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Superior Tribunal de Justiça

HABEAS CORPUS Nº 384.567 - SP (2017/0000366-1)


RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO FELIX FISCHER
IMPETRANTE : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTROS
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTRO(S) - SP021135
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOSELYR BENEDITO SILVESTRE (PRESO)
EMENTA

HABEAS CORPUS. SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO


CABIMENTO. USO DE DOCUMENTO FALSO. ALEGAÇÃO DE
ATIPICIDADE. FALSO GROSSEIRO. RECONHECIMENTO. ABSOLVIÇÃO.
POSSIBILIDADE DE CÓPIA SEM AUTENTICAÇÃO CONFIGURAR
DOCUMENTO PÚBLICO PARA FINS PENAIS. NULIDADE POR AUSÊNCIA
DE LAUDO PERICIAL. QUESTÕES PREJUDICADAS. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela
Primeira Turma do col. Pretório Excelso, sedimentou orientação no sentido de não
admitir habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não
conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada
flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da
ordem de ofício, em homenagem ao princípio da ampla defesa.
II - Com efeito, a doutrina e a jurisprudência majoritariamente, entendem
que para a configuração do tipo penal de uso de documento falso, a falsificação
deve ser apta para iludir, enganar, ludibriar. Do contrário, está configurada a
hipótese de falso grosseiro, caso em que não haverá crime.
III - In casu, tão logo a d. Juíza avistou a petição e o convite juntado pelo
paciente objetivando o adiamento de audiência, imediatamente verificou a
falsificação. A providência seguinte, consistente em ligação telefônica que constatou de
plano a alteração do horário da solenidade, configurou mera confirmação da suspeita
acerca da inidoneidade do documento.
IV - Se o documento não foi capaz de iludir ou de enganar a autoridade
judiciária, é de se reconhecer que se trata de falso grosseiro, caso em que não há que
se falar em tipicidade da conduta, devendo o paciente ser absolvido.
V - Reconhecida a atipicidade da conduta, com a absolvição do paciente,
restam prejudicadas as alegações de inviabilidade de mera cópia sem autenticação
configurar documento público para fins penais e nulidade por ausência de laudo pericial.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício a fim de absolver
o paciente da imputação da prática do crime de uso de documento falso.
ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,


acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no
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julgamento, por unanimidade, não conhecer do pedido e, por maioria, conceder "Habeas
Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Felix Fischer, que lavrará o acórdão.
Votaram com o Sr. Ministro Felix Fischer os Srs. Ministros Reynaldo Soares
da Fonseca e Ribeiro Dantas.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Votou parcialmente vencido o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.

Brasília (DF), 20 de setembro de 2018 (Data do Julgamento).

Ministro Felix Fischer


Relator p/ Acórdão

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HABEAS CORPUS Nº 384.567 - SP (2017/0000366-1)
IMPETRANTE : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTROS
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTRO(S) - SP021135
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOSELYR BENEDITO SILVESTRE (PRESO)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK:


Cuida-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, sem pedido
de liminar, impetrado em benefício de JOSELYR BENEDITO SILVESTRE contra
acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP (HC n. Apelação n.
0003952-50.2009.8.26.0073).
Consta dos autos que o paciente foi denunciado pela prática do delito
tipificado no art. 304 (uso de documento falso) c.c art. 29 (concurso de agentes) do
Código Penal – CP. Segundo a incial acusatória, JOSELYR BENEDITO SILVESTRE –
com o intuito de conseguir o adiamento de audiência em ação civil pública na qual figura
como réu pela prática de improbidade administrativa – apresentou um convite falso para
o comparecimento em inauguração de uma obra pública no mesmo horário da aludida
audiência (e-STJ fl. 25/27).
Após o devido processo legal, o ora paciente foi condenado pelo Juízo da
2ª Vara Criminal de Comarca de Avaré, nos autos da Ação Penal n.
0003952-50.2009.8.26.0073, Controle n. 456/09, a cumprir pena de 5 (cinco) anos de
reclusão no regime semiaberto.
Irresignada a defesa recorreu sem êxito, conforme acórdão que restou
assim ementado (fls. 64/81 - grifamos):

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 304 CC O ART. 29, CAPUT,


AMBOS DO CÓDIGO PENAL (USO DE DOCUMENTO FALSO).
PRELIMINAR. ANULAÇÃO DA SENTENÇA POR CERCEAMENTO DE
DEFESA INOCORRÊNCIA RÉU QUE SE DEFENDE DOS FATOS
NARRADOS NA DENÚNCIA E NÃO DA CAPITULAÇÃO AUSÊNCIA
DE VIOLAÇÃO AO ART. 381. DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
INDEFERIMENTO DA OITIVA DA TESTEMUNHA FEITO DE FORMA
JUSTIFICADA - AUSÊNCIA DE PREJUÍZO DO RÉU.
MATERIALIDADE COMPROVADA A FALTA DE LAUDO FOI
SUPRIDA POR OUTROS MEIOS DE PROVAS. AUTORIA
COMPROVADA PELO RELATO DAS TESTEMUNHAS. FALSIDADE
QUE PÔDE SER COMPROVADA PELA COMPARAÇÃO DOS
DOCUMENTOS. REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. PRESENTE
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CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. TODAVIA O
AUMENTO ACIMA DO DOBRO PARA JOSELYR E A METADE PARA
FREDERICO SE MOSTROU EXAGERADA. ADMITIDO A
SUBSTITUIÇÃO, EM RELAÇÃO A FREDERICO, EM QUE PESE
EXISTIRAM CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
ADEQUADO O REGIME ABERTO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
RECURSO PARCIAL PROVIDO.

Referido acórdão foi objeto de embargos de declaração, os quais não


foram conhecidos quanto ao paciente JOSELYR BENEDITO SILVESTRE e foram
rejeitados relativamente ao corréu Frederico Augusto Poles da Cunha, tendo sido
corrigido, de ofício, erro material contido na sentença para constar que ambos foram
condenados como incursos no art. 297 (falsidade de documento público), c.c. o art. 304
(uso de documento falso), c.c o art. 29 (concurso de pessoas), todos do Código Penal –
CP.
No presente habeas corpus, a defesa esclarece que "antes mesmo que
o convite apresentado à Juíza pudesse irradiar quaisquer efeitos no processo -
visto que a não autenticidade do convite era constatável ictu oculi e foi notada de
plano pela Juíza - , a audiência foi mantida e realizada sem nenhum percalço, mesmo
sem a presença do paciente (doc. 09), que compareceu ao evento noticiado." (e-STJ fl.
03)
Alega atipicidade da conduta ao argumento de: (a) inexistência do objeto
material do tipo, uma vez que xerocópias não autenticadas não podem ser
consideradas documentos para fins penais; (b) o falso ser grosseiro, sem aptidão para
ludibriar o destinatário, o que no entendimento dos impetrantes configura crime
impossível. Sustenta, ainda, nulidade do feito por ausência do corpo de delito que
atestasse falsidade documental.
Em síntese, a defesa do paciente sustenta que "de tão evidente era a
falsificação, a Juíza de primeiro grau dispensou a realização de exame
grafotécnico, porque, repita-se, basta a comparação superficial entre os
documentos para se constatar a falsidade!" (e-STJ fl. 15)
Assim, diante da ausência de exame pericial, com esteio nos artigos 158,
167 e 564 do Código de Processo Penal – CP, alega a nulidade do feito ao argumento
de falta de exame do corpo de delito em crime que deixa vestígio, exame este que, no
entender da defesa, não poderia ser suprido por outros meios de prova como o

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testemunhal.
Diante dos argumentos expostos, a defesa requer "seja admitida e
concedida a presente ordem de habeas corpus, a fim de se trancar os autos da Ação
Penal n. 053.01.2009.003952-2, oriunda da 2a Vara Criminal de Avaré (SP), por
absoluta ausência de justa causa." Subsidiariamente pleiteia "seja admitida e concedida
a presente ordem de habeas corpus, para anular os autos da ação penal n.
053.01.2009.003952-2, oriunda da 2a Vara Criminal de Avaré (SP), com fundamento
nos artigos n. 158 e 564, III, "b", ambos do Código de Processo Penal." (e-STJ, fl. 22)
A Ministra Laurita Vaz, Presidente desta Corte Superior, solicitou
informações ao TJSP, as quais foram prontamente prestadas (e-STJ fls. 97/98 e
103/143).
O Ministério Público Federal opinou pelo não conhecimento do writ em
parecer sintetizado nos seguintes termos (e-STJ fl. 147):

"Habeas corpus substitutivo de recurso próprio.


Descabimento. Uso de documento falso. Agravo em Recurso Especial já
interposto. Desnecessidade de analisar, na via substitutiva, a ocorrência
de eventuais ilegalidades. Parecer pelo não conhecimento do writ."

Em consulta ao sistema informatizado do TJ/SP, conforme última


movimentação do extrato em 4/5/2018, os autos Ação Penal n.
0003952-50.2009.8.26.0073 aguardam o trânsito em julgado dos agravos interpostos.
Constata-se, pelo sistema do informatizado do STJ, que a defesa do
paciente também interpôs o AREsp 1.007.578/SP, o qual não foi conhecido por decisão
monocrática da Ministra Laurita Vaz, ao fundamento de que o agravante deixou de
impugnar especificamente os fundamentos de inadmissão do recurso especial, em
especial a incidência da Súmula 7/STJ.
Foi então oposto agravo regimental, de minha relatoria, o qual não foi
conhecido conforme acórdão, transitado em julgado em 17/3/2017, que foi ementado
nos seguintes termos:

"PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL


NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 5 DIAS.
INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
1. É intempestivo o agravo regimental que não observa o
prazo de interposição de 5 dias, conforme art. 39 da Lei n. 8.038/90 e art.
258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ.
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2. Agravo interno não conhecido."

É o relatório.

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VOTO VENCIDO

O EXMO. SR. MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK:


Diante da hipótese de habeas corpus substitutivo de recurso próprio, a
impetração sequer deveria ser conhecida segundo orientação jurisprudencial do
Supremo Tribunal Federal – STF e do próprio Superior Tribunal de Justiça – STJ.
Contudo, considerando as alegações expostas na inicial, razoável o processamento do
feito para verificar a existência de eventual constrangimento ilegal.
Esta Corte Superior pacificou o entendimento segundo o qual, em razão
da excepcionalidade do trancamento da ação penal, tal medida somente se verifica
possível quando ficar demonstrado – de plano e sem necessidade de dilação probatória
– a total ausência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, a atipicidade
da conduta ou a existência de alguma causa de extinção da punibilidade. É certa, ainda,
a possibilidade de trancamento da persecução penal nos casos em que a denúncia for
inepta, não atendendo o que dispõe o art. 41 do Código de Processo Penal – CPP, o
que não impede a propositura de nova ação desde que suprida a irregularidade.
Para melhor compreensão da controvérsia, transcrevo, "in verbis", o teor
da denúncia:
"Segundo o apurado, o denunciado Joselyr Benedito
Silyestre estava sendo processado por ato de improbidade administrativa,
nos autos n 4175/08, Intimado para comparecer em audiencia de
instrução designada para o dia 20 de novembro de 2008 ds 14:00 horas
(fls. 126), ele requereu a redesignação do ato, tendo em vista que, no
mesmo dia e horário teria que participar de uma inauguração na qual
estaria presente o Governador.
Indeferido seu requerimento (fIs 129), ele, por meio do
co-denunciado Frederico, requereu a juntada aos autos de convite que
teria sido expedido pelo Secretário Estadual dos Transportes, em
exercício, convidando-o para a inauguração, que contaria com a presença
do Governador do Estado, marcada para 20 de novembro de 2.008,
quinta-feira, às 14:00 horas. No aludido documento, constava seu nome,
como convidado, bem como a anotação de que sua presença seria
indispensável (fl. 131).
Ocorre que, diligenciado, por determinação judicial, no
sentido de verificar a veracidade das informações contidas no
mencionado documento, constatou-se que o convite fora enviado pela
Secretaria de Estado dos Transportes, por e-mail que, neste, não
constavam o nome do convidado nem anotações sobre
indispensabilidade da presença e quanto ao horário marcado, seria 15:30
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horas
Assim, restou demonstrado que os denunciados, através de
pessoa não identificada nos autos providenciaram a alteração do referido
documento, fazendo uso dele na ação civil pública, com a fim de
conseguir a redesignação da audiência.
Ante o exposto, denuncio a Vossa Excelência, JOSELYR
BENEDITO SILVESTRE e FREDERICO AUGUSTO POLES DA
CUNHA incursos no artigo 304 como C.C. o artigo 29 caput ambos do
Código Penal, requeiro que, r. instaure-se o devido processo penal, nos
termos do artigo 394, §1º, inciso I do Código de Processo Penal,
citando-os, interrogando, ouvindo-se as testemunhas adiante arroladas e
prosseguindo o feito ate final."

Conforme relatado, o presente mandamus objetiva, primordialmente, o


trancamento da ação penal sob a alegação de atipicidade da conduta, ao argumento de
ausência de elemento objetivo do tipo, qual seja, o documento público, uma vez que se
tratava de mera fotocópia de um convite, sem autenticação; bem como pela qualidade
grosseira da falsificação que, conforme alegado pela defesa, não tinha aptidão para
enganar quem quer que fosse, muito menos a magistrada que a identificou
prontamente. A defesa alega outrossim, ausência da materialidade delitiva em vista da
imprescindibilidade da realização de perícia, por se tratar de crime que deixa vestígios.
Relativamente à prova da materialidade delitiva, o Tribunal a quo teceu as
seguintes considerações (e-STJ fl. 74):

"Com efeito, a materialidade delitiva, ao contrário do que


acredita a Defesa, restou comprovada pelas provas documentais
juntadas aos autos, quais sejam: a petição de Frederico requerendo a
redesignação da audiência (lis. 127/1 28), o indeferimento do pedido (fls.
129), a cópia do convite (fls. 130/131), a certidão do Diretor de Serviço
certificando que o evento era em outro horário (fls. 133), a cópia do ofício
do Secretário dos Transportes que enviou o convite verdadeiro (fls.
164/165), bem como as provas orais.
Destarte, desnecessário, neste caso, a produção do
laudo pericial, porquanto, muito embora exista a exigência do art.
158 do Código de Processo Penal, não podemos perder de vista que
a materialidade foi demonstrada por outros meios, comparação
entre os documentos acostados aos autos, sem trazer aos autos
qualquer irregularidade."

Como se vê, o TJ/SP entendeu que, havendo outras provas nos autos que
comprovassem o uso do documento falso, a realização da perícia seria dispensável.

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Recentemente, a Quinta Turma do STJ pronunciou-se pela prescindibilidade da
realização de perícia no documento contrafeito, conforme acórdão que restou assim
ementado:

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


ORDINÁRIO. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO MATERIALMENTE
FALSO. ATESTADO ODONTOLÓGICO PARA JUSTIFICAR A
AUSÊNCIA DA PACIENTE EM 4 DIAS DE TRABALHO. PERÍCIA NÃO
REALIZADA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA POR
OUTROS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO
CONSOLIDADO NESTA CORTE SUPERIOR. RESSALVA DO
ENTENDIMENTO DESTE RELATOR. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂNCIA. NÃO INCIDÊNCIA EM CRIMES CONTRA A FÉ
PÚBLICA. EXCEPCIONALIDADE DA HIPÓTESE. APLICAÇÃO DO
PRINCÍPIO DA FRAGMENTARIEDADE. ORDEM CONCEDIDA DE
OFÍCIO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo
de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa
garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada
é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Quando a infração deixar vestígios, será
indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não
podendo supri-lo a confissão do acusado (art. 158 do CPP),
dispensando-o quando desaparecerem os vestígios (art. 167 do
CPP).
3. No entanto, esta Corte Superior de Justiça pacificou
o entendimento de que "a ausência de perícia não acarreta, pos si
só, nulidade do feito, pois se mostra desnecessária a realização de
exame pericial quando a falsidade pode ser verificada por outros
meios de prova" (HC-169.068/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª
Turma, DJe de 5/2/2016). No mesmo sentido: (I) AgRg no AResp
1.040.096/SP, Rel. Ministro Joel Paciornik, 5ª Turma, DJe de
28/4/2017; (II) EDcl nos EDcl no AResp 894.045/SP, Rel. Ministro
Jorge Mussi, 5ª Turma, DJe de 18/11/2016; (III) AgRg no AResp
875.722/RS, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, 6ª Turma DJe de
13/11/2017, entre outros. Ressalva do entendimento deste Relator.
4. Por outro lado, embora seja firme o entendimento do STJ
e do STF sobre a impossibilidade de aplicação do princípio da
insignificância aos crimes contra a fé pública, as particularidades do caso
concreto não atraem a incidência do direito penal. No caso, o uso de um
atestado odontológico falso para justificar a ausência da paciente em 4
dias no trabalho, revela-se, de plano, "a mínima ofensividade da conduta
do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzidíssimo
grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão
jurídica provocada", a demonstrar a atipicidade material da conduta. Na
espécie, as sanções previstas na lei trabalhista são suficientes para
reprovação do fato (princípio da fragmentariedade).
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5. Ordem concedida de ofício para declarar atípica a
conduta praticada pela paciente. (HC 366.703/SP, Rel. Ministro
REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em
15/03/2018, DJe 23/03/2018)

Da leitura da íntegra do acórdão acima citado, verifica-se que o processo


encontrava-se na fase de oferecimento da denúncia, sendo possível a realização da
perícia no curso processual.
Constata-se também precedentes nos quais não foi realizada a perícia,
porque naqueles casos, diferentemente do que ocorre na espécie, o exame por experts
não era possível diante da inexistência da documentação nos autos. Vejamos:
HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA.
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE AFASTAM A EXIGIBILIDADE DA
REALIZAÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. PENA-BASE
FIXADA ACIMA DO PISO LEGAL. VALORAÇÃO NEGATIVA DE MAUS
ANTECEDENTES.
AÇÃO PENAL EM CURSO. IMPOSSIBILIDADE.
SUBSTITUIÇÃO POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. MEDIDA QUE
NÃO SE MOSTRA SOCIALMENTE RECOMENDÁVEL.
1. Diz o art. 158 do CPP que, quando a infração deixar
vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.
2. No caso, a ausência de exame de corpo de delito
direto não obsta o reconhecimento da materialidade do crime.
3. De se ver que o passaporte apresentado pela paciente foi
retido pelas autoridades inglesas quando ela tentava ingressar naquela
nação.
4. As informações prestadas pela Embaixada da África
do Sul, contudo, dão conta de que o documento fora roubado
quando ainda estava em branco. Assim, por óbvio que os dados
constantes nesse documento foram objeto de falsificação.
5. Tais elementos, aliados à constatação da falsidade
pelas autoridades britânicas e também pelas declarações prestadas
pela paciente, dando conta de que adquirira o passaporte de terceira
pessoa, ciente da contrafação, são suficientes para a comprovação
da materialidade do crime a ela imputado.
6. Em observância ao princípio constitucional da presunção
de inocência, ações penais em curso não se prestam para a configuração
de maus antecedentes.
7. Na hipótese, há comprovação no sentido de que, à época
da prolação da sentença na ação penal de que aqui se cuida, o
processo-crime relativo a tráfico internacional de drogas ainda estava
pendente de julgamento de apelação defensiva.
8. Ainda que a reprimenda tenha sido fixada no patamar
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mínimo, não se mostra socialmente recomendável a substituição da
sanção corporal por restritivas de direitos, principalmente em razão da
hoje definitiva condenação por tráfico internacional de drogas.
9. Ordem parcialmente concedida, tão somente para,
afastando a circunstância judicial valorada como desfavorável, reduzir a
pena recaída sobre a ora paciente, de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão e 11 (onze) dias-multa a 2 (dois) anos de reclusão, a ser
cumprida em regime aberto, mais pagamento de 10 (dez) dias-multa. (HC
150.118/SP, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, DJe
05/09/2011)

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL


NO RECURSO ESPECIAL. FALSIFICAÇÃO DE PAPEIS PÚBLICOS.
VIOLAÇÃO AO ART. 158 DO CPP. INOCORRÊNCIA.
COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. OUTROS MEIOS
IDÔNEOS DE PROVA. ESPECIALMENTE PROVA DOCUMENTAL.
CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE AFASTAM A EXIGIBILIDADE DA
REALIZAÇÃO DE EXAME DE CORPO DE DELITO. OFENSA AO ART.
384 DO CPP. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OBSERVÂNCIA.
EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DA
CAPITULAÇÃO JURÍDICA. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO
REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. O rigor da exigência estabelecida no artigo 158 do Código
de Processo Penal é mitigado pela norma do artigo 167 do mesmo
diploma legal, segundo o qual "não sendo possível o exame de corpo de
delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal
poderá suprir-lhe a falta.
2. In casu não foi possível a realização do exame
pericial, eis que não juntado aos autos as Guia Nacionais de
Recolhimento de Tributos Estaduais- GNR´s contrafeitas, mas
apenas cópias destes documentos, impedindo assim, a realização da
perícia técnica.
3. A materialidade do falsum ficou comprovada por
meio de ofícios apresentados pela Secretaria da Receita Federal,
Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda de São Paulo, pelo
Banco do Brasil, bem como extratos da conta corrente da empresa,
que contrapunham a informação contida na autenticação mecânica
na GNR's, tornando desnecessário o exame de corpo delito direito.
4. Aferida a materialidade do delito por outros elementos
probatórios idôneos, desnecessário o exame de corpo delito direto, não
havendo falar portanto em ofensa ao artigo 158 do Código de Processo
Penal.
5. Este Tribunal sufragou o entendimento no sentido de que
não havendo modificação quanto ao fato descrito na exordial acusatória,
como a hipótese presente, pode o magistrado dar nova classificação
jurídica ao fato definido na denúncia ao prolatar a sentença (emendatio
libelli), prescindindo de aditamento da peça exordial ou mesmo de
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abertura de prazo para a defesa se manifestar, já que o réu se defende
dos fatos narrados pela acusação e não dos dispositivos de lei indicados.
Incidência do enunciado nº 83 da Súmula desta Corte.
5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no
REsp 1129640/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA,
SEXTA TURMA, DJe 15/02/2013)

Entretanto, verifica-se, também a existência de outros precedentes desta


Corte Superior, análogos ao caso concreto, que admitiram a prescindibilidade da
perícia, inclusive para a condenação, a despeito de o documento encontrar-se nos
autos. Destarte o entendimento do TJ/SP encontra suporte em julgados do Superior
Tribunal de Justiça.
Sobre o tema, confirma-se os seguintes julgados:

PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS


SUBSTITUTO DE RECURSO. NÃO CABIMENTO. USO DE
DOCUMENTO FALSO. ATIPICIDADE. CONSUMAÇÃO APENAS
QUANDO HÁ VOLUNTARIEDADE DO AGENTE. IRRELEVÂNCIA.
CRIME QUE SE CARACTERIZA COM A APRESENTAÇÃO DO
DOCUMENTO. TESE DA AUTODEFESA. INOCORRÊNCIA.
MUDANÇA NA JURISPRUDÊNCIA. CONDUTA TÍPICA. FALTA DE
MATERIALIDADE DELITIVA. INEXISTÊNCIA DE PERÍCIA.
DESNECESSIDADE. DEMONSTRAÇÃO POR OUTROS MEIOS DE
PROVA. REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o
Superior Tribunal de Justiça ser inadequado o writ em substituição a
recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de
ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante,
abuso de poder ou teratologia.
2. O crime descrito no art. 304 do CP consuma-se com a
apresentação do documento falso, sendo irrelevante se a exibição
ocorreu mediante exigência do policial ou por iniciativa do próprio agente.
3. A recente orientação jurisprudencial passou a reconhecer
como típica a conduta de apresentar documento falso à autoridade
policial, afastando a tese da autodefesa.
4. A ausência de perícia não acarreta, por si só, nulidade
do feito, pois se mostra desnecessária a realização de exame pericial
quando a falsidade pode ser verificada por outros meios de prova,
conforme ocorreu no presente caso.
5. Desconstituir a conclusão a que chegou o Tribunal,
após o exame de todo o conjunto probatório, sob o fundamento de
ausência de materialidade do delito, implica necessariamente
incursão no conjunto probatório dos autos, o que se mostra inviável
na via eleita.
6. Habeas corpus não conhecido. (HC 169.068/SP, Rel.
Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe
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Superior Tribunal de Justiça
05/02/2016)

PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. ART. 304 DO
CÓDIGO PENAL. EXAME PERICIAL. AUSÊNCIA. COMPROVAÇÃO
DA FALSIDADE POR OUTROS MEIOS DE PROVA. POSSIBILIDADE.
MODIFICAÇÃO QUE IMPLICA REEXAME DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. SÚMULA N. 7 DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. A ausência de perícia não acarreta, por si só, nulidade
do feito, pois se mostra desnecessária a realização de exame pericial
quando a falsidade pode ser verificada por outros meios de prova,
conforme ocorreu no presente caso (HC 169.068/SP, Rel. Ministro
NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 5.2.2016).
2. Restando configurado o delito, concluir de forma diversa
demandaria o revolvimento das provas carreadas aos autos,
procedimento sabidamente inviável na instância especial, a teor do
enunciado n. 7 da Súmula desta Corte.
Agravo regimental desprovido. (AgRg no AREsp
1040096/SP, Rel. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK, QUINTA TURMA, DJe
28/04/2017)

Trago à baila também precedente da lavra do Ministro Rogerio Schietti no


qual foi reconhecida a prescindibilidade do exame pericial tendo em vista a fé pública do
tabelião que asseverou sua inidoneidade. Confira-se:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO


ESPECIAL. ESTELIONATO. INCIDENTE DE FALSIDADE
DOCUMENTAL. PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE. OUTROS
MEIOS PROBATÓRIOS. ACÓRDÃO EM CONFORMIDADE COM A
JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Segundo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, "A
ausência de perícia não acarreta, por si só, nulidade do feito, pois se
mostra desnecessária a realização de exame pericial quando a falsidade
pode ser verificada por outros meios de prova, conforme ocorreu no
presente caso" (HC n. 169.068/SP, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, 6ª T., DJe
5/2/2016).
2. Na espécie, o Tribunal de origem concluiu pela
desnecessidade da produção de prova pericial para a declaração de
falsidade documental, uma vez que há, nos autos, outros elementos
probatórios capazes de demonstrar a inautenticidade do
mencionado documento.
3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp
875.722/RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA,
DJe 13/11/2017)
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 13 de 6
Superior Tribunal de Justiça

À luz do mesmo raciocínio, tendo a magistrada da 2ª Vara Cível da


Comarca de Avaré determinado diligências no sentido de averiguar a autenticidade do
convite acostado aos autos da ação civil pública, está afastada suposta nulidade por
ausência de perícia. Isto porque, a prova colhida, qual seja, a identificação do teor do
convite original que fora adulterado, mediante diligência feita pela serventia – tudo
comprovado pelo Secretário de Transportes que encaminhou o documento verdadeiro –
autoriza a dispensa do exame pericial.
Com efeito, seria um desprestígio à prestação jurisdicional desprezar as
provas produzidas pelo Juízo cível, mormente no caso concreto, em que a magistrada,
desconfiada da autenticidade do documento apresentado envidou esforços para que
tudo se esclarecesse juntamente com o órgão público que havia encaminhado o convite
que foi pelo réu adulterado.
Frise-se que peritos são auxiliares do Juízo e no caso puderam ser
dispensados uma vez que a magistrada teve condições de tomar as providências
necessárias para constatar a falsidade de forma inequívoca.
Por oportuno, transcrevo os seguintes fundamentos apresentados pelo
Tribunal a quo (e-STJ fl. 72/73):

"Segundo o que restou apurado, Joselyr estava sendo


processado por ato dc improbidade administrativa, nos autos do
Processo n° 4175/08. Intimado para comparecer em audiência de
instrução, designada para o dia acima declinado, as 14horas. fls. 126,
requereu a redesignação do ato, tendo em vista que, no mesmo horário e
dia, teria que participar dc uma inauguração, na qual estaria presente o
governador do Estado (fls. 128).
Indeferido o requerimento (fls. 129), por meio do correu
Frederico, requereu a juntada aos autos do convite que teria sido
expedido pelo Secretario Estadual dos Transportes, em exercício,
convidando-o, para a inauguração, que contaria com a presença do
Governador do Estado, marcada para 20 de novembro de 2008, quinta
feira, as 14h. No aludido documento, constava seu nome, como
convidado, bem como a anotação de que sua presença seria
indispensável (fls. 131).
Ocorre que, diligenciado, por determinação judicial, no
sentido de verificar a veracidade das informações contidas no
mencionado documento, constatou-se que o convite fora enviado
pela Secretaria de Estado dos Transportes, por e-mail e que, neste
não constavam o nome do convidado, nem anotação sobre
indispensabiIidade da presença e, quanto ao horário marcado, seria
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 14 de 6
Superior Tribunal de Justiça
de 15h30min.
Assim, restou demonstrado que os recorrentes, através de
pessoa não identificada nos autos, providenciaram a alteração do referido
documento, fazendo uso dele em ação civil pública, com o fim de
conseguir a redesignação da audiência.

Em suma, sobre esse ponto, a jurisprudência desta Corte Superior


evoluiu de forma paulatina admitindo a superação do art. 158 do Código de Processo
Penal – CPP, em prestígio ao princípio do livre convencimento motivado do magistrado,
da busca da verdade real e do princípio da instrumentalidade das formas. Destarte, no
caso concreto, em que a própria magistrada diligenciou no sentido de conhecer o
verdadeiro teor do convite que fora contrafeito, não há de se reconhecer qualquer
nulidade pela falta do exame pericial.
Relativamente à tese do crime impossível, foi afastada pelo TJ/SP de
forma fundamentada. Vejamos (e-STJ fl. 78):

"Ademais, não há que se falar em falsificação grosseira,


uma vez que pôde enganar o homem comum, muito embora a Juíza
tenha percebido de imediato a adulteração, porquanto para a
constatação da falsidade foi necessária a requisição do original para
a comprovação.
Assim, comprovados a autoria, a materialidade e o elemento
subjetivo do crime previsto no art. 304 do Código Penal, é de se rejeitar a
tese absolutória fundada nas alegações de falta de provas, ausência de
dolo e atipicidade da conduta."

De fato, embora os dizeres do convite falso tenham levantado suspeitas,


a Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Avaré, onde tramitava a ação civil pública, teve
que fazer diligências para confirmar a falsidade, daí não se poder afirmar que o falso era
grosseiro, posto que a constatação da falsidade demandou verificações. Sobre as
diligências com intuito de se averiguar o falso, confira-se trecho da sentença
condenatória na seara penal que cita, inclusive, depoimento da juíza que atuou na ação
civil pública (e-STJ, fls. 34/35):

"A testemunha Manoela Assef da Silva (fls. 456) juíza que


atuou na ação civil pública movida contra o réu Joselyr, patrocinado pelo
réu Frederico, informou que designou audiência para o dia 20/11/2008 às
14h. O réu Joselyr, através do réu Frederico, solicitou a redesignação da
audiência, alegando que o réu Joselyr participaria de um evento. Indeferiu
o pedido de redesignação em razão de não ter prova do alegado evento.
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Superior Tribunal de Justiça
No dia seguinte, o réu Frederico compareceu novamente pedindo a
redesignação, juntando cópia do convite. Chamou a atenção porque os
dizeres não são comuns e constava que a presença do réu Joselyr seria
imprescindível. Além disso alguns escritos estavam embaixo do brasão
do Estado de São Paulo. Uma vez que já tinha tentado a redesignação,
pediu que a serventia verificasse a veracidade do documento. O
diretor do Ofício descobriu que o evento era as 15h30 e não às 14h como
estava no documento. Assim, realizou a audiência normal e
determinou que se oficiasse à Secretaria dos Transportes para que
enviassem o convite verdadeiro, o qual foi recebido. Então,
constatou que havia divergência entre os convites e determinou a
extração de cópias e remessa ao Ministério Público. Disse ainda que
quando o réu Frederico trouxe a petição com o convite, a testemunha
indagou sobre a veracidade do mesmo, porque achou estranho. O réu
perguntou se a Juíza estava duvidando dele e ela respondeu que não. A
magistrada ainda informou o réu que ele tinha responsabilidade sobre tudo
o que juntava e ele disse: "sabe como é, o cliente pede para a gente juntar
e a gente junta". Alertou-o novamente que ele responderia pela veracidade
das informações que juntava na qualidade de advogado.
A testemunha Júlio Jorge de Oliveira (fls. 457) Diretor de
Serviço da 2a Vara Cível da Comarca, confirmou o depoimento prestado
pela testemunha Manoela. Acrescentou que a magistrada achou
estranho o convite juntado aos autos para justificar pedido o pedido
de redesignação de audiência e determinou que o mesmo verificasse
a veracidade da informação, o que foi feito. Também oficiou à
Secretaria de Transportes conforme determinação da magistrada e
recebeu por e-mail o convite original, que divergia do juntado pelos réus.
Estava na sala da magistrada quando o réu Frederico foi despachar e
presenciou a mesma questionar a veracidade do documento. Ele
perguntou se a magistrada achava que ele tinha produzido aquele
documento e que nunca faria aquilo e que conseguiu o documento na
Prefeitura.

Constata-se, portanto que houve uma desconfiança da magistrada que


atuava na Vara Cível, mas não falsificação grosseira apta a ser identificada de forma
inconteste, ao primeiro contato dos olhos, tanto que a juíza determinou que fossem
realizadas averiguações acerca da autenticidade do convite. Diante disso, o Tribunal a
quo entendeu insubsistente a tese do crime impossível por absoluta impropriedade do
meio, ao fundamento de que houve necessidade de se requisitar o convite original junto
à Secretaria de Transporte do Município de Avaré para esclarecimentos.
Nesse contexto, para divergir das conclusões das instâncias originárias
no sentido de que o documento falso tinha aptidão para ludibriar e induzir a erro seria
necessário o revolvimento fático probatório, incabível na via estreita do writ. Sobre a
questão, dentre inúmeros, trago os seguintes precedentes:
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Superior Tribunal de Justiça

PROCESSO PENAL E PENAL. RECURSO ORDINÁRIO


EM HABEAS CORPUS. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO
PARTICULAR E USO DE DOCUMENTO FALSO. TRANCAMENTO DA
AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA
NÃO DEMONSTRADA. CARÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-COMPROBATÓRIO.
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. REQUISITOS
DO ART. 41 DO CPP PREENCHIDOS. RECURSO DESPROVIDO.
1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o
trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida
excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca
comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de
extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova
sobre a materialidade do delito, o que não se infere na hipótese dos autos.
Precedentes.
2. O reconhecimento da inexistência de justa causa para o
exercício da ação penal, dada a suposta ausência de elementos de
informação a demonstrarem a materialidade e a autoria delitivas, exige
profundo exame do contexto probatórios dos autos, o que é inviável na via
estreita do writ.
3. Se as instâncias ordinárias, com base em elementos de
informação produzidos nos autos e de forma motivada, reconheceram a
existência de provas de autoria e da materialidade delitivas, que justificam
a persecução penal, maiores incursões acerca do tema demandariam
revolvimento detido do contexto fático-comprobatório dos autos,
inadmissível na via eleita.
4. Tendo sido rechaçada a tese de crime impossível, por
não ter sido demonstrado se tratar de falsificação grosseira,
exsurgindo a potencialidade ofensiva da conduta, para afastar tal
conclusão seria necessário reexame das provas amealhadas nos
autos, o que é defeso em sede mandamental.
(...)
10. Recurso desprovido. (RHC 61.549/RS, Rel. Ministro
RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, DJe 01/08/2017)

HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO


ORDINÁRIO. INADMISSIBILIDADE. USO DE DOCUMENTO FALSO E
SINAL DE ADULTERAÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ART. 304 DO
CÓDIGO PENAL. PRETENSÃO DE RECONHECIMENTO DE CRIME
IMPOSSÍVEL. INVIABILIDADE. PACIENTE PRESO DURANTE A
INSTRUÇÃO CRIMINAL. ESGOTAMENTO DAS INSTÂNCIAS
ORDINÁRIAS. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. CABIMENTO.
PRECEDENTES DO STF E STJ. HABEAS CORPUS NÃO
CONHECIDO.
1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento
firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o
conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. No
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entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a
possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência
de eventual coação ilegal.
2. Afirmado pelas instâncias ordinárias, a partir do
cotejo da prova dos autos, que não se tratava de falsificação
grosseira, incabível o reconhecimento da atipicidade da conduta
relativa ao crime de uso de documento falso, pois o habeas corpus
não permite dilação probatória. Precedentes.
3. O Plenário da Corte Suprema, quando do julgamento do
ARE n. 964.246/SP, cuja repercussão geral foi admitida, afirmou a tese no
sentido de que a execução provisória de acórdão penal condenatório
sujeito a recurso especial ou extraordinário não compromete o princípio
constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso
LVII da Constituição Federal.
4. Na hipótese, esgotadas as instâncias ordinárias, não há
falar em requisitos da prisão preventiva ou em excesso de prazo.
Precedentes.
5. Habeas Corpus não conhecido. (HC 390.866/SC, Rel.
Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe
31/05/2017)

HABEAS CORPUS. IMPETRAÇÃO ORIGINÁRIA.


SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO ESPECIAL CABÍVEL.
IMPOSSIBILIDADE. RESPEITO AO SISTEMA RECURSAL PREVISTO
NA CARTA MAGNA. NÃO CONHECIMENTO.
(...)
2. O policial militar responsável pela abordagem do paciente
confirmou em juízo que a constatação da falsificação do documento
apresentado somente foi possível após a consulta ao sistema, sendo
certo que a aparência de legitimidade foi confirmada por outra
testemunha.
3. A via estreita do remédio constitucional não permite
análise aprofundada das provas produzidas no decorrer da instrução
criminal, tendo em vista as peculiaridades do seu rito, razão pela
qual não há como se acolher o pleito formulado na impetração.
4. Habeas corpus não conhecido. (HC 264.420/RS, Rel.
Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, DJe 06/08/2013)

Como se vê, é incabível analisar mediante o procedimento célere do


habeas corpus se houve prática de crime impossível, por absoluta impropriedade do
meio porque a análise da tese demandaria adentrar na análise do acervo probatório,
missão que compete às instâncias ordinárias.
Resta, por fim, a análise do elemento normativo do tipo, qual seja, se o
convite acostado aos autos configura documento para fins penais. Nesse ponto a

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defesa do paciente aduz que o mencionado convite não poderia ser considerado
documento público por não se encontrar autenticado. Segundo o impetrante, "cópias
reprográficas, desacompanhadas da respectiva autenticação, não configuram
documento para fins penais e não podem ser objeto material para o delito de uso de
documento falso, pois não possuem potencialidade lesiva ao bem jurídico." (eSTJ, fl. 8)
Nesse ponto, não se ignora que a doutrina, a exemplo de Guilherme
Nucci, leciona que cópias não autenticadas de documentos públicos não constituem
documento público para fins penais, porquanto não teriam lesividade jurídica. Com
efeito, uma cópia de registro de identidade ou carteira de motorista, sem a devida
autenticação, apresentada para um policial rodoviário, não configuraria uso de
documento público falso, porque mera reprodução sem autenticação não possui valor
probante.
Todavia, na singularidade do caso concreto, temos que o documento, qual
seja, convite emitido por ente público tido por falso pelas instâncias ordinárias, foi
juntado aos autos de um processo judicial em ação de improbidade administrativa,
circunstância que lhe confere presunção de veracidade, conforme jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal.
Observe-se que, conforme denúncia, a juntada do documento falso
objetivava justificar o não comparecimento do ora paciente em audiência de Ação Civil
Pública designada para 20/11/2008, época em que vigia o Código de Processo Civil –
CPC de 1973 (Lei n. 5.869/73).
Sobre o tema, a Lei n 10.352/2001, que alterou a redação do art. 544, § 1º,
do CPC, autorizou que a autenticação das cópias das peças necessárias à instrução
do agravo pudesse ser feitas de próprio punho pelo advogado. Tempos depois, a Lei n.
11.382/2006 ampliou essa autorização para todos os documentos. Portanto, é
dispensável a autenticação de cópias documentais quando não for contestada sua
fidelidade pela parte contrária. É o que se extrai do art. 2º, da Lei 11.382/2006, que
alterou o art. 238, parágrafo único, inciso IV, do CPC de 1973.
Sobre o tema, confiram-se os seguintes julgados da Corte Especial do
STJ:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA
EM RECURSO ESPECIAL. PROCURAÇÃO. SUBSTABELECIMENTO.
FOTOCÓPIA NÃO AUTENTICADA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE
AUTENTICIDADE.
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Superior Tribunal de Justiça
1. A autenticação de cópia de procuração e de
substabelecimento é desnecessária, porquanto presumem-se
verdadeiros os documentos juntados aos autos pelo autor, cabendo
à parte contrária argüir-lhe a falsidade. Inaplicabilidade da Súmula n.
115/STJ. Precedente: (EREsp 898510/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO
ZAVASCKI, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/11/2008, DJ. 05/02/2009;
EREsp 881170/RS, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, CORTE
ESPECIAL, julgado em 03/12/2008, DJ. 30/03/2009 ).
2. A documentação juntada nos autos mediante fotocópia
goza de presunção juris tantum, mesmo que não autenticada, incumbindo
à parte contrária impugná-la. Precedentes: (EREsp 179.147/SP, Min.
Humberto Gomes de Barros, DJ 30.10.2000; EREsp 450974 / RS, Min.
Cesar Asfor Rocha, DJ 15/09/200; AGA 3563.189-SP, Min. Eliana
Calmon, DJU de 16/11/2004).
3. Embargos de divergência desprovidos. (EREsp
1015275/RS, Rel. Ministro LUIZ FUX, CORTE ESPECIAL, DJe
06/08/2009)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


PROCURAÇÃO. SUBSTABELECIMENTO. FOTOCÓPIA NÃO
AUTENTICADA. PRESUNÇÃO JURIS TANTUM DE AUTENTICIDADE.
1. Consoante orientação sedimentada pela Corte
Especial do STJ, a documentação juntada por cópia, mesmo não
autenticada, goza de presunção juris tantum de autenticidade,
cabendo à parte contrária impugná-la se for o caso (EREsp
179.147/SP, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 30.10.2000; EREsp
450974 / RS, Min. Cesar Asfor Rocha, DJ 15/09/200; AGA 3563.189-SP,
Min. Eliana Calmon, DJU de 16/11/2004).
2. Embargos de divergência a que se dá provimento.
(EREsp 898.510/RS, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, CORTE
ESPECIAL, DJe 05/02/2009)

Frise-se, ainda, na data dos fatos descritos na denúncia, já vigia o novo


Código Civil Brasileiro (Lei n. 10.406/2002), o qual também trouxe inovações sobre o
tema, como se extrai do seguinte dispositivo a seguir transcrito in verbis:

"Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os


registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções
mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena
destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a
exatidão".

Como se vê, a legislação civil e processual civil evoluiu para conferir


maior força probante aos documentos acostados aos autos de processos judiciais.
Destarte, a exigência de autenticação documental feita pela doutrina penal para fins de

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caracterização de uso de documento público falso – frise-se, exigência esta que não
existente no tipo penal incriminador – perdeu a razão de ser quando o documento é
apresentado em juízo, dada sua presunção de veracidade nessa circunstância.
Assim, não se identifica no caso concreto flagrante ilegalidade na decisão
da Corte Estadual que, embora tenha diminuído a pela aplicada, manteve a condenação
do paciente pelo uso do documento falso, considerando a conduta por ele praticada
penalmente típica.
Diante de todo o exposto, voto pelo não conhecimento do habeas corpus.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

Número Registro: 2017/0000366-1 PROCESSO ELETRÔNICO HC 384.567 / SP


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00039525020098260073 0530120090039522 20150000411859 39525020098260073


4562009 530120090039522

EM MESA JULGADO: 26/06/2018

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO AUGUSTO BRANDÃO DE ARAS
Secretário
Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTROS
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTRO(S) - SP021135
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOSELYR BENEDITO SILVESTRE (PRESO)
CORRÉU : FREDERICO AUGUSTO POLES DA CUNHA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Fé Pública - Uso de documento falso

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Após o voto do Sr. Ministro Relator não conhecendo do pedido, pediu vista o Sr.
Ministro Felix Fischer."
Aguardam os Srs. Ministros Jorge Mussi, Reynaldo Soares da Fonseca e Ribeiro Dantas.

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HABEAS CORPUS Nº 384.567 - SP (2017/0000366-1)
RELATOR : MINISTRO JOEL ILAN PACIORNIK
IMPETRANTE : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTROS
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTRO(S) - SP021135
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOSELYR BENEDITO SILVESTRE (PRESO)

VOTO-VISTA

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas


corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado em benefício de JOSELYR BENEDITO
SILVESTRE contra v. acórdão proferido pelo eg. Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, que deu parcial provimento ao recurso da Defesa do paciente para, mantendo a
condenação pelo crime descrito no art. 297 c/c art. 304 c/c art. 29, todos do Código Penal,
reduzir a pena de 5 (cinco) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, para 3 (três) anos e 4
(quatro) meses de reclusão, além do pagamento de 16 (dezesseis) dias-multa. O regime fixado
foi o aberto. O v. acórdão foi acostado às fls. fls. 64/81 e tem a seguinte ementa:

"APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 304 CC O ART. 29,


CAPUT, AMBOS DO CÓDIGO PENAL (USO DE DOCUMENTO
FALSO). PRELIMINAR. ANULAÇÃO DA SENTENÇA POR
CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRÊNCIA RÉU QUE SE
DEFENDE DOS FATOS NARRADOS NA DENÚNCIA E NÃO DA
CAPITULAÇÃO AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 381. DO CÓDIGO
DE PROCESSO PENAL INDEFERIMENTO DA OITIVA DA
TESTEMUNHA FEITO DE FORMA JUSTIFICADA - AUSÊNCIA DE
PREJUÍZO DO RÉU. MATERIALIDADE COMPROVADA A FALTA DE
LAUDO FOI SUPRIDA POR OUTROS MEIOS DE PROVAS. AUTORIA
COMPROVADA PELO RELATO DAS TESTEMUNHAS. FALSIDADE
QUE PÔDE SER COMPROVADA PELA COMPARAÇÃO DOS
DOCUMENTOS. REDUÇÃO DA PENA. POSSIBILIDADE. PRESENTE
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. TODAVIA O
AUMENTO ACIMA DO DOBRO PARA JOSELYR E A METADE PARA
FREDERICO SE MOSTROU EXAGERADA. ADMITIDO A
SUBSTITUIÇÃO, EM RELAÇÃO A FREDERICO, EM QUE PESE
EXISTIRAM CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS.
ADEQUADO O REGIME ABERTO. CONDENAÇÃO MANTIDA.
RECURSO PARCIAL PROVIDO."

No presente habeas corpus, a defesa argumenta que o documento acostado

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nos autos da ação de improbidade administrativa a que respondia o paciente, objetivando o
adiamento de audiência, não seria capaz de iludir qualquer pessoa, notadamente a d. Juíza que
presidia o ato, que identificou a falsidade imediatamente e, após diligências da Serventia para
confirmar sua suspeita, realizou a audiência.

Alega atipicidade da conduta sob os seguintes argumentos: (i) o falso ser


grosseiro, sem aptidão para ludibriar o destinatário, o que no entendimento da Defesa,
configuraria crime impossível; (ii) inexistência do objeto material do tipo, uma vez que, no seu
entendimento, meras cópias sem autenticação não podem ser consideradas documentos para
fins penais. Sustenta, ainda, nulidade do feito por ausência do laudo pericial para constatação
da falsidade.

Acrescenta que "de tão evidente era a falsificação, a Juíza de primeiro


grau dispensou a realização de exame grafotécnico, porque, repita-se, basta a
comparação superficial entre os documentos para se constatar a falsidade!" (fl. 15).

Requer o trancamento da ação penal por ausência de justa causa.


Alternativamente, pede que seja anulada a ação penal, com fundamento nos arts. 158 e 564,
III, "b", ambos do Código de Processo Penal.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 97-98 e 103-143).

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não conhecimento do writ, no


parecer assim ementado (fl. 147):

"Habeas corpus substitutivo de recurso próprio.


Descabimento. Uso de documento falso. Agravo em Recurso Especial já
interposto. Desnecessidade de analisar, na via substitutiva, a ocorrência
de eventuais ilegalidades. Parecer pelo não conhecimento do writ."

Interposto o AREsp 1.007.578/SP, não foi conhecido por decisão monocrática


da insigne Ministra Laurita Vaz, ao fundamento de que o agravante deixou de impugnar
especificamente os fundamentos de inadmissão do recurso especial, notadamente a Súmula
7/STJ. O agravo regimental contra referida decisão não foi conhecido pelo d. Relator do
presente feito, nos seguintes termos:

"PENAL. PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL


Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 24 de 6
Superior Tribunal de Justiça
NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRAZO DE 5 DIAS.
INTEMPESTIVIDADE. AGRAVO NÃO CONHECIDO.
1. É intempestivo o agravo regimental que não observa o
prazo de interposição de 5 dias, conforme art. 39 da Lei n. 8.038/90 e art.
258 do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça - RISTJ.
2. Agravo interno não conhecido."

O Senhor Ministro Relator proferiu decisão na qual afastou todas as alegações


da inicial do writ. Asseverou que não se trataria de falso grosseiro, uma vez que a d. Juíza para
quem foi apresentado o documento solicitou diligências para confirmar a falsidade. Concluiu
que a juntada do documento original, mediante diligência da serventia, afastou a necessidade
de realização de exame pericial. Por fim, assentou que a cópia de documento acostada em
processo judicial dispensa a autenticação, diante da presunção de veracidade, de forma que
pode servir para configurar o crime sob exame.

Pedi vista dos autos para melhor examinar a questão.

Eis, em síntese, o relatório. Passo ao exame da insurgência.

Busca o impetrante, nas razões do presente recurso, em síntese, o trancamento


da ação penal ou a absolvição da imputação relativa à prática do delito de uso de documento
falso.

Inicialmente, cumpre salientar o quanto disposto nos arts. 297 e 304 do Código
Penal.

"Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar


documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
"Art. 304 - Fazer uso de qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a
que se referem os arts. 297 a 302:
Pena - a cominada à falsificação ou à alteração."

Como já foi dito no REsp 51915/SP, todo falsum é revelador de mentira mas
nem toda mentira revela, tecnicamente, o crime de falsum ou uso de documento falso.
Confira-se:

"RESP - PENAL - CRIME DE FALSO - USO DE


DOCUMENTO FALSO - CARTEIRA DE HABILITAÇÃO -
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 25 de 6
Superior Tribunal de Justiça
FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA - CONTRAVENÇÃO PENAL - A
EXECUÇÃO DA CONDUTA DELITUOSA PRECISA SER IDONEA PARA
ALCANÇAR RESULTADO JURIDICAMENTE RELEVANTE. O SUJEITO
ATIVO DO CRIME DEFINIDO NO ART. 304, CP, NÃO PARTICIPA DO
'ITER CRIMINIS' DO FALSO MATERIAL OU IDEOLOGICO. AO
CONTRARIO, RECEBE O FALSO E, DOLOSAMENTE, O UTILIZA.
QUANDO O MOTORISTA FAZ USO DE DOCUMENTO FALSO
(CARTEIRA DE HABILITAÇÃO) A CONSUMAÇÃO SE DA NO
MOMENTO EM QUE DIRIGE O CARRO, NA VIA PUBLICA. NÃO SE
CONFUNDAM - CONSUMAÇÃO - E - DESCOBERTA DA
CONSUMAÇÃO. A PRIMEIRA PODE OCORRER SEM A SEGUNDA. A
EXIBIÇÃO DA CARTEIRA, ASSIM, AINDA QUE SOLICITADA, E FATO
POSTERIOR A - CONSUMAÇÃO. SE, AO EXIBI-LA, O POLICIAL, A
VISTA DESARMADA E IMEDIATAMENTE, CONSTATA A FALSIDADE,
A EXECUÇÃO SE EVIDENCIA INEFICAZ, IMPROPRIA PARA ATINGIR
O EVENTO TIPICO.
TRATA-SE DE CRIME IMPOSSIVEL. TODO FALSO E
MENTIRA, MAS NEM TODA MENTIRA E FALSO (CRIME). APESAR
DISSO, RESTA EVIDENCIADO, O MOTORISTA DIRIGIA O CARRO,
SEM A DEVIDA HABILITAÇÃO, NA VIA PUBLICA, O QUE
CONFIGURA CONTRAVENÇÃO PENAL. (ART. 32)." (REsp 51.915/SP,
Sexta Turma, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, julgado em 02/09/1994,
DJ 17/10/1994, p. 27921, REPDJ 12/12/1994, p. 34282).

Com efeito, a doutrina, por sua maioria, entende que para a configuração
do tipo penal sob exame, a falsificação deve ser apta para iludir, enganar, ludibriar.
Do contrário, está configurada a hipótese de falso grosseiro, caso em que não haverá o
crime de falsidade de documento público. Poderia, caso se tratasse de questão patrimonial,
configurar outro tipo penal. Confira-se:

"Vale ressaltar, ainda, que a falsificação grosseira, de acordo com a


posição majoritária de nossa doutrina, afasta a configuração do delito de falsidade de
documento público, tendo em vista a sua incapacidade para iludir um número
indeterminado de pessoas. No entanto, o agente poderá, por exemplo, ser
responsabilizado penalmente pelo delito de estelionato, mesmo que para a obtenção da
vantagem ilícita tenha se valido de um documento grosseiramente falsificado." (Greco,
Rogério.Curso de Direito Penal: parte especial, volume IV / Rogério Greco. - 11. ed. -
Niterói, RJ: Impetus, 2015, p. 290).

"A falsificação do documento de ser apta a iludir, como já se destacou


quando da análise de outros delitos relacionados à fé pública. Se o documento falso for
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 26 de 6
Superior Tribunal de Justiça
demasiadamente grosseiro, não haverá crime de falso, podendo ocorrer, no entanto,
estelionato. Assim uma contrafação ou alteração grosseira, facilmente reconhecível a
olho desarmado, não constitui material do falso e se,por alguma circunstância
excepcional, o agente consegue êxito, o crime a identificar será outro, o de estelionato
(RT 290/101)". (Cunha, Rogério Sanches, Manual de Direito Penal, parte especial, 8. ed.
rev., ampl e atual. Salvador: JusPODIVM, 2016, P. 296-297).

"A falsificação deve ser aquela capaz de enganar, ou seja, não há esse
crime quando a falsificação se apresenta de forma grosseira, podendo ocorrer um delito
patrimonial, como o estelio nato. Quanto à falsidade no crime de estelionato, vide
comentários do art. 171 do CP. Entende-se que para a configuração do delito do art.
297 do CP faz-se necessário o exame de corpo de delito." (Bittencourt, Cezar Roberto,
Código penal comentado, 7. ed. – São Paulo: Saraiva, 2012, edição eletrônica).

Nesse sentido já tive oportunidade de me manifestar, consoante julgado que


trago à colação:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS.


APROPRIAÇÃO INDÉBITA E USO DE PAPEL PÚBLICO
FALSIFICADO. EMENDATIO LIBELLI E MUTATIO LIBELLI.
FALSIDADE GROSSEIRA.
I - Se a imputatio facti, explícita ou implicitamente, permite
definição jurídica diversa daquela indicada na denúncia, tem-se a
possibilidade de emendatio libelli (art. 383 do CPP). Não há, pois,
nulidade decorrente da inobservância do mecanismo da mutatio libelli (art.
384 do CPP) se a exordial acusatória apresenta narrativa abrangente que
admite outra adequação típica (Precedentes do Pretório Excelso e do
STJ).
II - A adulteração reconhecida como grosseira não
configura, por si, o falsum (ou o crime de uso do falsum), podendo, isto
sim, ser meio ou instrumento para a prática de outro crime.
Writ parcialmente concedido" (HC n. 24.853/BA, Quinta
Turma, de minha relatoria, DJ 09/02/2004, p. 194).

Recentemente asseverei que, mutatis mutandis, se o falso não é percebido


de pronto, mas apenas após a realização de sindicância por seguradora, inviável o
reconhecimento da alegação de que se trataria de falsidade grosseira. Veja-se:

"PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO


EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TRANCAMENTO
DA AÇÃO PENAL. ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA.
CÓPIA NÃO AUTENTICADA DA CNH. DATA DE VALIDADE
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 27 de 6
Superior Tribunal de Justiça
ADULTERADA. UTILIZAÇÃO PARA FIRMAR CONTRATO DE
SEGURO. IRREGULARIDADE PERCEBIDA APÓS O SINISTRO DO
AUTOMÓVEL. REALIZAÇÃO DE SINDICÂNCIA INTERNA.
DOCUMENTO COM POTENCIALIDADE LESIVA. FALSIFICAÇÃO
GROSSEIRA. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
[...]
III - Na hipótese dos autos, o recorrente, em tese, adulterou
a data de validade de cópia de sua Carteira Nacional de Habilitação, e a
utilizou para firmar contrato de seguro de automóvel, obtendo êxito em
ludibriar a empresa seguradora, uma vez que a contratação foi realizada
através de sistema eletrônico e a empresa não teve acesso aos documentos
originais.
IV - Não há que se falar em falsificação grosseira, uma vez
que a suposta adulteração somente foi descoberta em momento posterior,
após sindicância interna realizada pela seguradora, por ocasião do
sinistro do automóvel, não tendo sido percebida em análise inicial, o
que demonstra a potencialidade lesiva do documento. V - Com isso,
mostra-se prematuro o trancamento da ação penal, considerando que
somente após a correta instrução criminal, com a devida análise dos
fatos e provas, será possível concluir pela ocorrência ou não do delito de
falsidade ideológica.
Recurso ordinário em habeas corpus desprovido" (RHC
98.920/DF, Quinta Turma, de minha relatoria, DJe 1º/08/2018, grifei).

Esta Corte de Justiça, historicamente, manifesta o entendimento de que


a falsificação grosseira, assim classificada quando é observada de plano, não é apta
para configurar o crime de uso de documento falso. De outra sorte, sendo necessária a
realização de perícia, afasta-se a alegação de atipicidade. Confira-se:

"RECLAMAÇÃO. PENAL. CRIME DO ART. 304 DO


CÓDIGO PENAL. O TRIBUNAL DE ORIGEM, AO RENOVAR O
JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO, MANTEVE A
ABSOLVIÇÃO DO APELANTE, POR FUNDAMENTO DIVERSO DO
ANTERIORMENTE CASSADO POR ESTA CORTE. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO À DECISÃO DESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
RECLAMAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
1. Esta Corte Superior, em recurso especial, afastou a
atipicidade da conduta do agente que faz uso espontâneo de documento
falsificado perante autoridade policial. Já o acórdão reclamado manteve a
absolvição porque os milicianos encontraram a cédula de identidade
falsa com o apelante e, de pronto, perceberam a falsificação grosseira.
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 28 de 6
Superior Tribunal de Justiça
2. A instância ordinária, ao renovar o julgamento, manteve
a absolvição, por fundamento diverso do anteriormente cassado por este
Sodalício, o que evidencia a ausência de violação à decisão proferida pelo
Superior Tribunal de Justiça.
3. Reclamação julgada improcedente" (Rcl 13.738/SP,
Terceira Seção, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 01/04/2014, grifei).

"HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO.


DENÚNCIA. FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. ADULTERAÇÃO
PERCEBIDA Á PRIMEIRA VISTA. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
DESNECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. COAÇÃO ILEGAL
CONFIGURADA. ORDEM CONCEDIDA.
1. O reconhecimento da atipicidade da conduta, pela via
mandamental, é medida excepcional, só admitida quando restar provada
inequivocamente e sem a necessidade de uma incursão aprofundada na
seara probatória dos autos.
2. O deslinde do presente feito não perpassa pela
necessidade de se vislumbrar o conjunto fático-probatório, pois
consignado pelas instâncias ordinárias que o falsum foi percebido pelos
milicianos ainda na abordagem policial, confirmado na delegacia, antes
mesmo da realização de perícia, dada a existência de erros ortográficos e
má qualidade da impressão.
3. Esta Corte de Justiça, seguindo a jurisprudência do
Pretório Excelso, firmou o entendimento de que a mera falsificação
grosseira de documento, afasta o delito previsto no art. 304 do Código
Penal (Precedentes STJ).
4. In casu, constatada que a adulteração da carteira
funcional foi detectada à primeira vista, numa simples análise do
documento, não se pode falar em tipicidade da conduta, tendo em vista
que o objeto do ilícito em apreço era inapto a atingir o bem jurídico
tutelado pela norma penal incriminadora, qual seja, a fé pública.
5. Ordem concedida para reconhecer a atipicidade da
conduta" (HC 206.758/SP, Quinta Turma, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe
13/10/2011, grifei).

"PENAL. HABEAS CORPUS. ARTS. 298 E 304 DO


CÓDIGO PENAL. TRANCAMENTO. ATIPICIDADE. CRIME
IMPOSSÍVEL. CONTRAFAÇÃO GROSSEIRA. NÃO OCORRÊNCIA.
FRAUDE APTA A LUDIBRIAR TERCEIROS. REVOLVIMENTO
FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SUBSTITUIÇÃO DA PENA
PRIVATIVA DE LIBERDADE. EXIGÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO
PARA A ESCOLHA DA SANÇÃO SUBSTITUTIVA. CONVERSÃO POR
MULTA. POSSIBILIDADE. PENA INFERIOR A UM ANO E
CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. ORDEM
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 29 de 6
Superior Tribunal de Justiça
PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. Somente haverá crime impossível no crime de falso, por
absoluta impropriedade do objeto material, quando a contrafação for a
tal ponto grosseira que não seja apta a ludibriar a atenção de terceiros.
2. No caso dos autos, em que fora apresentado atestado
médico rasurado, constando datas divergentes em dois dos campos
preenchidos, a falsidade somente pôde ser corroborada após a realização
de perícia grafotécnica, ressaltando as instâncias de origem a aptidão do
material para enganar o homem comum, não se cogitando a hipótese de
falsidade grosseira. Para se concluir em sentido diverso, seria
indispensável o revolvimento do arcabouço fático-probatório, providência
incabível no veio restrito e mandamental do habeas corpus.
[...]
6. Ordem parcialmente concedida, para determinar a
substituição da pena privativa de liberdade por multa, a ser definida pelo
Juízo da execução" (HC 417.383/SP, Sexta Turma, Relª. Minª. Maria
Thereza de Assis Moura, DJe 19/12/2017, grifei).

"HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO FALSO.


FALSIFICAÇÃO GROSSEIRA. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO
EMPREGADO. CONDUTA ATÍPICA. ORDEM CONCEDIDA.
1. A falsificação grosseira, notada pelo homem comum,
afasta a tipicidade do crime de uso de documento falso, por absoluta
ineficácia do meio empregado.
2. Precedentes deste Superior Tribunal de Justiça.
3. Habeas corpus concedido" (HC 119.054/SP, Sexta
Turma, Rel. Min. Haroldo Rodrigues - Desembargador Convocado do
TJ/CE, DJe 29/03/2010, grifei).

"RECURSO ESPECIAL. PENAL. USO DE DOCUMENTO


FALSO. CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. FALSIFICAÇÃO
NITIDAMENTE GROSSEIRA. INCABÍVEL A CONFIGURAÇÃO DO
CRIME PREVISTO NO ART. 304 DO CÓDIGO PENAL.
1. A falsificação nitidamente grosseira de documento
afasta o delito insculpido no art. 304 do Código Penal, tendo em vista a
incapacidade de ofender a fé pública e a impossibilidade de ser objeto do
mencionado crime.
2. Recurso não conhecido" (REsp 838.344/RS, Quinta
Turma, Relª. Minª. Laurita Vaz, DJ 14/05/2007, p. 386).

"HABEAS CORPUS. PENAL. ALTERAÇÃO DE


DOCUMENTO PÚBLICO. MODIFICAÇÃO GROSSEIRA, INCAPAZ DE
LUDIBRIAR PESSOA COMUM. ATIPICIDADE DA CONDUTA.
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 30 de 6
Superior Tribunal de Justiça
INEXISTÊNCIA DE CRIME. ORDEM CONCEDIDA.
1. O laudo de exame grafoscópico, cuja cópia se encontra
juntado aos autos, constata que as alterações foram feitas à mão, pelo
próprio paciente;
2. A consulta ao banco de dados do órgão responsável pela
fiscalização do trânsito, pelos policiais militares, se fez necessária, ante a
imediata constatação da alteração promovida na carteira de habilitação;
também o proprietário do automóvel, se um pouco mais diligente, assim
teria procedido ou por qualquer outra forma tentado obter a confirmação
dos dados lançados à mão no documento;
3. Ordem concedida para anular o acórdão combatido,
absolvendo o paciente da imputação que lhe é promovida, ante a
atipicidade de sua conduta." (HC 33.708/RJ, Sexta Turma, Rel. Min. Hélio
Quaglia Barbosa, DJ 17/12/2004, p. 598)

"CRIMINAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA.


FALSIFICAÇÃO E USO DE DOCUMENTO FALSO. IDENTIDADES
FUNCIONAIS DA POLÍCIA FERROVIÁRIA FEDERAL. LOCAL DA
INFRAÇÃO DESCONHECIDO. LOCAL DO USO CONHECIDO.
COMPETÊNCIA DO JUÍZO SUSCITADO.
I. Documentos supostamente falsos que teriam sido
apresentados perante policiais civis do Estado do Rio de Janeiro lesa
interesse estadual.
II. Constatada a falsificação grosseira, não se reconhece
potencialidade lesiva a bens, serviços ou interesses da União.
III. Desconhecendo-se o local da confecção do documento
falsificado, compete ao Juízo do local em que este foi utilizado processar e
julgar o feito. Precedentes.
IV. Conflito conhecido, declarando-se a competência do
Juízo de Direito da 2ª Vara Criminal de Itaboraí/RJ, o Suscitado." (CC
36.624/RJ, Terceira Seção, Rel. Min. Gilson Dipp, DJ 22/09/2003, p. 257).

Feitas tais considerações, no caso concreto, segundo se pode aferir dos autos,
o paciente, que estava sendo processado por ato de improbidade administrativa,
juntou naquele feito, com a finalidade de adiar a realização de audiência, convite para
evento organizado pela Secretaria de Estado de Transportes, que contaria com a presença do
então Governador do Estado de São Paulo, previsto para aquela mesma data,
20/11/1008, às 14h00 (fl. 49).

Ocorre que tão logo a d. Juíza da 2ª Vara Cível da Comarca de Avaré


avistou a petição e o convite juntado pelo paciente, imediatamente verificou a
Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 31 de 6
Superior Tribunal de Justiça
falsificação. Diante da de tal constatação, determinou que a Secretaria envidasse
providências, apenas e tão-somente para confirmar o falso, sendo imediatamente realizada
ligação para a Secretaria de Transportes, que informou que a solenidade estava marcada para
ocorrer as 15h30 e não às 14h00.

Ressalte-se que o eg. Tribunal de origem asseverou que a d. Juíza


"percebeu de imediato a adulteração". Vejamos (fl. 78):

"Ademais, não há que se falar em falsificação grosseira, uma vez que pôde
enganar o homem comum, muito embora a Juíza tenha percebido de imediato a
adulteração, porquanto para a constatação da falsidade foi necessária a requisição do
original para a comprovação (grifei).

Confiram-se as declarações prestadas pela d. Juíza, na ação penal em que foi o


paciente condenado:

"A testemunha Manoela Assef da Silva (fls. 456) juíza que atuou na ação
civil pública movida contra o réu Joselyr, patrocinado pelo réu Frederico, informou que
designou audiência para o dia 20/11/2008 às 14h. O réu Joselyr, através do réu
Frederico, solicitou a redesignação da audiência, alegando que o réu Joselyr participaria
de um evento. Indeferiu o pedido de redesignação em razão de não ter prova do alegado
evento. No dia seguinte, o réu Frederico compareceu novamente pedindo a
redesignação, juntando cópia do convite. Chamou a atenção porque os dizeres não são
comuns e constava que a presença do réu Joselyr seria imprescindível. Além disso
alguns escritos estavam embaixo do brasão do Estado de São Paulo. Uma vez que já
tinha tentado a redesignação, pediu que a serventia verificasse a veracidade do
documento. O diretor do Ofício descobriu que o evento era as 15h30 e não às 14h
como estava no documento. Assim, realizou a audiência normal e determinou que se
oficiasse à Secretaria dos Transportes para que enviassem o convite verdadeiro, o qual
foi recebido. Então, constatou que havia divergência entre os convites e determinou a
extração de cópias e remessa ao Ministério Público. Disse ainda que quando o réu
Frederico trouxe a petição com o convite, a testemunha indagou sobre a veracidade do
mesmo, porque achou estranho. O réu perguntou se a Juíza estava duvidando dele e ela
respondeu que não. A magistrada ainda informou o réu que ele tinha responsabilidade
sobre tudo o que juntava e ele disse: "sabe como é, o cliente pede para a gente juntar e
a gente junta". Alertou-o novamente que ele responderia pela veracidade das
informações que juntava na qualidade de advogado.

Conclui-se que a falsidade foi verificada imediatamente pela d. Juíza,


que indicou diversos pontos que a fizeram perceber não se tratar de documento

Documento: 1729657 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 15/10/2018 Página 32 de 6
Superior Tribunal de Justiça
original. Realizada diligência pela Secretaria, por meio de ligação telefônica, pela qual se
constatou que o horário da solenidade estava alterado e, desta forma, imediatamente
confirmada a adulteração, a d. Magistrada imediatamente indeferiu o pedido de
adiamento e realizou a audiência.

Somente após a audiência foi juntado nos autos convite verdadeiro, o que,
repise-se, serviu unicamente para confirmar a conclusão acerca da falsidade daquele
apresentado pelo paciente, assim que avistado pela d. Juíza.

Vale dizer, o documento não foi capaz de iludir ou de enganar a


autoridade judiciária.

Entendo que a diligência determinada pela d. Juíza, inicialmente mera


ligação telefônica e em seguida, a juntada de convite original, não pode ser entendida
como perícia ou qualquer outra verificação mais aprofundada, mas simplesmente
como providência necessária para se confirmar a constatação do falso.

Destaque-se que a d. Magistrada não poderia substituir os experts na


identificação e declaração da falsidade, de modo que as providência por ela determinadas,
serviram, repita-se, apenas e tão-somente para comprovar a imprestabilidade do documento.

Assim, estou convencido de que o convite falsificado não foi apto para
iludir a d. Juíza nem por um instante. Não houve qualquer risco para o bem jurídico
tutelado. É de se reconhecer, portanto, que se trata de falso grosseiro, caso em que
não há que se falar em tipicidade da conduta.

Reconhecida a atipicidade da conduta, com a absolvição do paciente, restam


prejudicadas as alegações de inviabilidade de mera cópia sem autenticação configurar
documento público para fins penais e nulidade por ausência de laudo pericial.

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Concedo a ordem, de


ofício, para reconhecer se tratar de falsidade grosseira, a fim de absolver o paciente
da imputação da prática do crime tipificado no art. 297 c/c art. 304 c/c art. 29, todos do
Código Penal.

É o voto.

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Superior Tribunal de Justiça

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUINTA TURMA

Número Registro: 2017/0000366-1 PROCESSO ELETRÔNICO HC 384.567 / SP


MATÉRIA CRIMINAL

Números Origem: 00039525020098260073 0530120090039522 20150000411859 39525020098260073


4562009 530120090039522

EM MESA JULGADO: 20/09/2018

Relator
Exmo. Sr. Ministro JOEL ILAN PACIORNIK

Relator para Acórdão


Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOÃO PEDRO DE SABOIA BANDEIRA DE MELLO FILHO
Secretário
Me. MARCELO PEREIRA CRUVINEL

AUTUAÇÃO
IMPETRANTE : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTROS
ADVOGADO : MIGUEL REALE JUNIOR E OUTRO(S) - SP021135
IMPETRADO : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
PACIENTE : JOSELYR BENEDITO SILVESTRE (PRESO)
CORRÉU : FREDERICO AUGUSTO POLES DA CUNHA

ASSUNTO: DIREITO PENAL - Crimes contra a Fé Pública - Uso de documento falso

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUINTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Prosseguindo no julgamento, a Turma, por unanimidade, não conheceu do pedido e, por
maioria, concedeu "Habeas Corpus" de ofício, nos termos do voto do Sr. Ministro Felix Fischer,
que lavrará o acórdão."
Votaram com o Sr. Ministro Felix Fischer os Srs. Ministros Reynaldo Soares da Fonseca
e Ribeiro Dantas.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Jorge Mussi.
Votou parcialmente vencido o Sr. Ministro Joel Ilan Paciornik.

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