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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

ANA CAROLINA DE LUNA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO


TRIBUNAL DO JÚRI

São Paulo
2022
ANA CAROLINA DE LUNA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO


TRIBUNAL DO JÚRI

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de


Direito, sob a orientação do Professor Dr. Cláudio José
Langroiva Pereira, como parte das exigências para obtenção
do título de Bacharel em Direito.

São Paulo
2022
ANA CAROLINA DE LUNA

A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA NO


TRIBUNAL DO JÚRI

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado no Curso de Direito da
Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Direito.
AGRADECIMENTOS

A minha família, meu pai, mãe, irmã e tio Edson por estarem comigo em todos
os momentos da minha vida e serem os maiores apoiadores da minha carreira e
escolhas.
Aos meus colegas e amigos, em especial Gabriel, Pâmela, Fabiana, Vitor e
João Pedro, por terem sido tão presentes na minha formação profissional como
chefes e companheiros, permitindo o meu melhor desempenho na carreira e vida
pessoal.
Um agradecimento especial ao professor Cláudio Langroiva, pelo
acompanhamento e correções essenciais para a conclusão deste trabalho.
RESUMO
A proposta deste estudo foi realizar uma análise aprofundada sobre o novo
artigo 492, inciso I, alínea ‘e’, instituído pela Lei ‘anticrime’, e que legaliza a
execução provisória da pena no Tribunal do Júri, sob a perspectiva dos preceitos
constitucionais mais fundamentais. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
doutrinária e jurisprudencial sobre o tema, passando por toda a análise dos tribunais
superiores e por suas mudanças de entendimento sobre a possibilidade ou não da
execução provisória da pena. Por fim, entendemos, com o decorrer do trabalho e
com as definições nele contidas, que a execução provisória da pena é
inconstitucional e afronta diretamente os principais direitos da Constituição Federal
assegurados por ela a todos que respondem, principalmente, um processo criminal.
É esse o entendimento que se espera que o STF fixe ao julgar o Recurso
Extraordinário 1235340 – Tema 1068, ainda em trâmite na corte.

Palavras-chave: Inconstitucionalidade; ‘anticrime’; inocência; execução; júri;


provisória.
ABSTRACT
The purpose of this study was to carry out an in-depth analysis of the new
article 492, I, paragraph 'e', established by the 'anti-crime' Law, which legalizes the
provisional execution of the sentence in the Jury Court, from the perspective of the
most fundamental constitutional precepts. For that, a doctrinal and jurisprudential
research was carried out on the subject, going through all the analysis of the higher
courts and their changes in understanding about the possibility or not of the
provisional execution of the sentence. Finally, we understand, in the course of the
work and with the definitions contained therein, that the provisional execution of the
sentence is unconstitutional and directly affronts the main rights of the Federal
Constitution guaranteed by it to all who respond, mainly, to a criminal process. This is
the understanding that the STF is expected to establish when judging the
Extraordinary Appeal 1235340 - Theme 1068, still pending in court.

Keywords: Unconstitutionality; 'anti-crime'; innocence; execution; jury; provisional.


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art.: artigo;
CF: Constituição Federal do Brasil de 1988;
CNJ: Conselho Nacional de Justiça;
CPP: Código de Processo Penal;
DEPEN: Departamento Penitenciário Nacional;
HC: Habeas Corpus;
Min: Ministro(a);
Nº: Número;
OAB: Ordem dos Advogados do Brasil;
PCdoB: Partido Comunista do Brasil;
PEN: Partido Ecológico Nacional;
RE: Recurso Extraordinário;
RHC: Recurso em Habeas Corpus;
STF: Supremo Tribunal Federal;
STJ: Superior Tribunal de Justiça;
TRF: Tribunal Regional Federal;
§: Parágrafo;
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIMES) ........................................................ 10
1.1. Histórico e Cenário Político .......................................................................... 10
1.2. As principais mudanças implementadas pelo pacote anticrime ................... 13
1.3. A inserção da possibilidade da execução provisória da pena pelo art. 492,
inciso I, alínea “e” ................................................................................................... 15
2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ..................................................................... 19
2.1. Presunção de Inocência ............................................................................... 19
2.2. Duplo Grau de Jurisdição ............................................................................. 22
2.3. Dignidade da Pessoa Humana ..................................................................... 23
2.4. Devido Processo Legal ................................................................................ 25
2.5. Soberania dos vereditos no Tribunal do Júri ................................................ 27
3. DECISÕES IMPORTANTES SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA . 30
3.1. Histórico de decisões relacionadas ao tema ................................................ 30
3.2. Mudanças jurisprudenciais importantes quanto a execução provisória da
pena 32
3.3. Decisões recentes ........................................................................................ 35
4. O MIDIÁTICO CASO DA BOATE KISS .............................................................. 39
5. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1235340 – TEMA 1068 E A EFETIVA
TRATATIVA DO TEMA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PELO STF ........ 45
CONCLUSÃO............................................................................................................ 50
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................... 52
8

INTRODUÇÃO

O presente projeto de Tese Láurea tem como tema a análise da


inconstitucionalidade do artigo 492, I, alínea “e” do Código de Processo Penal -
instituído pelo pacote anticrimes – o qual estabeleceu a execução provisória da pena
por condenação no Tribunal do Júri a mais de 15 anos, sob a ótica dos princípios
constitucionais, principalmente do princípio da presunção de inocência e do duplo
grau de jurisdição.
O polêmico pacote anticrimes, em vigor desde o começo de 2020, trouxe
como alteração importante a possibilidade de quando um agente for condenado no
Tribunal do Júri por pena maior a 15 anos já se começar a executar provisoriamente
a pena instituída. Isso quer dizer que, após a sessão do júri que condenar o réu a
um montante de pena superior a 15 anos o agente já sairá direto a penitenciária,
sem a possibilidade de aguardar em liberdade resultados de recursos
posteriormente interpostos por sua defesa.
Esta estipulação está agora positivada no artigo 492, inciso I, alínea “e”, do
Código de Processo Penal e é diretamente contrária aos princípios constitucionais
da presunção de inocência (art. 5º, inciso LVII da Lei Magna), do duplo grau de
jurisdição (comando implícito constituído a partir do art. 5º, inciso LV), do devido
processo legal (art. 5º, inciso LIV, da CF) e da dignidade da pessoa humana (art. 1º,
inciso III do mesmo dispositivo legal).
Como bem adverte Nereu José Giacomolli:

Em essência, o ser humano nasce inocente, permanece inocente até que o


Estado afaste esse estado natural e jurídico, de modo consistente, através
do devido processo constitucional e convencional, do devido processo
(acusação, processo, ampla defesa, provas suficientes, debate contraditório,
decisão judicial fundamentada, duplo pronunciamento)1.

O que a nova estipulação do Código de Processo Penal faz é, na verdade,


ignorar o direito do réu de ser visto como inocente até o trânsito em julgado da
sentença penal condenatória é um direto desrespeito a cláusula restritiva que o
constituinte expressamente estabeleceu. .

1GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição


Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 93.
9

Maurício Zanoide de Moraes ensina que esta cláusula restritiva (da espera até
o trânsito em julgado da sentença penal condenatória) nasceu da intersecção entre a
presunção de inocência, o devido processo legal e a dignidade da pessoa humana 2.
Desta forma, o objetivo norteador deste projeto é demonstrar a direta
inconstitucionalidade da nova previsão legal trazida pela Lei 13.964/2019 (Pacote
Anticrime) e o quanto a prática da execução provisória da pena fere direitos básicos
de todos os que a liberdade está nas mãos do poder judiciário. Analisaremos
decisões históricas e recentes sobre o assunto – principalmente o emblemático caso
do júri da Boate Kiss - para melhor entender a cronologia dos eventos que são
resultado da evolução do punitivismo do Direito Criminal Brasileiro, por meio do qual
criar normas inconstitucionais para punir desenfreadamente tornou-se algo aceitável
aos olhos do legislador e do grande público.

2MORAES, Maurício Zanoide de. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise
de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 445.
10

1. LEI 13.964/2019 (PACOTE ANTICRIMES)

A Lei 13.964 de 24 de dezembro de 2019, instituiu o pacote anticrime. O


famoso pacote nada mais é que um conjunto de normas – de iniciativa do Ministério
da Justiça e Segurança Pública - que alteram substancialmente a Legislação Penal,
Processual Penal e Leis Extravagantes. Em maioria, as mudanças tornaram penas
mais rígidas para crimes mais graves, bem como sua progressão. O objetivo
principal do projeto anticrime está em seu próprio nome. Ou seja, visava-se, por
meio de um Direito Penal mais rígido e punitivo, combater mazelas sociais como a
corrupção, o crime organizado, crimes que fossem praticados por meio de violência
ou que gerassem repulsa social.
O Ministro da Justiça à época, Sérgio Moro, se referiu ao supracitado pacote
como “uma espécie de Plano Real contra a criminalidade” 3. De acordo com o artigo
1º da Lei em questão, o pacote nasceu como forma de aperfeiçoamento da
legislação penal e processual penal.
Desta forma, após esta breve introdução sobre o tema, vejamos o histórico e
o cenário político em que o pacote foi instituído, as principais mudanças e a inserção
do artigo 492, inciso I, alínea ‘e’ para que entendamos melhor sobre o tema aqui
proposto.

1.1. Histórico e Cenário Político


A Lei anticrimes foi sancionada em 24 de dezembro de 2019 e entrou em
vigência na data de 23 de janeiro de 2020. Desde janeiro de 2019, o Brasil é
presidido por Jair Bolsonaro, político eleito pela população brasileira, tendo como
principal discurso o combate a corrupção e o conservadorismo, principalmente em
matéria de Direito Penal. Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 após o impeachment em
2016 da presidente Dilma Rousseff, candidata petista cujo partido já presidia o país
a 13 anos.
O clima no país já era de muita revolta popular desde 2014, ano em que
explodiu a Operação Lava Jato – iniciativa de combate à corrupção e lavagem de

3 DOLZAN, Márcio; BATISTA, Renata. Moro anuncia ‘Plano Real’ contra a alta criminalidade.
Estadão, 23 de novembro de 2018. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/moro-anuncia-plano-real-contra-alta-criminalidade/>. Acesso em: 21 out. 2022.
11

dinheiro iniciada em 2014, a qual acusou e prendeu diversos políticos relevantes - e


milhares de brasileiros clamavam por uma política sem corrupção e leis mais
severas. Essa onda punitivista no país foi essencial para eleição de Bolsonaro e
para o populismo do Juiz Sérgio Moro, juiz que determinou a prisão do ex-presidente
Luís Inácio Lula da Silva, impedindo que o candidato, o qual possuía a maior
intenção de votos na eleição de 2018, competisse ao cargo contra Jair Bolsonaro.
Após este episódio, Bolsonaro, já empossado presidente, nomeou Sérgio
Moro como Ministro da Justiça e Segurança Pública. Moro, até então, era conhecido
apenas por ser o juiz federal de Curitiba competente para julgar casos de grande
comoção popular da Operação Lava Jato e por determinar a prisão do ex-presidente
Lula.
Com discursos populistas voltados ao combate da corrupção, Bolsonaro e
Moro ocupavam cargos relevantes no Poder Executivo e não hesitaram em
desenvolver o pacote de normas punitivistas nomeado ‘anticrime’, o qual viria a ser
aprovado rapidamente no Congresso Nacional devido a todo clamor popular que o
assunto gerava.
É neste contexto de instabilidade política e punitivismo, que entrou em
vigência o pacote anticrimes. Os eleitores do presidente e adoradores do ex-juiz e
Ministro Sérgio Moro cobraram firmemente que mudanças estruturais – as quais
punissem severamente crimes vistos como mais relevantes – acontecessem.
Os problemas relacionados ao pacote anticrimes residem no fato de como o
direito ficou diretamente atrelado à mídia, ou seja, com o objetivo de satisfazer
clamores populares de indivíduos os quais não são técnicos no assunto, o pacote foi
incrementado para satisfação dessa parcela da população.
Desta forma, não foram pensadas concretamente propostas que focassem na
implementação de leis embasadas teoricamente e com a devida análise de uma
política criminal efetiva. Segundo Marcelo Semer no populismo penal “símbolos são
vendidos como soluções para a criminalidade e o constante estímulo ao medo que a
mídia, dentre outros agentes ativos, impõe a nosso cotidiano”4.
Ferrajoli ensina que:

4SEMER, Marcelo. Populismo e seletividade forjam um sistema carcerário injusto e falido. In: SILVA,
Givanildo, Manoel da (org.). Quebrando as grades: liberdade incondicional. São Paulo: Sefras,
Amparar, 2017, p. 78.
12

Com efeito, o objetivo da eficácia das proibições penais não condiciona, de


nenhuma forma, a quantidade e a qualidade das penas. Ao contrário,
sugere a máxima crueldade punitiva. "A intimidação", disse Francesco
Carrara, "leva as penas a um aumento perpetuamente progressivo, vez que
o delito cometido, demonstrando positivamente que aquele culpado não
teve medo daquela pena, persuade a que, visando atemorizar os demais,
seja necessário aumentá-la"5.

Nas palavras de Alexandre Moraes da Rosa e Sylvio Lourenço da Silveira


Filho:

Atualmente, experimenta-se a era do expansionismo penal(izante). Há


verdadeira sobreposição do discurso alarmista (de terror e do risco – Beck)
acerca da ameaça da criminalidade sobre a ótica substancialmente
democrática na solução dos inevitáveis conflitos sociais. O combate aos
crimes e aos criminosos parece – ilusoriamente – encerrar o grande desafio
da sociedade contemporânea 6.

Desta forma, o pensamento punitivista levou com que medidas desesperadas


e ineptas fossem incrementadas, como é o caso de alguns dos artigos adicionados
pela lei ‘anticrime’ – os quais destrincharemos no próximo tópico. Exemplo claro do
não funcionamento da aplicação de leis mais severas do pacote anticrimes está no
fato de que o ano de 2020 foi marcado por uma alta no número de assassinatos 7. E
que, além disso, o índice de percepção da corrupção de 2021 – já com 2 anos de
governo Bolsonaro e com o pacote operante - classificou o Brasil como 96° lugar na
lista, com 38 pontos8, sendo identificado como um país com graves problemas de
corrupção e permanecendo na mesma posição em que estava em 2017.

5 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão – teoria do garantismo penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002, p. 225.
6 ROSA, Alexandre Morais da; FILHO, Sylvio Lourenço da Silveira. Para um processo penal

democrático: crítica à metástase do sistema de controle social. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Lumen Juris, 2011, p.7.
7 BRASIL tem aumento de 5% nos assassinatos em 2020, ano marcado pela pandemia do novo

coronavírus; alta é puxada pela região nordeste. G1, 12 de fevereiro de 2021. Disponível em:
https://g1.globo.com/monitor-da-violencia/noticia/2021/02/12/brasil-tem-aumento-de-5percent-nos-
assassinatos-em-2020-ano-marcado-pela-pandemia-do-novo-coronavirus-alta-e-puxada-pela-regiao-
nordeste.ghtml Acesso em: 03 out. 2022.
8 ÍNDICE de percepção da corrupção 2021. Transparência Internacional Brasil, 2021. Disponível

em: https://transparenciainternacional.org.br/ipc/ Acesso em: 03 out. 2022.


13

1.2. As principais mudanças implementadas pelo pacote anticrime


Para melhor entender e exemplificar quais foram as medidas punitivistas
adotadas pelo pacote ‘anticrimes’, listaremos neste capítulo alguns dos artigos
implementados pela lei 13.964/19.
A mudança que provocou mais espetacularização e mais foi apoiada por parte
da população que exigia um Direito Penal mais ríspido, foi a mudança do tempo
máximo de cumprimento das penas privativas de liberdade, que passou de 30 para
40 anos. O artigo 75, do Código Penal, desta forma, foi alterado para constar o limite
máximo de 40 anos imposto pelo pacote.
Desta forma, o legislador altera a lei para poder manter condenados por mais 10
anos na prisão. O pacote ignora a realidade catastrófica das prisões brasileiras,
segundo o DEPEN, órgão do Ministério da Justiça, 997 das prisões brasileiras têm
mais de 110% da capacidade ocupada e outras 276 tem a ocupação superior a
200%, sobrando vagas em apenas 363 prisões brasileiras9.
Os dados são alarmantes, prova disso é que no ano passado, já na vigência
do pacote, o diplomata peruano Juan Pablo Vegas, Integrante do Subcomitê da
Organização das Nações Unidas para Prevenção da Tortura, criticou as ações
tomadas até então pelo Brasil para evitar a superlotação e violência do sistema
penitenciário. A mudança do artigo em questão, apenas faz com que as cadeias
fiquem mais cheias por mais tempo, ao invés do correto foco na reintegração –
finalidade principal da pena -, e os condenados vivam cada vez mais em condições
sub-humanas, gerando natural revolta e violência dentro do sistema carcerário.
Neste sentido, Júlio Mirabete destaca:

A pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, estigmatiza o


recluso, impedindo sua plena reincorporação ao meio social. A prisão não
cumpre a sua função ressocializadora. Serve como instrumento para a
manutenção da estrutura social de dominação10.

Além disso, o pacote de leis também alterou substancialmente a porcentagem


para a progressão de regimes. Antes, não se fazia diferenciação da reincidência
específica ou não, assim como não se tinha porcentagem específica para crimes
cometidos com ou sem grave ameaça ou violência.
9 ONU vê tortura em presídios como “problema estrutural do Brasil”. Câmara dos Deputados, 22 de
setembro de 2021. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/809067-onu-ve-tortura-em-
presidios-como-problema-estrutural-do-brasil/. Acesso em: 03 out. 2022.
10 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Execução penal. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 24.
14

Neste sentido, a mudança do pacote trouxe, com a mudança do artigo 112,


uma maior porcentagem (70%) para progressão de regime em caso de reincidência
de crime hediondo com resultado morte, vedando o livramento condicional. Apesar
disso, vejo como positiva a diferenciação entre a reincidência específica e a não
específica, visto que pode beneficiar o condenado em alguns casos.
Outra modificação que exemplifica o enrijecimento legal do pacote é o novo
requisito adicionado ao artigo 83, inciso III, alínea ‘b’, do Código Penal – que trata do
livramento condicional. De acordo com o novo dispositivo, caso o condenado tenha
cometido falta grave nos últimos 12 (doze) meses o juiz não poderá conceder o
livramento condicional, ou seja, o juiz ficará impossibilitado de conceder benefício
que permite o cumprimento da pena em liberdade até a extinção da pena, mesmo
que o Ministério Público e Conselho Penitenciário concordem com a medida no caso
concreto – outros dois requisitos para que seja concedido o livramento. O bom
comportamento será readquirido apenas após 1 (um) ano da ocorrência do fato.
O novo artigo 28-A, § 2º, inciso II do Código de Processo Penal prevê a figura
do criminoso habitual, reiterado ou profissional o qual seria diferenciado e verificado
através de “elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada
ou profissional”. Ao constatar algumas destas características, as quais aconteceriam
em tese antes da própria condenação, haveria justificativa do recrudescimento em
prejuízo do agente. Ou seja, a partir de características amplas, visto que não é feito
um rol taxativo de quais estas seriam no próprio artigo, um indivíduo poderia receber
um tratamento diferenciado e mais rígido.
Desta forma, conforme explicitado, pudemos ver que o pacote anticrimes
trouxe diversas alterações punitivistas focando apenas em satisfazer parcela da
população que acredita no enrijecimento penal e convicções próprias. O perigo
dessas alterações legislativas está na superlotação do sistema penitenciário; na não
garantia de direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal – tópico
que destrincharemos no próximo capítulo -; na não propositura de uma política de
segurança pública efetiva comprovada por meio de estudos do tema; e no possível
desenrolar de revoltas por injustiças que atingirão populações mais vulneráveis a
essas medidas.
15

1.3. A inserção da possibilidade da execução provisória da pena pelo art.


492, inciso I, alínea “e”
No tópico em epígrafe, após esclarecermos sobre o contexto e as demais
mudanças legislativas acometidas pela lei ‘anticrime’, trataremos diretamente da
inserção a qual esse trabalho se destina analisar, ou seja, da execução provisória da
pena após condenação por mais de 15 anos no Tribunal do Júri - artigo 492, inciso I,
alínea “e”.
O pacote ‘anticrime’ trouxe como inserção no artigo 492 do Código de
Processo Penal a alínea ‘e’ do inciso I, a qual determina que caso de condenação no
Tribunal do Júri o juiz presidente:

Mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão em que se


encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de
condenação a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado
de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que
vierem a ser interpostos.

Desta forma, segundo o artigo mencionado, o qual ensejou a presente


pesquisa científica, caso o réu no Tribunal do Júri receba uma condenação igual ou
maior do que 15 anos ele já irá de forma automática para cadeia cumprir sua pena
provisoriamente, mesmo não tendo sua condenação transitado em julgado, ou seja,
com recursos ainda cabíveis.
É importante destacar que antes da alteração contida na lei ‘anticrime’ a
mesma alínea do artigo em questão autorizava o recolhimento à prisão, ou sua
recomendação, “se presentes os requisitos da prisão preventiva”. Situação bem
diferente é a de agora, visto que, a autorização direta da decretação da prisão após
proferida a sentença do júri configura uma execução provisória, e é este o problema
em questão.
Este artigo, assim como os outros mencionados no tópico acima, não
representa nada além de uma forma do Legislativo e Executivo usarem do Direito
Penal causando insegurança jurídica com a vigência de dispositivo legal que afronta,
diretamente, a ordem constitucional e seus princípios basilares, principalmente o da
presunção de inocência.
16

Junto a ele, o Legislativo adicionou outros quatro parágrafos relacionados ao


inciso I, alínea ‘e’. São eles os §§ 3º, 4º, 5º e 6º do artigo 492, do Código de
Processo Penal. O primeiro desses parágrafos – o 3° - prevê que:

O presidente poderá, excepcionalmente, deixar de autorizar a execução


provisória das penas de que trata a alínea e do inciso I do caput deste
artigo, se houver questão substancial cuja resolução pelo tribunal ao qual
competir o julgamento possa plausivelmente levar à revisão da condenação.

Parece que, enquanto se pensava no conteúdo dos artigos que seriam


inseridos com a lei, um pingo de sensatez avisou-os da inconstitucionalidade da
adição, e como forma de corrigi-la adicionou-se o parágrafo.
Porém, a inserção é insuficiente, visto que o artigo em si não poderia ter sido
adicionado, não é constitucional a execução provisória, podendo ser ela autorizada
ou não pelo juiz, apenas o fato da possibilidade já é uma afronta a Constituição
Federal.
Os parágrafos seguintes dizem respeito ao fato de não possuir efeito
suspensivo do recurso de apelação interposto contra decisão condenatória do
Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 (quinze) anos de reclusão, a não
ser se determinado pelo Tribunal.
Ou seja, para garantir a imediata eficácia da nova disposição, o legislador
também determinou que, a não ser em casos de pedido expresso e anuência do
Tribunal, a apelação não fará com que a sentença do Tribunal do Júri não surte
efeitos até que ocorra o novo julgamento do recurso.
Desta forma, o legislador adicionou estes novos parágrafos para afirmar e
reforçar a eficácia do artigo inconstitucional trazido pela lei ‘anticrime’. Assim,
mesmo se a defesa do réu optar e entender que a decisão do Tribunal do Júri é
equivocada, a apelação não terá sua natural força de suspender a eficácia da
sentença expressa. Esses parágrafos permitem e asseguram a afronta aos
princípios constitucionais do art. 492, inciso I, alínea ‘e’ que aqui tratamos.
O conhecido jurista brasileiro Lênio Streck fez um importante apontamento
sobre o tema em parecer para o Conselho Federal da OAB, o qual, posteriormente,
ensejou uma Ação Declaratória de Inconstitucionalidade. Segundo o jurista:

7. É basilar da nossa democracia. A opção, feita na Assembleia Nacional


Constituinte de 1987/1988 e materializada no mencionado artigo 5º, LVII, da
17

Constituição, foi por assegurar que uma pessoa (qualquer que seja) não
possa ser considerada culpada (por qualquer crime) sem a finalização (com
o trânsito em julgado) do respectivo processo penal (qualquer que seja a
competência — do juiz togado ou dos jurados). Não há nada na
Constituição que justifique tratamento diverso aos condenados no Tribunal
do Júri.
8. Além disso, decisão do Júri é decisão de primeira instância e atécnica.
Imagine a incoerência: decisão de juiz togado deve aguardar o trânsito em
julgado para que possa ser executada, conforme posicionamento do próprio
STF, mas decisão dos jurados, baseada em sua íntima convicção, não
precisa. Se não bastasse a violação ao duplo grau de jurisdição (Convenção
Americana de Direitos Humanos), há também contrariedade à garantia de
fundamentação das decisões judiciais, conforme artigo 93, X, da
Constituição.
9. Uma decisão tomada por íntima convicção não pode ter consequências
mais graves do que uma decisão tomada por um juiz togado ou tribunal, em
que se exige ampla fundamentação. Isso é absolutamente contrário ao
sistema normativo brasileiro. O júri decide como quer e não tem
accountability. Sua decisão poderá passar a valer de imediato, mesmo que
absurda e sem nenhuma conexão com a prova dos autos 11.

Conforme destaca o jurista, além de ferir o princípio da presunção de


inocência, o dispositivo legal fere o princípio da isonomia e causa
desproporcionalidade entre as consequências de decisões do júri e de decisões de
um juiz togado. Sendo assim, se em casos diferentes um réu comete um crime visto
como ‘mais grave’ pois fere dois bens jurídicos (patrimônio e vida) e recebe uma
pena mais alta, mas é julgado em vara comum – como no caso do latrocínio ou um
estupro seguido de morte – ele pode esperar o trânsito em julgado fora da cadeia,
mas o réu julgado no júri não.
Neste sentido, Streck também afirma em seu mesmo parecer:

Existe qualquer ressalva na própria Constituição sobre a excepcionalidade


da execução de sentença condenatória criminal proferida pelo Tribunal do
Júri? Não. Se fosse o caso de se permitir a execução antecipada, a ressalva
deveria constar do próprio texto constitucional, nunca a partir de medida
legislativa que crie um tratamento diferenciado a situações abordadas da
mesma forma pela Constituição12.

Desta forma, o artigo além de ser uma afronta a princípios constitucionais –


os quais trataremos no próximo capítulo -, também causa desproporcionalidade e
falta de isonomia por trazer consequências mais negativas aos julgados pelo

11 PRISÃO automática após júri é irresponsável e desrespeita o STF, diz Lenio Streck. Conjur, 3 de
abril de 2021. Disponível em:https://www.conjur.com.br/2021-abr-03/prisao-automatica-juri-
desrespeita-supremo-
lenio#:~:text=Para%20Lenio%2C%20a%20Lei%20%E2%80%9CAnticrime,ser%20at%C3%A9cnica%
20%E2%80%94%20baseada%20na%20%C3%ADntima. Acesso em: 04 out. 2022.
12 Ibidem.
18

Tribunal do Júri, configurando uma ameaça à segurança jurídica, objetivo principal


de um Estado Democrático de Direito.
19

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS

Após estudarmos mais profundamente sobre o que se trata a alteração


trazida pelo pacote ‘anticrime’, vamos agora abordar os importantes princípios
constitucionais os quais ela fere diretamente. Ou seja, analisaremos e faremos a
concepção das principais normas fundamentais da Constituição Brasileira.
Juntamente, estudaremos de que maneira elas são atingidas pela mudança
legislativa aqui em discussão – a execução provisória da pena após condenação de
15 ou mais anos pelo Tribunal do Júri – para que possamos, ao fim, concluir pela
inconstitucionalidade do artigo 492, inciso I, alínea ‘e’ do Código de Processo Penal.

2.1. Presunção de Inocência


O princípio constitucional da presunção de inocência está explícito no artigo
5º, inciso LVII, da Constituição Federal e possui como premissa básica que ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória,
ou seja, todos são inocentes até que decisão que determine o contrário não aceite
mais recursos, não sendo mais possível realizar alterações.
Na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o Princípio da
Presunção de Inocência ganhou repercussão e importância universal. A partir da
Declaração dos Direitos Humanos, da ONU, em 1948:

Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não se prova sua culpabilidade, de acordo com a lei e em
processo público no qual se assegurem todas as garantias necessárias para
sua defesa13.

Em seguida, o Congresso Nacional, pelo Decreto Legislativo nº 27 de 1992, e


com a Carta de Adesão do Governo Brasileiro, aprovou e anuiu-se à Convenção
Americana sobre Direitos Humanos - ou Pacto de São José da Costa Rica - que
estabeleceu em seu art. 8º, inciso I, o Princípio da presunção de inocência ao
afirmar que: “Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua
inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa”.

13 DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos - Adotada e proclamada pela Assembleia Geral
das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948. Unicef, [s.d]. Disponível em
https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 21 out. 2022.
20

Este princípio é o maior norteador do direito penal e constitucional e assim


deve ser, visto que, em um Estado Democrático e Social de Direito, todos os
cidadãos devem ter a certeza de que o Estado apenas será permitido de usar sua
força para coibir atitudes que tenham ocorrido de fato e que tenham ferido as
normas pré estabelecidas no correspondente ordenamento jurídico.
Neste sentido, o voto do Ministro Celso de Mello no Habeas Corpus 126.292
destaca pontos extremamente importante, vejamos:

Mostra-se importante assinalar, neste ponto, Senhor Presidente, que a


presunção de inocência, legitimada pela ideia democrática – não obstante
golpes desferidos por mentes autoritárias ou por regimes autocráticos que
absurdamente preconizam o primado da ideia de que todos são culpados
até prova em contrário (!?!?) –, tem prevalecido, ao longo de seu virtuoso
itinerário histórico, no contexto das sociedades civilizadas, como valor
fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana.
Não foi por outra razão que a Declaração Universal de Direitos da Pessoa
Humana, promulgada em 10/12/1948, pela III Assembleia Geral da ONU,
em reação aos abusos inomináveis cometidos pelos regimes totalitários
nazi-fascistas, proclamou, em seu art. 11, que todos presumem-se
inocentes até que sobrevenha definitiva condenação judicial.
Essa mesma reação do pensamento democrático, que não pode nem deve
conviver com práticas, medidas ou interpretações que golpeiem o alcance e
o conteúdo de tão fundamental prerrogativa assegurada a toda e qualquer
pessoa, mostrou-se presente em outros importantes documentos
internacionais (...)14.

Defender e respeitar esse princípio constitucional se torna ainda mais


importante quando o trazemos para a realidade brasileira, visto que, segundo o CNJ
no atual sistema carcerário brasileiro cerca de 41% dos presos são provisórios15, ou
seja, são presos sem sentença irrecorrível que ateste que sua condição natural de
inocente já não se perdura.
Podemos dizer que essa informação revela um problema sistêmico em nosso
país, punimos muito – a esmagadora maioria das cadeias possui mais de 100% da

14 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
15 BARBIÉRI, Luiz Felipe. CNJ registra pelo menos 812 mil presos no país; 41,5% não têm

condenação. G1, 17 de julho de 2019. Disponível em:


https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/17/cnj-registra-pelo-menos-812-mil-presos-no-pais-
415percent-nao-tem-condenacao.ghtml. Acesso em: 04 out. 2022.
21

capacidade esgotada e quase metade dos presos não possuem condenação


transitada em julgado – e, mesmo assim, a violência não cessa.

Em 2009, o Supremo Tribunal Federal, no Habeas Corpus 84.078, reviu a


decisão anterior e, por grande maioria (7 a 4), consagrou o respeito ao princípio da
não culpabilidade nos termos assegurados pela Constituição Federal de 1988, em
seu inciso LVII do art. 5º. Na época, o Ministro Eros Grau, relator do HC, já expos a
inconstitucionalidade da execução provisória da pena, senão vejamos:

(...) Aliás a nada se prestaria a Constituição se esta Corte admitisse que


alguém viesse a ser considerado culpado --- e ser culpado equivale a
suportar execução imediata de pena --- anteriormente ao trânsito em julgado
de sentença penal condenatória. Quem lê o texto constitucional em juízo
perfeito sabe que a Constituição assegura que nem a lei, nem qualquer
decisão judicial imponham ao réu alguma sanção antes do trânsito em
julgado da sentença penal condenatória. Não me parece possível, salvo se
for negado préstimo à Constituição, qualquer conclusão adversa ao que
dispõe o inciso LVII do seu artigo 5o. Apenas um desafeto da Constituição --
lembro-me aqui de uma expressão de GERALDO ATALIBA, exemplo de
dignidade, jurista maior, maior, muito maior do que pequenos arremedos de
jurista poderiam supor --- apenas um desafeto da Constituição admitiria que
ela permite seja alguém considerado culpado anteriormente ao trânsito em
julgado de sentença penal condenatória. Apenas um desafeto da
Constituição admitiria que alguém fique sujeito a execução antecipada da
pena de que se trate. Apenas um desafeto da Constituição16.

O Ministro, além disso, traz a mesma reflexão quando a prisão em segunda


instância, mais tarde reanalisada pelo STF. Eros Grau lembra bem de outro princípio
constitucional diretamente atrelado ao da presunção de inocência, veja-se:

A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser


decretada a título cautelar. Lembro, a propósito, o que afirma ROGÉRIO
LAURIA TUCCI, meu colega de docência na Faculdade de Direito do Largo
de São Francisco: "o acusado, como tal, somente poderá ter sua prisão
provisória decretada quando esta assuma natureza cautelar, ou seja, nos
casos de prisão em flagrante, de prisão temporária, ou de prisão
preventiva". A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito.
Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza
extraordinária. Por que não haveria de ser assim? Se é ampla, abrange
todas e não apenas algumas dessas fases. Por isso a execução da
sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também,

16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078. Paciente: Omar Coelho Vitor.
Impetrante: Omar Coelho Vitor. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Eros Grau. Julgado
em: 5 de fevereiro de 2009. Publicado em: 25 de fevereiro de 2010. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531 Acesso em: 19 out.
2022.
22

restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a


pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa
pretensão17.

Desta forma, podemos perceber que o princípio da presunção de inocência –


basilar da Constituição Federal – é o princípio mais afetado com a inserção da alínea
do artigo em análise.

2.2. Duplo Grau de Jurisdição


Outro princípio fundamental do direito brasileiro e diretamente atingido pelo
novo artigo que aqui tratamos é o princípio do duplo grau de jurisdição. Este
princípio consiste em dar a possibilidade de a parte discutir a sentença já proferida
em diferente instância, instância essa superior hierárquica na estrutura jurisdicional
se comparada a que proferiu a decisão a qual se recorre. Sendo assim, o princípio
nada mais é que a expressão do direito ao reexame de uma decisão judicial.
Para Djanira Maria Radamés de Sá (1999, p.88), o duplo grau de jurisdição
consiste na:

(...) possibilidade de reexame, de reapreciação da sentença definitiva


proferida em determinada causa, por outro órgão de jurisdição que não o
prolator da decisão, normalmente de hierarquia superior18.”.

Este importante princípio está previsto implicitamente na Constituição Federal


e representa uma importante segurança para o réu de que caso o juízo de primeira
instância tenha proferido uma decisão injusta ou ilegal, ele poderá recorrer e ter a
devida revisão por um órgão hierarquicamente superior e tecnicamente com mais
experiência do que o que proferiu a sentença em primeiro grau.
Apesar de não haver previsão expressa na Constituição Federal, o artigo 5º,
inciso LV, da CF assegura aos litigantes em processo judicial e acusados em geral o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes. O princípio
possui previsão expressa no Pacto de San José da Costa Rica (Convenção

17Ibidem.
18
SÁ, Djanira Maria Radamés de. Duplo grau de jurisdição: Conteúdo e Alcance Constitucional.
São Paulo: Saraiva, 1999, p.88.
23

Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto n. 678, de 1992), no


art. 8º, item 2º, h o qual prevê que:

Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua


inocência enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o
processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes
garantias mínimas: (...) h) direito de recorrer da sentença a juiz ou tribunal
superior.

Conforme os artigos transcritos acima, é uma garantia que qualquer um que


esteja sendo processado terá o direito de receber uma revisão de um órgão
hierarquicamente superior que ateste a legalidade, justiça e assertividade da decisão
que o condenou.
Porém, os réus que forem condenados a mais de 15 anos no Tribunal do Júri
possuem essa prerrogativa abalada, como se a primeira decisão definitiva em seu
processo e fosse suficiente para o deixar preso. Por mais que o Tribunal depois
reveja a decisão do júri e entenda diferente, o réu já estará cumprindo pena, que
deveria ser o último resultado de seu processo após ter tido todo direito possível de
resposta e afirmação do poder judiciário.
Assim, adiantar esse processo, sendo que o réu ainda poderá ter uma
sentença diferente, é injusto e desrespeita diretamente o princípio do duplo grau de
jurisdição, visto que, por mais que a competência no caso seja do Tribunal do Júri, a
legislação entende que o Tribunal poderá rever a decisão já que a lei apresenta
hipóteses em que o recurso de apelação é cabível no júri – art. 593, inciso III, do
Código de Processo Penal.

2.3. Dignidade da Pessoa Humana


O princípio da dignidade da pessoa humana é o princípio que rege em
primeira mão todo o ordenamento jurídico. É um dos fundamentos basilares da
república, o qual ganhou notoriedade a partir da Segunda Guerra Mundial e com os
horrores do holocausto, além de chefiar o Estado Democrático de Direito. Por isso, já
vem estampado no artigo 1°, inciso III, da Constituição Federal.
De acordo com o jurista Ingo Wolfgang Sarlet:
24

(...) Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade própria e distintiva


reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da sociedade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos (o homem tem direito a ter direitos) e
deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e
qualquer ato de modo degradante e desumano, como venham a lhe garantir
uma existência digna – de humanidade – das mínimas condições
existenciais para uma vida saudável (saúde, previdência, assistência,
moradia, educação, etc.), além de lhe propiciar e promover a sua
participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da
vida em comunhão com os demais seres humanos (sócios sociais),
mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida19.

A importância desse princípio é inclusive trazida por Judith Martins-Costa


como o “valor fonte que anima e justifica a própria existência de um ordenamento
jurídico.” 20. Desta forma, a dignidade da pessoa humana é o princípio constitucional
de maior hierarquia na lei brasileira, o qual irradia influência em absolutamente todas
as normas e princípios do direito.
Em razão disso, o princípio da dignidade da pessoa humana é diretamente
atrelado ao princípio da presunção de inocência - já exposto acima. A presunção de
inocência é consubstanciada no conceito de dignidade, sem a presunção de que
todos nós somos inocentes até que se prove o contrário – por meio de todo aparato
judicial e com a devida garantia dos princípios fundamentais – nenhum cidadão seria
respeitado ou teria assegurado seus direitos perante o Estado, podendo este
inclusive predispor da forma como entender dos bens jurídicos da população.
Nesse sentido, para Carvalho: “o princípio da presunção de inocência não
precisa estar positivado em lugar nenhum: é pressuposto (...), nesse momento
histórico, da condição humana.” 21.
Giacomolli também afirma corretamente que:

Em essência, o ser humano nasce inocente, permanece inocente até que o


Estado afaste esse estado natural e jurídico, de modo consistente, através
do devido processo constitucional e convencional, do devido processo
(acusação, processo, ampla defesa, provas suficientes, debate contraditório,
decisão judicial fundamentada, duplo pronunciamento, verbi gratia)22.

19 SARLET, Wolfgang Ingo. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na


Constituição de 1988. 9ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011, p. 27.
20 SILVA, Roberta Soares da. Dignidade humana. Enciclopédia Jurídica da PUC-SP, 01 de março

de 2022. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/507/edicao-1/dignidade-


humana. Acesso em: 21 out. 2022.
21 CARVALHO, Amilton Bueno de. Lei, para que (m)?. In: CARVALHO, Amilton Bueno; CARVALHO,

Salo. Reformas Penais em Debate. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 519.
22 GIACOMOLLI, Nereu José. O Devido Processo Penal: abordagem conforme a Constituição

Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p. 93.
25

Desta forma, é parte intrínseca do conceito da dignidade da pessoa humana


assegurar a todos uma vida pacífica com seus direitos garantidos, o contrário de já
se considerar alguém culpado e enviá-lo para cumprir pena antes que ele possa ter
todo seu direito de ampla defesa exercido conforme expresso na Constituição
Federal e consolidado na jurisprudência do STF.

O direcionamento para prisão apenas poderá ser concretizado após a defesa


poder ter agido de todas as formas dentro do limite de lei para evitar essa sanção, a
fim de se evitar uma prisão ilegal que privará alguém inocente de seu direito de
locomoção – um dos mais importantes da vida humana – por vários meses ou anos.
A única exceção para isso deve ser a prisão preventiva, a qual também exige
o cumprimento de requisitos básicos com a finalidade de evitar injustiças.
Nesse sentido, ensina o jurista e professor Aury Lopes Jr.:

Pode-se afirmar, com toda ênfase, que o princípio que primeiro impera no
processo penal é o da proteção dos inocentes (débil), ou seja, o processo
penal como direito protetor dos inocentes (e todos a ele submetidos o são,
pois só perdem esse status após a sentença condenatória transitar em
julgado), pois esse é o dever que emerge da presunção constitucional de
inocência prevista no artigo 5º, LVII, da Constituição. O objeto primordial da
tutela no processo penal é a liberdade processual do imputado, o respeito a
sua dignidade como pessoa, como efetivo sujeito no processo23.

Por esse motivo, podemos afirmar que a nova disposição da lei ‘anticrime’
fere o princípio da dignidade da pessoa humana e todos os princípios que dela
derivam.

2.4. Devido Processo Legal


Além da dignidade da pessoa humana, outro princípio norteador do direito de
forma geral é o princípio do devido processo legal. Este princípio está previsto no
artigo 5°, inciso LIV da Constitui Federal e basicamente possui como definição que
todos os processos deverão estar em conformidade com as leis e com o Direito.
Com esta ampla definição, deve-se entender que todo processo deve ser
julgado por meio de um juiz natural, que se assegure o contraditório e a ampla

23LOPES JR., Aury. Direito Processual Penal e sua conformidade constitucional. Vol. I. 7ª ed.
Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p.12.
26

defesa, a publicidade dos atos processuais, a duração razoável do processo, a


presença da motivação das decisões, um tratamento igualitário entre as partes e
outros.
Conforme Tourinho Filho:

O devido processo legal, por óbvio, relaciona-se com uma série de direitos e
garantias constitucionais, tais como presunção de inocência, duplo grau de
jurisdição, direito de ser citado e de ser intimado de todas as decisões que
comportem recurso, ampla defesa, contraditório, publicidade, Juiz natural,
imparcialidade do julgador, direito às vias recursais, proibição de reformatio
in pejus, respeito à coisa julgada(ne bis in idem), proibição de provas
colhidas ilicitamente, motivação de sentenças, celeridade processual,
retroatividade da lei penal benigna, dignidade humana, integridade física,
liberdade e igualdade24.

Assim, podemos perceber que o princípio do devido processo legal é um


princípio que aborda em seu bojo diversos outros princípios, trazendo-os como
subprincípios. É uma forma simplificada de o legislador juntar todos os conceitos
integrando apenas um princípio e fazer com que ele sempre motive e esteja
presente em todos os processos judiciais. Sobre isso, Lima destaca que:

(...) os princípios do contraditório, da ampla defesa, do juiz natural, e outros,


não são corolários, deduções, ou consequências do princípio do devido
processo legal, mas princípios, que têm um grau de concretização mais
elevado e que são chamados a concretizar o devido processo legal; daí
chamá-los de subprincípios, e não subespécies do devido processo legal.
[...] O devido processo legal, como princípio a ser concretizado assumiria a
função de uma “ideia diretiva”, segundo escólio de Karl Larenz (1989:579),
indicando a direção aos subprincípios e lhes servindo de base. Esta diretiva
não tem, contudo, mão única, mas um sentido duplo: “o princípio esclarece-
se pelas suas concretizações, e estas pela sua união perfeita com o
princípio25.

Desta forma, podemos ver que a falta da ampla defesa e do contraditório,


visto que antes de poder se defender de todas as formas que a lei prevê – inclusive
em outras instâncias, pois a lei prevê a apelação em sede de Tribunal do Júri – o réu
já vai preso, ferindo também, assim, o princípio norteador de todo processo, o do
devido processo legal.

24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual do Processo Penal. 8ª ed. São Paulo: Saraiva,
2006, p. 26.
25 LIMA, Maria Rosynete, Devido Processo Legal. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999,

p. 180-181.
27

2.5. Soberania dos vereditos no Tribunal do Júri


O princípio da soberania dos vereditos no Tribunal do Júri pode ser entendido
como uma garantia constitucional que a constituição atribuiu a esse instituto, visto
que, sem essa soberania garantida o tribunal agiria apenas como um ‘Conselho
Popular’, nas palavras de Nucci. Senão vejamos:

Cuidando do Tribunal do Júri, a soberania dos veredictos é instrumento de


eficiência e respeito à instituição do colegiado popular, chamado a julgar
causas criminais de relevância. Júri, sem soberania, não é Júri, como
sempre se disse. Aliás, nada mais verdadeiro. Fossem os jurados
chamados ao fórum para proferir um julgamento, que poderia ser reformado,
quanto ao mérito, pelo Tribunal togado, teríamos, na verdade, um Conselho
Popular, emitindo pareceres sobre casos práticos, na maior parte das vezes,
sem a menor valia para a magistratura de carreira. Afinal, esta não
sobrevive de votos, pouco importando, pois, o que o povo pensa em relação
a determinado crime. Por isso, a sua inserção na Constituição Federal,
como cláusula pétrea, permite a sobrevivência útil do Tribunal do Júri 26.

Porém, por mais que parte da doutrina e jurisprudência entenda que esse
princípio é suficiente para alegar a constitucionalidade do artigo 492, inciso I, alínea
‘e’, não é simples assim. Isso porque não podemos dizer que o princípio da
soberania dos vereditos é um princípio absoluto, inclusive o Código de Processo
Penal, em seu artigo 593, inciso III, prevê quatro opções nas quais o recurso de
apelação é cabível nas sentenças proferidas pelos jurados. Segundo as alíneas do
inciso as opções de cabimento da apelação são as seguintes:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:


III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão
dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos.

Desta forma, o próprio código prevê possibilidades em que o princípio é


relativo. Sobre esse assunto, Nucci explica que:

Mas todos podem errar, dirão alguns. Juízes equivocam-se em suas


decisões, no dia-a-dia. Como fazer para reparar esses desvios? Para isso,
existem os recursos. No processo penal, garante-se o duplo grau de

26 NUCCI, Guilherme. Realidade da soberania dos veredictos no Tribunal do Júri. Guilherme Nucci,
2022. Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/realidade-da-soberania-dos-veredictos-tribunal-
juri/. Acesso em: 05 out. 2022.
28

jurisdição como um princípio de status constitucional, absorvido do Pacto de


San José da Costa Rica. Logo, contra a decisão tomada pelos jurados,
torna-se possível o ingresso de apelação (art. 593, III, d, CPP). As demais
hipóteses de apelação, no contexto do júri, voltam-se ao conteúdo da
sentença relativo ao juiz togado (art. 593, III, a, b e c, CPP).
Entretanto, se o Tribunal togado der provimento ao apelo, nada mais faz
que remeter o feito a novo julgamento, que será realizado por outro
Conselho de Sentença diverso. Portanto, é o povo revendo a decisão do
povo27.

Quanto ao tema, o STF possui jurisprudência no mesmo sentido, veja-se:

HABEAS CORPUS” – CONDENAÇÃO RECORRÍVEL EMANADA DO JÚRI


– DETERMINAÇÃO DO JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL DO
JÚRI ORDENANDO A IMEDIATA SUJEIÇÃO DO RÉU SENTENCIADO À
EXECUÇÃO ANTECIPADA (OU PROVISÓRIA) DA CONDENAÇÃO
CRIMINAL – INVOCAÇÃO, PARA TANTO, DA SOBERANIA DO
VEREDICTO DO JÚRI – INADMISSBILIDADE – A
INCONSTITUCIONALIDADE EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE
CONDENAÇÕES PENAIS NÃO TRANSITADAS EM JULGADO –
INTERPRETAÇÃO DO art. 5º, INCISO LVII, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA – EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE PRÉVIO E EFETIVO
TR NSITO EM JULGADO DA CONDENAÇÃO CRIMINAL COMO
REQUISITO LEGITIMADOR DA EXECUÇÃO DA PENA –
INADMISSIBILIDADE DE ANTECIPAÇÃO FICTA DO TRÂNSITO EM
JULGADO, QUE CONSTITUI NOÇÃO INEQUÍVOCA EM MATÉRIA
PROCESSUAL – CONSEQUENTE INAPLICABILIDADE ÀS DECISÕES DO
CONSELHO DE SENTENÇA – A QUESTÃO DA SOBERANIA DOS
VEREDICTOS DO JÚRI – SIGNIFICADO DA CLÁUSULA INSCRITA NO
art. 5º, INCISO XXXVIII, “c”, DA CONSTITUIÇÃO. CARÁTER NÃO
ABSOLUTO DA SOBERANIA DO JÚRI – DOUTRINA – PRECEDENTES –
EXISTÊNCIA, AINDA, NO PRESENTE CASO, DE OFENSA AO
POSTULADO QUE VEDA A “REFORMATIO IN PEJUS” –
CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA REGRA CONSUBSTANCIADA NO art.
617, “IN FINE”, DO CPP – EXAME DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL A RESPEITO DA PRISÃO MERAMENTE
CAUTELAR DO SENTENCIADO MOTIVADA POR CONDENAÇÃO
RECORRÍVEL, NOTADAMENTE QUANDO O RÉU TENHA
PERMANECIDO EM LIBERDADE AO LONGO DO PROCESSO PENAL DE
CONHECIMENTO – PRISÃO CAUTELAR DECRETADA NA HIPÓTESE DE
CONDENAÇÃO PENAL RECORRÍVEL: INSTITUTO DE TUTELA
CAUTELAR PENAL INCONFUNDÍVEL COM A ESDRÚXULA CONCEPÇÃO
DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA OU ANTECIPADA DA PENA – “HABEAS
CORPUS” CONCEDIDO DE OFÍCIO28.

27 Ibidem.
28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 174759. Paciente: Aluizo Passos
Araujo.Impetrante: Oseas de Sousa Rodrigues Filho. Coator:
Relator do HC nº 528.469 do Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Celso de Mello. Julgado em:
10 de outubro de 2020. Publicado em: 22 de outubro de 2020. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4697570 Acesso em: 20 out. 2022.
29

Desta forma, por mais que o princípio em análise surja como uma segurança
ao instituto do júri, esta segurança não pode atropelar outros princípios como o do
duplo grau de jurisdição, também basilar do direito processual, ambos devem
conviver de forma harmônica e principalmente proporcional.
Nesse sentido, Rogério Sanches Cunha e Ronaldo Batista Pinto, criticam a
execução imediata da decisão condenatória do Júri da seguinte forma:

Partiu-se, portanto, da premissa de que, face à soberania que é inerente ao


Tribunal do Júri, decorrente de expresso texto constitucional nesse sentido
(art. 5º, inc. XXXVIII, ‘c’, da Carta), seria admitida a imediata prisão do réu,
assim que condenado pelo Tribunal popular. (...).
O alcance do princípio da soberania do Júri e a apelação – De se ver,
inicialmente, que se conferiu ao princípio da soberania do Júri um alcance
que aparentemente ele não ostenta. De sorte que, embora com previsão
constitucional, esse princípio é relativo, sofrendo forte mitigação quando a
lei permite, na dicção do art. 593, III, ‘d’, do Código de Processo Penal, que
o Tribunal de Justiça mande o réu a novo Júri, acolhendo apelação e
reconhecendo que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à
prova dos autos. E nem poderia ser diferente, já que, embora se admitindo a
soberania dos veredictos, há que se ter um meio de revisão das decisões
evidentemente equivocadas. Não que ao Tribunal de Justiça se autorize, por
meio de uma apelação, condenar ou absolver o réu. Mas poderá, sem
arranhar o aludido princípio constitucional, determinar que outro julgamento
seja realizado. Nesse sentido o posicionamento do STF: (...). Daí porque já
foi denominado esse recurso, quando manejado contra decisões
provenientes do Júri, de apelação ‘sui generis’, já que atua como verdadeiro
juízo de cassação, posto que, segundo lição de José Frederico Marques, ‘a
soberania continua a existir, mas desaparece a onipotência arbitrária 29.

Assim, conforme exposto, pelo fato de o próprio código ter exposto alguns
cabimentos de recurso nas sentenças do júri, e a constituição garantir um devido
processo, com ampla defesa, presunção de inocência, o princípio da soberania dos
vereditos não é absoluto e, assim, o Tribunal tem a possibilidade de determinar um
novo júri. Desta forma, o princípio da soberania dos vereditos não é argumento
suficiente para garantir a constitucionalidade da execução provisória da pena após
condenação pelo Tribunal do Júri.

29CUNHA, Rogério Sanches. Elementos de Direito Processual Penal. Vol. 4. Campinas:


Bookseller, 1997, p. 228.
30

3. DECISÕES IMPORTANTES SOBRE A EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA


PENA

Após as definições dos capítulos supra quanto ao inciso I, alínea ‘e’, artigo
492 do CPP e sobre os princípios constitucionais que por ele são feridos, trataremos
a seguir de decisões relevantes que embasam o presente trabalho e
fundamentaremos jurisprudencialmente o argumento de que o novo dispositivo
instituído pela lei anticrime atenta contra a Constituição Federal.

3.1. Histórico de decisões relacionadas ao tema


Conforme já mencionado no presente trabalho, o artigo 5º, inciso LVII da
Constituição Federal estampa o princípio da presunção de inocência e estabelece
que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória, ou seja, todos são inocentes até que se tenha uma sentença a qual
não cabe mais recurso dizendo o contrário.
O artigo 283, do CPP reforça esse princípio constitucional visto que não traz a
hipótese de execução provisória da pena, apenas o flagrante delito ou por ordem
escrita e fundamentada de autoridade, a prisão cautelar ou a condenação criminal
transitada em julgado.
O entendimento do Supremo Tribunal Federal foi nesse mesmo sentido desde
2009 – em decorrência do HC 84.078. Porém, antes do ano de 2009, o STF
entendia, desde a decisão do HC 68.726 de 1991 que a ordem de prisão em
decorrência de decisão de órgão julgador de segundo grau é de natureza processual
e concerne aos interesses de garantia da aplicação da lei penal. Além disso, não
conflitaria com o princípio da presunção de inocência.
Porém, diferentemente do pensamento explicitado supra, o entendimento o
STF a partir de 2009 baseava-se na seguinte interpretação constitucional:

Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não


perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais.
São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação
constitucional da sua dignidade (art. 1°, III, da Constituição do Brasil). É
inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em
quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que
31

somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a


condenação de cada qual30.

O HC em questão havia sido impetrado após o juiz acatar o requerimento do


MP pela prisão preventiva antes da admissão do recurso especial do paciente que
havia sido condenado pelo Tribunal do Júri a 3 anos e 6 meses de pena de reclusão
pelo cometimento do crime de homicídio privilegiado. O Tribunal, por maioria, deferiu
a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator Min. Eros Grau, vencidos
os Senhores Ministros Menezes Direito, Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa e Ellen
Gracie.
O Ministro Menezes Direito, diferentemente da opinião aqui retratada, opinou
pela denegação da ordem sob o seguinte argumento:

A se admitir a vedação da execução da pena antes do julgamento dos


recursos extraordinário e especial estar-se-ia atribuindo por via de
interpretação efeito suspensivo a tais recursos. Ora, o princípio da
presunção da inocência não está enlaçado pela natureza típica desses
recursos, o que quer dizer que o início da execução da pena com o
encerramento do julgamento nas instâncias ordinárias não o atinge. Anote-
se que esse raciocínio levaria ao resultado de subordinar sempre o
julgamento penal proferido nas instâncias ordinárias ao julgamento dos
recursos excepcionais, tornando-os também ordinários. A simples
interposição dos recursos conduziria ao impedimento de cumprir-se a
decisão condenatória31.

O Relator, Ministro Eros Grau, em contrapartida ao transcrito acima, destacou


brilhantemente em seu voto:

A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas


as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por
que não haveria de ser assim? Se é ampla, abrange todas e não apenas
algumas dessas fases. Por isso a execução da sentença após o julgamento
do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa,
caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o
direito, do acusado, de elidir essa pretensão 32.

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 84.078. Paciente: Omar Coelho Vitor.
Impetrante: Omar Coelho Vitor. Coator: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Eros Grau. Julgado
em: 5 de fevereiro de 2009. Publicado em: 25 de fevereiro de 2010. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=608531 Acesso em: 19 out.
2022.
31 Ibidem.
32 Ibidem.
32

Neste mesmo sentido, o até então decano do STF, Ministro Celso de Mello:

O postulado do estado de inocência, ainda que não se considere como


presunção em sentido técnico, encerra, em favor de qualquer pessoa sob
persecução penal, o reconhecimento de uma verdade provisória, com
caráter probatório, que repele suposições ou juízos prematuros de
culpabilidade, até que sobrevenha - como o exige a Constituição do Brasil -
o trânsito em julgado da condenação penal. Só então deixará de subsistir,
em relação à pessoa condenada, a presunção de que é inocente.
Há, portanto, um momento claramente definido no texto constitucional, a
partir do qual se descaracteriza a presunção de inocência, vale dizer, aquele
instante em que sobrevém o trânsito em julgado da condenação criminal.
Antes desse momento, o Estado não pode tratar os indiciados ou réus como
se culpados fossem. A presunção de inocência impõe, desse modo, ao
Poder Público, um dever de tratamento que não pode ser desrespeitado por
seus agentes e autoridades.
Acho importante acentuar que a presunção de inocência não se esvazia
progressivamente, à medida em que se sucedem os graus de jurisdição.
Isso significa, portanto, que, mesmo confirmada a condenação penal por um
Tribunal de segunda instância, ainda assim subsistirá, em favor do
sentenciado, esse direito fundamental, que só deixará de prevalecer - repita-
se - com o trânsito em julgado da sentença penal condenatória, como
claramente estabelece, em texto inequívoco, a Constituição da República.
O fato é que não podem repercutir, contra qualquer pessoa, sob pena de
transgressão ao postulado constitucional que consagra o estado de
inocência, situações jurídico-processuais ainda não definidas por decisão
irrecorrível do Poder Judiciário. Isso significa que inquéritos policiais em
andamento, processos penais, arguições de inelegibilidade ou processos
civis por improbidade administrativa (Lei nº 8.429/92) ainda em curso ou, até
mesmo, condenações criminais sujeitas a recursos (inclusive aos recursos
excepcionais) não podem ser considerados, enquanto episódios
processuais suscetíveis de pronunciamento absolutório, como fatores de
descaracterização desse direito fundamental proclamado pela própria
Constituição da República33.

Desta forma, sem demais mudanças relevantes, o entendimento da suprema


corte foi pela inconstitucionalidade da execução provisória da pena até 2016, ano em
que o STF radicalmente mudou sua percepção sobre o tema.

3.2. Mudanças jurisprudenciais importantes quanto a execução provisória da


pena
Em 2016 houve um julgamento que mudou completamente o entendimento do
Tribunal Superior. É importante destacar que a visão do STF nessa época foi
alterada muito pelo fato de novos ministros terem incorporado o Tribunal Superior,
foram esses os Ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Maria
Weber e Teori Zavascki. Também durante esses anos anteriores ao novo

33 Ibidem.
33

entendimento, deixaram o Supremo: Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Joaquim


Barbosa, Ellen Gracie e Cezar Peluso.
Foi quando, em 2016, foi julgado o habeas corpus n° 126.292 de relatoria do
Min. Teori Zavaski34. É importante destacar que no ano do julgamento do HC e,
consequentemente, da mudança do entendimento, a operação lava jato estava em
seu auge, denunciando esquemas de corrupção em tese presentes nos governos
anteriores. Por esta razão, havia uma crescente mudança na opinião popular e
descontentamento quanto ao governo de Dilma Rouseff, a qual desencadeou seu
impeachment no ano de 2016.
Em breve síntese, no HC em questão, o paciente havia sido condenado à
pena de 5 anos e 4 meses de reclusão, em regime inicial fechado, por conduta
tipificada no art. 157, com direito de recorrer em liberdade. A defesa apelou para o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso e
determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente. Em seguida, a
defesa impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça contra a ordem de
prisão, ocasião em que o Ministro Presidente indeferiu o pedido de liminar.
Em 2015, Zavaski indeferiu o pedido liminar em razão de HC não poder mais
ser utilizado como substitutivo de outros recursos, mas julgou sem prejuízo uma
análise mais detida quando do julgamento do mérito pelo Ministro Relator. Em
seguida, o Ministro deferiu o pedido de liminar para suspender a prisão preventiva
decretada contra o paciente, por ter entendido ser caso excepcional.
Mais tarde, já em 2016, o processo foi para julgamento do plenário, que,
nesta ocasião, proferiu decisão inovadora. O plenário decidiu que é possível a
execução provisória da pena após a interpretação constitucional de ponderação de
interesse dos princípios jurídicos – como o do direito ao processo célere ou a própria
soberania dos vereditos em conflito com a presunção de inocência -, inclusive a
possibilidade de se relativizar o princípio da presunção de inocência. No caso em
epígrafe a Corte decidiu que:

34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016.Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
34

A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de


apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não
compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado
pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal35.

Já no julgamento do habeas corpus em epígrafe, como oposição, o Ministro


Celso de Mello destacou em seu voto:

(...) Mostra-se evidente, Senhor Presidente, que a Constituição brasileira


promulgada em 1988 e destinada a reger uma sociedade fundada em bases
genuinamente democráticas é bem o símbolo representativo da antítese ao
absolutismo do Estado e à força opressiva do poder, considerado o contexto
histórico que justificou, em nosso processo político, a ruptura com
paradigmas autocráticos do passado e o banimento , por isso mesmo, no
plano das liberdades públicas, de qualquer ensaio autoritário de uma
inaceitável hermenêutica de submissão, somente justificável numa
perspectiva “ex parte principis”, cujo efeito mais conspícuo, em face
daqueles que presumem a culpabilidade do réu, será a virtual (e gravíssima
) esterilização de uma das mais expressivas conquistas históricas da
cidadania: o direito do indivíduo de jamais ser tratado, pelo Poder Público,
como se culpado fosse.
(...) Quando esta Suprema Corte, apoiando-se na presunção de inocência,
afasta a possibilidade de execução antecipada da condenação criminal,
nada mais faz, em tais julgamentos, senão dar ênfase e conferir amparo a
um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão: o direito de ser
presumido inocente até que sobrevenha condenação penal irrecorrível.
(...) peço vênia para acompanhar, integralmente, na divergência, os
eminentes Ministros ROSA WEBER e MARCO AURÉLIO e deferir o pedido
de “habeas corpus”, mantendo, em consequência, o precedente firmado no
julgamento plenário do HC 84.078/MG, Rel. Min. EROS GRAU, reafirmando,
assim, a tese de que a execução prematura (ou provisória) da sentença
penal condenatória antes de consumado o seu trânsito em julgado revela-se
frontalmente incompatível com o direito fundamental do réu, assegurado
pela própria Constituição da República (CF, art. 5º, LVII), de ser presumido
inocente36.

No mesmo sentido, o Ministro Marco Aurélio Mello votou pelo provimento da


ordem pleiteada em sede de HC nos seguintes termos:

Peço vênia para me manter fiel a essa linha de pensar sobre o alcance da
Carta de 1988 e emprestar algum significado ao princípio da não
culpabilidade. Qual é esse significado, senão evitar que se execute,
invertendo-se a ordem natural das coisas – que direciona a apurar para,
selada a culpa, prender –, uma pena, a qual não é, ainda, definitiva. E, mais,
não se articule com a via afunilada, para ter-se a reversão, levando em
conta a recorribilidade extraordinária, porque é possível caminhar-se, como
se caminha no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal,
para o provimento do recurso especial ou do recurso extraordinário37.

35 Ibidem.
36 Ibidem.
37 Ibidem.
35

Desta forma, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator,


denegou a ordem, com a consequente revogação da liminar, sendo vencidos os
Ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Assim, de 2016 até o ano de 2019, a Suprema Corte entendia possível a execução
provisória da pena. Visão a qual seria radicalmente alterada mais uma vez 3 anos
depois e, se manteria a mesma até os presentes dias.

3.3. Decisões recentes


No dia 07 de novembro de 2019, ao julgar as Ações Declaratórias de
Constitucionalidade 43, 44 e 54, a Suprema Corte retornou para a posição da
proibição da execução provisória da pena e afirmou que o cumprimento da pena
somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos. Essa é a posição
ainda adotada pelo STF, enquanto ainda não há o julgamento definitivo do assunto,
visto que ainda está pendente de julgamento um recurso extraordinário de
repercussão geral sobre o tema.
As ADCs, ajuizadas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN), o Conselho
Federal da OAB e pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB), possuíam o objetivo da
reafirmação de legitimidade constitucional da redação do artigo 283 do Código de
Processo Penal, o qual estabelece as situações nas quais alguém poderá ser preso
– o artigo não prevê a execução provisória da pena -, após a interpretação
divergente dada pelo Habeas Corpus n° 126.292.
Neste caso, o Tribunal, por maioria, nos termos e limites dos votos proferidos,
julgou procedente a ação para assentar a constitucionalidade do art. 283 do Código
de Processo Penal, na redação dada pela Lei nº 12.403, de 4 de maio de 2011,
vencidos o Ministro Edson Fachin, que julgava improcedente a ação, e os Ministros
Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Luiz Fux e Carmen Lúcia, que a julgavam
parcialmente procedente para dar interpretação conforme.
O Ministro Marco Aurélio, relator do caso, muito bem pontuou em seu voto o
seguinte:

O princípio da não culpabilidade é garantia vinculada, pela Lei Maior, à


preclusão, de modo que a constitucionalidade do artigo 283 do Código de
Processo Penal não comporta questionamentos. O preceito consiste em
reprodução de cláusula pétrea cujo núcleo essencial nem mesmo o poder
constituinte derivado está autorizado a restringir.
36

A determinação constitucional não surge desprovida de fundamento.


Coloca-se o trânsito em julgado como marco seguro para a severa limitação
da liberdade, ante a possibilidade de reversão ou atenuação da condenação
nas instâncias superiores.
O problema adquire envergadura maior quando considerada a superlotação
dos presídios, destacada pelo Pleno ao apreciar a medida liminar postulada
na arguição de descumprimento de preceito fundamental nº 347, de minha
relatoria, com acórdão publicado no Diário da Justiça de 19 de fevereiro de
2016. Constatou-se o exorbitante número de cidadãos recolhidos
provisoriamente, a salientar a malversação do instituto da custódia cautelar
e, consequentemente, a inobservância do princípio da não culpabilidade.
Inverte-se a ordem natural para prender e, depois, investigar. Conduz-se o
processo criminal com automatismo incompatível com a seriedade do direito
de ir e vir dos cidadãos.
Daí se extrai a importância do marco revelado pela preclusão maior do título
condenatório, quando a materialidade delitiva e a autoria ficam estremes de
dúvidas e devidamente certificadas pelo Estado-Juiz. Em cenário de
profundo desrespeito ao princípio da não culpabilidade, sobretudo quando
autorizada normativamente a prisão cautelar, não cabe antecipar, com
contornos definitivos – execução da pena –, a supressão da liberdade.
Deve-se buscar a solução consagrada pelo legislador nos artigos 312 e 319
do Código de Processo Penal, em consonância com a Constituição Federal
e ante outra garantia maior – a do inciso LXVI do artigo 5º: “ninguém será
levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória,
com ou sem fiança.
A via de acesso a este Tribunal, para salvaguarda da liberdade, tem se
estreitado sem respaldo constitucional. Em vez de incisivo na tutela de
princípio tão caro ao Estado Democrático de Direito, o Supremo vem
viabilizando a livre condução do processo persecutório por instâncias
inferiores, despedindo-se de papel fundamental.
O quadro reforça imprescindível a adoção de postura fidedigna e rigorosa
na conformação dos casos autorizadores da custódia antes do trânsito em
julgado da sentença condenatória. Não se pode assentar a culpa para além
dos limites expressos na Lei Maior, quando o próprio processo criminal é
afastado do controle deste Tribunal. Em resumo, suprime-se,
simultaneamente, a garantia de recorrer, solto, às instâncias superiores e o
direito de vê-la tutelada, a qualquer tempo, pelo Supremo.

Desta forma, a Corte decidiu, por 6 votos a 5, que um réu só poderá cumprir
pena se esgotados todos os recursos, transitando em julgado a decisão
condenatória, mudando entendimento anterior, de 2016, que previa a pena após
condenação em segunda instância, entendimento que prevalece até os dias atuais.
Atualmente, quando as mais altas cortes do país proferem decisões
relacionadas ao tema, ainda não é cediço que a pena só deverá ser cumprida após o
trânsito em julgado. O tema ainda encontra controvérsia no STF e STJ. Senão
vejamos:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS


CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL
DO JÚRI. JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE TERATOLOGIA, ILEGALIDADE OU
ABUSO DE PODER.
37

1. O Supremo Tribunal Federal (STF) já decidiu que a aferição de eventual


demora injustificada na tramitação da ação penal depende das condições
objetivas da causa. As instâncias precedentes informam duração razoável
da ação penal.
2. Na hipótese, a prisão preventiva também está justificada na reiteração
criminosa. Superar esse argumento, como pretende a defesa, demandaria
revolvimento fático, que é inviável em sede de habeas corpus.
3. A Primeira Turma do STF já decidiu que não viola o princípio da
presunção de inocência ou da não culpabilidade a execução da condenação
pelo Tribunal do Júri, independentemente do julgamento da apelação ou de
qualquer outro recurso (HC 118.770, Redator para o acórdão o Ministro Luís
Roberto Barroso). No caso, o paciente foi condenado pelo Tribunal do Júri a
mais de 25 anos de reclusão.
4. Ausência de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder que
autorize a concessão da ordem de ofício.
5. Agravo regimental a que se nega provimento38.

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM


HABEAS CORPUS. DUPLO HOMICÍDIO, AMBOS QUALIFICADOS.
CONDENAÇÃO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. INÍCIO DO CUMPRIMENTO
DA PENA. POSSIBILIDADE. PREJUDICIALIDADE.
1. Os embargos declaratórios não devem ser acolhidos, tendo em vista que
o acórdão embargado não incorreu nos vícios a que alude o art. 619 do
CPP. 2. Não viola o princípio da presunção de inocência ou da não
culpabilidade a execução da condenação pelo Tribunal do Júri,
independentemente do julgamento da apelação ou de qualquer outro
recurso. Decisão alinhada com a orientação firmada no julgamento do ARE
964.246-RG, Rel. Min. Teori Zavascki.
3. Ademais, “encontrando-se o embargante cumprindo pena de maneira
definitiva em virtude do trânsito em julgado da sua condenação, conclui-se
que o pedido do presente writ (“(...), a ratificação da ordem, para que o
paciente aguarde em liberdade o trânsito em julgado da sentença penal
condenatória – art. 5º, LVII, CF – por ser medida de Igualdade, Direito e
Justiça!” - fls. 11) está prejudicado”. Precedente.
4. Embargos rejeitados”39.
“AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE
RECURSO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. CONDENAÇÃO DO RÉU
PELO TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA (ART.
492, I, e, DO CPP). IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso
próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia
constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante,
hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. "Estando pendente de julgamento no STF o Tema n. 1.068, em que se
discute a constitucionalidade do art. 492, I, do CPP, deve ser reafirmado o
entendimento do STJ de impossibilidade de execução provisória da
pena mesmo em caso de condenação pelo tribunal do júri com reprimenda

38 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. Agravo Regimental em Habeas Corpus nº 198.392.
Paciente: Rivaldo Dias de Oliveira Junior. Agravantes: Celio Avelino de Andrade, Camila Andrade dos
Santos e Laís Alves Xavier Ramos. Agravado: Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Roberto
Barroso. Julgado em: 27 de abril de 2021. Publicado em: 12 de maio de 2021. Disponível em:
https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6120777. Acesso em: 20 out. 2022.
39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma. Habeas Corpus nº 118.770. Paciente: Marcel

Ferreira de Oliveira. Impetrante: Marcel Ferreira de Oliveira. Coator: Superior Tribunal de Justiça.
Relator: Min. Roberto Barroso. Julgado em: 01 de junho de 2018. Publicado em: 13 de junho de 2018.
Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4439699. Acesso em: 20 out.
2022.
38

igual ou superior a 15 anos de reclusão. (AgRg no HC n. 714.884/SP, relator


Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do Tjdft), relator para
acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em
15/3/2022, DJe de 24/3/2022.) 3. No caso, o paciente se encontrava em
liberdade quando foi condenado pelo Tribunal do Júri a 24 anos de reclusão,
no regime inicial fechado, e determinada a execução provisória da
pena. Assim, a prisão antes do esgotamento dos recursos somente poderia
ser determinada em caráter cautelar, com a demonstração da presença dos
novos/inéditos motivos, com base no art. 312 do Código de Processo Penal,
o que não ocorreu na espécie. Julgados das duas Turma da Terceira Seção
do STJ.
4. Agravo regimental desprovido40.

HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. RÉU EM LIBERDADE DURANTE


A INSTRUÇÃO, SUBMETIDOS A CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO.
CUMPRIMENTO IMEDIATO DO VEREDICTO APÓS A
CONDENAÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA
PENA. IMPOSSIBILIDADE. SUPERAÇÃO DA SÚMULA N. 691 DO STF.
HABEAS CORPUS CONCEDIDO.
1. No julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade n. 43, 44
e 54, assentou-se a constitucionalidade do art. 283 do CPP, a condicionar o
início do cumprimento da pena ao trânsit o em julgado da sentença
condenatória, considerado o alcance da garantia do art. 5°, LVII, da CF.
Firmou-se a orientação de que ninguém poderá ser preso senão em
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade
judiciária competente, em decorrência de prisão cautelar ou em virtude de
título criminal precluso na via da recorribilidade.
2. Com lastro nos amplos debates e na decisão erga omnes e com efeito
vinculante do Supremo Tribunal Federal, apesar da disposição do art. 492, I,
"e", do CPP e da discussão ainda pendente de julgamento acerca de sua
constitucionalidade (Tema n. 1068 de repercussão geral), a jurisprudência
da Quinta e da Sexta Turmas compreendem ser ilegal, conforme a
interpretação conferida ao direito fundamental da presunção de inocência,
mandar prender o réu solto para execução imediata e provisória de
condenação não definitiva lastreada em veredicto do Tribunal do Júri, como
ocorreu na hipótese.
3. Ainda que gravíssimas as acusações, o paciente foi beneficiado, no curso
da instrução criminal, com a liberdade condicionada ao cumprimento de
cautelares, somente podendo ser dela privado, antes do trânsito em julgado
da condenação, se fato novo e contemporâneo (art. 312, § 2º do CPP),
justificar a aplicação da prisão preventiva, ou se for demonstrada a
contemporânea necessidade da cautela máxima, o que não se verificou na
espécie.
4. Habeas corpus concedido. Confirmação da liminar 41.

40 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. Agravo Regimental em Habeas Corpus nº


760.678/PE. Paciente: Felipe Lourenço de Oliveira. Impetrante: Josebergue João Alve. Impetrado:
Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco. Relator: Min. Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado
em: 27 de setembro de 2022. Publicado em: 04 de outubro de 2022. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202
202394130&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 20 out. 2022.
41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas Corpus nº 737.809. Paciente: Alvaro

Ferreira da Silva. Impetrante: Adelmario Alves dos Santos Jorge. Impetrado: Tribunal de Justiça do
Estado do Tocantins. Relator: Min. Rogério Schietti. Julgado em: 13 de setembro de 2022. Publicado
em: 19 de setembro de 2022. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202
201182708&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 20 out. 2022.
39

4. O MIDIÁTICO CASO DA BOATE KISS

Desde o dia 1° de outubro a 10 de dezembro de 2021 o país parou para


assistir o julgamento de um dos casos mais emblemáticos da justiça brasileira. O
caso da boate Kiss consiste em um grande incêndio que ocorreu dia 27 de janeiro de
2013 em uma casa noturna após um dos integrantes da Banda Gurizada
Fandangueira – grupo musical que se apresentava na boate - disparar artefato
pirotécnico e as fagulhas atingirem parte do teto, o qual era revestido de espuma. O
fogo logo se espalhou e resultou na morte de 242 pessoas e outras 636 foram
feridas42.
O júri tinha como réus os sócios da boate Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e
Mauro Londero Hoffmann, o vocalista da Banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de
Jesus dos Santos, e o produtor musical Luciano Bonilha Leão. Todos responderam
por homicídio simples 242 vezes consumado e 636 vezes tentado. Os quatro réus
foram condenados pelo Conselho de Sentença do Tribunal do júri: Elissandro
Callegaro Spohr a pena de 22 anos e 6 meses; Mauro Londero Hoffmann a 19 anos
e 6 meses; Marcelo de Jesus dos Santos a 18 anos; e Luciano Bonilha Leão a 18
anos de reclusão.
Na decisão que condenou os réus as penas altíssimas destacadas acima, o
Juiz Orlando Faccini Neto decretou a prisão dos condenados, determinando que
todos já executassem provisoriamente suas penas com fulcro no artigo 492, inciso I,
alínea “e” do Código de Processo Penal, na redação que lhe deu o pacote anticrime.
Já no mesmo dia, o Desembargador Manuel José Martinez Lucas do Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu liminar em HC determinou que o juiz se
abdicasse de prender os réus. O desembargador citou a jurisprudência do STJ a
qual estabelece que é descabida a execução provisória da sentença condenatória
pelo Tribunal do Júri. Vejamos parte da decisão do desembargador:

A respeito do tema, tenho decidido que, na hipótese em que o réu responde


a todo o processo em liberdade, às vezes, por vários anos, a condenação
pelo Tribunal do Júri não justifica, por si só, a decretação da prisão, como
está dito no precedente de minha lavra citado nas razões do presente writ.
Aliás, o fundamento para tal decreto prisional costumava ser o princípio
constitucional da soberania dos veredictos do Tribunal Popular. De minha

42TORTELLA, Tiago. Entenda o que acontece após anulação do júri da Boate Kiss. CNN Brasil, 04
de agosto de 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/entenda-o-que-acontece-
apos-a-anulacao-do-juri-da-boate-kiss/. Acesso em: 17 out. 2022.
40

parte, sempre sustentei que tal argumento era bastante forçado, uma vez
que, como se sabe, tal princípio é relativo, como costumam ser os princípios
jurídicos em geral. Tanto é que o próprio Código de Processo Penal autoriza
a desconstituição da decisão tomada pelo Conselho de Sentença quando
esta “for manifestamente contrária à prova dos autos”, além de que é
possível a nulidade do julgamento, hipótese que não é absurda nem tão
rara.
É verdade que, em dezembro de 2019, foi promulgada a Lei nº 13.964
(denominada Pacote Anticrime), que, entre inúmeras alterações de boa
parte da legislação penal e processual penal, introduziu no art. 492 do
estatuto processual a alínea ‘e’, determinando que, em caso de
condenação, o presidente do Tribunal do Júri “mandará o acusado recolher-
se ou recomendá-lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os
requisitos da prisão preventiva, ou, no caso de condenação, a uma pena
igual ou superior a 15 anos de reclusão, determinará a execução provisória
das penas, com expedição de mandado de prisão, se for o caso, sem
prejuízo do conhecimento dos recursos que vierem a ser interpostos”.
Não obstante tal dispositivo, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, através
da 5ª e da 6ª Turmas, as duas que detém competência para a matéria
criminal, tem entendimento pacífico de que, na hipótese em tela é descabida
a execução provisória da sentença condenatória pelo Tribunal do Júri.
Saliento que tal posição se mantém após a vigência do novel preceito legal
(...)43.

De fato, conforme transcrito na decisão do iminente desembargador, o STJ,


por ambas as turmas (5ª e 6ª), firma o entendimento da não possibilidade da
execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri em decorrência do
afrontamento do princípio da presunção de inocência. Veja-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA.


TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. EXECUÇÃO
PROVISÓRIA DA PENA. CONDENAÇÃO PROFERIDA PELO TRIBUNAL
DO JÚRI. AUSÊNCIA DE TRÂNSITO EM JULGADO. 1) Após o julgamento
do STF, nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43, 44 e 54, houve
alteração legal no artigo 492, I, alínea "e", do CPP, em 24/12/2019 (Lei
13.964, de 24/12/2019), no sentido de que Presidente do Tribunal de Júri,
em caso de condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-
lo-á à prisão em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão
preventiva, ou, no caso de condenação a uma pena igual ou superior a
15 anos de reclusão, determinará a execução provisória das penas, com
expedição do mandado de prisão, se for o caso, sem prejuízo do
conhecimento de recursos que vierem a ser interpostos". 2) Sobre esse
tema, entretanto, vem decidindo esta Corte que é ilegal a prisão preventiva,
ou a execução provisória da pena, como decorrência automática da
condenação proferida pelo Tribunal do Júri (HC 538.491/PE, relator ministro
SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/08/2020, DJe
12/08/2020). A letra da Constituição, que não faz acepção de situações
jurídicas (artigo 5º, LVII), deve estender-se às decisões do Júri. 3) Agravo
regimental improvido44.

43 CONDENADOS no caso boate Kiss não podem ser presos, diz desembargador. Conjur, 10 de
dezembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-10/juiz-boate-kiss-nao-
determinar-prisao-reus. Acesso em: 21 out. 2022.
44 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Agravo Regimental em Pedido de Tutela

Provisória nº 2.998/RS. Requerente: Silmar Candinho. Requerido: Ministério Público Federal. Relator:
41

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS.


HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRIBUNAL DO JÚRI. EXECUÇÃO IMEDIATA
OU PROVISÓRIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCABIMENTO.
AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO CONCRETA PARA A PRISÃO PROVISÓRIA.
ARTIGO 492, I, "E", DO CPP. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA
DE RESERVA DE PLENÁRIO. ARTIGO 97 DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. NÃO OCORRÊNCIA. INTERPRETAÇÃO CONFORME.
DESNECESSIDADE. AGRAVO DESPROVIDO. 1) Na hipótese, a
determinação da expedição do mandado de prisão após a condenação pelo
Tribunal do Júri, fundamenta-se em decorrência exclusiva da condenação
do paciente pelo Conselho de Sentença. Não se declinou, contudo, qualquer
motivação concreta para necessidade da prisão. Em consulta ao sítio do
Tribunal de origem, observou-se que a fase ordinária ainda não tinha sido
concluída. 2) É cediço que o Supremo Tribunal Federal, julgando
definitivamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43, 44 e
54, decidiu pela constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo
Penal, firmando nova orientação, erga omnes e com efeito vinculante, no
sentido de que a execução da pena privativa de liberdade só poderá ser
iniciada após o trânsito em julgado da condenação. 3) Menciona-se, ainda,
que houve alteração da lei, após o julgamento da Suprema Corte, no
artigo 492, inciso I, alínea "e", do CPP, em que é determinado que o Juiz
Presidente do Tribunal de Júri proferirá sentença que, em caso de
condenação, "mandará o acusado recolher-se ou recomendá-lo-á à prisão
em que se encontra, se presentes os requisitos da prisão preventiva, ou, no
caso de condenação a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão,
determinará a execução provisória das penas, com expedição do mandado
de prisão, se for o caso, sem prejuízo do conhecimento de recursos que
vierem a ser interpostos". 4) Contudo, o entendimento predominante na
Quinta e Sexta Turmas desta Corte segue a diretriz jurisprudencial de que
não se admite a execução imediata de condenação pelo Tribunal do Júri,
sob pena de afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Precedentes. (...)45.

Porém, antes mesmo dos alvarás serem expedidos, o parquet entrou com
pedido de suspensão da liminar no Supremo Tribunal Federal e o presidente, Luiz
Fux, deferiu o pedido do Ministério Público e suspendeu a decisão do
desembargador, reiterando a determinação de cumprimento imediato das penas
atribuídas aos réus.
A medida adota por Fux é criticada por diversos juristas, visto que o instituto
da suspensão de segurança, utilizado pelo Ministro para sustar os efeitos da decisão
proferida em sede em Habeas Corpus, não é cabível. A decisão não seguiu as

Min. Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF da 1ª Região). Julgado em: 21 de


setembro de 2021. Publicado em: 27 de setembro de 2021. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?tipoPesquisa=tipoPesquisaNumeroRegistro&termo=202
002511144&totalRegistrosPorPagina=40&aplicacao=processos.ea. Acesso em: 20 out. 2022.
45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 5ª Turma. AgRg no RHC 130.301/MG. Paciente: M.B.R.

Requerente: M.M.R. Coator:Ministério Público do Estado de Minas Gerais. Relator: Min. Ribeiro
Dantas. Julgado em: 14 de setembro de 2021. Publicado em: 20 de setembro de 2021.
42

instâncias formais e conforme destacado pelo jurista Lenio Streck46, a concessão de


medidas cautelares contra atos do poder público, baseadas na Lei 8.437/1992, como
no caso em epígrafe, jamais foi pensada para o âmbito penal, sendo inaplicável para
sustar Habeas Corpus47. O renomado advogado e professor Aury Lopes Jr. opinou
que se trata de “decisão absolutamente lamentável em todos os aspectos”48.
É importante destacar que nem o presente trabalho e nem o próprio Ministro
estão fazendo algum tipo de juízo de valor ou analisando o caso concreto em si, o
que se pretende é discutir o instituto processual da execução provisória da pena e
sua constitucionalidade.
No caso da boate Kiss, o presidente do STF fez questão de manter os réus
presos mesmo que para isso tivesse de utilizar aparatos ilegais jamais utilizados
anteriormente em esfera penal. A consequência de tornar um caso midiático e refém
da opinião pública faz com que o judiciário muitas vezes se movimente para que
leigos entendam suas decisões como acertadas e justas, desrespeitando
legislações, precedentes consolidados e direitos básicos.
Inclusive, quanto à decisão de Luiz Fux, os advogados Rodrigo Faucz Pereira
e Silva e Jader da Silveira Marques enviaram à Comissão Interamericana de Direitos
Humanos um requerimento de medidas cautelares urgentes com o objetivo de
concessão de liberdade para que os réus possam aguardar os recursos contra a
decisão do Tribunal do Júri em liberdade. Além disso, requerem que a Corte
resguarde a plena eficácia do habeas corpus, com o objetivo de impedir seu
indeferimento ou descaracterização prévia por ato individual e arbitrária de
autoridade49, como o ato do Ministro Fux.
Em parte da petição, os advogados alegam o já explicitado no presente
trabalho, senão vejamos:

Não obstante a própria decisão pela suspensão do habeas corpus, por si,
seja suficiente para ensejar uma resposta imediata por parte da Comissão,
aponta-se outro grave desrespeito que merece enfrentamento: a
fundamentação do impedimento do habeas corpus no entendimento de que

46 SANTOS, Rafa. Decisão de Fux que anulou HC no caso da boate Kiss foi destaque. Conjur, 18 de
dezembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-18/decisao-fux-anulou-hc-
boate-kiss-foi-destaque. Acesso em: 17 out. 2022.
47 Ibidem.
48 Ibidem.
49 SANTOS, Rafa. Advogados vão à CIDH para suspender decisão de Fux no caso da boate Kiss.

Conjur, 21 de dezembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-dez-21/advogados-


cidh-suspender-decisao-fux-kiss Acesso em: 17 out. 2022.
43

as decisões tomadas pelo tribunal do júri precisam ser executadas de


pronto. Por este raciocínio, quando ocorrer condenação pelo tribunal do júri
a uma pena que permita a execução em regime fechado (a grande maioria
das decisões, considerando o parâmetro punitivo mínimo do homicídio), o
acusado é recolhido imediatamente. Assim, a única possibilidade recursal
se dá quando o sujeito já se encontra preso.
Tal entendimento viola frontalmente o (i) princípio da presunção de
inocência e o (ii) do duplo grau de jurisdição.
Primeiramente viola o da presunção de inocência, tanto no aspecto interno
(que prevê explicitamente que o agente apenas poderá ser considerado
culpado após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória – art.
5º, LVII da CF), como no âmbito do sistema de garantias de direitos
humanos, que determina no art, 8, “2” que “toda pessoa acusada de delito
tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove
legalmente sua culpa”.
Aqui, resta evidente que, por mais que os Estados-partes tenham uma
margem interpretativa de tal princípio, a significação está restrita
minimamente à Constituição do país. Sendo assim, compreender em
prejuízo do acusado apenas para aqueles que são condenados em
processos julgados por jurados, também constitui um atentado contra os
princípios da igualdade e da proporcionalidade.
Dito de outro modo. Com exceção dos crimes dolosos contra a vida, todos
os condenados pelos demais crimes previstos no Código Penal brasileiro,
podem se manter em liberdade enquanto não esgotadas as possibilidades
de recursos. Aliás, recentemente o STF se debruçou sobre o tema,
discutindo se a prisão caberia apenas após o trânsito em julgado (posição
que prevaleceu45) ou se poderia ser determinada após condenação em
segundo grau (com a chancela, ao menos, dos Tribunais de Justiça
estaduais).
Entretanto, perceba-se que o tribunal do júri faz parte do primeiro grau de
jurisdição. Neste diapasão, de qualquer decisão do juízo de jurados cabe
apelação ao Tribunal de Justiça estadual respectivo ou Tribunal Regional
Federal. Em suma, o entendimento de que as decisões do tribunal do júri
precisam ser cumpridas imediatamente está em confronto direto com os
parâmetros democráticos, as normas internas e o sistema internacional 50.

Após a criticada decisão, em agosto do presente ano, a 1ª Câmara Criminal


do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acolheu parte dos recursos de apelação
interpostos pelas defesas dos réus. As apelações requeriam a nulidade do
julgamento pela decisão do Conselho de Sentença ser manifestamente contrária à
prova dos autos e as penas aplicadas pelo juiz. O julgamento pelo TJRS terminou
com dois votos a um pelo reconhecimento da nulidade da decisão do Conselho de
Sentença.
O desembargador Jayme Weingartner Neto, que compõe a 1ª Câmara, votou
pelo anulamento do júri pelo argumento da falta de paridade de arma das partes no
processo, admitindo que houve um desequilíbrio da atuação do órgão ministerial em
relação a defesa. Além disso, afirmou que as regras para escolher os jurados foram
descumpridas e que os “atos praticados foram atípicos”. Segundo o desembargador:
50 Ibidem.
44

Foram descumpridas no sorteio de número excessivo de jurados, e foram


descumpridas na realização de três sorteios, sendo o último flagrantemente
fora do prazo legal (24/11/2021), a menos de dez dias úteis da data da
instalação da sessão (1º/12/2021)51.

A partir da decisão do colegiado que anula a condenação dos réus, a medida


antes tomada pelo Ministro Luiz Fux perde o objeto e, desta forma, deverá ser
realizado um novo júri. Segundo Aury Lopes Jr.:

Se lá o Fux determinou a execução antecipada [da pena] porque teve uma


sentença em primeiro grau, essa sentença não existe mais. E por conta dessa
decisão que anula [o júri] ou absolve, o recurso não tem efeito suspensivo. Então,
eles têm que ser soltos52.

Desta forma, como pudemos ver, o caso da Boate Kiss foi extremamente
emblemático e criticável no ponto em que colocou em destaque, em pleno caso midiático,
o novo artigo implementado pela lei anticrime que prevê a execução provisória da pena.
Conforme visto, os tribunais ainda estão muito conflituosos e receosos para aplicar o
dispositivo, pois percebem o quanto ferem direitos constitucionais básicos dos réus que
enfrentam um processo criminal. O assunto agora está sendo diretamente tratado em um
recurso extraordinário no Supremo Tribunal Federal e será este o tema do próximo
capítulo.

51 VASCONCELLOS, Hygino. Justiça do RS anula condenação por incêndio na boate Kiss; 4 serão
soltos. Notícias UOL, 03 de agosto de 2022. Disponível em:
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2022/08/03/boate-kiss-tj-rs-julga-recursos-
apelacao-santa-maria-porto-alegre.htm. Acesso em: 18 out. 2022.
52 CHAGAS, Gustavo. Caso Kiss: quais as chances de os réus voltarem a ser presos? Veja o que

dizem especialistas. G1, 04 de agosto de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-


sul/noticia/2022/08/04/caso-kiss-quais-as-chances-dos-reus-voltarem-a-ser-presos-veja-o-que-dizem-
especialistas.ghtml. Acesso em: 18 out. 2022.
45

5. O RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1235340 – TEMA 1068 E A EFETIVA


TRATATIVA DO TEMA DA EXECUÇÃO PROVISÓRIA DA PENA PELO STF

Com o objetivo de dar fim de vez na controvérsia da possibilidade da


execução provisória da pena imposta pelo Tribunal do Júri em primeiro grau, iniciada
pelo novo artigo previsto na lei anticrime, o Ministério Público do Estado de Santa
Catarina interpôs, em 2019, recurso extraordinário nº 1235340 sobre o tema no STF.
Em 30 de novembro de 2018, o Tribunal do Júri da Comarca de Chapecó/SC
condenou o acusado a 26 anos e 8 meses de reclusão, além de a 1 ano de
detenção, em regime inicialmente fechado. Na própria sentença, o Magistrado retirou
a possibilidade do réu de recorrer em liberdade.
A defesa do acusado impetrou HC perante do TJ de Santa Catarina que
indeferiu a liminar. Em seguida, contra o indeferimento da liminar, impetrou HC
perante o STJ que deferiu a medida cautelar, nos autos do HC 499.754-SC, para
determinar a expedição do alvará de soltura do paciente, até o julgamento do mérito
do writ.
Em decisão monocrática, o Ministro Nefi Cordeiro concedeu o Habeas Corpus
com a seguinte fundamentação:

Não obstante a excepcionalidade que é a privação cautelar da liberdade


antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, reveste-se de
legalidade a medida extrema quando baseada em elementos concretos, nos
termos do art. 312 do CPP.
Da sentença, extrai-se (fl. 28):
[...] Nego ao denunciado o direito de recorrer em liberdade, por se tratar de
condenação proferida com base em decisão do Tribunal do Júri e por isso
amparada pelo princípio constitucional da soberania dos veredictos, e por
isso imune à recorribilidade plena.[...]
Como se vê, não se apontou qualquer elemento do caso concreto para
justificar a custódia cautelar, afirmando-se, tão somente, a necessidade da
prisão do sentenciado, porquanto a decisão condenatória proferida pelo
Tribunal do Júri deve ser executada prontamente.
Logo, não julgado o recurso de apelação interposto contra a sentença que
condenou o ora paciente pela prática do delito de homicídio qualificado, e,
ainda, respondendo em liberdade o curso da ação penal, consoante a
decisão de pronúncia de fls. 36-43, impossibilita-se, por ora, a expedição do
respectivo mandado de prisão53.

53 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 6ª Turma. Habeas Corpus n° 499.754/SC. Paciente: Joel
Fagundes da Silva. Impetrante: Carlos Eduardo da Rocha e outros. Impetrado: Tribunal de Justiça do
Estado de Santa Catarina. Relator: Min. Nefi Cordeiro.Julgado em: 10 mai. 2019. Publicado em: 17
mai. 2019. Disponível em:
https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?num_registro=201900795539&aplicacao=processos.ea.
Acesso em: 21 out. 2022.
46

Contra a referida decisão monocrática, o Ministério Público de Santa Catarina


interpôs agravo regimental, ao qual a Sexta Turma do STJ negou provimento. A
partir disso, o RE foi interposto com fundamento no art. 102, inciso III, alínea a, da
Constituição da República, contra acórdão proferido pela Colenda Sexta Turma do
Superior Tribunal de Justiça, que negou provimento ao agravo regimental no RHC nº
111.960/SC, mantendo a liberdade do réu condenado em primeiro grau por
feminicídio qualificado.
Admitindo-se a repercussão geral (repercussão geral tema 1068), o
ministro Roberto Barroso aduziu:

O tema envolve, portanto, o exame dos princípios da presunção de


inocência, da soberania dos veredictos do Tribunal do Júri, da dignidade da
pessoa humana e da proibição da proteção insuficiente do estado. Além de
estar relacionado a direitos fundamentais de inegável interesse jurídico, a
matéria possui repercussão geral sob os pontos de vista político, na medida
em que envolve diretrizes de formulação da política criminal e mesmo de
encarceramento, e social, pelos impactos negativos gerados pela sensação
de impunidade gerada no meio social diante de condenações graves que,
muitas vezes, não são efetivamente cumpridas54.

Até o presente momento, os Ministros Roberto Barroso (Relator) e Dias Toffoli


(Presidente) proferiram seus votos conhecendo e dando provimento ao recurso
extraordinário para negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus e
fixando a tese de julgamento de que:

A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri autoriza a imediata execução


de condenação imposta pelo corpo de jurados, independentemente do total
da pena aplicada55.

Diferentemente da posição adotada, no Recurso Extraordinário em epígrafe o


Ministro Roberto Barroso defendeu que:

Embora tenha ficado vencido quanto à interpretação conferida ao art. 283


do CPP pelo Plenário desta Corte, entendo que o imediato cumprimento de
pena aplicada soberanamente pelo Tribunal do Júri não viola o princípio da
presunção de inocência nem se mostra posição contraditória com o
precedente firmado por este plenário nas Ações Declaratórias de
Constitucionalidade referidas.

54 COELHO, Gabriela. STF analisa constitucionalidade do imediato cumprimento de pena aplicada


pelo Júri. Conjur, 10 de outubro de 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-out-10/stf-
analisa-imediato-cumprimento-pena-tribunal-juri>. Acesso em: 23 out. 2022.
55 AVELAR, Daniel Ribeiro Surdi de. A execução provisória da pena no Tribunal do Júri. Conjur, 13

de novembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-13/tribunal-juri-execucao-


provisoria-pena-tribunal-juri Acesso em: 23 out. 2022.
47

A presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser


aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros
princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes.
No caso específico da condenação pelo Tribunal do Júri, na medida em que
a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo
Conselho de Sentença, e o Tribunal de segundo grau não pode substituir-se
à deliberação dos jurados (CF/1988, art. 5º, XXXVIII, “c”), o princípio da
presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o
interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos bens
jurídicos a que ela visa resguardar (CF/1988, arts. 5º, caput e LXXVIII, e
144), notadamente a vida humana. Noutros termos: interpretação que
interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri
representa proteção insatisfatória de direitos fundamentais de especial
relevância no quadro de valores constitucionais, tais como a vida, a
dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas. Isso significa
dizer que a prisão de réu condenado por decisão do Tribunal do Júri, ainda
que sujeita a recurso, não viola o princípio constitucional da presunção de
inocência ou da não culpabilidade56.

Dias Toffoli, no mesmo sentido, entende que nos crimes julgados pelo
Tribunal do Júri, em razão da estatura constitucional desse órgão, em consonância
com a soberania dos vereditos, a condenação deve ser imediatamente cumprida.
Em seguida aos votos dos dois ministros, o Ministro Gilmar Mendes também
proferiu seu voto, mas com o pensamento contrário e alinhado com o que o presente
trabalho defende. Vejamos parte fundamental do explicitado pelo ministro:

Ainda que a apelação da decisão dos Jurados tenha uma cognição limitada,
é por meio de tal recurso que o Tribunal de segundo grau poderá revisar a
sentença tanto em aspectos formais quanto materiais, visto que é possível a
determinação de novo júri se houver o reconhecimento de que a decisão foi
proferida em sentido manifestamente contrário à prova dos autos.
Nesse sentido, não se pode admitir que a execução da condenação
proferida em primeiro grau (ainda que por Tribunal do Júri) se inicie sem que
haja a possibilidade de uma revisão por Tribunal, de modo a assegurar o
controle apto a limitar e, assim, legitimar a incidência do poder punitivo
estatal.
(...) pode-se afirmar que o fundamento do processo penal, sua razão de
existir, é o reconhecimento de que, em um Estado democrático de direito,
uma sanção penal somente pode ser imposta após a obtenção de uma
condenação definitiva com total respeito às regras do devido processo
penal.
E, assim, ele adquire o sentido de ser um instrumento de limitação do poder
punitivo ao condicionar a aplicação de uma sanção penal ao seu transcorrer
e encerramento com uma sentença condenatória, em respeito às regras do
devido processo. (BINDER, Alberto M. La implementación de la nueva
justicia penal adversarial. Buenos Aires: Ad-Hoc, 2012. p. 74)
Trata-se de sentido compartilhado com os diplomas internacionais de
proteção de direitos humanos, que consolida uma perene tensão entre
legitimação e contenção do sistema punitivo. Desse modo, o Direito Penal
“enquanto saber científico, deve ser construído e compreendido tendo como
horizonte de sentido a restrição, mais hermética possível, ao mais intenso
poder Estatal – o punitivo (potestas puniendi)”. (SCALCON, Raquel Lima.

56 Ibidem.
48

Ilícito e pena. Modelos opostos de fundamentação do direito penal


contemporâneo. Rio de Janeiro: GZ Editora, 2013. p. 152)
No texto constitucional, a presunção de inocência destaca-se entre os
direitos fundamentais elencados no rol do art. 5º da Constituição Federal. O
inciso LVII determina: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em
julgado de sentença penal condenatória”.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica) prevê a garantia no artigo 8, 2: “Toda pessoa acusada de um delito
tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente
comprovada sua culpa.
(...) Contudo, não se pode aceitar que a determinação expressa e clara do
inciso LVII do art. 5º da CF, “ninguém será considerado culpado até o
trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, possa ser um princípio
ponderável. Trata-se de uma regra precisa, um direito fundamental,
assegurado para limitar o poder punitivo estatal57.

Além disso, o Ministro cita uma importante reflexão sobre os limites da


interpretação do texto constitucional trazida pelo Ministro Marco Aurélio no HC
126.292, já aqui analisado. Segundo ele:

O preceito, a meu ver, não permite interpretações. Há uma máxima, em


termos de noção de interpretação, de hermenêutica, segundo a qual, onde o
texto é claro e preciso, cessa a interpretação, sob pena de se reescrever a
norma jurídica, e, no caso, o preceito constitucional. Há de vingar o princípio
da autocontenção. Já disse, nesta bancada, que, quando avançamos,
extravasamos os limites que são próprios ao Judiciário, como que se lança
um bumerangue e este pode retornar e vir à nossa testa58.

Desta forma, não há interpretação diferente da máxima trazida pela


presunção de inocência a não ser a que não se pode executar uma pena a alguém
que não seja considerado culpado, e culpado só pode ser quem já não possui mais
possibilidade de reforma em sua sentença, ou seja, quem já possui sentença
transitada em julgado.
Após os três votos proferidos mencionados acima, o Ministro Ricardo
Lewandowski pediu vista dos autos e, no último dia 17 de outubro, o Recurso
Extraordinário foi incluído na lista de julgamento, agendado para os dias 28 de
outubro de 2022 a 09 de novembro de 2022.
A partir disso, espera-se que os Ministros do STF cumpram sua função de
proteção e respeito às normas constitucionais e firmem, sem dúvidas, o

57 Ibidem.
58 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2ª Turma. Habeas Corpus nº 126.292. Paciente: Marcio
Rodrigues Dantas. Impetrante: Maria Claudia de Seixas. Coator: Relator do HC nº 313.021 do
Superior Tribunal de Justiça. Relator: Min. Teori Zavascki. Julgado em: 17 fev. 2016. Publicado
em: 17 de maio de 2016. Disponível em:
https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10964246 Acesso em: 19 out.
2022.
49

entendimento de que a execução provisória da pena após condenação pelo Tribunal


do Júri é incompatível com o maior preceito de um Estado Democrático de Direito, o
preceito constitucional da presunção de inocência.
50

CONCLUSÃO

Desta forma, conforme destrinchado por todo o trabalho, podemos concluir


que o tema da execução provisória da pena ainda é polêmico e muitos acreditam
que o transcrito na Constituição Federal sobre culpabilidade do agente ainda é
passível de interpretação. A verdade é que, para perseguição de um Estado justo e
igualitário, existem diversos preceitos que a Constituição Cidadã de 1988 trouxe,
após a ditadura militar, visando à contenção do punitivismo e a garantia de direitos
básicos. A presunção de inocência é e sempre será o preceito mais importante de
um Estado Democrático de Direito, pois é ela quem contém o poder punitivo do
Estado e assegura os direitos de todos os que vivem em nossa sociedade.
Até mesmo na Corte Interamericana de Direitos Humanos, como no caso
Ricardo Canese vs. Paraguai, podemos ver uma constante preocupação com esse
preceito, neste caso assentou-se que a:

Corte considera que o direito à presunção de inocência é um elemento


essencial para a realização efetiva do direito de defesa e acompanha o
acusado durante toda a tramitação do processo até que uma sentença
condenatória que determine a sua culpabilidade se torne imutável 59.

A crescente onda de punitivismo no Brasil é preocupante e seus efeitos no


poder judiciário são nítidos. O direito adquirido de um réu condenado em primeira
instância no Tribunal do Júri esperar em liberdade pelos resultados de seus recursos
não pode ser retirado. Este atentado a Constituição Federal deve ser reprimido e o
entendimento que já era vigente deve ser mantido, essa constante mudança causa
insegurança jurídica e extremamente danosa para população em geral, cria-se mais
uma exceção à regra da prisão ser a exceção.
Se não houver respeito a essa regra maior jamais conseguiremos acabar com
questões graves que assolam nosso país, como a superpopulação carcerária, o
preconceito contra negros e pessoas de baixa renda e com o direito elitista, no qual
pessoas com dinheiro quase nunca respondem por seus crimes.
Por isso, conforme exposto, com o julgamento do Recurso Extraordinário em
trâmite no STF, deve-se ficar definido de vez por todas que o artigo 492, inciso I,

59 CORTE interamericana de derechos humanos. Caso Ricardo Canese Vs. Paraguai. Corte
Interamericana de derechos humanos, 31 de agosto de 2004. p. 75. Disponível em:
https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_111_por.pdf. Acesso em: 21 out. 2022.
51

alínea “e” do Código de Processo Penal, implementado pela Lei anticrime, e que traz
o conceito da execução provisória da pena, atenta contra a Constituição Federal e
aos direitos constitucionais adquiridos pelo povo brasileiro.
52

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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