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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO


10ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

Registro: 2023.0000171125

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação


Criminal nº 0009693-15.2002.8.26.0268, da Comarca de Itapecerica da Serra, em
que é apelante O. X. DE M., é apelado M. P. DO E. DE S. P..

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 10ª Câmara


de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte
decisão: "Rejeitada a preliminar, deram parcial provimento ao recurso a fim de
reduzir a pena do réu para 06 (seis) anos de reclusão, além de estabelecer o
regime semiaberto para o início da expiação; preservada, quanto ao mais, a
sentença recorrida. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra
este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.


Desembargadores NUEVO CAMPOS (Presidente) E FÁBIO GOUVÊA.

São Paulo, 7 de março de 2023.

NELSON FONSECA JÚNIOR


Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
10ª CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

Apelação Criminal nº 0009693-15.2002.8.26.0268


Juízo de origem: 2ª Vara Judicial da Comarca de Itapecerica da Serra - SP
Apelante: O. X. de M.
Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo
Juíza de 1ª Instância: Leticia Antunes Tavares
Voto nº 16.973

APELAÇÃO CRIMINAL - ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR -


VIOLÊNCIA PRESUMIDA - Preliminar de prescrição da
pretensão punitiva - Não ocorrência - Mérito - Crime praticado
antes da vigência da Lei nº 12.015/09 - Autoria e materialidade
do delito comprovadas - Conjunto probatório suficiente para a
manutenção do decreto condenatório - Pena reduzida na
primeira fase do cálculo dosimétrico - Regime prisional
mitigado para o inicial semiaberto, nos termos do disposto no
artigo 33, § 2º, alínea "b", e § 3º, do Código Penal - Recurso
parcialmente provido.

Cuida-se de recurso de apelação da sentença de fls. 381/386,


cujo relatório se adota, que julgou procedente a ação penal e condenou o réu O.
X. de M. como incurso na pena do artigo 214, parágrafo único, c.c. o artigo 224,
alínea "a", ambos do Código Penal, a cumprir, em regime inicial fechado, 07
(sete) anos de reclusão.

Inconformado, o réu apela buscando, primeiramente, o


reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Do contrário, postula a
absolvição por insuficiência de provas. De forma subsidiária, pleiteia a fixação da
pena-base no mínimo legal, além da imposição do regime prisional semiaberto.
Requer, ainda, o direito de recorrer em liberdade (fls. 407/434).

O recurso foi recebido (fl. 379) e regularmente contrariado


(fls. 440/446).

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A Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pela rejeição


da preliminar e, no mérito, pelo não provimento do recurso (fls. 454/460).

É o relatório.

Note-se que o acusado foi citado por edital e não compareceu


em juízo, razão pela qual o processo e o curso do prazo prescricional foram
suspensos em 05/09/2006 (cf. fl. 175), sendo apenas determinada a produção
antecipada de provas.

De fato, a suspensão da prescrição não acompanha,


necessariamente, a suspensão do processo aqui determinada. Isto porque,
sedimentou-se o entendimento de que a suspensão da prescrição perdurará,
obedecidos os limites previstos no artigo 109 do Código Penal, pelo lapso
correspondente à prescrição da pena máxima cominada ao delito imputado, nos
termos da Súmula 415 do Superior Tribunal de Justiça.

Sobre o tema, confira-se: "[...] 1. Nos termos do enunciado


415 do Superior Tribunal de Justiça, nos casos do artigo 366 do Código de
Processo Penal, 'o período de suspensão do prazo prescricional é regulado
pelo máximo da pena cominada'. 2. Uma vez decorrido o prazo prescricional
com base na pena máxima em abstrato para o crime durante a suspensão,
esta cessa e a prescrição volta a fluir" (RHC nº 54.676/SP, Rel. Ministro Jorge
Mussi, Quinta Turma, julgado em 10/03/2015).

No caso em apreço, considerando-se que a pena máxima


cominada para o delito é de 10 (dez) anos de reclusão, o prazo prescricional
poderia ficar suspenso pelo período de 16 (dezesseis) anos, nos termos do artigo
109, inciso II, do Código Penal.

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Assim, citado pessoalmente em 01/06/2022, ou seja, quando


ainda não havia se passado o período acima destacado, o processo e o prazo
prescricional retomaram seu curso regular (cf. fl. 263).

Em seguida, o apelante foi condenado ao cumprimento da


pena de 07 (sete) anos de reclusão. A sentença condenatória transitou em
julgado para a acusação (fl. 379).

Dessa maneira, verifico que, entre a data do recebimento da


denúncia (12/11/2004 - fl. 106) - excetuando-se o período em que houve a
suspensão do artigo 366 do Código de Processo Penal (05/09/2006 a 01/06/2022
- fls. 175 e 263), também não decorreu o lapso liberatório de 12 (doze) anos,
agora previsto no artigo 109, inciso III, do Código Penal, de modo que não há que
se falar em prescrição.

De outro lado, o requerimento formulado pela defesa do


acusado, a fim de que ele aguarde o julgamento em liberdade, não comporta
acolhida, porquanto se verifica que a decisão que denegou o apelo em liberdade
foi bem fundamentada, tendo em vista a necessidade de garantia da ordem
pública e para assegurar a aplicação da lei penal, eis que, por muitos anos,
esteve foragido (cf. fl. 386).

No mais, o recurso procede em parte.

Ficou demonstrado nos autos que o apelante O. X. de M., no


ano de 2002, na Rua Floriano Peixoto nº 23, no Bairro Jardim Cinira, na cidade e
Comarca de Itapecerica da Serra/SP, constrangeu a menor B.K.O.P., que
contava com 03 (três) anos de idade na época, a permitir que com ela praticasse
ato libidinoso diverso da conjunção carnal, consistente em introduzir o dedo na
vagina da criança.

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Na delegacia, o réu foi qualificado indiretamente (cf. fls.


77/80).

Em juízo, negou a prática do ilícito. Disse que, ao chegar na


residência da sua irmã Zeneide, escutou que a criança chorava. Acredita que ela
tenha se assustado com a sua presença. Na sequência, a genitora da menor
apareceu, pegou no braço dela e a levou para cima (cf. audiência realizada por
meio audiovisual a fl. 387).

Sucede, no entanto, que a prova dos autos apurou a sua


responsabilidade pelo crime que lhe é irrogado na denúncia.

Realmente, a vítima B.K.O.P. contou que era bem pequena


na época dos fatos e que o irmão de Zeneide (réu O. X. de M.) lhe pegou à força,
tapou sua boca, machucou sua mão e tentou "mexer em mim". Confirmou que o
acusado tentou colocar o dedo dentro da sua "periquita" e que doeu (cf. fls.
188/189).

E, como se sabe, em delitos iguais aos aqui apurados, a


dicção da vítima é de indiscutível importância para a busca da verdade,
sobretudo por não ter motivo algum para, levianamente, incriminar o apelante.

Nesse sentido já decidiu esta 10ª Câmara de Direito Criminal:


"Nos delitos de natureza sexual, na maioria das vezes praticados sem a
presença de testemunhas, a palavra da vítima, desde que segura e coerente,
possui indubitável valor probante, sendo mesmo decisiva para a
condenação" (Apelação n° 0158566-38.2009.8.26.0000, Rel. Des. David
Haddad, j. em 21/07/2011).

De igual teor: "A palavra da vítima, nos crimes sexuais,


especialmente quando corroborada por outros elementos de convicção, tem

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grande validade como prova, porque, na maior parte dos casos, esses
delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer
deixam vestígios" (STJ, HC 76.599/RS, Rel. Min. Jane Silva (Desembargadora
Convocada do TJ/MG), 5ª Turma, j. em 04/10/2007, DJ 22/10/2007, p. 327).

De qualquer forma, a versão apresentada pela vítima também


foi prestigiada pelas demais provas judiciais.

Maria Solange, genitora da ofendida, mencionou que Zeneide


(irmã do réu) trabalhava em sua residência e morava em um cômodo do imóvel.
Em 2002, quando o acusado foi visitar Zeneide, notou que a vítima ficou bastante
assustada. Em seguida, ela lhe contou que o recorrente tinha colocado o dedo
em sua "periquita", ocasião em que percebeu que a vítima estava assada na
região genital. Levou então a ofendida ao hospital, onde foi constatado que ela
estava machucada na região externa da vagina, mas com o hímen preservado. A
vítima lhe falou que o réu a segurou com força, tapou sua boca e, por várias
vezes, tentou introduzir o dedo na sua vagina (cf. fls. 186/187).

Zeneide de Melo, irmã do acusado, por sua vez, asseverou


que só soube dos fatos por meio da genitora da vítima. Questionou o réu, mas ele
negou a prática do delito. No dia seguinte, a criança foi submetida a exame e a
mãe registrou a ocorrência. Depois disso, o apelante fugiu com toda a família e
nunca mais soube dele. Acredita que os fatos ocorreram quando subiu para
buscar roupa para a menor, que ficou sozinha com o réu por cerca de 20 (vinte)
minutos (cf. fls. 190/191).

Além disso, ainda que o exame de fls. 29/30 tenha verificado


que o hímen da vítima não apresentava ruturas, fato é que apontou eritema de
mucosa vulvo-vaginal, que pode ser decorrente de "vulvite inflamatória" ou de
práticas libidinosas (manipulação genital).

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Note-se, ademais, que o laudo de fls. 96/99 destacou que a


vítima "relatou com clareza que o Sr. Otaniel colocou a mão dentro de sua
perereca e ficou mexendo", concluindo, do ponto de vista psicossocial, a
presença de fortes indícios de que a menor tenha sido vítima de atos libidinosos
por parte do réu.

O recorrente, de outro lado, não forneceu qualquer versão


plausível de forma a justificar a grave imputação, ônus que lhe competia, por
força do disposto no artigo 156 do Código de Processo Penal, limitando-se a
negar o crime, situação esta que contrasta com as provas produzidas em juízo.

Correta, em suma, a responsabilização criminal do apelante,


nos moldes do reconhecido na sentença recorrida.

Insta destacar, ainda, que o reconhecimento da conduta


prevista no artigo 214 do Código Penal (vigente à época dos fatos), por ser mais
benéfica ao acusado, com base no princípio da irretroatividade da novatio legis in
pejus, é mesmo de rigor, sendo prescindível, a meu ver, maiores considerações a
respeito.

Feitas essas considerações, passa-se à análise da pena.

Na primeira fase, atento às circunstâncias judiciais previstas


no artigo 59, caput, do Código Penal, que, a meu ver, respeitado o entendimento
diverso da Magistrada sentenciante, não extrapolaram os limites normais e
inerentes ao próprio delito, porquanto a idade da vítima é elementar do tipo, fixo a
pena-base no mínimo legal de 06 (seis) anos de reclusão, que restará definitiva
neste patamar, à falta de outras modificadoras.

O regime prisional inicial, na espécie, igualmente merece ser


mitigado para o semiaberto, tendo em vista a extensão da pena aplicada, e

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considerando, ainda, que as circunstâncias judiciais não são desfavoráveis ao


réu, que também é absolutamente primário (cf. artigo 3º, § 2º, alínea "b", e § 3º,
do Código Penal), não se justificando, bem por isso, maior rigor carcerário.

Confira-se, a propósito, relativamente ao regime prisional ora


aplicado, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: "PENAL. HABEAS
CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. NÃO CABIMENTO.
CONDENAÇÃO CONFIRMADA EM SEDE DE APELAÇÃO. ESTUPRO DE
VULNERÁVEL. REGIME PRISIONAL FIXADO COM BASE NA HEDIONDEZ DO
DELITO. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS TOTALMENTE FAVORÁVEIS.
HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. [...]
III - O Pretório Excelso, nos termos da r. decisão Plenária proferida por
ocasião do julgamento do HC n. 111.840/ES, ao considerar incidentalmente
a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com redação
dada ela Lei nº 11.464/07, concluiu ser possível o afastamento da
obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes
hediondos e equiparados. IV - A hediondez do delito, por si só, é
insuficiente para justificar a imposição do regime inicial mais gravoso para
o cumprimento de pena. Faz-se indispensável à criteriosa observação dos
preceitos inscritos nos artigos 33, § 2º, alínea c, e § 3º, do CP (Precedentes).
V - Nos termos do Enunciado Sumular nº 719/STF: 'A imposição do regime
de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige
motivação idônea'. VI - Na hipótese, o paciente é primário, a quantidade da
pena aplicada é superior a 4 (quatro) anos e não excedente a 8 (oito) e a
pena-base foi fixada no mínimo legal em razão da ausência de toda e
qualquer circunstância judicial desfavorável ao paciente, motivos
suficientes a ensejar o estabelecimento do regime inicial semiaberto.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para fixar o
regime prisional semiaberto para o início do cumprimento da pena" (HC
297.725/SP, 2014/0155904-4, 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer, j. em 23/10/2014,
DJe de 03/11/2014).

Apelação Criminal nº 0009693-15.2002.8.26.0268 - Comarca de Itapecerica da Serra 8/9


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Ante o exposto, rejeitada a preliminar, dá-se parcial


provimento ao recurso a fim de reduzir a pena do réu para 06 (seis) anos de
reclusão, além de estabelecer o regime semiaberto para o início da expiação;
preservada, quanto ao mais, a sentença recorrida.

NELSON FONSECA JÚNIOR


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