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São Paulo
2022
ANA CAROLINA DE LUNA
São Paulo
2022
ANA CAROLINA DE LUNA
A minha família, meu pai, mãe, irmã e tio Edson por estarem comigo em todos
os momentos da minha vida e serem os maiores apoiadores da minha carreira e
escolhas.
Aos meus colegas e amigos, em especial Gabriel, Pâmela, Fabiana, Vitor e
João Pedro, por terem sido tão presentes na minha formação profissional como
chefes e companheiros, permitindo o meu melhor desempenho na carreira e vida
pessoal.
Um agradecimento especial ao professor Cláudio Langroiva, pelo
acompanhamento e correções essenciais para a conclusão deste trabalho.
RESUMO
A proposta deste estudo foi realizar uma análise aprofundada sobre o novo
artigo 492, inciso I, alínea ‘e’, instituído pela Lei ‘anticrime’, e que legaliza a
execução provisória da pena no Tribunal do Júri, sob a perspectiva dos preceitos
constitucionais mais fundamentais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, passando por toda a análise dos tribunais
superiores e por suas mudanças de entendimento sobre a possibilidade ou não da
execução provisória da pena. Por fim, entendemos, com o decorrer do trabalho e
com as definições nele contidas, que a execução provisória da pena é
inconstitucional e afronta diretamente os principais direitos da Constituição Federal
assegurados por ela a todos que respondem, principalmente, um processo criminal.
É esse o entendimento que se espera que o STF fixe ao julgar o Recurso
Extraordinário 1235340 – Tema 1068, ainda em trâmite na corte.
Art.: artigo;
CF: Constituição Federal do Brasil de 1988;
CNJ: Conselho Nacional de Justiça;
CPP: Código de Processo Penal;
DEPEN: Departamento Penitenciário Nacional;
HC: Habeas Corpus;
Min: Ministro(a);
Nº: Número;
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil;
PCdoB: Partido Comunista do Brasil;
PEN: Partido Ecológico Nacional;
RE: Recurso Extraordinário;
RHC: Recurso em Habeas Corpus;
STF: Supremo Tribunal Federal;
STJ: Superior Tribunal de Justiça;
TRF: Tribunal Regional Federal;
§: Parágrafo;
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIMES) ........................................................ 10
1.1. Histórico e Cenário Político .......................................................................... 10
1.2. As principais mudanças implementadas pelo pacote anticrime ................... 13
1.3. A inserção da possibilidade da execução provisória da pena pelo art. 492,
inciso I, alínea “e” ................................................................................................... 15
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ..................................................................... 19
2.1. Presunção de Inocência ............................................................................... 19
2.2. Duplo Grau de Jurisdição ............................................................................. 22
2.3. Dignidade da Pessoa Humana ..................................................................... 23
2.4. Devido Processo Legal ................................................................................ 25
2.5. Soberania dos vereditos no Tribunal do Júri ................................................ 27
3. DECISÕES IMPORTANTES SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA . 30
3.1. Histórico de decisões relacionadas ao tema ................................................ 30
3.2. Mudanças jurisprudenciais importantes quanto a execução provisória da
pena 32
3.3. Decisões recentes ........................................................................................ 35
4. O MIDIÁTICO CASO DA BOATE KISS .............................................................. 39
5. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1235340 – TEMA 1068 E A EFETIVA
TRATATIVA DO TEMA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PELO STF ........ 45
CONCLUSÃO............................................................................................................ 50
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 52
8
INTRODUÇÃO
Maurício Zanoide de Moraes ensina que esta cláusula restritiva (da espera até
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória) nasceu da intersecção entre a
presunção de inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana 2.
Desta forma, o objetivo norteador deste projeto é demonstrar a direta
inconstitucionalidade da nova previsão legal trazida pela Lei 13.964/2019 (Pacote
Anticrime) e o quanto a prática da execução provisória da pena fere direitos básicos
de todos os que a liberdade está nas mãos do poder judiciário. Analisaremos
decisões históricas e recentes sobre o assunto – principalmente o emblemático caso
do júri da Boate Kiss - para melhor entender a cronologia dos eventos que são
resultado da evolução do punitivismo do Direito Criminal Brasileiro, por meio do qual
criar normas inconstitucionais para punir desenfreadamente tornou-se algo aceitável
aos olhos do legislador e do grande público.
2MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise
de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 445.
10
3 DOLZAN, Márcio; BATISTA, Renata. Moro anuncia ‘Plano Real’ contra a alta criminalidade.
Estadão, 23 de novembro de 2018. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/moro-anuncia-plano-real-contra-alta-criminalidade/>. Acesso em: 21 out. 2022.
11
4SEMER, Marcelo. Populismo e seletividade forjam um sistema carcerário injusto e falido. In: SILVA,
Givanildo, Manoel da (org.). Quebrando as grades: liberdade incondicional. São Paulo: Sefras,
Amparar, 2017, p. 78.
12
5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – teoria do garantismo penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 225.
6 ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Para um processo penal
democrático: crítica à metástase do sistema de controle social. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2011, p.7.
7 BRASIL tem aumento de 5% nos assassinatos em 2020, ano marcado pela pandemia do novo
coronavírus; alta é puxada pela região nordeste. G1, 12 de fevereiro de 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/02/12/brasil-tem-aumento-de-5percent-nos-
assassinatos-em-2020-ano-marcado-pela-pandemia-do-novo-coronavirus-alta-e-puxada-pela-regiao-
nordeste.ghtml Acesso em: 03 out. 2022.
8 ÍNDICE de percepção da corrupção 2021. Transparência Internacional Brasil, 2021. Disponível
Constituição, foi por assegurar que uma pessoa (qualquer que seja) não
possa ser considerada culpada (por qualquer crime) sem a finalização (com
o trânsito em julgado) do respectivo processo penal (qualquer que seja a
competência — do juiz togado ou dos jurados). Não há nada na
Constituição que justifique tratamento diverso aos condenados no Tribunal
do Júri.
8. Além disso, decisão do Júri é decisão de primeira instância e atécnica.
Imagine a incoerência: decisão de juiz togado deve aguardar o trânsito em
julgado para que possa ser executada, conforme posicionamento do próprio
STF, mas decisão dos jurados, baseada em sua íntima convicção, não
precisa. Se não bastasse a violação ao duplo grau de jurisdição (Convenção
Americana de Direitos Humanos), há também contrariedade à garantia de
fundamentação das decisões judiciais, conforme artigo 93, X, da
Constituição.
9. Uma decisão tomada por íntima convicção não pode ter consequências
mais graves do que uma decisão tomada por um juiz togado ou tribunal, em
que se exige ampla fundamentação. Isso é absolutamente contrário ao
sistema normativo brasileiro. O júri decide como quer e não tem
accountability. Sua decisão poderá passar a valer de imediato, mesmo que
absurda e sem nenhuma conexão com a prova dos autos 11.
11 PRISÃO automática após júri é irresponsável e desrespeita o STF, diz Lenio Streck. Conjur, 3 de
abril de 2021. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2021-abr-03/prisao-automatica-juri-
desrespeita-supremo-
lenio#:~:text=Para%20Lenio%2C%20a%20Lei%20%E2%80%9CAnticrime,ser%20at%C3%A9cnica%
20%E2%80%94%20baseada%20na%20%C3%ADntima. Acesso em: 04 out. 2022.
12 Ibidem.
18
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em
processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para
sua defesa13.
13 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos - Adotada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Unicef, [s.d]. Disponível em
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 21 out. 2022.
20
14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
15 BARBIÉRI, Luiz Felipe. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm
16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078. Paciente: Omar Coelho Vitor.
Impetrante: Omar Coelho Vitor. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Eros Grau. Julgado
em: 5 de fevereiro de 2009. Publicado em: 25 de fevereiro de 2010. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531 Acesso em: 19 out.
2022.
22
17Ibidem.
18
SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: Conteúdo e Alcance Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 1999, p.88.
23
Salo. Reformas Penais em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 519.
22 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal: abordagem conforme a Constituição
Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 93.
25
Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no
processo penal é o da proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo
penal como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são,
pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em
julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de
inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição. O objeto primordial da
tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado, o respeito a
sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no processo23.
Por esse motivo, podemos afirmar que a nova disposição da lei ‘anticrime’
fere o princípio da dignidade da pessoa humana e todos os princípios que dela
derivam.
23LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. 7ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p.12.
26
O devido processo legal, por óbvio, relaciona-se com uma série de direitos e
garantias constitucionais, tais como presunção de inocência, duplo grau de
jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que
comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, Juiz natural,
imparcialidade do julgador, direito às vias recursais, proibição de reformatio
in pejus, respeito à coisa julgada(ne bis in idem), proibição de provas
colhidas ilicitamente, motivação de sentenças, celeridade processual,
retroatividade da lei penal benigna, dignidade humana, integridade física,
liberdade e igualdade24.
24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual do Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 26.
25 LIMA, Maria Rosynete, Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999,
p. 180-181.
27
Porém, por mais que parte da doutrina e jurisprudência entenda que esse
princípio é suficiente para alegar a constitucionalidade do artigo 492, inciso I, alínea
‘e’, não é simples assim. Isso porque não podemos dizer que o princípio da
soberania dos vereditos é um princípio absoluto, inclusive o Código de Processo
Penal, em seu artigo 593, inciso III, prevê quatro opções nas quais o recurso de
apelação é cabível nas sentenças proferidas pelos jurados. Segundo as alíneas do
inciso as opções de cabimento da apelação são as seguintes:
26 NUCCI, Guilherme. Realidade da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri. Guilherme Nucci,
2022. Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/realidade-da-soberania-dos-veredictos-tribunal-
juri/. Acesso em: 05 out. 2022.
28
27 Ibidem.
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 174759. Paciente: Aluizo Passos
Araujo.Impetrante: Oseas de Sousa Rodrigues Filho. Coator:
Relator do HC nº 528.469 do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em:
10 de outubro de 2020. Publicado em: 22 de outubro de 2020. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570 Acesso em: 20 out. 2022.
29
Desta forma, por mais que o princípio em análise surja como uma segurança
ao instituto do júri, esta segurança não pode atropelar outros princípios como o do
duplo grau de jurisdição, também basilar do direito processual, ambos devem
conviver de forma harmônica e principalmente proporcional.
Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, criticam a
execução imediata da decisão condenatória do Júri da seguinte forma:
Assim, conforme exposto, pelo fato de o próprio código ter exposto alguns
cabimentos de recurso nas sentenças do júri, e a constituição garantir um devido
processo, com ampla defesa, presunção de inocência, o princípio da soberania dos
vereditos não é absoluto e, assim, o Tribunal tem a possibilidade de determinar um
novo júri. Desta forma, o princípio da soberania dos vereditos não é argumento
suficiente para garantir a constitucionalidade da execução provisória da pena após
condenação pelo Tribunal do Júri.
Após as definições dos capítulos supra quanto ao inciso I, alínea ‘e’, artigo
492 do CPP e sobre os princípios constitucionais que por ele são feridos, trataremos
a seguir de decisões relevantes que embasam o presente trabalho e
fundamentaremos jurisprudencialmente o argumento de que o novo dispositivo
instituído pela lei anticrime atenta contra a Constituição Federal.
30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078. Paciente: Omar Coelho Vitor.
Impetrante: Omar Coelho Vitor. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Eros Grau. Julgado
em: 5 de fevereiro de 2009. Publicado em: 25 de fevereiro de 2010. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531 Acesso em: 19 out.
2022.
31 Ibidem.
32 Ibidem.
32
Neste mesmo sentido, o até então decano do STF, Ministro Celso de Mello:
33 Ibidem.
33
34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016.Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
34
Peço vênia para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance da
Carta de 1988 e emprestar algum significado ao princípio da não
culpabilidade. Qual é esse significado, senão evitar que se execute,
invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para,
selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais,
não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em
conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se, como
se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal,
para o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário37.
35 Ibidem.
36 Ibidem.
37 Ibidem.
35
Desta forma, a Corte decidiu, por 6 votos a 5, que um réu só poderá cumprir
pena se esgotados todos os recursos, transitando em julgado a decisão
condenatória, mudando entendimento anterior, de 2016, que previa a pena após
condenação em segunda instância, entendimento que prevalece até os dias atuais.
Atualmente, quando as mais altas cortes do país proferem decisões
relacionadas ao tema, ainda não é cediço que a pena só deverá ser cumprida após o
trânsito em julgado. O tema ainda encontra controvérsia no STF e STJ. Senão
vejamos:
38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. Agravo Regimental em Habeas Corpus nº 198.392.
Paciente: Rivaldo Dias de Oliveira Junior. Agravantes: Celio Avelino de Andrade, Camila Andrade dos
Santos e Laís Alves Xavier Ramos. Agravado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Roberto
Barroso. Julgado em: 27 de abril de 2021. Publicado em: 12 de maio de 2021. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6120777. Acesso em: 20 out. 2022.
39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. Habeas Corpus nº 118.770. Paciente: Marcel
Ferreira de Oliveira. Impetrante: Marcel Ferreira de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Relator: Min. Roberto Barroso. Julgado em: 01 de junho de 2018. Publicado em: 13 de junho de 2018.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4439699. Acesso em: 20 out.
2022.
38
Ferreira da Silva. Impetrante: Adelmario Alves dos Santos Jorge. Impetrado: Tribunal de Justiça do
Estado do Tocantins. Relator: Min. Rogério Schietti. Julgado em: 13 de setembro de 2022. Publicado
em: 19 de setembro de 2022. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202
201182708&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 20 out. 2022.
39
42TORTELLA, Tiago. Entenda o que acontece após anulação do júri da Boate Kiss. CNN Brasil, 04
de agosto de 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/entenda-o-que-acontece-
apos-a-anulacao-do-juri-da-boate-kiss/. Acesso em: 17 out. 2022.
40
parte, sempre sustentei que tal argumento era bastante forçado, uma vez
que, como se sabe, tal princípio é relativo, como costumam ser os princípios
jurídicos em geral. Tanto é que o próprio Código de Processo Penal autoriza
a desconstituição da decisão tomada pelo Conselho de Sentença quando
esta “for manifestamente contrária à prova dos autos”, além de que é
possível a nulidade do julgamento, hipótese que não é absurda nem tão
rara.
É verdade que, em dezembro de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.964
(denominada Pacote Anticrime), que, entre inúmeras alterações de boa
parte da legislação penal e processual penal, introduziu no art. 492 do
estatuto processual a alínea ‘e’, determinando que, em caso de
condenação, o presidente do Tribunal do Júri “mandará o acusado recolher-
se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os
requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação, a uma pena
igual ou superior a 15 anos de reclusão, determinará a execução provisória
das penas, com expedição de mandado de prisão, se for o caso, sem
prejuízo do conhecimento dos recursos que vierem a ser interpostos”.
Não obstante tal dispositivo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, através
da 5ª e da 6ª Turmas, as duas que detém competência para a matéria
criminal, tem entendimento pacífico de que, na hipótese em tela é descabida
a execução provisória da sentença condenatória pelo Tribunal do Júri.
Saliento que tal posição se mantém após a vigência do novel preceito legal
(...)43.
43 CONDENADOS no caso boate Kiss não podem ser presos, diz desembargador. Conjur, 10 de
dezembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-10/juiz-boate-kiss-nao-
determinar-prisao-reus. Acesso em: 21 out. 2022.
44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Agravo Regimental em Pedido de Tutela
Provisória nº 2.998/RS. Requerente: Silmar Candinho. Requerido: Ministério Público Federal. Relator:
41
Porém, antes mesmo dos alvarás serem expedidos, o parquet entrou com
pedido de suspensão da liminar no Supremo Tribunal Federal e o presidente, Luiz
Fux, deferiu o pedido do Ministério Público e suspendeu a decisão do
desembargador, reiterando a determinação de cumprimento imediato das penas
atribuídas aos réus.
A medida adota por Fux é criticada por diversos juristas, visto que o instituto
da suspensão de segurança, utilizado pelo Ministro para sustar os efeitos da decisão
proferida em sede em Habeas Corpus, não é cabível. A decisão não seguiu as
Requerente: M.M.R. Coator:Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Ribeiro
Dantas. Julgado em: 14 de setembro de 2021. Publicado em: 20 de setembro de 2021.
42
Não obstante a própria decisão pela suspensão do habeas corpus, por si,
seja suficiente para ensejar uma resposta imediata por parte da Comissão,
aponta-se outro grave desrespeito que merece enfrentamento: a
fundamentação do impedimento do habeas corpus no entendimento de que
46 SANTOS, Rafa. Decisão de Fux que anulou HC no caso da boate Kiss foi destaque. Conjur, 18 de
dezembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-18/decisao-fux-anulou-hc-
boate-kiss-foi-destaque. Acesso em: 17 out. 2022.
47 Ibidem.
48 Ibidem.
49 SANTOS, Rafa. Advogados vão à CIDH para suspender decisão de Fux no caso da boate Kiss.
Desta forma, como pudemos ver, o caso da Boate Kiss foi extremamente
emblemático e criticável no ponto em que colocou em destaque, em pleno caso midiático,
o novo artigo implementado pela lei anticrime que prevê a execução provisória da pena.
Conforme visto, os tribunais ainda estão muito conflituosos e receosos para aplicar o
dispositivo, pois percebem o quanto ferem direitos constitucionais básicos dos réus que
enfrentam um processo criminal. O assunto agora está sendo diretamente tratado em um
recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal e será este o tema do próximo
capítulo.
51 VASCONCELLOS, Hygino. Justiça do RS anula condenação por incêndio na boate Kiss; 4 serão
soltos. Notícias UOL, 03 de agosto de 2022. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/08/03/boate-kiss-tj-rs-julga-recursos-
apelacao-santa-maria-porto-alegre.htm. Acesso em: 18 out. 2022.
52 CHAGAS, Gustavo. Caso Kiss: quais as chances de os réus voltarem a ser presos? Veja o que
53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas Corpus n° 499.754/SC. Paciente: Joel
Fagundes da Silva. Impetrante: Carlos Eduardo da Rocha e outros. Impetrado: Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina. Relator: Min. Nefi Cordeiro.Julgado em: 10 mai. 2019. Publicado em: 17
mai. 2019. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201900795539&aplicacao=processos.ea.
Acesso em: 21 out. 2022.
46
Dias Toffoli, no mesmo sentido, entende que nos crimes julgados pelo
Tribunal do Júri, em razão da estatura constitucional desse órgão, em consonância
com a soberania dos vereditos, a condenação deve ser imediatamente cumprida.
Em seguida aos votos dos dois ministros, o Ministro Gilmar Mendes também
proferiu seu voto, mas com o pensamento contrário e alinhado com o que o presente
trabalho defende. Vejamos parte fundamental do explicitado pelo ministro:
Ainda que a apelação da decisão dos Jurados tenha uma cognição limitada,
é por meio de tal recurso que o Tribunal de segundo grau poderá revisar a
sentença tanto em aspectos formais quanto materiais, visto que é possível a
determinação de novo júri se houver o reconhecimento de que a decisão foi
proferida em sentido manifestamente contrário à prova dos autos.
Nesse sentido, não se pode admitir que a execução da condenação
proferida em primeiro grau (ainda que por Tribunal do Júri) se inicie sem que
haja a possibilidade de uma revisão por Tribunal, de modo a assegurar o
controle apto a limitar e, assim, legitimar a incidência do poder punitivo
estatal.
(...) pode-se afirmar que o fundamento do processo penal, sua razão de
existir, é o reconhecimento de que, em um Estado democrático de direito,
uma sanção penal somente pode ser imposta após a obtenção de uma
condenação definitiva com total respeito às regras do devido processo
penal.
E, assim, ele adquire o sentido de ser um instrumento de limitação do poder
punitivo ao condicionar a aplicação de uma sanção penal ao seu transcorrer
e encerramento com uma sentença condenatória, em respeito às regras do
devido processo. (BINDER, Alberto M. La implementación de la nueva
justicia penal adversarial. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2012. p. 74)
Trata-se de sentido compartilhado com os diplomas internacionais de
proteção de direitos humanos, que consolida uma perene tensão entre
legitimação e contenção do sistema punitivo. Desse modo, o Direito Penal
“enquanto saber científico, deve ser construído e compreendido tendo como
horizonte de sentido a restrição, mais hermética possível, ao mais intenso
poder Estatal – o punitivo (potestas puniendi)”. (SCALCON, Raquel Lima.
56 Ibidem.
48
57 Ibidem.
58 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
49
CONCLUSÃO
59 CORTE interamericana de derechos humanos. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai. Corte
Interamericana de derechos humanos, 31 de agosto de 2004. p. 75. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_111_por.pdf. Acesso em: 21 out. 2022.
51
alínea “e” do Código de Processo Penal, implementado pela Lei anticrime, e que traz
o conceito da execução provisória da pena, atenta contra a Constituição Federal e
aos direitos constitucionais adquiridos pelo povo brasileiro.
52
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARBIÉRI, Luiz Felipe. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não
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