essa técnica de sumarização se aplica a qualquer recurso e permite ao relator que aprecie, inclusive, o mérito do
recurso, desde que manifestamente improcedente.
Trata-se da denominada “tutela antecipada nos tribunais”, tema abordado na teoria geral dos recursos.
Volvendo aos poderes do relator, observa-se que a sistemática do novel art. 932, CPC, ampliou-os ainda mais.
Destarte, manteve-se a previsão de oitiva do Ministério Público, nas hipóteses de sua intervenção (art. 178 do
CPC). In casu, funciona o custos iuris em exercício na câmara ou turma para onde foi distribuído incontinenti o
agravo.
Após o advento da antecipação de tutela, surgiu a seguinte indagação: pode o tribunal conceder a tutela que não foi
deferida em primeiro grau?
A jurisprudência e a doutrina encaminharam-se no sentido de permitir o que se cognominou efeito ativo ao agravo, a
autorizar o relator a antecipar a tutela total ou parcialmente, à luz da verossimilhança do alegado pela parte. Aliás,
não se poderia imaginar postura doutrinária diversa num país em que a Constituição promete o cumprimento do
devido processo legal e decorre do princípio da inafastabilidade que nenhuma ameaça a direito deve escapar à
apreciação judicial. Assim, o relator do agravo pode conceder antecipação de tutela diante da omissão do juiz, a qual,
em si, pode revelar error in procedendo ou in judicando.
Dissipando as divergências de outrora quanto a esse poder do relator, a novel redação não deixa a menor margem a
qualquer dúvida: o relator poderá atribuir efeito suspensivo ao recurso ou deferir, em antecipação de tutela, total ou
parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão (art. 1.019, I, do CPC).
Ao atribuir efeito suspensivo ao recurso, o relator susta a eficácia da decisão agravada. Na hipótese de omissão na
concessão do pleito do agravante, não há o que se sustar. É a antecipação da tutela recursal que propiciará ao
recorrente a utilidade que lhe foi negada em primeira instância, a consignação do efeito ativo do agravo.
Ultimadas todas essas providências e após a intimação do agravado, o relator deve pedir dia para julgamento (art.
1.020  do CPC).
158

Segue-se a mesma ordem preconizada para a apelação, quanto à sessão, divulgação do resultado do julgamento e
publicação do acórdão.

3.AGRAVO INTERNO

No âmbito dos Tribunais, o recurso de agravo interno – anteriormente também denominado agravo regimental, por
sua previsão nos regimentos internos de cada Tribunal – exsurge como iniciativa relevante. Sua interposição é
possível contra decisão proferida pelo relator, com o intuito de levar a temática à apreciação do respectivo órgão
colegiado (art. 1.021 ). O Código ampliou o cabimento desta modalidade recursal, estendendo-a a todas as decisões
159

monocráticas de relatores, extinguindo dúvidas variadas.


Na esteira do já exposto acerca da potencialização dos poderes dos relatores, enquanto instrumento para alcance da
celeridade na prestação jurisdicional, bem como de sua otimização, funciona o agravo interno como instrumento apto
a resguardar a colegialidade dos Tribunais.
A apresentação da insurgência deve conter os fundamentos específicos de impugnação da decisão agravada. No
entanto, pretendeu o legislador de 2015 esclarecer a relevância da dialeticidade no agravo interno, afastando a prática
recorrente de repetição dos argumentos do recurso interposto e julgado monocraticamente na petição do referido
agravo (art. 1.021, § 1º).
Dirigido ao relator prolator da decisão agravada, o recurso comporta juízo de retratação, como sói suceder nos
agravos. Acaso mantida a decisão, o recurso deve ser levado a julgamento por órgão colegiado, vedando-se a mera
repetição dos argumentos veiculados na decisão recorrida, considerando que também não haja uma mera repetição na
peça recursal (art. 1.021, §§ 2º e 3º).
A reconsideração da decisão recorrida ou o provimento do recurso não poderá se dar sem que se oportunize o
oferecimento de contrarrazões à parte agravada, caso possa sobrevir-lhe prejuízo.
Nas hipóteses de recurso manifestamente inadmissível ou unanimemente improcedente, é possível a fixação de multa
de um a cinco por cento sobre o valor da causa, cujo montante será devido ao agravado. Nessa hipótese, o prévio
depósito desse valor é condição para a interposição de novos recursos, a menos que se trate da Fazenda Pública ou de
beneficiário da justiça gratuita, que poderão realizar o pagamento ao final do processo (art. 1.021, §§ 4º e 5º).

4.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO

4.1Generalidades

As decisões judiciais têm como finalidade última a definição de direitos e, para esse fim, devem ser claras e precisas,
evitando ambiguidades resultantes de sua inteligência. A clareza e a precisão das decisões estão intimamente ligadas
à ideia de pacificação ínsita no poder jurisdicional, além de nortear as manifestações de irresignação ou
conformidade das partes com a mesma. Não se pode recorrer se não se sabe o alcance do ato judicial e, a fortiori, o
prejuízo causado pela manifestação jurisdicional. Entretanto, assim como juízes perpetram erros de injustiça e
ilegalidade nas decisões, corrigíveis pelos recursos, podem também incidir no vício in procedendo da pouca clareza
de suas manifestações judiciais, ensejando dúvidas por força de omissões, contradições ou obscuridade . 160

Visando a conjurar esses defeitos, a lei permite que o magistrado esclareça o seu ato, uma vez provocado pela parte.
O instrumento de que se vale o sujeito do processo para provocar o juiz a esclarecer as suas manifestações denomina-
se embargos de declaração. Em face desta sua razão de ser, inegável é o cabimento desse recurso contra qualquer
manifestação judicial. Trata-se de um expediente de hermenêutica judicial ou interpretação judicial autêntica,
porquanto engendrada pelo próprio produtor da dúvida, equivalendo a um pedido de esclarecimento. 161

Esses defeitos da pouca clareza das decisões podem verificar-se em decisões interlocutórias, sentenças definitivas ou
terminativas, acórdãos, votos vencidos  ou decisões interlocutório--monocráticas dos tribunais.
162 163

Assim, v.g., são cabíveis os embargos de declaração caso o juiz, ao julgar o pedido do autor com base em dupla
causa de pedir (despejo por infração contratual e retomada para uso próprio), acolha a procedência deste último e se
omita quanto à infração. Nessa hipótese, o autor deve pedir que o magistrado se pronuncie, também, acerca da causa
de pedir consistente na infração contratual. Vejamos outros exemplos de decisões que desafiam os embargos de
declaração: a) a decisão interlocutória que defere uma das provas requeridas e silencia sobre a outra também
pleiteada; b) o acórdão que nega provimento ao recurso do réu condena o autor na sucumbência; c) o voto vencido
que, discordando da maioria, não explicita as razões de decidir; ou d) a decisão do relator do recurso especial, que,
denegando o agravo interposto contra o seu seguimento, determina a sua inclusão em pauta para julgamento do
recurso extremo. Todas essas são situações contraditórias da decisão que desafiam os embargos de declaração.
Os embargos de declaração, não obstante endereçados ao próprio juízo prolator da decisão a ser esclarecida, é
considerado pela lei “recurso”, como se verifica do art. 994 do CPC.
Topograficamente tratado no capítulo dos recursos, a própria lei esclarece que os embargos  interrompem o prazo
para o oferecimento de outro meio de impugnação (art. 1.026 do CPC). 164

Contudo, a finalidade de integração da decisão pela sua pouca clareza, torna-o cabível mesmo das decisões, em
princípio, irrecorríveis.
Destarte, como todos os recursos, os embargos demandam interesse em recorrer, de sorte que a declaração há de
incidir sobre fatos relevantes e influentes.
Diferentemente dos outros recursos estatuídos no Código, o prazo para oposição dos embargos de declaração é de
cinco dias (art. 1.023),  aplicando-se a mesma contagem também para suas contrarrazões, com o que o legislador
165

superou os inconvenientes do prazo em “horas”, previsto em antigos diplomas. Esse prazo conta-se da intimação da
decisão, sendo admissível a interposição antecipada pelo advogado que, participando da seção de julgamento,
verificou a omissão. Aliás, o princípio da fungibilidade ampara essa hipótese tanto mais que o que não se admite é a
interposição intempestiva.
Os embargos de declaração, além da tempestividade como requisito de admissão dos embargos, também têm que
preencher o requisito consistente na regularidade da forma,por isso que a lei impõe petição escrita  dirigida ao juiz
166

ou relator, com indicação do ponto obscuro, contraditório ou omisso.


Ressalte-se que os embargos de declaração não são sujeitos a preparo.
Ainda que se admita, em algumas situações, que o embargado em princípio não seja ouvido, se o pedido for de
integração do julgado com a modificação da decisão em razão de ponto omisso não resolvido e nas hipóteses de
acolhimento com efeito modificativo ou infringente, deve-se proceder à sua prévia intimação para que ofereça
contrarrazões (art. 1.023, § 2º).
Interposto perante e para o próprio juízo prolator da decisão, enquadra-se esse recurso na categoria de  recurso de
retratação.

4.2Cabimento dos embargos de declaração 167

O artigo 1.022 do CPC dispõe que cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I –
esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II – suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se
pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III – corrigir erro material.
O Código enumera como vícios passíveis de serem afastados pelos embargos de declaração a  obscuridade,
a contradição, a omissão e o erro material.
A técnica legislativa empregada poderia, em princípio, ser refutada, optando-se por uma fórmula genérica indicativa
da pouca clareza da decisão. Entretanto, bem analisados à luz da praxe, esses vícios apresentam diversas
consequências.
A contradição e a obscuridade referem-se a algo que foi apreciado pelo juiz, ao passo que a omissão reclama um
novo pronunciamento integrativo. Isto significa que, havendo omissão, a decisão pode vir a ser modificada
quantitativa ou qualitativamente pelo novel provimento. Tratando-se de contradição ou de obscuridade, o
provimento é explicitado, ainda que em sentido diverso. Essa possibilidade de alteração da decisão após o
julgamento dos embargos confere ao mesmo o que se denomina na doutrina efeitos
modificativos ou infringentes, muito embora a regra geral seja apenas o aclaramento, o que implica a
imodificabilidade do julgado. O suprimento da omissão pode potencialmente impor a alteração do julgado. Assim,
são incabíveis embargos de declaração com a finalidade de rediscutir questão já apreciada com o escopo de obter a
modificação do resultado final.
Destarte, considerando a finalidade dos embargos de declaração, é inadmissível formular pedido novo, com efeito
modificativo. Em suma, os embargos declaratórios são apelos de integração – não de substituição, na expressão do
Ministro Humberto Gomes de Barros.
A obscuridade verifica-se pela impossibilidade prima facie de se extrair o alcance do julgado, v.g., quando a decisão
estabelece a desocupação do imóvel sem indicar o seu prazo.
A contradição revela-se por proposições inconciliáveis, como a que, julgando procedente o pedido, impõe ao autor a
sucumbência. A incompatibilidade pode dar-se entre a motivação e a parte dispositiva da sentença,  v.g., quando o
juiz afirma convencer-se do vício de consentimento apto a anular o negócio jurídico e julga improcedente o pedido.
Essa dissintonia nos julgados colegiados pode ocorrer entre a ementa e o acórdão, consoante já visto, devendo
prevalecer este último, porquanto aquela é a suma do julgamento. Entretanto, é mister o oferecimento dos embargos
nessa hipótese, apesar de a prevalência decorrer de jurisprudência pacífica. 168

O embargante há de apontar a contradição de forma objetiva em vez de formular verdadeira “consulta” ao


Judiciário. 169

A omissão é característica dos julgamentos citra petita em que o julgador omite-se na apreciação de pedidos ou
questões, mas também é cabível quando o error in procedendo enquadra-se no julgamento ultra petita, cujos
excessos devem ser podados através dos embargos de declaração.  Assim, v.g., se a parte formula cumulação de
170

pedidos, cumpre ao juiz apreciar ambos, ainda que considere um dos pleitos como pedido implícito. É que no Direito
brasileiro, em princípio, não há julgamento implícito, senão pedidos implícitos, v.g., o pedido de juros de mora, o de
honorários advocatícios, bem como o de prestações vincendas nas relações jurídicas de trato sucessivo, objeto de
ação condenatória (art. 85 c/c art. 322 c/c art. 323 do CPC).
A omissão implica inclusão de novo capítulo ao julgamento; por isso, para atender ao postulado do contraditório,
faz-se mister a oitiva do embargado.
Deveras, a omissão apresenta um aspecto ímpar em sede de cabimento do recurso extraordinário e do recurso
especial; é que, não suprida por essa forma de impugnação a lacuna do aresto recorrido, impede-se que a matéria
omitida seja apreciada nos tribunais superiores, por falta de prequestionamento.
As Cortes Superiores por meio de seus entendimentos predominantes consubstanciados nas súmulas preconizam que
a matéria devolvida ao STF ou ao STJ seja prequestionada.  É nesse particular que os embargos desempenham
171

notável função integrativa, sendo certo que, mesmo nos embargos de declaração com fim de prequestionamento,
deve-se observar os limites traçados no art. 1.022 do CPC (obscuridade, contradição, omissão). Em consequência,
não se pode embargar para “questionar” pela vez primeira, nem mesmo matérias alegáveis a qualquer tempo, como a
prescrição, a incompetência absoluta etc. Nesse segmento, observe-se que há diferença entre “prequestionamento” e
“questionamento originário” em embargos de declaração, este último inadmissível com o fito de se conferir caráter
infringente ao recurso.
É nesse sentido que se afirma incabíveis embargos de declaração para suscitar questões novas, sendo certo que é essa
a ratio essendi das súmulas do E. STF .172

Outra instigante questão prática é a dos embargos declaratórios com o suposto desígnio de prequestionar a incidência
de diversos dispositivos legais.
A praxe forense revela a constância de oferecimento de embargos de declaração através dos quais a parte pleiteia que
o tribunal se manifeste sobre a incidência de vários dispositivos legais supostamente aplicáveis ao caso concreto.
Nesses casos, os embargos sugerem uma consulta acadêmica. Os nossos tribunais têm-se posicionado no sentido de
que não é função dos embargos de declaração responder a questionários, ressalvando-se, nesse caso, inconcebível
consulta ao Judiciário. É que tecnicamente a solução está em que o julgamento por omissão pressupõe tenha o órgão
julgador saltado sobre o ponto. Nada obstante, se a fundamentação da conclusão a que chegou o aresto independe
dos dispositivos legais citados pela parte, é indiferente a omissão noticiada através de embargos de declaração. Isto
por que indicando, razão suficiente para fundar a decisão, o Judiciário não tem o dever de responder aos argumentos
que, por si sós, contrapõem-se à decisão.
A promiscuidade na utilização dos embargos de declaração suscita preconceitos contra o recurso, por vezes
imerecido.
Sugere-se, em notável interpretação autêntica dos tribunais, que “os embargos declaratórios não consubstanciam
crítica ao ofício judicante, mas servem-lhe ao aprimoramento. Ao apreciá-los, o órgão deve fazê-lo com espírito de
compreensão, atentando para o fato de consubstanciarem verdadeira contribuição da parte em prol do devido
processo legal” .
173

Outrossim, o legislador, em boa hora, excluiu a dúvida  como defeito conjurável por embargos de declaração, haja
174

vista que a sentença não a contempla senão a gera no espírito do intérprete da decisão judicial. Em suma, uma
decisão duvidosa o é subjetivamente e não objetivamente.
Por outro lado, inseriu-se, dentre as hipóteses de cabimento, o erro material que pode ser corrigido por embargos de
declaração. Tem-se por erro material o equívoco relacionado a aspectos objetivos da decisão,  v.g. erros de cálculo e
de digitação.
Advirta-se, por fim, que os simples erros materiais podem ser corrigíveis de ofício e independentemente de
embargos, muito embora estes sejam também servis a esses defeitos.
Deveras, o defeito do pouco aclaramento da deliberação judicial pode estar na manifestação isolada dos componentes
do colegiado.
Por essa razão é pacífico o entendimento de que cabem embargos de declaração em relação ao voto vencido com o
escopo de avaliar a extensão da divergência. Esse mesmo raciocínio inspira o cabimento dos embargos para apuração
dos termos de um dos votos integrantes do julgamento colegiado, ainda que não o voto vencido, v.g., um “voto-vista”
no E. STJ.
Assim, por exemplo, se a parte não se apreende ao voto foi vencido ou tampouco acompanhou a maioria, pode
interpor embargos de declaração.
Dentre as inovações do Código relativamente aos embargos de declaração, destaca-se a expressa possibilidade legal
de que o órgão julgador conheça dos embargos de declaração como agravo interno, caso entenda ser este o recurso
cabível na espécie art. 1.024, § 3º).  Nessa situação, deverá determinar a prévia intimação do recorrente para que, no
175

prazo de 5 (cinco) dias, complemente as razões recursais, adequando-as às exigências do agravo interno.

4.3Efeitos dos embargos de declaração

Os recursos, em regra, têm efeito duplo: devolutivo e suspensivo.


Os embargos apresentam singularidades sob essa ótica.
Em primeiro lugar, o efeito do recurso é mais do que suspensivo; é interruptivo, haja vista que, enquanto não
integrada a decisão, não se pode cogitar de torná-la efetiva.
Aliás é sob essa ótica que antes de julgados os embargos de declaração de qualquer das partes não há exaurimento a
admitir outro recurso, na medida em que a possibilidade de decisão ainda não é pronunciamento último do Judiciário,
tese que influi sobremodo no cabimento dos recursos para os Tribunais Superiores. Destarte, a letra do artigo 1.024
do CPC  não deixa margem a dúvidas de que a interrupção opera-se em relação a ambas as partes, por isso que se
176

aquela que não embargou, adiantar-se e interpuser, v.g., o recurso especial, deverá após o julgamento dos embargos,
caso altere o resultado anterior da lide, reiterar a sua intenção em vê-lo julgado para fins de exaurimento da última
instância exigida constitucionalmente.
Sinteticamente, poder-se-ia afirmar que o efeito interruptivo influi no prazo do recurso subsequente, e a razão é
simples: enquanto não esclarecida a decisão judicial, as partes não podem depreender a extensão do gravame.
A possibilidade de o esclarecimento trazer nova definição importa que a interrupção se estenda a ambas as partes, já
que, à luz do novel provimento, qualquer delas pode vir a ter interesse em recorrer,  v.g., quando o juiz, ao dissipar a
contradição, conclui sobre a procedência do pedido em vez da improcedência anteriormente declarada em
contradição com os fundamentos.
Fundamental destacar o efeito modificativo dos embargos de declaração no CPC. Veja-se, pois, que o objetivo
precípuo do recurso dos embargos declaratórios é justamente integrar a decisão proferida, prestando esclarecimentos
e elucidando omissões e contradições que possam ter surgido em meio à análise dos fundamentos para chegar àquela
conclusão. Ademais, os embargos são comumente utilizados com o fim de prequestionamento de dispositivos legais
e constitucionais para viabilizar a interposição de recursos – especial e extraordinário – aos Tribunais Superiores,
consoante se extrai do art. 1.025, do CPC .177

Todavia, em algumas hipóteses, admite-se o conhecimento e provimento dos embargos de declaração com efeitos
modificativos. Nesses casos, a oposição dos embargos visa a sanar omissão, contradição, obscuridade ou erro
material tamanho que interfere diretamente no dispositivo da decisão embargada. Diz-se, assim, que se trata de
embargos com efeitos infringentes.
Em situações como a descrita, o Código prevê a necessidade de oitiva da parte embargada, a fim de assegurar o
contraditório no curso processual. Trata-se de incorporação no procedimento da norma positivada que impõe o
respeito ao contraditório das partes e impede a prolação de decisões – ou sua alteração – sem que uma das partes se
pronuncie sobre a objeção apontada (arts. 9º e 10 do CPC). Em caso de rejeição dos embargos, ou ainda quando não
se verifiquem efeitos modificativos, é possível o julgamento sem a oitiva da parte embargada. Isso se dá em
privilégio à celeridade processual, eis que não há prejuízo (pas de nullité sans grief) àquele que não foi ouvido.
Destaque-se, ainda, que a vigente legislação processual promoveu sutil alteração em entendimento previamente
consolidado que operava como mecanismo de jurisprudência defensiva. O art. 1.024, § 5º, do CPC  superou o 178

Enunciado nº 418 do STJ que demandava ratificação do recurso especial interposto antes do julgamento de embargos
de declaração que não modificaram o acórdão recorrido.

4.4Litigância abusiva na oposição dos embargos de declaração

Por fim, deve-se mencionar o chamado efeito interruptivo natural dos embargos de declaração. O Código, consoante
visto, dispõe que os embargos de declaração interrompem o prazo para a interposição de outros recursos, por
qualquer das partes (art. 1.026 do CPC).
Esse efeito amplia, de forma oblíqua, o prazo para interposição do recurso subsequente e pode servir, eventualmente,
de instrumento de protelação. Veja-se que a intenção de postergar o inevitável resultado processual sem fundamentos
adequados e hábeis para tanto foi coibida pelo novo Código que, inspirado nos estudos da análise econômica do
direito, impôs uma série de ônus àquele que pauta sua atuação no processo em sentido contrário à duração razoável
do processo.
Assim, atento a essa possibilidade, o legislador impôs severas sanções ao embargante protelatório, exacerbadas em
caso de reiteração (art. 1.026, § 2º a 4º, do CPC).  Isto não significa que os embargos de declaração interpostos
179

contra decisão de embargos de declaração sejam incabíveis. Apenas se os dois embargos anteriores forem
considerados protelatórios não mais se admitem novos embargos de declaração.
Advirta-se que o pagamento dessa sanção pecuniária é requisito de admissibilidade do recurso subsequente,
requisito que não se estende à Fazenda Pública ou aos beneficiários da gratuidade de justiça.
Destarte, havendo a deslealdade processual indicada na lei e omissão de inflição dessa sanção pelo tribunal, mercê de
reconhecida a má-fé, a outra parte pode oferecer embargos para que a punição seja explicitada.
A qualificação dos embargos como protelatórios, sugere alguns critérios extraídos da jurisprudência. Assim, em
princípio, na forma da Súmula nº 98 do STJ: “os embargos de declaração manifestados com notório propósito de
prequestionamento não têm caráter protelatório”. Por outro lado, a aplicação da sanção a pretexto de serem
protelatórios os embargos exige motivação.
A possibilidade de interposição maliciosa dos embargos de declaração indica que eles podem ser rejeitados
liminarmente, até por intempestividade, decisão essa que comporta agravo.
Por outro lado, mesmo inadmissível o recurso, o efeito interruptivo opera-se, porquanto a lei previu apenas sanção
pecuniária em caso de impugnação maliciosamente interposta (art. 1.026 e §§ do CPC) e não a perda de prazo do
recurso subsequente.
A devolução, nos embargos, tem característica de retratação, na medida em que a irresignação de esclarecimento se
volta para o mesmo juízo prolator da decisão. Não obstante sob o ângulo prático seja aconselhável que o mesmo juiz
que prolatou a decisão ininteligível a esclareça, tecnicamente não há vinculação quanto à  identidade física do juiz.
Muito embora fosse assente esse princípio na vigência do vetusto CPC e, fosse reconhecido no prolator da decisão
obscura o seu melhor intérprete, é cediço que, se o juiz que proferiu a sentença tem cessada sua vinculação ao
processo, os embargos devem ser decididos por outro juiz em homenagem à duração razoável do processo. 180

Anote-se, por fim, que a devolução de uma decisão omissa à instância inferior não reabre o prazo para os embargos
contra a nova sentença. 181

5.RECURSO ORDINÁRIO CONSTITUCIONAL

5.1Generalidades 182

O Recurso Ordinário Constitucional ostenta esse nomen juris não só porque seus pressupostos estão previstos na
Carta Magna, mas também porque tutela garantias constitucionais seculares, como soem ser o mandado de segurança
e o habeas corpus.
A expressão “ordinário” contrapõe-se a “extraordinário”, principalmente porque faz as vezes da apelação e tem,
como esta, “ampla devolutividade”. Importante ressaltar que quando se classificam os recursos em categorias, é
possível falar em recursos ordinários (apelação, agravo, etc.) e recursos extraordinários. Por isso, necessária a cautela
ao se falar em recurso ordinário, eis que a mesma nomenclatura comporta o gênero e a espécie recursal.
Os arts. 102, II, a e b, e 105, II, a, b e c, da Constituição Federal, estabelecem as causas que comportam o recurso
ordinário, ora endereçado ao Supremo Tribunal Federal e ora ao Superior Tribunal de Justiça. Assim é que compete
ao Supremo Tribunal Federal julgar, através de recurso ordinário constitucional: o habeas corpus, o mandado de
segurança, o habeas data e o mandado de injunção, decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se
denegatória a decisão.
Por sua vez, ao Superior Tribunal de Justiça compete julgar em recurso ordinário: os habeas corpus e os mandados
de segurança decididos em única ou última instância pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos
Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão for denegatória, bem como as causas em que forem
partes Estado estrangeiro ou organismo internacional, de um lado, e, do outro, Município ou pessoa residente ou
domiciliada no País.
O ponto em comum, saliente-se, entre o recurso ordinário endereçado ora ao STF, ora ao STJ, está na necessidade de
esgotamento das esferas jurisdicionais, onde as garantias são apreciadas em julgamento e na denegação das mesmas.
Há autores, portanto, que identificam o recurso ordinário constitucional como um recurso secundum eventum litis, eis
que a sua interposição apenas será possível quando a decisão for denegatória de segurança – exceto nos casos do art.
105, II, b, da Constituição, em que o recurso decorre de um requisito subjetivo, qual seja a observância das partes do
processo.
A razão de ser do recurso indica ser cabível mesmo quando não se aprecia o mérito da causa, com a extinção
terminativa.  O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento no sentido de que a expressão “denegatória a
183

decisão” tem sentido amplo, pois não só compreende as decisões dos Tribunais que, apreciando o meritum causae,
indeferem o pedido de mandado de segurança, como também aquelas que, sem resolução do mérito, operam a
extinção do processo. Assim, v.g., cabe recurso ordinário ao STF da decisão de Tribunal Superior que não conhece
de mandado de segurança, por motivo de decadência porquanto decisão de mérito conforme a dicção da lei (art. 487
do CPC).
Compete ao Supremo Tribunal Federal, o julgamento do recurso ordinário quando a decisão provém dos Tribunais
Superiores (STJ, TST, TSE, STM), ao passo que o Superior Tribunal de Justiça julga as decisões de única instância
dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Estaduais, dos Territórios e do Distrito Federal.
O recurso ordinário constitucional deve preencher os requisitos de admissibilidade estabelecidos para a apelação no
tribunal de origem, sendo certo que, nas causas entre os Estados estrangeiros e outros, as decisões interlocutórias
agraváveis seguem o regime comum do agravo. É o que dispõe o art. 1.027 e parágrafos do CPC.  Aliás, em redação
184

antiga, eram previstos os recursos de apelação e os de agravo nas demandas entre Estados estrangeiros e Município
ou pessoa estrangeira domiciliada no Brasil. Hodiernamente, a apelação foi substituída, apenas no nome, pelo
recurso ordinário constitucional.
Mencione-se, além disso, que o processo cuja decisão terminativa comporta a interposição de recurso ordinário
constitucional – mesmo, e com destaque, aqueles casos de competência do juízo federal de primeira instância –
possui decisões interlocutórias não terminativas das quais o recurso cabível será o agravo de instrumento, conforme a
regra de cabimento do art. 1.015, CPC, estudada previamente. Destas não cabe a interposição de recurso ordinário e
o Tribunal competente para apreciar o recurso será o Tribunal Regional Federal respectivo, e não o Superior Tribunal
de Justiça.

5.2Requisitos de admissibilidade

Os requisitos gerais de admissibilidade do recurso ordinário distinguem-se por algumas peculiaridades.


Inicialmente, é cediço que o prequestionamento não é requisito de admissibilidade do recurso ordinário.
O cabimento do presente recurso exsurge no momento em que denegado o writ pelos Tribunais mencionados na
Constituição e no art. 1.027 do CPC.
A interposição de recurso extraordinário ou especial em vez do recurso ordinário, ainda que os fundamentos da
irresignação sejam constitucionais, torna inadmissível, configurando erro grosseiro, inaplicando-se o princípio
da fungibilidade (Súmula nº 272 do STF).  Consequentemente, a interposição de recurso extraordinário, mesmo que
185

a causa esteja adstrita a questões constitucionais, é inadmissível e configura evidente erro grosseiro, tornando
inviável a conversão do recurso extraordinário em ordinário e a remessa do mesmo para o STJ.
O recurso ordinário, no que pertine ao processo civil, é cabível quando a decisão é denegatória de mandado de
segurança, mandado de injunção e habeas data. A denegação da liminar não se equipara à denegação da segurança,
por isso que o resultado do recurso interposto contra o provimento de urgência não desafia o recurso ordinário
constitucional.
Destarte, a decisão atacada deve ser de tribunal (ou Superior ou Tribunais de segunda instância), razão pela qual não
cabe esse meio de impugnação das decisões monocráticas dos relatores dos colegiados  e das decisões denegatórias
186
provenientes dos juizados especiais, mas são admissíveis do resultado denegatório do recurso interposto contra a
manifestação fracionária. 187

Outrossim, o acórdão que confirma a sentença denegatória de primeiro grau, uma vez que o  writ não foi decidido em
única instância torna inadmissível o recurso ordinário.
A necessidade de o recurso ser de única instância não autoriza a imediata interposição de recurso extraordinário se
a decisão denegatória violar a Constituição Federal, porquanto o recurso extraordinário pressupõe o exaurimento
das vias recursais. Assim, primeiramente deve o recorrido interpor o recurso ordinário. A mesma  ratio indica ser
inadmissível o recurso especial de decisão denegatória em mandado de segurança.
Quanto à inadmissão do recurso ordinário constitucional desafiar o agravo, por analogia ao recurso especial, no
Superior Tribunal de Justiça, não se tem admitido esse agravo de instrumento, senão agravo regimental para o órgão
fracionário da origem e em seguida recurso especial dessa última decisão. 188

Especificamente aos processos entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Município ou residente no
Brasil, cabendo recurso ordinário da sentença, igualmente assegura o Código o cabimento do agravo de instrumento,
também para o Superior Tribunal de Justiça, contra as decisões interlocutórias elencadas no art. 1.015 (art. 1.027, §
1º).
Quanto à tempestividade, a determinação da aplicação das normas procedimentais da apelação ao recurso ordinário
implica no seu prazo de interposição, que é de 15 (quinze) dias (art. 1.028 do CPC).
O recurso ordinário, como os meios impugnativos em geral, deve indicar os errores in procedendo e in judicando da
decisão, porquanto não se conhece da impugnação que se limita a repetir os fundamentos do writ sem impugnar a
decisão denegatória, malgrado, provido o recurso, o seu resultado coincidirá com aquele se a ordem tivesse sido
concedida.

5.3Efeitos do recurso

A devolutividade do recurso ordinário transfere ao STF ou ao STJ, a exemplo da apelação, o conhecimento de toda a
matéria impugnada, abrangendo as questões suscitadas e discutidas no processo, de natureza constitucional ou não,
ainda que a sentença não as tenha julgado por inteiro. Isto porque aplicam-se, integralmente, ao recurso ordinário, as
regras do efeito devolutivo da apelação (art. 1.013, e parágrafos, do CPC),  inclusive a técnica da causa madura (art.
189

1013, § 3º, c/c art. 1.027, § 2º), merecendo relembrar-se que outrora o atual recurso denominava-se mesmo
“apelação”. Consequentemente, a aplicação ao recurso ordinário do regime da apelação, em razão da profundidade
desta, dispensa o requisito do prequestionamento do tema constitucional, e se lhe estende o efeito suspensivo
tradicional.
A necessidade de o recurso ser de única instância não autoriza a imediata interposição de recurso extraordinário se a
decisão denegatória violar a Constituição Federal, porquanto o recurso extraordinário pressupõe o exaurimento das
vias recursais. Assim, primeiramente deve o recorrido interpor o recurso ordinário constitucional.
O silêncio da lei e a regra geral indicam que o recurso ordinário constitucional tem efeito suspensivo, de pouca
relevância prática porquanto interposto de decisão denegatória.
A eventual antecipação da tutela recursal é de competência do relator do recurso, o qual, se já admitido, permite-se a
concessão da medida por simples petição ou medida cautelar regimental.
6.RECURSO EXTRAORDINÁRIO E RECURSO ESPECIAL 190

6.1Generalidades 191

Os recursos extraordinário e especial têm um ponto em comum: tutelam, imediatamente, o direito objetivo, a ordem
jurídica e, mediatamente, o direito subjetivo da parte vencida.
É que os meios de impugnação acima, sem perderem a característica de “recursos”,  porquanto possibilitam o
192

reexame das decisões impugnadas em grau superior de jurisdição, têm como pressuposto básico não só a
sucumbência, senão a violação, pela decisão gravosa, da ordem jurídica constitucional ou infraconstitucional.
Isto significa que não basta à parte noticiar no seu recurso ter obtido uma decisão mais desfavorável do que a que
almejava, mas, antes, cumpre-lhe demonstrar que o ato impugnado tornou--se-lhe gravoso pelo fato de ter infringido
a ordem positivo-constitucional ou infraconstitucional.
A razão do tratamento inicial comum a ambos os recursos decorre do fato histórico-político de que, anteriormente à
Constituição Federal de 1988, o recurso extraordinário abarcava, como causas de pedir, violações à ordem
constitucional e à ordem infraconstitucional. Após o advento da atual Carta, repartiu-se entre o Supremo Tribunal
Federal e o Superior Tribunal de Justiça a função de guarda da Constituição e das Leis Federais, cabendo, ao
primeiro, a tutela do Ordenamento máximo e, ao segundo, a defesa da legislação infraconstitucional, razão pela qual
a Carta de 1988 institui o recurso especial, encartando em seus casos de cabimento aqueles que eram subsumidos ao
recurso extraordinário e que se destinavam a coibir errores in procedendo e errores in judicando, cometidos com
infração à Constituição e às Leis.
Hodiernamente, cabe recurso extraordinário quando a decisão recorrida viola a ordem constitucional, caso em que a
competência para essa verificação é do Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional tout court.
Destarte, ocorrendo os erros apontados na decisão por violação da ordem infraconstitucional, o recurso cabível é o
“especial”, dirigido ao Superior Tribunal de Justiça. Observa-se, com clareza, que o dispositivo constitucional que
previa o recurso extraordinário, anteriormente à Constituição de 1988, foi cindido, distinguindo-se os casos de
recurso extraordinário e os que se enquadram nas hipóteses de recurso especial.
Deveras, ambos os recursos têm seus pressupostos primários na Constituição Federal, bem como seus fundamentos
jus-políticos também são os mesmos, uma vez que tutelam “imediatamente” a ordem jurídica. O sistema federativo
brasileiro, que se inaugurou com a República, como é sabido, prevê a autonomia tripartite das unidades federadas.
Sob o ângulo que nos interessa, essa autonomia implica a existência de várias fontes legislativas e jurisdicionais,
potencializando a possibilidade de confronto entre as leis e decisões locais com os comandos superiores, quer da
Constituição Federal, quer da Legislação Federal. Noutras palavras: a unidade federada, através de sua legislação, ou
através de sua jurisdição, pode produzir leis e decisões que confrontem com a Constituição e com a ordem jurídica
nacional.
Impõe-se, pois, em prol da Federação, a “unidade” da ordem jurídica, porquanto causaria sério abalo à estabilidade
da mesma a possibilidade de aplicação díspare do mesmo Direito federal. Do mesmo modo, a supremacia da
Constituição não passaria de mera divagação acadêmica, se pudessem as unidades federadas legislar ou julgar contra
a Carta Maior. Entretanto, a simples existência dessas fontes locais torna possíveis essas violações, daí a necessidade
de controle através de órgãos de superposição como soem ser o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de
Justiça. Os recursos em foco e o controle da constitucionalidade das leis, direto ou difuso, protagonizam remédios
eficazes da integridade das ordens constitucional e infraconstitucional. 193
O modelo no qual se inspirou o nosso legislador não é o europeu, como em geral verifica-se nos institutos
processuais. Nesse particular, a nossa fonte é norte-americana e precisamente o judiciary act de 1789,  que instituiu
194

a competência da Corte Suprema para apreciar recursos de decisões “locais” que violassem a ordem central.
Anteriormente, a Corte Suprema apreciava apenas decisões proferidas nas causas de interesse da União americana.
Exatamente a necessidade de controle das decisões locais violadoras de interesses centrais é que fez exsurgir, no
Direito americano, o writ of error como versão do nosso recurso extraordinário. A importação em segunda linha do
Direito argentino legou-nos, definitivamente, o recurso extraordinário, cujos casos de cabimento, em parte, foram
deslocados para o recurso especial na reforma constitucional de 1988.
Os recursos sub examine pertencem ao sub-ramo do “direito processual constitucional”, em razão da fonte legal
donde promanam. Essa eminência constitucional que alcançaram também responde pela autorização concedida a
esses tribunais superiores para regularem, em minúcias, o trâmite desses meios excepcionais de impugnação, tanto
mais que cabe a cada um deles a interpretação autêntica das normas que tutelam. Aliás, os termos “extraordinário” e
“especial” indicam a singularidade do cabimento dessas impugnações.
Os recursos extraordinários, não obstante a natureza do vício que visam a conjurar, têm dupla função, a saber: a de
afastar a violação perpetrada e ato contínuo e a de rejulgar a causa, restaurando o direito objetivo violado. Os nossos
recursos extremos, nesse particular, diferem-se dos meios de “cassação” do Direito europeu que ostentam, apenas,
o judicium rescindens, ao passo que o nosso completa-se pelo rejulgamento (judicium rescisorium) nos limites da
questão federal violada. 195

6.2Pressupostos constitucionais de cabimento  do recurso extraordinário e do recurso especial


196 197

6.2.1Cabimento constitucional do recurso extraordinário

Em relação ao recurso extraordinário, suas hipóteses de cabimento encontram-se previstas no art. 102, III, da
CF/1988.  No Código de 2015, suas regras de processamento e julgamento são objeto dos arts. 1.029 e
198

seguintes,  nos quais se encontra, por exemplo, o regramento da sistemática da repercussão geral e também dos
199

recursos extraordinários repetitivos.

Julgamento de causas decididas em última ou única instância

A Carta Maior, em primeiro lugar, exige que a decisão para desafiar o recurso in foco tenha sido proferida no
exercício de função subjetiva e materialmente jurisdicional; por isso, refere-se à causa decidida. Desta sorte, uma
decisão proferida em procedimento administrativo por qualquer órgão do tribunal, v.g., o Órgão Especial ou o
Conselho da Magistratura, não comporta o recurso extraordinário, ainda que viole a ordem constitucional.  O que 200

pode ocorrer é a negativa de efetividade dessas decisões por inconstitucionalidade, ou a proposição de uma ação
contestando os efeitos práticos da decisão administrativa, sendo certo que nesta demanda poderá, eventualmente,
caber a impugnação extraordinária por versar questão constitucional. Por outro lado, a alusão à “causa decidida não
implica que a decisão tenha disposto, necessariamente, sobre o mérito”, porquanto as decisões terminativas podem,
também, ofender a ordem constitucional, v.g., uma sentença terminativa que repute o autor parte ilegítima, posto não
o considerar cidadão, inabilitando-o a manejar a ação popular, garantia eminentemente constitucional. Destarte, o
vício da afronta à ordem constitucional tanto pode se verificar nas hipóteses de injustiça (error in judicando) ou de
ilegalidade (error in procedendo).
A causa decidida, para comportar o “apelo extremo”, há de ter sido julgada em “única” ou “última instância”. Isto
significa que a interposição do recurso extraordinário pressupõe que, nos limites da jurisdição local, se tenha
esgotado o debate da causa.
Esse esgotamento há de se engendrar através de recursos admissíveis, por isso que, se a parte interpõe recurso
incabível a pretexto de exaurir instâncias, certamente faltará no prazo para interpor recurso aos tribunais superiores.
Considere-se, nesse particular, que há causas da competência originária dos tribunais, que funcionam como única
instância. Exemplo típico é o mandado de segurança contra ato do governador, julgado em instância única pelo
Órgão Especial do Tribunal de Justiça.
Destarte, é “única” a instância onde se julga a causa, se não há previsão de recurso para outra, como ocorre com as
sentenças nas causas de menor valor na Justiça Federal, em que o recurso é de retratação para o próprio juízo prolator
da decisão. O mesmo fenômeno ocorre nas causas de menor complexidade nos Juizados Especiais, uma vez que seus
recursos são endereçados às Turmas Recursais, que se enquadram na mesma instância a que pertencem os prolatores
das decisões recorridas. Entretanto, nesses casos, é mister a interposição do recurso de retratação e, nos juizados, a
impugnação para as Turmas Recursais, antes da interposição do recurso extraordinário. Muito embora a decisão não
seja “de tribunal”, como se exige para o cabimento do recurso especial, o exaurimento a coloca como de única
instância. Superado esse pressuposto básico, a decisão última ou única da causa há de conter as seguintes
imperfeições.

Julgamento contra a Constituição

O julgamento para desafiar o recurso extraordinário há de “contrariar dispositivo da Constituição”, isto é, ir contra o
que dispõe a Carta Magna, como seria a decisão que negasse o contraditório em afronta ao art. 5º, inciso LV, da
Constituição Federal.
O recorrente deve revelar esse descompasso da decisão com o texto constitucional, cabendo exclusivamente ao
Supremo Tribunal Federal aferir a procedência do vício apontado, para o fim de prover o recurso. Não se admite, sob
pena de inversão das etapas da admissibilidade e mérito da impugnação, ao tribunal de origem, negar seguimento,
sob a alegação de que não houve a violação apontada pelo recorrente. Esta tarefa, repita-se, é do Supremo Tribunal
Federal.

Decisão que declara inconstitucional lei federal ou tratado incidenter tantum

A decisão atacada há de concluir em determinado sentido como decorrência da declaração de inconstitucionalidade


de tratado ou lei federal incidente na causa julgada.
Sob o pálio desse dispositivo, a parte pode oferecer o recurso extraordinário, alegando que a decisão, ao chancelar a
inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal, incidiu no erro que lhe causou o gravame.
Conforme se pode observar, o pressuposto in foco retrata a hipótese de “controle difuso da inconstitucionalidade”.
No primeiro grau de jurisdição, esse controle verifica-se mediante a motivação do juízo ao prolatar a sua decisão.
Nos tribunais, a declaração de inconstitucionalidade obedece a um incidente em face da exigência constitucional de
que somente pela maioria de seus membros pode o tribunal decidir sobre a inconstitucionalidade das leis e dos
tratados. No que diz respeito a essa declaração do tribunal ad quem, é forçoso observar que a decisão do incidente da
declaração de inconstitucionalidade (arts. 948, 949 e 950 do CPC)  em si, não é impugnável mediante o recurso
201

extraordinário, senão aquela outra do colegiado, que absorve como razões de decidir o pronunciamento do órgão
encarregado de deliberar sobre a questão constitucional. É que, à luz do art. 948 do CPC, suscitada a questão da
inconstitucionalidade, opera-se uma cisão funcional no julgamento, sustando-se a deliberação do órgão, a que tocou
o conhecimento originário da causa, até o pronunciamento daquele outro do mesmo tribunal encarregado da questão
limitada da constitucionalidade. Decidida esta pelo órgão competente, essa deliberação “incorpora-se” como
premissa inafastável do julgado “iniciado e sustado”. O recurso extraordinário é interponível desta última decisão
que, após a incorporação referida, decide a causa.

Julgamento que acolhe lei ou ato local contra a Constituição

A terceira hipótese cuida da “decisão de última ou única instância que causa gravame ao recorrente em razão de ter
julgado válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição”. O preenchimento desse pressuposto
significa que, nas razões de decidir, o órgão jurisdicional prestigiou ato ou lei local em detrimento da Constituição.
Em consequência, no entender do recorrente, se restaurado o império da Carta Maior, reflexamente, a sua situação
jurídica melhorará. Assim, v.g., se a lei local, dispondo sobre processo, invade a esfera da União Federal e é
prestigiada no julgado de tal forma que prejudique a situação do recorrente, é lícito ao mesmo pleitear o
restabelecimento do império da lei federal, visto que a Constituição não permite aos Estados legislarem sobre
processo, senão sobre procedimento. A questão constitucional da partilha de competência, sob a ótica do recorrente
reverterá em maiores benefícios para o mesmo, legitimando a sua impugnação extraordinária.
A jurisprudência constitucional confere significativo elastério a esse preceito, considerando “ato de governo local
qualquer manifestação materialmente legislativa das três esferas de Poder”: Legislativo, Executivo e Judiciário.
Assim, se uma resolução do Tribunal de Justiça é aplicada em determinado julgado, autorizando a abolição do
devido processo legal, legitimado estará o vencido a interpor o recurso extraordinário em face do prestígio conferido
ao “ato de governo” (do Poder Judiciário) local em detrimento da Constituição Federal.

Julgamento que prestigia lei local contestada em face de lei federal

O confronto entre a lei local em face da lei federal é de natureza constitucional na medida em que a Constituição
estabelece, na organização da República Federativa, a competência exclusiva de cada entidade. Desta sorte, se a lei
local invade a esfera de competência legislativa da União e mesmo assim o aresto recorrido funda-se na primeira,
haverá litígio de fundo constitucional a ser dirimido pelo Supremo Tribunal Federal, v.g., se a lei local contraria
norma de processo civil editável exclusivamente pela União Federal (art. 22, I, da CF). 202

Ressalte-se que essa novel hipótese foi incluída textualmente pela EC nº 45/2004, porquanto a jurisprudência
situava-se numa zona fronteiriça entre o cabimento do recurso especial ou extraordinário, dando ensejo à invasões de
competência.

Repercussão geral

A Lei nº 11.418/2006, no afã de erigir mais um filtro recursal ao apelo extremo, criou essencialmente o instituto da
“repercussão geral”  como requisito para a admissão do Recurso Extraordinário, atualmente tratado no art. 1.035 do
203

Código .
204

O advento do instituto é decorrência da regulamentação infraconstitucional do § 3º do artigo 102 da Constituição


Federal, inserido no texto maior pela Emenda Constitucional nº 45/04 (EC 45), cognominada de “Emenda da
Reforma do Judiciário”, verbis: “No recurso extraordinário o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das
questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei a fim de que o tribunal examine a admissão do
recurso, somente podendo recusá-lo pela manifestação de dois terços de seus membros”.
O dispositivo possibilita que o Supremo Tribunal Federal eleja os recursos extraordinários que serão julgados,
considerando a relevância social, econômica, política ou jurídica da matéria a ser apreciada.
Deveras, esta espécie de “filtro recursal” é amplamente adotada por diversas Cortes Supremas, dentre as quais a
Corte Norte-Americana, através do writ of certiorari, e a Suprema Corte Argentina via o “Requisito de
Transcendência”. Assemelha-se o novel instituto à antiga arguição de relevância da questão federal que tantos
recursos excepcionais impediu acudissem à Egrégia Corte antes da sua repartição constitucional de competência
recursal ratione materiae com o E. Superior Tribunal de Justiça.
O principal escopo prático do instituto consiste na pretensão de redução do número de processos submetidos à Corte
Maior, possibilitando maior dedicação de seus membros à apreciação de causas que realmente são de fundamental
importância para garantir os direitos constitucionais dos cidadãos.
O STF, com a adoção da metodologia, pode “recusar” recursos extraordinários que não possuam matérias relevantes,
quando assim decidirem dois terços de seus membros (8 ministros), em decisão tomada em sessão plenária, ou
“conhecer do RE”, pela relevância, no âmbito das Turmas, pelo consenso de no mínimo, quatro ministros.
Outrossim, visando a emprestar pragmatismo ao novo instituto, não caberá recurso da decisão de recusa do RE por
ausência de “repercussão geral da matéria recorrida”.
Preliminarmente aos comentários que se impõem, forçoso reavivar a função do Recurso Extraordinário e os óbices
que se lhe opõem ao conhecimento, no afã de não promiscuir essa figura excepcional; como o próprio nomen
juris indica, bem como evitar prodigalizar o sistema recursal brasileiro, prenhe de figuras que postergam sobremodo
a vitória do litigante vitorioso.
A admissão do recurso extraordinário além de reclamar as violações previstas no artigo 102, III e suas alíneas,  v.g.,
violação da Constituição Federal, reclama que o recorrente demonstre que aquela infração à regra maior não se
eclipsa em mero error in judicando ou in procedendo, mas antes encerra decisão que revela repercussão geral.
Inexistindo esse capítulo no RE, o recurso sequer pode ser conhecido na instância inferior, vale dizer, na Presidência
(ou Vice-Presidência) do tribunal a quo.
Destarte, uma vez cumprido esse requisito categorizado como “regularidade formal”, essa repercussão deve ser
positiva para abrir a via da cognição do recurso extraordinário. Não obstante conceito indeterminado, esse que
envolve a “transcendência da questão”, a lei traça em numerus apertus critérios que permitem ao intérprete
reconhecer na questão discutida “relevância geral”. Sob esse enfoque, dispõe o § 1º do artigo 1.035 que, para efeito
da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico,
político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos do processo.
Uma visão primeira indica que a relevância não é necessariamente política; ao revés, a transcendência é
interdisciplinar, podendo-se adotar, mutatis mutandis, os mesmos critérios que autorizam a suspensão de liminar
contra o Poder Público a pretexto de lesão à ordem econômica, social, jurídica, e demais segmentos do setor público.
Outrossim, a repercussão geral, mercê de não dizer respeito ao Poder Público pode referir-se a toda a coletividade, a
um grupo expressivo da coletividade, ou a pessoas interligadas por interesses homogêneos, valendo-se o intérprete
dos conceitos dos interesses supraindividuais previstos nas leis das ações coletivas ou difusas.
Deveras, na forma do § 3º do art. 1.035, haverá presumida repercussão geral sempre que o recurso impugnar acórdão
(i) contrário a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal, ou (ii) que tenha reconhecido inconstitucionalidade
de tratado ou de lei federal, o que significa que, nesse caso, o Presidente do Tribunal não pode barrar a impugnação,
muito embora a sua existência e subsistência fique a cargo do STF.
A jurisprudência do Pretório Excelso certamente desincumbir-se-á dessa tarefa de determinação conceitual bem
como de enumerar outros casos não previstos em lei.

Forma de arguição da repercussão geral

A vetusta arguição de relevância (art. 119, § 1º, da CF de 1967, com a redação da Emenda nº 7/77) exigia
instrumento à parte, diferentemente da repercussão geral, que se encarta como preliminar do próprio apelo extremo.
Nesse sentido, é ampla a previsão do § 2º do art. 1.035, assentando que o recorrente deverá demonstrar a existência
da repercussão geral para apreciação exclusiva pelo Supremo Tribunal Federal.
Uma importante observação impõe-se: é que o recurso extraordinário, assim como muitos outros, não obstante
interposto “no” Tribunal de origem “para” o Tribunal Superior (in casu o STF), permite ao juízo a quo tão somente a
análise da admissibilidade genérica dos requisitos constitucionais e legais (os do CPC) à exceção da “repercussão
geral” que é da competência exclusiva do STF, sob pena de reclamação por usurpação. Consequentemente, o recurso
pode ter negado o seu seguimento por qualquer motivo que não a inexistência de repercussão geral acaso aduzida em
preliminar.

Competência para análise da repercussão geral

A lei por si só é clara ao dispor: “Art. 1.035. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá
do recurso extraordinário quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos
deste artigo”.
Internamente, cabe ao próprio Tribunal, em seu Regimento Interno, estabelecer normas de procedimento acerca da
competência. O STF, como de sabença e sem prejuízo das disposições acima, funciona por meio de turmas ou
plenário, cada um desses órgãos com um porta-voz imediato, que é o relator. Nada obstante, o inc. III do § 3º do art.
102, da Constituição Federal dispõe que somente pela manifestação de dois terços de seus membros a repercussão
geral pode ser “rejeitada”, e a fortiori inadmitido o recurso fundado nessa razão de ser.
A interpretação sistemática do art. 1.035, § 4º , indica que o recurso extraordinário permanecerá distribuído a um
205

relator que, a seu ver, poderá analisar todos os requisitos de admissibilidade e a um só tempo, se houver utilidade em
prosseguir na análise do cabimento da repercussão geral, ouvir o denominado amicus curiae. Caso reconhecida a
repercussão geral, o relator determinará a suspensão dos demais feitos pendentes que versem sobre a questão, nos
termos do art. 1.035, § 5º, do CPC.
Isso significa que, apesar de arguida a repercussão geral, o recurso necessita ultrapassar a barreira dos demais
requisitos de admissibilidade e, se sobejar a transcendência, esta só pode ser analisada pelo colegiado e, de duas,
uma: a) o colegiado fracionário (Turma) entende haver repercussão geral, hipótese em que a admissibilidade não
precisa ser levada ao plenário, porque, do contrário, a técnica conspiraria contra a celeridade e a efetividade que a lei
visou a imprimir; b) a Turma entende que não é caso de repercussão geral; hipótese em que, obedecida a reserva de
plenário determinada pela Constituição Federal, somente dois terços dos membros do tribunal poderá recusar a
admissão pelo requisito de admissibilidade.
Essa exegese revela evidente que a “turma” não pode rejeitar o recurso por ausência de repercussão geral, interdição
que se estende ao relator e ao presidente do Tribunal a quo. No entanto, situação diferente se revela quando a matéria
de fundo já fora apreciada pelo Plenário sob a sistemática da repercussão geral. Nesse cenário, admite-se a
apreciação do recurso extraordinário pelas turmas, como procede atualmente o Supremo Tribunal Federal. Assim,
evita-se o abarrotamento do Plenário com a apreciação de temas idênticos e se privilegiam os precedentes da Corte,
em consonância com a nova sistemática processual.
Questão deveras intrigante é se o Presidente do Tribunal a quo pode entender que a questão é de transcendência ou
repercussão geral.
A resposta exige aferição da razão de ser da lei. Sob esse enfoque, é possível afirmar, de forma sintética, que o
legislador pretendeu a um só tempo desafogar o STF e privilegiar a sua jurisprudência adotando mitigadamente a
técnica anglo-saxônica. Ora, à luz dessa percepção histórica não há a mais tênue dúvida de que a repercussão
derivada da rejeição do entendimento sumulado é apreciável pelo próprio presidente do tribunal local, porquanto o
que a lei pretendeu evitar foi a invasão de poder dos tribunais locais na competência de afirmar o que representa a
repercussão geral sob os vários ângulos interdisciplinares da economia , da política, da saúde pública etc.
A repercussão preestabelecida na lei deve obedecer à máxima iura novit curia; norma in procedendo extensível a
qualquer magistrado e, com muito mais razão ao Presidente do Tribunal com competência para admitir e
consequentemente desafogar ou não a Corte Maior.
Observe-se que não se trata de o tribunal a quo avaliar a repercussão geral senão confrontar a súmula com a decisão
e concluir se há tipicidade prevista na própria lei (art. 1.035, § 3º, do CPC).

Efeitos do acolhimento e do desacolhimento da arguição de repercussão geral e a multiplicidade de


recursos

Acolhida a repercussão geral, o Supremo Tribunal determina a suspensão dos processos pendentes sobre a questão.
Essa providência, porém, não é automática, demandando decisão específica. No âmbito dos tribunais locais, poderá o
interessado suscitar o equívoco na suspensão dos recursos intempestivos e, de tal decisão, apenas será cabível agravo
interno (art. 1.035, §§ 5º,6º e 7º).
Desacolhida a arguição, isto é, negada a repercussão geral, o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem
negará seguimento aos recursos extraordinários sobrestados na origem que versem sobre matéria idêntica. Esse
indeferimento liminar obedece à sistemática do art. 1.036 , analogicamente aos recursos repetitivos.
206

Essa eficácia erga omnes decorre do fato de que na forma do § 11 do art. 1.035: “A súmula da decisão sobre a
repercussão geral constará de ata, que será publicada no Diário Oficial e valerá como acórdão”.
Uma vez publicada a súmula – isto é, dada publicidade à tese firmada –, os próprios presidentes locais e os relatores
dos recursos extraordinários poderão utilizá-la para negar seguimento à impugnação extrema, uma vez que os casos,
a partir de então, enquadrar-se-ão na fórmula genérica prevista nos arts. 1.042 e 932, III, do CPC agora reiterada pelo
artigo 1.036, § 3º.
A súmula também pode atestar a repercussão geral e ser aplicável a casos idênticos, razão pela qual, consoante o
resultado sumulado, julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos
Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.
O dispositivo tem duplo efeito, a saber: em primeiro lugar, quanto ao juízo de admissibilidade dos recursos e, em
segundo lugar, referente ao próprio mérito do recurso.
É que julgado o mérito do recurso, significa que a admissibilidade pela repercussão restou positiva e os recursos
sobrestados poderão ter andamento conforme o entendimento sumulado; repita-se, sem prejuízo da análise dos
demais requisitos de admissão.
Ademais e sob esse aspecto, a repercussão prática é ainda impassível de ser aferida na sua dimensão, na parte em que
o próprio mérito da relevância da questão é objeto de inúmeros recursos sobrestados. Ora, a mensagem do legislador
é para que esses recursos sejam julgados, no mérito, da mesma forma como o definiu o STF.
A decisão da Suprema Corte é vinculante para os processos em curso e mesmo aqueles já julgados podem ser objeto
de “juízo de retratação” se a decisão ainda não estiver em mãos do órgão superior de reapreciação. Isso significa que,
acaso submetidas a esses órgãos, adotando-se a solução suprema, podem ser julgados prejudicados os recursos.
Tem-se, portanto, que a repercussão geral da decisão é requisito intrínseco de admissibilidade do recurso
extraordinário, e, uma vez decidida a relevância da questão, os tribunais locais inadmitirão os recursos
extraordinários e assim como o STF, em decisão irrecorrível, atendendo à causa finalis da lei processual.

6.2.2Cabimento constitucional do recurso especial

O recurso especial tem seu tratamento normativo constitucional no art. 105, III, da CF/1988.  No Código de 2015,
207

suas regras de processamento e julgamento também estão presentes nos arts. 1.029 e seguintes, com o destaque para
a sistemática dos casos repetitivos, que já encontrava previsão e aplicação no sistema processual anterior. No ponto,
se assemelha a ratio essendi do recurso especial com a do recurso extraordinário, cada qual em seu âmbito de
competência.

Julgamento de causas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios

A primeira observação que incumbe repisar é a de que a Constituição repartiu entre o Supremo Tribunal Federal e o
Superior Tribunal de Justiça os casos de cabimento do antigo recurso extraordinário; por isso, a técnica de redação é
a mesma e idêntica a exegese dos dispositivos, que se distinguem apenas pela órbita da ofensa à  ordem
constitucional ou à ordem federal, como ocorre com as alíneas “a”, “b”, “c” do presente dispositivo e “a”, “b”, “c” e
“d” do art. 102. Permitimo-nos, portanto, remeter o leitor ao que acima expusemos quanto ao alcance das alíneas “a”
e “b”.
O recurso especial reclama decisão de tribunal, porquanto seu escopo também é o de uniformizar a inteligência das
leis federais entre as diversas fontes judiciárias do país. Nesse segmento, exige o  caput do art. 105 da CF que a
decisão violadora da ordem federal provenha de tribunais estaduais, federais, ou do Distrito Federal e dos Territórios.
Desta sorte, não cabe o recurso especial das decisões de tribunais administrativos, nem dos tribunais federais
especiais (Militar, Trabalhista e Eleitoral), porquanto estão na mesma posição hierárquica do Superior Tribunal de
Justiça, bem como das Turmas Recursais dos Juizados Especiais, posto que integrantes da primeira instância. 208

Julgamento que privilegia ato de governo local contra a lei federal

Esse litígio, inaugurado pela EC nº 45/ 2004, versa matéria exclusiva do STJ, na medida em que o ato local vai de
encontro com a lei federal, como ocorre se o ato do Tribunal de Justiça de determinada unidade da federação
dispensa que os recursos venham por petição e possam ser oferecidos por termo nos autos, em frontal violação ao
CPC, lei federal de competência exclusiva da União.
O Superior Tribunal de Justiça, de toda sorte, não realiza exame de eventual violação a dispositivos de leis locais,
consoante jurisprudência dominante.

Julgamento ensejador de dissídio jurisprudencial

O permissivo, que traça a linha divisória marcante entre o recurso especial e o extraordinário, é o que prevê a
possibilidade de impugnação extrema em face de dissídio jurisprudencial entre os tribunais do país. A atual
Constituição não previu recurso extraordinário por divergência de jurisprudência constitucional, uma vez que o
Supremo Tribunal Federal é o único guardião da Carta Magna. Ademais, de seus julgados divergentes, cabem
embargos de divergência para a própria Corte.
Com o escopo de uniformizar o Direito federal, a Constituição autoriza o recurso especial quando a decisão recorrida
diverge de outra proferida pelos tribunais do país ou pelo próprio Superior Tribunal de Justiça. Adjuntando-se
pressupostos constitucionais e requisitos de admissibilidade, pode-se concluir que o cabimento do recurso especial,
nesse caso, é resultado da decisão gravosa que optou por uma das interpretações divergentes do Direito federal e o
recorrente pleiteia, exatamente nessa hipótese, a prevalência da jurisprudência predominante que lhe é mais
favorável. Mas, para esse fim, cumpre-lhe, preliminarmente, demonstrar a divergência de entendimento, quanto ao
mesmo Direito legislado, por diferentes tribunais de “outras unidades da federação”.
Sob o pálio desse permissivo, exige-se que o recorrente demonstre, “analiticamente”, que os “casos são idênticos e
mereceram tratamento diverso à luz da mesma regra federal”. O Código explicita as modalidades de comprovação,
no art. 1.029, § 1º, e, atento aos tempos, autoriza a utilização de acórdãos disponíveis nos sítios eletrônicos dos
tribunais .
209

Ademais, a divergência há de ser atual, isto é, não pretérita, uma vez que não preenche o requisito de
admissibilidade o recurso que invoca julgados ultrapassados sobre questões em relação às quais o tribunal já
assentou a sua jurisprudência, nos termos da decisão impugnada.
Destarte, ao instituir o recurso com a finalidade de uniformizar nacionalmente a exegese da lei federal, exclui o
legislador constitucional a denominada divergência intramuros, travada entre órgãos do mesmo tribunal ou
tribunais da mesma unidade da federação, salvo quando diversa, entre eles, a competência em razão da matéria.

6.2.3Interesse em recorrer no recurso extraordinário e no recurso especial

Um outro aspecto interessante e comum pertine ao interesse em recorrer.


Consoante é cediço, o recorrente impugna a decisão no afã de afastar um prejuízo e isso é o quanto basta, em geral,
para habilitá-lo a recorrer. Entretanto, como a tutela imediata nesses recursos é a defesa da ordem, não cabe a
impugnação extraordinária ou especial se a decisão, não obstante apresente uma violação à ordem jurídica, sustenta-
se por outro fundamento. Isso significa que a sucumbência por si só não é suficiente.
Nesse sentido, é o entendimento dos tribunais superiores, que indicam o não conhecimento dos recursos especial e
extraordinário quando, apesar de existirem fundamentos de ordem constitucional e legal no acórdão, não houver a
interposição de ambos (Súmulas 126 do STJ e 283 do STF).
Destarte, a violação da ordem deve ser atual, posto que, se na função de interpretar o Direito nacional os Tribunais
Superiores uniformizaram o seu entendimento no sentido da tese sustentada na decisão recorrida, excepcionalmente,
revela-se de somenos a “divergência pretérita”. Esse entendimento, que confina com a necessidade do recurso, e,  a
fortiori, com o interesse de recorrer, deriva da função do recurso especial em manter a inteireza e uniformidade de
interpretação do Direito nacional.  A exegese atual supera as interpretações pretéritas cujas divergências
210

recomendavam uma palavra final da Corte Maior.

6.3Efeito devolutivo no recurso extraordinário e no recurso especial

O recurso extraordinário e o recurso especial apresentam, ainda, como traços comuns, além do procedimento tratado
unitariamente pela lei processual, questões atinentes ao efeito devolutivo, ao suspensivo e ao requisito de
admissibilidade consistente no interesse em recorrer.
O efeito devolutivo dos referidos recursos apresenta singularidades na medida em que tanto o Supremo Tribunal
Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça não são tribunais de terceira instância stricto sensu.
Relembre-se que, primariamente, o cabimento desses recursos deriva de uma sucumbência caracterizada pela
violação da ordem jurídica federal. Desta sorte, “somente se devolve ao tribunal a questão federal” consistente na
violação normativa e não qualquer injustiça que tenha sido perpetrada no julgado. A causa petendi da impugnação
tem que ser necessariamente essa infração. Assim, não é possível, v.g., recorrer-se extraordinariamente sob a
invocação de que houve grave injustiça na decisão, senão de que essa injustiça decorreu de uma afronta à
Constituição Federal. Esse aspecto timbra o efeito devolutivo limitado de ambos os recursos de uma característica
própria. Isso porque, em contraposição à amplitude do princípio do tantum devolutum, os recursos em foco limitam a
devolução da cognição ao tribunal.
Assim é que não são devolvidas todas as questões suscitadas e discutidas na causa senão e somente a questão federal.
Desta sorte, se a parte suscitou dois fundamentos de defesa e ambos foram desacolhidos e apenas quanto a um deles
ocorreu a violação de lei federal, somente este pode ser levado ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça
através de recurso especial, malgrado se tenha cometido grave injustiça quanto ao fundamento remanescente, pela
má apreciação da prova que se produziu.
Tendo em vista o caráter excepcional de ambas as figuras recursais, não servem os recursos em exame a um
completo reexame da causa, inaplicando-se a ampla devolutividade preconizada pelo art. 1.013 do CPC. 211

É que a devolutividade desses recursos limita-se à questão federal na parte em que ocorreu a alegada violação. Esta
a ratio essendi do entendimento sumular de que: “Para simples reexame da prova não cabe recurso extraordinário ou
especial” (STF, Súmula nº 279, e STJ, Súmula nº 7). Ainda, em consequência dessa devolutividade, “não pode a
parte recorrente em grau de recurso especial ou extraordinário, apontar afronta à ordem jurídica antes não veiculada,
nem oferecer embargos de declaração, para ventilar questão federal não suscitada anteriormente”. É que os embargos
visam a suprir omissões e o que não foi suscitado não pode ter sido objeto de omissão. 212

Essa exigência sobre a questão federal de ter sido debatida anteriormente é que se denomina “prequestionamento”,
exigível como requisito de admissibilidade desses recursos.  Deveras, possível é a adesão em confronto com o efeito
213

devolutivo dos recursos em espécie. A limitação da devolução à questão federal ventilada pode perfeitamente
impedir que uma outra afronta à ordem constitucional ou federal escape à apreciação do Tribunal Superior.
Referimo-nos à hipótese em que ambas as partes prequestionem matérias federais, e uma delas sagre-se vencedora.
Esta, em razão da vitória e pela limitação do recurso, não poderá fazer, em princípio, chegar ao tribunal a sua questão
federal, posto que venceu. Entretanto, se o fundamento que alegou e que envolve a questão federal foi rejeitado, pode
a parte, não obstante vitoriosa, “recorrer adesivamente”, pois do contrário, pela limitação dos recursos excepcionais,
sua questão não será analisada e ela poderá sucumbir no recurso extremo sem ter chance de veicular a afronta à
ordem federal ocorrente no julgamento impugnado e que lhe concedeu a vitória. A adesão permite-lhe, assim, levar
também a sua questão federal, não obstante o seu êxito. O interesse na adesão justifica-se como única forma de fazer
chegar, ad eventum, a sua questão federal ao tribunal superior. 214

6.4Efeito suspensivo do recurso extraordinário e do recurso especial

Os recursos extremos não têm efeito suspensivo, apenas devolutivo, haja vista que a matéria que encerram já restou
exaustivamente debatida. Entretanto, é possível que até o julgamento desses recursos algum dano irreparável ocorra.
Destarte, é da sistemática processual a concessão de tutela provisória, para que seja atribuído efeito suspensivo à
impugnação, tanto em sede de juízo de admissibilidade, quanto pendente de julgamento.
Em consequência, tanto o Regimento Interno do STF quanto o do STJ permitem a concessão excepcional de efeito
suspensivo ao recurso extraordinário ou especial, por meio de concessão de tutela provisória, desde que verificados
o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Em consonância com tal possibilidade, destaca-se a previsão do art. 1.029, § 5º, do CPC, a indicar a competência
para outorga de efeito suspensivo (i) do tribunal superior respectivo, no período compreendido entre a publicação da
decisão de admissão do recurso e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-
lo; (ii) do relator, se já distribuído o recurso; (iii) do presidente ou vice-presidente do tribunal recorrido, no período
compreendido entre a interposição do recurso e a publicação da decisão de admissão do recurso, assim como no caso
de o recurso ter sido sobrestado, pela afetação do tema para julgamento sob a sistemática dos recursos repetitivos.
O critério para a concessão é aquele previsto no art. 995, parágrafo único . O periculum in mora se revela na
215

probabilidade de frustração do acolhimento do recurso em confronto com a execução da decisão e o fumus boni juris,
com a probabilidade de acolhimento da irresignação, máxime quando em consonância com a jurisprudência firme do
Tribunal Superior.
De lege ferenda, também a teratologia da decisão, pelo seu caráter excepcional, tem admitido o efeito suspensivo . 216

Como consequência da ausência de efeito suspensivo ope legis, enquanto pendente de apreciação através desses
recursos, a decisão atacada pode ser objeto de execução provisória.  Uma vez transitada a decisão, a execução é
217

plena, no sentido do julgado pelos tribunais superiores.

6.5Julgamento conjunto e interposição conjunta

A regulação conjunta de ambos os recursos, conforme assentado, decorre do fenômeno da dicotomização das


hipóteses originárias de cabimento do recurso extraordinário, anteriores à Constituição de 1988.
Destarte, essa repartição gerou um fenômeno singular qual seja o de possibilitar a interposição “simultânea” de
recurso extraordinário e recurso especial, caso ocorra uma violação bifronte na mesma decisão judicial. Tendo em
vista que o Supremo Tribunal Federal é o órgão de superposição e que a decisão do Superior Tribunal de Justiça,
incumbido de apreciar o recurso especial, pode violar a Carta Magna, dispôs o legislador que “admitidos ambos os
recursos os autos serão remetidos ao Superior Tribunal de Justiça” (art. 1.031 do CPC),  e, uma vez concluído o
218

julgamento do recurso especial, os autos são remetidos ao Supremo Tribunal Federal, para apreciação do recurso
extraordinário se este não estiver prejudicado (§ 1º do art. 1.031 do CPC). Isso porque, provido o recurso especial
pelo mesmo vício embasador da interposição do recurso extraordinário, nas hipóteses de violação “bifronte”, cessa a
necessidade de apreciação do apelo extremo, por falta de interesse de agir superveniente. 219

Consigne-se que hipótese diametralmente oposta pode ocorrer, a de que o recurso extraordinário deva ser apreciado
antes do recurso especial, por ser prejudicial àquele (§ 2º do art. 1.031 do CPC). Assim, v.g., suponhamos que, no
recurso extraordinário, o recorrente alegue violação do devido processo legal com o acolhimento da prova ilícita
proibida pela Constituição e, no mérito, a violação da lei civil. Ressoa evidente que, se anulado o feito, cairá por terra
o interesse na apreciação da violação do direito material quanto ao meritum causae. Em razão dessa notória
prejudicialidade, o relator do recurso especial, considerando o recurso extraordinário prejudicial em decisão da qual
não cabe recurso, pode sobrestar o julgamento da primeira impugnação e remeter os autos ao Supremo Tribunal
Federal para julgamento do apelo extremo. Destarte, se o acórdão recorrido apoia-se em fundamento constitucional e
fundamento infraconstitucional, o trânsito em julgado do primeiro, suficiente por si só para mantê-lo, prejudica o
exame do outro (Súmula nº 126 do STJ).
A prejudicialidade do recurso extraordinário pode ser rejeitada pelo relator do mesmo em decisão irrecorrível e
vinculativa quanto ao recurso especial, que deverá, então, ser julgado (§ 3º do art. 1.031 do CPC).
O princípio de que, na interposição simultânea, se julga em primeiro lugar o recurso especial se aplica aos casos de
inadmissão. Assim, inadmitidos os recursos extraordinário e especial, e interposto o agravo de instrumento, o relator
do recurso extraordinário deve aguardar até que se decida o recurso especial.

6.6Procedimento do recurso extraordinário e do recurso especial

Procedimentalmente, ambos os recursos são interponíveis no prazo de 15 (quinze) dias, contados da publicação do
acórdão no órgão oficial (art. 1.003, § 5º, do CPC),  perante o Presidente ou o Vice-Presidente do Tribunal recorrido
220

em petições distintas, caso oferecidos simultaneamente. A esses órgãos cabe o exame restrito da admissibilidade
recursal, sob pena de usurpação da competência constitucional.
A petição de interposição deve conter a exposição dos fatos julgados e do direito aplicável, com a consequente
demonstração da violação da ordem constitucional ou federal, conforme se trate de recurso extraordinário ou
especial. Em face da desconstituição do julgado, acaso acolhido o recurso, incumbe ao recorrente formular o pedido
de reforma da decisão, para cassá-la ou substituí-la, conforme a afronta à ordem revista-se do caráter de ilegalidade
ou de injustiça (art. 1.029, incisos I, II e III, do CPC). 221

Formalmente, ambos os recursos devem ser veiculados em peças autônomas, ainda quando interpostos
simultaneamente. Aliás, havendo afronta à ordem constitucional e infraconstitucional, há entendimento de que a
interposição deva ser simultânea, sob pena de intempestividade. 222

O regimento interno dos tribunais regula a competência para recebimento dos recursos interpostos que, por exemplo,
no Estado do Rio de Janeiro, é da Terceira Vice-Presidência.
Não obstante a lei mencione o “tribunal recorrido”, o recurso extraordinário interposto de sentença proferida em
única instância não é oferecido perante o juiz prolator, senão dirigido ao tribunal,  em face dessa competência
223

funcional para a admissibilidade das impugnações aos tribunais superiores.


Tratando-se de recurso especial fundado em dissídio jurisprudencial, além da petição contendo a demonstração do
cumprimento dos pressupostos constitucionais de cabimento e dos requisitos de admissibilidade em geral, deve o
recorrente anexar certidão, cópia ou citação do repositório de jurisprudência, oficial ou credenciado, inclusive em
mídia eletrônica, em que houver sido publicado o acórdão divergente, ou ainda com a reprodução de julgado
disponível na rede mundial de computadores, com indicação da respectiva fonte, demonstrando, analiticamente, a
identidade ou a semelhança dos casos confrontados (art. 1.029 e parágrafos do CPC).
À “demonstração analítica”, adjunta-se a prova de que a divergência é “atual”, porquanto não se conhece recurso
especial por essa motivação, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (STJ,
Súmula nº 83, e Súmula nº 286 do STF).
Além dos requisitos de admissibilidade, até então tratados, alguns apresentam particularidades destacadas pela
jurisprudência, como o preparo. A lei local dispõe sobre as custas, obedecido o disposto no art. 1.007 do CPC. Em
regime ultrapassados, como sabido, o preparo era realizado após a interposição do recurso. Modernamente, perfaz-se
com a apresentação do mesmo.
Outro aspecto formal interessante revela-se quando os agravos endereçados aos tribunais superiores são dirigidos à
decisão denegatória do recurso contra a apelação sujeita a “embargos de declaração”. A natureza complementar dos
embargos de declaração implica que dentre as peças do agravo conste o aresto que nele foi proferido sob pena de
irregularidade formal, conforme entendimento pacífico do E. STJ.
Deveras, é assente que a insuficiência da apresentação de cópia de substabelecimento ao advogado do agravado
impede o conhecimento da impugnação, porquanto à luz desse documento afere-se a regularidade da representação.
O procedimento em si é simples, a saber: recebida a petição na Secretaria da Presidência ou Vice-Presidência, abre-
se vista ao recorrido pelo prazo de 15 (quinze) dias para apresentação de contrarrazões (art. 1.030, caput, do
CPC).  Findo esse prazo, os autos são conclusos para admissão ou não em decisão fundamentada, isto é, para
224

verificação dos requisitos formais, uma vez que a efetiva violação da ordem constitucional ou federal é da
competência dos tribunais superiores.  Esse exame da admissibilidade pelo tribunal a quo, conforme já destacado,
225

visa a evitar que acudam aos tribunais superiores causas inviáveis de tutela constitucional. 226

O atual Código reformulou o juízo de admissibilidade no tribunal a quo. Atualmente, o art. 1.030, V, evidencia que
apenas será remetido às Cortes Superiores o recurso que, além de atender aos pressupostos recursais explanados, não
verse sobre tema decidido em sede de recurso repetitivo ou em repercussão geral. Se estiver pendente julgamento de
formação desses precedentes, o recurso deve aguardar na instância inferior, até o resultado, cabendo ao próprio
tribunal exercer juízo de retratação (art. 1.030, II). Em caso de ser refutado tal juízo de readequação ao decidido pelo
STJ ou pelo STF, o Presidente (ou Vice-Presidente) remeterá o feito para apreciação superior (art. 1030, V, “c”).
Há, porém, outra novidade: o Presidente ou o Vice-Presidente pode negar seguimento ao recurso especial ou ao
recurso extraordinário, quando (i) o recurso extraordinário ventilar repercussão geral em matéria já afastada pelo
Supremo Tribunal Federal ou quando (ii) o acórdão estiver em conformidade com entendimento firmado em
repercussão geral, pelo Supremo Tribunal Federal, ou em recurso repetitivo, pelo Superior Tribunal de Justiça (art.
1030, I).
Trata-se de julgamento de admissibilidade com os olhos postos no mérito da insurgência, buscando frear a
recorribilidade extraordinária quando segura a resposta do tribunal superior. O importante é perceber que, se o juízo
de “admissibilidade” se pautar em tais razões, apenas será cabível agravo interno, para o próprio tribunal local, e não
o agravo do art. 1.042, dirigido ao tribunal superior (art. 1.030, §§ 1º e 2º).
A decisão declaratória da admissibilidade dos recursos deve ser fundamentada, mas não vincula a Corte Superior.
Assim é que, não obstante admitido o recurso na origem, pode ser declarado inadmissível posteriormente, bem como
admitido por fundamentos diversos. Inadmitidos os recursos, dessa decisão cabe agravo no prazo de 15 (quinze) dias
para o Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, conforme a irresignação interposta (art.
1.042, CPC) – salvo quando, como dito, a admissibilidade se pautar no art. 1.030, I.
Os recursos, uma vez admitidos e acudindo aos tribunais superiores, submetem-se aos poderes do relator previstos no
art. 932 do CPC, bem como à ordem dos processos nos tribunais, coadjuvada pelo Regimento Interno de cada Corte.
Consoante os poderes do relator, o ministro poderá, nos moldes do art. 932, V, conhecer do agravo para dar
provimento ao próprio recurso especial; poderá, ainda, se o instrumento contiver os elementos necessários ao
julgamento do mérito, determinar sua conversão, observando-se, daí em diante, o procedimento relativo ao recurso
especial. Sob esse enfoque o STF de há muito sufraga o entendimento de que compete ao relator de agravo de
instrumento decidi-lo, quanto ao mérito, não havendo nisso qualquer inconstitucionalidade por ofensa à competência
do órgão colegiado a que pertence, uma vez que de sua decisão é cabível agravo regimental para este.  Aliás, a atual
227

redação admite, sem limitações que, distribuído e processado o agravo, o relator profira decisão.
O relator, nesse mister, aprecia livremente as condições de admissibilidade do recurso extraordinário ou especial, não
estando vinculado às razões adotadas pelo presidente ou pelo vice-presidente do tribunal a quo. A sua competência
abrange não só os aspectos pertinentes ao cabimento do recurso, mas também aqueles relacionados com o seu mérito.
Pode ocorrer que o acórdão, apenas quanto a um dos fundamentos, esteja em confronto com a jurisprudência. Nessa
hipótese, o relator deve levar os autos à sessão de julgamentos, destacando o confronto parcial.
Destarte, impõe-se esclarecer que o relator somente engendra a conversão do agravo em recurso especial, quando ele
próprio não pode decidir, nos casos do art. 932 do CPC. Assim, v.g., convertido pela presença de todas em peças, o
relator pode dar ao recurso tratamento previsto no art. 932 do CPC, aplicável a toda e qualquer impugnação, sem
prejuízo do regime jurídico próprio traçado pelo art. 1.042 do CPC. 228

6.7Sistemática dos recursos repetitivos

Desde o Código de 1973, sentiu-se a necessidade, escancarada pelo volume de recursos chegados aos tribunais
superiores, de filtros para a ampla recorribilidade, otimizando a prestação jurisdicional. Por isso, criou-se o requisito
de admissibilidade da repercussão geral, para o recurso extraordinário, e a sistemática dos recursos repetitivos, para o
recurso especial (arts. 543-A, 543-B e 543-C do CPC/1973).
O Código atual aprimorou a técnica, largamente utilizada, com sucesso, nas últimas décadas, uniformizando
tratamento de ambos, na forma dos arts. 1.036 a 1.041. Pode-se estatuí-la em algumas etapas.
Inicialmente, há a percepção de multiplicidade de recursos sobre a mesma questão de direito, cabendo a qualquer
Ministro ou ao Presidente do tribunal superior afetar uma das insurgências para julgamento pela sistemática.
Também Presidentes ou Vice-Presidentes do tribunal local podem selecionar recursos demonstrativos da
controvérsia e apontá-los à Corte Superior (art. 1.036 ), sem que isso a vincule, naturalmente. Nesse caso, já
229

determinará a suspensão dos processos pendentes no Estado ou na Região e, caso alguma das partes entenda que a
suspensão que a alcançou foi equivocada, pode suscitar a distinção, cabendo, da decisão do Presidente ou Vice,
agravo interno.
Selecionados os recursos, pelo relator de um deles, no tribunal superior, profere-se decisão de afetação, (i)
identificando a questão submetida a julgamento, (ii) requisitando-se a Presidentes de tribunais locais recursos
representativos da mesma controvérsia e (iii) suspendendo-se, em âmbito nacional, processos que versem sobre o
tema.
Sublinhe-se que a suspensão não é automática, dependendo de decisão específica e explícita, conforme juízo de
oportunidade. Caso determinada, podem as partes dos processos alegar a distinção entre a matéria tratada em seu
feito e aquela submetida a julgamento repetitivo, a ser decidida pelo juiz natural do caso. Dessa decisão, cabe agravo
de instrumento ou agravo interno (art. 1.037 ).
230

Visando a assegurar o respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa, ou seja, que os argumentos dos
recursos especiais sejam devidamente analisados, a lei prevê, na fase de instrução, a fim de melhor instruir o tribunal,
poderem ser admitidos amici curiae, marcadas audiências públicas e ouvidos os tribunais locais, além do Ministério
Público.
Uma vez transcorrido o prazo para o Ministério Público e remetida cópia do relatório aos demais Ministros, o
processo será incluído em pauta na seção ou na Corte Especial, devendo ser julgado, no prazo de um ano, com
preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os habeas corpus, manifestando-se o
tribunal sobre todos os argumentos relevantes ventilados (art. 1.038 ). 231

Observe-se que o órgão julgador do recurso repetido pode ser a seção quando a matéria competir apenas à
mesma, v.g., o direito tributário encartado na competência da seção de direito público, ou da Corte, quando o thema
iudicandum for do interesse de todos os órgãos julgadores.
Esse acórdão é de crucial importância, na medida em que vincula todos os julgadores do território nacional,
representando o entendimento obrigatório sobre a matéria legal ou constitucional. Como consequência, os
Presidentes ou Vice-Presidentes dos tribunais locais podem negar seguimento aos recursos especiais e
extraordinários pendentes, bem como determinar o reexame dos acórdãos discutidos pelos órgãos locais que os
proferiram (arts. 1.039 e 1.040 ). Neste caso, mantido o entendimento, o recurso será remetido ao tribunal superior,
232

para apreciação definitiva da correção da aplicação da tese fixada em sede de recurso repetitivo (art. 1.041 ).
233

7.AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL E EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO

O agravo em recurso especial e em recurso extraordinário, que ainda na vigência do CPC/1973 já havia deixado de
ser um agravo de instrumento, encontra previsão no art. 1.042 do Código. Seu regramento sofreu grande mudança,
em relação à redação original do Código, antes mesmo de sua entrada em vigor. É que a Lei nº 13.256/2016
reintroduziu a etapa processual de juízo de admissibilidade pelo Tribunal a quo no âmbito dos recursos especial e
extraordinário. Consectariamente, também o cabimento do posterior agravo restou alterada.
Em síntese, o recurso será cabível quando o recurso especial ou o recurso extraordinário sejam inadmitidos pelo
Tribunal de origem, a menos que essa inadmissão se funde na aplicação de entendimento firmado em regime de
repercussão geral ou em julgamento de recursos repetitivos. Nessas outras situações, caberá agravo interno,
destinado a órgão colegiado do próprio Tribunal a quo.
Há, portanto, distinção dos caminhos processuais disponíveis conforme o fundamento da decisão recorrida. A
previsão é paralela à distinção feita pelos §§ 1º e 2º do art. 1.030.
Obedecido o princípio do duplo exame da admissibilidade dos recursos por força do princípio jusfilosófico de que se
assim não o fosse, os juízos negariam seguimento às impugnações no afã de preservarem a integridade de seus
julgados, dispõe o art. 1.042 que, não admitindo o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo, no
prazo de 15 (quinze) dias, para a respectiva instância superior.
Na redação atual do art. 1.042, não há, como havia outrora, exigência de instrução do agravo de instrumento com
quaisquer peças indicadas pelas partes. Tem-se que, como já há remessa dos autos à instância superior, dispensa-se a
formalidade de reinstruir o agravo. Cumpre destacar, consoante redação dada pela recente reforma da Lei
13.256/2016, que não deverá haver recolhimento de custas para tal recurso, bem como que à petição se aplica o
regime de repercussão geral e de recursos repetitivos.
Não obstante, a jurisprudência manifestava-se pela exigibilidade da juntada da certidão de intimação do originário
acórdão atacado pelo apelo extremo (RE ou REsp) para observar exatamente essa questão formal da tempestividade,
que, como se sabe, à semelhança dos demais requisitos de admissibilidade, pode ser conhecida ex officio. A despeito
disso, a novel disposição declinou tal requisito.
A Lei 13.256/2016, diga-se, alterou em grande medida o novo Código no que tange ao agravo em recurso especial e
em recurso extraordinário, procurando manter o regime muito próximo ao do Código anterior.
O novo procedimento, no art. 1.042, § 2º, do CPC, é expresso no sentido de que a petição de agravo deve ser dirigida
à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais.
Neste passo, dissipou-se controvérsia reinante sob o regime derrogado, haja vista que o Código, até pouco antes da
reforma e a lei, ao regularem os recursos extraordinário e especial, não dispunham sobre o “preparo” desse agravo,
por isso que alguns defendiam possibilidade de consagração desse requisito extrínseco de admissibilidade por via
regimental.
A questão revelava-se delicada haja vista que a lacuna poderia propiciar dúvidas conducentes à inadmissão do
agravo extremo pela falta do preenchimento dessa formalidade geradora da deserção. Sustentava-se mesmo que a
deserção era o único defeito capaz de barrar o agravo interposto contra a inadmissão dos recursos excepcionais.
O legislador colocou uma pá de cal no assunto. O agravo não depende de pagamento de custas nem de porte de
retorno (despesas postais).
Complementou a Lei 13.256/2016 tal parágrafo, ao dispor que se aplicam os regimes de repercussão geral e de
recursos repetitivos, inclusive quanto à possibilidade de sobrestamento, ao agravo em recurso especial e em recurso
extraordinário.
Por outro lado, interposto o agravo perante a presidência há expressa previsão de o agravado ser intimado, de
imediato, para no prazo de 15 (quinze) dias oferecer resposta, em homenagem ao princípio do contraditório (art.
1.042, § 3º, do CPC).
A redação anterior sugeria uma relação angular entre o agravante e o órgão do tribunal a quo que indeferiria o
recurso.
Destaque-se, tudo se passa no tribunal de origem, vale dizer, tanto a interposição quanto a impugnação. Obedecido o
princípio da igualdade das partes, o agravado, intimado, disporá do prazo de 15 (quinze) dias para oferecer resposta.
Em seguida, não havendo retratação, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental
(art. 1.042, § 4º, do CPC). Assim, o recurso acode ao tribunal superior composto de robustas razões formais e de
mérito a permitir ao relator uma completa visão da contenda recursal.
Advirta-se, contudo, que a fala do agravado somente inocorrerá nas hipóteses em que o recurso dirigir-se contra
decisão proferida ainda na fase embrionária do processo, em que não se completou a vocatio in iudicio, v.g., quando
a parte irresignada vai às últimas consequências quanto ao indeferimento de uma tutela provisória urgente, antes
mesmo da convocação da outra parte. Nessas relações angulares, não há a “fala do recorrido”.
Prevê, ainda, o Código, a hipótese de julgamento conjunto do agravo com o recurso especial ou o recurso
extraordinário a que estiver ligado. Assegura-se, nesse sentido, a sustentação oral do advogado, significando que,
conjuntamente, a depender do regimento interno do tribunal superior, é permitido dar provimento ao agravo para
conhecer de imediato do respectivo recurso, dando-lhe ou negando-lhe provimento (art. 1.042, § 5º, do CPC).
Paralelamente, trata o dispositivo acerca da hipótese de interposição conjunta de recurso especial com recurso
extraordinário. Manteve-se o disposto no Código de 1973, em que o agravante possui o ônus de interpor um agravo
para cada recurso que não fora admitido, em virtude da diferença de órgãos que apreciarão cada qual dos recursos
(art. 1.042, § 6º, do CPC).
Tendo, contudo, o agravante apresentado apenas um agravo, este será remetido para o tribunal competente. Sendo o
caso de interposição conjunta, remetem-se os autos ao Superior Tribunal de Justiça e, após concluído o julgamento
do agravo, bem como do recurso especial, se for o caso, os autos serão remetidos ao Supremo Tribunal Federal para
apreciação do agravo no que lhe couber, salvo se prejudicado (art. 1.042, §§ 7º e 8º, do CPC).

8.EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA 234

Reflexo inegável da função uniformizadora dos tribunais superiores, a que são servis os recursos extraordinário e
especial, é o cabimento de embargos de divergência (art. 1.043, incisos I e III, do CPC).  O cabimento deste recurso
235

pressupõe que a divergência ocorra entre órgãos competentes; por isso que, se um deles é incompetente, inútil o
embargo. 236

O recurso é cabível desde que a divergência opere-se no julgamento dos recursos extraordinário e especial recebidos
originariamente, “convertidos” em face da completa instrução dos agravos interpostos contra o indeferimento do
recurso principal, ainda que providos monocraticamente na forma dos arts. 932 e 1.042, do CPC, tese que não se
encontra pacífica, diferentemente das decisões meritórias em agravo regimental, interposto de decisão monocrática
do próprio recurso especial, porquanto mantém-se a colegialidade.
Denomina-os a doutrina de “embargos de divergência regimental” em face de o seu procedimento encontrar-se
previsto no regimento interno desses tribunais. Advirta-se que os acórdãos devem provir das turmas da mesma
competência ou de competência diversa que confrontem entre si, bastando que o acórdão seja de órgão fracionário
(turma, sessão, Corte Especial ou Pleno).
Deveras, a seção na sua respectiva competência ratione materiae e o Plenário firmam a jurisprudência prevalente.
O advento da Lei nº 13.256/16 ocasionou a revogação de dois incisos do art. 1.043, CPC, levando a crer que não se
trata de hipótese de cabimento dos embargos de divergência. O inciso II, revogado, tratava da hipótese em que a
decisão relativa ao juízo de admissibilidade diverge de decisão prévia de qualquer órgão daquele tribunal que
também seja referente ao juízo de admissibilidade.
Com a revogação, permanece a dúvida quanto ao cabimento dos embargos de divergência no que toca ao juízo de
admissibilidade, eis que o art. 1.043, § 2º, CPC, autoriza que a divergência apta a legitimar a oposição dos embargos
seja de direito material ou de direito processual. Assim, parte da doutrina entende que a revogação do inciso II não
implica necessariamente a impossibilidade de suscitar divergência em juízo de admissibilidade, eis que se trata de
questão processual, abarcada pelo § 2º. Por outro lado, o juízo de admissibilidade consiste em preliminar da análise
recursal que não interfere no mérito do recurso e, portanto, não possibilita a oferta deste recurso.
No entanto, deve-se atentar para o fato de que o rol de cabimento dos embargos de divergência é taxativo e não
comporta interpretação ampliativa, a fim de evitar a demora processual injustificada e o abuso da utilização
desnecessária de recursos. Sendo assim, as hipóteses previstas devem ser interpretadas restritivamente conforme o
que dispôs o legislador. Veja-se, dessa forma, que a divergência pode ser de direito material ou processual, desde que
este seja o núcleo do mérito do recurso que deu azo à oposição dos embargos de divergência.
Outro inciso revogado foi o inciso IV do art. 1.043, CPC, que tratava dos processos de competência originária dos
Tribunais Superiores (art. 102, I, Constituição, para o Supremo Tribunal Federal, e art. 105, I, do texto
constitucional, para o Superior Tribunal de Justiça). Não cabe, em virtude da reforma promovida pela Lei nº
13.256/16, a oposição de embargos de divergência nesse contexto.
No esteio da orientação acerca do cabimento dos recursos uniformizadores em geral, tem-se que, se a turma
modificou sua orientação em sentido oposto ao recurso, não cabem embargos de divergência, porque prevalece, para
verificação de sua admissibilidade, a orientação atual, refletindo--se no interesse em recorrer.
Ademais, são incabíveis embargos de divergência em agravo interno interposto de agravo de instrumento, porque em
jogo aspecto formal, ou como afirma o STJ (Súmula 315), “regra técnica” que refoge ao escopo da divergência, qual
a de uniformizar a jurisprudência meritória de um tribunal que tem como escopo essa específica função.
Tal entendimento, porém, se aplica aos casos em que a divergência recai sobre os pressupostos de admissibilidade,
não se aplicando às hipóteses em que o tribunal se pronunciou sobre o mérito recursal . 237

Outrossim, é mister um exato confronto analítico para que se possa afiançar que o tribunal julgando causas com o
mesmo suporte fático concedeu-lhes solução diversa, afrontando a sua função uniformizadora. Exige-se que a
comprovação da divergência com certidão, cópia ou citação de repositório oficial ou credenciado de jurisprudência,
inclusive em mídia eletrônica, onde foi publicado o acórdão divergente, ou com a reprodução de julgado disponível
na rede mundial de computadores, indicando a respectiva fonte, e mencionará as circunstâncias que identificam ou
assemelham os casos confrontados (art. 1.043, § 4º) – o descumprimento do dispositivo enseja não conhecimento,
por ausência de regularidade formal, não sendo aplicável o art. 932, parágrafo único, conforme entendimento do
Superior Tribunal de Justiça .
238

O entendimento do julgamento paradigma, supostamente ofendido pelo julgado recorrido, deve ser atual, a justificar
a uniformidade procurada pelos embargos (Súmula 168 do STJ e Súmula 247 do STF).
Inadmitidos os embargos de divergência desafiam, intra muros, o agravo interno.
Admitidos, o órgão competente elege uma das teses em confronto para regular o caso concreto.
IV
INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE

1.GENERALIDADES

O incidente de arguição de inconstitucionalidade nos tribunais participa do instrumental de controle da


constitucionalidade das leis em face de pluralidade de órgãos aplicadores das regras constitucionais e
infraconstitucionais nos seus julgamentos.
A função jurisdicional de definição de direitos caracteriza-se pela atividade de concreção, consistente na aplicação de
determinada lei ao caso concreto. O instituto in foco permite que se declare, incidentemente, a inconstitucionalidade
da lei aplicada ao caso concreto e, em consequência, confira-se um resultado à causa de acordo com essa prévia
declaração.
Insta observar, à semelhança do incidente da uniformização, que a inconstitucionalidade, in casu, figura como
premissa inafastável do julgamento. O incidente, então, é de imperiosa formação nesse caso, posto que diversamente
dos juízos de primeiro grau que podem pronunciar a inconstitucionalidade incidenter tantum como razão de decidir,
nos tribunais, por força de regra constitucional, somente a maioria absoluta de seus membros pode fazê-lo (art. 97
da CF), o que se denomina de “reserva de plenário” e decorre do fato de que, em princípio, na ordem local, a palavra
do tribunal é o último pronunciamento da causa, porquanto os recursos posteriores são excepcionais.
Esse incidente, por seu turno, marca uma das formas do controle  difuso e incidental  da constitucionalidade das leis,
1 2

haja vista que o denominado “controle concentrado”, “direto ou principal” efetiva-se através da “ação declaratória
direta de inconstitucionalidade” dirigida ao Supremo Tribunal Federal, cujo procedimento hodiernamente, vem
regulado na Lei nº 9.868/99.
No primeiro controle, o difuso, a constitucionalidade é examinada pela inserção da lei ao caso concreto, ao passo que
no segundo, o controle é da própria “lei em tese”.
O incidente não se limita à inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal. A dicção legal é ampla, alcançando
leis como fonte do direito de qualquer grau, isto é, Emenda à Constituição, Constituição Estadual, Lei
Complementar, Lei Ordinária, Lei Delegada, Decreto-Lei, Decreto Legislativo, Decreto, Resolução ou Atos do Poder
Público da União, Estados e Municípios bem como atos das três esferas, vale dizer: Executivo, Legislativo e
Judiciário.
A inconstitucionalidade sub examine pode ocorrer em confronto com a Constituição Federal ou a Estadual. A
diferença de competência somente ocorre na ação direta, porquanto as violações de qualquer ato em face da
Constituição Federal implicam o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, ao passo que a afronta à Constituição
Estadual é analisada pelos tribunais locais (arts. 102, I, a, e 125, § 2º, da CF).
O incidente de inconstitucionalidade propicia a mesma cisão funcional  de competência verificada na uniformização
3

de jurisprudência, retornando os autos à câmara após a deliberação pelo órgão especial do tribunal acerca da
inconstitucionalidade, produzindo uma decisão subjetivamente complexa. Não obstante esta seja a sistemática no
Direito brasileiro, já se decidiu que, se o único fundamento da causa é a inconstitucionalidade de texto de lei,
inexistindo matéria remanescente a ser decidida, é desnecessário que a Corte Especial devolva os autos ao órgão
julgador que a suscitou, para completar-lhe o julgamento, devendo, desde logo, decidir o feito, a fim de evitar
procrastinação incompatível com os princípios que regem o processo moderno.
O órgão do tribunal pode ser o pleno ou Órgão Especial que lhe faça às vezes, como indica o art. 949, II, do CPC,  e
4

permite o art. 93, XI, da Constituição Federal. Aliás, nos Estados em que os tribunais contam com número superior a
25 membros, como é o caso do Rio de Janeiro e de São Paulo, essa competência recai no Órgão Especial. Assim, a
declaração de inconstitucionalidade incorpora-se às razões de decidir do julgado da Câmara ou Turma e é com fulcro
nela que caberão os recursos subsequentes, inclusive o recurso extraordinário. Isto porque o acórdão do órgão que
dispõe sobre a inconstitucionalidade é irrecorrível, salvo por embargos de declaração, porquanto dispõe in
abstrato e, a fortiori, dele não exsurge lesividade. A deliberação da câmara quanto ao caso concreto com a
incorporação daquela decisão é que traz a lesividade que faz exsurgir o interesse em recorrer. 5

2.REQUISITOS E PROCEDIMENTO

O CPC trata do incidente de arguição de inconstitucionalidade por ocasião do julgamento de um recurso ou de uma
causa da competência originária dos tribunais.
O pressuposto básico é o de que a causa ou o recurso devam ser apreciados à luz de determinado regramento jurídico
arguido de inconstitucional. Nesse sentido dispõe o art. 948 do CPC  que arguida, em controle difuso, a
6

inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo do poder público, o relator, após ouvir o Ministério Público e as
partes, submeterá a questão à turma ou à câmara à qual competir o conhecimento do processo.
O relator da causa de competência originária, da demanda sujeita ao duplo grau necessário ou do recurso,  submete à
Câmara, antes mesmo do julgamento, a prejudicial constitucional.
Deveras, não é só o relator que pode suscitá-lo, cabendo o mesmo poder a qualquer integrante da Turma ou
Câmara, ex officio, ou provocado pelo Ministério Público  ou pela parte.
7

A tempestividade para a arguição do incidente obedece à regra de que as partes e o Ministério Público podem
suscitar incidente até que se inicie a votação, e os membros do tribunal à medida que votam.
A Câmara, reconhecendo esse grau de prejudicialidade, deve sustar o processo até a deliberação do órgão
competente, lavrando acórdão nesse sentido. Ao revés, desacolhida a alegação, prossegue-se no julgamento da causa
como se não tivesse havido a arguição prejudicial. É que a Câmara não tem competência funcional para declarar a
inconstitucionalidade, mas detém-na para concluir pela constitucionalidade. De toda sorte, a deliberação da Câmara
quanto à admissibilidade do incidente e remessa ao órgão próprio é irrecorrível.
A eventual lesão que se venha perpetrar com o julgamento “subjetivamente complexo” pela integração das decisões
desafiará o recurso extraordinário, porquanto o fundamento do acórdão será necessariamente constitucional, desde
que a violação seja a Carta Maior e não ao diploma estadual.
A inconstitucionalidade que prejudica o julgamento da Turma ou Câmara pode ser de lei ou ato normativo
inafastável do objeto do julgamento. Por outro lado, a lei ou o ato normativo podem dizer respeito à questão formal
ou material. Assim, v.g., pode haver a suscitação da inconstitucionalidade de lei ou de Regimento Interno de
Tribunal que admita em demandas judiciais contra magistrados a supressão do contraditório. Nesse caso, tratar-se-á
de ato normativo inconstitucional posto violador da regra maior.
O incidente pode ainda ocorrer, v.g., em relação à lei civil aplicada em contrariedade ao disposto na Constituição,
por exemplo quando admite a invasão da privacidade alheia, havendo expressa vedação constitucional. A parte, em
ambos os casos, como preliminar do seu recurso, pode arguir a inconstitucionalidade de um desses dispositivos
aplicados ao processo sub judice.
A Câmara, entendendo a influência da questão, deve suspender o julgamento para ouvir a deliberação do Pleno ou do
Órgão Especial próprio acerca da inconstitucionalidade suscitada. Este, ao receber o processo, não pode devolvê-lo
sob a alegação de que a questão da inconstitucionalidade não é prejudicial daquele outro feito suspenso. A
admissibilidade do incidente é da competência do órgão fracionário colegiado. O que é lícito ao órgão competente é
acolher ou não a inconstitucionalidade pelos fundamentos apontados ou por outros, porquanto na matéria é livre a
sua investida ex officio. 8

A deliberação pela inconstitucionalidade, para ser possível, deve alcançar a maioria absoluta dos membros do Pleno
ou do Órgão Especial, e não a dos presentes.
Outrossim, a vinculação é intraprocessual e ad futurum, na forma da redação do parágrafo único do art. 949 do CPC.
A verificação dessa maioria absoluta implica que os votos devem ser homogêneos quanto à motivação, uma vez que
a liberdade de fundamentação pode levar à conclusão da inconstitucionalidade por razões diferentes. Essa a razão
pela qual afirma-se em doutrina que para os fins da vinculação incidental, a votação deve ser uniforme  quanto à
9

motivação.
Esta é a sistemática sinalizada pelos arts. 948 e 949 do CPC. O procedimento mais amiúde do incidente vem previsto
no regimento interno dos tribunais e nas leis de organização judiciária.
A natureza da causa torna necessária a intervenção do Ministério Público que oficia, no feito, inclusive no retorno da
causa à câmara.
Reforma ocorrida ainda na vigência do Código de 1973 deu nova redação ao parágrafo único do art. 481 do CPC,
mantida no art. 949 do CPC atual, estabelecendo que os órgãos fracionários dos tribunais não devem submeter ao
plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do
plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão, salvo se não coincidentes; isto é, quando o tribunal local
opõe-se ao teor do julgado pela Corte Suprema, v.g., se o órgão especial do estado conclui pela inconstitucionalidade
e a Corte Suprema pela constitucionalidade.
O julgamento do incidente tem como finalidade compor o acórdão do órgão onde ele foi suscitado. Em
consequência, a decisão que enseja a interposição de recurso ordinário ou extraordinário não é a do plenário, que
resolve o incidente de inconstitucionalidade, mas a do órgão (Câmaras, Grupos ou Turmas) que completa o
julgamento do feito (Súmula nº 513 do STF).

V
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA
1.HISTÓRICO E FUNDAMENTOS

A assunção de competência  consubstancia-se em incidente processual destinado a assegurar a segurança jurídica,


1

conferindo previsibilidade e isonomia às decisões judiciais. Trata-se, na verdade, de instituto decorrente de


aprimoramento do incidente de uniformização de jurisprudência anteriormente previsto no artigo 476  e do incidente
2

de relevante questão de direito, estampado no art. 555, parágrafo primeiro, ambos do CPC de 1973 .3

Em vista do dever de os tribunais uniformizarem a jurisprudência (art. 926), o CPC faz previsão da assunção de
competência no art. 947, afirmando ser admissível a assunção de competência quando o julgamento de recurso, de
remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande
repercussão social, sem repetição em múltiplos processos.
À época da legislação anterior, que previa o incidente de uniformização de jurisprudência, já lecionávamos que, se já
era inquietante a aplicação divergente do direito nacional pelos tribunais das unidades da federação, causava maior
preocupação essa diversidade dentro do mesmo órgão jurisdicional.
O interesse público conspira em favor da unidade do direito. Destarte, é inegável a função popular da jurisdição, uma
vez que, em nome do povo, essa parcela da soberania é exercida. Ora, não ressoa coerente que cidadãos residentes na
mesma localidade e sujeitos à mesma ordem jurídica recebam tratamento diverso das fontes encarregadas da
aplicação e interpretação das leis. Assim, os incidentes de uniformização cumprem, obliquamente, a promessa
constitucional de que “todos são iguais perante a lei”, além de exercer notável papel pedagógico, em relação à
primeira instância, devido à sua força informativa.
Portanto, o incidente de assunção de competência, consiste, em certa medida, em reestruturação do incidente de
uniformização de jurisprudência, constante do CPC de 1973.

2.CABIMENTO E COMPETÊNCIA

O incidente pode ser instaurado em qualquer tribunal, desde que o processo tido como referência esteja lá
tramitando. Admite-se, inclusive, a instauração do incidente de assunção de competência nos tribunais superiores . 4

Eis que se trata de instrumento apto a uniformizar a jurisprudência interna de cada tribunal, compete-lhes – sem
exceções – julgar e processar o incidente de assunção de competência.
No que pertine ao cabimento, não há limitações quanto à matéria discutida, mas basta que se verifique o “ julgamento
de recurso, remessa necessária ou de processo de competência originária” que envolva relevante questão de direito,
com grande repercussão social. Destarte, admite-se a instauração do incidente também em tribunais de jurisdição
especializada, bem como em matéria penal e processual penal.

3.PRESSUPOSTOS DO INCIDENTE

Se o cabimento e a competência sugerem uma ampla utilização do incidente – haja vista não oferecerem limitações
significativas –, há determinados pressupostos à instauração que denotam o caráter excepcional do incidente e revela
a convergência com os objetivos perseguidos de sua inclusão no ordenamento jurídico.
Em primeiro lugar, demanda-se a verificação de relevante questão de direito. Muito embora se trate de conceito
jurídico aberto e que envolve, por vezes, subjetivismo daquele que aprecia o caso concreto, revela parâmetro
necessário, a fim de que se desenvolva a excepcionalidade do incidente. A questão pode tangenciar tanto tema de
direito material quanto de direito processual, não se restringindo conforme a natureza da discussão. A demonstração
de relevância da questão pode ser feita através de exposição de divergência doutrinária ou jurisprudencial quanto à
interpretação de determinado ato normativo.
Aponta-se que a compreensão do conceito de “relevante questão de direito” não deve ser encarado como meramente
subjetivo, mas encarado em conjunto com o segundo pressuposto constante do art. 947, caput e § 2º, CPC, qual seja
a grande repercussão social . Sendo assim, demanda-se notório interesse público na resolução da controvérsia
5

apontada. Se o tema for pacificado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, por óbvio não se verifica confronto
apto a suscitar a instauração do incidente. Ainda, há quem defenda que se deve interpretar grande repercussão
social utilizando-se como parâmetro o conceito de repercussão geral, disposto no art. 1.035, § 1º, CPC, para a
admissibilidade de recursos extraordinários .
6

Deve-se verificar, ademais, a não repetição do tema em inúmeros processos. A observação feita pelo legislador visa,
sobretudo, à diferenciação entre o instrumento em análise e o incidente de resolução de demandas repetitivas. Caso
haja inúmeros processos ou recursos versando sobre o mesmo tema – qual seja relevante questão jurídica com grande
repercussão social – não cabe a assunção de competência, mas sim a instauração do incidente de resolução de
demandas repetitivas. De todo modo, viável a aplicação do princípio da instrumentalidade, sob o viés da
fungibilidade, recebendo o tribunal um incidente como se o outro fosse.

4.LEGITIMIDADE

O art. 947, § 1º, CPC, encarta em seu texto a previsão daqueles que detêm legitimidade para suscitar a instauração do
incidente de assunção de competência. A princípio, relevante destacar que o relator possui a faculdade de determinar
o processamento do IAC ex officio, ainda que não haja qualquer provocação nesse sentido, caso verifique a presença
dos pressupostos autorizadores.
O relator, assim, realiza o exame dos pressupostos e, após a manifestação das partes, submete à apreciação do órgão
fracionário, para, caso se admita a instauração do incidente, ocorra a assunção de competência para o órgão
competente de acordo com o regimento interno do tribunal.
No mais, destaca-se que qualquer uma das partes atuantes no processo possui legitimidade para requerer a
instauração do IAC. Veja-se, nesse sentido, que o conceito de parte aqui utilizado é amplo, estendendo-se a eventuais
terceiros que possuam interesse jurídico no resultado do processo. O pedido deve ser formulado por petição nos
autos do recurso ou processo dirigida ao relator, requerendo a submissão ao órgão indicado pelo regimento interno.
Mister ressaltar, por fim, trecho relevante do art. 947, § 1º, CPC, que confere legitimidade para suscitar a instauração
do incidente ao Ministério Público e à Defensoria Pública. A justificativa tem por base a “ relevante questão de
direito, com grande repercussão social”, essencial para o cabimento do IAC. Nesse sentido, a forte presença do
interesse público legitima as instituições que almejam garantir o efetivo acesso à justiça e a defesa do interesse
social, conforme suas finalidades constitucionais.
Quanto ao Ministério Público, é pacífico que a legitimidade lhe é conferida quando figura como parte ou
como custos iuris de modo a demonstrar ao relator que se revela caso de instauração do incidente ou não. A atuação
neste segundo papel, disposta no art. 178, se destina a fiscalizar a ordem jurídica e a legitimidade permite a
concretização deste dever fiscalizatório.
Especialmente quanto à Defensoria Pública, revela-se previsão voltada a suprir a lacuna deixada pela dificuldade de
uma minoria ou de necessitados, que não possam se fazer representar nos autos a que tenham interesse. Admite-se,
assim, que, em virtude da ampla repercussão social, a Defensoria tome conhecimento do processo e formule o
pedido, não lhe sendo necessário requerer ingresso como assistente ou amicus curiae na relação processual.

5.PROCEDIMENTO

O incidente de assunção de competência é admissível no julgamento de recurso, de remessa necessária ou em


processo de competência originária quando envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social e
sem repetição em múltiplos processos. Também é viável sua admissão quando existir divergência atual ou potencial
no âmbito do próprio tribunal, como evidencia o § 4º.
A competência para processar e julgar o incidente de assunção de competência é apenas dos tribunais e pode ser
utilizado inclusive no âmbito dos tribunais superiores, exceto quando possível o julgamento pelo rito dos casos
repetitivos .
7

Diante da hipótese legal de cabimento do incidente de assunção de competência, incumbe ao relator propor, de ofício
ou após requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, que o recurso, a remessa necessária
ou o processo de competência originária seja julgado pelo órgão colegiado indicado pelo respectivo regimento
interno (art. 947, § 1º, CPC).
O julgamento do incidente dependerá do reconhecimento, por parte do órgão colegiado competente, da existência de
interesse público (art. 947, § 2º, CPC).
Relevante instrumento à garantia da segurança jurídica, a tese firmada por decisão colegiada em sede de assunção de
competência vincula todos os juízes e órgãos fracionários dos tribunais subordinados, exceto se houver posterior
revisão (art. 947, § 3º, CPC).
Em consequência do efeito vinculante à tese jurídica firmada no incidente de assunção de competência, o seu
julgamento deve seguir o procedimento previsto no art. 983, caput e § 1º, do CPC, sendo permitida a participação
de amicus curiae e a realização de audiência pública para a oitiva de pessoas com experiência e conhecimento do
assunto.

6.RECURSOS

Via de regra, o acórdão que julga o incidente é irrecorrível, cabendo tão somente a oposição de embargos de
declaração. No entanto, caso proferido em tribunal de segunda instância, revela-se possível a interposição de recurso
especial ou recurso extraordinário, bem como cabe o remédio extraordinário contra acórdão proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça.
Ademais, da decisão unipessoal do relator que não conhecer do incidente caberá agravo interno para submeter a
questão ao órgão colegiado fracionário.
Elegante controvérsia que se erige do tema diz respeito à aplicação do art. 987, § 1º, CPC, típico ao procedimento do
incidente de resolução de demandas repetitivas, ao incidente de assunção de competência. O dispositivo dispõe que o
recurso especial ou extraordinário interposto contra acórdão de segunda instância que julga o incidente possui efeito
suspensivo ope legis, diferentemente do regramento usual do art. 1.029, § 5º, CPC.
Entende-se, porém, que os recursos aos tribunais superiores não possuem efeito suspensivo automático no contexto
do incidente de assunção de competência, vez que se considera característica peculiar do julgamento de casos
repetitivos – o que, como visto, não é o caso do IAC, configurando pressuposto obrigatório justamente a ausência de
repetição em múltiplos processos. Aplica-se apenas a regra do art. 987, § 2º, CPC , eis que o incidente integra o
8

microssistema de precedentes vinculantes e, portanto, merece eficácia irradiante para assegurar sua observação.

VI

INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS

1.GENERALIDADES

O incidente de resolução de demandas repetitivas possui inspiração no procedimento-modelo (Musterverfahren) do


direito alemão, com influências também do Group Litigation Order (GLO) – da Inglaterra e do País de Gales – e
do Pilot-judgement da Corte Europeia de Direitos Humanos. Todos esses, com especial destaque para o modelo
alemão, pretendiam conferir efetividade à jurisdição que se viu abarrotada de processos cujo mérito discutido
envolvia questão jurídica semelhante, senão idêntica.
No exemplo alemão, o Musterverfahren foi introduzido inicialmente, ainda sem previsão legal, nos órgãos judiciais
que apreciam as causas da Administração Pública alemã (Verwaltungsgericht), na década de 1970, em face das
dezenas de milhares de objeções apresentadas diante da construção de usinas nucleares e outras obras públicas.
Decidir uma a uma era não só repetitivo, mas extremamente desgastante, de forma que não havia tempo e aparato
suficientes para dar conta das demais demandas, igualmente relevantes. A massificação da Justiça acarreta, assim,
consequências desastrosas para todos os envolvidos, com especial prejuízo ao jurisdicionado.
Desenhou-se, portanto, um sistema em que fossem reunidos todos os processos de mérito idêntico ou semelhante e,
por meio da solução de um deles, irradiou-se o entendimento ali alcançado a todos os demais processos que tratavam
do mesmo tema. Destarte, foi alcançada solução que concretiza segurança jurídica – vez que é conferido tratamento
igual a todos, evitando-se divergências internas do próprio tribunal –, igualdade aos jurisdicionados e, sobretudo,
eficiência processual.
Com algumas adaptações, o CPC inaugurou o incidente de resolução de demandas repetitivas, em que, muito embora
relevante o interesse das partes envolvidas, a decisão se destina sobremaneira à realização de valores constitucionais
relevantes.
O incidente de resolução de demandas repetitivas, também denominado de IRDR, constitui procedimento incidental
(incidente processual) a um processo em trâmite perante juízo de primeiro grau ou tribunal . Está previsto no art. 976
1

do CPC e é cabível quando houver simultaneamente a efetiva repetição de processos que contenham controvérsia
sobre a mesma questão unicamente de direito e risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica. Estes requisitos são
cumulativos, de sorte que eventual ausência de qualquer um deles importa o não cabimento do IRDR.

2.CABIMENTO E REQUISITOS

O art. 976 estatui os requisitos de cabimento do incidente . É imprescindível que exista efetiva repetição de casos,
2

conceito subjetivo que resta preenchido não necessariamente com milhares de casos, mas também com dezenas de
casos que sejam passíveis de gerar maior multiplicidade de feitos . De todo modo, não há viabilidade de instauração
3

de IRDR com viés preventivo – papel a ser cumprido pelo IAC.


A exigência legal se refere à existência de múltiplos processos com divergência relativa à mesma questão jurídica,
pois incabível o incidente para questão de fato. Em acréscimo, o mesmo artigo impede a instauração do incidente
quando algum Tribunal Superior já tiver afetado recurso sob o rito repetitivo , o que evidencia uma subsidiariedade
4

entre o incidente em análise, de caráter local, e o julgamento nacional de recursos repetitivos ou de repercussão geral.
Por sua vez, há divergência acerca do cabimento do IRDR quando a multiplicidade de processos acerca da mesma
questão jurídica se restringir ao primeiro grau de jurisdição, ainda não existindo processo em andamento perante o
Tribunal. Argumenta-se, por um lado, que, neste caso, seu cabimento resultaria em criação infraconstitucional de
competência originária ao respectivo Tribunal, o que violaria a Constituição da República, razão pela qual alguns
entendem pela não viabilidade do IRDR quando ausente feito em trâmite no Tribunal.
Por outro lado, a visão contrária potencializa o instituto, observando, mais fielmente, os requisitos legais. Com
efeito, o art. 976, I, em momento algum exige a existência de sentenças conflitantes ou processos em curso no
segundo grau de jurisdição. É perfeitamente possível que a pluralidade de casos em primeira instância leve à
admissão do incidente e, se não houver processo modelo a ser resolvido pelo tribunal, a tese jurídica restaria
igualmente fixada .
5

Ressalte-se que o objetivo do IRDR estava focado na economia processual, na isonomia, na segurança jurídica e na
busca da duração razoável dos processos. Em princípio, para que estes objetivos já pudessem se sentir, de modo mais
direto, em todo o Poder Judiciário, pretendia-se a sua utilização de modo mais amplo, o que seria atingido se o
incidente pudesse ser acionado mais rapidamente, ou seja, a partir da multiplicação em primeiro grau, sem a
necessidade de se aguardar que chegassem aos tribunais de segundo grau, seja por força de ação originária ou de
recurso. O tema foi enfrentado, com destaque, no parecer final apresentado pelo Relator no Senado Federal . 6

2.1Fungibilidade entre IRDR e IAC

Como estudado neste capítulo e no anterior, tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas como o incidente
de assunção de competência são instrumentos que compõem o microssistema de precedentes obrigatórios do Código
Processo Civil de 2015, razão pela qual se deve reconhecer a fungibilidade entre ambos com vistas a facilitar
a uniformização da jurisprudência.
Sendo assim, caso o tribunal entenda que determinado feito não se subsume à hipótese de cabimento do incidente de
assunção de competência seja porque existem diversos processos que discutam idêntica questão de direito, seja
porque inexiste grande repercussão social, poderá proceder à instauração do incidente de resolução de demandas
repetitivas se os demais requisitos restarem preenchidos. O mesmo ocorrerá caso o julgador conclua que o caso não
seja de incidente de resolução de demandas repetitivas, como por exemplo, não existir comprovação de risco de
ofensa à isonomia ou à segurança jurídica, quando poderá admitir que seja instaurado o incidente de assunção de
competência caso se faça presente a relevância do objeto trazido nos autos .
7

3.COMPETÊNCIA

O art. 978 define a competência para julgamento do IRDR, asseverando que cabe ao órgão indicado pelo regimento
interno dentre aqueles responsáveis pela uniformização de jurisprudência do tribunal.
A previsão da competência não explicita quais tribunais possuem competência para o seu julgamento, mas a leitura
da norma permite a conclusão de que compete aos Tribunais de Justiça Estaduais e aos Tribunais Regionais  o seu8

julgamento (Federais, do Trabalho e Eleitorais). Embora não detenham competência originária para julgar IRDR, os
Tribunais Superiores poderão julgar o feito em grau recursal. O Superior Tribunal de Justiça e o Superior Tribunal
Militar entenderam, além disso, ser possível a instauração do incidente originariamente em sua sede, desde que em
caráter subsidiário à sistemática dos repetitivos, isto é, em seus processos de competência originária e nos recursos
ordinários .
9

4.LEGITIMIDADE

A legitimidade para a instauração do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas encontra-se prevista no art.
977 do CPC . 10

O inciso I estabelece que o IRDR pode ser instaurado ex officio pelo juiz ou relator. A legitimidade de sua
instauração pelo juiz exige o envio de ofício ao presidente do tribunal quando entender cabível. O relator do feito no
âmbito do tribunal também pode requerer o incidente, mas a decisão de admissão deve ser colegiada, do órgão
competente (art. 981 do CPC).
As partes, nos termos do inciso II, também estão legitimadas a requererem por petição a instauração do incidente,
devendo-se comprovar a pertinência subjetiva com a tese jurídica a ser decidida por meio do IRDR. O Ministério
Público e a Defensoria Pública terão legitimidade tanto na condição de partes (inciso II) como no desempenho de
suas funções institucionais conforme previsto no inciso III. O Ministério Público deve demonstrar o interesse social
relevante e a Defensoria Pública comprovar interesse de assistidos ou necessitados com a tese objeto do incidente.
O § 2º do art. 976 estabelece que o Ministério Público, quando não requerer a instauração do incidente, deve nele
intervir, bem como assumir a sua titularidade quando houver desistência ou abandono do feito pelas partes.

5.PROCEDIMENTO

A admissão do incidente de resolução de demandas repetitivas mediante a análise dos seus requisitos de cabimento
deve ser realizada pelo órgão competente para o seu julgamento à luz do previsto no  caput do art. 981 do CPC, em
decisão irrecorrível . Em caso de não admissão, porém, é possível formular novo pedido de instauração do incidente
11

após preenchido o requisito pendente (art. 976, § 3º).


Em homenagem ao interesse coletivo envolvido no julgamento, não há pagamento de custas no procedimento do
incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, § 5º), isenção que não abrange a interposição dos recursos
extraordinário e especial.
Presentes os requisitos constantes do art. 976, CPC, é possível a instauração do incidente de resolução de demandas
repetitivas. Há, todavia, algumas limitações temporais que naturalmente se impõem à suscitação do incidente.
Primeiramente, deve-se mencionar que não cabe suscitar o IRDR após o julgamento da causa, ou mesmo de seu
trânsito em julgado. Após o julgamento, apenas será possível suscitar o incidente, caso o tribunal – no caso concreto
– tenha se omitido sobre a questão de direito que deve ser apreciada no IRDR, de modo que o incidente pode ser
requerido ainda em sede de embargos de declaração, enquanto aberta a cognitio da Corte.
Ademais, soa adequado que o incidente possa ser suscitado em qualquer momento antes de concluído o julgamento,
inclusive na sustentação oral. Uma vez que se faculta ao relator até mesmo o reconhecimento de ofício dos elementos
caracterizadores do incidente, parece lógico que se lhe convença até o último momento possível. Enquanto em
discussão a matéria, v.g. na nova sessão de julgamento ampliado (art. 942, CPC), pode o colegiado verificar a
controvérsia sobre a matéria e optar por suspender a deliberação, suscitando o incidente. Por outro lado, após o
término da votação, no entanto, é vedada a suscitação do IRDR.
Por fim, a boa prática impõe que o incidente seja requerido em petição própria dirigida ao presidente do tribunal (art.
977, caput, CPC) – ou por ofício, caso aventada pelo próprio juiz ou relator. Logo, não é adequado suscitar o
incidente de resolução de demandas repetitivas nas próprias razões do recurso ou da ação originária. Deve-se fazê-lo
separadamente para, inclusive, respeitar a natureza de incidente do instituto.
Uma vez admitido o IRDR, em decisão necessariamente colegiada do órgão eleito pelo regimento interno para
julgamento desse procedimento de uniformização, haverá ampla e específica divulgação por meio de registro
eletrônico no Conselho Nacional de Justiça (art. 979, caput, CPC), ao passo que, em regra, se determinará a
suspensão  da tramitação de todos os processos que versem sobre o mesmo assunto na Corte e na primeira instância,
12

nos limites da competência territorial do respectivo tribunal  (art. 982, I, CPC), exigindo-se, para tanto, decisão
13-14-15

expressa a respeito .
16

Na hipótese de cumulação de pedidos, é possível que a suspensão seja parcial, prosseguindo a tramitação em relação
ao pedido que não se relacione com o objeto do IRDR, com a possibilidade de julgamento antecipado parcial da
outra parcela do processo . 17

Acaso a questão debatida desperte interesse que transborde os limites territoriais do órgão julgador, alcançando
relevância regional ou nacional, autoriza o Código (art. 982, § 3º) que se requeira ao Superior Tribunal de Justiça ou
ao Supremo Tribunal Federal, a depender da natureza legal ou constitucional da matéria, a extensão da suspensão
para todos os processos do território nacional. Trata-se de medida voltada à garantia da segurança jurídica, que vem
sendo mitigada pela jurisprudência: apenas se admite a utilização quando admitido o IRDR original  e inadmitido
18

IRDR no tribunal da localidade daquele que requer a suspensão nacional . 19

Durante a suspensão, eventual pedido de tutela de urgência deve ser dirigido ao juízo onde o feito tramita (art. 982, §
2º, CPC). Caso existam vários incidentes sobre o mesmo tema, idênticos ou apenas conexos, devem ser reunidos para
julgamento conjunto pelo tribunal.
Com a admissão do incidente, o relator também poderá requisitar informações a órgãos em cujo juízo tramitem
processos nos quais se discuta o objeto do IRDR, que deverão ser prestadas no prazo de 15 (quinze) dias, bem como
intimará o Ministério Público para, querendo, se manifestar (art. 982, II e III, CPC). Vale lembrar, conforme já
estudado, a possibilidade de participação do amici curiae nos termos do art. 138 do CPC, inclusive com expressa
previsão para recorrer no incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como designação de audiência pública
para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento da quaestio juris (art. 983, § 1º, CPC).
O art. 983 do CPC dispõe que o relator ouvirá as partes e os demais interessados, pessoas, órgãos e entidades com
interesse no objeto do IRDR, no prazo comum de 15 (quinze) dias. Todos os intimados e os que se manifestarem
podem juntar documentos e requerer diligências no mesmo prazo. Após, será intimado o Parquet para manifestação
e incluído o feito em pauta para julgamento observando-se o prazo de 5 (cinco) dias úteis entre a publicação da pauta
e a sessão de julgamento (art. 934 c/c art. 935 do CPC).
A sustentação oral no incidente de resolução de demandas repetitivas está prevista no art. 984, o qual confere a autor,
réu e Ministério Público o prazo de 30 (trinta) minutos, o mesmo para todos os demais interessados em conjunto,
mas que pode ser ampliado a depender da quantidade de inscritos.
A lei processual determina que o julgamento do IRDR deve ocorrer no prazo de 1 (um) ano após a publicação de sua
admissão pelo relator, prorrogável mediante decisão fundamentada, e terá preferência sobre os demais feitos,
exceto habeas corpus e outros processos que envolvam réus presos (art. 980, caput, CPC).
Findo esse prazo, os processos anteriormente suspensos retomam seus cursos naturais (parágrafo único do art. 980).
Na hipótese de suspensão nacional determinada por tribunal superior, a suspensão se encerra com esgotamento do
prazo recursal para interposição de recurso extraordinário ou especial. Por sua vez, a interposição do recurso
extraordinário ou especial mantém a suspensão dos feitos, bem como presume a existência de repercussão geral da
questão constitucional discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal (art. 987, § 1º, CPC).
O acórdão lavrado após o julgamento do incidente deve analisar exaustivamente todos os fundamentos suscitados
concernentes à tese jurídica discutida nos autos, sejam eles favoráveis ou desfavoráveis (art. 984, § 2º, CPC).
Também em virtude do caráter vinculante da decisão em IRDR, a fundamentação do acórdão deve ser exauriente de
forma a não deixar dúvidas quanto à tese firmada.
É importante registrar que a desistência ou abandono do processo pelas partes não impede o julgamento do mérito do
incidente, assumindo o Ministério Público a titularidade do feito conforme já explicitado (art. 976, §§ 1º e 2º, CPC).
A tese jurídica firmada no julgamento do IRDR será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que
versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive
àqueles que transitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região (art. 985, I, CPC). Trata-se da
denominada eficácia vinculativa do precedente, cuja observância é obrigatória.
O Código determina a aplicação da tese jurídica firmada não apenas aos processos que já estejam em andamento,
mas também a casos futuros que versem sobre idêntica questão de direito e que venham a transitar no território de
competência do respectivo tribunal até que seja objeto de revisão (art. 985, II, CPC).
6.RECURSOS E REVISÃO

Para além de embargos de declaração, são cabíveis recurso extraordinário e recurso especial em face do acórdão
lavrado no julgamento do incidente (art. 987 ), ambos com efeito suspensivo. Tamanha é a relevância do decidido
20

que o Código outorga excepcional legitimidade recursal aos amici curiae (art. 138, § 3º).
Como já visto, eventual recurso extraordinário interposto gozará da presunção de existência da repercussão geral
para fins de admissibilidade. O julgamento do mérito e a fixação de tese jurídica, pelo Supremo Tribunal Federal e
pelo Superior Tribunal de Justiça, determinam a sua observância em âmbito nacional a todos os processos
individuais e coletivos que versem sobre idêntica questão de direito.
A revisão da tese jurídica é competência do mesmo tribunal que a firmou e deve ser realizada observadas as mesmas
regras e exigências à instauração do próprio incidente (art. 986 do CPC ).
21

VII
AÇÃO RESCISÓRIA

1.A DESCONSTITUIÇÃO DO JULGADO

O escopo primário da jurisdição é a pacificação social alcançada não só pelo julgamento imparcial e pela autoridade
do Estado-juiz, como também pela impossibilidade, como regra, de revisão daquilo que foi definido quanto à questão
de fundo. A regulação do direito das partes, uma vez transitada em julgado a decisão, é definitiva por força de lei.
Di-lo o art. 505 do CPC: “nenhum juiz decidirá novamente a mesma lide” . 1

A preclusão que se opera impede que se rediscuta a questão no âmbito do mesmo processo ou de qualquer outro.
Entretanto, há casos em que a decisão se solidifica com um grau de imperfeição tão gritante que a necessidade de
revisão sobrepuja o objetivo de conferir-se estabilidade e segurança através do julgado.
Situações determinadas indicam que a coisa julgada não pode servir de obstáculo a mais uma tentativa de purificar o
julgado. Imagine-se, v.g., que a sentença tenha sido proferida por juiz corrupto. Ressoaria razoável preservar essa
decisão sob o manto da coisa julgada? É verdade que há os recursos com a finalidade de desconstituição dessas
decisões antes que transitem em julgado. Mas, mesmo assim, ainda que escoado o prazo recursal, o ordenamento não
pode conviver harmonicamente com uma decisão dessa espécie. Confere-se, então, ao prejudicado,  a ação de
desconstituição do julgado onde, previamente, deve comprovar o gravíssimo vício da decisão, para depois,
então, rever o decidido.
Em essência, a desconstituição do julgado não abala sobremodo o compromisso de estabilidade e segurança
prometidos pela coisa julgada, porquanto o seu prazo de exercício é diminuto, na medida em que a ação
correspondente (ação rescisória) deve ser proposta dentro de dois anos do trânsito em julgado da última decisão de
mérito,  prazo que se calcula a partir do dia seguinte ao biênio.
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Outrossim, a decisão judicial pode ter como conteúdo uma norma jurídica ditada pela vontade das partes via negócio
jurídico processual, v.g., a transação, a renúncia, a desistência ou o reconhecimento da procedência do pedido.
Nesses casos, o juiz não julga, na verdadeira acepção do vocábulo, porquanto esta pressupõe ato de inteligência e
vontade do magistrado, apenas chancela a vontade manifestada, verificando-lhe o cumprimento dos requisitos
formais. Nesse mister, nada obstante é possível a ocorrência de vícios, v.g., ocorre quando o juiz homologa transação
de direitos indisponíveis ou revela-se incompetente em razão da matéria para aferir a legitimidade daquele ato de
disposição. Deveras, as próprias partes podem incidir nos vícios que maculam os negócios jurídicos em geral,
induzindo o juízo a legalizar manifestações eivadas de defeitos sociais ou de consentimento, o que nulifica também
esse invólucro protetor judicial que é a sentença meramente homologatória.
Esses julgados “sustentados no poder de disposição das partes” também podem ser desconstituídos por ação
rescisória, se o vício for imputável ao juízo ou através de ação anulatória por defeito da vontade manifestada, na
forma preconizada para a anulação dos atos jurídicos em geral (art. 966, § 4º, do CPC). 3-4

Esses dois instrumentos (rescisório e anulatório) são protótipos de desconstituição do julgado cível, contemplados no
Direito brasileiro.
O processo de sentença também pode ser rescindido através da denominada “impugnação do julgado” (antigos
embargos à execução de sentença), quando é alegado que a formação da sentença ocorreu em feito que correu à
revelia do réu em face da falta ou da nulidade da citação (art. 525, § 1º, I, do CPC). Nessa hipótese, iniciado
cumprimento da sentença, o executado pode opor-lhe essa alegação cujo reconhecimento operará efeito retro-
operante destruindo tudo quanto se procedeu após à não realização da citação escorreita. A rescindibilidade do
julgado opera-se sem rejulgamento incontinenti, mas com desconstituição de todo o processado que se engendrou
com a abolição irregular do devido processo legal e do contraditório. O processo, como se diz coloquialmente, “volta
à estaca zero”. Assente-se, ainda, que acórdãos esparsos dos nossos Tribunais chegaram a admitir o mandado de
segurança com finalidade desconstitutiva do julgado, o que, de certa forma, fragiliza o instituto da coisa julgada que
também desfruta da mesma eminência constitucional do writ of mandamus, razão pela qual expressamente vedado
pela sua lei de regência .
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2.FINALIDADE E PRESSUPOSTOS

A ação rescisória tem como principal escopo rescindir a decisão transitada em julgado, propiciando, nas hipóteses
cabíveis, o rejulgamento da causa.
O rejulgamento ex integro nem sempre se opera, nos casos em que a rescindibilidade decorre exatamente da violação
da coisa julgada anterior (art. 966, IV, do CPC), caso em que a rescisão é suficiente para repristinar a decisão
anterior desconsiderada pelo error in procedendo cometido.
As causas que encerram os vícios conferem às decisões rescindíveis a natureza de  atos anuláveis, uma vez que,
enquanto não advém a sentença desconstitutiva, elas têm plena eficácia. É que, enquanto não exsurge a sentença de
rescisão, o julgado anterior mantém-se inteiro. 6

A ação rescisória reclama os seguintes pressupostos: a) sentença de mérito transitada em julgado; b) causas de


rescindibilidade; c) propositura dentro em dois anos do trânsito em julgado da última decisão do processo.
Além dos pressupostos, a ação rescisória também reclama as condições da ação, como o interesse de agir e
a legitimidade das partes (art. 17 do CPC).
Ao ângulo da possibilidade jurídica do pedido, na vigência do Código Buzaid, a rescisória dirigia-se contra
as decisões de mérito. A razão dessa exigência estava em que a sentença que resolve o processo sem análise do
mérito não enfrenta a questão de fundo, a qual poderia ser veiculada noutra ação. Argumentava-se assim, eis que a
imutabilidade do decidido num processo extinto sem análise do mérito é estritamente endoprocessual; isto é, as
questões decididas tornam-se imutáveis apenas no âmbito do processo extinto. Diversamente, a resolução de mérito
regula a questão litigiosa, de sorte que a eventual presença de vícios atenta contra o ideal de justiça.
No entanto, o atual CPC criou cirúrgica exceção à regra, conforme disposto no art. 966, § 2º, CPC, de modo que a
decisão que extingue o processo sem resolução de mérito pode ser rescindida desde que se verifiquem os elementos
dispostos em seu inciso, quais sejam (i) o impedimento de nova propositura da demanda ou (ii) o impedimento da
admissibilidade do recurso correspondente.
As decisões dizem-se de mérito, porque dispõem sobre o pedido, ainda que o juiz as denomine incorretamente. O que
importa para o efeito de cabimento da ação rescisória é o conteúdo da decisão. Assim, v.g., se o juiz julga o autor
carecedor da ação ou extinto o processo sem análise do mérito porque não comprovado o direito alegado, a decisão é
de mérito, não obstante a categorização incorreta do juízo, por isso que desta decisão, após o trânsito em julgado,
cabe ação rescisória. A essência do decisum pelo fato de uma parte não ter suportado o ônus da prova que lhe
competia é que assume relevo para o cabimento da ação. Ressalve-se apenas aquelas hipóteses em que a lei
expressamente autoriza reproposição da mesma ação anteriormente extinta por carência probatória, como
ocorre, v.g., na ação popular e nas ações transindividuais do consumidor, porquanto nesses casos é lícito voltar a
juízo com as mesmas questões de direito material.
A lei antes se referia apenas à sentença, mas é cediço que qualquer decisão interlocutória de mérito transitada em
julgado com os vícios enumerados no art. 966, admite a rescindibilidade, como bem reconheceu o CPC. Assim, v.g.,
se o juiz aprecia um dos pedidos em decisão interlocutória viciada e trânsita e prossegue no processo quanto às
demais, aquela poderá ser rescindida nos casos legais. Veja-se, assim, a alteração na redação do art. 966,  caput, que
substituiu “sentença” por “decisão de mérito”.
Destarte, os acórdãos também são rescindíveis, uma vez que podem consubstanciar o último pronunciamento do
Judiciário transitado em julgado. Entretanto, impõe-se observar o seu teor. Assim, v.g., se a sentença recorrida é de
mérito e o acórdão extingue o processo sem análise do mérito por carência de ação , esta é a decisão trânsita e que,
por ser terminativa, apenas desafia a ação rescisória caso se verifique a hipótese do art. 966, § 2º, CPC.
Destarte, as decisões monocráticas exaradas pelos porta-vozes do colegiado, atacadas por agravo regimental, também
podem, eventualmente, desafiar a rescisão. O que importa é a verificação de conteúdo decisório. Justamente por isso
que, por exemplo, não cabe ação rescisória contra despacho de ministro que inadmite agravo de instrumento previsto
no art. 1.042 do CPC por defeito formal.
O trânsito em julgado da decisão é outro pressuposto de cabimento, presumindo tenham sido superados os recursos
ordinários ou extraordinários interponíveis da decisão. É que decisão pendente de recurso não desafia a rescisória,
sendo certo que, para o seu cabimento deve-se observar a imutabilidade da decisão.
A ação rescisória pressupõe o trânsito em julgado da decisão, que se opera com o escoar do prazo recursal conforme
vimos, ou superados os casos de duplo grau obrigatório de jurisdição (art. 496 do CPC). Nessa última hipótese, o
prazo de dois anos para propor a ação rescisória conta-se do trânsito em julgado do acórdão que efetuou o reexame
necessário.
Aliás, necessário pontuar o art. 966, § 3º, do CPC que aponta como possível o ajuizamento da ação rescisória que
tenha por objeto apenas um capítulo da decisão. A adoção dos capítulos de sentença no direito brasileiro encaminha
para a otimização da via jurisdicional e, nesse aspecto, à preservação da segurança jurídica. De sorte que, assegurada
a imutabilidade da decisão e submetida ao crivo do juízo rescisório – usualmente excepcional – descabe reanalisar os
pontos que não se discutem. Destarte, o ius rescindendum pode se limitar a capítulo específico que se encontra
supostamente viciado na decisão proferida.

3.CAUSAS DE RESCINDIBILIDADE

3.1Generalidades

As causas de rescindibilidade vêm previstas nos incisos do art. 966 do CPC em numerus clausus, impedindo, assim,
interpretação que dilargue os seus casos de cabimento.
As violações perpetradas na decisão trânsita e que autorizam a propositura da ação rescisória ora são de
índole formal ora de índole material. De toda sorte, no âmbito dos vícios de rescindibilidade, “não se contempla o da
injustiça da decisão” que se purga com o simples trânsito em julgado da sentença.
Deveras, como a causa petendi não é integrada pela norma jurídica aplicável nem pela qualificação jurídica do fato,
conforme já assentado, pouco importa que a parte autora reproponha uma ação rescisória com base no mesmo fato
rescindendo, atribuindo-lhe categorização jurídica diversa, porquanto na hipótese, haverá repetição obstativa da
análise do pedido rescisório.
Destarte, o princípio de que cumpre ao juiz aplicar o direito e à parte comprovar o alegado ( jura novit curia e da
mihi factum, dabo tibi jus) são aplicáveis às ações rescisórias. Consequentemente, cabe ao autor indicar os fatos que
autorizam a rescindibilidade, incumbindo ao juiz conferir-lhes o adequado enquadramento legal. Assim, v.g., se o
autor indica uma causa e sugere dispositivo equivocado, nada obsta que o julgador, atribuindo correta qualificação
jurídica às razões expostas na inicial, acolha o pedido. O que não se admite é a procedência do pedido por fatos
diversos dos sustentados encerrando essa hipótese julgamento extra petita. Deveras, esse raciocínio não
autoriza, v.g., o tribunal a ignorar a lei apontada como violada, no caso da propositura da ação com base no inciso V
(violação de norma jurídica). É que, nessa hipótese, a norma indicada como violada integra a causa de pedir e limita
a cognição do juízo por força da regra da congruência.

3.2Causas de rescindibilidade em espécie

3.2.1Prevaricação, concussão ou corrupção do julgador

A primeira hipótese de rescindibilidade refere-se àquela em que a decisão de mérito é tida como proferida
por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz. 7
Os vícios da decisão in casu são gravíssimos na medida em que ao proferi-la, o juiz incidiu em crime previsto no CP;
por isso, é de somenos que a decisão seja reputada justa.  A comprovação do delito pode ser objeto de ação penal
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própria ou realizada no bojo da própria ação rescisória. No primeiro caso, deve-se observar a relação de
prejudicialidade emprestada pela coisa julgada penal. Assim, v.g., se o delito do juiz foi comprovado na órbita penal
em decisão trânsita, em sede de ação rescisória, não será lícito ao juízo desconsiderá-lo, por força da eficácia
preclusiva do julgado. Diversamente, a comprovação do ilícito penal na ação rescisória perfaz-se incidenter
tantum com o fito de viabilizar o rejulgamento da causa rescindenda.
A rescindibilidade por esse fundamento, cuidando-se de julgamento colegiado, pressupõe voto decisivo e vencedor
do juiz infrator para o aperfeiçoamento do resultado, sendo insuficiente apenas a participação do juiz imputado na
sessão. Assim, v.g., se o prolator do voto viciado restou vencido, não há interesse de agir na rescisão do acórdão
fruto da manifestação da maioria. Destarte, providos eventuais embargos infringentes com fulcro no voto vencido, a
rescindibilidade não se espraia para esse novo julgado, a menos que o embargado comprove vício nessa nova
manifestação. Subjaz, nessa hipótese, apenas, a possibilidade de punibilidade penal e funcional, personalíssima e sem
qualquer influência no julgado final. 9

3.2.2Impedimento do julgador ou incompetência absoluta

O segundo caso de cabimento da ação rescisória refere-se à sentença de mérito transitada em julgado quando
proferida por “juiz impedido ou absolutamente incompetente”.
Essa segunda hipótese de rescindibilidade dirige-se, em parte, à pessoa física do juiz no que toca ao impedimento e
ao “juízo” quanto à incompetência.
O juiz impedido não pode funcionar no processo por ausência absoluta de compatibilidade, porquanto guarda laços
de toda ordem com os partícipes da relação material, o que infirma a sua necessária imparcialidade.
O juiz impedido é aquele assim considerado nas hipóteses taxativas do art. 144 do CPC. 10-11

A taxatividade das causas de rescindibilidade e a menor gravidade do vício da suspeição, fez com que o legislador
não a enquadrasse como vício rescindendo, tanto mais que, se o julgador profere decisão é porque superou, por
preclusão, a incompatibilidade originária. Relembre-se que no impedimento é defeso ao juiz praticar atos no processo
salvo o que se declara impossibilitado de atuar, ao passo que a suspeição reputa-se apenas fundada, o que pode não
corresponder à presunção assentada.
Outrossim, ubi ladem ratio ibi eadem dispositio, por isso que, se o juiz, ao decidir reportar-se unicamente à perícia
realizada por perito impedido, a jurisprudência entende contaminado o julgado.
A incompetência absoluta é insanável como se depreende dos arts. 62  e 64 do CPC.  Consequentemente, tratando-
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se de incompetência relativa, a prorrogação da competência originariamente viciada torna a decisão de mérito imune
à ação rescisória. Diversamente, a incompetência absoluta por denotar desvio de competência estabelecida em
atenção ao interesse público, como o são as competências em razão da matéria, funcional e em razão da pessoa, uma
vez que especializam os juízos, representa vício insanável, alegável em qualquer tempo e grau de jurisdição, mercê
de desafiar a ação rescisória do julgado.
3.2.3Dolo, coação, simulação ou colusão das partes

A “terceira hipótese” de cabimento da ação rescisória confina a questão da lealdade processual das partes, uma vez
que se rescinde a sentença cujo resultado seja decorrente “de dolo da parte vencedora em detrimento da parte
vencida, ou de conluio entre as partes, a fim de fraudar a lei”.
Em primeiro lugar cumpre observar, para a caracterização desta causa de rescindibilidade, que o resultado do
processo deve decorrer da manobra dolosa, sem a qual o desfecho seria outro. Assim é que, se a solução judicial, a
despeito do ardil perpetrado, seria a mesma, incabível é a ação rescisória, remanescendo, apenas, a questão da
litigância de má-fé nos seus estreitos limites. Exemplos dessa causa rescindente ocorre quando movida por dolo a
parte sonega prova indispensável sob a invocação de perecimento da mesma ou junta documento falso.
O dolo bilateral, isto é: de ambas as partes em detrimento de terceiro, faz exsurgir a figura jurídica da  colusão. O
terceiro que tem a sua esfera jurídica atingida por decisão judicial obtida via colusão, é legitimado à rescisória e pode
desconstituir o julgado, desde que prove que o mesmo resultou diretamente da manobra ardilosa bilateral das partes
(art. 967, II, do CPC).  A hipótese sob exame exige, também, que haja nexo de causalidade entre o resultado obtido
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e a colusão, de tal sorte que, não fosse aquela, o desfecho teria sido outro. Recorde-se que, a colusão, quando
descoberta a tempo, deve ser obstada através da utilização pelo juiz, da regra do artigo 142 do CPC,  que o habilita a
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extinguir o processo sem resolução do mérito, declinando que as partes dele se estão utilizando para fins proibidos. A
simulação de processo que vise a esvaziar o patrimônio de um devedor, criando em favor do outro, crédito
privilegiado com o intuito de fraudar a expectativa de recebimento do credor prioritário, é caso típico de colusão.
Idêntico vício verifica-se nas separações de casais que objetivam excluir o bem de um dos consortes das dívidas
contraídas em benefício da família. 16

Destarte, não é terceiro para fins de alegação de colusão, aquele que interveio nos autos e adquiriu a condição
jurídica de parte, como sói ocorrer com o denunciado da lide, o assistente, o opoente, o chamado e o nomeado à
autoria.

3.2.4Coisa julgada anterior

Expressivo pressuposto específico de rescindibilidade é o que autoriza a ação rescisória quando a sentença transita
em “ofensa à coisa julgada anterior” (art. 966, inciso IV, do CPC). 17

O trânsito em julgado de uma decisão é ditado exatamente pela necessidade de se preservar o julgado em nome da
segurança jurídica, razão pela qual, acaso uma decisão transite em julgado em ofensa à coisa julgada anterior, impõe-
se a rescisão desta última sem rejulgamento da causa. 18

Nesses casos, há ofensa verificável se o resultado do processo decorre de repetição de ação anteriormente julgada,
ainda que com o mesmo resultado; se desconsidera questão prejudicial apreciada e julgada anteriormente com força
de questão principal (principaliter e não incidenter tantum), ou, finalmente, se recusa, por via oblíqua, o resultado
alcançado na causa antecedente, v.g., a decisão que determina em ação distinta a repetição de aluguéis pagos por
força de pedido de purga de mora decidido em ação de despejo anterior e cuja decisão transitou em julgado. Em
suma, violadas as eficácias preclusiva, vinculativa direta ou prejudicial da coisa julgada material , caberá a ação
rescisória.
3.2.5Violação manifesta à norma jurídica

Uma das hipóteses que têm carreado para o Judiciário infindável número de ações rescisórias diz respeito às decisões
lavradas com violação de norma jurídica, tratada pelo Código anterior apenas como “violação literal de dispositivo
legal” .
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A hipótese retrata ações nas quais as decisões de mérito são manifestamente contra legem e que, por esse motivo,
não podem subsistir. É que o escopo mediato da jurisdição é manter a integridade da ordem jurídica e o direito
daquele que tem razão. Desta sorte, a manutenção da decisão que contraria manifestamente norma jurídica implica
empregar a coisa julgada contra a própria ordem jurídica.
Deveras, essa causa de rescindibilidade suscita algumas observações: em primeiro lugar, há que se considerar a
expressão “norma jurídica” que, ao contrário do sistema anterior que apontava a necessidade de violação de literal
disposição de lei, transpassa o conceito de qualquer diploma que figure como fonte de direito  a regular a situação
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material da parte ou o processo e que tenha sido irregularmente aplicada gerando a imperfeição da decisão de mérito.
Mostra-se possível, assim, a rescisão de julgado que tenha violado princípio ou valor que emana da Constituição,
haja vista a necessidade de se resguardar a ordem jurídica e não apenas a literalidade da lei.
Destarte, a violação manifesta de norma jurídica pode decorrer tanto de error in judicando como de error in
procedendo.
A violação de lei processual, por seu turno, pode ser entrevista da forma mais ampla possível a ensejar a
rescindibilidade. Assim, v.g., a falta de citação de litisconsorte necessário com infringência ao art. 114 do CPC, a
falta de nomeação de curador à lide nas hipóteses do art. 72 do CPC, são hipóteses de infração à lei processual que
nulificam a decisão de mérito.
O elastério necessário que se empregava à palavra “lei”, já na vigência do Código anterior, inadmite que se o amplie
a ponto de admitir ação rescisória de decisão contrária à jurisprudência e à súmula dos tribunais. 21

Destarte, a causa de rescindibilidade reclama “violação” à norma jurídica; por isso, “interpretar” não é violar.  Sob
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esse enfoque, ainda é atual como fonte informativa a enunciação do CPC de 1939, no seu art. 800,  caput: “A
injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da
ação rescisória”.
Ademais, para que a ação rescisória fundada no art. 966, V, do CPC, seja acolhida, é necessário que a interpretação
dada pelo decisum rescindendo seja de tal modo teratológica que colida frontalmente com a norma jurídica invocada.
Ao revés, se a decisão rescindenda elege uma dentre as interpretações cabíveis à época, a ação rescisória não merece
prosperar. Nesse contexto, impõe-se sempre presente o texto da Súmula nº 343 do STF: “Não cabe ação rescisória
por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação
controvertida nos tribunais”. A contrario sensu, se a decisão rescindenda isoladamente acolhe pela vez primeira tese
inusitada, sugere-se a violação.
Questão delicada pertine ao prequestionamento da lei supostamente violada e que enseja a ação rescisória. A
doutrina do tema, com base em suporte jurisprudencial sólido, sustenta que o requisito do prequestionamento não se
aplica à rescisória.
A demonstração da violação da lei é matéria da rescisória; por isso, não se exige prequestionamento acerca dessa
infração.
Matéria lindeira à violação literal da lei é a que tange à declaração de inconstitucionalidade da lei aplicada, e que
exsurge no prazo da propositura da ação rescisória. Tratando-se de controle concentrado e dispondo o Supremo
Tribunal Federal no acórdão declaratório dos efeitos ex tunc da declaração, é imperioso o acolhimento do iudicium
rescindens. Ao revés, se a declaração é oriunda de controle difuso, prestigia-se a coisa julgada e a segurança jurídica,
interditando-se a ação rescisória sob os mesmos fundamentos da Súmula nº 343, vale dizer: à época da decisão, o
juízo não violou a lei, porquanto hígida no sistema jurídico.
Veja-se, por fim, que o art. 966, § 5º, CPC, incluído pela Lei nº 13.256/16, estende o significado conferido ao inciso
V, que versa sobre a violação a norma jurídica. Sendo assim, admite-se o ajuizamento de ação rescisória quando
o decisum se fundamentar em súmula ou precedente de recurso repetitivo (e, portanto, vinculante) que não se aplique
exatamente ao caso, ficando o autor responsável pela apresentação das diferenças da norma aplicada para o seu caso
concreto, conforme o § 6º subsequente. Nesse sentido, a rescisória amparada no distinguishing contempla a
sistemática de precedentes inserida no Novo CPC. A necessidade de o autor apresentar a distinção de maneira
pormenorizada decorre da impossibilidade de revolvimento da matéria fática no jus rescindendum.

3.2.6Prova falsa

Rescinde-se, ainda, a sentença de mérito quando fundada em prova falsa. A lei valoriza o substrato fático em que se
baseou o magistrado para julgar. Consoante é sabido, a atividade de julgar caracteriza-se pela subsunção dos fatos à
norma aplicável. Os fatos, em regra, são levados ao conhecimento do juiz pelas partes através das provas. Aquele
que se utiliza de prova falsa para obter resultado favorável, porém, viciado, resta por ser surpreendido com a
possibilidade de anulação do julgado. Observe-se que a decisão há de se fundar na prova falsa. Isto significa dizer
que a prova falsa há de ser a causa imediata daquele resultado obtido; por isso, se a despeito dela o juiz chegaria à
conclusão a que chegou, a falsidade probatória de per si não é suficiente ao acolhimento do pedido rescisório. 23

Em suma, para que a rescisória tenha êxito, é mister comprovar que, sem a prova falsa, a sentença não seria a
mesma.
A prova falsa pode ser de qualquer espécie e a sua demonstração, objeto de revelação no próprio processo da ação
rescisória (art. 966, inciso VI).  Entretanto, nada obsta que a decisão sobre a falsidade da prova tenha provido de
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julgamento de processo autônomo cível (art. 19, II, do CPC)  ou criminal.  Nesse último aspecto, forçoso concluir
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que a declaração negativa da falsidade no processo criminal também exclui a possibilidade de rescindibilidade por
esse motivo, operando-se a coisa julgada pro et contra. Entretanto se a absolvição criminal operou-se por
“precariedade da prova em delito de falsidade documental” essa decisão não inviabiliza a demonstração do vício na
ação rescisória. Mutatis, mutandis, se a parte arguiu a falsidade do documento no processo civil através de incidente
próprio (art. 430 do CPC)  e este foi julgado improcedente, a ação rescisória deverá conter pedidos sucessivos: (i) o
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pedido de rescindibilidade do julgado em relação ao incidente de arguição de falsidade; em simultaneus


processus com (ii) o pedido de desconstituição do julgado que se baseou na arguição decidida, afora o pedido de
rejulgamento.

3.2.7Prova nova

Hipótese também vinculada ao campo probatório e que autoriza a desconstituição do julgado de mérito é a referente
à “obtenção de prova nova após o trânsito em julgado, cuja existência era ignorada pelo autor que por isso dele não
fez uso o qual seria capaz por si só de gerar outro resultado”.
A presente causa de rescindibilidade exige que o documento refira-se a fato influente, decisivo e não tenha sido
utilizado por fato alheio à vontade do autor da rescisória. Relembre-se que “fato novo” não é “documento novo”,
porquanto este, apesar da novidade, pertine a fato pretérito.
O “fato novo influente” esbarra na eficácia preclusiva do julgado (art. 508 do CPC) e não serve de causa para a
rescisão. O “documento novo” é admissível, uma vez que, através dele, o autor poderá demonstrar que com ele o
resultado teria sido outro. Nessa hipótese, o respeito ao julgado exige a prova da impossibilidade de utilização do
documento novo no processo rescindendo, de tal maneira que, se a parte poderia ter se valido poderia valer-se do
benefício nondum deducta deducendi nondum probata probandi (previsto no art. 1.014 do CPC) , interditada estará a
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via da rescisória. É que o respeito ao julgado não pode ser superado por eventual negligência da parte.
Tema instigante no campo da “prova nova” gravita em torno da independência entre a responsabilidade civil e a
penal. A doutrina majoritária do tema entende ser indiferente o exsurgimento de sentença penal condenatória após a
decisão trânsita de improcedência da ação cível de reparação de danos. A hipótese, segundo essa respeitável opinio
doctorum não se encaixaria na previsão in foco, porquanto, do contrário, o legislador deveria ter previsto a suspensão
do processo civil até a definição completa do processo criminal, bem como as consequências do julgado  incidenter
tantum. Assim, em respeito ao julgado, a sentença penal posterior não seria documento novo para os fins ora
examinados. A matéria não é pacífica, sendo certo que, se a sentença surge no prazo da rescisão, como princípio de
justiça, impõe-se acolhê-la, porquanto, do contrário, se estaria concedendo um direito inexistente à reparação do
dano ex delicto, o que implicaria notável violação de lei.

3.2.8Erro de fato

A última hipótese de rescindibilidade reside no erro de fato em que se funda a sentença resultante de atos ou de
documentos da causa (art. 966, inciso VIII, do CPC). 29

O ato judicial final, conforme se apreende do inciso ora retratado, deve ser fruto de erro do juiz pela má percepção da
situação fática resultante de atos ou documentos da causa dos quais o magistrado não se valeu para o julgamento, a
despeito de existentes nos autos. Por essa razão, a causa de rescindibilidade in foco pressupõe que tenha havido um
salto sobre esses documentos e atos, de sorte que, se enfrentados, suscitados, discutidos e resolvidos teriam gerado
solução diversa. 30

Deveras, o erro de fato é aferível à luz das provas já existentes no processo. Assim, v.g., há erro de fato: quando o
juiz, desconhecendo a novação acostada aos autos, condena o réu no quantum originário. “O erro de fato supõe fato
suscitado e não resolvido”, porque o fato “não alegado” fica superado pela eficácia preclusiva do julgado –  tantum
iudicatum quantum disputatum debebat (art. 508, do CPC). Em consequência, “o erro que justifica a rescisória é
aquele decorrente da desatenção do julgador quanto à prova, não o decorrente do acerto ou desacerto do julgado em
decorrência da apreciação dela” porquanto a má valoração da prova encerra injustiça, irreparável pela via rescisória.
Na expressão “erro de fato” resultante de atos ou documentos da causa incluem-se os fatos alegados e os admitidos
por uma parte e confessados pela outra sem que a sentença os tenha considerado existentes. Assim,  v.g., se a parte
alega que dirigia sem cinto de segurança e o juiz afirma na decisão que a cautela da parte em munir-se do
equipamento faz concluir pela improcedência do pedido, considera existente fato inexistente. Enfim, para obter-se
êxito quanto à rescindibilidade é mister comprovar que se não fosse o erro de fato a sentença de mérito teria sido
proferida noutro sentido.
Mercê da exegese doutrinária, o Código, em interpretação autêntica, no § 1º esclarece que há erro de fato quando a
sentença de mérito admitir um fato inexistente ou quando considerar inexistente um fato objetivamente ocorrido,
conforme as provas dos autos onde proferida a sentença rescindenda.

4.CONDIÇÕES DA AÇÃO

4.1Legitimidade das partes

A legitimidade ativa para a propositura da ação rescisória, em princípio, é conferida às partes do processo onde foi
proferida a sentença rescindenda, posto lógico os destinatários do comando judicial viciado pretenderem
desconstituí-lo.
A parte, para efeito de propositura da ação rescisória, é aquela que formulou pedido e em face de quem o pedido foi
deduzido. Consequentemente, tanto o autor quanto o réu, originários, podem manejar a ação rescisória, ainda que o
processo tenha corrido à revelia do demandado. A revelia, entretanto, não autoriza o réu a utilizá-la como sucedâneo
da contestação”. Decorre deste princípio que, para ser considerado parte habilitada ao manejo da ação rescisória, o
interessado deve ter permanecido até o final do processo, bem como obtido decisão desfavorável. Isto porque,
havendo “extromissão” (a exclusão do feito), desaparece a qualidade da parte, transfigurando-a em “terceiro” e,
nesse caso, somente estará habilitado à desconstituição do julgado sob o prisma do interesse jurídico, decorrente da
decisão e do reflexo da mesma na sua esfera jurídica nos casos legais (art. 967, II do CPC). 31

A qualidade de parte legítima para a propositura da ação estende-se aos sucessores da mesma, porquanto
prolongamento da categoria jurídica ostentada pelo sucedido, mercê de a coisa julgada atingi-los (art. 110 do CPC). 32

O sucessor universal que sucede o de cujus em todas as suas relações e o sucessor a título particular, ainda que não
intervenha nos autos, submete-se ao caso julgado (art. 109, § 3º, do CPC),  o que lhes confere legitimatio ad
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causam ativa e passiva. Deveras, se houve a sucessão antes da propositura da ação rescisória, deve ser citado o
sucessor para a ação e, não o sendo, pode opor embargos de terceiro, se procedente a rescisória, e o vencedor
pretender executá-la contra ele. O sucessor, na forma preconizada no art. 109 do CPC, pode promover, como parte, a
rescisão do julgado.
Destarte, essa sucessão tanto pode referir-se às pessoas físicas quanto às jurídicas. Outrossim, os sujeitos processuais,
oriundos da intervenção de terceiros, assumem a qualidade de parte e podem intentar a ação rescisória, v.g., o
denunciado.
A legitimatio ad causam passiva obedece à mesma regra da legitimação ativa: a ação deve ser endereçada em face
daqueles que participaram do processo principal. Tendo havido pluralidade de partes e, influindo a decisão que se
pretende desconstituir na esfera jurídica das mesmas, impõe-se o “litisconsórcio necessário”. Por essa razão o
litisconsorte necessário, não citado para a ação, tem legitimidade ad causam para propor rescisória.
Diversamente, se o processo teve como objeto lides distintas com resultados heterogêneos entre os diversos
litisconsortes (litisconsórcio simples) apenas os vinculados à eficácia da rescindibilidade devem ser convocados para
esta impugnação excepcional. Assim, v.g., se o acórdão rescindendo apreciou apelação interposta apenas por um dos
litisconsortes, somente contra este deve ser proposta a ação rescisória.
O terceiro prejudicado, que de há muito é prestigiado pelos ordenamentos mais vetustos e que lhe permitem intervir
em qualquer grau de jurisdição,  também está habilitado à rescisão da sentença. Para esse fim, o seu legítimo
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interesse revela-se pela titularidade de relação jurídica conexa com aquela sobre a qual dispôs sentença rescindenda,
bem como o prejuízo jurídico sofrido. Esse nexo de interdependência deve ser revelado  initio litis sob pena de
indeferimento da petição inicial.  Assim, v.g., o sublocatário que não interveio na relação processual tem
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legitimidade para rescindir sentença que julgou improcedente pedido de renovação de locação comercial.
O terceiro prejudicado, quando promove a ação, evidentemente, deve trazer ao processo os partícipes da relação
originária. Como se assentou em excepcional sede doutrinária, legitimados a agir na ação rescisória são aqueles que
figuram como partes na ação que terminou com a sentença rescindenda. 36

A ação rescisória rompe com o julgado, caracterizado pelo manto protetor da decisão jurisdicional como meio
pacificador da ordem social.
Esta função da ação em exame justifica a legitimação que se confere ao Ministério Público, porquanto este, no
processo civil, tem o status de fiscal da ordem jurídica.
Nesse mister, dispõe o Ministério Público de legitimação para desconstituir a sentença de mérito em três hipóteses:
(i) se não foi ouvido no processo em que lhe era obrigatória a intervenção;(ii) quando a decisão rescindenda é o
efeito de simulação ou de colusão das partes, a fim de fraudar a lei; (iii) em outros casos em que se imponha sua
atuação. A última previsão corrobora o entendimento de que as hipóteses do art. 967, III, do CPC não são exaustivas,
por isso que o MP também restaria legitimado a pedir a rescisão de sentença em que há comprometimento de
interesses públicos indisponíveis.
Aliás, o dispositivo no CPC de 1973 não cuidava da legitimidade do Ministério Público para a propositura da ação
rescisória conquanto parte, porque nas hipóteses em que figurou com esta qualidade, v.g., na ação civil pública,
o Parquet pode rescindir o julgado assim como toda e qualquer parte, inserindo-se a sua legitimação na previsão
genérica do inciso I do art. 967 do CPC.  Inseriu-se, portanto, o parágrafo único a determinar, para os casos em que o
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Ministério Público atue como fiscal da ordem jurídica, a sua intimação para intervir.
É cediço, que há inúmeros casos em que o Ministério Público intervém, de regra, como fiscal da ordem
jurídica (custos iuris) e, nessa qualidade, atribui-lhe o CPC a legitimação para rescindir a sentença que é fruto da
colusão das partes para fraudar a lei. É que, não obstante a sua atuação, pode ocorrer que as partes tenham logrado
superar a vigilância do Parquet.
Esta legitimação decorre, também, da fiscalização do dever de lealdade processual inafastável de quem ingressa em
juízo (art. 80, inciso III, do CPC). 38

O juiz, não obstante a atuação do Ministério Público, dispõe de poderes para, no curso do processo, obstar os
interesses escusos das partes, v.g., ocorre quando pretendem de comum acordo obter a anulação de um casamento em
vez de utilizarem a separação judicial. 39

Entretanto, se todas essas barreiras forem ultrapassadas, ainda assim não estarão livres os litigantes de má-fé,
porquanto durante o prazo de rescindibilidade da sentença, o Ministério Público pode investir contra o julgado.
O Ministério Público, por seu turno, deve ser ouvido nas causas em que há interesse de incapazes, como as que
versam sobre tutela, curatela, poder familiar, interdição e ausência, nas que se referem ao estado das pessoas, como
as de casamento e seu desfazimento via separação ou divórcio e nas de disposição de última vontade. Outrossim,
atua também naquelas questões em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide e pela qualidade da
parte (art. 178 e incisos do CPC).  Nestes casos, admite-se a ação rescisória proposta pelo Ministério Público quando
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deveria intervir e não interveio porque não convocado ou excluído pela decisão judicial.  Nesse último caso,
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impende que não tenha havido recurso do Ministério Público contra o indeferimento de sua participação, para
justificar a sua investida necessária.
4.2Interesse de agir

O interesse processual reclama que a parte proponente da rescisória tenha sido vencida e haja causa de
rescindibilidade dentre as previstas na lei. Isto basta para a admissão da ação sob esse enfoque, uma vez que a
“efetiva ocorrência” da causa petendi diz respeito ao mérito do juízo de rescindibilidade (iudicium rescindens).
Ademais, a “frustração” do autor da ação rescisória em face do resultado consubstanciado na sentença rescindenda é
outra condição da ação. É que muito embora não se trate de recurso, onde o gravame é requisito de admissão
consistente no interesse em recorrer, não se admite a ação rescisória proposta pela parte vencedora, ainda que
favorecida pela decisão defeituosa. No caso revelar-se-ia manifesta a carência do interesse de agir, assim
considerado à luz do binômio “utilidade-necessidade” que lhe caracteriza.

5.COMPETÊNCIA

A competência para conhecer e julgar a ação rescisória é sempre dos tribunais de segunda instância.
A direção do processo é delegada a um “relator” que, após a instrução da causa e a manifestação final das partes,
submete o feito a julgamento pelo órgão colegiado.
A competência dos tribunais tem como fonte legislativa a Constituição, as Leis de Organização Judiciária e os
regimentos internos dos tribunais, máxime porque ação rescisória pode ser interposta de sentença de mérito
transitada ou de acórdãos de mesmo conteúdo, provenientes das câmaras, dos grupos, das seções etc. 42

A ação rescisória é distribuída no tribunal competente, ao órgão e ao relator designado, cabendo-lhe a primeira
análise da petição inicial, razão por que, não obstante a extinção do processo rescisório sem análise do mérito encerre
“julgamento” no sentido lato do vocábulo, a lei reserva essa competência ao relator isoladamente, por força desse
primeiro contato com a peça vestibular. 43

A decisão de indeferimento comporta, via de regra, agravo regimental para o órgão competente para o julgamento do


mérito da rescisória. Havendo lacuna no regimento interno, mesmo assim admite-se o recurso ora indicado, e, em
casos excepcionais, a parte prejudicada poderá valer-se do Mandado de Segurança, previsto exatamente para abusos
judiciais em que não há recurso correspondente. 44

Caso o tribunal se reconheça incompetente para julgar a demanda rescisória, o autor contará com prazo para emendar
a petição inicial, naqueles casos em que a decisão houver sido substituída por outra posterior, ocasião em que o réu
poderá complementar os fundamentos defensivos (art. 968, §§ 5º e 6º ).45

5.1Prazo decadencial para propositura da ação rescisória

O art. 975 do CPC  dispõe que o direito de propor ação rescisória se extingue em dois anos contados do trânsito em
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julgado da decisão.
Esse prazo é de exercício de direito potestativo de agir, por isso, decadencial; não se suspendendo nem se
interrompendo, tanto que proposta a ação no último dia do prazo e realizando-se a citação na forma e nos prazos do
artigo 240 , por força da redação do § 1º, o impedimento à consumação da decadência retroage à data da propositura
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da ação rescisória. Destarte, muito embora haja controvérsia, extinto o processo da rescisória sem análise do mérito,
desaparecem os efeitos da propositura, inclusive o de impedimento à consumação da decadência. Considere-se,
ainda, aplicável a Súmula nº 264 do STF adaptada ao prazo bienal do art. 975 do CPC no sentido de que se verifica a
prescrição intercorrente pela paralisação da ação rescisória por mais de dois anos. 48
A fixação do prazo é tema que se insere no âmbito da política legislativa.  O termo inicial do prazo, ao qual se
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aplicam as regras gerais do CPC (arts. 212  e seguintes),  é a data da última decisão do processo, o que exclui a
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teoria do trânsito em julgado progressivo, ou seja, ainda que haja decisão parcial de mérito não mais passível de
recurso, o prazo é uno e só inicia ao término do processo.
Por isso, pressupõe o trânsito em julgado da decisão de mérito, que se opera, como já reiterado, quando não mais
impugnável a decisão por recurso. Tecnicamente, a decisão torna-se inimpugnável, quer pelo decurso do prazo quer
pela ausência de requisitos de admissibilidade da impugnação. Assim, v.g., se há recurso “admitido”, o trânsito em
julgado será do acórdão. Ao revés, inadmitido o recurso, a decisão terá transitado em julgado no momento em que
“faltou o referido requisito”. Isto porque a interposição do recurso inadmissível não pode produzir o efeito de afastar
o trânsito em julgado da decisão rescindenda.
Entretanto, a posição sedimentada nos tribunais é a de que, em havendo recurso interposto, ainda que inadmissível,
não se pode aduzir trânsito em julgado retro-operante.
Reitere-se, contudo que a parte não é obrigada a esgotar todos os recursos para propor a ação rescisória (STF,
Súmula nº 514),  podendo fazê-lo tão logo transite em julgado a resolução de mérito ainda que inatacada por recurso
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de apelação.
Deve-se destacar a inovação legislativa que acrescentou ao art. 975 três parágrafos comportando exceções à regra
geral quanto ao prazo da ação rescisória. O § 1º trata da prorrogação ao dia útil quando o termo final do prazo recaia
em dia que não haja expediente forense. Por sua vez, o § 2º determina que o termo inicial para o caso de descoberta
de prova nova será o de sua descoberta, respeitado o limite máximo de 5 (cinco) anos a contar do trânsito em
julgado. Por fim, o § 3º estipula que nas hipóteses de simulação entre as partes, o prazo se contará a partir da ciência.
De maneira geral, contudo, a contagem do prazo decadencial da ação rescisória, segundo entendimento corrente,
inicia-se no primeiro dia após o trânsito em julgado da última decisão de mérito proferida no processo.
Ultrapassado o prazo decadencial, a decisão de mérito torna-se imune à sua própria desconstituição excepcional, via
rescisória, transformando-se em coisa soberanamente julgada.
A propositura tempestiva deve ser analisada pelo relator, porquanto a ação rescisória é de competência originária dos
tribunais. Entretanto, ainda que não detectado pelo relator ou mesmo contra a manifestação deste, é lícito ao órgão
colegiado, como preliminar do julgamento de rescindibilidade (iudicium rescindens), reavaliar a questão decadencial.

6.PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA E EFICÁCIA DA DECISÃO RESCINDENDA

Estabelece o art. 969 do CPC que a propositura da ação rescisória não impede o cumprimento da decisão
rescindenda, ressalvada a concessão de tutela provisória. Afirmou-se em clássica sede doutrinária que a coisa julgada
faz do “quadrado, redondo”. Isto significa que a versão que encerra sobre o julgado não tem compromisso com a
verdade ou com a justiça da decisão senão com a estabilidade e a segurança sociais.
Em consequência, a sua imutabilidade prevalece até a desconstituição do julgado na primeira fase da ação rescisória
que é a do judicium rescindens. Enquanto isso não ocorre, sobrepõe-se a decisão protegida pelo manto da coisa
julgada.
Destarte, posto objeto de um processo de longa maturação, a coisa julgada permite ao seu beneficiário torná-la
realidade através da execução definitiva (art. 783 do CPC). Esta modalidade de execução, a definitiva, atinge o seu
estágio final com a satisfação do vencedor-exequente recolhendo o bem da vida consagrado na decisão transitada,
que pode ser um objeto corpóreo ou incorpóreo. Assim, v.g., transitada em julgado a decisão que determinou a Caio
pagar certa importância a Tício, pode aquele promover a execução definitiva no sentido de apurar judicialmente
fundos líquidos às custas da expropriação do patrimônio do devedor vencido. Isto significa que a simples propositura
da ação rescisória, em princípio, não susta esse desígnio de tornar realidade o que contém a sentença transitada em
julgado. Diz-se, então, que a propositura da ação rescisória não suspende o curso da execução.
Esta sempre foi a regra no Direito brasileiro . Entretanto, não se pode olvidar que a ação rescisória é espécie da ação
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de conhecimento, hoje contemplada, no seu organismo, com o instituto da “antecipação de tutela”. Segundo essa
técnica, é lícito ao juiz antecipar os efeitos práticos do provimento se houver prova inequívoca conducente à
alegação de que o direito do autor é evidente ou, que se não antecipados os efeitos práticos, o mesmo poderá sofrer
lesão de difícil reparação (art. 300 do CPC).
Em face desse instituto, sustenta-se da possibilidade de antecipação dos efeitos do juízo rescisório, com a sustação da
execução do julgado eivado de um dos vícios que autorizam a sua desconstituição. Assim, v.g., se o tribunal
incumbido de apreciar a ação rescisória verificar de plano a ofensa à coisa julgada ou que a decisão foi proferida por
juiz corrupto, lícito será o adiantamento da tutela rescindente com a sustação da execução da decisão transitada.
Aliás, antes do advento da antecipação de tutela, a mesma tese era defendida através da utilização da ação cautelar
inominada com o escopo de sustar execução de sentença rescindenda. 54

A jurisprudência hodierna também enfoca a questão de forma mais flexível, admitindo casuisticamente essa
suspensividade, máxime nos casos em que a decisão, mercê de teratológica, causa severa e ilícita lesão à parte
adversa.
Outrossim, a possibilidade de concessão de tutela antecipada no curso do processo da rescisória impede que se
promiscuam remédios excepcionais, v.g., o Mandado de Segurança.
A ação rescisória é a ação principal e por isso a lei admite, também medidas cautelares antecedentes,  v.g., o arresto
de bens, comprovando-se que haverá rescisão e rejulgamento do mérito infrutíferos, bem como medidas cautelares
não satisfativas incidentes.
Considerando a natureza da ação rescisória e o advento da tutela antecipada, o art. 969 do CPC significa dizer que o
ordenamento contempla a tutela antecipatória em sede de ação rescisória.
É que a ação rescisória, como ação de conhecimento, revela caráter excepcional na medida em que visa à
desconstituição da coisa julgada, cuja característica maior é a sua imutabilidade e por isso a propositura daquela não
tem o condão de impedir a execução do julgado.
Outrossim, consoante exposto anteriormente, com fulcro no art. 969 do CPC, a jurisprudência através de
entendimento sumular do extinto TFR no verbete 234, coadjuvado por precedentes de nossos tribunais, interditava o
uso da medida cautelar visando a sustar a eficácia da decisão rescindenda.
Entretanto em estudo pioneiro, o professor Galeno Lacerda evidenciou a necessidade de se admitir esses provimentos
de urgência, tanto mais que a decisão trânsita poderia solidificar-se com expressivo grau de imperfeição.
A prática judiciária, nalguns casos, passou a contemplar essa possibilidade, principalmente nas hipóteses de
rescindibilidade decorrente de violação da coisa julgada ou de decisão rescindenda proferida por juiz corrupto ou
peitado.
A reforma traz a possibilidade explícita, condicionando o poder do magistrado na concessão da antecipação de tutela
aos pressupostos do provimento urgente satisfativo eclipsados nos arts. 300 e 497 do CPC. 55

Ademais, além da tutela satisfativa antecipatória, admite-se, também a tutela cautelar, esta para garantir a eficácia
prática do resultado do iudiucium rescissorium, bem como a fungibilidade do artigo 305, parágrafo único, na sua
estreita exegese sugerida no capítulo próprio e que limita a possibilidade de conferir-se antecipação cautelar se
pleiteada equivocadamente a tutela satisfativa, sendo certo que a recíproca não é verdadeira. Isto porque, a tutela
antecipatória satisfativa exige prova inequívoca conducente à verossimilhança da alegação, ao passo que a tutela
cautelar contenta-se com o fumus boni juris. Ora não se pode adiantar a providência satisfativa de mérito com base
apenas na “fumaça do bom direito”, a simples aparência, reclamando evidência do direito.

7.PROCEDIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA

Em princípio, a petição inicial da ação rescisória, como instrumento primeiro da demanda de conhecimento, reclama
os mesmos requisitos estabelecidos no artigo 319 do CPC.  As eventuais deficiências da petição podem ser supridas
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como de regra o admite o artigo 321, do CPC, sob as penas do indeferimento, sanção que se encontra textual no
parágrafo único do citado dispositivo legal.  Entretanto, este instrumento da demanda apresenta peculiaridades
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decorrentes dos escopos da ação rescisória.


Em primeiro lugar, quanto ao pedido, observa-se, de ordinário, uma cumulação sucessiva obrigatória, porquanto,
além da rescindibilidade do julgado impõe-se o pedido de nova decisão.
É que a ação rescisória compõe-se de dois iudiciae a saber: o de “desconstituição em si do julgado” – judicium
rescindens – e o de rejulgamento – judicium rescissorium. Isto porque, no nosso sistema, não há cassação pura e
simples da decisão defeituosa, senão subsequente julgamento pelo mesmo órgão que desconstitui o julgado. Desta
sorte, a não formulação do pedido implica inépcia, haja vista a manifesta ausência de interesse de agir apenas na
rescindibilidade do julgado. A regra não é absoluta na medida em que há julgados em que, ante o princípio da
instrumentalidade das formas, considera-se o pedido de cumulação dos dois juízos, rescindens (de rescisão de
sentença) e rescissorium (de novo julgamento da causa), implícito, porquanto a rescindibilidade antecedente
pressupõe o rejulgamento subsequente. Sucede que se impõe ao autor indicar a extensão do judicium
rescissorium, possibilitando o cumprimento dos cânones da congruência, razão por que sugerimos que, em casos de
dúvida, o magistrado deve solicitar que o autor explicite o que pretende, tanto mais que é possível pleitear apenas a
rescisão do julgado, como nos casos de ofensa à coisa julgada ou, então, limitar-se ao rejulgamento parcial. Sob essa
ótica é que se deve interpretar a imperatividade do art. 968, in fine, quando dispõe ser dever do autor cumular os
pedidos de rescisão e rejulgamento. 58

Deveras, o autor, quando formula pedido de rejulgamento – iudicium rescissorium –, está adstrito à postulação que
formulou originariamente no processo e que deu ensejo à decisão rescindenda, uma vez que, do contrário, estaria
submetendo ao tribunal um pedido que não se submeteria ao duplo grau de jurisdição.
A petição inicial, por seu turno, deve ser acompanhada dos requisitos indicados no art. 319 do CPC e de documentos
essenciais como a decisão rescindenda e a certidão de seu trânsito em julgado. 59

O escopo da jurisdição, como tantas vezes reiterado, é a imutabilidade do julgado como fator de estabilidade e
segurança social. Em decorrência, a desconstituição do julgado é medida excepcional e que exige significativo
controle do Judiciário, para que não se transforme a ação rescisória em recurso extremo.
Consequência desta preocupação é a inserção na lei, como “pré-requisito à admissibilidade da demanda rescisória”,
da comprovação do depósito de 5% (cinco por cento)  sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação
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promovida seja, por “unanimidade, declarada inadmissível ou improcedente” (art. 968, II). 61
A exigência não se aplica às ações rescisórias promovidas pela Fazenda Pública, pelo Ministério Público, pela
Defensoria Pública e pelos beneficiários da gratuidade de justiça. Destarte, a Súmula nº 175 do STJ dispensa do
referido depósito o INSS. Com o Código de 2015, passou a haver um teto máximo para o depósito, no montante de
mil salários mínimos (art. 968, § 2º).
O destino do depósito vem traçado ao final do dispositivo legal, que dispõe que a multa será devida em caso de
inadmissibilidade ou improcedência do pedido, assim reconhecida por “unanimidade”, caso em que a perda do
depósito dá-se em favor da parte contrária.
A exata interpretação do artigo em exame (art. 968, inciso II, do CPC) impõe concluir que a perda do depósito só se
opera quanto à inadmissão ou improcedência do iudicium rescindens, não importando o rejulgamento (iudicium
rescissorium). Isto porque, se a finalidade é coibir a litigância indevida, admitida a ação ou reconhecida uma causa
rescisória, a demanda revela-se proposta com seriedade. Entretanto, inadmissível a ação ou improcedente, impõe-se,
em ambos os casos, a perda do depósito. Destarte, essa perda pressupõe “julgamento”, razão pela qual atos de
disponibilidade das partes que impliquem a extinção da ação rescisória não influem no destino do depósito, v.g., a
transação ou a desistência.  Outrossim, se o processo foi extinto antes da citação do réu, o depósito deve reverter ao
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autor. De toda sorte, exigível que seja feito o depósito; a sua falta importa no indeferimento da petição inicial,
providência que se adota, também, em caso de insuficiência não suprida.
A inicial, como de regra, pode receber o “despacho liminar positivo ou negativo” (art. 968, §§ 3º e 4º).
O controle da inicial é do relator sorteado, porquanto a ação rescisória é da competência dos tribunais. As funções do
relator equivalem às exercidas pelo juiz de primeiro grau ao analisar a petição inicial antes de determinar a citação do
réu. Assim sendo, a possibilidade de extinção meramente terminativa pelo relator decorre de seu poder-dever de
examinar as condições da ação e os pressupostos processuais, tal como o faz o juiz quando analisa a inicial. Nada
obsta, entretanto, que o relator relegue o saneamento do processo e as questões preliminares para o órgão colegiado.
Agindo isoladamente, a sua decisão liminar de conteúdo negativo desafia o agravo regimental.
O art. 970 do CPC  dispõe que, estando em termos a petição, caberá ao relator, ao admiti-la, determinar a citação do
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réu, assinando-lhe prazo nunca inferior a 15 (quinze) dias nem superior a 30 (trinta) dias para responder. Trata-se de
despacho liminar positivo que não opera a preclusão para o órgão colegiado. Mutatis mutandis aplica-se à hipótese o
artigo 485, § 3º, do CPC,  que afasta a preclusão nas denominadas questões formais conhecíveis de ofício,
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assumindo relevo a regra, in casu, posto que se trata de desconstituição da coisa julgada.
Uma vez proferido o despacho liminar positivo, segue-se o rito ordinário, como se colhe da parte final do art. 970 do
CPC.
À semelhança do que ocorre com toda e qualquer petição inicial, a da ação rescisória também pode ser indeferida. As
razões do indeferimento, em regra, são de ordem formal, consistentes na falta do preenchimento de condições da
ação, v.g., a legitimidade para a rescisão, a ausência de pressupostos processuais específicos, como, por exemplo a
falta de depósito etc., admitindo-se excepcionalmente o indeferimento por motivo de mérito, como ocorre na hipótese
de decadência, quando a rescisória não é proposta no prazo de dois anos do trânsito da decisão (art. 975 do CPC). 65-66

A citação do réu da ação rescisória pode efetuar-se por qualquer de suas modalidades, admitindo-se, como resposta
do demandado, contestação, exceções processuais e reconvenção.  Cumpre anotar que, segundo parte da doutrina, o
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prazo de resposta da ação rescisória não se altera quando presentes no processo litisconsortes com diferentes
procuradores ou a Fazenda Pública, porquanto lapso de tempo especial.
A indisponibilidade do julgado trânsito, pela sua eficácia no plano da estabilidade e segurança social, tornam
também indisponível o objeto litigioso da ação rescisória de tal sorte que não se concebe transação, renúncia ou
reconhecimento do pedido, bem como inoperante manifesta-se eventual revelia.  Em consequência, revela-se
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indiferente a falta de impugnação especificada prevista no art. 341 do CPC; por isso que não se presumem
verdadeiros os fatos da inicial não impugnados, inviabilizando o julgamento antecipado por esse motivo.
A lei pressupõe a possibilidade de ampla instrução probatória ao dispor no art. 973, que, “concluída a instrução”, se
abre vista às partes para apresentação de razões. 69

Qualquer meio moralmente legítimo pode compor o campo probatório da rescisão. A valoração da prova pertence ao
órgão colegiado, mas a sua realização pode ser delegada ao juízo de primeiro grau em prazo que não sacrifique o
andamento da causa (art. 972 do CPC).  Eventuais gravames causados pelo juízo delegado devem ser afastados pelo
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tribunal delegante que, para isso, ostenta competência funcional. Não teria sentido submeter a outro  órgão eventual
irresignação da parte quanto a um ato praticado pelo juízo destinatário da carta de ordem. 71

Concluída a instrução, as partes dispõem de prazo sucessivo de 10 (dez) dias para apresentação de suas razões,
seguindo-se o julgamento (art. 973 do CPC).
A natureza da lide rescisória evidencia a necessidade de intervenção do Ministério Público, de regra prevista nos
regimentos internos dos tribunais. É que se discute a manutenção da coisa julgada, escopo diferenciador da jurisdição
em relação às demais funções do Estado.
A atuação do Parquet é de custos iuris, devendo manifestar-se por parecer, após a fala das partes, sem prejuízo da
vista pessoal dos autos a cada etapa procedimental. 72

Destarte, a competência para julgamento da ação rescisória de sentença é do tribunal competente para conhecer do
recurso contra ele e a rescindibilidade do acórdão é do órgão do Tribunal ou de outro Tribunal, obedecida a
competência hierárquica prevista na Constituição e nos regimentos dos diversos tribunais. Assim, v.g., no Estado do
Rio de Janeiro, compete à Seção apreciar e julgar ação rescisória de acórdãos das Câmaras isoladas.
Impõe-se considerar que situações excepcionais da própria rescisória podem alterar a regra genérica da competência
segundo a qual o juízo da rescisória é o mesmo do recurso da causa. Assim,  v.g., intervindo como litisconsorte
necessário a União, como recente legislação assim o permite, desloca-se a competência para apreciar a ação
rescisória, intentada com o objetivo de desconstituir julgado da Justiça Estadual, para o Tribunal Regional Federal.
O acórdão proferido na ação rescisória pode ser terminativo ou definitivo. O primeiro não julga nem a pretensão de
rescisão nem a de rejulgamento, limitando-se a declarar inadmissível a ação pela ausência de uma de suas condições
específicas, imputando ao vencido não só a sucumbência mas também a sanção da perda do depósito.
Entretanto, julgado procedente o pedido e não se tratando de rescisória por ofensa à coisa julgada, o tribunal rescinde
a sentença, profere novo julgamento e determina a restituição do depósito (art. 974 do CPC). 73

A desconstituição da sentença de mérito e o rejulgamento da causa decorrem do objeto mesmo da rescisória, cuja
finalidade é diversa da dos recursos, tanto que o colegiado invade a causa com ampla cognição, concedendo ao
litígio nova definição jurídica.
É mister, assim, ter em mente que a ação rescisória, nas suas etapas de julgamento, submete-se a três planos de
análise, a saber: a “admissibilidade”, o “juízo rescisório” e o “juízo de rejulgamento”. Impende destacar com nitidez
cada um desses planos, pela própria eficácia que encerram em relação ao julgado, bem como sob a ótica processual,
posto que, cada um deles, ao ser superado, desafia o seu recurso correspondente.
Discute-se, outrossim, sobre os efeitos do juízo positivo de rescindibilidade.
Ressalta claro que, desconstituída a decisão, se atingem os atos calcados na coisa julgada anterior, v.g., anulado o
negócio jurídico, muito embora ressalvados os direitos adquiridos de boa-fé. 74
Outro efeito pertine ao depósito. O julgamento da ação rescisória influi no destino do depósito de cinco por cento
sobre o valor da causa, realizado para fazer face à multa, caso a ação  seja declarada inadmissível ou improcedente
por unanimidade de votos (art. 968, II, c/c art. 974 do CPC). 75

Consoante já se afirmou, trata-se de instrumento apto a inibir a propositura infundada de ações rescisórias com
desrespeito ao julgado e à sua soberania.
A procedência do pedido pressupõe que a fase de admissibilidade tenha sido superada e que a decisão contenha o
defeito apontado; por isso, o depósito realizado com aquela finalidade após o acolhimento é devolvido ao autor
depositante (art. 974 do CPC).
Tendo em vista que a finalidade do depósito é dissuadir a propositura imotivada de ações rescisórias em respeito ao
prestígio que devem merecer as decisões trânsitas, inclinam-se a jurisprudência e a doutrina pela incidência da perda
do depósito mesmo quando se opera a desistência da ação.  Considerando-se finalidade do depósito, forçoso é
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concluir que a sua imputação não influi na fixação dos honorários que podem ser cominados cumulativamente com a
perda da quantia depositada.
O acórdão do rejulgamento substitui a decisão rescindida.
Assim é que, lavrado com infração à regra constitucional ou infraconstitucional, o acórdão da rescisória desafia o
recurso especial ou o recurso extraordinário.
Por fim, incidindo o próprio acórdão rescindendo num dos vícios do art. 966 do CPC, é possível desconstitui-lo
reavivando-se a vetusta figura da rescisória de rescisória.

8.AÇÃO ANULATÓRIA DE ATOS JUDICIAIS

Instituto de origem lusa, que serviu de inspiração ao nosso legislador, a ação anulatória dos atos judiciais não se
dirige às sentenças de mérito como a rescisória, mas aos atos de disponibilidade das partes que implicam
encerramento do processo em face das sentenças que os homologam.
É por essa razão que o art. 966, § 4º, do CPC dispõe caber ação anulatória para rescindir atos judiciais que não
dependem de sentença ou quando esta for meramente homologatória.
Em primeiro lugar, há de se considerar que os atos judiciais que não dependem de sentença são aqueles que
prescindem de manifestação do juiz, para produzirem imediatamente seus efeitos, nos precisos termos do artigo 200
do CPC .77

Assim, se esses atos produzem logo os seus efeitos, a decisão que põe fim ao processo calcada apenas neles nada
dispõe, apenas confirma o fim do processo. Em essência não há julgamento. Nesse caso, a desconstituição desse ato
perfaz-se por ação anulatória. O objetivo da parte dirige-se ao ato em si, nunca à sentença que se limita a reconhecer
a aptidão daquela manifestação para fazer cessar a atividade jurisdicional de composição do litígio.
Entretanto, há casos em que, não obstante a manifestação de liberalidade processual, a lei exige a integração da
vontade jurisdicional. Essa concessão de eficácia ao ato de disponibilidade processual decorre da homologação.
Sob esse ângulo é que o art. 200 do CPC, após conferir eficácia própria a determinados atos, ressalva que a
desistência da ação só produzirá efeito depois de homologada por sentença. Insta acrescentar que outros atos
processuais de disponibilidade tidos como especiais também não produzem efeitos, senão depois
de homologados pelo juiz. Nessas hipóteses, diz-se que as “sentenças são meramente homologatórias”,  v.g., a que
homologa a separação consensual, a partilha amigável etc.
Atentando-se para o sistema, é forçoso concluir que os atos de disponibilidade processual referentes aos direitos em
conflito produzem imediatamente os seus efeitos, reclamando sentença homologatória apenas quando a lei o exigir
por motivos especiais, v.g., ocorre com a separação consensual em face de sua relevância.
Como consectário, o reconhecimento da procedência de um pedido de despejo, ou a renúncia a um crédito, produzem
os seus efeitos de imediato e não demandam sentença de homologação senão de encerramento do processo.
Assim sendo, esses atos, se viciados, devem ser atacados como os atos jurídicos em geral, como explicita o art. 966,
§ 4º, do CPC acerca da ação anulatória.
Em consequência, onde há julgamento como ato intelectivo e de soberania do Judiciário não cabe ação anulatória.
Outrossim, somente os atos de disponibilidade das partes que impliquem encerramento do processo com a
composição da lide é que se sujeitam à anulação.
No que pertine à primeira conclusão, serve ela para afastar a perplexidade gerada pelo inciso VIII do art. 485 do CPC
de 1973, que previa ação rescisória para sentença de mérito que se funda em ato de disponibilidade processual. Ora,
sentença é julgamento e, de regra, quando engendrada a manifestação de liberalidade, o juiz simplesmente chancela o
ato e dispensa-se de “julgar”. Mas, repita-se: nesta hipótese, há julgamento, e como a parte não pode voltar-se contra
a motivação da decisão (art. 504, I, do CPC),  cumpre-lhe impugnar a sentença por vício do ato que a fundamenta, a
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despeito das demais manifestações dos autos e que poderiam ensejar uma decisão do juiz noutro sentido.
Destarte, se houver, v.g., reconhecimento integral do pedido, julgamento não haverá cabendo à parte impugnar o ato
em si, através de anulação.
Essa anulação pode dar-se antes do trânsito em julgado ou depois do mesmo. A diferença é que, antes de passar em
julgado a sentença de encerramento, como o ato já produziu os seus efeitos (art. 200 do CPC), é impossível a
revogação inteira, devendo promover-se a ação anulatória prejudicial que suspende o processo principal impedindo o
seu encerramento.  Passado esse momento e transitando em julgado o ato de encerramento, a ação anulatória
79

acessória (art. 61 do CPC)  e seu provimento extirparão do mundo jurídico a autocomposição realizada.
80

Mister, contudo, asseverar que não há paz na doutrina e na jurisprudência acerca do tema, porquanto o artigo 485,
VIII, do CPC de 1973, que previa a ação rescisória para a sentença de mérito que se fundasse nesses atos de
disponibilidade, é fonte de inúmeras críticas, o que ocasionou sua revogação. 81

Ora, praticado o ato de disponibilidade processual, assim considerados a transação, a renúncia, o reconhecimento da
procedência do pedido, em princípio, extingue-se o processo, como prevê o artigo 487 do CPC. Outra não poderia
ser mesmo a solução legal, porquanto a autocomposição faz cessar a atividade especulativa do juiz.
Assim, v.g., se a renúncia foi procedida com erro ou dolo, o meio de impugná-la é a ação anulatória, cuja
procedência esvazia a sentença que lhe serviu de tegumento protetor. Entretanto, se a homologação foi levada a
efeito por juiz impedido, corrupto ou ofendeu a coisa julgada, o remédio é a rescisória. No primeiro caso, o meio
incide sobre o ato da parte em si, ao passo que, no segundo, a investida dirige-se contra ato do juiz, admitindo-se a
irresignação na medida em que se dispôs sobre o mérito, na forma dos arts. 487 e 966, caput, do CPC.
Em resumo, “tratando-se de ato de disponibilidade processual o meio de atacá-lo é a ação anulatória, haja vista que o
mesmo, por si só, produz os seus efeitos pretendidos, independentemente de homologação” (art. 200 do CPC).
Nas hipóteses em que se faz necessária a homologação, assim exigida pela lei, o ato em si pode ser anulado pelos
motivos previstos pela lei material.
Considere-se a par das regras gerais, as especiais, v.g., a do artigo 393 do CPC, que dispõe acerca de formas distintas
(anulatória ou rescisória) para invalidar a “confissão”, a qual, por si só, não acarreta extinção do litígio, servindo
como meio de prova para conduzir a uma solução não necessariamente desfavorável ao confitente, daí o seu regime
jurídico diverso dos atos, como o reconhecimento, a renúncia e a transação.
No mesmo diapasão encontra-se a especialidade da regra da partilha implicando distinguir-se as hipóteses
de anulação e de rescindibilidade. Sendo “amigável a partilha”, o meio para desconstituí-la é a ação anulatória, ao
passo que a ação rescisória dirige-se à partilha judicial. Assim, v.g., quando há incidentes e controvérsias judiciais
no processo de inventário, cabe a ação rescisória da partilha, e não a ação anulatória, porque a sentença nesse caso
não é meramente homologatória. Repise-se, entretanto, à luz da ratio essendi da distinção travada pelo legislador
entre os dois meios de impugnação ora em confronto, que a motivação da impugnação é capital para distinguir os
meios utilizáveis. Assim, v.g., se a parte pretende desconstituir a partilha amigável porque homologada por juiz
impedido ou corrupto, a ação será rescisória. Caso pretenda desconstituí-la porque houve “erro” na divisão dos bens
com afronta às legítimas, a ação será anulatória. Esta última, na dicção do art. 966, § 4º, dirige-se às incorreções das
manifestações de vontade, por si só suficientes para encerrar um processo.
Advirta-se que as decisões proferidas nos autos dos procedimentos de jurisdição voluntária são meramente
homologatórias e subsumem-se ao que foi acima sustentado: podendo subsumir-se a impugnação ora a ação
rescisória ora a ação anulatória. 82

Cumpre destacar que se equiparam aos atos de disponibilidade do processo de conhecimento as formas de
pagamento no processo de execução, porquanto nestes pode haver vício de vontade. É por essa razão que a doutrina e
a jurisprudência vêm admitindo ação anulatória da adjudicação e da arrematação do processo satisfativo. 83

É preciso, contudo, atentar-se para que não se promiscua o instituto da ação anulatória, como ocorre em alguns
casos da prática judiciária em que se provem ações anulatórias de atos processuais passíveis de desconstituição no
próprio bojo do processo em que foram praticados, v.g., ação de anulação de citação, ação de anulação de penhora
etc. Somente os atos que encerram o processo, decorrentes da vontade das partes, é que são anuláveis, como os atos
jurídicos volitivos em geral. Do contrário, a ação anulatória transmuda-se em meio de superação de preclusões,
camuflando expedientes capazes de eternizar os processos.
Delicada é a questão do lapso temporal para o exercício da ação anulatória.
Dispõe o art. 966, § 4º, do CPC que esses atos são desconstituídos, tal como previsto na lei civil (lei material).  Em
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princípio, isto redundaria na concessão de um prazo de quatro anos para a revogação judicial através da ação
anulatória.
Sob o prisma lógico-jurídico, não teria sentido conferir um prazo maior para ação anulatória do que aquele
previsto no art. 975 do CPC, de dois anos para a rescisória. É que, em ambas as hipóteses, está em jogo o fim
precípuo de garantir a paz e a estabilidade social. É mister, então, interpretar-se que a remissão à lei material pertine,
apenas, aos motivos da anulação, não ao prazo, que deve ser o previsto no capítulo onde se encontra regulada a ação
anulatória. 85

Em prol da estabilidade e segurança sociais e em prestígio do caso julgado, mercê das regras de hermenêutica
reclamarem interpretação sistemática e finalística, não nos parece haver possibilidade de afastar a incidência do
prazo bienal para a propositura da ação anulatória, irmã gêmea da ação rescisória. Aliás, os prazos estabelecidos pelo
legislador processual para a desconstituição da partilha amigável (art. 657, parágrafo único, do CPC),  de um ano, e
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o da partilha judicial (art. 658 do CPC),  de dois anos, parecem conspirar em favor da tese dos prazos especiais
87

quando o ato de disponibilidade está encartado na relação processual.


A matéria tem sido tratada sem uniformidade pela jurisprudência. Assim, encontram-se julgados que preconizam
que, para anular a partilha, os herdeiros dela excluídos, que não participaram do inventário, devem utilizar-se da ação
de nulidade ou petição de herança vintenárias, e não da rescisória. Outros sustentam que, timbrada a natureza judicial
da partilha, com a adjudicação de bem a menor, a sentença só pode ser desconstituída por meio de ação rescisória.
Tratando-se de ato das partes e não propriamente do juízo, a ação anulatória é ajuizável em primeiro grau, perante o
juízo que acolheu a decisão anulável, legitimando-se os interessados.

9.QUERELLA NULLITATIS INSANABILIS

Segundo parte da doutrina e da jurisprudência, perdura no Direito brasileiro a querella nullitatis insanabilis,
subsumível à via ordinária, quando constatada a inexistência de citação da parte ensejando uma execução, precedida
de frontal violação dos princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Por força desse entendimento, a parte pode ajuizar uma ação declaratória de nulidade do processo em que não houve
a citação superando o prazo da ação rescisória.
Não obstante, por expressa disposição legal (art. 525, § 1º, I, do CPC) a nulidade ou a falta da citação também podem
ser alegadas em impugnação, se o processo correu à revelia do réu. Impõe-se observar que esse defeito acolhível na
execução o desconstituiu com eficácia retrooperante, atingindo a relação de conhecimento, desde a etapa onde faltou
o ato convocatório, iniciando-se tudo novamente.
A essência da querella está em que se foi nula a citação, o processo deve ser renovado, a partir da in jus vocatio,
porquanto nesses casos “não se constitui a relação processual e a sentença não transita em julgado, podendo, a
qualquer tempo, ser declarada nula, em ação com esse desígnio, ou em embargos à execução”.

VIII
HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA E CONCESSÃO
DO EXEQUATUR À CARTA ROGATÓRIA
1.GENERALIDADES

A jurisdição, como função do Estado, é ato de soberania; por isso, adstringe-se, em princípio, aos seus limites
territoriais . Entretanto, princípios de cooperação internacional recomendam que decisões proferidas alhures possam
1

produzir efeitos em países outros. O fenômeno é deveras interessante porquanto implica determinado juiz
recepcionar a decisão proferida noutro sistema, quiçá completamente diverso daquele em que se vai efetivar a
decisão.
Cumpre notar, entretanto, que o sistema de recepção de sentenças estrangeiras não encerra regra universal: há
países que não atribuem valor às decisões alienígenas,  há os que praticam a denominada reciprocidade  pura sem
2 3

formalidades, há os que emprestam caráter meramente probatório  aos provimentos estrangeiros e, por fim, os que
4

conferem à sentença estrangeira a mesma eficácia da decisão nacional mediante um prévio juízo de deliberação por
meio do qual se atesta o cumprimento de requisitos necessários à nacionalização do pronunciamento judicial para
posterior conferimento de eficácia executivo-judicial.
O Brasil  preconiza esse último sistema pelo qual subjaz intocável o meritum causae apreciado alhures, mercê
5

de se apreciar a competência, a observância do contraditório e a adaptação do julgado à nossa ordem pública, aos
bons costumes e à soberania nacional.
Essa diversidade de regras e princípios impõe uma necessária verificação da legitimidade da decisão alienígena
em relação ao ambiente em que ela vai produzir os seus efeitos. Assim, v.g., se num determinado país, o
inadimplemento de uma obrigação gera responsabilidade física para o devedor, com privação de sua liberdade ou
mutilação de parte de seu corpo, evidentemente que esses efeitos práticos não poderão realizar-se em nosso país. É
que, a par da cooperação jurisdicional, sobrelevam os princípios e a ordem maior do Estado soberano onde vai
tornar-se realidade o comando judicial estrangeiro.
A definição jurídico-internacional é respeitada, mas a sua execução não pode afrontar a nossa soberania. 6

A presença de cidadãos estrangeiros em nosso país e a necessidade de prestar justiça sem distinções impõe que
o juiz brasileiro aplique a lei estrangeira, tal como previsto nos arts. 7  e seguintes da Lei de Introdução às Normas do
o

Direito Brasileiro. 7

À semelhança do que ocorre com a lei estrangeira, a sentença proferida alhures, que é “lei entre as partes”,
também pode ser executada no Brasil (art. 15 da LINDB).  Entretanto, essa execução passa por um procedimento de
8

verificação dos requisitos mínimos exigidos para sua implementação. Consoante observamos anteriormente, há
comandos impossíveis de serem efetivados no nosso país, porquanto ofendem a soberania nacional, a ordem pública
e os bons costumes (art. 17 da LINDB). 9

Esse procedimento de “verificação da adequação da sentença aos nossos cânones” denomina-se “homologação
de sentença estrangeira”, cuja importância justifica a competência constitucional atual do Superior Tribunal de
Justiça, inaugurada pela EC nº 45/2004, muito embora, após a homologação, a execução proceda-se no juízo federal
de primeira instância.
Atualmente, não mais se determina que a sentença estrangeira poderá ser homologada, mas sim a decisão
interlocutória estrangeira. Isso se dá em virtude do reconhecimento, no ordenamento do jurídico brasileiro, da
relevância de temas que podem ser decididos previamente ao ato judicial que encerra a fase de conhecimento. Sendo
assim, podem-se homologar decisões referentes a capítulos do mérito ou ainda à concessão de tutela antecipada (art.
962, CPC).
2.REQUISITOS

O CPC repisa essa necessidade de homologação no art. 961 do CPC, coadjuvado pelo Regimento Interno do
STJ e sua Resolução nº 9/2005. O referido regimento repisa no art. 5º regimento  do Supremo Tribunal Federal
(artigo 217)  bem como o art. 963 do Código de Processo , estabelecendo os requisitos de homologabilidade, bem
10 11

como o procedimento desta nacionalização da sentença estrangeira.


O legislador regimental repetiu as regras ínsitas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu
art. 15, as quais condicionam a aprovação daquela decisão ao preenchimento dos seus requisitos.
O Código, diferentemente do diploma pretérito, optou por elencar os requisitos considerados indispensáveis à
homologação da decisão no art. 963, CPC. Dessa forma, exige-se que (i) seja proferida por autoridade competente,
(ii) seja precedida de citação regular, (iii) seja eficaz no país em que proferida, (iv) não ofenda eventual coisa julgada
brasileira, (v) esteja acompanhada de tradução oficial e (vi) não contenha manifesta ofensa à ordem pública.
Esses requisitos se alinham ao que determinava a doutrina e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a
fim de garantir a compatibilidade da decisão com as premissas encartadas no ordenamento jurídico pátrio, bem como
assegurar – a exemplo do art. 963, IV, CPC – o respeito à jurisdição nacional.
Principia a lei exigindo ter sido a decisão proferida por juízo competente – em que se observa se não houve
invasão na esfera da competência internacional exclusiva brasileira (art. 23 do CPC),  – bem como se o ato não foi
12

produzido por tribunal de exceção, prevalecendo, em qualquer hipótese, a negativa de homologação frente à mais
tênue ofensa aos princípios de nossa Carta Magna.
Entretanto se a autoridade competente no país estrangeiro é administrativa, no rito da homologação, este fato
não pode encerrar empecilho. 13

Depois, a citação das partes, ainda que ocorrente validamente a revelia, porquanto tem sede constitucional o
princípio do contraditório em qualquer processo judicial. A verificação da revelia, evidentemente, obedece à lei
processual do país onde a sentença homologada foi proferida, atendida a advertência acima, quanto à ordem pública
e aos bons costumes. Nesse segmento, deve-se ter em mente que se a parte é domiciliada fora do foro onde proferida
a decisão alienígena, impõe-se, ao menos, em relação aos brasileiros, a citação por rogatória, consoante remansosa
jurisprudência hodierna do E. STJ através de sua Corte Especial, órgão competente para esse fim.
A inexistência de coisa julgada brasileira sobre a questão – anterior, logicamente, ao decidido no estrangeiro – e
sua tradução oficial completam os requisitos formais, agregados dos requisitos materiais referentes ao respeito à
ordem pública e, nos moldes da Lei de Instrução, à soberania e aos bons costumes.
Sob outro ângulo, havendo sentença brasileira sobre o mesmo litígio, a jurisprudência recusa-se à homologação,
malgrado não haja litispendência quando “em curso ambos os processos”.
O Código, nesse particular, insere sutil disposição relevante: não mais se exige que haja trânsito em julgado da
decisão, mas apenas que seja eficaz. Desse modo, tutelas provisórias da jurisdição exterior podem ser homologadas e
tornadas eficazes no Brasil.
A jurisprudência impõe alguns requisitos casuísticos, como, por exemplo o da sentença estrangeira contemplar
motivação e decisão, explicitando o an debeatur. Muito embora não se trate de execução, os mesmos requisitos
observam-se para o registro de sentenças declaratórias e constitutivas. Ademais, a execução posterior implica
estabelecer-se a certeza, liquidez e exigibilidade do título judicial que, por sua vez, somente pode dar ensejo à
execução definitiva se transitado em julgado.
3.PROCEDIMENTO

A homologação de sentença estrangeira encarta-se na categoria de ação de competência originária confirmada


pelo próprio contraditório regimental, revelando a existência de uma pretensão homologatória de cunho processual,
como ocorre com outras ações como o mandado de segurança contra ato judicial, a ação rescisória etc.
Destarte, confirma-lhe a natureza de ação a possibilidade de rejeitar-se a homologação através de provimento
declaratório negativo, com o que se abre a oportunidade de julgar a causa perante a justiça brasileira, caso inserida na
sua competência internacional concorrente, à luz dos arts. 21, 22 e 23 do CPC.
14 15

A ação de homologação enseja a formação de um processo sujeito ao procedimento traçado regimentalmente


(Resolução nº 9 /2005 do STJ).
A estrutura do procedimento segue a ordinariedade imanente aos processos de sentença com inauguração
através de petição da parte interessada na homologação e a contestação do requerido previamente citado por carta de
ordem, rogatória ou edital, conforme se encontre domiciliado em território nacional, no estrangeiro ou em local
incerto e não sabido, assim certificado oficialmente. A cognição não é exauriente ou plenária, uma vez que a causa se
encontra decidida em tribunal estrangeiro. Por esta razão, limita-se a defesa à impugnação da autenticidade dos
documentos, ao alcance da decisão e aos requisitos de homologabilidade.
A revelia ou a incapacidade do requerido importam a nomeação de curador especial, porquanto não incide a
presunção de veracidade, e seus honorários devem ser pagos pela parte sucumbente. A defesa deve ser citada para
contestar o pedido em 5 (cinco) dias e a intervenção do Ministério Público, através do Procurador-Geral da
República em funcionamento junto ao STJ.
Superada a impugnação, a homologação pela Corte Especial autoriza a extração da carta de sentença que é
remetida ao juízo federal competente, por distribuição (art. 109, X, da CF),  para a execução, obedecida, neste
16

processo, a legislação brasileira.


Os requisitos preenchidos e uma vez homologada e trânsita em julgado, viabiliza-se a execução, bem como
opera-se a eficácia vinculativa e preclusiva do julgado, não se podendo discutir novamente acerca da lide contida no
pedido de homologação. Essa homologação confere ao julgado estrangeiro um status anteriormente inexistente, daí a
sua natureza constitutiva.
A execução de decisões prolatadas em juízo estrangeiro se dá por meio de carta rogatória, consoante dispõe o
art. 960, § 1º, CPC. O cumprimento de decisão estrangeira, como bem aponta o art. 965, CPC, se realiza no juízo
federal competente. Ou seja, diferentemente do procedimento de homologação que compete ao Superior Tribunal de
Justiça – eis que necessário averiguar a compatibilidade do mérito da decisão com a legislação infraconstitucional
brasileira – o cumprimento se dá no juízo federal de primeira instância, a fim de conferir maior efetividade às
determinações do Juízo. Superam-se, assim, eventuais barreiras relativas à distância do Tribunal do local de
execução da medida estrangeira.
Ressalta-se, por fim, que a concessão de exequatur às cartas rogatórias observam-se os mesmos requisitos
enumerados no art. 963, CPC, com o acréscimo da observação do art. 962, § 2º, CPC, que prevê a necessidade de
oitiva da outra parte, ainda que posterior à prolação da decisão concedida inaudita altera pars. O requisito para a
execução evidencia a preciosidade do contraditório no direito processual brasileiro.
4.RECONHECIMENTO E EXECUÇÃO DE SENTENÇAS ARBITRAIS ESTRANGEIRAS

A cooperação jurisdicional internacional e o crescimento das relações comerciais entre os países transformaram
a arbitragem em notável instrumento de composição de litígios internacionais, dos quais se valem grandes empresas.
O legislador brasileiro no afã de prestigiar essa forma de solução transnacional dos litígios erigiu na Lei da
Arbitragem (Lei nº 9.307/96) os requisitos necessários para a homologação e execução das decisões arbitrais . 17

Inaugurada a sua competência com a EC nº 45/2004, o STJ no afã de homologação vem seguindo
precipuamente o princípio de que a vontade das partes deve prevalecer constantemente, respeitados os mesmos
óbices que impedem a homologação da sentença estrangeira tout court.
Consequentemente, afere-se com exatidão se as partes firmaram o compromisso, limitando-se o tribunal a
averiguar questões meramente formais, a par daquelas que podem ofender a soberania, a ordem pública e os bons
costumes.
À semelhança do comparecimento espontâneo no processo, a defesa sem infirmação da cláusula
compromissória revela aceitação da convenção de arbitragem e não impede a homologação.
A cláusula compromissória com a eficácia que lhe emprestou o Supremo Tribunal Federal não infringe o
princípio da inafastabilidade da jurisdição e, por isso, é efetiva ainda que lavrada anteriormente à vigência da lei da
arbitragem, viabilizando a homologação da sentença arbitral.
IX
RECLAMAÇÃO

1.GENERALIDADES

Em razão da eminência constitucional adquirida por esses recursos, a Carta Maior instituiu um instrumento apto
a noticiar aos tribunais superiores qualquer dissintonia entre seus julgados e a sua respectiva execução nos tribunais
inferiores.
Trata-se da “reclamação” , prevista nos arts. 102, I, “l”, e 105, I, “f ”, da CF/88 e que visa a denunciar atos ou
1

decisões que atentam contra a competência e a autoridade das Cortes Superiores.


A legislação infraconstitucional do tema, desde a Lei nº 8.038/90, explicita a energia desse instrumento ao
permitir que o relator, o qual, de preferência, deve ser o que funcionou na instância máxima, suspenda o ato ofensivo
ou o próprio processo em caso de periculum in mora e, uma vez acolhida a reclamação, o Presidente do Tribunal
Superior (STF ou STJ) possa determinar a imediata efetivação da medida ditada, independentemente de lavratura do
acórdão.
A providência emergente da reclamação, eventualmente pode ter fim modificativo, anulatório ou cassatório do
ato jurisdicional ou do ato administrativo ofensivo, mantendo, sempre, a natureza “mandamental”, como meio de
efetivação do provimento.
Essa reclamação, anote-se, difere do meio de impugnação, que ostenta o mesmo nomen juris encontradiço
nas leis de organização judiciária locais com regulamentação nos regimentos internos dos tribunais.
A reclamação ou correição parcial das leis de organização judiciária é meio de impugnação que se volta contra
os atos ou as omissões do juízo, que, alterando a ordem natural do processo, geram “tumulto processual”.
Assim, v.g., se o juiz não decide determinado incidente, ou defere ao locatário inúmeras oportunidades de purga de
mora etc., cabível é a reclamação.
Em geral, essa impugnação, que muito se assemelha aos agravos, inclusive quanto à possibilidade de
“suspensividade” e ao prazo de interposição – cinco dias (v.g., arts. 219 e 220 do Código de Organização e Divisão
Judiciárias do Estado do Rio de Janeiro) –, exige como “requisito de admissibilidade prévio pedido de
reconsideração”, uma vez que, se acolhida, implica sanção funcional. Em face desse aspecto, a doutrina considera-o
um remédio “ditatorialiforme”.
Conclui-se, assim, que a afinidade entre ambas as reclamações se cinge apenas ao nomen iuris.

2.HISTÓRICO E FUNDAMENTOS

A reclamação possui especial relevo no atual CPC, muito embora já encontrasse previsão na legislação anterior.
Cabe mencionar que, originariamente, diz-se que a reclamação possui suas origens na supplicatio do direito romano
e das querimônias do direito português. Mais recentemente, antes da superveniência do Código de 2015, o cabimento
da Reclamação recebia tratamento legal pela Lei nº 8.038/1990, que institui normas procedimentais para os
processos que especifica, perante o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, e pela 11.417/2006,
que regulamenta o processo de edição, revisão e cancelamento de enunciados de Súmula Vinculante pelo Supremo
Tribunal Federal.
Com a superveniência do Código, foram revogados os arts. 13 a 18 daquela primeira Lei, permanecendo
vigentes os dispositivos da segunda que tratam do tema (art. 7º) . Agora, a temática é trazida para dentro do CPC,
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dentro dos processos de competência originária dos Tribunais, como mais um dos elementos de relevo para a
manutenção de uma jurisprudência coerente, íntegra e estável (art. 926, caput, do CPC).
Revela-se, portanto, um meio assecuratório da observância de jurisprudência vinculante dos Tribunais
Superiores que se coaduna com o propósito de criar um sistema de precedentes no processo civil brasileiro.

3.NATUREZA JURÍDICA

A reclamação é tratada como ação originária no âmago do Código. Preliminarmente, destaca-se que, muito
embora seja um meio de impugnação de decisões judiciais, não se trata de recurso, mas de meio autônomo de
impugnação, que revela o novo exercício desdobrado do direito de ação.
Seu objetivo é questionar decisão judicial ou ato administrativo, no afã de preservar a competência de
autoridade judicial superior, garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo
Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; ou, ainda, garantir a observância de acórdão
proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de
competência, como preceitua o art. 988, do CPC - .3 4

Em virtude da previsão do art. 988, § 5º, I, do CPC, segundo o qual não cabe a propositura de reclamação após
o trânsito em julgado da decisão, veda-se o tratamento da reclamação como se fosse sucedâneo da ação rescisória.
Confirmou-se, assim, entendimento jurisprudencial que já havia se cristalizado no enunciado da Súmula nº 734 do
STF . É que, nessas situações, há mecanismos processuais próprios e específicos para que se ataque a coisa julgada,
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como a ação rescisória, cujas vezes não podem ser feitas pela Reclamação. Não obstante, se proposta em seu tempo
devido, eventual inadmissibilidade ou julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão
reclamado não prejudicará a reclamação (§ 6º).
Situe-se, portanto, a controvérsia. Sabe-se que a reclamação não possui natureza jurídica de recurso, nem
tampouco pode fazer as vezes de ação rescisória. A doutrina e a jurisprudência, portanto, debatem com base em três
principais possibilidades. A primeira corrente defende que a reclamação possui natureza administrativa, pois se trata
de instrumento próprio dos tribunais para corrigir imperfeições da interpretação de seus próprios julgados. Porém, o
ajuizamento perante tribunal e a possibilidade de formar, inclusive, coisa julgada, dissociam a imagem do instituto
com o de procedimento administrativo.
A segunda corrente alega se tratar de mero incidente processual. Destaca-se que os incidentes se destinam a
solucionar controvérsias atinentes a questões preliminares ou prévias de processo já instaurado. Em contrapartida, a
reclamação pode ser proposta contra meros atos administrativos, sem que haja processo judicial prévio instaurado,
sendo necessária, inclusive, a citação do réu.
Nesse sentido, encaminhamo-nos para a terceira corrente que, adianta-se, foi incorporada pelo CPC, segundo a
qual a reclamação configura ação autônoma, eis que inaugura nova relação jurídico-processual. Veja-se, aliás, que a
decisão proferida no âmago da reclamação, como será melhor exposto adiante, forma coisa julgada material e pode,
inclusive, ser objeto de ação rescisória futura.

4.HIPÓTESES DE CABIMENTO

A reclamação só é cabível em hipóteses específicas que se coadunam com o propósito perseguido. Dessa
forma, o art. 988, CPC, enumera as hipóteses em que é cabível o ajuizamento de reclamação: (i) preservar a
competência do tribunal; (ii) garantir a autoridade das decisões do tribunal; (iii) garantir a observância de enunciado
de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; (iv)
garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de
incidente de assunção de competência.
Muito embora as hipóteses já tenham sido tangenciadas anteriormente, os incisos são dignos de alguns
comentários relevantes.
A hipótese constante do inciso I visa a garantir a competência expressa dos tribunais, tal qual disposto no texto
constitucional. Dessa forma, os arts. 102, 105, 108, 109, 114 e 121 dispõe sobre as competências de julgamento e
processamento privativas a cada tribunal, de sorte que a inobservância destas normas enseja a propositura de
reclamação, a fim de solucionar o conflito averiguado.
O inciso II trata da hipótese em que as circunstâncias do caso concreto analisado pelo juízo possibilitam
aplicação de entendimento firmado em decisão do tribunal e esta é aplicada de modo equivocado ou, ainda, não
aplicada. Assim, o legislador visa a resguardar a autoridade dos precedentes vinculantes, autorizando o ajuizamento
de reclamação, a fim de se averiguar se o entendimento firmado deveria ter sido aplicado ou se o foi da maneira
correta. Destarte, se revela mecanismo de interpretação da jurisprudência e funciona como fonte para assegurar a
unidade e integridade do sistema jurídico.
Por sua vez, os incisos III e IV desenvolvem o conteúdo já tratado no inciso II, destacando a necessidade de se
observar não só as decisões do tribunal, mas também os enunciados de súmulas vinculantes e decisões em controle
concentrado de constitucionalidade (especificamente quanto ao âmbito do Supremo Tribunal Federal) e os acórdãos
proferidos em julgamentos de incidente de resolução de demandas repetitivas e de incidentes de assunção de
competência. Garante-se, com isso, a integridade da jurisdição. Tudo quanto disposto deve ser observado, haja vista
sua eficácia irradiante, disposta no art. 927, do CPC .
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Os incisos III e IV foram incluídos pela reforma promovida pela Lei nº 13.256/16, que retirou a menção aos
recursos repetitivos dos incisos do caput. Por outro lado, os mencionou, no parágrafo 5º, ao asseverar que não
caberia a reclamação fundada no descumprimento de suas teses antes do esgotamento das instâncias ordinárias . 7

A jurisprudência tem garantido leitura crítica do dispositivo. O Superior Tribunal de Justiça passou a entender
que não cabe reclamação para o controle da aplicação de teses fixadas em julgamento de recursos repetitivos, haja
vista que não seria clara a hipótese de cabimento, extraída apenas a contrario sensu, além de comprometer o
exercício da função constitucional do Tribunal, consistente na uniformização dos entendimentos, posteriormente
aplicados e controlados pelos Tribunais locais, de sorte a viabilizar o desafogamento dos trabalhos das Cortes de
superposição .
8

5.LEGITIMIDADE

O art. 988, caput, CPC, atribui legitimidade à parte interessada ou ao Ministério Público a propositura de
reclamação. Algumas observações são necessárias, apesar da clareza do dispositivo.
Em primeiro lugar, a norma se coaduna com o que já dispunha o Regimento Interno do STF quanto à 9

legitimidade para ajuizar reclamação, no sentido de que cabe ao interessado na causa ou ao Procurador-Geral da
República ingressar com a demanda perante a Suprema Corte.
Em virtude disto, há que se verificar quem configura parte interessada e, ainda, que interesse deve ser esse.
Quanto ao primeiro ponto, vê-se que o conceito de parte interessada não se limita ao conceito de parte stricto sensu,
mas também abrange os terceiros que tenham demonstrado interesse jurídico no resultado para ingressar no feito de
origem e, ainda, aqueles que possuam interesse na solução da controvérsia. Veja-se, aliás, que o Supremo Tribunal
Federal possui jurisprudência no sentido de que se deve “admitir a legitimidade para reclamação de todo e qualquer
interessado em ver prevalecente acórdão formalizado no controle concentrado de constitucionalidade” . 10

Deve-se analisar, pois, o que se entende por interesse apto a caracterizar a parte como legítima para ajuizar a
reclamação. Nesse sentido, denomina-se parte interessada como aquela que se encontra no campo de incidência dos
efeitos da decisão reclamada, ou seja, aquela que sofrerá os seus efeitos. Caso se trate de hipótese de reclamação por
descumprimento de decisão proferida em sede de controle abstrato de constitucionalidade, admite-se, ainda, que
qualquer pessoa que demonstre ser afetada pela decisão reclamada ou pelo ato administrativo impugnado detém a
legitimidade para ajuizar a reclamação.
Quanto à legitimidade do Ministério Público, pode-se verificar tanto nas hipóteses em que atua como autor no
processo, bem como nas situações em que figura como custos iuris, na forma do art. 178 do CPC.
No que toca à legitimidade passiva, conforme leciona o art. 989, III, CPC, o reclamado será aquele que se
apresenta como beneficiário da decisão, reproduzindo em certa medida, quando não se trata de ato administrativo
reclamado, a relação processual já existente no processo principal.
Ademais, por força do art. 990, CPC, também participa do procedimento da reclamação aquele que visa a
defender a decisão reclamada, desde que mostre, para tanto, relevante interesse jurídico no seu resultado, ou seja,
sofra diretamente os efeitos da decisão.
6.PROCEDIMENTO

A petição inicial, instruída com as provas documentais pertinentes, deverá demonstrar a presença de situação
que corresponda a uma das hipóteses de cabimento deste meio de impugnação. Dirigida ao presidente do Tribunal, a
reclamação será autuada como um novo processo, após o que deverá ser distribuída a um relator.
Distribuída a reclamação, caberá ao relator requerer informações da autoridade judicial ou administrativa
reclamada, que deverá ser prestada em dez dias. Trata-se de aspecto similar ao que previsto também para o Mandado
de Segurança.
Ademais, poderá o relator, desde logo, ordenar a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano
irreparável, como exemplo específico de uma tutela provisória que pode ser deferida monocraticamente e, a depender
do caso, até mesmo inaudita altera pars (art. 989) . Em todo caso, além da requisição de informações da autoridade
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reclamada, deve-se atender ao contraditório, a partir da citação do beneficiário da decisão impugnada, para que no
prazo de quinze dias apresente sua contestação, ou mediante impugnação de qualquer interessado (art. 990) .
13

Como ocorre com os outros processos de competência originária de Tribunais, o Ministério Público terá vista
do processo na reclamação que não houver formulado, pelo prazo de cinco dias (art. 991) . Sua manifestação deve se
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dar após o decurso dos prazos para informações e contestação, de modo que já estejam reunidos maiores elementos
para que se exerça sua função de custos juris. Essa previsão, entretanto, não impede a rejeição liminar da
reclamação, quando seja manifestamente incabível ou prontamente se identifique que se trata de pretensão contrária
à jurisprudência do Tribunal.
Estando reunidos seus requisitos e atendidas essas etapas procedimentais, a reclamação seguirá para o seu
exame de mérito. Em todo caso, o presidente do Tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão,
independentemente da lavratura do acórdão, que poderá se dar posteriormente (art. 993) . 15

7.DECISÃO FINAL

O ajuizamento da reclamação enseja a análise dos requisitos de admissibilidade e, posteriormente, do mérito –


qual seja, a eventual usurpação da competência do Tribunal para a qual direcionada. Nesse sentido, ante a
inexistência dos elementos aptos a ensejar a admissibilidade da reclamação, esta pode ser liminarmente rejeitada,
sendo, pois, extinta sem resolução do mérito (art. 487).
Por outro lado, prosseguindo-se à análise do mérito, o pedido pode ser deferido – a fim de reconhecer a
usurpação da competência e a aplicação equivocada do precedente – ou indeferido, com a simples manutenção da
decisão reclamada. A decisão de indeferimento possui natureza meramente declaratória.
No entanto, merece destaque a decisão pela procedência do pedido formulado na reclamação. Ao acolher a
reclamação, por conseguinte, cassa-se a decisão reclamada que usurpou a competência do respectivo tribunal ou,
ainda, determina de pronto nova solução à controvérsia instaurada por meio da aplicação correta de entendimento já
manifestado, conforme leciona o art. 992, CPC .16

Na reclamação para preservar a competência do tribunal, é possível, ainda, haver avocação dos autos pelo
Tribunal. Não parece, contudo, que a avocação seja possível na reclamação que visa a garantir a autoridade de
decisão proferida pelo tribunal, eis que configuraria justamente um meio de usurpação.
8.RECURSOS

A decisão proferida em sede de reclamação, por vezes, não é definitiva. Em quaisquer hipóteses, cabe a
oposição de embargos de declaração, o que não revela novidade significativa no contexto do estudo processual
pátrio. Das decisões unipessoais do relator que resolvem monocraticamente a reclamação cabe agravo interno para
que a ação seja apreciada pelo órgão colegiado competente.
Em se tratando de ação originária dos tribunais, da decisão não caberá a interposição de apelação ou agravo de
instrumento. No entanto, quando a reclamação for julgada por Tribunal de segunda instância, admite-se a
interposição de recurso especial ou recurso extraordinário, a depender da violação suscitada.
Interessante tema é quanto ao cabimento de embargos de divergência contra os acórdãos de reclamação
proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal. Mediante a revogação do art. 1.043,
IV, CPC, pela Lei nº 13.256/16, não se afigura possível a oposição de embargos de divergência do acórdão prolatado
por órgão fracionário no julgamento da reclamação.

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