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DA (IN)APLICABILIDADE DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE

PRONÚNCIA

OF THE (IN)APPLICABILITY OF IN DÚBIO PRO SOCIETATE IN THE


PRONUNCIATION DECISION

Deyvison Faria Diniz1


Jaqueline Ribeiro Cardoso2

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 O TRIBUNAL DO JÚRI COMO GARANTIA


FUNDAMENTAL DO INDIVÍDUO. 2.1 BREVE HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO
JÚRI. 2.2 PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. 2.3 COMPETÊNCIA DO
TRIBUNAL DO JÚRI. 3 O PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI E AS
DECISÕES DELE ADVINDAS. 3.1 DO PROCEDIMENTO. 3.2 POSSÍVEIS
DECISÕES APÓS A FASE DE FORMAÇÃO DE CULPA. 4. DO IN DÚBIO PRO
SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONÚNCIA. 4.1 DIVERGÊNCIAS NAS
DECISÕES JUDICIAIS NO QUE CONCERNE A ADOÇÃO DO IN DÚBIO PRO
SOCIETATE. 4.2 DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE EM FACE DO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO. 4.2.1 PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E
IN DÚBIO PRO REO. 4.2.2 ANÁLISE SOBRE CONSTITUCIONALIDADE DA
UTILIZAÇÃO DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONÚNCIA. 5
CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.

Resumo: O problema de pesquisa deste artigo perpassa pela análise da


(in)constitucionalidade da aplicação do instituto do in dúbio pro societate na decisão
de pronúncia em face do ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, foi utilizado
como método de pesquisa a pesquisa bibliográfica, a qual tem como escopo analisar
e elaborar o artigo com os materiais já publicados sobre o tema, como livros, artigos
e periódicos. Nesse diapasão, o objetivo desta pesquisa é estudar acerca da
(in)aplicabilidade do instituto do in dúbio pro societate na fase de pronúncia do

1
Aluno do 9º período de Direito da faculdade FAMIG.
2
Especialista em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva, área de concentração em Direito
Público e pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá, área de concentração Ciências Sociais
aplicadas. Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. É professora do curso de
Direito da Famig (Faculdade Minas Gerais). Ex Servidora Pública do Tribunal de Justiça de Minas
Gerais e atual servidora do Ministério Público de Minas Gerais. Tem experiência na área de Direito, com
ênfase em Direito Penal e Processual penal.
Tribunal do Júri. Esse estudo tem o condão de expor acerca do cenário de dúvida do
magistrado na decisão de pronúncia, a qual acontece quando o juiz convencido dos
indícios de autoria e materialidade pronuncia o réu ao julgamento pelo júri, nos
termos do artigo 413 do CPP. À vista disso, questiona-se o magistrado, diante da
dúvida, deverá decidir em favor da sociedade, pronunciando o réu e enviando a
julgamento pelo júri, ou decidir em favor do réu e, nesse caso, proceder a uma
decisão de impronúncia em que consiste em obstar o seguimento da ação penal,
devido ausência dos elementos mínimos de autoria e materialidade, encerrando o
juízo de formação de culpa, com fulcro no artigo 414 do CPP. Por fim, pode-se
concluir que o in dúbio pro societate vigora nos procedimentos do júri, sem, contudo
possuir embasamento constitucional para tanto.

Palavras-Chave: (In)constitucionalidade. In dúbio pro Societate. Dúvida. Pronúncia.


Impronúncia.

Abstract: The research problem of this article goes through the analysis of the (in)
constitutionality of the application of the institute of the dubious pro societate in the
decision of pronunciation in the face of the Brazilian legal system. To this end, the
bibliographic research was used as a research method, which aims to analyze and
elaborate the article with materials already published on the theme, such as books,
articles and journals. In this tuning fork, the objective of this research is to study
about the (in) applicability of the institute of the dubious pro societate in the
pronouncement phase of the Jury Court. This study has the ability to expose the
scenario of doubt of the magistrate in the decision of pronunciation, which happens
when the judge convinced of the evidence of authorship and materiality pronounces
the defendant to trial by the jury, pursuant to article 413 of the CPP. In view of this,
the magistrate is questioned, in the face of doubt, should decide in favor of the
company, pronouncing the defendant and sending to the jury for judgment, or decide
in favor of the defendant and, in this case, make a decision of dismissal in which
consists in preventing the follow-up of the criminal action, due to the absence of the
minimum elements of authorship and materiality, ending the judgment of formation of
guilt, based on article 414 of the CPP. Finally, it can be concluded that the in dubious
pro societate is effective in the proceedings of the jury, without, however, having a
constitutional basis for it.
Keywords: (In)constitutionality. In dubious to Societate. Doubt. Pronunciation.
Disclaimer

1. INTRODUÇÃO
Este artigo tem como tema a (In)aplicabilidade do in dúbio pro societate na decisão
de pronúncia, sendo o objetivo geral analisar se o in dúbio pro societate é
constitucional ou inconstitucional, nos termos da CRFB/1988.

Assim o problema reside em analisar se o in dúbio pro societate coaduna com a


carta magna brasileira, a qual tem como princípio a presunção de inocência e o in
dúbio pro reo, com fulcro no artigo 5º, LVII, da Constituição Federal.

O referencial teórico utilizado foi à doutrina considerada clássica e a moderna. Esta,


representada por Aury Lopes jr., Tourinho filho, dentre outros, consideram que o in
dúbio pro societate não é um princípio e não tem espaço no ordenamento jurídico
brasileiro, uma vez que a Constituição Federal tem como pressuposto a presunção
de inocência e, em decorrência disso, o in dúbio pro reo. Lado outro, a doutrina
clássica, por exemplo, Fernando Capez, aduz que o in dúbio pro societate tem
vigência na pronúncia, tendo em vista que esta fase é meramente de suspeita e não
de certeza, logo, não ofendendo nenhum princípio constitucional.

Em relação ao objetivo proposto por este trabalho, este se desenvolveu em quatro


capítulos, sendo o primeiro a introdução, o segundo sobre o tribunal do júri como
garantia fundamental do indivíduo, o terceiro acerca do procedimento do tribunal do
júri e as decisões dele advindas, o quarto referente o in dúbio pro societate na
decisão de pronúncia e, por fim, a conclusão.

O segundo capítulo será analisado o Tribunal do Júri como garantia fundamental do


indivíduo, passando pelo estudo de um breve histórico do Tribunal do Júri no
ordenamento jurídico brasileiro, os princípios constitucionais desse instituto e os
crimes de competência dele. Nesse sentido, o júri fora criado no Brasil pela lei de 18
de junho de 1822, a qual limitou sua competência ao julgamento dos crimes de
imprensa. Ademais, o júri era formado por Juízes de Fato, vinte e quatro cidadãos,
os quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a
requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o
Fiscal dos delitos. Em relação aos princípios constitucionais que norteiam o tribunal
do júri, pode-se dizer que são a plenitude de defesa, sigilo das votações e a
soberania dos veredictos. Em seguida, serão expostos os crimes de competência do
Tribunal do júri, os quais são os dolosos contra a vida, sendo homicídio simples
(artigo 121, caput, do CP), homicídio privilegiado (artigo 121, § 1º, CP), homicídio
qualificado (artigo 121 §2º, CP); induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (artigo
122 CP); infanticídio (artigo 123 CP); as variadas formas de aborto (artigos 124 a
127 do CP).

Já no terceiro capítulo, irá ser analisado o procedimento do Tribunal do júri, o qual é


considerado especial. Já em relação às fases acerca desse instituto, o tribunal do
júri é composto por duas fases, sendo o juízo de formação de culpa (denúncia até a
pronúncia) e o juízo de mérito (da pronúncia a decisão em plenário do júri). À vista
disso, depois da fase de formação de culpa, o juiz deve decidir no sentido de haver a
pronúncia, impronúncia, desclassificação e absolvição sumária. Em poucas
palavras, pode-se dizer que a absolvição sumária acontece quando há um juízo de
certeza no que tange a inocência do réu. Já a desclassificação é dar nova tipificação
legal a infração, dessa forma, será denegada a competência do júri. A impronúncia é
a decisão que extingue o processo por ausência de provas substanciais de autoria e
materialidade. Por fim a pronúncia, a qual é a decisão pautada em indícios
suficientes de autoria e materialidade, que tem por finalidade que o réu seja julgado
pelos jurados no tribunal do júri.

No quarto capítulo, será analisada a constitucionalidade ou não do In dúbio pro


societate na decisão de pronúncia. Diante da divergência tanto na doutrina quanto
na jurisprudência acerca deste tema, alguns entendem que a pronúncia tem como
princípio o in dúbio pro societate, visto que em um cenário de dúvida quem deve
julgar é o júri, ou seja, a sociedade. Lado outro, parte da doutrina posiciona-se no
sentido que não existe este “princípio” do in dúbio pro societate, mas, sim, o in dúbio
pro reo. Portanto, na hipótese de dúvida do magistrado quanto autoria e
materialidade, deve-se impronunciar o réu, nos termos dos parâmetros
constitucionais.
Por fim, concluindo a pesquisa, far-se-á necessário o posicionamento acerca da
aplicabilidade ou não do in dúbio pro societate. Alguns defendem que, perante o
procedimento do júri, rege o brocardo do in dúbio pro societate, logo, apenas basta
mero cenário de suspeição para que haja a pronúncia. Entretanto, lado outro,
entende que em um Estado Democrático de Direito confirmar que a pronúncia é
mera admissibilidade da acusação e que estando o magistrado em dúvida, deve-se
aplicar o princípio do in dubio pro societate é um atestado de desconhecimento da
Constituição do próprio país, a qual adota o princípio da presunção de inocência. À
vista disso, durante a pesquisa será demonstrado qual entendimento fora adotado.

2. O TRIBUNAL DO JÚRI COMO GARANTIA FUNDAMENTAL DO INDIVÍDUO


O Tribunal do Júri, conforme a Carta Magna Brasileira de 1988 é uma garantia
fundamental no ordenamento jurídico, podendo ser visto como uma instituição de
caráter indispensável ao cidadão, uma vez que é um instituto que reflete a
democracia do Estado Democrático de Direito.

Ademais, este instituto, serve como base de sustentação ao devido processo legal
no julgamento de crimes dolosos contra a vida, haja vista que a própria Constituição
da República Federativa do Brasil de 1988, trouxe a competência do Tribunal do Júri
e, além disso, os princípios que norteiam seus ditames.

Criado como cláusula pétrea, visto que está dentre as garantias individuais, confere
ao cidadão comum um status de magistrado, cabendo a ele julgar, absolver ou
condenar seu semelhante. Ou seja, destaca-se que o Tribunal do Júri é uma
instituição democrática, a qual é capaz de dar ao cidadão participação direta em um
dos assuntos dos Poderes da República.

2.1 BREVE HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI


Antes de discorrer acerca do tema tribunal do júri como garantia individual do
indivíduo, far-se-á necessário expor sobre o contexto histórico do tribunal do júri.
Haja vista que, deve-se conhecer o passado para melhor entender o cerne do
instituto aludido.
A instituição, na sua visão moderna, encontra sua origem na Magna Carta, da
Inglaterra, de 1215. Sabe-se, por certo, que o mundo já conhecia o júri antes disso,
como ocorreu, especialmente, na Grécia e em Roma, e, nas palavras de Carlos
Maximiliano, “as origens do instituto, vagas e indefinidas, perdem-se na noite dos
tempos” (NUCCI, p.699).

O Tribunal do Júri foi criado no Brasil por decreto do Príncipe Regente, de 18 de


junho de 1822, a qual limitou sua competência ao julgamento dos crimes de
imprensa, sendo que era formado por Juízes de fato, vinte e quatro cidadãos, os
quais deveriam ser nomeados pelo Corregedor e Ouvidores do crime, e a
requerimento do Procurador da Coroa e Fazenda, que atuava como o Promotor e o
Fiscal dos delitos. Ademais, os réus podiam recusar dezesseis dos vinte e quatro
nomeados. Outro aspecto relevante é que os réus somente podiam apelar para a
clemência real, uma vez que apenas ao príncipe era facultada a alteração da
sentença proferida pelo Júri (BARTOLOMEI, 2011).

Após este período, diversos foram os modelos de tribunal do júri adotados pelo
ordenamento jurídico brasileiro de outrora. Contudo, vale ressaltar que a
Constituição de 10 de novembro de 1937, manifestamente totalitária, foi omissa a
respeito do Tribunal do Júri, chegando alguns juristas a afirmar que ele havia sido
extinto. Entretanto, o Decreto–Lei n.º 167, de 05 de janeiro de 1938, admitiu
implicitamente a sua existência na ordem jurídica ao regulamentá-lo, estabelecendo
sua competência para julgar os crimes de homicídio, infanticídio, induzimento ou
auxílio a suicídio, duelo com resultado de morte ou lesão seguida de morte, roubo
seguido de morte e sua forma tentada (BANDEIRA, 2010).

Portanto, à luz desse breve histórico supracitado, percebe-se que o tribunal do júri
no Brasil perpassa pelo período imperial e, posteriormente, na fase de república
federativa. Deste modo, é essencial entender as mudanças ocorridas no
ordenamento jurídico no que diz respeito ao instituto em análise.

No que tange o período da ditadura no Brasil (1964 a 1985), também se torna


relevante salientar que a Carta de 1967, outorgada sob a égide do regime militar,
manteve a instituição do júri e a soberania dos seus veredictos para julgar os crimes
dolosos contra a vida. Não obstante, a Emenda Constitucional n.º 1, de 17 de
outubro de 1969, deu nova redação à Constituição de 1967, mantendo o júri com
competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, mas suprimindo a
soberania dos seus veredictos. Após o término do período militar que perdurou de
1964 a 1985, a carta magna brasileira de 1988 devolveu o escopo democrático ao
ordenamento jurídico brasileiro (BANDEIRA, 2010).

Atualmente, o Tribunal do Júri encontra-se previsto no título dos Direitos e Garantias


Fundamentais, no art. 5º, inc. XXXVIII da CF/88, momento em que a Carta Magna
Brasileira também estabeleceu os princípios orientadores do tribunal do júri, sendo a
plenitude de defesa, o sigilo das votações, a soberania dos veredictos e a
competência para o julgamento nos crimes dolosos contra a vida (artigo 5º,
inc.XXXVIII, CRFB/1988).

Nesse diapasão, em 1988, visualizando-se o retorno da democracia no cenário


brasileiro, novamente previu-se o júri no capítulo dos direitos e garantias individuais,
trazendo de volta os princípios da Carta de 1946: soberania dos veredictos, sigilo
das votações e plenitude de defesa. A competência tornou-se mínima para os
crimes dolosos contra a vida (NUCCI, 2015).

Observa-se, majoritariamente, na doutrina ser o júri uma garantia e não um direito


individual. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 resguarda os
direitos fundamentais, contudo também destaca garantias fundamentais. Estas
representam os instrumentos para alcançar um direito, uma vez que são destinadas
a tutelar um direito principal. Os direitos fundamentais seriam, logo, apenas
declaratórios e as garantias fundamentais seriam o mecanismo para assegurar o
gozo dos direitos (SILVA, 2004).

No que concernem as cláusulas pétreas, suas limitações estão tipificadas no artigo


60, § 4º, conforme a seguir:
Art. 60
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir
:
I a forma federativa de Estado;
II o voto direto, secreto, universal e periódico;
III a separação dos Poderes;
IV os direitos e garantias individuais (CRFB/1988).

À vista deste preceito constitucional, Alexandre de Morais ensina que as limitações


constitucionais aludidas, formam o núcleo duro, ou seja, inatingível da constituição.
Portanto, o escopo das cláusulas pétreas está atrelado à proteção das questões que
o poder constituinte originário considerou essenciais para a sociedade brasileira
(MORAES, 2007).

Percebe-se que o Tribunal do Júri, na ordem constitucional atual está tipificado e


garantido no título de direitos e garantias fundamentais, o que caracteriza como
cláusula pétrea, logo, não poderá ser extinto nem mesmo por emenda constitucional.

2.2 PRINCÍPIOS DO TRIBUNAL DO JÚRI


Superado o breve histórico acerca do tribunal do júri, torna-se crucial entender os
princípios que norteiam o tribunal do júri no Brasil. Primeiramente, sobre o viés
etimológico da palavra princípio, entende-se que é a causa primária de origem.
Logo, princípio constitucional, refere-se à base do ordenamento jurídico como um
todo (DICIONÁRIO AURÉLIO, 1999).

Para Celso Antônio Bandeira de Mello os princípios são mandamentos nucleares de


um sistema. Representando o verdadeiro alicerce deste sistema, sendo a disposição
fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e
servindo de critério para a exata compreensão delas, uma vez que define a lógica e
racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe o conteúdo que lhe dá sentido
harmônico (MELLO, 2011).

Os princípios são, portanto, essenciais para que haja a exata compreensão do


ordenamento jurídico como um todo, visto que são mandamentos em que o
operador do direito pode se pautar para interpretar corretamente uma norma. Logo,
pode-se dizer que os princípios funcionam como uma bússola, a qual tem como o
norte magnético a legalidade e a dignidade da pessoa humana.
O primeiro princípio destacado do tribunal do júri é a plenitude de defesa. Ao
acusado em geral assegura-se a ampla defesa (art. 5.º, LV, CF/1988), significando
uma atuação do defensor extensa, porém, não necessariamente plena, completa,
como é garantida aos acusados submetidos ao tribunal do Júri, onde os advogados
podem alegar inclusive questões morais e sociais.

Pode-se inferir sobre este princípio que é distinto da ampla defesa. A ampla defesa
equivale à defesa ampla, já a plenitude é a defesa perfeita.

A ampla defesa, exercida tanto em processos judiciais como em


administrativos, entende-se pela defesa técnica, relativa aos aspectos
jurídicos, sendo: o direito de trazer ao processo todos os elementos
necessários a esclarecer a verdade, o direito de omitir-se, calar-se, produzir
provas, recorrer de decisões, contraditar testemunhas, conhecer de todos
os atos e documentos do processo etc. (SILVA, 2014, p. 24)

Em outras palavras, a ampla defesa no processo criminal comum, é aquém da


plenitude de defesa do tribunal do júri. Por exemplo, caso um advogado ao defender
o réu em processo penal não o faz com êxito, o juiz apenas levando em conta as
provas do processo irá decretar a sentença. Contudo, no tribunal do júri, pautado na
plenitude de defesa, o magistrado deveria intervir caso o réu esteja sendo
prejudicado por seu procurador. Pode-se citar também acerca da plenitude de
defesa, por exemplo, o juiz que impede a defesa quando esta lhe ocorre idéia
inédita. Portanto, cercear esta réplica iria contra o princípio constitucional da
plenitude de defesa (NUCCI, 2015).

O segundo principio é o sigilo das votações que garante que o voto de cada jurado
seja secreto. Nesse sentido, o código de processo penal, dispõe que ao final da
exposição dos quesitos em plenário, as partes (juiz presidente, jurados, MP,
assistente, querelante, defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça) serão
direcionadas para sala especial. Caso não haja esta sala, o juiz determinará que o
público se retire, para que seja feita a votação Portanto, o sigilo dos votos dos
jurados, tem o fim de garantir autonomia e resguardar a decisão dos mesmos contra
qualquer tipo de retaliação (DECRETO LEI 3689/41, CPP).
À vista desse dispositivo legal do CPP, o qual traz cautelas legais na votação dos
jurados, percebe-se que esses procedimentos aludidos visam assegurar aos jurados
a livre formação de suas convicções e conclusões. Dessa forma, busca-se afastar
quaisquer circunstâncias que possam acarretar alguma forma de constrangimento
aos julgadores leigos. Portanto, o sigilo dos votos dos jurados, tem o fim de garantir
autonomia e resguardar a decisão dos mesmos contra qualquer tipo de retaliação
(PORTO, 1993).

Finalmente, vale ressaltar o princípio da soberania dos veredictos que implica dizer
que os jurados possuem autonomia ao decidir pela condenação ou não do réu. Os
jurados, conforme artigo 472 do CPP, decidem de acordo sua consciência e justiça e
não com base no ordenamento jurídico. Portanto, o veredicto dos jurados será a
última palavra, não podendo ser impugnada em seu mérito pelo magistrado, em
consonância ao princípio constitucional da soberania dos veredictos.

Fazendo uma analogia com as eleições, o tribunal eleitoral julgando se a população


escolheu bem ou mal seus representantes, seria uma afronta a soberania popular e
a democracia sucumbiria, ou seja, partindo deste pressuposto, a decisão dos
jurados no tribunal do júri deverá ser respeitada (NUCCI, 2015).

Nessa perspectiva, Capez aduz que:

A soberania dos veredictos implica a impossibilidade de o tribunal técnico


modificar a decisão dos jurados pelo mérito. Trata-se de princípio relativo,
pois no caso da apelação das decisões do Júri pelo mérito (art. 593, III, d) o
Tribunal pode anular o julgamento e determinar a realização de um novo, se
entender que a decisão dos jurados afrontou manifestamente a prova dos
autos. Além disso, na revisão criminal, a mitigação desse princípio é ainda
maior, porque o réu condenado definitivamente pode ser até absolvido pelo
tribunal revisor, caso a decisão seja arbitrária. Não há anulação nesse caso,
mas absolvição, isto é, modificação direta do mérito da decisão dos jurados
(CAPEZ, 2012, p. 630)

Ainda sobre a soberania dos veredictos, vale salientar que, a jurisprudência é


pacífica acerca da realização de um novo julgamento pelo tribunal do júri quando a
decisão for manifestamente contrária as provas dos autos. Ou seja, o novo
julgamento nessa hipótese, não ofende a soberania dos veredictos (STF, HC
94730).
2.3 COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DO JÚRI
Ulteriormente expor acerca dos princípios que permeiam o tribunal do júri, torna-se
importante explicar a competência deste tribunal. O artigo 5º, XXXVIII, d, CF,
contempla ao tribunal do júri o julgamento dos delitos dolosos contra a vida.
Mediante isso, os crimes de competência do tribunal do júri, são: homicídio simples
(artigo 121, caput, do CP), homicídio privilegiado (artigo 121, § 1º, CP), homicídio
qualificado (artigo 121 §2º, CP); induzimento, instigação e auxílio ao suicídio (artigo
122 CP); infanticídio (artigo 123 CP); as variadas formas de aborto (artigos 124 a
127 do CP). Outrossim, por força da atração do tribunal do júri, conforme os artigos
76 e seguintes do CPP, os delitos conexos aos dolosos contra a vida são atraídos
pelo tribunal do júri.

A doutrina, como Nucci, defende que essa competência do Júri, prevista na CF/88, é
uma competência exclusiva ou mínima, o que significa dizer que considerando a
possibilidade de julgar os crimes conexos aos crimes dolosos contra a vida, é
possível dizer que o júri tem apenas a competência mínima para julgar os crimes
dolosos contra a vida, e não a competência única para julgá-los. Dessa forma, a
competência prevista na Constituição Federal é vista como uma competência
mínima.

Ademais, ainda em consonância NUCCI, A CRFB/1988 não buscou estipular uma


competência exclusiva, mas, sim, evitar que o legislador ordinário mitigasse cadê
vez mais a atribuição do Tribunal do Júri. Nesse viés, o motivo preponderante para
que o constituinte estipulasse um gênero de crimes a ser julgado pelo Tribunal do
Júri deveu-se ao fato de que, em outros países, quando não especificada na
Constituição essa competência mínima, a tendência sempre foi reduzir,
gradativamente, a participação do júri no sistema judiciário, de modo a conduzi-lo a
um papel meramente decorativo. Salvo os Estados Unidos, único país do mundo
onde a instituição ainda possui certa força, mesmo porque constam como garantia
fundamental do homem na Constituição, os demais países que possuem tipificação
no ordenamento jurídico acerca do tribunal do júri, com o decorrer do tempo a esfera
de delitos de sua competência torna-se cadê vez menor. (NUCCI, 2014).
Por fim vale ressaltar que a súmula vinculante 45 do STF diz que “A competência
constitucional do Tribunal do Júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função
estabelecido exclusivamente pela Constituição Estadual” (STF, 2015).

Em relação essa súmula, percebe-se que fora criada para elucidar divergências no
que tange ao foro de prerrogativa de função em face da competência do júri. Nesse
sentido, pode-se citar a jurisprudência a seguir:

Ementa: - Habeas Corpus. 2. Procurador do Estado da Paraíba condenado


por crime doloso contra a vida. 3. A Constituição do Estado da Paraíba
prevê, no art. 136, XII, foro especial por prerrogativa de função, dos
procuradores do Estado, no Tribunal de Justiça, onde devem ser
processados e julgados nos crimes comuns e de responsabilidade. 4. O art.
136, XII, da Constituição da Paraíba, não pode prevalecer, em confronto
com o art. 5º,XXXVIII, letra 'd', da Constituição Federal, porque somente
regra expressa da Lei Magna da República, prevendo foro especial por
prerrogativa de função, para autoridade estadual, nos crimes comuns e de
responsabilidade, pode afastar a incidência do art. 5º,XXXVIII , letra 'd',
da Constituição Federal, quanto à competência do Júri. 5. Em se tratando,
portanto, de crimes dolosos contra a vida, os procuradores do Estado da
Paraíba hão de ser processados e julgados pelo Júri. (...)" (HC 78168,
Relator Ministro Néri da Silveira, Tribunal Pleno, julgamento em 18.11.1998,
DJ de 29.8.2003).

Portanto, à Luz dessa jurisprudência, percebe-se que concerne à competência do


Tribunal do Júri, para o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tem
o STF decidido que apenas podem ser excepcionadas, nos casos de foro especial,
por prerrogativa de função, as hipóteses previstas na própria na Constituição
Federal. Ou seja, as pessoas com prerrogativas de foro previstas em constituições
estaduais, serão julgadas normalmente pelo tribunal do júri, conforme qualquer outro
cidadão.

3. O PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI E AS DECISÕES DELE


ADVINDAS
Este capítulo dividiu-se em duas partes, sendo: a primeira tem o escopo de analisar
as fases do procedimento relativo aos processos de competência do tribunal do júri
e a segunda tem o condão de entender acerca das possíveis decisões advindas
deste procedimento.
3.1 DO PROCEDIMENTO
No que tange ao procedimento do tribunal do júri, embora esteja inserido no título do
processo comum, tal rito terá procedimentos próprios. Portanto, pode-se dizer que o
tribunal do júri é um procedimento especial (DECRETO LEI 3689/41, CPP).

Em relação às fases acerca do tribunal do júri, há corrente doutrinária que defende o


tribunal do júri como apenas duas fases, sendo o juízo de formação de culpa
(denúncia até a pronúncia) e o juízo de mérito (da pronúncia a decisão em plenário
do júri). Contudo, alguns doutrinadores, entendem que o tribunal do júri perpassa
sobre a égide trifásica, consistente em, além das aludidas, uma fase autônoma da
preparação do plenário do júri.

Acerca da fase de formação de culpa, à Luz do artigo 412 do CPP, contém um prazo
de 90 dias para seu encerramento (prazo impróprio). Essa fase perpassa pelo
oferecimento da denúncia pelo Ministério Público, o qual poderá arrolar até 8
testemunhas, nos termos de artigo 406 do CPP, conforme a seguir exposto:

Art.406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do


acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.
§ 1o O prazo previsto no caput deste artigo será contado a partir do efetivo
cumprimento do mandado ou do comparecimento, em juízo, do acusado ou
de defensor constituído, no caso de citação inválida ou por edital.
§ 2o A acusação deverá arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), na
denúncia ou na queixa.
§ 3o Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo que
interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as
provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito),
qualificando-as e requerendo sua intimação, quando necessário (DECRETO
LEI 3689/41, CPP).

Percebe-se, conforme fora supracitado, que a defesa assim como o acusador,


poderá arrolar até 8 testemunhas. Ademais, o réu poderá suscitar preliminares,
oferecer justificações (excludentes de ilicitude) e juntar documentos. Contudo, na
hipótese da não apresentação da defesa no prazo legal, o juiz nomeará defensor
público para fazê-la em 10 dias, nos termos do artigo 408 do CPP.

Outro aspecto relevante diz respeito à oitiva de testemunhas. Mesmo com o


princípio da plenitude de defesa, já explicado neste artigo, o juiz deverá respeitar as
estratégias das partes. Estratégia a qual poderá ser no sentido de deixar de ouvir
alguma testemunha e de não oferecer as alegações finais. Essa conduta, não
acarreta nenhum prejuízo ou nulidade, nos termos do entendimento do STF:

A desistência da oitiva de testemunhas arroladas pela própria defesa, que


inclusive poderiam vir a ser inquiridas em plenário caso algo de relevante
tivessem a dizer, e o não oferecimento das alegações finais em
procedimento da competência do Tribunal do Júri constituem adequada
tática da acusação e da defesa de deixarem os argumentos de que dispõem
para apresentação no plenário, ocasião em que poderão surtir melhor efeito,
por não serem previamente conhecidos pela parte adversária. Precedentes
(HC 74.631/SP, 2.ª T., rel. Min. Maurício Corrêa, DJ20.06.1997; HC
92.207/AC, 1.ª T., rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 26.10.2007) (HC
103569/CE,1.ª T., j. 24.08.2010, v.u., rel. Dias Toffoli).

Na hipótese de haver preliminares ou novos documentos, com base no princípio do


contraditório, intima-se o MP para que este se manifeste acerca destes temas em 5
dias. Acerca deste princípio constitucional, entende-se que o contraditório tem o
escopo que cada ato processual seja resultante da participação ativa das partes. Ou
seja, o processo penal em um Estado Democrático de Direito, deve proporcionar
igual oportunidade entre as partes, as quais utilizaram os mecanismos legais para
alcançar seus objetivos (BONFIM, 2009. 4. ED.).

Por fim, além das defesas outrora aludidas, o réu poderá alegar suspeição,
incompetência de juízo, litispendência, ilegitimidade de parte e coisa julgada, nos
termos do artigo 95 do CPP (DECRETO LEI 3689/41, CPP).

Adentrando a instrução probatória, a lei estipula a previsão de uma única audiência,


em consonância ao artigo 411 de Código de Processo Penal. Em que pese a ideia
do legislador da concentração dos atos em uma única audiência (princípio da
celeridade), este regra não é absoluta. Haja vista que, na ausência de alguma
testemunha primordial para o processo, o juiz poderá remarcar a audiência para que
ela seja ouvida, assim respeitando os princípios da plenitude de defesa, o devido
processo legal, a busca pela verdade real e o contraditório (NUCCI, 2015).

No que diz respeito à ordem da audiência de instrução, esta proceder-se-á pela


tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos,
às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em
seguida, o acusado e procedendo-se as alegações finais, nos termos do artigo 411
do CPP.Vale ressaltar que, na hipótese de inversão desta ordem, o processo está
eivado pela nulidade, conforme entendimento do SFT (DECRETO LEI 3689/41,
CPP).

A respeito das alegações finais, o juiz irá conceder às partes a oportunidade de


oferecerem suas alegações finais oralmente. Primeiramente, o promotor de justiça
ou o advogado da vítima, tratando-se de ação penal privada subsidiária, terão o
tempo de 20 minutos. Na hipótese de haver assistente de acusação, este terá 10
minutos para suas alegações. Por fim, serão concedidos os mesmos 20 minutos a
defesa, sendo que poderá ser acrescido mais 10 minutos no caso de ter o assistente
de acusação. Após a fase de formação de culpa mencionada, há quatro hipóteses
de decisões judiciais: a pronúncia, a impronúncia, a absolvição sumária ou a
desclassificação (BANDEIRA, 2010).

3.2 POSSÍVEIS DECISÕES APÓS A FASE DE FORMAÇÃO DE CULPA


Sobre a absolvição sumária, esta finaliza o processo penal com uma sentença
meritória, a qual julga improcedente a denúncia ou a queixa. O acusado será
absolvido quando provada qualquer das hipóteses dos incisos do artigo 415 do
Código de Processo Penal, o qual dispõe que:

Art. 415. O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado,


quando: (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
I – provada a inexistência do fato; (Redação dada pela Lei nº 11.689, de
2008)
II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato; (Redação dada pela Lei
nº 11.689, de 2008)
III – o fato não constituir infração penal; (Redação dada pela Lei nº 11.689,
de 2008)
IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.
(Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Parágrafo único. Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo
ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei no
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a
única tese defensiva (DECRETO LEI 3689/41, CPP).

Portanto, à luz das hipóteses trazidas por esse dispositivo legal, inferi-se que
ocorrerá a absolvição sumária quando houver um juízo de certeza por parte do
magistrado. Juízo o qual demonstra que o fato não existiu, não foi o réu
autor/partícipe do crime, o fato não constituir infração penal ou provada uma
excludente de ilicitude (exclusão do crime) ou de culpabilidade (isenção de pena).

Já sobre a desclassificação, este se caracteriza quando há a remessa do processo a


outro juízo (singular), tendo em vista que houve o reconhecimento da incompetência
do tribunal do júri para julgar o caso concreto. Acerca do tema o parágrafo 3º do
artigo 74 do Código de Processo Penal dispõe que:

§ 3º Se o juiz da pronúncia desclassificar a infração para outra atribuída à


competência de juiz singular, observar-se-á o disposto no art. 410; mas, se
a desclassificação for feita pelo próprio Tribunal do Júri, a seu presidente
caberá proferir a sentença (art. 492, § 2o) (DECRETO LEI 3689/41, CPP).

À vista disso, de acordo entendimento de TORNAGHI, desclassificar é dar ao crime


nova tipificação legal, quando ocorrer mudança de fato, novos elementos de
convicção ou uma apreciação mais aprofundada dos mesmos fatos e elementos de
prova (TORNAGHI, Compêndio de processo penal, t. I, p. 323).

Em relação à impronúncia, entende-se que é uma decisão interlocutória mista de


conteúdo terminativo, uma vez que extingue o processo sem o julgamento de mérito.
Vale ressaltar que isso ocorre devido inexistência de prova da materialidade ou
insuficiência de indícios de autoria. Ademais, torna-se relevante compreender que,
ao impronunciar o réu, o juiz encerra o processo, sem, porém, julgar a pretensão
punitiva, ou seja, sem implicar a condenação ou a absolvição do acusado, haja vista
que, com o advento de novas provas, ocorre reabertura do processo (NUCCI, 2015).

Por fim, a pronúncia, a qual é uma “decisão interlocutória mista não terminativa, pois
o que se encerra não é o processo, mas sim uma fase do procedimento”. Portanto, a
pronúncia, constitui como única forma de seguir o processo para apreciação do
Tribunal do júri (RANGEL, 2015).

Outro aspecto relevante sobre a pronúncia diz respeito ao excesso de linguagem. A


sentença de pronúncia deve limitar-se à indicação da materialidade do delito e aos
indícios de autoria para evitar nulidade por excesso de linguagem e para não
influenciar o ânimo do Conselho de Sentença (Revista consultor jurídico, 2017).

Para que o réu seja pronunciado, segundo o STF, basta um juízo de probabilidade,
conforme a seguir exposto:

Supremo Tribunal Federal


Como se sabe, para a decisão de pronúncia basta um juízo de
probabilidade em relação à autoria delitiva. Nessa fase, não deve o Juiz
revelar um convencimento absoluto quanto à autoria, pois a competência
para julgamento dos crimes contra a vida é do Tribunal do Júri (HC 97252/
SP, 2.ª T., j. 23.06.2009, v.u., rel. Ellen Gracie).

Sobre o tema NUCCI dispõe que:

Noutros termos, a decisão de pronúncia – juízo de admissibilidade da


acusação – é momento sério e importante para o réu, devendo ser
enfrentado pelo magistrado com a indispensável cautela. Jamais se pode
enviar a júri um caso em que as provas, uníssonas, demandam absolvição
por insuficiência de provas. Mesmo que o julgador não possa absolver
sumariamente, é mais adequado optar pela impronúncia, quando perceber
ser totalmente inviável uma condenação justa, no futuro. A expressão in
dubio pro societate (na dúvida, em favor da sociedade) é mais didática do
que legal. Não constitui um princípio do processo penal, ao contrário, o
autêntico princípio calca-se na prevalência do interesse do acusado (in
dubio pro reo). Mas tem o sentido eficiente de indicar ao juiz que a decisão
de pronúncia não é juízo de mérito, porém de admissibilidade. Por isso, se
houver dúvida razoável, em lugar de absolver, como faria em um feito
comum, deve remeter o caso à apreciação do juiz natural,
constitucionalmente recomendado, ou seja, o Tribunal do Júri. Em suma,
não devem seguir a júri os casos rasos em provas, fadados ao insucesso,
merecedores de um fim, desde logo, antes que se possa lançar a injustiça
nas mãos dos jurados; merecem ir a júri os feitos que contenham provas
suficientes tanto para condenar como para absolver, dependendo da
avaliação que se faça do conjunto probatório (NUCCI, 2014).

Em outras palavras, não bastam meros indícios de autoria e materialidade para que
haja a pronúncia. Os indícios devem ser suficientes, uma vez que o juízo de
probabilidade deve ser alcançado. Dessa forma, o juízo de probabilidade é realizado
pelo magistrado e a competência para o julgamento dos crimes contra a vida é do
Tribunal do júri. Ou seja, o juiz não precisa obter um convencimento absoluto de
autoria para pronunciar o acusado.
4. DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONÚNCIA
O capítulo final deste artigo tem o escopo de analisar o princípio do in dúbio pro
societate na decisão de pronúncia, que é a decisão que encerra a primeira fase do
tribunal do júri, a denominada fase de formação de culpa.

O in dúbio pro societate significa que, em determinadas fases do processo penal,


como no oferecimento da denúncia e na prolação da decisão de pronúncia, inverte-
se a lógica, ou seja, a dúvida não favorece o réu, e sim a sociedade. Em outras
palavras, ao receber os autos do inquérito policial, havendo dúvida quanto a autoria
do crime, mas existindo um lastro probatório mínimo, o Promotor de Justiça oferece
a denúncia levando em consideração este instituto. O mesmo ocorre na fase de
pronúncia, hipótese em que, em um cenário de dúvida no tange pronunciar ou não o
réu a júri, o magistrado decide pela solução positiva utilizando-se como pressuposto
o fundamento em análise. Contudo, torna-se necessário analisar se o in dúbio pro
societate esta em consonância aos ditames constitucionais, o que será realizado
adiante.

4.1 DIVERGÊNCIAS NAS DECISÕES JUDICIAIS NO QUE CONCERNE A


ADOÇÃO DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE
Em relação às decisões judiciais acerca da decisão de pronúncia, diversos
magistrados justificam o pronunciamento do réu levando em consideração o
princípio do in dúbio pro societate, segundo o qual, caso haja dúvida, em pronunciar
o réu e remeter os autos a julgamento pelo Júri, o Juiz decide em favor da
sociedade, e pronuncia o réu.

Cabe destacar que na decisão de pronúncia, basta ao juiz verificar se há prova da


materialidade do crime e indícios de autoria. E em caso de dúvida tem-se
pronunciado sob o fundamento de que nessa fase vigora o princípio do in dubio pro
societate, devendo a dúvida ser dirimida pelo Conselho de Sentença e não pelo
magistrado togado, uma vez que a competência para o julgamento dos crimes
dolosos contra a vida é do júri.
Decisões nesse sentido são encontradas em profusão, conforme jurisprudência do
STJ:

Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Homicídio qualificado.


Pronúncia. Afastamento da Qualificadora. Impossibilidade. In dúbio pro
Societate. Competência do Tribunal do júri. Recurso não provido.
Na primeira fase do procedimento dos delitos dolosos contra a vida vige o
princípio do in dúbio pro societate, segundo o qual, havendo prova da
materialidade delitiva e indícios de autoria, deve o acusado ser pronunciado.
Eventuais dúvidas porventura existentes deverão ser resolvidas em favor da
sociedade, observando-se a competência constitucional do tribunal do júri.
A decisão de pronúncia deixou consignado que há indícios de que os
acusados agiram mediante divisão de tarefas e com unidade de desígnios,
efetuando vários disparos de arma de fogo enquanto a vítima passava de
carro em frente à casa de sua namorada, o que indica, ao menos
inicialmente, que não houve possibilidade de reação defensiva, justificando
a preservação da qualificadora na decisão de pronúncia, a fim de que seja
examinada pelo tribunal popular. Agravo Regimental não provido
(STJ,AgRg. no Aresp. 1242209 PR 2018).

No que tange a jurisprudência acima, o relator, Ministro Jorge Mussi, votou e


fundamentou sua decisão no sentido que a decisão de pronúncia não exige prova
cabal da autoria do delito, sendo suficiente a mera existência de indícios de autoria,
devendo estar comprovada, apenas, a materialidade do crime.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais segue o mesmo entendimento:

A absolvição sumária, nos processos de competência do tribunal do júri,


admite-se somente quando o denunciado faça prova precisa, completa e
indiscutível da excludente alegada, pois no caso de dúvida, a questão deve
ser dirimida pelo juiz natural, em respeito ao princípio in dubio pro societate.
(TJMG - Rec em Sentido Estrito 1.0056.16.012876-7/001, Relator: Des.
Fausto Bawden de Castro Silva (JD Convocado) , 4ª Câmara Criminal,
julgamento em 27/3/2019, publicação da súmula em 3/4/2019 – ementa
parcial).

Recurso em sentido estrito – Homicídio qualificado tentado e ameaça –


despronúncia – impossibilidade – indícios suficientes de autoria –
competência do tribunal popular – fase em que vigora o brocardo do in
dubio pro societate – recurso conhecido e desprovido. Para a pronúncia,
basta à prova da materialidade do crime e de indícios suficientes de autoria,
não se fazendo necessária, neste momento processual, a certeza que se
exige para a condenação. A pronúncia é mera decisão de admissibilidade
da acusação, a fim de que o indigitado autor da infração seja levado a
julgamento pelos seus pares no Tribunal do Júri. A despronúncia só se
admite quando o magistrado não se convence da existência do crime ou de
indício suficiente de que seja o réu o seu autor. (TJMG - Rec em Sentido
Estrito 1.0708.17.001260-1/001, Relator: Des. Márcia Milanez , 6ª Câmara
Criminal, julgamento em 12/3/2019, publicação da súmula em 20/3/2019).
À vista dessas jurisprudências, percebe-se que o princípio do in dúbio pro societate
é utilizado amplamente pelos juízes em todo território nacional. Não obstante, para
parte da doutrina, como Aury Lopes Jr., Tal fundamento não encontra respaldo na
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, pois o benefício da dúvida
deve favorecer o réu, conforme determina o princípio do in dubio pro reo, o qual
decorre da presunção de inocência, garantido no art.5º, LVII da CF/88.

Ademais, segundo Luiz Flávio Gomes “Isso porque a garantia da liberdade deve
prevalecer sobre a pretensão punitiva do Estado” (JusBrasil, Princípio in dúbio pro
reo). Ou seja, para haver o cerceamento de um direito essencial como a liberdade
do indivíduo, deve-se respeitar o devido processo legal e os direitos e garantias
fundamentais da pessoa.

Um caso relevante diz a dois réus denunciados por homicídio no Estado do Ceará.
O juízo monocrático entendeu que, quanto aos réus, não havia nos autos provas
substanciais de autoria do crime, pois as testemunhas presenciais não os viram
praticando atos contra a vítima de homicídio, de modo que o simples fato dos
denunciados terem corrido atrás da vítima não indica sua adesão à conduta
delituosa. Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, deu provimento ao
recurso do Ministério Público. Aplicando o princípio do in dúbio pro societate,
pronunciou os réus ao Tribunal de júri. Entretanto, a defesa recorreu através do
Recurso Extraordinário ARE 1067392 que, foi apreciado pelo STF, o qual decidiu da
seguinte forma:

Decisão: A Turma, por votação unânime, negou seguimento ao recurso.


Prosseguindo no julgamento, por maioria, concedeu, de ofício, a ordem de
habeas corpus, para restabelecer a sentença de impronúncia em relação
aos imputados José Reginaldo da Silva Cordeiro e Cleiton Cavalcante, nada
impedindo, nos termos do art. 414, parágrafo único, do CPP, que, enquanto
não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia
com relação a esses recorrentes, tudo nos termos do voto do Relator,
vencidos os Ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia. Presidência do
Ministro Ricardo Lewandowski. 2ª Turma, 26.3.2019 (STF. Recurso
extraordinário com agravo 1067392. Processo de origem 0008910-
91.2011.8.06.0000. Relator: Ministro Gilmar Mendes. Decisão publica em
26/03/2019).
À luz dessa decisão, o relator, ministro Gilmar Mendes, afirmou que o caso
demonstra os “efeitos problemáticos ocasionados pela construção
do in dúbio pro societate como critério de decisão para o juízo de pronúncia no Júri”.
Em contrapartida, O ministro Fachin, divergiu do relator. Segundo o ministro Fachin
“se toda revisão por juízo colegiado sobre uma sentença de impronúncia não puder
ser considerada como válida e efetiva para remessa ao Tribunal do Júri, teríamos
que a decisão de impronúncia de 1º grau seria insuscetível de qualquer recurso.” A
ministra Cármen Lúcia também divergiu do relator. A maioria pela concessão da
ordem de ofício foi formada com os votos dos ministros Celso de Mello e
Lewandowski (MIGALHAS, 2019).

A questão deve ser pensada sob a ótica de um Estado Democrático de Direito, no


qual ninguém se presume culpado, logo, não afigura-se razoável pronunciar o réu
para o Tribunal do júri sem indícios satisfatórios de autoria e prova de materialidade.

4.2 DO IN DÚBIO PRO SOCIETATE EM FACE DO ORDENAMENTO JURÍDICO


BRASILEIRO
Antes de analisar acerca do in dúbio pro societate, torna-se relevante entender os
princípios constitucionais que são mencionados para questionar sua validade.
Dentre esses princípios que estão de encontro a este instituto, pode-se mencionar a
Presunção de inocência e o favor rei.

4.2.1 PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA E IN DÚBIO PRO REO


O princípio da presunção de inocência foi convertido em garantia fundamental do
indivíduo pela Constituição Federal de 1988, estando previsto expressamente no
inciso LVII, do art. 5º, o qual estabelece que “ninguém será considerado culpado até
o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).

De acordo o douto autor Aury Lopes Jr., “a presunção da inocência trata-se de


“princípio reitor do processo penal e, em última análise, podemos verificar a
qualidade de um sistema processual através do seu nível de observância (eficácia).”
(JUNIOR, 2011, p. 175)”.
Já a Declaração Universal dos Direitos Humanos, reafirmada pelo Brasil, em seu
artigo 11, aduz que:

Toda a pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumido


inocente até provar-se culpado de acordo com a lei em um julgamento
público no qual eles tiveram todas as garantias necessárias para a sua
defesa (DUDH, em acesso ao Portal das Nações Unidas).

Outro princípio relevante que colide com o in dúbio pro societate é princípio do in
dúbio pro reo, também denominado favor rei, que é decorrência do princípio da
presunção de inocência previsto na Constituição. Acerca deste princípio, Bedê
Júnior e Gustavo Senna aduzem que:

A lógica do in dubio pro reo é que se o magistrado, ao analisar o conjunto


probatório, permanecer em dúvida sobre a condenação ou absolvição do
réu, deve optar pela absolvição, até porque entre duas hipóteses não ideais
é menos traumático para o direito absolver um réu culpado do que admitir a
condenação de um inocente (JUNIOR e SENNA, 2009, pg. 96).

Sobre esse princípio Nestor Távora leciona:

Em verdade, na ponderação entre o direito de punir do Estado e o status


libertatis do imputado, este último deve prevalecer. Como mencionado, este
princípio mitiga, em parte, o princípio da isonomia processual, o que se
justifica em razão do direito à liberdade envolvido – e dos riscos advindos de
eventual condenação equivocada (TÁVORA, 2013).

Portanto, é mister em um Estado Democrático de Direito que haja o princípio da


presunção de inocência, uma vez que em para haver o cerceamento de um direito
essencial como a liberdade, far-se-á necessário o adstrito cumprimento ao devido
processo legal.

4.2.2 ANÁLISE SOBRE CONSTITUCIONALIDADE DA UTILIZAÇÃO DO IN DÚBIO


PRO SOCIETATE NA DECISÃO DE PRONÚNCIA
Aury Lopes Jr. diz que uma parte da doutrina e das jurisprudências, as quais são
ultrapassadas, cometem um entendimento errôneo, ao afirmarem que à defesa
incumbe a prova de uma alegada excludente. Em um Estado Democrático de
Direito, o ônus do acusador é de provar o alegado; logo, demonstrar que alguém
(autoria) praticou um crime (fato típico, ilícito e culpável). Isso significa que incumbe
ao acusador provar a presença de todos os elementos que integram a tipicidade, a
ilicitude e culpabilidade (JUNIOR, Aury 2006, pg. 190).

Ainda sobre o tema, Maria Thereza de Assis Moura, ministra do Superior Tribunal de
Justiça, dispõe que o Ministério Público, no seio do Estado Democrático de Direito,
deve acusar pautado em bases sólidas, corporificando a justa causa, sendo
inadmissível a concepção de um chamado princípio in dubio pro societate (STJ, HC
175.639). Conforme entendimento da ministra, o recebimento da denúncia e,
também, a pronúncia devem estar preenchidas pela justa causa e pela ausência de
inépcia. Caso contrário, a ação penal não deve prosperar, tendo em vista que lhe
falta requisito essencial. Ademais, utilizar o in dúbio pro societate para tentar suprir
esse requisito significa ferir as bases do Estado Democrático de Direito.

Por fim vale ressaltar o entendimento de Tourinho filho, o qual é totalmente contra a
aplicação do princípio do in dúbio pro societate no ordenamento jurídico brasileiro.
Ademais, ainda conforme o autor supracitado, confirmar que a pronúncia é mera
admissibilidade da acusação e que estando o magistrado em dúvida, deve-se aplicar
o princípio do in dubio pro societate é um atestado de desconhecimento da
Constituição do próprio país, a qual adota o princípio da presunção de inocência
(TOURINHO FILHO, 2010).

Em outras palavras, pode-se dizer que, o magistrado pronunciará o acusado se


convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de
autoria ou de participação. Ou seja, para levar um réu a julgamento pelo Tribunal do
Júri, torna-se imprescindível que a decisão seja embasada na prova da
materialidade e em indícios, produzido sob o crivo do contraditório, que apontem ser
ele o autor da infração penal. Na ausência de aludidos indícios, deve o magistrado
decidir pela impronúncia, uma vez que incumbe o ônus da prova ao órgão acusador
e, na hipótese de dúvida, que se julgue a favor do réu, conforme preconiza o texto
constitucional.
Contudo, muitos doutrinadores clássicos, vão de encontro aos posicionamentos
outrora aludidos. Mediante isso, estes afirmam que na fase do Tribunal do júri vigora
o in dúbio pro societate.

Neste contexto, Denilson Feitosa Pacheco aduz que na fase de formação de culpa,
eclode o princípio do in dúbio pro societate. Portanto na dúvida, o réu deverá ser
julgado pelo Tribunal do Júri, que é o juiz natural da causa. Isso ocorre, pois, a
pronúncia não condena nem absolve, mas somente admita que o réu seja julgado
pelo Tribunal de Júri (PACHECO, 2006, pg.429).

Já Roberto Parentoni defende que, para alguns doutrinadores, a pronúncia é


meramente um juízo de suspeita e não de certeza. Mediante isso, utiliza-se o in
dúbio pro societate em detrimento do in dúbio pro reo (PARENTONI, 2008).

Ainda nesse diapasão, Fernando Capez (2009, p.587) preceitua que o in dúbio pro
societate tem vigência na pronúncia, tendo em vista que esta fase é meramente de
suspeita e não de certeza. À vista disso, o magistrado somente analisa se a
acusação é viável, ou seja, a análise mais aprofundada fica a cargo dos jurados.
Portanto, apenas acusações manifestamente infundadas, não serão admitidas
(CAPEZ, 2009, pg. 587).

Ademais, existem diversos precedentes nesse sentido defendido pelos


doutrinadores aduzidos, conforme jurisprudência do STJ:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO


EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRELIMINAR DE
NULIDADE. RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. POSSIBILIDADE.
CORROBORADO POR OUTRO MEIOS DE PROVA. PRONÚNCIA. TESE
DE INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IN DUBIO PRO SOCIETATE. INDÍCIOS
DE AUTORIA. REEXAME DE PROVAS. SÚMULAS 7/STJ. I - Não
prevalece a preliminar de nulidade de reconhecimento fotográfico se
corroborada com outro meios de provas. In casu, a depoente reconheceu
pela viseira aberta do capacete e pelas vestes, moto e capacete, vistos em
momentos anteriores os já conhecidos acusados. II - Na fase de pronúncia
rege o princípio do in dubio pro societate, em que havendo indícios de
autoria e da materialidade do homicídio, deve-se submeter ao Tribunal do
Júri, sob pena de usurpação de competência. III - Para examinar a tese de
insuficiência de provas a respaldar a sentença de pronúncia, seria imperioso
reexaminar o conjunto fático-probatório, providência vedada nos termos da
Súmula 7/STJ. Precedentes IV - "É assente que cabe ao aplicador da lei,
em instância ordinária, fazer um cotejo fático e probatório a fim de analisar a
existência de provas suficientes para absolver sumariamente, pronunciar,
desclassificar, ou ainda, impronunciar o réu, porquanto é vedado na via
eleita o reexame de fatos e provas. Súmula 7/STJ" (AgRg no AREsp n.
683.092/MT, DJe 10/6/2015). Agravo regimental improvido" (AgRg no REsp
n. 1.388.381/MT, Sexta Turma, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe de
3/8/2015). Agravo regimental desprovido.

Outrossim, o Desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Delmival de


Almeida Campos, no julgamento dos Embargos Infringentes nº 1.0610.05.010258-
7/002, realizado em abril de 2009, assim dispôs:

Por ser a pronúncia mero juízo de admissibilidade da acusação, não é


necessária prova incontroversa do crime para que o réu seja pronunciado.
As dúvidas quanto à certeza do crime e da autoria deverão ser dirimidas
durante o julgamento pelo Tribunal do Júri. Precedentes do STF (STF - RT
730/463).

Em que pese às divergências doutrinárias e jurisprudenciais trazidas nesta pesquisa,


entende-se que o in dúbio pro reo, na hipótese de haver um cenário de dúvida, deve
prevalecer em face do in dúbio pro societate. Tal entendimento perpassa pela
análise do texto constitucional, o qual preconiza a presunção da inocência antes do
trânsito em julgado. Dessa forma, infere-se da carta magna brasileira o princípio do
in dúbio pro reo, o qual é um instituto consolidado no âmbito do direito penal. Por
fim, utilizar como pressuposto um pseudoprincípio, in dúbio pro societate, para
fundamentar uma decisão judicial, torna-se uma afronta aos direitos e garantias
fundamentais do indivíduo, o que é inadmissível em um processo penal
constitucionalizado, fundado em um Estado Democrático de Direito.

5. CONCLUSÃO
Ante o exposto, conclui-se que o tema é complexo e que o artigo teve o escopo de
analisar esse tema divergente, sem, contudo, restringir outros posicionamentos.

À vista disso, entende-se que o tribunal do júri é garantia fundamental prevista na


Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e que se divide em duas
fases, sendo a fase de formação da culpa e o juízo de mérito.

Em relação à fase de formação da culpa é possível que o magistrado profira


algumas decisões, dentre elas a pronúncia, em que consiste em decisão
interlocutória mista não terminativa, pois o que se encerra não é o processo, mas
sim uma fase do procedimento. Portanto, a pronúncia, constitui como única forma de
seguir o processo para apreciação do Tribunal do júri.

O dilema jurídico ocorre quando o juiz sumariante tem dúvida se deve ou não
pronunciar o acusado. Nesse diapasão, eclode o princípio do in dúbio pro societate,
em que consiste em utilizar como pressuposto a dúvida a favor da sociedade.
Portanto, o magistrado utiliza-se desse princípio para pronunciar o réu ao Tribunal
popular, haja vista que é competência constitucional do júri os crimes dolosos contra
a vida.

Partindo desse pressuposto, percebe-se que o in dúbio pro societate na decisão de


pronúncia é uma forma mais fácil de decisão para o magistrado, o qual não
precisará se aprofundar nos autos do processo e, dessa forma, irá transferir a
responsabilidade do julgamento para a sociedade.
Contudo, pode-se observar que, conforme dispõe a carta magna brasileira, os
princípios que tem respaldo constitucional são a presunção de inocência e o in dúbio
pro reo. Nesse contexto, entende-se que em um cenário de dúvida, o réu deverá ser
beneficiado, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Portanto, usar um pseudoprincípio para fundamentar a decisão judicial, in dúbio pro
societate, é ferir o ordenamento jurídico pátrio e, por conseguinte, os pressupostos
de um Estado Democrático de Direito.

Mediante isso, não há espaço para eclodir o in dúbio pro societate para ludibriar o
necessário enfrentamento dos elementos mínimos que ensejam a admissibilidade ou
inadmissibilidade da pronúncia. Mediante isso, não se está a exigir do magistrado
uma cognição exauriente ou juízo de certeza, mas, sim, que sua decisão seja
pautada em um juízo de verossimilhança, de probabilidade, o qual não o exime de
fundamentação e elementos probatórios mínimos. Manifesto os elementos
probatórios mínimos das condições de admissibilidade, que se fundamente
pronúncia do réu. Contudo, quando não houver os requisitos mínimos, deve-se
impronunciá-lo. Dessa forma, no ordenamento jurídico brasileiro, não existe espaço
para um pseudoprincípio, o qual tem como pressuposto ser imunizador retórico ao
dever de fundamentação e enfrentamento da justa causa e demais condições da
ação.

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