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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO

EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ.

REVISÃO CRIMINAL COM PEDIDO LIMINAR


Processo-Crime nº
5ª Vara Criminal da Comarca de Londrina – PR.

ANDERSON CASANOVA, já qualificado nos autos do


processo crime em epígrafe, por seu advogado subscritor, vem, mui respeitosamente, à
presença de Vossa Excelência, promover a presente

REVISÃO CRIMINAL COM PEDIDO LIMINAR

fazendo-o com fulcro nos incisos I, do art. 621, do Código


de Processo Penal, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos.

1 – DOS FATOS.
O revisionando foi denunciado como incurso nos artigos
214, c.c. artigo 224, alínea a, ambos do Código Penal, com o artigo 9º, da Lei 8.072/90,
porque, supostamente, no dia 22 de abril de 2009, por volta das 12h40, num terreno
baldio existente na Rua Alexandre Chaia, nesta cidade, constrangeu a vítima João Vitor
de Abreu Gil, criança com apenas doze anos de idade, mediante violência real e ficta, a
permitir com ela praticasse ato libidinoso diverso da conjunção carnal.
A denúncia foi recebida em 28.04.2009 (fls. 85).
O acusado foi citado (fls. 144vº), sendo apresentada
resposta à acusação (fls. 146vº).
Durante a instrução foi ouvida a vítima (fls. 167/171), 03
(três) testemunhas comuns (fls. 172/183), duas testemunhas de defesa (fls. 184/187) e
interrogado o réu (fls. 188/191). O Ministério Público e a Defensoria Pública
promoveram os debates orais.
O MM. Juiz converteu o julgamento em diligência para o
fim de localizar e ouvir em juízo a pessoa que teve o primeiro contato com a vítima
após o fato (fls. 192). Foi ouvida uma testemunha do juízo (fls. 210/212).
Por r. sentença de fls. 214/220, o MM. Juiz de primeiro
grau absolveu o acusado com fundamento no artigo 386, inciso VII do Código de
Processo Penal.
Houve interposição de recurso de apelação por parte do
Ministério Público (fls. 230), devidamente arrazoado (fls. 232/236) e contra-arrazoado
(fls. 238/240).
O Ministério Público manifestou-se em grau recursal pelo
provimento do recurso (fls. 247/249).
Por votação unânime, o Egrégio Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo deu provimento ao recurso para condenar o acusado como incurso
no art. 214, caput, c.c. artigo 224, a, ambos do Código Penal, à pena de 08 (oito) anos e
02 (dois) meses de reclusão, em regime inicial fechado (fls. 258/265).
Em 13.10.2010, o V. Acórdão de fls. 258/265 transitou
em julgado (fls. 279).
Entretanto, ainda assim não é possível conformar-se com
o V. Acórdão rescindendo, razão pela qual recorre-se a esta Augusta Corte objetivando
sua reforma, uma vez que, sem embargos das respeitáveis ponderações em contrário, a
prova produzida nos autos não foi capaz de demonstrar os fatos constantes da denúncia.
2 – DO JULGAMENTO CONTRÁRIO À
EVIDÊNCIA DOS AUTOS.

A prova que ensejou a condenação é por demais precária,


de maneira que se faz necessária a presente ação de impugnação, a fim de desconstituir
o V. Acórdão de fls. 258/265, senão vejamos.
A r. sentença absolutória de primeiro grau analisou de
forma irrepreensível todo o conjunto probatório e, com a Autoridade de quem presidiu
toda a instrução e teve contato direto com os envolvidos.
É forte e persuasiva a fundamentação que consubstancia a
sentença absolutória, não se entendendo os motivos que levaram os doutos
Desembargadores a substituí-la por um édito condenatório, diante de tamanha
fragilidade probatória.
O acusado, em todas as oportunidades em que fora ouvido
no processo, negou a autoria do delito, asseverando que no dia e na hora em que
aconteceram os fatos descritos na denúncia, estava defronte da empresa de turismo
Santo Antonio (fls. 18 e 188/191).
Frise-se que o acusado, na fase policial, não só negou o
delito, como também pediu para que fosse feito laudo pericial para provar a sua
inocência.
Infelizmente, a precariedade da nossa polícia técnica não
permite um melhor conhecimento da verdade dos fatos por meio da prova pericial. Um
exame de DNA exterminaria qualquer dúvida sobre a autoria e o acusado concordou em
oferecer o seu material genético para análise.
Nenhuma das testemunhas ouvida em Juízo presenciou o
delito.
É assim que a única prova produzida em desfavor do
acusado é a palavra da vítima, pois todas as testemunhas se limitaram a reproduzir a
versão que ouviram do ofendido.
E o conteúdo das declarações da vítima não oferecem a
segurança e a convicção necessária para a condenação do revisionando.
Não se está a defender aqui que a palavra da vítima deva
ser desconsiderada e que ela não basta para a condenação. Pelo contrário, não se nega a
especial relevância alçada às declarações da vítima, sobretudo diante de crimes sexuais.
Entretanto, para que a palavra da vítima isolada seja
suficiente para a condenação, deve ser precisa e coerente, suficiente para a convicção
judicial. Como se está assentado na jurisprudência, a palavra da vítima merece a
credibilidade que decorrer das próprias alegações.
Ocorre que existem elementos objetivos que indicam a
falta de credibilidade desta vítima em especial. Ela se contradisse e apresentou
diversas versões estranhas e desconexas sobre os fatos.
Como bem destacou o insigne Magistrado de primeiro
grau: “examinando as sucessivas informações que ele forneceu acerca dos fatos,
constata-se que nunca manteve uma narrativa coerente, uniforme, convincente. E isto
tanto em relação à dinâmica do episódio, quanto em relação à descrição física do
agente do crime” (fls. 217).
Foram três versões completamente diferentes e
contraditórias, senão vejamos.
1ª versão. No primeiro contato que teve com os policiais
militares, ainda no local do crime, a vítima disse que o indivíduo que o atacou era gordo
e pilotava uma motocicleta de cor preta e usava um capacete vermelho e luvas, fazendo
gestos com as mãos, simulando estar armado. Acrescentou que o agente teria coberto a
face dele com um lenço, fazendo-o perder os sentidos, quando teria se aproveitado desta
situação para praticar os atos libidinosos (fls. 196).
2ª versão. Ao ser ouvido pela Autoridade Policial, a
vítima apresentou versão totalmente diversa. Disse que conhecia de vista o acusado, que
atendia pela alcunha “Né”. O descreveu como uma pessoa de cor parda, de cerca de
vinte anos de idade, alto, magro e com barba rala. Acrescentou que ele portava uma
mochila de cor preta e o chamou para uma conversa, prometendo-lhe um celular,
quando “Né” abaixou a calça da vítima e a derrubou no chão, acariciando suas nádegas
e introduzindo o pênis em seu ânus. Disse não ter gritado e asseverou que inventou para
os policiais militares, afirmando que o indivíduo estava armado, porque estava com
muito medo (fls. 08/09).
Esta versão foi tomada pelo Ministério Público para o
oferecimento da denúncia.
Entretanto, a vítima apresentou uma terceira versão ao ser
ouvida em juízo, sob o crivo do contraditório.
3ª versão. Disse que o acusado o chamou para uma
conversa, ao que respondeu que estava atrasado. Neste momento, o acusado teria o
segurado pelo braço. Disse que não houve qualquer oferta de celular. Na sequência,
disse que o agente o jogou contra uma árvore e começou “a praticar, praticar”. Nega
ter visto o agente portar alguma sacola ou coisa parecida. Também negou que tivesse
sido derrubado ao solo – a violência sexual teria sido praticada enquanto estava
encostado em uma árvore. Por fim, disse que o agente era moreno, “mais escuro” (fls.
167/171).
Como se vê, o ofendido apresentou inúmeras versões,
todas incoerentes e fantasiosas.
Aliás, oportuno destacar que a testemunha Sônia Regina –
ouvida por determinação judicial justamente em razão das diversas narrativas por parte
da vítima – disse que foi uma das primeiras pessoas a ter contato com João Vitor após o
fato e notou que o menino estava absolutamente descontrolado, ora dizendo que o
criminoso era de um jeito, ora que seria de outro (fls. 210/211).
Analisemos algumas imprecisões e contradições nos
diversos depoimentos prestados pelo ofendido quanto ao reconhecimento do acusado:

* A vítima disse, inicialmente, que o indivíduo o abordou


em uma moto, de capacete e usando luvas. A testemunha
Carlos (fls. 180/183), policial militar, disse que conhece o
revisionando há muito tempo e, pelo que sabe, ele nunca
teve moto – a mesma informação foi prestada pelo
revisionando, em seu interrogatório.

* Na segunda versão apresentada pela vítima – e que


ensejou a denúncia – relatou que conhecia o rapaz que o
atacou ‘de vista’ e que tinha a alcunha de “Né”. Todavia, o
revisionando se chama Jeferson (que não guarda qualquer
relação com o apelido apontado) e é conhecido pelas
alcunhas de “Cascão” e “Abelha” – fls. 19.
* Na fase policial, descreveu como uma pessoa de cor
parda, alto e com aproximadamente vinte anos de idade.
Também em juízo disse que a pessoa que o atacou seria
moreno, “mais escuro”, não trazendo qualquer elemento
objetivo que pudesse identificar o revisionando (fls.
169/170). De acordo com o boletim de identificação
criminal, o revisionando é branco, mede 1,65 metros e
contava com trinta e sete anos de idade à época dos
fatos (fls. 19)

O doutro Magistrado sentenciante de primeiro grau


mostrou comprometimento e disposição para descobrir a verdade dos fatos, tanto que
converteu o julgamento em diligência, determinando à polícia que identificasse a pessoa
quem primeiro teria tido contato com a vítima. Assim foi feito e o zeloso Juiz ouviu
Sônia Regina Gazin como testemunha do juízo (fls. 210).
Esta testemunha trouxe informações importantíssimas
para o processo, precisamente sobre as informações prestadas pela vítima logo após os
fatos. Ela afirmou, in verbis: “na hora, começou a falar era um homem de moto aí na
hora deu várias versões, estava meio atordoado. [...] falou pessoa de moto pegou
depois começou a falar que a pessoa era de um jeito, de outro, nós percebemos que
tinha alguma coisa errada porque estava muito assustado”. E segue: “Nós perguntamos
o jeito que era, falou que estava de capacete, falou para o guarda que ele era magro,
depois que era gordo, nós paramos de perguntar, vimos que não estava tendo..., ele
estava muito assustado, ninguém perguntou” (fls. 210/211).
Ora, Excelência, diante de tantas versões conflitantes e
da descrição apresentada pela vítima quanto ao autor dos fatos, qualquer pessoa
que lhe fosse apresentada, certamente seria reconhecida.
O V. Acórdão condenatório, com a devida vênia, firma
pela credibilidade da palavra da vítima, afirmando não haver nenhuma razão para não se
conferir credibilidade às suas declarações. Como se demonstrou, não se trata em
desacreditar a vítima somente pelo fato de ter sido ofendida pela conduta criminosa,
mas sim, pelas contradições e insegurança que seu(s) relato(s) traz(em) ao processo!
E também não se há falar que suas palavras foram
corroboradas pelas declarações de seus genitores, de uma funcionária da escola e dos
policiais que atenderam a ocorrência do atentado, pois, como se vê, eles se limitaram a
relatar a(s) versão(versões) da vítima e inclusive confirmam as profundas divergências
no seu relato.
E assim como o reconhecimento não pode ser aceito como
prova segura para a condenação, o reconhecimento das roupas do réu pela vítima
tampouco fazem prova bastante, pelos mesmos motivos já explicitados.
O crime poderia ter sido elucidado por meio de prova
técnica, inclusive por meio de DNA. Entretanto, esta ainda é uma realidade distante no
cenário de investigação criminal em nosso país, o que é lamentável.
Seja como for, o conjunto probatório não se reveste da
robustez necessária para outorgar ao julgador a segurança que se exige para a prolação
de um édito condenatório.
Nem se argumente que a análise probatória não é cabível
na via escolhida (revisão criminal), pois a este respeito já se manifestou a mais elevada
Corte Judicial pátria:

COMPETÊNCIA - HABEAS-CORPUS - ATO DE


TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL. Na dicção da
ilustrada maioria, em relação a qual guardo reservas,
compete ao Supremo Tribunal Federal julgar todo e
qualquer habeas-corpus dirigido contra ato de Tribunal
ainda que não possua a qualificação de Superior.
Convicção pessoal colocada em plano secundário, em face
de atuação em Órgão fracionário. REVISÃO CRIMINAL
- PROVA- CABIMENTO. Sentença condenatória
contraria a evidência dos autos equivale a provimento
formalizado ao arrepio da prova coligida. Implica
constrangimento ilegal, por vício de procedimento,
conclusão no sentido do não-conhecimento da revisão no
que baseada em conflito do decreto condenatório com a
prova coligida - Inteligência do inciso I do artigo 621 do
Código de Processo Penal. (STF, HC 73. 308/SP)

No Voto condutor do acórdão, o Relator, Ministro Marco


Aurélio Mello, assim se manifestou:
Pois bem, na hipótese dos autos, argüiu-se a insuficiência
de provas, o que equivale dizer que a sentença
condenatória estaria a discrepar do que revelado nos autos
da ação penal- inciso I do artigo 621 em comento. A Corte
de origem, diante de tal articulação, assentou a
impropriedade da revisão criminal, deixando de conhecê-
la a partir da premissa de que o argumento não estaria a
servir à abertura do exame de fundo. Confira-se o acórdão
que se encontra às fls. 6 a 9. A toda evidência, foi
denegada a prestação jurisdicional. Havendo sido
sustentada na revisão criminal a ausência de prova capaz
de conduzir à condenação, como concluíra, aliás, o juízo,
incumbia ao grupo de Câmaras adentrar à análise da
matéria dizendo da procedência, ou não de que
asseverado, exsurgindo impróprio o julgamento ocorrido,
no que estancou na fase de conhecimento. Já aqui o habeas
está a merecer conhecimento.

Diante de todo o exposto, fica clarividente que o desate


absolutório é o único possível ao presente caso, sendo de rigor que se julgue procedente
o presente pedido revisional, para o fim de absolver o acusado, com fulcro no artigo
386, inciso VII, do Código de Processo Penal, restabelecendo-se a r. sentença
absolutória de primeiro grau.

3 – DA LIMINAR

Primeiramente, frise-se a possibilidade jurídica de


concessão de liminar em sede de revisão criminal – mesmo que em sede excepcional –
desde que presentes os requisitos ensejadores. Trata-se de aplicação subsidiária do
processo civil, em especial, da antecipação da tutela. Ora, em matéria de processo civil,
a doutrina e a jurisprudência acatam a possibilidade de concessão de tutela antecipada
em ação rescisória, que tem o mesmo escopo da revisão criminal: desconstituir uma
sentença já coberta pelo manto da coisa julgada.
Em razão da segurança jurídica tutela pelo instituto da
coisa julgada, mister se faz que a ponderação com os outros valores em jogo. No caso,
se fazem presentes os requisitos do periculum in mora e do fumus boni iuris, sendo
o caso de concessão de liminar para que seja expedido Alvará de Soltura, a fim de
que o revisionando permaneça em liberdade até o final julgamento do presente
pedido de revisão criminal.
O revisionando está em cumprimento de pena em razão
do presente processo, condenado a pena de 08 (oito) anos e 02 (dois) meses, em regime
fechado, tendo sido expedido mandado de prisão após o trânsito em julgado, que já foi
devidamente cumprido, estando o revisionando preso por este motivo. A prisão do réu,
em regime fechado, bem demonstra o periculum in mora de aguardar-se o julgamento
do arresto para a concessão de sua liberdade.
O fumus boni iuris pode ser observado pela excelente
fundamentação da r. sentença absolutória de primeiro grau, que bem analisou toda a
prova dos autos e, ao final, absolveu o revisionando. O douto Magistrado a quo, em
sentença irrepreensível, chegou à mesma conclusão que se espera de Vossas
Excelências ao final do julgamento desta revisão criminal, de maneira que não se mostra
justo mantê-lo encarcerado diante de tamanha fragilidade probatória, detectada pelo
julgador singular.
Desta forma, estão presentes os requisitos legais para o
deferimento de medida liminar para suspender os efeitos da condenação até o final
julgamento do presente pedido revisional, devendo ser expedido alvará de soltura.

4 – DO PEDIDO

Diante do exposto, cumpre a esta Defensoria Pública


requerer à Vossa Excelência seja concedida a liminar par ao fim de suspender os efeitos
da condenação até o julgamento da presente revisão criminal, expedindo-se competente
alvará de soltura e, ao final, seja julgado procedente o presente pedido revisional,
cassando-se a r. Sentença rescindenda, absolvendo o revisionando, com fundamento no
artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, restabelecendo a r. sentença
absolutória de primeiro grau.
Marília, 25 de agosto de 2009.

CÉSAR AUGUSTO LUIZ LEONARDO


3º Defensor Público do Estado em Marília

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