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JUÍZO SUMARIANTE DO I TRIBUNAL DO JÚRI

COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG

PROCESSO Nº 0024.14.059.921-8 (desmembrado autos 0024.13.192.596-8)


AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS
RÉU: WILLIAN JAQUES OLIVEIRA SANTOS
WANDO BARTOLOMEU DE SOUZA (autos de origem)

PRONÚNCIA

1. Relatório

O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no uso de suas


atribuições legais, ofereceu denúncia contra Willian Jaques Oliveira Santos,
v. “Bocão”, e Wando Bartolomeu de Souza, v. “Vandinho”, devidamente
qualificados, pela prática do crime tipificado no artigo 121, §2º, incisos II
(motivo fútil), III (perigo comum) e IV (recurso que dificultou a defesa da vítima)
do Código Penal.
Trata-se de processo desmembrado dos autos 0024.13.192596-8.
Sustenta que no dia 06/02/2013, por volta das 21h00min, na Rua
Londres, próximo ao número 258, bairro Copacabana, nesta capital e Comarca,
o denunciado Willian, em concurso de pessoas e unidade de vontades, agindo
com animus necandi, juntamente ao réu Wando, efetuou disparos de arma de
fogo contra Anderson Bernardes da Silva Ribeiro, provocando-lhe os
ferimentos descritos na necropsia de f. 54 que causa eficiente da sua morte.
Consta, ainda, que na mesma data, horário e local, Wando informou
a Willian que teria avistado a vítima e lhe entregou uma arma de fogo, a fim de
que aguardasse que Alexandre retornasse ao local. Descreve que assim que o
ofendido retornou, foi abordado por Willian, que teria efetuado diversos

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disparos nele, até o esgotamento da munição de sua arma. Além disso, quando
Alexandre se encontrava ao solo, Willian se afastou, recarregou a arma de fogo
e, mesmo percebendo familiares da vítima tentando socorrê-la, não se
intimidou e, sem se preocupar com a presença de terceiros, continuou
efetuando novos disparos visando a ceifar a vida do ofendido, gerando também
perigo comum.
Relata o Parquet que, enquanto Willian efetuava os disparos, Wando
segurava o filho da vítima, Ítalo, dizendo-lhe para não se preocupar porque
“apenas” estavam matando seu pai.
Consta da exordial que o crime foi cometido por motivo fútil,
consistente no inconformismo de Willian em razão de um desentendido havido
com a vítima, pelo fato de o acusado ter agredido seu filho (da vítima) Ítalo, de
09 (nove) anos, que teria adentrado em um terreno onde Willian guardava seus
cavalos, mas teria deixado a porteira aberta.
Argumenta o Parquet que o crime foi praticado com emprego de
recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que foi atingida de inopino
pelo denunciado Willian, como também pelo fato de o denunciado ter efetuado
outros disparos mesmo quando a vítima já estava caída ao chão, sem qualquer
possibilidade de defesa.
Boletim de ocorrência juntado às fls. 13/18.
A denúncia foi recebida aos 28/06/2013, mesma ocasião em que foi
decretada a prisão preventiva dos réus (f. 92/93). Mandados expedidos em f.
98/99.
Frustradas as tentativas de citação do acusado Willian (f. 103), foi
ele citado por edital conforme f. 164/165, transcorrendo in albis o prazo para
resposta.
O processo teve seu regular prosseguimento em relação ao acusado
Wando, que restou pronunciado conforme decisão de f. 233/240, nos exatos
termos da denúncia.
Na mesma ocasião, foi determinado o desmembramento do
processo em relação ao acusado Willian, seguida da ordem de suspensão do
feito e do prazo prescricional, nos termos do art. 366 do CPP, a teor da decisão
de f. 250.

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O acusado constituiu defensor em f. 251/254, tendo requerido a
revogação da prisão preventiva em f. 258. Pedido indeferido em f. 270/272.
A Defesa apresentou resposta escrita em f. 273.
O processo foi Instruído em Audiências realizadas nos dias
24/01/2014, 02/08/2018 e 20/09/2019, foram colhidos os depoimentos de 09
(nove) testemunhas e realizado o interrogatório do acusado Wando, conforme
termos e mídias de fls. 195, 296 e 348. O réu foi devidamente intimado para AIJ
de f. 348, porém não compareceu, oportunidade em que foi decretada a sua
revelia.
Em f. 348, as partes expressamente ratificaram a prova oral
produzida às fls. 196/197 dos autos de origem.
Defensores do réu formalizaram sua renúncia às f. 302.
O Ministério Público, em sede de Alegações Finais, na forma de
memoriais, manifestou-se pela pronúncia do réu nos exatos termos da peça
acusatória (fls. 353/365).
A Defesa, por sua vez, pugnou pelo decote das qualificadoras de
motivo fútil e de perigo comum (fls. 366/369).
Por fim, foi noticiado o cumprimento do mandado de prisão
expedido nos autos de origem, aos 05/05/2020 (f. 375/376), vindo os autos
imediatamente para decisão.
É, em síntese, o relatório do ocorrido.

2. Fundamentação

O processo encontra-se em ordem, inexistindo vícios aparentes a


inquiná-lo de nulidade.

2.1. Materialidade

A materialidade delitiva encontra-se consubstanciada no relatório de


necropsia de fls. 54/62.

2.2. Autoria e tipicidade

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A teor do art. 413 do CPP, para a pronúncia basta a prova da
materialidade e a existência de indícios suficientes da autoria.
O acusado optou por não comparecer em juízo para apresentar sua
versão dos fatos, sendo decretada a sua revelia consoante ato de f. 348.
Todavia, os demais elementos de convicção colhidos no processo
sugerem a autoria delitiva imputada ao réu, especialmente porque indicam que
o crime teria ocorrido de forma ostensiva e diante de testemunhas.
A testemunha presencial Sônia Maria Bernardes, genitora da vítima,
relatou, perante a autoridade policial, que a vítima Anderson foi chamada para
uma reunião com a psicóloga, na creche onde os filhos dele estudam, sendo
que no momento em que retornou, se deparou com Willian, que portava um
revólver calibre 38 e passou a disparar contra a vítima. Esclarece que se
abaixou para socorrê-lo, quando percebeu que Willian retornou e efetuou mais
disparos contra Anderson, “até que a arma não mais funcionou” (f. 20/23,
confirmado judicialmente em f. 196).
No mesmo sentido, a testemunha Poliana Jucélia Braz informa que
cerca e um mês após um desentendimento entre Anderson e Willian, a vítima
retornava de uma reunião na creche, quando Willian a abordou e efetuou
diversos disparos contra ela. Ressalta que estava em casa quando ouviu três
disparos, tendo se deparado com o ofendido já caído no chão e ferido.
Verbaliza que Anderson lhe disse que Willian, v. Bocão, teria disparado contra
ele e, nesse momento, retornou para casa a fim de solicitar socorro, quando
ouviu mais cinco disparos. Narra que voltou à rua e “viu Willian segurando
Anderson com uma das mãos e aparentemente tentando agredi-lo com
coronhadas, pois a arma teria parado de funcionar.” (f. 24/27, confirmado em
juízo às f. 197).
Além disso, as referidas testemunhas identificaram o denunciado
Willian no Auto de Reconhecimento Fotográfico de f. 61/66.
Conforme salientado alhures, na audiência instrutória de f. 348 as
partes ratificaram expressamente as provas colhidas às fls. 196/197 dos autos,
que correspondem ao depoimento das mesmas testemunhas acima.
O crime também teria sido presenciado pelo filho da vítima, então
criança Italo Junio Bernardes, que em sede inquisitiva disse ter visto o

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denunciado efetuando os disparos em seu genitor, valendo-se de uma arma de
fogo prateada (f. 28/30).
Da mesma forma, o corréu Wando, quando interrogado
judicialmente, não negou a autoria delitiva de Willian, tendo apenas recusado a
imputação de ter participado do crime (f. 202).
Robustecem os elementos indicativos do envolvimento dos
denunciados na ação delituosa, o Relatório Circunstanciado de Investigação de
f. 33/34, ratificado em juízo pela testemunha Judson Lima dos Santos, policial
civil (f. 348/350).
O Investigador, ainda, ressaltou que o crime foi cometido na
presença de diversas pessoas, que também identificaram o réu mas que não
quiseram formalizar seu depoimento por temor dos acusados. Além disso,
relata que o denunciado não mais foi localizado desde o crime (f. 350).
Destarte, entendo pela existência de suporte probatório mínimo a
indicar a autoria do crime de homicídio praticado em desfavor da vítima
Anderson Bernandes da Silva Ribeiro.
Os depoimentos mencionados alhures, prestados tanto em sede
inquisitiva e judicial, oferecem razoável congruência quanto à possível autoria
do réu no crime em comento, de modo que as argumentações defensivas não
se prestam, neste momento, a afastar peremptoriamente os indícios de autoria
que recaem sobre o acusado.
Assim, entendo que remanescem presentes indícios de autoria
sobre o acusado Willian Jacques Oliveira Santos, a serem analisados pelo
Tribunal do Júri, juiz natural do fato, nos exatos termos do art. 413, caput do
CPP.
Importante ressaltar que tal decisão, por sua natureza, não exige
prova plena da autoria delitiva, pois, reveste-se de simples juízo de
probabilidade, razão pela qual se torna dispensável um juízo de certeza que é
necessário apenas para a condenação.

2.3. Das qualificadoras

Quanto às qualificadoras do crime, sabe-se que somente se pode


afastá-las, nesta fase, quando forem manifestamente divorciadas das provas
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produzidas nos autos, devendo-se deixar ao Tribunal do Júri a apreciação da
inteireza da acusação, consoante dispõe a Súmula 64/TJMG.
No caso, há indícios de que o crime teria sido cometido por motivo
fútil, consistente no inconformismo pela banal discussão pretérita entre o
denunciado e a vítima, motivada pelo fato da vítima ter adentrado em terreno
onde o denunciado Willian guardava seus cavalos, mas teria esquecido a
porteira aberta. Nesse sentido, vide Relatório Circunstanciado de Investigação
de f. 33/43, bem como o depoimento da testemunha Poliana Jucélia Braz,
segundo quem:

“(…) cerca de um mês antes do falecimento de ANDERSON, a pessoa


de ITALO, filho de ANDERSON de 9 anos de idade, chegou em sua
residência dizendo que WILLIAN teria atirado pedra em ITALO (…)
nessa ocasião ITALO deixou a porteira aberta, sendo que então
WILLIAN xingou ITALO com palavrões e o mesmo revidou as
agressões; (…) nesse momento WILLIAN pegou uma pedra e atirou no
tornozelo de ITALO, vindo a atingi-lo (…) então ANDERSON disse que
iria conversar com WILLIAN, pois este não poderia agredir seu filho (…)
ANDERSON lhe contou que WILLIAN tinha dito que ‘com ITALO ele
bateu, mas com ANDERSON resolveria no tiro, fazendo um gesto com
as mãos’” (f. 24/27)

Insurge-se a Defesa contra a admissão da referida qualificadora, ao


argumento de que o crime foi precedido por “briga entre o ofendido e o
acusado”, não havendo “que se falar em futilidade do motivo.” (f. 366v.)
Todavia, conforme depreende-se dos depoimentos colhidos nos autos, não há
notícias consistentes nos autos a respeito de eventuais agressões físicas
pretéritas entre eles, mas apenas de um desentendimento derivado daquela
mencionada agressão ao filho da vítima, que teria sido a causa do desacerto
entre os envolvidos.
Ainda que desse desentendimento tenha surgido alguma discussão
mais áspera, os informes probatórios ainda sugerem que o crime teria ocorrido
cerca de 01 (um) mês após e em virtude da mesma origem de somenos
relevância (invasão de Italo no terreno usado pelo réu para guardar seus
cavalos), de forma que não se pode reputar manifestamente ilegal ou
improcedente a qualificadora.
Tais circunstâncias, portanto, deverão ser submetidas ao Conselho
de Sentença para apreciação mais acurada dos fatos acerca da incidência da
qualificadora do motivo fútil, prevista no art. 121, §2º, inciso II do Código Penal.
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Há nos autos, ainda, elementos indiciários de que os fatos
ocorreram em via pública, em local e horário de considerável movimento
(12:56h), e na presença de terceiros, tendo efetuado disparos inclusive quando
familiares da vítima estariam próximas a ela, tentando socorrê-la, pelo que
entendo por ora sustentável a qualificadora tipificada no inciso III, do §2º, do
art. 121, do mesmo diploma legal.
Nesse sentido são os depoimentos das testemunhas Sônia e
Poliana, já mencionados acima, ressaltando que no segundo momento a vítima
teria sido atingida quando sua genitora (Sônia) teria se debruçado sobre ela
para prestar-lhe socorro. Ademais, o investigador Judson, em juízo, reafirma
que o crime se dera em horário próximo ao fluxo de entrada e saída de escola
e na presença de diversas pessoas, situação que, em tese, referenda a
qualificadora em questão (f. 350).
Logo, em que pesem os argumentos da defesa em sentido contrário,
em f. 367v, tenho que a qualificadora em questão deve ser submetida ao
Conselho de Sentença.
Além disso, consta que o delito teria sido praticado mediante recurso
que dificultou a defesa da vítima, vez que foi inicialmente colhida de inopino
pelo denunciado, bem como posteriormente, quando já se encontrava abatida
e caída ao solo, sem qualquer possibilidade de defesa, quando teria sido
novamente atingida por diversos disparos.
Nesse sentido, destacam-se os mesmos depoimentos transcritos
alhures, salientando as seguintes passagens dos depoimentos de Poliana e de
Sônia, respectivamente:

“(…) a vítima não teve como reagir à agressão; que os três primeiros
disparos atingiram o ofendido pelas costas” (f. 197).

“(…) quando eu tentava socorrer meu filho eu vi WILLIAN voltando e


efetuando mais disparos contra ANDERSON, com um revólver grande”
(f. 22, confirmado em f. 196)

Tais elementos também são indiciários da figura típica descrita no


artigo 121, §2º inciso IV do Código Penal, de forma que também devem ser
analisados pelo Tribunal do Júri.

3. Dispositivo e deliberações finais


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3.1. Diante do exposto, a teor do artigo 413 do CPP, PRONUNCIO o
réu WILLIAN JACQUES OLIVEIRA SANTOS, em razão da suposta prática do
crime do artigo 121, §2º, incisos II (motivo fútil), III (perigo comum) e IV
(recurso que dificultou a defesa da vítima), do Código Penal, para submetê-lo a
julgamento perante o Tribunal do Júri Popular.

3.2. Considerando o disposto no art. 413, § 3º do CPP, em especial


a violência com que fora praticada o crime em questão, indicativa de suposta
execução sumária de forma ostensiva e diante de familiares da vítima, aliada
ao ao fato de que o denunciado permaneceu foragido durante cerca de 07
(sete) anos, MANTENHO o decreto de prisão preventiva dos acusados
WILLIAN JACQUES OLIVEIRA SANTOS, agregando ainda os mesmos
fundamentos já mencionados na decisão de fls. 92/93, na forma do art. 312 do
CPP. Recomendo o réu na prisão em que se encontra recolhido.

3.3. Em razão da notícia de prisão do pronunciado, proceda-se à


imediata intimação pessoal desta decisão, via mandado, ficando
ressaltavado que os prazos processuais permanecem suspensos, por força das
Resoluções 313/314 do CNJ (Plantão Extraordinário COVID-19).

3.4. Após cumpridas as determinações acima, autorizo o envio da


presente decisão por e-mail ao advogado peticionante de f. 378, bem como
acesso aos autos para consulta em balcão (sem procuração nos autos),
mediante agendamento prévio junto à secretaria do Juízo, em razão do
Plantão Extraordinário do Poder Judiciário.

Publique-se, registre-se e intimem-se na forma da Lei.

Belo Horizonte, 07 de maio de 2020.

Marcelo Rodrigues Fioravante


Juiz de Direito
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