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Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Número do 1.0363.17.004253-7/002 Númeração 0042537-


Relator: Des.(a) Marcos Flávio Lucas Padula
Relator do Acordão: Des.(a) Marcos Flávio Lucas Padula
Data do Julgamento: 04/05/0021
Data da Publicação: 12/05/2021

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - HOMICÍDIO QUALIFICADO -


TESTEMUNHA REFERIDA - OITIVA NEGADA - DECISÃO
FUNDAMENTADA - ABSOLVIÇÃO COM BASE NA PROVA - SOBERANIA
DO VEREDICTO - INTANGIBILIDADE.

- Não configura violação ao devido processo legal o indeferimento de oitiva


de testemunha tida como referida se as suas declarações eram de
conhecimento do órgão acusador desde o início da persecução penal.

- Amparada a decisão do Júri nos elementos de prova, deve ser mantido o


veredicto popular, cuja soberania é reconhecida em sede constitucional.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0363.17.004253-7/002 - COMARCA DE JOÃO


PINHEIRO - APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS
GERAIS - APELADO: PAULO CESAR DOS REIS ZICA, ELIVANIO LUIZ
SILVA DE OLIVEIRA

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CRIMINAL do Tribunal de


Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos,
em REJEITAR A PRELIMINAR MINISTERIAL E, NO MÉRITO, NEGAR
PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. MARCOS PADULA

RELATOR.

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DES. MARCOS PADULA (RELATOR)

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta pelo Ministério Público contra a


sentença de fls. 831/831v., por meio da qual, considerando o veredicto do
Conselho de Sentença, foi julgada improcedente a pretensão punitiva estatal
e absolvidos os apelados Paulo César dos Reis Zica e Elivânio Luiz Silva de
Oliveira das sanções do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal.

Nas razões recursais (fls. 919/925), o Parquet suscita, em sede


preambular, a nulidade do feito por infringência ao devido processo legal em
razão do indeferimento do pleito de oitiva de testemunha referida.

No mérito, argumenta que a decisão dos jurados é manifestamente


contrária às provas existentes no processo, motivo pelo qual requer a
submissão dos réus a novo julgamento. Sustenta, em síntese, que a negativa
de autoria se encontra isolada no contexto probatório, tendo em vista a
existência de provas no sentido de que os acusados são os autores do delito.

Em contrarrazões (fls. 927/931 e fls. 933/935), as defesas pugnam pelo


conhecimento e desprovimento do recurso.

A Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo não acolhimento da preliminar


suscitada e, no mérito, pelo provimento do apelo (fls. 942/943v.).

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É o relatório. Segue a fundamentação.

Conheço do recurso, vez que presentes os pressupostos de admissibilidade.

Analisa-se, primeiramente, a preliminar suscitada pelo recorrente.

PRELIMINAR - OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL -


INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA REFERIDA

Alega o órgão ministerial o feito padece de nulidade por violação ao


devido processo legal diante do indeferimento do pleito de oitiva de
testemunha referida.

Extrai-se que, na sessão do Tribunal do Júri (mídia - fl. 917), a


testemunha Bruno Rabelo Rodrigues, policial civil, mencionou em seu
depoimento que o também policial Jonathan Henrique Ferreira Costa, por
volta de uma semana antes do presente delito, manteve contato direito com a
vítima, a qual teria esclarecido a respeito de circunstâncias prévias à prática
criminosa.

Assim, considerando as declarações do castrense Bruno, o Parquet


requereu, com fulcro no art. 209, §1° do Código de Processo Penal, a oitiva
do policial Jonathan Henrique na qualidade de testemunha referida, alegando
a imprescindibilidade de seu depoimento. O pedido, contudo, foi indeferido.

Conforme justificado pelo Juiz Presidente (fl. 834), as declarações da


testemunha em questão foram citadas no relatório policial (fls. 132/135) e ela
foi arrolada na denúncia como testemunha e ouvida, em juízo, na primeira
fase do procedimento do júri (fl. 276).

Logo, verifica-se que não se trata de pessoa referida, uma vez que,
desde o início da ação penal, o Ministério Público tinha ciência das
informações trazidas pelo castrense Jonathan Henrique. Portanto,

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conforme disposição legal, a possibilidade de oitiva de testemunhas referidas


somente é possível quando aludidas pelas testemunhas ouvidas no
processo, uma vez que há momento oportuno para serem arroladas, sob
pena de preclusão. No caso em tela, a testemunha mencionada no
depoimento já se encontrava arrolada e já havia sido ouvida.

Por outro lado, não restou demonstrada a essencialidade da nova oitiva


da testemunha. Mesmo que o referido policial fosse uma possível
testemunha nova, isto é, pessoa não arrolada como testemunha, mas
mencionada em depoimento/declaração de testemunha/informante, compete
ao juiz averiguar a relevância ou não da colheita do depoimento de tal
indivíduo para o deslinde do feito.

A respeito do tema, leciona Guilherme de Souza Nucci:

Inquirição das testemunhas referidas: trata-se de outra hipótese de oitiva de


testemunhos do juízo, pois o critério de deferimento é, exclusivamente, do
magistrado. Entretanto, quando alguma testemunha arrolada pela parte fizer
expressa referência a pessoa não constante no rol das partes, tampouco nos
autos do inquérito, é preciso que o magistrado tenha sensibilidade suficiente
para avaliar a conveniência e a necessidade de ouvi-la. A inquirição
descontrolada de várias pessoas, somente porque foram citadas por outras,
produz excesso de prova, conturbando a instrução e provocando o
inconveniente de obrigar o julgador ou o tribunal a ler volumes inteiramente
inúteis para o desfecho da causa. (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de
Processo Penal Comentado. 19. Ed.: Forense; São Paulo. 2020, p. 493).

Nesse sentido, preconiza o Superior Tribunal de Justiça:

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO


QUALIFICADO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. ALEGAÇÃO DE NULIDADES.

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INOCORRÊNCIA. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO OBJURGADO.


INEXISTÊNCIA. MATÉRIA DEVIDAMENTE ANALISADA PELAS
INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. MATERIALIDADE E INDÍCIOS SUFICIENTES
DE AUTORIA. PARTICIPAÇÃO. DOLO. VERIFICAÇÃO. SÚMULA N. 7/STJ.
INCIDÊNCIA. REVOLVIMENTO DO ACERVO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS
AUTOS. (...) Ao magistrado é facultado o indeferimento, de forma
fundamentada, do requerimento de produção de provas que julgar
protelatórias, irrelevantes ou impertinentes, como in casu a oitiva de
testemunhas, devendo a sua imprescindibilidade ser devidamente justificada
pela parte. Doutrina. Precedentes do STJ e do STF. (...) (AgRg no REsp
1687431/CE, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em
02/08/2018, DJe 15/08/2018) (ementa parcial).

Nesses termos, considera-se improcedente o requerimento ministerial


sob a perspectiva do próprio conceito de testemunha referida.

Diante disso, REJEITO A PRELIMINAR.

MÉRITO

Narra a denúncia que, no dia 03.08.2017, na rodovia MG-181, bairro


Contingente, em Brasilândia de Minas, na Comarca de João Pinheiro, os
denunciados Paulo César dos Reis Zica, Elivânio Luiz Silva de Oliveira e
Marllon Henrique dos Santos, em comunhão de esforços e desígnios entre si,
agindo por motivo torpe e mediante recurso que dificultou ou impossibilitou a
defesa do ofendido, mataram a vítima Alysson Eduardo de Oliveira.

Segundo apurado, o ofendido possuía uma dívida de droga com o


denunciado Paulo César, sendo que para quitá-la os denunciados Elivânio e
Paulo César ordenaram que a vítima conseguisse um conjunto de
mesas/cadeiras e um congelador, os quais seriam

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utilizados em um bar que Paulo César iria abrir em Patos de Minas.

Na sequência, o ofendido se dirigiu até o estabelecimento denominado


"Center Beer" e alugou 25 conjuntos de mesas e um freezer, com a intenção
de não devolver os bens e repassar para os denunciados supracitados.

Consta que a vítima indicou ao policial civil Jonathan Henrique Ferreira


Costa o local onde havia ocultado os materiais, bem como informou que os
bens foram encomendados por Elivânio e Paulo César como pagamento de
uma dívida relacionada ao tráfico de drogas, o que teria originado o
homicídio contra a vítima.

Segue relatando a inicial que os denunciados descobriram que o


ofendido havia indicado à Polícia o imóvel onde estavam os bens (local
utilizado pelo denunciado Marllon para o tráfico de drogas), razão pela qual
os acusados resolveram ceifar a vida do ofendido.

No dia dos fatos, os réus se dirigiram, em um automóvel Fiat/Palio, até o


logradouro já especificado, onde aguardaram o momento em que a vítima
sairia para comprar drogas. Assim que o ofendido passou ao lado do veículo,
o denunciado Marllon efetuou dois disparos de arma de fogo contra a ela. Em
seguida, o denunciado Elivânio saiu do interior do automóvel e efetuou mais
dois tiros. Em seguida, os réus empreenderam fuga.

Acionada, a Polícia Militar compareceu ao local dos fatos e se deparou


com o ofendido caído ao solo e ferido, ocasião em que prestaram imediato
socorro, levando-o até o hospital municipal. Todavia, vítima não resistiu e
faleceu.

Narra a peça acusatória, ao final, que o ofendido, antes de morrer,


afirmou aos policiais que os autores dos disparos foram os denunciados
Elivânio e Paulo César.

Finalizada a instrução preliminar, o feito foi desmembrado em relação ao


corréu Mallon e os apelados foram pronunciados como

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incursos nas sanções do art. 121, §2º, incisos I e IV do Código Penal (fls.
549/552). Posteriormente, o Conselho de Sentença não reconheceu que os
recorridos concorreram "para o disparo de arma de fogo que atingiu Alysson
Eduardo de Oliveira" (votação dos quesitos - fls. 828/829).

Insurge-se o Parquet contra a decisão dos jurados, argumentando que se


encontra contrária às provas do processo.

Como se sabe, somente a decisão que se dissocia integralmente dos


elementos probatórios, ou seja, evidentemente antagônica à verdade
apurada, é que pode ser invalidada.

Destarte, se a decisão do Júri se amparar em elementos razoáveis de


prova, segundo os dados instrutórios, ela deve ser mantida, sob pena de
ofensa ao princípio constitucional da soberania dos veredictos populares.

Em plenário, os réus foram interrogados (mídia - fl. 916). Elivânio nega a


prática do delito e salienta que se encontrava em um assentamento de terra
na data do crime. Da mesma forma, Paulo César não confirma ter cometido o
delito. Destaca que sequer conhecia a vítima e os demais denunciados.
Aduz, ademais, que estava na residência de sua sogra no dia da morte do
ofendido.

O policial civil Bruno Rabelo Rodrigues, ao prestar declarações na


sessão do Tribunal do Júri (mídia - fl. 917), afirma que o seu colega de farda,
o investigador Jonathan Henrique, uma semana antes do fato descrito na
denúncia, teve contato com o ofendido e este relatou que seria morto pelo
réu Paulo César. Declara, ainda, que Jonathan Henrique lhe informou que a
vítima detalhou a respeito do aluguel de mesas e cadeiras a pedido dos réus.

Os policiais militares Evando Fernando de Oliveira e Fernando Maciel da


Silva, na mesma ocasião (mídia - fl. 917), informaram que prestaram socorro
à vítima e esta chegou a apontar os recorridos como autores do crime.

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A informante Fabiana Alves da Conceição, em plenário (mídia - fl. 916),


assevera que o réu Paulo César não estava em Brasilândia de Minas (local
do crime) no dia dos fatos, mas na residência dela (Fabiana), localizada na
cidade de Sete Lagoas.

A testemunha Isaías Ribeiro de Souza, na segunda fase do procedimento


do júri (mídia - fl. 916), afirma que o acusado Elivânio fazia parte de um
grupo que praticou uma invasão de terra, em local onde o réu se encontrava
na data fatídica.

As demais pessoas ouvidas (mídia - fl. 917) se referem a testemunhas de


abonação. Assim, não presenciaram o fato e nada esclarecerem sobre os
acontecimentos.

Registra-se que a prova oral colhida na fase do iudicium accusationis


caminhou no mesmo sentido das versões apontadas acima.

Assim, não se desconhece as duas vertentes presentes no processo: i)


os réus não foram os autores do delito e sequer se encontravam na
localidade onde a vítima foi morta; e ii) os recorridos praticaram o crime,
segundo afirmado pela vítima logo após ser alvejada.

Todavia, conforme é sabido, não é cabível neste momento processual


apontar qual asserção apresenta maior plausibilidade. Se os jurados
acolheram uma das teses apresentadas (de inocência dos réus) com
respaldo nas provas, a confirmação é imperativa.

Não se pode olvidar que a Constituição Federal garante ao júri a


soberania de seus veredictos (CF/88, art. 5º, XXXVIII, "c"), sendo certo que a
cassação da decisão por parte do tribunal é permitida tão somente quando a
estiver manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, "d") e
não apenas quando os jurados optam por uma dentre as várias possíveis
correntes de interpretação da prova.

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O tema em discussão se encontra pacificado por este Tribunal pelo


enunciado da Súmula 28, aprovada pelo Grupo de Câmaras Criminais, de
acordo com o qual a cassação do veredicto popular por manifestamente
contrário à prova dos autos somente é possível quando a decisão for
escandalosa, arbitrária e totalmente divorciada do conjunto probatório, nunca
aquela que opta por uma das versões existentes.

Logo, não se vislumbra razão para que se anule a decisão do Tribunal do


Júri, uma vez que ausentes as alegadas contradições entre o veredicto
popular e as provas produzidas no presente caso.

Pelo exposto, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL.

Custas ex lege.

DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO (REVISOR) - De acordo com o


Relator.

DES. JÚLIO CÉSAR LORENS - De acordo com o Relator.

SÚMULA: "REJEITARAM A PRELIMINAR MINISTERIAL E, NO MÉRITO,


NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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