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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 846.999 - DF (2006/0090760-4)

RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS
RECORRIDO : ANTÔNIO ALVES DA SILVA (PRESO)
RECORRIDO : ADAILTON PEREIRA DOS SANTOS (PRESO)
ADVOGADO : ANDREA BRITO LUSTOSA DA COSTA E SOUSA
(ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) - DF015015
EMENTA

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. NULIDADE.


PLENÁRIO DO JÚRI. PROMOTOR DE JUSTIÇA QUE EM
SUSTENTAÇÃO ORAL AFIRMA HAVER SIDO PROCURADO
POR TESTEMUNHA EM SEU GABINETE COM A INFORMAÇÃO
DE QUE ESTAVA SENDO AMEAÇADA. PRINCÍPIOS DO
CONTRADITÓRIO, AMPLA DEFESA E COMUNHÃO DAS
PROVAS. CONTRADIÇÃO ENTRE RESPOSTAS DADAS A
QUESITOS. NULIDADE ABSOLUTA. ANULAÇÃO DO
JULGAMENTO. RECURSO ESPECIAL A QUE SE DÁ PARCIAL
PROVIMENTO.
1. Viola os princípios do contraditório, ampla defesa e comunhão
das provas o procedimento do promotor de justiça que, sem
submeter a dita alegação à ciência da defesa ou do Juízo, durante
sua sustentação oral no Plenário do Júri , afirma haver sido
diretamente procurado em seu gabinete por testemunha do
processo, ato em que esta afirmou estar recebendo ameaças.
2. O prejuízo consignado pelo Tribunal de origem não pode ser
considerado remediado com a simples advertência do
Juiz-presidente no sentido de que o Conselho de sentença
desconsiderasse, naquele ponto, a fala do órgão ministerial. Há
que se ponderar, nesse sentido, que, no plenário Tribunal do Júri
e quanto aos jurados, em exceção ao sistema da persuasão
racional do juiz (art. 155 do Código Penal), adotou-se o sistema
da íntima convicção, por meio do qual o órgão julgador decide
(intimamente) sem a necessidade de exteriorizar as razões de
sua convicção.
3. A contradição entre as respostas aos quesitos apresentados
ao Conselho de Sentença, quando não sanada por ocasião da
votação realizada, diante do que se depreende do art. 490 do
Código de Processo Penal, justifica a anulação do julgamento,
dada a nulidade absoluta acarretada. Precedentes.

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4. No caso em apreço, há que se reconhecer a contradição entre
as respostas dadas aos quesitos anteriores (da mesma série) e
aquela proferida em relação ao quesito 17 (no qual, como
salientado pelo Tribunal de origem, negou-se, em relação a um
dos recorridos, a própria existência do fato). Deveria o Juízo
presidente, de ofício ou mesmo mediante requerimento de
quaisquer das partes, em atenção ao disposto no art. 489 do
Código de Processo Penal (redação então vigente - atual art. 490
do Código de Processo Penal), declarar a contradição e proceder
à nova votação, o que, no entanto, não foi feito.
5. Recurso especial parcialmente provido

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima


indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sr.
Ministro Relator. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti
Cruz e Nefi Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 10 de dezembro de 2019 (data do julgamento).

Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 846.999 - DF (2006/0090760-4)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E
TERRITÓRIOS
RECORRIDO : ANTÔNIO ALVES DA SILVA (PRESO)
RECORRIDO : ADAILTON PEREIRA DOS SANTOS (PRESO)
ADVOGADO : ANDREA BRITO LUSTOSA DA COSTA E SOUSA
(ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA) - DF015015

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO


DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIO, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea
a, da Constituição da República, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do
Distrito Federal e Territórios.

Extrai-se dos dos autos que, em primeiro grau de jurisdição, os


recorridos Antônio Alves da Silva e Adailton Pereira dos Santos foram, respectivamente,
condenados às penas de 18 anos e 6 meses de reclusão e 12 anos e 6 meses, ambas
em regime inicial fechado, como incursos no crime previsto no art. 121, § 2º, incisos II e
III, do Código Penal.

Irresignada, a Defesa interpôs recurso de apelação, ao qual o Tribunal


de origem deu provimento para anular o julgamento em relação ao recorrido Antônio
Alves da Silva, determinando sua submissão a novo Plenário do Júri. De ofício, ainda,
anulou-se, em relação ao recorrido Adailton Pereira Santos, a sentença. Eis a ementa
do acórdão (e-STJ fl. 347):

PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO


(ARTIGO 121, § 2o, INCISOS II E III, DO CÓDIGO PENAL). JÚRI.
IRREGULARIDADE. JULGAMENTO. TESTEMUNHA. NOVO
JULGAMENTO. JURADOS. ABSOLVIÇÃO. CASSAÇÃO DA
SENTENÇA. Constatada irregularidade no julgamento, em face de
uma testemunha ter conversado com o representante ministerial
após o seu depoimento, impõe-se a sua anulação. Verificando
terem os jurados negado a prática do fato quanto ao outro

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apelante, cassa-se a sentença para outra ser proferida. DEU-SE
PROVIMENTO AO RECURSO DE ANTÔNIO ALVES DA SILVA A
FIM DE SER SUBMETIDO A NOVO JULGAMENTO. MAIORIA. DE
OFÍCIO, ANULOU-SE A SENTENÇA PARA OUTRA SER
PROFERIDA EM RELAÇÃO AO APELANTE ADAILTON PEREIRA
DOS SANTOS. UNÂNIME.

Os embargos de declaração opostos foram rejeitados em acórdão


assim ementado (e-STJ fl. 405):

Embargos de declaração. Apelação Criminal. Júri. Diálogo


reservado entre promotor e testemunha. Princípio do contraditório.
Contradição nas respostas aos quesitos. Nulidade.
1. O inusitado procedimento adotado pelo Promotor de Justiça, em
manter conversa reservada com testemunha, fato por ele informado
aos jurados, viola o princípio do contraditório.
2. "Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em contradição
com outra ou outras já proferidas, o juiz, explicando aos jurados em
que consiste a contradição, submeterá novamente à votação os
quesitos a que se referirem tais respostas" (art. 489, CPP).
3. Negada pelos jurados a prática de lesões corporais na vítima,
pelo réu em julgamento, consideram-se prejudicados os demais
quesitos. Inconcebível que se prossiga com a votação,
indagando-lhes se as lesões, cuja inexistência acabaram de
afirmar, acarretaram a morte da vítima e que ele a segurou para
que o co-autor nela desferisse os golpes mortais.
4. Se o Ministério Público conformou-se com esse procedimento,
impossível à turma, no julgamento de apelação exclusiva da defesa,
proclamar a nulidade do julgamento. Negada no primeiro quesito a
existência do próprio fato atribuído ao réu, desconsidera-se a
votação indevida dos demais, pois com esse resultado já estava
absolvido.

Daí o recurso especial, no qual o ora recorrente afirma, em síntese,


que o Tribunal de origem, no acórdão proferido, negou vigência ao disposto no art. 74, §
1º, do Código de Processo Penal, e contrariou o disposto nos arts. 489 e 563, ambos
também do Código de Processo Penal.

Aduz que (e-STJ fl. 422 e 424):

O Tribunal do Júri. acolhendo a denúncia, conclui que Adaílton


Pereira dos Santos segurou o "delator" Jorge Martins para que

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Antônio Alves da Silva, utilizando-se de corda e pedaço de vidro,
matasse a vítima.
O Tribunal de Justiça, em apelação, determinou novo julgamento
de Antônio — em virtude de que uma testemunha procurara o
Ministério Público para relatar ameaças, o que foi tomado por termo
pelo Promotor de Justiça — e anulou a sentença de Adailton,
absolvendo-o, porque o 17o quesito negara que terceira pessoa
teria agredido a vítima Jorge (que, surpreendentemente, morreu!).
Não há a nulidade cogitada pelo TJDFT.
Em relação a Antônio, a eventual irregularidade do contato entre
Promotor de Justiça e testemunha (seria possível deixar o
Ministério Público de tomar providências diante da grave notilial)
não teria o condão de inviabilizar o veredito do Tribunal Popular,
mesmo porque se trata de réu CONFESSO, que fundara sua tese
em legítima defesa.
(...)
Sucede que o júri, no primeiro quesito, afirmou, por 7x0 (sete a
zero), que Antônio Alves da Silva fora o autor dos golpes contra a
vitima (fls. 231).
E, no 19° quesito, afirmou, por 4x3, especificamente, que Adaílton
Pereira dos Santos "segurou a vítima para que seu comparça (sic)
Antonio Alves, desferisse no pescoço da mesma dos golpes
mortais? " (fls. 235).
Nesse contexto, não há dúvida de que o júri condenou o réu
Adaílton pela co-autoria/participação no homicídio de Jorge
Martins.
É certo que, no 17° quesito, os jurados, por 4x3, negaram que
terceira pessoa tenha atingido a vitima com um pedaço de vidro
causando-lhe a morte.
Trata-se, contudo, de equívoco evidente!
A ser verdade que terceira pessoa não desferira os golpes, não
existiria vítima, nem homicídio, nem processo.

Contrarrazões às e-STJ fls. 435/440.

Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pelo


provimento do recurso especial (e-STJ fls. 451/457).

É o relatório.

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VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO ANTONIO SALDANHA PALHEIRO


(Relator):

Preenchidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade


do recurso especial, dele conheço.

Adentrando-se propriamente no mérito da questão que nos é posta à


análise, no que se refere à irresignação ministerial quanto à determinação de
submissão de Antônio Alves da Silva a novo julgamento, razão não assiste ao Parquet.

Trago, a propósito, trecho dos votos que fazem alusão à questão objeto
de deliberação (e-STJ fls. 351/352):

"A Defesa requereu a nulidade do ato, tendo em vista que


uma das testemunhas comuns conversou com o Ilustre
Representante do Ministério Público após o seu depoimento.
O Ilustre representante do Ministério Público alegou que a
testemunha apenas foi ao Ministério Público para reduzir a
termo as ameaças que está recebendo. O Meritissimo Juiz
requereu que os senhores jurados desconsiderem as
afirmações da testemunha ao Órgão do Ministério Público
feitas fora da audiência, atendendo parcialmente o
requerimento da Defesa".
Ora, o juiz-presidente ao recomendar aos jurados que
"desconsiderassem" a conversa da testemunha, cujo teor levou ao
conhecimento de todos no julgamento, implicitamente reconheceu a
irregularidade desse procedimento. Se a testemunha faltara com a
verdade, por temor aos réus, deveria ter sido reinquirida na
ausência deles, com a presença do defensor, naturalmente, para
que se cumprisse o princípio constitucional do contraditório. O
Ministério Público, no entanto, preferiu valer-se do que lhe
confidenciara essa testemunha, fora da sessão de julgamento, para
reforçar sua tese, deixando de observar o principio da comunhão
das provas.
A relevância de suas declarações, para a causa, pois segundo a
defesa teria ela negado a confissão de Adailton, está na
advertência do juiz-presidente - que os jurados desconsiderassem
o que havia afirmado ao promotor.

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(...)

Tenho como certo que comportamento desse jaez, levado a efeito


pelo Ministério Público, contamina o julgamento a ser realizado pelo
sinédrio popular. Não basta que o Dr. Juiz faça a recomendação
como se fosse o "todo poderoso" para retirar da mente dos jurados
o teor das informações que a eles foram repassadas
indevidamente, sem a colheita da prova, debaixo do contraditório,
como, de regra, vem estabelecido a partir da Constituição Federal.

Dito isso, trago as palavras de Norberto Avena que, citando outros


doutrinadores, bem aloca o conceito de nulidade no sistema processual penal
(Processo penal: esquematizado / Norberto Avena. - 5ª ed. - Rio de Janeiro: Forense;
São Paulo, MÉTODO, 2013, fls. 1007/1008):

"(...) De qualquer forma, é preciso partir do princípio de que o


processo penal possui uma natureza eminentemente instrumental,
vale dizer, existem procedimentos a serem seguidos. Ora, tais
procedimentos contemplam a realização de determinados atos,
termos e solenidades, para os quais a lei reserva formalidades,
objetivando, assim, garantir a realização plena do devido processo
legal. Tendo em vista essa finalidade dos ritos processuais, deve-se
concluir que toda vez que um ato afastar-se da forma prevista pela
lei. Ele estará viciado, sendo esta mácula tanto maior ou menor
conforme seja a intensidade desse distanciamento.
No tocante à definição da nulidade processual (lato sensu), a
doutrina nacional diverge a respeito. Para Fernando Capez, por
exemplo, a nulidade conceitua-se como um vício processual
decorrente da inobservância de exigências legais, sendo capaz de
invalidar o processo no todo ou em parte. Por sua vez, José
Frederico Marques refere-se à nulidade como uma 'sanção que, no
processo penal, atinge a instância ou o ato processual que não
estejam de acordo com as condições de validade impostas pelo
Direito objetivo. Já Mirabete adota posição eclética, aduzindo que
nulidade é, sob um aspecto, vício, e, sob outro, sanção, podendo
ser definida como a inobservância das exigências legais ou como
uma falha ou imperfeição que invalida ou pode invalidar o ato
processual ou todo o processo. (...)"

É clara, in casu e nos exatos termos do consignado pelo

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Desembargador revisor, a violação aos princípios do contraditório e ampla defesa,
acarretando grave prejuízo ao réu, prejuízo este, por óbvio, não remediado com a
simples advertência do Juiz-presidente no sentido de que o Conselho de sentença
desconsiderasse, naquele ponto, a fala do órgão ministerial. Há que se ponderar, nesse
sentido, que, no plenário Tribunal do Júri e quanto aos jurados, em exceção ao sistema
da persuasão racional do juiz (art. 155 do Código Penal), adotou-se o sistema da íntima
convicção, por meio do qual o órgão julgador decide (intimamente) sem a necessidade
de exteriorizar as razões de sua convicção.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


HABEAS CORPUS. HOMICÍDIOS QUALIFICADOS TENTADOS.
VIOLAÇÃO AO ART. 155 DO CPP. AUSENTE. DECISÃO DO
TRIBUNAL DO JÚRI. ÍNTIMA CONVICÇÃO. IMPOSSÍVEL AFERIR
AS PROVAS UTILIZADAS PARA CONDENAR. AGRAVO
IMPROVIDO.
1. Não obstante a jurisprudência desta Corte superior entenda que
o art. 155 do Código de Processo Penal seja aplicado a todos os
procedimentos penais, o Conselho Popular pode condenar o réu
até por íntima convicção, não sendo, portanto, possível afirmar
quais provas foram valoradas para a condenação do agente.
Inviável, portanto, a análise referente à violação ao art. 155 do
CPP.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no HC 454.895/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA
TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 25/09/2018)

Não há como negar a possibilidade de que as menções do Parquet


tenham influenciado, em detrimento do reú, a convicção dos jurados, pelo que fez bem
o Tribunal de origem em reconhecer a referida nulidade e determinar novo julgamento.

Não se está a afirmar que o órgão ministerial deveria permanecer inerte


diante da ciência de eventual coação exercida contra testemunha, mas sim que não
deveria ele, em desrespeito às normas processuais, à ciência da defesa e ao controle
judicial, afirmar diretamente em Plenário que seu depoimento estaria maculado.

Neste ponto, portanto, irretocável o acórdão proferido pela Corte de


origem.

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No tocante ao ponto recursal atinente ao recorrido Adailton Pereira dos
Santos, tenho que parcial razão assiste ao Ministério Público do Distrito Federal e
Territórios.

Trago, mais uma vez e com a finalidade de bem elucidar a questão,


trecho do voto proferido pelos órgão singulares do Tribunal de origem (e-STJ fls.
353/354 e 413/415):

Quanto à apelação de Adailton Pereira dos Santos, suscito, de


ofício, preliminar de nulidade da sentença.
Apesar de não haver o juiz-presidente elaborado série distinta de
quesitos para o julgamento desse apelante, destacou-os a partir do
17°, cuja redação é a seguinte:
"No dia 12 de dezembro de 2000, por volta das 17:00 hs, no
interior da Cela 02, Ala A\ Pavilhão de Segurança Máxima, NCB,
complexo da Papuda, Área Administrativa de São Sebastião,
terceira pessoa, utilizando-se de um pedaço de vidro (gargalo
de um vidro de pimenta), desferiu vários golpes contra a vítima
Jorge Martins dos Santos, causando-lhe as lesões descritas no
Laudo de Exame Cadavérico de fls. 88/92?"
Está anotado a mão, às fls. 235 o seguinte resultado: sim, 3
votos; não, quatro votos.
Cuidei que pudesse tratar-se de equívoco, mas o termo de
votação de quesitos não deixa dúvidas - "Ao 17° Quesito: três
votos SIM por quatro votos NÃO.
O juiz-presidente, diante desse resultado, deveria ter encerrado a
votação, pois o réu já estava absolvido.
Considero desnecessário anular o julgamento por esse fato. Deve o
juiz, assim, desconsiderados os demais quesitos, proferir sua
decisão.
Meu voto, quanto à apelação de Adailton Pereira dos Santos, é
pela cassação da sentença, a fim de que o MM. Juiz, à vista do
resultado verificado na votação do 17° quesito, outra profira.

(...)

Quanto ao réu Adailton Pereira dos Santos, sustenta o embargante


que não teria havido absolvição, tendo em vista a afirmação pelos
jurados, no 19° quesito, que ele "(...) segurou a vítima para que seu
comparsa (...) desferisse no pescoço da mesma os golpes mortais
'.

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O 17° quesito está formulado de acordo com a técnica que deve
ser observada no julgamento de co-autor ou partícipe. Por isso
indagou-se, nesse quesito, se "(...) terceira pessoa, utilizando-se
de um pedaço de vidro (gargalo de um vidro de pimenta), desferiu
vários golpes contra vítima Jorge Martins dos Santos, causando-lhe
as lesões descritas no laudo de Exame Cadavérico de fls. 88/927'.
Negada por quatro votos a prática de lesões corporais na vítima,
afirmou o conselho de sentença no 18° quesito, contraditoriamente,
que as inexistentes lesões acarretaram-lhe a morte. Como se não
bastasse, indagou-se, no 19° quesito, se Adailton segurou a vítima
para que Antônio nela desferisse os golpes fatais, com resposta
afirmativa por maioria de votos.
Esse procedimento, no meu entender, depois de análise mais
acurada do ocorrido no julgamento, é causa de sua nulidade por
vício na formulação do questionário.
Desprezou-se a lição de Hermínio Marques Porto quanto à
formulação de quesitos, no caso de concurso de agentes:
(...)
Ainda que se forçasse a correção do questionário, reconhecido no
primeiro quesito da primeira série que o réu Antônio Alves causara
na vítima lesões corporais, uma vez negada a ocorrência desse fato
no quesito relativo à co-autoria, por quatro votos, deveria o juiz ter
esclarecido aos jurados a contradição verificada, tal como lhe
autoriza o Código de Processo Penal:
"Art. 489. Se a resposta a qualquer dos quesitos estiver em
contradição com outra ou outras ja proferida, o juiz, explicando aos
jurados em que consiste a contradição, submeterá novamente à
votação os quesitos a que se referirem tais respostas".
Sucede, porém, que essa providência não foi tomada. O que temos,
de concreto, em relação ao réu Adailton, é a negativa da existência
do próprio fato delituoso, para o qual, segundo está afirmado no
libelo, teria concorrido. Se o juiz não quis observar o disposto no
art. 489 do Código de Processo Penal, deveria ter encerrado,
desde logo, o julgamento, declarando prejudicados os demais
quesitos. Como o Ministério Público se conformou com o resultado
do julgamento, pois não o impugnou em suas razões, não seria
possível a esta turma, em recurso interposto exclusivamente pelo
réu, proclamar essa nulidade. A matéria está, aliás, sumulada pelo
Supremo Tribunal Federal — "E nula a decisão do tribunal que
acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da
acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício" (verbete n°
160). (grifei)
De fato, há que se reconhecer a contradição entre as respostas dadas
entre os quesitos anteriores (da mesma série - e-STJ fl. 353) e aquela proferida em

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relação ao quesito 17 (no qual, como bem salientado pelo Tribunal de origem, negou-se,
em relação ao recorrido Adailton, a própria existência do fato). Deveria o Juízo
presidente, de ofício ou mesmo mediante requerimento de quaisquer das partes, em
atenção ao disposto no art. 489 do Código de Processo Penal (redação então vigente -
atual art. 490 do Código de Processo Penal), declarar a contradição e proceder à nova
votação, o que, no entanto, não foi feito.

A contradição entre as respostas dadas aos quesitos formulados


ostenta, segundo pacífico entendimento deste Tribunal Superior, nulidade de natureza
absoluta, pelo que não há que se falar em preclusão.

Nesse sentido:

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO.
TRIBUNAL DO JÚRI. CONTRADIÇÃO ENTRE AS RESPOSTAS
DADAS PELOS JURADOS AOS QUESITOS FORMULADOS.
NULIDADE ABSOLUTA. PRECLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA.
SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça
consolidou-se no sentido de que a ocorrência de nulidade absoluta,
por ocasião do julgamento pelo Tribunal do Júri, não se sujeita ao
instituto da preclusão como decidido pelas instâncias ordinárias
, o que atrai no presente caso o óbice da Súmula 83/STJ: "Não se
conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação
do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida".
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no AREsp 525.677/PR, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS,
QUINTA TURMA, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017)

RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DE DISPOSITIVOS


CONSTITUCIONAIS. INCOMPETÊNCIA DESTA CORTE
SUPERIOR.
1. Consoante firme orientação jurisprudencial, não se afigura
possível apreciar, em sede de recurso especial, suposta ofensa a
artigos da Constituição Federal. O prequestionamento de matéria
essencialmente constitucional pelo STJ implicaria usurpação da
competência do STF.
PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO. JÚRI. JULGAMENTO
ANULADO PELA CORTE LOCAL. QUESITOS QUANTO À
TENTATIVA DE HOMICÍDIO E ARREPENDIMENTO EFICAZ.
VOTAÇÃO. CONTRADIÇÃO. NULIDADE ABSOLUTA.

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Superior Tribunal de Justiça
PRECLUSÃO. INOCORRÊNCIA. ACÓRDÃO FUSTIGADO EM
CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTE SODALÍCIO
SUPERIOR. SÚMULA N.º 83/STJ. AGRAVO DESPROVIDO.
2. Os quesitos a serem submetidos à apreciação do Conselho de
Sentença devem ser formulados de forma a facilitar a compreensão
dos jurados, sob pena de nulidade.
3 Apesar de possível a elaboração sucessiva dos quesitos
atinentes à tentativa de homicídio e arrependimento eficaz, já que a
quesitação deve guardar correlação com as teses de acusação e
de defesa, o resultado afirmativo quanto a um deles torna
prejudicado a análise do outro, eis que institutos completamente
diversos entre si, sob pena de nulidade absoluta, não estando,
pois, sujeita à preclusão ante a inércia do Parquet Estadual na
sessão plenária. Precedentes.
4. In casu, tendo o Tribunal Popular reconhecido o homicídio
tentado e, posteriormente, o arrependimento eficaz, torna-se de
rigor a anulação da sessão plenária, por ter referida operação
gerado perplexidade nos jurados.
5. Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local em consonância
com a jurisprudência deste Sodalício Superior. Enunciado Sumular
n.º 83/STJ.
6. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1162334/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA
TURMA, julgado em 22/11/2011, DJe 05/12/2011)

Deste modo, nada obstava ao Tribunal de origem o reconhecimento da


dita nulidade. Ocorre que, ao contrário do que fez a referida Corte, não deveria ser
anulada somente a sentença, mas sim todo o julgamento.

Nesse sentido, as lições de Rogério Sanches e Ronaldo Batista Pinto:

"(...) Segundo este dispostivo, verificada alguma contradição na


resposta aos quesitos, cabe ao juiz explicar aos jurados no que
consistiu tal incongruência, renovando a votação daquele quesito
específico. Assim, por exemplo, se os jurados reconhecem que o
réu agiu de forma imoderada na legítima defesa, deverão, em
consequência, admitir também a existência do excesso doloso ou
culposo. E se acaso, apesar da explicação, os jurados insistirem no
erro na segunda votação do quesito? A doutrina pouco trata dessa
hipótese. Ensina Câmara leal que "se esta nova resposta for ainda
contraditória, o presidente, explicando melhor a contradição
existente, e o modo pelo qual a resposta deve ser dada para evitar
a incongruência apontada, procederá a uma terceira votação, de

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modo a desaparecer a contradição" (ob. cit., p. 238). Caso o juiz
não adote essa medida, resta à parte prejudicada apelar ao
Tribunal de Justiça, a quem cumpre, por tratar-se de nulidade
absoluta, ex vi do disposto no art. 564, parágrafo único (RT
716/429), reconhecer o vício e determinar a realização de novo
julgamento." (Código de Processo Penal e Lei de Execução Penal
comentados por artigos / Rogério Sanches Cunha, Ronaldo Batista
Pinto - Salvador: Juspodivm, 2017, fl. 1285, grifei)

A propósito, decisão deste Tribunal Superior:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO.


IMPOSSIBILIDADE. VERIFICAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO
ILEGAL QUE JUSTIFICARIA A CONCESSÃO DA ORDEM DE
OFÍCIO. NÃO OCORRÊNCIA. HOMICÍDIO DOLOSO. ERRO NA
EXECUÇÃO. PLURALIDADE DE RESULTADOS. TRIBUNAL DO
JURI. QUESITOS INCONCILIÁVEIS. CONTRADIÇÃO NA
RESPOSTA AOS QUESITOS. APELAÇÃO. ANULAÇÃO DO
JULGAMENTO. POSSIBILIDADE. ORDEM NÃO CONHECIDA.
1. Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso
próprio, a impetração sequer deveria ser conhecida, segundo
orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do
próprio Superior Tribunal de Justiça. Contudo, considerando as
alegações expostas na inicial, razoável a análise do feito para
verificar a existência de eventual constrangimento ilegal que
justifique a concessão da ordem de ofício.
2. A norma prevista no art. 73 do Código Penal afasta a
possibilidade de se reconhecer a ocorrência de crime culposo
quando decorrente de erro na execução na prática de crime
doloso. 3.
Reconhecido pelo Conselho de Sentença o dolo na conduta do
agente que efetua disparo de arma de fogo contra vítima e acaba
por acertar terceiro em razão de erro na execução (aberratio ictus),
se mostra contraditória resposta afirmativa no sentido de que a
morte do terceiro decorreu de culpa.
4. A contradição na resposta aos quesitos não sanada por
ocasião da votação, nos termos do art. 490 do Código de
Processo Penal, acarreta nulidade que justifica a anulação do
julgamento. Ausente, portanto, qualquer constrangimento ilegal na
decisão da Corte Estadual que determinou a realização de nova
sessão do Tribunal do Júri, uma vez que verificou nulidade no
julgamento após as respostas contraditórias dos jurados aos
quesitos apresentados.
Habeas Corpus não conhecido.
(HC 210.696/MS, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA

Documento: 1901875 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2019 Página 13 de 4
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TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 27/09/2017, grifei)

Deste modo, tenho que merece parcial provimento o recurso ministerial


com o fim de, mantendo o reconhecimento da nulidade dada a contradição entre os
quesitos formulados, reformar o julgamento do Tribunal de origem e determinar a
submissão de Adailton Pereira dos Santos a novo plenário do Júri.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial para


determinar a submissão de Adailton Pereira dos Santos a novo plenário do Júri.

É o voto.
Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Relator

Documento: 1901875 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2019 Página 14 de 4
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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEXTA TURMA

Número Registro: 2006/0090760-4 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 846.999 / DF


MATÉRIA CRIMINAL

Número Origem: 20000810038727

PAUTA: 10/12/2019 JULGADO: 10/12/2019

Relator
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LUIZA CRISTINA FONSECA FRISCHEISEN
Secretário
Bel. ELISEU AUGUSTO NUNES DE SANTANA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS
RECORRIDO : ANTÔNIO ALVES DA SILVA (PRESO)
RECORRIDO : ADAILTON PEREIRA DOS SANTOS (PRESO)
ADVOGADO : ANDREA BRITO LUSTOSA DA COSTA E SOUSA (ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA) - DF015015

ASSUNTO: Processual Penal - Tribunal do Júri - Anulação

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEXTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Sexta Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nos
termos do voto da Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Nefi
Cordeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1901875 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 19/12/2019 Página 15 de 4

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